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Vasconcellos Garcia-Economia e Direito
Vasconcellos Garcia-Economia e Direito
1 Introdução
A ação do Estado, quer do ponto de vista econômico, quer jurídico, supõe-se que
esteja voltada para o bem-estar da população, e é o Direito que estabelece as normas que
regulam as relações entre indivíduos, grupos, e mesmo entre governos, indivíduos e
organizações internacionais.
Segundo John Locke,[6] um dos expoentes do liberalismo, os indivíduos, por um
acordo, teriam colocado parte de seus direitos naturais sob controle de um governo
parlamentar, limitado em suas competências e responsável perante o povo. Assim, de
maneira voluntária e unânime, os homens decidiram entrar num acordo para criar uma
sociedade civil cuja finalidade fosse promover e ampliar os direitos naturais do homem à
vida, à liberdade e à propriedade.
Em parte baseando-se nesses princípios, as normas constitucionais brasileiras foram
criadas com a preocupação de promover o bem-estar da coletividade, e encontram-se na
Constituição Federal de 1988, nos capítulos relacionados com a tributação, as finanças
públicas e os orçamentos anuais.
Em última instância, para a atuação do Estado brasileiro na economia, buscou-se o
que está previsto no artigo 170 da Constituição de 1988:
A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre
iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça
social, observados os seguintes princípios:
I. soberania nacional;
II. propriedade privada;
III. função social da propriedade;
IV. livre concorrência;
V. defesa do consumidor;
VI. defesa do meio ambiente;
VII. redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII. busca do pleno emprego;
IX. tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as
leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade
econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos
previstos em lei.
É possível ainda observar a ligação entre Economia e Direito quando se analisam os
princípios gerais da atividade econômica; da política urbana, agrícola e fundiária; o Sistema
Financeiro Nacional; as políticas monetária, de crédito, cambial e de comércio exterior.
Nunca é demais repetir que a fundamentação jurídica para essas políticas encontra-se na
Constituição, em que se definem as competências econômicas das várias esferas de
governo.
Por outro lado, os governos também têm tentado criar normas jurídicas que
protejam a fauna, a flora e os mananciais, bem como o meio ambiente de maneira geral, no
qual se insere o Protocolo de Quioto e a regulamentação do mercado de carbono.
Assim, as normas jurídicas buscam, em última análise, regular as atividades
econômicas, no sentido de tornar os mercados mais eficientes (função alocativa) e buscar
melhor qualidade de vida para a população como um todo (função distributiva).[7]
Leitura Complementar:
Créditos de Carbono e o Teorema de Coase
Uma das proposições mais famosas em economia foi feita, na verdade, por um
brilhante advogado norte-americano, Ronald Coase, que inclusive foi o único advogado do
mundo a ganhar o Prêmio Nobel de Economia, em 1991.
Coase estava muito preocupado com os impactos econômicos dos efeitos colaterais
(externalidades) positivos ou negativos do consumo ou da produção de um indivíduo sobre
outro. Assim, por exemplo, analisou o caso de um médico que processou seu vizinho, dono
de uma pequena tecelagem, cujo ruído atrapalhava o atendimento de seus pacientes.
Utilizando sua experiência como advogado, começou a se perguntar se o processo
jurídico, que identificaria uma ―vítima‖ e um ―culpado‖, seria melhor, do ponto de vista
social, em comparação à livre negociação entre as duas partes. Em outras palavras, a
―culpa‖ é do dono da tecelagem, cuja produção provoca uma externalidade negativa para o
médico, ou a ―culpa‖ é do médico, que resolveu abrir um consultório ao lado de uma
tecelagem? Para responder a essa questão devemos nos perguntar se é o tecelão que tem ―o
direito a fazer barulho‖ ou se é o médico que tem ―o direito a ter silêncio‖, ou seja, de quem
são os direitos de propriedade.
Independentemente de quem seja o ―dono‖ dos direitos anteriores, desde que
estejam definidos, se os custos de chegar a um acordo entre as duas partes (custos de
transação) são baixos, esse acordo seria melhor para ambas as partes (sociedade) que o
processo judicial anterior. Isso é exatamente o que postula o chamado ―Teorema de
Coase‖. Assim, se o tecelão ―chegou primeiro‖, o médico é que deveria procurar outra
localização para seu consultório, ou oferecer um desconto a seus pacientes pelo desconforto
do barulho provocado pelo vizinho. Caso contrário, o tecelão deveria oferecer algum tipo
de compensação ao médico. A solução jurídica pressupõe que o direito esteja sempre de
posse do médico, o que, como vimos, pode não ser certo, reduzindo indevidamente a
quantidade de roupas produzidas pela tecelagem.
Coase também analisou casos em que, em vez de um processo judicial, a solução
típica para evitar externalidades negativas é a aplicação de impostos. Assim, uma fábrica
que emita poluentes (dióxido de carbono), na visão tradicional, deveria ser taxada com um
imposto ou obrigada a reduzir sua produção.
Aplicando a ideia de Coase, o governo dos Estados Unidos decidiu criar um sistema
de ―direitos de emissão de dióxido de carbono‖, que foram vendidos a fábricas poluentes,
definindo-se, então, direitos de propriedade. Com essa medida, em primeiro lugar,
estabeleceu-se um limite máximo total de poluição e, através do leilão desses direitos,
possibilitou-se que as fábricas ―internalizassem‖ o fato de que teriam de pagar para poluir,
pois isso gerava custos para a sociedade. Além disso, como havia permuta entre os direitos
de emissão entre as fábricas instaladas e as que desejavam ingressar, a medida incentivou o
desenvolvimento de tecnologia despoluente, pois aquelas que conseguissem emitir menos
dióxido de carbono poderiam vender direitos às que emitiam acima do limite estabelecido.
Questões para revisão