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Reitor Flávio Fava de Moraes

Ylce-reitora Myriam Krasilchik

EDITORA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

Presidente Sérgio Miceli Pessôa de Barros


DiretorEditorial Plinio Martins Filho
Editor-assistente Rodrigo Lacerda

ComissãoEditorial Sérgio Miceli Pessôa de Barros (Presidente)


Davi Arrigucci Jr.
José Augusto Penteado Aranha
Oswaldo Paulo Forattini
Tupã Gomes Corrêa
Copyright © 1994 by PNUD

Esta obra resultou da íuiciativa do Ministério das Relações


Exteriores do Brasil, através da Agêucia Brusileim de Coo-
pcraç ão, que, em conjunto com a Universidade de São Paulo
e o apoio do Programa das Nações Unidas para o Dcscuvol-
vimcnto, empreendeu o Programa de Gestão da Cooperação
Técnica Internacional - PROCiNT (Projeto BRA/90/0 14).

Dados Intcmacionnisde Catalogação n a Publicação(CU')


(Câmara Brasileirado Livro, SI', Brasil)

Cooperação Internacional : Estratégia c Gestão I Jacques Marcovitch


(org .), - São Paulo : Editora da Universidade de São Paulo, 1994.

Bibliografia.
ISDN: 85-314-0224-7

I. Cooperação Internacionnl 2. Relações Internacionais I. Mar-


covitch,Jacques, 1943-
94-0371 CDD-327.17

Índic,'spara catalogosistenuitico:
I. Cooperação internacional : Relações internacionais 327.17

Direitos reservados à
Edusp - Editora da Universidade de Sâo Paulo
Av. Prof. Luciano Gualbcrto, Travessa J, 374
6º andar - Ed. da Antiga Reitoria - Cidade Univcrsiniria
05508-900 - São Paulo - SP - Brasil Fax (O 11) 211-6988
Te!. (O11)813-8837/818-4156/818-4160

Prínted in Brnzil 1994

Foi feito o depósito legal


Caminante, no hay caminos;
se hace camino ai andar.
ANTONIO MACHADO
Sumário

13 Introdução
J acques Marcovitch

ESTRATÉGIA DA COOPERAÇÃO INTERNACIONAL

23 Política Externa Brasileira: Reflexão e Ação


Celso Lafer
A modernidade e o tema da identidade internacional; Perfil
brasileiro; Fronteira-separação versus fronteira-cooperação;
Dimensões de primeiro mundo e de terceiro mundo; Comércio
exterior; A Federação na política externa; A constitucionali-
zação das relações internacionais no Brasil; Democracia e
diplomacia; "Relegitimação" da perspectiva do Sul; Forças
centrípetas e forças centrífugas; Novas geometrias de poder;
Tecnologias sensíveis e não-proliferação; Do diagnóstico à
ação; Adaptação criativa e visão de futuro; Democratização
da ordem internacional e participação; Parcerias operacio-
nais; "Nichos de oportunidade "; Conclusão.

47 Competição, Cooperação e Competitividade


J acques Marcovitch
Estado e sociedade nas relações internacionais; A competição
na sociedade dividida; Em busca da cooperação internacio-
nal; Os desafios da competitividade; Lições para o futuro:
cooperação e competitividade; Considerações finais.

65 O Brasil e o Sistema Internacional Contemporâneo


Hélio J aguaribe
O mundo e a nova ordem mundial; Principais características
atuais; O colapso do comunismo; Sociedades pós-industriais;
Megamercados; Brecha Norte-Sul; Interesses coletivos; A
nova ordem mundial; Tendência à multipolaridade; Pax Ame-
8 Jacques Marcovitch

ricana; O Brasil no mundo; Duas facetas; Principais deman-


das; Mercosul.
85 Relações Econômicas Internacionais
Simão Davi Silber
A evolução da economia mundial; Comércio internacional e
blocos regionais; Perspectivas para o Brasil na economia
internacional; A política brasileir.a de comércio exterior;
Perspectiva da economia mundial, coordenação da política
econômica e o problema da dívida externa.

117 A Política Externa Brasileira: Da Marginalidade à


Responsabilidade (1930-1990)
Ricardo A. S . Seitenfus
O peso do passado; Os sobressaltos da Segunda República;
Desenvolvimento e crises (1945-1964); A política externa sob
o regime militar: do alinhamento à contestação; A Nova Re-
pública e o reencontro com o Cone Sul; Conclusão: perspec-
tivas brasileiras.

149 Perspectivas da Cooperação Internacional


Celso Luiz Nunes Amorim
Significado e limites da cooperação internacional; Desenvol-
vimento e progresso tecnológico; O papel da cooperação in-
ternacional no desenvolvimento tecnológico.

165 A Cooperação Técnica Internacional


Guido F. S. Soares
Modalidades de cooperação técnica internacional; A assistên-
cia técnica internacional; Transferência internacional de tec-
nologia: problemas jurídicos e políticos, tipos de contratos e
sua regulamentação; Transferência de capitais no quadro do
sistema da ONU, organismos regionais, ação direta dos Esta-
dos e aportes dos bancos privados; Conclusão.

219 Financiamento Oficial da Cooperação Técnica Internacional


Peter Kõnz
Arcabouço conceitual e orientação da discussão; Fontes de
financiamento para assistência técnica: motivação e políticas;
Sumário 9

Fórmulas de alocação e critérios para financiamento de assistên-


cia técnica; Financiamento misto; Um modelo para o futuro.

273 As Organizações Internacionais e a Cooperação Técnica


Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros
Conceito e classificação das organizações internacionais; A coope-
ração técnica internacional institucionalizada; O sistema da ONU;
O sistema das organizações de cooperação monetária, financeira e
comercial; O sistema das organizações regionais; O sistema das
organizações de fomento; Os acordos de cooperação técnica das
organizações internacionais; As principais contribuições das orga-
nizações internacionais; Estudos mais relevantes sobre a cooperação
técnica institucionalizada; Conclusões.

321 Formas de Inserção da Cooperação Técnica Int~rnacional


nos Programas de Desenvolvimento Científico e Tecnoló-
gico: A Experiência do CIID
Fernando Chaparro
A cooperação técnica internacional no âmbito do desenvolvi-
mento científico e tecnológico da região; Dilemas básicos que
enfrenta a cooperação técnica internacional; As estratégias re-
gionais do CIID: um esforço para responder a esses dilemas.

GESTÃO DA COOPERAÇÃO INTERNACIONAL

367 A Administração de Projetos Aplicada ao Ambiente da


Cooperação Técnica Internacional: Visão de Conjunto
Guilherme Ary Plonski
O que é cooperação técnica internacional?; Que é um projeto
de cooperação técnica internacional?; Revisão da administra-
ção de projetos; Perfil dos projetos de cooperação técnica
internacional; Conclusão.

385 Planejamento de Projetos de Cooperação Técnica Internacional


Isak Kruglianskas
O ciclo de vida do PCTI; Fase de pré-concepção: caracteriza-
ção, alternativas, escolha e identificação; Fase de concepção:
formulação dos objetivos, etapas e estimativas; Fase de estrutu-
ração: riscos, atividades alternativas, metas, recursos, plano
10 Jacques Marcovitch

formal; Resultados de pesquisa empírica sobre planejamento


de PCTI; Considerações finais e recomendações.

421 Estrutura Organizacional para Projetos de Cooperação


Internacional
Eduardo Vasconcellos e Edison Fernandes Polo
Componentes e condicionantes da estrutura; Centralização x
descentralização da área de cooperação internacional; Alter-
nativas de departamentalização; Organograma linear; Diag-
nóstico e mudanças na estrutura; Considerações finais.

493 Gerenciamento da Cooperação Técnica Internacional


Antonio Cesar Amaru Maximiano
O projeto como unidade de trabalho de cooperação técnica
internacional; Características do projeto de cooperação; Idéias
de projetos e pré-projetos; O dirigente da cooperação técnica
internacional; O papel de gerente de área de cooperação e de
gerentes de programas; O papel de gerente de projetos; Fatores
internos e externos no gerenciamento de projetos de cooperação;
O perfil gerencial do agente de cooperação; Conclusões.

511 Avaliação e Determinantes do Sucesso de Projetos de


Cooperação Técnica Internacional
Antonio Cesar Amaru Maximiano e Roberto Sbragia
Dificuldades com a avaliação de projetos de cooperação téc-
nica internacional; Importância da avaliação; Avaliação de
projetos: quadro básico de referências; Estudos de casos; O
conceito de sucesso e insucesso de projetos; Determinantes de
sucesso e insucesso de projetos de cooperação técnica inter-
nacional; Fatores de êxito, segundo profissionais brasilei-
ros de cooperação técnica internacional; Conclusão.

NEGOCIAÇÃO NA COOPERAÇÃO TÉCNICA


INTERNACIONAL

541 Negociação de Contratos Internacionais de Cooperação


Luiz Olavo Baptista
Contratos de cooperação - conceituação; Negociação da coo-
peração técnico-industrial; Negociação dos contratos de coo-
Sumário 11

peração; Estrutura dos contratos privados de cooperação;


Encerramento da negociação e fechamento do contrato.
577 Técnicas de Negociação para Contratos de Cooperação
Técnica Internacional
Celso Cláudio de Hildebrand e Grisi
Os conceitos associados às atividades para resolução de confli-
tos; Elementos condicionantes das negociações; Modelo para
análise de negociações; Processo de negociação; Preparações
eficientes; Peculiaridades das negociações de contratos de coo-
peração técnica internacional; Fatores que inibem o sucesso das
negociações de contratos de cooperação técnica internacional;
Os principais desafios de uma negociação de contratos de coo-
peração técnica internacional.
597 Meios de Pagamentos e Garantias Bancárias em Contratos
Internacionais
Ligia Maura Costa
O crédito documentário; Mecanismo do crédito documentário;
As funções particulares do crédito documentário; As garantias
bancárias; O mecanismo das garantias bancárias; A garantia
bancária automática.
621 Tecnologia e sua Importância
Luiz Alfredo Paulin
Do acesso, por parte dos países subdesenvolvidos, à tecnologia;
Da assistência técnica e da cooperação técnica internacional;
Dos contratos de transferência de tecnologia; Do contrato de
know-how; Da patente; A transferência de tecnologia no Brasil.

CASOS E DEPOIMENTOS
647 A Tecnologia de Transferir Tecnologia
João Batista Araujo e Oliveira
Buscando tecnologia para os centros de tecnologia do Senai;
Brasil e Cingapura : comparações e lições.
665 Glossário

671 Sobre os Colaboradores


Introdução

J acques M arcovitch

Uma progressiva interdependência caracteriza a evolução recente da socieda-


de humana . Os saltos tecnológicos, especialmente os realizados no campo das
telecomunicações, têm provocado uma rápida aproximação entre o centro e a
periferia, o planalto e a planície, o moderno e o tradicional. Aproximação que
evidencia os contrastes e sublinha iniqüidades. Iniqüidades que têm elevado
os focos de conflitos dentro de países e entre eles. Respeitada e preservada a
diversidade cultural, torna-se evidente a necessidade de conciliar a competi-
ção entre nações por iniciativas de cooperação. Iniciativas imprescindíveis
para enfrentar ameaças ao equilíbrio dinâmico da civilização e desta com o
seu meio ambiente.
Para os campos sócio-econômico, tecnológico e ambiental, percebem-se ave-
nidas de cooperação internacional, cooperação que decorre do engajamento
dos protagonistas sociais e das instituições. Desse engajamento pode resultar
um sistema de cooperação, estruturado pelo governo mas que transcenda seus
limites. Sistema que busque uma estratégia, métodos de gestão e uma capaci-
dade de negociação capazes de conciliar competição e cooperação. Iniciativas
para um desenvolvimento orientado para as prioridades da maioria e das
gerações futuras.
14 Jacques Marcovitch

Com a intenção de formar recursos humanos preparados para atuar na área da


cooperação, foi organizada esta coletânea. Esta obra resulta de estudos reali-
zados no âmbito do Programa de Gestão de Cooperação Técnica Internacional,
tendo sido elaborada por professores, pesquisadores e dirigentes engajados
em projetos de cooperação internacional. A obra está estruturada em três
partes. A primeira trata da estratégia da cooperação internacional e introduz
o tema da cooperação, fixa os limites de sua atuação e mostra algumas
tendências mundiais. A partir do desenvolvimento histórico brasileiro na área
da cooperação, são apresentadas as perspectivas do sistema e das práticas
internacionais vigentes. A segunda parte da coletânea trata da gestão da
cooperação internacional. A terceira dedica-se à negociação entre os protago-
nistas que compõem o sistema de cooperação internacional.
A obra tem início com especialistas que apresentam os temas voltados para a
geoestratégia e a relações internacionais. Celso Lafer discorre sobre o perfil e a
ação da política externa brasileira recente, com o conceito das fronteiras de coope-
ração sobrepondo-se às tradicionais fronteiras de separação. A partir de dados sobre
a realidade brasileira, avalia implicações diplomáticas sob a ótica da democratiza-
ção de um mundo em mudança. Parcerias, integração regional e nichos de atuação
conduzem a formulação de diretrizes para a política externa brasileira.

Em uma sociedade humana dividida, a turbulência tem caracterizado a economia


mundial. As novas tecnologias oferecem caminhos alternativos para o aprimora-
mento da infra-estrutura social e o aperfeiçoamento dos fatores de competitividade.
Esses caminhos, no entanto, podem ser trilhados com novas formas de organização
política e social. Em " Competição, Cooperação e Competitividade" são recuperadas
experiências passadas que mostram o quanto a cooperação internacional abre
oportunidades para aprimorar fatores de competitividade estrutural. É enfatizada a
importância do engajamento das lideranças da sociedade republicana na definição
de uma política externa. Cabe-lhes propor novas relações entre o Estado e a
sociedade e decodificar os acordos e convenções internacionais.

Hélio J aguaribe apresenta um estudo em dois movimentos. No primeiro, identi-


fica e analisa as características do cenário internacional, como o colapso do
comunismo, a emergência de sociedades pós-industriais, a formação de mega-
mercados, o agravamento da brecha Norte-Sul e a falta de uma regulação racional
dos grandes interesses coletivos. Concluindo, tece considerações sobre o multi-
polarismo e a crescente influência das Nações Unidas. O segundo movimento
projeta a posição do Brasil naquele cenário, indicando a relevância do desenvol-
vimento das relações no âmbito regional, inclusive no Mercosul.
Introdução 15

A evolução da economia mundial e as alterações da política econômica afetam as


relações comerciais internacionais na análise de Simão Silber. Há um quadro de
aumento das restrições tarifárias, das negociações no âmbito do GATT, dos blocos
econômicos regionais e de crescente interdependência entre países; estes são fato-
res-chave na evolução do comércio de bens, na mobilidade dos fatores de produção
e na difusão internacional da tecnologia. Silber aponta o espaço aberto ao Brasil
para um aumento de sua participação na economia mundial. O estudo termina
com uma análise da dívida externa e sua implicação no futuro cenário mundial,
bem como nas políticas de estabilização e abertura para o exterior adotadas pelo
país.
A inserção histórica do Brasil em um mundo sujeito a profundas modificações,
no período que vai do entre-guerras à queda do muro de Berlim, é analisada por
Ricardo Seitenfus. Os limites impostos à "diplomacia do desenvolvimento" pela
crise do início da década de 80 tornaram raras as oportunidades em que o peso
da ideologia guiasse os passos internacionais do país. Na encruzilhada a que se
chegou, os debates e embates característicos da atuação internacional brasileira
na atualidade demonstram as incertezas quanto ao futuro. Seguindo esse itinerá-
rio do econômico sobrepujando o político, Seitenfus define os objetivos, limites,
sucessos e fracassos de um país que abriga em seu seio todas as contradições
exemplares e singulares do " Extremo Ocidente".
As perspectivas da cooperação internacional são em seguida abordadas por Celso
Nunes Amorim sob duas perspectivas: privilegiando a cooperação científica e
tecnológica e a maneira como ela vem sendo desenvolvida no Brasil. Focaliza
inicialmente a discussão do estado atual das relações entre os Estados e analisa em
seguida as questões subjacentes à política de cooperação internacional em C&T.
Com isso ficam definidas as fronteiras da cooperação e seus limites.
Nesse território, Guido Soares traça um amplo retrato jurídico da cooperação
técnica internacional, abrangendo suas modalidades e as formas de assistência e de
transferência internacional de tecnologia. Traça o perfil das organizações interna-
cionais que intervêm no processo, no quadro do sistema da ONU, dos organismos
regionais, da atuação direta dos Estados e dos bancos privados. Indica os problemas
jurídicos e políticos mais relevantes, os tipos de contratos, sua regulamentação e as
questões ligadas à transferência de capitais.
A questão dos financiamentos internacionais, nas ações financiadas com recursos
oficiais e naquelas apoiadas comercialmente com recursos privados, é aprofundada
por Peter Koenz. Embora ressalte o caráter de complementaridade que une as duas
modalidades, intimamente ligadas, seu trabalho privilegia o estudo das fontes
16 Jacques Marcovitch

oficiais de financiamento e co-financiamento. Conclui fazendo considerações


sobre a utilização do apoio externo em esquemas mistos de financiamento e a
necessidade de um enfoque inovador para a cooperação entre países em desenvolvi-
mento.
Cachapuz de Medeiros defende um repensar dos organismos internacionais à luz
da nova realidade mundial. Expõe os quatros sistemas de atividades desenvolvi-
dos no âmbito da cooperação técnica: o sistema das Nações Unidas; o sistema
da cooperação monetária, financeira e comercial; o das organizações regionais
e o sistema de fomento. O autor aponta suas limitações e descreve as transfor-
mações na índole da cooperação técnica. Passa das transferências unilaterais de
tecnologia para operações conjugadas entre instituições e países participantes, o
que pode possibilitar uma aprendizagem cruzada.
Encerrando a primeira parte, Fernando Chaparro analisa formas de interação entre
a cooperação técnica internacional e os programas de desenvolvimento científico e
tecnológico. Apresenta também a experiência do Centro Interamericano de Inves-
tigaciones para el Desarrollo (CnDI IDRC) nos países da América Latina e do
Caribe. A partir de considerações sobre fatores que incidem sobre a magnitude dos
recursos de cooperação canalizados para a região, indica os principais dilemas com
que se confronta a cooperação técnica internacional na América Latina. As diferen-
tes soluç ões originam enfoques distintos quanto à cooperação para o desenvolvi-
mento. A experiência do CnD mostra a formulação de uma estratégia regional para
a América Latina e o Caribe como uma resposta àqueles dilemas.
A segunda parte da coletânea é dedicada ao processo da gestão, isto é, planejamento,
elaboração e avaliação de projetos, bem como ao exame da função gerencial na
cooperação técnica internacional. Guilherme Ary Plonski começa oferecendo uma
visão de conjunto da administração de projetos de cooperação internacional. Indica
quais as ações da transferência de conhecimentos entre países e organismos inter-
nacionais. Cada ação constitui um desafio gerencial, por envolver culturas diferen-
tes, distâncias consideráveis, assimetrias entre protagonistas e um número elevado
de interfaces organizacionais.
Kruglianskas identifica e verifica até que ponto os procedimentos da programação
da cooperação técnica são utilizados . A partir de dados empíricos, focaliza o
processo de planejamento dos projetos de cooperação técnica internacional, exami-
nando seu ciclo de vida e o detalhamento das atividades de cada uma das subfases
que caracterizam a fase de planejamento . Vasconcellos e Polo estudam as organi-
zações que têm criado unidades voltadas para a interface com outros países. Para
essas unidades, e com base em três estudos de caso, são indicadas formas estru turais
Introdução 17

alternativas. Partindo dos conceitos de estrutura, componente e fator condicio-


nante, os autores discorrem sobre a centralização em projetos de cooperação
técnica internacional. Em seguida são oferecidos critérios para avaliar estruturas
de centros de cooperação técnica internacional.
O papel do gerente, bem como suas qualificações, é discutido no âmbito dos
projetos de cooperação técnica internacional. Os níveis principais em que são
administradas as agências de cooperação internacionais - estratégia, programas
e projetos - são objeto do estudo de Antonio Amaru Maximiano. Os dois
primeiros níveis estão localizados nas agências de cooperação e são atribuições
de seus dirigentes. Quanto ao gerenciamento dos projetos, é desempenhado por
profissionais da própria agência, por técnicos de outras divisões ou de outras
organizações engajadas no projeto.
Os procedimentos de avaliação em projetos de cooperação internacional consti-
tuem uma prática necessária para verificar se os objetivos foram atingidos dentro
dos prazos e orçamentos previstos. Eles evidenciam os impactos e resultados
alcançados. Maximiano e Sbragia mostram as modalidades de avaliação, que
podem ser intermediárias, terminais ou ex-posto Quanto às equipes de avaliação
para identificar fatores causais de sucesso ou fracasso, podem ser tanto internas
quanto externas aos projetos. Dois estudos de caso e um estudo de campo
embasam as conclusões do trabalho .
A terceira parte da coletânea é dedicada à negociação na cooperação técnica
internacional. Ali são apresentadas as fontes e os instrumentos jurídicos do
comércio internacional e os aspectos norteadores da negociação da cooperação
técnica. Entre outros, são abordados os fatores psicossociais influentes nessas
negociações. A partir da evolução recente da cooperação internacional, que
enfatiza os aspectos bilaterais, Luiz Olavo Baptista estabelece o modo como se
desenvolvem as negociações que concretizam os contratos com esse objeto, os
quais se constituem no primeiro fruto da cooperação. O texto indica técnicas de
negociação e trata de seus aspectos jurídicos, no intuito de torná-lo acessível a
agentes de cooperação. Em seguida Celso Grisi trata dos conceitos e das técnicas
relativas à teoria das negociações e demonstra que o sucesso nessa atividade
depende do esforço e da pertinência do planejamento realizado. É proposta uma
agenda para o negociador, com a finalidade de auxiliar o planejamento e a
organização de seu trabalho.
Os contratos de cooperação internacional são reputados como forma de incenti-
var o desenvolvimento, mas seus riscos são elevados. Dentre os problemas
envolvidos nesses contratos está a escolha dos diferentes meios de pagamento,
18 Jacques Marcovitch

de financiamento e de garantias. Lígia Costa se detém no exame do crédito


documentário e das garantias bancárias, analisando alguns elementos complexos
decorrentes das características desses mecanismos correntes em projetos de
cooperação internacional.
o exame do papel que a tecnologia desempenha no mundo contemporâneo é
analisado por Luiz Paulin. Constatando a necessidade de os países menos desen-
volvidos terem acesso a tecnologias fora de seus alcances, o autor discute as
Convenções Internacionais que regulam a matéria. Ficam indicados o dever de
cooperação entre as nações e a necessidade de um Direito de Desenvolvimento,
positivado através da Carta de Direitos e Deveres Econômicos dos Estados. Em
seguida o autor se volta para as questões de transferência de tecnologia por
intermédio de contratos regidos pelo direito privado. É examinado o tratamento
que a legislação brasileira dá à questão da transferência de tecnologia, com
indicação dos principais contratos de transferência e de patentes.

Finalmente, é apresentado o relato de João Batista Oliveira sobre duas experiências:


a utilização de ajuda externa, pelo SENAI, para instalação e desenvolvimento de
seus Centros de Tecnologia, e o resumo de uma experiência semelhante em Cinga-
pura. A comparação entre os dois casos permite ressaltar fatores essenciais para o
êxito dos processos de transferência.

Concluindo, a cooperação internacional constitui um mecanismo auxiliar da política


externa. Ao proporcionar a integração internacional, a colaboração nos campos
científico e tecnológico e a realização de operações internacionais lastreadas na
competitividade, forma recursos humanos orientados para as prioridades do desen-
volvimento.

O momento exige o aprimoramento da competência gerencial específica para


projetos de cooperação internacional. O apoio à formação de recursos humanos é
também um propósito desta coletânea. Visando à formação de especialistas na
área, foi idealizado o PROCINT (Programa de Gestão da Cooperação Técnica
Internacional), uma iniciativa da Agência Brasileira de Cooperação do Ministé-
rio de Relações Exteriores (ABC/MRE), com a colaboração do Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Concebido e executado pela
Universidade de São Paulo, através de sua Faculdade de Economia, Administra-
ção e Contabilidade (FEA) e do Instituto de Estudos Avançados (IEA), o Pro-
grama almeja a consolidação de um marco conceptual e a promoção de laços de
colaboração entre instituições, resultando na estruturação de um novo sistema
brasileiro de cooperação técnica internacional.
Introdução 19

Para se desincumbir dessa missão, o programa contou com um Conselho de


Orientação constituído por Carlos Alberto Pimentel, Eduardo Gutierrez, Eduardo
Vasconcellos, Renato J anine Ribeiro, Roberto Giannetti da Fonseca e Ruy
Martins Altenfelder Silva, que, juntamente com os coordenadores acadêmicos
dos módulos, trouxeram seu conhecimento e a motivação de compartilhar sua
experiência na área. Um agradecimento especial deve ser reservado à equipe do
PROCINT, coordenada por Maria Selma Baião, gerente do projeto. Essa equipe,
constituída por Denis Garcia, Ivete Rodrigues, Miriam Assad Rodrigues Pinhei-
ro, Nilce Mendonça Gil e Yuki Teraoka, atuou com dedicação e eficiência.
A publicação desta obra contou com o valioso empenho de Hilda Salomé Pereira,
que coordenou a editoração. Ela não mediu esforços e cuidados para assegurar
a qualidade da apresentação e do seu conteúdo. Coube a Antonio Luiz J amas e
a Sandra Vilas Boas a diagramação e a Eni E. Ceotto a revisão dos textos. Cada
um deles revelou sua competência nesse esforço conjunto : a contribuição para o
projeto gráfico resultou da criatividade e da experiência do artista gráfico Fred
Jordan.
Resta consignar o nosso reconhecimento e agradecer aos autores, professores,
participantes e organizações envolvidas no programa. Seu entusiasmo e talento
possibilitaram a execução desta iniciativa. Cabe agora ao leitor percorrer a obra.
Apesar do individualismo e da competição crescentes, a interdependência das
partes induz à cooperação para a sobrevivência e a prosperidade do todo .
ESTRATÉGIA DA
~
COOPERAÇAO
INTERNACIONAL
Política Externa Brasileira:
Reflexão e Ação

Celso LaJer

Acredito que a expenencia havida na chefia do Itamaraty é confirmatória do


significado do que Kissinger, em escritos do início da década de 60, colocou como
uma importante distinção entre a análise - cujo ritmo é o parar-para-pensar da
reflexão - e o processo decisório - determinado pela urgência imposta pela escolha
entre opções e pelas prioridades estabelecidas num dado momento em função da
agenda pública internacional e interna. Como ministro, fui submetido à lógica do
processo decisório - governar é escolher, como dizia Mendes France -, mas creio
poder e dever enriquecer a vivência dessa lógica com a experiência da reflexão
acadêmica. É, portanto, no ritmo da reflexão, mas no contexto do processo decisó-
rio, que me proponho compartilhar idéias e conceitos que considero fundamentais
na apreciação dos interesses do Brasil no cenário internacional.

I. A MODERNIDADE E O TEMA DA IDENTIDADE


INTERNACIONAL

Consideremos inicialmente dois movimentos configuradores da modernidade


que, inseridos no fenômeno da mundialização da História, incidem sobre a vida
24 Celso Lafer

contemporânea das nações . Refiro-me à "Ilustração" do século XVIII e ao


"Romantismo" do século XIX. O primeiro movimento, a "Ilustração", ressalta a
objetividade de uma expansão universal da racionalidade, com os seus ingredien-
tes de confiança na ciência, crença na paz e expectativa nos resultados positivos
das trocas e fluxos internacionais. O segundo, o "Romantismo", reivindica a
subjetividade da liberdade de auto-expressão individual e coletiva.
No sistema internacional de nossos dias, a vertente que deriva do legado ilumi-
nista afirma a unidade fundamental do gênero humano numa comunidade mun-
dial. Numa outra direção, a vertente que provém do romantismo sustenta o
pluralismo das especi.ficidades, o que, em outras palavras, exprime a multiplici-
dade e a diversidade de povos e Estados. Essa dicotomia, enquanto premissa da
ação diplomática, reflete o porquê da afirmação das identidades nacionais.
A vida internacional de um país move-se pela conjugação entre o universal -
o pensar a humanidade - e o específico - o cogitar sobre o nacional e o
regional. Sobre essa dialética de complementaridade incidem simultaneamen-
te fatores centrípetos e fatores centrífugos. De um lado, valores e princípios
de aceitação geral na comunidade das nações, e, de outro, aspirações e
interesses particulares das sociedades, à luz da sua singularidade cultural,
histórica, econômica e política. De um lado, a convergência de processos
nacionais para práticas e ideais que se universalizam - como, hoje, expresso
no fortalecimento da democracia, dos direitos humanos e do mercado - e, de
outro, as divergências ou forças de desagregação manifestas no recrudesci-
mento dos nacionalismos, das paixões étnicas e religiosas como, atualmente,
na Europa Oriental e no Oriente Próximo.
Para o Brasil, como para qualquer outra nação, não deixa pois de ser essencial a
discussão de suas possibilidades de inserção internacional a partir tanto das
realidades do mundo - mundo em constante transformação - quanto da especi-
ficidade de seus interesses e anseios permanentes como nação soberana.

lI. PERFIL BRASILEIRO

Essa discussão deve, por sua vez, levar em conta determinados elementos obje-
tivos, próprios da configuração daquilo que poderia ser definido como o perfil
a
externo do país. O primeiro deles é, evidentemente, sua dimensão tanto em
termos territoriais quanto demográficos, assim como políticos, econômicos e
culturais . O Brasil tem peso e identidade indiscutíveis no plano internacional, à
Política Externa Brasileira: Reflexão e Ação 25

semelhança de nações de porte equivalente, embora com relevantes diferenças


culturais e de nível de desenvolvimento, como é o caso da Rússia, da Índia, da China.
O fator da localização geográfica, naturalmente, acrescenta a essa análise outro
dado fundamental, que repousa em um ensinamento simples e conhecido: "11 faut
faire la politique de sa géographie". Desse ponto de vista, ressalta automat-
icamente aquilo que costumo qualificar de contexto contíguo das relações exter-
nas brasileiras. O grande número de vizinhos, a variedade de foros e áreas de
atuação regional - por exemplo, os tratados da Bacia do Prata e de Cooperação
Amazônica, assim como os mecanismos de integração econômica e de concerta-
ção política - marcam historicamente o sentido de identidade e a prioridade da
América Latina para a política exterior brasileira.
A América Latina não é para nós uma mera opção diplomática. É, como tenho
afirmado, a nossa circunstância. É uma área de trabalho do Itamaraty que, pela
sua própria natureza e pela sua sensibilidade temática em torno da densidade de
contatos humanos e econômicos, da situação nas regiões de fronteira, exige o
constante entrosamento com os diferentes setores do Estado e da sociedade.

IH. FRONTEIRA-SEPARAÇÃO VERSUS


FRONTEIRA-CO OPERAÇÃO

A circunstância latino-americana se valoriza ainda mais diante dos novos desafios


e oportunidades de diálogo resultantes de uma agenda forjada por legítimas
preocupações da sociedade: a preservação do meio ambiente, a cooperação fron-
teiriça, o controle de drogas, a proteção das comunidades indígenas, o desloca-
mento de populações.
Para o adequado encaminhamento desses temas, tenho propugnado, como dire-
triz de nossa ação diplomática latino -americana, a transformação da fronteira de
separação na fronteira de cooperação . A fronteira da separação, no nosso caso,
não provém de conflitos. É antes a conseqüência dos espaços vazios em regiões
de difícil acesso e com limitada rede de intercomunicações físicas, como a
Amazônia, que podem trazer tensões, como tem se verificado no tratamento do
problema dos garimpeiros. A identificação de métodos de ação práticos e efica-
zes no relacionamento com nossos vizinhos, como os desenvolvidos através dos
Grupos de Cooperação Consular, torna-se, assim, um imperativo da ação diplo-
mática, sobretudo por envolverem essas questões, com conotações de especial
relevância política e social.
26 Celso Later

A fronteira de cooperação, por sua vez, solidifica seus alicerces na região platina,
onde os vínculos brasileiros não só s e beneficiam tradicionalmente da infra-es-
trutura estabelecida em termos de rodovias, pontes e hidrelétricas, mas também
adquirem dimensão inovadora com os programas de integração econômica. O
Mercosul é, nesse sentido, o maior exemplo da fronteira-cooperação, fronteira
que perde gradativamente o seu significado primordial como elemento divisório
de soberanias para incorporar as vantagens econômicas e sociais do mercado
ampliado.
A integração energética representa outro instrumento de valorização de nos-
sos laços na região. Destaco a importância dos acordos sobre aquisição do gás
natural boliviano firmados a 17 de agosto de 1992 em Santa Cruz de la Sierra.
Esses documentos criam as condições para a construção do gasoduto que unirá
os territórios dos dois países. Representará, para o Brasil, um passo signifi-
cativo na diversificação de sua matriz energética . Dentro dessa estratégia
enquadram-se igualmente as perspectivas de utilização do gás da Argentina.
Outro projeto de integração de envergadura, formalizado em Las Lefi as em
junho, é o da melhoria do transporte fluvial através da Hidrovia Paraguai-Pa-
raná.
Para o Brasil, o conceito de fronteira de cooperação tem significado muito amplo.
Aplica-se, por exemplo, à nossa grande fronteira marítima, o Atlântico Sul, o
mar-oceano que nos liga ao mundo e aos nossos vizinhos africanos. O interesse
do Brasil pelo Atlântico Sul é, pois, comparável ao que temos por quaisquer
outras de nossas fronteiras, e por essa razão, abrigamos a aspiração de efetiva-
mente transformá-lo numa grande área de paz e de cooperação internacional.
A idéia da fronteira de cooperação em sentido mais amplo e metafórico distingue
a diplomacia brasileira e caracteriza uma especificidade do perfil externo do
Brasil. Não somos, ao contrário de outros países, condicionados por influências
fortemente preponderantes que possam derivar de circunstâncias como a proxi-
midade física com uma superpotência ou a concentração de grande parte de seu
comércio exterior em um único parceiro. É o caso do México e do Canad á, cuja
posição de vizinhança com os Estados Unidos determina opções, exemplificadas
na conclusão das negociações sobre o Acordo de Livre Comércio da América do
Norte. Semelhante relação poderia ser identificada no ingresso dos países da
península ibérica na Comunidade Econômica Européia, que redefiniram suas
identidades internacionais levando em conta a força de aglutinação continental
da nova Europa.
Política Externa Brasileira: Reflexão e Ação 27

IV. DIMENSÕES DE PRIMEIRO MUNDO E DE TERCEIRO MUNDO

Esse comentário permite introduzir um ponto de retlexão importante na aprecia-


ção dos campos e oportunidades de inserção internacional do Brasil. Costumo
invocar, a tal respeito, a noção de Bastide sobre o Brasil como terra de contrastes.
Somos uma sociedade que exibe em sua realidade econômica e social padrões de
primeiro mundo e, ao mesmo tempo, padrões de terceiro mundo.
A diplomacia brasileira tem-se mostrado capaz de perceber a aplicabilidade de
ambas as dimensões e promover o seu aproveitamento em favor do interesse
nacional. A conferência do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de-
monstrou essa capacidade, na medida em que buscamos e pudemos sintetizar
posições e aspirações discrepantes. Valemo-nos para tanto da nossa condição de
país interessado nos dois aspectos centrais da Conferência - o meio ambiente e
o desenvolvimento - e que enfrenta precisamente em seu cotidiano problemas
causados pela dupla vertente da questão ambiental: de um lado, problemas
típicos dos países desenvolvidos, causados pelos padrões e formas de produção
industrial: de outro, problemas comuns aos países em desenvolvimento, fruto
principalmente da pobreza.
Em síntese, e como se viu na Conferência do Rio, é por sua intensa vivência
com realidades internas diferenciadas e complexas que o Brasil está capaci-
tado para exercitar internacionalmente a prática do diálogo. Essa prática é um
ativo diplomático. Confere-nos legitimidade para promover a cooperação e
para trabalhar em prol da construção de uma ordem mundial mais justa do
ponto de vista político, econômico e ético. Daí, nesta linha, a importância do
conceito de desenvolvimento sustentável consagrado na Conferência do Rio.
Nós o consideramos como idéia-força dessa nova ordem, pois é ingrediente
de um novo "contrato social-internacional" que aponta para uma " v isão de
futuro" - conceito a que voltarei mais adiante no correr desta exposição. Neste
momento adiantaria apenas que a noção de desenvolvimento sustentável é
essencial para a compreensão do mundo em que vivemos, pois engloba não só
a idéia de eficiência na produção de riquezas mas também a noção de susten-
tabilidade ambiental, que, por sua vez, está intimamente relacionada com a
superação da pobreza. Como tenho dito, a pobreza é, em sua essência, um
estado de insustentabilidade.
o apego à prática do diálogo e da cooperação traduz, simultaneamente, a vocação
pluralista da sociedade brasileira, o sincretismo demográfico e cultural em sua
formação histórica e as próprias disparidades regionais. Esses traços explicam,
28 Celso Later

à luz do sentido de abrangência e globalidade de nossos interesses externos, o


fato de o país não se restringir em sua ação internacional às áreas de relaciona-
mento mais denso, como a América Latina, a Europa, os Estados Unidos. Mostra
a importância e o potencial das relações com a África, o Caribe, o Oriente
Próximo, a Ásia.
A unidade lingüística do país é, por outro lado , um fator de aglutinação no campo
dos valores que, no plano externo, não só incide sobre a prioridade concedida
tradicionalmente a Portugal como também abrange as nações africanas de ex-
pressão portuguesa.

v. COMÉRCIO EXTERIOR

A diversificação do comércio exterior do Brasil, tanto em termos de número de


parceiros quanto de variedade da pauta de produtos transacionados, evidencia o
sentido de abrangência da atuação do país no plano internacional, coerente com
a vocação universalista inspiradora da nossa linha de conduta diplomática.
Anualmente exportamos algo em torno de 32 bilhões de dólares e importamos
cerca de 21 bilhões, o que representa em torno de um quinto do intercâmbio
global da América Latina com o mundo. O perfil do comércio exterior brasileiro
há muito deixou de refletir o modelo de economias - típicas da maioria dos países
em desenvolvimento - baseadas na preponderância de exportações de produtos
primário. Hoje, mais de 70 por cento das vendas brasileiras ao exterior corres-
pondem a produtos industriais, sendo que desse montante 54 por cento equivalem
a bens manufaturados e 17 por cento a semimanufaturados.
A diversificação de parceiros está particularmente traduzida no fato de que a
CEE e os Estados Unidos absorvem, respectivamente, 31 e 20 por cento das
exportações brasileiras, e 22 e 23 por cento das importações. Evidencia-se,
assim, participação equilibrada em dois dos principais mercados internacionais.
Os países da ALADI, por sua vez, contribuem com 15 por cento das exportações
e com 1 por cento das importações. Ao mesmo tempo, cresce significativamente
a participação da Ásia no intercâmbio comercial global do Brasil, que passou de
menos de 10 por cento em 1980 para quase 17 por cento - dos quais 7,5
correspondentes ao Japão, em 1990.
Essas cifras mostram o significado da posiçao internacional de um país que
dispõe de sólida base econômica a valorizar em seus vínculos de cooperação e
intercâmbio com o exterior. Confirmam, no campo comercial, que nossos inte-
Política Externa Brasileira: Reflexão e Ação 29

resses são globais - aspecto que já sublinhei como característica geral de nossa
presença internacional.
Ao mesmo tempo, não se deve perder de vista que, malgrado a pujança do
comércio exterior brasileiro, permanece ainda em níveis relativamente modestos
nossa participação na economia mundial , ainda mais se levarmos em conta a
absorção de investimentos e de tecnologia. Essa espécie de paradoxo na valora-
ção da posição internacional do país - para antecipar aqui uma das conclusões
desta palestra - na verdade demonstra que o mundo hoje é muito mais importante
estrategicamente para o Brasil do que o Brasil é relevante estrategicamente para
o mundo. D aí o desafio de fazermos corresponder nossas expectativas às nossas
potencialidades.

VI. A FEDERAÇÃO NA POLÍTICA EXTERNA

Aos múltiplos elementos que configuram o perfil internacional brasileiro pode-


se acrescentar a dimensão cada vez mais relevante que a prática federativa no
país confere à política externa. Federação, de acordo com a tradição histórica da
República, simboliza unidade dentro da diversidade. Representa a união indis-
solúvel dos estados e municípios. É expressão do poder central com respeito às
autonomias locais.
A política externa não poderia fugir ao império dessa modalidade jurídico-cons-
titucional de organização do Estado brasileiro. Existe, assim, respeitada a com-
petência do Poder Executivo federal na condução das relações externas do país,
uma diplomacia federativa que se exerce como parte do encaminhamento e da
projeção dos interesses nacionais. O governo central não atua isoladamente nessa
tarefa em relação aos poderes da Federação.
Cabe mencionar, a título exemplificativo, o acordo celebrado recentemente para a
instalação da sede do Parlamento Latino-Americano em São Paulo. Cito, ainda, a
realização da Conferência do Rio de Janeiro, precedida das reuniões preparatórias
de Manaus e Canela, assim como a decisão de designar a cidade de Salvador, Bahia,
como sede da Terceira Cúpula dos Países Ibero-Americanos, em 1993.
A diplomacia, em sua dimensão federativa, promove a coordenação e o
entrosamento com autoridades estaduais e municipais. É uma atividade cuja
importância se faz sentir cotidianamente em múltiplas iniciativas, como ulti-
mamente, nas nossas relações com países limítrofes, na condução de legítimas
aspirações locais que envolvem projetos de integração física e econômica.
3D Celso Lafer

VII. A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DAS RELAÇÕES


INTERNACIONAIS NO BRASIL

Desde o retorno do Brasil à democracia, tornou-se recorrente sublinhar a corre-


lação positiva entre essa forma de governo e a política externa. Essa conexão
reveste-se, efetivamente, de grande relevância e atua de modo crescente na
ordem internacional que começa a configurar-se.
O Brasil tem a vocação para integrar-se a essa ordem. A Constituição de 1988
fez da democracia sua idéia-força e acelerou o processo de constitucionalização
de princípios de relações internacionais.
A constitucionalização das relações internacionais é um processo que cumpre
três funções essenciais:
no plano dos princípios - que operam como "p adrõ es" jurídicos para guiar a
gestão da política externa dentro de um quadro normativo;
no plano dos limites - que estabelecem proibições em matéria de política externa;
no plano dos estímulos - que buscam encaminhar a ação externa numa
determinada linha.
Essas três funções permitem o exercício do controle político pelo Legislativo e
o controle jurídico pelo Judiciário da ação internacional do nosso país.
Nossa lei máxima marcou um passo adiante nesse movimento de progressiva
constitucionalização das relações internacionais no Brasil ao estabelecer entre
seus princípios, por exemplo, a prevalência dos direitos humanos; a defesa da
paz; a solução pacífica dos conflitos, continuando aí nossa tradição republicana;
ou o repúdio ao terrorismo e ao racismo.
No campo dos limites, a Constituição de 1988 deu a mais alta força legal à opção
brasileira pela utilização da energia nuclear apenas para fins pacíficos. No plano
dos estímulos, a integração dos povos latino -americanos foi erigida em objetivo
fundamental de nossas relações externas.

VIII. DEMOCRACIA E DIPLOMACIA

A reflexão e a análise políticas têm identificado uma ampla e rica gama de efeitos
da forma demográfica de governo no plano internacional, de que a política
externa brasileira se tem beneficiado e que ainda pode aprofundar.
A democracia legitima, primeiramente, de dentro para fora, as ações externas de
Política Externa Brasileira: Reflexão e Ação 31

um governo, conferindo-lhe o respaldo da sociedade em suas negociações diplo-


máticas e fortalecendo a credibilidade internacional do país.
Em segundo lugar, é evidente que numa democracia efetiva o papel da sociedade
não é o de legitimar opções previamente efetuadas pelo Estado no campo inter-
nacional, tampouco o de simplesmente aceitar a agenda apresentada pelo núcleo
formulador de política externa do Estado. A opinião pública tem sua própria
agenda, que a diplomacia profissional deve incorporar na medida em que lhe
cabe responder aos impulsos da sociedade civil.
Exemplos imediatos dessa realidade seriam, no caso brasileiro, os casos dos
dentistas em Portugal ou dos garimpeiros na Venezuela, situações que tendem a
repetir-se com a emigração de brasileiros para diversas regiões do mundo. É um
fenômeno que se explica não só por razões econômicas tópicas mas pela própria
dinâmica migratória que caracteriza o mundo contemporâneo.
Em terceiro lugar, e de fora para dentro, a democracia garante a legitimidade
indispensável a qualquer ator internacional, em momento de aceitação quase uni-
versal desse valor político. Essa realidade, dramatizada pela conversão maciça à
democracia durante o ano de 1989 dos países do ex-bloco socialista, é ainda mais
viva em nossa região, onde, além de compartilharmos valores ocidentais que nos
foram legados pela matriz européia, foram eles consagrados em nossa organização
regional, a Organização dos Estados Americanos, como princípio fundamental.
Neste sentido, cabe sublinhar o papel ativo que a OEA tem representado para a
restauração do processo democrático no Haiti, no Suriname e no Peru.
Em quarto lugar, a democracia, como forma de conceber a vida em sociedade,
define afinidades e discrepâncias. É natural que sociedades democráticas tenham
mais facilidade para relacionar-se com outras sociedades democráticas. Aí está,
aliás, um trunfo que apresentam as sociedades latino-americanas na estrutura
internacional em gestação, pois sua formação histórica, política e cultural as
aproxima naturalmente das vigorosas e prósperas democracias da América d o
Norte e da Europa. A fronteira América Latina/América Anglo-Saxônica não
apresenta assim a mesma descontinuidade cultural que a defrontação Euro-
pa/África do Norte, que tem sido fonte de incompreensões recíprocas. Este fundo
cultural comum é o que tornou possível, aliás, a experiência já antiga do pan-
americanismo - para voltar à OEA -, um dos poucos agrupamentos de países que
reuniu uma superpotência e países de muito menor poder com fundamento na
igualdade jurídica e no reconhecimento legal do princípio de não-intervenção,
princípio esse que na prática tem sido objeto de algumas controvérsias.
Em quinto lugar, a teoria política tradicionalmente - desde Kant pelo menos -
32 Celso Lafer

identificou uma forte vinculação entre a forma democrática de governo e a


vocação pacífica dos Estados, e uma conexão oposta, entre regimes autoritários
e totalitários e maior belicosidade externa. Os valores inerentes à democracia -
o pluralismo, a tolerância, a busca do consenso, o primado do Direito - esten-
dem-se à esfera de atuação externa de um Estado, fazendo da disseminação e
consolidação de regimes democráticos um aporte em si mesmo para um sistema
internacional mais estável.
Em sexto lugar, a democracia, além de fazer-se valor inconteste na ordem interna
da maioria dos países e valor requerido para o reconhecimento internacional da
legitimidade de cada governo, passa também a valer - por homologia - como
princípio organizador da ordem internacional, através do reforço do multilatera-
lismo em todos os terrenos. Além do papel intensificado no campo da paz e
da segurança, as Nações Unidas contribuíram concretamente no encaminhamen-
to de conflitos localizados como os da Namíbia, do Camboja e o da agressão
iraquiana ao Kuwait.

o corolário natural deste impulso democratizado r, do ponto de vista de países como


o Brasil, seria a reforma da Carta das Nações Unidas, de modo a permitir que a
estrutura da Organização reflita mais adequadamente as realidades da distribuição
do poder internacional. Esse é o caso, em particular, do Conselho de Segurança, que
certamente ganharia em representatividade com a criação de uma nova categoria de
membros permanentes, como o Japão, a Alemanha, a Índia e o próprio Brasil. Essa
ampliação do Conselho de Segurança, que lhe reforçaria a legitimidade, faz-se ainda
mais premente pela "regionalização" dos conflitos, que já não dependem do eixo de
confrontação Leste-Oeste, mas surgem de causas endógenas.

O processo de multilateralização das relações internacionais - que cabe contras-


tar com o processo inverso de concentração do poder decisório internacional não
só dentro das próprias Nações Unidas, no Conselho de Segurança, como também
em organismos informais, como o Grupo dos Sete - acarreta ainda outro aspecto
da correlação democracia-diplomacia, que é o da progressiva codificação de
diversos aspectos do convívio entre as nações. Os grandes temas das relações
internacionais - mar, meio ambiente, direitos humanos, desarmamento (seja no
campo nuclear, seja, como agora, no das armas químicas) - passam a ser
codificados em significativas e abrangentes convenções com aspirações univer-
sais, diminuindo a esfera do político e aumentando a do jurídico na interação
entre os Estados. Embora esse esforço tenha que se confrontar freqüentemente com
a resistência de um ou outro Estado importante que julga seus interesses nacionais
atingidos pela legislação majoritária ou consensualmente acordada - exemplo claro
Política Externa Brasileira : Reflexão e Ação 33

seria o dos EUA fr ente à Convenção do Mar; ou o de Brasil, Argentina e Índia


fac e ao TNP - , o processo impõ e pr essõ es intensas aos Estados que desejem
manter-se à margem dos regimes internacionais em questão, o que os leva muitas
vezes a buscar fórmulas alternativas para caminhar numa mesma direção .

IX. "RELEGITIMAÇÃO" DA PERSPECTIVA DO SUL

Tudo isso ocorre num mundo que mudou. O conflito Leste-Oeste, durante a sua
vigência, estruturava e condicionava até certo ponto o tema Norte-Sul. Assim, o
Movimento Não-alinhado, no campo político, e o Grupo dos 77, no campo
econômico, retiravam grande parte de sua relevância do cará ter de terceira força
que apresentavam face ao chamado primeiro mundo e ao mundo socialista. O
jogo tripartite possibilitado pela existência desses três agrupamentos de países
se viu reduzido , também simplificadamente, a um novo jogo binário opondo,
para alguns, um Norte reconciliado em suas metades Leste e Oeste a um Sul
pobre, heteróclito e ameaçador.
Foi em função dessa nova realidade que o tema Norte-Sul deixou de ter a
exclusiva dimensão de uma cobrança coletiva do Sul ao Norte - tanto capitalista
como socialista - por recursos financeiros e tecnológicos, por mais cooperação
para o desenvolvimento em suma - e passou a ter também a dimensão de uma
cobrança do Norte ao Sul , por mais respeito aos direitos humanos, maior preser-
vação do meio ambiente, adesão à não-proliferação de armas de destruição em
massa, combate ao narcotráfico e livre comércio . Daí uma paradoxal inversão de
"cobranças" que contribui, num primeiro momento, para deslegitimar a perspec-
tiva do Sul no plano mundial.
Para usar um conceito elaborado pelo pensador norte-americano Thomas S. Kuhn
no contexto da história da s ciências, vivemos um momento de mudança de
paradigma. No caso da teoria das relações internacionais, a mudança não veio
da genialidade dos cientistas, mas da criatividade democrática dos povos que
mudaram nossa cartografia. Esse mundo profundamente transformado requer
novas categorias da diplomacia brasileira, que pensou e construiu alguns de seus
conceitos fundamentais no contexto da ordem definida pelos traços Leste-Oeste e
Norte-Sul, como aliás todas as demais diplomacias, que também estão em fase de
reflexão e reformulação de suas políticas externas . Uma ordem que, com todas as
suas deficiências, teve o mérito da estabilidade, pois se caracterizou por sua longa
duração, cerca de quarenta anos em sua dimensão Leste-Oeste, um pouco menos em
34 Celso Lafer

sua dimensão Norte-Sul, que podemos datar do início dos anos 50 . Podemos
apontar, neste sentido, o contraste entre esse extenso período de estruturas
internacionais enrijecidas com os vinte anos do interregno entre a Primeira e a
Segunda Guerra. Essa durabilidade produziu hábitos mentais difíceis de substi-
tuir no curto prazo, mas que cumpre superar se queremos entender o presente e
projetar o futuro.
Nesse quadro, uma de nossas principais tarefas é justamente a de buscar " rele-
gitimar" em novos moldes a perspectiva do Sul na ordem mundial, indispensável
para garantir uma visão de futuro - conceito que será desenvolvido mais adiante.
Esta tarefa parte do reconhecimento de que existe uma relação Norte-Sul e de
que esta é e continuará a ser problemática enquanto os paí ses subdesenvolv idos
não estiverem plenamente incorporado s, e de maneira satisfatória, aos fluxo s
dinâmicos da economia mundial, pois essa incorporação é um ingrediente básico
para a estabilidade da ordem mundial. Existe a possibilidade desse processo de
construção de uma nova ordem em novos mecanismos de cooperação, e o
conceito de desenvolvimento sustentável, tal como foi consagrado na Conferên-
cia do Rio, representa esse tipo de construção coletiva, baseada na cooperação.
Através dele, reintroduziu-se com toda a ênfase necessária o tema do desenvol-
vimento no debate internacional, agregando-lhe a dimensão ambiental.

x. FORÇAS CENTRÍPETAS E FORÇAS CENTRÍFUGAS

Uma conseqüência adicional e talvez ainda mais determinante do fim do conflito


Leste-Oeste foi o da possível universalização do espaço econômico mundial e o
da aproximação dos universos multilaterais diversos da política - englobando o
tema da paz e da segurança - e da economia, representado pelo sistema consti-
tuído pelo GATT, FMI e Banco Mundial. Recorde-se que ao fim da Segunda
Guerra Mundial foi possível a construção de uma ordem política universal,
baseada na Carta de San Francisco - e com intensa participação soviética - , mas
não de uma ordem mundial em torno das instituições de Bretton
Woods, já que estavam ausentes a URSS e seus aliados .
Como tem dito o embaixador Rubens Ricupero, a Rodada Uruguai do GATT tem
funcionado como uma verdadeira " Assembléia Constituinte" dessa unificação
do espaço econômico mundial, pois a desagregação do chamado socialismo re al
enseja, pela primeira vez na história, uma universalização de determinadas
regras econômicas. A metáfora da constituição tem, é claro, que ser lida com
Política Externa Brasileira: Reflexão e Ação 35

qualificações, porque a Rodada Uruguai não cobre a totalidade da agência


econômica - além das questões ligadas ao FMI, ficam de fora questões como as
relações entre comércio e meio ambiente.
A economia é o terreno de manifestação das forças centrípetas, tanto no âmbito
global, através do movimento universalizante em curso na Rodada Uruguai, como
nos diversos processos de integração regional, que não só expressam esse movimen-
to de aglutinação como demandam como pré-condição que os países envolvidos
tenham já superado a fase do conflito, das disputas territoriais, dos ódios étnicos ou
religiosos. É, por natureza, o terreno desemocionalizado da lógica dos interesses,
em que o jogo não é visto como um aut/aut da relação amigo/inimigo.
Com essas forças centrípetas de aglutinação, de cooperação, de integração
coexistem nítidas forças centrífugas, de fundo étnico, nacionalista ou religioso.
Um dos efeitos do fim da guerra fria, ao deslocar do conflito Leste-Oeste o foco
do sistema internacional, foi o de provocar a difusão das tensões. Para esclarecer
esse conceito, podemos recorrer à análise do internacionalista francês Charles
de Visscher, que estabelece uma distinção importante entre controvérsia, que é
específica e tem seus termos de referência determinados, e tensão , que por sua
natureza é difusa e não está circunscrita a um âmbito definido. Visto como
controvérsia específica, com seus termos de referência conhecidos no plano
político, ideológico, estratégico, o conflito Leste-Oeste, ao desaparecer, dá lugar
a tensões difusas no sistema internacional, o que em boa medida explica hoje a
ação das forças centrífugas.
Essas forças estão mais evidentes no Leste Europeu, na Iugoslávia, no território da
ex-URSS, mas se manifestam também em outras áreas. Parecem preencher o vazio
ideológico deixado pela derrocada dos grandes projetos de transformação da socie-
dade representados pelas experiências marxistas e outras menos radicais. Tais
tendências indicariam uma irredutibilidade do comportamento humano aos aspectos
vinculados à racionalidade econômica, e apontam, ao contrário, para um vigor
insuspeitado de formas de solidariedade baseadas na língua, na religião, na raça.
Os diversos fundamentalismos representariam o caso mais extremo de subordi-
nação do fator econômico ao fator ideológico e traduzem quase sempre uma
reação tardia à laicização da sociedade ensejada pela modernização da produção
e do consumo, e por sua integração na economia mundial.
36 Celso Lafer

XI. NOVAS GEOMETRIAS DE PODER

É nesse contexto global que se deve examinar o papel que representarão os


Estados Unidos na " nov a ordem" da qual desejam ser os inspiradores e fiadores ,
mas para cuja função parecem faltar-lhes hoje os recursos materiais indispensá-
veis para ser seu único organizador - ou seja, o hegemon. Os EUA vivem o
dilema de ter conseguido vencer a batalha ideológica no momento preciso em
que os seguidores muitas vezes tardios desses mesmos valores - democracia, mas
sobretudo economia de mercado - se mostram mais eficazes na sua implemen-
tação , embora se possa discutir até que ponto é a mesma forma de economia de
mercado que está em ação nos EUA, na CEE ou no Japão.
Neste setor, por isso mesmo, surgem distintas geometrias de poder, os Estados Unidos
organizando e liderando coligações setoriais dependendo das questões específicas. A
operação frente ao Iraque teve uma composição, mas outra situação pode pedir
desenho diferente. Em alguns casos - como em relação ao período do pós guerra fria
na Europa Central e Oriental - a liderança cabe aos países da CEE.
Esse processo não age apenas ao nível de uma superpotência. O Brasil mesmo
pode hoje estar ao lado de países altamente desenvolvidos, como os Estados
Unidos e a Austrália, por exemplo, nas questões agrícolas, na discussão com a
CEE, e depois mais próximo de outros países em questões como acesso a
mercados para produtos manufaturados ou nas modalidades de examinar o tema
dos serviços no âmbito do GATT. Outros exemplos de aproximações definidas
tematicamente - e não a priori - seriam a convergência entre a maioria dos
integrantes do Grupo dos 77 e os países nórdicos nas questões do meio ambiente;
e a parceria com o Grupo dos Sete - integrado pelas potências industrializadas - em
torno do Programa Piloto sobre preservação de florestas tropicais.
Essa multiplicidade de alianças táticas possíveis, além de ver-se facilitada pelo
fim da rigidez imposta pelo esquema Leste-Oeste, também decorre da predomi-
nância dos temas econômicos na agenda internacional pós guerra fria, que
definem convergências ou divergências de interesses, não lealdades político-mi-
litares e ideológicas, necessariamente mais estáveis e coercitivas.
As novas geometrias, do ponto de vista brasileiro, não abolem o requisito da
coerência. O que as informa, em última análise, é o impulso no sentido de buscar
aproveitar as virtualidades que o mundo oferece para atender às demandas da
sociedade brasileira, centradas ainda hoje na questão do desenvolvimento, como
condição necessária mas não suficiente para a construção de , uma ordem mais
justa e mais democrática.
Política Externa Brasileira: Reflexão e Ação 37

Com relação à nova configuração mundial e ao próprio conceito de superpotência,


caberia fazer breve menção à evolução ainda incerta do conceito de poder. Em um
mundo crescentemente marcado pela competição econômica, e não mais pela confron-
tação político-ideológica-militar, o poder passa a assumir novas feições.
Assim, embora os Estados Unidos sejam hoje o único Estado a ser igualmente
relevante nas duas esferas, a econômica e a estratégica, não há dúvida que na
primeira é cada vez mais desafiado pelo avanço japonês e europeu, sobretudo
pela Alemanha, enquanto na segunda esses mesmos atores dependem militar-
mente ainda dos EUA, não mais contra o adversário soviético, mas em relação
ao que percebem como eventuais ameaças, por exemplo, às suas fontes de
abastecimento de petróleo.
Esta nossa divisão do poder não esconde o predomínio, ao menos por ora, do
poder econômico, na medida em que não mais se requer das sociedades altamente
desenvolvidas o mesmo investimento militar para contra-arrestar ameaças que
se demandava para fazer face à enorme concentração de poderio militar do Pacto
de Varsóvia, em posição geopolítica privilegiada para uma eventual ofensiva
sobre a Europa Ocidental.
Por isso, e como corolário dos primeiros pontos, alguns observadores começam,
erroneamente, a descartar os componentes militares do poder nacional, imagi-
nando um mundo plenamente pacificado sob a égide das Nações Unidas e do
Direito Internacional e, portanto, reduzido à competição pragmática por mais
eficiência e mais prosperidade.

XII. TECNOLOGIAS SENSÍVEIS E NÃO-PROLIFERAÇÃO

Essa minimização do poder militar, ou dos aspectos militares do poder nacional,


parece pouco realista, em vista justamente dos fatos ocorridos no pós guerra fria
como a Guerra do Golfo e a crise da Iugoslávia, sem contar as tensões entre as
ex-Repúblicas soviéticas. De todo modo, há que registrar que essa nova concep-
ção do poder é, de certa forma, ainda mais "punitiva" para os países em desen-
volvimento, pois desvaloriza alguns recursos tradicionais de aferição do poder
na hierarquia internacional, tais como território, população e recursos naturais
ao valorizar sobretudo educação, capacitação científica e tecnológica e produti-
vidade. Além disso, é bem mais fácil e rápido um país adquirir status como
potência militar do que melhorar de modo substancial seus índices econômicos
e sobretudo sociais no curto prazo, únicos capazes hoje em dia de dar um perfil
38 Celso Later

positivo na esfera internacional, inclusive por seus efeitos indiretos na área da


melhoria dos direitos humanos, da preservação ambiental, da atratividade para
o investimento estrangeiro.
Cabe observar, aliás, que outro efeito inequívoco do fim do conflito Leste-Oeste foi
o do estreitamento da margem de manobra para projetos de acumulação de poder
militar com potencial desestabilizador na periferia do sistema internacional. A
palavra-chave do sistema internacional para os países centrais é ordem, ou seu
sinônimo corrente no campo da segurança, estabilidade. A doutrina da não-prolife-
ração, que já reunia Estados Unidos e União Soviética em sólido consenso ao fim
da década de 60, com a proposição do Tratado de Não-Proliferação de Armas
Nucleares (TNP), recobrou ainda maior vigor com o fim da guerra fria, estenden-
do-se inclusive para novos campos, como as armas químicas e biológicas e seus
veículos lançadores. A intervenção aliada contra o Iraque - sobretudo seu principal
corolário legal, a resolução de 687 do Conselho de Segurança - em grande parte
buscava ter caráter exemplar e dissuasivo contra quaisquer veleidades de países em
desenvolvimento virem a adquirir armas de destruição em massa.

Para um país com a vocação pacífica que tem o Brasil, comprovada ao longo de sua
história republicana, passado o período em que a consolidação de sua integridade
física o obrigou ao emprego do poder militar, são especialmente relevantes as
implicações deste tema. O consenso entre os países do Norte quanto ao controle
internacional da transferência de tecnologias de ponta que podem ter finalidades
militares e por isso são qualificadas de tecnologias de uso dual - e tidas como
tecnologias sensíveis - preocupa sobretudo na medida em que os controles postos
em prática venham a impedir nosso acesso legítimo à capacitação científica e
tecnológica para fins pacíficos, variável fundamental da economia contemporânea.
Por isso, não aceitamos a validade do monopólio de tecnologias sensíveis avançadas
implicitamente defendido por aqueles países. A diplomacia brasileira tem assim
defendido que os controles internacionais sobre a transferência de tecnologias
sensíveis, objetivando assegurar a paz e a segurança internacionais, devem ser
universais e não-discriminatórios e responder aos critérios essenciais da transpa-
rência e da previsibilidade. Para que tais quesitos sejam cumpridos, faz-se desejável
que tais controles sejam progressivamente multilateralizados e consagrados em
instrumentos convencionais, deixando de ser prerrogativa de clubes fechados e
informais de supridores (ex.: MTCR, Grupo da Austrália, CO COM), que de resto
provaram sua inoperância no caso do Iraque.

É no contexto dessa dupla preocupação tanto com a paz e a segurança interna-


cionais como com o acesso à tecnologia de ponta que o Brasil participou
Política Externa Brasileira: Reflexão e Ação 39

ativamente da negociação, recém-concluída, da convenção de proibição das


armas químicas e negociou e assinou com a Argentina e a AIEA um conjunto de
acordos que dão garantias definitivas à comunidade internacional quanto às
intenções pacíficas de nossos projetos na área nuclear. Através desses últimos
instrumentos, e dos esforços que desenvolvemos conjuntamente com Argentina
e Chile para a colocação em vigor do Tratado de Tlatelolco - após seu aperfei-
çoamento por emendas por nós propostas -, o Brasil espera ter assegurado o
pleno acesso às tecnologias avançadas de que necessita, prescindindo da assina-
tura de acordos internacionais que tradicionalmente considerou discriminatórios.
A atitude brasileira nessa área obedeceu aos dois eixos que descrevo mais
adiante - o da adaptação criativa e o da visão de futuro -, levando em conta tanto
as exigências do presente, em que temos que conviver com um mundo real onde
as tecnologias mais sofisticadas estão concentradas nas mãos de um pequeno
grupo de Estados, quanto as exigências do projeto de longo prazo de um mundo
ideal em que a paz esteja fundamentada em um processo de desarmamento
generalizado e completo, necessariamente igualitário.
Uma das conseqüências dessa relativa superação e substituição do tabuleiro
estratégico e geopolítico pelo tabuleiro econômico é a de que a contigüidade com
as superpotências ou as grandes potências deixa de ser um problema e passa a
ser um trunfo. É o caso do México, onde se confirma a necessidade de o país
mais avançado ter um fronteira-cooperação, pacífica e mutuamente compensa-
dora, que evite questões como migrações em massa, tráfico de drogas, instabili-
dade política ou terrorismo.

XIII. Do DIAGNÓSTICO À AçÃo

As considerações desenvolvidas até aqui permitem visualizar a grandeza do desafio


do Brasil na busca de sua reinserção internacional, tarefa que hoje adquire uma
dimensão verdadeiramente inédita consideradas as profundas e surpreendentes
transformações do mundo contemporâneo. Este é um esforço que, dentro de uma
visão sintética do papel da política externa, deve procurar compatibilizar as neces-
sidades internas com as possibilidades externas. As demandas da sociedade, dentro
de critérios objetivos e consensuais, devem ser satisfeitas com o aproveitamento
das oportunidades oferecidas pela conjuntura internacional.
Esse processo se desenvolve em duas dimensões distintas. Na primeira, sobressaem
as iniciativas de política externa que se enquadram no plano da estrutura do sistema
40 Celso Lafer

internacional, de suas regras gerais e específicas, e que requerem, como diretri-


zes conceituais, aquilo que denomino adaptação criativa e visão de futuro. A
segunda dimensão da ação diplomática tem a ver com o âmbito das relações do
Brasil com as diversas regiões e países-chave em seu relacionamento externo, e
é nesse contexto que cabe situar os movimentos que se identificam especialmente
como parcerias operacionais e nichos de oportunidade.

XIV. ADAPTAÇÃO CRIATIVA E VISÃO DE FUTURO

A tarefa da diplomacia como meio de traduzir necessidades internas em possibi-


lidades externas não é literal, mas criativa. Constitui exercício da inteligência
que acrescenta algo de relevante à inserção internacional do país.
Como parte do esforço tanto de adaptação criativa quanto de visão de futuro, é
preciso mencionar a importância da contribuição da Conferência do Rio, que
criou um espírito de cooperação e presenciou intensa concertação em nome de
causas de interesse coletivo. Esse exercício confirmou a noção de que a paz e
segurança mundiais, assim como os avanços nos grandes temas da atualidade -
democracia, direitos humanos, meio ambiente -, dependem essencialmente da
aceleração do desenvolvimento, o que vale dizer, da correção dos desníveis
internacionais. Como forma de adaptação criativa, destaca-se o papel da Decla-
ração do Rio de Janeiro e das Convenções sobre Mudanças Climáticas e Bio di-
versidade, assinadas na Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento.
Aqueles documentos, enquanto de um complexo processo negociador
que, logicamente, reflete composição de interesses, representam um patamar de
cooperação qualitativamente superior ao anteriormente existente.
É também como exemplo de adaptação criativa que se pode explicar a nova
atitude brasileira - aqui já mencionada - com relação aos regimes de controle de
transferência de tecnologias sensíveis.
Visão de futuro, pode-se definir como a política inspirada por aquele mínimo de
utopia sem o qual o peso dos fatos e dos condicionamentos não será superado.
Trata-se, em outras palavras, da idéia de trabalhar por um sistema internacional
mais compatível com nossos valores e aspirações, ou seja, pela noção de um
mundo em que os ideais da paz e da democracia não apenas convivam com os
anseios de desenvolvimento mas efetivamente os reforcem e os viabilizem na
prática mediante o estabelecimento de estruturas de cooperação em matéria de
comércio, investimentos e transferência de tecnologia. A Agenda 21 aprovada
Política Externa Brasileira: Reflexão e Ação 41

na Conferência do Rio , justamente por configurar uma macroagenda, uma agenda


equilibrada que exprime a necessidade da negociação global em torno das
questões inerentes à problemática Norte-Sul, incorpora esse elemento de visão
de futuro ao consolidar um programa de princípios de cooperação capazes de
alterar a dinâmica simplista das relações de custo -benefício.
A Agenda 21 funcionou, na prática, como exercício de negociação global. A
última tentativa esse conceito havia ocorrido na Conferência de
Cancún sobre o Diálogo Norte-Sul, em 1981, com resultados, como se sabe,
frustrantes. Desta feita, na Conferência do Rio nenhum Estado agiu como super-
potência, inclusive porque o tema do meio ambiente, em si mesmo, mostra que
todos os países têm, simultaneamente, interesses gerais e interesses específicos,
e não apenas as grandes potências, segundo a definição clássica que se costuma
atribuir aos Estados com esse status internacionaL O u seja, configurou-se na
Conferência do Rio uma situação em que se compatibilizaram aqueles dois
planos distintos - que já comentei - da política externa, o do pensar o
universal - o interesse coletivo - e o do cogitar sobre o específico - o
interesse nacional ou regional.
Outra mostra de visão de futuro está presente 'na posição do Brasil favorável a
um debate sério sobre a reformulação da composição do Conselho de Segurança,
ponto essencial do processo de democratização das relações internacionais que
defendemos e que serão discutidas a seguir.

XV. D EMO CRATIZA ÇÃ O DA O RDEM INTERNACI ONAL E


PARTICIPAÇÃO

Ao manter atualizada sua percepção da conjuntura mundial, cabe ao Brasil


procurar fortalecer sua participação no processo decisório, inclusive naquele que
incide sobre a discussão dos chamados temas transnacionais. Temas, como os de
caráter humanitário e ecológico dão margem a concepções - como a do devoir
d'ingérence - que ferem os princípios do direito internacional como o respeito
à soberania dos Estados. O caso da decisão da Corte Suprema de Justiça dos Estados
Unidos a respeito de um episódio de seqüestro de cidadão mexicano, em próprio
país, por forças policiais norte-americanas exemplifica esse tipo de preocupação.
Na visão da política externa brasileira, o relacionamento entre os Estados é - e
deve continuar a ser - condicionado por estímulos ou desestímulos de coopera-
ção, e não por imposições ou proibições. Isto equivale a preconizar uma agenda
42 Celso Later

positiva - e não negativa - das relações internacionais. É, exatamente, a forma


pela qual condenamos a tese do dever de ingerência, contrária à estruturação da
ordem mundial em bases eqüitativas; é a forma também pela qual defendemos,
por uma questão de solidariedade humana básica, que a comunidade internacio-
nal preste - por intermédio das Nações Unidas, da Cruz Vermelha e de outras
entidades - assistência eficaz a homens, mulheres e crianças em situação crítica.
Esse é o caso, no momento, da Bósnia e da Somália, onde existem problemas
graves que requerem urgente atuação internacional para minorar a fome, a
miséria e o desespero.
A democratização da ordem internacional é um imperativo determinado também
pela regionalização dos conflitos e das tensões já anteriormente referidas, como nos
conflitos da Iugoslávia, do Golfo Pérsico, de algumas ex-Repúblicas soviéticas.
O mesmo processo de regionalização tem como corolário a valorização das
forças internacionais de paz e dos mecanismos de observação e verificação de
acordos de segurança e desmobilização militar. Tanto as Nações Unidas quanto
a OEA têm agora revigoradas suas funções nesse campo , como foi demonstrado
em relação à própria Iugoslávia, ao Camboja, a Angola.
As Forças Armadas brasileiras têm estado presentes na condução de tais esforços
internacionais, e este é um aspecto que considero relevante na convergência dos
propósitos e das ações do governo brasileiro nas esferas militar e diplomática.
Recentemente, a convite do secretário-geral das Nações Unidas, o governo brasi-
leiro designou observadores militares para operações de paz na América Central
e na Iugoslávia. Ao Suriname enviamos também observadores militares, por soli-
citação do secretário-geral da OEA, para acompanhamento de medidas de desmo-
bilização militar. Tudo isso reflete o reconhecimento da credibilidade do país no
âmbito internacional e o profissionalismo demonstrado em missões anteriores das
Forças Armadas, como a da verificação do processo de pacificação em Angola.
A mesma importância das Forças Armadas manifesta-se nos trabalhos de adensa-
mento dos marcos das nossas fronteiras, na manutenção da segurança nas regiões
de limite, além da contribuição prestada, sob diferentes modalidades, para o apro-
fundamento dos vínculos de diálogo e cooperação internacional do país.

XVI. PARCERIAS OPERACIONAIS

Nesse ponto cabe introduzir o tema da inserção competitiva. Enquanto objetivo


fundamental da política externa contemporânea, a busca da nossa inserção
Política Externa Brasileira: Reflexão e Ação 43

competitiva no mundo deve passar pela aplicação do conceito de parcerias


operacionais. As parcerias do Brasil que defino como operacionais são predo-
minantemente econômicas, mas não deixam, em alguns casos, de ter conteúdo
político. São complementares e coerentes, ao concorrerem para o aproveitamento
das potencialidades do nosso relacionamento internacional.
Para o Brasil há espaço para acordos bilaterais, multilaterais, regionais, sub-re-
gionais ou, mesmo, continentais.
A proximidade geográfica e a densidade das relações históricas são, evidente-
mente, fatores ponderáveis nesse tipo de análise, como na experiência da implan-
tação do Mercosul. Além do seu significado já comentado como fron-
teira-cooperação, o Mercosul adquire essa dimensão inovadora como parceria
opera- cional. Temos fronteiras terrestres com dez países, mas aquelas que
constituem o nosso principal espaço econômico - espaço vivo, mais densamente
habitado - são precisamente com os países da parte meridional do continente.
A prioridade do Mercosul não implica, porém, incompatibilidade ou exclusões
em relação a outras parcerias. Do ponto de vista do Brasil, o jogo das parcerias
operacionais no plano econômico pressupõe uma moldura jurídica consolidada
para a regulamentação do comércio internacional, o que, por sua vez, depende
diretamente do êxito da Rodada Uruguai do GATT. O impasse que se vem
arrastando nas negociações naquele foro traz subjacente o risco de cristalização
de megablocos e de que o antagonismo entre eles comprometa todo o funciona-
mento do sistema internacional de comércio. É típico, a esse respeito, o caso do
recente Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA), que pode vir
a ter conseqüências no desvio de outras correntes de troca no continente, como
comércio, investimentos e tecnologia, além de suscitar indagações quanto aos
compromissos do México no âmbito da ALADI.
É importante assinalar que a exigência de uma moldura institucional adequada
para regulamentar as relações comerciais entre os Estados decorre de uma
realidade fundamental da ciência econômica. O mercado não opera no vazio.
Requer, por isso, um esforço de construção jurídica que é também política, de
forma a consagrar um ordenamento estável e previsível que, em sua falta, seria
substituído pelas práticas discriminatórias do unilateralismo.
Considerada a perspectiva de um quadro econômico em que a Rodada Uruguai
não fracasse, malgrado algumas avaliações pessimistas, caberia visualizar, den-
tro do critério das " parcerias operacionais" e da maior articulação internacional
do Mercosul, as oportunidades que se abrem para o Brasil. Os Estados Unidos,
como nosso maior parceiro individual, atraem naturalmente as atenções funda-
44 Celso Lafer

mentais no processo de reinserç ão competitiva e da modernização econômica.


No contexto internacional de nossos dias, ambos os países terão interesse em
construir as bases de uma nova parceria, em que a superação de alguns conten-
ciosos comerciais dá lugar a uma cooperação mais confiante e madura.
A diversificação de opções, contudo, é necessária. Em primeiro lugar porque
nossa pauta de exportação não se concentra em poucos produtos ou em poucos
mercados. Somos global traders. Em segundo lugar, porque só temos a ganhar
com as modalidades diferenciadas que vai assumindo internacionalmente a
economia de mercado, de acordo com as especificidades das experiências
nacionais, seja em matéria de políticas de ajustamento, seja em termos do grau
de abertura das economias.
É um fato indiscutível que a economia de mercado exibe hoje, internacionalmen-
te, modalidades distintas. O modelo da Comunidade Européia tem, por exemplo,
ingredientes que não aparecem na experiência norte-americana. O processo de
integração impôs, no âmbito comunitário, a preocupação de lidar com as dispa-
ridades econômicas regionais e a conseqüente necessidade de transferência de
recursos. Outro componente está na valorização da questão social na CEE, o que
tem levado hoje a se falar, não mais exclusivamente em economia de mercado
pura e simples, mas em "economia social de mercado".
O Japão, por sua vez, oferece dupla contribuição para o enriquecimento das
práticas capitalistas. Em primeiro lugar, inovou os modelos de gestão e funcio-
namento dos processos produtivos. Substituiu o "fordismo" por um novo concei-
to de produção integrada, com ênfase na inovação tecnológica e na redução de
custos. Em segundo lugar, tanto em nível empresarial quanto de política gover-
namental, o Japão incorporou a noção de planejamento estratégico, que redimen-
sionou sobretudo as atividades de planejamento industrial, desenvolvidas de
comum acordo entre o setor público e o setor privado e, sempre, com ganhos
significativos em termos de competitividade. A idéia do planejamento industrial,
com aplicabilidade dentro de programas de médio e longo prazos, reforça con-
sideravelmente vantagens comparativas da economia japonesa em nível interna-
cional e a distingue em muitos aspectos do modelo norte-americano.
A experiência do Japão sugere, pois, que se recolham úteis ensinamentos para
o futuro do desenvolvimento brasileiro e impõe prioridade no aproveitamento
de uma "parceria operacional" com a potência industrial asiática. A CEE, ao
mesmo tempo , não obstan te o nível de protecionismo ali imperan te, redimen-
siona as visões da economia de mercado e abre horizontes novos para o Brasil
em termos de "parcerias operacionais". Como exemplo de esforço recente
Política Externa Brasileira: Reflexão e Ação 45

nessa área, pode ser citada a conclusão do Acordo de Terceira Geração com a
CEE, que multiplica as áreas potenciais de nossa cooperação com aquele con-
glomerado de países.
A estratégia de -várias frentes que nos cabe seguir no plano do comércio internacio-
nal tem a ver igualmente com a importância dos esforços negociadores no âmbito
da Rodada Uruguai. Os ganhos de uma liberalização multilateral para o Brasil,
inclusive pelo nível de diversificação de sua economia e a sua condição de global
trader, são maiores do que aqueles que se poderiam obter com a liberalização do
comércio com um único parceiro. É por isso que não nos servem apenas os arranjos
parciais ou setoriais do comércio. A solução global deve ser o objetivo.
Pela mesma razão não concentramos nossas atenções e esforços em determinados
instrumentos de expansão das trocas internacionais, cuja utilidade pode aplicar-
se a apenas uma parcela de nossos interesses. É o caso, vale dizer, da atuação do
Brasil no Grupo de Cairns, focalizado no comércio do produtos agrícolas. Para
outros países latino-americanos, ao contrário, que dependem mais proporcional-
men te do que o Brasil das exportações primárias, este é um foro de maior
centralidade em suas preocupações internacionais.

XVII. " N I CHOS DE O PO RTUNIDADE"

Esse tipo de análise reforça a noção de que a política externa não segue propria-
mente um receituário fixo ou predeterminado. Por ser dinâmica e exigir constan-
temente a inovação e adaptação em uma realidade internacional cambiante, deve
buscar essencialmente aquilo que denominamos " nichos de oportunidade".
Tais nichos, que não deixam de afirmar a importância do multilateralismo,
podem ser identificados não apenas no campo econômico, mas também no campo
político. No primeiro caso , cabe destacar as relações com o Irã , com a Turquia,
com os Emirados Árabes Unidos, com a República da Coréia, com Israel, com
alguns países africanos. São países que oferecem possibilidades a serem exp lo-
radas em áreas como a do comércio -de serviços, de cooperação técnica e de
intercâmbio tecnológico.
O que devemos buscar é, pois, levar adiante uma política que alguns já denomi-
naram " mult ilateralismo com nichos de tratamento diferenciado", isto é, atender
a objetivos estratégicos e explorar as oportunidades econômicas nas diversas
frentes do nosso relacionamento externo.
T ambém no plano político tornam-se mú ltiplos os "nichos de oportunidade" com
46 Celso Later

o fim da guerra fria. Um deles é proporcionado pelo foro da comunidade de


países ibero-americanos, ao contribuir para a projeção de valores caros à política
externa brasileira, como a democracia, o pluralismo, o respeito aos direitos
humanos. Mas sua utilidade prática não é menor, pela afirmação de um potencial
diplomático na defesa de objetivos de curto e médio prazo, como a defesa do
conceito de desenvolvimento sustentável, a liberalização do comércio interna-
cional e o acesso aos recursos financeiros e tecnológicos.

XVIII. CONCLUSÃO

Concluo com a reiteração das duas diretrizes conceptuais - já referidas - que


tenho enfatizado para a ação do Minist ério das Relações Exteriores: a adaptação
criativa e a visão de futuro .
Adaptação criativa, porque o Brasil não pode aceitar imobilismos no mundo em
constante transformação e tampouco pode se conformar com práticas e tendên-
cias que lhe são desfavoráveis. Adaptação criativa, também, porque a nossa
diplomacia sempre procurou guiar-se pela combinação entre a tradição e a
inovação, e, do mesmo modo, porque sempre tem sabido dosar ação pragmática
com idealismo. A política externa brasileira, se tem no realismo um ponto de
partida necessário, não faz dele o seu ponto de chegada.
Visão de futuro, por outro lado, porque o Brasil deseja participar de uma ordem
internacional em que seus valores sejam reafirmados, e suas aspirações, realiza-
das. Como na negociação e aprovação da Agenda 21 pela Conferência do Rio,
persegue a consolidação de um espírito de cooperação que ajude a superar os
desequilíbrios e injustiças do relacionamento Norte-Sul.
Muitos, enfim, são os desafios da década de 90, com o desaparecimento de centro
estruturador das relações internacionais dado pelo conflito Leste-Oeste, a con-
jugação das forças de integração e desagregação, as questões globais emergentes
no campo político e econômico, a velocidade da inovação científico-tecnológica.
Para o Brasil, ante todas essas variáveis que concorrem para um contexto
internacional bastante nebuloso, o essencial é inverter a equação que bem sinte-
tiza o desafio internacional do Brasil de hoje: com todas as transformações
recentes, o mundo tornou-se mais relevante para o Brasil do que o Brasil para o
mundo . Fazer o Brasil contar neste mundo e nele projetar soberanamente seus
interesses é, em suma, a preocupação fundamental do Itamaraty.
Competição, Cooperação
e Competitividade

J acques M arcovitch

Novas tecnologias têm incrementado a internacionalização do capital, da produ-


ção e do conhecimento. A economia mundial entrou em período de intensa
turbulência. Para enfrentá-la, a cooperação entre parceiros tem possibilitado a
consecução de objetivos comuns. Buscar a reconciliação do rigor econômico,
consciência ambiental, redução do desemprego com competitividade tem exigido
a estruturação de alianças que almejam um avanço conjunto diante das incertezas
do futuro. Essas alianças não asseguram o êxito, mas amenizam o vulto das
ameaças.
As lições do passado revelam as oportunidades que a cooperação oferece para
aprimorar os fatores de competitividade. A revolução nos meios de comunica-
ção, especialmente quanto ao audiovisual, associada à informatização, provocou
estreitamento nas relações entre e dentro dos vários países. Estreitamento que
também acirra a dualidade que transcende as fronteiras nacionais. Dualidade
que distancia uma minoria mais bem educada e informada da maioria margina-
lizada do desenvolvimento, resultando em irreconciliável conflito de valores.
Dualidade que se transforma em espaço fértil para a proliferação dos cancros
da violência, do desrespeito a gerações do presente, do futuro e da própria
natureza.
48 Jacques Marcovitch

As novas tecnologias, como a televisão interativa, oferecem novo horizonte de


alternativas para a aprendizagem, a informação e a redução do fosso. São
inovações tecnológicas que, quando utilizadas de forma apropriada, oferecem a
oportunidade de lançar mão de atalhos. Atalhos para aprimoramento da infra-es-
trutura social e aperfeiçoamento dos fatores de competitividade. Inovações
tecnológicas de fácil assimilação por sociedades com pirâmides etárias compos-
tas por grandes contingentes de populações jovens. Inovações que tornam mais
acessível o conhecimento.
J amais o ser humano teve a possibilidade de testemunhar tantos eventos e
observar tantas culturas. Através do vídeo, sem deslocar-se fisicamente, o lon-
gínquo e o próximo materializam-se. A história não terminou, tornou-se mais
complexa, pluridimensional, sistêmica. Os eventos da atualidade são conseqüên-
cias e causas, em escala de interdependência mundial nunca visualizada até o
presente. Os capitães dos complexos mediáticos globais determinam a pauta da
atual idade. Agregam um mundo dividido e condicionam a formação de novas
mentalidades.
No âmbito internacional, as intensas e freqüentes mutações geopolíticas e eco-
nômicas têm exigido que se aguce a sensibilidade estratégica na adoção de
política externa. Política que depende de forma crescente da participação dos
atores sociais no seu delineamento e na sua implantação. A cooperação interna-
cional depende do engajamento das elites e lideranças da sociedade. Essa parti-
cipação só poderá ser alcançada com a decodificação das convenções e acordos
internacionais em metas inteligíveis. Os discursos críticos e as mensagens gené-
ricas diluem-se no complexo mosaico de problemas econômicos e sociais de
caráter conjuntural. Neste quadro, as organizações não-governamentais são re-
levantes, por serem importante fonte de energia propulsora de novas mentalida-
des. A decodificação de suas teses para o conjunto da população, no entanto, é
precondição para o engajamento da maioria.

I. ESTADO E SOCIEDADE NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

A crise estrutural vivenciada pelo Brasil desde o início da década de 80 tem


dificultado ainda mais o caminho para a estabilidade macroeconômica e a
redução das disparidades sociais. O endividamento acumulado, associado ao
emergente paradigma técnico-industrial, obsoletizou em poucos anos a estrutura
estatal brasiliense e as suas ramificações nos Estados. Esse obsoletismo, aliado
Competição, Cooperação e Competitividade 49

à atitude reativa de corporações e grupos partidários sem ideologia, provocou


imobilismo. Uma paralisia sustentada por alianças espúrias entre defensores de
interesses imediatistas, em estrutura de Estado cuja raison d'être deveria ser a
percepção abrangente e o compromisso com os resultados de longo prazo.
No âmbito internacional , o Brasil tem enfrentado dificuldades em projetar seus
interesses de forma soberana. Mesmo sendo interesses ainda difusos, pode-se
testemunhar a diminuição da participação relativa no comércio internacional.
Seu acesso ao mercado financeiro é reduzido, sua influência nos foros decisórios
internacionais é limitada. Quanto ao prestígio do Brasil e dos brasileiros no
exterior, está em declínio.
A responsabilidade de país intermédio, como o Brasil, exige melhor articulação
entre sua agenda interna e sua política externa. Isto significa repensar não só a
política externa mas também a forma como é definida. Significa reestruturação
do poder, tornando-o mais permeável aos atores sociais. Permeabilidade essa que
deve preservar o profissionalismo da diplomacia e a sua visão prospectiva,
características das instituições de ciclo longo. Permeabilidade que pode tornar
as relações internacionais tema de amplo engajamento de lideranças da sociedade
em prol de sua modernização.

A diplomacia tem-se empenhado em criar agenda positiva. A constituição do


Mercosul é exemplo de iniciativa nessa nova agenda, a qual procura temperar
questões de narcotráfico, imigração ilegal e inadimplência financeira. Através
de iniciativas de política externa procura-se amenizar os efeitos da crise interna,
inibidora da assunção, pelo Brasil, de sua posição na comunidade das nações.

A escolha de temas e eventos relevantes às relações do Brasil com a comunidade


internacional constitui o primeiro passo para o engajamento de políticos e atores
sociais. As negociações no âmbito do GATT, as tratativas da dívida externa, o
acesso às linhas de financiamento, a implantação de acordos regionais, como o do
Tratado Amazônico, constituem exemplos de temas que exigem ampla mobilização.
Eventos como a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desen-
volvimento na cidade do Rio de Janeiro em 1992, a reunião de Cúpula dos Países
Ibero-americanos na cidade de Salvador em 1993, as reuniões anuais do Fundo
Monetário Internacional e do Banco Mundial demandam debate prévio sobre as
posições do Brasil. Debate que alimente a sociedade com valiosas informações
sobre a evolução dos entendimentos entre parceiros e beneficie a diplomacia com
contribuições vindas de vários segmentos da sociedade.

o ajustamento das funções do Estado às expectativas de uma sociedade que


50 Jacques Marcovitch

almeja sua democratização exige transformações no processo de tomada de


decisão e na estrutura de poder das in stituições federai s. No Brasil essas trans-
formações continuam exigindo profundo esforço de reflexão e competente ação
de reforma. Eleger prioridades constitui, então , precondição para conciliar re-
cursos escassos a demandas infinitas.
Inovar na definição da política externa corresponde a engajar os atores sociais
na preparação e na avaliação das posições levadas pelo Brasil aos foros interna-
cionais. Esse engajamento contribui de forma decisiva para a redução do grau
de esquizofrenia, entre os problemas enfrentados no país e aqueles levados aos
certames internacionais. Com isto , induz-se a ação dos políticos que, do Con-
gresso Nacional, com informações que permeiam a sociedade, desempenham seu
mandato popular, recuperando a importância que cabe à política externa em país
de extensas fronteiras e expressiva co sta marítima.

11. A COMPETIÇÃO NA SOCIEDADE DIVIDIDA

Neste final de século está longe de ser alcançada a melhor distribuição dos
recursos materiais. Vive-se um mundo dividido entre países e no interior dos
países. A miséria está presente na maior parte deles, na periferia das grandes
cidades e no campo. O país mai s rico tem-se mostrado incapaz de integrar os
bolsões de miséria e reduzir a violência que permeia seu território.
Com base no Relatório sobre o Desenvolvimento Humano da ONU-1992, 1/5 da
população mundial constitui o segmento mais rico , detendo 83 % do PIB mundial,
81 % do comércio, 95 % dos empréstimos comerciais, 81 % da poupança interna
e 81 % dos investimentos. Os países menos desenvolvidos representam 4/5 da
população humana. Nestes, as minorias mais bem educadas têm sido incapazes
de reduzir o fosso en tre a sociedade moderna e a maioria margin alizada . Esse
fosso tem induzido fluxos migratórios indesejados para países mais desenvolvi-
dos. Um abismo que está nas origens da corrupção , da violência, do comércio
de recém-nascidos, do narcotráfico e do ressurgimento de endemias , extirpadas
no passado e que voltam a afligir a sociedade humana.
No campo político, a democracia está em questão. Eleitos e eleitores revelam
frustração aguda de expectativas. A diminuição de interesse nas eleições, as
críticas permanentes à classe política e o individualismo crescente nos países
ocidentais têm provocado busca permanente de novas formas de organização
social e de sistemas de governo. A interrupção da era reaganiana, nos Estados
Competição, Cooperação e Competitividade 51

Unidos, demonstra a esperança depositada na renovação . Eleições realizadas na


Europa revelam preocupantes tendências autoritárias em crescimento . Na América
Latina os eventos ocorridos na Venezuela e no Peru alertam para a fragilidade do
sistema democrático, cuja sobrevivência depende de sua contínua consolidação.
Nos países do Leste europeu a miragem do capitalismo soterrou o sistema decisório
centralizado. O aniquilamento dos partidos comunistas privou-os de sua espinha
dorsal, tornando-os amorfos e incapazes de viabilizar o salto para a modernização
ansiosamente desejada. O surgimento de novas lideranças, apoiadas por novas
estruturas sociais, constitui precondição para tornar realidade o projeto de modern-
ização. A vinculação de 40 % da capacidade produtiva ao establishment militar, na
antiga União Soviética, cria urgente, mas difícil, tarefa de reconversão industrial.
"Enquanto os países industrializados destinam anualmente US$ 50 a 55 bilhões
para projetos de ajuda ao desenvolvimento, o protecionismo relacionado às áreas
agrícola e têxtil acarreta perda anual de US$ 150 bilhões em exportações nos
países em desenvolvimento." Esta conclusão, do Centro para o Desenvolvimento
da OCDE, revela a capacidade de concertação dos países industrializados em
torno de políticas monetárias e comércio, assim como a incapacidade de coricer-
tação dos países intermediários para participar - com competência - da negocia-
ção internacional em torno de temas candentes de interesse global.
Longe de ordem mundial consolidada, o mundo desigual convive com multipo-
laridade, com os Estados Unidos constituído em principal ator nos campos
econômico, comercial e bélico . A competição e a concertação, presentes nas
reuniões do G-7, indicam a opção adotada para enfrentar as turbulências pecu-
liares a um mundo em rápida transformação. Nesse ambiente, os esforços de
entendimento global têm tido resultados, apesar de alentadores, modestos . As
negociações realizadas em torno do Estatuto da Criança (UNICEF), do comércio
mundial (GATT), das mudanças globais (UNCED) revelam indiscutível egocen-
trismo, não obstante um discurso de intenções altruístas.
O Brasil retrata essa sociedade dividida em uma síntese do mundo. No interior de
suas fronteiras estão representantes da minoria mais aí1uente da população mundial.
No mesmo país estão os integrantes das consideráveis camadas de miseráveis, em
proporção semelhante à distribuição mundial. A disparidade sócio-econômica mun-
dial é retratada em território de dimensões continentais: 59,6% da população brasileira
vivem em condições de miséria, com renda mensal inferior a US$ 60. Destes, 18,7 %
têm acesso a menos de US$ 30 mensais, caracterizando condição de indigência
absoluta . Enquanto isso, elevados salários mensais gravitam em torno de US$ 25
mil, acompanhando os padrões internacionais dos países mais industrializados.
52 Jacques Marcovitch

Convivem no mesmo território áreas preservadas com zonas urbanas destruido-


ras do meio ambiente. Espaços de elevado nível de bem-estar hospedam contin-
gentes populacionais vergonhosamente marginalizados. Ilhas de modernização
toleram injustificável extermínio de crianças sem teto. Realidades espalhadas
pelas nações, ma s que no Brasil se encontram. Um encontro de culturas em
constante desequilíbrio. Quais os possíveis futuros de uma sociedade dividida?
Como reduzir o fosso que se está alargando entre a minoria representante da
modernização e a crescente maioria marginalizada?

111. EM BUSCA DA COOPERAÇÃO INTERNACIONAL

A cooperação internacional tem como um dos seus primeiros pressupostos a idéia da


autoridade, isto é, o respeito por um Estado à existência de outros Estados , cujos
objetivos podem e devem ser por eles próprios traçados. Assim, a idéia hobbesiana da
vida internacional como a guerra de todos contra todos , temperada apenas pela mode-
ração que a própria razão e o auto-interesse ditassem, representa , paradoxalmente, um
momento importante na evolução do pensamento político e da própria idéia de coope-
ração, na medida em que contribui para enterrar os mitos que tornariam qualquer
cooperação autêntica impossível ,

observa Amorim (1992) em sua reflexão sobre as perspectivas da cooperação


in ternacional.
As promessas, nesse campo, têm sido ambiciosas e os resultados modestos. Foi
anunciado na Reunião do G-7 em Houston o fundo de US$ 1,5 bilhão destinado
à salvação da Floresta Amazônica. Tendo por argumento a ausência de projetos
solidamente fundamentados, a promessa permanece no âmbito das intenções. A
dificuldade de articulação Estado/Academia/Empresa tornou mais difícil a con-
cepção de projetos mobilizadores da cooperação internacional. O contingencia-
mento de recursos, as condicionalidades e a demora na aprovação de em-
préstimos e doações pelo Senado federal têm sido fatores inibi dores da execução
de projetos nos primeiros anos da década de 90. São empecilhos que dificultam
ainda mais a cooperação internacional.
A transferência de tecnologia para promover o desenvolvimento é, nesse
âmbito , uma das questões centrais. A importância da tecnologia para um novo
paradigma tecno-industrial-ambiental exige o pleno aproveitamento de conhe-
cimentos acumulados. Conhecimentos cuja propriedade intelectual é de domí-
nio público e os decorrentes de avanços tecnológicos mais recentes, prote-
gidos por seus detentores. A existência de infra-estrutura baseada no trinômio
Competição , Cooperação e Competitividade 53

Universidade/Empresa/E stado é indispensável à adoção de tecnologias neces sá-


rias ao desenvolvimento sustentáv el. No campo tecnológico a empresa detém
papel propulsor de inovação , pouco enfatizado na cooperação internacional
pelo Brasil.
N as convenções acordadas na Reunião do Rio de 1992, a cooperação tecnológica
foi novamente abordada em aspectos como acesso à tecnologia, sistemas de
informação tecnológica, desenvolvimento de recursos humanos e mecanismos
financeiros. Foram reiterados princípios aceitos há mais de dez anos pela comu-
nidade internacional. Esses princípios constam do Programa de Ação votado em
Viena, em agosto de 1979, ao término da Conferência das Nações Unidas de
Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento. Naquela ocasião, foram aprova-
dos por consenso pelo s 142 países presentes.
Esses princípios foram reiterados em acordos firmados no Rio, em junho de
1992, e ratificado s pela Assembléia Geral das Nações Unidas do mesmo ano. Os
relacionados à mobilização para o desenvolvimento e à questão da transferência
de tecnologia constam dos seguintes artigos da Declaração do Rio:

Art. 5º - Todos os Estados e todos os indivíduos, como requisito indispensável para o


desenvolvimento sustentável, devem cooperar na tarefa essencial de erradicar a pobreza de
forma a reduzir as disparidades nos padrões de vida e melhor atender às nec essidades da
maioria da população do mundo .
Art. 7º - Os países desenvolvidos reconhecem a responsabilidade que têm na busca
internacional do desenvolvimento sustentável , em vista das pressões exercidas por suas
sociedades sobre o meio ambiente global e das tecnologias e recursos fin ance i ros que
controlam.
Art. 9º - Os Estados devem cooperar com vistas ao fortalecimento da capacitação
endógena para o desenvolvimento sustentável , pelo aprimoramento da compreensão
científica por meio do intercâmbio de conhecimento ci entífico e tecnológico , e pela
intensificação do desenvolvimento, adaptação, difusão, e transferência de tecnologias ,
inclusive tecnologias novas c inovadoras.

Apesar de esses princípios gerais terem sido acordados por todos os países,
acirrados conflitos de interesse estão presentes nas negociações internacionais.
Enquanto países menos desenvolvidos e organizações não-governamentais
(ONG) buscam facilitar o acesso à tecnologia, consolida-se do outro lado a
defesa dos direitos à propriedade intelectual. Defesa sustentada na lógica do
rigor econômico e nos interesses estratégicos setoriais de países desenvolvidos.
Essa lógica aplica-se também aos setores modernos de países menos desenvol-
vidos . Tem por base a rivalidade entre segmentos sociais e o temor das perdas
54 Jacques Marcovitch

de suas vantagens. A transferência de tecnologia só pode, então, ser estudada


dentro da dualidade característica do mundo. Essa dualidade está na raiz de
conflitos de interesses e dificuldades que marcam a negociação das convenções
e dos acordos internacionais.
Árduas negociações no Rio de Janeiro resultaram em respeito rigoroso aos
direitos da propriedade intelectual. Os Estados Unidos assinaram a convenção
sobre a diversidade biológica um ano depois. Os países europeus, que a subscre-
veram, entenderam que as despesas com patentes e royaIties deveriam ser subsidia-
das pelos países industrializados. As grandes empresas investidoras em P&D,
mobilizadas pela International Chamber 01' Commerce, acordaram o Princípio 13
de sua Carta para o Desenvolvimento Sustentável. Esse princípio recomenda às
empresas "contribuir para a correspondente transferência de tecnologias ambien-
talmente saudáveis e métodos de gestão através dos setores privado e público".
Já o Business Council for Sustainable Development preferiu adotar o princípio
da cooperação tecnológica, enfatizando a importância da transação direta de
tecnologias entre empresas, sem a intermediação de governos, aos custos de
mercado e com respeito à propriedade intelectual.
Para promover a cooperação tecnológica, a Agenda 21 é um generoso e bem-in-
tencionado programa global. Em seu capítulo dedicado à transferência de tecno-
logia, propõe:
desenvolvimento de redes internacionais de informação;
promoção da transferência de tecnologia, respeitados os direitos de proprie-
dade intelectual;
aprimoramento da capacidade de desenvolvimento e gestão de tecnologias
ambientalmente saudáveis;
estabelecimento de laços de colaboração entre centros de pesquisa;
apoio aos programas de cooperação e assistência técnica;
avaliação tecnológica para apoiar a gestão de tecnologias ambientalmente
saudáveis;
indução de parcerias.
Foi também proposta a constituição de fundos especiais para a aquisiçao de
tecnologias determinantes para produtos e serviços destinados às largas camadas
da população mundial sem poder de compra e sem acesso ao mercado consumi-
dor. Parte desses recursos poderia ser utilizada para a criação de redes de
inovação. Redes baseadas em centros de excelência, distribuídos regionalmente,
Competição, Cooperação e Competitividade 55

com o objetivo de favorecer o desenvolvimento, o acesso e a cooperação inter-


nacional no campo técnico-científico.
Para viabilizar esse plano de trabalho foi estimado para o período de 1993 a
2000 o valor de US$ 450 a US$ 600 milhões . Trata-se de valor indicativo, a
ser detalhado, cuja fonte não foi determinada. A negociação desses recursos
é complexa e assemelha-se, na percepção do embaixador Rubens Ricupero,
que dela participou diretamente, a um diálogo de surdos. Um diálogo que inibe
a implantação da Agenda e limita o acesso a recursos para a cooperação
internacional.
No Brasil, a contração de recursos para cooperação internacional tem sido
acompanhada pela multiplicação de pedidos, especialmente a partir da promul-
gação da Constituição de 1988, que reafirmou os princípios federativos. Em
paralelo, a crise enfrentada pelo governo federal tem dificultado a articulação
esperada para a concepção e estruturação de prioridades.
O relatório anual do Brasil sobre cooperação para o desenvolvimento referente
a 1990 revela que os desembolsos totais, provenientes de organizações regionais,
multilaterais, bilaterais e não-governamentais para projetos de assistência ao
desenvolvimento, correspondem a US$ 1,3 bilhão; destes, US$ 1,18 bilhão
corresponde a empréstimos normalmente conhecidos por assistência financeira.
Esse valor representa 7,3 % dos juros e da amortização da dívida externa brasi-
leira. Em outras palavras, as transferências líquidas relacionadas com a dívida
externa alcançaram US$ 16,2 bilhão, enquanto a cooperação financeira totalizou
US$ 1,2 bilhão.
Os setores privilegiados foram, no mesmo período, transporte, desenvolvimento
social e saúde, recebendo cada um aproximadamente US$ 20 milhões. Quanto à
área de desenvolvimento de recursos humanos, coube-lhe US$ 17 milhões. Esses
valores, provenientes da assistência oficial externa para a cooperação interna-
cional, só podem gerar resultados se forem alocados de forma adequada à
constituição de competências em âmbitos estrutural, setorial e empresarial.

IV. Os DESAFIOS DA COMPETITIVIDADE

Na América Latina, os esforços de integração econômica, única alternativa para


evitar o isolamento, multiplicam-se. O Tratado Amazônico, o Pacto Andino, o
Mercosul são exemplos de entendimentos de aproximação sub-regional que buscam
recuperar a atratividade do Sul das Américas. A integração do México à economia
56 Jacques Marcovitch

norte-americana corresponde, no entanto, a uma nova forma de articulação.


Articulação cujo sucesso é determinante para a implantação da iniciativa proposta
pelo governo norte-americano. Nesses esforços de integração, a competitividade
detém lugar de destaque no destino dos países. Competitividade determinada por
um novo paradigma de produção e de prestação de serviços.
A competitividade pode ser analisada de vários ângulos. Para as empresas,
competitividade significa habilidade de competir em mercados globais, com
estratégias globais. Para as lideranças políticas e econômicas, significa ter a
nação balanço positivo de comércio. Para alguns economistas, competitividade
significa baixo custo unitário do trabalho ajustado às taxas de câmbio. A noção
de competitividade relaciona-se, certamente, à participação bem-sucedida no
mercado internacional. É derivada da habilidade em gerir a interação entre vários
ambientes. Conceituar competitividade exige considerar três níveis que se com-
plementam: o estrutural, o setorial e o empresarial.
O âmbito estrutural refere-se às condições gerais de produção e ao ambiente
macroeconômico. Embora a competitividade seja determinada pela eficiência
das empresas, as nações têm papel fundamental no processo. Educação, suporte
à pesquisa, cooperação internacional, legislação fiscal e trabalhista, infra-estru-
turas de transporte, energia e comunicação são exemplos de elementos reconhe-
cidos como de vital importância para a coinpetitividade. A competitividade
estrutural decorre, portanto, da economia de um país em seu conjunto e descreve
a capacidade dessa economia em incrementar ou sustentar sua participação no
mercado internacional de bens e serviços, com a elevação simultânea do nível
de vida de sua população. Um país estruturalmente competitivo é aquele no qual
os componentes do ambiente nacional são estimuladores da eficiência empresarial.
A competitividade setorial estabelece as características fundamentais da concorrên-
cia, dentro do ramo específico de atividade no qual a organização se insere.
Equilíbrio de forças entre fornecedores e clientes, ameaças e oportunidades seto-
riais, grau de articulação com outros setores relacionados e de apoio são elementos
do nível setorial que têm efeitos determinantes sobre a competitividade de cada
cadeia produtiva. A competitividade setorial reflete a capacidade de setores econô-
micos em gerar bases de criação e desenvolvimento de vantagens que sustentem
uma posição competitiva internacional. Competitividade setorial é a medida na qual
uma cadeia produtiva oferece, simultaneamente, potencial para crescimento e retor-
nos sobre os investimentos atrativos para as empresas que a compõem.
A competitividade empresarial refere-se à capacidade das empresas de sustentar
os padrões mais elevados de eficiência vigentes no mundo, quanto à utilização
Competição, Cooperação e Competitividade 57

de recursos e à qualidade de bens e serviços oferecidos. Uma empresa competitiva


deve ser capaz de projetar, produzir e comercializar produtos de qualidade superior
aos oferecidos pela concorrência, tanto com relação a preço quanto a qualidade.
A combinação desses três níveis de competitividade resulta em uma base auto-
sustentável de competição. Best (1990) observa que alguns dos países bem-su-
cedidos em termos de crescimento industrial superaram a dicotomia
mercado/plano. Os planos, nesses países, não ignoram o mercado nem o substi-
tuem, mas utilizam-no e o modelam. "O mercado é visto como um bom servo,
mas como um péssimo mestre" (Best, 1990). O principal objetivo da política
industrial é promover a nova forma de competição, ou seja, a empresa inovadora,
relações construtivas entre fornecedores e clientes, associações entre firmas e
agências extrafirma facilitando melhoria contínua na produção , além de carac-
terizar-se por orientação setorial estratégica. Como exemplos, no Brasil, podem
ser citados os setores de celulose e papel, carnes brancas, soja e cítricos.

A presença de país, setor ou empresa no comércio internacional não decorre


unicamente da produtividade e qualidade dos produtos e serviços produzidos,
mas também de ação articulada para a abertura de novos mercados e a defesa dos
já conquistados. Choate (1990) demonstrou que vários países, especialmente o
Japão, gastaram mais de 4 bilhões de dólares no período de 1980 a 1990 para
modificar a legislação norte-americana de acordo com suas conveniências. Dessa
forma, mantiveram o mercado aberto às exportações, neutralizaram a oposição
dos concorrentes e influenciaram as políticas de comércio exterior. Financiando
campanhas eleitorais, contratando ex-funcionários de governo, subsidiando pro-
gramas educacionais, apoiando projetos filantrópicos. No caso do Japão, os
ressentimentos causados pela guerra foram substituídos, na mente do consumi-
dor, por admiração pela qualidade confiável dos produtos nipônicos.

Nos mercados alargados da Ásia, Europa Ocidental e Estados Unidos, inúmeras


alianças estratégicas foram celebradas para elevar a competitividade setorial.
Programas mobilizadores pré-competitivos alimentam, com inovações, ousados
grupos de interesse econômico. Para enfrentar a indústria aeronáutica norte-ame-
ricana, por exemplo, empresas transportadoras, governos e montadoras de cinco
países europeus (França, Inglaterra, Espanha, Alemanha e Holanda) associaram-
se. Para ocupar lugar de destaque na aeronáutica mundial, foi estruturada sofisticada
engenharia organizacional, baseada em parcerias com empresas e governos. Parce-
rias viabilizadas pelo mercado, em decorrência da participação de empresas de
transporte aéreo. É a competição inter-regional que estimula a cooperação para
elevar a competitividade.
58 Jacques Marcovitch

Com setecentas aeronaves produzidas e entregues na Europa e em outros conti-


nentes, os resultados alcançados pelo grupo de interesse econômico Airbu s
inspira a CEE a amparar modelo semelhante para a construção naval. Neste caso,
busca-se agrupar os interesses marítimos através de dirigentes dos estaleiros,
armadores, autoridades portuárias, especialistas em segurança, institutos de
pesquisa e usuários do transporte naval. Um navio do futuro começa a ser
idealizado com base nas novas normas exigidas pelas autoridades portuárias
européias e defendidas nas reuniões internacionais. Essa modernização , proposta
por Martin Banjemann, da CEE, reconhece a importância dos clusters que devem
modificar o sistema de transporte porto-rodo-ferroviário com novas oportunida-
des de negócios para o próprio setor e repercussões na competitividade dos
demais que o utilizam.

v. LIÇÕES PARA O FUTURO: COOPERAÇÃO E


COMPETITIVIDADE

A busca da competitividade exige sensibilidade e ação geoestratégica. Iniciativas


brasileiras, apoiadas por programas de cooperação internacional, resultaram em
instituições que contribuíram decisivamente para a elevação das competitivida-
des estrutural, setorial e empresarial nacionais. São iniciativas que merecem
destaque, para delas ser retirada a necessária aprendizagem.
A fundação da Universidade de São Paulo , em 1934, resultou de ampla coopera-
ção, cujo efeito teve reflexos no sistema de educação superior no Brasil. Na
criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras almejava-se modelar insti-
tuições e concorrer para a organização de entidades dedicadas à solução de
problemas enfrentados pela sociedade. Ela influenciou o pensamento e o saber,
a própria formação de elites intelectuais e o surgimento de estudantes como força
social autônoma.
A estratégia de recrutamento de professores europeus, já nos primeiros anos,
inicialmente selecionados por indicação de George Dumas, foi adaptada para
aproveitar o peso de rivalidade entre a França e outros países (principalmente
Itália e Alemanha) . Os brasileiros empenharam-se no uso de tal rivalidade para
conseguir condições mais favoráveis: professores mais estáveis e de melhor
qualidade e participação financeira mais significativa por parte dos países de
origem. Foram inicialmente contratadas comissões de alemães, italianos e fran-
ceses compostas de professores e de especialistas. Participaram, entre outros,
Competição, Cooperação e Competitividade 59

Gleb Wataghin, Ernest Breslau , Paul Bastide, Heinrich Rheinboldt, os quais


criaram os ramos brasileiros das ciências que ensinaram: participação interna-
cional contribuindo de forma decisiva no s ramos da s ciências que floresceram
no Brasil, entre as quais a física , a química e a genética.
Mais tarde, no início da década de 50, os emp resários reconheceram que o
sistema de educação superior brasileiro er a inadequado para a formação de
dirigentes de empresas. Em 1952, o presidente Getúlio Vargas, em pronuncia-
mento dirigido a educadores, industriais e líderes do governo, reconhecera a
conveniência de criar uma escola de administração de negócios em São Paulo .
No mesmo ano, o MEC e a Fundação Getúlio Vargas mantiveram os primeiros
entendimentos para viabilizar o estabelecimento de uma Escola de Administração
adequada à modernização dos setores industrial e administrativo brasileiros.
A iniciativa da criação da EAESP deu-se sob a coordenação da FGV do Rio de
Janeiro , em programa conjunto com o Instituto de Organização Racional do
Trabalho (IDORT), em São Paulo, que fora fundado em 1934 por Roberto
Simonsen e Armando de Salles Oliveira. O acordo envolveu ainda a CAPES e
os coordenadores do Projeto do governo norte-americano e da Universidade do
Estado de Michigan. A partir do projeto de cooperação foram fixadas as bas es
para o novo projeto . Posteriormente, em 1959, estabeleceu-se programa similar
para as Universidades do Rio Grande do Sul .e da Bahia. Tal iniciativa institu-
cionalizou novas disciplinas no campo da administração, as quais deram contri-
buição direta no âmbito da competitividade empresarial no Brasil.
Um programa de aprimoramento da cultura da soja tornou-se possível através da
excelência científica no estudo do tema, em decorrência da continuidade de
convênios que permitiram a manutenção da pesquisa. As agências de financia-
mento e de fomento nacionais e internacionais deram suporte ao programa. O
grupo soube usar a oportunidade para construir um currículo , aprofundar sua
experiência e obter novas fontes de suporte material.
Foi em Minas Gerais, na Universidade de Viçosa, que tloresceu o programa da soja,
iniciado em 1958 no Departamento de Fitotecnia. Em 1963, devido ao grande
interesse no produto, Sylvio Brandão e Clibas Vieira incluíram o programa no
convênio que a então Universidade Rural de Minas Gerais havia firmado com a
Universidade de Purdue. Desse projeto participaram, entre outros, os professores
Kick Athow, Henry Shands e M arvin L. Swearingin, da Universidade de Purdue,
especialistas em soja que marcaram o estilo do programa e contribuíram para formar
lideranças brasileiras, entre elas os professores Tuneo e Carlos Sediyama.
Segundo Quirino (1992), o clima de guerra fria, que marcou a maior parte do
60 Jacques Marcovitch

século XX, inspirou os países ricos a adotarem estratégias de ajuda ao desenvol-


vimento dos países periféricos de sua área de influência, procedimento que
permitiu ao Programa de Soja o acesso à assistência internacional e ao treina-
mento científico de seus participantes . Em contrapartida, a Universidade de
Purdue adquiriu amplo conhecimento sobre a sojicultura nos trópicos. Tais
vantagens foram utilizadas em prol do fortalecimento da competência no cultivo
de soja, tornando o Programa um caso de êxito de cooperação internacional,
simultaneamente à elevação da competitividade setorial.
No campo empresarial, a Metal Leve oferece um exemplo de programas de
cooperação que elevam sua competitividade. No início da década de 50, a Mahle,
empresa a ela associada, enviou profissionais alemães para o desenvolvimento
de operários, técnicos e engenheiros brasileiros. A produção de bronzinas foi
possibilitada pelo fornecimento de equipamentos da principal fornecedora de
bronzinas para a Ford, nos EUA, a qual também transferiu a tecnologia, viabil i-
zando a qualificação necessária para o crescimento da Metal Leve. Até 1968, a
empresa manteve contrato de assistência técnica com a Mahle, que dava acesso
aos processos e patentes de fabricação de pistões, ao seu desenvolvimento e ao
uso da marca Mahle no Brasil, em troca da remuneração de 2 % sobre a venda de
pistões. A partir daquele ano, a Metal Leve passou a informar à Mahle os
resultados obtidos no aperfeiçoamento das técnicas de produção, permitindo-lhe
o acesso a tais resultados. Nos contratos mais recentes, a Metal Leve passa a
participar de trabalhos de pesquisas e desenvolvimento da Mahle para pistões, e em
seguida para bronzinas, constituindo assim uma nova parceria.

No final dos anos 80, a Metal Leve transnacionalizou o seu Centro de Tecnologia,
apoiado nos Estados Unidos pelo SWRI (Southwest Research Institute), e pelas
Stanford, Battele e Michigan Universities. Na Europa, a Metal Leve baseia-se nas
universidades de Delft, Aachen e Leeds, e na Universidade Técnica de Copenhagen,
entre outras. A cooperação com grupos de engenharia dos principais fabricantes de
motores no Brasil, nos EUA e na Europa tornou-se valiosa fonte de informações
tecnológicas, com repercussão na competitividade da empresa .

Apesar de a tecnologia ser um bem sujeito ao direito de propriedade, há uma fase


pré-competitiva na qual é possível cooperar com benefícios para os parceiros; a
parceria com objetivos convergentes torna-se viável. A participação do Cen-
pes/Petrobrás e da Fundação Brasileira de Tecnologia de Soldagem com empre-
sas portuguesas e alemãs, através do Programa Eureka da CEE, viabilizou essa
cooperação pré-competitiva unindo a pesquisa à produção no programa de
prospecção de petróleo em águas profundas.
Competição, Cooperação e Competitividade 61

Articular a cooperação para elevar a competitividade e enfrentar a competição


constitui desafio aparentemente ambíguo, porém decisivo. Cabe aos atores so-
ciais conciliar esses movimentos sob a autoridade do Estado . A este cabe um
novo papel que está para ser delineado. As lições a serem apreendidas das
experiências do passado, somadas às atuais expectativas da sociedade brasileira,
induzem à busca de novo modelo de cooperação que considere como diretrizes
básicas:
priorizar programas e projetos escolhidos com base no critério de qualidade
para valorizar a excelência nos âmbitos espacial e temático;
escolher iniciativas dentro do marco maior de referência da política externa
e das prioridades internas;
atuar, sempre que possível , através das instâncias existentes a fim de desbu-
rocratizar a cooperação, descentralizando-a junto às unidades próximas das
atividades-fim;
induzir o engajamento de pessoas, áreas e unidades, desde a concepção até
a avaliação dos projetos de cooperação, para garantir elevado nível de
participação .
São diretrizes básicas que favorecem o surgimento de novas relações entre Estado
e sociedade, diante de um horizonte de ameaças indefinidas, mas perceptíveis.

VI. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A ciência e a tecnologia são fatores de importância crescente para o desenvolvi-


mento sustentável. Nesse sentido, é necessário incrementar os esforços nacionais
em C&T e buscar o aproveitamento máximo dos recursos disponíveis através da
cooperação. Essa cooperação deve proporcionar resultados significativos e con-
duzir a uma adequada integração regional. A coesão econômica e social deve estar
presente na definição, aplicação e avaliação das políticas e programas de coopera-
ção, reduzindo assim a exclusão de expressivos segmentos da sociedade humana.
O conhecimento científico e tecnológico constitui um fator de produção funda-
mental para a competitividade das economias e para nortear decisões em busca
da superação dos passivos sociais. Investimentos de longo prazo são necessários
para elevar a ciência e a tecnologia à categoria de infra-estrutura produtiva . Com
a continuidade desses investimentos viabilizar-se-á o futuro das universidades,
centros e instituições de pesquisa. Nesse sentido, é crescente a importância da
62 Jacques Marcovitch

cooperação científica e tecnológica na agenda internacional das nações, respon-


dendo à legítima demanda de desenvolvimento e de inserção internacional em
uma economia global qu e se está regionalizando.
A ciência e a tecnologia não são suficientes para conseguir a inovação , chave da
competitividade. As mudanças tecnológicas exigem o fortalecimento da gestão
da inovação tecnológica nas empresas, em especial nas pequenas e médias
empresas. Essas mudanças induzem uma reorganização dos sistemas produtivos
organizacionais e de comercialização. Isto se aplica tanto às empresas de tecno-
logia tradicional como às de novos produtos e processos, onde as novas tecno-
logias abrem janelas de oportunidades.
As lideranças nos campos político, econômico, sindical , cultural e artístico, entre
outros, têm tido participação limitada quanto à definição da política externa e às
iniciativas de cooperação internacional. As instituições representativas desses
segmentos, no entanto, têm uma valiosa contribuição a dar na elaboração e na
implementação da agenda internacional. A universidade pode contribuir para a
formação de uma posição de consenso de segmentos organizados da sociedade
brasileira a respeito dos seus interesses internacionais. Nesse sentido, deve ser
ampliada a colaboração da universidade com a diplomacia, e delas com a
sociedade em geral.
Os recursos da universidade e da diplomacia, especialmente aqueles repre-
sentados pelo conhecimento, pelas informações e pelos especialistas que se
concentram nos seus vários departamentos, podem organizar-se em uma espécie
de think tank capaz de elaborar estudos e sugerir estratégias de âmbitos estrutu-
ral, setorial ou empresarial. Com isso torna-se possível enfrentar com melhor
preparo a conspiração do silêncio adotada especialmente pelos países industria-
lizados quanto à sua co-responsabilidade no desenvolvimento harmônico global.

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o Brasil e o Sistema
Internacional Contemporâneo

Hélio Jaguaribe

L o MUNDO E A NOVA ORDEM MUNDIAL

Este estudo visa a efetuar uma sucinta análise da presente situação internacional
do Brasil, em função das atuais características do mundo e da emergente ordem
internacional, subseqüente ao colapso do comunismo internacional e à desagre-
gação da União Soviética. Procurar-se-á discutir a posição do Brasil no sistema
internacional. Para esse efeito, serão estudados os mais importantes condiciona-
mentos internos e externos que interferem na situação internacional do Brasil e
discutidas as necessidades do país, no âmbito internacional, e os requisitos
necessários para assegurar seu atendimento.

1. Principais Características Atuais


A enunciação do que sejam as principais características do mundo está inevita-
velmente sujeita a uma certa margem de arbitrariedade. O mundo é um sistema
complexo de inter-relações. Sobre esse sistema, recortar um conjunto delimitado
de problemas, e sustentar que esses são os problemas relevantes, é uma operação
que comporta, inevitavelmente, soluções alternativas. Propomos uma decompo-
66 Hélio Jaguaribe

sição desse mundo e desses problemas em cinco aspectos, mas cabe reconhecer
que se poderia, validamente, ver a coisa sob uma ótica um pouco distinta. Toda
a itemização de um contínuo é algo arbitrária.
Dentro desta cautelosa observação prévia, creio que se pode compreeender
razoavelmente o mundo contemporâneo se se considerar que ele apresenta cinco
grandes facetas, a seguir enumeradas.
Primeiro, o colapso do comunismo internacional; segundo, a emergência das
sociedades pós-industriais; terceiro, a formação dos megamercados; quarto, o
agravamento da brecha Norte/Sul; e quinto, a falta de regulação racional dos
grandes interesses coletivos da humanidade.

a) O Colapso do Comunismo

Não escapa a ninguém que uma grande transformação, razoavelmente inespera-


da, aconteceu em período recente no mundo, fazendo com que, repentinamente,
este mundo se convertesse num mundo de uma só potência, quando o sistema
comunista entrou em colapso. Não é propriamente pelo fato de os Estados Unidos
terem vencido a guerra fria, mas porque, de modo repentino, o adversário entrou
em colapso e desapareceu, por destruição interior do sistema soviético.
Teremos a oportunidade de estudar essa questão mais de perto ao tratar, poste-
riormente, da nova ordem mundial. É algo inteligível se levarmos em conta que
há fatores que vêm operando, de uma maneira discreta, mas real, no sentido de
inviabilizar o sistema soviético, e que esses fatores, em determinado momento,
adquiriram um caráter explosivo, por um lado, e implosivo, por outro.
Muito resumidamente, creio que se pode dizer que a revolução de outubro, a
partir das idéias de Lenin - a meu ver, de uma visão profundamente deturpada
da mensagem de Marx, que era humanista, amante da liberdade - instaura, para
produzir uma sociedade socialista igualitária, um sistema extremamente autori-
tário, burocrático, que, depois de um período turbulento de instalação, tem, a
partir da inauguração dos planos qüinqüenais, um êxito extraordinário.
É preciso não deixar de reconhecer que uma sociedade agrária, extremamente
atrasada, com dois planos qüinqüenais se torna uma grande potência industrial,
capaz de resistir, sobretudo com recursos próprios, embora com grande apoio
dos Estados Unidos e de outras potências, à agressão do maior exército do
mundo, no que foi a invasão da União Soviética pelos nazistas .
Esse sistema conduz a resultados significativos durante um período que pode-
mos, talvez, situar como atingindo seu máximo na década de 60, durante a gestão
o Brasil e o Sistema Internacional Contemporâneo 67

Khrushchev . Extrapolações de certas curvas de crescimento da União Soviética,


crescimento global, crescimento da produção de aço e da indústria pesada e
vários outros indicadores importantes mostravam que, se essas curvas continuas-
sem sujeitas às taxas de crescimento que vinham ostentando desde a década de
30 , elas conduziriam à superação provável da economia americana no final do
século. Foi anunciado por Khrushchev que ele superaria a economia americana
nesse período. É interessante mencionar que um eminente economista brasileiro,
Miguel Ozório de Almeida, embaixador e economista de renomada competência,
hoje aposentado, examinou as curvas apresentadas pelo governo soviético "e
confirmou que, realmente, se aquelas taxas se mantivessem, a economia sovié-
tica ultrapassaria a economia ocidental dentro de mais uns quinze anos. Mas,
como sempre acontece com essas extrapolações, as curvas não mantêm taxas
permanentes de crescimento e entram em declínio .
A economia soviética começa a declinar em sua capacidade produtiva exatamen-
te no período de Khrushchev . O que aconteceu? Aconteceu, em síntese, que o
sistema de incentivos existentes na União Soviética, a concentração de poder
numa burocracia central, a total falta de espaço para a inovação, tanto dos
subsistemas como das pessoas, a rigidez da centralização, controlada por um
pequeno número de pessoas, com incentivos totalmente inadequados para a
motivação do ser humano normal, permitiram que a União Soviética saísse da
miséria, mas não que entrasse na riqueza. O regime foi bom para tirá-la da
miséria, mas estagnou num determinado momento e entrou em franco declínio.
Quanto mais complexa se tornava a União Soviética, menos o sistema tinha
capacidade de dar atendimento a uma sociedade que já não era uma sociedade
de mujiques, como a União Soviética de Lenin, mas uma sociedade de engenhei-
ros, de economistas, que hoje tem um nível de educação talvez superior ao
americano, coisa que escapa a muito s.

Dentro dessa crise, ficou evidente que Brezhnev era um homem que estava
tentando congelar um sistema em declínio. Quando chegou a vez, depois daque-
las sucessões efêmeras de Andropov etc., de Mikhail Gorbachev assumir o poder,
em 1985, ele - que provou ser um dos maiores estadistas do século XX - deu-se
conta de que o sistema não tinha mais capacidade de funcionar. Ele se deu conta,
sobretudo , de que embora a famosa guerra nas estrelas de Reagan não tivesse
capacidade de atingir os objetivos declarados - ou seja, de ser um guarda-chuva
impenetrável por mísseis -, constituía um desafio tecnológico que a União
Soviética não poderia sustentar.

Restrita a idéia do guarda-chuva antinuclear a algumas cidades estratégicas, aí


68 Hélio Jaguaribe

já se chegava a um nível de risco aceitável. Os Estados Unidos iam ter condições


de tornar Washington, Nova York e algumas outras cidades praticamente invul-
neráveis. Esse desafio à União Soviética representava a necessidade de uma
multiplicação extraordinária do esforço militar. Ora, no tempo de Brezhnev a
União Soviética já estava gastando 25 % do seu PIB em aplicações militares. Ela
teria, talvez, que elevá-las para algo próximo de 50 %, o que era inviável. Gorbachev,
entre várias outras constatações, deu -se conta daquilo que era, de fato, absoluta-
mente estratégico, ou seja, de que não tinha as condições econômicas e sociais,
dentro da sociedade soviética, para sustentar a máquina militar para equilibrar a
guerra eletrônica que os Estados Unidos se preparavam para desencadear. Em escala
extremamente reduzida, teve-se uma demonstração do que isto significaria, no
Golfo, onde os Estados Unidos perderam 200 homens e mataram mais de 100 mil
iraquianos. Essa é uma ilustração do que significa a guerra eletrônica.
Gorbatchev constatou, assim, a necessidade de uma radical reformulação do
projeto soviético. Creio que, com várias outras importantes motivações, ele
introduziu a dupla idéia da reforma profunda, a Perestroika, e a conversão de
um Estado arbitrário, um Estado autoritário , em um Estado de direito, um Estado
democrático, que é a idéia da Glasnost.
Esses ingredientes revelaram-se fatais, do ponto de vista do sistema externo,
relativamente aos países do Leste europeu. Ante essa modificação de postura, a
União Soviética deixou de apresentar uma ameaça de intervenção e passou a
sustentar a livre determinação dos povos . Os sistemas satélites não tiveram
capacidade de resistir às pressões de seus próprios povos. Daí todo esse processo
que começa com a Polônia, em 1989, segue com a Hungria e culmina com a queda
do Muro de Berlim, em novembro de 1990. É o desaparecimento rápido dos
sistemas da Europa Oriental.
Por outro lado, enquanto isso se passa, dentro da própria União Soviética as
forças democratizantes continuam operando transformações muito profundas . O
golpe frustrado do bando dos 8 desmoraliza, definitivamente, o sistema repres-
sivo. A KGB se desarticula, assim como o Ministério do Interior. As Forças
Armadas não mais se prestam a reprimir o povo. Termina ocorrendo a implosão
da União Soviética, com a proclamação da independência das repúblicas que a
integravam.
Importa mencionar que o colapso do comunismo internacional não deve ser
totalmente generalizado. Não há mais condições para o comunismo na Europa e
na União Soviética. Países como Cuba têm um futuro extremamente curto para
o seu regime. A própria Coréia do Norte não parece apta a perdurar por um prazo
o Brasil e o Sistema Internacional Contemporâneo 69

significativo. Mas importa abrir uma exceção para o caso da China, país onde
vivem 1,2 bilhão de pessoas, um quarto da humanidade. Uma sociedade antiga,
com filosofia e estilo próprios. Uma sociedade que durante todos estes séculos
teve capacidade de absorver os seus invasores e reeducá-los à moda chinesa,
como aconteceu com a dinastia mongol, e também de resolver à sua maneira
o movimento que eclodiu em 1990, exigindo maior liberdade política.
Esse comunismo que hoje existe na China não é mais o comunismo de Mao,
muito menos o de Lenin, e menos ainda o de Stalin. É um sistema autoritário,
organizado para a promoção do desenvolvimento. Tem alguma semelhança
com os sistemas autoritários do século XVIII. É mais fácil pensar no Marquês
de Pombal, em Frederico, o Grande, do que em Lenin, para se compreender o
sistema adotado por Deng Xiaoping, ou seja, um autoritarismo político, cen-
tralizado que está ativamente descentralizando a economia e que mantém o
autoritarismo político como condição para poder orquestrar, de maneira eficaz
e coerente, a conversão da economia chinesa numa economia de mercado. Sem
gravames para muitos problemas, o experimento está tendo êxito. A China
está crescendo à taxa de 8 % ao ano. A cidade de Pequim , com 9 milhões de
habitantes, não tem um mendigo , não tem uma favela. Isto, para uma popula-
ção que tem uma renda per capita de 350 dólares, ou seja, menos de um sexto
da renda brasileira. Enfim, a China consegue coisas que nós aqui não conse-
guimos. Evidententemente, isto é conseguido com um regime autoritário, com
os graves defeitos que lhe são inerentes.

Se isto vai conduzir aos objetivos que Deng Xiaoping se propõe, já é mais
problemático. A idéia declarada de Deng é a de manter o regime autoritário
até que a renda per capita da população aumente significativamente, ou seja,
até que pelo menos duplique, e é o que esperam conseguir até o ano 2000. No
momento em .qu e a população tiver a sua renda per capita duplicada, tiver
aumentada a sua capacidade de trabalho, estará preparada para uma transição ,
a saber: passar da liberalização econômica para a liberalização política.

A discussão interna, nos âmbitos chineses, é, em suma, exatamente a respeito


de ser esse prazo exeqüível ou não . Alguns acham que sim, outros que não. O
processo está indo muito depressa. A pressão interna para a liberalização
política poderá ocorrer antes do esperado. O caso de Tienamen foi apenas uma
primeira amostragem. Outras coisas semelhantes tendem a acontecer. De
qualquer maneira, há que se reconhecer que o experimento chinês, dotado de
características específicas, está tendo êxito e tem, certamente, capacidade de
perdurar por mais algum tempo.
70 Hélio Jaguaribe

b) Sociedades Pós-industriais

A emergência das sociedades pós-industriais é um aspecto de extraordinária


importância e decorre do fato de o desenvolvimento da tecnologia estar se
tornando, cada vez mais, o mais importante fator isolado de produção. A tecno-
logia está caminhando, sobretudo, na direção da múltipla utilização que se pode
dar à cibernética, no seu sentido amplo, e que vai desde a informática até a
robótica, ou seja, uma capacidade de aumentar enormemente a produtividade
mediante sistemas de controle, que seriam impossíveis sem a automação, e
sistemas de operação de coisas complexas, que não seriam possíveis sem a
robótica.
o aumento de produtividade dos países que estão caminhando para se converter
em sociedades pós-industriais apresenta uma analogia interessante com o aumen-
to da produtividade que as sociedades que transitaram da condição agrária para
a condição industrial exibiram em fins do século XVIII e princípio do XIX. Para
dar uma idéia, hoje os países europeus de vanguarda, Japão e outros estão com
uma renda per capita da ordem de 20 mil dólares. Os países que são sociedades
industriais incipientes, tipo Brasil, têm 2 mil dólares, e as sociedades agrárias,
apenas 200 dólares. Assim, entre uma sociedade africana com 200 dólares e uma
sociedade como a japonesa há um intervalo de 1 para 100, enquanto esse
intervalo no começo do século XIX era de 1 para 3 ou 4 e, até recentemente, de
1 para 10.
O problema que se nos apresenta é que estamos em posições intermediárias (mais
para trás do que para a frente) com a emergência dessa sociedade pós-industrial.
O fato é que a tecnologia, adquirindo uma importância cada vez mais decisiva
no conjunto dos fatores de produção, está levando as grandes empresas que
operam tal tecnologia e, conseqüentemente, os países de onde são nativas essas
empresas a uma proteção crescente do saber de ponta. Desde o Renascimento e,
certamente, desde a Ilustração, o saber foi entendido como um bem comum de
todos os homens. Qualquer pessoa, até recentemente, podia, desde que tivesse
qualificação adequada, se inscrever no MIT ou na CALTEC e, a partir daí, ter
acesso à melhor ciência (dentro da sua especialidade) existente no mundo. A
coisa, agora, está ficando um pouco diferente porque os grandes laboratórios das
multinacionais estão se apoderando das formas mais refinadas da aplicabilidade
do saber de ponta, cercando-as de patentes, de sigilo, de segredo intelectual, de
sorte a conservar um oligopólio da tecnologia de ponta e a manter uma espécie
de vantagem neocolonial relativamente aos países atrasados. Isto é um problema
muito sério porque estamos sofrendo enormes pressões para respeitar patentes e
o Brasil e o Sistema Internacional Contemporâneo 71

direitos intelectuais, restringindo, por conseguinte, as nossas oportunidades de


acesso a essa tecnologia de ponta.

c) Megamercados

Desde o Tratado de Roma, os países europeus, inicialmente numa estreita relação


França/Alemanha, depois incorporando vários outros países até chegar ao atual
Grupo dos 12 , estão caminhando para a formação de um Mercado Comum muito
integrado. Pelo aprovado Ato Único Europeu, esse mercado torna-se mais que
um mercado único , torna-se uma comunidade econômica efetiva, a partir de 10
de janeiro de 1993. Em princípio, com uma moeda única, que seria o ECU, um
banco central único, a ser constituído, e uma tendência admitida por todos, uns com
mais ênfase que outros, passará a se converter numa confederação ou federação .
Alguma coisa está in the making: a formação dos Estados Unidos da Europa.
Esse processo tem o êxito que todos conhecem. Gostaria de assinalar, em poucas
pinceladas, as características que me parecem marcantes no momento atual, ou seja,
o fato de esse mercado, que estava caminhando para uma integração muito grande,
ter sofrido, de certa maneira, um impacto cujas conseqüências ainda não se pode
prever, com a descomunização da Europa do Leste, com a desagregação do sistema
soviético e também com a desagregação do sistema iugoslavo. As previsões, antes
dessas crises, tal como se via esse mercado na ótica ainda de 1989, era de que ele
iria, durante o ano de 1991, chegar a um acordo a respeito do sistema monetário
comum, que levaria, em 1992, à adoção de uma mesma moeda e de um banco central
e, num processo um pouco mais complicado, sobre o qual ainda não havia consenso,
integraria suas políticas de alguma maneira, através de um parlamento comum.
Essas idéias continuam em vigor. É o que se chama de o projeto de aprofunda-
mento da unidade, que está regulado pelo Ato Único Europeu . Entretanto, a
descomunização da Europa do Leste e as implosões soviética e iugosláva estão
introduzindo aspectos novos a respeito dos quais a Europa ainda não sabe como
proceder. O primeiro fato que aconteceu com os europeus, que precedeu ess as
recentes ocorrências, foi a candidatura de três países. Uma, já antiga, a da
Turquia, que, como possui Constantinopla, se declara um país europeu e quer
entrar no mercado. Os outros países não querem o seu ingresso porque a consi-
deram um país asiático. Surge, assim, toda a sorte de pretextos, mas a verdade é
que a repulsa à Turquia decorre do fato de ela não ser reconhecida como européia.
Além disso , dois países de europeísmo incontestável, a Suécia, por um lado, e a
Áustria, por outro, apresentaram recentemente sua solicitação de ingresso no
mercado e parece difícil que a Europa recuse a incorporação desses dois países.
72 Hélio Jaguaribe

No momento em que processava o estudo da incorporação da Suécia e da Áustria


e de como inventar um pretexto aceitável para protelar a da Turquia, ocorre a
implosão do Império Soviético, com a candidatura dos países bálticos (cuja
independência já foi reconhecida pela própria União Soviética) de integrarem a
Europa: Estônia, Letônia e Lituânia.
Emerge depois a futura candidatura dos dois países que se encontram em processo de
separação definitiva da Iugoslávia: Croácia e Eslovênia. Além disso, surge uma
demanda de países da Europa do Leste, que acabaram com os seus sistemas comunistas
e se tornaram sociedades de mercado, de tendência social-democrata, alguns dos quais
muito adiantados, como a Tchecoslováquia e a Hungria, outros em situações razoá-
veis, como a Polônia, e outros mais atrasados, como é o caso da Romênia e Bulgária,
para não falar da Albânia, que ainda está numa fase de transição.
Os europeus estão bastante perplexos. Há duas alternativas que se desenham no
cenário europeu. A de manter a Europa cerrada, aprofundar o sistema e depois ver o
que se faz com os outros, tese essa preconizada sobretudo pela Espanha. Ou então
retardar um pouco o aprofundamento, para decidir o que fazer com essa Europa
alargada, que é um pouco a posição da Alemanha, sensível à incorporação da Croácia
e da Eslovênia, este último um país de formação totalmente austríaca e também
bastante sensível à incorporação dos bálticos, que são países nórdicos. Em suma, há
um problema: a Europa dos 12 ou a Europa dos 22. É impossível, neste momento,
vaticinar acerca do que vai acontecer; é possível, no entanto, tomar conhecimento
dessas duas pressões, a pressão do aprofundamento e a pressão do alargamento.

d) Brecha Norte-Sul

Outro aspecto importante a considerar é o agravamento da brecha Norte/Sul. É


interessante recordar que a diferença gigantesca que hoje separa alguns países
do Sul de alguns países do Norte é um fenômeno histórico relativamente recente.
Até o século XV, diria mesmo até o século XVI, todas as sociedades integrantes
de grandes civilizações tinham padrões de vida equivalentes. O padrão de vida
de Beijin do século XV não era inferior ao de Londres; o padrão de vida asteca
não era inferior ao de Madrid. Em suma, as grandes culturas, inclusive as incaicas
e astecas, dispunham de níveis de vida semelhantes. Eram níveis de sociedades
agrárias organizadas para uma administração coletiva de seus interesses.
A diferenciação se processa à medida que a Europa ingressa na revolução
mercantil, através do comércio internacional, num primeiro momento, depois por
intermédio da exploração das colônias, passando, logo a seguir, a obter vantagens
crescentes sobre os países que são sociedades agrárias estáticas. Em uma primeira
o Brasil e o Sistema Internacional Contemporâneo 73

instância, a diferença se verifica entre as sociedades agrárias dinâmicas (as européias)


e as sociedades agrárias estáticas; começa a aumentar o padrão de vida das européias,
numa relação de 2 para 1, diferenciação essa que provavelmente iremos encontrar no
século XVIII e que se torna rapidamente crescente quando as sociedades européias
entram na fase industrial, com valor agregado cada vez mais alto.
Sunkel fez um estudo comparativo, admitindo que no começo do século XIX a
relação entre, por exemplo, os países latino-americanos mais adiantados e os
europeus era de 3 para 1. Esta relação, se for medida com base no Brasil de hoje,
está entre 2.500 dólares x quase 25.000 dólares, ou perto disso, nos países mais
adiantados, ou seja, na proporção de 1 para 10. As projeções que se podem fazer
para um futuro não muito distante - 10 a 15 anos - é que ela estará na proporção
de 1 para 20, para 30, para 40. Ela é de 1 para 100, já hoje, na relação entre um
país puramente agrário, tipo África equatorial, e o Japão.

e) Interesses Coletivos

Importaria também mencionar, como característica do nosso tempo, o fato de


este mundo ter ficado tão afetado pela tecnologia que está se aprofundando a
brecha Norte/Sul; um mundo onde estão se formando megamercados, como, por
exemplo, o megamercado europeu, o americano-canadense, o japonês; um mun-
do que não tem mais comunismo; um mundo onde os princípios de economia
privada de mercado indubitavelmente triunfaram. Esse mundo, entretanto, está
se revelando incapaz de administrar, de uma forma minimamente satisfatória, os
grandes interesses coletivos da humanidade.
Um fato decorrente do extraordinário desenvolvimento científico-tecnológico,
que se acentuou nas últimas décadas, é que as sociedades modernas passaram a
ter um impacto sobre a natureza, superior à capacidade de recomposição auto-
mática dos sistemas naturais. A biosfera, até recentemente, dispunha, pela rela-
ção entre a massa dos recursos naturais e a relativamente modesta agressão dos
homens, da capacidade de se restabelecer. As águas se purificavam através da
oxigenação, os ares se purificavam através da ventilação etc. Hoje, sabemos que
isto não está mais acontecendo . A imensa produção de C02 está empestando a
atmosfera, a imensa produção de poluentes está contaminando os rios e os mares,
a redução da camada de ozônio está provocando o efeito estufa e submetendo a
terra ao perigoso bombardeio de raios cósmicos e raios ultravioleta. Em suma, é
evidente que o planeta entrou num período em que ou bem, e muito rapidamente,
a humanidade administra sua relação com a natureza ou vai se suicidar involun-
tariamente, destruindo as condições de sua subsistência dentro da biosfera.
74 Hélio Jaguaribe

o Clube de Roma, onde existe uma grande concentração de estudos sobre isso,
aponta para o fato de que os cientistas são unânimes em afirmar que o prazo é
muito curto. Estão calculando em torno de cinqüenta anos. Cinqüenta anos, na
história, não é nada, é um período de tempo que passa vertiginosamente. Se não
se fizer algo de muito sério, daqui a cinqüenta anos começará a haver graves
problemas de habitabilidade no planeta em virtude da intoxicação pelos gases, das
poluições, dos raios ultravioleta.
Essa questão, hoje, é objeto de um discurso geral. A verdade, porém, é que os
países ainda nada fizeram de concreto. Existe apenas uma atitude cínica dos
países do Norte, Europa, Estados Unidos, apontando o dedo para o Brasil- vocês
estão envenenando o ar, queimando a Amazônia. Obviamente, queimar a Ama-
zônia é uma insensatez que também não interessa ao Brasil. Contudo, a contri-
buição da queima das florestas tropicais em termos de C02 é de 5% do total, e
os que apontam o dedo estão contribuindo com 80%. No concernente à identifi-
cação dos problemas ecológicos mundiais, vive-se ainda em uma fase de misti-
ficação, o que é extremamente grave, porque se não houver uma solução muito
rápida o futuro será bem mais curto do que se pode imaginar.
Além disso, há evidentemente outros grandes problemas mundiais que estão
a exigir uma administração coletiva. Tais problemas estão relacionados com
as comunicações, com os transportes, com a saúde etc., que, em princípio,
poderiam ser administrados pelas Nações Unidas, que foram criadas também
para isso. Ocorre, entretanto, que as Nações Unidas estão sem recursos. Os
Estados Unidos não pagam sua cota, e há vários países ricos com débitos de
mais de 600 milhões de dólares para com as Nações Unidas. As Nações
Unidas, portanto, estão com dificuldade de caixa, por inadimplência dos
próprios países ricos que mais as utilizam. Além disso, a delegação de poder
às Nações Unidas é muito limitada.
A máquina burocrática das Nações Unidas é modesta, incapaz, portanto, de ter
um efetivo poder regulatório. Em que medida, agora que o perigo soviético
desapareceu, vai se poder reforçar as Nações Unidas? Este é um dos problemas
a ser subseqüentemente abordado no presente estudo.

2. A Nova Ordem Mundial


O problema fundamental no novo cenário internacional é decorrente do seguinte
fato: o mundo, que estava baseado no equilíbrio estratégico de suas superpotên-
cias, com suas influências e toda uma séria complexa de relações de cooperação
o Brasil e o Sistema Internacional Contemporâneo 75

e de conflito, repentinamente se tornou um mundo em que só há uma superpo-


tência operacional, os Estados Unidos.
Os países que constituíam a União Soviética continuam de posse dos mísseis que
já detinham, mas deixaram de ser um sistema operável. Tais armas, hoje, são
resíduos perigosíssimos pela cap acidade destrutiva que têm, mas insuscetíveis
de serem postas a serviço de uma política centralizada coerente.
De uma maneira ou de outra, ou através do restabelecimento de certa unidade
nos países do Leste europeu ou através de um processo centrífugo que separe as
repúblicas umas das outras, deixando a República Russa, que representa sozinha
80 % do sistema, como sucessora da União Soviética, algo na área da ex-União
Soviética vai voltar a ter uma gr ande importância internacional daqui há algum
tempo. Qu anto tempo? É impossível saber. Claramente, não é um problema de
meses, nem mesmo de um par de anos. Pensar em menos de dez anos é algo
possivelmente irreali st a. Mas pensar que o antigo sistema soviético não volte
nunca mais é também uma grande ilusão. Algo estará presente de novo, e será
um fator extremamente relevante na ordenação do mundo no século XXI.
Qual o significado de um mundo que era bipolarizado ficar repentinamente com
ap enas uma superpotênci a operacional? Vamos ter agora um mundo unipolar?
Este é exatamente um dos mais importantes problemas de indagação , na área da s
relações internacionais. A maior parte dos autores inclina-se para uma resposta
negativa. O que está acontecendo é que o mundo bipolar ficou temporariamente
reduzido a apenas uma superpotência, pelo colapso da outra, mas, entrementes,
várias outras forças estão adquirindo uma importância crescente no cenário
mundial. Estamos, na verdade, caminhando para um mundo multipolar.
De alguma maneira a Comunidade Européia, ou reduzida aos doze ou ampliada,
vai adquirindo um papel extremamente importante. Um papel, potencialmente,
sob certos aspectos, mais importante que o americano .
O Japão, por seu lado, não permanecerá uma mera potência comercial e terá
grande importância internacional, em prazo relativamente curto. Alguns países
do Terceiro Mundo vão finalmente surgir como um peso internacional respeitá-
vel. É o caso da China, da Índia, do Irã e do Brasil, cedo ou tarde. O Brasil poderá
ser um protagonista extremamente relevante dentro de quinze anos. Alternativa-
mente, tenderá a ser protagonista relevante na segunda metade do século XXI.
Isso dependerá do ritmo lento ou acelerado do nosso desenvolvimento.
76 Hélio Jaguaribe

3. Tendência à Multipolaridade
É dentro deste quadro emergente de multipolaridade que o mundo tenderá, por
várias razões, a ser operado de forma mais coerente pelas Nações Unidas. Estas
deverão receber maior delegação de atribuições. A ordenação mundial será
orquestrada através desta secretaria do mundo - as Nações Unidas - num período
posterior ao atual.
No presente, estamos saindo de um mundo bipolar, que deixou de existir, para um
mundo multipolar, que está em via de formação, passando por um período intervalar
em que só existe uma superpotência, a americana, sujeita a várias restrições. Ou
seja, um período de pax americana sujeita a diversos constrangimentos.
Qual é a provável duração desse período , e quais são os constrangimentos? A
primeira parte da pergunta talvez seja a parte mais difícil de responder. É difícil
que seja superior a dez anos, mas também improvável que seja inferior a cinco ,
porque essa Europa, mesmo reduzida à condição de Europa dos doze, vai
demorar a ter unidade política. Terá unidade econômica e financeira, com forte
antecipação à unidade política. Enquanto não tiver unidade política, será um
débil protagonista internacional.
Se a Europa ceder à pressão de se alargar, incorporando países que estão saindo
da órbita soviética, demorará mais tempo a ter unidade política. E enquanto a
Europa não tiver unidade política, o multipolarismo, na verdade, não se fará
sentir. O grande instrumento do multipolarismo e da revalorização das Nações
Unidas será o equilíbrio da Europa com os Estados Unidos, ademais da preseça
de outros países. Até lá, abre-se um intervalo não inferior a cinco, mas possivel-
mente não maior que quinze anos, para dar uma estimativa apenas razoável.

4. Pax Americana
O que se pode perguntar com mais precisão é o seguinte: quais são os constran-
gimentos que impedem que a Pax Americana, que ora não tem fronteiras de
contenção suficientemente definidas, se converta numa hegemonia mundial,
numa espécie de império americano? Por que não é provável a existência, ainda
que por um prazo curto , de um império romano americano ?
A esse respeito podem-se detectar razões internas aos próprios Estados Unidos
e razões a eles externas. No tocante às razões internas, mencionaria, fundamen-
talmente, dois aspectos. Primeiro, o da debilidade econômica e, segundo, o da
existência de um setor importante da opinião pública que não está preparado para
o Brasil e o Sistema Internacional Contemporâneo 77

contribuir para que os Estados Unidos se convertam num sistema imperial; existe
o interesse de que os Estados Unidos sejam uma potência forte, bem defendida,
mas não uma potência imperial; há também o interesse de que os Estados Unidos
sejam um grande protagonista mundial, mas não o novo Império Romano .
Iniciando-se a análise pelo lado econômico, tem-se que o grande problema dos
Estados Unidos é o de o país ter-se convertido, a partir de um período relativa-
mente recente, no maior devedor do mundo . Os Estados Unidos passaram a ter
déficits acumulados e contínuos, no seu orçamento fiscal, da ordem de aproxi-
madamente 4 % a 5 % do PIB ; seus déficits nas balanças comercial e de pagamen-
tos são da mesma ordem. Para poder equilibrar esses déficits, sobretudo o fiscal,
o governo americano tem sido obrigado a tomar dinheiro emprestado junto aos
países de moeda forte, que compram bônus do Tesouro americano. Em última
análise, é fundamentalmnte o excedente financeiro do Japão que tapa o buraco
fiscal americano.
Essa condição de país cujas finanças dependem de recursos internacionais cria,
evidentemente, uma grande debilidade. Tal debilidade pôde se tornar patente, e
foi inclusive quantificada, na Guerra do Golfo. Os Estados Unidos fizeram, de
certa maneira, a Guerra do Golfo quase sozinhos, contando com a presença, mais
ornamental do que operacional, de outros países. Todavia, grande parte da conta
(40 bilhões de dólares) foi paga pelos alemães e pelos japoneses. Isto, evidente-
mente, é uma debilidade fatal. Um país não pode exercer o imperialismo finan-
ciado por terceiros.
Por outro lado, existe uma pressão interna americana antiimperialista - a opinião
pública liberal - sobretudo da Costa Ocidental. Os liberais, que felizmente têm
idéias diferentes a respeito do que convém aos Estados Unidos fazer e não fazer,
exercem, através de órgãos de uma enorme influência sobre a opinião pública,
como o New York Times, o Christian Monitor, o Washington Post, um papel
decisivo de contenção interna .
Por outro lado, além dessa dupla contenção - falta de recursos e pressão pública
ilustrada e antiimperialista - existe a pressão importante e crescente do resto do
mundo. A Europa, embora não tenha unidade operacional, tem alto poder de veto.
O veto europeu a certas medidas americanas tem grande peso, assim como o
japonês e o de países do Terceiro Mundo que estão começando a ter importância
crescente: Índia (sobretudo), China, Irã, que está ressurgindo, e eventualmente
o Brasil, na hora em que sairmos da presente crise. Tais países têm certa
capacidade de se somar a um concerto internacional para impor aos Estados
Unidos uma atitude de razoabilidade.
78 Hélio Jaguaribe

Levada por restrições internas, por crítica da sua própria opinião pública ilustrada
e por certa pressão internacional a se manter dentro de uma pauta de razoabilidade,
não é de se supor que aPaxAmericana se converta num Império Romano agressivo.
Não obstante, a capacidade de pressão dos Estados Unidos é grande, embora não
homogênea. É pequena na Europa e no Japão, mas muito grande na América Latina.
Estamos, precisamente nós, brasileiros, numa área do mundo onde a capacidade
de pressão dos Estados Unidos é menos controlada por fatores externos, menos
policiada internamente, e se exerce a custo barato, ademais de contar com a
cumplicidade gratuita de parcelas da nossa própria opinião pública.
Isto nos leva a passar para a última parte deste breve estudo, focalizando a
posição do Brasil no mundo, seus interesses internacionais e suas possibilidades
no cenário mundial.

11. O BRASIL NO MUNDO

1. Duas Facetas
o relacionamento de um país com o mundo - e o Brasil não é uma exceção -,
depende de uma conjugação de condições e fatores, externos e internos. Há
países que dispõem de contexto internacional desfavorável e, em vista disto, é
necessário que contem com forças internas extremamente enérgicas e coesas para
poder resistir. Este é, por exemplo, o caso de um país como Israel, cercado por
um mundo árabe hostil. Evidentemente, se aquele país não tivesse uma grande
determinação e um grande poder de imposição, desapareceria, devorado pela
massa hostil que o circunda. Este também é o caso tradicional da Polônia,
localizada entre a Rússia e a Prússia, vizinhos não extremamente confortáveis.
O Brasil tem um entorno internacional que não lhe é hostil, mas está enfrentando
um mundo que está se alterando de uma forma bastante rápida e de uma maneira
que não é tendencialmente favorável a nossos interesses, sobretudo no curto e
médio prazos. Essa confrontação ocorre num grau máximo de desorganização
interna, de falta de um projeto nacional. O Brasil está correndo o grave risco de,
pelo fato de não ter um projeto interno próprio, também não o ter externamente.
Isto no momento em que o mundo está em rearrumação e em que os retardatários
vão perder as melhores oportunidades.
De todas as coisas que estão acontecendo, talvez a mais relevante para o Brasil
seja a transferência nos países adiantados do patamar da mera industrialização
o Brasil e o Sistema Internacional Contemporâneo 79

para o da tecnificação, ou seja, para a condição de sociedade pós-industrial. Isso


está acontecendo num período histórico em que apenas estamos na fa se inicial
de acesso ao patamar industrial. Esta primeira fase da nossa industrialização já
é relativamente adiantada, mas é certamente muito inferior ao nível de industria-
lização dos países plenamente industrializados, como, por exemplo , os Estado s
Unidos de há dez ou mesmo vinte anos atrás . Por outro lado, estamos assistindo
à emergência da sociedade pós-industrial antes mesmo de termos completado
nossa etapa de plena in dustri ali zação.
O intervalo que nos está separando do mundo tende a aumentar, em vez de
diminuir. Quando o presidente Collor promete colocar o Brasil no Prim eiro
Mundo, está fazendo um discurso retórico, porque o que acontece é exatam ente
o contrário : o Brasil se afasta cada vez mais do Primeiro Mundo e se encami-
nhando para o Quarto . O Brasil está mais próximo dos países africanos atrasados
agora do que esteve de z anos atrás; está mais longe do Japão agora do que esteve
dez anos atrás. Entre o Japão, de um lado, e a África, do outro, o nosso navio está
com a bandeira apontada para o Japão, mas com o leme dirigido para a África.
A realidade brasileira é esta: estamos em fase de retrocesso comparativo e
correndo o gravíssimo risco de, se não conseguirmos reduzir o intervalo ci entí-
fico e tecnológico que nos separa dos países de vanguarda, experimentarmos
dificuldades muito grandes para, em algum momento futuro, alcançar o nível em
que eles já se encontram.
O primeiro grande desafio, que me parece ser preciso levar em conta, diz respeito
ao aumento do atraso relativo em matéria científica e tecnológica. Vencer este
atraso torna-se mais difícil pelo fato de as grandes multinacionais e os grandes
países industrializados, ao se darem conta do privilégio que o oligopólio da
inovação científica e tecnológica lhes confere, estarem cercando de sigilo seu
avanço tecnológico e de segredo as patentes de propriedade intelectual, de sorte
a perpetuar o que poderíamos chamar de neocolonialismo tecnológico. Da mes-
ma maneira que houve o neocolonialismo industrial, está havendo agora a
emergência do neocolonialismo tecnológico.

2. Principais Demandas
Como é que um país como o nosso pode furar esse bloqueio de neocolonialismo
tecnológico? A coisa é complexa. Importa assinalar que, antes de se conseguir
dispor de certas políticas, a primeira condição fundamental é elevar significati-
vamente o patamar educacional do povo brasileiro. Não pode ter qualquer
80 Hélio Jaguaribe

expectativa de entrar na corrida científica e tecnológica um país que tem 20% de


analfabetos e um país em que menos de 10% dos adultos de quinze anos ou mais
completaram os oito anos do primeiro grau. O Brasil, hoje, é um grande reposi-
tório da ignorância mundial. Somos mais ignorantes do que pobres e somos pobres
por sermos ignorantes. Existe um dado inconteste: 91 % dos adultos brasileiros não
completaram os oito anos do primeiro grau. Num país europeu, todo mundo o tem;
num país como a Argentina, 70 % da população completou o primeiro grau.
Apenas duas coisas podem permitir condições prévias de acesso à conquista
tecnológica. A primeira é a generalização da educação básica para toda a população
e um alto nível de qualificação para os que têm o privilégio de concluir o terceiro
grau e a pós-graduação.
A outra condição é que, além da generalização da educação de base e, seletiva-
mente, da de ponta, disponhamos de alguns instrumentos de barganha. Por isso
é muito importante, quando se está discutindo de uma forma cada vez mais
ideológica a idéia de abertura de mercado, de eliminação de barreiras etc. -
porque é evidente que pagamos um preço excessivo pe la reserva de mercado -,
ter uma seletiva prudência na proteção dos mercados para não eliminar a princi-
pal chance de barganhar o acesso à tecnologia.
Se tivermos um mercado de 150 milhões, com uma razoável proteção podemos
impor, em troca de acesso a esse mercado, nosso acesso à tecnologia de ponta.
Se não tivermos nenhuma provisão de mercado, por que supor que quem entra
de graça irá pagar um ticket de ingresso? É preciso pro teger o mercado brasileiro,
não tanto que venha prejudicar nosso parque industrial, mantendo-o na obsoles-
cência, como tem ocorrido até agora, e nem tão nula que não nos permita um
poder de barganha que nos dê acesso à tecnologia.
Outro ponto, que importa mencionar, tem conexão com este: é a questão dos
megamercados . Há vários estudos a respeito do que significa a formação do
mercado único europeu relativamente aos países latino -americanos. Tais estudos
mostram que o impacto desse mercado sobre alguns países latino -americanos é
muito severo. Este é sobretudo o caso da Argentina, do Uruguai, do Chile, de
países que eram grandes exportadores de produtos que vão ser objeto de discri-
minação nos mercados europeus, ou seja, produtos de agroindústria. No caso
brasileiro, estima-se que o protecionismo europeu vai afetar 10% das nossas
exportações. Não é desprezível, mas não é tão significativo quanto a estimativa
de 30 %, no caso da Argentina. De qualquer maneira, é evidente que a formação
de megamercados é uma ameaça para o nosso comércio exterior, numa hora em
que precisamos efetuar uma cautelosa abertura para o mundo.
o Brasil e o Sistema Internacional Contemporâneo 81

3. Mercosul

Em vista do exposto, é preciso considerar a relevância e levar muito a sério o


mercado do Cone Sul, o Mercosul, que é uma alternativa importante, embora de
proporções relativamente reduzidas. Por outro lado, há que se estudar com muita
cautela a Iniciativa Bush, ou seja, a idéia da formação de um mercado Pan-ame-
ricano . Estudos do Instituto de Estudos Políticos e Sociais conduzem à consta-
tação de que o potencial de transferências correntes comerciais (que atualmente
mantemos com outros países) para o Mercosul é muito considerável, o que
permitirá uma triplicação do mercado do Mercosul. Este representa, para o
Brasil, 12% de sua exportação. Se atingirmos essa triplicação, ele dificilmente
passará de 20 %. É algo muito importante, mas está longe de ser uma solução geral.

o Mercosul é importante como uma relativa, mas não suficiente, compensação


dos mercados internacionais. Portanto , é necessário que o Brasil, além do Mer-
cosul, mantenha uma atitude de competitividade no mercado internacional.
Convém frisar, no entanto , que o Mercosul é extremamente importante, sobretu-
do devido à possibilidade que tem de aumentar significativamente nossa capaci-
dade científico-tecnológica e de elevar apreciavelmente nossa capacidade de
negociação internacional.

Para fins tecnológicos, o Mercosul é, na verdade, a Argentina/Brasil. Esta


realidade argentino-brasileira, entretanto, é muito importante porque a Argentina
é um país que possui um nível médio educacional significativamente superior ao
nosso, tem uma instituição científica importante e tem mais competência que o
Brasil em alguns setores científico-tecnológicos e menos em outros. É precisa-
mente isso que torna possível uma interessante composição de esforços. Os
argentinos estão mais adiantados em energia nuclear, em biologia e, de um modo
geral, em ciências agrárias. Nós estamos mais adiantados em tecnologias metal-
mecânicas e em tecnologia de informática.

A combinação argentino/brasileira, sem prejuízo de contributos que possam vir


dos outros países do Mercosul, tem a capacidade de formar massa crítica em
determinados setores estratégicos. Podemos adquirir massa crítica em assunto
nuclear, em assunto biológico, na área de informática etc. À medida que consi-
gamos atingir massa crítica em certas áreas importantes, nossa capacidade de
furar o bloqueio das patentes e dos segredos industriais aumenta, porque tal fato
significa, em primeiro lugar, competência, em segundo lugar, habilidade jurídi-
ca. O que nos falta é competência. É isso exatamente o que o Mercosul nos pode
dar, elevando significativamente nossa competitividade científico- tecnológica.
82 Hélio Jaguaribe

A terceira contribuição (porque o mercado já é uma contribuição importante do


Mercosul) é o fato de a formação de um sistema que obedece a políticas comuns,
que tem interesses comuns, abrangendo todo o Sul da América Latina, dar ao
Brasil uma cap acidade de participar das negociações internacionais de muito
maior peso. Uma coisa é o Brasil isolado, outra coisa é o Br asil amparado pelo
Mercosul. Obviamente, o mesmo se aplica a todos os demais países do Mercosul.

Tudo isso, entretanto, só é viável se conseguirmos dar uma rápida solução aos
nossos problemas internos. O Brasil teve um crescimento espetacular no período
compreendido entre a década de 50 e a década de 70. Nesse período, que é um
período historicamente curto , transformamos um a sociedade agrária, primitiva,
sem nenhuma relevância na ordem das coisas, na oitava economia industrial do
Ocidente e na décima economia do mundo. É um desempenho espetacular.
Entretanto, ao alc ançar a década de 80 ficamo s paralisados e estamos hoje, em
termos de renda per capita , em piores condições do que estávamos há dez ao s
atrás. Atrasamos no momento em que o mundo se acelerou, perdendo, dessa
forma, um período extremamente precioso. Se perdermos novamente a década
de 90 , o nosso atraso com relação ao mundo começará a ficar extremamente
sério . A pressão para jogar o Brasil nas condições de um país afro-asiático, em vez
de conduzi-lo na direção de um país de Primeiro Mundo, se tornará muito grande.
E por quê? Porque, para qualquer observador razoavelmente atinado, é perfeitamen-
te discernível o fato de os nossos subsistemas terem sido levados a um ponto de
esgotamento tal que já começam a apresentar cl aros sinais de retrocesso.

Graças às excessivas inversões feitas durante o governo Geisel - que tiveram


inclusive um alto preço , no sentido de elevar muito a nossa dívida externa -
montamos uma infra-estrutura muito importante: uma grande malha rodoviária,
um grande sistema de comunicações e um grande sistema energético . Tudo isto
já se encontra em processo de esgotamento, posto que há dez anos não fazemo s
inversões em infra-estrutura. Se não renovarmos nossa infra-estrutura na década
de 90, ela soçobrará e voltaremos à condição de Brasil dos anos 1940, ou seja,
um arquipélago não intercomunicado de pequenas áreas; um país primitivo.

É evidente, por outro lado, que nosso sistema social está à beira de uma explosão .
Deixamos que se formasse, no curso do tempo, uma extraordinária dicotomia.
Apesar de o Brasil ser um só país, uma só cultura, uma só nação, somos duas
sociedades. Uma minoria de brasileiros, algo como 40%, participa de uma
economia moderna, em condições semelhantes à da Europa do Sul. A grande
maioria, ao contrário, está vivendo em condições de uma sociedade primitiva.
Sem educação, sem acesso a ocupações modernas, ao deus-dará. Temos 20
o Brasil e o Sistema Internacional Contemporâneo 83

milhões de crianças desassistidas, muitas delas abandonadas, que estão numa


escola que poderá formar 20 milhões de bandidos daqui há alguns anos. É uma
situação terrível, calamitosa! Este país perderá rapidamente a viabilidade de se
transformar em uma sociedade ocidental moderna se não resolver muito rapida-
mente o seu problema social. Tanto a infra-estrutura está a ponto de atingir o
caos como o sistema social brasileiro está prestes a não permitir mais composi-
ções consensuais e democráticas .
Temos, portanto, pela frente uma absoluta urgência de pôr a casa em ordem, de
entrar violentamente, com furor nipônico, no esforço de desenvolvimento econô-
mico, de desenvolvimento social, de reformulação do Estado, de modernização,
enfim, no esforço de desenvolvimento tecnológico . Tarefas evidentes, que têm
que ser atacadas violentamente na década de 90, se quisermos evitar a precipi-
tação do Brasil para a condição de um país do Quarto Mundo.
Um país como o Brasil pode se tornar um país desenvolvido em quinze anos,
historicamente um tempo relâmpago. Basta para isto que sejam aplicadas políti-
cas consistentes, que tenham como condição prévia o controle da inflação. Daí
a importância da proposta que o governo vem fazendo, de restauração do equi-
líbrio fiscal do Estado, que é a condição prévia para qualquer política possível.
Se assim procedermos, o país terá condições de se desenvolver rapidamente, e seremos
um importante protagonista da nova ordem internacional que se está desenhando. Se,
entretanto, por razões de incompetência política, de pequenas intrigas internas, de
fisiologia etc., não conseguirmos superar o impasse atual , a possibilidade de continuar
empurrando o Brasil com a barriga se esgota num curto prazo.
A meu ver, se não forem realizadas as reformas sociais necessárias, haverá uma
crise social de proporções gigantescas. Entraremos num turbilhão do qual não se
pode saber como poderemos sair. É por tal razão que este país tem absoluta
necessidade de encontrar um acordo imediato, de modo a equacionar o seu
problema inflacionário, sua crise fiscal e os grandes problemas de desenvolvi-
mento. É preciso que tais medidas sejam postas em prática, com muita brevidade,
para que sejam deslanchadas numa grande, acelerada e bem consolidada corrida
para a superação de nossos problemas de desenvolvimento.
Se isso ocorrer, nosso futuro será muito brilhante. Caso contrário, será trágico .
O mundo internacional é um mundo repleto de percalços. Ou o Brasil se torna
um protagonista válido e, nesse caso, estaremos participando da prosperidade
mundial que será extremamente favorável para aqueles que estão do bom lado
do mundo, ou vamos ficar reduzidos à condição de um país afro-asiático, na
situação miserável de uma nação do Quarto Mundo.
84 Hélio Jaguaribe

Referências Bibliográficas

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JAGUARIBE, Hélio. O N ovo Cenário Internacional. Rio de J aneiro , Editora Guanabara, 1986.
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The Ch all eng e to th e South. Th e R eport ofthe S outh Commission. Oxford University Pr ess, 1990.
Relações Econômicas
Internacionais

Simão Davi Silber

I. INTRODUÇÃO

Neste capítulo são discutidos alguns aspectos da evolução recente da economia


mundial e de que forma tais alterações poderão afetar as futuras relações econô-
micas internacionais. O aumento das restrições não- tarifárias (RNT) às importa-
ções nos países industrializados, a mudança da importância relativa dos EUA no
cenário mundial, as perspectivas das negociações em nível do GATT, a formação
de blocos econômicos regionais e o aumento da interdependência entre países
são fatores que deverão desempenhar papel-chave na evolução futura no comér-
cio de bens, na mobilidade de fatores de produção e na difusão internacional do
progresso tecnológico. Ao final do capítulo é feita uma análise do problema da
dívida externa e de que forma a sua condução está condicionada ao futuro cenário
mundial e às políticas de estabilização e abertura para o exterior adotadas pelo país.

11. A EVOLUÇÃO DA ECONOMIA MUNDIAL

Após a Segunda Guerra Mundial, e por um espaço de 25 anos, o comércio


internacional voltou a ser um "motor do desenvolvimento econômico" mundial.
A redução das barreiras tarifárias, patrocinadas no âmbito do GATT, foram
86 Simão Davi Silber

capazes de reduzir a tarifa média de importação nos países industrializados de


35 paras 6%. Além disso, o tratamento multilateral e não-discriminatório das
regras de comércio possibilitaram o crescimento das transações internacionais a
taxas bem superiores à do crescimento da renda mundial.
Entre 1953 e 1973, para um crescimento da renda mundial de 4,8 % ao ano o
comércio cresceu em 7,8 %. São também importantes para a obtenção desse
resultado a vigência de taxas de câmbio fixas, os pequenos movimentos especu-
lativos de capital e a harmonia de políticas macroeconômicas implícita no
sistema de Bretton Woods.
Esse processo de crescimento, associado à liberalização do comércio internacio-
nal, não atingiu dois segmentos importantes da economia mundial: a produção
agrícola nos países desenvolvidos e a produção substituidora de importações nos
países em desenvolvimento , as quais obtiveram elevados níveis de proteção para
suas atividades nesse período.
Essa reorganização da economia mundial representou uma reação institucional
contra os efeitos da escalada protecionista e de desvalorizações cambiais com-
petitivas, observados nos anos 30, e que haviam-se mostrado extremamente
dano sas ao comércio e ao crescimento mundial.
A partir de meados dos anos 70 , inicia-se uma nova fase da evolução da economia
mundial: os choques do petróleo e das taxas de juros, a ruptura do sistema de
taxas de câmbio fixas, a maior mobilidade de capital e o aparecimento dos NICs
(Newly Industrialized Countries) como importantes competidores no mercado
mundial são fatores que contribuem para o aparecimento de uma nova forma de
protecionismo, nos países desenvolvidos, contra a concorrência externa: a das
restrições não-tarifárias (RNT).
As RNT assumem diversas formas: ações antidumping, direitos compensatórios,
cotas, acordos voluntários de restrição às exportações, direitos alfandegários
variáveis, licenças não-automáticas de importação etc. e que, sem duvida, atua-
ram como amortecedores para o crescimento do comércio internacional. Para se
ter uma idéia da incidência das RNT, basta indicar que entre 1980 e 1985 os EUA
iniciaram 532 ações antidumping e de direitos compensatórios contra seus par-
ceiros comerciais, enquanto na Comunidade Econômica Européia (CEE), nesse
mesmo período, o número foi de 261 ações. Com isso, o ritmo de crescimento
da abertura da economia mundial para o comércio se altera: no período 1973/80,
o crescimento médio anual do comércio foi de 4,6 % contra 3,3 % do PIB mundial ,
e o pior resultado ocorreu na primeira metade dos anos 80, quando o crescimento
do volume do comércio mundial foi inferior ao do PIB. No período mais recente,
Relações Econômicas Internacionais 87

volta-se a um padrão semelhante ao verificado antes de 1973, ou seja, um


crescimento do comércio bem superior ao da produção mundial. Para maiores
detalhes da evolução da produção e comércio mundial, ver os dados apresentados
nas Tabelas 1 e 2.
Nas duas últimas décadas, a participação dos NICs no comércio de manufaturados
cresce significativamente, indicando um aumento do poder competitivo dos países
asiáticos e latino-americanos no comércio de produtos de tecnologia padronizada,
e mesmo em alguns setores onde o esforço tecnológico adicional é relativamente
pequeno. O crescimento das exportações de manufaturados desses países suplanta
largamente os observados nos países da OECD (Organization 01' European Comu-
nity Development). Além disso, não se observa nenhuma mudança dramática das
relações de troca entre estes dois grupos de países, mas, simplesmente, que durante
os anos 80 o efeito de taxas de juros reais elevadas, ao reduzir o preço internacional
das commodities exportadas pelos NICs, eliminou parte dos ganhos de termos de
intercâmbio conseguidos anteriormente.
Previsões sobre as tendências do comércio internacional para a próxima década
têm sido feitas com base em dois cenários alternativos para a política macroeco-
nômica americana. No primeiro, admite-se uma política de redução de déficit
fiscal, acompanhada de um política monetária expansionista, o que acarretaria
uma redução das taxas de juros nominais e reais e a desvalorização do dólar
frente às moedas dos demais países desenvolvidos. Nesse cenário, o PIB dos
países da OECD cresceria, na primeira metade dos anos 90, a uma taxa média
anual de 2,6 %, atingindo, ao final da década, taxas de 3% a.a., idêntica às
observadas no período 1965-1987. Nestas condições, as exportações dos países
de baixa e média renda cresceriam a uma taxa de 5 %, e suas exportações de
manufaturados, acima de 7 % a.a . Mesmo na hipótese desfavorável de que não
haja o ajustamento norte-americano, as exportações globais cresceriam a 4,1 %
e a de manufaturados a 5,7 % a.a. Portanto, não existem indicações de que no
futuro venham a ocorrer importantes alterações no dinamismo do crescimento
da produção e do comércio internacional , indicando que o Brasil poderá utilizar
a abertura para o exterior como um recurso importante para acelerar sua taxa de
crescimento econômico.
88 Simão Davi Silber

TABELA 1
POPULAÇÃO, PNB PER CAPITA E TAXA DE CRESCIMENTO DA
POPULAÇÃO POR GRUPOS, REGIÕES E PAÍSES - 1988 E 1989
Grupos, Regiões População PNB Per Capita Tx. Cresc. %
e Países (1000 Rab .) US$ 1,00 (1980-89)
l
Países de Renda Alta 816400 20000 2.4
Membros da OECD 776800 20600 2.5
Suíça 6690 32680 1.7
Japão 123503 25430 3 .5
Noruega 4242 23120 2.7
EUA 250942 21790 2.2
Suécia 8552 23660 1.8
Finlândia 4979 26040 3.1
R.F.Alemanha 77309 22320 2.2
Dinamarca 5139 22080 2.1
Canadá 26543 20470 2.4
França 56453 19490 1.7
Áustria 7643 17360 2.0
Países Baixos 14931 17320 1.4
Bélgica 10016 15540 1.2
Itália 57588 16830 2.2
Reino Unido 57483 16100 2.5
Austrália 17005 19060 1.7
Outros 39600 nd nd
Emirados Árabes Unidos 1592 19860 -7.2
Kuwait 2141 nd -2.2
Rong Kong 5779 11490 5.5
Cingapura 2722 11160 5.7
País em Desenvolvimento 2 4145800 860 1.5
Grupos de Renda
Países de Renda Média 3 1087500 2310 0.4
Países de Baixa Renda 4 3058300 350 4.0
Regiões
África Subsaárica 495200 340 -1.1
Ásia Oriental 1577200 340 6.3
Rep. Coréia 42789 5400 8.9
Malásia 17752 2320 2.5
Tailândia 55801 1420 5.6
Filipinas 61358 730 -1.5
Indonésia 181580 570 4.1
China 1133696 370 7.9
Ásia Meridional 1147700 330 nd
Paquistão 113687 380 2.9
Índia 849510 350 3.2
Europa, Oriente Médio
e Norte da África 456700 nd nd
Líbia 4546 nd -9.2
(continua)
Relações Econômicas Internacionais 89

TABELA 1 (continuação)
Grupos, Regiões População PNB Per Capita Tx . Cresc. %
e Países (1000 Rab.) US$ 1,00 (1980-89

Grécia 10048 5990 0.8


Portugal 10372 4900 2.4
Iugoslávia 23800 3060 -0 .9
Argélia 25056 2060 -0 .3
Síria 12082 1020 -2 .1
Turquia 56277 1630 3 .0
América Latina e Caribe 433100 2130 0.5
Trinidad e Tobago 1283 3610 -6 .0
Venezuela 19783 2560 -2.0
Argentina 32293 2370 -1.8
Uruguai 3093 2560 -0 .9
Brasil 150197 2680 0 .6
Panamá 2418 1830 -2 .0
México 86161 2490 -0 .9
Costa Rica 2801 1900 0.6
Chile 13177 1940 1.1
Peru 21662 1160 -2.0
Colômbia 32843 1260 1.1
Paraguai 4314 1110 -1.3
Equador 10559 980 -0.8
Bolívia 7310 630 -2.6
Notas: Para Grupos de Países e Regiões os dados referem-se a 1988.
1. Países com PNB per capita igualou superior a US $6000 em 1988 .
2. Países com PNB per capita inferior a US$ 6000 em 1988 .
3. PNB per capita inferior a US$ 6000 e superior a US$ 545 em 1988.
4. PNB per capita igualou inferior a US$ 545 em 1988 .
Fontes: Banco Mundial - World Development Report 1990 e The World Bank Atlas 1990.

TABELA 2
COMÉRCIO MUNDIAL POR GR UP OS, REGIÕES E PAÍSES - 1988 E 1989
Grupos, Regiões 1988 (US$ Milhões) Tx. Cresc. (1980-88)
e Países Exportação Importação Exportação Importação
1
Países de Renda Alta 2555661 2725419 4 .3 5 .3
Membros da OECD 2379089 2501753 4 .1 5.2
EUA 371466 515635 3.3 7.6
R .F .A lemanha 397912 341248 4.2 3.9
Japão 286768 231223 4.2 5 .6
França 209491 232525 3.4 3.2
Reino Unido 185891 224914 2 .7 4.9
Itália 168523 176153 3.5 4.2
Canadá 111364 115882 5.9 8.4
(continua)
90 Simão Davi Silber

TABELA 2 (continuação)
Grupos, Regiões 1988(US$ milhões) Tx. Cresc . (1980-88)
e Países Exportação Importação Exportação Importação
Países Baixos 131479 125909 4.4 3.5
Bélgica 118002 119725 4.7 3.1
Suíça 63699 69427 3.5 3.8
Espanha 55607 87487 7.4 9.0
Suécia 57326 54536 4.4 3.5
Áustria 41876 49960 6.2 5.2
Dinamarca 34801 31562 5.1 4.2
Austrália 35973 39740 3.9 4.7
Noruega 34072 26889 7.2 2.6
Finlândia 26718 27098 3.0 4.7
Outros 176573 223666 8.3 6.7
Hong Kong 29002 82495 6.2 11.0
Cingapura 52627 60647 8.6 6.7
Arábia Saudita 23138 20465 (16.3) (9.3)
Países em Desenvolvimento 2 632304 630028 4.1 1.4
Países de Renda Média 3 491128 485897 3.8 0.9
Países de Renda Baixa 4 141176 144431 5.4 2.8
Regiões
África Subsaárica 34056 32377 0.2 (4.3)
Ásia Oriental 217030 224021 9.8 8.0
Rep. Coréia 64837 69585 12.8 10.8
China 62091 53545 11.0 9.8
Malásia 29409 29251 10.3 5.6
Indonésia 25553 21837 2.8 1.4
Tailândia 23002 33129 13.2 10.2
Ásia Meridional 27699 35950 5.4 4.4
Índia 17967 22500 4.7 5.4
Paquistão 5590 7521 8.4 3.8
Europa, Oriente Médio
e Norte da África 206726 215335 n.d n.d.
Portugal 16416 25333 11.7 8.2
Turquia 12959 22300 9.1 7.0
Iugoslávia 14365 18911 0.1 0.6
Grécia 15000 19701 3.8 4.3
Argélia 15241 10433 5.3 (4,6)
Egito 4499 10771 6.2 1.5
América Latina e Caribe 123181 101119 3.0 (2.1)
Brasil 31243 22459 4.0 (0.3)
México 26714 28063 3.4 (1.1 )
Venezuela 17220 6364 1.8 (4.6)
Argentina 12353 4077 1.4 (8.4)
Chile 8579 7023 4.8 (0.6)
Colômbia 6766 5590 10.6 (2.3)
Peru 3277 3230 0.3 (4.0)
(continua)
Relações Econômicas Internacionais 91

TABELA 2 (continuação)
Grupos , Regiões 1988(US$ milhões) Tx. Cres c. (1980-88)
e Países Exportação Importação Exporta ção Importação

Equ ador 2714 1862 4 .3 (3 .2)


Pan amá 321 1539 (0 .3) (3.0)
Uruguai 1696 1415 3 .2 (1.1 )
Costa Rica 1457 2026 3 .1 2.5
Par agu ai 959 1113 10.7 1.5
Bolívia 923 716 1.4 (2 .4)
Total do s Países
Relacionados 3187965 3355746 4.3 4.5

Notas : 1. Paíse s com PNB p er capita igu alou superior a US$6000 em 1988.
2. Países com PNB p er cap it a inferior a US$6000 em 1988.
3. PNB p er capita in ferior a US $6000 e superior a US$545 em 1988 .
4. PNB p er capita igu alou inferior a US$545 em 1988.
Fonte: 1988: Banco Mundi al - "Wo rld Development Report 1990; 1989: FMI, Int ernational Fi-
nancial Statistics, fev . 91.

111. C OMÉRCI O INTERNACI ONAL E B LO COS REGI ONAIS

o cenário de evolução favorável do comércio mundial apresentado anteriormente


poderá ser alterado caso os esforços de integração econômica regional, ora em
desenvo lvimento, tenham um caráter pro teci onista. São três os projetos em
andamento: a criação de uma zona de livre comércio entre EUA e Canadá
iniciado em 1 de Janeiro de 1989 e com prazos de implementação de dez anos
Q

(ampliado com a inclusão do México em 1991); a criação de um mercado interno


único na CEE em 1992 e a formação de um " bloco do Yen" comandado pelo
Japão, incluindo os NICs asiáticos e, eventualmente, a China.
Com relação à liberalização do comércio entre EUA e Canadá, deve-se destacar
que a maioria do comércio bilateral já era livre de tarifas antes do início do
acordo : 65 % das exportações americanas e 80% das canadenses eram isentas de
impostos de importação. Com a integração, esperam-se efeitos importantes de
realocação econôm ica, principalmente no Canadá, em função da diferença de
volume de mercado das duas economias (em 1987 o PIB americano foi de US$
4,5 trilhões, enquanto o canadense se situou em US$ 374 bilhões) . O Canadá
aumentará suas exportações de manufaturas leves, intensivas em mão-de-obra,
como calçado e vestuário, de produtos de tecnologia padronizada, como aço e
automóveis, e dos intensivos em recursos naturais, como açúcar, cobre e pctro-
92 Simão Davi Silber

químicos. As vantagens comparativas dos EUA se situam em produtos de tecno-


logia de ponta, serviços e produtos agrícolas . O livre acesso ao mercado ameri-
cano trará ganhos de escala importantes à indústria canadense: estima-se um
aumento da produtividade da mão-de-obra de 5 a 20% nos próximos dez anos, e
um ganho de renda real entre 3 a 7% do PIB . Não se deve esquecer que 75% das
exportações canadenses se destinam aos EUA, contra os 22% das exportações
americanas para o Canadá. Além disso, o grau de abertura das duas economias
para o comércio internacional difere marcadamente: na canadense se situa em
26% do PIB, contra 9% nos EUA.
Ambos os países recorreram extensivamente à RNT nos anos 80 para controlar
suas importações, e a criação de uma região de livre comércio necessitará
harmonizar essas medidas para evitar que terceiros países utilizem as diferenças
de tratamento para aumentar suas exportações para a zona de livre comércio. Tal
processo deverá implicar desvio de comércio, discriminando as exportações do
resto do mundo . Para o Brasil, em particular, haverá maior dificuldade em
exportar para os EUA produtos como ferro, aço, produtos químicos e açúcar,
produtos em que o país concorre diretamente com o Canadá no suprimento do
mercado americano. Por outro lado, os efeitos dinâmicos da integração, que se
refletem em aumento de renda e da demanda de importações, poderão compensar
os efeitos anticomércio, anteriormente apontados, e apresentar um efeito líquido
favorável à expansão do comércio mundial.
O México também já tem um elevado nível de integração comercial com os EUA.
Das exportações globais de 34 bilhões de dólares em 1989, 82% se destinaram
ao mercado americano; das importações mexicanas de 36,5 bilhões de dólares,
70% são oriundas dos EUA. Portanto, os efeitos da criação de uma zona de livre
comércio sobre a economia mexicana dependerão, fundamentalmente, do rela-
cionamento bilateral desses dois países. Deve-se destacar que o comércio Méxi-
co/EUA tem uma participação significativa de empresas mu1tinacionais ameri-
canas, sendo um comércio internacional intrafirma através de transações efetua-
das via empresas "maquiladoras". Das exportações mexicanas para os EUA, 49%
são de equipamentos e de material de transporte, enquanto 33,2% são de
produtos primários e de recursos minerais .
Dada a grande dimensão do mercado americano, estima-se um significativo
aumento das exportações mexicanas para esse mercado, representando este o
principal ganho do país na criação da zona de livre comércio.
A criação de um mercado interno unificado na Europa, em 1992, terá também
efeitos importantes sobre a reorientação da atividade econômica regional e
Relações Econômicas Internacionais 93

sobre o comércio internacional. Ela representa uma reação da CEE à redução das
taxas de crescimento observadas a partir dos anos 70 e uma tentativa de dar uma
melhor base competitiva para as empresas européias em sua concorrência com
empresas americanas e japonesas. O nível de integração atual das economias
nacionais européias já é bastante elevado , como pode ser visto pelos dados da
T abela 3, variando de um nível de exportações, para a região, de 49 % para a
Dinamarca, até 74 %, para a Irlanda. Mesmo assim, esperam-se impactos
importantes das medidas que serão implantadas nessa nova fase de integração:
a taxa de crescimento deverá passar dos 1,8% a.a. observados nos anos 80
o

para 2,8 % em 1992 e tender para 4% a.a. no final dos anos 90 . A CEE estima
que os ganhos de renda real para o período 1992-97 será de US$ 250 bilhões,
com a criação de 2 milhões de novos empregos. O comércio regional deverá
crescer significativamente com a eliminação de controles nas fronteiras sobre
os movimentos de bens e serviços, a adoção de padrões industriais uniformes,
a harmonização das taxas do imposto sobre o valor adicionado, a liberalização
do movimento de capital e dos serviços financeiros e a abertura das concor-
rências públicas, em condições de igualdade, para as empresas da CEE. Todas
essas medidas representarão desvio de comércio, já que discriminarão os
países não-membros. Além disso, existem atualmente 700 restrições quanti-
tativas nacionais, e em complexo sistema, para definir índices de nacionali-
zação para o comércio inter-regional, que deverão ser harmonizados com a
criação de um mercado único. Com isso, espera-se um aumento da proteção
na Europa com o projeto 1992. Não é sem razão que os investimentos de
empresas americanas , japonesas, coreanas, canadenses etc. aumentaram sig-
nificativamente nos últimos dois anos, na Europa.

TABELA 3
COMÉRCIO INTERNACIONAL INTRACOMUNIDADE
ECONÔMICA EUROPÉIA _ 1987 J

(% do total de cada país)

País Exporta ção Importação


Alemanha 53 53
França 60 61
Ingl aterra 59 53
Itália 56 57
Hol anda 75 64
Bélgica/Luxemburgo 74 72
(continua)
94 Simão Davi Silber
(continuação)
País Exporta ção Importação
Espanha 64 55
Dinamarca 49 52
Irlanda 74 66
Portugal 68 63
Gr écia 67 62
Fonte: FMI, Direction ofTrade Statistics, dez. 1988.

Deve-se destacar, no entanto, que a integração européia, iniciada em 1957,


manteve até aqui um grau de abertura da sua economia superior ao dos EUA e
equivalente ao do Japão. Para o ano de 1987, o grau de abertura da CEE era de
9% do PIB, contra 6,7% dos EUA e 9,3 % do Japão.
Em síntese, o que se pode afirmar é que a próxima etapa do processo de
integração Européia tem características desfavoráveis ao crescimento do comér-
cio internacional, que poderão ser minoradas pela aceleração da taxa de cresci-
mento da renda regional e o conseqüente aumento das importações.
Com relação à formação do "Bloco do Yen", não existe até hoje acordo forma-
lizado, mas a interdependência regional aumentou sensivelmente nos últimos
anos. A perspectiva de que os EUA não possam, indefinidamente, absorver os
superávits do leste asiático coloca em redefinição o papel do Japão na região e
sua integração com os NICs altamente dependentes da exportação. Na Tabela 4
são apresentadas informações sobre o comércio regional, indicando que a partir
de 1985 há um crescimento dos fluxos de comércio da ordem de 20 % ao ano.
Portanto, mesmo sem ter um aparato institucional definido, a integração regional
asiática tem caminhado rapidamente. Caso diminua o déficit fiscal americano até
meados dos anos 90, os EUA deixarão de ser o absorvedor das exportações
asiáticas, e o crescimento do comércio regional deverá se acelerar ainda mais.
Dado o elevado crescimento esperado para a renda do leste asiático (6 % a.a.) e
a postura japonesa de acatar imediatamente as reivindicações de outros países
apresentados ao GATT, não se deve esperar que um bloco econômico, com
importantes restrições ao comércio internacional, esteja sendo formado.
Relações Econômicas Internacionais 95

TABELA 4
COMÉRCIO DO JAPÃO COM OS NICs ASIÁTICOS
(em bilhões de dólares)

País Exportações Importações


1981 1985 1990 1981 1985 1990
Hong Kong 5.3 6.6 13 .1 0.7 0.8 2.2
Indonésia 4 .1 2.2 5.1 13 .3 10 .2 12.7
Coréia 5.6 7.2 17 .5 3.4 4.1 11.7
Malásia 2.4 2 .2 5 .5 2 .9 4 .3 5.4
Filipinas 1.9 0.9 2.5 1.7 1.3 2.1
Cingapura 4 .5 3 .9 10 .7 1.9 1.6 3.6
Tailândia 2.2 2.1 9.2 1.1 1.1 4.2
Total 26.0 25.1 63.6 25 .0 23.4 41.9
Fonte: FMI, Direction of Trade Statistics, set. 1991.

Existia até recentemente a possibilidade de as negociações em nível do GATT -


dentro da Rodada do Uruguai -levarem a um impasse no sistema multilateral de
liberalização do comércio, em função dos subsídios agrícolas da CEE. A propos-
ta em discussão - em novembro de 1991 - entre os países envolvidos na disputa,
de redução em 35 % dos subsídios agrícolas nos próximos cinco anos, deve
acomodar o conflito entre a CEE e os principais países agrícolas do mundo.

IV . P ERSPE CTIVAS PARA O B RAS IL NA E CO NO MIA


INTERNACi oNAL

Apesar do aumento das RNT, as exportações brasileiras conseguiram manter,


nos anos 80, taxas de crescimento da ordem de 5,6% a.a., idêntica à observada
para a média dos países em desenvolvimento, mas significativamente inferior à
observada nos países asiáticos, tais como a da Tailândia (12 ,8%), Coréia (13 ,8%),
Hong Kong (9,1 %) e Cingapura (8,1) .
Particularmente no principal mercado de exportação brasileiro, os EUA, houve
um grande aumento das RNT no período: no início dos anos 80 praticamente não
existiam RNT às nossas exportações, enquanto em 1986 20% da exportação de
produtos primários e 11 % das exportações de manufaturados estavam sujeitos a
alguma forma de restrição não-tarifária.
Estima-se que a eliminação das RNT às exportações brasileiras poderia aumentar
as receitas cambiais em 15% (5 a 5,5 bilhões de dólares), com parte significativa
96 Simão Davi Silber

dos ganhos oriundos da liberalização do comércio internacional de produtos


agrícolas. Isso indica que o país teria muito a ganhar em um processo de liberali-
zação de comércio, com ênfase na reciprocidade e não -discriminação típicas das
exigências dos EUA e CEE em nível do GATT. Em outras palavras, uma maior
abertura da economia brasileira às importações deveria ser acompanhada de maior
acesso de nossos produtos agrícolas e industriais aos países industrializados.
Como foi visto anteriormente, as perspectivas de crescimento da renda e do comércio
mundial devem permitir, para os próximos anos, taxas elevadas de crescimento das
exportações, aumentando as possibilidades de inserção do país na economia mundial.
As maiores dúvidas dizem respeito à formação dos blocos econômicos, que poderão
elevar o nível de proteção média dessas regiões contra a concorrência externa. Mesmo
nesta hipótese, não existe argumento favorável à manutenção da autarquização da
economia brasileira, nos moldes observados até aqui. Mesmo com um cenário inter-
nacional menos favorável - dada a pequena participação brasileira no comércio
internacional -, será possível ao país utilizar a especialização internacional como um
instrumento importante para ganhos de produtividade associados ao progresso tecno -
lógico, à aceleração da taxa de crescimento econômico, à ampliação do mercado
interno e à melhoria da distribuição de renda.

v. A P OLÍTICA B RASILEIRA DE C OMÉRCIO EXTERI OR

Nesta seção são discutidas as relações entre o grau de abertura da economia e o


desempenho externo. Procura-se enfatizar que uma maior abertura para exte- o
rior, diminuindo a verticalização excessiva da economia e aumentando a espe-
cialização industrial, representa uma política baseada nas vantagens compa-
rativas, por possibilitar ao país especializar-se nos bens que pode produzir com
menores custos relativos.
Inicialmente é apresentada uma análise das transformações ocorridas na estrutu-
ra das exportações brasileiras, onde se enfatiza que, associado ao aprofundamen-
to do processo de substituição de importações, há uma concomitante altera- ção
na composição das exportações brasileiras para setores intensivos em capital
físico, capital humano e tecnologia. Isto foi particularmente importante nos anos
70, sendo uma indicação de que as vantagens comparativas do país estavam se
encaminhando para setores que usavam intensivamente esses fatores de produ-
ção. Nos anos 80, há uma reversão desse fenômeno: o país perde posição re lativa
no mercado mundial em setores tecnologicamente mais sofisticados, sinalizando
Relações Econômicas Internacionais 97

que havia algo de profundamente errado em sua política comercial e industrial,


que o impossibilitou de obter os ganhos de produtividade necessários à amplia-
ção de seu poder competitivo, em um mercado mundial cada vez mais determi-
nado pelo ritmo de criação e difusão do progresso tecnológico .
A seguir são discutidos os elementos para uma política comercial e industrial
estratégica que possibilitem ao país obter vantagens comparativas dinâmicas. A
ênfase aqui é dupla: de um lado, investir na formação de capital humano e pesquisa
básica e aplicada e, de outro, eliminar a vari ância da proteção e dos incentivos,
aumentar a concorrência e acelerar a transferência tecnológica do exterior para o
país. Argumenta-se que a prioridade para novos investimentos deve ser dada a
setores onde a fronteira tecnológica seja superior, porém relativamente estável , e
que o país seja extremamente cauteloso em empreendimentos onde produtos e
processos produtivos estejam em rápida transformação em escala mundial.
Existem importantes relações entre a política comercial e industrial (explícita e
implícita) do Brasil e as alterações do desempenho externo. O país, ao optar por
uma política de industrialização rápida, passou por quatro fases de política
econômica, as quais condicionaram o seu perfil industrial. A primeira, que vai
do final da Segunda Guerra Mundial até meados da década de 60 , caracterizou-se
por uma elevada proteção tarifária que isolou o mercado doméstico da concor-
rência internacional , possibilitando um desenvolvimento industrial acelerado .
N esse período, completou-se a substituição de importações nas indústrias de
bens de consumo durável e evoluiu-se na substituição de importações nas indús-
trias de bens de capital e de insumos intermediários.
Essa primeira fase é caracterizada por um desenvolvimento industrial autárquico,
baseado na importação de tecnologia do exterior, sem nenhuma preocupação com
o desempenho exportador. Os principais instrumentos utilizados para modificar os
preços relativos em favor da produção industrial doméstica foram: restrições às
importações, subsídios ao investimento externo e taxas de câmbio valorizadas.
A segunda fase, que vai de meados da década de 60 até 1975, é caracterizada
pela mudança da política comercial do país com a finalidade de conduzi-lo a
uma maior participação no comércio mundial de produtos manufaturados, pela
definição de uma política exp lícita em setores prioritários e pelo prosseguimento
do processo de substituição de importações em setores intermediários e de
capitais tecnologicamente mais sofisticados.
A terceira fase - que se estende pelo período de 1975 a 1988 - é caracterizada
pelo aumento das tarifas de importação e das RTN às importações, o que
transforma o país em um a das 'economias mais fechadas do mundo.
98 Simão Davi Silber

o início de uma nova fase ocorreu em 1988, com a eliminação parcial dos regimes
especiais de importação e a redução da redundância tarifária, sendo completadas
em 1990 com a reforma da Lei de Tarifas, além da eliminação dos regimes
especiais de importação e a instituição de um regime cambial de mercado.
A mudança de composição do valor adicionado no setor industrial brasileiro,
decorrente das políticas de industrialização adotadas pelo país, reflete o
aumento da importância relativa dos setores de bens de capital e produtos
intermediários . Tomando-se o valor adicionado por empregado como uma
medida da relação capital (físico e humano)/trabalho, constata-se que o cresci-
mento industrial brasileiro foi mais intensivo em setores onde a relação capi-
tal/mão-de-obra é maior do que a média da indústria como um todo : de acordo
com o Censo Industrial de 1980, setores como os de Alimentação, Madeira e
Mobiliário , Têxteis e Vestuário tinham valor adicionado por empregado abaixo
da média da indústria; os setores de Química, Material de Transporte, Metalur-
gia, Mecânica e Material Elétrico possuíam valor adicionado por empregado
acima da média da indústria.

Concomitante a essa transformação estrutural da indústria, observam-se modifi-


cações importantes na pauta de exportações brasileira, refletindo modificações
nas vantagens comparativas do país com relação ao re sto do mundo.

Nas Tabelas 5 e 6 são apresentadas informações estatísticas sobre a modificação


da composição do comércio exterior brasileiro. A evolução das exportações
brasileiras de manufaturados é apresentada na Tabela 5. Como se pode observar,
as exportações de manufaturados cresceram de um total de 366 milhões de
dólares em 1968 para US$ 16.851 milhões em 1985. O crescimento das exporta-
ções nesse período foi de aproximadamente 26 % ao ano (em termos nominais),
fazendo com que a participação das exportações de manufaturados aumentasse
de 13% para 57% do total.

Além disso, à medida que prosseguiu a industrialização em setores dinâmicos e


tecnologicamente mais sofisticados, idêntica alteração se processou na compo-
sição setorial das exportações brasileiras. Assim é que, em 1968, 56,5% das
exportações brasileiras de manufaturados concentravam-se nos setores de Ali-
mentação, Têxteis, Vestuário, Madeira, Borracha e Minerais Não-Metálicos. Em
1985, a participação desses setores diminui para 32,6%. Nesse mesmo período,
as exportações dos setores tecnologicamente mais sofisticados (Química, Petró-
leo, Metalurgia, Material de Transporte e Maquinaria) cresce de 43,5% para
67,1 %. Para maiores detalhes, ver Tabela 6.
Relações Econômicas Internacionais 99

TABELAS
EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS DE MANUFATURADOS
(Em Milhões de US$)

Setores 1968 1974 1979 1985


1. Alimentos, Bebidas e Fumo 90 402 1122 2152
2. Têxteis 15 308 608 656
3 . Vestuário 7 297 684 1389
4. Madeira e Papel 86 285 623 904
5 . Borracha 2 8 70 223
6. Química 79 468 1043 2556
7. Petróleo 1 44 215 1617
8 . Minerais Não-Metálicos 7 34 100 151
9. Metalurgia 32 182 858 2693
10 . Material de Transporte 4 176 981 1616
11. Maquinaria e Outras Manufaturas 43 555 1770 2810
12 . Total 366 2759 8074 16851
Fonte: United Nations, Commodity Trade Statistics, vá rios anos .

TABELA 6
EXP ORTAÇÕES BRASILEIRAS DE MANUFATURAD OS,
1968,1974,1979, 1985
(Em Porcentagem do Total)

Setores 1968 1974 1979 1985


1. Alimentos, Bebidas e Fumo 24.50 14 .60 13.90 12 .80
2. Têxteis 4.20 11.10 7 .50 3 .90
3. Vestuário 1.90 10.80 8.50 8.20
4. Madeira e Papel 23.40 10.30 7.70 5.40
5 . Borracha 0.50 0.30 0 .90 1.40
6. Química 21.50 17.00 12.90 15 .20
7. Petróleo 0.30 1.60 · 2 .70 9.60
8. Minerais Não-Metálicos 2.00 1.20 1.20 0.90
9. Metalurgi a 8 .80 6.60 10 .60 16.00
10 . Material de Tr ansporte 1. 10 6.40 12 .20 9.60
11 . Maquinaria e Outr as M anu faturas 11 .80 20 .10 21.90 16.70
12. Total 100 .00 100.00 100 .00 100.00
Fonte: United Nations , Commodity Trade Statistics, vários anos.
100 Simão Da vi Sil ber

Essa é uma indicação de que, à medida que a industrialização brasileira se


encaminhou para setores tecnologicamente mais sofisticados, houve uma altera-
ção da pauta de exportação do país. Pode-se concluir que a especialização da
exportação brasileira está se modificando para novos setores como resultado da
política de industrialização do país.

Utilizando-se o índice de "Vantagens Comparativas Reveladas", é possível


estimar a magnitude dessas modificações. Os resultados estão apresentados na
Tabela 7 . Os setores que apresentavam os maiores índices no período inicial
(1970) tiveram um desempenho declinante em termos de especialização nas
exportações. Por outro lado, setores com índices iniciais pequenos apresentaram
significativos aumentos de vantagens comparativas, particularmente os setores
de Metalurgia, Material de Transporte, Maquinaria e P etróleo.

TABELA 7
ÍNDICE DE VANTAGENS COMPARATIVAS REVELADAS-
BRASIL - 1970 ,1974,1979 E 1985(*)

T axa de Setores Cr escimento Anu al 1970 1974 1979 1985 79/70 85/79
1. Alimentos, Bebida e Fumo 4 .38 3 .05 3 .33 3 .18 -3 .0 -0.1
2. Têxteis 0.87 2 .96 1.8 4 1.06 8 .7 -8. 8
3. Vestuário 1.03 4 .10 2.10 1.81 8 .2 -2.4
4. Madeira e Papel 2.54 1.29 1.57 0.95 -5.2 -8 .0
5. Borracha 0.70 0.41 1.04 1.53 4.9 6.6
6. Química 1.41 1.66 1.20 1.32 -1.7 1.6
7. Petróleo 0.22 0 .07 0.12 0 .51 -6.5 27.3
8. Minerais Não -M et áli cos 0.92 1.05 0 .98 0 .61 0.1 -7 .6
9. Metalurgia 1.17 0.65 1.22 2 .17 0.1 10 .1
10. M aterial de Transporte 0.16 0.62 0.94 0.61 21.7 -6.9
11. Maquin ari a e Outras M anufat. 0.45 0 .78 0 .85 0.62 7 .3 -5. 1
Not as : = exp ort ação br asil eira
* De fin ido como (X i, n/ Xn)/(Xi , w/ Xw ) onde Xi , n
da indústri a;
Xn = exportação tot al br asileira de manufaturados; Xi , w = exportação
mundi al da indústria;
Xw = exportação tot al mundi al de manufatur ados
Fonte: United Nations , International Trade Statistics, vários anos .

D eve-se destacar, no entanto , que as ma iores transformações ocorreram nos anos


70, quando as taxas de crescimento das vantagens comparativas foram elevadas
tanto em setores tradicionais (como Têxtil e Vestuário) como em setores de
maior sofisticação tecnológica (como Material de Tr an sporte e M aquinaria). Nos
Relações Econômicas Internacionais 101

anos 80 , esse resultado se reverte: à exceção de Metalurgia e Petróleo, há um


significativo declínio nas "Vantagens Comparativas Reveladas". É de especial
importância a perda de competitividade em setores de maior sofisticação tecno-
lógica, tais como Material de Transporte e Maquinaria, e em setores tradicionais,
como Têxteis e Vestuário, indicando que o país não foi capaz de acompanhar,
nos anos 80, as transformações ocorridas no comércio mundial. Esses resultados
sugerem a necessidade de urgentes mudanças na política comercial e industrial,
a fim de aumentar a competitividade de nossos produtos no exterior.
Além disso, deve-se enfatizar que houve uma verticalização excessiva da economia,
quer em decorrência dos choques externos, quer por decisão da política industrial
de atingir a autonomia a qualquer custo; houve, adicionalmente, pouca ênfase na
formação de recursos humanos e em pesquisa básica e aplicada, essenciais para a
criação e transferência do progresso tecnológico. Houve, também, ênfase em
proteger setores de alta tecnologia, setores que usam intensivamente mão-de-obra
qualificada em pesquisa e desenvolvimento (P&D), fator escasso na economia
brasileira e de pequena prioridade nos investimentos governamentais, e concentra-
ção dos incentivos para as vendas no mercado interno e externo em poucas firmas
de grande porte, favorecendo a formação e preservação de um estrutura oligopolista
pouco afeita à concorrência e à mudança tecnológica.
Em função das rápidas modificações na fronteira tecnológica nos países indus-
trializados, um número crescente de produtos e processos que atingiram a
maturidade tecnológica estava apto a migrar para os NICs que oferecessem
condições de custos e institucionais favoráveis à transferência da atividade
produtiva. São segmentos cada vez mais sofisticados que, ao atingir a estabili-
dade tecnológica e pressionados pelos custos elevados da mão-de-obra, procu-
ram vantagens locacionais em outros países. Nesse processo, um papel impor-
tante é desempenhado pelas empresas multinacionais, quer na transferência de
tecnologia, quer na abertura para as exportações.
É nesse segmento que se concentram as vantagens comparativas de longo prazo
de um país como o Brasil, ou seja, em setores de tecnologia estável e cada vez
mais sofisticada. As incursões do país nos setores de tecnologia de ponta deverão
ser de pequena magnitude e se concentrar nas etapas do processo produtivo que
possam facilmente ser transplantadas para o país sem onerar custos de produção,
como acontece quando há uma verticalização excessiva do processo produtivo .
Além disso, pode-se apontar a natureza diferente da dinâmica de um setor de alta
tecnologia quando comparado com setores onde a tecnologia é estável: nestes
últimos, não são necessárias alterações importantes de produto ou processo para
102 Simão Davi Silber

implantá-los em outro país, e o custo relativo dos fatores pode transformá-los


em setores competitivos em nível mundial; isto não acontece em setores de alta
tecnologia, onde a obsolescência de produtos e processos é muito rápida, trans-
formando a criação e difusão de tecnologia no elemento essencial para a obtenção
de produtos a preços e qualidade compatíveis com padrões internacionais. Se o país
não tiver condições de acompanhar tal processo, estará condenado a conviver com
setores defasados tecnologicamente, o que, em virtude dos efeitos externos sobre
os demais setores, poderá afetar negativamente toda a economia. A carência de
pesquisa básica e aplicada, a escassez de mão-de-obra especializada e a rápida
obsolescência das inovações tornam os investimentos em setores de alta tecnologia
os mais arriscados em um país de industrialização recente, como o Brasil. Uma
ênfase maior em tecnologia de ponta deverá ocorrer quando o país estiver apto a
investir maior parcela de recursos na formação de capital humano e P&D.
Foi através da transferência (ou imitação) de tecnologias estáveis que os NICs
conseguiram ampliar significativamente suas vantagens comparativas a partir
dos anos 60, e é nesse segmento que o Brasil deverá concentrar esforços para
aumentar seu poder competitivo . Isto não significa que o país esteja fadado a
desfrutar de um padrão de vida inferior. Pelo contrário , existe o exemplo de
países, como Canadá, Austrália, Nova-Zelândia e Espanha, que têm nível de
renda per capita elevado, sem estarem concorrendo na fronteira das indústrias
tecnologicamente intensivas.
Para que isto se concretize, é necessano que o país liberalize seu comércio
exterior com a eliminação da variância da proteção e dos incentivos, diminua a
verticalização excessiva da economia, invista em capital humano e P&D, elimi-
ne as barreiras à competição e o sistema de incentivos concentrados em empresas
que têm poder de mercado. Com isso, será possível obter os ganhos de produti-
vidade necessários à ampliação do poder competitivo do país, em um mercado
mundial cada vez mais determinado pelo ritmo do progresso tecnológico.
Não se deve esquecer que , durante os anos 80, reduziu-se dramaticamente a-inserç ão
do Brasil no comércio mundial, com importantes resultados sobre a competitividade
da economia brasileira e o papel a ser desempenhado pelo setor externo em uma
estratégia de retomada do desenvolvimento econômico. Basta indicar que, entre
1980 e 1987, o grau de abertura da economia brasileira ao comércio mundial
reduziu-se em 42 % (de 9,4 % do PIB em 1980 para 6,6% em 1987).
Será preciso também eliminar a discriminação contra as empresas multinacionais
(MNC). Reservas de mercado, restrições às importações e tratamento fiscal
diferenciado têm inibido o afluxo de investimento externo (IE) de risco à
Relações Econômicas Internacionais 103

economia brasileira. Este representa um elemento importante para a difusão


tecnológica e, dada a atual tendência de aumento da propensão exportadora das
MNCs, um forte estímulo ao aumento das exportações brasileiras. Não serão
incentivos especiais que conseguirão atrair tais recursos para a economia brasi-
leira: a experiência internacional mostra que o fator primordial na determinação
das decisões locacionais do investimento externo é o da estabilidade macroeco-
nômica do país. Portanto, o essencial para o ressurgimento de tais investimentos
é a diminuição das atuais incertezas da economia, geradas, basicamente, pelo
desequilíbrio do setor público . Em outras palavras, o que inibe o IE é exatamente
o mesmo fator que inibe o investimento privado nacional. Com relação a políticas
específicas de incentivo ao IE, caberia destacar, em primeiro lugar, a eliminação
das restrições às importações existentes no Brasil: dada a grande propensão
exportadora das MNCs, esta é uma restrição importante a novos investimentos
externos, e o Brasil não consegue concorrer com outros países hospedeiros que
oferecem condições mais favoráveis à internacionalização da produção e à
difusão de novas tecnologias . Em segundo lugar, cabe eliminar reservas de
mercado (nos moldes vigentes na informática) e incentivar uma forma associa-
tiva entre capital nacional e externo, que tem crescido significativamente de
importância nos anos 80 e com amplas possibilidades nos anos 90 : as joint-ven-
tures (com participação minoritária do capital externo), as quais dão ao sócio
nacional acesso à tecnologia e mercado externo não disponíveis sob outra forma
de transferência de tecnologia.
A política cambial, aqui entendida como uma mudança irreversível de preços
relativos em favor dos produtos transacionáveis no mercado mundial, não pode, em
hipótese alguma, ser confundida como um instrumento de política de estabilização,
sob o risco de comprometer a estratégia de abertura da economia. Esse aspecto faz ,
também, com que esta política difira radicalmente das experiências de liberalização
do Cone Sul. Ali, a liberalização, iniciada nos anos 70, teve uma característica
peculiar, não mais válida para as décadas seguintes: a disposição de a comunidade
financeira internacional financiar os desequilíbrios de curto prazo decorrentes do
programa de abertura ao setor externo, bem como aqueles devidos ao desequilíbrio
macroeconômico doméstico. Dada uma oferta elástica de financiamento externo,
foi possível liberalizar rapidamente as transações em contas correntes e de capitais
e ainda utilizar a taxa de câmbio como um instrumento da política de estabilização .
A ampla disponibilidade de financiamento externo possibilitou o uso da taxa de
câmbio como um instrumento de combate à inflação, e não para liberalizar o setor
externo. Este foi o erro capital desses programas de liberalização: como havia
valorização da taxa de câmbio, eram maiores os incentivos ao crescimento das
104 Simão Davi Silber

importações e fuga de capitais do que ao crescimento das exportações. Portanto,


nas condições atuais de racionamento de financiamento internacional, qualquer
programa de liberalização exigirá uma política cambial consistente, já que não
existe espaço para o aparecimento de déficits externos e nem a possibilidade de
utilizar a taxa de câmbio para o combate à inflação .
Uma política cambial voltada para a abertura da economia diminui a necessidade
de instrumentos específicos de promoção às exportações. Programas como BE-
FIEX e Zonas de Processamento de Exportação perdem sentido se as distorções
existentes, que recaem sobre o setor externo, desaparecerem . As únicas exce-
ções serão o drawback e o financiamento à exportação. Com relação ao primei-
ro, a sua permanência decorre do viés residual da política de importação.

Uma precondição essencial ao início do processo de liberalização é que a


instabilidade macroeconômica, nos moldes da observada na economia brasileira,
seja eliminada. Em primeiro lugar, porque ela acarreta importantes alterações de
preços relativos (particularmente com relação à taxa de câmbio), fazendo com
que os agentes econômicos sejam extremamente cautelosos em tomar decisões
de reorientar suas atividades produtivas em direção aos produtos de exportação
e aos concorrentes com as importações; em segundo lugar, caso existam distor-
ções no mercado de capitais doméstico , tal que a rentabilidade média e sua
variância incentivem a saída de capitais, existe mais uma razão para um progra-
ma de estabilização preceder o de liberalização. Além disso, a instabilidade
macroeconômica dificulta a identificação dos setores onde o país tem vantagens
comparativas no comércio internacional, inibindo os investimentos nesses seto-
res e, possivelmente, criando problemas de déficits comerciais na medida em que
o crescimento das importações não seja acompanhado pela expansão das expor-
tações. Finalmente, um dos elementos mais importantes no processo de liberali-
zação, que é o de substituir controles quantitativos pelo racionamento via sistema
de preços, é de difícil aplicação em economias inflacionárias, devido a seus
impactos sobre a formação de expectativas dos agentes econômicos e sobre o
déficit público.

Com relação à opção entre gradualismo e liberalização instantânea do setor


externo, existem experiências de outros países a indicar que a primeira opção é
superior à segunda. De um lado, porque o desemprego friccionaI decorrente do
processo de liberalização se di stribui por um período de tempo maior e possibi-
lita às empresas se ajustarem a níveis menores de proteção de forma não-abrupta.
Por outro lado, a remoção gradual das restrições ao comércio internacional
também é indicada em função da inexistência de financiamentos internacionais
Relações Econômicas Internacionais 105

para desequilíbrios temporários decorrentes do processo de liberalização. Isto é


muito provável que ocorra em função da diferença de velocidade de ajustamento
entre os setores que deverão contrair seus níveis de produção relativamente
àqueles que expandirão suas atividades.
Outro argumento favorável ao gradualismo é que, em um estágio avançado do
processo de estabilização, as condições mais favoráveis à retomada do desenvol-
vimento econômico tornam os custos de ajustamento menores, enquanto o de-
semprego será menor em um cenário de crescimento. Nesse caso, os setores
menos eficientes nem precisam se contrair; basta que cresçam a taxas menores
(ou deixem de crescer), enquanto os setores onde o país tem vantagens compa-
rativas se expandam a taxas mais elevadas. Além disso, a retomada do cresci-
mento em um ambiente mais estável representa o incentivo mais importante para
o ingresso de capitais externos de risco, essenciais para a modernização da
economia, a diminuição da restrição externa ao crescimento e o aumento das
exportações.
Em um regime politicamente aberto, a probabilidade de um programa de libera-
lização gradual ser aceito é maior, já que os custos de ajustamento iniciais são
menores e, se os benefícios iniciais forem rapidamente percebidos pela socieda-
de , criar-se-á um ambiente favorável , com credibilidade e apoio político para
levar o programa adiante.
Existem riscos em uma política gradual de liberalização do setor externo. O
primeiro é o de possibilitar, aos agentes econômicos prejudicados, tempo para
que se organizem politicamente e tentem mudar o curso das medidas a serem
implementadas; o segundo é o de deixar a dúvida de que as mudanças são
provisórias e que, à menor dificuldade no balanço de pagamentos, todos os
controles serão retomados. Nestas condições, haverá grande relutância em se
ajustar à nova realidade, na esperança de volta ao protecionismo . Por esta razão,
torna-se essencial para a credibilidade do programa de liberalização a rápida
eliminação dos controles administrativos sobre o setor externo.
Deve-se destacar, no entanto, que o principal risco que o programa de abertura para
o exterior corre é o de que as autoridades governamentais não se comprometam -
de uma forma irreversível - com uma política cambial que sinalize uma mudança
de preços relativos entre produtos transacionáveis e não-transacionáveis no comér-
cio internacional. Caso isso venha a ocorrer, o programa estará definitivamente
comprometido, eliminando a credibilidade e as características não-discricionárias,
estáveis e baseadas no sistema de preços para promover o setor externo.
Dado o alto grau de diversificação e verticalização da economia brasileira, não
106 Simão Davi Silber

existem dúvidas de que uma série de atividades - que não têm condições em um
espaço de tempo de alguns anos de atingir níveis internacionais de competitivi-
dade - deverá desaparecer ou diminuir de importância.
Os benefícios de um programa de abertura da economia baseado no sistema de
preços e com regras estáveis e não-discriminatório de acesso aos agentes
econômicos são:
a) criar um ambiente competitivo que possibilite uma melhor alocação de
recursos entre setores, com um mínimo de distorções . Em uma economia
com níveis de proteção elevada, as empresas tendem a ser menos eficien-
tes, já que lhes é imposta uma série de restrições na alocação de fatores
de produção e na escolha da composição do produto final. A inexistência
da concorrência externa e as imperfeições do mercado de capitais domés-
tico possibilitam a manutenção de estruturas de mercado oligopolizadas,
com elevadas barreiras ao ingresso de novas firmas;
b) incentivar os aumentos de produtividade e possibilitar a especialização da
produção compatíveis com escalas mínimas ótimas;
c) acelerar o ritmo de criação, importação e difusão tecnológica, compatível
com a expansão da competitividade das empresas brasileiras, tão compro-
metida nos anos 80;
d) aumentar a taxa de crescimento do produto, quer através da diminuição da
restrição externa, quer pela ampliação do mercado interno e externo;
e) favorecer uma diminuição da concentração de renda, já que a estratégia de
maior abertura beneficia o fator abundante da economia (mão-de-obra, terra
e recursos naturais).
Com a entrada em vigor, em 15 de fevereiro de 1991, do cronograma de redução
gradual das alíquotas de importação, completou-se um conjunto de medidas iniciadas
em março de 1990 visando à liberalização do comércio exterior brasileiro.
As principais mudanças da política de importação ocorreram em março de 1990,
quando foram eliminados os regimes especiais de importação (à exceção do
drawback, acordos internacionais e Zona Franca de Manaus) e os controles
administrativos sobre as importações (restrições não -tarifárias). Além disso,
extinguiu-se a exigência de financiamento compulsório das importações e alte-
rou-se o regime cambial do país.
O objetivo básico dessas alterações foi o de eliminar os critérios altamente
discricionários, subjetivos e instáveis da política de importação e atribuir ao
sistema de preços, via tarifas de importação e taxa de câmbio , o controle das
Relações Econômicas Internacionais 107

importações. Tr at a-se de um a mudança radical com relação ao regime de impor-


taç ão anterior, responsável pela transformação do Brasil na economia mais
fechada às importações do mundo ocidental.
Existiam regulamentações e controles dos mais arcaicos e distorcidos sobre as
importações. Além da estrutura tarifária com elevado grau de redundância, o
sistema de controle das importações contava com proibições ("Anexo C")¹, leis
do similar nacional, conteúdo mínimo de in sumos domésticos, controles admi-
nistrativos, licenças prévias, reduções e isenções de impostos de importação e
impostos domésticos através dos "regimes especiais" etc.
Toda a parafernália de intervenções no setor externo atrapalhava o funcionamen-
to dos mercados, gerando ineficiências na produção interna, aumentava o custo
da burocracia para o Estado e levava a importantes transferências de renda entre
os segmentos da sociedade brasileira. Além disso, tal sistema desacreditava o
país como parceiro comercial confiável e transparente, gerando imprevisibilida-
des e inibindo os investimentos nacionais e estrangeiros.
A reforma da tarifa adu aneira estabelecida para o período 1991-1994 tem como
objetivo atribuir ao sistema tarifário o papel de principal instrumento de controle
das importações. Ao se diminuir o nível e a dispersão da proteção nominal,
procura-se estimular a concorrência e uma maior especialização internacional do
país no médio e longo prazo, compatível com maior eficiência alocativa e retomada
do crescimento econômico.
A estrutura da tarifa de importação, a vigorar em 1994, foi definida mediante
critérios baseados na avaliação da cadeia produtiva, comparações de preços
internacionais e alíquota dos insumos.
A tarifa nominal terá um valor mais freqüente de 20 % com um mínimo de 0% para
os seguintes casos: produtos em que o país tem claras vantagens comp arativas; para
produtos sem produção nacional e produtos com pequeno valor adicionado e
elevados custos de transporte internacional. As tarifas mais elevadas foram fixadas
para bens de consumo durável (30 a 35 %), sendo que a proteção nominal máxima
será dada à informática (40 %).
Na Tabela 8, a seguir, são apresentados alguns parâmetros básicos da estrutura
tarifária a vigorar a partir do presente exercício .

1. Trata-se da rela ção de cerca de 2 mil it ens , cuja importação foi suspensa por determinação da CACEX.
108 Simão Davi Silber

TABELA 8
TARIFAS DE IMPORTAÇÃO (em %)

Ano s Médi a Desvio-padrão


1989 41,0 19,1
1990 32,2 19 ,6
1991 25,3 17 ,4
1992 21 ,2 14 ,2
1993 17,1 10 ,7
1994 14,2 7,9

Como se pode observar, haverá uma significativa redução da tarifa nominal entre
1989 (ano imediatamente anterior à reforma) e 1994. A tarifa média será de
aproximadamente 1/3 da vigente em 1989, com diminuição semelhante em sua
dispersão, fazendo com que haja maior homogeneidade na estrutura tarifária .

A tarifa nominal determina as decisões de consumo , enquanto a tarifa efetiva


(sobre o valor adicionado) determina a alocação da produção . Embora não
existam ainda cálculos de proteção efetiva até o ano de 1994, é possível indicar-
se o sentido da alteração do nível de proteção que se observará nos próximos
anos. Para tanto, basta atentar para o fato de que os níveis de proteção efetiva
no futuro deverão se aproximar dos níveis de proteção nominal, já que haverá
uma drástica redução da variância da proteção.

Dado o alto grau de diversificação e verticalização da economia brasileira, não


existe dúvida de que uma série de atividades - que não tem condições, em um
período de tempo de alguns anos, de atingir níveis internàcionais de competiti-
vidade - deverá desaparecer ou diminuir de importância..

É evidente que tais resultados só se concretizarão caso o programa de liberalização


consiga ser efetivamente implementado. Os resultados até aqui indicam que serão
necessários grandes progressos para que se consiga sinalizar aos agentes econômi-
cos uma mudança irreversível no regime brasileiro de comércio exterior.

O principal problema do programa brasileiro de liberalização do setor externo


refere-se ao timing correto de se iniciar tal processo. Inicialmente concebido para
ser implementado após ter-se atingido um estágio avançado do programa de
estabilização, -s en do iniciado em meio a mais um plano de combate à
inflação . Com isso, as flutuações da taxa de câmbio real, que haviam sido
violentas em 1990 (em torno de 50%), tendem a persistir e a não sinalizar
convenientemente uma mudança de preços relativos em favor dos bens transa-
cionáveis no mercado internacional.
Relações Econômicas Internacionais 109

Uma desvalorização real da taxa de câmbio e a virtual eliminação de suas


flutuações é uma condição essencial para que o programa de lib eralização seja
bem-sucedido . Não existe nenhum caso , na experiência internacional, de sucesso
de um programa de abertura da economia para o exterior que fosse acompanhado
de valorização e flutuações do câmbio real.
Existe aqui um conflito aberto entre usar a taxa de câmbio como instrumento da
política de estabilização ou como instrumento da política de liberalização exter-
na. Como não se avançou suficientemente no programa de estabilização, existe
sempre a tentação de utilizar o câmbio como instrumento para o controle da
inflação . Conseqüentemente, o crescimento das exportações, outro elemento
importante no processo de liberalização externa, é difícil de ser concretizado (em
1990 as exportações foram 3 bilhões de dólares inferiores às de 1989).
Com câmbio valorizado e exportações estagnadas, é necessário preservar os
controles administrativos sobre as importações. Não é sem razão que até hoje
ainda sobreviva todo o aparato burocrático responsável pelo controle do setor
externo e permaneçam os programas de importação por empresas e o licencia-
mento prévio das importações.
A credibilidade do programa de liberalização só será conseguida caso se elimi-
nem os controles administrativos sobre as importações e a taxa de câmbio
sinalize uma mudança definitiva em favor da abertura externa. Isto só ocorrerá
em uma etapa avançada do programa de estabilização.

VI. PERSPECTIVA DA ECONOMIA MUNDIAL, COORDENAÇÃO DA


POLÍTICA ECONÔMICA E O PROBLEMA DA DÍVIDA EXTERNA

o problema da dívida externa tem origem em dois eventos importantes: o


primeiro, a drástica alteração da política econômica americana no início dos anos
80, que através de uma política fiscal expansionista e uma política monetária
contracionista elevou as taxas de juros internacionais, valorizou o dólar, causou
recessão e reduziu as exportações dos países endividados, levando à inadimplên-
cia externa aproximadamente quarenta países. O segundo data do s anos 70,
quando uma série de países, particularmente na América Latina, optou por uma
estratégia de ajuste externo baseada na substituição de importações e endivida-
mento externo, sem a contrapartida de uma política agressiva de promoção às
exportações, tornando-se, assim, altamente vulneráveis ao choque dos juros
externos. Aliado a isso, a deterioração das finanças públicas desses países, ao
110 Simão Davi Silber

longo dos anos 70, contribuiu decisivamente para os surtos inflacionários e


recessivos da década de 80, impossibilitando ajustes internos.
Hoje, pode-se dizer que o problema da dívida externa ainda é uma restrição importante
ao crescimento econômico em quatro países (Brasil, México, Venezuela e Argentina),
e um problema de elevado exposure para os grandes bancos norte-americanos.
A solução desse problema dependerá de pelo menos três fatores: evolução da
economia mundial, ajuste interno nos países endividados e definição de algum
tipo de reforma institucional, em nível internacional, que possibilite dividir os
custos do ajustamento externo entre bancos privados, governos dos países indus-
trializados e países devedores.
Existe hoje um consenso de que não se deve servir a dívida externa nos moldes
convencionais (o Plano Brady é o exemplo mais recente dessa postura) e de que
é necessário o aporte de novos recursos externos, a fim de que os países
endividados retomem as taxas de crescimento de décadas anteriores à de 80.
Com relação à evolução da economia mundial, nos próximos anos ela estará
condicionada à forma pela qual os EUA corrigirão seus déficits internos e
externos e ao grau de cooperação dos demais países da OECD (particularmente
Alemanha e Japão) para a obtenção desse resultado.
Deve-se destacar que esse ajuste, iniciado em 1985, deverá ser lento, já que o
processo de deterioração das contas externas e internas americanas também foi
lento, iniciando-se em 1980 na administração Reagan . Durante os anos 70, a
estratégia dos países industrializados para enfrentar as alterações de preços
relativos, associados ao aumento dos preços do petróleo, foi a de favorecer um
ajuste não-recessivo, com políticas monetárias e fiscais expansionistas e acele-
ração da taxa de inflação.
Particularmente os EUA seguiram uma política monetária mais expansionista, acar-
retando taxas de juros reais negativas e desvalorização do dólar frente às demais
moedas fortes. Com isso, os anos 70 terminam com taxas de inflação altas, taxas de
juros reais negativas, políticas monetárias e fiscais expansionistas, dólar em desvalo-
rização e déficits fiscais e comerciais dos EUA da ordem de 40 bilhões de dólares.
Esse panorama modifica-se drasticamente na administração Reagan, que embar-
ca em uma política fiscal expansionista, reduzindo impostos e aumentando
gastos militares, fazendo com que a demanda agregada crescesse a taxas supe-
riores à do produto. Porém o FED (Federal Reserve System), temendo taxas de
inflação elevadas, iniciou uma política monetária restritiva que, combinada com
uma política fiscal expansionista, levou as taxas de juros nominais e reais a níveis
Relações Econômicas Internacionais 111

nunca alcançados anteriormente. Como resultado dessa combinação de políticas


macroeconômicas, inicia-se o processo de valorização do dólar, que contribuiu
decisivamente para a ampliação dos déficits comerciais dos EUA. Vários países
se beneficiaram da expansão da demanda interna americana a taxas superiores à
sua produção. Particularmente o Japão, Alemanha, NICs asiáticos e mesmo o
Brasil passaram a ter superávits crescentes em seu comércio com os EUA.
Tais desequilíbrios passaram a ser enfrentados, de forma parcial, a partir de setem-
bro de 1985, através de uma política coordenada de desvalorização do dólar, que
persiste até os dias de hoje. Essa política é parcial no sentido de que não existe uma
política conjunta para diminuir déficits públicos nos EUA e aumentar o dispêndio
nos demais países industrializados (particularmente Japão e Alemanha) para
complementar a desvalorização do dólar. Caso isso não se realize, as pressões
recessivas se abaterão sobre a economia mundial, com grande impacto sobre os
países endividados. Isso ocorrerá por meio da seguinte cadeia de eventos: caso não
haja uma política fiscal expansionista nos demais países da üECD, não será possível
aos EUA expandir suas exportações, enquanto a queda de suas importações acarre-
tará pressões recessivas nestes países. Como o déficit comercial não se estará
reduzindo significativamente, as perspectivas de desvalorização adicional do dólar
acarretarão saída de capitais especulativos dos EUA (como o ocorrido em 1987) e,
para evitar isto , será necessária uma política monetária restritiva que aumente a taxa
de juros doméstica e evite a saída de capitais. Com isso, estaria aberto o caminho
para a redução da expansão da produção mundial.
Existem evidências de que medidas estão sendo tomadas nos principais países
industrializados para que o cenário acima descrito não se concretize. A principal
delas está ligada à redução do déficit fiscal americano de forma gradual, que
possibilitará um equilíbrio orçamentário em meados dos anos 90. À medida que
este déficit diminua, uma política monetária de acomodação tornará possível
uma redução da taxa de juros que estimulará os investimentos em nível mundial,
representando importante alívio para os países endividados. Portanto, os ingre-
dientes essenciais para uma evolução favorável da economia mundial (e, por
conseqüência, da dívida externa) são: desvalorização do dólar, redução do déficit
fiscal americano e diminuição das taxas de juros reais.
N esse cenário mais favorável de evolução da economia mundial deve-se esperar
taxas de crescimento elevadas, próximas às observadas no período 1965/1980.
É também nesse cenário que se inserem as possíveis negociações da dívida externa
brasileira. Vejamos, inicialmente, a evolução do endividamento externo brasileiro:
em 1973, ano do primeiro choque do petróleo, a dívida líquida brasileira era de
112 Simão Davi Silber

apro ximadamente 6 bilhões de dólares. A estratégia brasileira de efetuar o


ajustamento ao choque externo através da expansão da oferta interna (e não através
da contenção da demanda agregada) , com o aumento do endividamento externo,
elevou a dívida líquida para 46 bilhões de dólares em 1979. Apesar desse vertiginoso
crescimento, a dívida não causava grandes preocupações, pois a expansão das
exportações garantia condições favoráveis para saldar o serviço da dívida, às taxas
de juros vigentes no mercado mundial.
Esta situação se altera drasticamente a partir de 1980, com o rápido crescimento
das taxas de juros, a redução da taxa de crescimento das exportações e o desapare-
cimento dos financiamentos voluntários da dívida externa a partir de 1982.
Para se ter uma idéia dessa dramática alteração, basta apontar que, em 1979, os
juros sobre a dívida líquida foram de 2,5 %, as receitas de exportação cresceram
20 % em relação ao ano anterior e o déficit em transações correntes, exclusive
juros, foi de 9,58 bilhões de dólares. Em 1982 tem-se uma situação totalmente
diferente: as receitas de exportação caem 13,5 % com relação ao ano anterior, as
taxas de juros sobre a dívida líquida atingem 14 % e o déficit em transações
correntes, exclusive juros, foi de 4,59 bilhões de dólares .
No período de 1983 a 1985, o diagnóstico utilizado para identificar os problemas
da dívida externa de países como o Brasil era o de que se tratava de uma questão de
liquidez, e não de insolvência. Portanto, montada uma rede de suporte financeiro
no curto prazo, seria factível a esses países recompor o equilíbrio externo e voltar,
no médio prazo, voluntariamente, ao mercado financeiro privado internacional, para
financiar seus programas de desenvolvimento.
Os programas de estabilização implementados sob as condicionalidades do FMI
mostraram-se extremamente danosos ao crescimento interno, recaindo parcela signi-
ficativa desse ajustamento na redução dos investimentos. A Tabela 9, a seguir, nos
dá uma indicação , para o caso brasileiro , da magnitude de tais ajustamentos :

TABELA 9
FORMAÇÃO BRUTA DE CAPITAL FIXO (I) E SALDO DE
BALANÇO DE PAGAMENTOS EM CONTAS CORRENTES,
EXCLUSIVE JUROS (X), COMO % DO PNB - BRASIL

Períodos I/PNB X/PNB


1977/1982 22 ,3 -2,1
1983/1985 18,5 4,9
Fonte: Revista Co nj untura E conôm ica - maio de 1987 - e International Financiai Statistics -
Anuário de 1988.
Relações Econômicas Internacionais 113

No primeiro período, os investimentos se situam em 22,3% do PNB e há um


ingresso líquido de recursos da ordem de 2,1% do PNB. Esta situação se reverte
totalmente no período 1983/1985; para fazer face à transferência líquida de
recursos para o exterior, os investimentos caem para um patamar de 18,5% do PNB.

Além disso, tornou-se claro que a crise não era passageira e que as tendências
protecionistas nos países industrializados poderiam colocar restrições sérias à
expansão das exportações dos países endividados. Destaque-se, adicionalmente,
que não existia a possibilidade de retorno dos países endividados - a curto
prazo - ao mercado financeiro internacional privado.

Como os países endividados perceberam que teriam de fazer, por um número


muito grande de anos, uma transferência líquida de recursos para o exterior,
passaram a contestar abertamente tal alternativa, e hoje se observa que todos os
atores envolvidos nesse jogo (países devedores, bancos credores, instituições
multilaterais e governo dos países industrializados) procuram encontrar uma
solução diferente da convencional. Por enquanto, estamos em uma situação de
indefinição e o espectro de casos é muito variado: desde países, como a Coréia
do Sul, que têm conseguido servir sua dívida nos moldes convencionais, através
de um grande crescimento das exportações, até países, como os africanos, que
já tiveram suas dívidas perdoadas (estavam concentradas em bancos oficiais).
Em uma situação intermediária encontram-se os grandes devedores latino-ame-
ricanos: todos passaram de períodos de suspensão de pagamento do serviço da
dívida e de difícil entendimento com credores para períodos em que se sujeitam
às regras convencionais impostas para o pagamento de juros, a fim de consegui-
rem concessões em termos de reescalonamento do principal, redução de spreads
e empréstimos de agências multilaterais de crédito.

Várias soluções têm sido propostas para o problema da dívida externa dos países
em desenvolvimento: capitalização de parcela dos juros devidos, conversão da
dívida em investimento, securitização, serviço da dívida como proporção da
receita de exportação, recompra da dívida com deságio, redução voluntária do
estoque da dívida etc. Deve-se destacar que os elementos mais importantes para
qualquer processo de renegociação da dívida estão fora do controle dos princi-
pais atores envolvidos, já que a taxa de juros depende da política macroeco-
nômica dos países industrializados e a taxa de expansão da receita de
exportações depende, basicamente, do crescimento da renda mundial. Caso
haja uma elevada probabilidade de um comportamento favorável dessas va-
riáveis no futuro (crescimento rápido e taxas de juros baixas), seria muito
mais simples a renegociação da dívida externa. Se isso não ocorrer, o proble-
114 Simão Davi Silber

ma a ser resol vido será o de administrar a distribuição da redução do valor da


dívida entre países devedores, bancos credores, instituições multilaterais e go-
vernos dos países industrializados.
Portanto, o elemento central na evolução favorável do problema da dívida diz
respeito ao panorama da economia mundial: a redução dos déficits fiscal e
comercial americanos, acompanhada por uma política monetária de acomodação
e políticas fiscais expansionistas nos demais países industrializados, poderá
garantir um crescimento sustentado da renda mundial a taxas de juros mais
baixas, favorecendo duplamente os países endividados.
Fora desse quadro, deve-se destacar que as políticas macroeconômicas consis-
tentes nos países endividados aumentam grandemente o poder de negociação no
front externo - em termos de obtenção de spreads menores, dinheiro novo,
períodos de carência e reescalonamento da dívida, além de possibilitar a implan-
tação dos programas de securitização e conversão de parcela da dívida em
investimento.
Através da utilização simultânea desses instrumentos, será possível diminuir a
transferência de recursos dos países endividados para o exterior e ampliar os
inves- timentos necessários ao crescimento econômico, reduzidos durante os
anos 80.
A renegociação da dívida brasileira guarda semelhanças com a efetuada por
outros países (México, Venezuela e Filipinas), onde é contemplado um con-
junto de opções que implicam a utilização simultânea de vários instrumentos
para reduzir o valor do principal e o serviço da dívida. São incluídos nesses
acordos desde "zero cupom bonds" até conversão de dívida em investimento
como forma de conciliar os interesses de devedores e credores.
Do ponto de vista da estratégia brasileira de maior inserção na economia
mundial, quanto mais cedo esse acordo for atingido mais fácil será para o país
alcançar seu objetivo de abertura ao exterior. Uma posição antagônica e confli-
tuosa em relação à comunidade financeira mundial dificultará o diálogo com
agências multilaterais e governos dos países credores, com resultados negativos
para o comércio exterior brasileiro.
Relações Econômicas Internacionais 115

Referências Bibliográficas

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mento da econ omia mundi al, industrialização e com ér cio int ern acion al; indicadores do
desenvolvim ento eco nô mico mundi al.)
A Política Externa Brasileira:
Da Marginalidade à
Responsabilidade (1930-1990)

Ricardo Antonio Silva Seitenjus

I. INTRODUÇÃO

A Revolução de Outubro de 1930 é um marco duplamente importante na história


brasileira. Se, por um lado, representa a chegada de novos, jovens e até então
provincianos atores ao cenário político nacional, por outro é, no que diz respeito
à inserção internacional do país, o início de um processo de inflexão de nossa
política externa.
Surpresos com a facilidade de sua vitória, os revolucionários de 30 não possuem
diretrizes e objetivos claros de política externa. Serão os acontecimentos inter-
nacionais, especialmente o embate liberalismo x dirigismo, bem como o consi-
derado indispensável processo de modernização da economia, que guiarão os
passos internacionais do Brasil a partir desse momento. Portanto, a nossa diplo-
macia se colocará gradualmente a serviço do desenvolvimento, o que moldará a
atitude internacional do país.
Sob este pano de fundo, presente ao longo do século XX, evoluirá a atuação
internacional, sendo raros os momentos em que desvios de caráter político-ideo-
lógico se farão sentir. Percebe-se esta situação até o final da década de 60. A
partir dos anos 70, os aspectos políticos, manifestados por posições ideológicas,
118 Ricardo Antonio Silva Seitenfus

virao se contrapor à visão economicista de nossa política externa, como ficou


expresso, por exemplo, durante o período da "política externa independente" e
do pós-64, com a marcante e militarizada "diplomacia das fronteiras ideológi-
cas". O "pragmatismo responsável" e a crise da dívida externa marcam o início
da década de 80 , sugerindo ao país somente uma aproximação com os vizinhos
latinos.
O presente trabalho, tendo em vista esses parâmetros, esforça-se em descrever
o itinerário percorrido pelo Brasil no sistema internacional.

11. O PESO DO PASSADO

Para melhor discernir a posição internacional do Brasil em 1930 é necessário


estabelecer, de forma sucinta, os contornos da inserção brasileira no sistema
internacional desde a sua independência, bem como definir os princípios básicos
que balizarão a política externa do país ao longo desse período e que servem,
ainda hoje, como parâmetros para a formulação da mesma.

a) A Herança Imperial e a Primeira República

A política externa brasileira de 1822 a 1930 pode ser dividida em duas grandes
fases: do momento da independência até meados do século passado, caracteriza-
se por um relacionamento privilegiado com a Grã-Bretanha. A segunda fase, que
se estende ao longo de oitenta anos (de meados do século passado até a Revolu-
ção de 30), pode ser identificada pela progressiva americanização de nossa
política externa.
Para bem entender o processo de independência brasileira deve -se levar em consi-de-
ração os laços estreitos que a Grã-Bretanha possui com Portugal. O relacionamento
entre Lisboa e Londres é do tipo clássico. Os britânicos concedem sua proteção ao
pequeno Portugal, enquanto este, em troca, concede vantagens e privilégios que
ainda possui no início do século passado, sobretudo o seu monopólio no comércio
com o Brasil.
Se as relações com a Grã-Bretanha são fundamentais para Portugal , também o
são para Londres. Levando em conta o ano de 1820, verifica-se que as exporta-
ções britânicas para Portugal e para o Brasil se elevam a 4 milhões de libras/ano,
sendo, portanto , o comércio exclusivo da Grã-Bretanha com o Brasil equivalente
ao realizado com os Estados Unidos. Há uma corrente historio gráfica brasileira
(MANCHESTER , 1933; RODRIGUES, 1975; WERNECKSODRÉ, 1978, p.12),
A Política Externa Brasileira: da Marginalidade à Responsabilidade 119

que salienta as condições pelas quais o Brasil chegou à independência em 1822


de forma quase pacífica, demonstrando que houve somente uma ruptura institu-
cional e evidentemente política, mas que os laços econômicos - comerciais e
financeiros - que o Brasil mantinha, via Portugal, com a Grã-Bretanha perma-
neceram.
Nesse sentido, devemos salientar, em primeiro lugar, que o Brasil mantém sua
estrutura política dentro da família imperial portuguesa; em segundo, que será
o único país a dar continuidade ao regime monárquico e, finalmente, que a
Grã-Bretanha, podendo visualizar interesses contrariados através de uma
crise existente entre Lisboa e Rio de Janeiro, decide realizar uma ação
mediadora que permite que Portugal, recebendo certas vantagens materiais e
pecuniárias, aceite a declaração de independência do Brasil, que é logo depois
confirmada , através de reconhecimento jurídico, pela Grã-Bretanha e outros
países.

Por parte do Brasil, a maior preocupação era fazer com que esse reconheci-
mento fosse o mais abrangente possível e que a declaração de jure fosse feita
nos termos da ocupação de fato do território nacional, implicando, evidente-
mente, que o Brasil teria, já no momento de sua independência, em torno de
8 milhões de km ' .

Para se ter uma idéia da importância da Europa aos olhos do Brasil nesse
período, consideremos o seguinte fato: se tomarmos as representações diplo-
máticas brasileiras existentes no exterior em 1833, chegaremos à conclusão
de que, das catorze representações que possuíamos, dez se encontravam na
Europa e somente quatro no continente americano. É evidente que, nessa
situação, a nossa representação diplomática em Londres era a mais importante.

A crise entre Brasil e Grã-Bretanha é marcada pela oposição, por parte de


Londres, à continuidade do tráfico escravo para o Brasil. As razões britânicas
são de várias ordens: morais, religiosas, assim como econômicas, tendo em
vista que essa mão-de-obra escrava tornava o custo da produção açucareira
brasileira relativamente baixo, entrando em concorrência direta com a produ-
ção similar da Grã-Bretanha nas Antilhas. Finalmente, outro elemento impor-
tante da crise entre Londres e Rio de Janeiro é o caso Christie, de 1863. O
aspecto concernente ao equilíbrio de poder faz com que o Brasil se aproxime
de Washington, aproximação essa que vai se acentuar ao longo da segunda
metade do século XIX e, sobretudo, no século XX. Uma melhor visualização
dessa tendência pode ser observada no seguinte quadro:
120 Ricardo Antonio Silva Seitenfus

QUADRO COMPARATIVO DOS INVESTIMENTOS BRITÂNICOS E


NORTE-AMERICANOS NO BRASIL: 1913 E 1928
(em milhares de dólares)

1913 1928 Cre scimento %


Grã -Bretanha 1.161.500 1.413 .589 23,43
Estados Unidos 50 .000 474.040 852,08
Fonte: WINKLER (1928 , p. 92-93).

A segunda fase, que se inicia no final da primeira metade do século passado,


caracteriza-se pela progressiva americanização de nossa agenda internacional.
A ocupação de Montevidéu pelo ditador Rosas, da Argentina, faz com que o
Brasil reaja e, numa aliança com o Paraguai, afaste as pretensões argentinas
sobre a República Oriental do Uruguai. A partir de 1852, as relações argentino-
brasileiras entram numa fase positiva. Isso é muito importante porque, logo após,
o ditador paraguaio Solano López reivindica uma saída pelo Atlântico, em
prejuízo , evidentemente, de seus vizinhos. Para enfrentar essa situação, Argen-
tina, Uruguai e Brasil assinam, em 01/05/1865, uma Tríplice Aliança, que
originará a Guerra do Paraguai, o conflito armado mais importante na história
da América do Sul , cujo desfecho é a derrota paraguaia, em 1870.
O relacionamento com os Estados Unidos, que é um relacionamento relativamen-
te distante, começa a ter maior importância em meados do século passado,
quando os EUA têm uma participação ativa no comércio exterior brasileiro.
Devemos salientar que cerca de 50% das exportações de café são realizadas para
os EUA em 1850, passando a 62 % em 1890. A maior conseqüência desse
relacionamento com os EUA é a de afastar o Brasil da Europa e, muito especial-
mente, da Grã-Bretanha. Um dos exemplos dessa tendência é a internacionaliza-
ção do rio Amazonas e do São Francisco até Paulo Afonso.
O outro elemento fundamental que define a atuação diplomática brasileira no
século passado e início deste é a necessidade que as autoridades brasileiras
sentem de definir, de forma clara e precisa, as fronteiras do território nacional.
Essa é uma tarefa que exige extrema competência e persistência e também a
utilização de alguns princípios, como o do uti possidetis. Deve-se salientar, aqui,
o trabalho incessante e extremamente proveitoso, para o Brasil, do barão de Rio
Branco, resolvendo questões fundamentais das fronteiras nacionais durante a sua
gestão (1902 a 1912).
A cooperação internacional possui, desde a independência, ingredientes variá-
veis ao longo da história de nossa política externa. Durante o século XIX e o
A Política Externa Brasileira: da Marginalidade à Responsabilidade 121 .

primeiro quartel deste, a cooperação internacional para o desenvolvimento bra-


sileiro caracteriza-se pela mobilidade de recursos humanos, transformando o
Brasil num país de povoamento .
O fato de o Brasil proclamar a República em 1889 não somente provoca a
extirpaç ão da Monarquia do Novo Mundo como permite que o Brasil ingresse
no movimento pan-americanista, que se inicia com a Conferência de Washing-
ton, onde serão discutidas as formas de convivência pacífica do Novo Mundo e
a busca de soluções negociadas para eventuais litígios.
O Brasil tem uma atuação diplomática importante e faz parte do grupo ABC
(Argentina, Brasil e Chile), que tenta mediar, junto ao presidente Wilson, em
1914, a crise dos EUA com o México . O Brasil participa de forma muito marginal
da Primeira Guerra Mundial. No entanto estará presente, ao lado dos vencedores,
no Congresso de Versalhes, o qual tenta, pela primeira vez, criar um órgão de
caráter universal para a solução dos conflitos e para a manutenção da paz e
cooperação internacional. É a criação da Liga das Nações . O Brasil faz parte, de
forma transitória, do Conselho da Liga. Por uma série de circunstâncias, o Brasil
consegue renovar todos os anos o seu mandato de membro do Conselho, e só
sairá desse Conselho em 1926, quando da entrada da Alemanha. O Brasil,
visualizando naquela oportunidade a materialização de um sonho de potência,
impõe que, paralelamente à entrada da Alemanha no Conselho, ele também
receba uma cadeira de membro permanente. A oposição das potências européias
(Inglaterra, França e a própria Alemanha) fez com que o Brasil utilizasse o que
era possível nesse sistema - o seu direito de veto -, impedindo a entrada da
Alemanha.
A conseqüência primordial deste foi a de postergar, para alguns meses mais
tarde, a entrada formal da Alemanha e a inevitável saída do Brasil da Liga das
Nações . Portanto, no final de 1926 o Brasil se afasta das questões européias que
eram discutidas na Liga das Nações e volta novamente sua atenção para o Novo
Mundo e para a construção de um pan-americanismo ativo, através de conferên-
cias que pudessem montar o que se denomina um sistema de prevenção e solução
de conflitos, ou seja, uma segurança coletiva continental. É nessas circunstâncias
que , no final da década de 20, uma crise sem precedentes na economia e no
comércio internacional, que foi o crack da Bolsa de Nova York, vai modificar
as cartas e os componentes do sistema internacional. Tal fato terá implicações
importantes também no Brasil, sendo uma das razões a fazer parte do pano de
fundo da Revolução de Outubro de 1930.
122 Ricardo Antonio Silva Seitenfus

b) Os Princípios Orientadores da Ação Externa

Ao lado de princípios como a busca de soluções pacíficas para as controvérsias,


o respeito à independência dos Estados, a primazia do direito e a não intervenção
em assuntos internos de outros Estados, devemos salientar que o Brasil constrói,
ao longo de sua história independente, alguns outros princípios específicos de atuação
internacional.
Entre esses princípios, devemos salientar aquele que é subjacente a toda política
de definição fronteiriça, qual seja, o respeito ao princípio do uti possidetis, que
permite a justificação e a formalização do reconhecimento das fronteiras nacio-
nais. Outro princípio importante é o do equilíbrio na Bacia do Prata, ou seja, que
ao longo de sua história o Brasil sempre visualizou a Argentina como um
potencial e, às vezes, real opositor a seus interesses na América do Sul e, muito
especialmente, na região do Prata, fazendo com que uma das conseqüências dessa
política e dessa rivalidade brasileiro-argentina fosse a criação de um Estado-tam-
pão, em 1828, o da República Oriental do Uruguai. Essa necessidade de um
equilíbrio de forças na Bacia do Prata também fez com que Brasil procurasse
manter um relacionamento amistoso e, em alguns momentos, privilegiado com
o Chile por óbvias razões estratégicas.
Outro elemento importante desses princípios formuladores de nosso posicionamen-
to internacional é a tentativa incessante que o Brasil tem feito, ao longo de sua
história, de romper um isolamento muito marcado no seio da América ibérica, onde,
do ponto de vista de sua cultura, língua e origem, é ele o único país não-hispânico .
Portanto, a maneira de equilibrar esse grande, mas isolado Brasil, no mundo
ibero-americano é manter um relacionamento estreito com os EUA.
No que diz respeito ao processo de formulação de nossa política externa, é
interessante notar que contrariamente aos seus vizinhos hispano-americanos,
onde grassa, muitas vezes, um nacionalismo exacerbado, o Brasil tem demons-
trado um senso de abertura político-diplomática internacional mais acentuado,
com um corpo de profissionais permanente capacitado e com relativa inde-
pendência acerca da luta política interna. Por outro lado, a falta de um maior
interesse pela política externa - ausência das questões internacionais nos parti-
dos políticos, indiferença do parlamento e da opinião pública - faz com que a
nossa política externa seja operada única e exclusivamente pelo diplomata e pelo
guerreiro. A personalidade dos ministros das relações exteriores, nestas circuns-
tâncias, tem um peso muito importante, e talvez derive daí o apego a um
exagerado jurisdicismo, pois 90% dos nossos ministros são oriundos dos bancos
das faculdades de direito.
A Política Externa Brasileira: da Marginalidade à Responsabilidade 123

111. Os SOBRESSALTOS DA SEGUNDA REPÚBLICA

A Revolução de Outubro de 1930 é um marco importante no posicionamento


internacional brasileiro na medida em que o governo de Getúlio Vargas terá pela
primeira vez, em tempo de paz, durante a nossa história independente, uma
situação internacional que permite certas iniciativas que eram impensáveis no
período anterior.
O Brasil terá oportunidade de se projetar em nível internacional em razão de uma
rivalidade cada vez mais clara dentro do sistema internacional, entre, por um
lado, o liberalismo e o direcionismo econômico e comercial e, por outro , entre a
democracia e o totalitarismo do ponto de vista político .
A ausência de preocupações de política externa no programa da Aliança Liberal
atesta o papel negligenciável das questões internacionais no processo de tomada
de poder por Getúlio Vargas. Este possui, quando assume o governo federal,
somente vagas idéias sobre a política externa que deverá ser implementada pelos
vencedores de 1930. Será sua cultura política, mais platina do que propriamente
brasileira, que indicará a necessidade de um bom relacionamento com os vizi-
nhos platinos. Restringem-se a isto as preocupações internacionais de Getúlio
Vargas. Mesmo a gravíssima crise econômica internacional, que desemboca no
crack da Bolsa de Nova York, e as inevitáveis conseqüências, a curto e médio
prazo, sobre as relações econômicas internacionais não encontram eco nas
preocupações getulistas e será necessária a intervenção de João Neves da Fon-
toura para que Vargas apreenda a dimensão da crise e suas prováveis conseqüên-
cias sobre a economia brasileira.
Certamente algumas reformas são introduzidas no Ministério das Relações Ex-
teriores, tais como um recrutamento mais democrático, o rodízio de postos e o
fim do pagamento dos salários em ouro, com a introdução do papel-moeda. Além
disso, os aspectos comerciais da crise econômica internacional serão privilegia-
dos e o Brasil assinará um grande número de tratados de comércio concedendo
reciprocamente a cláusula da nação mais favorecida. Entretanto, essas modifica-
ções funcionais e conjunturais não constituem uma ruptura das relações interna-
cionais brasileiras e, durante os primeiros quatro anos de Governo Provisório,
os vencedores de outubro de 30 demonstram uma surpreendente continuidade no
seu relacionamento externo .
A partir de meados da década de 1930, impulsionado por mudanças fundamen-
tais no sistema internacional, o Brasil será levado a colocar em questão as
suas relações externas tradicionais . Em primeiro lugar, os novos princípios
124 Ricardo Antonio Silva Seitenfus

comerciais que regem a economia alemã e os contratos clearing provocam


acréscimos sem precedentes do comércio germano-brasileiro , sendo que, a
partir de 1936, as importações brasileiras da Alemanha suplantam as prove-
nientes dos Estados Unidos .
Paralelamente ao acréscimo do comércio germano-brasileiro, as questões políti-
cas e ideológicas começam a ocupar um espaço da ação brasileira no sistema
internacional. Essas originais iniciativas brasileiras não respondem a uma rea-
valiação dos princípios fundamentais que norteiam nossa política externa, mas
dependem sobremodo das circunstâncias internacionais e da vontade de certos
atores políticos. A dimensão internacional do político Vargas começa então a
surgir, e se pode melhor avaliar a ação direta do chefe da nação na conduta da
política externa brasileira.
Aprofundando qualitativamente as relações com a Alemanha, o regime varguista
colabora com a luta anticomunista em nível internacional, e quando o Estado
Novo é instaurado no país Getúlio é convidado, pela Itália e pela Alemanha, a
aliar-se ao Pacto Anti-Komintern. O objetivo maior dos promotores dessa inicia-
tiva é abrir uma brecha na monolítica influência dos Estados Unidos na América
Latina. Esse é o momento mais intenso da aproximação de Vargas com os
regimes nazista e fascista europeus.
Às negativas reações dos Estados Unidos vem somar-se a firme e radical oposição
de Oswaldo Aranha, o que faz com que Vargas recue. Sem dúvida alguma, essa
reavaliação da atitude brasileira no sistema internacional é oportuna, pois começam
a surgir no Sul do país graves problemas envolvendo as minorias estrangeiras,
particularmente a alemã, cuja manipulação está sendo tentada por elementos do
Partido Nacional Socialista (NSDAP) e pelos próprios serviços consulares e da
embaixada. Nesse momento, o espírito nacionalista de Getúlio e sua preocupação
fundamental de constituir "um povo e uma língua" sobrepõem-se a qualquer con-
vicção ideológica e tem início a repressão cultural e política contra as minorias.
Essa questão constitui-se em um dos pontos centrais da reorientação da política
externa brasileira a partir de 1938. Sem dúvida, outros fatores contribuem para
uma reavaliação do posicionamento brasileiro . Dentre estes, a nomeação de
Oswaldo Aranha para conduzir nossa política externa e sua fidelidade a uma
aliança com os Estados Unidos. Por outro lado, quando Aranha assume o Itama-
raty, ele o faz em invejáveis condições, pois possui plenos poderes, delegados
por Getúlio, para agir.
O pano de fundo internacional, no momento da posse de Oswaldo Aranha, é
extremamente preocupante e à tempestade ideológica vai se seguir, rapidamente,
A Política Externa Brasileira : da Marginalidade à Responsabilidade 125

a partir de setembro de 1939, o cataclismo da guerra. Getúlio Vargas impõe a


neutralidade brasileira perante o conflito, mas, para Oswaldo Aranha, essa
neutralidade não significa acomodação, e ele inicia os preparativos com vistas a
uma aliança com os Estados Unidos, caso este venha a se envolver no conflito .
De todo modo, a abertura de hostilidades na Europa enterra, definitivamente, as
promissoras relações brasileiras com a Itália e a Alemanha. A palavra está agora
com os militares, e não mais com os diplomatas.
A vitória alemã, em junho de 1940, faz novamente aparecer na cena internacional
a figura do chefe de Estado brasileiro. Os dois discursos proferidos por Getúlio
Vargas, a 11 e a 29 de junho, causam grande impacto tanto no Brasil como no
exterior. Muito se tem escrito sobre esses dois pronunciamentos de Getúlio. A
gravidade da situação internacional e o papel moderado e neutro do Brasil
perante o conflito , bem como os duvidosos ganhos que o Brasil poderia esperar
obter tomando uma posição pró-Eixo, fazem com que o pronunciamento de
Vargas seja inesperado. A manifestação de Getúlio Vargas a bordo do Minas
Gerais é uma das várias tomadas de posição do chefe de Estado através do
mundo. Mas a historiografia da Segunda Guerra Mundial realça a forma elabo-
rada, a objetividade dos propósitos e a firmeza da posição de Getúlio Vargas
perante o conflito mundial. Para Getúlio, nós

marchamos para um futuro diverso de quanto conhecíamos em matéria de organização


econômica , social ou política e sentimos que os velhos sistemas e fórmulas antiquadas
entram em declínio. Não é, porém, como pretendem os pessimistas e os conservadores
empedernidos, o fim da civilização mas o início, tumultuoso e fecundo, de uma nova
era. Os povos vigorosos, aptos à vida, necessitam seguir o rumo das suas aspirações,
em vez de se deterem na contemplação do que se desmorona e tomba em ruína ... Por
isso mesmo, o Estado deve assumir a obrigação de organizar as forças produtoras para
dar ao povo tudo quanto seja necessário ao seu engrandecimento como coletividade ....
A ordenação política não se faz, agora, à sombra do vago humanitarismo retórico que
pretendia anular as fronteiras e criar uma sociedade internacional sem pecu- liaridades
nem atritos , unida e fraterna , gozando a paz como um bem natural e não como uma
conquista de cada dia. Em vez desse panorama de equilíbrio dos nacionalismos, as
nações fortes impondo-se pela organização baseada no sentimento da Pátria e susten-
tando-se pela convicção da própria superioridade . Passou a época dos liberalismos
imprevidentes, das demagogias estéreis, dos personalismos inúteis e semeado res de
desordem ... (VARGAS, 1938, voI. VII, pp. 331-333).

Além de uma análise perspicaz do momento internacional, Getúlio Vargas


propõe um modelo de sociedade que não se poderá realizar, pois o curso da
guerra imporá novos caminhos. Desde logo , a política de Getúlio Vargas objeti-
126 Ricardo Antonio Silva Seitenfus

vará aumentar o fraco poder de negociação do país em nível internacional,


conseguindo certas vantagens materiais em troca de concessões políticas e
militares. O realinhamento brasileiro é, neste sentido, antes de mais nada um
realinhamento varguista do qual serão os maiores beneficiários os Aliados e,
particularmente, os Estados Unidos. Forja-se, nesse momento, uma aliança entre
desiguais, que fará dos Estados Unidos a perspectiva primeira da política externa
brasileira nas décadas seguintes.
A ação do Brasil nas relações internacionais, durante esse período, coloca uma
vez mais em evidência a contradição entre o possível e o desejado, entre os
constrangimentos e o projeto, entre a realidade e as aspirações. Cada vez mais
este último foi possível, e Vargas não perdeu a oportunidade de levá-lo adiante.
Mas, definitivamente, a obra varguista, no sistema internacional, deixa transpa-
recer inconsistências e fraquezas que moldam o Brasil de hoje.
A desilusão brasileira com sua participação na Liga das Nações faz com que o
Brasil se volte para preocupações com o Novo Mundo, tendo participação em
alguns episódios significativos que marcam o sistema interamericano, como é o
caso da mediação brasileira no conflito de Letícia, entre a Colômbia e o Peru,
em 1932-1934, e também na participação da solução para a Guerra do Chaco,
entre o Paraguai e a Bolívia, que vai de 1932 até a assinatura do tratado de paz
em 1938.
Por outro lado, do ponto de vista do comércio o Brasil faz um jogo duplo ao
longo dessa década de 30. Assina com a Alemanha um acordo comercial em
junho de 1936, que contraria claramente os interesses dos Estados Unidos e do
Hull Program, que preconizava o liberalismo comercial como a forma mais
adequada de relacionamento comercial internacional. Entretanto, o acordo de
compensação entre o Brasil e a Alemanha previa exatamente o contrário, uma
vez que o intercâmbio se faria através de compensação, e basicamente de trocas,
sendo o pagamento das exportações brasileiras efetuado com os chamados
marcos bloqueados ou aski marks, que só poderiam ser utilizados no comércio
com a Alemanha, e portanto não-conversíveis.
Do ponto de vista da cooperação militar, o Brasil tenta modernizar seu equipa-
mento, o que consegue a partir de 1942, quando, através da cessão de bases
militares aos EUA, recebe, em retorno, uma ajuda militar substancial. Entretanto,
essa aproximação não se faz sem percalços, como é o caso da locação de
destróieres US, que é inviabilizada em razão da oposição de alguns países
latino-americanos, especialmente da Argentina.
Durante o entreguerras, nota-se que além dos investimentos financeiros interna-
A Política Externa Brasileira: da Marginalidade à Responsabilidade 127

cionais o Brasil busca também uma cooperação tecnológica. Podemos situar o


sucesso dessa política de atração de conhecimentos técnicos durante a Segunda
Guerra Mundial com a decisão de construir Volta Redonda.
A partir de 1940 o Brasil alinha-se, progressivamente, às posições norte-ameri-
canas. Em janeiro de 1942 rompe suas relações com o Eixo e, em agosto, declara
guerra à Alemanha e à Itália. Esse processo chega ao seu apogeu com o envio da
FEB ao teatro de operações militares em 1944. Torna-se evidente, então, o
paradoxo de um regime ditatorial e de inspiração corporativista e que, ao mesmo
tempo, luta na Europa contra a ditadura e o fascismo. Essa hipoteca sobre o
regime brasileiro será levantada por ocasião da queda do regime varguista e o
início da democratização.

IV. DESENVOLVIMENTO E CRISES (1945-1964)

o final da Segunda Guerra Mundial marca, sem dúvida alguma, uma ruptura com
o mundo internacional anterior. Pela primeira vez, estamos diante de um pro-
cesso de universalização dos contatos internacionais, uma interpenetração dos
fenômenos políticos, e se sente que as questões envolvendo a manutenção da paz
e da segurança internacional, bem como a busca do desenvolvimento, são ques-
tões que implicam o gerenciamento global do planeta.
Sobre as ruínas da Segunda Guerra Mundial, os vencedores desenham em Yalta
um novo cenário internacional, onde seus interesses estão divididos claramente
entre os Aliados ocidentais e os Aliados de Moscou.
Podemos distinguir duas formas de encarar a rivalidade que se desenha entre
capitalismo e socialismo. Por um lado, as zonas de claro domínio de um e de
outro e, por outro lado, as zonas cinzentas onde podem surgir oposições e
rivalidades que poderiam desembocar em conflitos localizados.
Cientes de que uma das razões que originou a crise dos anos 30 e a Segunda
Guerra Mundial era a falta de uma organização econômico-comercial em nível
internacional , ou seja, uma clara ordem econômica mundial, os EUA e seus
aliados vão desenhar essa nova ordem, criando uma série de instituições de
caráter econômico transnacionais, por exemplo, através do acordo Bretton Woods
de 1944, que criou o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial e, três
anos depois, o Acordo Geral das Tarifas e do Comércio, o GATT. É evidente que
essa organização econômica internacional se faz paralelamente à moldagem de
instituições de caráter político-estratégico, sendo a maior delas a que nasce,
128 Ricardo Antonio Silva Seitenfus

necessariamente, por ocasião da Carta de San Francisco e que sucede à fracas-


sada Liga das Nações, e que é a Organiz ação das Nações Unidas. Essa organiza-
ção deverá, como a anterior, ter como objetivo essencial a manutenção da paz e
a segurança internacional. Fica evidente o papel preponderante que os vencedo-
res da Segunda Guerra terão no novo sistema que está sendo implantado, por-
quanto a ONU é dividida, na sua estrutura funcional, basicamente em três
organismos: Assembléia Geral, de caráter consultivo, Secretariado Geral Perma-
nente e Conselho de Segurança, onde cinco países terão a cadeira de membro
permanente (Estados Unidos, União Soviética, Inglaterra, França e China) e que
tem uma diferença fundamental com relação à fracassada experiência da Liga
das Nações, pois exclusivamente os membros permanentes terão o direito de
veto . Portanto, toda e qualquer solução que queira ser executória através desse
organismo deverá ter a aprovação de todos os membros permanentes do Conselho.
É evidente que o desenho dessa estrutura de poder em nível internacional
receberá uma série de embates, uma série de modificações, modificações essas
circunstanciais e secundárias, com a implantação dos sistemas comunistas na
Europa, muito especialmente a divisão da Alemanha e o bloqueio de Berlim, a
invasão da Tchecoslováquia, o golpe da Hungria, que faz com que surja de forma
muito clara, no cenário internacional, uma forte rivalidade entre dois organismos
estratégicos militares criados durante esse período : a Org anização do Tratado do
Atlântico Norte, reunindo os Estados Unidos e seus aliados, e o Pacto de
Varsóvia.
Se acrescentarmos a esse cenário de confronto um elemento tecnológico mais
importante do ponto de vista militar, que é a descoberta do átomo e sua utilização
para fins belicosos, podemos apreender melhor o cenário de confronto, equilibrado
pela ameaça de terror, representado pela arma nuclear que pesa sobre toda a
comunidade internacional.
A bipolaridade do mundo, decidida em Yalta, materializa-se através da guerra
fria, em que os dois blocos utilizam-se de setores marginais de seus interesses
para resolver indiretamente, e de maneira limitada, algum ponto de litígio; no
entanto, os dois blocos não admitem que a divisão do mundo seja colocada em
questão, indo ao ponto de se unirem para colocar em xeque qualquer tentativa
nesse sentido , como fica claro na questão de Suez, em 1956.
Os reflexos dessa bipolaridade se fazem sentir profundamente na América
Latina. Os conflitos que surgem com relação à política interna ou à opção de
desenvolvimento são rapidamente colocados sob o prisma das re lações Leste-
Oeste, o que faz com que a América Latina, mesmo com a vontade de afastar-se
A Política Externa Brasileira: da Marginalidade à Responsabilidade 129

do grande embate ideológico que se trava nesse momento , seja engolfada nesse
cenário. Os conflitos, por exemplo, da Guatemala em 54, de Cuba em 61 e da
República Dominicana em 65 demonstram que o pós-guerra conduz a uma
profunda integração latino-americana dentro do sistema internacional e a uma
responsabilidade, que os Estados Unidos chamam para si , de participar do
encaminhamento das questões maiores da política latino-americana.
Nesse cenário internacional, que pode ser representado bem mais pela imagem
da bigorna e do martelo do que pela imagem de um corredor, mesmo estreito, é
que se vai desenvolver a atividade diplomática brasileira, com parâmetros esta-
belecidos de forma muito clara pelos dois grandes blocos.
Logo se torna claro que o Brasil, pertencendo ao sistema interamericano, vai
sofrer uma influência marcante por parte dos Estados Unidos, responsáveis então
por 50% da produção mundial e que saem da Segunda Guerra Mundial autocon-
fiantes e extremamente poderosos dentro do sistema.
Esse período contrasta fortemente, do ponto de vista brasileiro , com o período
dos anos 30, quando em razão da situação internacional o poder de barganha
brasileiro era bastante claro. Agora, contrariamente àquele momento, as limita-
ções são muito definidas, restando somente ao Brasil buscar o entendimento mais
proveitoso possível junto aos EUA e tentar convencê-lo da necessidade de dar
também à América Latina uma atenção especial, como a que foi dada, no final
da década de 40, à Europa devastada pela guerra e cuja reconstrução era feita
através do Plano Marshall.
A mobilização unilateral da diplomacia brasileira em direção aos EUA tem
conseqüências políticas importantes, e não é de surpreender que o Brasil seja
escolhido como o país-sede da Conferência de 1947, onde se assina o Tratado
do Rio, ou tratado interamericano de assistência recíproca, que define as regras
da segurança coletiva continental. Finalmente, nesse tratado os EUA conseguem
o que não haviam conseguido até então, ou seja, formalizar a idéia de que a
segurança de um é a segurança de todos no Novo Mundo.
É nesse ambiente de aproximação com os EUA que se desenvolve, também, um
conseqüente afastamento de uma atitude internacional multifacetada, que havia sido
representada pelo reatamento das relações diplomáticas com a União Soviética em
45 , pois em 1947 o Brasil rompe seus laços diplomáticos com esta e internamente
decreta ilegalidade do Partido Comunista e cassa o mandato de seus parlamentares.
Por outro lado, surge uma ideologia muito clara nos militares brasileiros treina-
dos pelos EUA, que vêem o mundo e o sistema internacional de forma exclusi-
130 Ricardo Antonio Silva Seitenfus

vamente geopolítica e consideram muito mais importante o papel internacional


do Brasil na defesa dos interesses ocidentais do que um papel que buscasse, no
relacionamento e na cooperação internacional, uma forma de responder aos
desafios de desenvolvimento e de redução das disparidades sociais e econômicas
existentes no país .
Essa percepção das questões internacionais leva a que o Brasil se oriente, de forma
clara, sob a inspiração dos EUA. Mas no início da década de 50, quando eclode a
Guerra da Coréia, as relações brasileiro-norte-americanas encontram-se num im-
passe, à medida que os projetos apresentados pela comissão mista Brasil-EUA
recebem cortes de investimentos muito profundos, o que faz com que, já no governo
Vargas, surja um período de maior afirmação da vontade internacional brasileira
através de um nacionalismo que se expressa, muito especialmente, na questão da
Petrobrás e na definição dos termos para a remessa de lucros.
A década de 50, portanto, tem esse componente nacionalista que surge novamen-
te na posição brasileira, além de dois fenômenos importantes que marcam o
sistema interamericano e o sistema internacional. No que diz respeito ao sistema
interamericano, começa a surgir uma série de trabalhos importantes acerca do
que fazer para que a América Latina saia de seu crônico subdesenvolvimento. A
maneira de visualizar as questões latino-americanas expressas nesses trabalhos
contrapõe-se, de certa forma, à visão exclusivamente de segurança que é preco-
nizada pelos Estados Unidos. A criação da Organização dos Estados Americanos
em 1948 e os trabalhos que pouco a pouco a Comissão Econômica para a América
Latina das Nações Unidas fará, buscando formas para viabilizar um desenvolvi-
mento econômico e social para a América Latina, se contrapõem e são marcos
importantes de uma situação de instabilidade no concernente ao direcionamento
de nossa posição internacional.
Esse período também é marcado por uma evolução importante dos conflitos
localizados no mundo, como, por exemplo, o fim da Guerra da Coréia em 54 e o
término da intervenção francesa na Indochina, fatos que poderiam marcar uma
fase de degelo da rivalidade Leste-Oeste, mas que são logo interrompidos pela
intervenção da União Soviética na Hungria e pela questão de Suez.
O governo de Juscelino Kubitschek é marcado por dois elementos fundamentais.
Em primeiro lugar, o Plano de Metas, que viabiliza importantes investimentos
privados que permitirão, por exemplo, a implantação da indústria automobilísti-
ca no país. Esse Plano de Metas aproveita um espaço oferecido exclusivamente
pela iniciativa privada, já que o Brasil havia rompido com o Banco Mundial e
não receberá praticamente nenhum empréstimo desse organismo multilateral
A Política Externa Brasileira : da Marginalidade à Responsabilidade 131

durante esse período. O segundo elemento importante dessa administração foi o


lançamento, em 1958, da Operação Pan-Americana (OPA) que é uma proposta
de cooperação entre as Américas e que tem "como fim essencial a erradicação
do subdesenvolvimento e representa o esforço conjugado de 21 nações deste
continente para dar substância econômica ao Pan-americanismo, já consolidado
no que concerne à defesa dos ideais políticos e jurídicos do continente"l.
A administração de Juscelino Kubitschek marca, sem dúvida, o turning-point do
nosso relacionamento econômico e técnico com o exterior. A partir desse mo-
mento, os projetos nacionais de desenvolvimento estarão constantemente ligados
à realidade financeira e tecnológica internacional, especialmente durante o regime
militar, que pretende modernizar o país.
A densidade do relacionamento da América Latina com os Estados Unidos,
através da proposta de Juscelino Kubitschek, transformando as questões políti-
co-militares em questões com conteúdo socioeconômico, tem uma acolhida
mitigada em Washington, mas permite, apesar disso, a criação do Banco Intera-
mericano de Desenvolvimento (BID), da Associação Latino-Americana de Livre
Comércio (ALALC), estando também, de certa forma, na base do lançamento do
programa Aliança para o Progresso, do Presidente Kennedy, que visava auxiliar
os países da América Latina.
No cenário internacional, o processo de descolonização faz com que se
multipliquem os países independentes, membros das Nações Unidas e que
virão e farão com que o relacionamento se transforme, fazendo com que um
dos aspectos importantes da política externa dos Estados sej a o relacionamen-
to multilateral.
No que diz respeito à América Latina, a tomada de poder por Fidel Castro, em
Cuba, e a malograda tentativa da Baía dos Porcos têm como conseqüência uma
radicalização, uma perigosa escalada nas relações interamericanas, na medida
em que, pela primeira vez, surge um regime comunista nas Américas, em
confronto direto com os EUA. É nesse ambiente de suspeitas e rivalidades que,
internamente, o Brasil passa por dificuldades econômicas importantes, com uma
inflação recrudescida, dificuldade cambial e as inevitáveis conseqüências nos
planos social e político. É nessas condições que, assumindo a presidência em
1961, o presidente Jânio Quadros interpreta, de forma diferenciada, o projeto JK
da OPA, numa versão denominada "política externa independente", que será
posta em prática pelos chanceleres Afonso Arinos de Mello Franco e San Tiago

1. J. KUBITSCHEK, mensagem enviada em 15.03.1960.


132 Ricardo Antonio Silva Seitenfus

Dantas. Essa nova interpretação não restringe a visualização da atuação brasilei-


ra no campo internacional ao Novo Mundo , mas universaliza essa atuação e tenta
fazer com que a dimensão conflitiva Leste-Oeste seja acrescida de uma nova
dimensão também conflitiva, mas de caráter essencialmente econômico, que é a
dimensão Norte-Sul.
Entre os princípios fundamentais da política externa independente durante a
gestão de Jânio Qu adros encontra-se o da autodeterminação dos povos. Esse
princípio objetiva não somente dar apoio aos movimentos de libertação nacional
que se desenvolvem e lutam por sua independência, sobretudo na África, mas
também é, de certa forma, uma aplicação à situação cubana que se vê ameaçada
por uma intervenção dos Estados Unidos. Por outro lado, paralelamente a esse
princípio, o Brasil reivindica uma liberdade de atuação internacional para que
possa defender sua visão de mundo e seus interesses econômicos de uma forma
independente e não alinhada, como ocorria anteriormente.

Esse novo direcionamento internacional brasileiro é acompanhado de críticas


à posição dos EUA e há uma preparação para o reatamento das relações
diplomáticas com a União Soviética e uma aproximação com a China comunista.
Finalmente, a política externa independente se materializa, também, por uma
aproximação com as teses do movimento dos países não-alinhados, essencial-
mente as defendidas por Nasser e Nehru.

Evidentemente, essa posição dividiu a opinião pública nacional e encontrou uma


série de resistências em setores conservadores ou pró-americanos no Brasil, o que
fez com que, pela primeira vez, depois da Segunda Guerra Mundial, a posição
internacional brasileira fosse objeto de discussões e debates que enfraqueceram
ainda mais a posição política do presidente Quadros, que renuncia oito meses após
ter assumido.

O trabalho diplomático de Quadros será aprofundado tanto na fase parlamenta-


rista quanto presidencialista de João Goulart. O Brasil opõ e-se ao isolamento
de Cuba - sugestão norte-americana de uma ruptura coletiva de relações
diplomáticas e comerciais com Cuba - e, por outro lado , aproxima-se da
Argentina, objetivando opor-se às investidas e influência preponderante
dos norte-americanos na América do Sul.

O embaixador Araújo Castro, importante porta-voz dessa diplomacia, em um


famoso pronunciamento na Assembléia Geral das Nações Unidas, em 1963, fala
sobre os 3 D (desenvolvimento, descolonização e desarmamento), que seriam os
leitmotive da atuação internacional por parte do Brasil.
A Política Externa Brasileira: da Marginalidade à Responsabilidade 133

Os resultados concretos dessa política externa brasileira, que seriam o incremen-


to das relações econômicas, especialmente as comerciais com o Terceiro Mundo,
não se efetuam, o que de certa forma frustra os objetivos da política externa
independente.
Por fim, essa atitude internacional do Brasil faz com que surja um debate
nacional e serve também para minar a posição governamental, preparando o
terreno para a intervenção militar de março de 64.

V. A POLÍTICA EXTERNA SOB O REGIME MILITAR: Do


ALINHAMENTO À CONTESTAÇÃO

Ao assumir o Ministério das Relações Exteriores, o chanceler Vasco Leitão da


Cunha declara que deve manifestar o seu pesar por verificar que a imprensa
mundial parece não ter entendido o que se passa nesse momento no Brasil. O
Brasil esteve à beira de uma comunização pelo alto e foi contra isto que se levantou
uma verdadeira revolução popular, seguida de uma intervenção militar que inter-
pretou, assim, os verdadeiros sentimentos da nação. O Brasil não admitirá a ação
comunista em seu território e não pactuará com o comunismo no continente ameri-
cano. Fica evidente, desde logo , que a política externa independente é uma página
virada e a conduta externa do Brasil será completamente revisada.
A partir desse momento a situação externa do país será analisada segundo
critérios ideológicos, basicamente aqueles contidos na Doutrina de Segurança
Nacional, e que se originaram durante a guerra fria. Vários exemplos da nova
conduta brasileira podem ser mencionados:
a) participação de tropas na Força Interamericana de Paz (FIPE) que foi criada
pela Organização dos Estados Americanos com o fim de intervir na guerra
civil da República Dominicana;
b) ruptura das relações diplomáticas com Cuba, alegando que esta se afastou do
sistema interamericano ao se declarar marxista. O governo brasileiro acusa
o governo cubano de estar exportando doutrinas subversivas para grupos
dentro do Brasil e de estar financiando guerrilhas;
c) o Itamaraty declara que o Brasil não pertence ao Terceiro Mundo, pois a idéia
geral de "Terceiro Mundo" era, em última análise, a contestação dos valores
ocidentais, apontados como política e economicamente predatórios e moral-
mente injustos. Para os militares, essa filosofia não encontrava eco na política
do Estado brasileiro.
134 Ricardo Antonio Silva Seitenfus

Quanto ao neutralismo, Castelo Branco o repudiava e dizia não caber uma atitude
neutra para o Brasil, pois é uma passividade desaconselhável para um país de
futuro, além de significar indeterminação da política interna e de sistemas
econômicos e uma fuga da realidade internacional, por medo dos perigos nela
implícitos. Pode parecer irônico, mas é a partir de 64 que o Brasil expande suas
relações comerciais com os países socialistas. As relações com esses países eram
explicadas por Castelo Branco da seguinte maneira:

No caso brasileiro, a política externa não pode esquecer que fizemos uma opção básica, da
qual decorre uma fidelidade cultural e política ao sistema democrático ocidental. Essa
independência se manifestará estritamente em termos de interesse nacional, com perspec-
tiva de aproximação comercial, técnica e financeira com países socialistas, desde que estes
não tentem invalidar nossa opção básica. A política exterior é independente, no sentido de
que assim deve ser, por força, a política de um país soberano.

Portanto , a liberdade de negociar com países socialistas é relativa e os contatos


feitos não poderiam contrastar com os interesses maiores ligados aos EUA.
Levando em conta as causas do movimento de 64 e o momento político e
econômico que o Brasil atravessa, é altamente vantajoso para os militares um
aumento da dependência dos EUA, principalmente tendo em vista as condições
do sistema internacional. O governo precisa de auxílio financeiro e técnico e os
EUA constituem-se na única fonte possível ao Programa de Desenvolvimento
Nacional. Os EUA são capazes de fornecer os instrumentos para o desenvolvi-
mento nacional e o Itamaraty reconhece nos EUA "o líder do mundo livre e o
principal guardião dos valores fundamentais de nossa civilização" (ministro
Juraci Magalhães).
Em abril de 67 o presidente Costa e Silva faz um pronunciamento que altera os
rumos políticos do Itamaraty. Ele dá prioridade aos problemas do desenvolvimento
em detrimento aos da segurança, reconhecendo o anacronismo de uma visão orien-
tada pela guerra fria, e descarta a doutrina das fronteiras ideológicas.
Magalhães Pinto, terceiro chanceler após 64, imprime novo rimo à diplomacia
brasileira, com momentos importantes durante os dois anos que ficou à frente da
chancelaria: lança os fundamentos da política nuclear brasileira; participa de encon-
tros importantes na área econômica, como a Conferência das Nações Unidas para
Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), e acaba com a operação " Cabráli a" , ou
seja, com as manobras navais propostas por Portugal e África do Sul para intimidar
os movimentos de libertação de Angola e Moçambique. Porém não impede que o
Brasil vote na ONU em favor do colonialismo português na África.
A Política Externa Brasileira: da Marginalidade à Responsabilidade 135

Logo no início, o governo Costa e Silva manifestara a intenção de desenvolver a


energia nuclear no Brasil para fins pacíficos. Os países já detentores de tecnologia
nuclear se opõem à nuclearizaç ão de outros países, com o argumento de que um país
capaz de fazer explosivos nucleares para fins pacíficos está apto a fazer armas
nucleares. Alegam que bomba nuclear em mãos de governos instáveis ou "menos
responsáveis" constituem um perigo para a humanidade. O Brasil não tenciona
fabricar armas nucleares, mesmo porque lhe faltava uma infra-estrutura básica
para melhorar as condições de vida da população pobre, faminta e numerosa. O
objetivo do Programa Nuclear Brasileiro consistia em tornar o país independente
e auto-suficiente no campo do uso pacífico da energia nuclear. O Brasil não adere
ao TNP (Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares) por ser este um
tratado discriminatório, que limita o acesso à tecnologia aos países não possuido-
res de armas nucleares, mas nada prevê contra aqueles que já as possuem. O
governo repudia a imposição das grandes potências (principalmente EUA e
URSS) de restringir o uso da energia nuclear para outros países porque pretendia
desenvolver pesquisas com a finalidade de fabricar explosivos nucleares com
vistas a utilizá-los em obras de engenharia civil.
Com a morte do presidente Costa e Silva, o general Médici assume o poder e a sua
passagem pelo Planalto fica na história como a mais dura do regime militar. O
governo Médici caracteriza-se por uma extrema violência na repressão aos movi-
mentos de oposição legais e clandestinos, ao mesmo tempo que os responsáveis pela
política econômica estimulam a euforia consumista da classe média, devido à rápida
expansão da indústria de bens de consumo. O AI-S (implantado ainda no governo
Costa e Silva) tornara absoluta a ditadura no país, e o Brasil passa a integrar todas
as listas de países que não respeitam os direitos humanos elementares.
Mesmo assim, novos ares se instalam no Itamaraty, com o chanceler Gibson
Barbosa como ministro das Relações Exteriores dando início a um dos períodos
mais criativos da diplomacia brasileira. Foi nessa fase que o Brasil rompeu o
bloqueio norte-americano e fez parceria com a Alemanha num programa nuclear,
que fracassou devido à megalomania de seus objetivos.
No plano latino-americano, o Itamaraty inicia uma política de aproximação com
os países da América do Sul e lança as bases da cooperação bilateral : a hidrelé-
trica de Itaipu com o Paraguai; a exploração do gás boliviano e a colaboração
industrial com a Venezuela. Foi nessa gestão que o Brasil anunciou seu interesse
na aprovação da sua soberania territorial sobre 200 milhas marítimas.
Nos anos de 1972/1973 a diplomacia brasileira talvez tenha dado seu passo mais
incerto, o que lhe traria conseqüências mais graves, não fosse corrigido a tempo.
136 Ricardo Antonio Silva Seitenfus

Brasil e Portugal sempre tiveram relações especiars . Os dois países estreitam


suas relações comerciais, desde a pesquisa de petróleo em Angola, pela Petro-
brás, até a instalação de supermercados brasileiros em Portugal. Foi provavel-
mente esse sentimento de "amizade" que levou o Brasil a apoiar investidas
colonialistas de Portugal na África. É difícil encontrar outra explicação para o
absurdo de ver o Brasil, uma antiga colônia, cujo povo é radicalmente anticolo-
nialista, votar na ONU em favor de Portugal e contra os movimentos de liberta-
ção dos países da África portuguesa.
Os setores mais direitistas dos governos militares, convictos dos sentimentos
anticomunistas, confundiam os anseios de liberdade dos povos das colônias
portuguesas na África com manifestação comunista que a eles cabia combater.
Consideram que o melhor meio de combater essas supostas ações comunistas
consiste em apoiar o regime colonialista de Portugal. Em abril de 1974, por
ocasião da Revolução dos Cravos, que derrubou a ditadura que havia bastante
tempo dominava Portugal, o Brasil encontra-se numa posição delicada.
Para o novo Portugal democrático e para os povos da África portuguesa, o Brasil
era inimigo, um aliado da antiga ditadura que os oprimia. Nesse clima de hostilidade
contra o Brasil nascem os novos países de língua portuguesa na África. Primeiro foi
a Guiné, depois vieram Moçambique, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde e Angola.
O Itamaraty luta ao mesmo tempo para vencer as resistências dessas nações e contra
a incompreensão dos setores radicais do governo brasileiro. Em uma surpreendente
reviravolta, o Brasil altera seu ponto de vista sobre a questão, inspirado na percep-
ção do embaixador Ovídio de Andrade Melo, e é um dos primeiros países a
reconhecer a nova República de Guiné- Bissau e, juntamente com URSS e Cuba, é
o primeiro a reconhecer o novo governo independente de Angola",
Até então o Brasil mantinha uma posição de neutralidade quanto ao conflito do
Oriente Médio, abstendo-se de .votar na ONU sobre a questão . Finalmente, o
Itamaraty define o apoio brasileiro ao mundo árabe, pedindo, inclusive, que
Israel devolvesse todos os territórios ocupados na guerra de 1967. Essa nova
posição está ligada diretamente à crise do petróleo .
Posteriormente, essas mudanças na diplomacia brasileira receberam o nome de
"pragmatismo responsável", versão brasileira da doutrina de Kissinger, que substi-
tui o fator "ideologia" na política mundial pelo (princípio) da Realpolitik.
A atuação do ministro das Relações Exteriores de Geisel - Azeredo da Silveira -
nos primeiros anos de governo é marcada por dois fatos importantes para a diplo-

2. Ver " Missão na África", J ornal do Brasil, 05.10 .91, p.1I.


A Política Externa Brasileira: da Marginalidade à Responsabilidade 137

macia brasileira: restabelecimento das relações com a China e o já citado


reconhecimento do governo de Angola. É Azeredo da Silveira quem assina em Bonn
o acordo nuclear Brasil-Alemanha, depois de resistir às pressões norte-americanas
contra a política nuclear do Brasil. O Itamaraty conduz, sem grandes traumas, as
relações com Washington, especialmente a partir do rompimento do acordo militar,
em 1977.
Geisel prega os " realinhamentos indispensáveis" do Brasil, denominados por seu
ministro de pragmatismo responsável. Os interesses econômicos e financeiros
passaram a estar mais presentes na formulação da política externa, cada vez
menos engajada com os EUA. O Itamaraty passa a apoiar a África negra contra
o racismo da África do Sul e busca, na Europa ocidental e no Japão, um
contrapeso para sua dependência dos EUA.
No que se refere à América Latina, o Itamaraty assinou, em 1976, o Pacto
Amazônico com Bolívia, Equador, Guiana, Suriname, Peru e Colômbia.
Quando Geisel divulga que sua política externa seria calcada no pragmatismo
responsável, levanta-se a questão do que seria esse pragmatismo. A camada mais
conservadora do governo alega que a ausência de uma definição do pragmatismo
responsável torna difícil prever os futuros desdobramentos da diplomacia brasi-
leira. A princípio, o pragmatismo seria o oposto do dogmatismo - uma política
externa dogmática teria visões imutáveis a partir das quais se perceberia a
situação mundial. O pragmatismo, assim, seria uma visão relativista do curso da
história e da convicção de que as relações entre países são complexas e dinâmi-
cas. A atitude adotada pelo Brasil, em qualquer caso, seria aquela que melhor
atendesse aos interesses do país. O " r esponsável" significa que toda manobra
respeitaria os compromissos políticos e ideológicos assumidos, assim como os
direitos das demais nações. Segundo Celso Lafer,

a lógica do chamado pragmatismo responsável do chanceler Azeredo da Silveira, que


como todo pragmatismo é seletivo-arbitrário e revelador de uma atitude tendenciosa
hegeliana de soberania estatal, que entende que as relações internacionais se regem
por sabedoria particular, e não pela providência universal.

O modelo de integração da economia brasileira na economia internacional con-


tinua a pressupor a crescente participação das transnacionais, no setor industrial,
agropecuário e de companhias estatais em empreendimentos básicos.
Em 1974, Geisel manifesta a intenção de estabelecer relações diplomáticas com
a China comunista. Até então, o Brasil considera que o governo da China
nacionalista, restrito à ilha de Formosa (15 milhões de habitantes), representa o
138 Ricardo Antonio Silva Seitenfus

povo chinês, que contava com 800 milhões de pessoas sob o governo comunista
de Mao Tsé-Tung. A situação kafkiana do não-reconhecimento da China comu-
nista é resolvida em razão da insistência de Geisel, que vence o voto negativo
do alto comando militar, e o Itamaraty começa a negociar o restabelecimento das
relações diplomáticas, que é feito ainda no ano de 1974.
Nos anos de 1974 e 1975, o Brasil teve dois votos que causaram polêmica. O
primeiro foi na OEA, quando foi votada a suspensão das sanções econômicas a
Cuba e o Brasil se absteve. Essas sanções econômicas significavam um verda-
deiro bloqueio econômico ao governo de Fidel Castro. Nessa época, as relações
com Cuba haviam evoluído, os EUA preocupavam-se em melhorar suas relações
com a ilha, e a Venezuela, que havia liderado a votação contra Cuba, estava a
favor da suspensão das sanções. Assim, o Itamaraty propôs que o Brasil votasse
favoravelmente a Cuba. O assunto é levado à Secretaria Geral do Conselho de
Segurança e lá o voto foi modificado porque a maioria dos militares era contrária
a qualquer medida simpática a Cuba.
O outro voto polêmico é expresso no âmbito da ONU, quando o Brasil compara
o sionismo a uma forma de racismo. A questão em debate trata da condenação
do racismo em todas as suas formas, e o sionismo estaria aí incluído . A princípio
nada havia a discutir, pois o Brasil é anti-racista. Mas foi um erro ter considerado
o sionismo como uma forma de racismo, pois o sionismo era o movimento
nacionalista judaico, e considerá-lo racista implicava considerar outros movi-
mentos nacionalistas também racistas. Esse voto repercutiu negativamente, tanto
interna quanto externamente, com exceção, evidentemente, do mundo árabe.
Em 1977, o governo Geisel rompe o acordo militar que une o Brasil aos EUA desde
1952. Segundo a legislação americana, para que o Brasil fosse incluído no Plano de
Assistência Militar dos EUA era preciso entregar ao Congresso americano um
relatório sobre a questão dos direitos humanos no Brasil. O Itamaraty repudia, de
imediato, o relatório, considerando estarem os EUA se intrometendo em assuntos
internos do Brasil. O governo militar é unânime nesse parecer.
Em função dessa situação, o governo brasileiro denuncia o acordo militar,
cortando assim os laços militares de caráter bilateral. O Brasil continuava,
entretanto, a participar, juntamente com os EUA, dos instrumentos multilaterais
de defesa do continente.
A Política Externa Brasileira: da Marginalidade à Responsabilidade 139

VI. A NOVA REpúBLICA E O REENCONTRO COM O CONE SUL

Um dos elementos mais significativos da política externa brasileira, a partir dos


anos 70 , é a construção de um diálogo brasileiro com seus vizinhos latino-ame-
ric anos e, muito especialmente, com o Cone Sul. No entanto , cabe ressaltar que
desde 1973 um contencioso dificulta as relações entre Brasília e Buenos Aires,
pois foi ne ssa data que ocorreu a assinatura, através da Ata das Cataratas, de um
tratado entre o Brasil e o Paraguai com vistas à construção da usina de Itaipu, em
trecho contíguo ao rio Paraguai.
Uma interpretação diferenciada do direito internacional por parte do Br asil e da
Argentina, aquele julgando que as obras oriundas de aproveitamento hidrelétrico
dos rios internacionais de curso sucessivo podem ter como única responsabili-
dade a indenização por eventuais danos, e a Argentina interpretando que qual-
quer modificação do curso de rios internacionais requer consulta prévia aos
ribeirinhos de jusante, faz com que Brasil e Argentina arrastem um contencioso
durante toda a década de 70. Finalmente, em 1979, através de um acordo
tripartite - Brasil, Paraguai e Argentina - chega-se a um denominador comum:
a Argentina aceita o complexo de Itaipu como sendo uma obra irreversível e o
Brasil permite que Buenos Aires e Assunção construam, conjuntamente, a usina
de Corpus.
A solução desse contencioso é um elemento muito favorável a um aumento de
confiança mútua nas relações entre Brasil e Argentina. Isto, sobretudo , se
levarmos em consideração que em 1982 irrompe, de forma inesperada, um
conflito envolvendo a vizinha Argentina, que luta pela posse do arquipélago das
Malvinas.
o posicionamento brasileiro perante esse conflito é sui generis. Em razão de um
passado tumultuoso nas relações bilaterais, o Brasil, convém salientar, não toma
uma posição unívoca perante o episódio das Malvinas . O governo brasileiro, após
um momento de irônica indiferença, conforme declaração do presidente Figuei-
redo "não sou argentino nem tenho namorada nas Malvinas", revê sua posição e
declara-se solidário com Buenos Aires, apesar de parte de uma importante imprensa
de opinião no país condenar veementemente a iniciativa militar argentina.
Paralelamente a esse posicionamento, o Brasil tomará uma série de iniciativas
com relação a seus vizinhos da América do Sul, assinando , conforme já mencio-
nado anteriormente, um Tratado de Cooperação Amazônica, um Tratado da
Bacia do Prata, um acordo de compra de gás boliviano e carvão colombiano,
preparando, assim, um relacionamento que, pela primeira vez, deixa o campo da
140 Ricardo Antonio Silva Seitenfus

teoria e do discurso para tornar-se um dos elementos importantes da nossa


política externa.
No aspecto político, o Brasil coordena sua atuação hemisférica no âmbito do
Grupo do Rio (Argentina, Brasil, Colômbia, México , Panamá, Peru, Venezuela
e Uruguai), que tenta ter voz ativa perante a crise da América Central e se
constitui no primeiro fórum exclusivamente latino-americano com vistas a in-
fluenciar o curso dos acontecimentos no hemisfério. Esse fórum é, de certa
forma, uma resposta àqueles que pregam uma revitalização da OEA, considera-
da , em vários episódios, ineficiente e inoperante e estando a serviço, na maioria
dos casos, dos interesses dos EUA.
Por outro lado, intensifica-se a idéia da exclusão das armas nucleares da América
Latina, e isso permite que a introdução de proposta de criação, no Atlântico Sul,
de uma zona de paz afastada da confrontação Leste-Oeste, se torne uma realidade
mesmo que os países da região não possuam meios para controlar a ação das
superpotências.
Um dos aspectos fundamentais de todo esse processo é o encontro Sarney-Alfon-
sín de 1985, em Foz de Iguaçu, que permite o início de uma era de cooperação
entre os dois países.
Em julho de 1986, quando o presidente Sarney visita Buenos Aires, são assinados
doze protocolos de cooperação. Após o último encontro presidencial, em novembro
de 1988, esses protocolos já chegam a 23, mais uma série de anexos. Pela primeira
vez na América Latina dois países importantes conseguem estabelecer objetivos
comuns e mecanismos operacionais, tornando realidade velhas aspirações de con-
certaçâo regional. No entanto, muitas dúvidas e zonas de sombra permanecem em
torno desse processo.
A assinatura desses acordos torna-se possível em razão da evolução política interna
por que passam os dois países nesses últimos quatro anos . Com efeito, e esta é uma
de suas principais características, os acordos respondem a uma vontade política dos
dois governos, porquanto, após um longo período de militarismo, sente-se a neces-
sidade do fortalecimento no âmbito internacional. Ao mesmo tempo, a tentativa de
superação das rivalidades históricas entre os dois países faz com que a iniciativa
tenha um significado especial, uma vez que se trata de uma ação do poder civil e
democrático, contrariando a visão militarista predominante até então.
Independentemente dos fatores políticos que motivam a conclusão dos protoco-
los, devemos reconhecer que as decisões tomadas possuem um caráter de
praticidade pouco comum nos processos integracionistas latino-americanos. A
A Política Externa Brasileira: da Marginalidade à Responsabilidade 141

idéia central sobre a qual repousa o acordo é a de buscar, conjuntamente, um


crescimento econômico dos doi s países - a expressão "crescer juntos" é consa-
grada nos protocolos.
Outra razão pouco enfatizada até o presente é a busca, pelos dois países, de uma
modernização econômica. O processo de integração representa uma abertura
maior das economias, com um aumento de competição nos dois mercados e, por
via de conseqüência, uma rápida atualização tecnológica e uma maior eficiência.
Isso provocaria a abolição de redutos privilegiados que se mantêm graças à
concessão de subsídios públicos.
Os princípios norteadores do processo integracionista estão definidos na ata para
a integração , firmada em 30 de julho de 1986, em Buenos Aires. Eis o seu teor:

o Programa será gradual, em fases anuais de definição , negociação, execução e avalia-


ção ; o Programa será flexível, de forma a se poder ajustar seu alcance, seu ritmo e seus
objetivos; o Programa incluirá, em cada fase, um conjunto reduzido de projetos inte-
grados em todos os seus aspectos, prevendo-se inclusive a harmonização simétrica de
políticas para assegurar o êxito dos projetos e a credibilidade do Programa ; o Programa
será equilibrado, no sentido de que não deve induzir uma especialização das economias
em setores específicos; de que deve estimular a integração intra-setorial ; de que deve
buscar um equilí bri o progressivo, quantitativo e qualitativo , do intercâmbio por grandes
setores e por segmentos através da expansão do comércio ; o Programa propiciará a
modernização tecnológica e maior eficiência na alocação de recursos nas duas econo-
mias, através de tratamentos preferenciais ante terceiros mercados, e a harmonização
progressiva de políticas econômicas com o objetivo final de elevar o nível de renda e
de vida das populações dos dois países; a execução do Programa contará com a ativa
participação do empresariado, assegurando-se, assim, sua eficaz instrumentalização no
contexto dos estímulos criados pelos dois governos .

Em cinco encontros presidenciais (de julho de 1986 a novembro de 1988), 23


protocolos e mais de 40 atas e anexos foram assinados. Os setores eleitos pelo
processo de cooperação são os seguintes: 1) bens de capital, 2) venda de trigo
argentino, 3) complementação do abastecimento alimentar, 4) expansão do co-
mércio , 5) criação de empresas binacionais, 6) cooperação financeira, 7) fundo
de investimentos, 8) energia, 9) pesquisa em biotecnologia, 10) centro de estudos
econômicos, 11) informação e assistência em caso de acidentes nucleares, 12)
cooperação aeronáutica, 13) cooperação siderúrgica, 14) transporte terrestre, 15)
transporte marítimo, 16) comunicações, 17) cooperação nuclear, 18) cooperação
cultural, 19) administração pública, 20) moeda comum, 21) indústria automobi-
lística, 22) produtos alimentícios industrializados, e 23) regional fronteiriço.
142 Ricardo Antonio Silva Seitenfus

o amplo leque de setores nacionais envolvidos nos acordos impede uma análise
detalhada de cada um dos protocolos, mesmo porque um certo número de
decisões conveniadas não receberam, todavia, um tratamento operacional, per-
manecendo ainda no campo dos projetos. Entretanto, alguns protocolos já imple-
mentados e operacionais merecem algumas observações. Em primeiro lugar,
devemos salientar que praticamente a metade dos acordos (12) são exclusiva-
mente econômicos. Entre estes, os comerciais ocupam um lugar destacado.
Produtos tradicionais da pauta de exportações argentinas para o Brasil, no setor
alimentício, merecem destaque nos protocolos. O trigo, inclusive, é objeto de um
protocolo específico em que o Brasil se compromete a adquirir e a Argentina a
vender quantidades importantes visando ao desvio do comércio brasileiro deste
produto . Os protocolos 3 e 22 estabelecem, igualmente, uma ampla pauta de
produtos alimentícios - industrializados ou não - que poderão circular sem
gravames alfandegários entre os dois países. No entanto, para os produtos mais
perecíveis, tais como o vinho e derivados lácteos e frutas de clima temperado,
foram introduzidas cotas anuais a fim de não prejudicar a produção nacional.

O setor de bens de capital é considerado pelos economistas dos dois países o


mais importante no campo comercial, pois permite uma complementaridade
industrial das economias argentina e brasileira. Uma "lista comum" de bens de
capital entrou em aplicação em janeiro de 1987, compreendendo mais de 150
itens e posições do "universo" de bens de capital. A capacidade ociosa da
indústria brasileira desse setor ocasionará, provavelmente, uma grande oferta à
Argentina. No entanto, está previsto que não poderá haver desequilíbrio comer-
cial por longo período e, para tanto, todo superávit comercial deverá ser com-
pensado pelo Banco Central do país superavitário ou pelo Fundo de Investimentos
previsto no Protocolo 7.

Ainda no setor econômico, deve-se ressaltar a possibilidade de criação de


empresas binacionais e a assimilação dessas empresas nacionais quando de
concorrências públicas. Finalmente, haverá a criação de um Centro de Estudos
Econômicos visando encorajar estudos acadêmicos sobre temas integracionistas.
De fato, esse centro, sem instalações físicas e sem pessoal permanente, restrin-
ge-se à concessão de auxílio financeiro para pesquisas e estágios.

Um segundo grupo de acordos trata da cooperação em ciência e tecnologia, além


de certos aspectos comerciais. Um Centro de Pesquisas em Biotecnologia, já
instalado no Paraná, e as perspectivas de cooperação nuclear com as visitas
recíprocas dos chefes de Estado aos laboratórios nucleares dos dois países
fornece, além da inquestionável importância política, uma possibilidade de
A Política Externa Brasileira: da Marginalidade à Responsabilidade 143

conjugação de esforços em tecnologias de ponta. Os protocolos prevendo a coope-


ração aeronáutica e siderúrgica possibilitam, igualmente, o intercâmbio tecnológico
e o empreendimento conjunto em particular vis-à-vis de terceiros países.
Um dos elementos cerceadores da aproximação argentino-brasileira provém da
incompatibilidade ou da inexistência de regras sobre comunicações supranacio -
nais. Os protocolos sobre transporte terrestre (14), transporte marítimo (15) e o
de comunicações (16) objetivam regulamentar essa importante questão. Parale-
lamente, o Protocolo 19 prevê, além de um intercâmbio de experiências em
administração pública, a compatibilização das legislações internas.
Além de um acordo cultural objetivando divulgar as respectivas culturas nacio-
nais, foi firmado em novembro de 1988, em Buenos Aires, o Protocolo Regional
Fronteiriço (23) proposto pelos Estados do Sul do Brasil e do Norte-Nordeste
argentino, prevendo, inicialmente, a criação de comitês de fronteira.

D esaf ios
Constitui lugar-comum afirmar que todo processo de integração exige uma férrea
vontade política, pois os problemas técnicos a serem solucionados são numero-
sos e difíceis.
Um dos desafios mais importantes do processo de cooperação argentino -brasi-
leiro é fazer com que ele passe das preocupações de governo e se transforme em
um objetivo nacional permanente. Para tanto, várias iniciativas deveriam ser
tomadas, como, por exemplo, a introdução, nos currículos escolares da cadeira
de história e civilização latino-americana, de programas educativos de televisão
e a constituição de uma agência de notícias regional etc.
O processo de negociação deveria ser o mais aberto possível, convocando-se a
iniciativa privada e os trabalhadores, através de seus sindicatos representativos,
para formarem um Conselho de D esenvolvimento do Cone Sul.
As maiores dificuldades de todo processo integracionista encontram-se junto aos
setores mais atrasados da economia . Brasil e Argentina, com políticas protecio-
nistas, têm preservado certas atividades que apresentam baixa produtividade e
escassa capacidade de competição. Este é um dos resultados perversos da política
de substituição de importações nos momentos em que a soberania nacional era
diretamente proporcional à capacidade de auto -suficiência.
A abertura de fronteiras trará sérios problemas para os diversos setores indus-
triais. Essa questão deve ser contornada com um calendário de liberalização do
comércio, que deve ser previamente estabelecido, inclusive com a participação
144 Ricardo Antonio Silva Seitenfus

dos produtores, e que um Fundo de Reconversão - industrial e agrícola - seja


aprovado pelos dois governos. Paralelamente a esse fundo, é indispensável que
uma cooperação tecnológica seja oferecida pelo setor mais competente na busca de
uma complementaridade produtiva, a fim de maximizar as vantagens comparativas.
Uma posição comum no sistema internacional deve ser outro importante objetivo
do Programa de Integração. Claro está que os dois países possuem interesses nem
sempre convergentes no mercado internacional, porém para certos produtos é
possível posições unitárias que reforcem o poder de negociação. A cooperação
técnica internacional oferecida conjuntamente pode constituir-se em outro cam-
po interessante aos dois países.
A in definição de um órgão supranacional latino-americano, que possa ser inter-
locutor dos grandes grupos de países junto à CEE, continua sendo um empecilho
maior à cooperação intercontinental.
Finalmente, é necessária uma maior participação dos setores militares no processo,
depositários maiores que são dos sentimentos de desconfiança recíproca. É indis-
pensável, pois, que projetos comuns nessas áreas sejam multiplicados para que
raízes profundas e laços irreversíveis não embacem o novo relacionamento.
Um passo decisivo foi dado nesse processo, em 26 de março de 1991, com a
assinatura do Tratado de Assunção, reunindo Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai,
tratado esse que estabelece para 1 de janeiro de 1995 o livre trânsito de mercadorias
Q

entre Brasil e Argentina, criando, dessa forma, o Mercosul. Paraguai e Uruguai terão
ainda um ano de carência para se associarem, de forma plena, ao Mercosul.
Caso se mantenha esse cronograma, será criado, pela primeira vez na América
Latina, um verdadeiro espaço econômico unificado, abrindo perspectivas de desen-
volvimento conjunto e de atuação coordenada na defesa dos interesses regionais no
sistema internacional.

VII. CONCLUSÃO: PERSPECTIVAS BRASILEIRAS

Entre os importantes desafios que o Brasil encontra pela frente neste final de século
está, sem sombra de dúvida, o equacionamento da dívida externa. Desde o início
desta grave crise (início da dédaca de 80) muito se tem tentado, tanto individual-
mente quanto em fóruns multilaterais, para o encaminhamento da solução dessa
grave questão conjuntural.
As tentativas na busca do equacionamento dessa questão desembocam na mora-
A Política Externa Brasileira: da Marginalidade à Responsabilidade 145

tória de 1987. O Brasil suspende a transferência de recursos para o exterior, que,


convém lembrar, atinge US$ 55 bilhões nesta última década, e retoma, em 1988,
através de uma reestruturação da dívida, um diálogo com os credores privados e
do Clube de Paris. No entanto , não se deve esquecer que , para toda a América
Latina e especialmente para o Brasil, a década de 80 é uma década perdida para
o desenvolvimento, pois crescemos em 1988, por exemplo, somente 1 %, enquan-
to o crescimento médio do PIB na Ásia foi de 7,5% e na África de 2,5% .
O segundo elemento desafiador da política externa brasileira é o processo de
integração do Cone Sul, que exige uma estrutura administrativa clara, com
responsabilidade definida, uma participação da iniciativa privada e competência
técnica, além de vontade política clara das partes envolvidas. Certamente esse
processo trará imensas vantagens no que diz respeito à diminuição dos custos de
produção e uma melhor economia de escala.
O terceiro elemento importante é a questão da utilização dos recursos naturais,
em p articular a questão ecológica. É necessário que o Brasil tenha uma atitude
muito clara com relação ao seu "p atrimônio ecológico", tentando protegê-lo para
poder utilizá-lo de form a racional, não-predatória.
Um elemento importante é a abertura de sua economia, identificando quais os
setores que podem receber investimentos diretos do exterior. Por exemplo, a
reserva de mercado na informática é um dos estranguladores no acesso brasileiro
à tecnologia de ponta. Por outro lado, é fundamental que o país faça com que su a
pauta de exportações se diversifique e que seus mercados se multipliquem. Para
tanto, devemos esperar que a Rodada Uruguai, em negociação atualmente no
GATT, possa abrir certos mercados dos países industrializados.
No que diz respeito à organização internacional através do sistema das Nações
Unidas, é chegado o momento de os países com o perfil do Brasil proporem
soluções objetivando uma democratização do processo de decisões das Nações
Unidas e do Conselho de Segurança. Uma solução possível seria a definição de
um sistema de rodízio entre os membros permanentes, incluindo outros Estados
além do Pentágono, vencedor da Segunda Guerra Mundial.
Como pano de fundo a essas perspectivas e desafios, encontramos um sistema
internacional em plena e rápida mutação após os acontecimentos de 1989. Países
como o Brasil, cujos parâmetros de atuação externa eram definidos pela bipolaridade,
encontram-se presentemente sem rumo, tentando identificar, num movediço cenário
internacional, caminhos inovadores. O presente, paradoxalmente, parece ser mais
inseguro. No entanto, permite aos atores secundários visualizar com competência o
novo quadro e encontrar respostas às suas aspirações que a guerra fria nunca trouxe.
146 Ricardo Antonio Silva Seitenfus

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Perspectivas da Cooperação
Internacional

Celso Luiz Nunes Amorim

I. SIGNIFICADO E LIMITES DA COOPERAÇÃO


INTERNACIONAL

o tema "Perspectivas da Cooperação Internacional" se presta a pelo menos duas


leituras. Uma, mais específica, privilegiaria a cooperação científica e tecnológica
e, em especial, a maneira como ela vem sendo desenvolvida pelo Brasil. Outra
leitura, mais ampla, mais fiel à letra, procuraria ver nela a oportunidade para uma
discussão quase filosófica da condição atual das relações entre os Estados. Seria
cômodo, embora algo estreito, optar pela primeira leitura. Seria tentador escolher a
segunda; o risco, aqui, seria nos deixarmos levar por divagações pouco produtivas.
Num breve espaço, vamos buscar uma fusão dessas duas possíveis abordagens,
embora conscientes de que no meio-termo nem sempre reside a virtude.

1. Antecedentes Filosóficos
A cooperação internacional é uma idéia fugidia, que tem perseguido a humanidade -
ou, melhor dizendo, que a humanidade tem perseguido (na teoria, se não na
prática) - desde, pelo menos, que os gregos iniciaram uma reflexão consistente
150 Celso Luiz Nunes Amorim

sobre a Política. Já Platão, no Livro I das Leis, ao comentar a natureza do Estado,


faz com que um dos personagens do diálogo (Clínias) afirme, num tom surpreen-
dentemente antecipatório de filósofos modernos como Hobbes e Maquiavel, que
"todos os Estados estão constantemente envolvidos numa incessante luta, uns contra
os outros... pois a Paz... não passa de uma palavra; a verdade é que todo Estado está,
por uma lei da natureza, engajado numa Guerra Informal (sic) contra todos os
demais Estados". Não é de admirar-se assim, prossegue o raciocínio, que as leis de
Creta estejam voltadas para a Guerra. Ao que o "Forasteiro de Atenas", personagem
que melhor encarna o pensamento de Platão, reage dizendo que a legislação a ser
buscada é a que vise a Paz e não a Guerra, e que propicie uma vida feliz e não o
Predomínio! de um Estado sobre outro.
Mas é bem nítido em Platão, como em outros autores gregos, que a cooperação de
que se fala, implícita ou explicitamente, é aquela que seja capaz de impedir a guerra
entre gregos. E não deixa de ser irônico que essa cooperação tenha sido mais
facilmente alcançada justamente quando pesava sobre o conjunto das Cidades-Es-
tados algum tipo de ameaça externa, como a que foi representada pelos exércitos
persas. Cessada esta, voltava o estado de "guerr a informal", ou mesmo de confron-
tação aberta, que terminaria por preparar o caminho para a decadência e o domínio
estrangeiro - no caso, primeiro dos macedônios, depois dos romanos. O mesmo
etnocentrismo revestido, então, de características teológicas e místicas presidirá ao
pensamento medieval, para o qual toda aliança (palavra, a rigor, mais adequada do
que " cooperação" ou "colaboração" para descrever as realidades da época) só seria
justa na medida em que servisse para promover a fé cristã e detivesse os avanços
de bárbaros e infiéis. D esfeito o idea l religioso-cultural que tornava a Europa
medieval, bem ou mal , uma unidade, o que se vê é um ressurgimento, tão ou mais
cruento, da "guerr a informal" de que falava Platão, pela boca de Clínias. Na Itália
renascentista, em que pontificam pensadores de agudo realismo, como Maquiavel
e Botero, a " Razão de Estado" prevalece totalmente sobre qualquer consideração
de índole universalista, e o máximo a que se pode aspirar é que um "equilíbrio de
egoísmos'" supra, de alguma maneira, essa ausência de um ideal mais elevado. Mais
próximo de nós culturalmente, Camões irá lamentar - expressando o conflito entre
razão e sentimento característico de uma época de mudanças - a divisão entre os
vários príncipes europeus que, dessa maneira, favorecem "o superbíssimo otoma-
no". A noção da unidade perdida e a nostalgia de uma herança comum - européia
e cristã - estão aí bem presentes, ainda que como recurso poético, com o objetivo

1. A primeira afirmação está no próprio Livro I; a outra , por assim dizer, espalhada por toda a obra .
2. v. Guicciardini, Storia d'Ita/ia, apud F. Park:inson, The Phi /osophy of!nternationa/ Relations.
Perspectivas da Cooperação Internacional 151

de contrastar a atitude de outras potências com a de Portugal. Vale a pena reler


a estrofe com que o poeta resume esse estado de coisas:

Ó míseros cristão s, pela ventura


Sois os dentes, de Cadmo desparzidos ,
Que uns aos outros se dão à morte dura ,
Sendo todos de um ventre produzidos?
Não vedes a divina sepultura
Possuída de Cães, que , sempre unidos,
Vos vêm tomar a vossa antiga terra,
Fazendo-se famosos pela guerra?

(CAMÕES , Canto VII, Estrofe 9)

Recurso poético ou não , Camões expressa, de maneira exemplar, o sentido


etnocêntrico ou , com o perdão do neologismo , religiocêntrico , das idéias de
cooperação ou aliança, vivas desde Santo Agostinho e que a " Razão de Estado"
veio derrubar. Se mérito teve a nova concepção do mundo e da política erigida
primeiro por Maquiavel e, depois, com vigor de geômetra, por Hobbes, foi a de
desfazer, de uma vez por todas, a ilusão de um Estado universal, anacrônica
reminiscência do Império Romano, com que se costumavam encobrir as barbá-
ries de reis e imperadores. Daí para a frente, essas tiveram que ser aceitas pelo
seu valor aparente, enquanto barbáries, sem o manto protetor de uma pretensa
missão civilizadora. É verdade que o imperialismo do século XIX tentou reeditar
os velhos sofismas da dominação, mas o seu êxito, ao menos no plano ideológico,
teve curta duração.

2. Cooperação Internacional no Mundo Contemporâneo


A cooperação internacional tem como um dos seus primeiros pressuposto a idéia
da " alt eridade", isto é : o respeito de um Estado pela existência de outros Estados,
cujos objetivos podem e devem ser por eles próprios traçados. Assim, a idéia
hobbesiana da vida internacional como a " guerr a de todos contra todos", tempe-
rada apenas pel a moderação que a própria razão e o auto -interesse ditassem,
representa, paradoxalmente, um momento importante na evolução do pensamen-
to político e da própria idéia de cooperação, na medida em que contribui para
enterrar os mitos que tornariam qualquer cooperação autêntica impossível. Mas,
se o Sistema de Equilíbrio de Poder europeu permitiu o florescimento e a
afirmação das idéias de independência e soberania, restringindo os sonhos de
152 Celso Luiz Nunes Amorim

dominação universal, é igualmente certo dizer-se que nele a noção de cooperação


internacional não foi muito além da de alianças ocasionais entre as potências, com
vistas a evitar o surgimento de um Estado hegemônico. Como já foi colocado
(HINSLEY, 1933), o balanço ou equilíbrio europeu visou muito mais à manutenção
de uma certa ordem internacional, com a preservação da autonomia dos que nela
participavam, do que propriamente à Paz. É verdade que pensadores como o Abade
de St. Pierre e sonharam com uma Paz duradoura, baseada numa col aboração
entre monarquias constitucionais que se espalhariam como o regime político mais
adequado ao estádio evolutivo da Europa. A realidade, entretanto, foi bem outra.
Foram necessários alguns séculos de conflitos recorrentes e, sobretudo, o desastre
da Primeira Guerra Mundial, com toda a sua seqüela de destruições, para que a idéia
de cooperação assumisse força suficiente e viesse traduzir-se em ação. Os ideais de
Woodrow Wilson, consubstanciados, em certa medida, na criação da Liga das
Nações, logo teriam de enfrentar forças poderosas que conspiravam contra sua
frutificação. Os desarranjos criados pela Guerra, os anos de recessão e crise, e as
profundas transformações sociais que sacudiram o mundo no início do século XX
fariam com que os tambores da Guerra voltassem a soar mais forte do que as
trombetas da Paz. O mundo voltaria a engolfar-se no conflito, dessa vez de propor-
ções ainda maiores. Ao final, um novo desenho viria presidir às relações interna-
cionais e a idéia da cooperação res surgiria, juntamente com a esperança de uma Paz
mais duradoura. Dumbarton Oaks, São Francisco, Bretton Woods e Havana, são
elos nesse processo, mediante o qual se criaram instituições destinadas a consolidar
uma teia de cooperação entre os Estados. Pela primeira vez, inclusive, os temas
econômicos assumem um papel importante no esboço institucional, mesmo levan-
do-se em conta que a tentativa de criar uma Organização Internacional do Comércio,
na Conferência de Havana, não haja logrado vencer resistências particularistas, e
seus defensores tenham tido que contentar-se com um second best, o GATT. É
importante notar, entretanto, que a nova ênfase em temas econômicos estava ainda,
de certa maneira, ligada às preocupações com a Paz. Tratava-se, sobretudo, de evitar
a repetição do ocorrido no entre-guerras, com a conhecida sucessão de crises,
recessão, desemprego e restrições ao comércio que marcou aquelas dua s décadas e
acabou alimentando as correntes que levariam ao conflito. É significativo notar, a
propósito, que somente após muitos esforços, sobretudo dos delegados latino-ame-
ricanos, foi possível fazer com que a denominação do Banco Mundial, originalmen-
te concebido como um Banco de Reconstrução, passasse a incluir, também, a
palavra " desenvolvimento".
O que desejo acentuar com esta exposição é que o desenvolvimento , só tardia-
mente e de forma incompleta, passou a ser um objetivo declarado da cooperação.
Perspectivas da Cooperação Internacional 153

Esta, quando existiu, sempre esteve muito mais voltada para questões como a
manutenção da Ordem e da Paz, que, se bem importantes, não esgotavam a
agenda de prioridades dos países mais pobres. Nos anos que se seguiram à
Guerra, o acelerado processo de descolonização dos países afro -asiáticos, a
renovada consciência da América Latina quanto a seu atraso estrutural e o
deslocamento dos focos de tensão mundial do centro desenvolvido para a peri-
feria pobre, com crises como as da Indochina, Argélia, Cuba e Congo, trouxeram
a questão do desenvolvimento para o palco dos debates. Essa evolução culminou
na frase célebre do papa Paulo VI, que, na encíclica Populorum Progressio,
pontificou que " o desenvolvimento é o novo nome da Paz". Já antes, e em grande
parte devido à posição de vanguarda de economistas como Raul Prebisch,
durante anos secretário-executivo da Comissão Econômica para a América La-
tina, a ONU resolvera colocar em sua agenda o tema do desenvolvimento,
vinculando-o ao do comércio, e o fez convocando a Conferência das Nações
Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, mais conhecida por sua sigla em
inglês, a UNCTAD.
Não é este o lugar para se fazer um inventário dos êxitos (poucos) e dos insucessos
(bem mais numerosos) da UNCTAD, bastando assinalar que os planos que pudes-
sem ser o embrião de uma Organização Internacional de Comércio e Desenvolvi-
mento, com capacidade verdadeiramente operativa, não chegaram a alçar vôo. A
despeito de algumas concessões ocasionais dos países centrais, como a criação de
um Sistema Geral de Preferências, sujeito, assim mesmo, a inúmeras restrições, a
verdade é que um balanço das últimas décadas (uma delas explicitamente denomi-
nada pela ONU como " década do desenvolvimento") nos mostra um quadro deso-
lador. Tomando a América Latina como referência - o que já é um a distorção "para
cima" do panorama geral, que inclui situações muito mais dramáticas, como as de
certos países africanos e asiáticos - , verificamos que todos os indicadores, como
renda per capita , produto bruto e participação no comércio internacional apontam
no sentido do agravamento de sua posição relativa em face dos países industriali-
zados. A epítome dessa situação de desalento se expressa, sobretudo, na trágica
questão da dívida externa, que hoje sufoca grande número desses países, atuando
como um torniquete a comprimir a já debilitada capacidade que têm de poupar e
investir.
Esse é o quadro geral com o qual nos deparamos ao passar em revista o mundo
contemporâneo, fixando-nos na problemática do desenvolvimento. Por trás des-
ses desequilíbrios, cuja persistência e agravamento são motivos de preocupação
crescente para todos os homens de sensibilidade, onde quer que tenham nascido,
154 Celso Luiz Nunes Amorim

permanece um fator que já Prebisch havia assinalado em seu pioneiro e ilumina-


do ensaio de 1949, a saber: a incapacidade da América Latina (e dos países
pobres, em geral) de gerar, autoctonemente, as alavancas do progresso técnico e
de apropriar-se dos seus resultados. Obviamente, não cabe aqui uma discussão
aprofundada das teses de Prebisch, que inspiraram tantos e tão acalorados
debates . Importa, entretanto, acentuar que o núcleo do seu raciocínio, isto é, a
ênfase no progresso técnico - com o seu corolário, em termos científicos e
tecnológicos -, nem sempre foi bem apreendido, tomando-se, muitas vezes, o
efeito pela causa - o que levou a um deslocamento das preocupações para a
questão mais global da industrialização e a uma atenção insuficiente ao fator
dinâmico, que é a geração e incorporação de tecnologia ao processo produtivo.

lI. DESENVOLVIMENTO E PROGRESSO TECNOLÓGICO

Em face do panorama aqui esboçado, sobre o sentido e os limites da cooperação


internacional, e tendo presente a necessidade incontornável de incorporar o
progresso tecnológico ao conceito de desenvolvimento, o que se pode legitima-
mente esperar dessa cooperação no sentido de melhorar os padrões de bem-estar
das centenas de milhões (ou mesmo bilhões) de habitantes dos países subdesen-
volvidos? A resposta a essa indagação, crucial para o nosso tema, requer uma
digressão, por rápida que seja, sobre o papel da ciência e da tecnologia ou, mais
amplamente até, da informação - nas relações políticas e econômicas entre os
Estados no mundo de hoje . Após essa análise, poderemos, com alguns casos
concretos, apontar alguns caminhos onde podem situar-se, com razoável chance
de êxito, nossas esperanças.

1. Tecnologia e Relações Internacionais: O Caso dos EUA


"Não é preciso ser um especialista em meteorologia para saber de que lado sopra
o vento." Era esse o lema de uma organização política de protesto dos Estados
Unidos, no final dos anos 60 e início dos anos 70, o qual bem se aplica ao exame
do papel que a tecnologia tem, hoje, nas relações econômicas e políticas, em
nível mundial. Não é o caso de discorrer aqui sobre as alternâncias que se têm
verificado, nos últimos anos e décadas, no relacionamento entre os países desenvol-
vidos, em que o fator tecnológico tem sido central. Basta lembrar as tensões
existentes entre o Japão e os Estados Unidos, e a relutância com que a potência
até há pouco líder do mundo capitalista tem visto escapar-lhe das mãos a
Perspectivas da Cooperação Internacional 155

supremacia em setores de ponta. Não faltam estudos sobre as causas dessas


tendências, nem prospecções sobre su as prováveis conseqüências. Cito, apenas,
por considerá-la ilustrativa do estado de ânimo que se está gerando nos Estados
Unidos, uma pesquisa recente da revista Newsweek, segundo a qual, para uma
significativa maioria de norte-americanos, a " ameaça econômica" do Japão er a
um fator a considerar mais do que a rivalidade político-militar com a União
Soviética. É preciso ter vivido nos Estados Unidos, ou acompanhado de perto a
evolução político-cultural daquele país, para apreciar o que tal mudança significa.
Uma das conseqüências dessa tomada de consciência sobre o declínio do papel
hegemônico dos Estados Unidos tem sido a busca, mediante um processo de
autocrítica - como diriam os americanos -, de soul searching, dos motivos dessa
relativa decadência em ações ou omissões passadas da própria política norte-
americana. O resultado desse processo, pelo menos até aqui, tem sido algo
paradoxal para um país que se erige em baluarte do livre-comércio. Com efeito,
tem sido comum encontrar comentários e análises de estudio sos e policy-makers
norte-americanos, que atribuem a perda de competitividade para o Japão (e,
agora, também, de forma embrionária, para outros países da chamada Bacia do
Pacífico - Coréia, Hong Kong, Taiwan, Cingapura) a uma excessiva tolerância
norte-americana com relação à disseminação da tecnologia gerada nos Estados
Unidos, acompanhada de uma despreocupação com seu próprio mercado e da
au sência de uma política agressiva com relação a medidas protecionistas em
potenciais rivais. Os êxitos econômicos desses países, em especial do Japão,
teriam despertado o gigante norte-americano para a necessidade de agir com
maior determinação nas três frentes : maior controle de transferência de tecnolo-
gias avançadas; maior controle sobre o seu mercado de produtos de alta tecno-
logia; e maiores e mais determinado s esforços para garantir que outros países
não criem obstáculos à penetração de bens e serviços norte-americanos, quer
diretamente, quer por meio de investimentos de subsidiárias de multinacionais
dos Estados Unidos.
No primeiro nível, afora as restrições normais das próprias empresas, que tendem
a reservar para a matriz as pesquisas nos setores mais estratégicos, uma série de
ações do governo norte-americano, sob a égide do Export Administration Act,
vem impedindo a passagem, para outros países, de conhecimentos considerados
sensíveis, quer sob a forma de tecnologia, quer sob a forma material de equipa-
mentos sofisticados. No Brasil, mesmo , tivemos dificuldades, por exemplo, na
importação de um computador 3090/200 VF, da IBM , para a PETROBRÁS, e de
antenas de rastreamento de satélites para o INPE. Vale notar que, em geral, para
156 Celso Luiz Nunes Amorim

tornar o embargo efetivo , o governo norte-americano tem procurado, de todas as


maneiras, " amarr ar" seus concorrentes potenciais, notadamente os países da
Europa e o Japão, às mesmas restrições. Cabe citar, também, como exemplo em
que o fator econômico e não o estratégico-militar é claramente dominante, o veto
imposto à transferência do sistema UNIX, pela AT&T, a um grupo de empresas
brasileiras, em 1986, enquanto os dois países se viam engajados numa dura
negociação sobre a política brasileira de informática. Apesar dos desmentidos
oficiais, ficou, na época, a forte impressão de que o veto partira do USTR,
agência norte-americana que conduzia as negociações. Também a nova ênfase
na proteção à propriedade intelectual se insere no contexto de ações destinadas
a conter o fluxo de tecnologias geradas nos Estados Unidos para fora do país.
Há, a propósito, declarações formais de autoridades governamentais norte-ame-
ricanas, que não deixam margem a dúvidas. Restrições desse tipo têm-se esten-
dido também ao domínio da informação científica e tecnológica - de especial
interesse no caso. A esse propósito, a leitura de um artigo de dois técnicos do
Office of Technology of As sessment do Congresso norte-americano é extrema-
mente esclarecedora (WEINGARTEN e GARCIA, 1988). Depois de abordar a
questão das restrições ao fluxo de informação do ângulo da ética científica e
mencionar as pressões militares para cercear sua disseminação, o artigo estabe-
lece que "o controle do acesso à informação, em nome da segurança nacional,
por razões econômicas ou outros objetivos sociais, determinará quem poderá
participar (da pesquisa científica), tanto nos EUA quanto internacionalmente".
No segundo nível - o do maior controle sobre seu próprio mercado -, as ações
desenvolvidas em relação ao comércio de semicondutores com o Japão, impondo,
pela força de seu poder político, o que suas empresas não conseguem na esfera
da competição econômica, e a proibição de compra da fábrica de circuitos
integrados Fairchild, pela japonesa Fujitsu, são exemplos de uma política mer-
cantilista, com vistas a assegurar a permanência da indústria de alta tecnologia
fora das mãos de um concorrente ameaçador, embora os resultados alcançados,
sobretudo no caso do comércio de semicondutores, tenham sido contraditórios.
Medidas semelhantes, em total descompasso com preceitos livre-cambistas,
também foram adotadas em outros casos como, por exemplo, no setor de máqui-
nas-ferramentas, atingindo, entre outras, indústrias da Alemanha Federal e de
Taiwan.
A terceira direção das medidas neomercantilistas do Estado norte-americano, para
favorecer suas indústrias de alta tecnologia, é bem conhecida e está ilustrada pelas
duas ações iniciadas contra políticas brasileiras nos setores de informática e de
Perspectivas da Cooperação Internacional 157

quimica fina (farmacêuticos), bem como pelo esforço de ampliar o escopo do


GATT. No que diz respeito ao GATT, como é amplamente sabido, a partir de
1982, quando se encerravam as rodadas de Tóquio, os Estados Unidos têm-se
empenhado em alargar o escopo das negociações comerciais multilaterais, de
modo a nelas incluir os chamados "novos temas": serviços, propriedade intelec-
tual, investimentos e tecnologia. Desses quatro tópicos ou áreas, de resto inter-
ligados, o dos serviços tem merecido destaque especial e é objeto, hoje, de um Grupo
Negociador específico, no contexto geral da Rodada Uruguai.
Se essas ações de um país altamente desenvolvido espelham a nítida preocupação
com a autonomia tecnológica e sublinham, assim, sua necessidade, por outro lado
nos põem em guarda quanto à complacência com que esse mesmo país verá os
esforços de nações que surgem no cenário internacional como potenciais rivais.
Em outras palavras, elas nos advertem para os obstáculos de natureza política -
e especialmente de política internacional - que serão levantados contra essas
tentativas. De forma mais pertinente para o tema que hoje nos ocupa, elas nos fazem
considerar as iniciativas de cooperação técnica e tecnológica, cum granu salis .

o que quero dizer com isso é que o desenvolvimento de uma capacidade tecno-
lógica endógena, hoje mais do que nunca essencial, em face de tudo o que já foi
dito e escrito sobre a tendência à substituição de mão-de-obra barata e matérias-
primas por processos e produtos decorrentes de pesquisas avançadas (robotiza-
ção, novos materiais etc.), tem que repousar, basicamente, sobre o esforço
interno, o que não exclui, como se verá, ações cooperativas adequadamente
orientadas.

Nem creio que sejam necessanas análises econômicas muito profundas para
demonstrar a possibilidade desse desenvolvimento, pois os exemplos da Coréia
e do Japão estão aí para ilustrá-la. É importante notar que, em ambos os casos,
a presença do Estado na atividade econômica, sobretudo como agente regulador
do mercado, foi fundamental para o êxito das respectivas indústrias de ponta. Há
inúmeros estudos que detalham os procedimentos governamentais em ambos os
países, para garantir uma presença hegemônica de grupos empresariais nacionais
nos setores de tecnologia avançada. O campo da informática, e mais generica-
mente a eletrônica, no Japão, fornece o melhor exemplo dessa política. Parece
nítido que o êxito desse país, neste como em outros campos, deve-se a uma feliz
combinação de intervenção estatal, práticas protecionistas e incentivos ao desen-
volvimento tecnológico, com o amplo uso do poder de compra do Estado". Nesse

3. Rushing e Brown, 1986. Ver especialmente o artigo de Michael Borrus e John Zysnan sobre o Japão .
158 Celso Luiz Nunes Amorim

contexto, protegidos e altamente regulamentados, os contratos de licenciamento


e outras formas menos ortodoxas de absorção de tecnologia tiveram papel de
relevo. Sobre o modelo japonês, parece-me pertinente citar um ex-ministro da
Educação, Cultura e Ciência daquele país, professor Michio Nagai, que recente-
mente esteve no Brasil. Repetindo palavras que havia pronunciado em uma
palestra para representantes de vários países, num Seminário Internacional sobre
Informática realizado em Tóquio, o professor Nagai resumiu assim, para um
jornal brasileiro, a essência da experiência japonesa: "imitar, imitar, imitar. ....
e, depois, criar". Aqui, como em outros casos, o papel da sua informação, sua
captação e disseminação aparece como central.

2. Desenvolvimento Tecnológico no Brasil


No Brasil, a Política Nacional de Informática, mesmo que se admita a necessi-
dade de ajustes e correções, é um exemplo de política de desenvolvimento
tecnológico, em bases nacionais, que contrasta com o modelo adotado em outros
setores industriais (o automobilístico, por exemplo). Aqui, a intervenção regu-
ladora do Estado incentivou a formação e desenvolvimento de grupos empresa-
riais nacionais, interessados na autonomia tecnológica do país. Não é o caso de
recapitular os êxitos e os tropeços da política nacional de informática, mas vale
sempre lembrar que uma das principais diferenças entre as empresas nacionais,
fruto da política, e as estrangeiras aqui estabelecidas é a alta proporção de
pesquisadores entre os empregados daquelas e o percentual elevado dos seus
investimentos em P&D. Note-se, entretanto, que a continuidade desses avanços
pode encontrar alguns pontos de estrangulamento nos recursos disponíveis para
investimento em pesquisa. Aqui, creio, vale um parênteses, para acentuar que é
difícil imaginar como o Brasil poderá dispor dos elevados recursos exigidos para
certas pesquisas, enquanto a taxa de poupança, em relação ao PIB, permanecer
em torno de 16%, o que contrasta, de forma negativa para nós, com o ocorrido
nos dois países asiáticos citados.
Não creio que o principal obstáculo ao desenvolvimento tecnológico da infor-
mática e de outros setores, como a química fina ou a biotecnologia, seja de
natureza econômica. Mesmo sem subestimar o constrangimento que a escassez
de recursos representa, creio que a maior dificuldade enfrentada é de natureza
política e decorre da firme disposição de outros países . Desde 1982, pelo menos,
quando Reagan veio ao Brasil, o governo norte-americano não tem perdido
nenhuma ocasião para demonstrar o seu inconformismo com a política brasileira
para a área de computadores, periféricos e serviços ligados à tecnologia de
Perspectivas da Cooperação Internacional 159

informação . A partir de 1985, a oposição de Washington à política de informática


tornou-se mais consistente e agressiva. Primeiro no GATT e depois em reuniões
bilaterais, que tinham como pano de fundo a ameaça de sanções econômicas, o
governo norte-americano pressionou o Brasil a modificar aspectos de sua política
para o setor, embora, formalmente, Washington sempre tenha afirmado que
acatava (mesmo sem gostar dela) a legislação brasileira. Ainda recentemente,
em entrevista a um jornal brasileiro, o embaixador norte-americano, Harry
Schlaudemann, voltou a afirmar que os Estados Unidos permanecem insatisfeitos
com determinados aspectos da política e, por essa razão, o seu governo havia
apenas suspendido, mas não cancelado, a ameaça de sanções contra o Brasil. Na
verdade, ao desencadear contra nós o poderoso mecanismo da Seção 301 da Lei
de Comércio, o governo norte-americano percebeu que dispunha de valiosos
aliados dentro do Brasil, representados, não tanto pelos setores que, por ideolo-
gia ou outras razões, sempre se opuseram à política de informática, mas pelos
grupos que, mesmo exclusivamente nacionais, sentiram-se ameaçados pelas
retaliações. A julgar pela reação desses setores, era como se a informática
brasileira - e não o governo norte-americano - os estivesse ameaçando com
represálias comerciais. A falta de coesão no país em torno de uma política
aprovada de maneira ampla pelo CongressoNacional, em 1984, e mais uma vez
referendada de modo quase unânime em 1986, quando da discussão do PLANIN,
foi, certamente, um dos fatores que estimulou o governo norte-americano a
manter sua " li nha dura" contra a informática e a adotar o mesmo comportamento
no caso das patentes para a indústria farmacêutica, que tem repercussões diretas
sobre outro setor de ponta, o da química fina, e, num futuro não muito distante,
também sobre a biotecnologia. Vários fatores contribuem para debilitar a capa-
cidade nacional de resistir às pressões norte-americanas: a dívida externa é
certamente um deles, embora, dependendo da estratégia ' seguida, os papéis
possam facilmente inverter-se. A grande dependência dos exportadores brasilei-
ros, notadamente em segmentos específicos como calçados e aviões, em relação
ao mercado norte-americano, é outro (RICUPERO, 1988). Seria uma atitude
simplista descartar como impatrióticos os grupos - e infundados seus temores -
que se viram ameaçados pela adoção de sobretaxas aos produtos vendidos ao
mercado norte-americano. A situação é mais complexa e requer soluções imagi-
nosas e laboriosas, difíceis de encontrar a curto prazo. S()mente uma estratégia
de longo alcance, envolvendo ações em vários níveis, poderá preparar a socie-
dade brasileira para os embates que certamente continuarão a ocorrer, sobretudo
se o país persistir, corno se espera, na determinação de desenvolver suas indús-
trias de alta tecnologia.
160 Celso Luiz Nunes Amorim

Durante o regime autoritário, alianças ocasionais entre grupos de militares e


tecnocratas bem situados no aparelho do Estado, e setores empresariais especí-
ficos, envolvendo aqui e ali o apoio de alguns parlamentares, eram suficientes
para dar suporte político a ações voltadas para o desenvolvimento nacional. Num
regime democrático , novas coalizões terão que ser formadas, preservando alguns
elementos das antigas alianças, mas ampliando a sua base social. A aprovação
de alguns itens de grande relevo para o desenvolvimento do país, pela Assem-
bléia Nacional Constituinte, parece indicar que a formação dessas coligações não
é tarefa impossível. Resta saber se a mesma correlação de forças, que logrou
concordar em matéria de princípios, pode ser transposta para os embates do
dia-a-dia, nos quais se decidirá, de maneira efetiva, o rumo que tomará o
desenvolvimento nacional.

II I. O PAPEL DA COOPERAÇÃO INTERNACIONAL NO


DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO

N este ponto , vale a pena dizer algo sobre como a cooperação internacional pode
tornar-se elemento importante de uma estratégia de desenvolvimento tecnológi-
co autônomo. Não há nisso nenhuma contradição, já que autonomia significa
controle sobre as decisões que dizem respeito à manutenção e desenvolvimento
de um sistema, e não o seu fechamento para o exterior. Autonomia é, portanto,
distinta de autarquia. Já em outras oportunidades tenho procurado mostrar como
os vultosos investimentos requeridos pelo progresso tecnológico levaram, por
exemplo, os países europeus a buscar concertar seus esforços, através de progra-
mas como o Eureka, o Espirit, o Race etc. (sem falar em experiências mais
antigas, como o EURATOM e o CERN). Esses investimentos têm que ser
medidos não apenas em função do ato físico de instalação de uma nova planta,
mas como o somatório dos recursos investidos ao longo do tempo na formação
de pessoal altamente qualificado. Somente assim se terá uma idéia real da
dimensão do esforço exigido em certos setores e da importância da divisão
compartida de custos. Por outro lado, no que tange à produção tecnológica, são
óbvias as vantagens de se dispor de mercados ampliados para a colocação dos
produtos resultantes das pesquisas, em setores como software , eletrônica, bio-
tecnologia etc. Os acordos Brasil-Argentina, sobretudo nas áreas de biotecnolo-
gia e informática, são exemplos de uma cooperação internacional baseada em
interesses mútuos e, espera-se, numa sólida vontade política, que servirão de
teste para a viabilidade de uma cooperação mais ampla em nívellatino-america-
Perspectivas da Cooperação Internacional 161

no, voltada para resultados concretos e não para desgastadas fórmulas retóricas.
Exemplo similar de iniciativa conjunta de países em desenvolvimento é o acordo
de cooperação espacial com a República Popular da China, com vistas ao
lançamento de satélites sino-brasileiros de sensoriamento remoto. Embora essa
não seja uma forma científica de aferir sua importância intrínseca, seu impacto,
em termos políticos e econômicos, pode ser avaliado pelo destaque com que a
imprensa internacional tratou a assinatura do referido convênio". Depois de mais
de uma década em que os organismos internacionais se desdobraram para realçar
as vantagens da cooperação Sul-Sul, em geral restrita a projetos de reduzido
significado tecnológico, o Programa Sino-Brasileiro veio dar substância real e
dimensão considerável a esse tipo de relacionamento. A cooperação entre países em
desenvolvimento, quando efetivamente baseada em complementaridade de recursos
e objetivos similares, surge, assim, como um elemento importante da própria
política nacional de desenvolvimento científico e tecnológico, já que inexistem
aqui os fatores de desconfiança e os riscos políticos das iniciativas marcadas pelo
desequilíbrio entre os parceiros.
Tudo o que foi dito até aqui pareceria indicar que não haveria lugar para a
cooperação científica e tecnológica entre nações de níveis distintos de desenvolvi-
mento, o que não corresponde, obviamente, à verdade. Em primeiro lugar, no que
tange especificamente à cooperação científica, todos sabemos que a comunidade de
pesquisadores se caracteriza por uma grande permeabilidade. Congressos e confe-
rências internacionais, bem como programas bilaterais de cooperação, são modos
pelos quais a informação e o conhecimento são disseminados, com evidentes
benefícios para os que deles participam. É, aliás, digna de nota - e motivo de
apreensão - uma tendência no sentido de limitar a participação em certos eventos
nacionais a um número restrito de países ou até um único país".

1. Cooperação Internacional no Brasil


Interessa, pois, examinar em que condições o Brasil pode valer-se da cooperação
com países mais desenvolvidos. A propósito , e com risco de redundância, vale
fixar algumas considerações que devem estar subjacentes a toda política de
cooperação internacional em C&T:
a cooperação internacional não pode ser encarada como alternativa para o

4. Entre outros , o jornal H erald Tribune, do dia seguinte ao da assinatura do acordo , publi cou , com rel evo, a
notícia .
5. Ver a propósito o comentário " Scienti fic Secrets", revista Economist, 28 .11.1987.
162 Celso Luiz Nunes Amorim

esforço interno. Só coopera com outros países quem já dispõe de certa base
científica e tecnológica própria. Apelar para a cooperação como fonte exclu-
siva ou principal de desenvolvimento é condenar-se à dependência e à
submissão;
a cooperação só será verdadeiramente frutífera quando houver complementari-
dade real de interesses. Naturalmente, tal complementação será encontrada com
maior facilidade, como foi indicado, entre nações de nível de desenvolvimento
similar, mas ela pode estar presente também em outros tipos de relacionamentos
menos "simétricos". Certos programas, como o de informática com a RFA e
outros ainda em gestação com nações como a França, aproximam-se bastante
desse padrão;
a ampliação das ações cooperativas do terreno científico para o tecnológico,
além das complexidades já mencionadas, envolve adaptações e ajustes no
aparelho institucional que não estão totalmente resolvidos;
vale insistir que a cooperação em C&T não pode estar isolada do conjunto
do relacionamento internacional do país. As relações com o Leste europeu,
por exemplo, que, durante muito tempo, estiveram reprimidas por motivos
político-ideológicos, encontram ainda um obstáculo difícil de transpor no
desequilíbrio comercial que freqüentemente dificulta a exportação de novos
serviços e produtos brasileiros de maior densidade tecnológica.
O grande desafio que se apresenta ao Brasil e aos países em desenvolvimento é,
justamente, o de combinar esforços em diferentes direções, buscando aumentar
sua capacidade própria de absorção e geração de tecnologia -para o que, medidas
especiais de proteção à sua indústria continuam a ser indispensáveis - sem perder
de vista as oportunidades efetivas de cooperação com outros países. Mas, para
isso, o primeiro passo é conseguirmos nos desfazer das ilusões que alguns
conceitos, à força de serem repetidos, sub-repticiamente se insinuam em nossas
mentes. Para termos uma efetiva compreensão da realidade, ensinava Bacon, é
mister despirmo-nos dos ídolos que povoam nossa consciência. A cooperação
internacional, vista sem um adequado distanciamento crítico, pode muito bem
constituir-se num desses " ídolos".
Perspectivas da Cooperação Internacional 163

Referências Bibliográficas

CAMÓES , Lu ís de . Os Lu síadas. Rio de Jan eiro , 1980 (edição comentada) .


GUICCIARDINI, G. Storia d 'Italia. Apud PARKINSON, F. The Philosophy of Int ernational Rela-
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HINSLEY, F. S. Power and the Pursuit of Peace. Cambridge, 1933 .
PREBISCH, Raúl. " O Desenvolvimento da América Latina e Seus Principais Problemas" . Revista
Brasileira de Economia , n. 3, ano 3, set. 1949, pp.47-111.
RICUPERO, Rubens . O Brasil e o Futuro do Com ércio Internacional. Palestra proferida no
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WEINGARTEN, F . e GARCIA, L. Public Policy Concerning the Exchange of ScientificInforma-
tion. Annais AAPSS , 1988.
A Cooperação Técnica
Internacional

Cuido F. S. Soares

I. INTRODUÇÃO

o atual sistema das relações internacionais, conforme estabelecido ao final da


Segunda Guerra Mundial e consubstanciado no sistema da segurança coletiva
sob a égide da ONU, tem marcada diferença em relação ao sistema vigente no
entre-guerras (vigência da Liga das Nações) e bem mais marcante ainda do que
os sistemas que imperaram em séculos anteriores. A nota característica reside
no fato de a preocupação com o nível do desenvolvimento econômico e social
dos Estados menos favorecidos passar a ser uma das políticas a serem seguidas.
Na verdade, se em séculos anteriores a preocupação era estabelecer regras
negativas nas relações internacionais (ou seja, regras de conduta dos Estados,
que assegurassem a paz através de normas proibitivas de ações perturbadoras da
mesma e, portanto, um Direito Internacional que assegurasse o statu quo) ,
particularmente a partir do sistema das Nações Unidas, a ênfase atual recai no
estabelecimento de regras de construção de comportamentos, no incentivo de
condutas de cooperação; pode-se mesmo dizer que o chamado Direito Interna-
cional Clássico era um direito do não-fazer, ao passo que o denominado "Direito
do Desenvolvimento" consiste num conjunto de regras de cooperação. A mais
166 Guido F. S. Soares

evidente constatação reside no fato de a própria Liga das Nações não ter previsto
mecanismo da construção da paz, mas tão-somente órgãos de prevenção da
guerra: uma Assembléia Geral, um Conselho Permanente e um Secretariado
Geral. Já a ONU, ao lado desses três órgãos (o Conselho Permanente foi rebati-
zado de Conselho de Segurança), prevê um Conselho de Tutela (dedicado às
tarefas de descolonização) e o importante Conselho Econômico e Social (ECO-
SOC) . Igualmente digno de nota é a Carta da ONU estabelecer como princípios,
no seu Preâmbulo , "promover o progresso social e melhores condições de vida
dentro de uma liberdade mais ampla " e colocar como fim "empregar um meca-
nismo internacional para promover o progresso econômico e social de todos os
povos... " Na verdade, o art. 1º da Carta da ONU estabelece os propósitos dessa
organização: manter a paz e a segurança internacionais (§ 1Q), desenvolver
relações amistosas entre as nações (§ 2 portanto, atribuições tradicionais do
Q
) ,

Direito Internacional. Acrescenta contudo, no parágrafo 3 Q :

conseguir uma cooperação internacional para re solver os problemas internacionais de


caráter econômico , social , cultural ou humanitário , e para promover e estimular o
respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção
de raça, sexo, língua ou religião;

para, finalmente, descrever-se a si mesma com o desiderato de vir a ser:

um centro destinado a harmonizar a ação das nações para a consecução desses objetivos
comuns .

De igual forma, o Capítulo IX da Carta da ONU estabelece os princípios da


cooperação internacional econômica e social, nos seus artigos 55 e 56 , os quais
merecem transcrição:

Artigo 55

Com o fim de criar con dições de estabilidade e bem-estar, necessanas às relações


pacíficas e amistosas entre as Nações, baseadas no respeito ao princípio da igualdade
de direitos e da autodeterminação dos povos, as Nações Unidas favorecerão:

a) níveis mais altos de vida, trabalho efetivo e condições de progresso e desen-


volvimento econômico e social;
b) a solução dos problemas internacionais econômicos, sociais, sanitários e
conexos; a cooperação internacional, de caráter cultural e educacional; e
A Cooperação Técnica Internacional 167

c) o respeito universal e efetivo dos direitos humanos e das liberdades funda-


mentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião.

Artigo 56

Para a realização dos propósitos enumerados no art. 55, todos os Membros da Organi-
zação se comprometem a agir em cooperação com esta, em conjunto ou separadamente.

o compromisso estabelecido no art. 56, de cooperação dos Estados com a ONU,


reflete, ademais, outra nota característica das relações internacionais da atualidade: a
predominância das relações multilaterais, do subtipo relações institucionais (diploma-
cia parlamentar), com um certo enfraquecimento da ênfase nas relações bilaterais.
Com efeito, nos séculos anteriores as relações internacionais eram dominadas pela
diplomacia bilateral (entendendo-se, com a expressão diplomacia, a própria sinoní-
mia com relações externas dos Estados), e cuja mais clara exteriorização era
manifesta nas missões diplomáticas enviadas e trocadas entre os Estados, na preva-
lência de tratados bilaterais (de paz, de comércio e navegação, de amizade e
consultas recíprocas) e nas políticas egoístas e exclusivistas dos Estados (onde, se
houvesse qualquer transferência de recursos, esta teria motivações pragmáticas
bastante evidentes, quando muito de reles objetos humanitários imediatos ligados à
política exterior colonial das potências européias). A diplomacia multilateral, inter-
mitente nos séculos passados (em geral consubstanciada nas reuniões dos tratados
de paz) se torna a regra no século XX, seja no tipo de relações esporádicas, como
os congressos e conferências internacionais, seja no tipo das relações instituciona-
lizadas dentro dos organismos internacionais permanentes (como foi a própria Liga
das Nações, e como hoje são a ONU e a miríade de organizações internacionais, quer
as intergovernamentais, quer as não-governamentais): a diplomacia parlamentar.
A diplomacia multilateral tem caraterísticas distintas da clássica diplomacia
bilateral : em primeiro lugar, as decisões dos Estados são submetidas a procedi-
mentos que tendem a neutralizar posições demasiadamente egoísticas dos mes-
mos, em favor de políticas mais temperadas com alianças e blocos (menos
formais e menos duradouros que os existentes na diplomacia bilateral, conforme
se pode observar na diplomacia parlamentar, no seio das organizações interna-
cionais permanentes) e onde sempre existirá a regra segundo a qual as decisões
necessitam passar pela aprovação da maioria dos Estados; em segundo, há a
prevalência de tratados, evidentemente multilaterais, onde é mais difícil a exis-
tência de posições hegemônicas de alguns Estados; enfim, por serem relações
multilaterais, as normas e políticas adotadas são menos concretas no tocante a
168 Guido F. S. Soares

comportamentos determinados dos Estados, o que faz emergir maior numero de


regras abstratas, indicativas de comportamentos futuros (normas programáticas),
em que a tônica passa a ser a adoção de linhas políticas (policies) .
No que respeita à cooperação internacional, torna-se claro que ela é menos
sujeita a paternalismos e pressões quando exercida através das relações multila-
terais, em particular sob a égide das organizações internacionais. Assim é que
não desaparece a cooperação internacional (com seus adj etivos: técnica, social,
educacional, financeira, militar) na sua forma bilateral, sujeita aos percalços das
relações bilaterais; mas, a partir sobretudo da emergência maciça dos novos
Estados da Ásia e da África, em seguida aos anos 60, na totalidade das organi-
zações internacionais existentes, tende ela a concentrar-se na atuação da diplo-
macia multilateral parlamentar. Por outro lado, o que antes era uma política
isolada dos Estados remetentes de recursos tende a ser uma política concertada
em organismos internacionais (o exemplo mais claro são as relações dos Esta-
dos-membros das Comunidades Européias com as antigas colônias ACP, ou seja,
da África, do Caribe e do Pacífico, através dos vários convênios de Lomé sobre
cooperação internacional), e a atitude passiva dos Estados recipiendários tende
a se tornar uma atitude tanto de influenciar aqueles quanto de coordenar os recursos
recebidos em relação aos Estados "concorr entes" (e, ao mesmo tempo, de tentar
organizar-se internamente, no sentido de canalizar, de forma racional, os recursos
recebidos).
Quanto a conceituar-se o que se entende, na atualidade. ipor cooperação técnica
internacional, a matéria não é pacífica e está longe de envolver um entendimento
universal. O próprio conceito de cooperação representa um consenso tênue entre
as posições paternalistas dos Estados desenvolvidos nos estádios imediatamente
pós-descolonização (ajudar os pobres, ainda que haja total dependência - não
declarada - dos Estados industrializados em relação às matérias-primas produ-
zidas nas antigas colônias) e as reivindicações mais do que justas dos países do
Terceiro Mundo, relativamente ao estabelecimento de relações internacionais
eqüitativas (de que há um direito ao desenvolvimento econômico e de todos os
setores da vida societária, direito inalienável e que independe da vontade unila-
teral dos países prestatários da citada ajuda).
Na verdade, no vocabulário das relações internacionais, os termos que primeiro
emergiram, no sistema das Nações Unidas, foram: de assistência técnica. Eis sua
conceituação no Dictionnaire de la terminologie du droit international, publica-
do sob o patrocínio da União Acadêmica Internacional, Paris, Sirey, 1960, no
verbete "Assistance technique" (em tradução livre do autor do presente trabalho):
A Cooperação Técnica Internacional 169

Assistência Técnica - Expressão empregada para designar a ajuda fornecida, sob a égide
da ONU, pelos Estados com estrutura econômica adiantada aos países insuficientemente
desenvolvidos, a fim de colocar à disposição destes os meios técnicos que lhes fazem
falta para promover suas economias .. . " A assistência técnica ... consiste em uma ajuda
muito variada e em princípio gratuita, repartida pelos mecanismos internacionais em
proveito dos Estados subdesenvolvidos" (Reuter, Institutions Internationales, p.100).

Ora, no mesmo Dictionnaire, cuja edição consultada é de 1960, o termo coopé-


ration assim se define (idem):

Cooperação - A ação de trabalhar conjuntamente com outros... Na expressão cooperação


internacional, esse termo visa, em geral, à ação coordenada de dois ou mais Estados, com
vistas a atingir resultados por eles julgados desejáveis; p.ex.: cooperação internacional em
matéria fiscal. (Reuter, Institutions Internationales, p. 300, ao referir-se a organizações
internacionais que "não podem senão produzir recomendações, propostas", escreve: "Têm
elas por objetivo levar, pela persuasão, os Estados a coordenar o exercício de competências
que continuam a pertencer-lhes . No vocabulário moderno, serve-se freqüentemente, nesse
caso, a exemplo dos anglo-saxões, do termo 'cooperação"' ...)

N a verdade, tal terminologia é inadequada nos dias atuais. Em primeiro lugar


porque, a partir dos esforços da UNCTAD , em especial nas negociações das
Rodadas Tóquio da GATT (e que acabaram por introduzir a famosa Parte IV no
Acordo Geral), já não se utiliza a expressão Estados subdesenvolvidos, mas
países em via de desenvolvimento, PVD, sigla que utilizaremos no presente
trabalho; e tal fato revela não somente uma variação vocabular mas uma mudança
de enfoque nas relações internacionais: subdesenvolvido pressupõe um fait
accompli, uma situação estática e definitiva, ao passo que PVD revela uma
concepção de um processo em andamento, em que pese existir um intervalo entre
os países industrializados e os PVD. Em segundo lugar; a noção de assistência
sempre foi ligada à de ajuda e esta:

na época em que apareceu ... correspondia à noção que os países ocidentais tinham para
si do subdesenvolvimento e dos meios de remediá-lo. Para tais países, com efeito, e
notadamente para os países anglo-saxões, o subdesenvolvimento se analisava como um
atraso que se poderia remediar por uma assistência técnica e financeira. Ora, ficou
evidenciado que tal concepção conduzia, na maioria dos casos, à perpetuação da
dependência e ao "desenvolvimento do subdesenvolvimento" (FEUER e CASSAN,
1985, p. 297).

As falácias do conceito de "desenvolver o subdesenvolvimento", que nada mais


significava que perpetuar uma situação, receberam as mais variadas críticas e os
170 Guido F. S. Soares

conceitos de ajuda e de assistência aos poucos foram sendo substituídos pelo de


cooperação e, em época mais recente, pelo de transferência de tecnologia (em
que pese esta última expressão ser utilizada, igualmente, para as situações
ligadas a contratos que envolvem propriedade intelectual, como turn key e
know-how etc.). Na verdade, já em 1959 a Assembléia Geral da ONU, na sua
Resolução 1383 (XIV) B, determinava que se substituísse a expressão "assistên-
cia técnica" por "cooperação técnica".
No Brasil, em 1950 era criada a Comissão Nacional de Assistência Técnica (CNAT),
no âmbito do Ministério das Relações Exteriores, e há vários acordos bilaterais de
"assistência técnica" firmados com tal denominação. Já em data posterior, quando
se modificou a norma brasileira (Decreto n 65.476 de 21/XI/1969) "dispõe sobre
Q

as atividades de cooperação técnica internacional e dá outras providências"), os


órgãos criados o foram dentro da nova conceituação, conforme expressa pela
ONU; a própria Subsecretaria de Cooperação Econômica e Técnica Internacional
do Ministério do Planejamento (SUBIN), refletia tal tendência. De igual forma,
a atual Agência Brasileira de Cooperação (ABC) traz em seu nome a expressão
da realidade mencionada.
Na verdade, não se trata de mera questão vocabular, mas de uma mudança de
enfoque no que respeita aos movimentos internacionais de recursos : não se trata
de atitude ligada a humanitarismos de ajudar os Estados carentes, e muito menos
de fornecer uma moldura normativa às ações dos países industrializados que
pretenderiam legitimar suas ações unilaterais de intervenção sutil nos PVD:
trata-se, antes, da afirmação de um direito ao desenvolvimento por parte desses
Estados, conjugado com um dever de cooperação por parte dos países industria-
lizados, dentro dos princípios já anunciados da Carta da Organização das Nações
Unidas.
Finalmente, nesta Introdução, é mister dizer que, embora a denominação do
fenômeno de transferência de recursos entre países, seja na sua forma bilateral,
seja multilateral, tenha recebido a expressão cooperação técnica internacional,
não desapareceram as expressões auxílio, ajuda ou ainda assistência técnica, ou
seja, a modalidade de facilitação e aceleração na formação de técnicos, de
quadros administrativos e de gestores dos PVD, por parte dos países industriali-
zados ou de outros países com maior desenvolvimento relativo que o dos reei-
piendários. Quanto à expressão transferência de tecnologia, seu emprego será
por nós utilizado no sentido de transmissão de conhecimentos tecnológicos,
acompanhada ou não de assistência técnica (supervisão pessoal no acompanha-
mento da instalação da tecnologia transferida), sem que nos preocupe tratar-se
A Cooperação Técnica Internacional 171

de uma operação comercial ou de uma operação de transferência a título gratuito


ou a fundo perdido (e igualmente, sem nos determos na questão de ter havido a real
transmissão do saber fazer, saber reproduzir ex novo, o conhecimento transmitido).

11. MODALIDADES DE COOPERAÇÃO TÉCNICA


INTERNACIONAL

Há vários critérios que permitem classificar as modalidades de cooperação


técnica internacional. Seguiremos os critérios e as bases teóricas dos Profs. Peuer
e Cassan (op. cit.). Isto posto, claro está que não serão analisadas as formas de
cooperação político-militares (como os blocos, alianças etc.), nem as relaciona-
das com as situações de ameaça à paz (formações temporárias de alianças, envio
de forças de intervenção sob a égide da ONU etc.), nem as formas de cooperação
no interior das organizações internacionais, em particular as de integração
econômica regional.
Um primeiro critério de classificação leva em conta a origem dos recursos nos
países remetentes: recursos do setor público e recursos do setor privado. Cons-
tituem recursos do setor público:
a) doações bilaterais Estado a Estado e contribuições a elas assimiláveis;
b) empréstimos públicos bilaterais concedidos em condições mais favoráveis do
que as existentes nos mercados nacionais ou internacionais (são os denomi-
nados empréstimos concessionais);
c) contribuições governamentais às organizações internacionais globais (agên-
cias das Nações Unidas) ou regionais (organizações regionais de integração
econômica nas relações de tais entidades com terceiros países) para fins
constantes em programas de desenvolvimento;
d) indiretamente, os créditos públicos destinados a financiamentos à exportação
para o PVD, ainda que não concessionais (ou seja, levantados e amortizáveis
em condições normais de mercados locais ou internacionais).
São consideradas modalidades de cooperação econômica internacional no setor
privado:
a) os investimentos diretos ou os investimentos constituídos de valores em
carteira;
b) empréstimos concedidos pelo setor bancário privado (concessionais ou não-
concessionais) a governos ou entidades governamentais estrangeiras;
172 Guido F. S. Soares

c) os créditos privados concedidos à exportação;


d) as obrigações de caráter privado;
e) as doações de organismos privados filantrópicos, confessionais ou leigos .
Quanto à natureza das relações estabelecidas entre os Estados remetentes e os
recebedores, os tipos de cooperação técnica internacional, como já se assinalou,
são a cooperação multilateral e a cooperação bilateral. Deve dizer-se, ademais,
que as diferenças entre ambos os tipos são, além das já mencionadas (as maiores
dificuldades de pressões dos países remetentes, nas formas multilaterais), tam-
bém os menores riscos de ingerências nos assuntos dos Estados recebedores. Na
verdade, nas formas multilaterais, que são as preferidas pelos PVDs, os esque-
mas de negociação da cooperação técnica, de sua efetivação já no território dos
Estados recebedores, os mecanismos de controle e fiscalização do emprego de
recursos são realizados por funcionários ou órgãos de organismos internacionais,
portanto, em princípio, desligados de interesses nacionais, porque pessoas a
serviço de entidades a-nacionais; veja-se, nesse particular, o costume existente
nas organizações internacionais de não indicar funcionários para funções que se
relacionam com os países de sua nacionalidade, como penhor de maior neutrali-
dade daquelas organizações. Além de a cooperação técnica multilateral repre-
sentar fontes adicionais de recursos (ao lado das bilaterais), ela permite relativa
facilidade no preenchimento das condições de outorga da cooperação técnica,
uma vez que estas são, em geral, padronizadas e suficientemente conhecidas
pelos Estados recebedores : ademais, nos organismos internacionais há maiores
facilidades de assistência técnica no sentido até do preenchimento das condições
de recebimento dos recursos multilaterais.
Já a cooperação técnica bilateral, embora possa ser mais substanciosa em termos
de volumes de recursos, tem a desvantagem de sua especificidade, caso a caso,
em função da política e das rotinas administrativas existentes nos países reme-
tentes. Em tal tipo de cooperação técnica internacional, a regra é que em cada
caso são estabelecidos órgãos especiais de gerenciamento dos recursos (as
comissões mistas), que podem não ter uma padronização, o que de certa forma
dificulta a ação dos países recebedores (em geral, carentes de técnicos que possam
ou saibam adaptar-se a rotinas e exigências nos esquemas de cooperação internacional,
caso acaso). Por outro lado, ao contrário da cooperação técnica multilateral, muito
dificilmente poderá haver qualquer influência do Estado recebedor nas regras de
fiscalização e de controle de execução dos recursos transferidos (pois não participou
na sua elaboração, como nos organismos internacionais).
Quanto ao objetivo que a cooperação técnica internacional tenha em vista, pode
A Cooperação Técnica Internacional 173

ser de duas espécies: a) a transmissão de conhecimentos (nas formas de assistên-


cia técnica e de transferência de tecnologia) e b) transferência de capitais (que
tomam as formas de transferência via organismos do sistema da ONU, ou seja,
das organizações especializadas da ONU, transferência através de organizações
regionais, portanto formas de cooperação multilateral; ou ainda as formas de
transferência direta dos Estados remetentes, e aquelas representadas pela atua-
ção dos bancos privados, isoladamente ou , como ocorre na atualidade, em
formas consorciadas, tais como os empréstimos de bancos sindicalizados, que
nada mais são do que operações bilaterais: de um lado um Estado, ou alguém por
ele ou no seu lugar, e de outro, um grupo de bancos privados liderados por um
banco, que aparece como principal condutor do processo de empréstimo).

IH. A ASSISTÊNCIA TÉCNICA INTERNACIONAL

Observadas as distinções já mencionadas entre o que se entende por cooperação


técnica internacional e assistência técnica internacional, este último conceito se
reserva aos movimentos que por primeiro se verificaram desde o estabelecimento
e o reconhecimento das desigualdades entre nações: o envio de peritos ou de
conselheiros, a outorga de bolsas de estudo, a organização de estágios e seminá-
rios de formação pessoal, a criação de instituições-piloto e de centros de demons-
tração ou de informação e, enfim, em épocas mais recentes, a assistência ao
pré-investimento (estudos de viabilidade) e à promoção.
Foi no campo de cooperação multilateral sob a égide das Nações Unidas, através
do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) , da ONUDI
(Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial) , e demais
agências especializadas do sistema ONU que a assistência técnica mais se tem
desenvolvido. Dentre as formas multilaterais de assistência técnica fora dos
quadros da ONU é necessário ressaltar o papel das Comunidades Econômicas
Européias e suas relações ACP, através dos três Acordos de Lomé; enfim, no que
respeita às forma s bilaterais, são dos mais variados tipos e se sujeitam às
variações das políticas dos países remetentes e/ou dos países recebedores, de-
vendo destacar-se o papel das fundações privadas do tipo R ockfelle r Foundation,
Ford Foundation, bem como os inúmeros contratos interempresariais regidos por
direitos privados dos Estados.
O PNUD é o organismo operacional da ONU para o desenvolvimento, criado pela
resolução 2029 da Assembléia Geral de 22 de novembro de 1965. É formado de
174 Guido F. S. Soares

um Conselho de Administração (48 membros), eleitos pelo ECOSOC (Conselho


Econômico e Social da ONU), com representação distribuída da seguinte forma:
11 representantes para os Estados da África, 9 para os da Ásia e da Iugoslávia,
7 para a América Latina, 17 para os Estados da Europa Ocidental e 4 para os
Estados da Europa do Leste, sendo que a representação dos países industrializa-
dos se distribui em razão da contribuição dos mesmos ao orçamento do PNUD;
dirigido por um Administrador, nomeado pelo Secretário-geral da ONU, sob
reserva de confirmação pela AG da ONU e por um colegiado, o Escritório
Consultivo Interorganizações e com os serviços exteriores: Representantes Re-
sidentes (cerca de 120) repartidos por várias partes do mundo e Escritórios
Regionais. Além dos programas especiais que gerencia, o PNUD aplica, nas
regiões do mundo, outros programas das demais organizações especializadas da
ONU (Programa Alimentar Mundial, Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente, do Escritório das Nações Unidas para o Socorro de Catástrofes).
O programa ordinário do PNUD se rege pelas normas da Resolução 200 (IH) da
Assembléia Geral, de 1948, que se guia pelos princípios:
a) a assistência técnica não se pode constituir em pretexto para ingerência
econômica ou política de elementos estrangeiros nos assuntos do Estado
recebedor;
b) a assistência técnica será acordada somente a governos ou por seu intermé-
dio;
c) deve a assistência técnica corresponder às necessidades dos países recebedo-
res;
d) cabe a estes determinar a forma da assistência;
e) a assistência transferida deverá ser do maior nível possível de qualificação
técnica.
A partir de 1970, com as reformas do PNUD, os procedimentos foram uniformi-
zados e constituíram o que se denominou "o ciclo da cooperação" [anexo da
resolução 2688 (XXV)], que compreende as seguintes fases: programação, for-
mulação e exame dos pedidos, execução dos programas, fornecimento da assis-
tência e, enfim, controle e avaliação .
Na etapa da programação, os Estados encaminham seus pedidos, e só a eles
incumbe a tarefa de formular os planos e suas prioridades, podendo ser auxilia-
dos pelos Representantes Residentes; a cada país, o PNUD aloca, assim, uma
porcentagem de seus recursos, que foram denominada "ci fra indicativa de pla-
nejamento" (CIP); as CIP são consideradas como de indicações válidas e razoá-
A Cooperação Técnica Internacional 175

veis para fins de programação a longo prazo (não se consideram obrigações


exigíveis dos Estados) e revisadas periodicamente entre os governos interessa-
dos e o Administrador do PNUD, a partir de critérios fixados pelo Conselho de
Administração.
A formulação e o exame dos pedidos são realizados pelo Conselho de Adminis-
tração, que, na maior parte das vezes, delega suas atribuições ao Administrador,
a quem incumbe a aprovação dos grandes projetos. Os pequeno s projeto s são
autorizados pelos Representantes Residentes, que têm a obrigação de informar
o Conselho acerca de suas atividades.
No que respeita à execução dos programas, eles se efetuam através de procedi-
mentos de subcontratação, uma vez que o próprio PNUD não tem recursos
humanos próprios para executá-los diretamente. Após consulta aos governos dos
países recebedores, o Administrador confia a execução a " ag entes de execução",
que devem ser ou instituições nacionais governamentais ou não-governamentais,
organismos apropriados da ONU.
A execução propriamente dita da assistência técnica se dá através de vários atos,
dos quais ressalta a assinatura de um acordo-tipo entre o governo e o PNUD, em
que se definem os direitos e obrigações das partes, e a partir do mesmo as partes
estabelecem para cada projeto determinado os instrumentos normativos e técni-
cos complementares, mais detalhados e completos, denominados " docum entos
de projeto".
Quanto às atividades de controle e avaliação, o Administrador do PNUD é o
responsável por todas as etapas da execução e presta contas perante o Conselho
de Administração; a fiscalização dos programas de projetos se efetua, em nível
local, pelo Representante Residente, que pode ser local ou, não o sendo, pelo
Representante Residente Regional, sob controle do Administrador. Na verdade,
a responsabilidade geral pela execução dos programas é do Conselho de Admi-
nistração do PNUD, que exerce sobre eles um poder de efetivo controle, ao
submeter tais programas a um exame periódico dos governos, ao exercer os
controles orçamentários nos subprogramas e ao exercer uma fiscalização sobre
a utilização de seus recursos . A avaliação é tarefa que se perfaz conjuntamente
entre o PNUD , os governos beneficiários, outros organismos da ONU e, even-
tualmente, outras instituições envolvidas, mas sempre com a aquiescência dos
governos. Deve, enfim, notar-se que para tais tarefas tanto o Representante
Residente quanto eventuais inspetores do PNUD ou de outras organizações
internacionais governamentais gozam de privilégios e imunidades civis, admi-
nistrativas (leia-se: fiscais e trabalhistas) e criminais, no exercício de suas
176 Guido F. S. Soares

atribuições, posto que acobertados por tratados internacionais que consagram


tais privilégios e imunidades aos agentes da ONU e de suas agências especiali-
zadas, frente às autoridades dos governos beneficiados pela assistência técnica
internacional.
Na verdade, a descrição que acaba de ser feita sobre o PNUD e sua atuação pouco
revela da complexidade de suas tarefas e da importância que representa no
sistema da ONU. Com efeito, é ele um órgão onipresente nas grandes atividades de
cooperação técnica internacional (no sentido amplo), uma vez que, por sua especia-
lização na feitura, análise, implementação e execução de programas, possui pessoal
altamente especializado e um know-how que permite sua atuação e trânsito livre em
qualquer atividade da ONU: programas alimentares, programas de assistência a
catástrofes, de atendimento a refugiados, de formação hospitalar e de saúde sanitária
pública, de ensino profissional, de formação de funcionários públicos locais, nos
mais variados setores, como administradores, inclusive dos próprios recursos repas-
sados pelo PNUD ou pelas agências especializadas da ONU.
No que respeita ao financiamento das operações do PNUD, uma parte é consti-
tuída por contribuições dos Estados que o desejarem e outra parte por aportes
dos próprios Estados recebedores. As contribuições voluntárias são anunciadas
em reuniões anuais, as "conferências de anúncio de contribuições", meras reu-
niões convocadas pelo Secretário-geral da ONU, depositadas, em moedas con-
versíveis ou facilmente utilizáveis pelo PNUD, por períodos determinados e em
contas especiais, sendo que os países em dificuldades podem ser autorizados a
dar sua contribuição na própria moeda. As denominadas "contribuições de
contrapartida", que são os encargos assumidos, necessariamente, pelos Estados
recebedores, podem ser feitas ou in natura ou em moeda, e o seu montante e
natureza são fixados pelo PNUD, em função de regras prévias estabelecidas para
cada tipo de projeto pelo Conselho de Administração. Tais recursos destinam-se a
cobrir as despesas de administração e funcionamento do PNUD (orçamento de
administração e de apoio ao Programa), a alimentar uma "reserva operacional" e a
fazer face a " despesas de desenvolvimento", que correspondem a despesas de custo
dos projetos, despesas locais, custos gerais dos organismos de execução etc.
A partir de 1975, com a implantação de resoluções da Assembléia Geral da ONU
relativas à instauração de uma nova ordem econômica internacional, o PNUD
estabeleceu novas orientações em tal sentido. A idéia geral é a de que o PNUD deve
ter mais adaptabilidade, a fim de tornar-se mais dinâmico, e sua atuação deve
inspirar-se nos seguintes princípios:
a) dar atenção particular à capacidade dos países beneficiários de progredirem por
A Cooperação Técnica Internacional 177

seus próprios meios, bem assim no que respeita à determinação dos setores
prioritários para os quais a assistência do PNUD é necessária;
b) priorizar as necessidades dos países menos adiantados, concedendo-lhes um
CIP superior às normas vigentes; na verdade, em 1980, dentro da tal linha, o
Conselho de Administração decidiria que 80% dos CIPs seriam alocados aos
países cujo PNB por habitante não ultrapasse 500 dólares;
c) a cooperação técnica deveria ser encarada mais pelo ângulo dos resultados e
menos pelo das contribuições, devendo o PNUD diversificar suas fontes de
financiamentos;
d) o PNUD deveria fornecer os equipamentos e os recursos materiais e adotar
uma política mais flexível quanto ao financiamentos de despesas locais e no
que concerne ao pessoal da contrapartida;
e) deveria o PNUD aumentar sua contribuição nos programas que envolvessem
relações SUL-SUL (ou seja, programas de cooperação técnica entre países
em via de desenvolvimento), dando preferência nas compras e nos fornece-
dores dos PVD e do Estado beneficiado;
f) a cooperação técnica deveria estender-se a todas as etapas e estágios de
desenvolvimento de programas e projetos, inclusive na sua planificação,
estudos de pré-viabilidade, estudos técnicos detalhados e, se for o caso, na
construção, início e gestão inicial dos projetos;
g) enfim, o PNUD deveria colaborar mais estreitamente com outras instituições
financeiras internacionais (leia-se: FMI e BIRD e seu grupo) e privadas, a fim de
financiarem-se projetos e programas sob sua responsabilidade, levando em conta
que existe uma estreita relação entre a cooperação técnica e a formação do capital.
No que respeita à atuação da ONUDI, é necessário dizer que a constituição desse
organismo especializado da ONU, em Viena, em abril de 1979 (instalação
definitiva em agosto de 1985, após haver seu ato constitutivo atingido 80
ratificações dos Estados), tem sido um dos campos de maior oposição entre os
Estados industrializados e os PVD; na verdade, a questão da industrialização dos
PVD, que são países exportadores de produtos de base e essencialmente agríco-
las, suscita difíceis questões de uma redefinição da divisão internacional do
trabalho, o que coloca em discussão as próprias economias dos países industria-
lizados. Por outro lado, as reivindicações dos PVD somente começaram a ser
efetivadas a partir de 1964, quando houve a discussão global no seio da I UNCTAD
e os posteriores posicionamentos em favor da instauração de uma nova ordem
econômica internacional. A discussão do papel da ONUDI faz sentido no pre-
178 Guido F. S. Soares

sente trabalho, na medida em que as tentativas de industrialização que se preten-


de para os PVD se fazem por via da transmissão de conhecimentos e de meios
materiais, operacionalizada por via da assistência técnica internacional. A partir
das concepções iniciais que embasaram a criação da ONUDI, pode-se resumir
em três os objetivos dessa organização:
a) assistência ao desenvolvimento industrial;
b) coordenação de atividades de desenvolvimento industrial;
c) elaboração de estratégia industrial em nível mundial.
No que respeita à assistência técnica, além de um programa próprio, a ONUDI é
uma agência de execução dos projetos aprovados pela PNUD. Em ambos os casos,
são as seguintes as notas distintivas da assistência técnica executada pela ONUDI;
1a) assistência cedida tão-somente a pedido de governos, que determinam as prio-
ridades e os recursos envolvidos; em tais programas, os pedidos são formulados
pelos Estados, com o concurso de técnico daquela organização, de conselheiros
industriais ad hoc e dos Representantes Residentes do PNUD com jurisdição sobre
o país solicitante; 2 a) os pedidos são apresentados ao Representante Residente do
PNUD, que os examina e encaminha, simultaneamente, ao PNUD e à ONUDI, sendo
que esta recruta técnicos com a cooperação de autoridades estatais locais ou pode
recorrer a sub contratantes; 3 a) as técnicas são variadas, e vão desde a organização
e execução de programas de formação, em nível das fábricas, de dispositivos
relativos a gestões financeiras, controles de custos, planejamento global, comercia-
lização, análise qualitativa e de melhoria de produtos, implantação de oficinas etc.
Outras medidas de assistência técnica podem ser resumidas assim: a assistência na
utilização eficaz da capacidade industrial existente, na realidade de estudos de
pré-investimentos, na obtenção de recursos externos necessários ao financiamento
de projetos industriais particularizados, na difusão de informações sobre procedi-
mentos e inovações técnicas, no desenvolvimento dos regimes de patentes e da
propriedade industrial, comercialização e distribuição de produtos, implantação de
usinas experimentais pilotos. A ONUDI também é centro de reunião e difusão de
estudos sobre problemas do desenvolvimento industrial.
Quanto à tarefa de coordenação das atividades de desenvolvimento industrial,
em que pesem as funções do ECOSOC, a ONUDI tem desempenhado um papel
crescente junto às outras organizações das Nações Unidas (o que marca, assim,
a tendência dos PVD de retirarem daquele órgão central da ONU tais atribuições,
para fazê-las centradas num organismo especializado).
No campo da elaboração de estratégias de desenvolvimento, na verdade elas têm
A Cooperação Técnica Internacional 179

sido marcadas por um radicalismo entre os PVD e os países industrializados. Um


exemplo pode ser citado com a Declaração e o Plano de Ação elaborados em
Lima, durante a 11 Conferência, em 1975: alguns projetos grandilo qüentes, como
a passagem da participação dos PVDs no crescimento industrial mundial de 7%,
em 1975, para 25 % até o ano 2.000 ; nas suas linhas gerais, seguem aqueles
documentos as grandes linhas das reformas que o próprio PNUD se tem proposto,
a partir das discussões sobre a nova ordem econômica internacional.
Foi igualmente a cooperação entre PVDs uma das grandes bandeiras das discus-
sões sobre a instauração de uma nova ordem econômica internacional, também
no plano da assistência técnica. Embora as discussões sobre a denominada
cooperação Sul-Sul se tivessem iniciado desde 1964, por ocasião da I UNCTAD,
até 1972 o enfoque recai nas relações do comércio e da integração regional. A
partir de 14 de dezembro de 1972, na resolução 2974 (XXVII) , a Assembléia
Geral da ONU começou a dar ênfase aos aspectos de cooperação entre os PVDs,
ao determinar a criação de um grupo de trabalho para estudar

a melhor maneira para os PVDs juntarem seus esforços e suas experiências com vistas a
aumentar e melhorar a assistência técnica ao desenvolvimento" e a examinar " as possibi-
lidades e as vantagens relativas da cooperação técnica regional e internacional entre países
em via de desenvolvimento";

posteriormente, seria criado junto ao PNUD um serviço especial encarregado da


cooperação técnica entre PVDs. A partir de então, uma série de declarações, seja
do movimento dos países não-alinhados, seja do Grupo dos 77, passou a dedicar
suas atenções às relações de cooperação técnica Sul-Sul; o ponto culminante foi
a convocação pela Assembléia Geral da ONU, em Buenos Aires, em 1978, de
uma conferência sobre a cooperação técnica entre países em via de desenvolvi-
mento, na qual foram produzidas normas conhecidas como Plano de Ação de
Buenos Aires, que a Assembléia Geral transformaria na Resolução 33/134 de 19
de dezembro de 1978. O Plano de Ação de Buenos Aires nada mais é que a
tradução, no domínio da cooperação técnica internacional, da doutrina da nova
ordem econômica internacional, donde sua importância.
Os dois pilares de sustentação da retórica dos PVDs estão presentes no Plano de
Ação de Buenos Aires:
a) a cooperação técnica entre os PVDs é um " instrumento importante da auto-
nomia nacional e coletiva dos mesmos";
b) em tal empreendimento de construção das relações Sul-Sul é necessário o apoio
dos países industrializados e das organizações internacionais, tendo declarado
180 Guido F. S. Soares

mesmo que a cooperação técnica entre os PVDs não era nem um fim em si,
nem um substitutivo da cooperação técnica com os países industrializados.
Os principais objetivos da cooperação técnica entre os PVDs, conforme o Plano
de Ação de Buenos Aires, são, esquematicamente, os seguintes:
a) promover e reforçar a autonomia coletiva dos PVDs, graças a um intercâmbio
de experiências, à colocação em comum e à partilha dos respectivos recursos
técnicos, bem como ao desenvolvimento de suas capacidades complementares;
b) dar aos PVDs mais aptos a possibilidade de identificar e analisar os proble-
mas e as estratégias na conduta das relações recíprocas;
c) melhorar a cooperação técnica no seu conjunto;
d) reforçar as capacidades técnicas existentes nos PVDs;
e) reforçar e melhorar as comunicações entre os PVDs no campo dos conheci-
mentos técnicos;
f) torná-los mais aptos a absorver e a adaptar-se às técnicas adequadas para
enfrentar suas necessidades particulares em matéria de desenvolvimento.
As 38 recomendações do Plano de Ação de Buenos Aires referem-se a medidas
práticas no sentido de tornar factíveis tais. políticas, em nível local dos Estados,
em nível regional e em nível mundial, sendo que neste último aspecto preconiza
o fortalecimento do PNUD, com a idéia de impregná-lo da ideologia da necessi-
dade de cooperação técnica entre os países .em via de desenvolvimento. Dentro
de tais linhas de ação, a Assembléia Geral da ONU criou, em 1979, um comitê
de alto nível dentro do PNUD especialmente dedicado às questões da cooperação
técnica entre os PVDs, que tem apresentado notáveis resultados a partir de 1980,
data de sua instalação.
Finalmente, no que respeita à assistência técnica internacional bilateral, o melhor
estudo parece ser o do caso brasileiro. Importa notar, imediatamente, que o Brasil
é ao mesmo tempo um país beneficiário da assistência técnica (veja-se, a título
de exemplo, os inúmeros tratados bilaterais com os países como a Alemanha,
ex-República Federal, em particular o Projeto "Centro de Tecnologia da Solda",
demandado pelo SENAI) e país remetente (Projeto " Implantação de Centro de
Artes Gráficas em Luanda", demandado pelo governo da República Popular de
Angola). Dado o fato de que tais aspectos da assistência técnica serão mias bem
tratados em outras oportunidades por especialistas da própria ABC (Agência
Brasileira de Cooperação), deixaremos de enfocar o assunto.
A Cooperação Técnica Internacional 181

IV. TRANSFERÊNCIA INTERNACIONAL DE TECNOLOGIA:


PROBLEMAS JURÍDICOS E POLÍTICOS , TIPOS DE
CONTRATOS E SUA REGULAMENTAÇÃO

o campo da propriedade intelectual, que engloba tanto a propriedade industrial


(patentes, marcas de indústria, de comércio e de serviço e expressões ou sinais
de propaganda, conforme a regulamentação brasileira do Código de Propriedade
Industrial) quanto os novos aspectos dos direitos de autor (e, nas presentes
considerações, em particular a regulamentação jurídica do software), é um dos
pontos mais polêmicos e problemáticos que enfrenta a cooperação técnica inter-
nacion,aI. O primeiro aspecto importante a considerar é que se trata de direitos
intimamente ligados às transferências de bens ou de serviços, e mesmo de
capitais, que fogem ao controle direto dos Estados envolvidos: na verdade, são
direitos pertencentes a indivíduos ou empresas particulares (entre as quais se
encontram as poderosas multinacionais), fortemente protegidos em nível inter-
nacional, com o privilégio que representa um monopólio de propriedade, uso e
disponibilidade de bens imateriais, embutidos nos bens ou serviços transferidos
(podendo, contudo, haver Transferência direta dos próprios direitos da proprie-
dade intelectual); mesmo nos Estados fortemente intervencionistas, inexiste
qualquer vontade de deixar de proteger esses privilégios, sobretudo em nível
internacional, pelas atitudes naturalmente protecionistas em relação à ciência e
à tecnologia nacionais. Em segundo lugar, a tecnologia (entendendo-se este
termo como o conjunto dos bens corpóreos e sobretudo incorpóreos da proprie-
dade intelectual) representa o resultado de um desenvolvimento histórico e
cultural dos países industrializados, possui uma força extraordinária de poten-
ciação dos fatores de produção e, sobretudo, de reprodução e inovação acelerada
dos próprios bens tecnológicos, sendo, assim, a pedra de toque da fundamental
diferenciação entre países industrializados e PVDs. Em terceiro lugar, o próprio
conceito de Transferência, pela natureza dos fenômenos envolvidos, envolve
saber até que ponto a citada Transferência significaria assimilação e capacidade
de reprodução dos insumos ou do produto final pela força própria dos PVDs
(tendo-se em vista que tanto a produção original da tecnologia quanto a manu-
tenção dos processos nela baseados são, na verdade, condicionados a todo um
conjunto de um parque industrial de base, de centros de pesquisas pura e aplicada
e, sobretudo, de mentalidades organizacionais de um país, o que não ocorre nos
PVDs); isto posto, segue-se a discussão de se saber até que ponto uma tecnologia
transferida indireta ou diretamente para um PVD significaria um real aporte ao
seu desenvolvimento ou um simples processo de introdução de um bem, cuja
182 Guido F. S. Soares

manutenção exigiria uma continuidade de assistência técnica e de reposições,


estas ainda por parte dos países industrializados, o que levaria a perpetuar uma
relação de dependências, num ciclo cruel de exigências de mais e mais tecnolo-
gias e, paralelamente, mais e mais dependência para a manutenção das mesmas.
Ainda que se consiga o estabelecimento de uma política de transferência de uma
tecnologia soft, intermediária, apropriada ao nível do desenvolvimento do país
beneficiário, há o risco da transferência de uma tecnologia obsoleta ou , o que é ainda
mais cruel, de um produto em fase de experimentação nos países industrializados
(como seria o caso dos fármacos); na esperança de se tornarem recebedores de
tecnologia adequada, os PVDs correriam o risco de converter-se num depósito de
tecnologias ultrapassadas e inaproveitáveis nos países industrializados, ou ainda de
serem transformados em autênticos laboratórios experimentais in anima nobile.
Outra série de dificuldades se prende aos custos elevados da tecnologia, em
particular nos casos de tecnologia de ponta, pelos custos igualmente elevados
das atividades ligadas à pesquisa e desenvolvimento, o que implica medir seu
preço em divisas (com a conseqüente dificuldade dos PVDs em obtê-las). Se,
por um lado, tal aspecto representa uma impossibilidade, para os PVDs, a seu
acesso, por outro tais fatos se configuram como fenômenos impeditivos do livre
comércio, em contradição com os termos que se propõe o GATT.
O estudo mais completo que indica os problemas jurídicos relativos à transfe-
rência internacional de tecnologia é do Prof. J oseph J ehl (1985), da Universidade
de Dijon, França.
N a verdade, do ponto de vista jurídico, a transferência de tecnologia consiste
num contrato a título oneroso em virtude do qual uma entidade, o adquirente,
recebe conhecimentos técnicos de outra entidade, denominada detentora ou
fornecedora, pelo pagamento de um preço cuja denominação varia em função da
natureza do contrato de transferência (licença, cessão etc.); o direito de exclusi-
vidade de propriedade e conseqüente uso e exploração denomina-se royalty. Na
realidade, as modalidades dos contratos relativos à transferência de tecnologia
têm sido extremamente desfavoráveis aos PVDs, em particular por suas disposi-
ções leoninas relativas à não-utilização em outros procedimentos não previstos
nos contratos (tie clauses) e a conseqüente impossibilidade de inovação ou de
passagem a terceiro s pela via indireta (retirando da tecnologia seu principal
papel de irradiação de procedimento s inovadores e de potenciação na utilização
dos demais fatores da produção). A reação dos países recebedores de tecnologia
tem sido a de regulamentar, através de leis internas bastante específicas e
casuísticas (caso do Brasil), as práticas monopolizantes dos países remetentes
A Cooperação Técnica Internacional 183

de tecnologia; contudo , há o risco de tal legislação, por ser unilateral e discrimi-


natória, além de inoperante, por afugentar o capital estrangeiro, não conseguir
captar a essência do problema, que deve ser tratado em nível internacional , numa
verdadeira mudança das regras que regem a própria propriedade intelectual e que
se constitui no fulcro da diferenciação entre países industrializados e PVDs.
Deve ser dito que, no caso do Brasil, há ambigüidades de certa forma insuperá-
veis: é ele um país recebedor de tecnologia e, sendo assim, tem posições comuns
com países que se ressentem das políticas de dominação de outros países; por
outro lado, também é produtor de certa tecnologia (em particular na pesquisa
médica de doença tropicais), o que lhe confere um status de exportador de
tecnologia com as mesmas atitudes políticas dos países que lhe são adversos.
Do ponto de vista da ação internacional, a transferência internacional de tecno-
logia tem sido debatida, sobretudo no que se refere às transformações do statu
quo e às reivindicações dos PVDs, na Assembléia Geral da ONU e na UNCTAD.
Quanto ao papel da OMPI (Organização Mundial da Propriedade Intelectual),
organização intergovernamental com sede em Genebra, foro de discussão dos
direitos tradicionais sobre a propriedade intelectual, tem sido uma cidadela
inexpugnável a qualquer reivindicação ligada a uma ordem econômica interna-
cional; veja-se a respeito da OMPI o artigo de nossa autoria (SOARES, 1985,
pp. 19 e 55).
A partir do exame de ação da Assembléia Geral da ONU (consciência a partir de
1961, e a seguir com as diretivas ligadas à Estratégia de 1970, nas resoluções
relativas à nova ordem econômica internacional, na Carta dos Direitos e Deveres
Econômicos dos Estados e na Estratégia de 1980) e da UNCTAD, desde 1964,
pela enorme série de resoluções, pode-se resumir, como fazem os Profs. Feuer e
Cassan (1985 , p . 348), os grandes temas relativos à transferência internacional
de tecnologia:
a) a reivindicação dos PVDs do estabelecimento de direitos protetores de seus
interesses particulares em matéria de transferência de tecnologia;
b) o apelo dos PVDs para que haja um esforço dos países industrializados e da
comunidade internacional no sentido de evitar o êxodo de sua capacidade,
denominado " transferência inversa de tecnologia", através de ações de refor-
ço de sua própria capacidade tecnológica;
c) o engajamento da comunidade internacional no sentido da adaptação da
ciência e da tecnologia ao imperativo do desenvolvimento, e de cujos esfor-
ço s resultou o programa de Viena de 1979, em seguida adotado pela Assem-
184 Guido F. S. Soares

bléia Geral da ONU (Resolução 34/218 de 19 de dezembro de 1879), pelo


qual se criou um Centro para a Ciência e a Técnica a Serviço do Desenvol-
vimento, para auxiliar o diretor da UNCTAD a cumprir com suas responsa-
bilidades; de igual forma foi criado um mecanismo de financiamento do
programa por uma resolução da AG da ONU denominado Sistema de Finan-
ciamento das Nações Unidas para a Ciência e a Técnica a Serviço do Desen-
volvimento.
Se, de um lado, houve radicalismos a ponto de tentar-se considerar a tecnologia
como patrimônio comum da humanidade, portanto inapropriável por quem quer
que seja, de outro as mencionadas ações na Assembléia Geral da ONU e na
UNCTAD resultaram, devido à oposição irredutível dos países industrializados,
em ver-se a tecnologia reduzida a um bem de acesso livre e gratuito , em uma
concentração de esforços dos PVDs no sentido de:
a) suscitar uma reforma do direito internacional relativo à propriedade indus-
trial (sendo que o relativo à propriedade do software, protegido pelos direitos
de autor, ainda não se alçou a discussões em foros internacionais);
b) promover maior adaptabilidade dos contratos de transferência de tecnologia
às necessidades dos PVDs e às exigências da eqüidade; e
c) elaboração de direito novo.
No que respeita à reforma do Direito Internacional relativo à propriedade indus-
trial, deve dizer-se que ele resulta de uma concepção da propriedade no seu
sentido mais liberal e mais conforme à configuração do état gendarme do final
do século XIX; na verdade, seu regime jurídico resulta da Convenção da União
de Paris de 1889, modificada em várias ocasiões (Bruxelas 1900, Washington
1911, Londres 1934 e Lisboa 1958), pela qual os Estados "unionistas" (na
terminologia atual, Estados-partes da convenção e da organização internacional
que assegura o respeito e a aplicação da mesma) se comprometem a harmonizar
suas legislações internas de acordo com as normas internacionais constantes das
convenções internacionais, bem como instituem o regime do tratamento nacional,
ou seja, a certeza da proteção dos direitos da propriedade industrial a qualquer
pessoa submetida à legislação de um dos Estados unionistas, nas mesmas condições
que aquelas submetidas às legislações nacionais. Direito concebido pelos e para os
países industrializados, o regime internacional da proteção da propriedade industrial
deveria sofrer os embates da maciça assunção dos PVDs nos foros internacionais
como países independentes e aderentes ao sistema unionista.
No fundo, por mais odiosos que pudessem ser os privilégios dos países indus-
A Cooperação Técnica Internacional 185

trializados criados pela regulamentação internacional da transferência de tecno-


logia, que os novos Estados receberam quando de sua independência (sendo que
a América Latina, no seu conjunto , não tivera, até então, força reivindicatória,
que receberia com a presença maciça dos novos Estados da África e da Ásia nos
foros internacionais), os PVDs não puderam deixar de reconhecer a necessidade
e utilidade da proteção daqueles direitos intelectuais: reconhecida sua utilidade,
tal como a importância dos mesmos para o desenvolvimento da ciências da
tecnologia em geral, houve o igual reconhecimento de que sua proteção somente
poderia dar-se em nível internacional, inclusive para impedir uma feroz luta
concorrencial num mercado cada vez mais transnacional. Contudo, a dificuldade
seria a aceitação da regra do tratamento nacional, em virtude da qual não poderia
haver discriminação entre países, em razão de que todos os Estados, no regime
unionista, são tratados de maneira igual e não discriminat ória'. Com efeito, a
instituição de um monopólio legal em favor do detentor da propriedade indus-
trial, em particular as patentes, conduziria a um tratamento discriminatório em
favor dos nacionais do país recebedor, pois ao detentor estaria assegurado o
direito de livre utilização, até o ponto mesmo de sua recusa em utilizar ou
permitir que outrem se utilize de um processo ou bem patenteado, em detrimento
do país em via de desenvolvimento; por outro lado, a prática de cláusulas
abusivas do detentor da patente (em especial as cláusulas de proibição de
transferência de posse a terceiros, as tie-clauses, são em tudo conducentes a um
domínio abusivo do mercado (ou seja, as práticas monopolísticas, altamente
proibidas nos países industrializados, como, por exemplo, as leis Sherman-Clay-
ton dos EUA, anti-trust).
A partir dos esforços da UNCTAD, conjuntamente com o Escritório Internacio-
nal da OMPI, em 1974 seria.publicado um relatório sobre " O Papel do Sistema
de Patentes na Transferência de Técnicas aos Países em Via de Desenvolvimen-
to"; sob inspiração da Resolução 3362 (S- VII) da AG. da ONU (cooperação e
desenvolvimento no quadro da nova ordem econômica internacional) e da Reso-
lução 88 (IV) da UNCTAD de 30/111/1976, intensificaram-se os esforços para
revisão da Convenção da União de Paris, numa direção de maior favorecimento
aos PVDs. Criado um grupo de perito s ad hoc entre representantes dos Estados
unionistas e não-unionista, de representantes da OMPI e UNCTAD, várias

1. Vale a pena traçar um paral elo entre o sistema denominado " unionista" da propriedade industrial internacional
e o sistema do GATI, este, mais bem temperado. A introdução da Parte IV no Acordo do GATI e os resul tado s
outros das Rodadas Tóquio, como a "cl áusula de habilitação", foram resultados das reivindicações
semelhantes àqu elas que se postulam para as questões relacionadas com a propriedade int electual.
186 Guido F. S. Soares

reuniões foram realizadas, sendo que as discussões se encontram em curso; nelas


têm prevalecido o entendimento de que não se deve proceder a uma revisão geral
do sistema unionista, mas sim ao estabelecimento de um regime especial para os
PVDs, em coexistência com o regime geral. As discussões se têm centrado mais
na reforma dos direitos de patentes e, de maneira acessória, nos direitos de
marcas, desenhos industriais e modelos de fábrica , e se têm definido em torno
de dois grandes problemas:
a) o agravamento das sanções pela não-utilização no território dos PVDs, das
patentes registradas, inclusive com a facilitação de declarações de caducida-
de e prescrição dos direitos de propriedade;
b) a negação da independência das patentes em relação aos direitos registrados
em cada Estado, a fim de evitar que patentes recusadas em um país sejam
registradas e tidas como válidas em outros; em face da hostilidade dos países
industrializados, os PVDs aceitaram um compromisso de que o pretendente
a um registro no território de um deles forneça as informações sobre a
situação jurídica das patentes no país de origem do titular das mesmas.
Quanto aos esforços no sentido de adaptar os contratos de transferência de
tecnologia às necessidades dos PVDs e às exigências da eqüidade, houve uma
evolução no sentido de torná-los mais adequados às realidades econômicas, se
bem que ainda seja discutível se o desiderato de relações jurídicas mais eqüita-
tivas tenha sido realizado , ou mesmo esteja em via de sê-lo. Para se ter em conta
os dados da questão, é necessário observar a tendência dos países industrializa-
dos de substituir os movimentos indiretos de tecnologia no comércio internacional
(embutidos que estavam tanto nos produtos trocados quanto nos investimentos
diretos realizados, situação em que a proteção dos investimentos se confundia
com a proteção da tecnologia estrangeira) pelos movimentos de comércio da
própria tecnologia, enquanto bem válido por si mesmo (o resultado foi a substi-
tuição dos rendimentos dos investimentos diretos pelos rendimentos auferidos
pela exploração da propriedade industrial). É neste sentido que se deve entender
a noção de transferência de tecnologia e dos contratos que lhe são próprios (não
se deixando de notar a ambigüidade que reside no termo "transferência", que
implica tanto "comércio" quanto uma acepção de "passagem de titularidade" ou
de "p assagem de posse", o que, na maioria dos casos, não acontece, pois a
tecnologia não é passada, mas, simplesmente, utilizada sem maiores resultados
quanto ao saber fazer ou ao saber por quê). De qualquer forma, em que pese tal
ambigüidade, a expressão transferência internacional de tecnologia, cunhada por
autores latino -americanos (veja-se a influência da CEPAL no vocabulário diplo-
A Cooperação Técnica Internacional 187

mático latino-americano), acabou por impor-se. Na verdade, existe uma dificul-


dade intransponível em conciliar as realidades do mundo dos contratos, regidos
por um direito privado (e é importante insistir no fato de que a tecnologia se
transmite entre pólos, num dos quais se encontra uma pessoa de direito privado,
indivíduo ou empresa, estrangeira em relação a quem se passa a tecnologia,
sendo o outro pólo, em geral, um Estado ou uma entidade sob seu controle), com
as realidades de um direito ao desenvolvimento, apoiado em normas do Direito
Internacional Público . Neste particular, outra observação a ser feita se refere às
dificuldades dos contratos que envolvem uma pessoa de direito privado estran-
geira e um Estado, ou pessoa por ele: são os denominados State contracts , ou
" contratos de desenvolvimento econômico" que, em época recente, foram muito
bem estudados por dois professores da Faculdade de Direito da USP, JoséCarlos
de Magalhães (1988), no tema das arbitragens entre Estados e particulares
estrangeiro s, e Hermes Marcelo Huck (1989) , no tema dos contratos internacio-
nais com o Estado e, incidentalmente, no nosso trabalho (SOARES, 1982). No
fundo, é perfeita a afirmação dos Profs. Guy Feuer e Hervé Cassan da Universi-
dade de Paris-V:

Torna-se poi s a encontrar aqui o problema da conciliação entre a lógica do contrato,


que é na su a es sência a lógica do direito privado, e o imperativo do desenvolvimento,
que , por sua natureza, constitui uma prerrogativa do poder público (FEURER e CAS-
SAN, 1985, p. 357) ;

demonstram eles, igualmente, que foi a assunção de maiores poderes de nego-


ciação por parte dos PVDs que limitou as condições leoninas dos contratos de
transferência internacional de tecnologia e que conduziu a um " aff inernent
progressif des procédés contractuels" (id., ibid.).
Na esteira do pensamento desses professores franceses, pode-se classificar os
contratos de transferência de tecnologia internacional da seguinte maneira:
1. contratos que operam a transferência por uma operação autônoma:
1.1. dizem respeito a uma transferência de conhecimentos técnicos: os contratos
de licença de patentes e os contratos de comunicação de know-how;
1.2. dizem respeito à transferência de capacidades: os contratos de assistência
técnica e os contratos de formação ;
2. contratos que ligam a transferência de tecnologia a uma operação mais ampla:
2.1. contratos da velha fórmula, que juntam a transferência de tecnologia a um
investimento direto;
188 Guido F. S. Soares

2.2. contratos nos quais a transferência de tecnologia se encontra acoplada a uma


venda de equipamentos ou de conjuntos industriais, como nos exemplos dos
contratos clés en main (turn key) e produits en main , com suas mais
amplas variações e combinações com outras formas contratuais.
Os contratos de cessão de patentes são relativamente raros nas relações inter-
nacionais, uma vez que implicam a venda de um monopólio a uma única pessoa,
e por uma única vez. Os contratos de concessão de licença para exploração , ao
contrário , são muito freqüentes nas relações internacionais e, como o contrato
de cessão, implicam a existência de uma patente já registrada; na verdade, os
contratos de concessão de licença, na atualidade, se encontram acoplados a outras
operações do comércio internacional.
Define-se o contrato de know-how como " aquele em que o detentor de um
procedimento transmite seus conhecimentos a uma pessoa, com vistas a assisti-la
na fabricação de um produto , ou na execução de uma prestação de serviços
determinados" (apud JEHL, op.cit). Apóiam-se, não num título de propriedade
industrial imaterial, mas numa série de elementos, como a habilidade técnica, a
experiência técnica acumulada, conhecimentos técnicos detidos por uma pessoa,
procedimentos ou segredos de fabricação elaborados pelo detentor. Sua trans-
missão se faz, em geral, pela tradução de documentos, acompanhados de obriga-
ções de manter-se o segredo sobre as informações transmitidas; em geral, é
acompanhado de disposições sobre assistência técnica (ou sej a, prestação de
serviços de acompanhamento ou de formação de pessoal sob supervisão do
detentor do know-how).
Quanto aos contratos de assistência técnica, são eles distintos da assistência
técnica que até agora vimos descrevendo (realizada pelos Estados ou organiza-
ções internacionais, para outros Estados) por serem regulados pela via contratual
(e não pelas normas do Direito Internacional Público) . Trata-se da mais variada
gama de tipos, conforme é próprio da criatividade empresarial e da liberdade
contratual (envio de técnicos, inspetores, remessa de bolsistas e estagiários,
garantias de performance do produto etc.) e, em geral, tais contratos se acham
vinculados a outros, de compra e venda de equipamentos ou de complexos
industriais, ou ainda inseridos em contratos de exploração ou de gestão de uma
atividade econômica. Podem dizer respeito tanto a uma atividade industrial
quanto a atividades especulativas ou de conhecimentos aplicados (como a pes-
quisa científica ou laboratorial ou ainda de controles de qualidades etc.).
Os contratos de formação, igualmente ancilares a outros, são arranjos contratuais
pelos quais a empresa fornecedora de uma tecnologia se compromete a respon-
A Cooperação Técnica Internacional 189

sabilizar-se pela formação do pessoal da empresa recebedora, seja através de


assistência técnica de natureza pedagógica, na matriz ou em centros especiais de
formação, seja através de um programa específico e com uma equipe ad hoc no
local da prestação das obrigações do contrato principal.
Os contratos clés en mains ou, na expressão inglesa, turn key (ao pé da letra:
chaves em mãos e vira-a-chave), são formas obrigacionais de natureza privada,
pelas quais o vendedor se compromete a fornecer um conjunto complexo em
pleno funcionamento, sem ter de se preocupar com a formação do pessoal local.
N a verdade, é um instrumento de plantar as bases de uma infra-estrutura indus-
trial num país, sem que este necessite, queira ou saiba dominar as técnicas de
concepção e de realização de grandes projetos. Contudo, além de colocar as
obrigações sob a responsabilidade de um único fornecedor, com os riscos de
futuras dependências do mesmo (em função da manutenção, reposição ou outras
atividades ligadas ao funcionamento normal da usina ou do complexo industrial
transferido), não corresponde às necessidades dos PVDs, mesmo no caso dos .
contratos clés en mains lourds (ou seja, não só a venda do instrumento de
produção mas um certo número de prestações de serviços suplementares, como
procedimentos de fabricação, conhecimentos e técnicas de produção ou de
gestão, ou seja, know-how mais assistência técnica), pois os bens incorpóreos e
os serviços constam como meros acessórios dos bens corpóreos transferidos; no
fundo, a tecnologia é vendida como uma mercadoria (valor de troca), e não como
meio de desenvolvimento (valor de uso). Na verdade, inexiste transferência de
tecnologia propriamente dita; há apenas a comunicação de documentos e uma
limitada formação de pessoal, restrita e pragmaticamente destinada a fazer
funcionar o complexo industrial ou a usina comprada, sem que o contrato permita
maiores envolvimentos do fornecedor em relação ao desenvolvimento do parque
industrial do país comprador.
Os contratos produits en mains (produtos em mãos), elaborados a partir de
exigências de leis da Argélia, podem ser definidos como "um acordo complexo
que coloca sob o encargo de uma empresa estrangeira três obrigações principais :
a entrega de bens corpóreos, uma transferência de tecnologia e a garantia de uma
produção específicada" (apud FEDER e CASSAN, op. cit., p. 362). Sua origina-
lidade reside na obrigação, por parte da empresa remetente, da formação de
pessoal local sob su a responsabilidade, pois uma das disposições de tais contra-
tos reside no fato de não considerar-se adimplidas as obrigações contratuais
senão quando o pessoal local consiga fazer funcionar, pelos próprios esforços, a
instalação industrial transferida. Isto posto, resulta claro que a principal diferen-
190 Guido F. S. Soares

ça entre esses contratos e os contratos clés en mains reside exatamente na


formação profissional do pessoal do Estado recebedor, como um dos objetivos
principais dos contratos produits en mains. Este é minucioso quanto às fases de
sua execução (recepção provisória e instalação dos bens corpóreos, período de
gestão inicial sob responsabilidade da empresa remetente e, enfim, recepção do
fim da gestão, que é perfeita com a certificação de ensaios levados avante
exclusivamente pelo pessoal do Estado recebedor), todas elas cercadas de garan-
tias de performance e outras garantias inerentes à verificação da adimplência do
contrato. Mesmo com toda engenhosidade, os contratos produits en main pare-
cem estar em desfavor na atualidade; os pesados encargos colocados sobre a
empresa estrangeira são desincentivadores e pouco atraentes para empresas de
médio e pequeno porte, e a formação do pessoal pode significar uma das fases
da estratégia das empresas multinacionais (o que acarreta, no final do processo,
um incentivo à emigração do pessoal técnico formado); e, enfim, as exigências
de controles de qualidade podem levar a empresa remetente a buscar apoio em
mercados localizados nos países industrializados, sem trazer qualquer desenvol-
vimento à indústria local dos Estados recebedores . E, sobretudo, há a principal
falha: tais contratos transferem tão-somente a capacitação na exploração , con-
quanto a técnica da concepção industrial permaneça em mãos da empresa reme-
tente.
Igualmente, no que se refere às modalidades de pagamento, foram produzidas
modificações importantes nos contratos de transferência internacional de tecno-
logia. As fórmulas clássicas de pagamento eram, e algumas continuam sendo,
aquelas típicas dos contratos de construção (no Brasil, regulados pela Lei n Q
4.591 de 16/XII/1964): por empreitada (preço fixo, pago à medida que as etapas
avençadas são entregues, ou, na terminologia francesa, paiement au forfait) ou
por administração (preço variável, e em função de uma porcentagem nos custos
realmente comprovados e efetivados, em participação nas etapas do contrato, ou ,
na terminologia francesa, paiement en régie); no primeiro caso, o risco é assu-
mido pelo prestatário, ou seja, pela pessoa remetente, ao passo que no segundo
o Estado recebedor é o único a arcar com os riscos financeiros da operação. A
fim de melhor repartir os riscos, a prática internacional, certamente em emprés-
timos legislativos do direito imobiliário norte-americano , concebeu outras fór-
mulas, das quais se destacam o cost+ (leia-se cóst plâs) e o cost and fee. Em
virtude do cost+, existe um certo coeficiente de margem sobre o conjunto das
despesas ligadas às prestações objeto do contrato, ao passo que no cost and fee
os "honorários" (jees) não estão relacionados proporcionalmente com os custos
das despesas efetivamente realizadas pela empresa fornecedora, mas são fixos e
A Cooperação Técnica Internacional 191

até mesmo limitados a um teto. Isto posto, os riscos técnicos podem ser assumi-
dos pelo construtor das instalações transferidas, ao mesmo tempo que se permite
organizar uma partilha do risco financeiro entre ambos os parceiros, partilha essa
que pode facilitar a emergência de uma verdadeira cooperação técnica interna-
cional, em conformidade com o interesse de ambas as partes e as exigências do
desenvolvimento, na arguta observação dos Profs. Feuer e Cassan (1985, p. 364).
Para demonstrar um tipo de contrato com tais modalidades de pagamentos,
cite-se o caso de indústria petroleira mundial: um " agente operador" é contratado
por empresa ou órgão de governo para conduzir operações de um campo petro-
lífero ou de suas instalações de processamento de petróleo cru; sua remuneração é
feita em bases cost+ ou cost fee, sendo que muitas vezes os termos " +" e fee são
tratados como overheads do operador, o qual executa seus serviços dentro do
princípio: no profit no loss (p.ex.: contratos tipo production sharing agreements-
PSA, como na Argélia, Líbia, Egito etc.)
No que diz respeito à elaboração de um direito novo no capítulo da transferência
internacional de tecnologia, há três fatos relevantes a serem citados: a emergência
de legislações nacionais (casos do Brasil, México, Índia, Coréia) e a emergência de
legislações internacionais em organizações de integração econômica regional
(como tem sido o caso do Pacto Andino, onde se destaca a Decisão n Q 24) e, enfim,
as tentativas de uma regulamentação em nível mundial dos movimentos internacio-
nais de transferência de tecnologia, conforme os atuais esforços da UNCTAD para
a elaboração de um Código de Conduta para a Transferência de Tecnologia. Nos
dois primeiros casos de adoção de um direito novo, as legislações domésticas dos
Estados, e no Grupo Andino, são duas as preocupações: a) determinar que os
contratos relacionados com a transferência internacional de tecnologia visem aos
interesses nacionais dos Estados e, portanto, sejam regidos por normas de ordem
pública (isto é, por dispositivos legais que sejam rigidamente estabelecidos em leis
e com grande cerceamento da liberdade dos contratantes), e b) dar às empresas
locais, recebedoras da tecnologia estrangeira, o apoio jurídico do Estado nas
negociações que realizem com empresas estrangeiras ou grupos transnacionais.
Deve dizer-se que há um frágil equilíbrio entre duas políticas aparentemente
contraditórias: incentivar a entrada de capitais e tecnologia estrangeira ao mesmo
tempo que se pretende uma proteção às empresas nacionais através de incentivos e
formas de intervencionismo que podem ser a negação de um mercado desregulado.
No caso do direito brasileiro, cuja análise extrapola os objetivos do presente
trabalho, a regulamentação da transferência internacional de tecnologia pode ser
compendiada nos seguintes diplomas legislativos:
192 Guido F. S . Soares

a) Lei n Q 4.131 de 3/IX/1962, alterada pela Lei n Q 4.390 de 27/VIII/1964,


regulamentadas pelo Decreto n Q 55.762 de 17/11/1965, que disciplinam a
aplicação do capital estrangeiro e as remessas de valores para o exterior;
b) Lei n? 5.648 de 11/XII/1970, regulamentada pelo Decreto n 68.104 de Q

22/1/1975, cria o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), como


uma autarquia federal , e dá outras providências;
c) a Lei n 6.772 de 21/XII/1971 institui o Código de Propriedade Industrial e
Q

dá outras providências.
É importante ressaltar a atividade legislativa do Instituto Nacional da Proprie-
dade Industrial (INPI) , cujos Atos Normativos passaram a constituir autêntica
legislação, que mais apropriada estaria às atividades normais do Poder Legisla-
tivo . Na verdade, o sistema legislativo conferiu autêntica delegação legislativa
a esse órgão do segundo escalão da administração federal, que passou a legislar
sobre a matéria; isto posto, para qualquer entendimento da legislação brasileira,
é necessário um estudo de suas deliberações, denominadas Atos Normativos. Até
data recente, era vigente o famoso Ato Normativo n 15 de 11 de agosto de 1975,
Q

que criava 5 (cinco) tipos de contratos nominados e expedia normas para sua
feitura, bem como para sua averbação (registro), para efeitos da entrada do
capital estrangeiro na forma de tecnologia. Na verdade, a importância do INPI
advém de suas extensas atribuições criadas pela Lei n" 5.648 de 11 de dezembro
de 1970 (em particular no seu art. 2 parágrafo único:
Q

... O instituto adotará, com vistas ao desenvolvimento econômico do País, medidas


capazes de acelerar e regular a transferência de tecnologia e de estabelecer melhores
condições de negociação e utilização de patentes, cabendo-lhe ainda pronunciar-se
quanto à conveniência da assinatura, ratificação ou denúncia de convenções, tratados,
convênios e acordos sobre Propriedade industrial

bem como suas atribuições reforçadas pelo art. 126 do Código de Propriedade
Industrial (obrigatoriedade de averbação de atos ou contratos que impliquem
transferência de tecnologia). Criado com vinculação ao então Ministério da
Indústria e do Comércio, hoje se acha vinculado ao Ministério da Justiça.
O sistema de monitoração dos contratos de tecnologia na legislação brasileira se
faz por via das averbações no mencionado INPI, e tão-somente a partir de tal
registro é que pode o investimento estrangeiro beneficiar-se de dispositivos
legais relativos a: a) legitimação de pagamentos de obrigações no Brasil; b)
dedutibilidade fiscal e outros favores tributários; c) permissão de remessas de
pagamento ao Exterior. O sistema tem evoluído desde um dirigismo rígido
A Cooperação Técnica Internacional 193

(consultas prévias obrigatórias para a assinatura de contratos, inserção de cláu-


sulas obrigatórias, proibição de cláusulas, não só expressas nas regulamentações
do próprio INPI como também aquelas em estudos casuísticos, caso acaso) e de
um controle externo aos contratos (por ex.: obrigatoriedade de absorção de
tecnologia pelas empresas nacionais), através de medidas disciplinadoras de
pagamentos de royalties e do dever de investimentos em desenvolvimento tec-
nológico, seja por esforço próprio, seja em combinação com institutos de pes-
quisas sitos no Brasil.
Ora, esse tipo de regulamentação rígida provou ser uma política que acabou por
afugentar o capital estrangeiro , em particular nos aspectos da transferência
internacional de tecnologia. Por tais razões, em 27 de fevereiro de 1991, o INPI
expediu a Resolução n" 22, que foi baixada com a Portaria n 104 de 27 de
Q

fevereiro de 1991, do Ministro da Justiça ("dispõe sobre a Averbação de Atos e


Contratos de Transferência de Tecnologia pelo Instituto Nacional da Propriedade
Industrial"). Em linhas gerais, a Resolução n Q 22 , de 27/2/1991, mantém o
sistema da necessidade de averbação dos contratos e atos (estes, definidos como
aquele representado por documento hábil que produza os mesmos efeitos do
contrato), tendo reduzido a classificação de tais contratos a quatro tipos: a)
exploração de patentes; b) uso de marca; c) fornecimento de tecnologia e d)
prestação de serviços de assistência técnica e científica, tendo fundido os ante-
riores "contratos de cooperação técnico-industrial" e "contratos de serviços
especializados" no tipo (d) mencionado acima. As inovações mais interessantes
dizem respeito à permissão de cláusulas de sigilo e à indisponibilidade de
tecnologia (e, sendo assim, não mais se restringe a transferência da tecnologia a
providências a posteriori). O ponto fundamental da nova regulamentação diz
respeito à atuação do INPI no tocante à conclusão dos atos e contratos: a
monitoração passa a se fazer ex post, e não mais com a imposição de parâmetros
ex ante, na fase da averbação: não é no nascimento dos contratos que a política
será implementada, mas em outros efeitos que aqueles contratos e atos de
transferência de tecnologia produzem na economia nacional.
No caso do Pacto Andino, foi em 1971 adotada a já decantada Decisão n 24, pela
Q

Junta (e relembre-se que o Pacto Andino é um acordo sub-regional dentro da


ALADI, mais integrativo, do tipo mercado comum), que instaurou um regime
comunitário entre os Estados seus integrantes (Bolívia, Equador, Colômbia, Peru e
Venezuela) , com vistas a uma uniformização do tratamento de empresas estrangei-
ras e do capital extrazonal. Na sua essência, a Decisão 24 estabeleceu normas de
obrigatoriedade de registro e fiscalização de capitais extrazonais, e de igual forma
194 Guido F. S. Soares

estabeleceu que os únicos preços cobráveis das tecnologias importadas na zona


do Pacto seriam os relativos a royalties; e, enfim, a Decisão permite aos Estados-
membros do Pacto recusarem patentear em certos setores julgados limitativos ao
desenvolvimento nacional respectivo, no campo da transferência de tecnologia.
Como expressão da tentativa de estabelecimento de um direito novo nas relações
internacionais, no tocante à cooperação internacional no campo da tr ansferência
de tecnologia, é necessário fazer menção ao Projeto de um Código de Conduta
para a Transferência de Tecnologia, cuja adoção se arrasta desde 1964, quando,
por ocasião da 16 a Sessão Extraordinária, a Assembléia Geral da ONU lançou as
bases para a possibilidade de adoção de um direito em tal sentido. Na verdade,
trata-se da instituição de um corpo de regras internacionais que, na terminologia
atual, se denominam Soft Law, em contraste com as regras do Direito Internacio-
nal Tradicional, de aplicação imediata e de natureza cogente que os Estados
elaboram via tratados internacionais, costumes e segundo as fontes clássicas do
Direito Internacional Público, o Hard Law. Isto posto, Soft Law são as delibera-
ções tomadas nas organizações internacionais de natureza geral (e menos nas
organizações internacionais de integração econômica) e que não são diretamente
exigíveis dos Estados, ou são formuladas de maneira que se tornem eficazes
somente após a manifestação expressa dos Estados, para que sua eficácia se
realize pleno jure. Além de tais aspectos, Soft Law também quer significar uma
regra suficientemente ampla ou de definições de linhas de condutas (definições
de policies), que se tornam possíveis, pela sua eficácia diferida, de ser adotadas
pela maioria dos Estados. Outro exemplo de Soft Law é o Código de Conduta das
Nações Unidas sobre as Sociedades Transnacionais, atualmente em discussão no
Conselho Econômico e Social (ECOSOC).
Uma das " qu estões não-resolvidas", na terminologia das organizações interna-
cionais como a ONU, ou seja, de um assunto cuja solução não foi possível, pela
extrema divergência entre os Estados, refere-se exatamente a como considerar
um Código de Transferência de Tecnologia: como um tratado auto-aplicável, a
ser assinado pelos Estados, com a obrigação posterior de ratificações, ou como
uma norma soft a ser declarada pela Assembléia Geral da ONU, na qual se
enunciassem as grandes linhas normativas e se deixasse sua adoção a critério dos
sistemas normativos internos dos Estados. Nem sobre a forma de um futuro
Código de Transferência de Tecnologia foi possível chegar-se a um consenso
entre os Estados industrializados e os PVDs. Por tais razões, o projeto desse
Código, elaborado pela UNCTAD, e que passa por estudos de um grupo de
peritos, não tendo recebido aprovação da conferência ad hoc da AG da ONU,
A Cooperação Técnica Internacional 195

encontra-se, desde 1981, num Comitê Especial da Assembléia Geral da ONU à


espera de melhor ocasião para sua votação.
Quanto à abrangência ratione personae do Código, as oposições entre PVDs e
países industrializados são, mais uma vez, ferozes . No que se refere à definição
de empresa estrangeira, o Código parte da postulação de que o mesmo se
aplicaria às sucursais, filiais e empresas afiliadas, co-empresas ou outras entida-
des jurídicas, pouco importando as relações jurídicas existentes entre elas. No
fundo , a discussão se centrou no que se consideraria empresa estrangeira, pois o
Código pressuporia domicílios em ·p aíses diferentes das empresas recebedoras e
remetentes . Os PVDs têm considerado que se deve definir como transferência
internacional as operações havidas entre empresas situadas no território de um
único país, entre a matriz de uma multinacional e sua filial (portanto, tidas como
entidades não-distintas, mas como uma única realidade, ou seja, como uma única
empresa transnacional, embora situadas no mesmo país).
Outra discussão diz respeito à lei aplicável nas relações internacionais que
envolvam transferência internacional de tecnologia. Os PVDs advogam a tese de
que deve ser a lei do Estado recebedor, ao passo que os países industrializados
preconizam a livre escolha da lei e a eleição da via arbitral para a solução das
controvérsias jurídicas porventura nascidas daquelas relações (e esse tipo de
oposição é sempre verificável toda vez que se refira a movimentos internacionais
de quaisquer recursos econômicos, sendo mais evidente no caso dos movimentos
internacionais de investimentos, onde já é antiga tal oposição).
Quanto ao conteúdo do Código, é bastante minucioso e se preocupa em estabe-
lecer as normas de eqüidade que devem servir de base nas relações entre os
Estados, sempre com a preocupação do resguardo das políticas de desenvolvi-
mento dos PVDs. Além das normas relativas à harmonização dos direitos inter-
nos dos Estados, há normas proibitivas de práticas restritivas, com a conseqüente
disposição de uma série de sanções e de responsabilidades e obrigações.

v. TRANSFERÊNCIA DE CAPITAIS NO QUADRO DO SISTEMA


DAS NAÇÕES UNIDAS, ORGANISMOS REGIONAIS, Acxo
DIRETA DOS ESTADOS E ApORTES DOS BANCOS PRIVADOS

No que se refere ao movimento internacional de capitais, o capítulo da


cooperação técnica internacional diz respeito à busca de recursos monetários
e financeiros junto a organismos internacionais, a outros Estados e à comuni-
196 Guido F. S . Soares

dad e financeira pri vad a, em co nd ições mai s fa vorávei s do que as exi st entes no s
merc ad o s tr adi ci onai s , a través d e um tratam ento di ferenciado ao s PVD s ; tra ta- s e
de tr an sferência s de fu nd os p úbl ico s (denominam- se, cn tão , s e to r p úbl ic o) ou d e
capitais nas condiçõ es do m ercado (setor privado ), sendo que, ne ste úl timo ca so ,
não s e pode dizer qu e haja tratamento mai s favorá v el.
No sistema da s Nações Unidas, há qu e distinguir se se trata de assistência
financeira ou de as sistência técnica . No caso da assistência financeira , o que
se verifica é o movimento internacional para a obtenção de capitais para fins
de investimento, ou seja, para a aquisição de equipamento e incre mento da
produção; trata-se de recursos amortizáveis a médio ou longo prazo , providos
pelo grupo do Banco Mundial (BIRD e suas filiais). No caso da assistência
técnica , trata -se de movimentos internacionais de recursos buscados em div i-
sas ou em haveres em reserva, para fins de pagamentos internacionais, sobre-
tudo em situação de déficit das balanças de pagamento; é a cooperação
monetária a curto prazo , levada avante sob a égide do Fundo Monetário
Internacional (FMI). Deve-se notar que, em termos de lapso de tempo, em se
tratando de PVDs, é difícil configurar uma situação de médio ou lo ng o prazo,
em razão da situação deficitária crônica de suas balanças de pagamentos, o
que tem levado a um intercâmbio de experiências e vivências entre o BIRD e
oFMI.
Quando da criação do FMI, juntamente com o BIRD, nos Acordos de Bretton
Woods de 1944, a idéia inicial fora de que se constituía um organismo dedicado
a duas grandes missões:
a) favorecer a cooperação monetária internacional entre os membros participan-
tes do FMI, a fim de se criar e se manter um sistema monetár io mundial
estável e capaz de favorecer o crescimento do comércio internacional;
h) ajudar os Estados a reduzir os desequilíbrios temporários de suas balanças
de pagamentos, fornecendo -lhes assistência monetária condicionada a requi-
sitos prévios e de maneira temporária .
Deve-se notar, de início , que o FMI jamai s se constituiu , nos primórdios de sua
atuação , como um organismo voltado para que stões da cooperação internacional
diferenciada entre seus membros, e muito menos como uma organização de
auxílio aos PVDs (em políticas concessionai s e fora das regra s do mercado) .
Contudo , a partir do acesso maciço do s novos Estados às organizações interna-
cionais, a partir de 1960, com as crises no s is tema da s relações comerciais
internacionais dos anos 70 (desvalorização unilateral do dólar dos EUA, às voltas
A Cooperação Técnica Internacional 197

com d éficits p er si st entes, e os choqu es da crise do petról eo na eco no m ia mun d ial ,


em 1973 e 1974) e a per si st ênci a da s s ituações difi cultosa s es tru tura is dos P V Ds,
e por press ão de st es, o FMI s e tran sforma numa da s principais ins tituições
internacionai s dentro do s is tem a das Nações Unida s, para remediar as dificulda-
des estruturais da s balan ça s de pagam ento s, b em como para forn ecer capitai s a
médio prazo. Foi d entro desses novo s enc argos qu e o FMI pa ssou a c ria r
mecanismo s não pr evisto s em sua origem , nem na primeira reforma de se us
estatutos (para o abandono das subscrições em ouro e a introdução do s Direito s
Especiais de Saque) nem na segunda (o abandono das paridades fixas para o atual
sistema das paridades flexíveis). O FMI tornou-se o principal organismo para os
PVDs, no sentido de:
a) remediar as dificuldades estruturais de suas balanças de pagamentos;
b) fornecer-lhes capitais de médio prazo;
c) funcionar como mecanismo de atestação de boa conduta na condução dos
negócios internos, como avalista indireto e incidental nas relações entre os
PVDs e os bancos privados da comunidade financeira internacional.
Uma descrição sumária do FMI deverá dizer como funcionam seus mecanismos
ordinários:
a) sua constituição em cotas-partes, subscritas pelo s Estado s, parte na própria
moeda e parte em ouro (na concepção original) ou em Direitos E speciais de
Saque (na atualidade) ;
b) a possibilidade de saques, nos limites das cotas-partes, que consiste na
compra de moedas fortes , na moeda nacional do comprador e, após certo
prazo , na recompra da própria moeda naquela moeda forte, retornando ao
FMI, dessa maneira, as moedas fortes que for am retiradas ;
c) o estabelecimento de uma conta geral ordinária e, a partir de 1970, de uma
conta em Direitos Especiais de Saque e de uma conta de saques especiais;
d) os saques podem ser incondicionados (naquele segmento denominado parte
de reserva da cota-parte subscr ita pelos Estado s) ou , na terminolo gia do FMI ,
suj e itos a " cond ic ionalidades" (nas partes denominadas crédito s).
As partes da cota-parte são , poi s: a de reserva, intocável em princípio , somente
tornada operacional para fin s de equilí brio da balança de pagamento s e s em
qualquer condição exigida pelo FMI ; a de cr édito , que são quatro , c ada qual
correspondente a 25 % da co ta-parte do Estad o no FMI e a c uj o sa que são
admitidos os Estados qu e ac eitem as condicional idades (em g eral , programa s de
ajustamentos de sua s economia s para os pr óximos três anos) co nfor me compro-
198 Guido F. S . Soares

missos constantes numa carta de intenções (compromissos do Estado de bem


orientar-se em matéria de política monetária, de taxas cambiais, de comércio, de
pagamentos internacionais nos próximos doze meses, prorrogáveis por três anos,
e tudo segundo as normas do FMI).
Os saques na primeira fatia de crédito devem ser acompanhados de esforços
razoáveis do Estado, o que permite a abertura de linhas de crédito por 1 a 3 anos,
através de compra direta de moedas fortes ou de acordos de confirmação (stand-
by). Os saques nas fatias superiores já necessitam de sólidas justificativas e
sempre requerem um acordo de confirmação; as condicionalidades são rigorosas
e acompanhadas de critérios de realização (indicadores-chave, tais como a
verificação das políticas de créditos do Estado, de suas restrições a trocas e
pagamentos internacionais); verificados os critérios de realização em relação à
política dos Estados, o FMI propõe aos mesmos as medidas corretivas, seja no
sentido de permitir a renovação dos créditos, seja na permissão de saque nas
fatias de crédito superiores.
A mudança da fisionomia do FMI se deu com a introdução de "facilidades", ou
seja, medidas que excepcionam os mecanismos ordinários anteriormente descri-
tos. Na verdade, as "facilidades" não substituem os mecanismos ordinários, mas
se ajustam aos mesmos, e têm condições de aplicação menos rígidas que os
saques ordinários; podem elas ter caráter temporário ou permanente (estas
últimas, para as emergências de caráter estrutural). Antes de 1973, já havia duas
" faci li dades" : a facilidade dos financiamentos compensatórios das flutuações
das exportações e as facilidades de financiamentos de estoques reguladores.
Após 1973, por pressão dos PVDs e em seguida às discussões nos foros interna-
cionais sobre a instauração de uma nova ordem econômica internacional, foram
admitidas novas "facilidades", desta vez para permitir ajudas em situações
conjunturais ou ainda estruturais. Foram as seguintes novas facilidades:
a) mecanismo petroleiro e conta de subvenções;
b) facilidade ampliada para a ajuda a médio prazo;
c) fundo fiduciário;
d) financiamentos complementares;
e) política de acesso aplicada aos recursos do FMI.
A facilidade do mecanismo de financiamento compensatório, criado em 1963 e
tornado mais e mais liberal, embora não seja descrito como exclusivo dos PVDs,
tem sido utilizada preferencialmente pelos mesmos; destina-se a cobrir as difi-
culdades de pagamentos resultantes de déficits temporários das receitas de
A Cooperação Técnica Internacional 199

exportação , causados por circunstâncias independentes de sua vontade, como a


alta de preços de produtos de base ou a ocorrência de catástrofes naturais, como
condições bruscas de mudanças climáticas. São compensações temporárias de
perdas de receitas decorrentes de flutuações e se referem a um aumento das cotas
dos países interessados e, portanto, à permissão de maiores saques nos seus
créditos, acompanhados por usar alívio das condições gerais de acesso aos
recursos do Fundo: até 1966, re feria-se a 25% da parte do Estado (e a partir de
tal data a 50% até 1975, 75% até 1979 e 100% a partir dessa data). Em 1981, foi
acrescentado a tal facilidade um financiamento compensatório das flutuações
dos custos de importações de cereais, igual a 100% da cota, que se completou
em 1983.
o mecanismo de financiamento dos estoques reguladores, criado em junho de
1969, destina-se a ajudar certos países a financiar a constituição de estoques
internacionais de matérias-primas, a fim de estabilizar os fluxos no quadro dos
acordos da base do cacau, estanho, açúcar e borracha natural. Consiste em
autorizações de saque até 50% da cota-parte, sem limites, até um período de doze
meses, havendo possibilidades de aumentos de até 200% da cota, dependendo
das condições econômicas e jurídicas estabelecidas nos acordos de tais produtos
de base.
O mecanismo do petróleo e a conta de subvenção foi instituído emjunho de 1974,
a fim de socorrer os membros do Fundo no curso do ano e até dezembro de 1975,
com vistas às dificuldades criadas pela brutal elevação dos preços de importação
de produtos do petróleo, e foi denominado "mecanismo de reciclagem dos
petrodólares", uma vez que se baseou em empréstimos obtidos pelo FMI junto
aos países produtores de petróleo . Concebido, em princípio, para quaisquer
membros do FMI (e não particularmente para socorrer os PVDs), consistiu no
exame de pedidos de compra de dólares, reembolsáveis tão logo as dificuldades
das balanças de pagamentos houvessem terminado, ou em dezesseis pagamentos
trimestrais, iguais, num período máximo de sete anos após a compra. Em 1975
o mecanismo foi prorrogado, tendo-se criado condicionalidades suplementares;
dele se utilizaram: Índia, Coréia, Chile e Paquistão , e mais a Itália e a Grã-Bre-
tanha. Em agosto de 1975 foi criada uma Conta de Subvenção, para fazer
diminuir os encargos de juros pagos em virtude do funcionamento das facilidades
(diminuição de 5% por ano) .
A facilidade de ajuda a médio prazo, criada em setembro de 1974 e reexaminada
em várias ocasiões posteriores, destinou-se a permitir saques maiores nas seções
de créditos dos países-membros do FMI, com condicionalidades mais brandas,
200 Guido F. S . Soares

limitand o-s e, co ntudo, a ajudas a médi o pr azo: destinav a-se a p aís es co m graves
dese quil íb ri os de suas b al an ças de pag am ento de cará te r estru tur al de feitu oso,
ou cuja ec o no m ia se c arac ter iz av a por um cresc ime nto lento e uma b al an ça de
pagam ento intrin s ec am ente frágil. O candidato a tai s fa cilidad es dev eri a ela bo ra r
e executar um program a co mp le to de medid as co rretivas, dur ant e um p eríod o de
doi s a tr ês ano s, com a prova de que o país não al cançaria se us objetivo s com a
utiliz ação do s mecanismos ordinári os do Fundo. Por tal facilidad e, o p aí s ter ia
um encaixe d e 14 0 % de sua cota-p art e, limite, portanto de se us s aques . Os
montantes de cr édito s forn ecido s pelo FMI deveriam ser readquiridos pelo
membro tão logo as dificuldad es es tivessem sana das ou num prazo de quatro a
oito ano s, a contar da comp ra, em parcelas de dezessei s p restações trim estrai s
iguais . Tal facilidade tem sido largamente utilizada pelo Brasil.
A facilid ade do Fundo Fiduciário, criad a em maio de 1976 e r evi sta em vá rias
ocasiõ es , foi in stituída a partir do resultado da v enda do ouro em poder do FMI ,
com o fim do p eríodo de demon etização de s eu s haveres (logo apó s a criação dos
Direitos Esp eciais de Saqu e, em 1975 , e pela decisão da v enda de frações de tai s
haveres , em b enefício do s PVD s e posterior di stribuição aos demais membros) .
É um fundo contabilizado em conta especial , di stinta de outro s haver es do FMI.
Suas condicionalidad es são igu ai s às op eraçõ es ordinárias do FMI, ou se ja,
necessidade de tal aj uda para equili br ar o balanço de pagamentos e demon stração
de esforços razoáveis nas r espectivas cartas de intenção do s p edido s do s recurso s
adicionais ; tais facilidades dev eriam se r reembolsáv eis num p eríodo de dez ano s,
após a data do de sembolso p elo FMI , em dez prest ações s emes tr ais iguais, a
partir do s seis prim eiros meses do se xto ano , a uma taxa de juros de 5 % ao ano .
T erminad as as op eraçõ es de crédito em abril de 1981 , o FM I tem gerido os
recursos devolvidos com os reembolso s, a fim de concluir os negócios p endentes;
em 1981, parte de tai s recurso s foi novam ente utili zada para au xiliar os país es
com grav es difi culdades nas b alan ça s de pagam entos e com renda s nacion ai s
muito baixas, na s condiçõ es da s op eraçõ es ordinárias do FMI.
A fa cilidade do financ ia me nto s uple me ntar foi in stituída em ago sto de 1977, em
vigor a partir de fev er eiro de 1979 e qu e so fre ria sua última revi são em j an eiro
de 19 81.. Destinad a a soco rr er determinado s países com grav es desequilíbrio s
nas resp ecti v as bal an ç as de pag am entos, destin ou-s e co m prim azi a aos PVD s,
co m os mec ani sm os de excepc io na r, através de p ermissão de s aques mai s e leva-
do s nas resp ectivas cotas-partes, em pr azo s mai s longo s e em condiçõ es mai s
ben évol as . D estin ad a ex cl us iva me nte aos PVD s, co mporta , na rea lida de , qua tro
acordos suple me nta res co m as segu intes ca racte rís ticas co m uns : a necessidad e
A Coopera ção Técnica Internacional 201

de aco rdos de co nfi rmação (um ano p rol on gável a té três an os) em qu e se
au to riza m saques em limites supe rio res aos per mi tidos em s ituações o rd iná rias,
subo rdinados, co ntudo, a co ndicionalidad es e critérios de boa exec ução da s medidas
pro me tidas nas cartas de int en ções (sa ques supe riores a 280 % da co ta-parte). O
reembol so se efetua a partir dos três ano s e meio , após a compra do s recursos, e
terminam sete ano s ap ós a mesma, se ndo tal facilid ad e alim entada por empréstimos
con sentidos do s países-membros do FMI indu strializados ou pelos países exporta-
dores de petróleo; em 1980, foi criada uma Conta de Bonificação a fim de aliviar o
peso financ eiro qu e recaía sobre os PVDs com rendas baixas e que eventualme nte
se utilizassem dessa facilidade do financiam ento suplem entar.
A política de acesso mai s amplo ao s recurso s do Fundo foi adotada em 1981 ,
com o objetivo de auxiliar os países-m embro s com dificuldades graves de
desequilíbrios na s re spectivas balança s de pagamentos , em relação às cotas-par-
tes iniciais e que nec essitam de recurso s suple m en tar es ou cr éditos por períodos
mais longos que s eus direito s creditício s lh es permitem. Torn ado possível a
partir de um empréstimo entre o FM I e a Agência Monetária da Arábia Saudita,
se us mecanismo s são se m elhan tes aos das facilidades do financiamento suple-
m entar. Permite a utili zação de 150 % da s resp ectivas cotas-partes de s eção de
crédito , em um ano, e de 45 % em trê s anos. No total, os acessos ao s recursos
sup lem en tares havido s no FMI para fin s de liquidez suplementar, após dedução
das recompras previstas, pode atingir 600 % das cotas-partes do s países, inde-
pendentem ente da utilização dos mecanismos de financiamento compensatórios
ou de financiamentos do s estoques reguladores, ou ainda das compras efetuadas
no quadro do m ecanismo do petró leo e ainda não reembolsados.
Concebida como uma instituição internacional em que as discussões sobre o
equilíbrio monetário , colocado como re sponsabilidade compartida entre os Es -
tado s dentro da diplomacia multilateral , representassem uma re strição aos direi-
to s sob eranos do s Estado s-membro s qu anto às políticas monetári as internas, e
em qu e o equilíb rio dos bal an ços de pagamento fo sse a primordial preocup ação
no equ ilíb rio m ai s g eral da s relaçõ es internacionais apó s a Segunda Gu erra
M un dial, o FMI so fre r ia profund as crí tic as a partir da emergê nc ia maciça do s
PVD s no s foros int ernaci onais, já a com eçar com a reali zaçã o da I UNCTAD ,
em 19 64 . A s crí ticas e tentat iv as de reform ulaçã o do s iste ma mon etário interna-
c io nal, contudo, fo ram ac el eradas c om as co ns ta taç ões de sua fra g ilidade, so b re -
tud o co m as cr ises s urg idas pel as deci sõ es unilat erai s dos EUA, em 1872 , da
desv alori zação do dól ar am erican o, o qu e iria af et ar as rel aç ões mon etári as,
co me rc ia is e finan c eira s de todo o mundo e, em particular, do s PVD s e países
202 Guido F. S. Soares

industrializados. A Assembléia Geral da ONU passa a ser o foro onde as


reivindicações são expostas, numa sucessão de textos normativos importantes
(que a retórica tem denominado "instauração da nova ordem econômica interna-
cional"). Nas suas linhas gerais, tais reivindicações, conforme expressas na série
de documentos, são as seguintes : a) medidas para a diminuição da instabilidade
do sistema monetário internacional, a fim de preservar os haveres dos PVDs no
FMI, com medidas concretas de atenuação dos efeitos da inflação nas respectivas
economias e a elaboração de um "regime de taxa de câmbio estável, mas suficien-
temente flexível" (Resolução 35/56); b) medidas relativas à liquidez internacio-
nal, através do estabelecimento de uma ligação necessária entre os Direitos
Especiais de Saque e o desenvolvimento, ou seja, desvinculando os direitos de
distribuição dos créditos do FMI, não em função das cotas-partes dos países (o
que representa um poder de quem detenha maiores fatias dos haveres do FMI),
mas sim em função das necessidades de cada país; c) medidas relativas aos
processos de ajustamento (Resolução 128-V da UNCTAD, Estratégia 1980), que
devem ser considerados como mais aptos e eficazes para o fim de realizar uma
partilha mais eqüitativa dos encargos de tal ajustamento; na Estratégia de 1980
preconiza-se que os procedimentos de ajustes devem ser acompanhados de
"acesso a mecanismos públicos de crédito em condições e segundo modalidades
adaptadas à natureza dos problemas das balanças de pagamentos dos países
interessados"; d) quanto às medidas relativas ao papel do FMI, os PVDs têm
batalhado pela revalorização do mesmo, num sentido conforme às suas aspira-
ções, em particular quanto à vigilância nos procedimentos de ajuste e na criação
de liquidez internacional; têm procurado melhorar uma cooperação mais estreita
entre o FMI e o BIRD no que respeita a financiamento a médio prazo das balanças
de pagamentos, com a liberalização do mecanismo de financiamento compensa-
tório e do mecanismo de financiamento dos estoques reguladores, da mesma
forma que a melhoria da facilidade alargada a médio prazo e a criação de
facilidades suplementares com mais longos prazos e com a disponibilidade de
recursos mais elevados.
Com a alta continuada do dólar dos EUA e o aumento contínuo das taxas de juros
dos bancos norte-americanos até meados da década de 80, acoplados a um
endividamento brutal dos PVDs, sobretudo da América Latina, as perspectivas
de reforma do sistema monetário internacional têm sido postergadas, com os
constantes recursos aos haveres do FMI (agravando, assim, a situação, pois as
condicionalidades se vão tornando cada vez mais draconianas, com os conse-
qüentes reflexos na situação interna dos países que recorrem ao FMI) . Apesar de
tais percalços, contudo, não há perspectivas de substituição do FMI por outros
A Cooperação Técnica Internacional 203

mecanismos ou outras instituições que possam representar o importante papel


nos ajustamentos dos desequilíbrios das balanças de pagamentos na atualidade,
em que pese a princip al crítica ao mesmo, de que é uma instituição que " cons-
cientemente sacrifica o desenvolvimento à estabilidade", como afirmam os
Profs. Feuer e Cassan, op. cit., p. 407 .
Fonte importante dos recursos da cooperação financeira internacional é o deno-
minado Grupo do Banco Mundial, constituído pelo Banco Internacional de
Reconstrução e Desenvolvimento, o BIRD (também denominado Banco Mun-
dial), a Corporação Financeira Internacional (CFI), e a Agência Internacional de
Desenvolvimento (AID) , todos os três organizações especializadas das Nações
Unidas. Interessa observar sua gênese, para se ter uma idéia de suas finalidades:
o BIRD foi constituído, juntamente com o FMI, nas Conferências de Bretton
Woods, em 1944, para ser um banco internacional de natureza comercial, com
fundos próprios alimentados por contribuições acionárias dos Estados, de forma
a constituir-se num organismo que refletisse o relativo poder econômico da
participação dos Estados acionistas. Ainda que fosse um instrumento da diplo-
macia multilateral, seu funcionamento reflete a ação de financiamento a projetos
rentáveis e produtivos (permitindo-se financiamento a programas de até 10% dos
recursos do Banco), sendo seus clientes, exclusivamente, Estados ou pessoas em
seus nomes (como coletividades de direito público interno), ou ainda empresas
privadas (como as sociedades de economia mista), com a garantia dos respectivos
governos, devendo seus lucros ser reaplicados em projetos e programas intimamente
relacionados com a finalidade de promover o desenvolvimento dos Estados (e não
em redistribuição de dividendos entre os acionistas, à semelhança de uma instituição
de direito privado). Em virtude desta última característica do BIRD, foi instituído
em 1954, pela Assembléia Geral da ONU, a CFI, definitivamente instalada em 24
de julho de 1956 , com um capital previsto de US$ 100 milhões e com a finalidade
de financiar projetos rentáveis, como o BIRD, através de fornecimentos de capital
ou da mobilização de capitais privados (e note-se desde já que a CFI , ao contrário
do BIRD, pode associar-se a empresas de direito privado ou participar do seu
capital), nas mesmas circunstâncias que o BIRD , ou seja, projetos com rentabilidade
financeira (termo que na sistemática do BIRD se traduzia por "rentabilidade eco-
nômica"), a clientes como Estados, pessoas em seu nome e, como nota caracterís-
tica, igualmente a pessoas de direito privado. Enfim, a AID, constituída em 1960
por decisão dos Estados, a partir de projetos dos administradores do BIRD, como
um organismo especializado das Nações Unidas, fornece recursos a fundo perdido,
ou, melhor dito, em condições não-concessionais, fora das regras de rentabilidade
do mercado mundial, portanto em condições de menor pressão sobre a balança de
204 Guido F. S. Soares

pagamentos dos Estados; seus clientes são Estados ou instituições nas mesmas
condições exigidas para as operações do BIRD.
As atividades do BIRD se destinam a:
1°) fornecer empréstimos a longo prazo, com fundos próprios subscritos pelos
Estados, ou com fundos que consegue com suas operações ordinárias (ou
eventualmente extraordinárias, de elevação do capital do Banco, através de
subscrições dos Estados-membros), como um banco comercial comum;
2°) financiar, com outras organizações internacionais, programas e projetos
(cofinanciamentos);
3º) fornecer garantias bancárias para empréstimos de entidades privadas aos Estados.
Em quaisquer operações se exige que o país tenha uma renda intermediária, a
critério do BIRD . São, em linhas gerais, as seguintes as condições econômicas
para a efetivação dos empréstimos:
a) atividades produtivas, entendidas como aquelas que aumentam o PNB dos
países emprestadores, a critério do Banco, admitindo-se empréstimos a pré-
investimentos ou na concessão de recursos para a formação de quadros, se
estes se referirem a atividades produtivas;
b) como já se assinalou, empréstimos destinados a financiamentos de projetos
(90% dos recursos do Banco) e de programas e, em épocas mais recentes, a
ajustamentos estruturais que signifiquem reformas em profundidade relacio-
nadas com o estabelecimento de equilíbrio das balanças de pagamentos (e,
em tais casos, em estreita coordenação com o FMI);
c) preocupação em preservar o interesse de todos os Estados-membros do
Banco, a fim de assegurar a solvabilidade da instituição, com o pleno conhe-
cimento e julgamento da situação dos Estados mutuários.
No que respeita às condições financeiras dos empréstimos, em linhas igualmente
gerais podemos destacar:
a) o caráter supletivo dos empréstimos, ou seja, quando o capital emprestado
pelo Banco não se encontra disponível no mercado;
b) financiamento em divisas, com a obrigação de fornecer tais moedas;
c) a duração dos empréstimos é em média de quinze a vinte anos, acompanhados
de períodos de graça de quatro a cinco anos, as taxas de juros determinadas
por ocasião da assinatura dos instrumentos jurídicos, determinados aqueles
pelos custos de fornecimentos dos empréstimos, acrescidos de 5% para
cobertura das despesas de gestão por parte do Banco;
A Cooperação Técnica Internacional 205

d) limites dos encargos com os empréstimos e garantias nunca superiores a


100 % do total das cotas subscritas pelos Estados no capital do Banco.
Quanto às atividades da CFI, podem ser assimiladas às operações de um banco
comercial privado, devendo notar-se, como já foi referido anteriormente, que é a
única organização internacional do sistema das Nações Unidas que investe fundos
públicos em empresas particulares e que favorece capitais privados junto a empresas
públicas e/ou privadas. Seus empréstimos são destinados a empresas sem a neces-
sidade de garantias dos governos, tendo, a partir de 1961, sido autorizada sua
participação no capital das mesmas. A atuação da CFI se destina a realizar emprés-
timos a longo prazo, acrescidos de participação acionária nas empresas mutúarias,
bem como a garantir emissões de ações de novas sociedades de direito privado. Seus
beneficiários são quaisquer empresas (à exceção de governos ou de entidades
públicas governamentais), inclusive sociedades de economia mista. Os projetos
devem ser de natureza privada e produtivos, tais como indústrias de transformação,
turismo e serviços públicos, como a energia elétrica e por isso não se financiam
projetos de infra-estrutura de governos, nem seus projetos produtivos. As condições
do financiamento (empréstimos ou participação acionária, ou ambos) são prazos de
sete a doze anos, com período de graça de três anos, reembolsável por semestres e
juros pagos trimestralmente, com a dispensa de garantias de governos; os recursos
fornecidos são em US dólares, ou nas divisas pactuadas.
Quanto à atuação da AID, seus recursos provêem de subscrições voluntárias,
contribuições voluntárias e doações dos Estados, bem como da aplicação de
recursos gerados pela atuação do BIRD. Os subscritores se dividem em função
das cotas subscritas: 1ª Parte, de ações subscritas em moeda forte, constituída
pelos países industrializados (com exceção dos países do Leste europeu) e mais
a África do Sul, e a 2ª Parte, constituída dos PVDs, que só subscrevem 10% em
moeda forte e o restante em sua moeda nacional. Além de tais recursos, há
subscrições adicionais, resultantes de aumentos do capital e de recursos suple-
mentares, resultantes de acordos de determinados Estados com a AID, quando
se opera a denominada " reconstituição dos recursos da AID". São as seguintes
as condições de financiamentos:
a) projetos, excepcionalmente programas, a serem executados nas regiões me-
nos desenvolvidas do mundo, com um PNB inferior a US$ 360 per capita
anual, ou a Estados que tiverem esgotado sua capacidade junto ao BIRD e
que provem sua solvabilidade e boa gestão econômica em recursos fornecidos
pelo Banco ou pela própria AID;
b) exames de prioridades e decisões país por país;
206 Guido F. S. Soares

c) recursos repassados a governos por prazos de cinqüenta anos e um período


de graça de dez;
d) não são previstos juros, mas cobra-se uma comissão de 0,75% ao ano, a título
de gestão pela AID;
e) créditos fornecidos em US dólares ou outra divisa, reembolsáveis na moeda em-
prestada, sendo necessário dizer que a AID não providencia operações de câmbio;
f) as despesas locais devem ser cobertas pelos governos mutuários.
Há outros fundos especiais da ONU que merecem menção: alguns geridos pelo
PNUD, como o Fundo de Equipamento das Nações Unidas, o Fundo das Nações
Unidas para Atividades em Matéria de População, o Fundo Auto-renovável para
Exploração de Recursos Naturais, o Fundo das Nações Unidas para Países sem
Litoral e o Fundo Provisório das Nações Unidas para a Ciência e a Tecnologia a
Serviço do Desenvolvimento; outros são geridos por pessoal próprio, como o
Fundo das Nações Unidas para os Refugiados.
Quanto à assistência financeira produzida por organizações interestatais regio-
nais, destacam-se dois grandes campos : a) aquela constituída por organizações
de integração econômica do tipo mercado comum, como as Comunidades Euro-
péias e o Pacto Andino, e b) aquela constituída por capitais extrazonais e dos
Estados de uma região e dedicados a financiamentos de uma parte do mundo,
tais como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Banco Africano
de Desenvolvimento (BAFD) , o Banco Asiático de Desenvolvimento (BAsD), o
Banco de Desenvolvimento do Caribe, a OPEP e os organismos árabes e islâmi-
cos e, recentemente, o Banco Europeu de Desenvolvimento (BERD).
Quanto à cooperação das Comunidades Européias, é uma das mais importantes
no que se refere ao mundo africano, conduzida por um Fundo Europeu de
Desenvolvimento (FED) e um Banco Europeu de Investimentos (BEl), desde a
constituição das três comunidades, a Comunidade Européia do Carvão e do Aço
(CECA), a Comunidade Econômica Européia (CEE), e a Comunidade Econômica
da Energia Atômica (EURATOM); regulada pelos acordos de Yaundé I e 11 e os
acordos de Lomé I, 11 e IH; tem igualmente prestado sua assistência financeira,
das mais relevantes, para países como Brasil, México, Peru e Nicarágua, além,
evidentemente, dos recebedores ordinários, os países da ACP (da África, Caribe
e Pacífico), onde se destacam os programas STABEX (mecanismo de compen-
sação financiada das flutuações de receitas de exportação) e SYSMIN (igualmen-
te, mecanismo de financiamento compensatório de flutuações de determinados
produtos minerários) .
A Cooperação Técnica Internacional 207

No que respeita à cooperação prodigalizada pelo BID, BAfD e BAsD, estes se


caracterizam, em geral, por serem organismos de desenvolvimento e, ao mesmo
tempo, de cooperação financeira, por gerirem recursos próprios subscritos pelos
Estados da região ou fora dela (no BID, por exemplo, a subscrição de suas ações
é feita 50% em ouro e 50% em divisas extra-regionais para os Estados fora da
área e, para os da área, em moedas nacionais), por terem capacidade de obtenção
de recursos em empréstimos no mercado mundial e de recursos provenientes de
reembolsos ou de pagamentos da gestão pela utilização de seus recursos e enfim
por realizarem operações em tudo semelhantes àquelas propiciadas pelo BIRD.
Quanto à organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), e aos orga-
nismos árabes e islâmicos de financiamentos, destacam-se: o Fundo Árabe de
Desenvolvimento Econômico e Social, o Banco Árabe de Desenvolvimento
Econômico da África, o Banco Islâmico de Desenvolvimento e os Fundos da
OPEP para o Desenvolvimento Internacional.
° Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento (BERD), de recentíssima
constituição, inaugurado no dia 15 de abril de 1991, evidentemente na esteira do
BIRD, destina-se à reconstrução do países do ex-bloco socialista do Leste
Europeu, tais como Romênia, Polônia, Iugoslávia, Bulgária, Hungria, Tchecos-
lováquia, a antiga República Democrática da Alemanha (hoje unida à RF Alemã),
e a URSS; excluídos a Albânia e os países extra-europeus. Serão beneficiadas:
Bulgária, Tchecoslováquia, Hungria, Polônia, Romênia, URSS e Iugoslávia.
Com um capital inicial de 10 bilhões de ECU (a unidade monetária da Europa
Comunitária, equivalente a US$ 13 bilhões), tem o controle acionário dos países
da CEE e do Banco Europeu de Investimento, sendo os EUA o maior acionista
individual, com 10% do capital, seguidos por Alemanha, Grã-Bretanha, França,
Itália e Japão, cada qual com 8,5% do capital subscrito, num total de quarenta
acionistas. Segundo o noticiário da imprensa brasileira, o BERD terá duas
divisões principais: um Banco de Desenvolvimento para financiar e ajudar a
modernização da infra-estrutura e a preservação do meio ambiente da Europa
central e oriental, e um Banco Comercial cuja prioridade será a promoção da
privatização dos monopólios estatais do antigo bloco socialista de extração
européia (conforme Antonio Carlos Seidl, "Europa Inaugura hoje um Banco para
a Reconstrução do Ex-bloco Socialista", Folha de S. Paulo, 15 de abril de 1991,
p. 2.1). A sede do BERD será em Londres.
No que respeita à ação direta dos Estados nas relações bilaterais de cooperação
técnica internacional, é impossível traçar um quadro explicativo global, pois ela
depende não só da estrutura administrativa dos órgãos estatais dedicados à tarefa
208 Guido F. S . Soares

como também das linhas políticas de cada governo, que poderão prestigiar mais
ou menos a ação dos Estados em tal matéria. O que se pode dizer, em linhas
gerais, é que tem verificado a desvinculação da ação dos Estados em tal campo,
da ação diplomática tradicional , o que se pode comprovar pela constituição de
Ministérios de Cooperação Internacional (ou denominações assemelhadas) , que
em nada se assemelham aos tradicionais Ministérios das Relações Exteriores
(estes, cada vez mais esvaziados de suas atribuições em matéria de comércio
exterior e de cooperação técnica internacional, para ficarem circunscritos às
relações diplomáticas tradicionais).
Quanto aos aportes dos bancos comerciais privados, no que se refere à coopera-
ção técnica internacional, além de sua importância como recursos adicionais,
pelo volume e pela estratégia de sua localização mundial , representa este um dos
mais espinhosos assuntos no campo jurídico, seja por sua classificação desafia-
dora dos tradicionais campos do Direito Interno e do Direito Internacional, seja
pela exigência de especialistas ainda em fase de formação, pelo menos no Brasil:
o advogado que tenha trânsito tanto na área dos contratos quanto na dos princí-
pios gerais do Direito Internacional Público e dos institutos jurídicos originados
das relações internacionais interestatais. Para se ter uma idéia das dificuldades
de lidar com as relações que envolvem, de um lado , uma pessoa jurídica de
direito internacional, um Estado (direta ou indiretamente vinculado a um contra-
to, em princípio um instituto sem guarida no Direito Internacional Público,
aquele que regula as relações de Estado a Estado e de Estado a organização
interestatal internacional), e, de outro , uma pessoa jurídica empresarial, subme-
tida a um direito privado de algum outro Estado (ou, simplificando a terminolo-
gia: um " particular estrangeiro"), é necessário dizer qu e os institutos jurídicos
tradicionais desconhecem tais relações (o direito que mais perto estaria de
resolver tais assuntos seria o Direito Internacional Privado , mas este, por defi-
nição, é um direito estatal e doméstico, sem possibilidades de alçar vôos nas
relações internacionais novas, Estado/particular estrangeiro, com sua metodolo-
gia tradicional).
Na verdade, tal perplexidade advém da relativa novidade das relações que
envolvem Estado/particular estrangeiro. Tradicionalmente, com efeito, os recur-
sos do setor privado nas relações internacionais eram ocasionais, destinados a
atender às relações privadas entre exportadores e importadores (muito eventual-
mente representados por um Estado ou por uma entidade sob seu controle), com
objetivos comerciais a curto prazo (e jamais com características concessionais,
fora das regras do mercado); se havia alguma presença perturbadora dos esque-
A Cooperação Técnica Internacional 209

mas jurídicos tradicionais, era nos campos de contratos de exploração de petró-


leo, nas relações Estados/uma das Seven Sisters, campo onde se começava a
esboçar uma teoria jurídica nova. Contudo, a partir dos anos 70 houve uma
avalanche de tais contratos Estados/particulares estrangeiros, onde se verificou
tal perplexidade, a ponto de os melhores pensadores do mundo jurídico se terem
dedicado ao estudo da novidade; a literatura a esse respeito é abundante, podendo
citar-se em nível internacional: Visscher (1975) e a extraordinária coletânea de
artigos dos mais relevantes sobre a matéria na Université de Dijon (1981); em
Portugal deve ser mencionado o trabalho de Jorge (1983). No Brasil, além de
bibliografia sobre o assunto, a menção especial se refere à tese de livre-docência
defendida na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo por Magalhães
(1989), bem como o artigo de Sturzenegger (1990, pp . 47-88) .
Houve referência de nossa parte ao ano de 1970, e por razões bem definidas.
Após a recessão desse ano, verificou-se uma baixa demanda de créditos nos
países industrializados, com a conseqüente disponibilidade de recursos financei-
ros, que passaram a ser oferecidos nos mercados da Europa ocidental. Tal fato,
associado à crescente reserva de ativos dos governos na Europa ocidental,
expressos em dólares (que receberam, então, a denominação de eurodólares, ou
seja, a quantidade de créditos e moeda dos EUA fora de seu território e do
controle do Federal Reserve Bank), em virtude do déficit contínuo da balança de
pagamentos dos EUA, e aos eurodólares provenientes de fundos do petróleo, nos
mercados europeus (os petrodólares), determinaria uma radical mudança das
estratégias bancárias, que passaram, então, a voltar-se para os investimentos
rentáveis junto aos PVDs, em particular na América Latina (com destaque para
o Brasil e o México). Ora, os PVDs, já às voltas com o esgotamento dos recursos
para as vias de financiamento de instituições oficiais internacionais, em particu-
lar não os produtores de petróleo no mercado internacional, acharam os meios,
no setor bancário privado, de cobrir seus déficits estruturais e conjunturais em
divisas, ao mesmo tempo que esperavam ter suas necessidades de capitais de
investimento cobertas com o fluxo de oferta que, naquele momento, se abria no
mundo.
A entrada maciça dos PVDs nos mercados dos eurodólares foi precipitada pela
crise do aumento brutal dos produtos do petróleo em 1973, que forçou aqueles
países a buscar novos recursos com empréstimos emergenciais, a fim de cobrir
seus déficits, então agravados pelas transações correntes. De 1975 a 1976 houve
uma situação de euforia nos mercados financeiros internacionais, de um lado
pelas condições propícias que os grandes bancos da Europa ocidental, EUA e
210 Guido F. S. Soares

Japão, ofereciam aos PVDs: vencimentos de dois a sete anos, margem de lucro
de 2% sobre a taxa vigente em Londres, LIBOR (London Inter-Bank Offered
Rate). Os próprios organismos de desenvolvimento internacional, como o FMI
e o BIRD, passaram a orientar seus empréstimos em favor das PVDs; na Reunião
de Manila, de outubro de 1976, o Comitê de Desenvolvimento baixa medidas
para facilitar o acesso dos PVDs aos mercados financeiros, tendo recomendado
aos países industrializados que dessem preferência, dentre seus mutuários, aos
citados PVDs, sobre: autorizações para emitir obrigações, em relação a um lugar
destacado nos schedules das emissões, em função dos limites quantitativos a
respeito das emissões de obrigações para estrangeiros nos respectivos mercados,
e, para culminar, a quantificação das curo-obrigações entre as moedas mais
procuradas. No que se refere às regulamentações dos mercados internos nos
países industrializados, aqueles organismos internacionais recomendaram: pro-
ceder à liberalização da saída de capitais em direção aos PVDs, a aceitação de
um regime de tratamento preferencial aos PVDs mutuários, bem como medidas
para melhorar o acesso aos mercados financeiros dos países industrializados.
Ora, tal euforia, na verdade, não foi suficientemente forte para revogar a lei de ferro
que impera nas relações comerciais no setor privado de investimentos internacio-
nais: a de que os empréstimos internacionais oferecidos pelos bancos privados o são
sob a forma de contratos e constituem-se em operações não-concessíonais, nego-
ciadas e executadas segundo as condições do mercado, com o afastamento de
qualquer privilégio (ainda que se refiram a campos de inegável importância para a
normalidade das relações internacionais, como é o caso da situação de dever-desen-
volver-se dos PVDs), e a de que as normas que regulam as relações assim estabe-
lecidas são aquelas provenientes de negociações do tipo clássico, num ambiente
internacional não susceptível de imposições dos Estados", De seu lado, os bancos
privados, movidos pelos estímulos econômicos de custo/benefício, estavam impos-
sibilitados de conferir um tratamento preferencial aos PVDs, que, sem dúvida, mal
puderam, souberam ou quiseram avaliar os efeitos futuros das obrigações que
assumiam agora, sem o poder de negociação e de barganha, que antes tinham e ainda
têm nas organizações internacionais de que participam e que podem influir por meio
da diplomacia parlamentar. Na verdade, tal diplomacia, aos poucos, acabou por

2. É necessário enfatizar que, nos contratos internacionais , a regra tem sido que os mesmos se regem pela lei
eleita pelas partes , com a mínima incidência de normas de ordem pública ou a interveniência de fatores
exógenos às negociações dos contratos , como a filosofia de prestigiamento da situação dos PVDs , que os
contratos se referem a serviços públicos, ligados à soberania dos Estados, ao bem-estar de sua população
e toda ordem de considerações da mais alta eqüidade, que , no entanto , não cabem nas relações estritamente
bancárias comerciais .
A Cooperação Técnica Internacional 211

ser substituída pela "diplomacia" (no sentido impróprio) das empresas privadas,
dominada pela lógica dos mercados internacionais.
Nos empréstimos bancários oferecidos pelos bancos privados no mercado inter-
nacional, o perfil dos mutuários (também denominados tomadores) pode consti-
tuir-se de entidades do setor público (governos, coletividades locais..como prefei-
turas, entidades controladas pelos Poderes Públicos ou autorizadas a agir em
nome destes, pela via de avais, por exemplo) ou de entidades do setor privado
(grandes bancos privados locais ou conglomerados de bancos domésticos, tipi-
camente nacionais ou ainda com participações acionárias estrangeiras) . Na maio-
ria dos casos, os eurocréditos são dados a empresas semipúblicas e canalizados
por bancos comerciais e/ou por bancos de desenvolvimento; os empréstimos de
maior monta são repassados a Bancos Centrais. Deve-se mencionar que a indús-
tria minerária e os setores ligados à energia gozam de crédito internacional iguais
ou assemelhados ao do próprio governo. No caso de empréstimos oferecidos ao
setor nacional privado, a maioria dos bancos estrangeiros privados emprestado-
res (mutuantes) prefere os clientes importantes, com ativos cifrados em US$
milhões, ou pertencentes a grupos de tal envergadura, ou ainda filiais ou parti-
cipantes conjuntos em sociedades estrangeiras; os bancos locais, obtidos os
empréstimos, repassam-nos a empresas, agindo, assim, como intermediários, e
que suportam parte dos riscos da operação e, é importante acrescentar, quanto
mais se situem em países com um setor bancário melhor organizado, constituem-
se em melhores fregueses junto aos bancos estrangeiros em função das facilida-
des de encontrar parceiros que facilitem a abertura de linhas de crédito.
Quanto ao perfil dos bancos privados estrangeiros emprestadores (mutuantes),
os empréstimos em eurodólares podem ser efetuados seja por um estabelecimen-
to bancário, seja por um grupo de mutuantes. No caso de um único mutuante,
embora não permitam os empréstimos partilha de riscos nem publicidade, são
mais fáceis de administrar e mais flexíveis na sua renegociação; tomam a forma
ou de simples empréstimos bancários (empréstimo público) ou de abertura de
crédito, sem limite de data, como no caso de empréstimos banco a banco.
No que respeita aos empréstimos por grupos de mutuantes, a prática tem elabo-
rado algumas tipolo gias :
a) os empréstimos consorciais tradicionais, geridos por um banco-líder, que age
como agente de outros, a quem distribui os pagamentos dos mutuários após
a coleta de fundos e representa os demais; em geral são reembolsáveis
segundo a agenda fixada pelas partes com um período de graça, têm taxas de
juros flutuantes, vencimento em data fixa e são sacados em uma única vez;
212 Guido F. S. Soares

b) empréstimos bancários conSOrCIaIS, semelhantes aos anteriores, mas com


taxas de juros constantes durante o empréstimo;
c) créditos renováveis, com as mesmas características gerais que os anteriores,
mas que permitem aos mutuários sacar o montante parcial ou total do em-
préstimo em porções sucessivas; permitem o reembolso de maneira livre ou
segundo agenda fixada para vigorar durante a vigência do empréstimo;
d) linhas de crédito stand by, nas mesmas condições, com a diferença de que o
mutuário não tem prazo ou outra condição para poder usar dos fundos
emprestados.
Numa interessante síntese, os Profs. Feuer e Cassan, da Université de Paris- V
(op.cit., pp. 482-483), mostram os critérios que, em geral, podem guiar as decisões
de escolha do parceiro nos empréstimos entre bancos estrangeiros e um Estado
ou empresa por este controlada, bem como os motivos das decisões de efetuar o
empréstimo. Quanto aos critérios da escolha do banco ou do consórcio de bancos
por parte dos mutuários, destacam-se: a importância financeira do emprestador,
sua nacionalidade, seus vínculos anteriores ou ainda a presença de agências ou
filiais do mesmo no país, a proximidade geo gráfica da sede do banco (ou do
banco-líder) com o mutuário e, enfim, a flexibilidade da política financeira does)
banco(s) emprestador(es). No que se refere aos motivos de escolha, por parte das
entidades bancárias estrangeiras em relação aos tomadores (Estados ou entidades
pelos mesmos controladas), são arrolados: a atitude do meio bancário, em geral,
em relação ao PVD, sua liquidez e a de seus estabelecimentos bancários no
mercado internacional, as regulamentações mais ou menos restritivas aos capi-
tais estrangeiros existentes no território do Estado, a eventual existência de bens
pessoais ou comerciais das pessoas físicas ou jurídicas envolvidas nos emprés-
timos, os riscos políticos eventuais ou reais de transferência de recursos estran-
geiros para o terr içirio ou para o crédito dos PVDs, os riscos da política
econômica, em geral aferidos pelo nível do endividamento externo dos PVDs, e,
enfim, um conhecimento generalizado do país recebedor; deve destacar-se a
importância da situação do banco-líder num consórcio, que deverá "vender a
imagem do país" junto aos bancos consorciados (ou, como se diz na terminolo-
gia, os "bancos sindicados") e, portanto, recolher e se responsabilizar pelas
informações passadas.
No tocante às decisões de emprestar, os referidos professores apontam os seguin-
tes motivos:
a) incitamento a gastar os empréstimos no país-sede do banco emprestador, o
que ressalta pela propensão a dar precedência a empréstimos ligados a
A Cooperação Técnica Internacional 213

projetos (e menos a alimentar orçamentos ou a equilibrar balanças de paga-


mentos);
b) os custos dos empréstimos, que podem ser minorados, pela oferta seja de
incentivos, no caso de riscos, ou de margens de remuneração superiores às
vigentes no mercado, devendo destacar-se a importância da política fiscal do
Estado tomador (incentivos fiscais, por exemplo);
c) a existência de relações comerciais corretas entre os parceiros durante a
vigência de empréstimos anteriores, tais como as respostas do tomador aos
pedidos de informações dos bancos estrangeiros emprestadores e o cumpri-
mento por parte daquele, de forma pontual, das obrigações pactuadas, em
particular os pagamentos;
d) a imagem que o país mutuário fornece dele mesmo, de onde ressalta a
importância de um bom sistema de relações públicas.
Quanto às condições financeiras dos empréstimos, são, em geral, a médio prazo,
de três a dez anos, com períodos de graça que podem variar. Quanto às taxas de
juros, são flutuantes e compostas de três elementos:
os cálculos baseados ou na LIBOR (London Inter-Bank Offered Rate) ou na
PRIME RATE (taxa diária que os bancos dos EUA oferecem a clientes
preferenciais, no mercado interno, para remuneração dos depósitos ou de
aplicações de tais pessoas);
2Q) SPREAD, suplemento pago ao(s) banco(s) emprestador( es) e que traduz, em
termos contábeis, a opinião que estes têm quanto aos riscos inerentes à
operação;
3Q) outras comissões, denominadas fees (honorários, ou encargos, na expressão
da Common Law, em particular ligados à noção de direitos reais que ficam
"colados" ao bem móvel ou imóvel, mais ou menos assimiláveis à noção de
"servidão") que, segundo o Professor José Carlos de Magalhães, na citada
tese de livre-docência, são os seguintes, verbis:

a) management fee, taxa de administração para remunerar os serviços de organização


e composição do crédito, com a reunião dos fundos junto a outros bancos copartí-
cipes do empréstimo;
b) commitment fee, remuneração da reserva da linha de crédito mantida em aberto em
favor do tomador, garantindo-lhe a disponibilidade dos recursos e sua liberação nos
prazos ajustados, desde que presentes as condições de desembolso;
c) facility fee, taxa adicional cobrada pelo banco quando do saque pelo tomador do s
recursos mutuados e remuneratória dos serviços correspondentes;
214 Guido F. S. Soares

d) agency fee , comissão de agenciamento para o banco que atua como coordenador em
empréstimos consorciados, com a participação de outros bancos;
e) service fee, taxa que se destina a remunerar os serviços de administração do crédito
aberto em nome do tomador.

Essa discriminação não é exaustiva e a criatividade dos financistas pode ampliá-la


sempre que algum custo não percebido se torne relevante e se decida repassá-lo ao
mutuário, inclusive os de natureza fiscal. As taxas e comissões, com freqüência, são
cobradas antecipadamente, reduzindo o volume dos recursos postos à disposição do
tomador, que, no entanto, fica obrigado ao pagamento do juro sobre o total, parte do
qual, portanto, ficou com o banco". (MAGALHÃES, 1989, p. 157).

Tendo em vista que houve, a partir de 1960, um aumento de pedidos de empréstimos


a médio prazo, foi necessário elaborar um mecanismo para minimizar os riscos dos
bancos emprestadores, seja em função dos adiamentos de pagamentos, seja ainda
em razão dos prolongamentos dos vencimentos. Para tal, foram introduzidos os
seguintes fatores nas relações entre tomadores e bancos consorciados:
a) possibilidades de renovações tácitas do crédito, com um ajustamento das
taxas de juros a cada três ou seis meses, com a finalidade de proteger ambas
as partes nos contratos de empréstimos, das variações inflacionárias ou de
riscos sazonais, fato que não se dá nos empréstimos a juros fixos;
b) maior repartição dos riscos advindos de falta de pagamentos entre um número
maior de bancos acreditados junto aos consórcios (na atualidade, os emprés-
timos se acham atomizados entre 60 a 70 bancos privados), prática que tende
a diluir os riscos suportados pelos bancos individualmente.
Quanto à estrutura jurídica dos contratos de empréstimos internacionais entre
bancos estrangeiros consorciados e o Estado (direta ou indiretamente), deve
dizer-se que eles refletem uma criatividade inacreditável, em particular no que
se refere à proteção dos direitos dos emprestadores. São contratos elaborados
dentro do sistema jurídico da Common Law, no qual a liberdade dos contratantes
é a mais ampla, sem a interferência de normas de natureza cogente ou imperativa
(a ponto de dizer-se que, naquele sistema, "o que não está no contrato não está
no mundo", em paródia ao que no sistema brasileiro se diz a respeito dos autos
do processo). O que causa espanto é que foi possível, à total falta de previsibi-
lidade por parte dos negociadores brasileiros ou à impossibilidade dos consulto-
res jurídicos dos mesmos tornar viável a assinatura de tais tipos de contratos sem
ao menos uma discussão de suas cláusulas; na verdade, tal como se encontram
estruturados, esses contratos são autênticos contratos de adesão, vigentes em
A Cooperação Técnica Internacional 215

todas as partes do mundo (pela força da presença dos bancos sediados na


Inglaterra e nos EUA e ainda pela força dos usos e costumes nas relações
comerciais e financeiras internacionais), que são mais ou menos deglutíveis, na
medida em que a ânsia de obter recursos externos seja maior que a cautela para
assegurar um mínimo de eqüidade nas relações pactuadas.
Bem-estruturados, autênticos códigos de conduta autocontidos e com total auto-
nomia em relação a leis de quaisquer países, aqueles contratos de empréstimo,
além das obrigações, direito e deveres das partes, contêm os covenants ("decla-
rações feitas por uma ou ambas as parte, que por elas se obrigam a realizar ou a
se abster de praticar determinado ato ou fato ou asseguram a existência ou
inexistência de um fato. A inobservância de covenant gera a responsabilidade do
infrator e sua obrigação de compor perdas e danos (cf. Ballentines Law Dictio-
nary..., apud MAGALHÃES, 1989, p. 160, nota 254) e os representations and
warranties (os primeiros, afirmações relativas ao passado e ao presente, a
respeito de sua pessoa, sobre o cumprimento de obrigações, sobre atos societá-
rios passados a terceiros, autorizações internas de ordem legal, quais e em que
teor... e os warranties, afirmações relativas ao futuro, garantias dadas como
provadas e que surtirão seus efeitos durante a vigência do contrato, desejos de
cumprir com o pactuado, certificação de que inexistem atos ou fatos que impe-
dirão a execução do contrato etc.). Também contêm cláusulas que, pela freqüên-
cia de sua constância na totalidade dos empréstimos concedidos pelos bancos
privados multinacionais e onipresentes no mundo, e pela citada força dos usos e
costumes nas relações comerciais e financeiras internacionais, podem ser consi-
deradas como obrigatórias.
Essas cláusulas obrigatórias, conforme descritas na mencionada tese do Profes-
sor José Carlos de Magalhães (1989, pp. 158 usque 167), são, resumidamente, as
seguintes:
1ª) pari passu, estipulação de que o credor (ou os credores consorciados) tem
igualdade de condições em relação a outros credores estranhos ao contrato,
de tal forma que o mutuário fique inibido de dar maiores garantias a terceiros,
a fim de não comprometer seu patrimônio;
2 a) negative pledge, proibição do mutuário de dar seu patrimônio móvel ou
imóvel em garantia a terceiros, salvo com a anuência expressa does) empres-
tador(es);
3 a) set off (ou cláusulas de compensação), autorização a que o(s) banco(s)
credor(es) possa(m) lançar na conta corrente do tomador qualquer débito
vencido e não-pago, ainda que a moeda de pagamento seja uma e a moeda do
216 Guido F. S. Soares

crédito seja outra; afastando-se assim a infungibilidade das prestações, per-


mite-se a utilização dos créditos do mutuante em qualquer agência dos
Bancos mutuários, seja no Brasil, seja no exterior, e ainda de qualquer banco
consorciado; pode-se antever a impossibilidade por parte do Estado de conhecer
e controlar as saídas de divisas, com o conseqüente agravamento da situação da
balança de pagamentos do país, numa situação que foge ao seu controle;
4 a) cláusula hardship ou "mudança de circunstância", parecida com as cláusula de
força maior (em francês, estas são denominadas force majeur), mas com subs-
tanciais diferenças quanto à sua configuração e resultados; na force majeur, há
impossibilidade real de adimplemento das obrigações contratuais (desapareci-
mento do objeto do contrato em virtude de catástrofe natural), que, se tiver sido
prevista no contrato, torna-o revogado ipso facto; na hardship, há igualmente
mudanças das circunstâncias, mas que tornam o contrato de tal forma oneroso
em seu cumprimento que ele passa a representar um ônus insuportável para o
devedor (por ex.: elevações inesperadas e imprevisíveis de preços no mercado
internacional de certos insumos de um produto, que tornariam o custo final de
uma mercadoria absolutamente danoso para o fabricante, nas formas pactuadas),
de maneira que seu efeito é, não a rescisão automática do contrato, mas sua
renegociação quanto a determinados aspectos do pactuado (por ex.: novos
prazos de entrega);
s a) cross default (inadimplemento cruzado), segundo a qual qualquer inadimplemento
acelerará o vencimento antecipado do contrato ou o vencimento antecipado de
outras obrigações (mesmo que haja impedimentos decorrentes de ato ou fato de
terceiros, como, por exemplo: as restrições do FMI ao Estado de obter suas divisas
de pagamento); são tentativas de assegurar aos credores uma igualdade de trata-
mento, estabelecendo-se igual partilha no patrimônio do devedor insolvente;
6a) waiver ofjurisdiction e ou waiver ofprejudgement attachment, renúncia expres-
sa a quaisquer imunidades de jurisdição e de execução (inclusive de eventuais
foros privilegiados que tenha o Estado ou suas entidades), bem como a proibição
de medidas cautelares preliminares que possam tornar os bens do devedor
infensos a uma futura execução ou medida cautelar por parte dos credores;
7 a) cláusula de eleição do foro de Nova York para eventuais discussões sobre
controvérsias oriundas da interpretação ou da execução dos contratos de
empréstimos; deve dizer-se que não existe previsão de soluções extrajudiciá-
rias, tais como a conciliação ou a arbitragem, mas tão-somente a solução
judiciária, tendo as partes, em estipulação expressa, eleito o foro da cidade
de Nova York (e diga-se, para não ficar dúvidas, o foro judiciário, sem deixar
A Cooperação Técnica Internacional 217

de mencionar que um eventual réu do processo civil poderá ser a União


federal ou uma entidade por ela controlada);
8ª) enfim, como lei de regência dos contratos, as partes elegem, para o direito material
do pactuado, a lei de Nova York (e, por conseqüência, no sistema legal daquele
Estado da Federação norte-americana, é igualmente eleita a lei cont1itual, ou
seja, seu Direito Internacional Privado). É necessário dizer, ainda, que segundo
a lei de Nova York, por mais leoninas que sejam as disposições anteriormente
mencionadas, são elas plenamente válidas, conforme os princípios da mais plena
liberdade contratual existente na Common Law de Nova York.

VI. CONCLUSÃO

Finalmente, à guisa de conclusão, podemos retomar o conceito de cooperação


internacional, principalmente tendo em vista o que se disse a respeito das
relações econômicas e financeiras entre Estados e os bancos privados estrangei-
ros. Pretendíamos descrever os fatos tais como se apresentam, sem quaisquer
juízos de valoração. Contudo, conforme o próprio conceito de cooperação inter-
nacional o exige, torna-se impossível não mencionar a inadequação do mesmo
às realidades existentes e que têm sido apontadas nos foros internacionais. Na
verdade, a introdução e as batalhas a respeito da NOVA ORDEM ECONÔMICA
INTERNACIONAL, são uma revisão dos fatos correntes, ocorridos sob a rubrica
de "cooperação técnica internacional", mas que desmerecem a noção de "coope-
ração", com seus sentidos ético e de eqüidade, que se encontram afirmados e
claros na Carta das Nações Unidas, cuja realização prática, porém, mais e mais
se distancia mandamentos supremos da comunidade dos Estados, elaborados ao
final da Segunda Guerra Mundial.

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Financiamento Oficial da
Cooperação Técnica
Internacional

Peter Könz

I. INTRODUÇÃO

o financiamento oficial da cooperação técnica internacional tem-se tornado


extremamente escasso no que se refere aos países de renda nacional média.
Enquanto os casos de sucesso em termos de cooperação, como o Plano Marshal1,
basearam-se num paradigma de interesse mútuo, a atual política dos países
fornecedores de recursos, refletida também na alocação de recursos do UNDP¹,
denota uma motivação assistencial que confere prioridade muito reduzida às
necessidades específicas de desenvolvimento dos países de renda média. Assim,
é essencial aprender como utilizar até mesmo os volumes pequenos de apoio
externo como um agente catalisador direcionado, envolvendo freqüentemente
esquemas mistos de financiamento, tais como, por exemplo, participação nos
custos, co-financiamento, uso complementar de assistência técnica oficial e
privada, financiamento com doações e empréstimos, esquemas de conversão de
dívida etc. Também é necessário um enfoque novo e diferente à TCDC (coope-
ração técnica entre países em desenvolvimento).

1. Utilizamos siglas inglesas (por exemplo , UNDP no lugar de PNUD, empregada em idiomas latinos) para
todas as agências do sistema das NNUU. Ver glossário.
220 Peter Kônz

11. ARCABOUÇO CONCEITUAL E ORIENTAÇÃO DA DISCUSSÃO

Este trabalho parte do fato objetivo de que, no que se refere a países de renda
média como o Brasil", o financiamento oficial da cooperação técnica - bilateral
ou multilateral, com doações ou, em menor escala, também em bases reernbol-
sáveis (ou seja, com empréstimos) - tem se desacelerado e se deve esperar que
continue a ser bastante minguado. Para ser significativa e exercer um impacto
importante, a cooperação técnica com financiamento oficial freqüentemente
precisa, portanto, interagir com a cooperação comercial - por exemplo, prepa-
rando o terreno' para investimento ou comércio, ou complementando insumos
técnicos com financiamento mais substancial, proporcionados no contexto de tran-
sações comerciais, geralmente em nível de empresa.
o desafio, portanto, é utilizar da melhor maneira possível o financiamento
oficial da cooperação técnica, mesmo quando está disponível somente em doses
homeopáticas, atribuindo-lhe uma função específica no processo de desenvol-
vimento - catalisadora, inovadora, freqüentemente como agente precursor de
investimento, comércio, assistência financeira ou cooperação técnica comer-
cial. Este ponto de vista é tão válido para a cooperação técnica da qual o Brasil
é destinatário quanto para a assistência técnica proporcionada pelo Brasil a
outros países em desenvolvimento.
Encarado dessa forma, o tema do financiamento deve ser tratado primeiramente
por meio de um exame da natureza das atividades a serem apoiadas, com a
finalidade determinar aquelas para as quais o financiamento oficial oferece
vantagens comparativas e possa estar disponível em bases realistas: Isto levanta
uma série de questões básicas. O que significa, 'na verdade, a cooperação técnica
internacional? Qual é a sua finalidade essencial, qual a motivação predominante
entre as fontes de financiamento, ou os "doadores", e entre aqueles que criam
condicionamentos para a P?lítica do doador (opinião pública, burocratas, parla-
mentares)? Impulsos de caridade? Uma obrigação de compensar erros que re-
montem a um passado de dominação política, econômica ou cultural, como foi

2. Termos tais como "país de renda média ", ou "p aís de industrialização recente" - ambos aplicáveis ao caso
do Brasil, enquanto países tais como a índia e a Indon ésia são de industrializa ção recente, mas não de
renda média - e, no outro extremo da escala, a categoria de países de menor desenvolvimento , têm sido
introduzidos numa tentativa de refinar a dicotomia simplista (e semantica mente imprecisa) entre " dese n-
volvido " e " em desenvolvimento ". Embora essa taxonomia seja utilizada para fin s normativos, es-
pecialmente no que diz respeito à alocação de recursos para cooperação internacional, os c rité ri os
subjacentes - basicamente PNB per capita e o quociente entre produto industrial e produto não-in-
dustri al - são de relevância questionável para a necessidade e a capacidade de absorção de assist ência
técnica extern a orientada para o desenvolvimento.
Financiamento Oficial da Cooperação Técnica Internacional 221

dito por algumas pessoas, quando a Nova Ordem Econômica Internacional estava
sendo proposta? Ou a motivação ret1ete um outro paradigma, qual seja o de interesse
mútuo no desenvolvimento, na redução do hiato de desenvolvimento e na criação
de parceiros comerciais, financeiros ou políticos viáveis, mesmo ao custo da
geração de concorrentes? Deveria se concentrar, como foi sugerido há não muito
tempo pela comunidade de doadores, em "necessidades básicas" e em tecnologia
simples ou gandhiana (posição que ret1ete um enfoque assistencialista), ou deveria
também envolver a área de tecnologia avançada (que não pode ser ignorada, caso o
objetivo seja o desenvolvimento)? Deve - e pode - a assistência técnica envolver
áreas sensíveis de governo, a reforma do Estado (e não a simples modernização
administrativa), as relações entre o Estado e a Sociedade? Por último: há uma diferença
entre os termos" cooperação técnica" e "assistência técnica"?
À primeira vista, "cooperação técnica" e "assistência técnica" são termos claros e
indiscutíveis. "Cooperação" subentende uma relação entre iguais, ou parceiros, que
almejam uma meta comum. "Assistência", por outro lado, evoca a ajuda de alguém
que "tem" algo a outro que "não tem". "Técnica" quer dizer que a cooperação ou
assistência deve estar ligada a uma transferência ou ao desenvolvimento de tecno-
logia, experiência, uma habilidade prática ou de gestão, ou de equipamento.
Na verdade, porém, o jargão oficial nesta área é um lodaçal de confusão semân-
tica e definições. Começando na década de 70, quando a cooperação internacio-
nal com vistas ao desenvolvimento (que obviamente dava preferência a uma
parceria - em lugar de uma relação unidirecional entre doador e beneficiário, ou
entre professor e aluno) se tornou prioritária nas relações internacionais, o termo
"cooperação técnica" tendeu, como veremos mais adiante, a substituir, no lin-
guaj ar da ajuda externa, o termo "assistência técnica", com suas conotações
paternalistas politicamente desagradáveis, mesmo no que dizia respeito a pro-
gramas cuja finalidade fora e continuava sendo principalmente de caridade ou
humanitária, isto é, assistencial, ou nos casos - se não de direito, pelo menos de
fato - em que o doador permanecia no controle dos programas que financiava,
contradizendo o conceito de parceria. (É significativo observar que o termo
"assistência técnica" é comumente usado em transações comerciais - por exem-
plo, contratos envolvendo tecnologia e serviços, venda ou manutenção de equi-
pamento etc.). Quanto ao termo "técnica", pode-se dizer que ele também tem
sido aplicado, no jargão da ajuda externa oficial, para abranger até mesmo o
apoio orçamentário direto de instituições específicas, ou o fornecimento de bens
ou ajuda humanitária sem qualquer conotação "técnica". Por último, a confusão
é aumentada pelo fato de muitas estatísticas internacionais - por exemplo, os
222 Peter Kõnz

Relatórios de Desenvolvimento Nacional, anualmente elaborados pelas Nações


Unidas" - terem apresentado a tendência de agregar, como assistência técnica
oficial, o apoio sob a forma de doações (por exemplo, os programas do UNDP e
a maior parte da ajuda bilateral) à assistência técnica contida nos empréstimos
multilaterais, que não representam "assistência" em seu sentido puro, pois os
empréstimos, mesmo em condições especiais, precisam ser reembolsados e
contêm juros substanciais.
Tendo assinalado as ambigüidades do jargão de ajuda oficial, para os fins deste
trabalho, não obstante, ignoraremos os detalhes semânticos, bem como os tabus
políticos, e adotaremos os termos "assistência técnica" e "cooperação técnica"
como sinônimos, mas procuraremos determinar a motivação ou a finalidade
(assistencial ou de interesse mútuo) e o nível real de "parceria" associados a cada
fonte e tipo de financiamento para assistência técnica.
O tópico do financiamento da cooperação técnica, portanto, foi enfocado de
acordo com esta seqüência:
(i) fontes de financiamento; motivação, em retrospecto, incluindo o modelo do
Plano Marshall; discussão das principais fontes externas de empréstimos e
doações, bilaterais e multilaterais, com referência especial ao UNDP e ao
"Consenso" UNDP, tanto na teoria quanto na prática;
(ii) critérios de alocação de recursos para assistência técnica, com referência
especial à fórmula do UNDP; discussão crítica do conceito de "gradação";
(iii) financiamento misto: participação nos custos (em projetos e programas) e
suas limitações, incluindo a participação em custos por meio de emprésti-
mos multilaterais; co-financiamento, financiamento paralelo por fontes na-
cionais ou estrangeiras, privadas ou governamentais;
(iv) um modelo para o futuro: cooperação técnica - incluindo cooperação Sul-
Sul - em países de renda média; seletividade, flexibilidade, complementa-
ridade entre a cooperação oficial e a cooperação em nível de empresa e suas
implicações institucionais.

3. Em particular, faz-se referência aos Relatórios de Desenvolvimento elaborados anualmente pelos escritórios
locais do UNDP e aos Relatórios de Política sobre Atividades Operacionais para Desenvolvimento , apre-
sentados à Assembléia Geral da ONU pelo diretor-geral para Assuntos Econômicos e Desenvolvimento. O
empréstimo em condições mais favoráveis e até mesmo os créditos à exportação e as garantias de crédito
podem, evidentemente, ser considerados como "ajuda", mas, para se comparar seu volume ao das doações, é
preciso que seja reduzido à diferença capitalizada entre as taxas normais de mercado e as taxas dos
empréstimos em condições especiais. Os empréstimos da IDA aos países de menor desenvolvimento, com suas
taxas simbólicas de juros e seus longos períodos de carência, podem ser considerados como um caso especial.
Financiamento Oficial da Cooperação Técnica Internacional 223

Ill. FONTES DE FINANCIAMENTO PARA ASSISTÊNCIA


TÉCNICA: MOTIVAÇÃO E POLÍTICAS

1. Motivação, em Retrospecto: o Modelo do Plano Marshall


Estaria fora do alcance deste trabalho reconstruir toda a história da cooperação
técnica internacional, tema coberto por outras contribuições ao PROCINT. Basta
assinalar, em largas pinceladas, que o advento deste tipo de cooperação coincidiu
com os processos de descolonização e emancipação posteriores à Segunda Guerra
Mundial. Embora o conceito possa ser situado e ainda seja influenciado pelos
primeiros programas de emergência e reconstrução (isto é, assistenciais), tais como
os da UNRRA, no sistema das Nações Unidas, e outros programas voltados para
grupos particularmente vulneráveis (UNICEF, WFP, UNHCR, UNDRO), a coope-
ração internacional acrescentou gradativamente uma dimensão "técnica", voltada
para o desenvolvimento; ao mesmo tempo, porém, sua dinâmica foi cada vez mais
condicionada pela guerra fria e pela conseqüente bipolarização de grande parte do
Terceiro Mundo; em princípio, estavam imunes a motivações clientelistas somente
as atividades operacionais das Nações Unidas (o UNDP e seus precursores" e os
vários fundos e programas criados pelos principais organismos setoriais).
Obviamente, portanto, o desenvolvimento - e a redução do hiato de desenvolvi-
mento - tinha adquirido um significado político . Do ponto de vista da Carta das
Nações Unidas, o desenvolvimento e as atividades operacionais voltadas para o
seu apoio deviam, no longo prazo (e numa visão otimista), não apenas ajudar a
alcançar os objetivos enunciados na Declaração Universal dos Direitos do Ho-
mem e na Convenção de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais como também
reduzir tensões internacionais e, com isso, a probabilidade de conflito que
pudesse perturbar a paz mundial. Por outro lado, o conceito de um " direito ao
desenvolvimento" e várias propostas normativas dele decorrentes (a Nova Or-
dem Econômica Internacional; a Carta de Direitos Econômicos e Deveres dos
Estados; e outras expectativas em relação ao fracassado Diálogo Norte-Sul da
década de 70 e início da década de 80) permaneceram no nível do discurso de
exortação. O mesmo pode ser dito quanto às declarações mútuas de vinculação da
ajuda a uma porcentagem do Produto Nacional Bruto dos países doadores",

4. TAB e Fundo Especial.


5. Para uma discussão completa do Diálogo Norte-Sul das décadas de 70 e 80 , ver CDP Report (1983). A meta
de um por cento do PNB , fixada pela DAC em 1965 , foi atingida apenas por uns poucos países doadores-
em 1989 , apenas pela Noruega - , enquanto a média para a DAC foi de 0,34% (DAC, 1966 e 1990).
224 Peter Kônz

Foi contra esse pano de fundo que a assistência técnica multilateral e bilateral -
em níveis que, comparado com as despesas militares, eram sempre bastante
modestos" - cresceu, estagnou e diminuiu (pelo menos em termos reais) durante
as últimas quatro décadas. Evidentemente, não é possível predizer como os novos
cenários (distensão Leste-Oeste; transição generalizada para economias de mer-
cado relativamente abertas; ressurgimento de conflitos religiosos ou étnicos na
Europa Oriental e no Sul; o fracasso evidente dos principais programas de ajuda
na região ao sul do Saara) afetarão a orientação e o apoio da assistência técnica
futura, tanto multilateral quanto bilateral, exceto para se dizer que, presumivel-
mente, os programas multilaterais crescerão em importância à medida que a
motivação política e clientelista que sustentava os antigos programas bilaterais
perder sua razão de ser.
A esta altura, é interessante, contudo, rever o que sem dúvida foi a experiência
de maior êxito em termos de cooperação internacional voltada para o desenvol-
vimento, ou seja, o Plano Marshall, da década de 50 e início da década de 60. O
contexto (início da guerra fria), as condições ambientais (homogeneidade cultu-
ral) e a sua abrangência limitada (essencialmente a região do Atlântico Norte)
eram muito distintas das que são encontradas no quadro global de desenvolvi-
mento dos dias de hoje: seria ingênuo esperar um novo Plano Marshall para o
Sul ou para os países da Europa Oriental. Mas algumas conclusões relevantes
para a cooperação técnica envolvendo países de renda média podem ser extraí-
das do caso da Europa Ocidental. Em primeiro lugar, o modelo conceptual foi
claramente um modelo de parceria, combinando, numa primeira fase, uma
política econômica conjunta (conjuntural, comercial, monetária, fiscal) e um
programa de assistência técnica com gestão conjunta, tudo isso apoiado por uma
infra-estrutura relativamente leve (a OEEC). Embora com financiamento bastan-

6. Evidentemente, deve ser reconhecido que comparações entre gastos militares e programas espaciais , de um
lado, e os recursos alocados à assistência ao desenvolvimento , de outro lado, não têm impressionado muito
seja as autoridades, seja a opinião pública dos países doadores. No entanto, é evidente que, enquanto
somente os gastos com o desenvolvimento de armamentos (bombardeiros invisíveis ao radar, ou Stealth, o
programa "Guerra nas Estrelas" e os arsenais nucleares), sem falar da exploração do espaço e de estações
orbitais, chegam a centenas de bilhões de dólares, o Plano Marshall custou cerca de 13 bilhões de dólares
no período de quatro anos (65 bilhões de dólares aos preços de 1989, ou 1,2% do PNB dos Estados Unidos
e do Canadá nos quatro anos em questão), segundo Le Monde, 7 de setembro de 1991, p. 20. De um ponto
de vista de interesse mútuo, ou comparado à porcentagem do faturamento despendida pelas empresas com
o desenvolvimento de mercados, essas somas - tal como o custo dos programas atuais de cooperação
técnica - são muito modestas, mesmo que abranjam o custo da assistência técnica aos países de renda média
e aos países de industrialização recente. Sem dúvida, as autoridades que conceberam o Plano Marshall
compreenderam que o significado político do financiamento coletivo da cooperação internacional superava
de longe o seu custo para os doadores individuais.
Financiamento Oficial da Cooperação Técnica Internacional 225

te modesto, a assistência técnica desempenhou um papel crucial, na década de


50, no crescimento das economias da Europa Ocidental, incluindo as de futuras
histórias de sucesso, como a República Federal da Alemanha, a França, a Itália
e os países do Benelux; o grosso dessa assistência técnica foi proporcionado
7
através da European Productivity Agency (EPA) e consistiu em transferências
(ou desenvolvimento) da tecnologia avançada que criou as condições para a
modernização da indústria e da agricultura européias. Os principais doadores e
fontes de conhecimento técnico (Estados Unidos e Canadá) claramente não
estavam preocupados com o surgimento de concorrentes do outro lado do Atlân-
tico: além da motivação política evidente no contexto da guerra fria, esperavam
que a reabilitação da Europa ocidental lhes abrisse novos mercados e criasse
novos parceiros econômicos, como realmente aconteceu. Por volta do final da
década de 50 - isto é, em cerca de uma década - essa tarefa tinha sido em grande
parte cumprida, e a infra-estrutura produtiva da Europa ocidental (indústria,
agricultura, serviços) tinha atingido níveis internacionais de competitividade.
Enquanto isso, atenção especial fora dada não apenas à política conjuntural,
comercial, monetária e fiscal mas também aos fatores de crescimento econômico
a longo prazo: ciência e tecnologia, educação, treinamento de mão-de-obra.
Além do mais (e isso desempenhou um papel fundamental neste processo), a
cooperação no contexto da OEEC tinha envolvido a indústria em nível de
empresa, por meio de uma variedade de comissões setoriais que indicaram o
caminho não apenas para os vínculos entre países mas também para empreendi-
mentos conjuntos concretos que prepararam o terreno para a eventual substitui-
ção e eliminação da assistência técnica com financiamento oficial.
Nessa altura, no começo da década de 60, o contexto institucional sofreu uma
importante mudança, com a OEEC sendo substituída pela OECD, organização
voltada primordialmente para a formulação de políticas comuns, da qual os
antigos doadores (Estados Unidos e Canadá) se tornaram membros com direitos
iguais aos dos países da Europa Ocidental e mais tarde foram acompanhados pelo
Japão, pela Austrália e pela Nova Zelândia. A European Productivity Agency foi
extinta, e a assistência técnica prosseguiu em escala menor em benefício dos
países-membros mais pobres, enquanto a política global de desenvolvimento era
examinada na DAC, uma comissão restrita que desfrutava de grande autonomia
(KÓNZ, 1966).
Portanto, quais são as lições principais e ainda relevantes do modelo do Plano

7. Para uma discuss ão sobre a European Productivity Agency e sua importância, ver OEEC (1958, pp.134 e ss.).
226 Peter Kõnz

Marshall? Em primeiro lugar, a de que existe substância no paradigma de


interesse mútuo na ajuda para fins de desenvolvimento: vale a pena, tanto em
termos econômicos quanto políticos, e até em termos de geração de empregos
domésticos" criar parceiros comerciais e econômicos viáveis e solventes. A
assistência técnica pode desempenhar um papel importante neste sentido, mas
funciona melhor quando administrada conjuntamente e está relacionada com uma
política econômica comum (em princípio, a gestão conjunta é alcançada no
sistema das Nações Unidas por meio de mecanismos de política como o que
funciona no UNDP - ver, abaixo, os comentários sobre o " consenso" ; por outro
lado, a formulação de política econômica comum ainda é um sonho remoto num
contexto global de Nações Unidas) . Por fim, a experiência do Plano Marshall
mostra que os programas de assistência técnica podem ser encerrados - mas não
por uma fórmula de "gradação" automática vinculada ao Produto Nacional Bruto
per capita - se o hábito de cooperação tiver se firmado em nível da empresa e
se os governos continuarem a formular políticas econômicas e comerciais con-
juntas. Se não tivesse havido essa formulação conjunta, e os vínculos estabele-
cidos entre países tivessem continuado sem estímulos oficiais, a suspensão da
assistência técnica na OECD teria sido mais dolorosa e politicamente prejudicial,
perpetuando desequilíbrios de desenvolvimento social e econômico nessa região".

2. Tipos de Financiamento Oficial para Assistência Técnica


É preciso distinguir duas categorias básicas de financiamento oficial para assis-
tência técnica. Um é o financiamento sob a forma de doação multilateral ou
bilateral, não-reembolsável. O outro, reembolsável e com juros, embora em
condições especiais menos onerosas do que as de mercado, consiste no compo-

8. Além do valor direto da "indústria da ajuda externa" para firmas de consultoria e outros setores dos países
doadores, a literatura sobre desenvolvimento (incluindo estudos efetuados por sindicatos setoriais nos Estados
Unidos e na Europa) tem confirmado, já há algumas décadas, a correlação positiva entre desenvolvimento (e ,
portanto, maior poder aquisitivo) do hemisfério sul, e níveis de emprego nas indústrias e nos ramos de serviços
voltados para a exportação no hemisfério norte. Ver, por exemplo, a hoje clássica demonstração, no contexto
da Rodada de Tóquio, por Fishlow, Carri êre e Sekiguchi (1981). O problema, evidentemente, é que no longo
prazo tais correlações dependem de uma divisão internacional ideal do trabalho que não corresponde aos
cenários atuais - a saber, cenários nos quais indústrias-mão-de-obra-intensivas e, portanto, politicamente
sensíveis (por exemplo , tecidos), ou uma agricultura apoiada em subsídios continuam a ser protegidas no
hemisfério norte por barreiras tarifárias e não -tarifárias (incluindo cotas impostas por acordos internacionais
como o Multi-Fibre Agreement), enquanto os países do Sul pretendem construir suas próprias indústrias de
tecnologia avançada (microeletrônica, biotecnologia, informática) e seus próprios setores de serviços em
competição com o Norte.)
9. Ver ABREU e FRITSCH (1984). Ver, em relação a uma fórmula de gradação mais suave, IBRD Memo
(1982).
Financiamento Oficial da Cooperação Técnica Internacional 227

nente de assistência técnica contido em empréstimos, principalmente de institui-


ções financeiras multilaterais, mas também - fontes bilaterais - por exemplo,
sob a forma de créditos à exportação (ou garantias de crédito) de equipamento e
tecnologias a eles vinculadas. Com o passar do tempo, o componente de assis-
tência técnica nos empréstimos multilaterais tem crescido muito mais rapida-
mente do que a assistência técnica multilateral sob a forma de doação .
De maneira análoga, a assistência técnica bilateral tende a ser de maior volume
que a assistência multilateral- também especialmente nos países de renda média
da América Latina, em relação aos quais as motivações comerciais e culturais
são mais importantes em programas bilaterais de cooperação técnica de países
como Alemanha, Itália, França e Japão do que na alocação de fundos de assis-
tência técnica multilateral.
Deve ser ressaltado, evidentemente, que as comparações quantitativas entre tipos
de fontes de financiamento externo de assistência técnica nem sempre são
significativas. Como é assinalado em outro ponto deste trabalho (por exemplo,
ver nota 3, acima), os empréstimos para assistência técnica (mesmo em bases
favoráveis), e especialmente os créditos para exportação, não podem ser coloca-
dos no mesmo plano do financiamento sob a forma de doação. No que se refere
a uma comparação entre o volume de financiamento bilateral e o volume de
financiamento multilateral, pode-se afirmar que o primeiro é geralmente "vincu-
lado", sendo por isso menos fungível do que o segundo, que permite utilização
sem restrições.

3. Empréstimos para Assistência Técnica

No Brasil, as fontes de empréstimos oficiais para assistência técnica são o Banco


Mundial e o Banco Interamericano (ao contrário do BIRD, porém, o BID também
oferece alguns fundos sob a forma de doação, embora os procedimentos para
processar tais doações sejam lentos e complicados) . A IFAD também tem feito
alguns empréstimos ao Brasil, mas em volume menor do que os das outras duas
instituições multilaterais, voltados principalmente para o apoio à agricultura de
pequeno porte. A maioria dos empréstimos multilaterais, seja para projetos ou
em bases setoriais, contém significativos componentes de assistência técnica.
Como se poderia esperar, em vista da distribuição do poder de tomada de decisão
dentro do Banco Mundial e do Banco Interamericano, eles são particularmente
sensíveis às pressões dos doadores de recursos (e à pressão da opinião pública
desses países) em sua política de empréstimo. Embora essa prática tenha sido
228 Peter Kônz

criticada (AVRAMOVIC, 1989), porque parte da premissa de que as políticas


nacionais podem ser impostas por um emprestador, ao passo que uma política
sócio-econômica básica, para ser viável, deve crescer endogenamente, essas
pressões comumente assumem a forma de condicionalidades que, evidentemen-
te, intluenciam também o componente de assistência técnica desses emprésti-
mos. Dentre as políticas de empréstimo mais importantes a serem levadas em
conta, quando se busca assistência técnica junto a essas instituições, podemos
citar a liberalização do comércio, uma preferência pelo setor privado e, desde
que o Banco Mundial foi criticado pelo Sierra Club por seu projeto POLONO-
ROESTE (juntamente com outros na Índia, na África etc.), a proteção ambiental
e a gestão ecológica.
Num outro ponto deste trabalho discutiremos as oportunidades de utilização, em
bases complementares, de assistência técnica derivada tanto de doações quanto
de empréstimos, incluindo a alocação de empréstimos à assistência técnica sob
a forma de participação nos custos, e o uso desta última para ajudar os tomadores
nacionais a elaborar suas próprias propostas de empréstimo, em lugar de - como
tendia a ocorrer no passado - simplesmente responder a propostas feitas pelos
técnicos das instituições financiadoras.

4. Financiamento Bilateral para Assistência Técnica


Como já foi observado, a ajuda bilateral sem fins militares, proveniente dos
países industrializados do hemisfério norte, continua ocupando uma posição
importante no esforço geral de cooperação técnica. Para os países de renda média
da América Latina, as principais fontes de ajuda bilateral são Alemanha, Japão,
Itália, Espanha, Canadá e França; alguns outros países da OECD, entre eles os
Estados Unidos, a Holanda e a Suíça, tendem a canalizar seu apoio através de
organismos não-governamentais. Nos últimos anos, a Comunidade Econômica
Européia - independentemente de seus membros - também se tem destacado
como uma fonte de financiamento de assistência técnica. Os principais esquemas
de ajuda são programados por Comissões Mistas (ou Bilaterais), geralmente com
base numa programação revista ano a ano.
Embora cada programa bilateral tenha suas próprias prioridades e peculiaridades
financeiras e burocráticas, incluindo exigências de divulgação de dados finan-
ceiros e formato de projeto, algumas observações gerais podem ser feitas sobre
esta categoria de financiamento como um todo.
Em primeiro lugar, a maioria dos programas bilaterais - incluindo esquemas
Financiamento Oficial da Cooperação Técnica Internacional 229

Sul-Sul (CTPD ou TCDC) - funciona num número limitado de países beneficiá-


rios selecionados com base em critérios políticos (e muitas vezes também
comerciais). Assim, os países do Norte têm tradicionalmente concentrado sua
ajuda em países africanos e asiáticos de baixa renda per capita, geralmente com
governos socialistas: alguns exemplos são a Tanzânia e o Vietnã. A Espanha, por
outro lado, tem orientado seu programa primordialmente para a América Latina.
A ajuda canadense tem sido tradicionalmente canalizada para o próprio hemis-
fério, particularmente para o Caribe.
Um segundo traço comum da maioria das fontes de ajuda bilateral é o de que ela
é cada vez mais "v inculada" a compras no país de origem, tanto de equipamento
quanto de tecnologia, bem como em relação a especialistas e consultores. Isto
tende a limitar a fungibilidade e a eficácia dos programas específicos - embora,
como será visto a seguir, crie oportunidades para o uso complementar de recursos
multilaterais e bilaterais, no qual os primeiros corrigem distorções e preenchem
lacunas destes últimos. A vinculação da ajuda, porém, também significa que os
governos doadores ficam expostos a pressões de sua própria " indústria da ajuda",
categoria que inclui empresas de consultoria internacional e exportadores de equi-
pamento ou tecnologia.

Além dessas motivações políticas e comerciais, todos os programas bilaterais de


assistência técnica são influenciados pela opinião pública em geral, e assim
condicionados por prioridades gerais semelhantes às que afetam os empréstimos
multilaterais: preocupações com o ambiente, erradicação da pobreza, ênfase no
setor privado (especialmente nos casos em que estão envolvidas empresas do
país doador), e consolidação da democracia participativa.

Embora se deva esperar que essas considerações gerais 'c ontinuem a modelar os
programas bilaterais no futuro, também é provável - como foi observado ante-
riormente - que a melhoria das relações entre Leste e Oeste também afete os
programas bilaterais de diversos modos. Já está ficando evidente, por exemplo,
que nos dois últimos anos a Europa oriental tem surgido como uma área priori-
tária para investimento e relações comerciais no futuro. À parte os problemas
especiais criados pela reunificação da Alemanha, países como Polônia, Tchecos-
lováquia, Hungria e países da CEI ex-URSS (especialmente a Rússia e as
repúblicas européias) também têm-se tornado beneficiários importantes de as-
sistência técnica bilateral proveniente da Europa ocidental e da Comunidade
Econômica Européia, dos Estados Unidos e, potencialmente, do Japão. Embora
isso possa não significar o fim de programas bilaterais de assistência técnica à
América Latina, deve-se esperar que o volume dessa assistência se reduza: daí,
230 Peter Kônz

como já foi salientado, a necessidade de aprender a otimizar o uso de recursos


externos disponíveis em doses homeopáticas, para evitar desperdícios e duplica-
ções, a usar recursos bilaterais e multilaterais, internos e externos de maneiras
complementares - em outras palavras, a programar e coordenar eficazmente
todos os recursos de assistência técnica.
Por último, deve ser mencionado que muitos dos comentários anteriores se
aplicam à cooperação Sul-Sul, e não apenas à cooperação tradicional Norte-Sul.
Retornaremos mais adiante, neste trabalho, ao papel importante da cooperação
técnica (CTPD) Sul-Sul em cenários futurcs'". Basta dizer, por enquanto, que a
cooperação Sul-Sul deve apoiar-se em seus próprios méritos - qualitativos - e
suas próprias vantagens comparativas, em vez de ser encarada simplesmente
como uma versão mais barata da assistência Norte-Sul tradicional.

5. Financiamento Multilateral à Assistência Técnica, do tipo Doação


Embora o sistema das Nações Unidas, e em particular o UNDP, continue a ser a
fonte mais importante de financiamento multilateral para assistência sob a forma
de doação, deve ser lembrado que organismos regionais não pertencentes a esse
sistema desenvolveram (e continuam a desenvolver) atividades substanciais de
assistência técnica. Dentre eles podemos citar a OEA, a qual, a despeito de seus
problemas orçamentários, mantém um programa de assistência técnica em várias
áreas; a nCA, que opera geralmente com substancial participação nacional nos
custos, na área da agricultura; por último, como já foi observado, há o BID, que
além de suas atividades de empréstimo (freqüentemente incluindo um compo-
nente de assistência técnica), também pode fornecer recursos não-reembolsáveis
para assistência técnica. No que diz respeito ao SELA, suas atividades operacio-
nais (normalmente executadas através de Comitês de Ação que gozam de grande
autonomia) são sustentadas por esquemas especiais de co-financiamento ou por
fontes externas, como o UNDP.
No sistema das Nações Unidas, as fontes de financiamento não-reembolsável

10. Os programas de assistência técnica bilateral de alguns países doadores (por exemplo, Alemanha e Suíça)
têm estado disponíveis para o financiamento da cooperação Sul -Sul. De maneira semelhante, o sistema
das Nações Unidas, e especialmente o UNDP, tem financiado ou co-financiado a CTPD ; alguns países em
desenvolvimento com substanciais dotações no UNDP (por exemplo , índia , China) estão aplicando uma
parte de suas IPFs para financiar sua própria contribuição à CTPD. Embora o apo io externo possa ser de
grande valia no início de um programa ou projeto Sul-Sul, ou para financiar gastos que devem ser
realizados em moeda forte (por exemplo , viagens internacionais), o financiamento básico para a CTPD
deve, no longo prazo, vir dos países envolvidos - se não for assim, ela ficará reduzida à cooperação Sul-Sul
orquestrada no hemisfério norte.
Financiamento Oficial da Cooperação Técnica Internacional 231

para assistência técnica situam-se em duas categorias principais. Uma delas, de


alcance intersetorial e multidisciplinar, é o UNDP; dada a sua importância em
termos de volume e como orientação para todos os tipos de financiamento de
cooperação técnica, ela será discutida num capítulo posterior. A outra categoria
é formada por uma variedade de organismos, fundos ou programas especializa-
dos, que podem atuar de duas maneiras. Uma delas é na condição de organismo
executor de proj etos financiados pelo UNDP, e portanto será discutida no próxi-
mo capítulo; embora tradicionalmente quase todos os projetos do UNDP fossem
executados por organismos do sistema Nações Unidas, tivessem eles ou não o
status de organismo especializado, a tendência nos últimos anos tem sido a de
confiar a execução de projetos, ou seja, a responsabilidade de linha pela super-
visão de operações e pela gestão financeira, ao governo beneficiado ou a alguma
outra entidade nacional, a qual pode, por sua vez, utilizar um dos organismos
especializados das Nações Unidas como "organismo de cooperação" em termos
de ajuda na implantação de uma determinada atividade. Embora essa tendência
(na América Latina ela se verifica atualmente na maioria dos projetos do UNDP)
seja politicamente atraente, pois transfere a responsabilidade pela implantação
às autoridades locais, em sintonia com o conceito de parceria, deve ser dito que,
quando os organismos das Nações Unidas eram rotineiramente encarregados da
execução de projetos e recebiam uma taxa de overhead padronizada (embora
relativamente modesta"), eles freqüentemente eram aliados úteis na busca de
financiamento pelo UNDP; por outro lado, isto ocasionalmente assumiu a forma
de um esforço de venda de projetos, pelo próprio organismo, por sua vez
elaborados dentro do organismo, e que não correspondiam às necessidades e
condições do país envolvido.
Além de seu papel como agentes de execução ou cooperação em projetos do
UNDP, os organismos especializados do sistema das Nações Unidas também
participam do esforço global de assistência técnica com recursos próprios -
decorrentes de seu próprio orçamento ordinário, ou de fundos especiais sob
sua custódia, ou de outros esquemas fiduciários com doadores externos . Deve

11. Durante as décadas de 70 e 80, os organismos executores do sistema das Nações Unidas recebiam uma taxa
padrão de overhead de 13% (ou 14%) dos orçamentos de projetos do UNDP que geriam; esse sistema foi
substituído com o Quinto Ciclo de Programação de acordo com a decisão do Conselho Diretor do UNDP
reproduzida no Apêndice B. Na verdade, a fórmula-padrão de 13% mais criava do que resolvia problemas
enquanto 13% claramente não são suficientes, em si mesmos, para financiar a gestão eficiente de projetos (as
taxas de overhead, em projetos privados de assistência técnica, ou na assistência técnica bilateral executada
por firmas de consultoria ou universidades nos próprios países doadores muitas vezes ultrapassam os 100%),
a atração do overhead de 13%, contudo, gerava intensa concorrência e guerras de jurisdição entre os
organismos executores das Nações Unidas.
232 Peter Kônz

ser ressaltado que, em conseqüência de coordenação mais estrita pelo governo,


e com a indicação de um " Coorden ador Residente do Sistema das Nações
Unidas't'", os projetos financiados por esses organismos e pelo UNDP são cada
vez mais de natureza integrada, interativa ou complementar.
Dentre essas fontes de financiamento de assistência técnica pelo sistema das
Nações Unidas, excluindo o UNDP, as seguintes merecem menção especial:
FAO : além de vários fundos especiais sob sua custódia, a FAO possui seu próprio
programa de assistência técnica (TCP), utilizado para financiar projetos de
cooperação técnica de porte relativamente pequeno e com objetivos bem especí-
ficos;
OIT: recursos orçamentários ordinários e de fundos especiais na área de emprego
e relações de trabalho, especialmente para treinamento e consultoria;
WHO/PAHO : financiamento bastante volumoso (nem sempre classificado como
cooperação técnica nos países da região) nas áreas de saúde, pesquisa relaciona-
da com a saúde e o desenvolvimento de recursos humanos;
UNICEF: originalmente preocupada com crianças e jovens, ampliou recentemente
seu programa para temas de bem-estar social em geral, pobreza e desenvolvimento
urbano em áreas de baixa renda, família e saúde preventiva etc.;
UNFPA: este fundo, assemelhado ao UNDp 13 , financia projetos relativamente
grandes nas áreas de planejamento familiar, saúde familiar, demografia etc.;
UNESCO: embora seus recursos orçamentários próprios tenham se reduzido
bastante, após a saída dos Estados Unidos e do Reino Unido da organização,
opera uma série de fundos especiais disponíveis para assistência técnica, parti-
cularmente no setor de cultura;
UNIDO: além de projetos SIS de pequeno porte e com objetivos bastante específi-
cos, financiados dentro de uma rubrica orçamentária especial do UNDP, a
UNIDO opera seu próprio Fundo de Desenvolvimento Industrial constituído por
contribuições voluntárias - via de regra com a condição de compra de equipa-

12. o sistema de coordenadores residentes foi introduzido no final da década de 70 ; suas funções abrangem a
coordenação de todas as atividades operacionais das Nações Unidas relacionadas com o desenvolvimento,
mas não os empréstimos do Banco Mundial. O coordenador residente - normalmente o representante residente
do UNDP - é visto como primus interpares entre os diversos representantes de organismos das Nações Unidas
em cada país; sua eficácia baseia-se essencialmente no seu poder de persuasão e no apoio que ele recebe das
autoridades naciona is responsáveis pela programação e pela supervisão da assistência técnica externa; nos
casos em que se trata de uma única representação, como no Brasil e na Colômbia, o coordenador residente
tem tudo para operar em condições ótimas.
13. Relatórios da UNFPA ao Conselho Diretor do UNDP.
Financiamento Oficial da Cooperação Técnica Internacional 233

mento ou de serviços de especialistas e consultores do país doador; por isso não


é mais fungível do que a ajuda bilateral;
WFP : o programa de ajuda à alimentação no sistema das Nações Unidas também
deve ser incluído nas fontes de assistência técnica; em volume, supera de longe
o valor do UNDP e de qualquer outro programa de ajuda multilateral nos países
da América Latina em que atua; por outro lado, a maior parte da ajuda com
alimentos é de natureza assistencial ou emergencial e não pode ser considerada
como cooperação técnica voltada para o desenvolvimento; pode adquirir esse
caráter, porém em esquemas de " ali m ento em troca de trabalho" voltados para
objetivos genuínos de desenvolvimento ou nos casos excepcionais em que a
receita da venda de alimentos é usada para tais fins;
Vários outros organismos e programas do sistema das Nações Unidas, geralmente
representados pelo escritório local do UNDP, podem fornecer recursos para assis-
tência técnica a partir de seus próprios orçamentos ou a partir de fundos especiais
por eles administrados, particularmente para treinamento, bolsas de estudo e con-
tratação de especialistas. Dentre eles, citamos: WIPO, HABITAT, UNEP, ICAO,
IMO, ITU, WMO, UNCTAD etc .
° porte dos projetos financiados por esses organismos varia muito: alguns deles,
como os projetos da WFP, da UNFPA e da UNICEF, podem ser muito grandes.
Outros tendem a ser menores, mas, se adequadamente planejados e programados,
podem se transformar em contribuições importantes ao desenvolvimento - mes-
mo que tenham um alvo setorial; também são importantes em termos políticos,
como expressões de solidariedade da comunidade internacional.

6. UNDP
Sob a fórmula de alocação discutida no próximo capítulo, os recursos de assis-
tência técnica do UNDP atribuídos à América Latina, e especialmente aos países
latino-americanos de renda média, têm diminuído em termos nominais e, é claro,
ainda mais sensivelmente em termos reais desde o começo da década de 70 . Não
obstante, continuam a representar o fulcro do financiamento de assistência
técnica do sistema das Nações Unidas, e isso por vários motivos. Além do fato
de na maioria, se não na totalidade dos países, o programa do UNDP ser de
volume superior ao de programas de qualquer organismo do sistema (com a
exceção, em certos casos, do esquema de ajuda com alimentos da WFP), o
financiamento do UNDP é desvinculado, integralmente fungível e pode ser usado
com uma perspectiva intersetorial e interdisciplinar. Sua programação não fica
234 Peter Kõnz

à mercê de rápidas reuniões anuais ou bienais de alguma comissão mista, mas


resulta de um diálogo contínuo desenvolvido principalmente por um escritório
regional familiarizado com as condições locais e possuidor de autonomia consi-
derável. Isto leva a um certo grau de flexibilidade e a um nível de resposta à
mudança de necessidades que, de outro modo, não seria possível.
O esquema básico sob o qual o UNDP atua decorre da "Resolução de Consenso"
de 1970 ·que, por sua vez, se baseou num relatório de Sir Robert J ackson (o
chamado " Estudo de Capacidade"}". A Resolução de Consenso é apresentada no
Apêndice A deste trabalho . Embora confirmassem o princípio de execução pelos
organismos da ONU, ambos os documentos deram grande ênfase à programação
ao nível do país: a programação - normalmente para um ciclo de cinco anos -
foi deixada a cada país beneficiado, e cada país recebeu uma "Cifra Indicativa
de Planejamento" (IPF) puramente provisória para esse fim . Além dos programas
nacionais, que representavam a maior parte da aplicação de recursos pelo UNDP
para cada qüinqüênio sucessivo, também havia programas regionais, inter-regio-
nais e globais, mas os recursos alocados a eles totalizavam não mais do que uma
fração do programa de financiamento por país.
Por uma variedade de razões (dentre elas a crise financeira de meados da década
de 70), a realidade foi muito diferente do esquema do Consenso e do Estudo de
Capacidade. Já foi observado que a execução pelos organismos da ONU tem sido
substituída, em grande parte, pela execução por agentes locais, embora esses
organismos possam ser (e freqüentemente sejam) mantidos como "entidades
colaboradoras". As cifras indicativas de planejamento - que como o próprio
termo subentende devem ter uma caráter puramente provisório - acabaram se
transformando em alocações firmes, invioláveis por qualquer indício de subuti-
Iização, e resultantes de fórmulas complexas de alocação que não deixam ne-
nhum espaço para flexibilidade ou ajustamento; essas fórmulas serão discutidas
no próximo capítulo . Por último, o princípio de que a programação deve ficar a
cargo das autoridades de cada país beneficiado também estava, com algumas
exceções, muito longe da realidade. Na verdade, a iniciativa pela formulação de
programas e projetos recaía amiúde no pessoal da sede e de campo do UNDP:
com freqüência, não havia uma autoridade central que pudesse ou estivesse
politicamente preparada para assumir a responsabilidade pela programação na-
cional, muito embora, nos últimos anos, o UNDP tenha multiplicado seus esfor-
ços para ajudar os países beneficiados a definir suas próprias necessidades de

14. Ver Apêndice A.


Financiamento Oficial da Cooperação Técnica Internacional 235

assistência técnica; na África, onde a falta de capacidade de planejamento (ou


de vontade política) era particularmente marcante, isto assumiu a forma de
projetos especiais (para os quais a abreviatura NATCAPS foi cunhada), de que
se alimentavam grupos ou consórcios especiais de coordenação formados por
vários doadores. Em outras partes do mundo - por exemplo, em boa parte da
América Latina - os programas nacionais do UNDP resultaram geralmente de
um diálogo permanente entre as autoridades nacionais e o escritório local do
UNDP, envolvendo uma avaliação do desempenho passado, uma avaliação das
necessidades correntes e futuras e a determinação das atividades específicas
para as quais a assistência .técnica multilateral oferecia vantagens comparati-
vas, levando em conta também as diretrizes gerais que emanavam do Conselho
Diretor do UNDP; em suas decisões mais recentes, elas incluíam, com ênfase
no desenvolvimento de recursos humanos, mas com uma enumeração um tanto
confusa, prioridades como a erradicação da pobreza, o ambiente, o desenvol-
vimento gerencial, a cooperação Sul-Sul (TCDC), a transferência e o desen-
volvimento de tecnologia, o papel das mulheres no desenvolvimento". Outras
prioridades de política, não expressamente mencionadas pelo Conselho Dire-
tor, mas vistas claramente como sendo importantes tanto pelo UNDP quanto
pela comunidade fornecedora de fundos, são o envolvimento dos organismos
não-governamentais e do setor privado, a transição para uma economia de
mercado e o apoio a formas participatórias e pluralistas de democracia.
Talvez o modelo de programação surgido nos últimos anos, particularmente
na América Latina, não corresponda perfeitamente ao Consenso; entretanto,
representa uma solução prática e madura que, se aplicada também a outras
fontes externas e internas de financiamento, coincide com o "enfoque de
programa" atualmente defendido pelos órgãos formuladores de políticas das
Nações Unidas e do UNDp 16 • Um enfoque semelhante, envolvendo consultas
diretas entre autoridades nacionais e o escritório local do UNDP, também tem
sido adotado no que diz respeito a outras fontes de financiamento à assistência
técnica geridas pelo UNDP; dentre as mais importantes dessas fontes não-IPF
estão o Programa de Desenvolvimento Gerencial (MDP), o uso de fundos da
Reserva de Programas Especiais para ações de emergência voltadas para o
desenvolvimento, o Women's Fund, bem como vários outros mecanismos, tais

15. Ver Apêndice B, p. 1, parágrafo 7.


16. Tanto a Assembléia Geral da ONU quanto o Conselho Diretor do UNDP têm feito um apelo por um
" enfoque programático ", em lugar do tradicional mosaico , projeto por projeto , no qual as prioridades
nacionais em termos de necessidades e todas as fontes externas de assistência técnica relacionadas com
um determinado tema seriam levadas em conta em programas de desenvolvimento nacionais e regionais
236 Peter Kõnz

17
como os esquemas TOKTEN e STAS , e também, em alguns países, o programa
de voluntários das Nações Unidas, que se preocupa com a mobilização de
especialistas altamente motivados no campo da cooperação para o desenvolvi-
mento .
Façamos agora um último comentário sobre os programas para grupos de
países, do UNDP, e em particular o programa regional para a América Latina
e o Caribe. Embora as IPFs (cifras indicativas de planejamento) alocadas a
esse programa sej am modestas, elas representam uma fonte importante de
financiamento para atividades de natureza experimental ou de vanguarda na
região, ou em áreas nas quais a solidariedade regional ou sub-regional deve
ser fortalecida . Num estudo recente de meio de ciclo de programação, foram
identificadas cinco prioridades de política para a ação regional: redução da
po breza crônica; reforma e modernização do Estado e de suas relaçõ es com a
sociedade civil; modernização do setor produtivo, ajudando a indústria, a
produção agrícola, os serviços e o comércio a recuperarem a competitividade
internacional; proteção ambiental e gestão racional de recursos naturais (SE-
PÚLVEDA e KÓNZ, 1989/90). A formulação do programa regional e de seus
projetos específicos envolve uma série de consultas com as autoridades na-
cionais para identificar necessidades e oportunidades e, a partir disso, sugerir
ações específicas que, de acordo com as regras vigentes, sejam de interesse e
recebam a aprovação de pelo menos três países da região. Na verdade, o
programa regional para a América Latina e o Caribe tem desempenhado, e
deve continuar a desempenhar, um importante papel precursor em áreas como
ambiente, redução da pobreza, comércio multilateral, gestão e negociação da
dívida externa, preservação e gestão da herança cultural etc.

IV. FÓRMULAS DE ALOCAÇÃO E CRITÉRIOS PARA


FINANCIAMENTO DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA

Os comentários a serem feitos neste capítulo dizem respeito principalmente à


alocação de IPFs do UNDP, a qual, como deve ser lembrado, foi originalmente
concebida como sendo formada por um conjunto de "cifras de planejamento"

17 . TüKTEN e STAS são modalidades extra-IPF, medi ante as quais especialistas residentes fora de seu s
países de origem são convidados a retornar para missões de curta duração nesses países (TüKTEN) , ou
especialistas mais velhos - geralmente executivos aposentados - são colocados à disposi ção, sem qualqu er
custo (ou a um custo apenas provisório), para missões de assistência técnica (STAS).
Financiamento Oficial da Cooperação Técnica Internacional 237

simbólicas, mas se transformou, com o tempo, numa fórmula rígida resultante


de critérios inflexíveis (e complexos) baseados essencialmente em dados de
população e Produto Nacional Bruto per capita. Outros esquemas de ajuda
multilateral ou bilateral obedecem a fórmulas de alocação mais simples, mas, em
sua essência, estão inspirados nos mesmos critérios de população, e PNB per
capita (embora em muitos programas bilaterais sejam superados por considera-
ções políticas).
A decisão do Conselho Diretor do UNDP que definiu a fórmula para a alocação
de IPFs no Quinto Ciclo de Programação (1992-96) é apresentada no Apêndice
B. Além da enumeração de temas prioritários mencionada no capítulo anterior,
a Resolução 90/34 baseia-se no esquema conceptual fundamental obedecido
desde a Resolução de Consenso. Esse esquema inclui os seguintes princípios
importantes:
prioridade aos IPFs nacionais, aumentados a 77% dos recursos do UNDP; os
23% restantes se destinarão a programas de grupos de países (com a maior parte
sendo alocada a programas regionais) e à Reserva de Programas Especiais;
no âmbito dos IPFs nacionais, a prioridade é dada a países com um PNB per
capita inferior a 750 dólares (87%, onde antes era reservada a cota de 80%),
com uma cota especial (55%) para países tecnicamente considerados "Menos
Desenvolvidos" (LDCs);
os 13% restantes são divididos por países com um PNB per capita superior
a 750 dólares, segundo uma escala fixa de acordo com a qual os países com
PNB per capita superior a 3 mil dólares não recebem quaisquer IPFs e devem
assumir o custo de qualquer cooperação técnica do UNDP;
para pequenos países insulares, os limites de 750 e 3 mil dólares, bem como
os limites intermediários, são mais elevados;
vários "critérios suplementares", além dos dados de PNB per capita, foram
mantidos para moderar a crueza dessa fórmula básica; incluem o status de
LDC; o status de país sem acesso ao mar ou de ilha; "deficiências ecológicas
ou geográficas agudas" e o fato de alguns países serem freqüentemente
assolados por desastres naturais; problemas de endividamento externo, com
deterioração de termos de troca ou com uma queda brusca do PNB; compro-
misso com ajustamento estrutural. É importante chamar a atenção para o fato
de, dentre esses critérios suplementares, o primeiro - status de LDC, decor-
rente em grande parte de índices de PNB per capita - possuir de longe o peso
mais importante;
238 Peter Kônz

o "princípio de piso", pelo qual nenhum país receberia menos, em termos


nominais, do que em ciclos de programação precedentes, tem sido mantido
apenas em parte para os países de renda média.
É evidente que esta fórmula, com sua dependência quase exclusiva do PNB per
capita e de outros critérios padronizados, que não refletem obrigatoriamente a
necessidade e a capacidade de absorção de cooperação voltada para o desenvol-
vimento, em contraposição à assistência humanitária, opera contra o interesse
dos países de renda média, isto é, de países no " estágio de alcançar", os quais,
caso a experiência do Plano Marshall signifique alguma coisa, possuem neces-
sidades especiais de cooperação técnica específica e madura. Quando a fórmula
de alocação de IPFs do Quinto Ciclo do UNDP estava sendo discutida em 1989,
o Grupo Latino-americano (GRULA) na verdade definiu uma estratégia de
negociação que insistia nos seguintes pontos: manutenção integral do " pri ncípio
de piso"; peso maior a "critérios suplementares", principalmente os relacionados
com o ambiente e com dificuldades econômicas conjunturais ou estruturais;
revisão, para cima, dos limites de PNB per capita, de acordo com a inflação.
Embora esses argumentos fossem plausíveis de um ponto de vista latino-ameri-
cano, eles não foram vitoriosos, mais porque, do outro lado da mesa de negociação,
alguns dos países doadores tradicionais - a Suíça, alguns dos países escandina-
vos e outros países do Norte europeu - defendiam uma nova política radical
segundo a qual os recursos multilaterais teriam sido canalizados quase exclusi-
vamente para países de renda baixa, especialmente na África ao sul do Saara.
É difícil predizer se essa tendência poderá ser revertida com a reapresentação de
uma proposta, como foi sugerido anteriormente, de um paradigma de interesse
mútuo, em lugar de um paradigma assistencial, no que se refere à cooperação
técnica multilateral. Em meados da década de 80, um estudo de políticas elabo-
rado pelo IEPES e pela PUC do Rio de J aneiro " demonstrou, com base em dados
empíricos, que a "gradação" automática dos países de renda média - isto é, o
processo pelo qual os países que alcançam um certo nível de PNB per capita são
automaticamente excluídos do financiamento, em bases especiais, de priviliégios
comerciais (por exemplo, GSP) e, por extensão, de financiamento de assistência
técnica sob a forma de doação - é onerosa não apenas para os países beneficiados
como também para os países que concedem os privilégios, o financiamento em
condições especiais ou a assistência técnica. Na realidade, também houve "gra-
dação" ao final do Plano Marshall, como foi discutido anteriormente, e existem

18. Ver nota 9 deste capítulo.


Financiamento Oficial da Cooperação Técnica Internacional 239

empréstimos em condições favoráveis do Banco Mundial (por exemplo, à Vene-


zuela na década de 80). Essa gradação, porém, não era automática e não estava
vinculada apenas a critérios simplistas como o PNB per capita: ocorria ao final
de um processo gradual, negociado e consensual, exemplificada da maneira mais
clara na Europa ocidental pela transição da üEEC à üECD.
Argumentos desse tipo poderão prevalecer também no UNDP, no que se refere
à cooperação técnica multilateral? Embora tenhasido o UNDP, em seus impor-
tantes Relatórios de Desenvolvimento Humano (UNDP, 1990 e 1991), quem
tenha proposto indicadores de desenvolvimento mais relevantes do que o PNB
per capita, não há indício de que a comunidade doadora estej a preparada, a curto
prazo, para considerar critérios indicativos de necessidade e capacidade de
absorção de cooperação técnica madura. Não obstante, pode-se esperar que, um
dia, o paradigma de interesse mútuo, que inspirou a bem-sucedida experiência
do Plano Marshall, seja reavivado - ainda mais porque os programas assisten-
ciais voltados principalmente para os países menos desenvolvidos (desde que
não gerem dependência excessiva em relação à ajuda externa) e as formas mais
maduras e menos onerosas de cooperação técnica envolvendo países no "estágio
de alcançar" não são mutuamente excludentes, mas obviamente complementares.
Enquanto isso, como foi observado nos primeiros parágrafos deste trabalho, não
há outra alternativa para países como o Brasil senão fazer o melhor uso possível
de pequenos volumes de assistência técnica externa, aplicando-os onde possam ser
mais eficazes e mais inovadores no contexto geral de desenvolvimento.

V. FINANCIAMENTO MISTO

N aquela que é considerada em geral como uma das experiências de maior êxito
do UNDP, o programa nacional do Quarto Ciclo na Colômbia, a contribuição
UNDP/IPF alcançou menos de 100 mil dólares americanos. por projeto (KÓNZ
e VARGAS, 1991, p. 38); dentre os projetos de maior impacto houve vários -
pOT exemplo, um projeto de apoio a comunidades indígenas; um projeto de desen-
volvimento comunitário local e de direitos humanos; um projeto de conservação de
estradas por associações de comunidades locais - nos quais a contribuição do UNDP
alcançou apenas entre 20 e 30 mil dólares, mas foi capaz de mobilizar somas muito
maiores de fontes nacionais ou outras fontes externas. Isto prova que o financia-
mento misto é um dos enfoques pelos quais até contribuições bastante pequenas,
mas com finalidades bem específicas de financiamento externo à assistência técnica,
podem exercer um impacto substancial.
240 Peter Kônz

Esse financiamento misto pode assumir diversas formas. No jargão da assistência


técnica, os fundos canalizados através do orçamento de um programa central ou
projeto (por exemplo, através do orçamento de um projeto do UNDP) são
considerados como um esquema de participa.ção nos custos. A contrapartida de
uma fonte nacional (in natura ou em espécie) especificada no documento de um
projeto, mas não canalizada pelo orçamento do projeto, é chamada contribuição
de contrapartida, sendo o termo GCCC reservado para contribuições de contra-
partida em dinheiro. Quando duas (ou mais) fontes distintas de financiamento
apóiam atividades separadas na direção de um único objetivo (ou de objetivos
interdependentes), o arranjo (que pode ou não ser coberto por um memorando
formal de entendimento) se denomina co-financiamento. Por fim, também deve
ser feita referência a esquemas de conversão de dívida externa como uma fonte
de financiamento ou co-financiamento de assistência técnica.

1. Combinação de Financiamento Oficial e Privado de Cooperação Técnica


Não é preciso dizer que as partes de um acordo de financiamento misto podem ser
entidades oficiais - nacionais; bilaterais; multilaterais; organismos multilaterais de
financiamento -, fundações ou empresas do setor privado ou do setor público que
estejam exercendo uma função comercial. Embora nada impeça as empresas de se
envolverem em esquemas de participação nos custos no contexto de um projeto
oficial de cooperação técnica - especialmente, como será visto, no que se refere a
projetos Sul-Sul (TCDC) - , as relações interativas entre a assistência técnica
comercial e a assistência oficial normalmente assumem a forma de co- financiamen-
to, ou então de esquemas de subcontratação, nos quais o sub contratante assume parte
dos compromissos financeiros de um projeto oficial.
A natureza e a forma dos empreendimentos conjuntos de assistência técnica,
combinando financiamento oficial e privado, e as técnicas respectivas de nego-
ciação em nível nacional e internacional são discutidas mais detalhadamente em
outras publicações do PROCINT. Deve ser salientado, porém, que esses em-
preendimentos tendem a desempenhar um papel cada vez mais importante na
cooperação internacional para o desenvolvimento, seja no eixo Norte-Sul, seja
no eixo Sul-Sul, em termos globais, regionais ou sub-regionais.

2. Participação nos Custos


A participação nos custos, isto é, a participação da fonte de financiamento A no
orçamento de um atividade de assistência técnica da fonte de financiamento B,
Financiamento Oficial da Cooperação Técnica Internacional 241

pode ser feita por programa ou por projeto. O modelo "original" de participação
nos custos de programas foi representado pelo acordo SUBIN do final da década
de 70, firmado entre o governo brasileiro e o UNDP para manter o nível e o ímpeto
do programa Brasil a despeito da crise financeira que afligia o UNDP. Segundo o
acordo SUBIN, o governo fez uma substancial contribuição em dinheiro - pagável
anualmente em moeda nacional, embora expressa em dólares americanos - ao
orçamento do programa do país. Embora inicialmente esse programa tenha funcio-
nado bem - os pagamentos eram feitos pontualmente e nos montantes correspon-
dentes aos valores estipulados em dólares -, o acordo SUBIN foi afetado pelas
sucessivas crises econômicas, incluindo a inflação e a desvalorização da moeda,
com as quais o país se defrontou na década de 80 e no início da década de 90, e com
isso o programa perdeu a maior parte do seu significado. No momento, o enfoque
básico é geralmente o de participação nos custos de projetos, modalidade que pode
perfeitamente coexistir (e isso aconteceu no Brasil) com a participação nos custos
de programas e complementá-la. Na realidade, o Brasil e outros (mas não todos)
países da América Latina têm sido os precursores desse conceito. No Quarto Ciclo
de Programação (1987-91), a participação nos custos em muitos países latino-ame-
ricanos (entre eles Brasil, Argentina e Colômbia) representou um múltiplo das
alocações de IPFs; na África e na região da Ásia e do Pacífico, a participação nos
custos (quando existiu) não passou de uma fração das IPFs. Evidentemente, precisa
ser observado que a participação nos custos - seja em programas, seja em projetos
- ajuda a fazer em bases voluntárias o que o Conselho Diretor do UNDP tenta impor
com o apoio de uma fórmula de alocação de IPFs enviesada contra países de renda
média. Além disso, e muito embora ocasionalmente a motivação também seja a de
cobertura contra riscos de câmbio ou escape a políticas restritivas nas áreas de
emprego ou importação, a participação nos custos em programas ou projetos do
UNDP deve ser encarada como um sinal de confiança na qualidade da cooperação
técnica multilateral.
Os compromissos de participação nos custos de projetos podem originar-se do
governo - e isso acontece comumente -, e nessa eventualidade sua expressão
legal pode ser encontrada num documento de projeto que, no caso do UNDP,
representa um acordo internacional; é cada vez mais comum que essa participa-
ção nacional nos custos - embora ainda sej a um compromisso do governo -
resulte de empréstimos do Banco Mundial ou do Banco Interamericano e exija a
concordância dos emprestadores, segundo os termos do empréstimo, antes que
qualquer desembolso possa ser efetuado; veja-se também, a este respeito , a
discussão na próxima parte do capítulo a respeito das complementaridades entre
o empréstimo para assistência técnica e a ação com base em programas do UNDP.
2 42 Pe te r Kô riz

Entretanto , a participação no s cu stos pod e vir de outras fontes - de programas


de ajuda bilateral , do governo local , de empresas públicas e até do setor privado,
de fundações , ma s, com exceção da P articipação nos Cus tos de Terceiras Partes
decorrente de programas de aj uda b il at er al , ess es casos sã o r elativamen te ra ros .
Na prática do UN DP , a pro porção da p arti cipação nos cus tos do orçamento total
de projetos varia mu ito. Em ce rtos casos, representa uma fra çã o muito pequena
do montante de IPFs . Em outros, pode rep resentar um múltiplo desse montante,
ou até mesmo cobrir a to tal ida de do orçam ento do proj eto . Embora o signifi cado
político de tais contribuições nac ion ai s maciças no program a do UNDP não deva
ser subestimada , de qualquer fo rma é neces sária um a certa cautel a. Iss o ficou
claramente demo nstrado na avaliação exte rna recentemente fe ita de um ambicio-
so projeto de desenvolvimento in stitucion al nu m p aís Iatino-arnerica no 19 - pro-
jeto que acabo u m alogr ando porqu e o go verno não m antev e seu compromisso de
apoio fi nanceiro sus te nta do num es quema de p ar ticip ação nos custos:

A principal lição diz respe ito à fó rmu la de participação n aciona l no s cu stos implícita
no projeto . A partici pação n aci on al nos cus tos é, em p rin cípio , muito desejável- como
um in dício do v alo r qu e o gove rno atri bu i à cooperação técn ic a do UNDP - e talvez
um a necessi da de pa ra que a co ope raçã o t enha u m impacto signi ficativo também em
reg iões como a A mé rica Latina , pa ra a qu al os recursos bá si cos do UNDP só estão
disp onívei s em d oses muito mo desta s e hom eopá ticas. Por outro lado , um certo cuidado
é essenci al quan do se mo nt am pr oj et os c om pa rtici p ação substanci al nos custos - neste
ca so, 100 % - em situações nas qu ais o gov erno pas sa por sé ri as di ficuldad es ec on ômicas
e tal vez não possa manter suas prom essas d e partici pação (ou cump ri-las de acordo com
o cron ograma ace rta do) . Ta mbé m é pr eci so lembrar qu e to dos os proj etos , inclusive os
projetos co m pa rticipação sign ifica tiva n os cus tos, são vulne ráveis a flutuaçõ es da taxa
de c âmbio quan do , ta l como ocorre u recentem en te em [... ], o pod er de compra do dólar
americano, em moed a local , pod e so fre r um a qu eda bru sca - [muito embora] seja
possível prot eg er -se cont ra esse ri sco na negociação dos acordos de participaçã o no s
custos . Seja qual for o caso - inca paci da de do gove rno de cu mp ri r se us compromissos
e queda do po de r aquisitivo do dól ar ame ric ano - , o UN DP não será levado, se evitar
comprom issos futuros de lon go pra zo (po r exemplo, li mitando a duração de contratos
de emp rego ou co ns u ltoria) , a inco rre r em m aio res res po nsa bil id ade s legais. Moral e
politicamente , po rém, o UN DP ass u me uma respo n sa bi li dade quando gera expe ctativas
ilu só rias ao permiti r qu e se u p rograma sej a u tili zad o como condu to para projeções de
parti cipação nos custos que ac ab am não se concretiz and o .

Como é ilustrado no exemplo anterio r, os compro missos de participação no s custos


de projetos do UNDP devem se r expressos em dólares america nos . Por outro lado,

19 . Esses fa tos for am utili zad os par a elabo rar o est udo de caso hipot éti co a crescen ta do ao pr esente capítulo.
Financiamento Oficial da Cooperação Técnica Internacional 243

o pagamento pode - sujeito à aprovação pela direção do UNDP - ser feito em


moeda nacional caso o escritório local possa absorvê-lo rapidamente, sem incor-
rer em quaisquer riscos de câmbio. Na verdade, os arranjos de participação nos
custos, e especialmente em moeda nacional (mesmo que a obrigação esteja
denominada em dólares americanos - um fato que no exemplo precedente teve
conseqüências negativas), só funcionam bem quando os pagamentos são efetuados
pontualmente, segundo o cronograma previamente estabelecido.

3. Assistência Técnica sob a Forma de Doação e Empréstimos


Multilaterais

Conquanto sejam muito diferentes em termos de escala e modalidades, e muito


embora sejam normalmente geridos por entidades nacionais distintas, a coope-
ração técnica multilateral, sob a égide dos programas do UNDP, da OEA e dos
organismos da ONU, e o empréstimo para fins de desenvolvimento , pelo Banco
Mundial e pelos bancos regionais, estão relacionados e devem ser considerados.
como alternativas complementares. Isto não quer dizer, evidentemente, que cada
um dos organismos multilaterais não deva manter sua própria identidade e adotar
seu próprio enfoque: os bancos são bancos, estão habituados a exigir garantias de
seus devedores e impõem condições (às vezes até ideológicas, embora, como foi
observado anteriormente, essa prática seja criticável). A principal vantagem de
instituições como o UNDP, por outro lado, é representada por sua abordagem global,
por sua objetividade e por sua postura não-ideológica. As duas abordagens se
justificam, e num certo sentido são complementares: não se deve esperar, portanto,
que o UNDP atue como um banco, ou como escravo de um banco, assim como não
se deve pedir que o Banco Mundial dê assistência técnica sob a forma de doação .
Nesse sentido, dois conjuntos básicos de questões merecem comentários. Um deles
- já mencionado anteriormente - diz respeito ao uso de fundos de empréstimos
multilaterais como fonte de participação nos custos em projetos do UNDP - prática
que, após uma certa hesitação inicial, tem crescido rapidamente nos últimos anos .
Uma outra prática, mediante a qual o UNDP assume a responsabilidade por admi-
nistrar o componente de assistência técnica de empréstimos do Banco Mundial, nos
chamados Acordos de Serviços de Gestão, também se tem ampliado em alguns
países da região; em outros casos, porém, pode não ser desejável colocar o UNDP
no papel de gestor de empréstimos do Banco Mundial, com as condicionalidades e
imposições ideológicas ocasionais que a eles poderiam estar associadas.
Um segundo conjunto de questões, ainda mais fundamental, diz respeito ao papel
244 Peter Kõnz

que pode ser desempenhado pela assistência técnica do UNDP no estágio de


pré-investimento, ajudando o tomador a preparar seus próprios projetos de
empréstimo. Em vários dos países da região - com o Brasil desempenhando um
papel precursor -, os projetos do UNDP (freqüentemente com a contribuição de
empréstimos do Banco Mundial ou do Banco Interamericano alocados à partici-
pação nos custos, bem como da capacitação técnica de seu pessoal especializado)
têm ajudado a treinar funcionários do país tomador (em níveis nacional, regional
e também municipal) na formulação, avaliação e negociação de projetos finan-
ciáveis por bancos. Isto deve, com o tempo, reverter o padrão tradicional,
segundo o qual o país tomador tem apresentado a tendência de adotar uma postura
puramente reativa em relação a projetos concebidos e articulados pelo pessoal
especializado da instituição emprestadora - pessoal que muitas vezes via a si
mesmo como a consciência do tomador - e encorajá-lo a assumir uma posição
pró-ativa compatível com a noção de tomador responsável. Pode-se esperar que
projetos específicos de desenvolvimento de recursos humanos como estes - às
vezes acompanhados de aconselhamento especializado direto quanto à formula-
ção de projetos para solicitação de empréstimos e complementados por treinamento
no acompanhamento e na supervisão das atividades de execução - desempenhem
um papel importante na futura cooperação técnica multilateral na região, ou na
assistência técnica Sul-Sul por países como o Brasil.

4. Esquemas de Conversão da Dívida Externa como Fonte de


Financiamento de Cooperação Técnica

Também se deve mencionar as oportunidades que surgem no contexto das atuais


crises de endividamento externo que afligem a maior parte da região quanto ao
financiamento ou co-financiamento da cooperação técnica, via de regra em
moeda nacional, através de esquemas de conversão da dívida, principalmente
com o uso de swaps envolvendo a compra com deságio, no mercado secundário,
de parte da dívida externa do país que recebe a assistência. A experiência mais
comum tem sido, até aqui, com as chamadas "conversões de dívida por apoio ao
ambiente" (debt-for-nature swapi20), mas não há nenhuma razão para que os

20. o enfoque de " conversão de dívida por natureza " tem obtido destaque especial, agora que estamos às
vésperas da Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, promovida pelas Nações Unidas e a
se realizar no Rio de Janeiro em 1992. Até aqui , swaps bem-sucedidos - embora limitados - têm sido
feitos , na América Latina, na Bolívia e na Costa Rica. Para uma discussão a respeito do enfoque de
conversão de dívida por natureza, ver The Bra zilian Rain Forest, The Economist Intelligence Unit,
Publicação número 2100, Londres, maio de 1991.
Financiamento Oficial da Cooperação Técnica Internacional 245

swaps de dívida não sejam utilizados para apoiar a cooperação técnica não
relacionada com o ambiente, incluindo a cooperação Sul-Sul 21. Deve ser recor-
dado, porém, que essas oportunidades dependem (i) da insolvência técnica, real
ou presumida, do país beneficiário da assistência e, conseqüentemente, (ii) da
existência de um mercado secundário no qual os títulos de sua dívida externa
possam ser comprados com um deságio substancial; normalmente os swaps estão
ligados a dívidas comerciais ou ao Clube de Londres, em contraste com a dívida
para com credores oficiais, ou ao Clube de Paris; esta última, evidentemente,
pode também ser quitada, no todo ou em parte, por um comprometimento do país
devedor no sentido de aplicar uma soma equivalente, na sua própria moeda, em
assistência técnica. Em qualquer caso - uso do produto de um swap de dívida,
ou o equivalente a uma quitação de dívida com o Clube de Paris, para financiar a
cooperação técnica -, o esquema conceptual é semelhante ao usado no passado em
relação à receita de venda de produtos agrícolas (isto é, excedentes de alimentos)
de acordo com a Lei 480 dos Estados Unidos.

VI. UM MODELO PARA O FUTURO

Deve ter ficado claro, a partir da discussão precedente, que para haver o prosse-
guimento dos programas multilaterais oficiais de cooperação técnica nesta déca-
da, ou mesmo além disso, nos países de renda média da América Latina, algumas
precondições básicas precisam existir.
Em primeiro lugar, o financiamento da assistência técnica proveniente de fontes
externas precisará ser utilizado de maneira altamente direcionada, seletiva, geral-
mente em conjugação com fontes nacionais e outras fontes externas de assistência
técnica ou financeira. Isto requer planejamento e supervisão 'centrais rigorosos -
mas flexíveis - que reflitam as necessidades de desenvolvimento (econômico, tecno-
lógico, social e cultural) do país. Também exige um esforço deliberado de reserva de
recursos multilaterais de assistência técnica para ações inovadoras, precursoras e de
vanguarda, possuidoras de efeito multiplicador comprovado, para a qual geralmente
é essencial contar com apoio externo desvinculado, objetivo e intersetorial.
O segundo imperativo consiste em que a programação da assistência técnica -
incluindo a programação da cooperação Sul-Sul, ou CTPD - e a ação das instituições

21. Tanto quanto sabemos, a única operação do tipo swap em CTPD na América Latina foi montada entre a
Argentina e o Peru; uma tentativa de converter parte da dívida peruana com o Brasil em financiamento de
assistência técnica bilateral Brasil-Peru foi abandonada devido à resistência do Banco Central.
246 Peter Kõnz

que a sustentem sejam abertas, isto é, envolvam empresas produtivas tanto do setor
privado quanto do setor público, relacionando a assistência técnica com as oportu-
nidades apresentadas pelo comércio internacional, pelos fluxos científicos e tecno-
lógicos, bem como pelas áreas de investimento e financeira. Em outras palavras: a
assistência técnica deve ser encarada como elemento de uma realidade muito mais
ampla, abrangendo as relações econômicas, culturais e políticas; as instituições
encarregadas da formulação e da gestão da assistência técnica, recebida ou dada,
não podem atuar em isolamento burocrático: elas precisam estar abertas a um
diálogo permanente e compartilhar seus poderes decisórios com o setor produtivo,
com o establishment científico e acadêmico e com a sociedade civil em geral.
Por fim, é evidente que a cooperação técnica internacional futura precisa ser uma
via de duas mãos, com um mecanismo de apoio mútuo no qual a genuína cooperação
Sul-Sul, ou CTPD, financiada ou co-financiada por países como o Brasil, tenha um
papel crucial a desempenhar. Deve-se esperar (e na verdade isso foi postulado
anteriormente neste trabalho) que a cooperação Sul-Sul não seja apenas uma réplica
mais barata da assistência técnica Norte-Sul tradicional, correspondendo a uma
relação entre doador e beneficiário, entre mestre e aluno. Em vez disso, as maiores
oportunidades, nas quais a cooperação Sul-Sul oferece vantagens comparativas
especiais, residem em esforços conjuntos para resolver problemas, muitos deles
ainda sem solução, comuns aos países em desenvolvimento, ou pelo menos a alguns
deles. Desse ponto de vista, é bem possível que a cooperação técnica seja necessária
não apenas nas áreas costumeiras de indústria, agricultura, saúde, educação etc.,
mas também (como tem ocorrido no programa do UNDP na Colômbia) para
acompanhar o surgimento da moderna democracia participativa e as mudanças
profundas que estão ocorrendo no que diz respeito ao papel e à estrutura do Estado
e da sociedade civil. Se tal política surgir, haverá razões para crer que as fontes
oficiais de financiamento de assistência técnica internacional- mesmo que reduzida
ao nível de conta-gotas - não secará no futuro próximo .

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248 Peter Kônz

ADENDO

FINANCIAMENTO OFICIAL DA COOPERAÇÃO TÉCNICA


INTERNACIONAL

Caso Ilustrativo

Antecedentes e Plano Original


Agrália era tradicionalmente um dos principais produtores e exportadores de cereais, carne
e lã do mundo. Em conseqüência de erros graves de gestão da economia e da política na
segunda metade deste século, sua capacidade produtiva (incluindo processamento, controle
de qualidade e desenvolvimento de produtos e mercados) e sua posição no comércio de
exportação foram severamente abaladas. O mesmo se deu com sua infra-estrutura científica
e tecnológica: muitos dos melhores cientistas deixaram o país, por motivos políticos e
econômicos, e estão atualmente trabalhando na Europa Ocidental ou na América do Norte.
Dentro desse cenário, o governo democrático recém-eleito de Agrália propôs criar um
centro de pesquisa de elevada qualidade, aparelhado com equipamento de laboratório
em nível do estado da arte, com a finalidade de realizar pesquisa avançada em bioge-
nética, com referência especial às suas aplicações em agricultura e veterinária; o centro
deveria situar-se a cerca de duzentos quilômetros da capital, dentro da principal região
criadora de gado do país e - incidentalmente - na cidade natal do novo presidente da
República. Consultando-se alguns dos principais cientistas de Agrália no exterior, foi
preparado um plano preliminar, prevendo um investimento (em prédios e equipamento
de laboratório) de cerca de 5 milhões de dólares americanos e com um orçamento
operacional anual entre 500 mil e 600 mil dólares.
Partindo dessa base, o governo entrou em contato com algumas das fontes tradicionais
de assistência técnica bilateral, bem como com o Banco Mundial, submetendo pedidos
de apoio financeiro. Nenhum dos doadores bilaterais estava interessado , porém: os
Estados Unidos deixaram claro que a opinião pública dos estados do Meio-Oeste não
permitiria que se ajudasse um concorrente dos seus próprios produtores de carne e cereais.
Os países europeus reagiram negativamente ao fato de que o projeto lidaria com tecno-
logia avançada, e não com tecnologia simples, "apropriada". Somente a Comissão
Econômica Européia e a Itália indicaram que estariam preparadas para ajudar com o
financiamento de pesquisa envolvendo equipes de pesquisadores europeus (ou italia-
nos) e - no caso da Itália - a compra de equipamento italiano de laboratório .
O Banco Mundial também respondeu negativamente às consultas preliminares e informais
de Agrália; um projeto de cinco a dez milhões de dólares seria muito pequeno para justificar
seu processamento como um empréstimo: se o governo quisesse considerar um projeto bem
maior para a reestruturação de sua agricultura e de seu comércio exterior, isto também
poderia incluir o laboratório proposto; entretanto, um empréstimo desse porte (entre 200 e
300 milhões de dólares) teria um custo político refletido em condicionalidades explícitas:

* Embora alguns dos fatos deste caso hipotético correspondam a uma situação real , o mesmo não ocorre com
outros - mas, apesar disso , ele seria plausível num contexto latino-americano .
Financiamento Oficial da Cooperação Técnica Internacional 249

subsídios à agricultura deveriam ser extintos; deveria ser liberalizada a política de


importação de produtos manufaturados e serviços; deveria haver o reconhecimento de
patentes (ou pelo menos os direitos de inventores) sobre organismos vivos gerados pela
engenharia genética. Nenhuma dessas condições parecia ser aceitável à época: conseqüen-
temente, o governo não deu seguimento a seus contatos iniciais com o Banco Mundial, e
foi aconselhado a nem sequer tentar o BID ou a IFADG.
Finalmente, no início de 1987 o governo fez contato com o UNDP. Embora a área geral
do projeto - ciência e tecnologia, agricultura, promoção de exportações - estivesse de
acordo com as prioridades estabelecidas na Nota de Programa do Representante Resi-
dente (agora denominada Nota de Recomendação do UNDP), um programa detalhado
para o país - não incluindo o novo centro - já fora aprovado pelo Conselho Diretor do
UNDP em sua reunião anterior. Na prática, sempre havia a possibilidade de ajustar o
programa, mas isso, seja usando a reserva programada ou não-programada, seja aban-
donando algum outro projeto. O problema era mais sério: simplesmente não existia
dinheiro suficiente no programa de Agrália. Na verdade, a alocação de fundos
UNDPjIPF do Quarto Ciclo de Programação (1987-1992), com seu PNB per capita de
1950 dólares, havia sofrido um corte de 20% em termos reais. Se fossem descontados
os recursos já despendidos em projetos transferidos do ciclo anterior (cerca de 30%) , e
se fossem levados em conta vários projetos novos aos quais o governo havia atribuído
prioridade máxima e que por isso já estavam em andamento, restavam nas IPFs do país
menos do que os 5 milhões de dólares que se estimava serem necessários para construir
e instalar o centro de pesquisa proposto.
Nessa altura, o governo, a pedido da Presidência, propôs assumir todo o custo do projeto
pelo mecanismo de participação nos custos; num telefonema ao chefe da Casa Civil, um
dos cientistas que vivia no exterior e havia promovido a iniciativa, chamou a atenção para
o fato de que, se o país pagasse todo o empreendimento, o envolvimento do UNDP ajudaria
a evitar problemas burocráticos e atrasos na importação de equipamento de laboratório,
bem como limites aos salários que poderiam ser pagos aos pesquisadores do governo.
Quando o assunto foi comunicado à direção do UNDP para aprovação, o escritório
regional para a América Latina apresentou a objeção de que não era possível criar um
novo centro científico de excelência simplesmente levantando um prédio e equipando
seus laboratórios com máquinas modernas - em outras palavras, usando um enfoque de
"chave no contato"; o projeto, contudo, foi aprovado, "pois, de acordo com os esquemas
de participação integral nos custos, não envolvia quaisquer fundos do UNDP". Tal como
foi finalmente estruturado, o projeto devia ter uma duração de um pouco mais de um
ano para permitir a construção do prédio e a compra e instalação do equipamento de
laboratório. Um ano mais tarde, porém, a duração foi ampliada para cinco anos, e o
orçamento original aumentado com o acréscimo de 2,4 milhões de dólares para financiar o
funcionamento do centro, a negociação de projetos com a CEE etc.

Realidade: Fracasso
Quatro anos mais tarde, no início de 1991, uma missão de avaliação externa encontrou
a seguinte situação:
250 Peter Kõnz

(i) Do lado positivo:


um prédio excelente fora construído, e os laboratórios tinham sido aparelhados com
equipamento moderno que teria permitido pesquisa aplicada e de longo prazo
importante em biologia molecular;
ainda do lado positivo, evidência de interesse concreto em pesquisa aplicada sobre
pastagens, saúde animal e aquacultura por parte da comunidade agrária local mais
rica.
(ii) Do lado negativo:
nenhuma atividade de pesquisa significativa, com exceção de alguma pesquisa relati-
vamente simples, ou muito preliminarmente aplicada, relevante para a agricultura
local, mas de modo algum compatível com o equipamento do laboratório do centro;
uma equipe científica muito limitada: apenas três pesquisadores, em duas áreas
específicas, estavam trabalhando em tempo integral no centro; os outros, inclusive
o diretor, apareciam somente de maneira intermitente e não estavam envolvidos em
atividades contínuas de pesquisa no centro: na verdade, todos possuíam um segundo
emprego, em alguns casos até mesmo um terceiro emprego. As razões apresentadas
eram: falta de moradia, salários não-competitivos, impossibilidade de obtenção de
emprego paralelo (ou emprego para o cônjuge) na região e, finalmente, falta de
financiamento para pesquisa substancial; na verdade, todos os contratos de trabalho
eram precários, em bases anuais, e sem qualquer garantia de renovação.
(iii) Devido ao fato de a taxa de câmbio com o dólar americano não ter acompanhado a
rápida inflação verificada em Agrália, e de o orçamento do projeto ser expresso em
dólares, as alocações de verbas já não eram suficientes.
(iv) Atrasos substanciais haviam ocorrido nos pagamentos pelo governo dentro do
esquema de participação nos custos; em conseqüência disso, o UNDP foi obri-
gado a adiantar mais de meio milhão de dólares de suas escassas IPFs, em virtude
das quais o programa de Agrália foi onerado com juros.
Nessas circunstâncias, a avaliação concluiu que o projeto não tinha conseguido atingir
seus objetivos e, na verdade, que seu esquema original já não era válido - tanto
porque o governo não era capaz de assegurar o financiamento continuado, por meio
da participação nos custos, sem o qual o centro não seria viável, quanto porque era
ingenuidade esperar que um centro de excelência científica podia ser criado por
decreto governamental usando um enfoque de "chave no contato"; um trecho do
relatório de avaliação é reproduzido na página 162 de nosso trabalho . A equipe de
avaliação também concluiu que, mesmo se acabasse havendo financiamento susten-
tado pelo governo - como era esperado - o projeto do UNDP, com sua fórmula de
participação integral nos custos, nada podia contribuir e devia portanto ser inter-
rompido, pelo menos em sua forma existente.

Uma Estratégia de Resgate?


Apesar de suas conclusões negativas, a equipe de avaliação acreditava que o projeto
devia - e podia - ser resgatado em bases financeiras diferentes, nas quais o UNDP
Financiamento Oficial da Cooperação Técnica Internacional 251

desempenharia, no máximo, um papel secundário (embora não apenas o de um veículo


para a participação nacional nos custos).
Os aspectos concretos e as implicações de tal estratégia de resgate poderiam ser
considerados, com os alunos, num futuro exercício do PROCINT. Em parti cular, as
seguintes abordagens possíveis deveriam ser exploradas:
exigências mínimas de financiamento - um cenário plausível combinando financia-
mento sustentado sob a forma de doação e, uma vez que o centro tivesse alcançado
o ritmo normal de operação , com o apoio da renda de projetos e serviços. Poderia um
estudo de viabilidade (ou pré-viabilidade) como esse ser apoiado por um pequeno
projeto com recursos do UNDP? Por um programa bilateral?
se um cenário financeiro razoável fosse definido, deveria o UNDP ser contactado
novamente com um esquema melhorado de participação nos custos - por exemplo, com
a obtenção dos recursos através de um empréstimo setorial do BID destinado à modern-
ização da agricultura? (Nesse caso, cuidado com as normas e políticas ambientais
especiais para projetos ligados à biogenética ; além disso: a quem pertenceriam os direitos
ou as patentes num projeto do UNDP? Por último: há alguma maneira de cobrir o risco
de variações substanciais do poder de compra dos dólares americano s nos quais o
orçamento precisa ser denominado?)
uma aliança com o setor produtivo, possivelmente envolvendo não apenas pesquisa
encomendada por empresários locais , mas também assistência financeira , orienta-
ção técnica e pesquisa solicitada por uma poderosa Federação Nacional de Indús-
trias de Biotecnologia?
possível cooperação técnica comercial com empresas de biotecnologia estrangeiras:
âmbito do Mercosul; Japão; Estados Unidos; esquema s contratuais, té cnicas de
negociação;
oferecimento do centro de pesquisa (ou de parte de seu trabalho) como contribuição a
projetos TCDC, ou a um projeto regional do UNDP em andamento sobre biogenética
na América Latina e no Caribe;
outras contribuições do UNDP - por exemplo , seu programa TOKTEN - para trazer
de volta cientistas vivendo no exterior, para breves visitas de trabalho ou afastamen-
tos acadêmicos, ou o programa STAS para identificar e trazer ao instituto altos execu-
tivos ou cientistas aposentados.

IDENTIFICAÇÃO DAS SIGLAS UTILIZADAS


[Entre colchetes: abreviatura do nome em portugu ês]

CTPD vide TCDC


EPA European Productivity Agency (OEEC)
FAO UN Food and Agriculture Organization
252 Peter Kõnz

HABITAT UN Human Settlements Organization


IAEA [AIEA] International Atomic Energy Agency
ICAO [OACI] UN International Civil Aviation Organization
IBRD [BIRD] Intemational Bank for Reconstruction and Development (Banco Mundial)
IBD [BID] Inter American Development Bank (Banco Interamericano)
IEPES Instituto de Estudos Políticos, Econômicos e Sociais
IFAD International Fund for Agricultural Development
nCA Instituto Interamericano de Cooperación en Agricultura
ILO [OIT] UN International Labor Organization
IMO [OMI] UN International Maritime Organization
IPF [CIP] Indicative Planning Figure (UNDP)
ITU [UIT] International Telecommunications Union
NGO [ONG] Non Governmental Organization
OAS [OEA] Organization of American States
OECD [OCDE] Organization for Economic Cooperation and Development
OEEC [OECE] Organization for European Economic Cooperation
SELA Sistema Econômico Latino-Americano
STAS Senior Technical Advisory Services (UNDP)
TCDC [CTPD] Technical Cooperation among Developing Countries
TOKTEN Technical Assistance by Expatriate Nationals (UNDP)
UNCTAD [CNUCED] UN Conference on Trade and Development
I

UNDP [PNUD] UN Development Programme


UNDRO UN Disaster Relief Organization
UNEP [PNUMA] UN Environment Programme
UNESCO UN Education, Science and Culture Organization
UNFPA UN Fund for Population Activities
UNHCR [ACNUR] UN High Commissioner for Refugees
UNICEF UN International Children Emergency Fund
UNIDO [ONUDI] UN Industrial Development Organization
UNRRA UN Relief and Reconstruction Agency
WFP [PMA] UN World Food Programme
WHO/PAHO [OMS/OPAS] UN World Health Organization/Panamerican Health Organization
WMO [OMM] UN World Metereological Organization
Financiamento Oficial da Cooperação Técnica Internacional 253

APÊNDICE A

Novas Dimensões: Consenso

2688 (XXV).
A Competência do Sistema de Desenvolvimento da Organização das Nações Unidas
A Assembléia Geral,
tendo considerado as partes dos relatórios do Conselho Diretor do Programa de Desen-
volvimento das Nações Unidas em sua nona 4 1 e décima 42 sessão e do Conselho Econô-
mico e Social 43 , relativamente à competência do sistema de desenvolvimento das
Nações Unidas,
levando em conta as observações e ressalvas feitas pelo Conselho Diretor do Programa
de Desenvolvimento das Nações Unidas em sua décima sessão 44 e pelo Conselho
S
E conônuco eSo ' I em sua quadragésima
cial drazé . nona sessao,- 45
observando que algumas questões permanecem por ser dirimidas no contexto do exame
deste assunto,
1. Aprova as disposições relativas ao Programa de Desenvolvimento das Nações .
Unidas contidas no anexo à presente resolução e declara que tais disposições se
aplicarão às atividades do Programa a partir de 1ºQ de janeiro de 1971, levando em
conta as medidas de transição nessas disposições;
2. Solicita que o Conselho Diretor do Programa de Desenvolvimento das Nações
Unidas prepare, para exame pela Assembléia Geral em sua vigésima sexta sessão,
se possível, uma versão preliminar de um estatuto geral para o Programa, incorpo-
rando as cláusulas contidas no anexo à presente resolução, bem como as cláusulas
apropriadas de resoluções passadas a respeito do Programa.

1925 a Reunião Plenária.


11 de dezembro de 1970.

41. Official Records of the Economic and Social Council, Forty-ninth Session, Supplement Nº 6 (E/4782),
capítulo VI.
42. Idem, Supplement Nº 6A (E/4884/Rev.l), Capítulo V.
43. Official Records of the General Assembly, Twenty-fifth Session, Supplement Nº 3 (A/8003 e Corr.l),
Capítulo X, Seçáo A .
44. Official Records of the Economic and Social Council, Forty-ninth Session, Supplement Nº 6A
(E/4884/Rev.l), Capítulo V, Parágrafos 95-106.
45. Idem ., Forty-ninth Session, da 1702ª à 1714ª reuniáo .
254 Peter Kõnz

ANEXO DO APÊNDICE A

r. O Ciclo de Cooperação para o Desenvolvimento das Nações Unidas

1. A formulação do programa de cada país no Programa de Desenvolvimento das


N ações Unidas é a primeira fase de um processo que pode ser denominado Ciclo de
Cooperação para o Desenvolvimento das Nações Unidas. As outras fases são:
elaboração, análise e aprovação, implantação, avaliação e acompanhamento. O
Ciclo também incluirá revisões periódicas. O escopo do Ciclo poderia ser ampliado
como está previsto no parágrafo 9, abaixo.

11. Programação Nacional no Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas

A. Princípios Gerais
2. A programação nacional do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas cobre a
programação de sua assistência em nível de cada país. Envolve a identificação do papel
das contribuições do Programa em áreas determinadas e segundo os objetivos de
desenvolvimento do país.
3. A programação nacional será usada como um instrumento para obter a utilização
mais racional e eficiente dos recursos disponíveis ao Programa para suas atividades,
com a finalidade de conseguir o maior impacto possível sobre o desenvolvimento
econômico e social do país em desenvolvimento em questão.
4. A programação nacional se baseará em planos nacionais de desenvolvimento de cada
país ou, quando esses planos não existirem, em prioridades ou objetivos nacionais de
desenvolvimento.
5. É reconhecido que o governo do país em questão tem exclusiva responsabilidade
pela formulação de seu plano nacional de desenvolvimento ou de suas prioridades
e objetivos. Cada país em desenvolvimento deve receber, a seu pedido, assistência
das Nações Unidas, incluindo as comissões econômicas regionais e o Escritório
Econômico e Social das Nações Unidas em Beirute, no campo geral do planejamento
e das ' agências especializadas em planejamento setorial.
6. A programação da assistência do Programa será efetuada em cada país no contexto
de cifras indicativas de planejamento representando uma ordem de magnitude dos
recursos que se espera estarem disponíveis junto ao Programa durante o período do
programa nacional.
7. O programa nacional, com base em planos, prioridades ou objetivos nacionais de
desenvolvimento e nas cifras indicativas de planejamento, será elaborado pelo
governo do país beneficiário em colaboração, num estágio apropriado, com repre-
sentantes do sistema das Nações Unidas, estes últimos sob a liderança do repre-
sentante residente do Programa; deve coincidir, quando apropriado, com o período
coberto pelo plano nacional de desenvolvimento do país. A elaboração do programa
nacional deve envolver:
Financiamento Oficial da Cooperação Técnica Internacional 255

(a) uma identificação ampla das necessidades que decorrem dos objetivos do país em
setores específicos, no contexto de seus objetivos gerais de desenvolvimento, e que
poderiam ser atendidas adequadamente pela assistência do Programa;
(b) uma indicação tão precisa quanto possível das contribuições internas, das contri-
buições do Programa e, sempre que possível, de outras contribuições das Nações
Unidas para o atendimento dessas necessidades;
(c) uma lista preliminar de projetos, a ser posteriormente revista, para financiamento
pelo Programa na implantação do programa nacional.
8. O programa nacional de assistência deve apoiar atividades que estejam relacionadas
de maneira significativa com os objetivos de desenvolvimento do país. Isto quer
dizer que a assistência proporcionada representa um programa que extrai sua
coerência e seu equilíbrio de sua relação com esses objetivos nacionais.
9. No processo de programação nacional, devem ser feitos esforços em todos os níveis
para coordenar todas as fontes de .assistência no sistema das Nações Unidas, com a
finalidade de alcançar a integração da assistência em nível do país .
10. Caberá ao governo levar em conta, ao elaborar o programa nacional, outras contri-
buições externas, tanto multilaterais quanto bilaterais .
11. O representante residente transmitirá o programa do país ao Administrador do Progra-
ma, o qual, por sua vez, o submeterá, com suas recomendações, ao Conselho Diretor
para seu exame e sua aprovação. A aprovação cobrirá todo o período do programa , com
previsão para revisões periódicas tendo em vista possíveis ajustes. Com a anuência do
país interessado, o Administrador, ao submeter o programa nacional para exame e
aprovação, chamará a atenção do Conselho Diretor para detalhes de qualquer outro
programa correlato de assistência das Nações Unidas.
12. A assistência do Programa deve ser suficientemente flexível para atender às neces-
sidades imprevistas de países beneficiários ou situações excepcionais que os pro-
gramas nacionais não poderiam ter levado em conta.

B. Cifras Indicativas de Planejamento


13. Com o fim de, entre outras coisas, estabelecer as cifras indicativas de planejamento,
quaisquer distinções entre os componentes de Assistência Técnica e Fundo Especial
devem ser eliminadas. Os recursos a serem destinados à programação nacional
devem representar uma porcentagem determinada dos recursos totais do ano em
curso, projetados para um dado período, e incluindo uma taxa anual de crescimento
para esse período, uma das hipóteses sendo a de que os recursos do Programa
crescerão pelo menos à taxa média dos anos precedentes mais recentes.
14. As cifras indicativas de planejamento para o país não devem ser interpretadas como um
compromisso, mas como uma indicação, razoavelmente firme , para fins de programa-
ção futura.
15. As cifras indicativas de planejamento serão propostas pelo Administrador aos
governos com base nos critérios e diretrizes estabelecidos, de tempos em tempos,
pelo Conselho Diretor. Deverá haver uma certa flexibilidade na determinação dos
256 Pe te r K ô nz

recursos di sp onívei s p ar a as cifras indicativ as de planejamento. Depois de levar em


co n ta qua isqu er co me ntários que os govern os desej em fazer em relação às cifras, o
A dmini st rador subme te rá su as cifras indi c at ivas fin ais de planejamento para cada
país à ap rov aç ão do Con sel ho Diretor; se mpre qu e possível , o programa nacional
envolvido dever á se r aprova do na mesm a ocasião .
16 . Com o b ase expe rime nta l para a p rim eira séri e d e ci fr as indicativas de planejamento,
o Admini strad or calcu lará a por centag em , destinada a cada país, do total previsto
de recursos programa do s (ou sej a, as meta s de Assistência Técnica por país mais as
d otações a proj et os do Fundo Especia l) duran t e o per íodo de 1966 a 1970, incluindo
proj etos aprova dos pel o Con selho Di retor em sua décima primeira sessão. Ele
apli car á essa por centagem , em ca da caso , aos recurso s estimados, de acordo com o
pr ocedim ento es t ipu lado no parágr af o 13, aci m a, para ficarem disponíveis para
program açã o na ci onal por u m pe río do entre três e cinco anos, em compatibilidade
com o períod o do plano ou programa de desenvolvimento do país , com a finalidade
de obter u ma cifra indic ativ a p reliminar de pl an ej amento por país e para esse
p eríod o . El e ana lisa rá essas cifras à luz dos critérios existentes para a alocação de
re cursos e as alte rará, quan do necessári o, para ev it ar a projeção arbitrária de
qu alqu er situação pr esente exce pcion al no p aí s, para corrigir quaisquer injustiças
devid as a ci rc uns tâ nc ias passad as e, em p articul ar , para as segurar que consideração
especia l seja d ad a à situ ação do s p aí se s me nos desenvolvido s e de países de
ind epend ên ci a rec ente, cuj a c arê n ci a de uma infra -estrutura administrativa adequa -
d a os te n ha imp ed id o de tirar o proveito devido da assistência do Programa.
17. As cifras se rão perio dicamente rev ista s pel o Admin istrador e pelo Con selho Dire-
tor, em co ns ulta co m o gove rno intere ssa do , ten do em vi st a o progresso verificado
n a im plantação do p ro gr ama na ci onal.

C. El abor aç ão, An ál ise e A p ro vaçã o de Proj etos


18. A elabo ração de projetos se rá um proce sso contínuo e não precisará aguardar a
aprovação do pr ogr am a nacion al. Para assegu rar a soli dez do pro cesso de elabo ra -
ção de pr oj etos, ele se rá con duzido em ní vel do país intere ssado. A associação de
diversos tipos de es peci ali stas co m a el abor ação de um dado projeto ocorrerá
so me nte por so licita çã o expressa do go ve rn o do país, o qual , dada a disponibilidade
local de especia lis tas, é quem se encontra na m elhor posição para conhecer o tip o
d e especial iz ação n ec essári o.
19. A aná lise d e ca da pr oj et o se rá, tanto qu an to po ssível , uma parte do processo de
e la bo ração do proj et o. Assim , projetos menores , at é um limite de custo especifica-
d o, se rão ana lisa dos para con h ecim en to do Programa pelo representante residente,
com a aju da de es pecia lis tas técnico s co mpetentes , quando necessário. A responsa-
bili da de pe la análise d e projetos maiores ficará a cargo do Administrador.
20 . So men te o Co nse lho Direto r tem p oderes pa ra apro var projetos apresentados por
p aíses ao P ro gram a para ex am e. O Conselho Diretor, embora detenha essa autori-
d ad e, de lega ao A dm inistrado r, por três anos, a autoridad e para aprovar projetos
conti dos nos pr ogr am as naci onai s. Não obsta nte , o Conselho Diretor e o governo
Financiamento Oficial da Cooperação Técnica Internacional 257

solicitante se reservam o direito de pedir ao Administrador que apresente projetos


específicos de qualquer magnitude ao Conselho para exame e aprovação. O Admi-
nistrador também pode levar ao Conselho qualquer projeto que, devido às suas
implicações em termos de política, ou à magnitude de seu impacto sobre o programa
do país como um todo, mereça a consideração e a aprovação do Conselho. O
Administrador, na medida do possível, o que será determinado e indicado a ele pelo
Conselho Diretor quando apropriado, delegará a autoridade pela aprovação de
projetos aos representantes residentes. O Conselho Diretor será informado tão logo
quanto possível de todas as decisões, quanto a projetos, tomadas de acordo com essa
delegação de autoridade.

Hl. Programação para Grupos de Países

21. A programação para grupos de países é a programação de assistência para conjuntos


de países em bases sub-regionais, regionais, inter-regionais ou globais. Essa assis-
tência será proporcionada através de projetos sub-regionais, regionais, inter-regio-
nais e globais a pedido de pelo menos dois governos, levando em conta o que seria
uma distribuição eqüitativa de recursos entre regiões.
22. A programação de tal assistência será baseada, em termos amplos, nos mesmos princí-
pios gerais enunciados acima para a programação nacional, particularmente no sentido
de que estará sistematicamente relacionada com as prioridades de desenvolvimento dos
países envolvidos e, tanto quanto possível, será planejada com antecedência para um
período de alguns anos.
23. Os procedimentos de elaboração, análise e aprovação de projetos para grupos de
países obedecerão, em seus aspectos relevantes, às mesmas linhas gerais de projetos
inseridos em programas nacionais e estarão sujeitos aos critérios e às diretrizes
fixados de tempos em tempos pelo Conselho Diretor. Todos os projetos globais,
porém, exigirão aprovação específica do Conselho Diretor.

IV. Distribuição Geral e Gestão dos Recursos do Programa de Desenvolvimento das


Nações Unidas

A. Distribuição Geral dos Recursos


24 . Os recursos totais disponíveis para programação serão repartidos entre programação
nacional, de um lado , e, de outro, programação para grupos de países, envolvendo
projetos sub-regionais, regionais, inter-regionais e globais.
25. Inicialmente, e até revisão posterior pelo Conselho Diretor, pelo menos 82% dos
recursos líquidos disponíveis anualmente, após a dedução dos custos de manutenção
de programas e das despesas administrativas, bem como dos recursos destinados ao
atendimento das exigências especificadas no parágrafo 27, abaixo, ficarão reserva-
dos para a programação nacional, e no máximo 18% se destinarão à programação
para grupos de países, ficando entendido que essas proporções representam uma
orientação para o planejamento.
258 Pe te r K6nz

2 6. Os projetos sub-regiona is, regi onai s e inter-regio na is , p arti cularmente aqueles con-
ceb idos por p aíses interessad os para ac el erar o p ro cesso de integração econômica
e social e p ar a pr omo ver outras fo rm as de coo pe ração regi onal e sub-regional , terão
p rio rida de em rel açã o aos recurso s de progr am aç ão para grupos de países. Em
se g ui da, e m o rde m d e pri orida de , v irão os projet os globais. Dependendo de revisão
pe lo Con selh o D ir et or de temp os em tempos , o montante a se r alocado a projetos
g lo b ais nã o de v e exce de r 1 % dos rec ursos líquido s disponíveis para programação.
27. S erá preci so faze r provis õe s de recu rsos pa ra necessidade s inesperadas, para atender a
necessi da des es peci ais dos meno s desen volvid os dentre os países em desenvolvimento
e p ar a fina nc iar pro j et os imprevistos ou fas es ines pe ra das de projetos, particularmente
os projetos do tipo Ser viços In dustria is Es pec iais, qu e poderiam exercer um papel de
cata lisa do r no desen vol viment o eco nô mico do p aís envolvido . Na décima primeira
sessão do Conse lho D iret or , o Admini stra dor fará propo stas quanto à maneira pela qual
serão co loc ados à di sp osi ção os recu rsos necessári os para atender a tais demandas, bem
co mo pa ra ma nter sob os mecani sm os existente s o programa de Serviços Industriais
Especiais pe lo menos em ní vel at ual.

B . Ut il ização Integ ra l dos Recu rsos e Controle Fin an ceiro


2 8. T od o s os rec ur sos financ eiro s do Pro gr ama dev em es t ar disponíveis a qualquer
m om ento e ao vo lume m áx im o pos sív el p ar a fin s de programação, com a ressalva
ape n as d a man ut enç ão cont ínu a de uma res erva op eracional. Após terem sido feitas
an u alm ent e toda s as do ta çõe s para ap oio de programas e despesas administrativas,
e ter sido previ sta a re sta ur ação da reserva op eracional , todos os recursos livres
d everão ser ut il iz ad os na s ati vidad e s dos proj et os.
29 . A fina lid ade d a reserva op e racion al é gara nti r, em t od as as circun st ân ci as, a liquidez
e a inte g ri da de finance ir a d o P rogr a m a, co mpe ns ar a irregularidade das entradas de
cai xa e at end er a o ut r as necessi dad es que sejam definidas posteriormente pelo
Co nsel ho Diret or. O Con selh o m ant erá so b ex ame cons t ante a magnitude e a
com posição da re ser va , ba seando-se n o pla ne j ame nto de autorizações de pagamento
e disp êndi os p ara o e xe rcício finan ce iro se gu inte . No início , e dependendo do
rece b im ent o de um a análi se mais det a lha da pel o A d m in ist rador a respeito da
p osição fi n ancei ra do P rog ram a at é o fina l de 1970 , o Conselho , como medida
tr an sitó ri a, aut o ri za o es tabe le c imento de uma res erva operacional de 150 milhões
d e d ólare s e m todas as categ orias de re curso s, cuja composição deverá ser determi-
nada e mantida pel o Ad m inist r ado r e m co nformid ade com princípios válidos de
ad m in is tração fina nc eira, de vend o esse ní vel se r reavaliado pelo Conselho em sua
décima seg und a se ss ão no co ntexto da revisão fin an ce ir a' mencionada acima .
30 . A to ta l respon sabil ida de pel a u til izaçã o co rret a de fundos do Programa e pela
ap lic ação de co n t ro les financ eiro s e co nt ábeis será as sumida pe lo.Administrndor.
O Sec retá rio-Ge ral co ntinuará atua nd o como guard iã o dos fundos do Programa, mas as
decisões refe rentes à ca rte ira de apli cações e à gest ão de câmbio do Programa serão
toma das mediante acordo co m o Admin ist rado r, suj eito a um relatório completo desse
aco rdo e a uma revisão pe lo Con selh o Direto r em sua décima segunda sessão.
Financiamento Oficial da Cooperação Técnica Internacional 259

31. Ao apresentar previsões de despesas e pedidos de dotação ao Conselho Diretor, o


Administrador deverá distinguir claramente entre os seguintes tipos de despesa: (a)
custos de projetos; (b) custos de apoio de programas, incluindo overhead e despesas
com serviços de consultoria; (c) despesas administrativas.

C. Estimação dos Custos Locais


32. Recomendações específicas serão feitas pelo Administrador ao Conselho Diretor
em sua décima primeira sessão quanto à fórmula a ser adotada para a estimação de
custos locais, fórmula essa que deverá prever a aplicação simplificada de isenções
totais ou parciais de custos locais, levando em conta aqueles casos nos quais uma carga
excessiva seria, em caso contrário, imposta ao governo beneficiário.

D. Custos de overhead de Outros Organismos


33. O Administrador consultará os organismos participantes e executores e a Comissã o
Consultiva para Questões Administrativas e Orçamentárias com vistas a se chegar
a novos métodos para o cálculo do reembolso apropriado pela implantação de
projetos e por serviços de assessoria envolvendo programação, elaboração de pro-
jetos e fo rm ul a ç ã o de políticas. Será examinada a possibilidade de firmar acordos
gerais de co mpcns a ç â o para serviços de assessoria e acordos específicos separados
para o rc cmbo lso de despesas relacionadas com a execução de projetos. A solução
obtida não deverá ser considerada definitiva até que tenha sido submetida ao
Conselho para exame e aprovação, acompanhada por um relatório sobre os tipos de
serviços a serem reembolsados.
34. O Administrador cooperará, tanto quanto possível, com esforços para se chegar a
políticas orçamentárias e sistemas contábeis comuns para toda a família de organismos
das Nações Unidas.

V. Implantação da Assistência do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas

A. Responsabilidade do Conselho Diretor


35. O Conselho Diretor tem a responsabilidade geral para assegurar que os recursos do
Programa sejam empregados com máxima eficiência e eficácia em auxílio do
desenvolvimento de países em desenvolvimento.
36. Para esse fim, as principais atribuições do Conselho Diretor continuam sendo as que
foram definidas nas resoluções relevantes da Assembléia Geral. No contexto dos
princípios de programação nacional e para grupos de países, enunciados acima, e
da implantação da assistência assim fornecida, o Conselho Diretor examinará e
aprovará programas nacionais, incluindo cifras indicativas de planejamento para
programas nacionais, aprovará certos projetos incluídos nos programas de acordo
com as condições referidas nos parágrafos 20 e 23 acima, exercerá controle opera-
cional efetivo, incluindo exames periódicos dos programas nacionais, e fará aloca-
ções amplas de recursos e controlará seu uso.
260 Peter Kõnz

B. Responsabilidade do Administrador
37. Além das responsabilidades a serem delegadas a ele pelo Conselho Diretor, o
Administrador será integralmente responsável e prestará contas ao Conselho Diretor
por todas as fases e todos os aspectos da implantação do Programa.

C. Papel dos Organismos das Nações Unidas na Implantação dos Programas Nacionais
38. O papel dos organismos do sistema das Nações Unidas na implantação dos progra-
mas nacionais deve ser o de parceiro, sob a liderança do Programa, num empreen-
dimento comum de todo o sistema das Nações Unidas. Seu assessoramento deve
estar disponível ao Administrador na implantação de todos os projetos, quando
apropriado , sejam eles executados por esses organismos ou não .

D. Seleção e Responsabilidade dos Agentes Executores


39. O Administrador consultará o governo, em cada caso, quanto à seleção do agente
através do qual será implantada a assistência do Programa em cada projeto.
40. Os organismos apropriados do sistema das Nações Unidas deverão ser os primeiros
a serem considerados para essa função, nas condições deste procedimento.
41. Quando necessário para garantir a máxima eficácia da assistência do Programa ou
aumentar sua capacidade, e levando na devida conta o fator custo, poderá haver uma
utilização ampliada de serviços apropriados obtidos junto a instituições governa-
mentais e não-governamentais e empresas, mediante acordo do governo beneficiário
envolvido e segundo princípios de concorrência internacional. Deverá ser feito o
emprego máximo de instituições e empresas nacionais, se possível, nos países
beneficiários.
42. Nos casos em que os especialistas ou os serviços necessários não estiverem dispo-
níveis sob a forma, quantidade e qualidade adequadas dentro do sistema das Nações
Unidas, o Administrador, em comum acordo com o governo envolvido, exercerá sua
autoridade para obtê-los, convidando ao mesmo tempo, nos casos apropriados, o
organismo relevante das Nações Unidas a fornecer apoio complementar.
43. Cada agente executor será responsável perante o Administrador pela implantação
da assistência do Programa nos projetos.
44. Na escolha de especialistas, instituições ou empresas, na compra de equipamentos e
materiais e na obtenção de instalações de treinamento, deverá ser observado o princípio
de distribuição geográfica eqüitativa compatível com a máxima eficiência.

E. Disponibilidade e Qualidade de Pessoal Internacional e Nacional para Projetos


45. O Administrador deverá intensificar esforços em coordenação com os organismos
apropriados do sistema e deverá preparar propostas adequadas para exame pelo
Conselho Diretor, com vistas ao aumento da disponibilidade e do preparo e para
melhorar a reciclagem e os procedimentos para o recrutamento pontual de pessoal
internacional altamente qualificado para trabalho em projetos. Essas propostas
devem levar particularmente em conta a conveniência de aumentar o número de
Financiamento Oficial da Cooperação Técnica Internacional 261

pessoas recrutadas em países em desenvolvimento. O Administrador também deve


prestar atenção especial a fatores tais como a adequação pessoal dos candidatos,
incluindo sua motivação e sua capacidade de adaptação; a necessidade de descrições
realistas de cargos e datas de apresentação; decisões rápidas a respeito dos candidatos
pelos organismos e pelos governos solicitantes; e condições de trabalho que atraiam e
mantenham candidatos para cujos serviços existe demanda em nível mundial.
46. Nos casos apropriados, cidadãos nativos qualificados podem ser designados como
administradores de projetos, assessorados por especialistas internacionais.
47. Sempre que necessário, e a pedido do governo beneficiário, o Programa deve dar
atenção ao treinamento de pessoal correspondente adequado como parte integrante
de um projeto assessorado pelo Programa, incluindo sua fase de planejamento , para
que estejam preparados para participar da execução efetiva do projeto e ajudem a
assegurá-la.
48. Como não há nenhuma fórmula clara para as proporções de pessoal internacional,
bolsas e equipamentos para um dado projeto, e nenhum limite superior ao quociente
entre o valor do equipamento e o custo total de um projeto, a assistência do
Programa na fase de pré-investimento deve ser suficientemente flexível para que,
em casos apropriados, possa consistir somente no fornecimento de equipamento
como parte de um projeto integrado de pré-investimento. No último caso , atenção
especial deve ser dada à disponibilidade de pessoal qualificado para usar o equipa-
mento ou treinar pessoas para usá-lo nos países beneficiários.

F . Controle Operacional e Avaliação dos Resultados


49 . O monitoramento da assistência a projetos, na medida do que é necessário para que
o Administrador se desincumba de suas responsabilidades de controle operacional,
normalmente será executado em nível local pelo representante residente.
50. A avaliação de atividades assistidas pelo Programa, feita dentro do sistema das
Nações Unidas, será realizada somente com a anuência do governo envolvido. Ela
será realizada conjuntamente pelo governo, pelo Programa, pelo organismo das
Nações Unidas envolvido e, sempre que for apropriado, pelo agente executor
externo ao sistema das Nações Unidas.
51. Essa avaliação será feita em bases seletivas e ficará restrita ao mínimo essencial
para o aperfeiçoamento ou para o acompanhamento dos projetos envolvidos, tendo
em vista as necessidades do governo, e para a melhoria do Programa. Com a
concordância do governo do país, os resultados serão transmitidos ao Conselho
Diretor para sua informação.

G. Investimento e Outras Formas de Acompanhamento


52. Os dispositivos para investimento e outras formas de acompanhamento de projetos
assistidos pelo Programa farão, quando necessário, parte do processo de programa-
ção e de elaboração, implantação e avaliação dos projetos.
53. O governo, em cada caso, será primordialmente responsável por todas as providên-
262 Peter Kônz

cias que precisem ser tomadas, em todos os estágios de um projeto, para garantir
um acompanhamento eficaz, incluindo um investimento de reforço. Ficará a critério
do governo buscar assistência sob a forma de investimento de todas as fontes
disponíveis. Nenhuma fonte de financiamento a investimento de reforço deverá ser
encarada como a única aceitável, ou como uma fonte com preferência sobre outras .
O Administrador assumirá responsabilidade integral, dentro do sistema das Nações
Unidas, como sua principal fonte de financiamento de pré-investimento, pelo for-
necimento de assistência e assessoramento em nome do sistema das Nações Unidas
no que se refere a investimento de reforço, com a anuência do governo. O Programa
desenvolverá sua capacitação nesta área para assegurar, em comunicação com o
governo , a coordenação mais rápida possível, desde o estágio de planejamento, com
as fontes bilaterais e/ou multilaterais possíveis de financiamento de projetos que
exijam investimento de reforço.

VI. Cronograma e Medidas Transitórias

54. Os princípios expostos acima, e os procedimentos destinados a pô-los em prática,


serão progressivamente aplicados a partir da data de sua aprovação pelos órgãos
legislativo s competentes das Nações Unidas. O Administrador tomará, tão logo seja
exeqüível , as medidas necessárias para que, se possível, alguns programas nacionais
sejam submetidos a tempo de serem considerados pelo Conselho Diretor em sua
décima segunda sessão em junho de 1971.
55. No período de transição, para garantir a continuidade da ação do Programa quanto ao
atendimento de pedidos de assistência dos governos, a análise e a aprovação de projetos
serão realizadas em conformidade com os procedimentos vigentes. Essas medidas
transitórias poderão ser prorrogadas nos casos em que o governo deseje começar seu
programa nacional após 1972 , com o entendimento, entretanto, de que o volume total
de assistência a ser fornecido a partir de 1º de janeiro de 1972 será compatível com as
cifras indicativas de planejamento e que as distinções existentes entre os dois compo-
nentes do Programa terão sido eliminadas.

VII. Organização do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas

56. O Conselho Diretor reconhece sua responsabilidade pela formulação de políticas, pela
determinação das prioridades do Programa e pela revisão da implantação tanto em
termos de planejamento quanto de execução. As decisões do Conselho quanto à
programação nacional e sua implantação têm implicações organizacionais importantes.
O enfoque de programação nacional implica que o Administrador seja totalmente
responsável pela gestão de todos os aspectos do Programa. Ao mesmo tempo, será
necessário promover, no âmbito do programa, uma maior descentralização da respon-
sabilidade por programação e implantação, desde a administração central até o nível
de cada país. A aplicação do duplo princípio da responsabilidade integral do Adminis-
trador pelo Programa e da descentralização em nível de cada país exigirá algumas
Financiamento Oficial da Cooperação Técnica Internacional 263

modificações na estrutura e nos procedimentos existentes no Programa. Será neces-


sária, assim, uma definição mais clara de funções e responsabilidades em todos os
níveis da administração.
57. No nível da administração central, seções regionais devem ser criadas para propor-
cionar um elo direto de ligação entre o Administrador e o representante residente
em todas as questões relacionadas com a atividade de campo. Para encurtar os canais
de comunicação e acelerar o processo de tomada de decisão , os chefes dessas
secções devem ter acesso direto ao Administrador. Para se alcançar o grau exigido
de eficácia de gestão das secções, elas devem ser encabeçadas por pessoas com a
elevada qualificação e o nível hierárquico compatíveis com suas importantes res-
ponsabilidades.
58 . O enfoque de programação nacional também implica que o Programa não deve
apenas preocupar-se com a formulação corrente de políticas mas também seja
sempre capaz de analisar as principais tendências da evolução do Programa para
dar-lhe novas direções e explorar novas possibilidades a fim de que se torne mais
eficaz. Para atender a essa necessidade, deve ser montado um grupo pequeno mas
muito competente de planejamento a longo prazo em nível da administração central
e sob a direção de um executivo experiente .
59. O enfoque de programação nacional também pressupõe procedimentos mais racio-
nais e eficazes de avaliação e acompanhamento. Isto, bem como a necessidade de
manter relações estreitas com outros organismos do sistema das Nações Unidas, que
atuem em colaboração, deve estar integralmente refletido na reestruturação organi-
zacional em nível da administração central. Conclama-se o Administrador a tomar
as medidas necessárias nessa direção e a submeter propostas nesse sentido ao
Conselho.
60. O fortalecimento da gestão do Programa no nível da administração central, em vista
da reforma do sistema e da expectativa de um Programa cada vez maior, deve ser
conseguido com a obtenção dos serviços de pessoal altamente qualificado e expe-
riente, levando-se na devida conta o princípio de distribuição geográfica eqüitativa
e a necessidade de economia.
61. O Administrador deve continuar a ter a autoridade de nomear e gerir o pessoal do
Programa . Para esse fim, deve ter a autoridade, em consulta com o Secretário-Geral,
de estabelecer regras, compatíveis com os princípios relevantes estabelecidos pela
Assembléia Geral, que ele julgue necessárias para resolver os problemas específicos
que surgem no quadro do Programa.
62. No que diz respeito à organização do Programa no nível de cada país, o repre-
sentante residente receberá a designação de diretor residente do Programa . Sua
nomeação pelo Administrador estará sujeita à aprovação prévia pelo governo inte-
ressado.
63. Deverá haver a máxima delegação possível de autoridade ao diretor residente. Portanto,
seu papel precisa ser fortalecido substancialmente. Nesse contexto, suas relações com
os representantes de outros organismos das Nações Unidas em sua área são de impor-
tância crucial. O diretor residente deve ser reconhecido como detentor de responsabi-
264 Peter Kõnz

lidade total e geral pelo programa no país envolvido, e seu papel em relação aos
representantes de outros organismos das Nações Unidas, quando são designados com
a anuência do governo interessado, deve ser o de líder da equipe, levando em conta a
competência profissional desses organismos das Nações Unidas e suas relações com os
órgãos apropriados do governo. Esse papel de liderança e responsabilidade geral deve
estender-se a todos os contatos com as autoridades governamentais ligadas ao Progra-
ma, em relação ao qual ele deverá ser o principal canal de comunicação entre o
Programa e o governo. O diretor residente deverá ter a autoridade de última instância,
em nome do Administrador, no que se refere a todos os aspectos do programa no nível
do país e deverá, sujeito à concordância dos organismos envolvidos, ser a autoridade
coordenadora central, em nome desses organismos, dos outros programas de assistência
ao desenvolvimento do sistema das Nações Unidas. Nesse sentido, solicita-se aos
organismos das Nações Unidas que assegurem que os diretores residentes do Programa
sejam consultados quanto ao planejamento e à elaboração de projetos de desenvolvi-
mento com os quais esses organismos estejam envolvidos, e que recebam relatórios de
andamento desses projetos, tal como foi determinado pelo Conselho Econômico e
Social na Resolução 1453 (XLVII) de 8 de agosto de 1969 .
64. A criação de novos escritórios de campo e a ampliação dos escritórios existentes
devem depender do volume de atividades do Programa em cada país e devem ser
feitas levando-se na devida conta a necessidade de economia. No fortalecimento
dos escritórios de campo, deve ser dada prioridade ao aproveitamento do pessoal
existente.
65. O Conselho Consultivo Interorganismos deve continuar a ser o fórum de consulta e
coordenação entre organismos do sistema no que se refere ao Programa. Entretanto,
o Conselho deve promover uma revisão completa de suas funções básicas, de seus
métodos de trabalho e de suas relações com o Conselho Diretor à luz do novo
sistema de programação nacional da assistência do Programa e da necessidade de
implantação eficiente dos programas nacionais.
Financiamento Oficial da Cooperação Técnica Internacional 265

APÊNDICE B

90/34. QUINTO CICLO DE PROGRAMAÇÃO

O Conselho Diretor
1. Decide manter, para o quinto ciclo de programação, um período de planejamento
de cinco anos, cobrindo os anos 1992-1996, inclusive, e promover uma revisão
preliminar em 1994 abrangendo:
a) os aspectos de planejamento para todo o ciclo;
b) os recursos disponíveis e a gestão financeira do quinto ciclo de programação ;
2. Também decide que, para fins de planej amento futuro, supõe-se uma taxa anual de
crescimento das contribuições voluntárias totais de 8%;
3. Decide ainda aplicar a taxa de crescimento das contribuições voluntárias, de 8%,
para o quinto ciclo de programação sobre uma base de 1 bilhão de dólares em 1991 ;
4. Reafirma a responsabilidade exclusiva do governo do país beneficiado pela formulação
de seus planos, prioridades ou objetivos nacionais de desenvolvimento, ressaltando que
a integração das atividades operacionais do sistema das Nações Unidas com os planos
e objetivos nacionais aumentará o impacto e a relevância dessas atividades;
5. Reafirma também que os planos e as prioridades nacionais constituem o único
sistema de referência viável para a programação nacional de atividades operacionais
das Nações Unidas voltadas para o desenvolvimento;
6. Ressalta que, para se conseguir autonomia nos países em desenvolvimento através
da construção e do fortalecimento de suas capacitações, o Programa de Desenvol-
vimento das Nações Unidas deve promover o desenvolvimento humano;
7 . Decide que o Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas deve focalizar seus
esforços na direção da construção e do fortalecimento da capacitação nacional nas
seguintes áreas:
a) erradicação da pobreza e participação dos cidadãos no desenvolvimento;
b) problemas ambientais e gestão de recursos naturais;
c) desenvolvimento gerencial;
d) cooperação técnica entre países em desenvolvimento;
e) transferência e adaptação de tecnologia para o desenvolvimento;
f) ampliação do papel das mulheres no desenvolvimento;
8. Decide que a ampliação e o fortalecimento de capacitação nessas áreas deve receber
prioridade nos programas do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas,
incluindo as cifras indicativas de planejamento de programas para grupos de países,
e que os Recursos de Programas Especiais sejam usados para fortalecer e comple-
mentar atividades financiadas através das cifras indicativas de planejamento por
país, que devem ser parte integrante dos programas nacionais e levando-se inteira-
mente em conta a diversidade de necessidades de países e regiões;
266 Peter Kônz

9. Solicita ao Administrador que apresente relatórios sobre a implantação dos parágra-


fos 7 e 8 da presente dec-is ão em bases contínuas, começando com a quadragésima
sessão (1993);
10. Decide que a a l o c a ç ã o dos recursos do Programa de Desenvolvimento das Nações
Unidas, inclu indo a di str ibu ição das cifras indicativas de planej amento por país e
por grupos de países para o quinto ciclo de programação, 1992-1996, seja feita após
a destinação de recursos para a Reserva Operacional, o orçamento básico, as atividades
de apoio ao Programa, Serviços Industriais Especiais, custos de apoio setorial e custos
de apoio a organismos; o programa de campo do Programa de Desenvolvimento das
Nações Unidas será dividido da seguinte maneira:
a) 77% serão alocados a cifras indicativas de planejamento para programas nacionais;
b) 16% serão alocados a cifras indicativas de planejamento para programas de grupos
de países, dos quais:
i) 12% para cifras indicativas de planejamento regional;
ii) 1,5% para cifras indicativas de planejamento inter-regional;
ii i) 2,5% para cifras indicativas de planejamento global;
c) 7% serão alocados aos Recursos de Programas Especiais, que cobrirão atividades
temáticas;
11. Decide que as dotações do orçamento básico para este ciclo totalizarão 1.158
milhões de dólares, representando o nível esperado de despesas em 1991, com uma
taxa anual de inflação composta de 6% para cada ano do ciclo;
12. Decide que as dotações das atividades de apoio ao Programa totalizarão 98 milhões
de dólares, que representam o nível esperado de despesas em 1991, acrescido de
uma taxa de inflação de 6% ao ano em cada ano do ciclo;
13. Decide que as dotações para os diferentes esquemas de custos de apoio serão as
seguintes:
a) reservar 10% das cifras indicativas de planejamento por país, como um subitem
dessas cifras, para financiar serviços de apoio pelos governos dos países beneficia-
dos;
b) reservar 2% dos recursos programáveis para serem geridos pelo Administrador para
apoio a serviços técnicos em nível de cada programa de acordo com o parágrafo 8
da decisão 90/26;
c) reservar, segundo o parágrafo 10 da decisão 90/26, 2% dos recursos programáveis
para o financiamento de serviços técnicos em nível de projeto, que podem, na
trigésima oitava sessão do Conselho Diretor, passar a ser financiados de maneira
centralizada;
d) estabelecer uma dotação adequada para cobrir custos de apoio aos organismos
técnicos de menor porte, de acordo com o parágrafo 3 da decisão 90/26;
e) reservar fundos não superiores a 14% das cifras indicativas de planejamento para
programas de grupos de países e dos Recursos de Programas Especiais para cobrir
o custo de apoio técnico e indicativo para esses programas;
Financiamento Oficial da Cooperação Técnica Internacional 267

f) f aze r uma reserva de 13 % do cu sto estimad o de proj et o s do quarto ciclo de pro gr a-


mação , a serem implantado s durante o quinto cic lo de program açã o , a se r ac rescen -
tada para cobrir o custo de apoio a es se s projeto s .
14. Decide que o nível da dotação para Servi ço s Indu striai s Esp eciais se j a de 15 milhõe s
de dólares;
15. Decide que o nível da dotação para apoi o se toria l sej a de 30 milh ões de dólares ; a
distribuição desses fundos entre o programa do s Diretores da UNIDO e o pr ograma
de apoio setorial dos organismos de menor porte dev erá ser decidida pelo Con selh o
Diretor em sua trigésima oitava sessão (1991) ;
16. Decide que o nível da Reserva Opera cional no quint o cicl o de programa ção se ja d e
20 % das contribuiçõe s ou despesas de c ad a ano , dependend o de quai s forem mai s
altas , sendo esse nível arredondado para a dezena de milhão d e d ólare s mai s
próxima, e decide rever o nível da Reserva Operacional a cada doi s ano s e durante ·
a revisão geral no meio do ciclo ;
17. Decide ainda , de acordo com a resolu ção 44 /211 da A ssembl éia Geral e a deci sã o
89/20 do Conselho Diretor, as quais , entre outras coi sas , en fatiz am a n ece ssidad e
de prioridades na alocação de recursos escassos sob a forma de doaçõ es a pr ogramas
e projetos em países de baixa renda , particularmente os meno s desen volvid os, que
a metodologia para a alocação da s cifras indicativa s de planejamento p or p aí s dev e
obedecer à seguinte distribuição:
a) países com Produto Nacional Bruto p er cap ita de até 750 dólare s, 87 % dos re curso s
de cifras indicativas de planejamento , mantendo-se os peso s para Produto Na cional
Bruto per capita e população para o quinto ciclo inalterado s em rela çã o ao s u sad o s
no quarto ciclo;
b) países com Produto Nacional Bruto p er capita acima de 750 dólares dev em receb er
13 % dos recursos;
18. Decide que os países menos desenvolvidos devem receber 55 % das cifras indicativa s
de planejamento por país e alocar, para esse fim , o complemento necessário dos
recursos dos programas de campo que ha viam sid o de stinad os a programas regi ona is,
com vistas a complementar os fundo s alocados aos países meno s desen volvid os,
proporcionalmente às suas cifras indicativas de planejamento para o quinto ciclo ;
19. Decide que, dentro do volume total de recursos alocados às cifras indi cati va s de
planejamento para países individuais, 100 milhõe s de dólares p erm an eçam se m
destinação específica, para atender às neces sidades de futuro s participantes do progra-
ma, e que as cifras indicativas de planejamento de alguns países sej am aju stada s em
conseqüência de revisões dos dados utilizados para os cálculo s das cifras indi cati vas
de planejamento do quinto ciclo , após a aprovação do Con selho Diretor;
20. Decide que , para o cálculo de cifras indicativa s de planejam ento de p aí se s indi vi-
duais, a metodologia e os critérios devem levar em conta o se gu inte:
a) os critérios básicos de Produto Nacional Bruto per capiia e população dev em ser
aplicados, e os pesos correspondentes a cada nível de Produto Nacional Bruto p er
capita e população empregados no quarto ciclo serão mantid os ;
268 Peter Kõnz

b) o cociente entre critérios básicos e auxiliares que será usado nas cifras indicativas
de planejamento será de 75 a 25;
21. Decide que os seguintes critérios auxiliares, com seus respectivos pesos, serão
aplicados para qualquer país:
a) inclusão na lista de países designados como menos desenvolvidos dos países em
desenvolvimento ou , por decisão do Conselho Diretor, designados para serem
tratados como se tivessem sido incluídos nessa lista: 7 pontos;
b) é um país sem acesso ao mar: 1 ponto;
c) é uma ilha: 1 ponto;
d) tomou-se independente desde 1985: 1 ponto;
e) é um Estado pobre do Sul da África: 1 ponto;
f) sofre de dificuldades agudas em termos ecológicos ou geográficos, ou é suscetível
a desastres naturais: 2 pontos;
g) é classificado pelo Banco Mundial como um país altamente ou moderadamente
endividado, de renda baixa ou média: 2-4 pontos;
h) teve uma deterioração continuada de seus termos de troca, medida por um declínio de
mais de 10% em pelo menos dois anos do período de três anos 1986-1988: 1 ponto;
i) sofreu um declínio de Produto Nacional Bruto per capita de mais de 30% entre
ciclos (1983-1989): 1 ponto;
j) sua economia está em transição, ou exigiu empréstimos para ajuste estrutural do
Banco Mundial durante o quarto ciclo (1987-1991): 1 ponto;
22. Decide que o montante alocado para cada ponto complementar atribuído deve ser
formado por uma parte fixa, à base de 25%, e por uma parte variável de 75%, esta
última diretamente correlacionada ao montante da cifra indicativa de planejamento
calculada de acordo com os critérios básicos;
23. Decide utilizar dados do Banco Mundial sobre população e Produto Nacional Bruto
per capita para o ano de 1989 no cálculo das cifras indicativas de planejamento para
países individuais; nos casos em que esses dados não estejam disponíveis, o Admi-
nistrador deverá fazer e usar as melhores estimativas disponíveis, levando em conta
estimativas fornecidas pelo Departamento de Estatística das Nações Unidas, bem
como estimativas obtidas junto a outras fontes, que tenham sido feitas de maneira
compatível com a metodologia usada pelo Banco Mundial;
24. Decide que cifras indicativas de planejamento regional sejam estabelecidas em
proporção às cifras indicativas de planejamento totais para países individuais em
cada região;
25. Decide que:
a) um máximo de 15 pontos complementares pode ser dado a qualquer país;
b) os critérios auxiliares devem ser limitados a não mais de 50% do produto da
aplicação dos critérios básicos a qualquer país, com exceção dos menos desenvol-
vidos, caso em que vale o máximo de 100%;
Financiamento Oficial da Cooperação Técnica Internaciona l 269

26. Decide que a cifra indicativa de planej amento para mo vimento s de liberta çã o
nacional sej a estipulada em 12 milhões de dólares, tend o, co mo ben efi ci ári os, o
Congresso Nacional Africano e o Congresso Pan-Africano ;
27. Decide fixar em 7 milhões ' de dólares a cifra indicativa d e pl ane j am ento p ara a
cooperação de áreas de arquipélagos , a ser divid ida igualment e ent re o Carib e e as
ilhas do Pacífico;
28. Decide fixar em 1,656 milhão a cifra indicativa de planejamento para a Repúbli ca
Federal Tcheca e Eslovaca;
29. Decide também que a República Federal Tcheca e Eslova ca se j a inclu íd a en tre os
países com direito a uma cifra indicativa de planej am ento p ara o qu in to ciclo de
programação;
30. Decide que a cifra indicativa de planejamento para a Repúbli ca do Iêm en no qu in t o
ciclo seja não inferior às cifras indicativas de planejam en to co mbin adas d a Repú-
blica Popular do Iêmen e do Iêmen no quarto ciclo ;
31. Decide que países com um Produto Nacional Bruto per capita em 1989 abai xo d e
750 dólares, e países situados em pequenas ilhas , com uma populaçã o de n o máxim o
2 milhões de habitantes, e um Produto Nacional Bruto per cap ita ent re 75 0 e 1500
dólares, recebam uma complementação , se neces sário , às suas cifras indi cati vas de
planejamento para o quinto ciclo de programação , de modo qu e receb am não m en os
do que 100% de suas cifras indicativas de planejamento individuais no quarto ciclo ,
como foi determinado pelas decisões 85/16 de 29 de junho d e 1985 , 88 /3 1 de 1Q de
julho de 1988, e 90/3 de 23 de fevereiro de 1990;
32. Decide que países com um Produto Nacional Bruto per capita em 19 89 ent re 750 e
1500 dólares, e países situados em pequenas ilha s, com uma populaçã o de n o
máximo 2 milhões de habitantes, e um Produto Nacional Bruto p er capita entre 1500
e 3000 dólares, recebam uma complementação , se ne ces sário, às su as cifras indi c a-
tivas de planejamento para o quinto ciclo de programação , de modo qu e rec ebam
não menos do que 90% de suas cifras indicativas de planejamento indi viduai s n o
quarto ciclo, como foi determinado pelas decisões 85/16 de 29 de junho d e 19 85 ,
88/31 de 1ºQ de julho de 1988 e 90/3 de 23 de fevereiro de 1990 ;
33. Decide que países com Produto Nacional Bruto per capita entre 1500 e 30 00 dól ar es
em 1989, e países situados em pequenas ilhas com popula çã o in ferior a 2 milh õ es,
e com um Produto Nacional Bruto per capita em 1989 entre 3000 e 4200 dól ares,
recebam uma complementação , se necessário , às suas cifra s indicati v as de planej a-
mento para o quinto ciclo de programação , de modo que não recebam meno s de 80 %
de suas cifras indicativas individuais de planejamento para o quarto ciclo , conform e
as decisões 85/16 de 29 de junho de 1985, 88/31 de 12 de julho de 19 88 e 90 /3 de
23 de fevereiro de 1990;
34. Decide rever a questão de contribuinte líquido em su a trig ésima oitava sessão
(1991);
35. Convida o Administrador, em antecipação ao sexto cicl o de programa çã o, a ap re -
sentar propostas ao Conselho Diretor em sua trigésima oitav a sessã o (199 1) par a a
270 Peter Kõnz

revisao dos pesos dados ao Produto Nacional Bruto per capita e à população,
levando em conta:
a) o aumento do peso para países menos desenvolvidos e países de renda menor na
ponderação do Produto Nacional Bruto per capita;
b) a redução do peso para população maior;
36. Decide rever, em sua sessão especial de fevereiro de 1991, os montantes específicos
para programas dos Recursos de Programas Especiais com base nas propostas do
Administrador feitas no documento DP/1990/43 e outras propostas feitas durante a
trigésima sétima sessão do Conselho Diretor, segundo a lista anexada à presente
decisão;
37. Autoriza o Administrador, em relação a uma possível revisão para cima de cifras
indicativas de planej amento durante o ciclo, a aumentar essas cifras em bases
proporcionais, caso os recursos assim o permitam;
38. Decide que, se o crescimento de recursos no quinto ciclo for insuficiente para cobrir
as cifras indicativas de planej amento, o Administrador deverá reduzir as cifras
indicativas de planejamento e os Recursos de Programas Especiais em bases pro-
porcionais;
39. Conclama o Administrador:
a) a consultar os organismos do sistema das Nações Unidas quanto à viabilidade e à
possibilidade de introdução, em todo o sistema, dos Direitos Especiais de Saque
como unidade de conta;
b) neste sentido, a convidar o Diretor Geral de Desenvolvimento e Cooperação Eco-
nômica Internacional a assumir um papel ativo nessa revisão, em vista de suas
implicações para o sistema como um todo;
c) Fornecer uma indicação preliminar e ampla do custo potencial existente para o
. Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas em conseqüência da introdução
dos Direitos Especiais de Saque como unidade de conta;
d) Fazer um relato ao Conselho Diretor, em sua trigésima oitava sessão (1991), sobre
o resultado de suas consultas com os organismos das Nações Unidas e suas análises
sobre as implicações em termos de custo da introdução dos Direitos Especiais de
Saque.
Financiamento Oficial da Cooperação Técnica Internacional 271

ANEXO DO APÊNDICE B

ALOCAÇÕES PROPOSTAS NO QUINTO CICLO PARA PROGRAMAS


DE RECURSOS PARA PROGRAMAS ESPECIAIS

Categoria
Mitigação de Desastres Naturais
apoio de emergência;
reconstrução e recuperação;
gestão de regiões afetadas ;
refugiados e pessoas deslocadas .
Coordenação de ajuda - avaliação e programas nacionais de cooperação técnica (NAT-
CAPs), mesas-redondas, coordenação de campo etc.
NATCAPs, mesas-redondas e apoio do UNDP a reuniões do Grupo Consultivo;
outras - por exemplo, avaliação de necessidades, revisões de programas de países;
atividades de coordenação de campo (novas).
Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento
Desenvolvimento de Programas
unidade de Desenvolvimento de Projetos;
avaliação de programas/treinamento;
pesquisa de programas
novas iniciativas/enfoques inovadores, incluindo desenvolvimento do setor priva-
do.
Atividades Temáticas
Relatório de Desenvolvimento Humano
iniciativas de programação nacional;
novas atividades temáticas:
redução da pobreza;
desenvolvimento da gestão ambiental;
controle do consumo de drogas/substituição de culturas
agrícolas;
Aids.
272 Peter Kônz

DOTAÇÕES TOTAIS DO PROGRAMA


QUINTO CICLO DE PROGRAMAÇÃO (1992-1996)
(em milhões de dólares americanos)

11

Total dos Recursos para Programas de Campo 4476 100% 4476 100%
IPFs para países e grupos de países 4163 93,0% 4163 93,0%
IPFs para países 3447 77,0% 3585 80,1%
IPFs para grupos de países 716 16,0% 578 12,9%
· Reg ionais 537 12,0% 399 8,9%
· Inter-regionais 67 1,5% 67 1,5%
· Globais 112 2,5% 112 2,5%
Recursos de Programas Especiais 313 7,0% 313 7,0%
Total dos Recursos do Quinto Ciclo 6501 6501

Notas: I. Distribuição conforme parágrafo 10 da decisão 90/34.


11. Distribuição resultante da aplicação do parágrafo 18 (complemento para países menos
desenvolvidos) da decisão 90/34.
As Organizações
Internacionais e a Cooperação
Técnica

Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros

I. INTRODUÇÃO

As opiniões acerca das organizações internacionais movem-se entre dois extre-


mos: existem os estudiosos que lhes atribuem um papel quase revolucionário no
delineamento da comunidade e do direito internacional dos dias de hoje e, por
outro lado, os que sustentam permanecer inalterado o contexto da sociedade
internacional e, conseqüentemente, do direito internacional, qualquer que seja a
adjetivação que, em certos aspectos, lhes possa ter proporcionado a atividade das
organizações internacionais.
Contudo, parece óbvia a interferência das organizações na estrutura e na dinâmica da
sociedade internacional contemporânea. Nascidas para atender a certas necessidades
comunitárias, as organizações provocaram acentuada modificação no regime clássi-
co das relações internacionais, dando origem à "diplomacia parlamentar" e ensejando
a passagem de uma sociedade interestatal fechada para uma sociedade aberta.
Isto não significa, porém, que o desenvolvimento das organizações internacio-
nais deva ser interpretado como a expressão de um processo acelerado rumo à
integração terminantemente orgânica e unitária do gênero humano em um " Es-
tado Mundial" mas apenas que, tanto em seus elementos componentes (estrutura)
274 Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros

como em suas fórmulas de relacionamento (dinâmica) , a sociedade internacional,


basicamente interestatal, precisou retificar seu perfil clássico e ajustar-se, no
século atual, a uma nova realidade, determinada pelo jogo, em parte incontrolá-
vel, de sua própria criação: as organizações internacionais.
Dentre suas numerosas e importantes funções, as organizações internacionais
exercem relevante papel no processo de concessão de assistência técnica e de
estímulo à cooperação técnica, como instrumentos de promoção do desenvolvi-
mento econômico de seus Estados-membros.
O presente trabalho objetiva identificar e apresentar as organizações interna-
cionais que proporcionam cooperação técnica, bem como apontar suas princi-
pais contribuições nessa área.
As organizações destacadas são aquelas das quais o Brasil participa diretamente
ou que exercem papel relevante na cooperação técnica em nível mundial.

11. CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES


INTERNACI ONAIS

Conforme definição de Sereni,

organização internacional é uma associação voluntária de sujeitos de direito internacional


(Estados), constituída por ato internacional e disciplinada nas relações entre as partes por
normas de direito internacional, que se realiza em um ente de aspecto estável, que possui um
ordenamento jurídico interno próprio e é dotada de órgãos e institutos próprios, por meio dos
quai s realiza as finalidades comuns de seus membros mediante funções particulares e o
exercício de poderes que lhe foram conferidos.

Celso de Albuquerque Mello apresenta e analisa as características das organiza-


ções internacionais da seguinte maneira:

1. Associação Voluntária de Sujeitos do Direito Internacional


A expressão "sujeitos do direito internacional" deve ser entendida como abran-
gendo, via de regra, apenas os Estados. Estes, ao ingressarem voluntariamente
em uma organização internacional, passam a ter a qualidade de "membros".
Algumas organizações admitem, ao lado de membros ordinários (Estados),
membros associados, situação particular conferida aos territórios coloniais ou
sob tutela que não possuem personalidade internacional plena.
As Organizações Internacionais e a Cooperação Técnica 275

2. O Ato Institutivo da Organização é Internacional


Cada organização é instituída por tratado internacional que passa a ter caráter de
norma constitucional da mesma, à qual as normas posteriores devem se subordi-
nar. Uma vez criadas, as organizações normalmente não se limitam aos Estados
signatários do tratado constitutivo, mas permanecem abertas ao ingresso de
outros Estados.

3. Personalidade Internacional
Ao se constituírem em "entes de aspecto estável" , as organizações internacio-
nais, adquirem personalidade jurídica internacional independente da de seus
membros.

4. Ordenamento Jurídico Interno


A exemplo das sociedades de direito privado, as organizações internacionais
possuem estatuto interno que disciplina as relações entre os seus órgãos.

5. Existência de Órgãos Próprios


Os órgãos de uma organização são fixados nos tratados que as criam, nada
impedindo que outros sejam instituídos posteriormente. De modo geral, elas
apresentam um Conselho, uma Assembléia e um Secretariado.

6. Exercício de Poderes Próprios


Fixados no tratado constitutivo, os poderes de uma organização visam atender
às finalidades comuns de seus membros. Ao exercê-los, as organizações criam,
por meio de deliberações, normas internacionais.
Dentre as aludidas características, é oportuno sublinhar que as organizaçõ es
internacionais são dotadas de personalidade jurídica própria no âmbito do direito
internacional, significando que dispõem do direito de convenção (faculdade de
celebrar tratados internacionais, como os Estados) e do direito de legação
(faculdade de manter relações diplomáticas, através de funcionários próprios,
com os demais sujeitos do direito internacional).
A propósito do direito de convenção das organizações internacionais, foi con-
cluída recentemente em Viena, sob os auspícios da ONU, a Convenção sobre o
276 Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros

Direito dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais e entre Orga-


nizações Internacionais (21 de março de 1986), que passou a reger tais atos
internacionais.
Para que possam bem desempenhar suas funções, as organizações internacionais
gozam de privilégios e de imunidades que são concedidas também aos seus
funcionários .
No âmbito da ONU existe uma Convenção sobre Privilégios e Imunidades das
Nações Unidas para ser aplicada aos Estados-membros.
A subsistência financeira das organizações internacionais é realizada por meio
de contribuições dos Estados-membros para o pagamento das suas despesas. A
fixação da quantia com que cada Estado deve contribuir é geralmente determi-
nada por órgão que recebe competência para tanto; ou , ainda, pelo próprio tratado
constitutivo da organização.
Muitos são os critérios para classificar as organizações internacionais, cujo
número se vem ampliando progressivamente.
Segundo as suas finalidades , podem ser classificadas em:
a) organizações com fins gerais (por exemplo: ONU) ;
b) organizações com fins especiais, tais como:
políticos (Conselho da Europa);
econômicos (FMI);
culturais (UNESCO);
sociais (OIT);
militares (OTAN);
técnicos (OACI) .
Quanto ao âmbito territorial, as organizações internacionais podem ser:
a) parauniversais (ONU), quando não há limitação geográfica para que um
Estado venha a ser seu membro;
b) regionais (OEA), quando o tratado constitutivo limitar o seu âmbito geográ-
fico de atuação.
No que tange à natureza dos poderes recebidos, as organizações são classificadas em:
a) organizações intergovernamentais (ONU, OEA), quando:
os órgãos são constituídos por representantes dos Estados-membros;
as decisões são tomadas por unanimidade ou por maioria qualificada;
As Organizações Internacionais e a Cooperação Técnica 277

os próprios Estados executam as decisões dos órgãos;


b) organizações supranacionais (CECA, EURATOM, CEE), quando:
existem órgãos nos quais os titulares atuam em nome próprio, e não como
representantes dos Estados;
as decisões são tomadas por maioria;
as deliberações da organização são exeqüíveis diretamente no âmbito interno
dos Estados-membros, independentemente de qualquer exequatur.
Mello (1986) resume as funções e potencialidades das organizações internacio-
nais nos seguintes tópicos:
a) exercem influência nas decisões dos Estados;
b) desenvolvem meios para controlar conflitos;
c) aumentam as oportunidades dos Estados subdesenvolvidos, uma vez que
estes possuem maioria nas organizações, atuam como um grupo de pressão e
negociam em igualdade (formalmente) com as grandes potências;
d) atuam contra o nacionalismo ao defenderem o internacionalismo;
e) representam um canal de comunicação entre os Estados;
f) constituem um mecanismo para a tomada de decisões;
g) protegem os direitos do homem;
h) o secretariado (setor administrativo) é um eventual líder para o fim de que
as propostas estatais sejam examinadas internacionalmente;
i) garantem a segurança dos Estados;
j) legitimam determinadas situações, bem como asseguram que as transforma-
ções destas sejam pacíficas, procedimento queé importante em um mundo
de rápidas transformações;
1) procuram restringir o poder das Grandes Potências;
m) internacionalizam os problemas;
n) a ONU contribuiu para o aparecimento de numerosos Estados;
o) atuam na opinião pública dos Estados e contribuem para o desenvolvimento
da opinião pública internacional;
p) contribuem para a formação de normas internacionais de várias formas:
sua prática e atos têm constituído um importante elemento para o direito
internacional costumeiro;
278 Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros

novos ramos do direito internacional surgiram da atividade das organizações


internacionais;
o uso da força nas relações internacionais originou-se no âmbito dos Estados
para as Organizações;
novas fontes do direito internacional surgiram através das organizações;
criaram os primeiros tribunais internacionais;
desenvolvem a codificação progressiva do direito internacional;
universalizam o direito internacional.

111. A COOPERAÇÃO TÉCNICA INTERNACIONAL


INSTITUCIONALIZADA

A cooperação entre Estados desenvolvidos e Estados em via de desenvolvimento,


visando ao progresso destes, ocorre de duas maneiras: os Estados ricos agem
caridosamente para com os pobres, caracterizando " aj uda" ou " assistênci a"; ou
os Estados trabalham em empreendimento comum objetivando o desenvolvimen-
to dos mais atrasados, resultando em " cooperação" propriamente dita.
A cooperação ocorre tanto no plano das relações bilaterais entre Estados quanto
no marco das organizações internacionais.
Possivelmente, se os países em desenvolvimento pudessem optar pela fórmula
ideal de cooperação, escolheriam a cooperação institucionalizada dos organis-
mos internacionais, opção que lhes garantiria concurso desinteressado, por visar
ao bem-estar da comunidade mundial ou regional.
O progresso técnico é sabidamente condição para o desenvolvimento das nações.
Para ter acesso a técnicas avançadas, os Estados precisam dispor de pessoal
especializado. Sem a cooperação técnica dos países desenvolvidos, os mais
pobres necessitam esperar que algumas gerações se sucedam para atingir os
níveis de conhecimento já obtidos pelos mais ricos . A cooperação técnica permite
justamente ganho de tempo nesse processo: consiste em apelar para a capacidade
técnica e para a experiência dos países industrializados com o propósito de obter,
primeiramente, pessoal qualificado que supra as deficiências locais dos países
em desenvolvimento e, logo após, acesso contínuo a uma tecnologia em constan-
te evolução, através dos procedimentos de sua transferência.
A primeira organização parauniversal com fins gerais - a Liga ou Sociedade das
Nações (1919-1939) - não demonstrou maiores preocupações com os problemas
As Organizações Internacionais e a Cooperação Técnica 279

econômicos dos Estados; a cooperação técnica para o desenvolvimento não


despertou em seus órgãos nenhum interesse. Sublinhe-se que grande parte da
África e da Ásia permanecia sob estatuto colonial e, conseqüentemente, tais
continentes não puderam exprimir seus anseios, que eram ainda manifestados
por suas metrópoles ocidentais dentro de uma perspectiva eurocêntrica.
Ao término da Segunda Guerra Mundial os redatores da Carta das Nações Unidas
perceberam mais claramente as dimensões econômicas da paz internacional e
tentaram fixar a atividade da ONU, nesse setor, através da instituição do Conse-
lho Econômico e Social (ECOSOC).
Entretanto foi o processo de descolonização que, ensejando ao Terceiro Mundo
a oportunidade de se exprimir com maior força no cenário mundial, conseguiu
alçar os problemas econômicos internacionais ao seu verdadeiro patamar, dei-
xando às claras as conseqüências nefastas provocadas pela desigualdade de
desenvolvimento entre os Estados.
É nesse quadro que podem ser identificados quatro sistemas de atividade dos
organismos internacionais no âmbito da cooperação técnica, apresentados a seguir:
o sistema da Organização das Nações Unidas;
o sistema das organizações de cooperação monetária, financeira e comercial;
o sistema das organizações regionais; e
o sistema das organizações de fomento.

IV. O SISTEMA DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS

O sistema de cooperação técnica para o desenvolvimento da ONU é, cronologi-


camente, considerado como o primeiro e matriz de todos os demais.
A ONU, nunca é demais repetir, consiste na mais arrojada experiência levada
adiante pelo homem com o propósito de desenvolver um sistema capaz de
garantir a paz e a segurança internacionais.
Possui seis órgãos principais: Conselho de Segurança, Assembléia Geral, Con-
selho Econômico e Social, Conselho de Tutela, Secretariado e Corte Internacio-
nal de Justiça. Além disso, a ONU tem vinculada a si uma série de organismos
e agências especializadas, com relevantes funções nos campos econômico, so-
cial, cultural, educacional, sanitário e conexos.
São organizações autônomas ligadas à ONU, e entre si, através do mecanismo
280 Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros

coordenador do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas. Quinze orga-


nismos estão nessa categoria: Organização Internacional do Trabalho (OIT);
Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO);
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNES-
CO); Organização Mundial de Saúde (OMS); Banco Internacional para a Recons-
trução e o Desenvolvimento (Banco Mundial/BIRD); Associação Internacional
de Desenvolvimento (AID); Corporação Financeira Internacional (CFI); Fundo
Monetário Internacional (FMI); Organização da Aviação Civil Internacional
(OACI); União Postal Universal (UPU); União Internacional de Telecomunica-
ções (UIT); Organização Meteorológica Mundial (OMM); Organização Intergo-
vernamental Marítima Consultiva (IMCO) ; Organização Mundial da Propriedade
Intelectual (OMPI) e Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA) .
A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), criada em 1957 sob a
" égide das Nações Unidas" , é também organismo especializado, presta contas à
Assembléia Geral e, quando necessário, ao Conselho de Segurança e ao Conselho
Econômico e Social.
Os mencionados organismos gozam de personalidade jurídica internacional própria,
apesar de sujeitos à autoridade da ONU , tendo ainda as seguintes características:
desenvolvem atividades autônomas no campo internacional;
têm sede diferente da ONU;
possuem membros que não fazem parte da ONU;
estrutura administrativa independente;
orçamento próprio.
Desde o início de suas atividades, em 1945, a ONU evidenciou que os problemas
econômico-sociais fariam parte de sua pauta de trabalhos, cumprindo o disposto
no artigo 55 da Carta de San Francisco:

Com o fim de criar condições de estabilidade e bem-estar, necessárias às relações


pacíficas e amistosas entre as Nações, baseadas no respeito ao princípio da igualdade
de direitos e da autodeterminação dos povos, as Nações Unidas favorecerão:

a) níveis mais altos de vida, trabalho efetivo e condições de progresso e desenvolvi-


mento econômico e social ;
b) a solução dos problemas internacionais econômicos, sociais, sanitários e conexos;
a cooperação internacional de caráter cultural e educacional; e
c) o respeito universal e efetivo dos direitos do homem e das liberdades fundamentais
para todos, sem distinção de raça, sexo , língua ou religião.
As Organizações Internacionais e a Cooperação Técnica 281

o artigo 56, por sua vez, explicita que:

Para a realização dos propósitos enumerados no artigo 55, todos os membros da


Organização se comprometem a agir em cooperação com esta, em conjunto ou separa-
damente.

A iniciativa pioneira da ONU, destinada a contribuir para minorar os problemas


do subdesenvolvimento, consistiu na criação da Comissão Econômica para a
América Latina (CEPAL), em fevereiro de 1948.
Logo após, em 4 de dezembro do mesmo ano, a Assembléia Geral aprovou duas
resoluções: orientando as atividades econômicas da ONU com vistas ao desen-
volvimento; e autorizando o secretário-geral a efetuar certas operações de coo-
peração técnica com base no orçamento da organização. Assim, nasceu na ONU
o chamado "Programa Ordinário de Assistência Técnica".
Em nova resolução, adotada a 6 de novembro de 1949, a Assembléia Geral
instituiu o Programa Ampliado de Assistência Técnica, introduzindo três novos
elementos: cooperação interinstituições, isto é, entre a ONU e suas agências
especializadas; institucionalização do sistema de contribuições voluntárias para
financiar o desenvolvimento; e transferência de tecnologia de países mais avan-
çados para países do Terceiro Mundo, através da cessão de especialistas. O
sistema, contudo, ressentia-se de administração mais orgânica, centrada nos
problemas do desenvolvimento.
O Conselho Econômico e Social (ECOSOC) instituiu, em 15 de agosto de 1949,
o Bureau de Assistência Técnica, dotado de um secretário-geral. No mesmo ano,
o ECOSOC criou um Comitê de Assistência Técnica, encarregado de determinar
ao Bureau os princípios de ação do programa.
Entretanto a ONU percebeu que , se já iniciara na área de transferência
de tecnologia mediante o envio de técnicos no âmbito do Programa Ampliado de
Assistência Técnica, ainda não pudera dar início ao fornecimento de equipamen-
to devido à falta de capitais necessários.
Por esse motivo, em 1958 a Assembléia Geral decidiu criar um Fundo Especial
destinado a financiar os investimentos que permitiriam a operacionalização dos
projetos.
Em 1960 surge a Associação Internacional do Desenvolvimento (AID), filial do
Banco Mundial (BIRD), visando à liberação de empréstimos em condições mais
favoráveis para os países do Terceiro Mundo.
Todos esses esforços, despendidos em favor do desenvolvimento, só se tornariam
282 Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros

verdadeiramente eficazes no contexto de uma reforma das práticas do comércio


internacional.
Convencida dessa idéia, em 19 de dezembro de 1961 a Assembléia Geral aprovou
a Resolução 1707, intitulada Comércio Internacional: Principal Instrumento do
Desenvolvimento Econômico, a qual desencadearia o processo da programação
de uma grande conferência internacional, realizada em Genebra de 23 de março
a 16 de junho de 1964, gerando duas conseqüências muito importantes: a adoção
do GATT (Acordo Geral de Tarifas e Comércio) e da UNCTAD (Conferência
das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento). Em 1966 a ONU
instituiu ainda a Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Interna-
cional.
A partir de 19 de janeiro de 1966, a fusão do Programa Ampliado de Assistência
Técnica e do Fundo Especial no Programa das Nações Unidas para o Desenvol-
vimento (PNUD), criado pela Resolução 2029 (XX) de 22 de novembro de 1965,
da Assembléia Geral, conhecida pelo nome de Resolução a Serviço do Progresso,
dotou a ONU de instrumento mais independente e eficaz. As atividades de
cooperação técnica tornaram-se o complemento natural das atividades de inves-
timento e passaram a ser coordenadas pelo PNUD. No terreno do desenvolvi-
mento industrial, em 1961 o Conselho Econômico e Social (ECOSOC) criou o
Comitê de Desenvolvimento Industrial e o Centro de Desenvolvimento Indus-
trial, os quais não demoraram a se revelar insuficientes para atender ao setor.
Em 1963 a Assembléia Geral recomendou estudos para a criação de uma " orga-
nização de desenvolvimento industrial", tornada realidade em 1967, com a
denominação de Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Indus-
trial (UNIDO).
Em 1966 a Assembléia Geral instituiu o Fundo de Equipamentos das Nações
Unidas, objetivando criar condições financeiras para empréstimos de longo
prazo destinados à aquisição de equipamentos industriais. Em 1970 surge o
Corpo de Voluntários das Nações Unidas, destinado a colaborar no desenvolvi-
mento de certos Estados. Ao mesmo tempo que as citadas medidas eram adotadas
no âmbito interno da ONU, tanto as agências e os organismos especializados da
família das Nações Unidas como a FAO, a OIT, a UNESCO, a OMS, a OACI
etc. procuravam adaptar esforços e consagrar seus recursos nas respectivas áreas
de atuação: promoção da cooperação técnica. Dessa forma, no início da década
de 70 havia consenso quanto ao fato de que o sistema de cooperação técnica da
ONU se tornara complexo demais, chegando o Relatório Jackson de 1969 a
compará-lo a um " monstro pré-histórico".
As Organizações Internacionais e a Cooperação Técnica 283

Por esse motivo o Conselho de Administração do PNUD propôs, e o Conselho


Econômico e Social e a Assembléia Geral da ONU aprovaram, uma reforma do
sistema que passou a vigorar em 1972. Desde então, o PNUD passou a contar
com um Conselho de Administração ampliado, composto de representantes de
Estados em via de desenvolvimento e de Estados economicamente desenvolvi-
dos. Por outro lado, os representantes residentes do PNUD em cada país torna-
ram-se instrumentos principais da operacionalização do sistema e responsáveis
pela programação e acompanhamento dos recursos mobilizados pelas Nações
Unidas. Essa responsabilidade compreende todas as fases do ciclo de cooperação
técnica patrocinadas pelo PNUD . Atribuiu-se aos representantes residentes o
máximo de poderes, inclusive o de aprovar projetos de até 100 mil dólares.
Para garantir melhor coordenação dos diversos organismos que interferem na
promoção da cooperação técnica, a programação passou a ser organizada por país
e não mais por projeto. O PNUD estabeleceu, para cada Estado, cooperação em
função de dados indicativos de planificação econômica. O governo local estabe-
lece seu programa em conjunto com o representante residente que coordena as
atividades dos diversos organismos de assistência das Nações Unidas.
Em 1988 o Conselho de Administração solicitou ao Administrador do PNUD que
efetuasse um exame geral e propusesse a estrutura mais apropriada para o
Programa. O pedido resultou em proposta de reforma apresentada pelo Adminis-
trador em 1990, ora em apreciação pelo Conselho.
Ao analisar a evolução do PNUD desde a sua criação, no decênio de 1960, o
Administrador sugeriu que a maneira mais adequada de entender o Programa
consistia em concebê-lo como um núcleo interno constituído pelo "PNUD bási-
co", complementado com vários programas e fundos específicos como o Escri-
tório de Serviços para Projetos do PNUD (OSP), o Programa de Voluntários das
Nações Unidas (PVNU), o Escritório de Serviços de Aquisições Interinstitucio-
nais (OSAI), o Fundo das Nações Unidas para o Desenvolvimento da Capitali-
zação (FNUDC) e o Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a
Mulher (UNIFEM), cuja gestão foi encomendada pelo Conselho de Administra-
ção ao referido Administrador.
Outro elemento importante da estrutura do PNUD é representado pela rede de
escritórios externos, que prestam serviços em todas as frentes de trabalho.
No pertinente ao núcleo interno da organização, o Administrador estimou qu é a
margem de manobra, em termos de estrutura considerada em seu conjunto, estava
relativamente estreita. Além dos elementos correspondentes à gestão central,
havia necessidade de contar com entidades que prestassem serviços de apoio às
284 Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros

políticas no seio da Diretoria de Política e Avaliação de Programas, assim como


com serviços de apoio financeiro e administrativo no âmbito da Diretoria de
Finanças e Administração .
Participam do PNUD, na qualidade de organismos de execução: as Nações
Unidas, o Centro das Nações Unidas sobre as Empresas Transnacionais
(CNUET), a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento
(UNCTAD), o Instituto das Nações Unidas para a Formação Profissional e
Investigações (UNITAR), a Comissão Econômica para a África (CEPA), a
Comissão Econômica para a Europa (CEPE), a Comissão Econômica para a
América Latina e o Caribe (CEPAL), a Comissão Econômica e Social para a Ásia
e o Pacífico (CESPAP) , a Comissão Econômica e Social para a Ásia Ocidental
(CESPAO), o Centro das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (Há-
bitat), o Centro de Comércio Internacional (CCI), a Organização Internacional
do Trabalho (OIT), a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a
Alimentação (FAO), a Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura (UNESCO) , a Organização da Aviação Civil Internacional
(OACI) , a Organização Mundial de Saúde (OMS), o Banco Mundial (BIRD), a
Corporação Financeira Internacional (CFI), o Fundo Monerário Internacional
(FMI), a União Postal Universal (UPU), a União Internacional de Telecomuni-
cações (UIT), a Organização Meteorológica Mundial (OMM), a Organização
Intergovernamental Marítima Consultiva (IMCO), a Organização Mundial da
Propriedade Intelectual (OMPI), a Organização das Nações Unidas para o De-
senvolvimento Industrial (UNIDO), a Agência Internacional de Energia Atômica
(AIEA), a Organização Mundial de Turismo (OMT), o Banco Africano de
Desenvolvimento (BAfD), o Fundo Árabe de Desenvolvimento Econômico e
Social (FADES), o Banco Asiático de Desenvolvimento (BAsD), o Banco de
Desenvolvimento do Caribe (BDC) e o Banco Interamericano de Desenvolvi-
mento (BID).
Também participam: o Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais Inter-
nacionais das Nações Unidas, o Fundo das Nações Unidas para a Fiscalização
do Uso Indevido de Drogas (FNUFUID), o Fundo das Nações Unidas para a
Infância (UNICEF), o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
(PNUMA), o Fundo de População das Nações Unidas (FNUAP), a Universidade
das Nações Unidas (UNU), o Escritório do Coordenador das Nações Unidas para
o Socorro em Casos de Desastre (UNDRO), o Alto Comissariado das Nações
Unidas para os Refugiados (OACNUR), o Programa Mundial de Alimentos
(PMA), o Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA).
As Organizações Internacionais e a Cooperação Técnica 285

o PNUD administra os seguintes fundos: Fundo das Nações Unidas para o


Desenvolvimento da Capitalização (FNUDC), Fundo de Desenvolvimento das
Nações Unidas para a Mulher (UNIFEM), Fundo das Nações Unidas de Ciência
e Tecnologia para o Desenvolvimento (FNUCTD), Fundo Rotativo das Nações
Unidas para a Exploração de Recursos Naturais (FRNUERN), Fundo das Nações
Unidas para a Região Sudano-saheliana (ONURS), Voluntários das Nações
Unidas (VNU) e outros fundos para fins especiais.
O caráter multilateral e a mentalidade de sua cooperação técnica permitem ao
PNUD respeitar a soberania dos Estados na determinação de suas próprias
necessidades e prioridades de desenvolvimento e administrar uma assistência
que complementa aquela disponível a partir de outras fontes, de forma que
permite manter e fortalecer o equilíbrio que os governos desejam estabelecer
entre os diferentes objetivos e metas de desenvolvimento.
A cooperação do PNUD baseia-se, portanto, nos princípios da programação nacio-
nal de forma ampla e integrada, objetivando fazer com que o desenvolvimento
alcance seu objetivo final: o melhoramento da vida das pessoas e a ampliação de
suas oportunidades e opções econômicas, sociais, culturais e políticas.
Segundo declarações do Administrador do PNUD, dadas as suas vantagens e
virtudes particulares e seu objetivo geral de desenvolvimento humano, o Progra-
ma deverá estar em condições especialmente apropriadas para responder às
solicitações dos governos quanto à cooperação técnica com vistas ao estabeleci-
mento da capacidade nacional necessária em três setores, os quais provavelmente
gozarão de prioridade máxima no decênio de 90:
a) Estratégias de redução da pobreza e investimento nas pessoas, para aumentar suas
oportunidades de participar plenamente em processos produtivos de geração de recei-
tas, prestando particularmente atenção ao papel da mulher no desenvolvimento;
b) Melhoramento da gestão econômica em um ambiente competitivo, para assegurar a
eficiência máxima na distribuição de recursos e a liberação da criatividade e da
produtividade em todas as pessoas;
c) Crescimento econômico ecologicamente correto e sustentável, que inclui a neces-
sidade de maior interesse pelo impacto a longo prazo das políticas atuais".
Como 95% de seus recursos procedem do componente multilateral dos orçamen-
tos de assistência dos Estados-membros da Organização de Cooperação e Desen-
volvimento Econômico (OCDE), o PNUD depende de decisões políticas que
exercem influência no volume de ajuda de um doador determinado, assim como
na distribuição da ajuda em componentes bilateral e multilateral.
A OCDE já assinalou que, para a década atual, a perspectiva de tendências do
286 Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros

volume da assistência não é alentadora; o máximo que se pode esperar provavel-


mente são aumentos anuais médios em termos reais da ordem de 2% . Isto
determina a perspectiva de financiamento do PNUD no decênio, juntamente com
uma participação multilateral que parece estar se estabilizando e com contribui-
ções em forma de doações ao sistema das Nações Unidas, cujo crescimento está
sendo superado pelo das contribuições às instituições financeiras multilaterais .
Dentre os organismos de execução do Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD), salienta-se, em virtude de sua importância para a
cooperação técnica, a Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento
Industrial (UNIDO) e a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e
Desenvolvimento (UNCTAD).
A Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (UNIDO),
criada pela Assembléia Geral em 1966, entrou em funcionamento a 1 de janeiro
Q

de 1967. É um órgão da Assembléia Geral sediado em Viena e conta com uma


secretaria permanente, chefiada por Diretor Executivo, cuja nomeação compete
ao Secretário-geral com o referendo da Assembléia Geral.
O núcleo principal da UNIDO é a Junta de Desenvolvimento Industrial, composta
de Estados eleitos pela Assembléia Geral da ONU, respeitando certa distribuição
geográfica eqüitativa.
A finalidade da organização é promover o desenvolvimento industrial e encorajar
a mobilização de recursos internacionais para dar assistência, promover e acele-
rar a industrialização dos países em desenvolvimento, com particular ênfase no
setor manufatureiro.
No cumprimento de sua finalidade, a UNIDO encarrega-se de atividades opera-
cionais, incluindo, em particular:
recomendações com vistas a ações nacionais, regionais e internacionais para
aperfeiçoar mais rapidamente a industrialização dos países em desenvolvimento;
contribuição para a ampliação mais efetiva, nos países em desenvolvimento,
de métodos de produção industrial modernos, programando, planejando e
considerando a experiência de Estados com diferentes sistemas sociais e
econômicos;
construção e fortificação de instituições e administração, nos países em
desenvolvimento, no campo da tecnologia industrial, produção, programação
e planejamento;
disseminação de informações sobre inovações tecnológicas provenientes de
vários países e, para aqueles em desenvolvimento, assistência na implemen-
As Orga niz aç ões Intern aci onai s e a Coo p eração Téc nica 2 87

tação d e m ed id as pr átic as para a apl ica ção de tai s in for mações, adaptação da
tecnolog ia ex is te nte e de senvol vim ento da nova tecnol ogi a adaptada , espe-
cialm en te par a as condiçõ es particul ares fís ica , social e econ ômica de cada
p aís em des envolv im ento , atrav és do es tabelec imento e aperfeiçoamento ,
inter alia , de cen tros de pe squisa tecn ol ógi ca ness es países ;
assis tência, a pedi do dos gov ern os em des en volv iment o , na formulação de
programa de des en volv im en to indu stri al e na pr ep ar ação de projetos espec i-
ficamente indu stri ais, incluindo , se necessár io , estudos exeqüíveis técnicos
e econômico s;
coop er ação co m as comissões eco nô micas reg ionais e o Escritório So ci al e
Econômico das Nações Unid as em Beiru te na assistência do planejamento
regional de d es en v ol v im en to indu strial do s p aís es em des env olv im ento,
dentro da estrutur a do s agrupam ento s eco nô m icos regi onais e s ub - regiona is
entre os p aí s es onde tai s agrup am entos ex is ta m;
faz er rec omen dações , em con exão com os objetivos mencionados no item
anterior, sob re m ed idas especi ai s p ar a ada ptação e coor denação das medidas
a do ta das de m an ei ra que, particul arm en te, os m enos ad iantados dos países
em de s envolvim en to receba m fort e impul so em seu c rescimento;
oferecer con selh o e orie ntação , em íntim a co la bo ração co m os ó rgãos ade -
quado s das N aç õ es Unidas - ag ênci as es pec ializadas e Agênc ia I nte rnaciona l
de Energi a Atômic a - nos problemas rel ati vos à exploração e uso apropriado
dos recurso s natur ais, m atéria- p rima indust ri al, subpro dutos e novos produ -
tos dos p aí ses em desen v olv imento, co m vis tas a incremen tar sua produ tivi -
dad e industrial e con trib uin do p ar a a di v er sifi cação de suas eco no mias ;
assistir o s p aí ses em desen vol vi m ento no trein o técn ico e o utras ca tegorias
ap rop ria das d e p esso al necessário par a o se u des envolvim ento indust ria l
ac ele rado, em coop er ação com as agê nc ias es pecializadas concerne ntes;
propo r, em col ab or ação com os órgãos inte rnac io nais ou regio na is inte rgo -
vernamentais re la tiv os à propriedad e indu strial , m ed idas pa ra o aperfeiçoa-
mento do sistem a intern aci on al da propried ad e indu stri al, visa ndo acele ra r a
transferência da habilid ad e técn ica pa ra os p aí s es em des en v ol vim ento,
for tifican do o s privi légi os ligado s aos int er ess es naci on ais co mo in cen t iv o a
inovações industri ai s ;
dar assi st ênci a, a p ed ido do s go v ern os dos país es em des envo lv im ento, para
a obtenção de fina ncia m ento externo destin ad o a pr oj et os especifica men te
industriais, or ientando a pr ep aração de p edido s, fo rnecendo info r mações
288 Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros

sobre termos e condições das várias agências financiadoras e aconselhando


essas mesmas agências quanto à solidez técnica e econômica dos projetos
apresentados para financiamento;
efetuar estudos de ação orientada e programas de pesquisa projetados especial-
mente para facilitar as atividades esboçadas acima, incluindo, em particular, a .
compilação, análise, publicação e disseminação da informação referentes a
vários aspectos do processo de industrialização, como a tecnologia industrial,
investimento, financiamento, produção, técnicas administrativas, programação
e planejamento.
A organização, como núcleo central, tem a principal responsabilidade pela
supervisão e promoção da coordenação de todas as atividades do sistema das
Nações Unidas no campo do desenvolvimento industrial, agindo sempre em
estreita cooperação com o PNUD.
A UNIDO recebe fundos do orçamento ordinário das Nações Unidas e do PNUD.
Vários fundos fiduciários e contribuições de diversas fontes incorporam-se ao
Fundo de Desenvolvimento Industrial gerenciado pela UNIDO.
Em 1971 celebrou-se em Viena a I Conferência Internacional da UNIDO, com a
participação de 108 países, os quais examinaram os programas da organização,
formulando recomendações acerca das finanças e do desenvolvimento futuro de
suas atividades. A 11 Conferência ocorreu em Lima, no ano de 1975, aprovando
Declaração e Plano de Ação nos quais se fixou a meta de que a parte da produção
industrial do mundo correspondente aos países em desenvolvimento seria incre-
mentada de 7% para 25% até o ano 2000. Nessa Conferência foi também proposta
a condição da UNIDO para organismo especializado do sistema da ONU. Tal
decisão, aprovada pela Assembléia Geral da ONU, criou uma comissão intergo-
vernamental encarregada de elaborar um tratado constitutivo para a organização
especializada.
Existe íntima e contínua relação de trabalho entre a UNIDO e a UNCTAD -
Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, de acordo
com o princípio de que a primeira tem competência para resolver os problemas
técnicos e gerais da industrialização, incluindo o estabelecimento e a expansão
das indústrias nos países em desenvolvimento, e a última trata dos aspectos de
comércio exterior da industrialização, incluindo a expansão e a diversificação
da exploração de produtos dos países em desenvolvimento.
A Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD)
foi estabelecida como órgão permanente da Assembléia Geral em 1964.
As Organizações Internacionais e a Cooperação Técnica 289

Uma de suas principais finalidades consiste em promover o comércio internacional,


com vistas a acelerar o progresso econômico dos países em desenvolvimento.
A UNCTAD congrega todos os membros da ONU e também Estados não perten-
centes à Organização, membros de um ou mais organismos especializados ou da
Agência Intenacional de Energia Atômica.
Após o primeiro período de sessões da Conferência, celebrado em Genebra no
ano de 1964, sucederam-se outras, realizadas em Nova Delhi (1968), Santiago
(1972), Nairóbi (1976), ManHa (1979) e Belgrado (1983).
Entre as sessões da Conferência, um Conselho do Comércio e Desenvolvimento
integrado por Estados eleitos pelos membros da UNCTAD permanece em fun-
cionamento . Para assessorar tal conselho foram instituídas várias comissões de
esp ecialistas.
No âmbito do Secretariado das Nações Unidas, foi estabelecida uma unidade
especial para a UNCTAD, sediada em Genebra, com rubrica orçamentária pró-
pria.
As funções da UNCTAD compreendem:
favorecer a expansão do comércio internacional, principalmente com vistas
a acelerar o desenvolvimento econômico e, em particular, o comércio entre
países que tenham atingido os diferentes níveis de desenvolvimento entre
países com diferentes sistemas econômicos e sociais, levando em conta as
atividades das organizações internacionais existentes;
formular princípios e políticas concernentes ao comércio internacional e aos
problemas conexos do desenvolvimento econômico;
submeter proposições para aplicação dos referidos princípios e políticas,
tomando outras medidas relevantes de sua competência que convenham a
esse fim, levando em conta diferenças entre os sistemas econômicos e os
níveis de desenvolvimento ;
de maneira geral, revisar e facilitar a coordenação das atividades de outras
instituições pertencentes ao sistema das Nações Unidas no domínio do co-
mércio internacional e dos problemas conexos ao desenvolvimento econômi-
co e colaborar, nesse sentido, com a Assembléia Geral e o Conselho Econômico
e Social na execução das tarefas de coordenação de que são incumbidos em
virtude da Carta das N a ç õ es Unidas;
tomar medidas em colaboração com os organismos competentes da Organi-
zação das Nações Unidas em via de negociação e adoção de instrumentos
290 Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros

jurídicos multilaterais no domínio do comércio, levando devidamente em


conta a eficiência dos órgãos de negociação existentes e evitando todo duplo
emprego de suas atividades;
servir de centro para a harmonização das políticas dos governos e dos
agrupamentos econômicos regionais em matéria de comércio e de desenvol-
vimento .
A UNCTAD vem assumindo um papel destacado no fomento da expansão do
comércio, da integração e da cooperação econômica entre países em desenvol-
vimento, visando garantir sua autonomia coletiva.
Forçoso é reconhecer, contudo, que muitas das esperanças dos Estados em
desenvolvimento de obter tratamento especial, através da UNCTAD, para aten-
dimento de necessidades têm sido largamente frustradas .
No terreno da tecnologia, especialistas convocados pela UNCTAD procuram,
desde 1973, elaborar um Código Internacional de Conduta para a Transferência
de Tecnologia, a ser aprovado por futura Conferência das Nações Unidas sobre
esse tipo de Transferência.
Entre os esforços efetivos da UNCTAD encaminhados para robustecer a capaci-
dade tecnológica dos países em desenvolvimento, cabe destacar o estabelecimen-
to de centros de tecnologia sobre bases nacionais, regionais ou sub-regionais,
destinados a assistir os governos na formulação de suas políticas tecnológicas.
Para esse propósito, a UNCTAD estabeleceu um serviço de assistência técnica
aos países em desenvolvimento.
Por último, cabe destacar, no âmbito do sistema das Nações Unidas, por sua
importância para a região em que o Brasil se insere, a Comissão Econômica para
a América Latina e o Caribe (CEPAL), que consiste em uma das mais antigas
iniciativas da ONU para combater as agruras do subdesenvolvimento.
Trata-se de um órgão auxiliar do Conselho Econômico e Social (ECOSOC),
integrada por quarenta Estados-membros e cinco Associados, dos quais 33 países
em desenvolvimento da área e 7 países industrializados da América do Norte e
da Europa.
A estrutura interna da CEPAL compreende uma Secretaria, o Instituto Latino-
Americano e do Caribe de Planificação Econômica e Social (ILPES) e o Centro
Latino-Americano de Demografia (CELADE).
A sede da CEP AL está localizada na cidade de Santiago do Chile. Atua conforme
os princípios da ONU e tem suas atribuições determinadas por resoluções do
Conselho Econômico e Social (ECOSOC), abrangendo desde o exame sistern á-
As Organizações Internacionais e a Cooperação Técnica 291

tico da América Latina e da região como um todo até a análise e avaliação das
diversas políticas e estratégias de desenvolvimento que se aplicam aos diversos
países latino-americanos.
Em matéria de projeção econômica, suas atividades têm como prioridades:
a preparação, como atividade permanente, das avaliações e estudo das perpec-
tivas a médio e longo prazos do processo de desenvolvimento econômico e
social, a fim de assistir os governos nos problemas enfrentados e na definição
de políticas mundiais, regionais e nacionais, além de proporcionar aos órgãos
centrais da ONU visão regionalizada dos problemas da economia mundial;
apoio técnico aos governos mediante informações quantitativas baseadas nas
projeções e estudos das perspectivas econômicas, sociais e demográficas a
longo prazo.
No que diz respeito ao comércio internacional, a CEP AL concentra suas atividades
na análise e avaliação das negociações econômicas internacionais, investigações e
estudos sobre o sistema monetário internacional e problemas de financiamento. Esta
atividade tem como finalidade estabelecer uma nova ordem econômica internacio-
nal e criar vínculos de cooperação econômica entre os países da mesma região e
entre as regiões.
Em matéria de desenvolvimento social e assuntos humanitários, a CEP AL dedi-
ca-se à análise das relações entre as regiões e mudanças sociais na América
Latina; a integração da mulher no desenvolvimento sócio-econômico; o estudo
do fenômeno da expansão urbana com o declínio da agricultura e das zonas
rurais; as migrações internas e o progresso industrial.
O programa relativo à população e ao desenvolvimento se destina a analisar as
tendências e estatísticas demográficas da população, viabilizando a avaliação da
situação dos países e da região. Também são feitos estudos relativos à mortali-
dade infantil e à migração internacional latino-americana.
As atividades realizadas relativas às empresas transnacionais concentram-se na
investigação dos produtos de exportação, no exame do papel dos bancos transa-
cionais e do financiamento externo aos países latino-americanos e no estudo
sobre a presença e repercussão dessas empresas nos países da região.
O programa de trabalho relacionado com transporte visa à promoção de coope-
ração técnica entre os países da América Latina em tarefas como intercâmbio de
experiências em matéria de transporte urbano maciço de passageiros e planifi-
cação integrada dos transportes.
As atividades desenvolvidas pela CEPAL no campo da alimentação e agricultura
292 Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros

são concebidas para detectar os principais fatores econômicos e SOCIaIS que


condicionam o comportamento do processo produtivo agrícola regional e lhe dão
origem, assim como para a análise de políticas e estratégias adotadas pelos
governos, instrumentos utilizados, obstáculos encontrados para alcançar metas
produtivas e seus objetivos mais amplos de desenvolvimento agrícola e rural.
Com referência ao desenvolvimento industrial, a CEPAL concentra seus esforços
em trabalhos e investigações do desenvolvimento industrial latino-americano em
relação à ordem econômica internacional e na cooperação regional em determi-
nados ramos da indústria.
o programa de recursos naturais e energia ocupa-se, de maneira prioritária, de
assuntos relacionados com geração de recursos hídricos, energéticos e minerais.
A geração energética - de fontes convencionais e não-convencionais - constitui
o grande desafio : a CEPAL desempenha atividades relacionadas com os proble-
mas de planificação energética, as tendências e perspectivas da evolução do setor
na América Latina, demanda de energia e efeitos da alta do preço do petróleo
nas economias dos países deficitários desse produto.
Entre as atribuições da CEP AL estão os assuntos ligados ao meio ambiente, dada
a estreita relação existente entre a utilização dos recursos naturais e o meio
ambiente e a influência destes na potencialidade de desenvolvimento e na qualidade
de vida da sociedade.
Em matéria de ciência e tecnologia são desenvolvidos trabalhos de apoio a
organismos regionais, investigação sobre o desenvolvimento científico e tecno-
lógico da América Latina e estabelecimento de mecanismos de cooperação na
área de ciência e tecnologia no Caribe.
Entre as atribuições da CEP AL inclui-se também a responsabilidade de ajudar o
Conselho Econômico e Social (ECOSOC) e seu Comitê de Assistência Técnica
a desempenhar suas funções relativas ao programa de assistência técnica das
Nações Unidas e ajudar tais órgãos especialmente na avaliação dessas atividades
no âmbito da América Latina e do Caribe.
A CEPAL tem caráter de agência executora de proj etos regionais, sub-regionais,
intersetoriais e inter-regionais financiados pelo PNUD. Através desses projetos,
a CEPAL busca promover a cooperação técnica dos países em desenvolvimento
da região entre si e com outros de fora dela .
As Organizações Internacionais e a Cooperação Técnica 293

V. O SISTEMA DAS ORGANIZAÇÕES DE COOPERAÇÃO


MONETÁRIA, FINANCEIRA E COMERCIAL

Para buscar soluções dos numerosos problemas que apresentam as relações


comerciais internacionais, a sociedade mundial constituiu organismos cuja ati-
vidade é exercida no âmbito do padrão monetário em que são executados os
intercâmbios e no âmbito da liberdade comercial que permite a expansão das
trocas.
o comércio internacional coloca a questão dos pagamentos e, como conseqüên-
cia, a dos problemas monetários, que podem ser equacionados mediante a
existência de câmbio estável entre as moedas nacionais e a fixação de converti-
bilidade entre elas.
Foram instituídos na área diversos mecanismos regionais, como, por exemplo, a
União Européia de Pagamentos, o Acordo Monetário Europeu no quadro da
Organização Européia de Cooperação Econômica e, mais recentemente, o Fundo
Europeu de Cooperação Monetária. Entretanto, do ponto de vista geral, o orga-
nismo mais importante é o Fundo Monetário Internacional (FMI).
1. O Fundo Monetário Internacional (FMI) é uma organização internacional com
personalidade jurídica própria. A admissão ao Fundo é aberta a todos os países
que se mostrem dispostos a cumprir as obrigações estabelecidas no Convênio
Constitutivo do FMI, chamado de "Artigos de Acordo", adotado na Conferência
de Bretton Woods de 1944, juntamente com o Convênio Constitutivo do Banco
Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento (BIRD), e entrou em
vigor a 27 de dezembro de 1945. O Convênio Constitutivo do Fundo já foi
emendado duas vezes, em 1969 e em 1978.
O FMI é independente de qualquer outra organização internacional. Há um
acordo de 1947 entre o Fundo e a ONU estabelecento que ambos podem consul-
tar-se reciprocamente, fazer recomendações entre si e incluírem em suas agendas
de trabalho tópicos propostos, um em relação ao outro, nenhum porém adstrito
às decisões do outro. A admissão às Nações Unidas não é condição para admissão
ao FMI e vice-versa.
O propósito principal do Fundo é promover a estabilidade cambiária, manter
acordos apropriados de câmbio entre seus membros e evitar a depreciação em
virtude da competição cambiária. Com esse objetivo, os Estados-membros acei-
taram importantes limitações à sua tradicional soberania monetária. Em contra-
partida, têm o direito de receber ajuda do Fundo em caso de dificuldades
ocasionais na balança de pagamentos de suas contas correntes. Os recursos do
294 Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros

Fundo, constituídos por cotas de subscrição dos membros, são utilizáveis para
esse fim. Dentro de certos limites e com certas condições, um Estado-membro
tem direito - em troca de entregas de sua própria moeda - de retirar do Fundo
as quantidades em moeda estrangeira de que necessitar para pagamentos. A
Diretoria Executiva tem poderes para dispensar algumas condições restritivas,
levando em conta as necessidades periódicas ou excepcionais do Estado-mem-
bro, assim como os respectivos antecedentes. A decisão do FMI baseia-se em
detalhado exame da situação do país que solicita ajuda financeira.
Entre os objetivos do Fundo também se inclui a eliminação das restrições de
câmbio , que impedem o desenvolvimento do comércio mundial.
Há muitos aspectos que diferenciam o FMI de outras organizações internacio-
nais, mas sobressaem a estrutura administrativa e o processo decisório. A estru-
tura do Fundo assemelha-se mais à de uma grande corporação financeira do que
à de uma organização internacional. No âmbito decisório, existem medidas que
só podem ser deliberadas definitivamente pelos Estados-membros, porém as
decisões concernentes à rotina operacional são tomadas por altos funcionários,
reunidos em dois órgãos: Junta de Governadores e Diretoria Executiva. Compete
à Diretoria Executiva escolher o Diretor-Gerente, que conduz a administração
do Fundo. Distinção marcante do FMI das demais organizações internacionais
reside na distribuição de poder entre os membros. Enquanto no processo decisó-
rio da maioria das organizações cada Estado tem um voto, no FMI o peso do voto
varia de acordo com o número de cotas que cada Estado possui.
Ao ser admitido no FMI, o Estado passa a ser detentor de determinado número
de cotas, calculado segundo sua importância nas relações econômicas e monetá-
rias internacionais. Essas cotas determinarão seus direitos de voto no organismo.
Os maiores cotistas - Estados Unidos da América, Reino Unido, Alemanha,
França e Japão - dispõem, assim, de extraordinário poder decisório no FMI.
Além de propósitos gerais, como promover a cooperação monetária internacio-
nal, facilitar a expansão e o crescimento equilibrado do comércio internacional
e promover a estabilidade cambial, o Fundo Monetário busca inspirar confiança
nos Estados-membros, pondo recursos temporariamente a sua disposição me-
diante garantias adequadas, dando-lhes, assim, possibilidade de corrigir desequi-
líbrios nas suas balanças de pagamentos.
Nos termos do Convênio Constitutivo, o Fundo adotará políticas relativas à utiliza-
ção de seus recursos gerais e poderá adotar políticas para problemas especiais de
balança de pagamentos que ajudem os membros a resolver essas dificuldades de
modo compatível com o Convênio, estabelecendo garantias adequadas.
As Organizações Internacionais e a Cooperação Técnica 295

As missões que o FMI envia aos seus Estados-membros exercem a importante


tarefa de proporcionar assessoria técnica para a elaboração das cartas de inten-
ções remetidas para o Diretor-Gerente, pois colocam à disposição dos agentes
do governo encarregados de redigir o documento os seus conhecimentos acerca
do conjunto de políticas e procedimentos que condicionam e presidem o uso dos
recursos do Fundo.
A sede do FMI fica em Washington (Estados Unidos).
No terreno do estímulo à liberdade comercial com o objetivo de facilitar o
intercâmbio internacional, além da UNCTAD , já analisada anteriormente, é
pertinente uma referência ao Acordo Geral de Tarifas Aduaneiras e Comércio
(GATT), que não é uma organização internacional stricto sensu, mas exerce
papel semelhante.
2. O Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio (GATT) é um tratado
multilateral aplicado na atualidade por mais de cem Estados, representando
quatro quintos do comércio mundial.
Durante a década de 30, as restrições ao comércio contribuíram muito para a
depressão econômica mundial. Pelos planos do pós-guerra com vistas a resolver
os problemas econômicos, estava prevista a criação de uma Organização Inter-
nacional de Comércio, como organismo especializado do sistema da ONU encar-
regado de exercer controle internacional sobre as restrições ao comércio e
contribuir, assim, para a expansão do comércio mundial e a obtenção de níveis
de vida mais elevados. Não obstante ter sido redigido um projeto de convenção
(a Carta de Havana), este foi abandonado quando ficou evidente que não seriam
obtidas as ratificações necessárias.
Na falta dessa organização, o GATT ficou sendo o único instrumento internacio-
nal no qual são estipuladas normas comerciais aceitas por expressivo número de
países que representam a maior parte do comércio mundial. Vigente desde 19 de
janeiro de 1948, o Acordo Geral constitui um código de conduta aplicável ao
comércio internacional. Seus princípios básicos são que o comércio se há de
realizar baseado na não-discriminação (a cláusula de "nação mais favorecida");
que a indústria nacional só se há de proteger mediante tarifas aduaneiras, e não
mediante restrições quantitativas ou outras medidas; que as tarifas devem ser
reduzidas através de negociações multilaterais e não ser objeto de aumentos
posteriormente; e que os Estados, partes do Acordo, irão consultar-se para
superar eventuais problemas de comércio recíproco.
O Centro do Comércio Internacional, estabelecido pelo GATT em 1964 ajuda
296 Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros

aos países em desenvolvimento a fomentar seu comércio de exportação. Funcio-


na conjuntamente com a UNCTAD, proporcionando informação e assessoramen-
to sobre mercados de exportação e técnicas de comercialização, assim como
presta ajuda na criação de serviços de exportação e na capacitação de pessoal.
O GATT é administrado por uma Secretaria sediada no Palácio das Nações em
Genebra, Suíça.

VI. O SISTEMA DAS ORGANIZAÇÕES REGIONAIS

As organizações internacionais de caráter regional surgem em função de interes-


ses localizados, de contigüidade geográfica e de culturas semelhantes. Visam
atender aos problemas que são próprios de certas regiões.
Algumas dessas organizações exercem relevante papel na cooperação técnica
institucionalizada.
1. A Comunidade Econômica Européia (CEE) tem por finalidade última a unificação
progressiva dos povos europeus.
No preâmbulo do Tratado de Roma, marco inicial da Comunidade, não se fala
de fomentar a união exclusivamente dos países signatários, mas de todos os
povos da Europa, com o que se expressa uma vocação mais ampla: a de servir
de núcleo para a integração de toda a Europa.
Os meios para se conseguir essa união progressiva são : estabelecer uma união
aduaneira, eliminando todas as restrições à entrada e saída de mercadorias
entre os Países-Membros e estabelecendo uma tarifa exterior comum; estender
a liberdade de circulação de mercadorias, típica da união aduaneira, às pes-
soas, serviços e capitais; adotar uma política comum de agricultura e de
transportes; coordenar as políticas econômicas dos Estados-membros; sincro-
nizar as legislações nacionais e adotar medidas que garantam a livre concor-
rência dentro do sistema; criar um Fundo Social Europeu e um Banco Europeu
para os investimentos; associar os países e territórios de ultramar para as
tarefas comunitárias.
Os países da América Latina, cujos representantes ante a CEE formam a Comis-
são Especial de Coordenação Latino-Americana (CECLA), procuram constante-
mente estabelecer um diálogo que leve a CEE a conceder à América Latina um
tratamento mais favorável, incluindo, por exemplo, preferências comerciais
não-recíprocas nem discriminatórias, melhor acesso aos mercados de capitais da
As Organizações Internacionais e a Cooperação Técnica 297

Comunidade, facilidades para a obtenção de assistência técnica e ampliação das


facilidades de crédito do Banco Europeu de Investimentos.
O Brasil assinou em 18 de setembro de 1980 um importante Acordo-Quadro de
Cooperação com o Conselho das Comunidades Européias.
Esse ato internacional assinalou o início de uma nova etapa no relacionamento
entre o Brasil e a CEE. Embora a principal consideração na negociação do acordo
tenha sido a dos interesses concretos de um relacionamento bilateral crescente-
mente dinâmico, o Brasil certamente foi influenciado pela compreensão do
profundo significado histórico do processo de integração européia.
Através do acordo, o Brasil e a CEE declararam que a cooperação entre ambos
visará especialmente a: favorecer o desenvolvimento e a prosperidade das res-
pectivas indústrias; abrir novas fontes de suprimento e novos mercados; encora-
jar o progresso científico e tecnológico; contribuir, de forma geral, para o
desenvolvimento das economias e níveis de vida respectivos. A fim de realizar
esses objetivos, Brasil e CEE procurarão, entre outras coisas, facilitar e promo-
ver, através de medidas apropriadas: uma cooperaçao ampla e harmoniosa entre
as respectivas indústrias, especialmente sob a forma de empreendimentos co-
muns; uma cooperação científica e tecnológica; uma cooperação no domínio da
energia; uma cooperação no setor agrícola; uma cooperação no que se refere a
terceiros países.
Enfim, comprometem-se a encorajar, de maneira apropriada, trocas regulares de
informação relacionadas com a cooperação comercial e econômica.
Outros acordos do Brasil com organismos europeus:
Protocolo de Cooperação Comercial e Econômica entre o Brasil e a Comu-
nidade Européia do Carvão e do Aço, assinado a 18 de setembro de 1980.
Acordo Brasil/Agência Espacial Européia para Utilização de Meios de Ras-
treamento, assinado a 20 de junho de 1977.
Convênio de Cooperação Técnica e Apoio à Expansão das Atividades do
Comitê Intergovernamental para as Migrações Européias (CIME) no Brasil,
celebrado em Brasília a 16 de junho de 1976.
2. A Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) tem
sua origem em decisão dos chefes de Estado e de governos da França, Estados
Unidos, República Federal da Alemanha e Reino Unido, expressa em comunica-
do comum do dia 21 de dezembro de 1959.
N esse documento, sustentam que os países industrializados do Ocidente devem
298 Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros

consagrar suas melhores energias a duas atividades essenciais: favorecer o


progresso dos países menos desenvolvidos e fomentar as relações comerciais
internacionais.
Por isso, em 1960, resolveram propor a reforma da Organização Européia de
Cooperação Econômica, que, extinta, abriu espaço para o surgimento, em 1961,
da OCDE, cuja denominação indica que o novo organismo já não é estritamente
europeu, compreendendo, além dos antigos dezoito membros da OECE, Estados
Unidos e Canadá.
Posteriormente, mais quatro Estados se tornaram membros: Japão, Finlândia, Aus-
trália e Nova Zelândia. A Iugoslávia está associada à OCDE com estatuto especial.
A OCDE é conhecida como organismo de países ricos, agrupando os responsá-
veis por mais de 60% das riquezas mundiais.
Como foi mencionado anteriormente, os membros da OCDE arcam com 95% dos
recursos do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
O Convênio Constitutivo da OCDE, de 14 de dezembro de 1960, estabeleceu
estrutura bastante simples para o organismo. O órgão principal é um Conselho,
de que participam todos os membros. O Secretário-geral recebe auxílio de
adjuntos e de suplentes e é nomeado pelo Conselho. Este último pode reunir-se
em nível ministerial ou ao de representantes permanentes.
Existe também uma Comissão Executiva, formada por representantes de dez
Estados-membros, designados todos os anos pelo Conselho.
As decisões e recomendações que o Conselho adota são o resultado de acordo
entre todos os membros . Portanto, impera na OCDE a regra da unanimidade para
a tomada de decisões. Entretanto, tal princípio se encontra temperado pelo
mecanismo da abstenção de um ou vários membros, com o fim de a decisão se
tornar aplicável aos demais, ainda que não ao que se abstiver.
Entre os diversos mecanismos intergovernamentais existentes no quadro da
OCDE, ocupa importante posição a Comissão de Ajuda ao Desenvolvimento,
formada por representantes de dezesseis países (Austrália, Áustria, Alemanha,
Bélgica, Canadá, Dinamarca, Estados Unidos, França, Itália, Japão, Noruega,
Países Baixos, Portugal, Reino Unido, Suécia e Suíça) e da Comunidade Econô-
mica Européia.
A Comissão tem por objeto de trabalho aumentar o volume dos recursos dispo-
níveis para os países menos desenvolvidos. Normalmente ela avalia o montante
e a natureza das contribuições dos membros da OCDE para os programas
bilaterais e multilateriais de cooperação técnica.
As Organizações Internacionais e a Cooperação Técnica 299

A OCDE instituiu também um Centro de Desenvolvimento com a finalidade de


treinar técnicos e especialistas.
A Comissão de Ajuda ao Desenvolvimento é igualmente assessorada por um
Comitê de Cooperação Técnica, encarregado da elaboração e do controle dos
programas de cooperação técnica organizados pela OCDE para os países em via
de desenvolvimento .
A OCDE tem-se destacado na sociedade internacional pela utilização do método
de trabalho chamado "confrontação", que consiste na discussão dos "princípios
e planos aplicados em cada Estado-membro", publicando-se mais tarde as con-
clusões do debate com as opiniões que tais princípios e planos mereceram dos
demais membros da Organização. Essas opiniões atuam como forte elemento de
pressão sobre os responsáveis nacionais, levando-os, em freqüentes ocasiões, a
mudar suas políticas em virtude das críticas internacionais.
Outras atividades da OCDE incluem o estudo dos problemas da mão-de-obra em
relação a crescimento econômico, compatibilização das políticas energéticas dos
membros e de suas políticas agrícolas, racionalização da exploração da pesca,
contribuição da ciência e da educação para o crescimento econômico, contami-
nação do meio ambiente etc.
3. A Organização dos Estados Americanos (OEA) é o resultado de uma lenta
evolução histórica dos países do continente americano em busca de formas de
associação internacional.
Foi instituída durante a IX Conferência Internacional Americana, realizada em
Bogotá no ano de 1948, com a aprovação da chamada Carta de Bogotá, em vigor a
partir de 1951 e reformada em 1967, durante reunião realizada em Buenos Aires.
Os objetivos da OEA são essencialmente:
assegurar a paz no continente;
promover o bem-estar social.
A estrutura da OEA compreende os seguintes órgãos:
Assembléia Geral. Entre suas funções figuram: "decidir a ação e a política gerais
da Organização"; aprovar o orçamento-programa; "fortalecer e harmonizar a
cooperação com as Nações Unidas e seus organismos especializados" etc. Todos
os Estados-membros estão re-presentados. Reúne-se anualmente, por rodízio, em
cada capital, e se não puder se reunir na sede escolhida o fará em Washington.
Suas decisões são tomadas por maioria absoluta, salvo nos casos em que forem
exigidos dois terços dos votos.
300 Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros

Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores. Visa considerar


problemas de natureza urgente e de interesse comum para os Estados Ame-
ricanos e servir de órgão de consulta. Todos os Estados-membros estão
representados e qualquer deles pode solicitar a reunião.
Conselhos:
Conselho Permanente da Organização, incumbido de zelar pelas relações de
amizade dos Estados-membros, formular recomendações à Assembléia Geral
sobre o funcionamento da Organização, executar as decisões da Assembléia
Geral e da Reunião de Consulta etc.
Conselho Interamericano Econômico e Social. Visa promover a cooperação
entre os países americanos com o objetivo de conseguir seu acelerado desen-
volvimento econômico e social. Reúne-se em nível ministerial pelo menos
uma vez por ano e tem uma Comissão Executiva Permanente composta de,
no mínimo, um presidente e mais sete membros.
Conselho Interamericano de Educação, Ciência e Cultura. Cuida de promo-
ver "relações amistosas e entendimento mútuo entre os povos da América,
mediante a cooperação e o intercâmbio educacionais, científicos e culturais
entre os Estados-membros, com o objetivo de elevar o nível cultural de seus
habitantes" .
Comissão Jurídica Interamericana. É o corpo consultivo da OEA em assuntos
jurídicos. Visa promover o desenvolvimento progressivo e a codificação do
Direito Internacional. Com sede no Rio de Janeiro, é composta de onze
juristas eleitos pela Assembléia Geral com mandato de quatro anos .
Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
Secretaria Geral. Tem à sua frente um Secretário Geral, eleito pela Assem-
bléia Geral por um período de cinco anos.
A OEA possui alguns organismos especializados, entre outros a Organização
Pan-Americana de Saúde e a Junta Interamericana de Defesa.
4. O Sistema Econômico Latino-Americano (SELA), criado no Panamá em 1975,
é um organismo regional de consulta, coordernação, cooperação e promoção
econômica e social conjunta, de caráter permanente, com personalidade jurídica
internacional, integrado por 26 Estados latino-americanos.
São propósitos fundamentais do SELA:
promover a cooperação intra-regional, com o fim de acelerar o desenvolvi-
mento econômico e social de seus membros;
As Organizações Internacionais e a Cooperação Técnica 301

promover um sistema permanente de consulta e coordenação para a adoção


de posições e estratégias comuns sobre temas econômicos e sociais, tanto nos
organismos e foros internacionais como perante terceiros países e grupos de
países.
Os objetivos do SELA são:
promover a cooperação regional, com a finalidade de alcançar desenvolvi-
mento integral auto-sustentado e independente, particularmente mediante
ações destinadas a:
propiciar melhor utilização dos recursos naturais, humanos, técnicos e finan-
ceiros da região, através do incentivo à criação de empresas mu1tinacionais
latino-americanas. Tais empresas poderão estar constituídas com capitais
estatais, paraestatais, privados ou mistos, cujo caráter nacional seja garantido
pelos respectivos Estados-membros e cujas atividades estejam sujeitas à sua
jurisdição e supervisão .
estimular níveis satisfatórios de produção e fornecimento de produtos agrí-
colas, energéticos e outros produtos básicos, prestando especial atenção ao
abastecimento de alimentos; propiciar ações no sentido da coordenação de
políticas nacionais de produção e fornecimento, com vistas a alcançar uma
política latino-americana nessa matéria;
estimular, na região, a transformação de matérias-primas dos Estados-mem-
bros, a complementação industrial, o intercâmbio comercial intra-regional e
a exportação de produtos manufaturados;
planejar e reforçar mecanismos e formas de associação que permitam aos
Estados-membros obter preços remuneradores, assegurar mercados estáveis
para a exportação de seus produtos básicos e manufaturados e aumentar seu
poder de negociação, sem prejuízo do apoio necessário aos sistemas e meca-
nismos de coordenação e defesa dos preços das 'm atérias-prim as aos quais já
pertençam países da área;
melhorar a capacidade de negociação para a aquisição e utilização de bens
de capital e de tecnologia;
propiciar a canalização de recursos financeiros para projetos e programas
que estimulem o desenvolvimento dos países da região;
fomentar a cooperação latino-americana para a criação, desenvolvimento,
adaptação e intercâmbio de tecnologia e informação científica, assim
como o melhor aproveitamento de recursos humanos, educação, ciência e
cultura;
302 An tô nio Pau lo Cachapuz de Medeiros

es tu dar e pro po r medidas para as segurar que as empresas transnacionais se


suje item aos objetivos do desen vol vim ento da região e aos interesses nacio-
nais dos Estados-membros e intercambiar informações sobre as atividades
de tais emp resas ;
pro mo ver o desenvolv ime nto e a coo rde naçã o dos transportes e das comuni-
cações, especialmente no âmbi to intr a-regional ;
pro mover a coo pe ração em m at éri a de turismo entre os países-membros;
esti mular a coo pe ração p ar a a pr oteção, conservação e melhoria do meio
ambiente;
apoiar os esforços de aj uda dos p aíses que enfrentam situações econômicas
de emergência, assim co mo as que sej am provocadas por desastres naturais;
quaisque r outras ações afin s às anteriores que contribuam para atingir o
desenvolvimento eco nô m ico, so cia l e c ultural da região;
apoiar os processos de integ ração da r egi ão e propiciar ações coordenadas
entre eles, ou deles com os Estados -me mbros do SELA, em especial as ações
que tendam à sua harmo nização e co nvergê nc ia, respeitando os compromis-
sos ass umi dos den tro desses pr oc esso s;
pro mover a formulação e execução de programas e projetos econômicos e
sociais de interesse p ar a os Est ado s-membros;
atua r com o mecanis mo de co ns ulta e coor denação da América Latina para a
formulação de posiçõ es e es tra tégias comuns sobre te m as econômicos e
socia is p eran te terceiros países, grup os de países e em organismos e foros
internaci on ais;
pro p icia r, no co ntexto dos obj etivo s de cooperação intra-regional do SELA,
os m eios para assegura r tra ta me nto preferencial para os países de menor
desenvo lvi mento relativo e medidas especiais para os países de mercado
li mi ta do e pa ra aqueles cuja condição mediterrânea influi no seu desenvol-
vi me nto, levando -se em co nta as condições econômicas de cada um dos
Esta dos -membros.
São ó rgã os do SELA:
o Co nselho Latino -A mericano;
os Com itês de Ação ; e
a S ecretar ia Permanente.
o Co nselho Latino- A mer ican o, órgã o supremo do SELA, é integrado por todos
As Organizações Internacionais e a Cooperação Técnica 303

os membros e tem competência para estabelecer as políticas gerais do SELA e


aprovar posições e estratégias comuns dos Estados-membros sobre temas econô-
micos e sociais, tanto em organismos e foros internacionais como perante
terceiros países ou grupos de países.
Os Comitês de Ação são constituídos pelo SELA para a realização de estudos,
programas e projetos específicos e para o preparo e adoção de posições negocia-
doras conjuntas de interesse para mais de dois Estados-membros.
A Secretaria Permanente é o órgão técnico-administrativo e tem sede na cidade
de Caracas, Venezuela.

VII. O SISTEMA DAS ORGANIZAÇÕES DE FOMENTO

A intervenção dos organismos internacionais em matéria de investimentos nos


países em desenvolvimento, com vistas a acelerar seu ritmo de progresso, manifes-
ta-se tanto no plano mundial como no plano regional.
No plano mundial, merecem destaque três organismos vinculados às Nações
Unidas: o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD),
também conhecido como Banco Mundial; a Corporação Financeira Internacional
(CFI); e a Associação Internacional do Desenvolvimento (AID).
1. O Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) foi criado
na Conferência de Bretton Woods, realizada em 1944, a convite dos Estados
Unidos, que instituiu também o Fundo Monetário Internacional (FMI).
Os objetivos do BIRD são:
dar assistência na reconstrução e desenvolvimento dos territórios de mem-
bros através de fácil acesso ao investimento de capitais para propósitos
produtivos, incluindo a restauração de economias destruídas ou abaladas pela
guerra, a reconversão de facilidades produtivas para as necessidades de
tempos de paz e o incentivo ao desenvolvimento de facilidades produtivas e
de recursos nos países menos desenvolvidos;
promover investimentos estrangeiros privados através de garantias ou parti-
cipação em empréstimos ou outros investimentos feitos por investidores
privados; em caso de o capital privado não estar disponível em prazos
razoáveis, suplementar o investimento privado providenciando, em condições
adequadas, financiamento para propósitos produtivos oriundo de seu próprio
capital, fundos por ele arrecadados e outros recursos seus;
304 Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros

promover o crescimento equilibrado do comércio internacional a longo prazo


e a manutenção do equilíbrio nas balanças de pagamento, através de incen-
tivo ao investimento internacional para o desenvolvimento dos recursos
produtivos dos membros , assistindo dessa forma o aumento da produtivi-
dade, do padrão de vida e das condições de trabalho em seus territórios;
organizar os empréstimos feitos ou garantidos por ele em concordância com
os empréstimos internacionais concedidos por outros canais, de modo que os
projetos prioritários, sejam eles grandes ou pequenos, tenham primazia;
conduzir suas operações dando a devida atenção aos efeitos do investimento
internacional nas condições de negócio nos territórios dos membros e, nos
anos pós-guerra imediatos, assistir na realização de transição suave de uma
economia voltada para a guerra, para uma economia de tempo de paz.
Constitui, pois, um intermediário entre os detentores de capital em alguns países
e os necessitados de capital em outros. É um banco que pode outorgar ou garantir
empréstimo e obter fundos através de empréstimos. Consiste num organismo
interestatal , já que os Estados-membros proporcionam o seu capital social e
controlam sua administração atr avés de representantes.
Cada membro negocia com o BIRD somente através de seu Ministério da
Economia, Banco Central, Fundo de Estabilização ou outra agência fiscal simi-
lar, e o Banco negocia com os membros somente por intermédio das mesmas
agências.
O Banco pode garantir, compartilhar ou fazer empréstimos a qualquer membro
ou subdivisão política deste e a qualquer empresa industrial, agrícola ou de
negócios nos territórios de um membro, sob as seguintes condições:
quando o membro em cujo território o projeto estiver localizado não for ele
mesmo o devedor, o membro, o Banco Central ou alguma agência comparável
do membro que for aceita pelo Banco garantirá plenamente o reembolso do
capital e o pagamento dos juros e outros ônus do empréstimo;
o Banco estará convencido de que, nas condições predominantes do mercado,
o devedor seria incapaz de, por outra forma, obter o empréstimo em condi-
ções razoáveis;
uma comissão competente submeterá um relatório escrito recomendando o
projeto, depois de cuidadoso estudo sobre méritos da proposta;
na opinião do Banco a taxa de juros e os outros ônus devem ser razoáveis e
tais juros, ônus e tabela para reembolso' do capital devem também ser
razoáveis e apropriados para o projeto;
As Organizações Internacionais e a Cooperação Técnica 305

ao fazer ou garantir um empréstimo o Banco, dará a devida atenção às


perspectivas que o devedor - e, se o devedor não for um membro, o fiador -
terá para cumprir suas obrigações em relação ao compromisso assumido; e o
Banco agirá prudentemente no igual interesse do membro em cujo território
o projeto estiver localizado, em particular, e dos membros em geral;
ao garantir um empréstimo feito por outros investidores o Banco receberá
uma compensação adequada pelo risco assumido;
os empréstimos feitos ou garantidos pelo Banco terão, salvo em circunstân-
cias especiais, como objetivo específico projetos de reconstrução e desen-
volvimento.
Oportuno frisar que os empréstimos do BIRD podem ser tomados pelos Estados-
membros, pelas subdivisões políticas dos mesmos ou por empresas particulares
estabelecidas em seus territórios. No caso de o tomador não ser um governo,
requer-se a garantia do respectivo Estado-membro.
São órgãos do BIRD a Junta de Governadores, os Diretores Executivos e o
Presidente que se encontra à frente da Secretaria da Organização.
A Junta de Governadores é composta de representantes de todos os membros
(cada um nomeia um governador e um suplente). É o órgão supremo do BIRD e
reúne-se ordinariamente uma vez por ano.
Os Diretores Executivos são atualmente em número de vinte: cinco nomeados
pelos membros que possuem maior número de ações e quinze pelos membros
restantes. A Junta de Governadores delegou aos Diretores Executivos autoridade
para exercerem quase todas as faculdades do BIRD, com exceção das reservadas
à Junta pelo Convênio Constitutivo da Organização.
O Presidente, eleito pelos Diretores Executivos, é o presidente ex officio destes
e chefe do pessoal administrativo.
Subordinado às orientações dos Diretores Executivos em questões de política, o
Presidente é responsável pela gestão e organização do BIRD, assim como pela
nomeação e demissão de seus funcionários.
Em 1955, o BIRD criou o Instituto de Desenvolvimento Econômico, que funcio-
na em Washington na sede do Banco, cujo propósito é oferecer cursos de
treinamento para funcionários dos Estados-membros, que tenham responsabili-
dades na política de desenvolvimento de seus países; também presta assistência,
com assessoria e pessoal especializado, para a elaboração de programas de
formação e tem ajudado a constituir bibliotecas.
306 Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros

2. A Corporação Financeira Internacional (CFI) pode ser considerada como uma


filial do BIRD, pois os seus órgãos desempenham funções idênticas às da CF!.
Entretanto , a CFI tem personalidade jurídica plena e independente do BIRD.
No terreno financeiro , a independência do Banco e da Corporação significa que
seus fundos são distintos e mantidos separados.
Criada por proposta do BIRD, a Corporação Financeira Internacional foi conce-
bida com o propósito de fomentar o crescimento das empresas privadas, particu-
larmente nos países em desenvolvimento, como meio de melhorar suas condições
econômicas.
Para concretizar esse objetivo, a CFI deve:
em conjunto com investidores privados, auxiliar no financiamento do estabele-
cimento, melhora e expansão de empresas privadas produtivas que contribui-
riam para o desenvolvimento dos seus países-membros fazendo investimento,
sem garantia de reembolso pelo governo-membro em questão nos casos em que
um capital privado suficiente não esteja à disposição em termos razoáveis;
procurar reunir oportunidades de investimento, capital privado, doméstico e
estrangeiro e capacidade administrativa experiente.
procurar estimular e ajudar a criar condições que conduzam o fluxo de capital
privado, doméstico e estrangeiro em investimentos produtivos nos países-
membros.
Os princípios operacionais da CFI são os seguintes:
a Corporação não empreenderá financiamentos para os quais, na sua opinião,
suficiente capital privado poderia ser obtido em termos vantajosos;
a Corporação não financiará empreendimento algum nos territórios de qual-
quer membro , se este fizer objeção a tal financiamento;
a Corporação não imporá condições no sentido de que o resultado de qualquer
financiamento seja gasto nos territórios de qualquer país em particular;
a Corporação não assumirá responsabilidade pela direção de qualquer em-
preendimento no qual investiu; e não exercerá direito de voto para essa
finalidade ou para qualquer outra se, em sua opinião, tal empreendimento
enquadrar-se adequadamente no controle administrativo;
a Corporação utilizará seu financiamento nos termos e condições que consi-
derar apropriados, levando em conta as necessidades do empreendimento, os
riscos assumidos pela Corporação e os termos e condições normalmente
obtidos dos investidores privados para financiamentos similares;
As Organizações Internacionais e a Cooperação Técnica 307

a Corporação procurará girar seus fundos negociando seus investimentos


para investidores privados sempre que possa apropriadamente fazê-lo em
termos satisfatórios;
a Corporação procurará manter razoável diversificação nos seus investimentos.
Para ser membro da CFI, o Estado deverá ser membro do BIRD.
Os órgãos da CFI são a Junta de Governadores, os Diretores Executivos e o
Presidente, funções exercidas pelos mesmos indivíduos que ocupam cargos
idênticos no BIRD.
3. A Associação Internacional de Desenvolvimento (AID), organismo com perso-
nalidade jurídica própria em atividade desde 1960, está igualmente ligada ao BIRD
e visa atender às necessidades de desenvolvimento dos países menos desenvolvidos
mediante concessão de empréstimos em condições mais flexíveis e que pesem
menos sobre as balanças de pagamentos do que os empréstimos convencionais.
O empréstimos da AID são concedidos nas seguintes condições:
a Associação fornecerá financiamento para aumentar o desenvolvimento nas
áreas menos desenvolvidas do mundo filiadas à Associação;
o financiamento fornecido pela Associação deverá ser para finalidades que,
na opinião da Associação, forem de grande prioridade desenvolvimentista à
luz das necessidades da área ou das áreas envolvidas e, exceto em circuns-
tâncias especiais, para projetos específicos;
a Associação não fornecerá financiamento se em sua opinião tal financiamento
estiver à disposição por fontes privadas em termos razoáveis para o recebedor,
ou se puder ser fornecido por empréstimo do tipo feito pelo Banco;
a Associação não fornecerá financiamento, exceto sob recomendação de um
comitê competente, feito após cuidadoso estudo dos méritos da proposta.
Cada um desses comitês será apontado pela Asssociação e deverá incluir uma
pessoa indicada pelo Governador ou Governadores representando o membro
ou membros em cujos territórios o projeto em consideração for alocado, e
um ou mais membros do staff técnico da Associação. A necessidade de o
comitê incluir a pessoa indicada pelo Governador ou Governadores não se
aplicará em caso de financiamento fornecido a uma organização pública
internacional ou regional:
a Associação não fornecerá financiamento para qualquer projeto se o membro
em cujos territórios o projeto for localizado fizer objeções e esse financia-
mento, exceto se não for necessário à Associação assegurar-se de que o
308 Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros

associado não fará objeções no caso de financiamento fornecido à organiza-


ção internacional ou regional;
a Associação não imporá condições quanto a ser o produto de seus financia-
mentos gasto em territórios de qualquer membro ou membros. O supradito
não impedirá a Associação de concordar com quaisquer restrições sobre o
uso dos fundos impostos de acordo com as provisões destes artigos, incluindo
restrições vinculadas às reservas suplementares consoante acordo entre a
Associação e o contribuidor;
a Associação providenciará acordos para assegurar que os produtos de quais-
quer financiamentos foram dados dispensando a devida atenção às conside-
rações de economia, eficiência e comércio internacional competitivo, sem
ligar a influências políticas ou outras quaisquer não-econômicas;
fundos a serem fornecidos sob qualquer operação financiadora serão postos
à disposição do recebedor somente para atender às despesas em conexão com
o projeto.
A estrutura da Associação Internacional de Desenvolvimento (AID), assim como
a da CFI, é formada por órgãos idênticos aos do BIRD, exercidos pelos mesmos
funcionários.
4. O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), organismo internacional
de fomento que surgiu no âmbito regional, foi instituído em 1959 pelos Estados
que integram a Organização dos Estados Americanos (OEA) e funciona dentro
do âmbito desta.
O objetivo primordial do BID consiste em contribuir para acelerar o processo de
desenvolvimento econômico individual e coletivo dos Estados-membros.
Para atingir esse objetivo, o Banco exerce as seguintes funções:
promove a inversão de capitais públicos e privados, para fins de desenvolvimento;
utiliza seu próprio capital, fundos obtidos nos mercados financeiros e demais
recursos de que disponha, para financiar o desenvolvimento dos países-mem-
bros, dando prioridade aos empréstimos de garantia que contribuam mais
eficazmente para o crescimento econômico dos mesmos;
estimula os investimentos privados em projetos, empresas e atividades que
contribuam para o desenvolvimento econômico e complementa as inversões
privadas quando não há capitais particulares disponíveis em termos e condi-
ções razoáveis;
coopera com os países-membros na orientação de sua política de desenvol-
As Organizações Internacionais e a Cooperação Técnica 309

vimento, para melhor utilização de seus recursos , de forma compatível com


os objetivos de maior complementação de suas economias e da promoção do
crescimento ordenado de seu comércio exterior; e
presta assistência técnica para preparo, financiamento e execução de planos
e projetos de desenvolvimento, inclusive estudo de prioridades e formulação
de propostas de projetos específicos.
No desempenho de suas funções o Banco coopera, tanto quanto possível, com os
setores privados que forneçam capital para investimentos e com instituições
nacionais ou internacionais.
A pedido de Estado, de Estados-membros ou de empresas privadas que possam
receber empréstimos da instituição, o BID presta assistência e cooperação téc-
nica, em seu campo de ação, especialmente para:
o preparo, o financiamento e a execução de planos e projetos de desenvolvimen-
to, inclusive estudo de prioridades e formulação de propostas de empréstimos
à base de projetos específicos de desenvolvimento nacional ou regional; e
a formação e o aperfeiçoamento, mediante seminários e outras formas de
treinamento, de pessoal especializado para preparo e execução de planos e
projetos de desenvolvimento.
A fim de atingir esses objetivos, o Banco pode celebrar acordos sobre assistência
técnica com outras instituições nacionais ou internacionais, tanto públicas quan-
to privadas.
O Banco pode acordar, com os países-membros ou com as empresas que recebam
assistência técnica, o reembolso das despesas efetuadas nas condições que
considere apropriadas.
Os gastos com assistência técnica que não sejam pagos pelos beneficiários são
cobertos com as receitas líquidas do Banco ou com as do Fundo. Contudo,
durante os três primeiros anos de operações o Banco pode utilizar, para cobrir
esses gastos, até o total de 3% dos recursos iniciais do Fundo.
Os órgãos do BID compreendem: Assembléia de Governadores, Diretoria Exe-
cutiva, Presidente, Vice-Presidente encarregado do Fundo para Operações Espe-
ciais e Vice-Presidente Executivo.
A Assembléia de Governadores, composta de representantes de todos os Esta-
dos-membros, está investida dos poderes do Banco, podendo delegá-los à Dire-
toria Executiva com certas exceções, fixadas no Convênio Constitutivo.
A Diretoria Executiva é responsável pelo andamento das operações do Banco e,
310 Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros

para tanto, pode exercer todas as atribuições que lhe tenham sido delegadas pela
Assembléia de Governadores.
O Presidente, representante legal da instituição, é eleito pela Assembléia de
Governadores, com mandato de cinco anos.

VIII. Os ACORDOS DE COOPERAÇÃO TÉCNICA DAS


ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

A Organização das Nações Unidas, com a implantação dos primeiros programas


de assistência técnica, deu início à celebração de numerosos acordos sobre essa
matéria com seus Estados-membros.
Para coordenar a negociação e conclusão dos acordos de cooperação técnica no
âmbito da ONU, o Conselho Econômico e Social instituiu, em 1949, o Comitê
de Assistência Técnica (TAB - Technical Assistance Board) .
Os acordos que começaram a ser celebrados apenas estabeleciam o quadro
genérico dentro do qual a cooperação se daria, ficando os aspectos operacionais
postergados para acordos suplementares. Por isso passaram a ser chamados de
acordos de base ou acordos básicos de assistência técnica.
Exemplo desse tipo de acordo internacional encontra-se no Acordo Básico para
a Concessão de Assistência Técnica celebrado entre a Organização das Nações
Unidas e o Brasil, concluído em Nova York a 11 de setembro de 1952 (promul-
gado pelo Decreto n" 41.650, de 1Q de junho de 1957, publicado no DOU de 6 de
junho de 1957), no qual as partes estipulam que a Organização concederá
assistência técnica ao governo nos assuntos que forem determinados e da maneira
que for estipulada em acordos ou ajustes suplementares (art. 1 Q, inciso 1) e que
essa assistência consistirá em:

a) colocar técnicos à disposição do país contratante, a fim de que prestem serviços


consultivos e assistência às autoridades competentes;
b) organizar e realizar, de mútuo acordo, seminários e programas de treinamento,
projetos de demonstração, grupos de trabalho de especialistas e atividades correla-
tas em locais determinados;
c) conceder bolsas de estudo e outras facilidades aos candidatos indicados pelo gover-
no e aprovados pela Organização para estudarem e receberem treinamento fora do
país;
d) preparar e realizar, de mútuo acordo, projetos experimentais em lugares determina-
dos;
As Organizações Internacionais e a Cooperação Técnica 311

e) proporcionar qualquer outra forma de assistência técnica, aceita de mútuo acordo.

o Conselho Econômico e Social da ONU estabeleceu, através da Resolução 22


(IX) de 1949, uma série de princípios para servirem de base aos acordos de
cooperação técnica.
Entre tais princípios, avulta o de que nenhuma assistência técnica será concedida
sem que a Organização previamente conclua acordo específico com os respecti-
vos governos e sem que estes tenham expressamente solicitado assistência.
Em outras palavras, o princípio enfatiza que deve haver consentimento do Estado
em cada instância da assistência e que esse consentimento deve estar previsto
em acordo internacional.
As formas de cooperação a serem estendidas a cada país, outrossim, devem ser
decididas pelo governo interessado.
O Estado deve, igualmente, comportar-se de maneira a facilitar o trabalho da
Organização.
Outro princípio relevante sustenta que o Estado que recebe assistência técnica
deve assumir responsabilidade por parte das despesas, mesmo que essa parcela
seja paga com sua própria moeda.
Vários acordos de assistência técnica são multilaterais, tendo como partes alguns
organismos especializados do sistema da ONU e um Estado determinado.
Neste caso, um representante do Comitê de Assistência Técnica do ECOSOC
assina o acordo em nome dos organismos internacionais especializados.
Pode ser citado como exemplo dessa modalidade o Acordo Básico de Assistência
Técnica entre o Brasil, a ONU, a OIT, a FAO, a UNESCO, a OACI, a OMS, a
UIT, a OMI, a AIEA e a UPU, assinado no Rio de Janeiro, a 29 de dezembro de
1964 (promulgado pelo Decreto n Q 59.308, de 23 de setembro de 1966, publicado
no DOU de 30 de setembro de 1966).
Em conclusão, é importante sublinhar que, como regra geral, as organizações
internacionais não podem endereçar assistência técnica a qualquer Estado por
decisão unilateral: elas estão obrigadas a concluir acordos com seus membros
para essa finalidade.
Os acordos de cooperação, por outro lado, têm eficácia suspensiva na medida em
que não surtem efeitos enquanto o Estado não solicitar a assistência da Organi-
zação dentro do quadro estipulado.
312 Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros

IX. As PRINCIPAIS CONTRIBUIÇÕES DAS ORGANIZAÇÕES


INTERNACIONAIS PARA O ESTABELECIMENTO DE UM
SISTEMA EQÜITATIVO DE COOPERAÇÃO TÉCNICA PARA O
DESENVOLVIMENTO

o conteúdo das linhas anteriores deste trabalho evidencia que as ações dos
organismos internacionais no terreno da cooperação técnica, com vistas à pro-
moção do progresso sócio-econômico de seus Estados-membros, têm-se desen-
volvido principalmente no âmbito da Organização das Nações Unidas ou, pelo
menos, à sombra desta.
A concessão de assistência técnica pelas organizações internacionais aos países
em processo de desenvolvimento se insere em um projeto de maior alcance, em
andamento nas relações entre os Estados, que consiste na tentativa de instaurar
uma Nova Ordem Econômica Internacional.
A origem remota dessa nova ordem está na Resolução 1710 (XVI) da Assembléia
Geral da ONU, de 19 de dezembro de 1961, que instituiu o Decênio das Nações
Unidas para o Desenvolvimento .
Essa resolução recebeu impulso mais forte com a aprovação pela Assembléia Geral
de uma Estratégia Internacional para o Desenvolvimento, fixando metas para o
Segundo Decênio das Nações Unidas para o Desenvolvimento, iniciado em 1971.
Em 25 de janeiro de 1974, o Secretário- geral da ONU convocou reunião extraor-
dinária da Assembléia Geral, objetivando fazer com que esta, discutindo a
problemática dos recursos naturais do mundo, com recomendações para sua
adequada utilização, sugerisse melhor justiça social nas relações internacionais.
A Assembléia Geral terminou por aprovar, então, uma Declaração e um Progra-
ma de Ação para o estabelecimento de uma Nova Ordem Econômica Internacio-
nal, através das Resoluções 3.201 (s.VI) e 3.202 (s.VI), respectivamente.
As resoluções da Assembléia Geral mencionam, pela primeira vez, a necessidade
da adoção de uma Carta de Direitos e Deveres Econômicos dos Estados, a servir
como instrumento para constituir um sistema de relações econômicas internacio-
nais baseado na eqüidade, igualdade soberania e interdependência de interesses
dos países desenvolvidos e em desenvolvimento, e de um Código Internacional
de Conduta para a Transferência de Tecnologia que melhor corresponda às
necessidades e condições dos países em desenvolvimento.
A Carta de Direitos e Deveres Econômicos dos Estados foi aprovada pela Assem-
bléia Geral da ONU a 12 de dezembro de 1974, através da Resolução 3.281 (XXIX) .
As Organizações Internacionais e a Cooperação Técnica 313

Conhecida também como Carta Echeverría, homenagem ao empenho do presidente


do México para conseguir a aprovação do documento, a Carta estabelece que:

Todos os Estados têm a responsabilidade de cooperar, nos domínios econômico, social,


cultural, científico e técnico , para promover o progresso econômico e social no mundo
inteiro e, em particular, nos países em desenvolvimento (art. 9º).

Os Estados têm o direito de participar, de acordo com os países interessados, na


cooperação sub-regional, regional e inter-regional no interesse de seu desenvolvimento
econômico e social. Todos os Estados participantes desta cooperação têm o dever de velar
para que as diretrizes seguidas pelos agrupamentos aos quais pertencem correspondam às
disposições da Carta e tenham em conta o mundo exterior, compatíveis com suas obrigações
internacionais e com as exigências da cooperação econômica internacional, e tenham em
devida conta os legítimos interesses de terceiros países, sobretudo dos países em processo
de desenvolvimento . (art. 1 2 º , inc .1).

1) Cada Estado tem o direito de ter parte nas vantagens do progresso e das inovações
da ciência e da técnica para acelerar seu desenvolvimento econômico e social.
2) Todos os Estados devem promover a cooperação internacional em matéria de
ciência e tecnologia, assim como a transmissão de tecnologia, tendo em devida
conta todos os interesses legítimos, inclusive , entre outros , os direitos e deveres dos
titulares, dos fornecedores e dos beneficiários das técnicas. Em particular, todos os
Estados devem facilitar: o acesso dos países em processo de desenvolvimento às
realizações da ciência e da técnica moderna, a transferência das técnicas e a criação
de tecnologia autóctone em benefício dos países em desenvolvimento, segundo
formas e procedimentos que sejam adaptados à sua economia e necessidades.
3) Em conseqüência, os países desenvolvidos devem cooperar com os países em
desenvolvimento no estabelecimento, fortalecimento e aperfeiçoamento de suas
infra-estruturas científicas e tecnológicas e em suas pesquisas científicas e ativida-
des tecnológicas, de modo a ajudar a expandir e transformar as economias dos países
em desenvolvimento.
4) Todos os Estados devem cooperar na pesquisa com vistas ao desenvolvimento de
diretrizes ou regulamentações aceitas internacionalmente para a transferência de
tecnologia, tendo em devida conta os interesses dos países em desenvolvimento.
(art. 13º).
A Carta, embora não seja um tratado que gere direitos e obrigações para os
signatários, consiste em um documento internacional de indiscutível importân-
cia, tendo como objetivo fundamental melhorar a situação dos povos menos
favorecidos na estrutura do comércio mundial e na divisão internacional do
trabalho.
314 Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros

Logo, a Carta leva em conta principalmente os interesses dos países do Terceiro


Mundo.
Entretanto não se deve considerá-la como documento estritamente terceiro-mun-
dista, mas como instrumento de caráter 'universal que deve refletir e regular
basicamente as relações econômicas entre todos os Estados, desenvolvidos ou
em processo de desenvolvimento.
A Carta consagra claramente a necessidade da cooperação técnica entre os Estados,
segundo formas e procedimentos que convenham às economias dos países em
desenvolvimento, com vistas ao estabelecimento de uma nova ordem internacional.
Ainda que a Carta dos Direitos e Deveres Econômicos dos Estados não constitua
mais do que uma declaração solene, juridicamente não-obrigatória, provocou uma
dinamização nas relações internacionais, assentando as bases a partir das quais, com
o passar do tempo, poderão ser concluídos acordos obrigatórios sobre a matéria.
A idéia de redigir um Código Internacional de Conduta para a Transferência de
Tecnologia surgiu em fevereiro de 1973, quando um grupo de trabalho consti-
tuído pela segunda sessão da UNCTAD expressou o desejo dos Estados em
desenvolvimento de que se examinasse a questão de preparar um código inter-
nacional de conduta no campo da transferência de tecnologia, o qual redundasse
particularmente em benefício dos países em diferentes estádios de desenvolvi-
mento e com sistemas econômicos e sociais diversos.
Em 1975 a Assembléia Geral da ONU recomendou que se acelerasse a elaboração
do projeto de código, para que o mesmo pudesse ser examinado pela quarta
sessão da UNCTAD, cuja realização seria no ano seguinte, em Nairóbi.
No entanto, em conseqüência de muitas divergências registradas entre os encar-
regados de redigir o projeto, a IV UNCTAD não pôde votar o código.
Decidiu, porém, constituir um grupo de trabalho, aberto à participação de todos
os Estados-membros, com a responsabilidade de prosseguir nos esforços para a
elaboração do código .
Esse grupo logrou, finalmente, redigir um anteprojeto de código, representando,
sem dúvida, um passo fundamental no sentido de oferecer o texto básico a ser
discutido em conferência internacional programada pela ONU para examinar a
transferência internacional de tecnologia.
Outra iniciativa das Nações Unidas digna de menção consiste no Projeto de Lei
Modelo de Investimentos para os países em desenvolvimento publicado em 1965,
satisfazendo aos desejos desses Estados pela adoção de uma legislação bastante
minuciosa sobre patentes industriais.
As Organizações Internacionais e a Cooperação Técnica 315

o Projeto enfatiza que os contratos de licença de patentes e know-how que


comportem pagamentos ao exterior poderão ficar sujeitos ao exame prévio e à
autorização da repartição pública nacional competente, sob pena de nulidade;
não poderão conter cláusulas que imponham, a quem recebe a licença, restrições
no terreno industrial ou comercial.
O Projeto continua sendo objeto de reflexões, especialmente por parte da Orga-
nização Mundial da Propriedade Industrial (OMPI) .
No terreno das iniciativas da ONU, uma das últimas realizações a merecer
destaque é a Conferência de Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvi-
mento, efetuada em Buenos Aires no ano de 1978, reunindo 138 Estados.
O plano de ação adotado pela Conferência propôs várias recomendações para
estimular a autoconfiança individual e coletiva dos países em desenvolvimento, com
o objetivo de reduzir as relações de dependência entre o hemisfério norte e o sul.
Os países em processo de desenvolvimento foram instados a combinar seus
esforços de pesquisa através de acordos especiais e a intercambiar suas experiên-
cias na área tecnológica.
Essa cooperação Sul-Sul recomendada pela ONU obviamente não constitui um
fim em si mesma, nem é um substitutivo da cooperação técnica com os países
desenvolvidos, mas representa, no pensamento da Organização, recurso adicio-
nal e valioso para tratar problemas de desenvolvimento.
O movimento de autoconfiança envolve planos de estabelecimento de um sistema
mais adequado de preferências comerciais entre os países em desenvolvimento
e a criação de empreendimentos comerciais conjuntos.
A Comissão de Cooperação Econômica entre os Estados em Desenvolvimento
da UNCTAD assumiu a responsabilidade de manter viva a idéia de expandir as
relações Sul-Sul.

x. ESTUDOS MAIS RELEVANTES SOBRE A COOPERAÇÃO


TÉCNICA INSTITUCIONALIZADA

A bibliografia em língua portuguesa versando sobre o tema das organizações


internacionais e, particularmente, da cooperação técnica por elas ensejada, é
bastante escassa.
Assim, a maior parte dos livros e artigos a serem utilizados para o estudo da
matéria são publicados em idiomas estrangeiros.
316 Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros

Para melhor conhecimento acerca dos aspectos gerais das organizações, o leitor
deve recorrer a Mello (1986), Vasques (1974) e Colliard (1978).
Amplo e atualizado panorama da estrutura e das funções da Organização das
Nações Unidas encontra-se em Bennett (1984), enquanto Flory (1977) estuda
minuciosamente a cooperação técnica internacional para o desenvolvimento .
Os acordos internacionais de cooperação técnica são examinados por Detter
(1965) e a Carta dos Direitos e Deveres Econômicos dos Estados está analisada
em detalhes por Castaneda et alii (1978).
Os aspectos jurídico-internacionais da transferência de tecnologia são abordados por
POTIua (1983). Finalmente, o texto dos convênios constitutivos das principais organi-
zações internacionais mencionadas neste trabalho estão contidos em Peixoto (1971).

XI. CONCLUSÕES

Durante os quatro últimos decênios a cooperação técnica internacional institu-


cionalizada, promovida pelas Organizações Internacionais, constituiu um pro-
cesso crescentemente planificado.
Outrossim, no decênio de 1990 continuarão a aumentar as tendências de desen-
volvimento do Planeta num conjunto de Estados cada vez mais interdependentes.
Os temas da pobreza, do meio ambiente, do desenvolvimento humano e da
distribuição eqüitativa das oportunidades econômicas podem ser considerados
como fundamentais para o futuro da humanidade.
A universalidade de sua assistência e a dimensão mundial de seu trabalho
colocam os organismos internacionais em posição bastante adequada para faci-
litar e apoiar a ação dos Estados nas aludidas esferas. A demanda por cooperação
técnica das organizações internacionais cresce e continuará se expandindo.
O decênio de 1990 voltou a colocar no centro do debate o objetivo final do
desenvolvimento: a melhoria da vida das pessoas.
Esse objetivo é a essência da responsabilidade das organizações internacionais.
Por outro lado, a tendência ascendente da necessidade de cooperação técnica é
explicada também pelo fato de o desenvolvimento ser um processo contínuo.
O caudal de conhecimentos existentes e de tecnologias disponíveis aumentam
constantemente, exigindo investimentos adicionais na ampliação da capacidade
humana, na comunicação de informações e em novos tipos de cooperação entre
As Organizações Internacionais e a Cooperação Técnica 317

países desenvolvidos e em desenvolvimento, e destes entre si. Essa necessidade


provavelmente crescerá com rapidez ainda maior, pois está aumentando a impor-
tância atribuída às tecnologias baseadas em conhecimentos como fontes de
futuro crescimento econômico, acelerado e duradouro.
A cooperação técnica pode contribuir para que sejam alcançados vários objeti-
vos, entre eles o aumento da capacidade nacional, a melhoria da utilização da
capacidade existente e a assessoria e o apoio diretos. Pode-se igualmente usá-la
para apoiar esforços de desenvolvimento de caráter permanente ou ordinário,
para definir novos enfoques e para dar andamento a novas iniciativas.
As diferentes necessidades de cooperação técnica institucionalizada requerem
freqüentemente distintos ajustes de financiamento.
A Assembléia Geral da ONU, através da resolução 44/211, sublinhou a impor-
tância doIncremento dos recursos destinados à cooperação técnica. Destaca o
valor do conceito de financiamento centralizado da cooperação técnica, condu-
zido pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, a fim de
fomentar a coordenação e a capacidade de resposta às prioridades nacionais,
mediante o sistema de programação por país, e instando " a todos os governos
que canalizem a maior parte disponível de recursos para a cooperação técnica
multilateral conduzida pelo PNUD" .
O sistema de cooperação técnica das Nações Unidas, movimentando aproxima-
damente 1,8 bilhão de dólares anualmente, é a terceira fonte de assistência ao
desenvolvimento, suplantada apenas por Estados Unidos e França.
Contudo, nenhum Estado fornecedor de cooperação técnica atinge a dimensão
mundial da cobertura do sistema das Nações Unidas.
Entre todas as vertentes do sistema, incluída a cooperação técnica do Banco Mundial,
o PNUD é o principal agente de financiamento. Em 1988 seus desembolsos atingiram
US$ 916,7 milhões, enquanto os do Banco Mundial chegaram a US$ 183 milhões.
Essas cifras indicam claramente o papel central do PNUD no financiamento
internacional do desenvolvimento.
Ainda que o decênio de 1990 ofereça boas perspectivas para o desenvolvimento,
muitos Estados encontram-se cada vez mais com menores recursos para investir
no seu próprio crescimento, devido ao aumento de suas dívidas externas e à
queda dos preços de produtos básicos. Além disso, muitos sofrem as conseqüên-
cias de acentuados ajustes estruturais. Esses fatores conduzem à redução do gasto
público, o que por sua vez reforça demandas dirigidas às fontes externas de
cooperação. Nesse contexto, cresce em importância o papel das organizações
318 Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros

internacionais, que tentam distribuir a assistência para o desenvolvimento com


a máxima eficácia.
Finalmente, é oportuno frisar que as organizações internacionais têm-se esfor-
çado para transformar a índole da cooperação técnica.
Inicialmente essa cooperação tendia a ser uma transferência unilateral de tecno-
logia, administrada diretamente. Hoje esse critério é considerado insuficiente
para satisfazer às complexas exigências de desenvolvimento auto-sustentado.
Com efeito, surgiu uma nova forma de cooperação técnica na qual os organis-
mos para o desenvolvimento e os países co-participantes trabalham de forma
conjugada, aprendendo uns com os outros.
Só assim os organismos internacionais poderão ajudar a constituir redes mun-
diais de intercâmbio de informações técnicas, com o que promoverão a busca
constante de novos conhecimentos, fator fundamental de todo desenvolvimento.

Referências Bibliográficas

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Formas de Inserção da
Cooperação Técnica
Internacional nos Programas
de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico: A Experiência
do CIID

Fernando Chaparro

I. A COOPERAÇÃO TÉCNICA INTERNACIONAL NO ÂMBITO


DO DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO DA
REGIÃO

É amplamente conhecido que os países da América Latina e do Caribe dedicam


poucos recursos à pesquisa científica e aos programas de desenvolvimento
tecnológico. Ante a urgência de responder às necessidades mais básicas da
sociedade, essa parcela do investimento público viu-se seriamente limitada na
maior parte dos países da região.
Dois fatores têm contribuído para que essa tendência perdure, apesar de repetidas
declarações formais sobre a importância da ciência e da tecnologia como fatores
de desenvolvimento , nas múltiplas reuniões que se realizaram na região e em
nível mundial sobre esse tema . Em primeiro lugar, continua existindo uma
relação muito fraca entre as atividades de pesquisa realizadas pela comunidade
científica, de um lado, e os problemas do setor produtivo ou das necessidades
básicas da sociedade (alimentação , saúde, emprego , receitas) , de outro . Isto não
quer dizer que a primeira (pesquisa científica) deva estar exclusivamente orien-
322 F ernando Chaparro

tada e subordinada à segu nda (solução de probl em as). O desenvolvimento de


capacidade científica é um processo que te m suas próprias solicitações e, por-
tanto , inclui a necessidade de for mar rec ursos humanos e desenvolver um domí-
nio de conhecimentos científicos e tec no lógic os em geral (no qual a pesquisa
básica pode desempenhar um pa pel importante) . Mas, se se deseja que o Estado
e a sociedade aumentem a destinação de recurs os ao trabalho científico e tecno-
lógico , a relação entre este últi mo e a soluçã o real de problemas no setor
produtivo ou no âmbito das necessidades básic as da socieda de deve ser mais
dinâmica e efetiva. Isto , evidentemente, no s lev a a enca ra r os problemas da
inovação e do câmbio tec nológi cos e dos fatores que sobre eles incidem.
Um segundo fator é a situação que está atua lme nte atra v essan do a região . A crise
econômica, as políticas de estabi lização que os governo s se viram obrigados a
adotar, a contenção do gasto público e a det erioração do nível de bem-estar social
enfrentadas pelos países da região tê m levado a um a situ ação fiscal e orçamen-
tária na qual as possibilidades de aumento subs ta nc ial do inv estimento do Estado
em atividades e programas científicos e tecnológicos viram-se seriamente redu-
zidas. Em recente artigo sobre o tem a, Osv aldo Sunkel (SUNKEL,1987; SUN-
KEL & LAVAD OS , 1988) faz interessante aná lis e do impacto que essa situ aç ão
está ten do sobre a destinação de ve rbas por p arte do Estado para a formação de
recursos humanos e para programas de desenvolvimento científico e tecnológico .
Este segundo fator torna ainda mais impe riosa a necessidade de fortalecer a
relação entre pesquisa, desenvolvime nto de tecnologias e utilização destas últi-
mas, seja no setor produtivo, seja na sa tis fa çã o de necessidades básicas da
sociedade. Somente dessa forma se poderá justifica r um aumento do investimen-
to do Estado neste campo, apesar da situa ção eco nôm ica e orçamentária atraves-
sada pelos países da regi ão .

Conseqüência dessa situação, ai nda não ana lisa da sufic ientem ente, é a do custo
eco nôm ico e social que os p aíses da re gião enfr entarão a médio e longo prazos,
à medida em que a contenção do gasto públic o na formação de recursos humanos
e no campo da ciência e tecnologia lev e a uma paulatina desarticulação e
desinstitucionalização de ce nt ros e grupos de pesquisa que já haviam alcançado
certo grau de excelência e de massa críti ca nas últimas duas décadas. A solução
de problemas orçamentários a curto prazo pode gerar maior custo social a médio
e longo prazos, com a perda dess es grupos e da capacidade por eles desenvolvida.

É neste contexto que se movimenta atualmente a coop eraçã o técnica internacio-


nal e regional. Essa cooperação tem sido g er almente mais importante no campo
da ciência e tecnologia do que em outros campos , devido exatamente à menor
Formas de Inserção da Cooperação Técnica Internacional 323

quantidade de recursos nacionais a ela dedicados. Um segundo fator que contri-


bui para a importância de tal cooperação nesse campo é o crescente ritmo das
mudanças tecnológicas em nível mundial e da rapidez com que se movimenta a
fronteira tecnológica em áreas que têm impacto direto para os países em desen-
volvimento. A cooperação técnica internacional e regional é um dos canais que
podem facilitar o acesso a tais conhecimentos e tecnologias.
Ao analisar a recente experiência ocorrida nesse campo na América Latina e no
Caribe, surgem duas perguntas importantes condicionando o papel que a cooperação
técnica internacional pode desempenhar na região. A primeira delas refere-se aos
fatores que estão atualmente influindo nos volumes e nos fluxos de tal cooperação.
A segunda questão refere-se à forma como a cooperação técnica internacional se
vincula aos esforços e aos programas de desenvolvimento sócio-econômico na região,
tanto os do setor público (governo) como os do setor privado (especialmente os dos
organismos não -governamentais de incentivo e desenvolvimento). Enquanto a pri-
meira pergunta é de natureza quantitativa e relacionada com fluxos, a segunda é de
natureza qualitativa e tem a ver com a forma como tal cooperação se insere nos atos
de desenvolvimento em nível nacional e regional.
Em relação ao volume e fluxo da cooperação técnica internacional, existem dois
fatores que poderiam incidir negativamente do ponto de vista de sua disponibi-
lidade para a região. Em primeiro lugar, os problemas econômicos, enfrentados
também pelos países desenvolvidos, deram origem a pressões fiscais que levaram
à redução da despesa pública nestes últimos . Devido à limitada consciência da
importância que detêm os problemas de desenvolvimento para suas próprias
economias e levando em consideração que em tais países não existe um setor da
população (constituency) que defenda a prioridade dos problemas do Terceiro
Mundo e do desenvolvimento em nível global, a redução da despesa pública
redundou freqüentemente em corte dos já limitados orçamentos que esses países
dedicam ao desenvolvimento em nível internacional'. Os países da América
Latina e do Caribe, e em geral os países do Terceiro Mundo, têm considerado
tradicionalmente como certo que os países desenvolvidos continuarão contri-
buindo, de forma crescente, na cooperação internacional para o desenvolvimento
dos países menos favorecidos . Os fatos que puderam ser observados nos últimos

1. A porcentagem do PIB que alguns dos países industrializados ded icam à Assistência Oficial para o
Desenvolvimento é a seguinte: Alemanha (0 ,41 %), Áustria (0,39 %), Canadá (0,47%) , Dinamarca (0,88 %),
Estados Unidos (0,21 %), França (0,50%), Holanda (0,99%), Itália (0 ,37%) , Japão (0,30%) , Reino Unido
(0,29%), Suécia (0,87%). Ver Efforts and Policies of the Members of the Development Assistance C ommlttee.
Paris, OECD, 1988.
324 Fernando Chaparro

anos começam a mostrar tendência contrária. O primeiro impacto dessa conten-


ção se fez sentir nos mecanismos e nos programas de cooperação multilateral,
os primeiros a diminuir devido aos crescentes custos que têm gerado e aos
problemas de verba limitada que estão enfrentando. Num primeiro momento isso
originou uma tendência a passar dos mecanismos multilaterais para os mecanis-
mos bilaterais de cooperação internacional. Mas, à medida que as pressões vêm
aumentando, começa a delinear-se uma redução inclusive da ajuda bilateral, pela
facilidade política com que se podem cortar os fundos de cooperação internacio-
nal para o desenvolvimento, como parte das medidas de saneamento fiscal que
os países industrializados estão recentemente adotando.
Essa atitude de achar que os países desenvolvidos continuarão contribuindo na
cooperação internacional para o desenvolvimento, num nível igualou provavel-
mente superior ao que tem sido sua contribuição até agora, reflete uma percepção
equivocada do processo de tomada de decisões nos países desenvolvidos. A
decisão de contribuir para o desenvolvimento em nível internacional tem sido
vista como primordialmente técnica do governo (do Executivo) em cada país,
desconhecendo-se a dimensão política existente atrás de toda decisão de desti-
nação de recursos e dos fatores que incidem sobre processo de tomada de
decisões nos sistemas democráticos parlamentaristas. Essa visão simplista tem
feito com que não se note a necessidade de envidar esforços para influir na
opinião pública dos países desenvolvidos e de fazer lobbying frente a grupos
parlamentaristas e perante os diversos escalões do governo de tais países. Esse
erro de estratégia começa a ser notado nas recentes reduções que alguns dos
países desenvolvidos fizeram nos seus orçamentos de cooperação técnica inter-
nacional. Devido ao escasso nível de apoio interno atribuído a este tema, os
governos desses países acharam que uma diminuição da referida dotação orça-
mentária teria para eles menor custo político que um corte em qualquer outro
setor da sociedade ou da economia nacional. Deveria, portanto, ser levada em
consideração uma estratégia orientada para mudar tal situação.
Dentro deste contexto de crescentes limitações orçamentárias existe um segundo
fator, mais recente, que pode também contribuir potencialmente para limitar
ainda mais a disponibilidade de recursos de cooperação técnica internacional
para os países da América Latina e do Caribe. Trata-se dos recentes fatos que
transformaram o ambiente sociopolítico dos países da Europa Oriental. Come-
çam já a aparecer indícios de que, ante a necessidade de responder a esta nova
situação, os países industrializados enfrentarão crescente pressão para transferir
fundos, tanto de investimento quanto de cooperação, dos países do Terceiro
Formas de Inserção da Cooperação Técnica Internacional 325

Mundo para os da Europa Oriental. Esta pressão se faz sentir não somente nos
mecanismos de cooperação bilateral mas também no caso das fundações privadas
(como no das fundações européias) . Esse novo contexto mundial terá, portanto,
uma incidência sobre o papel que a cooperação técnica internacional desempe-
nhará no desenvolvimento científico e tecnológico da região.
Em relação a esses fatores que incidem sobre os aspectos quantitativos da
cooperação técnica internacional (em termos de volume e fluxos) , limitar-nos-
emas neste estudo à mera análise do que se apresenta nos parágrafos anteriores.
Uma análise em maior profundidade desses fatores poderá ser lie grande utilidade
na condução da cooperação técnica na região , porém tal análise vai além do
objetivo principal do presente trabalho . No restante deste artigo concentrar-nos-
emas na análise dos aspectos qualitativos do tema por nós enfocado . Isto é, como
manejar e orientar a cooperação técnica internacional de maneira a se relacionar
estreitamente com os esforços e os programas de desenvolvimento que se reali-
zam na região, tanto por parte do governo como dos organismos não-governamen-
tais de desenvolvimento . Mostra-se aqui uma análise da inserção da cooperação
técnica internacional nos programas e nas ações de desenvolvimento em nível
nacional e regional.

Com esse objetivo em mente, analisaremos, em primeiro lugar, alguns dos


principais dilemas ou problemas enfrentados na condução da cooperação técnica
no campo da ciência e da tecnologia. Na segunda seção deste artigo analisaremos
cinco dilemas básicos que se enfrentam na condução da referida cooperação, bem
como algumas das soluções ou opções que vêm sendo adotadas em diversas
experiências na região. Através dessa prática há um processo de aprendizagem
em ação (learning by doing), cuja importância não se limita à condução da
cooperação técnica, mas também é útil na condução e administração de progra-
mas e projetos de desenvolvimento em geral, especialmente aqueles que contem-
plam um componente de pesquisa e desenvolvimento tecnológico .

Na terceira secção do trabalho analisa-se com maior profundidade um caso


particular. Será exposta a experiência do Centro Internacional de Investigação
para o Desenvolvimento (CIID) na formulação de Estratégias Regionais que
buscam responder aos dilemas mencionados em tópico anterior. Serão analisa-
dos, nesta parte, tanto os principais componentes ou dimensões deste enfoque
como a principal unidade operacional através da qual se procura executar (im-
plementar) -tais estratégias: o de Áreas de Concentração Temática (Regional
Development Thrusts), cujo objetivo principal é desenvolver um enfoque inte-
grado a problemas complexos de desenvolvimento socioeconâmico.
326 Fernando Chaparro

11. DILEMAS BÁSICOS QUE ENFRENTA A COOPERAÇÃO


TÉCNICA INTERNACIONAL

Apesar de os diversos aspectos mencionados nesta segunda parte serem analisa-


dos no contexto da condução da cooperação técnica internacional, deve-se
indicar que muitos dos pontos aqui analisados têm relevância direta na condução
e administração de programas e projetos de desenvolvimento em geral. Isto é,
enfrentam-se também esses dilemas na dotação de recursos e na orientação de
ações de desenvolvimento científico e tecnológico a nível nacional.
N a análise dos diversos pontos a serem estudados a seguir, freqüentemente sse
fará alusão à experiência e aos enfoques utilizados pelo CIID. Além desta
particular experiência institucional, em certos casos também se fará referência
a diferentes experiências nacionais e de cooperação regional, com a finalidade
de mostrar algumas das soluções e opções dadas a esses problemas.

1. Concentração versus Dispersão de Esforços: Necessidade de


Estabelecer Prioridades
Toda agência que tenha como objetivo primordial financiar e incrementar ativi-
dades de desenvolvimento científico e tecnológico enfrenta um dilema básico
cuja solução passa a definir um estilo particular de ação . A agência financiadora
pode limitar-se a responder às solicitações de financiamento que recebe por
parte da comunidade científica nacional ou regional - com base exclusivamente
na qualidade científica e técnica da proposta -, sem nenhuma seletividade em
relação a áreas ou temas prioritários de pesquisa e desenvolvimento tecnológico.
A avaliação da qualidade científica e técnica da proposta pode ser feita por meio
de avaliação interna pelo seu próprio pessoal através de uma avaliação externa
efetuada pelos seus "pares" (peer evaluation) . Em ambos os casos, o que se
avalia é a qualidade científica da proposta e a importância ou relevância do tema
na opinião dos membros da comunidade científica que fazem a avaliação. A
agência financiadora não define a priori áreas ou temas de interesse prioritário
em que concentrará os limitados recursos de que dispõe. A seleção de temas é
deixada totalmente à dinâmica da comunidade científica nacional ou regional,
refletindo fielmente os interesses que ela possa ter.
Se o objetivo visado é meramente o de fortalecer a capacidade de pesquisa de
uma comunidade científica, esse enfoque poderia ser o mais adequado, já que se
adapta totalmente aos interesses investigativos de tal comunidade. Entretanto,
Formas de Inserção da Cooperação Técnica Internacional 327

se além de desenvolver a capacidade de pesquisa o objetivo primordial é fazer


com que a ciência e a tecnologia contribuam para o desenvolvimento do setor
produtivo e/ou para a solução de problemas socioeconômicos, esse enfoque torna-se
totalmente inadequado. A ausência de prioridades leva à dispersão e atornização de
esforços e a não prestar atenção aos problemas relacionados com a transferência e
adoção de tecnologia ou com a utilização dos resultados da pesquisa. Se se almeja
que a pesquisa e as atividades de desenvolvimento tecnológico se vinculem à
solução de problemas no setor produtivo, ou que possam levar efetivamente à
satisfação de necessidades básicas da sociedade, impõe-se a necessidade de estabe-
lecer prioridades e de desenvolver programas que contemplem não somente a forma
como se pode fazer a pesquisa mas também o modo como serão utilizados ou
aproveitados os seus resultados na solução de tais problemas.
Em nível nacional, a maior parte dos países da região optou por um sistema
misto. De um lado, uma pequena parte dos fundos disponíveis para apoiar a
pesquisa é destinado a responder à demanda originada pela comunidade cientí-
fica, sem nenhuma limitação de prioridades definidas a priori. De outro, a maior
parte dos investimentos é canalizada para áreas prioritárias de pesquisa, seja
através de orçamentos setoriais (agricultura, tecnologia industrial, saúde etc.) ou
de "programas nacionais" ou "programas especiais" estruturados ao redor de
problemas prioritários de desenvolvimento socioeconômico. Na maioria dos
países latino-americanos, o segundo componente é imensamente mais importante
que o primeiro. Além do papel preponderante que se dá ao financiamento setorial
(via ministérios e instituições setoriais), os organismos em nível central de
financiamento e de política científica e tecnológica têm também procurado
concentrar fundos em áreas prioritárias, via mecanismo de programas nacionais
ou Especiais. Em anos recentes, o Chile talvez tenha sido o único país em que,
em nível de organismo central, predominou o enfoque de responder indistinta-
mente às demandas da comunidade científica, sem maior definição prévia de
prioridades, utilizando-se o sistema de concurso e de" avaliação por pares" como
o principal elemento orientador.
Por outro lado, as agências de financiamento e de cooperação técnica internacio-
nal geralmente se vêm forçadas a definir prioridades e programas relativamente
estruturados, através dos quais procuram canalizar e orientar a ajuda que podem
fornecer. Vários fatores contribuem para isso. Em primeiro lugar, o mandato
dessas organizações está mais estreitamente relacionado com o fomento e a
promoção do desenvolvimento socioeconômico do que com o apoio à pesquisa
e ao desenvolvimento científico como tal. Este é certamente o caso do CIID, no
328 Fernando Chaparro

qual o desenvolvimento de uma capacidade de pesquisa e a pesquisa como tal,


são vistos como instrumento fundamental para a solução de problemas no setor
produtivo, bem como para melhorar as condições de vida de amplos setores da
população. Um segundo fator que empurra nesta direção é a necessidade que têm
essas organizações de mostrar resultados concretos derivados dos projetos que
elas financiam . A possibilidade de alcançar esses resultados concretos aumenta
substancialmente quando os fundos se concentram numa gama mais reduzida de
temas e quando se procura fazer com que os projetos financiados tenham uma
inter-relação orgânica entre si, buscando-se complementação entre eles e efeito
cumulativo ao longo do tempo (do ponto de vista do conhecimento ou das
tecnologias que estão sendo desenvolvidas).
Um aspecto importante que surge destas considerações é o do modo como se
relacionam as prioridades dos organismos de cooperação técnica internacional
com as prioridades de cada país ou da região. Para responder a essa pergunta é
necessário analisar os principais atores que intervêm no processo de definição
de prioridades e de formulação de programas, nos organismos de cooperação
técnica internacional. Este aspecto - que será analisado na próxima secção - é
importante para se ver como a cooperação externa se insere nos programas ou
nas ações de desenvolvimento em nível nacional ou regional.

2. Processo de Definição de Prioridades e Formulação de


Programas: Que Atores Intervêm?

o processo de identificação de prioridades em nível nacional é tema que excede


o alcance deste artigo. O nível em que desenvolveremos esta análise é bastante
diferente: trata-se de verificar como se determinam prioridades no contexto da
cooperação técnica internacional no campo da ciência e tecnologia, especialmen-
te no caso de agências de cooperação que não sejam organizações intergoverna-
mentais. Neste segundo nível, a determinação de prioridades transforma-se em
processo mais complexo, pela multiplicidade de atores que nele intervêm.
Formalmente o estabelecimento das prioridades de desenvolvimento de cada país
é atribuição dos respectivos governos, através de políticas e planos de desenvol-
vimento formulados por cada um . No caso dos organismos multilaterais de
natureza intergovernamental, as prioridades definidas pelos países-membros de
tal organização definem o contexto no qual se deve mover a cooperação por eles
fornecida. Nos países da América Latina e do Caribe desenvolveu-se uma série
de experiências de "combinação" de interesses e prioridades nacionais entre
Formas de Inserção da Cooperação Técnica Internacional 329

diferentes países, num processo para definir os "Programas de Cooperação


Regional". Tais experiências têm sido particularmente ricas em nível sub-regio-
nal (países andinos, países do Caribe, América Central e Cone Sul).
Essas experiências de estabelecimento de prioridades em nível intergovernamen-
tal e de formulação de programas de cooperação regional no campo da ciência e
tecnologia (programas andinos da JUNAC e da SECAB, programas de coopera-
ção entre os países do Caribe, programas de cooperação científico-tecnológicos
na América Central etc.) levaram ao desenvolvimento de metodologias interes-
santes e ao maior conhecimento das possibilidades e limitações que enfrenta a
cooperação regional nesse campo . No entanto, muitas dessas experiências pade-
ceram de dois problemas recorrentes. Em primeiro lugar, nesses esforços de formu-
lação de programas de cooperação regional participaram primordialmente
representantes governamentais dos diversos países envolvidos. A interferência dos
setores sociais, que posteriormente devem participar na execução de tais programas
(setor empresarial, comunidade científica etc.), tem sido bastante limitada na maior
parte dos casos. Ainda mais limitada tem sido a participação dos beneficiários para
os quais estão orientados tais programas, quando se trata de programas relacionados
com a satisfação de necessidades básicas (alimentação, moradia popular, serviços
de saúde etc .). Devido à pequena participação dos setores ou grupos que posterior-
mente deverão executar tais programas, o nível de compromisso dessas instituições
em relação aos programas regionais é relativamente limitado.

Outra conseqüência desse mesmo fato é que os programas regionais formulados


dessa forma podem ser conceptual e metodologicamente sólidos, porém com
pouca relação direta com o que centros de pesquisa, setores empresariais ou
grupos de desenvolvimento no nível da comunidade já estão fazendo em seus
respectivos campos. Isto é, tendem a converter-se num exercício tecnocrático de
identificação de prioridades e de formulação de programas, em vez de tomar
como ponto de partida atividades e projetos que já estão sendo desenvolvidos
nos respectivos setores.

Um segundo problema que freqüentemente se enfrenta nessas experiências re-


gionais refere-se ao fato de poucos fundos disponíveis para cooperação regional
se perderem na formulação de possíveis programas, em vez de apoiar ou realizar
atividades ou projetos concretos. Ou seja, o esforço de planejamento absorve
todos os fundos disponíveis, sem determinar recursos para assegurar a execução
de pelo menos uma parte mínima dessas atividades. Não conseguindo posterior-
mente os fundos necessários para a implementação de tais programas, o esforço
realizado fica somente como um produto tecnocrático pela falta de recursos para
330 Fernando Chaparro

sua execução. Isto tem efeito colateral adverso, na medida em que tais esforços de
programação regional tendem a perder credibilidade com os grupos encarregados
de sua própria execução (institutos de pesquisa, grupos empresariais ou de produ-
tores etc.). Se se pusesse mais empenho em tomar como ponto de partida o que já
está sendo feito e procurar construir sobre as atividades para as quais já existe um
mínimo de financiamento, os esforços de programação regional produziriam resul-
tados mais práticos, ainda que conceptualmente fossem menos elaborados.
Apesar das observações anteriores, esses esforços regionais de identificação de
prioridades e de formulação de programas de cooperação têm produzido valiosa
experiência neste campo. Os diagnósticos e os esquemas conceptuais e operati-
vos por eles produzidos têm sido freqüentemente utilizados por diversas insti-
tuições e grupos de pesquisa em diferentes países da região, mesmo nos casos
em que os programas formulados não tenham sido implementados em sua globa-
lidade . Como exemplo, pode-se citar o uso que se tem dado aos manuais de
avaliação de projetos e de desagregação de tecnologia produzidos por um dos
programas tecnológicos da JUNAC. Podem-se mencionar vários exemplos como
estes. Além disso, deve-se indicar também que algumas das experiências mais
recentes na formulação de programas de cooperação regional estão buscando
claramente novos enfoques, que permitam evitar os problemas e as limitações
acima mencionados.
Uma dessas experiências é a do CnD. Não se tratando de organização intergover-
namental, esse centro tem maior flexibilidade em termos do processo que utiliza
para identificar prioridades regionais, bem como para desenvolver programas de
cooperação regional. O Cl H) vem desenvolvendo uma metodologia que procura
combinar esforços e conhecimentos de três diferentes tipos de atores sociais:
a) as políticas e os programas de desenvolvimento dos governos da região, tal
como estes se expressam nos planos de desenvolvimento e nos programas de
desenvolvimento setorial. Aqui o principal ator é constituído pelas agências
de fomento ou pelas organizações operacionais do Estado, encarregadas de
executar tais políticas;
b) redes (networks) de pesquisadores que estão trabalhando sobre o mesmo tema
em diferentes países. O Cllf) dá especial importância ao desenvolvimento
desses vínculos entre os diferentes grupos da comunidade científica regional.
De fato, essas redes (a maior parte delas de natureza informal) transformam-se
no principal elemento organizador dos programas regionais que se realizam;
c) em terceiro lugar, busca-se explicitamente integrar os "usuários" ou "bene-
ficiários" aos conhecimentos e às tecnologias geradas. Já que é impossível
Formas de Inserção da Cooperação Técnica Internaciona l 331

integrar o usuário " indiv idua l" (salvo em proj etos específicos) , procura-se
chegar a esse objetivo atr avés de Org anizações Não -govername ntais de Desen-
volvimento" (ONGDs) , intimamente vincula das aos usuári os (população-alvo)
que se tem em mente, ou através de gr êmios (no caso dos p rodutores). Isto
explica a importância dad a às ONGs em mu itos dos programas do CnD .
Quando se trata de proj etos rel acion ado s co m necessidad es básicas da popu-
lação, essas ONGs são freqüentement e p art e das organi z açõ es de b ase da
comunidade.
A experiência do ClfD é descrita m ais adia nte, na aná lise do enfo que que vem
sendo utilizado na elaboração de um a Estratég ia Reg ion al par a a A mérica Latina
e o Caribe.

3. Estado, Sociedade Civil e Papel dos Organi smos


Não -governamentais
Tradicionalmente o Estado tem desemp enh ad o, nos países da A mé rica Lat in a e
do Caribe, um papel preponderante tanto no s pr ogr amas de cooperação técnica
internacional como nos programas de desenvol vim ento socioe co nô rnico de ca da
país. Certam ente, isto continua sen do um a funçã o imp ort an te do Est ad o, apesar
de nos últimos anos haver ocorrido tr ês mudan ças imp ortan tes qu e modifi caram
o papel dos principais atores soc iais qu e inter vêm nos processos básicos da
sociedade, bem como as relações entre eles:
a) em primeiro lugar, pode-se observ ar na regr ao um a gr adu al evolução da
concepção que se tem do p apel do Estad o na socie da de e, por tan to, nos
programas de desenvolvimento . Pa ssou-se de um a concepção paternalista do
Estado, na qual se espera dele a solução de todo s os pr obl em as e a pr ovi são
de todas as necessidades de seu s cidadãos, para um a concepção m ai s din âmi-
ca, na qual o Estado desempenha um pap el muito imp ortan te de pr om ot or e
facilitado r, mas não forços amente de "executo r" de se rv iços e at iv ida des
relacionados com necessidades básicas da comunida de . Nesse novo enfoque
mostra-se uma concepção mais din âmica da comunidade: est a última não
deve sentar-se e esperar que o governo e as agênc ias do Estad o so luc ionem
todos os seus problemas ; pelo contrário , deve organizar- se, bu sc ando solu-
ções para seus próprios problemas. O Est ado ev identemente exerce o important e
papel de "promotor e facilitado r" mediante políticas ad equ ad as e ativi dades de
fomento e apoio, porém a comunidade deve ass umir responsabilid ad e m aior do
que a exercida na concepção anterior. Es sa mudan ça da co nce pção que se te m
332 Fernando Chaparro

do papel do Estado na sociedade tem sido amplamente analisada por pesqui-


sas da região, no campo das ciências sociais (CALDERÓN & SANTOS,
1989) ;
b) para complementar esta solução, tem-se desenvolvido crescente consciência
da necessidade de fortalecer a "sociedade civil". A análise dos processos
societais básicos, que dão origem à sociedade civil, bem como os diversos
mecanismos organizacionais que a constituem, tem sido objeto de recentes
estudos em diversos países da América Latina e do Caribe (MAX-NEEF et
alii). Fazem parte da sociedade civil as diversas organizações e mecanismos
associativos que surgem no nível da comunidade, com o fim de assegurar
maior grau de participação societal e maior capacidade da comunidade para
enfrentar e solucionar seus próprios problemas (o que, em inglês, é conhecido
como grass-roots organizations). Neste contexto, os ONGDs estão desempe-
nhando atualmente um papel de crescente importância, como uma das expres-
sões organizacionais da sociedade civil (NOGUEIRA, 1989). Essa evolução
tem levado à necessidade de rever a complexa relação entre a sociedade civil
e o Estado. Dois temas que surgiram neste contexto com força particular são
os da descentralização do Estado e do fortalecimento do governo local, como
medidas para desenvolver uma interação mais dinâmica entre esses dois
atores sociais;

c) concomitantemente aos dois fatos anteriores, tem havido clara evolução nas
estratégias de desenvolvimento que predominam na região . Das estratégias
altamente protecionistas dos anos 60 e primeira metade dos anos 70, com
forte intervenção e regulamentação por parte do Estado, passou-se a estraté-
gias de desenvolvimento mais abertas em direção ao mercado internacional
e com menor grau de intervenção e regulamentação estatal. Temas como o
da " desregulam entação" e da " reestruturação industrial" estão sendo ativa-
mente discutidos em toda a região, com as devidas medidas de fomento e
apoio à produção nacional para permitir-lhe competir com êxito nesse novo
contexto.

O efeito acumulado desses três fatores define um contexto qualitativamente


diferente, dentro do qual se movimenta hoje a cooperação técnica internacional.
Essa nova situação deu origem a seus próprios problemas ou dilemas para os
organismos de cooperação. Estes últimos tendem a dividir-se em dois grupos,
dependendo da atitude que tomam perante o crescentemente complexo panorama
organizacional que surge desses fatos. De um lado, alguns organismos de coo-
peração técnica relacionam-se somente com o Estado, por meio de suas diversas
Formas de Inserção da Cooperação Técnica Internacional 333

organizações de desenvolvimento ou de fomento. A concepção implícita por trás


dessa posição é que o Estado é o único interlocutor válido, ou o único ator social
no processo de desenvolvimento. Essa concepção desconhece a nova realidade
social, criada pela recente evolução que acabamos de descrever.
De outro lado, outros organismos de cooperação técnica internacional (fundações
internacionais de diversa índole) têm tomado posição oposta: apóiam somente
organismos não-governamentais e outros agrupamentos da sociedade civil. Essa
posição desenvolve-se, às vezes, como conseqüência da "crescente frustração"
com a ineficiência e a pouca eficácia de certas organizações e de certos progra-
mas do Estado. Ao tomar essa posição, comete-se um erro não menos simplista
que o da atitude contrária anterior. Acredita-se que desde o setor não-governa-
mental e desde a sociedade civil, de forma unilateral, poder-se-ia solucionar
todos os problemas do desenvolvimento. Enquanto a primeira posição desconhe-
ce a sociedade civil e o papel que ela desempenha, a segunda desconhece o
Estado. Esta segunda posição leva à ilusão de que, independentemente do que o
Estado faça, o problema do desenvolvimento pode ser solucionado por " açõ es
punctuais" (em comunidades isoladas) sem levar em consideração o contexto
econômico e sociopolítico nacional em que esta ação se desenvolve (políticas do
governo, facilidades de crédito, serviços básicos que dependem em grande parte
da ação de agências do Estado, mecanismos que facilitem ou inibam a participa-
ção política ou outras formas de relação entre a sociedade civil e o Estado etc.).

São essas considerações que têm levado o CnD a enfatizar particularmente a


necessidade de integrar, nos projetos de pesquisa e desenvolvimento apoiados,
os três atores sociais mencionados anteriormente: a comunidade científica na-
cional ou regional, através dos pesquisadores encarregados dos projetos; o
Estado, através das respectivas organizações de fomento e desenvolvimento
relacionadas com o tema que esteja sendo abordado; e os usuários ou beneficiá-
rios dos conhecimentos ou tecnologias que sejam gerados através das ONGDs e
outras formas associativas da comunidade. Este último ator institucional é particu-
larmente importante para o CnD devido ao tipo de projetos apoiados prioritaria-
mente por esse Centro, que tem a ver com tecnologias para pequenos produtores
e com a melhoria das condições de vida de grupos de poucos recursos.

Em muitos dos programas do Centro procura-se fazer inclusive com que um dos
"pro dutos laterais" obtidos seja o fortalecimento dos vínculos entre esses três
atores sociais, em ações e programas concretos de desenvolvimento, já que os
vínculos entre eles nem sempre são tão sólidos e ágeis como seria desejável. Em
especial, procurou-se criar pontes entre as agências de desenvolvimento do
334 Fernando Chaparro

Estado e dos ONGDs, em virtude da firme convicção de que pode haver mútuo
benefício ao se conseguir maior convergência entre os esforços desenvolvidos
pelos dois. Isso implicou, em diversas ocasiões, pressão feita pela desconfiança
que freqüentemente surge entre esses dois atores sociais, às vezes devido ao
desconhecimento do que a outra entidade realmente faz. Deve-se reconhecer, no
entanto, que nos últimos anos essa relação fortaleceu-se substancialmente, com
variações importantes de um-país para outro. É evidente que o contexto socio-
político de cada país pode incidir favorável ou negativamente sobre a possibili-
dade de interação efetiva entre ONGDs e Estado (existência de regime democrático,
grau de permeabilidade das instituições envolvidas etc.) . Na terceira parte deste
artigo retomar-se-á esse ponto, ao analisar a experiência do CIID na formulação
de uma estratégia de ação para a América Latina e o Caribe.

4. Resultados Concretos a Curto Prazo versus Desenvolvimento de


Capacidade Local a Médio e Longo Prazos

Nos programas de desenvolvimento no campo da ciência e tecnologia, existem


sempre dois objetivos que, mesmo sendo complementares, às vezes podem
competir um com o outro. Por um lado, procura-se desenvolver a capacidade
local de pesquisa e de manejo e aplicação de tecnologias na solução de problemas
específicos. Este primeiro objetivo implica a ênfase em programas de formação
de recursos humanos e a criação e consolidação de grupos ou centros de pesquisa
em seus respectivos campos. Por outro lado, os programas de desenvolvimento .
científico e tecnológico devem mostrar resultados concretos em termos da con-
tribuição trazida por eles para a solução de problemas específicos ou para o
desenvolvimento de novos produtos ou processos produtivos que tenham utili-
dade socioeconâmica.
A tensão entre esses dois objetivos nasce do diferente horizonte temporal que
cada um deles têm. Enquanto o primeiro requer horizonte temporal mais amplo
para o desenvolvimento de uma adequada infra-estrutura institucional e de
recursos humanos, o segundo implica a necessidade de produzir resultados
concretos a curto prazo. No nível das políticas nacionais no campo da ciência e
da tecnologia, deve-se manter adequado equilíbrio entre esses dois aspectos.
Na evolução recente da cooperação técnica internacional em ciência e tecnolo-
gia, pode-se observar uma redução de fundos para o primeiro objetivo (fortale-
cimento da capacidade local) e uma crescente ênfase na pesquisa de curto prazo,
que produza resultados imediatos. Isto pode ser observado em aspectos como a
Formas de Inserção da Cooperação Técnica Internacional 335

decrescente disponibilidade de bolsas de estudo para formação no exterior e a


crescente dificuldade na obtenção de fundos para equipamentos e desenvolvi-
mento institucional. Um dos resultados implícitos dessa tendência é que a respon-
sabilidade de cobrir esses aspectos está se transferindo para fundos nacionais.
Devido ao mandato específico que tem, o CIID põe clara ênfase na investigação
aplicada, orientada para a solução de problemas concretos. No entanto, conscien-
te da importância do desenvolvimento da capacidade local de pesquisa e manejo
de tecnologia, ele procura sempre vincular aos projetos que financia o compo-
nente de aprendizagem e fortalecimento de grupos de pesquisa. Isto leva esse
Centro a requerer que os projetos que apóia estejam em mãos dos pesquisadores
locais, e não de pessoal externo ao país (experts internacionais). Da mesma
forma, dá-se especial importância à inclusão de um componente de capacitação
nos projetos de pesquisa apoiados, ou através de bolsas de estudo para tal fim,
ou de visitas e permanência em centros de pesquisa de ponta em suas respectivas
áreas. Além disso, um dos objetivos ao vincular projetos nacionais a redes
regionais sobre um tema particular é fortalecer a capacidade de cada grupo
regional através de intercâmbio de informação e de experiências com seus
homólogos de outros países.
Em termos de formação de recursos humanos, e mais especificamente de pesqui-
sadores, há dois fatores que devem ser levados em consideração no esboço de
programas orientados para esse objetivo. Como foi anteriormente indicado,
existe crescente dificuldade de enviar pessoas para pós-graduação fora da região,
devido aos custos elevados da formação de terceiro nível nos países desenvolvi-
dos e à decrescente disponibilidade de bolsas de estudo que facilitem esse
procedimento. Por outro lado, existem atualmente centros de excelência na
região em diversos campos científicos, com nível acadêmico e capacidades de
pesquisa significativos. Baseado nessas considerações, o CIID vêm apoiando
iniciativas recentes orientadas para facilitar a formação de pesquisadores nos
centros de excelência existentes na região". Complementando isso, o Centro vem
apoiando esforços em alguns países orientados para a formulação de políticas

2. Uma dessas iniciativas consiste na rede de pesquisadores que vêm analisando diferentes aspectos relacionados
com a formação de recursos humanos, com ênfase especial na de pesquisadores, procurando desenvolver novas
estratégias e mecanismos que respondam aos problemas e limitações que atualmente enfrentam nos países da
América Latina e do Caribe. Para uma descrição desse programa, ver Cfll): Red Latinoamericana de Estudio
sobre Recursos Humanos para la Investigación (RELERH), Ottawa, Cfll) , 1988. Além disso , vale a pena
mencionar as atividades desenvolvidas pela Rede Regional de Intercâmbio de Investigadores para o
Desenvolvimento da América Latina e do Caribe (RIDALC), cujo objetivo é facilitar a formação de
pesquisadores na região , aproveitando a capacidade existente nas universidades e nos centros de pesquisa
dos países da América Latina e do Caribe.
336 Fernando Chaparro

nacionais relaci onada s com a for mação em pós-graduação , dando especial at en-
ção ao ní vel de doutoramento (REST RE PO, 1990) .

5. E sp eci alizaçã o S et orial versus Enfoques Integ rados de Desenvolvimento

Uma das dificuldad es e nfre ntadas ao se passar de ati vidad es e conhecimentos


científico -t ecnológico s para a ap licação de tais conh ecim entos na soluç ão de
pr obl ema s es p ec íficos é que os pr imeiros estão orga n iza dos em termo s de área s
de c iê nc ias e di sciplina s científica s, enqua nto os pr oblem as de produção ou de
desen v ol vim ento qu e se en fre ntam na real ida de nã o es tão circunsc ritos a tai s
divi sõ es ou co mpa r time n tos . A realidade na q ua l se enfre n ta esse s probl em as é
compl exa e multifacetada .
Os pr oblemas de des en vo lvimento nu nca são m eram ente probl emas de produção.
Uma in ov aç ão tecn ológica pode aumen ta r a p rodutivid ad e, e portanto a produ-
ção , de um dad o pr oduto agríc ola em uma co m uni da de es pe cíf ica. No en tan to,
se não ex is te m facilid ad es de mercado adeq uadas e po lí tica de pr eço s prop íci a,
o a ume nto de pr odu ção ger ad o por essa inovação tecn ol ógic a não m elhorará as
rec eitas e as condiçõ es de v ida dessa com un idade . O êx ito tecnológico de um
pr ojeto nã o assegura que se alca nce as me tas de des en v ol vimento soc ioeconô-
mico (e m term os de bem -esta r s ocia l) que se pr ocura ating ir com tal inovação.
Essa inter-r ela ção complexa e ntre aspectos tec no lóg icos e pr oc es so s soc ioeco -
nômico s é qu e leva à necessidad e de abordar os prob le mas de des en vol vimento
de fo rma multi sset ori al e int erdi sciplinar.
O co nceito d e pesquis a int erdi sciplinar não é novo , m as não é de fá cil aplicação.
D e forma co nce p tua l, é relativamente fáci l id enti fic ar os difer entes asp ectos que
pod em incidir so bre um processo ou te ma qu e se es teja pesquisando. Porém a
form ação de ca da p essoa , ou a discip lina pr ed ominante em cada grupo de
pesquis a, tend e se mp re a limitar o enfoq ue da aná lise e a fazer com que es ta
" inte rdisci p lina rida de" se j a percebida pelo ponto de vis ta dess a di sciplin a em
parti cul ar.
O CIID tem tid o vá r ias experiências com proje tos teoricam ente " in terdis cipl in a-
res" ma s que acabam s endo dominados po r um a di sciplina esp ecífica. Como
exemp lo pod e- s e m en ci onar o projeto CIMDE R, n a Col ômbia, cujo obj etivo er a
m elh orar as co nd ições de v ida e saúde em comun ida des ru rai s . Como tal , o
pr oj et o em prin cípio contempl ou aspectos de saúde, educaçã o, produção de
alim ento s (téc n icas ag ríco las), mercadolog ia e ge ração de renda em tai s comu-
nidad es. Por ém , devid o ao fato de o projeto es ta r in st al ad o numa in stituição de
Formas de Inserção da Coopera çã o Técnica Internacional 337

pesquis a do seto r d e saú de , este último aspecto aca bo u p or domin ar to do o


projeto . Os ou tr o s as pectos tinh am si do identifi cad os con c eptualm ente, m a s nã o
foram realmente abordados. O pr oj eto foi um êx ito em te rm os de d es en vol vim en -
to tecnológico no c ampo d a ass is tê nc ia p rim á ria de s aúd e, m a s não alca nço u seus
objetivos de m elhorar o n ív el d e v ida das comunidades em qu e se d es en vol v eu .
Simil arm ente, no c ampo ag rícola , tem- s e apoiado um a sé r ie de pr oj et o s co m um a
" c on c ep ção integrada" d e desen vol v im en to rural m as qu e ac aba m se n do ba si c a-
mente projetos de desenvol vim ento de tecnol o g ias agrícol as. E ssa tend ência
r eflete o que pod eríam os chamar d e um a atitud e de " imper ia lis mo di sci pl in ar " ,
cujo efeito não é fácil ev itar.

A di ficuldade d e ev ita r os enfo ques limitad o s radica- s e no grau d e segme ntação


que tem o conh ecim ento ci entífi co. T al segmen tação não so me n te é co ncep tua l
ou teórica ma s tamb ém se refl et e na própria estrutura d a co m un ida de c ie n tífica.
A s organizaçõ e s da comunid ad e científic a g eralm ente se de fin em em term o s de
compartimentos di sciplin ares , co mo é o cas o de in stitutos d e p esqui s a ag ríco la ,
centros de pesqui sa em c iê nc ias soc iais , in s titut o s d e p esqui sa so b re sa ú de e
outro s simil ar es. No se u inter ior essa co m pa rtime n ta lização se multi pli c a ao
segm en tar -se em d ivi sõ es o u d ep artam entos d e produ ção a nima l, d e fito mel ho ria
ou de recurso s pesqu eiros . Os o rga n ism os d e coop er ação técni c a intern a ci on al
não fogem a e sse enfoqu e co m pa rti me ntado . Suas di vi sõ es, se us pr o gr am as e
orçamen tos são geralm ente orga niza do s em termos dess es seg me n tos d e co n h e-
cimento.

Isto nos leva a con sid er ar um dil em a que faz pa rte d a nossa tr adi çã o c ultura l.
Para conhecer ou entender a realid ad e, tem os que di vidi -Ia em as pe c tos com-
preensívei s que no s p ermitam ex p licá -Ia. P ara p od er atu ar so bre ela , temo s q ue
recompô -Ia ou integrá -I a n a sua real compl exid ad e. Est a é a c láss ica te nsão
dialética entre o conhecim ento e a ação , entre a teori a e a pr át ic a ( HA BE RMAS ,
19 74 , pp. 7 6-8 1). A formaçã o uni v er sitári a e pro fiss io nal nos pr epar a ad equ ad a-
mente para o primeiro it em . D e safortun ad am ente, essa m esm a fo rmação nos dá
poucos in strumento s p ar a o segun do. O m ai s es casso no mund o atual sã o os
integradores de conhecimento, que sejam capaz es não so me nte d e int er- rel aci o-
nar o conhecimento produ zido p or di v er s as á rea s da ci ên ci a m as tam bém de
traduzir esses conhecimento s em aç ões pr á ti c as, em term o s dos o bje tivos de
desenvolvimento ou d e pr odu ção qu e se bu sca m.

As maiores realizaçõe s n ess a dir eçã o fo ra m alca nçad as em algum as das experiên-
cias regionais no campo da comerciali zação de tecn ologia indu stri al (WAISSBLUTH
& SO L L E I RO , 1988). Ne ste ca so p arti cul ar , o problema é mai s fác il d e sol uc io -
338 Fernando Chaparro

nar por ser mais concreto e pelas características do produtor ou beneficiário a


quem se dirige a tecnologia (tamanho, capacidade de crédito, capacidade orga-
nizativa ou empresarial etc.) No campo da tecnologia industrial, o principal
problema é identificar tecnologias com capacidade de êxitos produtivo e comer-
cial e facilitar sua utilização no setor produtivo através de crédito, assistência
técnica, facilidades de mercado e outras medidas de fomento.
O problema é muito mais complexo quando se trabalha na área de necessidades
básicas e de desenvolvimento socioeconâmico de comunidades rurais ou urbanas
de baixa renda. Nesses casos as características do produtor (ou beneficiário) e
do mercado consumidor tornam o processo de manejo mais difícil. Mesmo assim,
a integração de conhecimento tecnológico com conhecimento sócio-econômico
e organizacional é da maior importância nesses casos, devido ao fato de que os
maiores obstáculos enfrentados são, freqüentemente, de natureza social e insti-
tucional, e não meramente tecnológica (capacidade de organização da comuni-
dade, capacidade empresarial, formas associativas de produção e de vendas,
desenvolvimento de certas atitudes e valores básicos, desenvolvimento de tec-
nologias adequadas para as escalas de produção, acesso a crédito etc.). Por esta
razão o problema da interdisciplinaridade é de maior importância nesse contexto
do que no campo de desenvolvimento de tecnologias para a média e a grande
industria. Daí a importância de encontrar formas de sobrepor-se à compartimen-
tação do conhecimento e da comunidade científica, com a finalidade de poder
abordar de forma integrada programas de pesquisa e desenvolvimento tecnoló-
gico. Na terceira parte deste artigo analisaremos a experiência do CnD no
desenvolvimento de enfoques integrados, encaminhados no sentido de se buscar
uma solução para esse dilema.

111. As ESTRATÉGIAS REGIONAIS DO CIID: UM ESFORÇO


PARA RESPONDER A ESSES DILEMAS

1. Componentes da Estratégia Regional


Os cinco aspectos analisados no tópico anterior definem o contexto no qual se
formulam as estratégias regionais do CnD. Essas estratégias regionais podem
definir-se como um marco de referência para orientar a ação do Centro em cada
região geográfica onde atua e cujo principal objetivo é adequar os programas
setoriais do Centro às necessidades de desenvolvimento socioeconâmico de cada
região.
Formas de Inserção da Cooperação Técnica Internacional 339

Seguindo a tendência descrita no item 5 da parte 11, o CIID está organizado em


divisões e programas setoriais, refletindo a segmentação disciplinar do conheci-
mento científico contemporâneo, bem como a organização da comunidade cien-
tífica em geral. Essas divisões são as seguintes:
divisão de Ciências da Agricultura e da Nutrição;
divisão de Ciências Sociais;
divisão de Ciências da Saúde;
divisão de Ciências da Informação ; e
divisão de Geociências e Ciências da Engenharia.
Por sua vez, cada uma dessas divisões subdivide-se em programas especializa-
dos . Por exemplo, a primeira delas (de agricultura) subdivide-se em programas
de cultivos, produção animal, recursos florestais (bosques), recursos pesqueiros
pós-produção e economia agrícola. O mesmo sucede com as outras divisões .
Essa estrutura orgânica revelou-se a mais adequada para o relacionamento com
a comunidade científica mundial e regional (já que esta se encontra estruturada
sobre bases similares), para manejar o conhecimento científico e técnico moder-
no que está organizado em termos dessas disciplinas e para assegurar a qualidade
científica e técnica dos projetos apoiados. No entanto, a estrutura mostrou suas
limitações em termos de sua capacidade para abordar e solucionar problemas de
desenvolvimento em forma integrada, exatamente pelos fatores que são analisa-
dos no item 5 da parte 11, já mencionado. Dessas considerações surgiu a neces-
sidade de buscar novos elementos e enfoques de programação que, sem perder
as vantagens da especialização setorial, facilitem a análise integrada de proble-
mas de desenvolvimento e ponham maior ênfase na utilização dos resultados da
pesquisa para a solução de tais problemas. É interessante constatar que vários
dos institutos de pesquisa agrícola da região estão atualmente enfrentando pro-
blemas similares e vêm desenvolvendo esforços parecidos nessa direção. Poste-
riormente voltaremos a esse ponto.
Com a finalidade de responder a essas inquietudes, o Escritório Regional do CIID
para a América Latina e o Caribe (LARO) iniciou há dois anos a elaboração de
uma Estratégia Regional orientada para os objetivos mencionados no parágrafo
anterior. Essa Estratégia tem quatro componentes básicos, que constituem os
principais eixos ou direções ao redor dos quais ela se articula:
a) análise das principais tendências e dos problemas de desenvolvimento da
região, da qual se procura derivar prioridades regionais de desenvolvimento
socioeconâmico . Esse primeiro componente fornece a moldura para os outros
340 Fernando Chaparro

co mpo ne ntes da es tra tég ia. D ev e-se ressaltar que, devido ao caráter dinâmico
dos pr obl emas de desenvolvimento da região, esta é uma função permanente
e co n tí nua , orie nta da para a a de quação dos problemas do CnD aos requeri-
mentos mai s impe riosos da região ;
b) aná lise das ca rac te rísticas e dos principais problemas da comunidade cientí-
fica regi on al , co m a fin alidade de elabor ar uma série de pautas e ações
orie nta das no se n tido de des envolver e fortalecer a capacidade de pesquisa e
de des env ol vim ento tecnológico da região. Nesse componente da estratégia,
a ênfase é co lo ca da na id entificação e na proposição de políticas e medidas
o rienta das par a for ta le ce r a cap acidade da comunidade científica regional
na util ização da c iê nc ia e da tecnologia para a solução de problemas de
des en vol vim ento (c ap ac ity -b uild ing);
c) o terceiro co mp one nte da Estratégia Regional é o principal deles. Trata-se da
id enti fica ção de área s de concentração temática de importância para a região
(regio na l development thrusts) ao redor das quais se procura desenvolver um
enfo que integr ad o (mult isseto rial) para analisar e alcançar a solução de
pr obl em as de desen vol vim ento so c ioeco nâ m ico . Por intermédio desse com-
pon ente da es tra té g ia pr ocura- se, em primeiro lugar, concentrar recursos em
gra ndes tem as de int eresse para a região e, em segundo, desenvolver um
en fo que interdisciplinar que permita abordar problemas complexos de desen-
vo lvi mento;
d) o qua r to co mpo ne nte es tá orie ntado para promover maior grau de utilização
dos resultad os das p esquisa s qu e são financiadas. Isto é, busca fortalecer os
v ínc ulos entre pesquisa e desenvolvimento de tecnologias, por um lado, e a
s ua utili za çã o efe tiv a no siste ma de produção ou na solução de problemas de
desenvolvim ento soc io econâ m ico, por outro. Os programas de desenvolvi-
m ento ci entífico ou tecnológico não podem parar com a geração de conheci-
m ento e co m o des en volvimento de tecnologias mais adequadas. Se tais
co nhe c ime ntos ou tecnologia s não são efetivamente utilizados, ou não con-
seg ue m os objetivos de des en volvim ento socioeconâmico pretendidos, sua
utilid ad e se ve r ia se riame nte limitada. Este quarto componente da Estratégia
Region al co ns is te numa série de políticas, estudos e ações de fomento orien-
tados par a facilitar a util ização de tais resultados .
Nes ta seção fa re mos um a br ev e descrição do primeiro, segundo e quarto compo-
nentes dess a Estrat égia Regional. Na seguinte efetuaremos uma análise mais
det alh ad a do ter ceiro co mponente, já que corresponde à parte mais operativa de
tal es tra té g ia : o das "á reas de concen tração temá tica".
Formas de Inserção da Cooperação Técnica Internacional 341

1.1. Identificação de Prioridades e Formulação de Programas: Atores que


Intervêm e Metodologias Participativas

Como foi indicado acima, o primeiro componente da estratégia consiste numa


análise contínua dos problemas e das tendências de desenvolvimento da região.
Ao fazer esta análise, o CIID leva em consideração as seguintes fontes de
informação: (a) as políticas e os planos de desenvolvimento dos governos da
região; (b) relatórios de agências regionais de desenvolvimento (como é o caso
da CEPAL, do BID etc.); e (c) as necessidades enfrentadas pelos principais
setores da população nos quais o CIID está interessado. Enquanto as duas
primeiras fontes de informação são facilmente acessíveis e amplamente conhe-
cidas, a terceira não é tão permeável nem fácil de identificar. Daí a importância
atribuída aos dois "articuladores" das necessidades e intereses destes setores da
população: os Organismos Não-Governamentais de Desenvolvimento (ONGDs)
e a própria comunidade científica através dos estudos por ela realizados sobre
diversos aspectos da sociedade e de sua situação sócio-econômica (ANHELO,
1989).
Diversamente das experiências de formulação de prioridades em nível intergo-
vernamental descritas no item 2 da parte 11, o CIID procurou vincular a esse
processo três atores principais: (a) agências do governo encarregadas de formu-
lar e aplicar as políticas e os programas de desenvolvimento relacionados com o
tema que esteja sendo analisado; (b) redes de pesquisadores que estejam traba-
lhando no mesmo tema em diferentes países da região; e (c) ONGDs, intimamen-
te vinculadas aos usuários (população-alvo) que se tenham em mente. Estas
últimas são, em certos casos, parte das organizações de base da própria comuni-
dade.
Apesar desse procedimento parecer lógico e simples, um dos maiores obstáculos
encontrados é o das poucas relações que freqüentemente existem entre esses três
atores sociais. Assim ocorre na pesquisa orientada para o desenvolvimento de
tecnologias para comunidades camponesas (pequenos produtores), na qual se
observa dupla ruptura em muitos países. De um lado , a relação entre os institutos
nacionais (governamentais) de pesquisa agrícola e as ONGDs que trabalham em
comunidades camponesas é, na maior parte dos casos, extremamente fraca ,
apesar de tais ONGDs desempenharem freqüentemente importante papel no
desenvolvimento de tecnologias para comunidades camponesas e de seu estabe-
lecimento na comunidade transformá-las em mecanismos potencialmente impor-
tantes para a transferência e disseminação de inovações tecnológicas. Poderiam,
portanto, ter papel importante nos programas de extensão rural. Observa-se
342 Fernando Chaparro

fr eqüentemente uma seg unda rup tur a ent re es ses dois atores sociais, tanto nos
in stitutos de pe squisa co mo nas ONGD s, e as agências governamentais de
fomento agríc ol a e de senvolvi me nto rura1. O CIID está firmemente convicto de
que, s e não for estabelecida só li da rel ação entre esses três atores institucionais
desde o m om ento da ide nt if icação de prioridades e da formulação de programas,
através de m etod ol ogi as p articip ati v as no esboço de programas e projetos con-
juntos , dific ilm ent e se alcançará a de quada interação entre os três atores na
im pl em entação dos mesm os. D ev e- se indicar, no entanto, que nos últimos anos
hou v e ex periê ncias interessa ntes na regi ão , onde se deu claramente ativa cola-
boração entre esses três ato res instituci onais. Dessas experiências começa a
surgi r nov o co rpo de co nhec imentos qu e fa lt a sistem atizar e inclusive validar,
mas que pod e co ntrib u ir par a so luc iona r os afunilam entos indicados, tornando
mais eficazes os prog ra mas de desen vol vim ento rural integrado (FAJARDO,
1989).

1.2. Fortalecimento da Capac ida de de Pe squisa da Comunidade Científica


R eg ion al

O segun do co mpo nente da Estrat égi a Regional está orientado para o fortaleci-
mento da ca pacida de de pesquisa da co munidade científica regional. O objetivo
deste artigo nã o é ana lisa r os div erso s asp ectos relacionados com o desenvolvi-
me nto de ca paci da de de pesquisa e de man ejo da tecnologia nos países da região,
apesar de es te se r um tem a imp ortant e. A análise desse processo estaria além do
alca nce des te trabalho , e por isso nos limitaremos a mencionar algumas das
atividades que o CII D es tá desen vol v endo , como parte desse componente da
Estrategia Regiona1. Essas ativ ida des são as seg uintes:
a) em primeiro lugar, o CIID vem apo iando um a sé rie de estudos na América Latina
e no Caribe orientados para caracteriza r a comunidade científica regional em
termos dos recursos de qu e disp õe, das atividades que realiza (áreas de concen-
tração) e do grau de in stitu ci on aliz a ção e consolidação que alcançaram os
ce ntros ou gr upos de pesquisa nas áreas prioritárias de cada país (ARGENTI et
alii, 1989; SAGAS TI et alii, 198 3; SAGASTI & COOK, 1985).
Mesmo assi m ele tem apo ia do uma sé rie de pesquisas de natureza mais
qua li ta tiva so bre o pr ocesso de formaçã o da comunidade científica em diver-
sos países da região , co m a fin alid ad e de v er quais fatores incidiram sobre o
seu desenvolvime nto . Nesses es tudos perceb e- se claramente como são débeis
os ví ncu los entre os g rupos de p esquisa que es tã o trabalhando num mesmo
campo , bem como as difi culdad es enc ontradas para consolidar grupos de
Formas de Inserção da Cooperação Técnica Internacional 343

pesquisa que tenham massa crític a e din âmic a de pesquisa em suas resp ecti-
vas áreas;
b) um dos problemas encontrados ness es estudo s é a difi culdad e de conta r co m
indicadores de desenvolvimento cientifico e tecnológ ico qu e possam se r
utilizados para analisar o grau de de sen volvimento alcançado num se tor
específico ou para avaliar a eficácia das políticas e program as de fome nto
que estão surgindo num país . Devido à limitada disponibilidad e de in form a-
ção , os indicadores que atualmente estão sendo utilizado s na r eg ião refer em-
se basicamente aos recursos que são dedi cado s a ativ ida des de p esquisa e de
desenvolvimento tecnológico (informação sobre insumos), se m abo rda r a
análise da qualidade e da produtividade do tr ab alho de p esquisa qu e es tá
sendo realizado ou do impacto real de tal esforço em termo s de inov ação ou
mudanças tecnológicas, seja no setor produti vo , seja na so lução de pr obl em as
sociais . Devido ao interesse despertado por es te tem a, em colaboraçã o co m
a UNES CO e a OEA , o CIID está apoiando um a sé rie de tr ab alh os or ientad os
para identificar possíveis novo s indicadores, es tuda ndo os as pec tos qu e não
receberam maior atenção até agora . Ess es tr ab alho s se rão apresenta dos num a
próxima reunião que o GRADE está organizando em Lima so bre o tem a;
c) do lado operacional , o principal esforço do CIID foi ori entado par a fo rtalecer
a capacidade de formação de pesquisadores na Am érica Latin a e no Carib e.
A principal atividade aqui é de apoio à Red e Latino-am eri can a de Estudo s
sobre Recursos Humanos para a In vestigação (RELERH, 198 8) . Atr avés
desssa Rede, apoiou-se uma série de estudo s sobre a situaçã o atual da forma ção
de pesquisadores na região , sobre as div ersas políticas nacionais no desenvol-
vimento de programas de pós-graduação , sobre o modo de abordar o fina nc ia-
mento de tais programas e sobre diversas estratégias e mec ani sm os que pod em
ser utilizados na formação desses pesquisadores (BRUNNER, 1987; SUNKEL
& LAVAD OS, 1988: FILGUEIRA, 1988: VIVAS & ROlAS , 1988) . Al ém
desses estudos, procurou-se apoiar inici ativ as concret as qu e es teja m surg in-
do na região, orientadas para fortalec er a forma çã o de pesqui sad or es nas
universidades e centros de pesqui sa dos paí ses da Am érica Latin a e do
Caribe. Exemplo disso é a Rede Region al de Intercâmbio de In vestigad or es
para o Desenvolvimento da Am érica Latin a e do Carib e (RIDA L C) , qu e
surgiu como esforço combinado entre sei s países latino- am eri can os orienta-
dos para compartilhar programas e facilidades de form aç ão de p esqu is ad or es
entre si . Um dos maiores obstáculos encontrado s par a fome nta r m ai or ca pa -
citação de pesquisadores em universidades e centro s de pesqui sa da regi ão é
344 Fernando Chaparro

a falta de bolsas de estudo que facilitem essa formação intra-regional. Num


determinado momento, os Programas Regionais de Desenvolvimento CientÍ-
fico- Tecnológico da OEA tiveram papel muito importante na formação de
pesquisadores na região (no campo metalúrgico, em ciências marinhas etc.).
Porém, com o enfraquecimento e/ou desaparecimento de tais programas, não
há novas opções para substituí-los. Espera-se que com a crescente consciên-
cia da necessidade de fortalecer os programas de formação de pesquisadores
nos centros de excelência da região possam ser mobilizados maiores recursos
financeiros de cooperação técnica internacional nessa direção;
d) procura-se também o fortalecimento da comunidade científica regional por
meio do apoio a " redes de pesquisadores" que estejam trabalhando no mesmo
campo. Uma nova política que está sendo seguida para apoio a essas redes é
a de " apoiá-las sem absorvê-las". Um dos erros que se cometem freqüente-
mente no campo da cooperação técnica internacional é o de identificar uma
rede com a agência financiadora que está atrás dela. Dessa forma acaba-se
falando de uma rede da OEA, da FAO, da JUNAC ou do CIID. Esta é uma
visão distorcida, já que a rede é o conjunto de instituições que a constituem.
Uma rede é expressão organizacional do que Derek De Solla Price chamava
" colégios invisíveis" (PRICE, 1973, pp. 107-144)). Como tal, é parte inte-
grante da comunidade científica regional. Coerente com essa concepção, o
CnD segue os alinhamentos básicos no apoio às redes. Em primeiro lugar,
deixa-se que uma rede " surj a" da interação direta entre grupos de pesquisa
com interesses e objetivos comuns. Nunca se cria "de cima", como parte de
uma decisão organizacional. Não se cria também no início de uma atividade
regional na qual os grupos ou pesquisadores estão começando a se conhecer
e a trabalhar juntos. Uma rede é o produto , e não o início de vários anos de
trabalho conjunto. Em segundo lugar, sempre se procura fazer com que a rede
apoiada tenha autonomia em relação ao CIID. Portanto, procura-se fazer com
que ela desenvolva sua própria identidade organizacional, tome sua própria
dinâmica e busque financiar suas atividades através de várias fontes de
financiamento (sem depender exclusivamente do CIID). Este enfoque é um
pouco diferente daquele que tende a predominar em algumas das experiências
regionais. Para que esse tipo de rede surja, são necessárias duas condições
básicas. De um lado, que os centros de pesquisa achem útil essa interação e
que, portanto, ela responda aos seus intereses e necessidades. De outro, que
dos integrantes da rede surjam líderes naturais que sirvam como "comunica-
dores internos" e mantenham a rede ativa. Essas condições nem sempre
acontecem, e, portanto, nem sempre os conjuntos de grupos potenciais se
Formas de Inserção da Cooperação Técnica Internacional 345

catalizam em redes de pesquisadores. Porém qu and o ist o ac ontece faz- se um a


contribuição importante para o fortal ecim ento da comunida de cie ntíf ica re-
gional.

1.3. Fomentar a Utilização do s Re sultados da Pe squisa e das Tecn ol og ias


Desenvolvidas

o terceiro componente da Estratégia Regional (conce ntra ção em áreas tem átic as)
será analisado na próxima secção . Agora no s det er emo s br ev em ente no qu arto
componente da estratégia. Se não se conseguir qu e os resultado s da s p esqui sas
realizadas, ou as tecnologias des en volvidas , sej am utilizad as para os fins pr áti-
cos que se procuram, a contribuição real qu e a ciê nc ia e a tecnologi a pod em da r
para o desenvolvimento socioeconâmico de no sso s p aíses se perd er á. Essa
necessidade de amarrar a pesquisa tecnológica à sua subseqüe nte utili zaç ão no s
leva a considerar o tema da inovação e do câmbio técnico.
É sabido que o processo de ino vação tecnológica não dep end e some nte da oferta
ou disponibilidade de tecnologias adequadas. Di ver so s fa tores, r el aci on ad os com
a situação do mercado para o qual se produ z (de ma nda efe tiva em mer cad os
acessíveis) , bem como com o contexto socioe conâ mico no qu al se atua (po lítica
de preços, facilidades de mercado , incentivo à produ ção etc.), exe rce m p ap el
preponderante na decisão, tomada p elo produtor, de introdu zir um a in ova çã o.
Fatores similares incidem sobre a utilização de inform açã o g er ad a p el a p esqui sa
sobre aspectos socioeconâmicos no processo de tom ad a de deci sões, tanto no
setor público como no setor privado. Portanto , a utili zação de tecnologi as ou a
aplicação de resultados de pesquisas não dependem somente da açã o dir et a dos
pesquisadores ou da comunidade científica. Outro s fatores e outro s age ntes
intervêm no processo de inovação e câmbio técni co.
No entanto, existem dois aspecto s de grande importância qu e pod em facilitar ou
inibir a utilização efetiva de tecnologia ou a aplic aç ão de resultado s de p esqui sas,
nos quais a comunidade científica tem p ap el importante a cumprir. Em prim eiro
lugar, o enfoque e o esboço dos programas e proj eto s de p esqui s a reali zad os
podem favorecer ou obstar o processo de adoção de inovação tecn ológi c a. Ist o
é, o próprio esboço da pesquisa pode incidir positiv a ou neg ati v am ente em
termos de sua possibilidade de êxito, do ponto de vista da inov aç ão tecnol ógica.
Em segundo lugar, existe uma série de tarefas r elacion ad as com fun çõ es de
extensão e de comercialização de tecnologia (marketin g) qu e ce rtamente pod em
contribuir para maior interação entre a pesquisa qu e se realiza num seto r p arti-
cular e a dinâmica do câmbio técnico observado em tal se tor. D evido à imp or-
346 Fernando Chaparro

tância desse tema, este processo será analisado em maiores detalhes num artigo
separado (CHAPARRO, 1988). No artigo mencionado, é feita a análise dos
principais atores que favorecem ou inibem a utilização de resultados de pesqui-
sas e apresentado o relato da forma como o CIID aborda o problema e das
atividades que desenvolve para promover maior grau de utilização dos resultados
das pesquisas que financia. A análise desse tema nos leva a considerar a interface
que existe, ou deve existir, entre pesquisa e desenvolvimento tecnológico, de um
lado, e sua efetiva contribuição para o desenvolvimento socioeconâmico, de
outro. Sem a segunda parte, os esforços que se fizerem no campo da ciência e da
tecnologia não serão relevantes .

2. As Unidades Operativas da Estratégia Regional: As Áreas de


Concentração Temática (Regional Development Thrusts)

o componente principal da Estratégia Reginal do CIID é constituído pelas Áreas


de Concentração Temática (Regional Development Thrusts), que se formulam
ao redor de importantes problemas de desenvolvimento da região. Por intermédio
dessas Áreas de Concentração Temática perseguem-se três objetivos principais.
Em primeiro lugar, busca-se maior concentração de recursos do centro em torno
de grandes problemas ou desafios que a região enfrenta. Isto diminui a dispersão
de recursos e aumenta a possibilidade de impacto real, em termos da contribuição
que o CIID possa dar para o desenvolvimento socio econômico da região.
Em segundo lugar, procura-se desenvolver um enfoque integrado (multissetorial
e, portanto, interdisciplinar) de problemas de desenvolvimento que devam ser
abordados em sua complexidade real, condição necessária para que a pesquisa
científica e tecnológica possa realmente dar uma contribuição efetiva para a
solução dos problemas de desenvolvimento . Para conseguir esse objetivo, os
projetos de pesquisa e desenvolvimento tecnológico apoiados como parte dessas
Áreas de Concentração Temática atravessam cinco divisões ou programas do
CIID, mencionados no item 1 (agricultura e nutrição, ciências sociais, saúde,
informação e geociências e engenharia). É dessa forma que um dos resultados
que se espera obter deste esforço é o de promover maior colaboração interdivi-
sional no interior do CIID .
Em terceiro lugar, por intermédio das Áreas de Concentração Temática procura-
se aproximar mais os projetos de pesquisa financiados dos problemas reais de
desenvolvimento e, portanto, promover maior grau de utilização dos seus resul-
tados. Para alcançar esse objetivo, as Áreas de Concentração Temática nas quais
Formas de Inserção da Cooperação Técnica Internacional 347

se vem trabalhando estão relacionadas com populações-alvo (target populations)


específicas. Ao definir claramente a quem se procura beneficiar (beneficiários)
com os resultados e as tecnologias produzidos pelas pesquisas, pode-se identifi-
car mais facilmente os meios pelos quais esses objetivos podem ser alcançados.
Além do mais, isso também fornece critérios mais claros para avaliar o grau em
que as pesquisas realizadas estão alcançando os objetivos propostos.
Tendo em mente esses três objetivos, procurou-se identificar e definir as Áreas
de Concentração Temática em termos de duas dimensões principais. De um lado,
considerou-se importante definir essas áreas de concentração em termos de um
problema ou desafio de desenvolvimento relevante que a região atualmente
enfrenta'.
Por outro lado, refletindo o terceiro objetivo mencionado, procurou-se definir os
problemas que pudessem relacionar-se diretamente com uma população-alvo. É
importante esclarecer que as Áreas Temáticas de Concentração também podem
ser simplesmente definidas em termos da primeira dimensão (um problema de
desenvolvimento). No enfoque adotado pelo CIID, deu-se prioridade à identifi-
cação dos problemas regionais de desenvolvimento que tivessem clara relação
com as necessidades de uma população-alvo específica. Portanto, deu-se priori-
dade às Áreas de Concentração Temática que pudessem satisfazer a ambas as
dimensões. Numa segunda fase desse esforço, pretende-se abordar Áreas Temá-
ticas de Concentração que não tenham necessariamente uma determinada popu-
lação-alvo (sobre esse tema, ver o item 2.4.).
Baseado nos três objetivos e nos dois critérios mencionados em parágrafos
anteriores, identificaram-se quatro Áreas de Concentração Temática que vinham
sendo elaboradas e formuladas no último ano:
a. desenvolvimento de comunidades rurais: o objetivo geral dessa Área Temá-
tica é melhorar a situação socioeconâmica e as condições de vida das comu-
nidades rurais, com ênfase especial nos países da área andina;
b. desenvolvimento integrado das zonas costeiras: o objetivo geral dessa Área
Temática é melhorar as condições de vida das comunidades de pescadores
artesanais, seguindo um enfoque integrado de desenvolvimento de zonas
costeiras;

3. Na identificação desses problemas regionais prioritários, levaram-se em consideração principalmente três


fatores: (a) as políticas e planos de desenvolvimento dos países da América Latina e do Caribe; (b) estudos
e relatórios recentes sobre aspectos relacionados com o desenvolvimento socioeconômico da região ; e (c)
a própria atividade de pesquisa da comunidade científica regional, em termos dos temas que expõe como
prioritários para a região .
34 8 Fe r na n do Chapa rro

c . ex pa nsão da fronteir a agrí cola e utilização do Trópico Úmido: o objetivo


ge ra l dess a Á rea T emá tica é co ntribuir para o desenvolvimento de políticas
a de qua das, b em co mo co m tecn ol ogi as agrícolas e padrões de assentamento
hum an o ap ro p ria dos, que facili tem o uso racional do Trópico Úmido, com
co ns iderações de m an ej o do m ei o am biente b as eadas no conceito de um
des en v ol vim ento m antid o a m édio e lo ngo pr az o ;

d. se to r in fo rm al e pob re za urb an a : o objetiv o geral dessa Área Temática é


co n trib uir para m elh or ar as co ndiç ões de v ida do s grupos de baixa renda no
se to r ur bano, através da g eração de emp re gos e rec eitas e do desenvolvimento
de m aior ca pac ida de da co mun ida de p ar a responder a suas necessidades
básicas (s a úd e, mor adi a, ali me ntação e educação) .

É ev ide nte qu e o objetivo g eral que apa rece em ca da uma d essas áreas deve ser
sub d iv id ido em ter mos de obj etiv os mai s es pe cí ficos . Como foi indicado anterior-
ment e, ca da um a dessas Á reas de Con centração Temática foi .lefinida operacional-
mente em termos de suas duas dim en sões: (a) o pr oblema do desenvolvimento
soc ioeco nâ m ico da reg ião que cada um a delas aborda e (b) a população -alvo qu e se
es pe ra be ne fic ia r com os result ados e as tecn ol ogi as pr oduzidas pelas investigações
real izad as. Por limitações de espaç o, n est e artigo só descreveremos dua s delas
(des envo lv ime nto de co m un ida des ru rai s e Trópico Úmido) . Nos outros casos o
lei tor deverá reportar- s e a difer entes artigos . Deve-se indicar que o o bj etivo
dest e trab alh o não é descreve r det alh adam ente o con te údo de cada uma dessa s
Á reas Temá ticas, e si m o en fo que qu e es tá se ndo utili zado no s eu desenvolvi-
m ento.

QUADRO 1
MA T RIZ DE PR OGRAMAÇÃ O RELACI ONAND O ÁREAS DE
CONCE NT RA ÇÃ O TE MÁTICA E PR OGRAMAS D IV ISIO NA IS

ÁREAS DE C O NC E NT RAÇÃ O TE MÁT ICA


1. Des envolvim ent o d e Co m u n ida de s Rur a is
2. D es envolvim ent o In teg rad o d e Zon as Coste iras
3. Ex pa nsão d a Front ei ra Ag rí cola e U tiliza ção do T róp ico Ú m id o
4. Se to r In for m al e P o brez a U rba na
5. T em as Pr ior itá r ios de Ca da P rogr am a
D IV ISÕES
Divis ã o de Ag ricult ur a e N ut ri çã o
Divis ã o de C iê nc ias S o ci ais
Divis ã o de S aúd e
Divis ã o de In fo r m aç ã o
Divis ã o de G eo ci ên ci as e E n ge n h ar ia
Formas de Inserção da Cooperação Técn ica Internaciona l 349

Por sua própria natureza, as Áreas de Con centração T em áti ca ava nçam at ravés
das cinco Divisões do CIID. Ao rel acionar as Ár eas T em átic as co m as Di vi sões
Setoriais, desenvolveu- se uma Matriz de Pr ogr am ação que permite vis ua liza r a
relação entre essas duas dim en sõ es da ativ ida de do Cen tr o na Am ér ica Latin a e
do Caribe. Essa matriz é apr esentad a no Qu adro 1. D ev e- se indica r que as
atividades de apoio à inv estigação de sen volvid as p el as di ver sas divisões não se
limitam a essas quatro Áreas de Concentr ação T em áti ca. No n ív el de ca da
programa, nas diversas divisões , continuar ão sendo apo ia dos os tema s qu e
tenham sido identificados como prioritári os (priorida des por pr ogr am a). Por es ta
razão , na segunda parte da matriz do Qu adro 1 apa rece um a seção den omin ad a
" T em as Prioritário s de Cad a Progr am a". O qu e as Ár eas T em á ti cas mos tram é a
identificação de problem as prioritári os p ar a a r eg ião ao red or dos qua is se
procura fomentar maior colaboração in terdiscipl in ar (interd ivi si on al ) no desen-
volvimento de enfoques integrado s para abo r da r pr obl em as de desen vol vim en to.

2.] . Desenvolvimento de Comunidades Camp on esas

A análise do pap el e das ca rac te rís ticas do ca mpo nês nas socie dades m odern as
é um dos temas que geraram mai or int er esse na co m uni da de c ie ntíf ica r egi on al.
O tema não é novo: já no fim do século p assad o essa mesm a p ergunt a havi a dad o
lugar a intensa polêmica , ao se an ali sar esse pr ocesso no co ntex to do apa rec i-
mento e desenvolvim ento do sis te ma ca p ita lista na Europ a (KAUTS KY , 1983) .
Apesar da longa trajetóri a do tem a, o pr obl em a a inda co nt inua vige nte e agu do
nos países atualm ente em desen vol vim ent o .
Em termos práticos, o probl ema en fre nta do nessa Área T em áti c a po de se r
resumido nos seguintes ponto s:
a. o camponês representa uma parte muito imp ortante da popul ação rur al de
baixa renda ;
b. o setor campon ês produ z uma prop or ção co ns ide rável dos alime ntos básicos
em muitos do s países da regi ão. Em ce rtas cult uras bá si cas a produ ção do
camponês pode repres entar entr e 40 % e 80 % da pr odu ção tot al do país
(MACHAD O, 1987; J ORDAN , 19 89 ; ROLDÁN , 1987 ). Est a não p od e se r
substituída pela agricultura comercial ;
c. o setor campon ês enfrenta atualme nte pr essõ es qu e pod eri am levá-l o a um
processo de dissolução e p aup erizaçã o pr ogressi vo . Essas pressões vê m de
diversos lado s: políticas macr oec on ômi cas e de o utra índo le que incida m
negativamente sobre esse setor (po líticas de preços e m an ejo de cré dito);
350 Fernando Chaparro

problemas institucionais relacionados com aspectos como a posse da terra e


a centalização estatal; a evolução do desenvolvimento tecnológico agrícola,
que freqüentemente não tem levado em consideração as necessidades e as
características desse setor (GRIFFIN, 1982);
d. a dissolução e a pauperização do camponês trazem consigo uma série de
conseqüências importantes para os países da região. Tal processo, à medida
que se acentua, contribui para agravar o problema da "pobreza absoluta" no
setor rural, libera uma população desempregada que flui para as cidades,
agravando o problema urbano, e incide negativamente sobre a produção de
alimentos básicos em cada país.
Esses quatro pontos podem ser resumidos num único problema central, tomado
como ponto de partida para a Área de Concentração Temática que nos ocupa:
como a pesquisa científica e tecnológica pode contribuir para melhorar as
condições de vida das comunidades rurais, detendo seu processo de dissolução
e pauperização e permitindo-lhes desempenhar o papel que lhes corresponde na
sociedade e na economia nacional. Colocado nestes termos, o problema não é
somente de tecnologias de produção agrícola (mesmo que este seja um dos
componentes do problema). Os quatro pontos acima mencionados mostram
claramente a multiplicidade de aspectos que incidem sobre o tema analisado e a
necessidade de enfoque multissetorial e interdisciplinar para que se possa abor-
dá-lo adequadamente.
Ao definir a população-alvo a que se refere esta Área de Concentração Temática
(segundo a dimensão mencionada), tomou-se importante decisão quanto à cobertura
que esta área terá. Com a finalidade de limitar mais claramente seu alcance e de
deixar o problema mais manejável, decidiu-se que, numa primeira fase, se colocará
ênfase nos países andinos. Essa decisão obedeceu às seguintes considerações:
a. em primeiro lugar, o camponês representa uma alta proporção tanto da
população como da produção de alimentos básicos nos países andinos;
b. em segundo lugar existe um corpo de conhecimentos e de tecnologias já
disponível nesses países, relacionados com o camponês e o processo de
desenvolvimento rural. O cnD tem financiado um bom número de projetos
sobre temas rurais nos países andinos, sobretudo nos campos de pesquisa
agrícola (tecnologias de produção), desenvolvimento de agroindústrias ru-
rais, e diversos temas de ciências sociais (organização da comunidade, edu-
cação, desenvolvimento rural, inovação, mudanças técnicas etc.);
c. em terceiro lugar, procurou-se definir uma área com certas características
Formas de Inserção da Cooperação Técnica Internacional 351

culturais e socioeconâmicas relativamente homogêneas, que facilitassem a


extrapolação de resultados. Foi dessa forma que ficou definido o objetivo
desta Área de Concentração Temática em termos da melhoria da situação
socioeconôrnica e das condições de vida das comunidades rurais andinas .
Ao analisar a distribuição da população rural na zona andina, podem-se distin-
guir duas subáreas: a dos Altos Andes, constituída pela população que habita no
Altiplano acima de 3000 metros de altura; e a das vertentes e ladeiras andinas,
que vão de 1500 a 3000 metros. Considerou-se importante cobrir esses dois
setores nesta Área Temática. A importância do primeiro (o Altiplano Andino)
radica-se no fato de ser habitada por um dos setores mais pobres da população
rural andina. A importância do segundo deriva do fato de ser nas vertentes e
ladeiras andinas a área que reside a maioria da população rural da região , e onde
se produz a maior parte dos alimentos básicos (para o mercado nacional) gerados
pela economia rural. Este segundo setor é o de maior interesse para a maioria
dos países andinos, importância essa circunscrita ao Peru e à Bolívia.

Diferentemente de outra Áreas de Concentração que serão analisadas posterior-


mente, no campo ora enfocado existe muito trabalho já realizado sobre temas
específicos do problema camponês. Porém o trabalho realizado até agora tem
duas características principais: em primeiro lugar, tendeu a " comp artim entali-
zar-se" em termos de áreas específicas de pesquisa e de ação, ou em termos dos
diferentes tipos de organizações que infelizmente tiveram pouco contato entre
si. Reflete-se aqui o problema da especialização setorial e da segmentação do
conhecimento, analisada anteriormente; em segundo lugar, o esforço realizado
até agora tem sido mais produtivo em termos de pesquisa do que em realizações
reais ao nível de comunidades específicas (embora já exista uma série de expe-
riências valiosas na região, valendo a pena resgatá-las e sistematizá-las. Isto nos
leva a ressaltar uma importante função das Áreas de Concentração Temática:
através delas procura-se não somente gerar novos conhecimentos mas também
desenvolver enfoques mais integrados para a análise e solução dos problemas de
desenvolvimento, baseando-se em informações e conhecimentos já existentes.
Isto é, enfatizar o conceito de valorização e utilização de resultados de pesquisas
em termos do seu uso real na solução dos problemas de desenvolvimento.

Um dos obstáculos enfrentados nos programas orientados para o desenvolvimen-


to de comunidades rurais foi o da desarticulação dos diversos grupos que
trabalham nesse campo (TRIGO, 1989). Podem-se distinguir vários setores de
pesquisa: um dos mais ativos na região é o das ciências sociais, que se tem
ocupado de diversos aspectos socioeconâmicos do desenvolvimento do campo-
352 Fernando Chaparro

nê s. Os temas das ci ências sociais vão desde a análise em nível macro do papel
do camponês nas sociedades latino-americanas e do impacto das políticas ma-
croeconômicas sobre o seu desenvolvimento até os estudos em nível micro sobre
a organização da comunidade e o desenvolvimento rural!4.
Um segundo setor está representado pelos institutos (públicos e privados) de
pesquisa agrícola, que concentraram seu trabalho no desenvolvimento de tecno-
logias, algumas delas orientadas para os sistemas camponeses de produção (tanto
cultivos como produção animal). Neste setor de pesquisa freqüentemente se
pressupõe de forma equivocada, que basta desenvolver tecnologias apropriadas
às condições e características do pequeno produtor para que este as adote e possa
beneficiar-se com elas.

Um terceiro setor é representado pelos Organismos Não-Governamentais de


D esenvolvimento (ONGDs), que combinam atividades de pesquisa com progra-
ma s de extensão e de ação no nível da comunidade. Os ONGDs de desenvolvi-
mento rural multiplicaram-se na América Latina (FUNDAEC e IMCA na Colômbia,
CAAP no Equador, GIA no Chile etc.), transformando-se em ator organizacional
de crescente importância. Além dos problemas de produção agrícola, vários
desses ONGDs abordaram outros aspectos do desenvolvimento das comunidades
camponesas (como saúde, educação e moradia), o que os torna particularmente
interessantes para essa Área de Concentração Temática devido ao esforço feito
para desenvolver metodologias de trabalho interdisciplinar no nível da comuni-
dade. No entanto, os vínculos dos ONGDs com eles mesmos, e com os outros
setores, são ba stante limitados.

Um quarto setor é constituído pela agências de fomento e desenvolvimento do


governo , seja de agências de desenvolvimento setorial (produção agrícola, saú-
de , educação) , seja de programas de Desenvolvimento Rural Integrado . Geral-
mente, esse setor tem tido vínculos muito fracos com os outros três atores
institucionais. O alto grau de centralização estatal e sua pouca capacidade para
chegar ao usuário final no nível da comunidade contribuíram para limitar o
impacto de muitos dos programas governamentais de desenvolvimento rural. No
entanto, houve promissora evolução em algumas das experiências mais recentes
de desenvolvimento rural integrado na área andina (FAJARDO, 1989).

4. A lit er atura ex is te nte é bast ant e ex te nsa quanto à anális e socioecon ôrnica em nível macro (evolução
camponesa , movim ento s camponeses, reforma agrá ria e tc.) . O que tem sido pouco estudado são as experiên-
cias pr áti ca s , e m ní vel mi cro , de organi zação e desenvolvimento da comunidade. Um excelente exemplo
encontra-se em Antonio García (e d.) : D esarrollo Agrário de la América Latina. No segundo nível (expe-
riên ci as prá ticas em nív el da comunidad e) a li ter a tura existente é mui to mais escassa.
Formas de Inserção da Cooperação Técn ica Internaciona l 353

A Área de Concentração T emátic a procu ra resp onder a esses p rob lemas do


desenvolvimento das comunidad es campon es as an dinas. Na elaboração e for -
mulação dessa Área Temática está se ndo se g uida um a m etodol og ia participativa
à qual se vincularam reconhecidos p esqui s ad or es da reg iã o, pertencentes aos
quatro setores constitucionais de pesquisa e des en vol vim ent o mencio nados em
parágrafos anteriores. Nos proj eto s qu e se rão fo mentados através dessa Ár ea
Temática, procurar-se-á desenvolv er vínc ulos m ais es treitos entre esses quatro
setores institucionais e maior intercâmbio de ex peri ências que permita uma
complementação entre os esforço s desen v ol vido s por ca da um .

2.2. Expansão da Fronteira Agrícola e Uti lização do Trópico Úmido

Devido à similaridade de procedim ento s seg u ida em to das as Áreas de Concen-


tração Temática, neste caso poder em os se r muito m ais breves que n o anterio r. A
maior parte dos comentários feito s sob re o enfo que e a m etod ologia em relação
ao desenvolvimento das comunidad es c amp on es as ap licam -se também a est e
caso.
A utilização racional do Trópico Úmido é um probl em a cuja im p or tânc ia vem
crescendo rapidamente na região no s último s anos . O pro b lema enfrentado neste
campo pode ser resumido no s se g uites ponto s:
a) desde a época da Colônia, na m aior p arte do s países da r eg ião a pop ulaçã o
tende a concentrar- se nas zonas cos te iras e n as m on t anhos as (andi na s), onde
o clima e as condições do meio am bie n te fac il ita m o estabelecimento de
assentamentos humanos . E ss e p adrão co nservo u-se até m u ito recentem ente;
b) dois fatores alteraram es sa s itu açã o ao longo dos últ im os anos: a pressão
populacional e os crescentes probl em as enfrenta dos no aba stecimento de
alimentos (segurança alimentar). E sses doi s fa to res co mb ina dos gerara m
correntes migratórias intern as , bu sc and o ex pan dir a fro ntei ra agrícola e de
assentamento humano em direção ao Trópico Úmido . Esse processo e as
respectivas correntes migratóri as g er adas são cl ar ament e visíveis nos diver-
sos países da região , juntamente com os probl em as que isso acarreta quan to
à locação espacial da população e ao imp act o am biental (G LIG O, N. et alii,
1981 e 1986).

5 . É interessante v erificar qu e ex is te m col ocações si mi lares nu m rel a tóri o pr eparad o recent em ent e por um
grupo de consultores para o n CA . Ver Ca rlos A ma t y Leó n, Ma nuel Chiribo ga e Orla ndo Pl az a , P olític as
Diferenciadas para el D esarro lloRura l: Marco Co nceptual y P rop uest a ( ra sc unho par a co ns ulta ) , San José,
nCA, 1989
354 Fernando Chaparro

c) dada a fragilidade dos ecossistemas do Trópico Úmido, esse novo processo


de colonização enfrenta sérios problemas. De um lado, as tecnologias de
produção existentes não são adequadas às características dos solos e de outros
elementos de tais ecossistemas. O mesmo acontece com os padrões de ocu-
pação espacial da população, desenvolvidos para outras regiões do país com
características muito diferentes. Além disso, se o processo de colonização
não for manejado corretamente e não forem utilizadas tecnologias apropria-
das , o impacto sobre os ecossistemas pode ser devastador, com sérias conse-
qüências não somente para o país em questão como também em nível mais
global, em termos de possíveis impactos climatológicos de outra espécie.
Esse problema não será solucionado se se optar por desconhecê-lo, já que os
processos de imigração e colonização vão continuar, com ou sem tecnologias
aprop ri adas ;
d) as considerações anteriores nos levam a definir o problema não só em termos
de desenvolvimento de tecnologias de produção adequadas mas também no
contexto mais amplo do manejo integrado de recursos naturais (integrated
environmental managementj (ESSA, 1982). Isso implica levar em considera-
ção as múltiplas inter-relações que existem entre padrões de assentamentos
humanos, tecnologias de produção e manejo e utilização racional dos recur-
sos naturais;
e) uma quarta dimensão do problema origina-se do fato de este processo de
colonização pôr em contato a sociedade dominante (via grupos de colonos)
com populações nativas radicadas nessas regiões do trópico úmido. Isso traz
problemas relacionados com contato entre essas duas culturas, com a preser-
vação da identidade cultural dos grupos indígenas e com as características da
" nova sociedade" que está surgindo nessas zonas de colonização.
A rápida revisão das principais dimensões que essa Área de Concentração Temática
tem põe claramente em evidência a natureza multissetorial e interdisciplinar do
desafio que a região enfrenta. O objetivo geral dessa Área Temática é contribuir
para desenvolver políticas adequadas, bem como tecnologias agrícolas e padrões de
assentamento humano apropriados, que facilitem o uso racional do Trópico Úmido,
de acordo com considerações de manejo do meio ambiente baseadas no conceito de
um desenvolvimento sustentável a médio e a longo prazo.
Ao se definir a população-alvo, identificaram-se três áreas geográficas na região,
às quais se dará especial atenção:
a) o Trópico Úmido amazônico, que cobre extensões consideráveis de terreno
na Colômbia, Equador, Guiana, Venezuela, Peru, Brasil e Bolívia;
Formas de Inserção da Cooperação Técn ica Internaciona l 355

b) a região do Caribe na América Central ;


c) o Trópico Úmido da costa do Pacífico em partes da Am éric a do Sul e Centr al.
A população-alvo é constituída pelas comunidad es de colo nos nessas três regiõ -
es. Os grupos de colonos geralmente são p equenos pr odutores de b aix a re nda ,
com pouco acesso às tecnologias disponív eis , às fac ilida des de m er cad o e aos
serviços básicos (como sáude e educação).
Na fase inicial do desenvolvimento dess a Ár ea T em átic a es tá se ndo r eali zad a
intensa consulta à comunidade científica region al , bem co mo às in stitu içõ es
relacionadas com programas de desenvolvimento na primeir a dessas tr ês regi ões :
o Trópico Úmido amazônico. Essa consulta está se ndo feit a p ela co mb inação de
quatro mecanismos: (1) reunião regional organi zad a so bre o tem a em Pu c alp a,
Peru (março de 1989; além dessa reunião organizad a p el o CIID , realizar am- se
múltiplos foros sobre o tema no último ano); (2) rel atórios pr ep ar ad os por
consultores regionais sobre pesquisa agrícola e p ecuári a, p esquisa em ci ên ci as
sociais e pesquisa em sáude relacionad a com o Tr ópi co Úmido amazô nico . Os
consultores foram solicitados a apresentar um panoram a das p esquisas real izad as
ou em curso em su as respectivas áreas, a id enti fic ar os princip ai s pr obl emas de
desenvolvimento que enfrentam e daí derivar priorid ad es de p esquisa; (3) vis itas
aos principais centros de pesquisa qu e tr ab alh am n esses tem as co m a fi na li dade
de obter informações sobre os programas qu e es tã o se ndo reali zad os atua lme nte;
(4) revisão da literatura sobre os princip ai s as pectos da Amazô n ia.
Desse processo de consulta estão saindo os seguintes produtos: co mo prim eiro passo
elaborou-se um esquema conceptual cujo objetivo é aprese ntar um panor am a int e-
grado dos diversos temas de pesquisa sobre o Trópico Úmi do amazô nico e as
múltiplas relações entre eles (R OlAS , 1990). Em segundo lug ar , id entificar am- se
sete campos de ação nos quais se deveria con centrar a atenção dessa Ár ea Tem ática
(e que podem ser considerados os objetivos espe c íficos da área):
a) pesquisa que forneça elementos de avaliação para a fo rm ula ção e impl em en-
tação de políticas relacionadas com o man ejo da Am azôn ia; in cidência de
diversas políticas de desenvolvimento (macroeconômico ou se to ria l) so bre o
processo de expansão da fronteira agrícol a e de col onização ;
b) desenvolvimento de tecnologias relacion ad as com siste mas de pr odução
agrossilvopastoris adequados aos solos e dem ai s característi cas do ecossis-
tema do Trópico Úmido amazônico ; int egração de tecnologias ou de conhe -
cimentos tecnológicos tradicionais baseado s num a es tre ita rel açã o simb ió tica
entre o homem e seu meio ambiente;
356 F ernando Ch aparro

c) integr ação da eco no m ia amazô nica à econo m ia nacion al ; facilidade s e ob s-


táculos à co me rc ializa ção de produtos amazô nicos no contexto do mercado
naci on al ou internaci onal ;
d) desenvo lv ime n to de um a cap acidade de m an ejo integrado de recursos natu-
rais (incl u indo man ejo de solos e rec ursos hídrico s) ; avaliação do impacto
amb ie ntal de ativi da des pr odutiv as e dos pa drões de ass enta m ento hum ano ;
e) pes qui sa so bre div ersos aspectos socioeconô micos e culturais do processo de
colo nização , or ientad a par a desenvol ver pa drões ade qu ados de assenta m ento
hum an o, m ec ani sm os de organização e p art ic ip ação social nas comunidades
de co lo nos e maior conh ecimento sobre a inter ação entr e colonos e grupos
indígenas e so bre as ca rac terís ticas e prob le mas da no v a soc ieda de qu e está
s urg indo n essa zo na;
f) desenvo lvi me nto de es tra té gias e mecanis mos ade qua dos p ar a o fornecimen-
to de se rv iços de sá u d e em zo nas de co lo nização . Isso implica desenvolver
enfo ques e técnic as ade qua das par a se chegar à populaç ão di spersa espacial-
mente e às co mun ida des remotas e afas ta das do sis te m a nacional de saúde,
fato res qu e incidem so bre o p erfil de morbidez e mortandade da população
de colo nos; uso da medicin a tr adi cio nal ; necessidad e de fortalecer a cap acia-
da de da co m uni da de p ar a o manejo das doen ças tropicais que ela enfrenta no
co ntexto do Trópico Úm ido am azô n ico;
g) des en vol v er maior cap acidad e no ma nejo de in formaç ão e documentação
so bre os div er sos as pe c tos desse setor, o qu e é de vita l importância para trê s
difere ntes tip os de usu ári os: os que to ma m dec isões com rel ação a políticas
so b re esse ca mpo; os investiga do res da co munidade científica regional; e os
pr odutores ou co lo nos qu e sã o os us uá r ios dir eto s de grande parte dessa
in form ação tecn ol ógica .
Ess es pon tos são ana lisa dos em maiores det alh es no documento de Humberto
Roj as Exp ans iá n de la Frontera A grícola y Utilizaciá n dei Trópico Húmedo:
Ma rco Conceptual ( 19 90) .
Em terc eiro lu g ar , in ici ou- se no Peru um proj et o piloto orie ntado para o desen-
vo lv ime nto de mecanism o de coo rde nação interinstitucional , relacionado com as
div ersas orga nizações ligadas à pesqui sa e aos programas de desenvolvimento
na A mazô nia p eru an a . Esse mecan ismo fo i denominado Rede de Investigação na
Am azôni a p eru an a (RINA P) . A iniciativa deve- se ao fato de que um dos obstá-
culos ide ntifica dos nesse ca mpo é prec isa mente a atom iza çã o de esforços e de
resp on sabilidad es entre as mú lt ip las or ga nizações vinculadas ao setor. Além de
Formas de Inserção da Cooperação Técnica Internacional 357

sua função de coordenção interinstitucional, solicitou-se à RINAP que propicias-


se o desenvolvimento de projetos integrados, de natureza interdisciplinar, abor-
dando os diversos pontos abordados nos parágrafos anteriores.
Por último, deve-se mencionar que existem vários projetos específicos que estão
sendo discutidos no Peru, na Colômbia e no Brasil nos campos de pesquisa
agrícola, saúde e ciências sociais. Apesar de nenhum desses projetos ser real-
mente de natureza integrada (interdisciplinar), eles começam a ser complemen-
tares entre si, cobrindo diversos aspectos da gama de temas anteriormente
mencionados. Espera-se que, com base nessas primeiras experiências, se possa
paulatinamente desenvolver projetos de maior integração multissetorial , estes
últimos mais difíceis de serem formulados e executados. Um dos obstáculos
enfrentados no desenvolvimento de projetos integrados é o da "compartimenta-
lização" da comunidade científica em institutos ou centros especializados de
pesquisa, refletindo a segmentação sobre bases disciplinares do conheci-
mento científico moderno, conforme se analisou em tópicos anteriores.

2.3. Outras dimensões Analíticas das Áreas de Concentração Temática

Devido a limitações de espaço, neste artigo não será analisado o caso das outras
duas Áreas de Concentração . Deve-se indicar, no entanto, que no caso da área de
Desenvolvimento Integrado de Zonas Costeiras seguiu-se um enfoque muito simi-
lar, com resultados parecidos (BUZETA et alii, 1988; FEFFERBAUM et alii,
1989).
É interessante constatar que no trabalho que está sendo desenvolvido em cada
uma das Áreas de Concentração Temática surgiram sistematicamente quatro
temas que se apresentam em todas elas. Dada sua importância em termos de
problemas sociais da região, foram considerados como temas subjacentes (un-
derlying themes), comuns a todas as áreas temáticas. Esses temas subjacentes
consistem em processos societais básicos ou em limitantes socioeconômicas que
atualmente têm grande importância em esforços ou ações de desenvolvimento.
Neste artigo nos limitaremos a fazer um breve esboço de cada um deles (CHA-
PARRO, 1989).
a) O primeiro refere-se ao modo de fortalecer os mecanismos de participação
social em nível da comunidade. A falta de tais mecanismos tem sido um dos
obstáculos mais importantes para a eficácia real dos programas de desenvol-
vimento em termos de sua capacidade para chegar ao beneficiário final
(camponeses, famílias de baixa renda etc.). É também um dos principais
obstáculos enfrentados na consolidação da democracia na região , incluindo
358 Fernando Chaparro

aspectos de cultura política e de participação efetiva (referimo-nos aqui ao


conceito de grass-roots democracy). Esse problema tem estado intimamente
vinculado à debilidade da "sociedade civil" nos países da região. As mudan-
ças e a recente evolução relativas às relações entre o Estado e a sociedade
civil nos países da América Latina e do Caribe puseram uma crescente ênfase
na importância desse tema. Podem-se distinguir três aspectos complementa-
res como elementos constitutivos desse problema:
a descentralização do Estado como elemento necessário para tornar mais
eficaz sua ação de desenvolvimento;

a crescente importância dada em toda a região ao governo local e ao fortale-


cimento de seus organismos operativos;

a crescente importância dada ao desenvolvimento e ao fortalecimento das


organizações da comunidade, objetivando que ela mesma esteja mais bem
capacitada para enfrentar e solucionar seus próprios problemas. Nesse pro-
cesso intervêm as Organizações Não-Governamentais de Desenvolvimento
(ONGDs), maximizando a importância de seu papel.

b) O segundo " tem a subjacente" que surguiu nas diferentes Áreas Temáticas de
Concentração foi a participação da mulher no desenvolvimento e o papel
desempenhado por ela na comunidade, dado o número de lares nos quais a
mulher é o chefe da família e principal gerador de receitas, bem como sua
crescente participação no mercado de trabalho . Ela é um importante agente
de desenvolvimento em diversos tipos de programas em nível da comunidade.
Nos proj etos que estão sendo desenvolvidos nas Áreas Temáticas seleciona-
das procura-se integrar esse aspecto com a finalidade de assegurar uma
adequada participação da mulher nas iniciativas apoiadas.

c) Um terceiro tema recorrente, surgido nas comunidades ou populações-alvo


relacionadas com as diversas Áreas Temáticas em que se vem trabalhando, é
o sério problema de nutrição que elas enfrentam. O problema da nutrição está
sendo abordado de dois pontos de vista. Em primeiro lugar, considerada em
si mesma, a nutrição é um aspecto importante do bem-estar social das
comunidades ou populações com as quais se trabalha. Além disso, os diversos
aspectos relacionados com a nutrição podem se converter em elementos
catalíticos de organização e ação em nível da comunidade. Relativamente a
esse segundo ponto de vista, a nutrição pode desempenhar um papel impor-
tante como instrumento de mobilização e organização da comunidade, em
ações que possam incidir sobre seu nível de bem-estar.
Formas de Inserção da Cooperação Técnica Internacional 359

Nos estudos mais recentes sobre desenvolvimento rural e programas orientados


para o fomento das economias campesinas, surge, claramente, a importância
desses três aspectos e as múltiplas inter-relações existentes entre eles".

2.4. Outras Áreas de Concentração Temática: Política Macroeconômica de


Inserção das Economias Regionais na Economia Mundial

Como se indicou anteriormente, no CIID deu-se prioridade a trabalhar em Áreas


de Concentração Temática que, além de serem problemas regionais importantes,
tiveram uma clara população-alvo, constituída por grupos que se beneficiaram
dos resultados de tais pesquisas e com as tecnologias por elas geradas. No
entanto, nem todos os problemas e desafios de desenvolvimento que a região
enfrenta podem relacionar-se tão claramente com as "necessidades básicas" de
grupos específicos. A razão de ter privilegiado os primeiros decorreu do mandato
que o CIID tem, por um lado, e, por outro do fato de ser mais fácil desenvolver
enfoques integrados (interdisciplinares) quando o problema abordado pode ser
definido em termos tão concretos como os requisitos socioeconôrnicos de um
grupo populacional determinado.
Como parte da evolução que esse tema está tendo no conceito das Estratégias
Regionais do CIID, pensa-se abordar agora as Áreas de Concentração Temática
definidas em termos de problemas ou desafios que a região enfrenta, sem que
elas forçosamente estejam relacionadas com as necessidades de grupos popula-
cionais específicos. Pelo contrário, esses temas são importantes para toda a
região. Entre outros aspectos, isto pode incluir um claro impacto sobre a produ-
ção agrícola, os mercados de exportação e a qualidade de vida da população de
região em geral.
Uma das novas Áreas Temáticas em desenvolvimento é a da política macroeco-
nômica e a inserção das economias regionais na economia mundial. O desafio
que a região enfrenta nesse campo está definido pelo impacto acumulado que
estão tendo três fatores complementares sobre as relações tradicionais entre as
economias dos países da região e o mercado internacional. Esses fatores são:
a) o impacto que estão tendo as novas tecnologias (biotecnologia, novos mate-
riais, microeletrônica) sobre as vantagens comparativas tradicionais dos
países da região, que haviam definido certo tipo de vínculos com o mercado
internacional. As posições alcançadas nesses mercados estão se enfraquecen-

6. Ver, por exemplo, FAJARDO (1989 , p. 89). Ver também PINEIRO (1989). Para uma análise acerca deste
tema em outros setores, ver NOGUEIRA (1989 , p. 27).
360 Fernando Chaparro

do ou modificando rapidamente, devido ao desaparecimento das vantagens


comparativas sobre as quais se haviam definido. Por sua vez, as possibilida-
des abertas por essas novas tecnologias não estão sendo aproveitadas;
b) o comércio internacional vem aumentando nos últimos anos, mas esse cres-
cimento foi gerado basicámente pelo incremento do comércio entre os países
desenvolvidos. O comércio Norte-Sul diminuiu consideravelmente. Um dos
fatores mais importantes que está contribuindo para esse processo é o apare-
cimento dos três grandes blocos de comércio em nível mundial: Europa
(1992), América do Norte, e Pacífico , liderado pelo Japão; a América Latina
e o Caribe estão ficando marginalizados nesse comércio internacional, cres-
centemente dominado por grandes blocos comerciais;
c) a nova situação geopolítica que ocorre em nível mundial, como conseqüência
das espetaculares mudanças havidas na Europa oriental e no bloco socialista
em geral. A nova realidade política pode ter profundos impactos sobre os
fluxos de capital, o padrão de investimentos e a cooperação técnica interna-
cional. Essa nova situação pode ter impactos positivos e negativos sobre os
países da América Latina e do Caribe. Um dos possíveis impactos é o da
crescente canalização de fundos de investimento e de cooperação técnica
internacional para os países da Europa oriental. Se isto se relacionar com o
problema da dívida, poderá simplesmente agravar-se a tendência dos últimos
anos, nos quais houve transferência líquida de recursos financeiros da Amé-
rica Latina e do Caribe para o resto do mundo .
Esses três aspectos externos estão definindo um contexto internacional totalmen-
te novo, levando à necessidade de reformular a maneira de inserção das econo-
mias regionais no mercado mundial e na economia global (FUENTES, 1989). O
impacto está sendo sentido tanto no setor agropecuário como no setor industrial.
Esses três fatores externos, e a situação gerada por eles, têm estreita relação com
vários aspectos da política macroeconômica e do manejo da dívida nos países da
região. Devemos recordar que esse novo contexto internacional surge no momen-
to em que os países estão num processo de ajuste caracterizado por:
remanejamento da dívida e políticas de estabilização;
liberalização da economia e abertura para o exterior: abandono das estraté-
gias protecionistas de anos anteriores;
desregulamentação da economia e menor intervenção do Estado, como parte
das mudanças que se estão operando nas relações entre este último e a
sociedade civil;
Formas de Inserção da Coopera ção Téc nica Interna ci onal 36 1

reestruturação do apare lho produtivo, especialmente do se to r in dustrial, co m


o fim de ser mais competitivo no mercado intern aci on al ;
descentralização e reforma do Est ad o p ar a agil iza r sua gestão e aum entar sua
capacidade operativa.
Devido ao importante papel exercido atua lmente p el o se to r externo e pel o novo
contexto mundial, é limitado analis ar esses ele me ntos da política m acroecon ô-
mica de cada país como se estes pudessem se r fo rmula dos indep enden tem ente
de tal contexto.
Com base nas idéias aqui brev em ente ex pos tas , p en sa- se em ana lisa r a possib i-
lidade de formular uma Área Temática de Con c entração so bre o man ej o de
políticas macroeconômicas e a in serçã o das eco no m ias regi on ais no co mérc io
internacional.

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GESTÃO DA COOPERAÇÃO
INTERNACIONAL
A Administração de Projetos
Aplicada ao Ambiente da
Cooperação Técnica
Internacional: Visão de
Conjunto

Guilherme Ary Plonski

I. INTRODUÇÃO

A cooperação técnica internacional é uma das formas m ais interessantes de


arranjo interinstitucional no campo científico-tecnológico . O resultado funda-
mental geralmente co limado não é um novo produto, processo produtivo ou
mercado consumidor, mas sim o desenvolvimento da capacitaç ão da entidade
receptora no tema objeto da cooperação .
Se bem-sucedido, o esforço de cooperação constitui-se num elemento mobiliza-
dor capaz de, a partir do reconhecimento e valorização do estágio preexistente,
acelerar a ascensão de uma sociedade na escada tecnológica. Isso ensejará, em
alguns casos, a sua participação mais competitiva nos páreos econômicos, cada
vez mais acirrados em virtude das mudanças geoeconômicas em andamento (t ais
como a formação dos megamercados na América do Norte, Europ a, Ásia e, em
escala menor, na América do Sul). Em outros casos, a cooperação técnica
internacional alavancará a superação de condições críticas de uma comunidade -
e.g., no campo sanitário e ambiental.
Exemplo do primeiro tipo de benefício é a cooperação técnica recebida pelo
SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial), voltada para a utilização
368 Gu ilherme Ary Plonski

de CAD/ CAM no seto r calça d is ta em Fr an ca (SP), se to r esse que é um tradicional


expo rtador de manu faturad o s. E x empl o do seg u n do tipo de b en efício é o atu al
plei to do Co nsórc io Intermuni cip al d as B aci as do s rio s Piracicaba e Capivari
pa ra ob te nção d e coope ração té cni ca int ern acion al com vi stas a recuperar a
qua lidade das ág uas daqu ela imp ortante bacia hidrográfi ca da região sud este.
Por sua vez, a r eal iz a ção do es fo rço d e co operaçã o ap res en ta um grau el ev ado
de co m p lexi da de gere nc ia l, por env o lve r:
c ult uras di fer entes e di st ân ci as físicas apr ec iá ve is - já que, por definição , o
pres ta do r e o rec ipiendár io s itua m-se em país es di stinto s;
as si me tria en tre os pr ot ag oni st as no qu e se refer e ao conhecimento do obj eto
da cooperação e, freqüe nte men te , tamb ém qu anto à c om p etê nc ia g erenci al ;
defasagem no tempo en tre o resultad o tangível d a coop eração (aumento da
co m petê ncia da en tida de rec eptor a) e o int ento bá si co (s oluçã o do problema
para o q ua l a cooperação téc n ica int ern aci onal pod e contribuir); e
nú m er o eleva do de in ter faces o rga n izac io na is, em p arte d evido à interv eni ên-
cia usu a l d e vá rias en ti da des - entre elas o ó rgã o gov ernamental norm ativo
(ABC/M RE - Ag ê nc ia Br asil eir a de Co op eração , do Mini stério das Relações
Ex te r io res) , agê nc ias naci on ai s (po r ex., a J'K'A - Japan International Coo-
pe ra tio n Age ncy) e en tida des interna cionai s de apoio (a mais conhecida das
q ua is é o P N UD - Pr ogram a d as Na ç õ es Unidas para o Desenvolvimento).
Essa co mp lexi da de é poi s, co nco m ita nte men te, cau sa e d ecorrência da in serção
freqüe nte d e um a ou mai s o rga n izações pr omotoras, interm ediadoras ou facili-
tado ras co mo fo rma d e v iab iliza r a co nsec ução do objetiv o vi sado.
É natural a ssociar cada esforço d e coo pe ração técnica internacional ao mod elo
gerencial d e p rojeto . Trata -se d e um mod el o g en éri co d estin ado a lidar adminis-
trativa me nte co m as tran si ç õ es, o u se ja, ge rir o co nj un to d e ativ id ade s d estinadas
a co nseg u ir a mu dan ç a (o rga n izacio na l ou soc ia l) de um es t ado i para um estado
j. Po r exemp lo, o m od el o de pr oj et o é utili z ado v an taj osa me nte para o de s envol-
vime nto e lan ç am ento d e um nov o pr oduto por um a empr es a; ou para a implan-
tação d e um p erím etro irri g ad o num a á rea rural; ou ainda para a realização de
um pr ogram a d e form aç ão pr ofi ssional.
Or a, a coo pe ração aq u i foc ali zada m at eriali za- se em c onj un tos finitos de ações
artic ula das . E m o utros term os, ca da es fo rç o d e coop era ção abrange um elenco
de ativida des in te rliga das (tip ica men te, id entifi caç ão d e es p ec ialis ta s, obtenção
de meios financei ros , ope rac io na l ização do m ec ani smo d e transfer ência do s
co nhecimen tos e téc n icas p ertin entes, ava liação da comp et ência adquirida pela
A Administração de Projetos Aplicada à Cooperação Técn ica Internacional 369

entida de receptora, av aliação ex-po st dos resultad os alca nçados co m o uso da


nova competência, e outras) qu e envo lvem a mob ili zação tr an sitór ia de recursos
humanos, materiais e fin anc eiro s. Essa mobili zaçã o, qu e g er a um a p equen a
organização ad hoc, cessa ao fin al do pr azo design ad o p ar a a co nsecução do
objetivo especificado , isto é, quando a organi zação receptor a (idea lmente ) pas-
sou do nível inferior para o sup erior de conh ecim ento a resp eito do tem a.
O reconhecimento da importância do modelo ger en ci al de proj et o na adm inis tra -
ção ocorreu após a Segunda Gu erra Mundial no s âmb itos das admini straçõ es
privada e pública. É conseqüência, naqu ela , da int en sific ação e agu dização das
descontinuidades na atividade empresa rial e, nest a, da per cep ção de qu e se
tornava necessário utilizar um a aborda ge m sis tê m ica p ar a o ate ndi me nto das
crescentes demandas por infra- estrutura eco nô m ica e socia l.
Formalizado na s décadas de 50 e 60 nos EUA e cr escentem ente di ssemin ad o pe lo
mundo , o modelo gerencial de pr oj eto tem s ido alvo de p esquisa acadêm ica,
ensino universitário e treinam ento de exe cutivos . Exi st e hoj e, tam bém no Brasil ,
uma comunidade expressiva de es tudiosos e pratic antes do qu e ve io a se confi-
gurar como uma área da administração a qu e se cha ma Administr ação de Pr oj etos
(ou Gestão de Projetos).
Em verdade, essa área ramificou -se de acordo com a natur eza do proj et o, da qual
deriva uma problemática específica. Reconhecem- se, atualmente, es pecia lida des
em administração de projetos, tai s como: con strução ci vil ; p esquisa e desen vol -
vimento, empreendimentos indu striais, sis temas inform ati zad os, novos pr odu-
tos , e engenharia .
Tendo em vi sta o vulto adquirido pela coop eração técni ca int ern aci on al, ass im co mo
as peculiaridades dos seus proj eto s (em decorrên ci a de fator es co mo os sup ra me n-
cionados) , torna-se oportuno pr eench er uma lacun a bibliogr áfi ca important e e,
quiçá, delinear um a nova esp ecialidad e em Administr ação de Pr oj etos.

11. O Q UE É C OOPERAÇÃO TÉCNICA INTERNACIO NAL?

Sem pretender exaurir o assunto , qu e é abord ado com maior fôl eg o em outros
textos, discorrer-se-á brevemente sobre a evolu ção do conce ito de co ope ração
técnica internacional. Justifica -se essa aclara ção pr eliminar porqu e, co nfo rme
Soar es, " quanto a conceituar-se o qu e se entende, na atua lida de, por coo pe ração
técnica internacional, a matéria não é pacífica e es tá long e de rec eb er um
entendimento univ er sal " (S OARES , 1991 , p. 4)
370 Guilherme Ary Plonski

Inicialmente, cabe posicionar temporal e institucionalmente a cooperação técni-


ca internacional. Ainda que se possam encontrar diversos exemplos de tal
modalidade de interação na história universal (inclusive na do Brasil)! ao longo
dos tempos, essa idéia adquiriu impulso após a convulsão internacional gerada
pela Segunda Guerra Mundial. Ela se manifestou, em particular, no contexto do
empenho da então novel ONU em universalizar condições de vida satisfatórias
(o que deveria evitar a repetição dos horrores recém-experimentados). De fato,
a cooperação técnica foi instituída pela Resolução n Q 200 da Assembléia Geral
da ONU, juntamente com a cooperação financeira e a assistência alimentar
(CONDE, 1990).
Durante a década de 50 (e, até certo ponto, também na de 60) a cooperação
técnica teve, tipicamente, caráter assistencial. Consistiu na transferência, sem
interesse comercial, de conhecimentos e técnicas dos países avançados a países
menos desenvolvidos. Obviamente, essa assistência não era desinteressada, ser-
vindo a objetivos nacionais diversos por parte dos países prestadores, de que se
trata alhures nesta publicação.
O enfoque assistencial fica evidente pelo próprio nome dado ao primeiro órgão
nacional de coordenação da cooperação técnica recebida, no âmbito do Ministé-
rio das Relações Exteriores, criado pelo Decreto n Q 28.799/50 (CNAT - Comis-
são Nacional de Assistência Técnica).
Os conceitos de ajuda e assistência pressupunham uma postura passiva do país
receptor, explicitando uma situação de desigualdade que passou a ser incômoda.
Assim, gradualmente, foi-se procurando remover o caráter assistencialista e
introduzir o conceito de cooperação técnica tout court.
Em termos formais, isso se verificou no âmbito na ONU já em 1959, ocasião em
que a sua Assembléia Geral determinou que se substituísse a expressão "assis-
tência técnica" por "cooperação técnica" (SOARES, 1991).
O reflexo dessa modificação no Brasil também pode ser evidenciado terminolo-
gicamente. Quando resolveu reorganizar o sistema nacional de cooperação téc-
nica, no âmbito da reforma administrativa de 1967, o governo federal instituiu,
como seu órgão articulador interno, a SUBIN (Subsecretaria de Cooperação
Econômica e Técnica Internacional), vinculada ao então Ministério do Planeja-

1. Um caso interessante foi o da cooperação técnica no campo do saneamento prestada pelos EUA nas zonas
produtoras de borracha da região Amazônica durante a Segunda Guerra Mundial a fim de assegurar a
disponibilidade desse insumo estratégico. Resultou da cooperação um novo modelo de atuação no campo
do saneamento, mediante equipes pluriprofissionais, o qual se perpetuou na Fundação Serviços Especiais
de Saúde Pública (conhecida como Fundação SESP).
A Administração de Projetos Aplicada à Coopera ção Téc nica Intern a ciona l 371

mento e Coordenação Ger al , ca be n do a formulação da polític a externa à D ivisão


de Cooperação Técnica do Minist ério das Relações Exteri or es (Decreto 65 .476 /69).
A terminologia da " coope ração " se m an tém n a atua l A BC/M RE .
Em termos substantivo s, a ev olução do co nc eito de assis tê nc ia pa ra o de coope-
ração técnica se r evel a por qu est ões co mo (ONU , 1990):
o posicionamento do s p aí ses em v ia de desen volv im ento co mo parc eir os
integrais no processo de solução de se us probl em as, e não ape nas co mo
recipiendários passivo s de aj u da ex te rna, a inda qu e de natur eza técn ica; e
a redução dos extensos envo lvimentos de perito s estra nge iros , substituídos pela
participação de consultores por prazos curtos , em apoio aos esforço s locais .
Mas a manifestação mai s dr ástica dessa m udanç a co nceptua l é o surgimento , a
partir da década de 70 , de aç õ es de coope ração técn ica entre países em via de
desenvolvimento. Ou seja, usando o jargão v ige nte , a coo peração deixo u de se r
exclusivamente um m ecanism o de inter ação Nor te-Sul , passando a exi stir tam-
bém no sentido Sul-Sul. A essa classe de coo pe ração técnica internacional se dá
os nomes de " coop eraçã o ho r izontal " ou "T CDC" (que é a sigla da exp ressão em
inglês Technical Coop eration amo ng D ev elopi ng Cou ntri es). Expressiva co nfe-
rência internacional sobr e esse tem a fo i patroc in ad a p el a ON U em 1978, em
Buenos Aires, ocasião em qu e se estabe leceu um qu ad ro referenc ia l para essa
modalidade de interação e se designou o PN UD co mo órg ão respo nsáve l, no
sistema das Nações Unidas, por sua coord en ação (CON DE, 1990).
A institucionalização da coop er açã o horizon tal fo i e é mu ito impo rta nte para o
Brasil. Por ter alcançado um estágio " intermediário" de desenvolvim ento, o Brasil
tem sido bastante ativo nos doi s ramos de coop eração téc nica int ern acion al :
o tradicional (Norte-Sul ) , em qu e o p aí s conti nu a rec eb end o vo lumes ex pres-
sivos de coop eração técnic a do exterior - no p erí od o recente, super io res a
US$ 100 milhões/ano , se m retorn o p ar a as font es doad or as e que provocar am
uma mobilização de contrap artid a inter na da orde m de US$ 200 m ilhões/ an o
(WARWAR et alii , 1991); e
o da TCDC, em qu e o Brasil desem penh a p ap el rel evante - em especial na
prestação de cooperação técni ca a p aí ses da Am éric a Latina e da África.
É certamente um exagero afirm ar a insub sistênc ia da assis tênc ia técni ca; aliás , o
BID (Banco Interamericano de D esenvolvim ent o) explicita, em se u Manua l de
Cooperação Técnica , que "os termo s ou expr essões ' assistência técnica ' e 'coope ra-
ção técnica ' são utilizados no Ban co com o mesm o significado" (BID, 1988, p . 1) .
Todavia o observador atento ve rifica rá atua lmente, a coexistência de aç ões de:
372 Guilherme Ary Plonski

cooperação técnica no sentido estrito;


assistência técnica "à moda antiga'" - que o PNUD denomina "atividades de
pré-cooperação técnica" (ONU, 1990, p. 3);
estudos para subsidiar tecnicamente a formulação de empreendimentos ex-
pressivos, contratados junto a consultores (usualmente chamados de "pré-in-
vestimentos"); e,
por vezes, também, assistência financeira transvestida em cooperação técnica...
Num contexto moderno e mais amplo, define um texto do Ministério das Rela-
ções Exteriores

a cooperação técnica internacional como sendo um instrumento específico pelo qual


países e/ou organismos internacionais transferem conhecimentos e técnicas dentro de
um processo planej ado de mudanças, associado às prioridades de desenvolvimento
sócio-econômico e articulado com a política externa do País" (WARWAR et alii, 1991).

Mencionam os autores, vinculados à ABC/MRE, que

a cooperação técnica internacional passa a ser encarada sob suas duas vertentes principais,
como instrumento de política externa e como auxiliar de promoção do desenvolvimento
sócio-econômico do país. Nesse sentido, a política brasileira de cooperação técnica inter-
nacional se realiza pela combinação dos elementos básicos das duas vertentes, ou seja, da
recebida e da prestada, e será eficiente na proporção em que assegure o alcance dos
principais objetivos de uma e de outra (idem).

N este artigo será adotado o conceito estrito de cooperação técnica internacional,


nos termos definidos pelo documento da ABC/MRE.
Algumas características da cooperação técnica internacional, relevantes para a
gestão de seus projetos, estão enunciadas a seguir. Distingue-se ela por (ONU,
1990); (PLONSKI, 1991):
focalizar o desenvolvimento da infra-estrutura humana, em contraponto (mas
às vezes em conjunto j ' ao da infra-estrutura física dos países beneficiados;

2. Texto publicado já em meados da década de 70 pela OCDE (Organização para a Cooperação e o De-
senvolvimento Econômico) define cooperação técnica como "uma forma de colaboração internacional cujo
propósito é assegurar a transferência de habilidades por intermédio do envio de peritos em áreas especializadas
dos países nos quais eles estão disponíveis em grande quantidade para países nos quais eles são menos
numerosos ou inexistem" (HARARI, 1974, p. 11).
3. Uma das formas de cooperação técnica patrocinadas pelo PNUD está voltada para o apoio à preparação da
complexa documentação destinada a fundamentar o pleito por recursos a grandes empreendimentos junto
a bancos internacionais, como o Banco Mundial.
A Administração de Projetos Aplicada à Cooperação Técn ica Internacional 373

gerar um fluxo de conh ecim entos qu e au me nte , dc fo rma di fer en c iada, o


estoque preexistente na s organi zaçõ es envo lv idas (c m es pec ial o da orga ni -
zação recipiendária , m as tamb ém o da pr estad or a, um a vez q ue se us profis-
sionais deverão apreend er a realid ad e es pec ífica e asseg u ra r a ca pacitação
do pessoal local) ;
requerer a capacitação ef eti va da orga n ização rec ipiendá r ia no tem a objeto
da cooperação (em termo s de di agnó stico , pl an ej am ento , impl em entação e
avaliação), buscando evitar a dep endência perm an ente; nest e se ntido , m ai s
do que efetuar uma transfer ência de tecn ologia , faz-se necessá ri o p rom ov er
o seu desenvolvimento in stitu ci onal ; e
envolver recurso s financ eiros em co ndições ex tra merca do (o c us to para
quem está recebendo a coop er açã o é redu zido , chega ndo fr eqü en tem ent e a
ser nulo) .
A cooperação técnica int ern aci on al , ass im ente ndida , é um a das moda lidades
básicas da coop eração para o des en vol vim ento , se ndo as du as o utras a coopera-
ção econômica e a comerci al. Ess as m od alid ad es pod em ter efeito si nérgico ,
sendo desejáv el conjugá-la s.

111. Q UE É UM PR OJETO DE C O OPERAÇ ÃO T ÉCNI CA


INTERNACI ONAL?

Geralmente a coop eração técnica intern aci on al se reali za num qu adro jurídico
de acordos entre os gov erno s de doi s p aí s es (coo pe ração bil ater al) o u en tre o
governo de um país e um a entidade intern aci on al (coo pe ração mu ltil ateral ) . No
caso do Brasil , os princip ai s aco rdos de cooperação técni c a b ila te ral receb ida
são os celebrado s com os gov ern os da Al em anh a, J ap ão , Fr an ça, Can ad á e
Grã-Bretanha, estando em impl em entação os ce le b ra dos co m os gove rnos da
Itália e da Espanha . Os principais acordos de coope ração técni ca multil at er al
recebida são os celebrados com o PNUD , a ON UDI (O rga n ização das Nações
Unidas para o Desenvolvimento Indu strial ), a OEA (Orga nização dos Est ad os
Americanos), a FAO (Organização da s Naçõ es Unid as para Agricultura e Ali-
mentação), a UNICEF (Fundo das Nações Unida s p ara a Infân cia ), o FN UAP
(Fundo das Nações Unidas para Ativid ad es R el ati va s à População) e o BID .
Nesses acordos estabelecem- se os parâmetro s bali zad or es da coo pe ração (setores
objetivados, mecanismos facilitadores, marco institucion al, pr ogr amas pri or itári os
e assim por diante) . Todavia, representam eles tão- som ente um " g uarda-chuv a"
374 Gu ilhe rme A ry Plo ns ki

pa ra as atividades de coo pe raçã o técn ica inte rn acional. Esta se consubstancia em


co nj u ntos finitos de ações articul adas , co ns tituindo os projetos .
Cabe ale r tar, de iníc io, qu e o termo " p roj eto" te m acepção diferente em vários
dos jargões pr o fiss ion ai s envo lv ido s n a coo pera ção técnica internacional. No
cí rc ulo dos eco no m is tas, equ iv al e, em se ntido estrito , a um estudo de v iabil idade
(u ma frase típ ic a seria "o proj eto é eco no m ica me nte viável, apresentando valor
presen te líqui do pos itivo qu ando descont ad o a 15 % a.a." ) e, em sentido mais
am plo, re fer e-s e à doc um ent ação que fun da menta um pleito (como na frase " o
pr oj eto de coo pe ração deve se r s ub meti do em du as vias , no prazo máximo de 90
dias"). o e nto rno dos e ngenhe iros e arq ui tetos, corr esp on de a um conjunto de
dese nhos e es pec if icações par a real izar um a obra prevista na cooperação (ex-
pr esso , por exe mp lo, n a fras e "o p rojeto do novo centro de treinamento em
auto mação pr evê um pré d io de 650 m' em doi s pi sos"). Sem querer fazer uma
análise se mâ nt ica, ca be ape nas co me nta r que ess a div ersidade de acepções é mais
pr onun ciada em portug uês do que em caste lha no ou em inglês - em que se usam
os pa res d iseii o- proy ec to e desi gn -p roject, resp ectivamente, enquanto na língua
por tug uesa se utili za ape nas o term o " proj eto" .
No pr es en te tr ab alh o e nte n de -se o term o " proj eto" em uma acepção distinta das
m enc ion ad as (ai n da qu e não as excl ua), que é a gerenc ia l. Assim, projeto é um
mo d elo ge re ncia l p ar a lid ar com s itu ações de tr ans ição, situ açõ es essas que
usu alm ente co ntê m um grau s ign ificativ o de incerteza e complexidade (e, por
vezes, ta mbé m d e ur gên ci a). Op eraci on ali za- s e o proj eto mediante um conjunto
ad hoc de a tivi da des in te r- re la cio na das, foca liza das na consecução de um obje-
ti vo predeterm inado no pra zo es tab elec ido, e qu e são le vadas a cabo, sob unidade
de co ma ndo, m edi ant e a ut ilizaçã o tra ns itór ia de recursos orçados.
Alg uns comentá rios devem se r feitos sob re o co nce ito gerencial universal de
pr oj et o, antes de se pr ocurar defi ni r o caso p arti cular do projeto de cooperação
técni ca inte rnacio na l:
o enqua drame nto o u não de um prob le ma adm inis trativ o real no modelo de
pr oj et o é um a deci sã o g er enc ial; em ou tros termos, a direção de uma organi-
zação po de op ta r por ge rir determin ad as s ituações de transição não como
proj etos, m as seg undo mod elo s clá ss icos - por se r em pouco disruptivas,
oferece re m bai xo ri sco caso não seja m bem administradas (atrasem, c ustem
ma is ou não a tinja m o des em p en ho es pera do) , ou s ej am de pequeno vulto;
a ca racter íst ica de tr an sitori ed ad e do proje to traz-lhe uma grande flexibili-
dad e in stituci onal ma s, ao m esm o te mpo, g er a problemas de inserção orga-
n izaci on al , de pl an ejamento e contro le e comportamentais que são distintos
A Administração de Projetos Aplicada à Cooperação Téc nica Int ern aci on al 375

dos usualmente enfrenta dos pelos a dmi n istradores (a identificação dessas


questões e o seu encaminham ento in ici al se rão feitos a diante) ; e,
pode-se, com v antagem, fazer um a ana lo gia do co nceito de projeto ao de
"sistema"; as idéias de conjugaç ão fina lís tica de ele me ntos, a imp ortân c ia do
seu inter-relacionamento, a v isão holíst ic a e a hie rarquização estão presentes
em ambos . De fa to, por exemplo , a se qüê ncia hierárquica " m acrossistema -
sistema-subsistema" é análoga à do " program a-proj eto-módulo" .
Ao entrar, agora, na conceituação de proj eto de coo pe ração téc nica internacional,
cabe assinalar a contemporaneida de dos conceitos de projeto e de cooperação
técnica internacional: ambo s for am desenvolvidos no pós -guerra e ambos diss emi-
naram-se, em grande p arte, por ter em sido adotados no sistema das Nações Unidas.
Mas, além da simultaneidade, houv e tamb ém o refor ço mú tuo: a ope rac iona lização
da cooperação técnica internacional ocorre por meio do mod elo de projeto, enquanto
uma parcela do esforço de coop eração técni ca internacion al se destin a a preconizar
a utilização do modelo de proj eto pelas orga nizações recipi endárias.
Inicialmente serão apresentadas algumas defini ções de pr ojeto de cooperação téc-
nica internacional utilizadas pel as entida des especializadas. A par das diferenças de
formulação , deve-se notar qu e cada um a reflete uma abo rdagem distinta.
A GTZ (Deutsche Gesell schaft für T echnisch e Zu samm enarb eit Gm b H), br aço
executivo do esforço alemão de coop er ação técn ica internacio na l, defin e taxio-
nomicamente o projeto como as " ações de cooperação técnica limitad as no
tempo , que se realizam em um a r egi ão defin ida e se enqua dram em um a deter-
minada área técnica" (GTZ, 19 88 ).
O SENAI , entidade muito ativa tanto na coope ração pr estad a como na recebida,
define teleologicamente o proj et o com o o " conj unto de ativ idades qu e vis am a
transferência e a ab sorção de conh ecim ent os técn icos" (OLIVEIRA, 1991 ) .
O IICA (Instituto Interamericano de Coop er ação p ar a a Agricultura) , cria do em
1942 e com vasta experiênci a em coop er aç ão técn ica, defin e ge re nc ialmente o
projeto como o " conj unto de ações ou ativi dades de cooperação téc nica destina-
das à solução de um probl em a co m resultad os significativam ente previsív ei s,
num prazo definido , executado m edi ant e a aplica ção de ce rtos recursos, com uma
metodologia determinada e sob a direçã o e resp on sabilidad e de um profiss ional
competente" (ALVAREZ, 1991 , p. 10) .
Outra instituição de abrangência latino- am eri can a, o BID , defi ne paroqui al mente
o projeto como " operação pel a qu al se m at eri aliza a cooperação técnica do
Banco, e para cujo financiamento o ban co co ntri bui" (BID , 198 0).
376 Guilherme Ary Plonski

o PNUD define o projeto como a "unidade básica de cooperação técnica" (ONU,


1990, p. 4). Esclarece que " o projeto é o instrumento que transubstancia fundos
externos em um pacote de recursos focalizados, organizados e programados de
forma a atender necessidades identificadas. O projeto tem um limite de tempo
para produzir os resultados pretendidos, um plano de trabalho, uma programação
de recursos e um orçamento" (idem). Trata-se de uma definição na perspectiva
gerencial , com ênfase no instrumental de administração de projetos. É interes-
sante observar que a formulação da I1CA acima exposta, ainda que sob perspec-
tiva similar, deixa patente que o fator crítico de sucesso é a figura do gestor do
projeto ; esse fator , todavia, permanece latente na definição do PNUD.
Finalmente, a ABC/MRE , em seu recém-publicado Manual para a Formulação
de Projetos de Cooperação , apenas menciona, sem definir, que "o projeto
detalhado de cooperação técnica é um dos instrumentos mais importantes de
esclarecimento do escopo do trabalho para cuja realização se solicita a coopera-
ção externa" (BRASIL, 1990a, p. 4). O exame do restante do manual evidencia
que o conceito de projeto ali presente oscila entre o documental e o do empreen-
dimento de cooperação propriamente dito.
Neste artigo, de forma coerente com o conceito genérico exposto, define-se
projeto de cooperação técnica internacional como um modelo gerencial para lidar
com as situ açõe s concretas envolvidas nessa interação. Ou seja, é uma opção
administrativa disponível para aumentar a probabilidade de se realizarem as
expectativas geradas no ambiente da cooperação técnica internacional.
Em verdade, essa opção é, em muitos casos, imperiosa para que uma organização
possa pleitear apoio à cooperação junto a entidades estruturadas para esse fim,
como é o caso do PNUD. Também a ABC/MRE requer a utilização do modelo
de projeto . Todavia, numa cooperação técnica direta entre empresas ou entre
organizações não-governamentais - ONGs, por exemplo -, poderá prevalecer um
modelo gerencial convencional (isto é, sem que se explicite a figura diferenciada
de gestor, sem que se realize um planejamento e controle ad hoc com o uso de
instrumen tos próprios etc.).

IV. REVISÃO DA ADMINISTRAÇÃO DE PROJETOS

O modelo gerencial baseado em projetos , conforme mencionado, desenvolveu-se


num campo próprio , constituindo a base da Administração de Projetos.
Tendo em vista nivelar os conhecimentos dos leitores desta coletânea, procede-
A Administração de Projetos Aplicada à Cooperação Técnica Internacional 377

se a uma revisão sumária dos principais conceitos desse campo da Administra-


ção, baseada em textos didáticos de Marcovitch (1985) e Plonski (1987). Um
aprofundamento conceptual poderá ser obtido mediante consulta a textos de
referência, praticamente todos em inglês, como os indicados na bibliografia
(CLELAND , 1990; CLELAND et alii, 1990; HARRISON, 1981; ARCHIBALD ,
1976).
Um projeto envolve um conjunto não-repetitivo de atividades interdependentes,
orientadas para um objetivo específico, que deve ser atingido:
num prazo estipulado ;
com recursos limitados, previamente alocados; e
com qualidade predeterminada.
A não-repetitividade pode decorrer tanto de algumas das atividades em si, que
constituem desafios não realizados anteriormente por essa organização, como da
sua combinação única. Daí que, em geral, o projeto envolva a introdução de uma
inovação que poderá ser " dura" (como , por exemplo, o desenvolvimento e
lançamento de um novo produto) ou " suav e" (como, por exemplo, a implantação
de uma nova forma de trabalho).
A dimensão temporal finita do projeto distingue a sua administração da gestão
convencional de atividades rotineiras. Requer a criação de uma organização
própria, mobilizando transitoriamente recursos humanos, materiais e financei-
ros. Essa organização desfaz-se após o prazo estipulado , tenha ou não sido
atingido o objetivo previsto.
Entre as características distintivas dos projetos estão:
o horizonte temporal, pois enquanto as atividades rotineiras de uma organi-
zação tendem a se perpetuar, o projeto apresenta um ciclo de vida com início
e término explícitos;
a insegurança da permanência dos participantes, uma vez que a organização
montada para o projeto se desfaz, necessariamente, com o fim do prazo;
existe, ademais, a possibilidade de ela se desfazer antes, visto que o projeto
está sujeito a parada, temporária ou permanente, por motivos supervenientes,
freqüentemente fora do controle da equipe envolvida, e não necessariamente
correlacionados com o seu desempenho;
a cronologia própria, que perturba o sistema de informações convencional
das organizações, baseado no exercício fiscal;
a incerteza quanto ao trabalho a ser feito, que dificulta a estimativa de prazos
3 78 Guilhe rme Ary Plonski

e custos, além de requerer formas apro pria das de planejamento - uma vez que
os próprios planejado res não têm perfeito conhecimento do que deve ser feito;
a ab rangência orga nizacional m aior , devido ao s eu caráter interdisciplinar,
envolvendo várias un ida des organ izac iona is e mesmo várias organizações -
com o que a administração de inter faces pas sa a ser fundamental;
a inflexibilidade do prazo, que ge ra ten sões na equipe, exacerbadas pela
impossibili da de de refazer o tra ba lho caso não s e tenha atingido o objetivo;
a assimetria no fluxo de rec urs os, qu e dificulta o controle intuitivo do ritmo
dos dispêndios;
a inadeq uação da maio r parte do in strumental de gestão da qualidade, basea-
do em eventos repeti dos sujeitos às lei s es tatís tic as; e
o clima altamente dinâ mico que, se por um lado é estimulante, por outro é
fator gerador de estresse ent re os pa rti c ipa ntes .
Uma das três dimensões fundamentais do pr oj eto é o prazo. Conforme ficou dito ,
o horizonte temporal faz com que cada pr oj eto te nha um ciclo de vida, que é a
unidade de planejamento do projeto.
A sua adequada gestão tem sido a base da adm in is traçã o de um projeto. Para
tanto, costuma-se dividir o ciclo de vi da do proj eto em fases , cada qual com seus
desafios, atividades típicas e p at ol ogi as es p ec íficas.
A literatura técn ica não é un iform e qu anto ao número, denominação e conteúdo
das fases. Ademais, cada es pecia lida de (administração de projetos de sistemas
de informação , adminis tração de pr oj et os indus triais etc.) acabou repartindo o
ciclo de vida segundo necessi dades pr ópri as.
Nesta revisão será apresentada uma divisã o g en éri ca do ciclo de vida de um
projeto. Considerações específicas so bre o c iclo de v ida de projetos de coopera-
ção técnica internacional se rão ap resentadas adia nte .
Genericamente, um projeto passa pelas fases se guintes :
fase de concepção, que vai desde a ge rm ina çã o da idéia de se realizar um
projeto (que pode resultar de um a nec essidad e ou de uma oportunidade),
passa pelos estudos de viabi li da de das soluções e vai até a decisão quanto à
sua exec ução;
fase de estruturação, que correspo n de ao detalhamento do plano de execução
del ineado na fase anterior;
fase de execução , na qual a maior pa rte das ativ ida des substantivas do projeto
são real izadas; e
A Administração de Projetos Aplicada à Cooperação Técnica Internacional 379

fase terminal, em que os recursos são gradualmente desmobilizados, os


resultados são transferidos aos usuários e o desempenho da equipe do proj eto
é avaliado.
Três são os princípios fundamentais para administrar um projeto:
l Q
) responsabilidade unificada: cada projeto deve ter um ponto único, para o qual
converge a responsabilidade pelo conjunto das atividades e sua integração.
Surge, assim, a figura do gerente de projeto (havendo muitas outras denomi-
nações). A sua inserção organizacional varia de acordo com a configuração
organizacional adotada para levar o projeto a termo (funcional, por projetos,
matricial ou alguma das formas híbridas);
2 Q) planejamento, programação e controle integrados: cada projeto deve ser
planejado, programado e controlado de forma integrada, abrangendo todas as
atividades e envolvendo todas as unidades organizacionais (internas ou ex-
ternas), compreendendo a totalidade do seu ciclo de vida. Existe um elenco
de instrumentos para essa finalidade, tais como: a estrutura analítica do
projeto (conhecida pelos nomes em inglês Project Breakdown Structure e
Work Breakdown Structure); o gráfico de Gantt; as técnicas de caminho
crítico (como o CPM e o PERT, em suas variações); o diagrama de avanço
(conhecido como "curva S") e muitas outras. Diversos desses instrumentos
estão disponíveis em ambiente de microcomputador, permitindo boa intera-
tividade ao gerente do projeto; e
3 Q ) valorização da dimensão humana : a incerteza da tarefa, as tensões introduzi-
das pelo prazo, o elevado número de interfaces, a pluralidade de formação
profissional e outras caracteristicas fazem com que o sucesso do projeto seja
condicionado pela criação de condições adequadas para fazer aflorar a cria-
tividade, para negociar as diferenças e para a convergência dos esforços. O
estilo apropriado de gestão é contingente a um conjunto de variáveis, tais
como a urgência, a complexidade e a incerteza do projeto, além das variáveis
situacionais clássicas (expectativas dos participantes e dos superiores etc.).
Os três princípios são interagentes. De nada adianta nomear um gerente de
projeto se ele (ou ela) não dispõe de planejamento, programação e controle.
Tampouco é útil montar uma estrutura altamente formalizada de planejamento,
programação e controle se não se atentar para a dimensão humana que condiciona
o fornecimento de informações tempestivas e confiáveis.
380 Gu ilherme Ary Plonski

V. PERFIL DOS PROJETOS DE COOPERAÇÃO TÉCNICA


I NT ER NAC IO NAL

Os p rojetos de coo pe ração técn ica inte rnac iona l abra nge m um a vas ta gam a.
T om ando exemplos exclusivame nte rel ati vos à coo pe ra çã o bil at er al rec ebida em
1990, mo nito ra da p el a ABC/MRE, pod em os enc ontra r proj eto s tão diferentes
co mo os segui ntes ( BRASIL, 1990b) :
urbanização e fortalec ime nto de espaç os econômicos em favelas de Fortaleza, da
Secretar ia de Indú str ia e Com ércio do Ceará, em conjunto com mai s três órgãos;
centro mult irregi on al de fo rmação em tecnologi a de solda, do SENAI-RJ;
pesq u isa e de se nvo lv ime nto tecn ol ógi co na área biomédica, da Fundação
Osw ald o Cru z;
im pac to reg ional pr ovocado por grand es barragens, da Superintendência do s
Recursos H ídri cos e Me io Ambi ente do Paraná;
estabelecimen to de um a co leção de cult uras, da Univ er sidade Est adual de
C amp in as ;
tre ina mento na área de engenha ria de in cêndio , do Corpo de Bomb eiro s
M ilita r do Di strito F ed er al ;
mo de rn ização adm inis tra tiva do Est ado de Goi ás, da Fundaç ão Escola de
Fo r mação e Aperfe içoa me nto do Servidor Civil de Goiás;
me lho ra mento do mes tra do em filosofia , da Univer sidad e F ederal do Rio
Grande do Sul ;
ava liação do pot en ci al forrage iro da caating a p ara leite de ca bra, da Empresa
Br asil eir a de Pesquisa Agrop ecu ária;
ações de turi sm o ent re as c ida des de Saint- Trop ez e Salvador, da Prefeitura
M unic ipal do Salv ador;
dese nvo lvime nto de um sis te ma eficaz de bu sca e resga te em t erra e mar , do
Inst itut o Nacio nal de Pesqui sas Esp aci ai s; e,
ce ntro de Design de São P aul o, da S ecr etaria de Ci ência, T ecnologia e
D esen vol vim ento Econ ômico de São Paulo.
A ssim, per ceb e- se a multipli cidad e dos se tores foc aliz ado s, a diversidade do s
te mas objetivados e a va rie da de das in stitui çõ es recipi endária s. Ca so fos se
exami nado o uni v er so dos pr oj etos de coo pe ração env olven do alguma entidade
brasilei ra , incl usive emp resas e ONG s, e os qu e são promo vido s sem a interv e-
ni ên ci a da A B C/M RE, ce rta me nte se che ga ria a um a miríade de situaç ões.
A Administração de Projetos Aplicada à Cooperação Técnica Internacional 381

Existem algumas tentativas de classificação das ações de cooperação técnica,


nenhuma das quais se revelou suficientemente completa (todavia, foge ao escopo
deste artigo empreender um esforço taxionômico).
Do ponto de vista gerencial, cabe ressaltar os pontos seguintes, comuns a todos
os projetos de cooperação técnica internacional, em adição aos apresentados no
final do capítulo dedicado à conceituação da cooperação:
a fase inicial, de concepção, costuma requerer maiores cuidados - a saber,
na definição mais precisa e adequada do problema que se pretende resolver,
na geração de soluções alternativas e na consideração mais intensa dos
condicionantes externos, tanto de natureza física como social e econômica
(ONU, 1990);
ainda na fase de concepção, devem-se diferenciar cuidadosamente resulta-
dos, objetivos e atividades; isso é bastante necessário , pois freqüentemente
os beneficiários finais e os recipiendários da cooperação técnica são distintos ;
pelo mesmo motivo, deve-se assegurar, na fase terminal, que os benefícios
sejam transferidos pelos recipiendários da cooperação técnica aos beneficiá-
rios finais, sob pena de se terem projetos autotélicos;
o resultado substantivo, a capacitação da organização beneficiada, é de
natureza "suave", sendo que eventuais componentes "duros", como equipa-
mentos e instalações, são meros coadjuvantes; assim, os indicadores para
avaliar o sucesso da cooperação devem J ocalizar esse aspecto , de mensuração
mais delicada;
o resultado finalístico, que é a superação de alguma limitação econômica ou
social relevante, depende de outros fatores além dos diretamente envolvidos
na cooperação; ainda assim, é importante estabelecer uma sistemática de
avaliação dos progressos alcançados no processo de superação, bem como
do papel desempenhado pela nova capacitação, a fim de avaliar a eficácia do
planejamento do projeto em foco;
tendo em vista maior envolvimento da organização recipiendária, costuma-se
requerer uma contrapartida à cooperação técnica recebida, a qual pode ser
em forma de recursos humanos ou materiais; e
a pedra de toque é o que acontece quando a cooperação recebida cessa de
fluir; o projeto que tiver sido bem conduzido terá institucionalizado o conhe-
cimento adquirido e, destarte, o afastamento dos recursos humanos e mate-
riais da organização prestadora da cooperação não deixará seqüelas; em
contrapartida, o retorno à situação pré-cooperação é indicativa de problemas
382 Guilherme Ary Plonski

sérios, possivelmente por se ter adotado a abordagem assistencialista, sem


preocupação suficiente com o desenvolvimento institucional da organização
recipiendária".
Valem, ademais, as observações decorrentes das doze características distintivas
de projetos, enunciadas genericamente no capítulo anterior sobre a administra-
ção de projetos. Assim, por exemplo, deve-se cuidar com atenção redobrada da
gestão das interfaces organizacionais, uma vez que, num projeto dessa natureza,
poderão intervir diversas entidades. Gerir interfaces significa cuidar para que
não haja vácuos (cada entidade acha que a outra iria cuidar de um determinado
assunto) e um mínimo inevitável de superposições (que deverão ser solucionadas
mediante negociação entre as partes).
Quanto à aplicação dos três princípios da Administração de Projetos enunciados,
são eles abordados em outros textos. O primeiro, referente à unicidade da
responsabilidade, é tratado, por exemplo, em Cleland et alii (1990) e Archibald
(1976); no texto de Maximiano (1990) se apresenta a figura do agente de
cooperação. O segundo, de integração do planejamento, programação e controle,
é abordado, entre outros, em Cleland et alii (1990) e Harrison (1981); no texto
de Kruglianskas (1991) se descreve o particular ciclo de vida de projetos de
cooperação técnica internacional. Finalmente, o terceiro, de valorização da
dimensão humana, permeia textos contemporâneos de gestão de projetos, diver-
sos dos quais estão referidos adiante.

VI. CONCLUSÃO

A principal conclusão deste artigo é o reconhecimento da conveniência de se


utilizar o modelo gerencial de projeto para lidar com as ações concretas de
cooperação técnica internacional.
Estando a Administração de Projetos já suficientemente amadurecida, cabe
promover o seu ajustamento ao ambiente da cooperação' técnica internacional.
Outros artigos do presente livro são um passo inicial nessa direção.

4. Em interessante artigo publicado em 1990, as ações de assistência técnica tradicional são classificadas como
anteprojetos. Uphoff sugere uma categoria nova, paraprojetos, que funcionariam como complemento aos
projetos de cooperação , da mesma forma que um paramédico complementa a ação do médico. Esses projetos
ofereceriam maior participação aos beneficiários; operariam em locais mais isolados; proveriam soluções
mais baratas e intensivas em trabalho ; dariam preferência a tecnologias " apropri adas "; e mobilizariam as
idéias e recursos materiais da população local para promover atividades auto geridas e auto-sustentadas.
A Administração de Projetos Aplicada à Cooperação Técnica Internacional 383

Como recomendação básica, sugere-se a criação de uma memória dos projetos


de cooperação recebida e prestada no Brasil (estendendo-os, mais adiante, a
outros países da América Latina), de forma a se ter uma base empírica da qual
se possam extrair práticas gerenciais adequadas.

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Brasileiro. São Paul o , 1991. (A pos tila do Curso PRO CINT ) .
Planejamento de Projetos
de Cooperação
Técnica Internacional

Isak Kr uglianskas

I. INTRODUÇÃO

A cooperação técnica internaci on al tem evo luído bastante na história das nações.
O Brasil, n a época do Imp éri o, tin ha em D . Pedro I um reconhecido ade pto da
Cooperação Técnica Intern aci on al (CTI) . Especialistas alemães, por ex emplo,
deram, por inici ati va do imp er ad or , imp or tantes contribuições para o desenvol-
vimento da siderurgia e da met alurgia brasil eira no século passado . a época,
essa CTI er a p aga integralmente p el o p aís ben eficiado.
Posteriormente, surgiram as CT l s oferecidas pelos países mais desenvolvidos,
sem ônus para os p aí ses em desen volv im ento. Em muitos casos havia um
interesse, da p arte do s países ofer tantes, em assegu rar sua influência sobre os
países beneficiado s, visando a po st er ior es va ntagens políticas e/ou econômicas.
Durante o período da gu erra fri a oco rrera m ver dadeiras co ncorrências (com
finalidades principalmente políticas) - por exemplo , entre os países ocidentais
e os do Leste europeu - para a oferta de CTI aos países em desenvolvimento.
Essas iniciativa s, sem um pl an ej am en to prév io v isando identificar as reais
necessidades e po ssibilidad es de efetiva absorção dos investimentos realizados,
revelaram-se, em muito s casos, ve rdadeiramente desastrosas. São sobejamente
386 Isak Kruglianskas

conhecidos os " elefantes brancos" resultantes desse período, que assumiram a forma
de hospitais, empresas, instituições de pesquisas, equipamentos e outros esquemas
de desenvolvimento sacioeconômico, que foram simplesmente abandonados após
o retorno dos especialistas aos seus países. Em alguns casos, a introdução de
inovações transplantadas dos países mais desenvolvidos acabaram se mostrando
inclusive maléficas para o país supostamente beneficiado, por destruírem práticas
tradicionais que estavam em harmonia com o ambiente, sem que em seu lugar
fossem introduzidas outras que as substituíssem de forma sustentável.
As atividades de cooperarão técnica, bi ou multilateral, constituem um poderoso
recurso para o desenvolvimento, transferência e adaptação de tecnologias em prol
da evolução econômica e social dos países em desenvolvimento. Ocupam, por essa
razão, um importante espaço no campo da Administração de Ciência e Tecnologia.
A administração por projeto constitui o instrumento básico para o processo de
CTI, e por esta razão é fundamental que ela seja conduzida com competência.
Embora esses projetos guardem, por um lado, muitas semelhanças com os
projetos tecnológicos executados no âmbito das empresas ou das instituições de
pesquisa, por outro possuem algumas características que lhes são peculiares. Em
geral, envolvem agências governamentais de diferentes países, possuem escopo
bastante abrangente e estão voltados para o beneficiamento de um público-alvo
regional e/ou setorial bem caracterizado.
Apesar de sua importância, a literatura sobre o gerenciamento de projetos dessa
natureza é modesta. Todavia, existem vários indícios de que os responsáveis pela
gestão desses projetos, em nosso país, têm enfrentado dificuldades na adminis-
tração dos mesmos, o que pode comprometer o bom desempenho e o êxito da
cooperação técnica. O objetivo do presente artigo é descrever os resultados de
uma pesquisa empírica realizada junto a profissionais de instituições brasileiras,
visando identificar a importância que eles atribuem a determinadas abordagens
e técnicas para o planejamento dos projetos de cooperação técnica. Procura-se,
também, verificar em que medida tais procedimentos são efetivamente utiliza-
dos . Neste trabalho, focaliza-se o processo de planejamento do Projeto de
Cooperação Técnica Internacional (PCTI), da perspectiva da cooperação técnica
solicitada.
Nos próximos segmentos do trabalho serão apresentados, inicialmente, o ciclo
de vida do PCTI e, a seguir, detalhadas as atividades de cada uma das subfases
que caracterizam a fase de planejamento. Além da descrição das atividades,
também são apresentados, no ultimo segmento do trabalho, os resultados de uma
pesquisa sobre práticas de planejamento do PCTI no Brasil.
Planejamento de Projetos de Cooperação Técnica Internaciona l 387

11. O CICLO DE VIDA DO PCTI

o processo de planejamento do PCTI é compo sto b asi cam ente por três fas es do
seu ciclo de vida; são as seguintes: fase de estudo s preliminar es ou pr é- concep-
ção do PCTI; fase de concepção do PCTI ; fase de es trutura çã o do PCTI.

FIGURA 1
FASES E ATIVIDADES DE PLANEJAMENTO NO CICLO
DE VIDA DO PROJETO DE CTI

Nív el d e
Atividade
--

Pré-con cepç ão
Tr ansferência
de
result ad os
--
Av ali ação

An alisa r! Explicitar Ava lia r ris cos


i dentifi car obj etivos e po tenciais.
probl em as. result ad os do Decompor as
Formul ar projet o. etapa s em
alte rn ativas de Estabelecer as ativi dades.
soluçã o. etap as. Conc eber urna
Selecionar a Elab orar alt ern ativa
melho r esti mativas organiza cional.
alterna tiv a de pr elim inares d e Esta belecer a
solução. praz os e custos qualificação dos
Iden tificar totais. elementos da
benefici ári os. equ ipe .
Identi ficar Esta belecer
problemas meta s de
específi cos desempenh o
de CTI. ind ividu al.
Detalhar as
espe cificaç ões
dos insumos.
Elabo ra r plan o
formal.

As principais ações no âmbito de cada urn a dessas fas es são apresent adas na
Figura 1.
Para melhor entendimento acerca dos problemas e procedimento s a se re m ado-
388 Isak Krug /ianskas

tados para a execução das ações em ca da um a da s fases , serão apresentadas a


seguir discussões sobre o conteúdo de ca da um a dessa s fases.

111. FASE DE P RÉ-CO NCEPÇÃO

1. Caracterização do Pr ob lem a de Desenvolvimento e Suas Causas


em Nível Macro
A partir de uma idéia delineia-se um tema qu e se rá eventu alm ente abordado pelo
P CT I. O que deverá ser feito, funda me nta lme nte , ne ssa etapa é uma análise e
identificação do problema de des envol vimento , em nível macro , e suas relações
com as necessidades hu ma nas. Co mo, em g eral, o título do projeto já indica o
enunciado do problema subjacente, o mai s importante nesta fase inicial é efetuar
as análises para um aprofun da mento acerca da natureza e características do
problema colocado, ou seja, sua melh or identificação .
O ponto de partida para o desenvo lvimento de um PCTI é a perfeita clareza sobre
o problema maior que o projeto se prop õe resol ver. Es se problema, em nível
macro, é denominado "problema de desen vol vim ento ". Sem es sa visão de con-
texto , a co ntribuição do proj eto se rá pr ejudicad a.
Uma das dificuldades co m que se de fronta o responsável pela elaboração do
plano do projeto, nesta etapa, é ide nti ficar os diferentes níveis de problemas.
Imagine-se, por exemplo, que o governo, dentro de suas prioridades, esteja
altamente interessado em resol ver o probl ema da poluição da baía de Guanabara.
N este caso, o problema de desenvolvime nto p od eria ser colocado da seguinte
forma: excessiva conta mi nação p or poluentes orgânicos e inorgânicos, com
conseqüências nefastas p ar a o sistema eco ló gic o, a economia e a qualidade de
vi da da co munidade loc al.
Sab e- s e que o problema de desen v olvim ento em ap reço decorre, principalmente,
de despejos de esgotos residen ci ai s e industriais não previamente tratados.
Supõ e- se que esses despejos indesejáveis sejam c ausados por diversos fatores,
ta is co mo: falta de I egislação ade qua da p ara controlar e punir os poluidores, falta
de tecnologias economicamen te viáveis, in su fici ente sensib ilização e conscien-
tização por p ar te dos empresá rios, b aix a prioridade atribuída à questão ambiental
pelo poder público na região e assim por di ante. Além do lançamento dos
pol ue ntes, co ntrib ui tam bém p ar a o ag ravamento do problema a inexistente e/ou
insatisfató ria ação de desco nta m inação, qu e, por sua vez, também pode ter como
Planejamento de Projetos de Cooperação Técn ica Internaciona l 389

causas o desconhecimento te cnológico e a bai xa prioridad e por p ar te da autori-


dade publica. Uma r eflexão mais aprofun da da pod er á id entifi car outras ca usas
igualmente responsáveis pelo probl em a de desen volvimento, que co nstitui, num
determinado momento, prioridade gov ernamental.
O(s) PCTI(s) , em geral , aborda(m) alguma(s) dessas ca usas. No entanto , não têm
como propósito resolver totalmente o probl em a de des en vol vim ento, de n at ur eza
mais macro, abrangendo setores, regiõ es ou até m esm o o âmbi to nacion al. Esses
problemas de desenvolvimento constituem pr eocupaç ão do governo do p aís, qu e
para isso conta com outros projeto s, ini ci ati vas e ações co mple mentare s. Portan-
to, o projeto, circunscreve-se à busca de soluçã o p ar a um a p ar c el a do pr obl em a
maior de desenvolvimento .
Para a análise do problema de desenvolvimento a se r es tu da do , a ut ili zaç ão de
Árvores de Problemas -e Causas tem-se mostrad o um a fe rramenta bast an te ade-
quada. Ela permite uma sistematização metodológi ca p ar a a aná lise so bre ca usa s
e efeitos relacionados com o problema a se r aborda do pelo proj et o e suas relações
com os objetivos governamentais e as nec essidad es hum an as. Estas últim as
constituem a preocupação central da CTI. Na Figur a 2 é ilu str ad a a ut ili zação de
uma Árvore de Problemas e Cau sas, mo strando- se os di fer entes nív ei s em qu e
os problemas se situam.
O exemplo da Figura 2 sugere qu e, de um lado , as p ol ít ic as e prior id ad es
governamentais acabam induzindo a inv estimentos in su fici entes, resultando em
baixa geração de tecnologias de diagnó stico de conta mi nação e, co nseqüente -
mente, em ações de descontaminac ão , como a Baía de Gu an ab ar a, qu e não
atendem às necessidades, acabando por agrav ar o probl em a da polu iç ão loc al.
Por seu turno , a legislação ambiental inadequ ad a e pou co punitiv a acaba não
conscientizando e sensibilizando os moradores e os empresá rios , levando- os a
executar ligações de esgoto cl andestinas e/ou desp ejo s industri ai s se m prévi o
tratamento, o que traz como resultante o aume nto da poluição . O aume nto da
poluição , por sua vez, gera danos à saúde da popul açã o lo cal e es pa nta os turist as,
ocasionando, enfim, a degradação da qu alidad e de v ida e prejuízo p ar a a ativ i-
dade econômica.
390 Isa k Kruglianskas

FIGURA 2
EX EM PL O DE ÁRVORE DE PR OBLEMAS E CA USAS

Degr ad ação da qu ali da de de v ida e d a ativ id ade econômica

R iscos p ara a Redu ção


sa úde públ ica do turismo

Excess iva co nt aminação d a baía de Guanabara

Açã o
descont amin at óri a
insatisfató ria

T ecn ol ogi as par a Ligaçõ es cl and est in as


Lançamentos de
di agn ós tico de esgo tos
rejeitos industriais
ine fic ie n tes res ide nc iai s

In ves tim entos Baixa conscientização


insu fici entes da população e das emp resas

Priori dades e políticas


Legi sl ação amb ien tal inadeq ua da
gove rna me n ta is
Planejamento de Projetos de Cooperação Técn ica Internacional 391

Convém notar que o que em um determin ado ní vel é causa, no nível ime-
diatamente superior é problema e no nível ain da mais alt o qu e es te último é
efeito. A Figura 3 ilustra o conceito.

FIGURA 3
HIERARQUIA DE PROBLEMAS E CAUSAS

Problem as Nível

Excessiva dependência de
outros países em In tern ac ional
med ic amen tos

I
Nacional

I
Atraso tecnológico do
Seto ri al
setor farm ac êu tico
I
Escassez de pro fission ais
I
qu alificados Pr oj et o
em química- fin a

No exemplo ilustrado pela Figura 2, o problema de desen volv im en to era a


excessiva contaminação da baía de Guanab ar a, que tinh a rep ercussõ es na qu al i-
dade de vida dos habitantes da região, pois afetava ta nto a saúde destes co mo a
392 Is ak Krugl ianskas

atividade econô mica, na medida em que redu zi a, por exemplo, a atratividade do


turism o e, co mo re ba timento, os emp regos del e decorrentes. As dificuldades
enfre nta da s por empresas loc ali zad as n a regi ão , como é o ca so do Hotel Glória,
constituem um a ilustração viva dos imp acto s neg ati vo s da poluição naquelas
pr aias da ci da de do Ri o de J an eiro. Nesse caso , o problema no nível do projeto
se res tr ingiria, por exemp lo , ao desen volvimento de tecnologias adequadas para
ide ntificar as fo ntes de co ntami nação, limitando-se, portanto, a um do s blocos
da árvo re de p robl em as e ca usas . Est á cl aro que o projeto , sozinho, não é capaz
de solucionar o problem a de desen vol v im ento (o u macro) , ma s tão-somente de
co ntri buir par a sua so luçã o. O obj etivo im edi ato do projeto deve traduzir,
portanto , apenas os aspectos do probl em a de desen volvimento que ele pretende
abordar no seu nív el .
Ao se formularem proble mas, convé m expressá -los através de termo s que efetiva-
mente denotem problemas, tais co mo falta, escassez, in adequação , in su ficiência etc.
Em geral os PCTls es tão vo lta dos p ar a o de senvolvimento institucional de
organizações que possam co ntribuir p ar a a so luçã o do s problemas. Ess as insti-
tu ições pod em ser un iv er sidad es, in stituiçõ es de pe squisa , associações de classe,
empresas, órgãos governa me ntais etc . Esse desenvolvimento institucional se
traduz, essencialme nte, na absorção de tecnologi a e cap acitação de recursos
hu m an os. Ta mbé m são fre qüe ntes os PCTl s cuja finalidade é a execuçã o de
estu dos vi sa n do à geração de co nhecimentos através, por exemplo, de projeto s
pil ot os p ar a subsi dia r pr ogram as gov ern am entai s mais amp los. Nesses tipos de
pr oj etos já não há a preocup ação co m o des envolvimento institucional , mas com
a prod ução de informações e recom endaçõ es.
Se o PCTI tr at ar de des env olvimento in stitucional , convém, já nessa fa se de
pr é- con cepçã o, efetuar um a aná lise do co ntexto no qu al a instituição está inse-
rid a, em termos de dep endên ci as pol íticas, econômicas e técnicas. Quais são as
possív eis ameaças e opo r tuni da des qu e ess as red es externas podem criar? Como
os clientes da ins ti tuição encara m os se rv iços por ela prestados, e quai s as outras
in st ituiç ões qu e tamb ém es tão tratando do problema a ser abordado pelo projeto ?
Caso os serviços prestad os sejam positiv am ente ava liados, de qu e form a são
pr est ad os e com que inte ns ida de?

2. Fo rm u laçã o de Alternativ as para Abordar o Problema

Após a ex ploração v isa ndo a um claro ente n dim ento do problema, convém gerar,
de fo rma bast ante cr ia tiva, o maior núm ero possível de abordagens . Para isso,
Planejamen to de Proje tos de Co ope ração Técn ica Intern a ci onal 393

pode- se lan ç ar mão de técnic as de cri ati vidad e, tanto grupo interativo co mo
grupo no mi na l, co mo , por exemp lo , brain storm ing e brain writing. O resultad o
será uma lista de enfoques altern ativo s p ar a a so lução do probl em a ide nt if ica do.
Recomenda-se qu e todo o planejamento, e em p articular esta etapa , seja reali zad o
de forma bast ante p artic ip at iv a. A co ntribuição de experts no tem a do pr obl ema
deve ser altamente estim ulada. Em geral , qu ando o pr obl em a tem ca racterísticas
de multidisciplinar id ad e, o responsável pel a el ab or aç ão do pl an o não possu i tod o .
o conhec imento necessário pa ra a adequada consider aç ão de tod as as sua s
fa ce tas . Al ém dos técnicos que futuram ente poderão co ntr ibu ir p ar a a execução
do proj et o, é tamb ém reco mendável , se mpre qu e possív el , a pa rtic ipação de
ele mentos qu e serão resp on sáv eis pela dis semin aç ão do s resultad os do pr oj et o
junto aos seus be neficiários finais . Outro p articip ante a se r co ns ide ra do é o
b en efici ár io final, pois seu envol vimento precoce faci litará , substanc ial mente , a
implantaç ão do s res ultados do p roj eto ap ós o seu encerra mento .

FI GURA 4
TRANS FER ÊNCIA DE RESULTADOS NO PRO JETO DE
COOPERAÇ ÃO TÉ CNICA INTERNACIO NAL

Púb lico -alv o


ben efi ci ad o In fr a- es tr u tur a
amb ie nta l

Obj e t ivos ge rais

I Rece pto r A gente


de
P rojeto
I diret o
I coop e ração

Obj et iv os ime d ia to s In s titu içã o


executo ra
394 Isak Kruglianskas

A identificação do beneficiário final do projeto reveste-se de grande importân-


cia, pois toda a justificativa a ser desenvolvida posteriormente, na fase de
elaboração do documento do plano do projeto, estará centrada nesse público-
alvo.
Como se depreende da Figura 4, o beneficiário final do PCTI não é a equipe do
projeto ou a instituição executora. Estes são os recipientes diretos. O beneficiário
final será o segmento da comunidade que se pretende atingir com o projeto.

3. Escolha de uma Solução


Esta etapa consiste em analisar cada uma das alternativas, visando identificar as
que são viáveis. Em seguida, deve-se proceder às avaliações de custo/benefício,
a fim de se selecionar a solução ou combinação de soluções que se mostre mais
vantajosa. Em geral essas análises de custo/benefício são difíceis, pois nesta
fase, via de regra, não se dispõe de dados muito quantificáveis. De qualquer
modo, deve-se tentá-las, mesmo que de forma aproximada.
Como decorrência das análises efetuadas nesta etapa, o problema a ser abordado
pelo PCTI pode ser alterado. Por exemplo, se na fase anterior havia sido colocado
que o problema do projeto era o Desenvolvimento Institucional do CETEM
(Centro de Tecnologia Mineral) no campo de tecnologia para diagnóstico de
contaminação por metais pesados na baía de Guanabara, após as considerações
feitas nessa etapa o problema poderia ser recolocado como sendo o de conscien-
tização e controle das empresas poluidoras pela Secretaria Estadual de Meio
Ambiente.
Convém ressaltar que o processo de planejamento do PCTI é iterativo. Embora
as diferentes fases e respectivas ações sejam colocadas de forma seqüencial, o
processo é de permanente retro alimentação às fases anteriores, isto é, a ênfase
em cada fase vai-se alterando, mas as fases anteriores não são consideradas
imutáveis. Muito pelo contrário, cada etapa posterior fortalece ou impõe altera-
ções nas decisões tomadas nas fases anteriores.

4. Identificação dos Problemas de Cooperarão Técnica


Internacional em Nível Micro (do projeto)
O estudo da abordagem a ser adotada para solucionar o problema em nível micro
confirmará se há necessidade ou conveniência de contar com uma cooperação
internacional.
Planejamento de Projetos de Cooperação Técnica Internacional 395

Essa cooperação se mostrará interessante se for detectado que certos conheci-


mentos, tecnologias e/ou equipamentos necessários podem ser obtidos de forma
mais rápida e eficiente através de parceiros de outros países. É necessário
também considerar se a natureza do problema se enquadra nos campos que são
apoiados pelas agências de cooperação técnica internacional. Freqüentemente,
as agências de apoio à CTI privilegiam as ações voltadas para o estabelecimento
e fortalecimento de competências nos países em desenvolvimento que lhes
possibilitem empreender, de forma autônoma, seu desenvolvimento.
Normalmente, no início do planejamento do projeto já existe o pressuposto de
que o projeto será de CTI, mas convém, nesta etapa, efetuar uma reavaliação
mais detida, para confirmar e justificar o seu enquadramento como um projeto
de CTI. Confirmando-se que convém efetivamente contar com cooperação ex-
terna, a decisão seguinte será a de identificar o(s) país( es) e a(s) agência(s) que
melhor poderão atender às necessidades do projeto. Nesta fase, uma consulta a
um órgão oficial, como a ABC (Agência Brasileira para a Cooperação), do
Ministério de Relações Exteriores, poderá se mostrar bastante interessante. A
agência possui, atualmente, um formulário simplificado que permite submeter à
apreciação prévia a idéia do projeto (SCT - Solicitação de Cooperação Técnica).
Um dos resultados dessas análises poderá ser a identificação do país e instituição
que poderá apoiar a cooperação solicitada.

IV. FASE DE CONCEPÇÃO

1. Formulação de Objetivos e Resultados do Projeto


Para a formulação dos objetivos do projeto, convém inicialmente descrever a
situação problemática existente antes da execução do projeto e a situação dese-
jada após a sua execução, caso ele seja bem-sucedido em seu propósito de
eliminar, evidentemente, o problema identificado no seu nível. Na fase de
caracterização do problema, o problema já deverá ter sido identificado. A partir
dos subsídios gerados naquela fase, procurar-se-á, agora, descrever a situação
desejada como solução do problema que o projeto se propôs enfrentar. O enun-
ciado do objetivo do projeto deve traduzir, de forma sintética, essa situação.
Devem ser considerados dois tipos de objetivos: os objetivos de desenvolvimen-
to, que são os de nível macro (setoriais, regionais ou mesmo nacionais), e os
objetivos imediatos (em nível micro, ou do projeto).
396 Isak Kruglianskas

Freqüentemente se co nfun de m os objetivos do projeto com os objetivos gover-


namentais do país no qua l o pr oj et o es tá se ndo executado. Por exemplo , poder-
se -ia definir como objetivo do proj et o a despoluição da Baía de Guanabara, que
é um objetivo governamenta l m ai or , qu ando mais corretamente o objetivo do
projeto dev eria se r, por exemplo, fo rta lecer a capacitação do CETEM (Centro de
Tecnologia Mi neral) em tecn ol ogi as p ar a efetu ar diagnósticos de contaminação
marítim as p or met ai s p esad os e av aliaçã o de impactos ambientais.
Os objetivos governa me ntais, como já se assinalou, normalmente são diferentes
dos objetivos dos PCTl s, poi s es tes últimos constituem subsídios para o alcance
dos objetivos mais ab ra nge ntes, qu e em geral são denominados, no âmbito do
pr oj eto, de diferen tes m an eiras, tai s como " obj etiv os de desenvolvimento",
" obj etiv os gerais" ou "objetivos m edi at os". Os objetivos do projeto, por sua vez,
são denomin a dos " obj etivos im ed iatos" ou "obj etiv os específicos" , que, via de
regra, como já se observo u, são di fer entes do s objetivos de desenvolvimento
visados p elos governos dos p aí ses nos qu ais estão sen do desenvolvidos os
projetos . No exemplo citado, a desp oluição da Baía de Guanabara seria o objetivo
de desenvolvimento, e a ca pacitação in stitucional do CETEM em tecnologias de
diagnóstico e ava liação de imp act os da co ntam in ação marítima por metais pesa-
dos, o objetivo imediato do pr oj eto.
Os resultad os do proj eto dec orrem das atividades que nele são executadas. Para
atingir o(s) objetivo(s) do proj et o, é necessário produzir um conjunto de resul-
tad os. No caso, por exemplo, do proj eto de despoluição da Baía de Guanabara,
os possíveis res ulta dos do pr oj et o poderi am ser: capacitação de recursos huma-
nos em técnicas de loc alização e retirad a de metais pesados; determinação dos
mecanis mos de transporte dos polu entes; determinação dos efeitos da contami-
nação po r m etais pesados na bi ot a, id en ti ficação do s principais focos de poluição
por metais pesados.

2. Etapas para a Exec ução do Pr ojeto

P ara que os res ulta dos, ou pr odutos, do projeto sejam alcançados, um conjunto
de eta pas dev er ão ser p ercorridas. Essas etap as, que constituem, na verdade, as
macro ativ ida des do pr oj et o, normalm ente representadas no cronograma mestre,
são utiliza das p ar a se efe tua re m as es tim ativ as preliminares sobre prazos e custos
do projeto .
To mando -se po r base a alterna tiva de so luçã o escolhida para abordar o problema
em nível do p roj eto, e os objetivos e resultado s a serem atingidos, o passo
Planejamento de Projetos de Coopera ção Técn ica Internacional 39 7

seguinte será decompor a es tra té g ia se lec io nada em grandes etapas. No início e


término de cada um a dessas eta pas são associa dos marcos do proj eto . Via de
regra, o término de cada eta pa corresp onde à pro dução de um ou mais resultados
parciais do proj eto .
Esses resultados parciai s dev em se r cl ar am ente especificado s, a fim de que
possam ser, posteriormente, reconh ecidos na fase de aco mpanhamento e contro le
do projeto . Por ex emplo , no ca so do pr oj et o da D esp olu ição da B aía de Gu an a-
bara, uma das etap as poderia se r a cap aci tação de recursos huma nos em técnicas
de diagnóstico de contamin aç ão de áreas mar ítim as por metais pesados. Os
resultados desta etapa poderiam se r, por exemplo: a) capacitação de cinco
químicos em análi ses expe ditas p ar a det ecção de m erc úrio e chumbo na orla
marítima; b) capacitação de quatro enge nhe iros pa ra elaboração de mapas mos-
trando a distribuição da s conc entraç ões de m et ais pesados em toda a área da B aía
de Guanabara e assim por di ante.

3. Estimativas Preliminares sobr e Praz os e Custos

A partir das etapas e re spectivo s re sultad os a se re m obtidos, deve-se, inicial -


mente, anali sar quais os po ssívei s tip os de recursos de que se poderá lançar mão.
Em geral , para se obter um det ermin ad o resultad o podem -s e ut ilizar difere ntes
combinações de insumo s. Por exe mplo, p ara a capac itação de um profissio nal
em uma determinada técnica de aná lise quími c a, pode-se pensar em enviá-lo a
uma universidade nacional loc ali zad a na mesm a r egi ão em que ele estej a traba-
lhando para fazer um curso de es pecial ização, o u a uma ou tra ins tituição, também
local , para um estágio , ou , alt ern ativa men te , enviá -lo pa ra o exterior, ou ai nda
contratar um especialista para mini strar um curso , ou efetuar co mbinações d ess as
alternativas , visando ao m esmo resultad o. Cad a um a destas opções impl ica rá
diferentes categorias de desp es as, tai s co mo bol sas de estudo, diárias , viagens,
remuneração de consultores etc .
Após identificar as div ersas categ orias de des pesas poss íveis, co nside rando-se
as várias etap as e resp ectivo s resultad os v isa dos , o próx imo passo será o de
analisar as melhores opç ões dentro de ca da ca tego ria . Assim , por exemplo, se
uma das categorias é a contratação de co ns ulto res, devem -se co nsiderar as várias
alternativas, tais como professor es locai s, pr o fission ais de o utras organizações
afins, consultores nacionai s ou int ern aci on ai s etc . As escolhas de ntro de cada
categoria devem se justi fic ar em termos da qu ali dade, necessi dade e custos para
o projeto.
398 Isak Kruglianskas

Os custos estimados poderão, nesta etapa, ser apresentados de forma global,


consolidada, separando-se, todavia, para cada categoria os montantes a serem
cobertos por entidades externas e pelo executante . Convém, nesta etapa, indicar
qual a cooperação externa esperada em termos de, por exemplo, equipamentos,
consultores, estágios em entidades do exterior etc.

v. FASE DE ESTRUTURAÇÃO

1. Determinação dos Riscos


Os PCTIs normalmente tratam de problemas que fogem da rotina. Cada situação
tem a sua especificidade, em face do contexto e momento de sua ocorrência. Por
esta razão, os padrões através dos quais se podem estabelecer as estimativas
quanto a prazos, os custos e até mesmo as metodologias a serem utilizadas pelo
proj eto contêm incertezas. Para proj etos de alto teor inovativo, os riscos, na
verdade, são bastante altos.
Podem ser identificados riscos na fase de partida do projeto, isto é, na aprovação
da proposta, ou logo após, como, por exemplo, atrasos na legalização da docu-
mentação e liberação dos recursos iniciais, na montagem da equipe e instalações
para o projeto. Esses riscos poderão gerar descrenças, desmotivações e atraso
nos prazos finais para término do projeto, podendo até requerer uma reformula-
ção da proposta a fim de acomodar os inconvenientes.
No transcorrer do projeto, já na fase de execução, também podem ocorrer
problemas que retardem ou até mesmo o inviabilizem. Esses obstáculos, que
constituem também riscos do projeto, se concretizam através de fatos, como, por
exemplo, o surgimento de dificuldades técnicas não-previstas, escassez de recur-
sos para aquisição de materiais, equipamentos, contratação de pessoal, viagens,
ou outras demandas do projeto . É freqüente ocorrerem esses obstáculos como
conseqüência do não-cumprimento, por parte dos patrocinadores, dos apoios
previamente acordados na fase de aprovação do PCTI, ou do surgimento de
dificuldades na implantação das atividades previamente planejadas.
Outra fonte de riscos está associada a fatores externos ao projeto, tais como: crises
políticas e econômicas que afetem drasticamente as prioridades e a capacidade dos
patrocinadores de financiar o projeto, inovações tecnológicas radicais, que tornem
sem sentido a abordagem inicialmente proposta, e mudanças profundas nas neces-
sidades do público-alvo que deverá se beneficiar dos resultados do projeto .
Planejamento de Projetos de Cooperação Técnica Internacional 399

A análise de riscos envolve um questionamento em relação às possibilidades e


probabilidade de ocorrências de fatos da natureza dos anteriormente citados, com
vistas, quando for o caso, a reformulações das abordagens inicialmente propos-
tas, reforços no orçamento para enfrentar distúrbios com boa probabilidade de
ocorrerem, bem como planos contingenciais para enfrentar eventualidades.

2. Decomposição das Etapas em Atividades


Tendo-se uma boa segurança de que a proposta para a realização do projeto será
aprovada, deve-se tratar de detalhá-la em um nível adequado , para que a equipe
que vier a se responsabilizar pela execução do projeto saiba quais as tarefas a
serem realizadas.
Para que se possa elaborar um orçamento e um cronograma mais confiável,
torna-se igualmente recomendável uma decomposição das grandes etapas em
atividades mais elementares, pois dessa forma as estimativas dos prazos e custos
se tornam mais específicas, assegurando menor risco de erro para a estimativa
global do projeto.
Uma das técnicas clássicas para se decompor o projeto em atividades mais
elementares é a elaboração da Estrutura Analítica do Projeto, muito conhecida
pela sigla WBS (Work Breakdown Structure). Através desta técnica, o resultado
final do projeto é decomposto em etapas, as quais, por sua vez, são decompostas
em sub etapas e assim sucessivamente, até se atingir um nível de decomposição
em atividades consideradas suficientemente pequenas para efeito de estimativas
de prazos e custos. Esta técnica utiliza uma árvore piramidal que permite uma
visualização das inter-relações entre os diversos níveis de agregação das ativi-
dades. Uma ilustração do conceito é apresentada na Figura 5.
400 Isak Kruglianskas

FIGURA 5
ESTRUTURA ANALÍTICA DO PROJETO

Capacitação
institucional
do CETEM

Treinamento de Aquisição de Transferência de


recursos humanos equipamentos tecnologia

I I I

Cursos Cursos Equipamentos Equipamentos Consultores Visitas


nacionais importados nacionais e
Brasil exterior internacionais locais

A partir das atividades assim decompostas, podem ser detalhados e refinados


tanto os orçamentos quanto aos cronogramas, através das asssociaçô es de custos
e prazos às atividades.

3. Alternativa Organizacional
A partir do conjunto de atividades a serem executadas, deve-se definir uma
estrutura organizacional para o projeto, com a explicitação dos sistemas de
autoridade, responsabilidade e comunicações a serem adotados.
N esse sentido, as atividades são agregadas de acordo com algum critério, como,
por exemplo, especialidade disciplinar (computação, química, física, oceanogra-
fia, antropologia, economia etc.), ou agrupadas através de subconjuntos do
projeto (sistema de planejamento, sistema de monitoração, sistema de hardware,
sistema de software etc.).
Planejamento de Projetos de Cooperação Técnica Internacional 401

o PCTI normalmente é multiinstitucional, envolvendo instituições nacionais,


estrangeiras e órgãos multinacionais. No país receptor temos a(s) instituição(ões)
executora(s) do projeto e, na maioria dos casos, a coordenação através de uma
agência ligada ao Ministério de Relações Exteriores, como, por exemplo, a ABC.
Em nível internacional, temos a(s) instituição(ões) cooperadora(s) que dão o
apoio técnico através da capacitação de recursos humanos e da transferência de
tecnologia explícita ou implícita (equipamentos) , com a eventual interveniência,
através das ações de coordenação, da agência de cooperação do país que oferece
a CTI, como, por exemplo , a GTZ (Alemanha) e a JICA (Japão). Estas são
basicamente as instituições atuantes quando se trata da CTI bilateral. No caso da
CTI multilateral, tem-se ainda, adicionalmente, a participação das entidades
multinacionais de apoio à cooperação técnica, como, por exemplo, PNUD, a
OEA, a OPAS ou outras instituições.

Dada a complexidade organizacional decorrente da multiplicidade de instituiçõ-


es que interagem com o PCTI, é muito importante que o arranjo organizacional
seja bem delineado, a fim de minimizar os entraves de caráter burocrático e,
dessa forma, agilizar as atividades do projeto. Assim, evitam-se frustrações e
conflitos que possam afetar adversamente o clima organizacional e a motivação
da equipe do projeto.

Para projetos de maior porte, a distribuição da autoridade no âmbito do projeto


pode ser descrita através do organograma funcional clássico, no qual as diversas
posições do projeto são representadas por quadriláteros que se interligam através
de segmentos de reta que representam, na direção vertical, autoridade de linha
e, na horizontal, autoridade de assessoria. Esse organograma pode ainda ser
complementado por manuais de organização nos quais são também estabelecidas
as responsabilidades e aptidões requeridas nas diversas posições do projeto.

Outro instrumento que pode ser utilizado, complementarmente ao organograma


funcional ou em seu lugar, caso o projeto não seja de grande porte, é a chamada
matriz de responsabilidades ou organograma linear. A grande vantagem desse
instrumento é a sua simplicidade. Através de uma matriz são indicadas, nas
linhas, as principais etapas do projeto e, nas colunas, as posições-chave do
projetá e das entidades que com ele interagem. Nas células da matriz são
colocados símbolos que indicam responsabilidades e autoridades previamente
codificadas, tais como: autoridade para aprovar e ser informado, responsabilida-
de pela execução e pela informação. Por meio da matriz assim construída, ficam
registrados os principais papéis a serem desempenhados pelos atores-chave nas
atividades-chave, reduzindo boa parte das ambigüidades e, conseqüentemente,
402 Isak Kruglianskas

das possibilidades de conflitos disfuncionais no projeto. Na Figura 6 é ilustrado


um exemplo simplificado da utilização desse instrumento.

4. Perfil do Pessoal e Metas de Desempenho


Assim como em vários outros tipos de projetos, no PCTI o fator humano é
elemento-chave para o sucesso . Por essa razão, é imprescindível que seja dis-
pensada toda a atenção à elaboração de um bom planejamento para os recursos
humanos . No caso do PCTI, uma proporção às vezes significativa da equipe é
composta de profissionais estrangeiros, externos, portanto, à instituição respon-
sável pela execução do projeto. Os cuidados nas especificações requeridas desses
tipos de peritos tornam-se, por conseguinte, mais importantes do que nos casos
corriqueiros de projetos que lançam mão exclusivamente de pessoal interno à
instituição.
O ponto de partida para esse planejamento é a análise dos conjuntos de grupos
de atividades que integram cada elemento da estrutura organizacional do projeto.
Ela permitirá caracterizar os perfis dos profissionais que melhor se podem
desincumbir da responsabilidade pela execução das tarefas e do exercício da
autoridade necessária para o satisfatório andamento do projeto .
Para estabelecer os requisitos a serem atendidos pelos elementos que integrarão
a equipe do projeto, deve-se atentar para os conhecimentos, as habilidades e as
atitudes dos indivíduos.
Em relação aos conhecimentos, poderão ser indicadas a escolaridade e a expe-
riência necessárias ao bom desempenho de uma determinada posição no projeto.
Esta dimensão preocupa-se, essencialmente, em assegurar que o ocupante do
cargo tenha a informação requerida para desincumbir-se satisfatoriamente das
demandas que lhe serão impostas pelo p-rojeto. A título de exemplo, pode-se
imaginar que para assumir a posição de supervisor da equipe, que fará as análises
químicas de um determinado projeto, seja necessário um engenheiro químico
com título mínimo de mestre e experiência profissional superior a dez anos na
especialidade.
Analogamente, em termos de habilidades, devem ser assinaladas as aptidões que
o ocupante do cargo deve ter para poder tornar seus conhecimentos contribuições
efetivas para o projeto. São bem conhecidos os exemplos de indivíduos que,
embora possuidores de uma escolaridade e experiência modestas, são capazes de
contribuir mais eficazmente para o projeto do que alguns de seus colegas com
formação mais completa e sofisticada. Esse fato se prende a aspectos de perso-
Planejamento de Projetos de Cooperação Técnica Internacional 403

FIGURA 6
ORGANOGRAMA LINEAR PARA UM PCTI

Agência de
Projeto Área Funcional
cooperação
Supervisores Diretoria Gerente
Gerente Representante
de equipe técnica administrativo
Coletar dados D E
Caracterizar o
E I A
problema
Formular
E I, D A D A
objetivos
Negociar
custos E I, D D D
e prazos
Detalhar
A E
cronograma
Detalhar
A E D
orçamento
Formular
programa de A E
treinamento
Indicar
A E
consultores
Especificar
E I A D
equipamentos
Planejar
A E I
viagens
Programar
revisões do A E D
projeto
Montar o
plano do A E D D D
projeto
A= APROVA
D = DEVE SER INFORMADO
I = DÁ INFORMAçõES
E = RESPONSÁVELPEIAINFORMAÇÃO
404 Isak Kruglianskas

nalidade, que induzem as pessoas a melhor explorar seu senso de oportunidade,


procurando suprir as lacunas de seu conhecimento recorrendo ao auxílio de
pessoas que possuem as informações, resultando em uma maior capacidade de
contribuir para os objetivos do projeto.
A atitude diz respeito à opinião que as pessoas têm acerca do projeto ou de suas
atividades. Esta dimensão tem-se revelado importantíssima para o bom desem-
penho de papéis no projeto. Mesmo que a pessoa atenda satisfatoriamente aos
requisitos de conhecimento e habilidades anteriormente discutidos, seu desem-
penho num determinado papel no projeto estará bastante prejudicado caso ela
tenha uma atitude inconsistente com sua função. Para ilustrar o conceito, imagi-
ne-se um projeto agressivo ao meio ambiente e que, para coordená-lo, seja
designada, inadvertidamente, uma pessoa que milite entusiasticamente em um
partido verde. Ou que se designe para um papel que requeira intensas atividades
de relacionamento pessoal um cientista que goste do trabalho individual e
introspectivo e que considere muito palavrório um indício de vagabundagem.
Em geral, quando se estabelecem os requisitos para a ocupação de uma posição
no projeto, tende-se a dar uma ênfase bem maior à dimensão "conhecimento",
que pode ser avaliada preliminarmente pelo currículo dos interessados, relegan-
do a segundo plano os aspectos de "habilidades e atitudes", mais difíceis de
serem especificadas e avaliadas.
As metas de desempenho individual decorrem das especificações requeridas pelo
papel no projeto. Devem ser isentas de ambigüidade e conhecidas previamente pelas
pessoas que exercerão as funções no projeto. É desejável que as metas sejam nego-
ciadas com o coordenador do projeto e previamente estabelecidas de comum acordo.

5. Especificação dos Recursos


N esta fase deverão ser feitas as especificações dos recursos necessários e sua
quantificação orçamentária. As análises das atividades, das qualificações reque-
ridas quanto aos recursos humanos a serem utilizados e dos resultados a serem
produzidos constituem os subsídios básicos para se determinar o orçamento
detalhado do projeto.
Deverão ser definidas as características dos equipamentos a serem adquiridos,
as indicações sobre possíveis fornecedores e respectivas estimativas de custos.
No caso de o projeto requerer a construção de edificações e aquisição de
instalações, estas deverão também ter seus parâmetros técnicos e respectivos
custos devidamente previstos.
Planejamento de Projetos de Cooperação Técnica Internacional 405

A descrição dos perfis dos recursos humanos e respectivas estimativas quanto


aos seus custos e fontes de recrutamento constituem, em geral, as informações
mais importantes a serem produzidas nesta fase do planejamento do projeto. As
despesas com pessoal devem incluir os respectivos encargos e provisões.
Outro item a ser considerado são as subcontratações de serviços de terceiros, que
podem ser representadas por consultorias externas e compra de serviços para
execução de parte das atividades previstas para o projeto .
Os treinamentos a serem propiciados aos elementos da equipe do projeto ou, em
alguns casos, a elementos do público-alvo constituem outra parcela importante
a ser considerada nas estimativas dos custos.
As despesas com viagens e estadias costumam representar volume expressivo
nos PCTIs . Pode-se estimá-las em uma rubrica própria, separada das demais, ou
incorporá-las às rubricas com as quais estão mais diretamente relacionadas.
Assim, se determinados custos com viagens e estadias estiverem relacionados
com o pessoal do projeto, essas despesas poderão ser consignadas em um subitem
daquele grupo de despesas.
É comum utilizar-se a rubrica "D iv ersos" para alocar as estimativas de agreg ados
de pequenos custos, para os quais não vale a pena dar destaque, como, por
exemplo, materiais de consumo, manutenção, despesas com comunicações e
reservas para contingenciamento .
Outro elemento importante para o custeio do projeto são os custos indiretos, que
em geral são estimados como uma porcentagem dos custos diretos. Embora esse
custo não seja controlado pelo coordenador do projeto, não sendo, portanto, a
rigor, um custo do projeto, convém ressaltar que ele existe e é indispensável para
assegurar que a instituição que abriga o projeto possa sobreviver. Pelo fato de
não ser um custo especifico do projeto , muitos patrocinadores opõem resistência
à sua inclusão no orçamento do projeto.
O orçamento consolidado deve ser apresentado desdobrado, indicando-se para
cada fonte de financiamento (contrapartida nacional, fonte internacional etc.) o
montante de cada rubrica que será de sua responsabilidade. Quando o orçamento
consolidado for desdobrado nas parcelas previstas para os diversos períodos
(mensal, trimestral, anual etc.), deverá ser elaborado, separadamente, um plano
orçamentário para cada uma das fontes de financiamento.
As estimativas quanto a prazos e custos globais obtidas após esses refinamentos,
decorrentes dos detalhamentos das atividades e das especificações dos recursos,
devem ser consistentes com as estimativas preliminares, obtidas anteriormente,
406 Isak Kruglianskas

na fase de concepção, ao se considerarem apenas as grandes etapas do projeto.


Naquela fase inicial, as estimativas foram feitas com o intuito de fornecer
subsídios ao processo decisório concernente ao interesse preliminar de se dar
continuidade à aprovação da iniciativa de realização do projeto. Nessa fase, as
informações que estão sendo geradas visam subsidiar o processo de execução do
projeto.
Caso as diferenças entre as estimativas orçamentárias preliminares e as finais
sejam significativas, deve-se procurar, através de um processo iterativo, efetuar
reformulações nas abordagens metodológicas, até que seja alcançada uma apro-
ximação aceitável em relação às estimativas iniciais, sem, evidentemente, alterar
os objetivos e resultados do projeto. Se as tentativas de conciliação das estima-
tivas dos prazos e custos obtidos nesta fase com as previsões iniciais se mostra-
rem inviáveis, será necessário uma renegociação com os patrocinadores.

6. Elaboração do Plano Formal do Proj eto


Os estudos efetuados nas fases anteriores de pré-concepção, concepção e estru-
turação constituirão a base para a elaboração do Plano Formal do Projeto . Esse
plano, às vezes denominado Documento do Projeto, que é o principal produto da
fase de estruturação, deve apresentar todas as informações necessárias à ratifi-
cação da aprovação inicial da proposta do projeto, ocorrida ao final da fase de
concepção, e também ao efetivo início da fase de execução do projeto .
O Plano Formal do Projeto deve descrever o contexto no qual estará inserido o
projeto, as justificativas para sua execução, os objetivos a serem atingidos, assim
como os resultados e as atividades requeridas. São também relacionados, de
forma consolidada, os recursos necessários, indicando-se a cooperação solicita-
da e a contrapartida oferecida. Outros aspectos igualmente relevantes deverão,
de forma adaptativa, ser apresentados no Plano Formal do Projeto, tais como os
riscos envolvidos, a estrutura organizacional, a sistemática e a programação das
avaliações periódicas, as revisões e emissão de relatórios. Complementarmente,
às vezes na forma de anexos, devem constar do Plano Formal do Projeto: o
orçamento detalhado, o plano de trabalho na forma de um cronograma físico e,
quando necessário, os programas de treinamento previstos, a descrição dos
cargos da estrutura organizacional do projeto, bem como outras informações
referentes a aspetos diversos, a saber: os legais e os pressupostos e os compro-
missos assumidos pelas instituições intervenientes, que deverão ser cumpridos
para que o projeto seja bem-sucedido. No item VII, referente às considerações
Planejamento de Projetos de Cooperação Técnica Internacional 407

finais e às recomendações, é apresentado um roteiro comentado para a elabora-


ção do plano formal do projeto .

VI. RESULTADOS DE PESQUISA EMPÍRICA SOBRE


PLANEJAMENTO DE PCTI

Para se estudar a pratica de planejamento dos PCTIs em instituições brasileiras,


foi realizada uma pesquisa envolvendo profissionais com experiência no plane-
jamento de PCTI.
A amostra estudada era constituída de 26 profissionais que exerciam as funções
de líderes ou/e membros de equipe de projetos e de supervisores de líderes de
projetos por mais de dois anos. Os respondentes também eram todos participan-
tes do PROCINT (Programa de Gestão da Cooperação Técnica Internacional),
executado pelo PACTo (Programa de Administração em Ciência e Tecnologia)
no primeiro semestre de 1991, envolvendo técnicos oriundos de diferentes tipos
de organizações, tais como: institutos de pesquisa, universidades, empresas
industriais públicas e privadas, órgãos governamentais, agências de fomento e
empresas de consultoria.
Para a coleta dos dados foi preparado um questionário em que as diversas
atividades das fases de pré-concepção, concepção e estruturação do ciclo de vida
do projeto eram apresentadas aos respondentes. Foi solicitado que indicassem a
importância dessas atividades para o adequado planejamento dos projetos em
suas respectivas instituições e a intensidade ou freqüência com que essas ativi-
dades eram praticadas. Utilizou-se uma escala de 5 pontos tipo Likert para
registrar as respostas.
Do total de 26 questionários respondidos foi possível, após uma triagem prévia
quanto aos critérios de amostragem, o aproveitamento de 21 formulários. Foram
desconsiderados os que estavam incompletos e aqueles em que o respondente
não tivesse pelo menos dois anos de experiência em projetos.
Inicialmente, faz-se uma análise sobre a importância atribuída pelos respondentes
às diversas atividades que integram a fase de planejamento do PCTI. A seguir,
discute-se a intensidade com que essas atividades são efetivamente praticadas no
planejamento do PCTI, segundo a percepção dos respondentes. Na seqüência,
procura-se analisar como se comportam os itens referentes à importância atribuída
às atividades de planejamento do PCTI e a intensidade com que essas atividades são
efetivamente praticadas nas instituições que executam esses projetos .
408 Isak Kruglianskas

1. Importância Atribuída as Atividades de Planejamento nos PCTIs


A Figura 7 indica de forma clara que todas as atividades de planejamento
consideradas no presente estudo são vistas pelos respondentes, de modo global
(líderes e supervisores), como bastante relevantes. Embora ainda percebidas
como importantes, destacam-se, no conjunto, como de relativamente menor
importância as seguintes atividades:
estabelecer metas de desempenho individual;
conceber uma alternativa organizacional para o projeto;
avaliar os riscos potenciais do projeto.

FIGURA 7
IMPORTÂNCIA ATRIBUÍDA ÀS ATIVIDADES DE PLANEJAMENTO

: : : : : : :: : : : : : : :: : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : :
Analisar e Identificar qual é o problema de desenvolvimento .............•
.•.•.•.•.•.•.•...•.•...•...•.•.•.•.•...•.•.•.•.•...•.•.•..•••.•.•.•.•.•...•.•...•••.•.•.•.•..
: : :: :.: : : :: : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : :
Formular possív eis alternativas desolução ao problema de desenvolvimento :.:.;.:.:.:.:.;.;.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:..:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:
:.:.:.;.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:.:·:·:·:·:·:·:·:·:·:·:·:·:·:·:·:·:·:·:·:·:1
Selecionar a melhor solução e idenficar principais beneficiários ......•...•.•.•.•.•.•...•.•.•.•.•.•.•...•..•.•.•.•.•.•.•...•.•.•.•.•.•.•.•...........
: : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : :: : : : : : : : : : : : : : : : : : :
Identificar os problemas específicos de cooperação internacional .:.:...:...:..•..;.:.:..•..:.:.:•.......•:.:.:.:.:.•.•.:.:.:.•.:...:.•......•..:.:.:.:.:.:.:.:.:.:
: : : : :: : : : : : : : :: :: : : : : : : : : :: : : : : : : : : : : :: : : : : : : : : : :
Explicitar objetivos e resultados do projeto
: :
Estabelecer etapas para o projeto :.:.:..... .
: : : :: : : : : : : :: : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : :
Elaborar estimati vas preliminares de prazos e custos totais do projeto :

: :
Avaliar riscos potenciais : : : :.: : :
: : : : : : : : :: : : : : : : : :: : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : :
Decompor as etapas em atividades mais detalhadas :
:
Conceber uma alternativa organizacional para o projeto
: : : : : : : : : : : : : : : :: : : : : : : : : : : : :: : : : : : : : : : : : :
Estabelecer as qualificações dos elementos da equipe do projeto
Estabelecer metas de desempenho individual :
: : : : : : : : : :: : : : : : : : : :: : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : : :
Detalhar as especificações dos insumos do projeto : :

Elaborar o plano formal do projeto ........................................................................


:
..................................
:.:.: :.:.:.:.:.:

o 1 2 3 4
O Supervisores Líderes Global
I

Como se verá mais adiante, a menor importância atribuída ao estabelecimento


de metas de desempenho individual se explica pelo fato de o grupo de supervi-
sores não ter atribuído uma importância muito grande a essa atividade.
Como era de se esperar, destaca-se como a mais importante a atividade que
consiste em elaborar o documento do plano formal do projeto, pois este é a
expressão mais tangível do processo de planejamento . As discussões realizadas
Planejamento de Projetos de Cooperação Técnica Internacional 409

com os respondentes durante a pesquisa sugerem claramente que o planejamento,


em geral, é identificado com esse produto e, conseqüentemente, não se dá,
aparentemente, a merecida importância ao processo que o antecede, descrito
através das atividades estudadas nessa pesquisa.
Analisando-se as diversas respostas fornecidas pelos supervisores e líderes de
projetos, constata-se que em geral há uma razoável convergência. Entretanto, em
relação à atividade "estabelecer metas de desempenho individual" constata-se
uma certa discrepância. Uma explicação plausível para essa constatação poderia
ser o fato de os supervisores dos líderes dos projetos estarem mais distantes dos
membros da equipe do projeto e, por essa razão, menos sensibilizados com a
questão da avaliação de desempenho desses indivíduos.

2. Intensidade com que as Atividades de Planejamento são


Praticadas
Os resultados mostrados na Figura 8 revelam que as atividades de planejamento
consideradas no presente estudo são todas praticadas com razoável intensidade.
Salientam-se, como atividades praticadas com menor intensidade, as seguintes:
estabelecer metas de desempenho individual;
avaliar os riscos potenciais do projeto.
De acordo com a Figura 8, podem ser ressaltadas como atividades mais intensa-
mente praticadas as seguintes:
elaborar o documento do plano formal do projeto; detalhar as especificações
dos insumos;
estabelecer as etapas do projeto.
Sendo o documento do plano formal do projeto um elemento fundamental para
a consubstanciação de qualquer processo de planejamento, e indispensável em
qualquer negociação para aprovação do 'proj eto, torna-se óbvio que, na prática,
seja intensa a sua utilização . Os motivos que explicam a alta intensidade com
que são praticadas as atividades de detalhamento das especificações de insumos
e a de estabelecimento das etapas do projeto decorrem, aparentemente, da
constatação anterior, pois, para elaborar o plano formal do projeto, essas ativi-
dades são imprescindíveis.
410 Isak Kruglianskas

FIGURA 8
INTENSIDADE COM QUE ÀS ATIVIDADES SÃO PRATICADAS

Analisar e Identificar qual é o problema de desenvolvimento

Selecionar a melhor solução e idenficar principais beneficiários


Identificar os problemas específicos de cooperação internacional
Explicitar objetivos e resultados do projeto
Estabelecer etapas para o projeto
Elaborar estimativas preliminares de prazos e custos totais do projeto
Avaliar riscos potenciais
Decompor as etapas em atividades mais detalhadas
Conc eber uma alternativa organizacional para o projeto
Estabelecer as qualificações dos elementos da equipe do projeto
Estabelecer metas de desempenho individual
Detalhar as especificações dos insumos do projeto
Elaborar o plano formal do projeto ............•..••...•...•.•.........•..•...•.•.........•.•.•.•.•.•.•.•.•...•.•.•.•.•.•...:.:...•.....•.•.

o 1 2 3 4
D Supervisores lideres Global
I

As maiores diferenças observadas entre as percepções dos líderes e dos supervi-


sores relativamente à intensidade com que são praticadas as atividades de planeja-
mento em suas instituições ocorreram nas seguintes atividades:
estabelecer metas de desempenho individual;
analisar e identificar o problema de desenvolvimento;
selecionar a melhor solução para o problema a ser abordado pelo projeto;
explicitar os resultados e objetivos do projeto.
Em relação ao estabelecimento de metas de desempenho individual, os líderes
de projetos consideram que essa atividade é praticada muito mais intensamente
do que imaginam os supervisores. Uma possível explicação para essa diferença
de percepção pode estar no fato de essa atividade estar sendo praticada informal-
mente, em nível do líder do projeto, sendo, por isso, pouco conhecida pelo
supervisor.
Planejamento de Projetos de Cooperação Técnica Internacional 411

No concernente às atividades de analisar o problema, selecionar a melhor abor-


dagem e explicitar os resultados e objetivos do projeto, constata-se que, no
entendimento dos supervisores, essas atividades são praticadas com uma inten-
sidade sensivelmente menor do que a percebida pelos seus subordinados. Isso
pode representar um problema em potencial, pois os líderes de projeto podem
estar entendendo que essas atividades, que são estratégicas para o bom desem-
penho do projeto, estejam sendo executadas a contento, o que não corresponde
à percepção de seus chefes.

3. Comparação entre a Importância Atribuída às Atividades e a


Intensidade com que são Praticadas
Observando-se a representação gráfica da Figura 9, constata-se claramente que,
segundo o conjunto de respondentes, a importância atribuída às atividades de
planejamento dos PCTIs é consistentemente maior do que a intensidade com que
estas são efetivamente praticadas em suas instituições. Isso sugere existirem
barreiras a ser superadas a fim de que a prática se aproxime mais da situação
considerada desejável.
As seguintes atividades se revelaram as mais discrepantes quanto à importância
atribuída e à intensidade com que são praticadas :
identificar o problema de cooperação técnica no escopo do projeto;
estabelecer metas de desempenho individual; avaliar os riscos potenciais do
projeto.
Essa constatação sugere que essas atividades merecem uma consideração mais
aprofundada, tanto da parte dos estudiosos do assunto quanto daqueles que têm
a responsabilidade de administrar os PCTIs. As discussões com os respondentes
sobre a questão da identificação do problema de cooperação técnica, por exem-
plo, é muito problemática, pois muitos projetos que não se justificariam como
PCTI são enquadrados nessa categoria, essencialmente para se tentar utilizar os
recursos disponíveis.
412 Isak Kruglianskas

FIGURA 9
IMPORTÂNCIA ATRIBUÍDA ÀS ATIVIDADES DE PLANEJAMENTO x
INTENSIDADE COM QUE SÃO PRATICADAS (GLOBAL)

Analisar e Identificar qual é o problema de desenvolvimento


Formular possíveis alternativas de s olução ao problema de desenvolvimento
Selecionar a melho r solução e idenficar principais beneficiários ::::::::::::::::::::::::;::::::::::::::::::::::::::::::::::;::::::::::1
Iden tificar os probl emas específicos de cooperação internacional
Explic itar objetivos e resultados do projeto
Estab elecer etapas para o projeto
Elaborar estimativas preliminares de prazos e custos totais do projeto
Avaliar riscos potenciais ::::::::::::::: :::::::::::::::::::::: : ::::::::::l

Decompor as etapas em atividades mais detalhadas


Conceb er uma alternat iva organizacional para o projeto
Estabelec er as qualificações dos elementos da equipe do projeto
Estabelecer metas de desempenho individual
Detalhar as especificações dos insumos do projeto
Elaborar o plano formal do projeto

o 1 2 3 4
Importância Intensidade
I

Através da Figura 10 pode-se verificar que, segundo a percepção dos líderes de


projeto quando analisados separadamente, continua havendo uma diferença sen-
sível entre a importância que atribuem às atividades de planejamento e a inten-
sidade com que praticam essas atividades.
As diferenças observadas seguem, aproximadamente, as visualizadas na Figura
9, que mostra os resultados globais sem a estratificação da amostra. Valem,
portanto , os mesmos comentários feitos anteriormente.
Planejamento de Projetos de Cooperação Técnica Internacional 413

FIGURA 10
IMPORTÂNCIA ATRIBUÍDA ÀS ATIVIDADES DE PLANEJAMENTO x
INTENSIDADE COM QUE SÃO PRATICADAS (LÍDERES DE PROJETOS)

Analisar e Identificar qual é o problema de desenvolvimento


Formular possíveis alternativas de solução ao problema de desenvolvimento ::::::::::: :::: : :::::::::::: ::::::::::::::: : : :::::::::: : : : '1

Selecionar a melhor solução e idenficar principais beneficiários


Identificar os problemas específicos de cooperação internacional
Explicitar objetivos e resultados do projeto
Estabelecer etapas para o projeto ::::::::::: :::::::::::::: :::::::::::::::::::::::: ::::::::::::::::::::::::::::

Elaborar estimativas preliminares de prazos e custos totais do projeto


Avaliar riscos potenciais
Decompor as etapas em atividades mais detalhadas
Conceber uma alternativa organizacional para o projeto
:::;:::::::: : ::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::;:::::::::::::::::1
Estabelecer as qualificações dos elementos da equipe do projeto
Estabelecer metas de desempenho individual :::::: ::::::::::::::::::::: :::::::::::::::::::::::::::::3

Detalhar as especificações dos insumos do projeto


Elaborar o plano formal do projeto ::::: :::::::::: : :::::::::::::::::::::::::::::::::::: : ::::::::::::::::::: : : ::::::::::::::::1

o 1 234
Import ânci a Intensidade

Finalmente, analisando-se a Figura 11, que mostra, segundo a óptica dos super-
visores, a importância que deve ser atribuída às atividades de planejamento e a
intensidade com que essas atividades são praticadas nas suas instituições, con-
clui-se que também para esse segmento da amostra se repete a tendência geral.
Porém as discrepâncias constatadas no caso dos supervisores são bem menores,
em média, que aquelas observadas quando se considera a estratificação da
amostra para os líderes de projetos.
414 Isak Kruglianskas

FIGURA 11
IMPORTÂNCIA ATRIBUÍDA ÀS ATIVIDADES DE PLANEJAMENTO x
INTENSIDADE COM QUE SÃO PRATICADAS
(SUPERVISORES DE LÍDERES)

Analisar e Identificar qual é o problema de desenvolvimento


Formular possíveis alternativa s desolução ao problema de desenvolvimento
Selecionar a melhor solução e idenficar principais beneficiários
Identificar os problemas específicos de cooperação internacional ::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::: ::::::::::::::1

Explicitar objetivos e resultados do projeto


Estabelecer etapas para o projeto
Elaborar estimativas preliminares de prazos e custos totais do projeto
Avaliar riscos potenciais
Decompor as etapas em atividades mais detalhadas
Conceber uma alternativa organizacional para o projeto
Estabelecer as qualificações dos elementos da equip e do projeto
Estabelecer metas de desempenho individual
Detalhar as especificações dos insumos do projeto
Elaborar o plano formal do projeto

o 1 2 3 4
Importância Intens idade

Uma interpretação que poderia ser aventada para explicar essa discrepância
menor poderia relacionar-se com o fato de os supervisores, por estarem mais
distantes dos detalhes das atividades de planejamento executadas pelos seus
subordinados, se aperceberem menos das distâncias que separam os procedimen-
tos efetivamente praticados daqueles idealmente desejáveis.

4. Conclusões da Pesquisa de Campo


As conclusões dessa pesquisa de campo devem ser encaradas com bastante reserva,
visto a amostra utilizada ser muito pequena para que se possam tirar conclusões
mais confiáveis em termos de qualquer tentativa de generalização. Vale ressaltar
que faltam, inclusive, elementos para comparações com outros estudos, porquanto
a bibliografia e, principalmente, as pesquisas empíricas sobre esse tema são muito
escassas. A fim de possibilitar uma validação maior 'dos resultados obtidos nessa
pesquisa, pretende-se dar-lhe continuidade, aumentando o tamanho da amostra.
Planejamento de Projetos de Cooperação Técnica Internacional 415

o fato de se ter constatado que a cada uma das catorze atividades de planejamen-
to selecionadas para estudo é, em geral, atribuída uma importância muito grande
pelos respondentes fortalece a validação do modelo adotado para a realização da
pesquisa, segundo o qual o processo de planejamento pode ser decomposto em
três fases distintas do ciclo de vida do PCTI: a fase de pré-concepção, a de
concepção e a de estruturação, constituídas por um conjunto diferenciado de
atividades.

Os resultados mostram, também, que as atividades relacionadas com a elabora-


ção formal do plano e a especificação de insumos são as consideradas mais
importantes. A atividade de estabelecimento de metas individuais de desem-
penho foi considerada mais importante pelos líderes dos projetos comparati-
vamente aos seus supervisores, que, provavelmente, não estão tão sensibilizados
por este aspecto de caráter mais operacional, no nível da equipe do projeto.

No que diz respeito à intensidade com que as atividades de planejamento são


praticadas, os resultados sugerem que tanto os supervisores como os líderes de
projetos convergem, na maior parte das vezes, para julgamentos semelhantes, ou
seja, de que essas atividades são praticadas com razoável intensidade em suas
instituições, porém aquém do desejável, indicando que existem barreiras a ser
superadas.

Verificou-se, contudo, que para algumas atividades estratégicas para o processo


de planejamento do PCTI, como, por exemplo, analisar, selecionar e formular os
objetivos e resultados do projeto, os supervisores divergem dos líderes de
projetos, pois os primeiros consideram que os líderes de projetos não as praticam
tão intensamente quanto afirmam estarem elas sendo utilizadas em suas respec-
tivas instituições.

Finalmente, convém salientar que, segundo sugerem os resultados da pesquisa,


existem problemas, por parte dos profissionais que atuam no setor, sobre os
critérios para se enquadrar um projeto na categoria de PCTI. Outro ponto a
mencionar é que os profissionais que trabalham com os PCTIs parecem atribuir
uma importância sensivelmente maior ao documento do plano do projeto do que
a que atribuem ao processo de planejamento, que é, sabidamente, tão ou mais
importante que o resultado formal do planejamento.

Sendo este trabalho bastante exploratório, sugere-se o aprofundamento do tema


a fim de que sejam identificadas práticas e técnicas de planejamento mais
específicas para esses tipos de projetos, bem como formas de superação das
barreiras ao aprimoramento das práticas atuais.
416 Isak Kruglianskas

o fato de se constatarem diferenças entre as percepções dos supervisores e


líderes de projetos sobre alguns aspectos relevantes, como, por exemplo, o
processo de formulação de objetivos para o projeto e o estabelecimento de metas
individuais de desempenho, sugere a necessidade de se adotarem medidas no
âmbito das instituições que desenvolvem PCTIs, a fim de que essas diferenças
possam ser discutidas, pois isto pode estar constituindo fontes potenciais de
conflitos entre supervisores e líderes de projetos, com conseqüentes ineficiências
para os projetos.

VII. CONSIDERAÇÕES FINAIS E RECOMENDAÇÕES

A revisão da literatura e a realização da pesquisa de campo sobre o processo de


planejamento de PCTI em instituições brasileiras revelou que já existia um
razoável conjunto de conhecimentos sobre o tema e que os envolvidos com a
execução de PCTIs consideram os procedimentos para planejamento dos mesmos
bastante importantes.
A pesquisa, no entanto, também revelou que a intensidade com que esses procedi-
mentos são adotados está aquém da importância que lhes é atribuída. Este fato
tem sido inclusive apontado por especialistas em PCTI, principalmente por
aqueles vinculados às agências de cooperação, como um dos fatores inibidores
da eficácia da CTI.
Constata-se com freqüência, e a pesquisa confirma esse fato, que os responsáveis
pela elaboração do plano do PCTI atribuem à confecção do documento formal
do plano do projeto uma importância exagerada, comparativamente às demais
etapas preparatórias da sua elaboração . Ao executar de forma excessivamente
precoce a redação desse documento, muitas análises, reflexões e envolvimentos
acabam não sendo adequadamente realizados. Por essa razão, recomenda-se que
o planejamento do projeto seja conduzido de forma paulatina e progressiva,
observando-se as diversas subfases que compõem a fase de planejamento no
ciclo de vida do proj eto, conforme mostrado no modelo conceptual descrito na
Figura l.
Os procedimentos, instrumentos e técnicas aplicáveis a cada uma das etapas da
fase de planejamento do projeto são descritos na primeira parte desse documento
através dos tópicos IH, IV e V. Como se pode constatar no item 6 do tópico V,
a elaboração do documento formal do plano do projeto é a ultima das atividades
que compõem a fase de planejamento do ciclo de vida do PCTI.
Planejamento de Projetos de Cooperação Técnica Internacional 417

Para a elaboração do documento formal descrevendo o plano do projeto, convém


observar um roteiro básico através do qual as informações mais relevantes do
plano possam ser transmitidas. Em geral, as instituições atuantes no campo da
CTI possuem roteiros próprios, voltados para as suas necessidades. No caso de
não existirem esses roteiros, ou de eles não se mostrarem adequados às necessi-
dades de algum projeto em particular, é apresentado a seguir, a título de sugestão,
um Roteiro para Elaboração do Plano Formal do PCTI, de uso geral, adaptável
às características de quase todos os tipos de PCTI.

ROTEIRO PARA ELABORAÇÃO DO PLANO FORMAL DO PCTI

1. Folha de Rosto
Título do proj eto
Responsável(eis) pela sua elaboração
Entidade(s) executora(s)
Entidade(s) patrocinadora(s)
Outra(s) entidade(s) cooperadora(s)
Data da elaboração do plano

2. Introdução
Descrever sucintamente o contexto no qual se desenvolverá o projeto. Fornecer
informações sobre as principais características do setor no qual se inserem o
projeto, outros projetos e esforços em curso ou já executados para o setor, e os
principais órgãos e instituições atuantes no setor.

3. Justificativa
Mostrar a importância do problema, indicando as razões que levaram a se tomar
a iniciativa de executar o projeto da forma como está sendo proposta. Caracteri-
zar bem o problema, mostrando a situação atual e a situação esperada após a
implantação do projeto. Indicar o público-alvo que será o principal beneficiário
do projeto e a estratégia para a implantação dos resultados do projeto. Caso haja
outras entidades ou órgãos intervenientes, descrever como se efetuarão as inte-
grações com o projeto visando maximizar o efeito sinérgico. Na justificativa, o
proponente procura convencer o patrocinador.
418 Isak Kruglianskas

4. Objetivos

Objetivos Gerais (mediatos, mais a longo prazo) - Esses objetivos são mais
genéricos e não podem ser assegurados somente pelo sucesso do projeto; depen-
dem de outros condicionantes. Devem se relacionar com prioridades setoriais,
nacionais e outros programas/projetos em curso ou previstos.
Objetivos Específicos (alcançáveis imediatamente ao final do projeto) - Devem
ser descritos de forma tanto quanto possível verificável e quantificável. Reco-
menda-se associar a cada objetivo específico o(s) critério(s) de sucesso.

5. Plano de Trabalho

Descrever os resultados parciais e finais que serão apresentados pelo projeto.


Para cada produto, indicar as principais atividades necessárias para sua obtenção
e os principais responsáveis por sua execução.

6. Riscos

Quando pertinente, indicar os riscos potenciais que poderão afetar seriamente o


êxito do projeto. Estes poderão ser de natureza técnica, mercadológica, econô-
mica, política, cultural etc. Procurar estimar a probabilidade de sua ocorrência.

7. Sistema de Acompanhamento e Controle

Descrever as formas das avaliações parciais e finais, mencionando a(s) época(s),


o(s) participante(s), o(s) local(is) e os aspectos a serem considerados. Indicar,
igualmente, o(s) relatório(s) técnicos e gerenciais que será(ão) produzido(s) e as
revisões previstas.

8. Plano Organizacional

Mostrar as linhas de autoridade e responsabilidade e o sistema de comunicação


que será utilizado no âmbito do projeto e suas interfaces. Descrever de forma
sucinta os papéis dos principais envolvidos, tanto no nível interno do projeto
(contrapartida) como no das entidades externas que interagirão com o projeto.
Planejamento de Projetos de Cooperação Técnica Internacional 419

9. Orçamento
Elaborar o orçamento consolidado, mostrando os custos envolvidos ao longo do
tempo para cada uma das categorias de despesas (pessoal técnico, pessoal
administrativo, consultores, encargos sociais, serviços externos subcontratados,
treinamentos, matériais de consumo, viagens, equipamentos, diversos, custos
indiretos etc.). Caso os recursos sejam oriundos de diferentes fontes, convém
desdobrá-las . Mostrar a compatibilidade da oferta de contrapartida pela institui-
ção proponente.

10. Diversos
Indicar outros aspectos considerados importantes para o andamento do projeto e
não mencionados nos itens anteriores. Por exemplo, os aspectos legais, as
obrigações assumidas pelas entidades intervenientes e que deverão ser cumpri-
das plenamente, sob pena de inviabilizar o projeto.

11. Anexos
Os planos detalhados, necessários à execução do Proj eto, poderão ser apre-
sentados em anexo. Esta forma de apresentação favorece a leitura da parte mais
descritiva do plano, mais orientada para o processo decisório do que para o
processo executivo. Exemplos de detalhamentos a anexar:
Cronograma físico das atividades;
Cronograma das avaliações, relatórios técnicos e avaliações;
Programação dos treinamentos;
Descrição dos equipamentos e bens de capital;
Políticas e regras para interação com entidades externas;
Organogramas e manuais de organização;
Outros detalhamentos.
420 Isak Kruglianskas

Referências Bibliográficas

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Recebida do Exterior. Coordenação de Cooperação Recebida Bilateral, fev. 1990.
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Project Management Journal, vol. XVII, n. 2, p. 75, jun. 1986.
UNDP. How to Write a Project Document, New York, 1990.
Estrutura Organizacional para
Projetos de Cooperação
Internacional

Eduardo Vasconcellos
Edison Fernandes Polo

I. INTRODUÇÃO

o processo de diminuição do protecionismo econômico pelo qual passa a grande


maioria dos países, a crescente internacionalização das empresas e a busca cada
vez maior de novas tecnologias em todas as áreas do conhecimento são impor-
tantes fatores para o aumento do nível de bem-estar das sociedades. Nesse
contexto, o avanço tecnológico é importante agente de mudança da cultura e
qualidade de vida das sociedades: o desenvolvimento tecnológico só faz sentido
se realizado em benefício do ser humano e da sociedade como um todo.
A base desse processo é a inovação tecnológica, a qual exige que empresas,
governos, universidades e fundações invistam cada vez mais em seus centros de
pesquisa e desenvolvimento. A cooperação internacional torna-se, cada vez
mais, uma estratégia importante para obter tecnologia e aumentar o potencial
competitivo. Empresas, institutos de pesquisa e universidades estão implantando
unidades voltadas para o estímulo e a gestão dessas atividades.
Este capítulo trata das formas alternativas para estruturar unidades de coopera-
ção internacional, vantagens e desvantagens de cada uma delas , assim como
fatores que possibilitem selecionar a forma mais apropriada para cada caso.
422 Eduardo Vasconcellos/Edison Fernandes Polo

11. COMPONENTES E CONDICIONANTES DA ESTRUTURA

Estrutura organizacional é o resultado do agrupamento dos recursos humanos e


materiais, e da definição do papel de cada unidade, no sentido de viabilizar o seu
gerenciamento e atingir os seus objetivos. A estrutura organizacional possui três
componentes básicos e seu delineamento depende de um conjunto de fatores
denominados condicionantes da estrutura, a seguir descritos.

1. Componentes da Estrutura Organizacional


A estrutura organizacional possui três componentes básicos (Fig. 1): departa-
mentalização, definição das atribuições e definição do nível de formalização
(Vasconcellos, 1990).

a. Departamentalização
A departamentalização é um processo que tem por finalidade definir as unidades
organizacionais às quais os recursos humanos e materiais serão agrupados. O
produto da departamentalização pode ser representado por uma figura denomi-
nada organograma. No transcorrer do capítulo serão estudados os elementos mais
importantes da departamentalização, que são:
definição do grau de descentralização das unidades de apoio;
seleção dos critérios de departamentalização adequados a cada área da
organização;
definição da amplitude de controle para cada cargo e, como conseqüência,
definição dos níveis hierárquicos da estrutura.
Estrutura Organizacional para Projetos de Cooperação Internacional 423

FIGURA 1
A FUNÇÃO DE ESTRUTURAR

DECISÃO QUANTO À PRODUTO DA


O DEPARTAMENTAUZAÇÃO DEPARTAMENTALIZAÇÃO
ÃÇ
A
N
< - Definição dos critérios

- Definição sobre centralização x


descentralização de áreas de apoio ORGANOGRAMA
O
- Amplitude de supervisão e número
de níveis hierárquicos

Z
DECISÃO QUANTO ÀS PRODUTO DA DEFJNIÇÃO DE
ATRIBUIÇÕES ATRIBUIÇOES
O
O - Definição das atividades LISTA DE ATRIBUIÇÕES
E/OU ORGANOGRAMA
U - Definição quanto ao nível de decisão LINEAR

-
- Definição do sistema de comunicação

Fonte: Vasconcellos (1989).

Amplitude de controle é o número de subordinados que podem ser adequadamen-


te supervisionados por um chefe. Quando a autoridade é distribuída pelos mem-
bros da organização, forma-se uma hierarquia. Os elementos de um mesmo nível
de autoridade formam um nível hierárquico.
A amplitude administrativa (sinônimo de amplitude de controle) e os níveis
hierárquicos estão estreitamente ligados. Quanto maior for a amplitude, isto é,
quanto maior o número de subordinados por chefe, menor será o número de níveis
hierárquicos e vice-versa.
A amplitude administrativa varia de caso para caso, dependendo de um conjunto
de fatores. Entretanto, amplitudes mal dimensionadas provocam sérios proble-
mas para o funcionamento da estrutura. Se o número de subordinados de um
chefe for grande demais, ele não poderá atender a todos eficientemente e as
tarefas de planejar, coordenar e controlar serão prejudicadas. Se, por outro lado,
o número for pequeno demais, o maior número de níveis hierárquicos dificultará
a comunicação, bem como o processo administrativo como um todo.
424 Eduardo Vasconcellos/Edison Fernandes Polo

Diversos fatores influem sobre o número de subordinados que um chefe pode


supervisionar de forma eficiente. A natureza do trabalho, a capacidade dos
subordinados, a liderança do chefe e a eficiência do sistema de comunicação são
alguns exemplos.

b. Definição das Atribuições

A definição das atribuições envolve a pormenorização das atividades e decisões


de cada um dos cargos e a especificação das formas básicas de comunicação entre
as várias unidades organizacionais que compõem a estrutura da organização. O
produto dessa etapa do delineamento da estrutura é um manual de atribuições
e/ou um organograma linear.
Descentralização da autoridade é o processo através do qual decisões passam a
ser tomadas em níveis hierárquicos inferiores. Esse é um aspecto fundamental
para o sucesso da organização, pois pouca descentralização causa sobrecarga à
alta administração, atraso nas decisões e distorção nas informações, enquanto o
excesso de descentralização dificulta a coordenação e o controle.
A descentralização tende a permitir um melhor funcionamento dos níveis hierár-
quicos mais baixos, devido à rapidez com que os problemas são resolvidos e ao
fato de os elementos de decisão estarem mais próximos à área do problema.
Entretanto, essa medida pode causar duplicação de recursos, aumentando os
custos e dificultando o controle.
A escolha do nível adequado depende de diversos fatores como, por exemplo, a
preparação das pessoas, a eficiência do sistema de informações e a necessidade
de decisões operacionais rápidas para responder a mudanças ambientais.
Projetos de cooperação internacional exigem um nível maior de descentraliza-
ção, visto que a distância geográfica tende a atrasar o processo decisório quando
a equipe do projeto não tem suficiente autonomia.
A comunicação é outro aspecto importante relacionado à definição das atribuições.
Ela pode ser definida como um processo através do qual uma mensagem é enviada
por um emissor, através de um determinado canal, e entendida por um receptor.
Sistema de Comunicação em uma organização é a rede através da qual fluem as
informações que permitem a tomada de decisão e a realização das atividades.

c. Definição do Nível de Formalização

Definição do nível de formalização é a escolha do grau de formalização que devem


ter os dois componentes anteriores: departamentalização e a definição das atribuições.
Estrutura Organizacional para Projetos de Cooperação Internacional 425

Esse aspecto é de especial importância para o desenvolvimento de projetos de


cooperação internacional. Estruturas excessivamente formalizadas criam entra-
ves para a realização dos projetos. Por outro lado, níveis excessivamente baixos
de formalização também criam barreiras à realização dos mesmos .
Uma organização apresenta nível alto de formalização quando há :
organogramas e manuais de atribuições que especificam clara e exaustiva-
mente a autoridade e responsabilidade dos vários cargos;
manuais de normas e procedimentos explicitando as rotinas para a realização
das atividades;
elevada ênfase na comunicação escrita com cópias e protocolos;
alto nível de preocupação com a atualização e revisão periódica dos instru-
mentos acima mencionados;
elevada ênfase na comunicação vertical, seguindo os canais de autoridade e
respeito à hierarquia;
características da cultura da organização que estimulam e recompensam
atitudes e comportamentos coerentes com os aspectos acima.
N a realidade, o problema das organizações é encontrar o ponto adequado entre
os dois extremos. Os fatores que devem ser analisados para se chegar a essa
decisão são os que se seguem:
Tamanho da Organização
Quanto maior a organização, maior a necessidade de formalização . Muitas
organizações enfrentam sérios problemas por terem crescido e estarem ten-
tando manter o mesmo nível de formalização do passado.
Características do Fator Humano
Quando as pessoas são competentes, têm objetivos pessoais sintonizados
com os objetivos organizacionais e trabalham em um clima de cooperação,
o nível de formalização pode ser mais baixo . Esse é um ponto forte das
empresas japonesas, que conseguem um grau excepcionalmente elevado de
sintonia entre os objetivos individuais e os da empresa. Isso possibilita níveis
baixos de formalização (manuais, procedimentos etc.) para tamanhos de
empresas relativamente maiores que no mundo ocidental.
Natureza das Atividades
Atividades de rotina favorecem um nível de formalização mais alto, enquanto
atividades criativas e inovadoras serão prejudicadas com níveis elevados de
426 Eduardo Vasconcellos/Edison Fernandes Polo

formalização. O nível de complexidade das atividades é outro aspecto impor-


tante a ser considerado. Projetos de cooperação internacional que envolvem
instituições de diferentes países, que obedecem a diferentes legislações,
necessitam de um nível menor de formalização.
A Figura 2 mostra que o nível de formalização da estrutura pode ser visto como uma
escala e que diferentes áreas da organização podem (e devem) ter níveis diferentes.
Morse e Lorsh (1975) estudaram as características de duas organizações de alto
nível de desempenho e reconhecidas pela sua competência: uma fábrica e um
laboratório de pesquisa e desenvolvimento. O laboratório se caracterizou por ter
uma estrutura muito menos formalizada, com menor ênfase em organogramas,
menor número de manuais e procedimentos que a fábrica.

FIGURA 2
NÍVEIS DE FORMALIZAÇÃO

ALTO NÍVEL INSTITUIÇÃO ÁREA DE COODENADORIAS ÁREA


DE COMO UM UNIDADES DE DE
FORMALIZAÇÃO TODO TÉCNICAS PROJETOS APOIO
10
9
8 X X X O
7 X X
6
5 O
4 O O
3
2
1
BAIXO NÍVEL
DE
FORMALIZAÇÃO
Nota: X - Situação atual
O - Situação desejada

Fonte: Vasconcellos (1986).

Estudo realizado por Vasconcellos (1986) analisou vanas características da


estrutura organizacional de 58 projetos tecnológicos desenvolvidos em 17 insti-
tutos governamentais de pesquisa. Seis anos depois, os projetos terminados
foram classificados em função do nível de desempenho. Vários fatores foram
utilizados para medir desempenho, como utilização efetiva dos resultados pela
Estrutura Organizacional para Projetos de Cooperação Internacional 427

indústria, cumprimento de prazos e custos, avanço no conhecimento etc. O


estudo mostrou que os projetos realizados em estruturas menos formalizadas
apresentaram alto desempenho e vice-versa. A totalidade dos projetos de alto
desempenho ocorreu em estruturas sem manuais de atribuições, mas com defini-
ção informal dos vários papéis. O outro extremo, isto é, inexistência de manuais
e ausência de definição informal, levou a baixo desempenho (Fig. 3) .

FIGURA 3
NÍVEL DE FORMALIZAÇÃO E DESEMPENHO DE PROJETOS

NÍVEIS DE FORMALIZAÇÃO DESEMPENHO DOS PROJETOS


Total Desempenho
N=38 N=7 N=7
Há manuais definindo as 83% - 14%
atribuições dos gerentes de
projeto e funcionais
Não há manuais, mas há 87% 100% 57%
definição informal
Não há manuais nem 10% - 29%
definição informal
Fonte: Vasconcellos (1986).

Em síntese, os seguintes aspectos devem ser ressaltados quanto ao nível adequa-


do de formalização de uma estrutura:
as diferentes áreas da organização devem ter níveis diferentes de formaliza-
ção, adequados à natureza da atividade e às características dos indivíduos.
Assim, o setor de contabilidade deverá ter nível de formalização maior que
o setor de projetos;
dentro de uma mesma área, o nível de formalização pode variar em função do
estádio do projeto ou do processo de solucionar problemas. Certas etapas do
processo podem exigir maior liberdade de ação e menor formalização. À medida
que o projeto evolui, pode tornar-se necessário aumentar o grau de formaliza-
ção, definindo tarefas, responsabilidades e sistemas de controle e avaliação;
periodicamente, o nível de formalização deve ser reavaliado. Os níveis ideais
para as várias áreas mudam no tempo em função do crescimento, da dinâmica
do fator humano e da natureza da atividade. Assim, é importante avaliar
periodicamente a estrutura em relação a esse aspecto.
Os tópicos acima trataram do conjunto de elementos inter-relacionados forma-
428 Eduardo Vasconcellos/Edison Fernandes Polo

dores da estrutura. Cada um desses elementos deve ser delineado de forma


compatível com os demais, e o conjunto resultante formará a estrutura organiza-
cional da instituição.

2. Condicionantes da Estrutura
Segundo Vasconcellos (1990), o delineamento da estrutura depende de um
conjunto de fatores denominados Condicionantes da Estrutura:
natureza da atividade/tecnologia;
obj etivos e estratégias;
ambiente externo;
condições internas;
fator humano.
Cada um dos fatores condicionantes (Fig. 4) será a seguir discutido, tendo como
foco a estrutura da unidade de cooperação internacional de uma instituição de
pesquisa tecnológica.

FIGURA 4
CONDICIONANTES DA ESTRUTURA DE UMA
UNIDADE DE COOPERACÁO INTERNACIONAL

Objetivos e
estratégias da
Condições ... Ambiente
unidade de
internas externo
cooperação
internacional

Natureza da
Fator atividade/
humano tecnologia

Estrutura da
unidade
de cooperação
internacional
Estrutura Organizacional para Projetos de Cooperação Internacional 429

A Figura 4 representa o inter-relacionamento dos fatores anteriormente mencio-


nados, a seguir explanados:

a. Natureza da Atividade/Tecnologia

A unidade de cooperação internacional de uma instituição de pesquisa tecnoló-


gica deve ter uma estrutura que possibilite a realização de suas atividades.
Assim, a unidade que realiza somente atividades de apoio administrativo às
unidades técnicas, como recepção de visitantes, elaboração de panfletos, distri-
buição de oportunidades de contatos externos e organização de eventos, deve ter
uma estrutura diferente de uma unidade que, além das tarefas acima, coordena o
delineamento de políticas de cooperação internacional e avalia resultados.

b. Objetivos e Estratégias da Unidade de Cooperação Internacional

A natureza das atividades de uma unidade de cooperação internacional decorre


dos objetivos e estratégias dessa unidade que, por sua vez, devem estar em
estreita sintonia com os obj etivos e estratégias da organização à qual a unidade
de cooperação pertence.
Algumas questões fundamentais devem ser respondidas para que se tenha uma
base para definir a missão da área de cooperação internacional e, a seguir, sua
estrutura:
As diretrizes estratégicas para cooperação internacional estão claramente
definidas e são coerentes com a estratégia global da instituição?
Qual a importância dos aspectos internacionais para o cumprimento da
missão institucional?
Em que medida esses aspectos estão sendo tratados de forma adequada pelas
várias unidades técnicas?
Qual deve ser o papel da unidade de cooperação internacional no sentido de
possibilitar às unidades técnicas o melhor aproveitamento possível da inter-
face internacional para o cumprimento da sua missão?
A instituição pretende, em nível internacional, ser doadora, receptora ou ambas?
Só será possível estruturar uma área de cooperação internacional após um
conjunto de definições que permitam mapear objetivos e ações que devem ser
realizadas para a instituição como um todo no âmbito internacional.
A estrutura deve ser elaborada para que a organização possa atingir seus objeti-
vos. Portanto, os objetivos a serem atingidos, assim como a estratégia para
430 Eduardo Vasconcellos/Edison Fernandes Polo

atingi-los, devem ser um ponto de partida para o delineamento de qualquer


estrutura organizacional (Chandler, 1962).
O objetivo deve ser entendido como uma situação futura desejada. A quantifica-
ção dessa situação em um determinado instante no tempo chama-se meta. A
organização não tem um objetivo único, mas sim uma hierarquia deles. Os níveis
mais altos são os objetivos últimos, os de nível inferior espelham a estratégia a
ser seguida para atingimento dos primeiros. O objetivo de um dado nível hierár-
quico da empresa é um subobjetivo do nível superior, e assim sucessivamente.
Se o planejamento estratégico de uma instituição tem como objetivo de cinco
anos a melhoria da capacitação tecnológica da mesma, as estruturas dos centros
de pesquisa e desenvolvimento e de cooperação técnica deverão ser ajustadas
para permitir o atingimento desse objetivo.
Cada unidade da organização tem seus objetivos, metas e estratégias que, por
sua vez, são meios para o atingimento de objetivos das unidades hierarquicamen-
te mais elevadas. Cada unidade deve ter sua estrutura em sintonia com esses
objetivos e estratégias.
Outros aspectos importantes relacionados com os objetivos e com as estratégias
são a clareza que ambos devem apresentar e a existência de formas para medir
sua consecução. Objetivos claros e mensuráveis permitem certos tipos de estru-
tura que podem não ser adequados a situações inversas.

c. Ambiente Externo

Os objetivos e estratégias de uma unidade de cooperação internacional dependem


das condições internas e do ambiente externo. Por ambiente externo entende-se
o conjunto de elementos externos a uma organização que influem nela e são
afetados por ela. É o conjunto de indivíduos, grupos, setores, organizações,
instituições governamentais, institutos de pesquisa etc. que estão "fora" das
fronteiras da organização, mas que interagem com ela.
No caso de uma unidade de cooperação internacional, seu ambiente externo é
formado pelas unidades da instituição para as quais a área de cooperação presta
serviços, pelos fornecedores de equipamentos e materiais, pelo mercado de
trabalho, pelas agências governamentais, pelas várias instituições nos países
considerados prioritários para atividades de cooperação etc.
Quando o ambiente externo é instável, a estrutura precisa ser dotada de meca-
nismos para detectar alterações no mesmo, possibilitando adaptar tão rápido
quanto possível a estrutura às mudanças que afetam a organização. Esse aspecto
Estrutura Organizacional para Projetos de Cooperação Internacional 431

é particularmente relevante para unidades de cooperação internacional, tendo em


vista o dinamismo crescente de alterações na geopolítica internacional.
O mesmo não acontece quando o ambiente externo é previsível, controlável e
sofre poucas alterações no tempo. Emery e Trist (1963), Lawrence e Lorsch
(1960) e Thompson (1967), entre outros, ressaltam a importância do ambiente
externo para o delineamento da estrutura.
Distâncias geográficas, facilidade de acesso e comunicação, volume e flutuação
de serviços, freqüência e intensidade das mudanças ambientais, são aspectos do
ambiente externo que devem ser considerados na escolha da estrutura organiza-
cional mais adequada.
Por exemplo, os CTls têm que se estruturar, em termos de atividades, decisões etc .,
de modo a atender às exigências e procedimentos burocráticos da Agência Brasileira
de Cooperação (ABC). Por outro lado, o delineamento da estrutura organizacional
de um CTI também é o resultado do nível desejado de descentralização das ativida-
des de negociação de cooperação técnica. O nível desejado de descentralização pode
ser fruto da vontade dos técnicos de unidades de pesquisa que, pela cultura da
instituição, possuem alto poder de influenciar as decisões que os envolvem.

d. Condições Internas
Tanto o ambiente externo como o interno afetam e são afetados pela organização,
porém de diferentes maneiras e graus. As variáveis do ambiente externo estão
fora do controle da instituição e, via de regra, a mesma tem que a elas se adaptar.
Por outro lado, as variáveis do ambiente interno estão sob o controle da institui-
ção e podem ser por ela alteradas.
Os pontos fortes e fracos da instituição de pesquisa em relação às suas potencialidades
tecnológicas estão diretamente relacionados ao papel de doadora ou receptora em
nível internacional, afetando diretamente a estratégia de cooperação internacional.

e. Fator Humano
Não é viável a configuração de uma estrutura ideal se ela não se adapta às
características do elemento humano disponível. O balanceamento entre a seleção
dos indivíduos ideais e o delineamento de uma estrutura que se adapte às pessoas
que constituem a organização é um dos problemas cruciais, visto que a estrutura
organizacional tem efeito direto na formação dos grupos, na atitude e no com-
portamento das pessoas.
O fator humano não deve ser entendido somente como os indivíduos que formam
432 Eduardo Vasconcellos/Edison Fernandes Polo

a organização , com seus valores, necessidades, habilidades, potencialidades,


experiências e conhecimentos. A cultura organizacional, que se forma pela união
dessas pessoas, é parte integrante do fator humano. Os conflitos, as ansiedades,
as disputas de liderança, a estrutura informal, as atitudes de colaboração e o
clima organizacional também devem ser considerados.
O fator humano exerce intensa influência sobre a estrutura organizacional. A
estrutura é diferente se o clima é de colaboração ou de conflito. Elementos de
alto nível podem ser estruturados com maior descentralização da autoridade. A
amplitude administrativa é maior se o chefe tem maior poder de liderança. O
nível de delegação é maior se os subordinados estão plenamente habilitados e
altamente motivados para realizar seu trabalho.
As comunicações horizontal e diagonal podem ser formalizadas mais facilmente
em organizações onde há clima de colaboração ao invés de competição. A
estrutura matricial só é eficaz quando o fator humano está devidamente capaci-
tado para operar nesse tipo de departamentalização. Resistência e ambigüidade,
habilidade de trabalho em equipe e de solucionar conflitos são fatores essenciais.
Esses são apenas alguns exemplos da influência do fator humano sobre a estrutura.
Certos tipos de estrutura organizacional não podem ser utilizados antes que as
pessoas estejam preparadas. Por essa razão, transplante de estrutura de uma
instituição para outra que realiza atividades semelhantes tende a fracassar devido
ao fato de o elemento humano ser diferente.
O envolvimento de pessoas e organizações de diferentes países dificulta a
comunicação não somente devido às distâncias, mas também aos diferentes
idiomas e traços culturais. As diferentes legislações dos países envolvidos
representam um nível adicional de preocupações, exigindo adaptações na estru-
tura organizacional dos CTIs.

lI!. CENTRALIZAÇÃO X DESCENTRALIZAÇÃO DA ÁREA DE


COOPERAÇÃO INTERNACIONAL

Os principais aspectos relacionados à Centralização versus Descentralização de


CTIs são os que se seguem:
Tipos de descentralização ;
Vantagens e desvantagens da descentralização;
Fatores de decisão quanto à descentralização;
Estrutura Organizacional para Projetos de Cooperação Internacional 433

Definição do nível de descentralizaç ã o .


A seguir comentam-se as princip ai s características dos m esm os.

1. Tipos de Descentralização
De modo geral, as organizações podem m anter centrali zados os recursos, as ativi-
dades e as decisões. Ao de scentralizá-lo s, a organi zação pod e proceder de três
formas diferentes, que caracterizam os tipo s de desc entr ali zaç ão a seguir colocados .

a. Descentralização de Atividade

A descentralização de atividade é tamb ém c ha ma da de dis persão geográfica.


Suponhamos uma grande in stituição qu e des en v ol v a pr oj et o s de desenvolvi men-
to tecnológico, com dep artamento s atua n do em difer entes áreas geog ráficas .
Essa instituição tem um escritório central qu e re ali za tod as as compras previstas
nos projetos, desde material de es critó ri o e r eag entes qu ím icos até eq u ipa mentos
de alto custo.
Ocorre a descentralização de ativid ad e qu ando p equ en os escri tó rios de co mpras
são instalados nos departamentos g eograficam ente di sp er so s, co m o objetivo de
interagir com os pesquisadores a fim de m elhor id entifi car suas n ec essi da des,
ajudar a coletar preços para concorrência, fazer provi sõ es de co mp ras etc .

b. Descentralização de Autoridade

A descentralização de autoridade se dá com a di stribuição das dec isõ es entre os


níveis hierárquicos da organização , p artind o do top o e se dirigindo pa ra a base
da estrutura organizacional. Ainda com o exemplo do tópi co anterior, qua ndo os
escritórios nos departamentos passam a ter pod er de deci são so bre as co m pras
que realizam, dizemos que houve descentralização de au to rida de, alé m de des-
centralização de atividade .

c. Descentralização Funcional

A descentralização fun cional ocorre com a difu são de um a m esm a função ent re
diversas unidades organizacionai s. S e os ch efes dos p equ en os escritó rios de
compras instalados nos departamento s fi car em sub ordina dos aos c hefes dos
departamentos, ao invés de subordinado s ao che fe do escritó rio centra l de
compras, dizemos que houve também uma desc entraliz ação func io na l (da fu nção
compras), além de descentralizaç ão de atividad e e de autori da de .
434 Eduardo Vasconcellos/Edison Fernandes Polo

o custo de uma escolha errada é muito alto . Organizações excessivamente


centralizadas têm baixa velocidade de decisões operacionais, maior nível de
distorção nas comunicações e dificuldade de adaptação a situações específicas
enfrentadas pelas diversas unidades administrativas dos níveis hierárquicos
inferiores . Em projetos de cooperação internacional, a distância geográfica torna
esses problemas ainda mais graves para o sucesso do empreendimento. Por outro
lado, uma descentralização excessiva causa redução na qualidade da coordena-
ção, duplicação de atividades e equipamentos, e perda de controle.
As três formas de descentralização podem ou não acontecer simultaneamente.
Neste tópico, analisamos a situação centralizada comparada à totalmente descen-
tralizada para o caso de unidades de cooperação internacional de uma instituição
de pesquisa tecnológica. Entretanto, os conceitos apresentados poderão ser
adotados, com eventuais adaptações, para qualquer problema onde o dilema
centralização x descentralização se apresente.
Inicialmente, procuramos mostrar as vantagens e desvantagens das duas formas
estruturais (centralizada e descentralizada), analisadas de forma pura. A seguir,
apresentaremos um conjunto de fatores que auxiliam na análise de determinada
situação, com o objetivo de escolher o sistema mais adequado.

2. Vantagens e Desvantagens da Descentralização


O organograma A da Figura 5 mostra uma instituição de pesquisa departamen-
talizada por áreas de conhecimento, com as atribuições relativas à cooperação
internacional totalmente centralizadas. As necessidades e demandas, tanto de
cooperação prestada como recebida, são identificadas e conduzidas pela área de
cooperação internacional, ou a ela encaminhadas pelas diversas áreas de pesqui-
sa da instituição ou de institutos no exterior.
O organograma B da mesma figura mostra a mesma instituição, reorganizada de
forma que cada área de pesquisa tenha sua própria unidade de cooperação
internacional, com os responsáveis pelas mesmas subordinados aos gerentes das
áreas de pesquisa. Cada unidade de cooperação internacional está equipada com
recursos materiais e humanos para atender as necessidades da área a que está
vinculada.
A análise comparativa entre os sistemas centralizado e descentralizado deve
abordar as vantagens e desvantagens da descentralização, quando comparada
com a centralização. Vantagens e desvantagens do sistema centralizado corres-
ponderão ao inverso da análise feita para o descentralizado.
Estrutura Organizacional para Projetos de Cooperação Internacional 435

a) Vantagens da Descentralização

Entre as vantagens da descentralização devemos ressaltar:


Atendimento mais Rápido por Parte das Unidades de Cooperação Internacional
Ocorre porque cada área dispõe da sua própria unidade de cooperação
internacional. Além disso, o contato mais próximo entre os membros das
áreas de pesquisa e os membros das suas respectivas unidades de cooperação
internacional permite a troca mais rápida de informações, reduzindo o tempo
necessário para a execução das tarefas e facilitando a integração entre os
mesmos. A proximidade facilita, também, o desenvolvimento de redes infor-
mais de comunicação.
Quanto maior a distância geográfica e as dificuldades de comunicação e
acesso entre as unidades de cooperação internacional, mais importantes se
tornam os aspectos acima abordados.
Atendimento mais Adequado às Necessidades das Áreas de Pesquisa
No sistema centralizado, a unidade de cooperação internacional atende a
todas as áreas de pesquisa, o que torna difícil uma boa identificação, enten-
dimento e tratamento das necessidades e problemas específicos de cada uma
das áreas.
A descentralização permite interação mais intensa entre os pesquisadores das
diversas áreas e os membros de suas respectivas unidades de cooperação
internacional. Com o tempo, cada unidade de cooperação passa a conhecer
cada vez melhor as pessoas, tipos de problemas, exigências, padrões de
qualidade, particularidades do trabalho etc. da área a que está subordinada,
bem como os canais de comunicação (formais e informais) são mais diretos,
permitindo melhor conhecimento e menor distorção da tarefa a ser realizada.
Desenvolvimento de Capacitação Gerencial
Uma das características da descentralização é ensejar maior desenvolvimen-
to gerencial, porque determinadas decisões passam a ser tomadas em níveis
hierárquicos inferiores (Reeser, 1973).
No exemplo dado de descentralização (Fig. 5), cada área de pesquisa tem a
sua unidade de cooperação técnica internacional, com um gerente responsá-
vel pela mesma. Essegerente fica diretamente subordinado ao diretor da área
de pesquisa, e tem sob sua autoridade e responsabilidade todas as atividades
referentes à cooperação internacional.
436 Eduardo Vasconcellos/Edison Fernandes Polo

Efeitos Positivos sobre a Motivação


Com a descentralização temos maior volume de autoridade alocada aos níveis
mais baixos da escala hierárquica. Para certas pessoas, esse pode ser um fator
positivo de motivação (Newman e Summer, 1961). Além disso, o contato
mais freqüente com os pesquisadores facilita o acompanhamento, pelos
técnicos da unidade de cooperação internacional, em relação ao que acontece
na área de pesquisa.
A dificuldade de generalizar sobre motivação humana reside nas diferenças de
personalidade e objetivos pessoais. Cada caso deve ser analisado considerando-
se as características do fator humano envolvido. Esse aspecto será enfatizado
ao tratarmos dos efeitos negativos da descentralização sobre a motivação.

b. Desvantagens da Descentralização

A estrutura descentralizada apresenta diversos pontos fracos, tais como:


Capacidade Ociosa de Recursos Humanos e Materiais
A criação de unidades de cooperação internacional junto às várias áereas de
pesquisa leva à duplicação de especialistas, instalações e equipamentos
(microcomputadores, fax, telex etc.).
As unidades de cooperação tendem a tornar-se pouco a pouco estanques e
passam a ser avaliadas pelo serviço que prestam à área à qual estão ligadas.
Assim, mesmo que haja boa vontade por parte das unidades, em termos de
colaborar umas com as outras, trocar informações, experiências etc., a ten-
dência é cada uma dar prioridade e concentrar-se nas demandas da área de
pesquisa à qual está ligada. Deve-se ressaltar que essa prioridade nem sempre
corresponde à prioridade da instituição. Assim, paulatinamente, as unidades
de cooperação tendem a duplicar técnicos, instalações e equipamentos, a fim
de garantir o melhor serviço possível à área de pesquisa a que estão ligadas.
Quanto maior a oscilação da demanda pelos serviços das unidades de coope-
ração descentralizadas, tanto maior o nível de capacidade ociosa dos recursos
humanos e materiais. No caso de inexistência de recursos para atender aos
"p icos" , os serviços prestados às áreas de pesquisa serão deficientes.
Dificuldade de Padronização
A descentralização torna mais difícil a homogeneização de políticas e pro-
cedimentos das unidades de cooperação. Por exemplo, dificulta a criação e
manutenção de arquivos sobre centros de cooperação técnica no país e no
Estrutura Organizacional para Projetos de Cooperação Internacional 437

FIGURA 5
EXEMPLOS EXTREMOS DE
CENTRALIZAÇÃO E DESCENTRALIZAÇÃO

A) Estrutura centralizada

Diretor
I I

Área de
Área de Área de Área de
cooperação
pesquisa A pesquisa B pesquisa C
in ternacional

B) Estrutura descentralizada

Diretor

Área de Área de Área de


pesquisa A pesquisa B pesquisa C

Unidade de Unidade de Unidade de


cooperação cooperação cooperação
internacional internacional internacional

Fonte: Adaptado de Vasconcellos, 1979.


438 Eduardo Vasconcellos/Edison Fernandes Polo

estrangeiro, linhas de cooperação de cada um, técnicos diponíveis e interes-


sados em trabalhar em projetos específicos, fontes domésticas e internacionais
de financiamento, especialidades privilegiadas pelos centros de cooperação
e contempladas pelas fontes de financiamento etc. Outro exemplo é a plura-
lidade de contatos e de negociações que as diferentes unidades mantêm com
instituições de pesquisa e agências de financiamento, que dificulta a padro-
nização de políticas.
No sistema centralizado, os recursos, atividades e decisões ficam centraliza-
dos em uma única unidade de cooperação. Assim, nesse outro extremo do
"continuum" centralização versus descentralização, os problemas acima men-
cionados são bastante atenuados ou deixam de existir.
Maior Dificuldade na Coordenação de Atividades Interdisciplinares
A descentralização tende a formar " feudos" estanques. O problema se agrava
quando existe um significativo número de atividades que envolvem a coope-
ração de técnicos de diferentes unidades de cooperação internacional descen-
tralizadas.
Duplicação de atividades
Outro problema grave da descentralização é a duplicação de atividades.
Muitas vezes, um técnico está gastando tempo considerável para solucionar
um problema que já foi resolvido pelo técnico de outra unidade de coopera-
ção internacional. O mapeamento de linhas de pesquisa por instituição e de
fontes de financiamento, a negociação de propostas junto a uma mesma
agência são exemplos de duplicação de atividades de estruturas descentrali-
zadas de centros de cooperação.
Efeitos Negativos sobre a Motivação
A descentralização produz certos efeitos positivos sobre as pessoas, como
foi mencionado ao tratarmos das vantagens desse sistema. Entretanto, exis-
tem certos aspectos negativos que devem ser ressaltados:
a descentralização de centros de cooperação técnica não permite que se mante-
nha o mesmo número de pessoas envolvidas com uma mesma especialidade,
como se poderia manter caso a estrutura fosse centralizada. Assim, a descentra-
lização muitas vezes frustra o indivíduo por separá-lo do grupo de técnicos de
mesma especialidade, o que pode influir sobre o seu desenvolvimento pessoal;
o sistema descentralizado não oferece condições para a designação de chefes
tecnicamente tão capazes como os que a estrutura centralizada possibilita. É
possível contratar um indivíduo altamente qualificado para gerenciar uma
Estrutura Organizacional para Projetos de Cooperação Internacional 439

unidade centralizada de organização de eventos internacionais (seminários,


congressos, feiras etc.) porque as demandas da instituição como um todo
viabilizam a existência do órgão e de um gerente qualificado. Porém, as
áreas de pesquisa não teriam demanda suficiente ou recursos para manter um
órgão dessa natureza, bem como um gerente altamente qualificado. Desse
modo, a descentralização apenas levaria para as unidades de cooperação
técnica internacional as decisões e atividades de organização de eventos,
sobrecarregando as pessoas, não as recompensando por isso e, conseqüente-
mente, desmotivando-as;
a descentralização leva à tomada de decisões a níveis inferiores na escala
hierárquica e cria oportunidades para o desenvolvimento gerencial. Depend-
endo das características de personalidade das pessoas envolvidas, esses
fatores podem influir negativamente sobre a motivação. Certas pessoas ficam
tensas e descontentes quando passam a ter de tomar decisões e arcar com a
responsabilidade pelo que decidirem.
A Figura 6 resume a análise feita, mostrando as forças que impelem a organização
a uma estrutura descentralizada e as forças que a impulsionam no sentido oposto.
FIGURA 6
PRINCIPAIS VANTAGENS E DESVANTAGENS DA DESCENTRALIZAÇÃO DA
ÁREA DE COOPERAÇÃO INTERNACIONAL

DESCENTRALIZAÇÃO DA ÁREA DE COOPERAÇÃO INTERNACIONAL


VANTAGENS DESVANTAGENS

- Atendimento mais rápido por parte das - Capacidade ociosa de recursos humanos
unidades de apoio à cooperação e materiais
internacional

- Atendimento mais adaptado às - Dificuldades de padronização


necessidades das áreas de pesquisa

- Desenvolvimento de capacitação - Maior dificuldade na coordenação de


gerencial em cooperação internacional atividades interdisciplinares

- Efeitos positivos sobre a motivação das - Duplicação de atividades


pessoas das unidades de cooperação
internacional

- Efeitos negativos sobre a motivação

Fonte: Adaptado de Vasconcellos, 1979.


440 Eduardo Vasconcellos/Edison Fernandes Polo

3. Fatores de Decisão Quanto à Descentralização

A Figura 7 (adaptada de Vasconcellos, 1979) mostra um conjunto de fatores que


auxilia a decidir sobre a escolha da estrutura mais adequada quanto ao grau de
descentralização.
FIGURA 7
FATORES DA DESCENTRALIZAÇÃO DA ÁREA DE
COOPERAÇÃO INTERNACIONAL

Condicionante Fatores da Configuração do fator que favorece a descentralização


da estrutura descentralização

Clareza de Os objetivos das unidades de cooperação internacional


Objetivos e objetivos estão bem definidos e há possibilidade de a alta
estratégia e facilidade de administração medir os resultados alcançados
medir resultados

Grau de Baixo grau de diversificação tecnológica das áreas de


diversificação pesquisa, não demandando atividades de cooperação
Natureza da das atividades internacional diferenciadas
atividade e da
tecnologia
Grau de Raramente aparecem tarefas exigindo esforços de
interdependência cooperação entre as diversas áreas de pesquisa
entre as atividades

Volume da Pequeno volume de projeto de cooperação internacional


demanda

Flutuação da Pouca flutuação na demanda, inexistindo situação de


demanda " picos" e "vales"
Ambiente
externo Turbulência do Pequena
ambiente externo

Dispersão
geográfica e
Áreas de pesquisa dispersas geograficamente, havendo
dificuldade de
dificuldade de acesso e comunicação
acesso e
comunicação

Capacitação do Existência de elevada capacidade técnica e


fator humano administrativa na unidade de cooperação internacional
Fator
humano
Estrutura informal Estrutura informal voltada para os objetivos da
e clima organização e existência de clima de colaboração
organizacional
Estrutura Organizacional para Projetos de Cooperação Internacional 441

a. Clareza de Objetivos e Facilidade de Medir Resultados

Um dos problemas da descentralização é a redução do nível de controle que a


alta administração tem sobre o que está acontecendo. Na medida em que haja
objetivos claramente definidos e formas de avaliar os resultados das unidades de
cooperação descentralizadas, a redução do controle torna-se menos relevante e
a descentralização mais viável.
Formas de medir resultados incluem objetivos e metas mensuráveis, e sistemas
de controle que levem informações sobre desempenho aos níveis hierárquicos
superiores.

b. Grau deDiversificação das Atividades

Quanto mais diferenciados forem os serviços de apoio em cooperação interna-


cional demandados pelas unidades técnicas, tanto maiores as vantagens da
descentralização . Instituições que desenvolvem projetos de cooperação que exi-
gem elevado grau de diversificação dos serviços proporcionados pelas unidades
de cooperação internacional tendem a manter essas unidades descentralizadas.

c. Grau de Interdependência entre as Atividades

Quanto maior o volume de cooperação internacional que exige interação entre


os especialistas das várias unidades de cooperação internacional descentraliza-
das, maiores serão as vantagens da centralização. Isso ocorre porque a descen-
tralização tende a criar "feudos" que dificultam a integração.

d. Volume da Demanda

Demanda elevada por serviços de cooperação internacional, por parte das várias
unidades de pesquisa, pode compensar mais facilmente certas duplicações de
infra-estrutura que necessariamente ocorrem com a descentralização.

e. Flutuação da Demanda

Uma vantagem da centralização, conforme já exposto, é permitir o melhor uso


de recursos humanos e materiais. Essa vantagem induz à centralização quando
há significativas oscilações em relação ao volume de serviços exigidos das
unidades de cooperação internacional pelas áreas de pesquisa. A descentraliza-
ção dificulta a realocação de recursos para se atender a "picos" de atividade e
gera ociosidade nos momentos de "vales" de atividades.
442 Eduardo Vasconcellos/Edison Fernandes Polo

fi Turbulência do Ambiente Externo


Quando os projetos de cooperação internacional sofrem mudanças constantes em
seus conteúdos devido ao surgimento de novas tecnologias, de novas linhas de
pesquisa dos institutos internacionais, novos interesses das agências de financia-
mento etc., a descentralização torna-se mais adequada. Isso porque tais tipos de
mudanças demandam uma aproximação maior entre as áreas de pesquisa e as
unidades que realizam a cooperação internacional, além dos acréscimos de
esforços que sempre são despendidos com novas situações.

g. Dispersão Geográfica e Dificuldades de Acesso e Comunicação


Quanto mais distantes os locais em que se situam as áreas de pesquisa envolvidas
em projetos de cooperação, as instituições que cooperam entre si e as agências
de financiamento, e quanto maiores as dificuldades de acesso e comunicação,
tanto mais fortes as vantagens da descentralização.
Existem instituições que realizam cooperação técnica internacional cujas uni-
dades de pesquisa estão espalhadas em diversas regiões do Brasil e que, devido
ao volume de projetos que desenvolvem, sentem a necessidade de possuir uma
unidade em Brasília, local onde se situa a Agência Brasileira de Cooperação
(ABC) para mais facilmente realizar as negociações. Nesses casos, a descentra-
lização de determinados serviços é necessária, pelo menos parcialmente, mesmo
incorrendo-se em certos custos de duplicação.

h. Capacitação do Fator Humano

o sucesso da descentralização depende da capacidade técnica e gerencial exis-


tente na organização. Com a descentralização total as equipes técnicas separam-
se da supervisão central, que deixa de existir.
No sistema centralizado, é mais viável a manutenção de técnicos altamente espe-
cializados, que necessitem de menos supervisão e que orientem os demais. A
descentralização tornaria proibitiva, em virtude do custo adicional, a existência de
técnicos dessa categoria em cada unidade de cooperação internacional. Assim, se
os membros das equipes que realizam a cooperação técnica internacional ainda não
têm condições de desempenhar suas funções sem supervisão especializada e de
orientar técnicos menos experientes, a descentralização deve ser postergada.
O mesmo acontece quanto à capacitação administrativa, pois a descentralização
de unidades exige um maior número de gerentes. Se estes não estiverem prepa-
rados, a nova estrutura correrá alto risco de fracasso .
Estrutura Organizacional para Projetos de Cooperação Internacional 443

i. Estrutura Informal e Clima Organizacional

A estrutura formal distribui as atividades, define os níveis de autoridade e


determina os canais de comunicação a serem utilizados. Ela é representada
graficamente por um organograma e complementada pelo manual de procedi-
mentos.
Entretanto, no dia-a-dia muitas coisas acontecem fora das regras estabelecidas
pela estrutura formal. O aparecimento de líderes que não são os chefes formais
e a existência de processos de comunicação informais, não previstos na estrutura
formal, são alguns exemplos.
Essa nova estrutura pode ser usada para suprir as deficiências da estrutura
formal. Pode, porém, dirigir a organização para outros objetivos que não os
formalmente estabelecidos pela organização. A descentralização depende de
uma estrutura informal com elevado grau de coesão em torno dos objetivos da
organização.
Diversas desvantagens da descentralização podem ser corrigidas por relaciona-
mentos informais. O fluxo de técnicos de uma unidade para outra, a fim de
atender a "picos" de trabalho e dar informação sobre soluções encontradas para
um determinado problema e a cooperação entre membros da unidade de coope-
ração internacional e das de pesquisa, a fim de melhor negociar um projeto, são
alguns exemplos.
O clima organizacional tem um papel relevante nesse processo. O fluxo de
técnicos, a troca de experiências e a comunicação de soluções encontradas
acontecem quando há o propósito de colaboração. As organizações que operam
em clima de antagonismo e conflito tendem a sofrer ainda mais com a descen-
tralização, porque esse sistema tende a formar grupos menores a partir de um
grupo maior. Grupos menores tendem a se fechar e a formar núcleos isolados, se
o clima de antagonismo e de conflito for elevado.

4. Definição do Nível de Descentralização


A Figura 8 resume e exemplifica este tópico, mostrando os fatores que favorecem
a descentralização da estrutura. A situação oposta favorece a centralização. No
exemplo dado, existe uma leve vantagem em se adotar uma opção mais centralizada.
Com base nos fatores de decisão quanto à descentralização, pode-se avaliar uma
determinada situação e verificar qual a estrutura (centralizada ou descentraliza-
da) que melhor se adapta à mesma.
444 Eduardo Vasconcellos/Edison Fernandes Polo

FIGURA 8
INSTRUMENTO PARA AVALIAÇÃO DE UMA DETERMINADA SITUAÇÃO QUAN-
TO AO NÍVEL DE CENTRALI ZAÇÃ O/DESCENTRALIZAÇÃO MAIS ADEQUADO

A A Resultad o
co n fig uração co nfig uração Impor- pond er ado
Fa to res do fa to r do fa to r tân ci a
Condi ci on ante da favo rece a favo rece a (pe s o )
d a est rutu ra des cent rali - des centrali- ce ntra liza ção rel ativ a Favorável F avoráv el
za ção z a ção da da do descentra- cen tra li-
coo pe ração coo peração fa tor liz ação za ção
in te rnacio na l int ern aci ona l

Cl areza de
ob j etivos e
Obj e ti vos e
faci lida de de x 2 2
est ratég ias
me d ir
res u ltados
Gra u d e
div er si fi cação
x 3 3
N atu rez a da tecnol ógi ca
at iv idade das ativ ida de s
e da G ra u de
te cno logia in te rd ep en -
x 3 3
d ên ci a en tre
as at iv ida des
V o lume da
dem and a x 2 2

Fl ut uação da
x 2 2
dem and a
Ambi ente T ur bul ên ci a
ex te rno do am b ie n te x 1 1
externo
D isp er são
g eog ráfica e
d ific uld ad e x 3 3
de aces so e
com un icação
Ca pac ita ção
do fa to r x 2 2
hum ano
F ato r Es trutu ra
hum an o info rm al e
cli m a x 2 2
o rga ni-
z ac io nal
To ta l 9 11
Estrutura Organizacional para Projetos de Cooperação Internacional 445

As Figuras 7 e 8 apresentam um resumo desse estudo e destinam-se a orientar a


análise de um caso específico. Essas figuras não representam a proposição de
um "sistema ótimo", mas apenas um exemplo de como a análise de determinada
situação pode ser realizada. Cada um dos fatores de decisão é analisado consi-
derando-se uma problemática, uma realidade. O resultado dessa análise pode ser
favorável à descentralização ou à centralização. Deve-se observar que os fatores
podem ter pesos diferentes, dependendo dos objetivos da instituição em relação
à cooperação internacional.
No caso de todas as condicionantes da estrutura serem desfavoráveis à des-
centralização, o sistema centralizado deverá ser utilizado . Entretanto, encon-
traremos freqüentemente situações combinadas, nas quais alguns fatores
serão favoráveis à descentralização, e outros não . Nesses casos, inicialmente
caberá análise mais detalhada, procurando-se, quando possível, ponderar a
importância relativa dos fatores. Por exemplo, caso exista flutuação de de-
manda, pergunta-se:
Qual a intensidade da oscilação?
Quais são os custos decorrentes da capacidade ociosa e das horas extraordi-
nárias de serviço durante os "vales" e "picos" de atividades?
Qual o custo do deslocamento de técnicos para as unidades?
Qual o tempo decorrido entre uma solicitação e o recebimento da resposta?
Quais prejuízos a freqüência e a forma das ocilações causam ao desenvolvi-
mento de projetos?
A análise dos fatores de forma detalhada gera informações para a escolha entre
as seguintes alternativas :

a. Descentralização Parcial

Esse sistema procura encontrar um meio-termo entre os extremos da descentra-


lização e centralização, de modo que se maximizem os resultados para a organi-
zação. Por exemplo, no caso de uma instituição com áreas de pesquisa fisicamente
distantes e desenvolvendo projetos de cooperação internacional que envolvam
diversas áreas:
seria mantido um centro de cooperação técnica internacional (CTI) e, ao
mesmo tempo, unidades de cooperação nas áreas de pesquisa que apresen-
tassem um volume de solicitações elevado. É o caso de instituições que
mantêm unidades de cooperação em Brasília para facilitar o relacionamento
446 Eduardo Vasconcellos/Edison Fernandes Polo

com a ABC. A distribuição de autoridade e atividades entre esses dois grupos


depende da configuração dos fatores para a situação específica;
se três áreas de pesquisa estivessem próximas ao CTI e as demais muito
afastadas, as três primeiras poderiam ser servidas pelo CTI e as demais
poderiam ter suas próprias unidades de cooperação internacional. Estas
últimas poderiam, ainda, estar ligadas funcionalmente ao CTI;
se o volume de atividade das unidades não for suficiente para viabilizar a
existência de certos equipamentos, por exemplo, terminais de computadores
que acessassem diretamente o banco de dados do CTI, os mesmos poderiam
ser mantidos centralizados e servir a todas as unidades por intermédio de
listagens atualizadas (o acesso às informações é bem mais demorado, porém
o investimento inicial e os custos de operação e manutenção são menores);
se não existisse clima de colaboração entre as unidades de cooperação
internacional, e a descentralização fosse necessária por várias razões, o CTI
poderia manter técnicos itinerantes, que seriam deslocados para as unidades
em épocas de maior necessidade de recursos humanos;
se determinadas atividades exigissem condições especiais, como, por exem-
plo, habilidade política para negociar um projeto, trânsito fácil junto a
determinadas instituições, fluência em determinado idioma etc., não existen-
tes nas unidades de cooperação descentralizadas, o serviço poderia ser
prestado pelo CTI.
Assim, essa combinação possibilitaria o atendimento de situações conflitantes,
suprindo, simultaneamente, as necessidades de centralização e de descentraliza-
ção.

b. Descentralização ou Centralização Totais


Em alguns casos, embora exista dualidade, a análise dos fatores pode demonstrar
um peso tão grande para uma das alternativas puras que se torna compensador
adotá-la, apesar de alguns fatores lhe serem desfavoráveis.

c. Utilização de uma das Formas Puras, com a Introdução de Mecanismos


Auxiliares
Em certos casos a forma pura é a mais indicada, embora existam fatores contrá-
rios à sua adoção. Para reduzir o impacto desse problema, certos mecanismos
administrativos podem ser introduzidos. Por exemplo, em determinada situação
a descentralização pode ser a melhor alternativa. Entretanto, se existe flutuação
Estrutura Organizacional para Projetos de Cooperação Internacional 447

na demanda e não há clima de cooperação, algumas medidas poderiam ser


adotadas a fim de se reduzir a intensidade desses fatores:
implantar programa de treinamento para o desenvolvimento do espírito de
equipe e de colaboração entre pessoas;
incentivar a rotatividade de pessoal entre as unidades de cooperação interna-
cional, permitindo que se estabeleçam laços informais;
incluir no sistema de avaliação de desempenho um fator que avalie o grau de
colaboração entre as unidades de cooperação.
Esses são apenas alguns exemplos de instrumentos que podem reduzir os efeitos
de fatores desfavoráveis à descentralização.

5. Exemplos Práticos
Parte dos conceitos, instrumentos e metodologia de operacionalização dos mes-
mos relativos à estrutura organizacional de centros de cooperação técnica inter-
nacional estão adequadamente exemplificados no transcorrer do capítulo. Porém,
com a finalidade de melhor ilustrar alguns tópicos, exemplos práticos foram
levantados em três organizações:
UNISINOS - Universidade do Vale do Rio dos Sinos;
IPT - Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo S/A;
SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial.
Um breve histórico sobre cada uma das três instituições encontra-se no Anexo I.
É bom salientar que os instrumentos aplicados, os números obtidos e as análises
realizadas buscam dar conhecimento de uma metodologia e exemplificar concei-
tos formulados, pois não chegam a caracterizar estudo de caso e, muito menos,
pesquisa.
Os exemplos foram elaborados com base em entrevistas semi-estruturadas e
abrangem os seguintes tópicos do capítulo :
Centralização x descentralização;
Alternativas de departamentalização;
Organograma linear;
Diagnóstico e mudança na estrutura.
A Figura 9 mostra um dos questionários aplicados.
448 Eduardo Vasconcellos/Edison Fernandes Polo

FIGURA 9
QUESTIONÁRIO SOBRE CENTRALIZAÇÃO x DESCENTRALIZAÇÃO

PRINCIPAIS ATIVIDADES E DECISÕES DE ATUAL IDEAL GRAU


CENTROS DE COOPERAÇÃO TÉCNICA DE
INTERNACIONAL IMPORTÂNCIA
Identificação das necessidades e origem dos
C C 8
convênios.
Elaboração de convênios de cooperação
C D 7
internacional.
Aprovação de convênios propostos . C C 6
Aprovação de convênios solicitados. C C 6
Negociação do convênio com outra
D D 7
parte e com agências financiadoras .
Organização de feiras e eventos internacionais. D D 7
Atendimento a visitantes internacionais . D D 7
Elaboração do plano estratégico, com,
objetivos, políticas, prioridades, metas e,
D D 8
instrumentos de cooperação internacionalpara a
instituição como um todo .
Organização para a recepção de estagiários de outros
C C 6
países .
Mapeamento de fontes de recursos
C D 7
para cooperação internacional.
Elaboração do relatório anual das atividades ,
C C 6
de cooperação técnica internacional.
Elaboração de panfletos para divulgação, das
C C 7
potencialidades da instituição na área internacional.
Identificação das necessidades dos usuários. C D 7
Elaboração de proposta de assistência técnica . D D 7
Aprovação da proposta antes de ser enviada ao usuário,
C C 6
agência ou organismo internacional.
Negociação da proposta. C D 7
Decisão sobre a formação da equipe técnica do
D D 7
projeto .
Decisão sobre a form ação da equipe
D D 7
administrativa do projeto .
Realização das atividades técnicas. D D 7
Decisões dentro do orçamento do projeto. D D 7
Acompanhamento dos prazos. D D 7
Asseguramento da qualidade técnica dos trabalhos. D D 7
Elaboração dos relatórios parciais . C C 7
Elaboração do relatório final. C C 7
Estrutura Organizacional para Projetos de Cooperação Internacional 449

Exemplo de Centralização x Descentralização


As entrevistas realizadas nas três instituições sobre o tema centralização x
descentralização da unidade de apoio à cooperação internacional tiveram por
obj etivo identificar:
quais atividades e decisões ocorrem em nível da unidade central de coopera-
ção internacional e quais acontecem de forma descentralizada;
que alterações no nível de descentralização são propostas pelos entrevistados.
Pode-se observar que, na opinião do entrevistado, a instituição não centralizaria
atividade/decisão alguma que se encontra atualmente descentralizada; porém,
descentralizaria as seguintes:
elaboração de convênios de cooperação internacional;
mapeamento de fontes de recursos para cooperação internacional;
identificação das necessidades dos usuários;
negociação da proposta.
Algumas das respostas dadas pelas três instituições apresentam coincidência
total quanto à descentralização e centralização das atividades/decisões da situa-
ção atual. As mesmas são as que se seguem:

a. As três instituições mantêm descentralizadas as atividades e decisões


relativas a:
organização de feiras e eventos internacionais;
elaboração de propostas de assistência técnica;
realização de atividades técnicas;
asseguramento da qualidade técnica dos trabalhos.

b. As três instituições mantêm centralizadas as atividades e decisões relati-


vas a:

aprovação dos convênios realizados;


organização para recepção de estagiários de outros países;
elaboração de panfletos para divulgação das potencialidades da instituição
na área internacional;
aprovação da proposta antes de ser enviada ao usuário, agência ou organismo
internacional.
450 Eduardo Vasconcellos/Edison Fernandes Polo

IV. ALTERNATIVAS DE DEPARTAMENTALIZAÇÃO

As instituições de pesquisa possuem duas grandes áreas, que são linha e apoio,
e existem muitas formas de se estruturá-las. No caso de uma instituição realizar
projetos de cooperação técnica internacional, pouco muda. As atividades e
decisões relativas à execução e gerenciamento das atividades de linha continuam
sendo de atribuição da área técnica (unidades de pesquisa). As atividades e
decisões relativas ao gerenciamento administrativo-financeiro, relações públi-
cas, negociação da cooperação internacional etc . são, em princípio, de atribuição
da área de apoio (unidade de cooperação internacional).
O conceito genérico acima colocado, entretanto, é apenas um ponto de partida
para o estudo da departamentalização, pois atividades relativas à cooperação
internacional podem ser atribuídas às áreas técnicas. Os tipos de departamenta-
lização da área técnica do projeto serão explicitados a seguir. Posteriormente,
serão colocadas formas de departamentalização adaptadas à área de apoio à
cooperação internacional.
As formas mais comuns de uma instituição de pesquisa agrupar as atividades e
decisões técnicas (de linha) são: por Produto, por Processo, Funcional, por
Projetos Pura, por Projetos, Matricial-Balanceada e Matricial-Funcional. Caso a
instituição de pesquisa realize também projetos de cooperação técnica interna-
cional, as formas mais usuais de se agrupar as atividades e decisões relativas à
cooperação internacional, consideradas de apoio, são: Funcional, Geográfica,
por Parceiros e por Convênios.
A seguir, colocamos o quadro-resumo das formas de departamentalização da área
técnica:
FIGURA 10 - ESTRUTURAS DE ÁREAS TÉCNICAS DE INSTITUTOS DE PESQUISA
ESTRUTURA CONDIÇÓES QUE FAVORECEM A ADOÇÃO CONSEQÜÊNCIAS DA UTILIZAÇÃO
10.a Por Produto - Elevada diferenciação entre os produtos exigindo atenção - Maior aproximação dos pesquisadores em relação às peculiaridades
individualizada. tecnológicas de cada produto.
- Pesquisadores agrupados - Volume mínimo de pesquisas em cada produto ou linhas de - O pesquisador é estimulado a acompanhar de perto a utilização
conforme os produtos ou produtos para justificar a existência de uma unidade organizacional. seletiva dos resultados da pesquisa.
linhas de produtos de - Não há projetos envolvendo pesquisadores de várias unidad es do - Risco de duplicação de esforços, duplicação de recursos humanos e
empresa. centro. equipamentos, caso não haja grande diversificação tecnológica.
- Com o tempo as unidades ficam estanques dificulando trabalhos
a
integrados no futuro.
10.b Por Processo - Elevada diferenciação entre as pesquisas feitas para cada etapa do - Maior aproximação dos pesquisadores com os problemas
processo. tecnológicos de cada etapa do processo produtivo.
- Pesquisadores agrupados - Volume mínimo de pesquisas em cada etapa do processo para - Especialização nas etapas do processo.
conforme etapas de um justificar a existência de uma unidade organizacional.
processo produtivo. - Não há projetos envolvendo pesquisadores de várias unidades do - O pesquisador é estimulado por acompanhar de perto a utilização
centro. seletiva dos resultados da pesquisa.
- Risco de duplicação de esforços, duplicação de recursos humanos e
equipamentos, caso não haja grande diversificação tecnológica.
- Com o tempo as unidades ficam estanques dificultando trabalhos
integrados no futuro. s
10.c Funcional 1- Elevada diferenciação entre as especialidades técnicas dos - Mais fácil formar a "mem ória técnica" do centro. c,
pesquisadores.
- Pesquisadores agrupados 1-Nessidade de especialização dentro de cada área técnica. - Formação de capacitação científica é facilitada. oo
conforme a formação técnica. - Pesquisas unidisciplinares. - Maior tendência à especialização por área do conhecimento.
- Pouca variedade de projetos. - Eficiente utilização dos recursos humanos e materiais evitando
duplicações.
- Com o tempo as unidades ficam estanques dificultando trabalhos
integrados no futuro.
o
10.d Por Projetos Pura - Projetos utilizando recursos materiais e humanos em tempo integral. - Formação de capacitação em gerência de projetos.
s
- Pesquisadores agrupados - Projetos de duração longa . - Eficiente integração na equipe do projeto, facilitando atingimento
conforme os projetos que de prazos e alterações exigidas pela produção.
desenvolvem. - Centro de pesquisa de tamanho reduzido. Eficiente formação de capacitação tecnológica.
- Pouca diversificação tecnológica. - Risco elevado de duplicação de recursos e materiais e capacitação
tecnológica.
-Há um único responsável pelo projeto que atende as demais
un idades da empresa.
l O.e Por Projetos
- Pesquisadores agrupados - Projetos que usam recursos em tempo parcial. -Formação de capacitação em gerência de projetos.
conforme os projetos que - Centro de pesquisa de tamanho reduzido. - Eficiente integração na equipe do projeto, embora em grau menor
desenvolvem, sendo que do que o exemplo anterior, facilitando o atingimento de prazos e
cada pesquisador pode estar alterações exigidas pela produção.
alocado a mais de um c
- Pouca diversificação tecnológica. - Ineficiente formação de capacitação tecnológica.
projeto.
- Risco de duplicação de recursos e capacidade ociosa, embora em Q
grau menor do que no ex emplo anterior.
- Há um único responsável pelo projeto.
- Risco de conflitos é maior.
Q
- Trabalho do gerent e-geral para realocar recursos é maior.

lO.fMatricial Balancea da
- Pesquisadores estão alocados - Necessidade de especialização e ao mesmo tempo existência de -Formação de capacitação tecnológica.
simultaneamente a áreas de projetos interdisciplinares que exigem alto nível de integração entre rn
especialidade e a projetos as diversas áreas .
interdisciplinares. Q
- Projetos utilizam recursos humanos e equipamentosa em tempo - Formação de capacitação em gestão de projetos interdisc iplinares .
parcial e há oscilações nessa utilização.
- Conduz à eficiente integração entre as áreas .
- Eficiente utilização de recursos humanos e materiais .
-Possibilita o atingimento de prazos e alta qualidade técnica .
-Maior nível de conflitos .

Q
LO.gMatricial-Funcional
- Pesquisadores estão alocados - Necessidade de especialização e ao mesmo tempo existência de - Apresenta as mesmas conseqüências de utilização que a matricial,
a áreas de especialidade e de projetos interdisciplinares que exigem alto nível de integração entr e todavia, com o o nível hierárquico do gerente de projeto
projetos interdisciplinares. as áreas . interdisciplinar é mais bai xo, a ênfase no projeto será um pouco
Os gerentes de projetos menor, ati ngimento de prazos e integração poderão ser afetados.
interdisciplinares estão - Volume mínimo de pesquisadores para viabilizar a existência das -Por outro lado, a ênfase em formação de capacitação, utilização de
subordinados ao gerente da áreas . recursos humanos e materiais será um pouco maior.
área de esp ecialidade na qual - Projetos utilizam recursos humanos e equipamentos em tempo - Maior nível de conflitos.
o projeto tem mais ênfase . parcial e há oscilações nessa utilização.
- Gerentes das áreas de especialidade proporcionam bom atendimento
aos gerentes de projetos interdisciplinares , embora estes estejam em
nível hierárquico inferior.

Fonte : Vasconcellos (1987)


Estrutura Organizacional para Projetos de Cooperação Internacional 453

1. Área Técnica do Proj eto

a. Por Produto
Os pesquisadores são agrupados de acordo com o produto (ou linha de produto)
sobre o qual trabalham. Esse tipo de estrutura é aconselhável quando existe alto
nível de diferenciação tecnológica entre produtos e massa crítica de pesquisa
para justificar a formação de unidades separadas (Fig. 1Da).

FIGURA 1Da
ESTRUTURA PORPRODUTO

I Diretor I

I I
Pesquisa sobre sobre I Pesquisa sobre
I A I I I C I

[ [

A - Poluição Atmosférica B - Poluição de Mananciais C - Aterro Sanitário

b. Por Processo
Os pesquisadores são agrupados de acordo com os processos dos projetos em que
trabalham. Esse tipo de estrutura é aconselhável quando existem diferenças
significativas entre os vários processos necessários à obtenção -do produto final,
a ponto de os mesmos representarem momentos estanques no processo global
(Fig. 1Db)
454 Eduardo Vasconcelos/Edison Fernandes Polo

FIGURA 10b
ESTRUTURA POR PROCESSO

Pesquisa sobre Pesquisa sobre Pesquisa sobre


Pesquisa sobre plantio/tratos
melhoramento irrigação técnicas de
culturais colheita

c. Funcional

Esse tipo de estrutura agrupa os recursos humanos de acordo com suas especia-
lidades técnicas . Essa forma é vantajosa para instituições que necessitam de
pesquisadores altamente especializados, que realizam pesquisas dentro de cada
unidade técnica sem necessidade de muita integração entre elas (Fig. 10c)

FIGURA 10e
ESTRUTURA FUNCIONAL
Estrutura Organizacional para Projetos de Cooperação Internacional 455

Nesse tipo de departamentalização os pesquisadores são agrupados conforme os


projetos nos quais estão trabalhando. Essa estrutura é aconselhável quando os
proj etos têm duração elevada, e usam recursos humanos em tempo integral e sem
oscilação, não se aplicando a grandes centros (Fig. LOc).

FIGURA lOd
ESTRUTURA POR PROJETOS PURA

Gerente de Gerente de
projeto B projeto C

I I

e. Por Projetos
É semelhante à anterior, exceto pelo fato de os pesquisadores poderem trabalhar
simultaneamente em dois ou mais projetos. É uma estrutura apropriada para
centros pequenos (de nove a vinte pesquisadores). Ela é bastante flexível,
permitindo rápida adaptação a mudanças na atividade do centro (Fig. Iüe).
456 Eduardo Vasconcelos/Edison Fernandes Polo

FIGURA lOe
ESTRUTURA POR PROJETOS

fi Matricial Balanceada
Trata-se da estrutura matricial tradicional, onde gerentes de projetos interdisci-
plinares negociam com os gerentes funcionais uma equipe para o seu projeto. Os
pesquisadores se subordinam aos gerentes dos projetos interdisciplinares, mas
permanecem, concomitantemente, subordinados a seu chefe funcional (Fig. lOf).

FIGURA lOf
ESTRUTURA MATRICIAL BALANCEADA

I Diretor I
I
I I I
I Melhoramento II Plantio e
tratos culturais I Técnica de
colheita I
H Projeto A I
I

I
Projeto B I

Projeto C I
I
Estrutura Organizacional para Projetos de Cooperação Internacional 457

As responsabilidades mais comuns dos gerentes são as que se seguem:

f 1. Gerente de Projeto

integrar as atividades dos pesquisadores das diversas áreas;


negociar com os gerentes funcionais a equipe para seu proj eto;
interagir com a unidade usuária ou que encomendou o projeto;
avaliar o desempenho dos pesquisadores;
acompanhar e assegurar cumprimento do cronograma físico e financeiro.

f2. Gerente de Área Técnica

decidir sobre alocação dos recursos humanos e materiais aos vários projetos;
manter e atualizar os equipamentos e laboratórios;
aprovar a qualidade técnica das partes do projeto sob responsabilidade da sua
área;
avaliar o desempenho dos pesquisadores;
manter a memória técnica.

g. Matricial Funcional

É semelhante à anterior, exceto pela subordinação do gerente do projeto ao


gerente funcional da área em que o projeto é mais forte, ao invés de estar no
mesmo nível dos gerentes funcionais (Fig. 10g ).
As formas matriciais têm sido usadas com freqüência crescente. Elas apresentam
inúmeras vantagens, como integração entre áreas técnicas, ao mesmo tempo que
permitem especialização e uso eficiente dos recursos. Entretanto, se maldelinea-
da e implantada, esse tipo de estrutura pode comprometer o desempenho. Vas-
concellos (1986), Vasconcellos e Hemsley (1986), e Sbragia (1977) descrevem
com maior profundidade as técnicas disponíveis para o uso eficaz desse tipo de
estrutura.
A Figura 10 mostra um organograma simplificado de cada forma de departamen-
talização. Existem muitas variantes da estrutura matricial que não constam da
Figura 10, para evitar um nível excessivo de complexidade. Essas variantes estão
descritas em Vasconcellos (1983), abordando a organização de institutos de
pesquisa.
458 Eduardo Vasconcelos/Edison Fernandes Polo

FIGURA lOg
ESTRUTURA MATRICIAL-FUNCIONAL

gerente de projetos
O pesquisadores

2. Área de Apoio à Cooperação Internacional


Após a apresentação das formas mais usuais de se agrupar (departamentalizar)
as atividades e decisões relativas à área de pesquisa (atividades de linha),
colocam-se a seguir as formas mais usuais de se departamentalizar as atividades
e decisões de apoio relativas à cooperação internacional.

a. Funcional

A departamentalização Funcional agrupa os recursos humanos e materiais em


torno de funções. Essa foi a alternativa selecionada para a Gerência de Programas
e Projetos de Cooperação Técnica Internacional da UNISINOS, a qual é estrutu-
rada em 4 : Controladoria (acompanhamento e avaliação), Proj etista (elaboração
dos projetos), Analista de Dispêndio (custos, orçamentos) e Corpo técnico
(execução dos projetos), e cujo organograma está colocado mais adiante.
As principais conseqüências da utilização desse tipo de estrutura são as seguintes:
maior facilidade na formação da "memória" do centro de cooperação inter-
nacional;
maior facilidade para a formação de capacitação em atividades de apoio à
cooperação internacional;
tendência à especialização por área de atuação;
eficiente utilização de recursos humanos e materiais, para evitar duplicações;
Estrutura Organizacional para Projetos de Cooperação Internacional 459

com o tempo, torna as unidades estanques, dificultando o trabalho integrado


entre especialistas das diferentes áreas.

b. Geográfica
N esse caso, os recursos são agrupados tendo como critério a área geográfica por
eles servida. Esse é o critério utilizado pelo SENAI, para a departamentalização
da sua Diretoria de Cooperação Internacional. Abaixo do Diretor há 24 Depar-
tamentos Regionais, cada um deles responsável pelas atividades de cooperação
internacional realizadas pelas Superintendências Regionais do SENAI. Seu or-
ganograma parcial encontra-se na Figura 13 .
No caso de instituições de pesquisa, a departamentalização geográfica de unida-
des de cooperação internacional pode ocorrer quando as unidades do Instituto
são geograficamente dispersas, com unidades de pesquisa localizadas fisicamen-
te distantes umas das outras, e que demandem, por diversas razões, a instalação
de uma unidade de cooperação internacional junto das mesmas.
Em determinados casos, pode haver necessidade de localizar unidades de coope-
ração internacional fisicamente próximas a instituições ou agências com as quais
as mesmas tenham muita interação: é o caso da unidade que o SENAI mantém
em Brasília para realizar, precipuamente, atividades junto à ABC.
As principais conseqüências da utilização desse tipo de estrutura são as seguintes:
maior conhecimento das características e dos problemas das diferentes re-
giões;
maior integração com a unidade técnica de cada região, facilitando o atingi-
mento de prazos e alterações exigidas;
risco elevado de duplicação de recursos e esforços, e de surgimento de
capacidade ociosa;
dificulta a coordenação do CTI como um todo.

c. Por Parceiros de Cooperação


Esse tipo de estrutura agrupa recursos de acordo com os parceiros de cooperação
internacional da instituição, e pode ocorrer pelas seguintes principais razões:
quando a cooperação internacional entre a instituição e cada um de seus
parceiros ou grupos distintos de parceiros demanda, por longo período de
tempo e sem grandes oscilações, a realização de significativo volume de
atividades;
460 Eduardo Vasconcelos/Edison Fernandes Polo

quando a instituição possui significativo volume de acordos de cooperação


internacional, com poucos parceiros.
As principais conseqüências da utilização desse tipo de estrutura são as
seguintes :
maior compreensão e melhor atendimento das características e demandas de
cada parceiro ou grupo homogêneo de parceiros;
facilidade de formar "m emóri a" sobre os parceiros;
maior integração intramembros das unidades de cooperação internacional,
por concentrarem seus esforços em um ou poucos parceiros da instituição;
risco de duplicação de recursos e esforços, e de surgimento de capacidade
ociosa;
risco de as unidades de cooperação internacional ficarem estanques, dificul-
tando trabalhos integrados;
dificuldade de coordenação do CTI como um todo;
perda da "visão do todo", devido à especialização em parceiros distintos.

d. Por Convênios
A departamentalização por Convênios é bastante semelhante à por Parceiros,
pois agrupa atividades e decisões de acordo com os convênios de cooperação
internacional da instituição. A mesma pode suceder quando a cooperação inter-
nacional ocorre com base em grandes convênios, com cada um dos mesmos
demandando, por um período longo de tempo e sem grandes oscilações, a

realização de significativo volume de atividades.
As principais consequências da utilização desse tipo de estrutura são as seguintes:
maior compreensão e melhor atendimento das características e demandas de
cada convênio;
facilidade de formar "memória" sobre os convênios;
maior integração intramembros das unidades de cooperação internacional,
por concentrarem seus esforços em um convênio;
formação de capacitação em gerência de cooperação internacional;
risco de duplicação de recursos e esforços, e de surgimento de capacidade
ociosa;
risco de as unidades de cooperação internacional ficarem estanques, dificul-
tando trabalhos integrados;
Estrutura Organizacional para Projetos de Cooperação Internacional 461

dificuldade de coordenação do CTI "como um todo;


perda da "visão do todo" devido à especialização em convênios distintos.
As Figuras 11, 12 e 13 mostram organogramas simplificados de cada uma das
instituições que servem de exemplo, com destaque para o CTI. Os asteriscos,
códigos (numéricos e alfanuméricos) e principais atividades/decisões (atribui-
ções básicas das diversas unidades organizacionais) encontram-se no Anexo 11.

UNISINOS
Na Figura 11 está a parte da estrutura organizacional da UNISINOS envolvida
com as atividades e decisões de cooperação técnica internacional. Essa unidade
pode ser entendida como sendo o Centro de Cooperação Técnica Internacional
da UNISINOS.
Para melhor entendimento das principais atividades/decisões relacionadas à
cooperação técnica internacional da UNISINOS, é aconselhável consultar o
Anexo 11.
Características Básicas dos Projetos da UNISINOS
São projetos que visam à capacitação, renovação ou transformação da institui-
ção, decorrentes da matriz básica de seu planejamento estratégico.
Existem três categorias básicas de projetos:
a. Projetos de Desenvolvimento Institucional, voltados para:
capacitação de recursos humanos;
transferência de tecnologia;
expansão da capacidade institucional.
b. Projetos-piloto, voltados para a geração das informações e conhecimentos
necessários a realização de programas mais amplos de desenvolvimento.
c. Projetos de apoio institucional, voltados ao preenchimento de aspectos críti-
cos, a título de subsídio.
Comentários:
Pelo organograma parcial exposto, e pelas informações adicionais sobre as
atividades/decisões realizadas pelas áreas, pode-se concluir que a UNISINOS
possui uma estrutura mista, e que as áreas técnicas e de apoio envolvidas com
cooperação internacional estão estruturadas de modo Matricial-Funcional. As
equipes de projeto são formadas em função do conteúdo técnico dos projetos.
462 Eduardo Vasconcelos/Edison Fernandes Polo

FIGURA 11
ESTRUTURA ORGANIZACIONAL PARCIAL DA UNISINOS

Reitor
I
I Assessoria Financeira
I
Asses soria Juríd ica
I
I
I Asse ssori a Internacional

I I I I
Pró-Reitor ia Pró-Reitoria Pró-Reitoria Pró-Reitoria
I Administr.
II Graduação Pesq . ePG.
II Comun./Extens.

(a)
Superintendência Comitê de Projetos -
Administrativa (Pró-Reitores)

Assessoria para
Assuntos Internacionais

I I I I
(b) (c) (d) (e) (t)
Intercâmbio Divulgação Convênios Cooperação
Acadêmico de Recurso s Internacional Institucionais Técn ica
Humanos Internacional

(g)
Gerência de
Programa s e
Projeto s

(h)
Secretária

I I
(i) U) (1) (m)
Controladoria Projetista Analista de Corpo Técnico
(Apoio) Dispêndio (Matricial)
Estrutura Organizacional para Projetos de Cooperação Internacional 463

FIGURA 12
ESTRUTURA ORGANIZACIONAL PARCIAL DO IPT

Gabinete da Diretoria

Coordenadorias
de Apoio :
-Admin . Geral
- Econ . - Finan .
- Transf. Técn .
(*) CAGE Administraçã o

(temas)
I
" " Lab. 1 Lab .2 Lab.3 UT .1 UT.5 UT.9
" x x x o o o O O O O O O
. Automação X X X O O O O O O O O O
industrial
2. Biotecnologia X X X O O O O O O O O O
3. Energia X X X O O O O O O O O O
4. Materiais X X X O O O O O O O O O
5. Qualidade X X X O O O O O O O O O
Industrial
6. Siderurgia X X X O O O O O O O O O
7. Transportes X X X O O O O O O O O O

Not as: " Coordenadorias de Apoio X = Recu rsos Materiais


"" Agrupamentos: O = Recursos Huma nos
""" Recursos
Lab . = Laboratório
UT = Unidade Técnica
464 Eduardo Vasconcelos/Edison Fernandes Polo

IPT
A Figura 12 mostra parte da estrutura organizacional do IPT, na qual se inserem
as atividades/decisões de cooperação técnica internacional.
Para melhor entendimento das principais atividades/decisões relacionadas à
cooperação técnica internacional do IPT, consulte-se o Anexo 11.
Características Básicas dos Projetos
Os projetos de cooperação técnica internacional realizados pelo IPT podem ser de:

a. Cooperação Recebida:
a.1. recepção de técnicos estrangeiros que vêm dar assessoria ao IPT sobre um
tema específico;
a.2. envio de técnicos brasileiros ao estrangeiro para aquisição de conhecimen-
tos sobre um tema específico.

b. Cooperação Prestada:
b.1. recepção de estagiários ou alunos que vêm para o Brasil fazer, respectiva-
mente, estágios ou cursos no IPT;
b.2. envio de técnicos brasileiros ao estrangeiro para prestar consultoria, asses-
soria ou treinamento local sobre tema específico.

Esses quatro tipos de cooperação representam 85% da cooperação técnica inter-


nacional realizada pelo IPT.

Comentários:
Pelo organograma parcial exposto e pelas informações adicionais sobre as ativi-
dades/decisões realizadas pelas unidades, pode-se concluir que o IPT possui uma
estrutura mista, que as unidades técnicas estão estruturadas de modo Matricial-
Funcional e que as de apoio envolvidas com cooperação internacional estão
estruturadas de modo Funcional.

SENAI
A seguir, coloca-se parte da estrutura organizacional do SENAI, na qual se insere
a Assessoria para Assuntos Internacionais. Esta unidade pode ser entendida
como sendo o centro de cooperação técnica internacional do SENAI.
Estrutura Organizacional para Projetos de Cooperação Internacional 465

FIGURA 13
ESTRUTURA ORGANIZACIONAL DO SENAI

r-------------------,
I I
I I

:I ABC* :I
: (Itamarati) :
L
I JI

(a)
DIRETORIA GERAL

I I I I
(d) (e) (f)
(b) Diretoria de
Diretoria Diretoria Diretoria
Diretoria de Rec. Hum.
Técnica Administrat Financeira
Cooperação DRH
DT DA DF
Internacional

(c) (até c.25)

(c.l) (c .2) (c.3) (c.4)


Depto. Depto . Depto. Depto.
Regional Regional Regional Regional

(g) (g)
Técnicos Técnicos

* Agência Brasileira de Cooperação


466 Eduardo Vasconcelos/Edison Fernandes Polo

Para melhor entendimento das principais atividades/decisões relacionadas à


cooperação técnica internacional do SENAI, favor remeter ao Anexo 11.

Características Básicas dos Projetos


Os projetos de cooperação técnica internacional realizados pelo SENAI podem
ser de:

a. Cooperação Recebida:

a.1. recepção de técnicos estrangeiros que vêm dar assessoria ao SENAI sobre
um tema específico;
a.2. envio de técnicos brasileiros ao estrangeiro para aquisição de conhecimen-
tos sobre um terna específico.

b. Cooperação Prestada:

b.1. recepção de bolsistas estrangeiros (técnicos, instrutores, assessores etc.)


que vêm ao Brasil para fazer estágios nas escolas do SENAI;
b.2. envio de técnicos brasileiros ao estrangeiro para assessoria local sobre tema
específico.
Comentários:
Pelo organograma parcial antes exposto e pelas informações adicionais sobre as
atividades/decisões realizadas pelas unidades, pode-se concluir que o SENAI
possui uma estrutura funcional para as suas áreas técnicas e de apoio envolvidas
com cooperação internacional.

V. ORGANOGRAMA LINEAR

A definição das atribuições é outro componente importante para o delineamento


de uma estrutura. Os manuais de atribuições são instrumentos que retratam os
papéis dos vários cargos gerenciais de uma estrutura. Entretanto, os mesmos
apresentam algumas deficiências preocupantes, quando se trata de atividades de
cooperação técnica:
o excessivo grau de detalhamento dos manuais mistura definições extrema-
mente importantes com conhecimentos óbvios;
Estrutura Organizacional para Projetos de Cooperação Internacional 467

a dimensão e complexidade do manual dificultam seu uso nas atividades do


dia-a-dia;
a ausência de uma visão clara das inter-relações entre os vários cargos e
funções da estrutura.
Esse último aspecto é particularmente relevante para projetos de cooperação
internacional em função da multiplicidade de agentes envolvidos (instituições
executoras de dois ou mais países, agência financiadora internacional, agência
governamental do país receptor etc.).
Devido a essas limitações, um instrumento chamado Organograma Linear tem
sido usado com freqüência crescente para definir atribuições em áreas dinâmicas
como a de gerenciamento de projetos. Neste texto, o conceito será aplicado à
área de cooperação internacional.
A abordagem desse assunto foi feita com base em trabalho realizado por Vas-
concellos et alii (1981), o qual apresenta uma metodologia para o delineamento
de um Organograma Linear e mostra a aplicação do mesmo em um caso real.
À medida que a organização cresce, a complexidade gerencial aumenta, e quando
o nível de autoridade e responsabilidade não é definido de forma adequada, os
conflitos aumentam em frequência e intensidade (Vasconcellos, 1979) .
O Organograma Linear de Responsabilidade (Linear Reponsibility Chart), ideali-
zado por Ernest Higmans e modificado por Serge A. Birn (Chiavenato, 1979),
constitui uma inovação em relação aos organogramas formais tradicionais. Através
desse instrumento são mostrados aspectos adicionais às linhas formais de comuni-
cação, aos níveis hierárquicos e aos critérios de departamentalização, que são itens
comumente explicitados pelos organogramas tradicionais. O Organograma Linear
revela as atividades/decisões relacionadas com uma posição ou cargo organizacio-
nal, mostrando quem participa e em que grau, e quando uma atividade ou decisão
deve ocorrer na organização (Cleland e King, 1968). Ele permite também identificar
e esclarecer as relações e tipos de autoridade que devem existir quando mais de um
responsável contribui para a execução de um trabalho comum.
Um Organograma Linear inclui em sua configuração as seguintes características:
um conjunto sintético de informações relevantes disposto na forma de matriz;
um conjunto de posições e/ou cargos organizacionais a serem considerados,
que constituem as colunas da matriz;
um conjunto de responsabilidades, atividades, decisões etc. disposto s de
forma a constituir as linhas da matriz;
468 Eduardo Vasconcelos/Edison Fernandes Polo

os símbolos indicando o grau de extensão da responsabilidade e autoridade


de forma a explicitar as relações entre as linhas e colunas, inseridos nas
respectivas células da matriz.
A utilização do Organograma Linear é bastante vantajosa, não só pelo fato de
ele permitir a visualização da responsabilidade pela função, mas, principalmente,
porque ele possibilita caracterizar a forma pela qual uma posição se relaciona
com as demais dentro da organização.
O Organograma Linear é especialmente indicado quando temos ambigüidades
no processo decisório, decorrentes das características da organização, bem como
para identificar áreas onde essas ambigüidades ocorrerão e deverão subsistir até
que mais informações estejam disponíveis (Galbraith, 1977). Atividades de
cooperação internacional têm alto potencial para o uso do Organograma Linear
em função do elevado nível de complexidade de seus inter-relacionamentos:
órgãos governamentais de mais de um país, agências financiadoras internacio-
nais, instituições executoras de mais de um país etc.
Uma das importantes razões que recomendam o uso do Organograma Linear é o
fato de serem necessárias para sua elaboração análises bastante objetivas, que
trazem à tona inúmeros conflitos a serem discutidos e analisados pelos respon-
sáveis, permitindo, assim, evitar sua ocorrência no futuro de forma imprevista.
Por essa razão, o Organograma Linear, como técnica de análise, é bastante
utilizado nas reorganizações de funções e cargos, e no estudo e identificação de
atividades e decisões.
Para Vasconcellos et alii (1981), "cabe uma palavra de advertência quanto às
limitações do Organograma Linear:
não constitui uma panacéia para todos os problemas da organização;
permite apenas mostrar as diversas atividades/decisões que compõem um
trabalho e suas relações com as funções e posições organizacionais;
não mostra a qualidade das relações sociais entre os membros da organização
e seus respectivos comportamentos nas diversas atividades e decisões;
é uma técnica que atua em nível da organização formal, não considerando os
múltiplos e relevantes aspectos da organização informal, que subsistem
imersos no iceberg organizacional."

Para Vasconcellos et alii (1981), o procedimento para delinear e implantar um


Organograma Linear pode ser dividido em três fases, representadas graficamente
pela Figura 14 . A separação entre as fases é feita apenas para fins didáticos. Na
Estrutura Organizacional para Projetos de Cooperação Internacional 469

prática, essas etapas estão interligadas, podendo ser quase simultâneas em alguns
instantes.
Para se elaborar um adequado Organograma Linear deve-se observar alguns
passos básicos, assim resumidos: (a) coleta de informações básicas sobre a
instituição, com a finalidade de identificar o seu perfil, objetivos, estratégias,
organograma real, principais problemas e conflitos etc.; (b) delineamento do
Organograma Linear, mediante a formação de grupo de trabalho para realizar a
tarefa, identificação das atividades/decisões e cargos básicos para as quais o
Organograma Linear será elaborado, identificação das situações atual e desejada,

FIGURA 14
MÉTODO PARA O DELINEAMENTO E IMPLANTAÇÃO
DO ORGANOGRAMA LINEAR

FASE 1 - COLETA DE INFORMAÇOES BASICAS


1.1 Caracterização do contexto organizacional
1.2Identificação dos condicionantes organizacionais:
• Obj etivos e estratégia
• Natureza da atividade e tecnologia
• Ambiente externo
• Fator Humano

FASE 2 - DELINEAMENTO
2.1 Formação do grupo de trabalho
2 .2 Identificação das atividades/decisões
2 .3 Identificação das funções
2.4 Identificação das situações atual e desejada
2 .5 Análise
2.6 Delineamento do Organograma Linear

FASE 3 - IMPLANTAÇAO E ACOMPANHAMENTO


• Discussão e aprovação da proposta
• Planej amento da implantação
• Acompanhamento e ajustes

Fonte: Vasconcellos et alii (1987) .


470 Eduardo Vasconcelos/Edison Fernandes Polo

análise das informações obtidas e delineamento do Organograma Linear; (c)


implantação e acompanhamento, por intermédio da discussão com gerentes e
aprovação da proposta junto à alta administração, planejamento da implantação,
acompanhamento e ajustes.
Para que se possa empregar o Organograma Linear com maior probabilidade de
sucesso, Vasconcellos et alii (1981) sugerem alguns pré-requisitos:
apoio da AI ta Administração;
existência de um elemento com elevada autoridade que se responsabilize pela
implantação e pelo cumprimento das normas: deve ser alguém a quem as
pessoas possam recorrer caso as normas sejam desobedecidas, ou alguém
para receber as críticas e sugestões;
flexibilidade para poder se adaptar a situações com características diferentes
das previstas durante a fase de delineamento;
revisão periódica;
treinamento durante a fase de implantação;
alta participação dos envolvidos durante todas as fases.

Exemplo de Aplicação do Organograma Linear


Para melhor compreender os conceitos, o instrumento utilizado e a metodologia
empregada na elaboração de um Organograma Linear, as três instituições toma-
das como exemplo elaboraram como ilustração, de forma bastante simples e sem
aprofundamentos na questão, um Organograma Linear de suas áreas de apoio à
cooperação internacional.
As bases para a elaboração do Organograma Linear de cada uma das instituições
foram as que se seguem:
identificação das principais atividades/decisões de apoio realizadas pela sua
instituição;
identificação dos cargos que executam e os que participam direta ou indire-
tamente da execução/decisão de tais atividades/decisões.
Cada instituição listou na horizontal os cargos e na vertical as atividades/deci-
sões de apoio relacionados com projetos de cooperação internacional. A seguir
preencheram as células utilizando a letra D para indicar quem decide ou executa
e a letra P para indicar quem participa da decisão ou execução.
Foi recomendado que as instituições selecionassem as premissas que julgassem
Estrutura Organizacional para Projetos de Cooperação Internacional 471

necessárias e que deixassem em branco as células que não se sentissem seguras


para preencher.
A seguir, coloca-se o Organograma Linear de uma das instituições tomadas como
exemplo, escolhido ao acaso:

FIGURA 15
ORGANOGRAMA LINEAR SIMPLIFICADO ·DE UMA DAS INSTITUIÇÕES
TOMADAS COMO EXEMPLO

Principais Cargos
ATIVIDADES/DECISÕES DE D C C D C D D
APOIO À COOPERAÇÃO E A T R P T R
TECNICA INTERNACIONAL
G T I J E
Elaboração de convênios de Cooperação
D P P P P P P
Técnica Internacional.
Aprovação do convênio antes do envio à outra parte. D
Negociação do convênio
D D D D D D D
com a outra parte e com agências financiadoras.
Organização de feiras e eventos internacionais. D P P D D D
Atendimento a visitantes internacionais . D D P P D
Elaboração de um plano estratégico contendo diretrizes
prioridades, metas e instrumentos de cooperação D P P P P P P
internacional para a instituição como um todo.
Organização para a recepção de estagiários de outros
D D D D
países.
Mapeamento de fontes de recursos para a cooperação
D D D
técnica internacional.
Elaboração do relatório anual das atividades
D D
de cooperação técnica internacional.
Elaboração de panfletos para divulgação das
D D
potencialidades da instituição na área internacional.
Identificação das necessidades dos usuários. D D
Elaboração de proposta de cooperação técnica
D D
internacional.
Aprovação da proposta antes de ser enviada ao usuário. D
Negociação da proposta. D P P P P P P
Decisão sobre a constituição da equipe do projeto. D D
Realização das atividades técnicas do projeto. D D
Decisões dentro do orçamento do projeto . D D
Acompanhamento dos prazos . D D
(continua)
472 Eduardo Vasconcelos/Edison Fernandes Polo
(continuação)
Asseguramento da qualidade
D D
técnica dos trabalhos.
Elaboração de relatórios parciais. P D D P
Elaboração de relatórios finais. D D D
Entrega dos relatórios finais aos usuários. D D
Avaliação dos resultados do projeto. D D D D
Os aspectos mais relevantes do organograma linear foram selecionados com base
no envolvimento dos cargos com as atividades/decisões. As análises foram
realizadas em torno das atividades/decisões que merecem destaque, por apresen-
tarem um elevado (ou baixo) envolvimento dos cargos com as mesmas.
Os resultados mais significativos são os que se seguem:

FIGURA 16
ENVOLVIMENTO COM ATIVIDADES E DECISÕES

Envolvimento Total com Atividades/Decisões


Número de Cargos Envolvidos
Instituição Decide/Executa Participa da Dec./Ex.
Absoluto % do Total Absoluto % do Total
55 70 24 30

A Figura 16 mostra o número de cargos envolvidos com as atividades/decisões


de cooperação internacional realizadas pela instituição. Convém ressaltar que
um mesmo cargo está envolvido com mais de uma atividade/decisão.
Os números são pouco significativos quando não acompanhados de análise
qualitativa. O exemplo dado não leva em consideração a importância relativa que
cada atividade/decisão tem no contexto da área de cooperação internacional e da
instituição como um todo.
O organograma linear acima permite verificar que as atividades/decisões com
maior número de cargos que as executam/decidem são as que se seguem:
Negociação de convênios com a outra parte e com
agências financiadoras 7
Organização de feiras e eventos internacionais 4
• Organização para a recepção de estagiários de outros países 4
Avaliação dos resultados do projeto 4
Estrutura Organizacional para Projetos de Cooperação Internacional 473

Dentre os cargos e atividades/decisões listadas, o número médio de cargos que


decidem/executam é de 2,4 .
As atividades/decisões com maior número de cargos que participam da execu-
ção/decisão das mesmas são as que se seguem:
• Elaboração de convênios de Cooperação Técnica Internacional 6
Elaboração de um plano estratégico contendo diretrizes,
prioridades, metas e instrumentos de cooperação
internacional para a instituição como um todo 6
Negociação da proposta 6
Dentre os cargos e atividades/decisões listadas, o número médio de cargos que
participam da execução/decisão é de 1,04.

VI. DIAGNÓSTICO E MUDANÇAS NA ESTRUTURA

Nada é constante na organização, a não ser a própria mudança. Isso porque a


organização é um organismo vivo e, como tal, muda constantemente ao longo do
tempo.
A estrutura organizacional de um CTI deve ser uma resposta aos elementos que
a condicionam/influenciam, no sentido de se adequar às características, necessi-
dades e exigências dos mesmos.
Um centro de cooperação internacional pode ter pouco tempo de existência e sua
estrutura organizacional pode ainda estar procurando sua configuração mais
adequada. Um outro pode já ter passado por essa fase e estar apenas buscando
uma sintonia fina entre seus componentes e condicionantes. Um terceiro pode
possuir uma estrutura organizacional envelhecida, que não mais responde ade-
quadamente às características da organização e às exigências do ambiente externo.
Em um dado momento um CTI pode apresentar uma estrutura organizacional
madura e adequadamente ajustada aos ambientes interno e externo. Porém, esse
alto nível de adequação não dura para sempre, pois as exigências que a estrutura
organizacional procura atender mudam com o tempo. Assim, alterações ocorri-
das na natureza da atividade/tecnologia, condições externas, objetivos e estraté-
gias, fator humano e condições internas demandam sucessivas adequações na
estrutura organizacional.
Muitas vezes, a estrutura organizacional não corresponde, "de fato ", à estrutura
formalmente estabelecida. Não raro, quando levantamos a percepção das pessoas
474 Eduardo Vasconcelos/Edison Fernandes Polo

sobre as atribuições (atividades e decisões) dos diversos atores, descobrimos que


existem significativas diferenças entre as mesmas. Isso ocorre porque as condi-
cionantes da estrutura alteram, ao longo do tempo, o conteúdo das atividades, as
bases para a decisão e o processo de comunicação. Tais mudanças nem sempre
são planejadas e formalizadas. Em um dado momento, parte das percepções são
divergentes e às vezes conflitantes, e as pessoas não sabem mais ao certo qual é
a estrutura real. Isso normalmente conduz a conflitos, duplicações, "buracos
negros", ineficiências, fracassos etc.

a. Etapas do Processo de Mudança

A mudança de uma estrutura envolve as seguintes fases:


Levantamento da situação atual;
Análise da situação atual e identificação de inadequações e problemas;
Delineamento da estrutura mais adequada;
Passagem da situação atual para a desejada.
O levantamento da situação atual é realizado mediante análise de documentos,
observação, entrevistas semi-estruturadas e questionários fechados. A análise
resulta das respostas aos fatores listados no item anterior, que detectam pontos
de aprimoramento. O delineamento da estrutura mais adequada resulta da seleção
entre as alternativas que melhor solucionam os problemas encontrados. Deve ser
ressaltado que não existe estrutura perfeita, isto é, aquela que somente apresenta
vantagens. Toda forma de organizar apresenta pontos fracos e fortes. Assim, a
estrutura adequada é aquela que minimiza as desvantagens e maximiza os pontos
fortes. Para a seleção da forma estrutural mais adequada deve ser levado em
conta o impacto das várias alternativas sobre os indicadores de desempenho da
organização que, por sua vez, devem estar sintonizados com a estratégia.

b. Facilitadores e Barreiras ao Processo de Mudança

O processo de mudança normalmente divide o fator humano da estrutura orga-


nizacional em três grupos básicos: os que se sentem prejudicados ou injustiçados;
os que se sentem privilegiados; e os que sentem que não haverá ganhos ou perdas
de benefícios pessoais, privilégios, status etc.
Ao nível pessoal, os benefícios e as perdas advindos de alterações na estrutura
não são igualmente distribuídos pelos membros da organização. Os sentimentos
de privilégios concedidos e de injustiças praticadas também não são igualmente
Estrutura Organizacional para Projetos de Cooperação Internacional 475

sentidos e percebidos pelos membros. Assim, mudanças na estrutura podem


contar com massa crítica favorável e disposta a cooperar, com pessoas contrárias
às mudanças e pessoas desinteressadas. Portanto, o processo de alteração da
estrutura, dependendo de sua magnitude, deve conter etapas que tratem do
envolvimento de pessoas, das resistências e da obtenção de cooperação.
Uma forma de reduzir resistências e obter cooperação é antecipar as reações e
os efeitos que as alterações trarão, idealizar soluções para possíveis problemas,
ter respostas para possíveis dúvidas, possuir alternativas de mudança e ter um
cronograma de ação.

As pessoas que compõem a estrutura organizacional, principalmente as que serão


afetadas pelas mudanças, devem ter ampla compreensão dos objetivos, extensão
e implicações das mudanças. Para tanto, é fundamental:

dar conhecimento das necessidades, objetivos, justificativas e benefícios que


a mudança trará para a organização ;

saber quais pessoas serão direta e indiretamente afetadas pela mudança e de


que formas serão afetadas;

envolver no processo de mudança as pessoas mais afetadas;

melhorar o equilíbrio entre as "perdas e lucros" esperados;

criar agentes de mudanças.

Deve-se criar condições favoráveis ao processo de mudança. Para tanto, a alta


administração tem de estar envolvida e deve-se identificar agentes de mudanças.
Os agentes de mudança são as pessoas que cooperam com o processo, não
economizam esforços para que a mesma seja um sucesso, sensibilizam as pessoas
envolvidas etc. As principais características dos agentes de mudança são a
habilidade para lidar com pessoas e grupos, e domínio dos instrumentos de
mudança.

c. Diagnóstico da Estrutura

A Figura 17 mostra um instrumento de diagnóstico que pode ser usado para


identificar disfunções na estrutura de uma unidade de apoio à cooperação inter-
nacional que foram selecionadas para serem analisadas neste capítulo.
476 Eduardo Vasconcelos/Edison Fernandes Polo

FIGURA 17
DIAGNÓSTICO ORGANIZACIONAL DO GERENCIAMENTO DE PROJETOS DE
COOPERAÇÃO TÉCNICA

Característica Organizacional Grau de Nível de


Concordância Relevância
A organização tem um plano estratégico para a cooperação
6 8
internacional com objetivos e prioridades definidos .
Os objetivos e prioridades da organização, no que diz
5 7
respeito aos seus projetos, são divulgados de forma adequada.
A organização possui mecanismos apropriados para o
6 7
acompanhamento físico/financeiro dos projetos.
O cargo de Gerente de Projeto é claramente definido. 5 7
O Gerente de Projeto tem autoridade compatível com a
5 7
sua responsabilidade sobre o projeto .
A divisão de autoridade e responsabilidade entre os
gerentes de projeto e os chefes das unidades que ·5 7
[participam do projeto é clara e adequada.
A autoridade e responsabilidade dos vários atores do
processo de gerenciamento de projeto (gerente de projeto das
instituições doadora e receptora no outro país, órgão 6 7
financiador e níveis superiores dessas instituições) estão
claramente definidas .
O grau de autonomia das equipes de projeto é adequado à boa
6 8
realização dos mesmos .
Os esforços individuais e das equipes de projeto são
7 7
adequadamente coordenados .
Os membros das equipes de projeto são adequadamente
7 7
motivados .
Não existem conflitos entre os membros de um mesmo projeto. 6 7
Não há conflitos entre o Gerente de Projeto e os chefes das
unidades às quais pertencem os membros da equipe 6 7
do projeto.
Não existem conflitos entre os membros
6 7
de diferentes projetos .
Os recursos humanos materiais e financeiros empregados
5 8
em projetos são adequadamente utilizados.
Após a realização dos projetos os recursos humanos e
6 7
materiais são adequadamente realocados .
Não existe duplicidade de esforços e recursos nas diversas
5 8
fases do ciclo de vida do projeto.
A organização possui sistemáticas adequadas de
5 8
identificação de oportunidades de novos projetos.
A organização possui sistemáticas adequadas para avaliar e
5 8
selecionar propostas de projetos
A organização possui sistemáticas adequadas para " priorizar"
5 8
projetos e " prioriz ar" a alocação de recursos nos mesmos .

(continua)
Estrutura Organizacional para Projetos de Cooperação Internacional 477
(continuação)
Característica Organizacional Grau de Nível de
Concordância Relevância
O Gerente de Projeto dispõe de informações adequadas para
6 7
um bom gerenciamento de projeto.
O Gerente de Projeto possui informações no tempo adequado
5 7
para o bom gerenciamento dos projetos.
O fluxo de comunicação entre os membros da equipe do
6 7
projeto que pertencem a diferentes áreas é adequado.
O fluxo de comunicação entre os membros da equipe de
6 7
projeto que envolve diferentes países é adequado .
O andamento dos projetos é adequadamente informado aos
6 7
membros de suas equipes.
O andamento dos projetos é adequadamente informado aos
6 7
responsáveis pelas unidades regionais.

o instrumento apresenta na primeira coluna uma lista de afirmações. Para cada


uma o entrevistado dá uma nota de zero (discorda) a dez (concorda) em relação
ao grau de concordância com a afirmação em relação ao que efetivamente ocorre
na sua instituição. Na segunda coluna são dadas notas, também de zero a dez,
em função da importância daquele fator para o sucesso das atividades da unidade
de cooperação internacional, na opinião do entrevistado .
A análise dos dados mostra um considerável espaço de aprimoramento na estru-
tura, na maior parte dos fatores analisados. Apenas dois fatores receberam nota
7: "coordenação entre os esforços das equipes" e "m otivação dos membros das
equipes". Os demais receberam notas inferiores. As notas da coluna 2 mostram
que o entrevistado considera os fatores importantes para o desempenho da
unidade de cooperação internacional.

VII. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Prática e teoria são duas dimensões de uma mesma realidade. Nos meios acadê-
micos e no cotidiano dos institutos que desenvolvem projetos ouve-se dizer que
a teoria nos dá o porquê da existência, conteúdo, forma, funcionamento e
transformação das coisas; a prática nos coloca em contato com as coisas e nos
dá a oportunidade de sentir a existência, conteúdo, forma, funcionamento e
transformação dessas coisas, sem contudo nos dar o porquê; temos que buscá-lo.
Teoria e prática se completam.
O capítulo procurou combinar teoria e prática. Os conceitos, instrumentos e
metodologias colocados foram ilustrados com exemplos de instituições que
478 Eduardo Vasconcelos/Edison Fernandes Polo

realizam cooperação internacional, os quais trouxeram as experiências de pes-


soas vinculadas às CTIs dessas organizações.
O texto foi estruturado de modo a proporcionar uma seqüência ordenada de
etapas para o delineamento, implantação, avaliação e mudanças em estruturas de
áreas de apoio à cooperação técnica internacional. O capítulo não teve a preten-
são de esgotar o assunto, mas procurou tratar os aspectos considerados mais
relevantes.
Inicialmente, são discutidos os componentes e condicionantes da estrutura,
mostrando que antes de se organizar uma unidade de apoio à cooperação inter-
nacional é preciso identificar claramente os objetivos e estratégias dessa unidade
de forma sintonizada com os objetivos e estratégias da organização na qual a
unidade de cooperação internacional está inserida. Em outras palavras, é
preciso ter visão clara de como a cooperação internacional pode contribuir
para o cumprimento da missão da organização, e quais atividades deverão ser
realizadas.
A seguir, foram discutidas as vantagens e desvantagens da descentralização da
unidade de apoio à cooperação internacional e foram analisados os fatores a
serem considerados na seleção da forma mais adequada em uma situação real.
Posteriormente, levantaram-se os aspectos relativos à departamentalização de
uma unidade de cooperação internacional e apresentaram-se os principais crité-
rios de departamentalização, os quais foram discutidos à luz de casos reais .
O tópico seguinte tratou da definição das atribuições, mostrando as vantagens
do uso do organograma linear através de um exemplo de aplicação desse instru-
mento a uma unidade de cooperação internacional. No último tópico foram
apresentados conceitos relacionados à dinâmica da mudança organizacional. Foi
mostrado um instrumento de diagnóstico de estrutura aplicado a unidades de
cooperação internacional.
O capítulo possibilita concluir que transplantes de estruturas organizacionais
sem adaptações não são aconselháveis. A realidade de um CTI, que a estrutura
organizacional procura refletir e tratar, tende a ser diferente da realidade de
outros CTIs. Assim, cada um deve desenvolver a sua própria estrutura organiza-
cional, estar consciente de que a mesma não é eterna e de que mudanças são
necessárias ao longo do tempo.
Estrutura Organizacional para Projetos de Cooperação Internacional 479

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petitividade Empresarial. São Paulo, Edgard Blücher, 1992, pp . 97-137.
_ _ _ _ _ _ _ _ _ _. "The Transfer ofTechnology from R&D to Production". IEEE Confe-
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___________. "Estrutura Organizacional para Pesquisa e Desenvolvimento ". In:
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___________. e HEMSLEY, James R. Estrutura das Organizações: Estruturas Tra-
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VASCONCELLOS, Eduardo; KRUGLIANSKAS, Isak e SBRAGIA, Roberto. " Org anograma
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FEA-USP, dez . 1981.
WESTWOOD, Albert R.C. e SEKINE, Yukiko . " Fostering Creativity and Innovation in an
Industrial R&D Laboratory". Research Technology Management, v. 31, n. 4, jul.-ago. 1988.
482 Eduardo Vasconcelos/Edison Fernandes Polo

ANEXO I
BREVE HISTÓRICO DAS INSTITUIÇÕES TOMADAS
COMO EXEMPLO

A seguir damos um breve histórico de cada uma das três instituições tomadas como
exemplo:

• UNISINOS
Localizada em São Leopoldo, a Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS)
foi criada em 31 de julho de 1969. Embora seja uma universidade nova, sua história
teve inicio em 1869 com a fundação do Colégio Nossa Senhora da Conceição, por padres
jesuítas vindos da Alemanha e da Áustria .
A universidade se constitui em um universo com aproximadamente 22 mil alunos, 800
professores, 650 funcionários, 80 professores pesquisadores envolvidos em mais de uma
centena de projetos e subprojetos, 500 .000 livros classificados e 80.000 exemplares de
periódicos .
A UNISINOS amplia e fortalece , a cada ano, suas atividades de extensão, que colocam
a universidade mais próxima da comunidade. Promove palestras, seminários, congres-
sos e convênios com instituições nacionais e estrangeiras. Presta serviços de treina-
mento, consultoria e assessoria a empresas nas mais diversas áreas. Coloca à disposição
da comunidade serviços de assistência à saúde, jurídica, pedagógica, psicológica e de
nutrição . Realiza testes de laboratórios, perícias técnicas e testes vocacionais. Mantém
serviços de apoio e pesquisa à indústria , programas assistenciais, assessorias à comu-
nidade carente etc.
Com uma sólida tradição em pesquisas, iniciada pelos jesuítas um século antes da
criação da UNISINOS , a instituição vem dando especial atenção a essa área e realizando
projetos com destaque nacional e internacional. Seus institutos de pesquisa executam
importantes projetos nas áreas de Arqueologia, História, Antropologia, Biologia etc.
Desde a sua fundação até fins de 1989, a cooperação técnica internacional era realizada de
forma dispersa, sendo caracterizada por esforços isolados de várias de suas unidades. A
partir desse ano, os esforços de cooperação internacional passaram a ser coordenados pela
Assessoria para Assuntos Internacionais. Dessa forma, a cooperação técnica internacional
passou a ser mais planejada, organizada e controlada, ganhando liderança mais efetiva e
motivando mais as pessoas envolvidas com cooperação, devido às facilidades que criou
para as mesmas.

• IPT
Localizado na cidade de São Paulo, o Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São
Paulo S .A. (IPT) foi criado em1899, como Gabinete de Resistência dos Materiais da Escola
Politécnica de São Paulo (EPSP). Em 1926, passou a Laboratório de Ensaios de Materiais
da Escola Politécnica de São Paulo (EPSP). Em 1934, alcançou o nível de Instituto de
Pesquisas Tecnológicas de São Paulo (IPT), atuando como um anexo da Universidade de
Estrutura Organizacional para Projetos de Cooperação Internacional 483

São Paulo (USP). Em 1934, foi transformado em autarquia, tornando-se um instituto


independente. Em 1976, transformou-se em empresa do Governo do Estado de São Paulo.
Atualmente, conta com 2.360 funcionários, dos quais 754 são pesquisadores, 474
técnicos de nível médio, 429 operacionais e 703 administrativos. Dos 754 pesquisado-
res, 56 possuem o grau de doutor e 131 o grau de mestre.
O IPT atua nas mais diversas áreas tecnológicas, é reconhecido e altamente respeitado
em nível nacional e internacional, com serviços e cooperação técnica prestados e
recebidos de vários países do mundo.
A cooperação técnica internacional pode resultar em obtenção de equipamento ou
material, enriquecimento do conhecimento científico existente, publicação, patente e
extensão para a sociedade ou para empresas .
Há muitos anos o IPT vem celebrando protocolos de intenção, convênios guarda-chuvas
e convênios específicos de cooperação técnica internacional. Vem celebrando acordos
bilaterais e multilaterais, como, por exemplo, os existentes com o CNPq, FINEP,
FAPESP, BIRD, BID, CNRF etc :

• SENAI
Do mesmo modo que a UNISINOS e o IPT, o SENAI é uma das mais tradicionais,
conceituadas e importantes instituições brasileiras que, no próximo ano, completa 50
anos de existência. É mantido pelas Federações das Indústrias e pela contribuição de
1 % da folha de pagamento das empresas industriais. Espelhando-se em sua experiência,
vários países latino-americanos constituíram seus serviços de aprendizagem industrial,
com objetivos e serviços praticamente iguais. A única grande diferença é que essas
entidades latino-americanas são todas governamentais.
O SENAI recebe cooperação técnica de países avançados, dos quais o Japão , Inglaterra,
Alemanha, Itália, França, Estados Unidos, Israel e Espanha merecem destaque.' Por outro
lado, o SENAI presta cooperação técnica internacional para países da América Latina e
países da África de língua portuguesa, embora às vezes preste também cooperação a países
da África de língua francesa e inglesa. É o caso da Costa do Marfim e Nigéria. Todos os
convênios são intermediados pela Diretoria de Cooperação Internacional (DCI) .
A cooperação internacional está voltada para o dia-a-dia de escolas profissionais de
entidades congêneres e para empresas industriais, ou sej a, está voltada para técnicas de
organizaçào de escolas (conhecimentos técnicos, didáticos, pedagógicos, administrativos,
estruturação de currículo e programas, preparação de material didático etc.), estruturação
de oficinas, layout, montagem de laboratórios, organização de almoxarifados etc. A coo-
peração técnica internacional se dá em praticamente todos os segmentos industriais. Quando
presta cooperação, o SENAI lança mão de sua rede de escolas espalhada por todo o Brasil.
A Diretoria de Cooperação Internacional (DCI) está localizada em Brasília, para ficar
fisicamente próxima aos Ministérios das Relações Exteriores e do Trabalho, que parti-
cipam das tratativas dos convênios . A DCI dispõe de facilidade para manter diálogo
com os organismos governamentais e possui conhecimentos sobre os procedimentos a
serem seguidos.
484 Eduardo Vasconcelos/Edison Fernandes Polo

Dentre seus vários projetos, a DCI administra os de cooperação recebida da nCA (J apan
International Cooperation Agency), um dos quais estruturou um curso técnico de
eletrônica e eletrotécnica. Um outro projeto possibilitou a estruturação, no Estado do
Espírito Santo, de um curso técnico de instrumentação . Em julho de 1990 foi assinado
um novo convênio com a nCA para a instalação, em São Caetano do Sul, de uma escola
técnica de informática industrial, ligada à área de automação da manufatura.

ANEXO 11
PRINCIPAIS ATIVIDADES/DECISÕES RELACIONADAS À COOPERAÇÃO
INTERNACIONAL DAS TRÊS INSTITUIÇÕES TOMADAS COMO EXEMPLO

A seguir colocamos as principais atividades/decisões relacionadas à cooperação técnica


internacional das três instituições:

UNISINOS

a) Comitê de Projetos:
seleção de projetos;
avaliação de contrapartidas;
avaliação final de projetos;
decisão sobre o planej amento institucional;
decisão sobre o planejamento institucional para programas e projetos .

b) Intercâmbio Acadêmico:
divulgação de bolsas de estudos;
encaminhamento de cartas de aceite;
cadastro de interessados em estudos no exterior;
cadastro de universidades no exterior que aceitam estudantes estrangeiros.

c) Formação de Recursos Humanos:


cadastro e informação de cursos no exterior para docentes ;
encaminhamento de processos de viagem;
gerenciamento do fundo do professor visitante.

d) Divulgação Internacional:
coordenação de seminários, exposições etc.

e) Convênios Internacionais :
Estrutura Organizacional para Projetos de Cooperação Internacional 485

gerenciamento dos "umbrella agreements";


gerenciamento dos fundos financeiros de operacionalização de convênios;
programação dos convênios.

j) Cooperação Técnica Internacional:


gerência de projetos institucionais de cooperação técnica internacional ;
cooperação recebida;
vinda de peritos;
treinamento de recursos humanos;
recebimento de equipamentos;
cooperação prestada
ida de peritos;
treinamento de recursos humanos;
envio de equipamentos .

g) Gerente de Programas e Projetos:


pesquisar e identificar as necessidades e oportunidades de cooperação técnica e de
outras formas de captação de recursos (reembolsáveis e não-reembolsáveis);
negociar todos os aspectos envolvidos nas ações de cooperação (técnica e/ou finan-
ceira);
participar dos aspectos técnicos, econômicos e financeiros das ações de cooperação;
incentivar a apresentação de projetos em áreas definidas como prioritárias;
orientar a preparação de projetos;
coordenar projetos de cooperação;
participar da formulação e da execução das diretrizes de desenvolvimento da insti-
tuição para cooperação;
atuar como mecanismos de enlace entre as fontes externas e os destinatários internos;
orientar a equipe no tocante a diretrizes e filosofia dos patrocinadores do projeto ;
orientar decisões dentro do orçamento de projetos;
decisão sobre a formação da equipe do projeto.

h) Secretaria:
serviços de apoio.

i) Controladoria :
avaliar a realização das atividades técnicas;
acompanhar os prazos;
486 Eduardo Vasconcelos/Edison Fernandes Polo

assegurar a qualidade técnica dos trabalhos;


fornecer informações parciais e finais sobre o andamento de projeto para sistemas
de acompanhamento ;
acompanhar as atividades de cooperação internacional;
estadias, passagens, alimentação etc.;
coletar dados (fase inicial do projeto) .

j) Projetista:
analisar o contexto, a clientela e a situação-problema do projeto a ser desenvolvido,
como forma de definir corretamente seus objetivos e recursos;
elaborar documentos do projeto, de acordo com os diferentes modelos de cada agên-
cia que reflitam concepção dos objetivos e dos meios para alcançá-los;
elaborar relatórios de projetos institucionais para patrocínio (parciais e finais);
detalhar os recursos de projetos;
acompanhar, reprogramar, sugerir e colocar em prática alterações, como forma de
assegurar a realização dos objetivos do projeto;
detalhar cronogramas;
detalhar orçamentos;
aprovar folha de horas dos técnicos alocados.

l) Analista de Dispêndio:
avaliar custos;
detalhar contrapartidas;
avaliar decisões dentro do orçamento do projeto;
acompanhar custos, prazos, curvas do projeto;
prestar contas;
alocar custos;
adequar a previsão orçamentária.

m) Corpo Técnico - Docência e Pesquisa:


elaboração de propostas técnicas;
decisão sobre a formação da equipe técnica do projeto;
realização de atividades técnicas;
decisões dentro do orçamento do projeto;
acompanhamento de prazos;
asseguramento da qualidade técnica dos trabalhos;
elaboração de relatórios técnicos parciais e finais;
Estrutura Organizacional para Projetos de Cooperação Internacional 487

avaliação técnica final do projeto;


transferência de tecnologias .

1PT

Coordenadorias de Apoio - CAGE


Coordenadoria de Administração Geral:
Recursos Humanos;
Suprimentos;
Obras e Serviços.
Coordenadoria Econômico-Financeira:
Análises Econômicas;
Financeiro Contábil;
Sistemas de Controle .
Coordenadoria de Transferência de Tecnologia:
Relações com Clientes:
Agências de Fomento;
Propostas e Projetos;
Contratos de Tecnologia.

Agrupamentos

Laboratórios:

Lab.l: Laboratórios 1.1 + 1.2 + 1.3 ;


Lab.2: Laboratórios 2.1 + 2.2 + 2.3 + 2.4;
Lab.3: Laboratórios 3.1 + 3.2.

Unidades Técnicas :

UTl Química;
UT2 Metalurgia;
UT3 Mecânica e Eletricidade;
UT4 Tecnologia de Transportes ;
UT5 Economia de Tecnologia e Prospecção Tecnológica;
UT6 Contrução Civil;
UT7 Produtos Florestais, Têxteis e Couros;
488 Eduardo Vasconcelos/Edison Fernandes Polo

UT8 Geologia de Engenharia e Mecânica de Rochas;


UT9 Geologia e Recursos Minerais.

Recursos :
x: recursos materiais; (remeter à Fig. 12)
o: recursos humanos.(remeter à Fig. 12)

Principais Atividades/Decisões Relacionadas à Cooperação Técnica Internacional:

a) Diretoria Executiva:
celebra convênios de cooperação internacional;
aprova os convênios antes que os mesmos sejam celebrados;
aprova as propostas antes de serem encaminhadas aos usuários ;
negocia convênios com as partes e agências;
elabora plano estratégico;
presta atendimento a visitantes;
aprova eventos, congressos, feiras etc.;
avalia resultados

b) Coordenadorias de Apoio - CAGE:


participa da elaboração de convênios de cooperação;
negocia convênios com as partes e agências;
organiza eventos, congressos, feiras etc;
elabora plano estratégico;
prepara material de divulgação;
negocia propostas;
avalia resultados .

c) Coordenadoria de Transferência de Tecnologia - CTT:


dá suporte na elaboração de propostas;
negocia convênios com as partes e agências;
mapeia fontes de recursos para cooperação;
elabora plano estratégico;
negocia propostas;
acompanha prazos;
participa da elaboração de relatórios parciais .
Estrutura Organizacional para Projetos de Cooperação Internacional 489

d) Departamento de Relações Internacionais - DRI:


mapeia fontes de recursos e temas de interesse dos agentes financiadores;
dá suporte na montagem dos acordos de cooperação técnica internacional (protoco-
lo de intenções ou convênio guarda-chuva);
negocia convênios com as partes e agências;
organiza feiras e eventos internacionais;
presta atendimento a visitantes internacionais .
elabora plano estratégico;
organiza o atendimento a visitantes estrangeiros;
organiza o contato de visitantes estrangeiros com as áreas de interesse dos mesmos;
organiza o estágio de técnicos do 1PT em eventos , congressos, cursos etc. no
exterior;
elabora relatório anual das atividades de cooperação técnica internacional;
prepara material de divulgação;
negocia propostas.

e) Coordenadoria de Programas:
dá suporte na elaboração de convênios de cooperação técnica internacional;
negocia convênios com as partes e agências;
organiza feiras e eventos internacionais;
presta atendimento a visitantes internacionais;
elabora plano estratégico;
organiza o atendimento a visitantes internacionais;
mapeia fontes de recursos para cooperação;
identifica necessidade dos usuários;
elabora e negocia propostas;
forma equipe do projeto;
executa o projeto;
elabora relatórios.

f) Unidades Técnicas:
dá suporte na elaboração de convênios de cooperação técnica internacional;
negocia convênios com as partes e agências;
organiza feiras e eventos internacionais;
presta atendimento a visitantes internacionais;
elabora plano estratégico;
organiza o atendimento a visitantes internacionais;
490 Eduardo Vasconcelos/Edison Fernandes Polo

mapeia fontes de recursos para cooperação;


identifica necessidade dos usuários;
elabora e negocia propostas;
forma equipe do projeto;
executa o projeto;
elabora relatórios técnicos;
elabora relatórios administrativos (por intermédio de sua unidade administrativa).

g) Departamento Jurídico - DRJ


dá suporte na elaboração de convênios de cooperação técnica internacional;
negocia convênios com as partes e agências;
organiza feiras e eventos internacionais;
presta atendimento a visitantes internacionais;
elabora plano estratégico;
organiza o atendimento a visitantes internacionais;
elabora relatório anual das atividades de cooperação técnica internacional ;
negocia propostas;
acompanha prazos;
dá apoio na elaboração dos relatórios parciais e finais;
entrega o relatório final ao usuário.

SENAI

(*) Agência Brasileira de Cooperação

Principais Atividades/Decisões Relacionadas à Cooperação Técnica Internacional:

a) Diretoria Geral:
aprova os convênios antes que os mesmos sejam celebrados;
aprova as propostas antes de serem encaminhadas aos usuários.

b) Diretoria de Cooperação Internacional:


intermedia e administra a cooperação recebida;
intermedia e administra a cooperação prestada;
mapeia fontes de recursos para cooperação;
negocia convênios com as partes e agências;
celebra convênios de cooperação internacional;
Estrutura Organizacional para Projetos de Cooperação Internacional 491

presta atendimento a visitantes;


elabora plano estratégico;
prepara material de divulgação;
elabora e encaminha propostas e relatórios;
avalia resultados.

c) Departamentos Regionais:
identifica a necessidade e manifesta o interesse em receber e prestar cooperação;
realiza os contatos iniciais com a agência que vai financiar o serviço;
presta atendimento a visitantes internacionais;
presta cooperação técnica no exterior;
participa da elaboração do planejamento estratégico;
identifica fonte de recursos;
identifica necessidade dos usuários;
elabora e negocia propostas;
forma equipe do projeto;
executa o projeto;
elabora relatórios.

o SENAI Nacional mantém unidades (escolas) que lidam com os diversos segmentos
(temas) da indústria. Assim, por exemplo, se o assunto da cooperação técnica for artes
gráficas, cerâmica ou química, o Departamento Regional de São Paulo será envolvido,
pois as escolas que tratam do assunto encontram-se localizadas em São Paulo; se o
assunto for calçados e couro, será envolvido o Departamento do Rio Grande do Sul; se
for papel e celulose, o Paraná; se for têxtil, o Rio de Janeiro, e assim por diante.

d) Diretoria Técnica:
elabora e negocia convênios de cooperação técnica;
organiza feiras e eventos internacionais;
presta atendimento a visitantes internacionais;
participa do planejamento estratégico;
identifica fonte de recursos;
identifica necessidade dos usuários;
elabora e negocia propostas;
forma equipe do projeto;
assegura prazos e qualidade e a utilização dos recursos;
elabora relatórios;
492 Eduardo Vasconcelos/Edison Fernandes Polo

avalia resultados.

e) Diretoria Administrativa:
negocia convênios com outras partes e agências financiadoras;
participa da organização de feiras e eventos internacionais;
presta atendimento a visitantes internacionais;
participa do planejamento estratégico;
organiza a recepção de estagiários estrangeiros.

f) Diretoria Financeira:
negocia convênios com outras partes e agências financiadoras ;
participa do planejamento estratégico .

g) Técnicos:
realizam as atividades técnicas;
elaboram relatórios parciais e finais.
Gerenciamento da Cooperação
Técnica Internacional

Antonio Cesar Amaru Maximiano

I. INTRODUÇÃO

Como parte do projeto preparatório do PROCINT, o autor realizou um estudo sobre


a gestão da atividade de cooperação técnica internacional por meio de uma consulta
com questionário, complementada com entrevistas individuais e reuniões.
Esse estudo evidenciou a dificuldade de interpretar, de forma padronizada, o
trabalho das pessoas que atuam nessa área, exigindo " cortes" metodológicos para
que determinados papéis ocupacionais pudessem ser observados e estudados. O
autor identificou e isolou, para análise, dois papéis ocupacionais : (a) a gestão da
área de cooperação técnica internacional e de seus programas e (b) a gestão de
projetos de cooperação técnica internacional.
O estudo inicial foi complementado com as contribuições dos participantes do
PROCINT, no qual uma versão preliminar deste relatório foi aplicada como base
para um exercício. O presente trabalho é o resultado dessa aplicação.

11. O PROJETO COMO UNIDADE DE TRABALHO DE


COOPERAÇÃO TÉCNICA INTERNACIONAL

Em seu nível operacional, a cooperação técnica internacional é realizada por


494 Antonio Cesar Amaru Maximiano

meio de ações orientadas para objetivos específicos, executadas uma a uma e sob
encomenda, podendo ser mais ou menos complexas em função do tempo, do
número de pessoas e dos recursos envolvidos. Numa ação ou atividade específica
de cooperação técnica internacional pode ocorrer o envolvimento de um único
indivíduo, por um período relativamente curto, como uma semana, ou de grandes
equipes, durante muito tempo. Com freqüência, um pesquisador, cientista ou
professor é convidado para estudar ou ministrar um curso numa universidade em
outro país, sem que isso precise envolver mais que um entendimento direto entre
o anfitrião e o convidado. Esse é o caso mais simples. Um caso mais complexo
é exemplificado pelo envio a um país, por parte de uma agência multilateral, de
uma missão de assistência técnica com vistas à preparação de projetos, envol-
vendo uma equipe de prestação de serviços e o entendimento com inúmeras
agências que se beneficiarão do serviço prestado. Nesse caso mais complexo, é
maior a proximidade com o conceito de projeto.
Quanto mais pessoas, tempo, instituições e outros recursos estiverem aplicados
numa ação específica de cooperação técnica internacional, mais nítida será sua
natureza de projeto complexo e de grande porte. No entanto, as ações menos
complexas, que ficam distantes desse extremo, também se definem como proje-
tos, embora mais simples. Os projetos sempre estarão orientados para a realiza-
ção de uma determinada estratégia, programa ou linha de ação, a qual pode ser
mais ou menos explícita.

1. Definição de Proj eto


O proj eto é a unidade de trabalho operacional das atividades de cooperação. Por
causa disso, o domínio do conceito de projeto e das técnicas de gerenciamento
de projetos é um requisito para quem pretenda trabalhar nesse campo.

A unidade básica de cooperação técnica é o projeto . O projeto é o meio que transforma


fundos externos num conjunto de recursos orientados para um objetivo, organizados e
programados de forma a atender a necessidades previamente identificadas. O projeto
tem um limite de tempo para a produção dos resultados esperados, um plano de trabalho,
uma programação de recursos e um orçamento (PNUD, 1990)1.

1. Esse manual apresenta, em seu início , a seguinte lista de questões que o documento de projeto deve ser
capaz de responder: Qual é o problema de desenvolvimento? De que maneira esse problema poderia ser
resolvido? Qual é a melhor solução? Qual é o problema de cooperação técnica? Qual é a solução pretendida?
Qual é a melhor maneira de atingir a solução pretendida? Quais são os recursos mais apropriados e os
arranjos de implementação para o atingimento dos resultados pretendidos? Há quaisquer riscos sérios para
o atingimento dos resultados do projeto? Quanto custarão os recursos?
Gerenciamento da Cooperação Técnica Internacional 495

É possível empreender projetos de cooperação sem que haja qualquer


estrutura gerencial maior ou preexistente. Muito da cooperação entre
organizações técnicas e científicas faz-se a despeito das entidades ofi-
ciais. O inverso, porém, não é verdadeiro. Quando se cria uma agência ou
"enclave" organizacional de cooperação, não haverá como cumprir a mis-
são sem projetos.

2. Níveis de Gerenciamento
Além do projeto, há dois outros níveis de trabalho e de gerenciamento das
atividades de cooperação:
Estratégia: é o nível político da cooperação, que compreende principalmente a
decisão de entrar nesse campo, a escolha das áreas prioritárias de atuação, a
busca de oportunidades e o gerenciamento das atividades como um todo.
Programas: representam a agregação de projetos em famílias de atividades
similares. Nem sempre os projetos estão subordinados a programas; os progra-
mas, quando existem, podem compreender outras atividades que não somente
projetos. Certas organizações trabalham por programas, enquanto outras prefe-
rem atuar diretamente no nível dos projetos. Desse modo, quando uma agência
pretende trabalhar com o PNUD, por exemplo, precisa, no mínimo, fazer refe-
rência ao programa dentro do qual seu projeto se encaixa. Os programas repre-
sentam uma forma de organizar recursos, definir prioridades e dar tratamento
especializado às propostas de projetos e aos projetos em andamento. De uma
organização para outra, a denominação para essa tentativa de agregação pode
mudar (planos de ação, áreas de concentração temática etc.).
Um exemplo de organização que trabalha com a agregação de projetos em
programas é o IDRC-International Development Research Center (Centro Inter-
nacional de Investigaciones para el Desarrollo-CIID). O CIID está organizado
em Divisões e Programas setoriais, refletindo a segmentação disciplinar do
conhecimento científico contemporâneo, assim como a organização da comuni-
dade científica em geral. As Divisões são as seguintes: (a) Divisão de Ciências
da Agricultura e Nutrição; (b) Divisão de Ciências Sociais; (c) Divisão de
Ciências da Saúde; (d) Divisão de Ciências da Informação e (e) Divisão de
Geociências e Ciências da Engenharia. Por sua vez, cada uma dessas divisões se
subdivide em programas especializados. Por exemplo, a primeira dessas divisões
(agricultura) se subdivide em programas de cultivos, produção animal, recursos
florestais, recursos pesqueiros, pós-produção e economia agrícola. O componen-
496 Antonio Cesar Amaru Maximiano

te principal da Estratégia Regional do CnD é representado pelas "Áreas de


Concentração Temática" (Regional Development Thrusts), que se formulam a
partir de problemas importantes de desenvolvimento da região . Identificaram-se
quatro áreas de concentração temática : (1) Desenvolvimento de comunidades
rurais; (2) Desenvolvimento integrado de zonas costeiras; (3) Expansão da
fronteira agrícola e utilização do trópico úmido, e (4) Setor informal e pobreza
urbana. Por sua própria natureza, as áreas de concentração temática passam pelas
cinco Divisões do CIID. O relacionamento das áreas temáticas com as Divisões
setoriais produziu uma " m atriz de programação" que permite visualizar o cruza-
mento dessas dimensões (CHAPARRO).

Ill. CARACTERÍSTICAS DO PROJETO DE COOPERAÇÃO

O projeto de cooperação técnica internacional sempre é, ao mesmo tempo, de


cooperação recebida e de cooperação prestada, quando visto, respectivamente,
pelo ângulo da instituição que se beneficia e da instituição doadora. O projeto
que é de cooperação recebida para uma organização (beneficiária ou executante)
tem a contrapartida de ser um projeto de cooperação prestada para outra (doadora
ou patrocinadora) . Isso implica uma variação no enfoque e nas tarefas de
gerenciamento de um projeto, conforme o ângulo do doador ou receptor. O
gerente de um projeto de cooperação recebida tem um papel de cliente; o de um
proj eto de cooperação prestada tem um papel de fornecedor de serviços.

1. Manuais de Gerenciamento
As organizações patrocinadoras normalmente exigem que as organizações que
pleiteiam recursos apresentem propostas de acordo com formatos predefinidos.
Essas " receitas" para a elaboração de propostas de projetos podem ser genéricas
ou bastante minuciosas, como é o caso do manual How to Write a Project
Document, do PNUD. "Documento de projeto " é uma designação alternativa para
"proposta de projeto" e "plano de projeto" no ambiente da cooperação técnica
internacional. Como conseqüência da variedade de organizações doadoras, os
dirigentes e funcionários das agências e dos projetos de cooperação precisam
conhecer e saber trabalhar com inúmeros formatos ou manuais de preparação de
propostas ou documentos de projeto.
O manual do PNUD segue um padrão de elaboração de propostas (chamado
"lógic a da preparação de projeto") que é adotado por outras organizações e que
Gerenciamento da Cooperação Técnica Internacional 497

segue o' modelo sistêmico de planejamento. Nesse modelo, há um núcleo meto-


dológico no qual os seguintes elementos devem ser abordados:
Objetivo principal do projeto, ou objetivo de desenvolvimento (Development
objective).
Objetivos específicos (Immediate objectives).
Atividades (Activities).
Recursos a serem utilizados pelo projeto (Inputs) .
Resultados finais a serem alcançados pelo projeto (Outputs).
O International Labour Office (ILO), por exemplo, também adota a mesma
abordagem, esquematizando esse núcleo .meto dológico da seguinte maneira":
Categoria I: operações que são concebidas e planejadas especificamente para
aprimorar a qualidade ambiental. Em geral, essas operações não exigem um
Relatório de Impacto Ambiental (EIA-Environmental Impact Assessment);
contudo, exigem a participação intensa de especialistas ambientais na prepa-
ração, análise e supervisão da fase de execução.
Categoria lI: operações que não têm nenhum impacto ambiental direto ou
indireto, e que portanto não exigem um ElA.
Categoria III: operações que podem ter um impacto moderado sobre o ambien-
te e aquelas que têm soluções reconhecidas e bem definidas. Essas operações
normalmente exigem um ElA semidetalhado e em certos casos alguns compo-
nentes podem exigir um ElA detalhado.
Categoria IV: operações que podem ter impactos negativos significativos
so bre o ambiente e que exigem um ElA detalhado.
O conhecimento do modelo e das técnicas de planejamento segundo a abordagem
sistêmica é uma competência importante no campo do gerenciamento de projetos
de cooperação. A leitura dos detalhes dos manuais é sempre recomendada porque
a conceituação de cada um dos elementos e as diferenças entre alguns dos
elementos (entre atividades e resultados, ou entre resultados e objetivos) não

2 . Ver ILO (s.d.) . De acordo com esse manual, um bom documento de projeto é capaz de responder às seguintes
questões : O que se espera que o projeto alcance, se for completado com sucesso dentro do prazo previsto?
Por que o projeto está sendo realizado? Quais são as razões? Qual é a lógica do projeto? Como o projeto
será implementado? Que tarefas são necessárias para o atingimento dos objetivos? Quem é o responsável
primário pela implementação do projeto? Quem são os beneficiários que se pretende atingir, o grupo-alvo
que se espera seja beneficiado pelo projeto? Dentro de que prazo o projeto deverá ser realizado e o objetivo
alcançado? Que recursos são necessários para atingir o objetivo? Que fatores externos são necessários para
o sucesso do projeto?
498 Antonio Cesar Amaru Maximiano

coincidem de uma agência para outra e também não parecem estar claros para os
próprios autores desses manuais.

Development
objective

Immediate
objective

Outputs

Activities

Inputs

Há também manuais para outras fases do projeto, como por exemplo para a
avaliação de seus resultados (UNITED NATIONS, 1987). Os manuais de avalia-
ção devem ser considerados instrumentos de planejamento do projeto porque infor-
mam, antecipadamente, os critérios segundo os quais o esforço será avaliado .

2. Metodologias de Gerenciamento do Ciclo de Vida do Projeto


Além de um formato próprio para as propostas de projeto, cada instituição que
trabalha na área de cooperação tem sua metodologia própria (o chamado " cicl o
de programação" no jargão do PNUD) para o gerenciamento das diversas fases
que definem seu ciclo de projeto, que abrangem desde a preparação e apresenta-
ção da proposta até a avaliação de projetos encerrados. O ciclo é diferente de
uma instituição para outra, porque depende de muitos fatores, tais como a
periodicidade de reuniões de seleção de projetos, estrutura organizacional da
agência e recursos disponíveis, entre outros. É muito útil que o ciclo de vida e a
metodologia estejam descritos em manuais de gerenciamento, explicando para seu
próprio pessoal e para as instituições executantes como proceder em cada etapa.
Assim como acontece com os manuais, o gerente de projetos de cooperação também
deve procurar familiarizar-se com os diferentes ciclos das agências de cooperação.
Um exemplo de manual para o gerenciamento de projetos é o utilizado pela
ITTO .; International Tropical Timber Organization e se denomina Projeet Cy-
ele . O manual da ITTO prevê três tipos de atividades que ela pode patrocinar:
idéias de projetos, pré-projetos e projetos, e descreve os procedimentos que
devem ser seguidos nas seguintes etapas do ciclo do projeto:
Gerenciamento da Cooperação Técnica Internacional 499

apresentação ao Secretariado (Diretoria da ITTO);


apreciação pelos Comitês Permanentes;
análise pelo Conselho;
financiamento de projetos;
implementação de projetos;
monitoramento de projetos implementados;
avaliação de projetos;
disseminação de resultados de proj etos.

IV. IDÉIAS DE PROJETOS E PRÉ-PROJETOS

A prática de acolher idéias de projetos e pré-projetos é seguida por outras


organizações, permitindo que os gerentes de projetos trabalhem dentro de uma
progressão e que o esforço de preparação de propostas e de planejamento de
projetos seja sustentado. O PNUD é um exemplo de organização que segue a
mesma prática, dando o nome de "projeto preparatório" àquilo que a ITTO chama
de "pré-projeto" . Outro exemplo: o Asian Development Bank (1988) trabalha
com a assistência técnica para a preparação de proj etos, prevista para as seguin-
tes possibilidades:
i) assistência ou revisão da formulação de um projeto, inclusive um estudo de
sua viabilidade técnica, econômica e financeira e, às vezes, um levantamento
geral ou a preparação de um plano-mestre;
ii) realização do planejamento detalhado de um projeto, o que pode incluir a
preparação de desenhos, especificações e documentos, e até mesmo os crité-
rios de pré-qualificação de empreiteiros;
iii) realização tanto do estudo de viabilidade como do planejamento detalhado
de um projeto.
O financiamento de pré-projetos e da preparação de projetos é uma facilidade
oferecida pelas agências patrocinadoras, uma forma de amparar a elaboração de
propostas de projetos. Isso pressupõe que a idéia básica já tenha sido aprovada
e favorece a proximidade entre o gerente do projeto e a agência.patrocinadora.
Os gerentes e equipes de projetos devem, portanto, aprender a usar esse recurso
como instrumento para o aprimoramento de suas capacidades de gerenciamento.
Tendo descrito as atividades, os projetos e programas, e as ferramentas de
500 Antonio Cesar Amaru Maximiano

gerenciamento de projetos, passemos em seguida aos agentes da cooperação


técnica internacional.

v. O DIRIGENTE DA COOPERAÇÃO TÉCNICA INTERNACIONAL

Quando se observam as pessoas que trabalham no campo da cooperação, verifi-


ca-se uma amplitude ocupacional muito grande, que começa na administração
superior e termina no prestador individual de serviços. Os agentes da cooperação
técnica internacional tanto podem ocupar posições especializadas como de dire-
ção nos diversos tipos de organizações empenhadas em cooperação técnica
internacional. Há agências governamentais nacionais (USAID, ODA, GTZ,
ABC), organismos multilaterais (FAO, PNUD, ITTO) e organizações não-gover-
namentais, nacionais ou internacionais (Internacional Socialista, AFL-CIO,
Conselho Mundial de Igrejas, WWF) que buscam e fornecem serviços de coope-
ração técnica internacional. Além disso, há organizações isoladas (universida-
des, governos estaduais, empresas estatais, fundações privadas) que também
atuam nesse campo e que criaram "agências cativas" em suas estruturas.
Fora do circuito oficial das agências nacionais e organismos multilaterais, a
cooperação é exercitada por meio de diversas modalidades de atuação. Essas
iniciativas são similares à cooperação oficial, na medida em que buscam objeti-
vos parecidos, como estabelecer ou ampliar a área de influência de grupos de
pressão de abrangência internacional, ocupar espaços ou gerar boa vontade,
como acontece com as igrej as, sindicatos e partidos políticos. Outras vezes,
procuram apresentar uma visão crítica e contrapor-se à ação governamental, ou
marcar uma posição de defesa de determinados pontos de vista, como é o caso
das contribuições efetuadas e projetos patrocinados pelas entidades ambientalis-
tas. Esses casos enquadram-se no escopo do institution building e da cooperação
para o desenvolvimento econômico e social. A natureza das atividades operacio-
nais não é muito distinta das exercitadas no campo da cooperação oficial. Desse
modo, o presidente de uma confederação de trabalhadores do Brasil, quando vai
diretamente buscar o auxílio de uma agência européia, torna-se também um
agente de cooperação técnica internacional.
Tanto no caso da cooperação oficial como no caso da cooperação não-governa-
mental, as organizações que se engajam nesse campo representam uma busca de
especialização, por meio da criação de um "enc1ave" dedicado explicitamente a
essa finalidade, na estrutura de um ministério de relações exteriores (no caso das
Gerenciamento da Cooperação Técnica Internacional 501

agências nacionais) ou de algum outro tipo de organização (nos demais casos).


As pessoas que trabalham nessas agências e organizações especializadas são os
agentes profissionais da cooperação técnica internacional. O sindicalista citado
linhas atrás é um agente "acidental", porque se envolve nesse campo ap enas
esporadicamente.

1. Os Papéis Técnicos e Gerenciais


Os agentes da cooperação técnica internacional ou são técnicos especializados,
sem atribuições de chefia, ou dirigentes que administram projetos, programas e
departamentos ou agências de cooperação. Agentes de cooperação técnica são
desde os chie! executive officers de agências e organizações especializadas em
cooperação, até o especialista em produtividade que é contratado para prestar
assistência ao emergente instituto de pesquisas agrícolas de um país em desen-
volvimento, ou o astrônomo designado para fazer parte de uma equipe binacional
que vai observar o último eclipse do século, passando pelos representantes
residentes daquelas mesmas organizações em diferentes países e todos os seus
demais níveis hierárquicos. Há uma diversidade muito grande de cargos com
atribuições gerenciais e técnicas (no sentido de não-gerenciais).
As possibilidades de combinar atribuições técnicas e gerenciais são mumeras
para essa ocupação. É possível que numa única pessoa estejam concentradas
todas as responsabilidades gerenciais e, ao mesmo tempo, algumas responsabi-
lidades operacionais. Em determinadas organizações, as funções estão diferen-
ciadas com maior nitidez e é possível encontrar pessoas especializadas e distintas
para cada uma das tarefas. A concentração de papéis numa pessoa ou a especia-
lização de pessoas diferentes depende do porte da organização, de seu volume
de atividades e de seus recursos.

2. A Estrutura Típica
A estrutura do "tipo ideal", isto é, a abstração que se encontraria se fosse
pesquisado um número grande de organizações e agências de cooperação técnica
internacional, compreenderia quatro níveis hierárquicos mais importantes :
Diretor-geral.
Gerente de Programas.
Gerente de Projetos.
Técnicos (responsáveis por atividades operacionais técnicas ou administrativas).
502 Antonio eesar Amaru Maximiano

FIGURA 1
COMPARAÇÃO ENTRE DUAS ESTRUTURAS DE
AGÊNCIAS DE COOPERAÇÃO

ORGANIZAÇÃO
COMPLEXA

I Modelo: ABe
SIMPLES
__
ORGANIZAÇÃO

I Modelo: Universidades
I

Há uma estrutura hierárquica completa, Há uma pessoa ou grupo de pessoas que


desde o diretor-geral até os gerentes de acumulam a gestão e execução da coope-
projetos, dedicada exclusiva,mente à coo- ração com outras atividades.
peração .

Na prática, é possível encontrar correspondentes perfeitos desse "tipo ideal", mas


nem sempre se encontra a linha hierárquica integral. Por exemplo, numa empresa
estatal de grande porte a área de cooperação chega até a gerência de programas. Os
projetos propriamente ditos são realizados e gerenciados pelo pessoal das' áreas
técnicas da empresa. Esse é um caso onde a área de cooperação técnica tem um
papel de coordenação, embora possa ter, às vezes, uma ação executiva. Por outro
lado, a área de cooperação internacional, tem elementos que não aparecem no tipo
ideal, como é o caso da assessoria jurídica, que tem presença marcante ao longo de
todos os programas e projetos. A Figura 1 procura representar as duas principais
possibilidades concretas de organização da área de cooperação internacional.

3. O Gerente de Projetos de Cooperação


A agência ou organização especializada em cooperação é normalmente um
organismo intermediado r de recursos e proj etos, que desempenha com mais
freqüência o papel de coordenação, atuando como uma ligação entre dois inte-
resses técnicos. Esse é o papel típico das agências nacionais, que estabelecem
vínculos entre universidades e institutos de pesquisa de seus países e organiza-
ções congêneres de outros países, fazendo convergir inúmeros interesses de lado
a lado. As agências e organizações "cativas", que estão dentro da estrutura de
organizações como SENAI e FUNDAP, fazem o mesmo trabalho de ligação, de
uma única organização para muitas outras.
Seja qual for o caso, a gerência de projetos é uma função desempenhada em
regime ad hoc tanto pelos funcionários técnicos ou gerenciais da agência quanto
Gerenciamento da Cooperação Técnica Internacional 503

por técnicos ou gerentes de outras organizações, diretamente envolvidas na


atividade de cooperação. Portanto, a gerência de projetos não é uma função
desempenhada exclusivamente pelos funcionários das agências de cooperação,
mas uma função compartilhada com os técnicos.

VI. O PAPEL DE GERENTE DE ÁREA DE COOPERAÇÃO E DE


GERENTES DE PROGRAMAS

Os papéis de gerente da área ou agência e de gerente dos programas de coopera-


ção técnica internacional podem ser interpretados como uma coisa só, porque
estão muito próximos um do outro. Numa organização simples, não haverá muito
mais que um coordenador geral e um pequeno grupo de apoio técnico e adminis-
trativo, enquanto a execução de projetos, de prestação ou recebimento de servi-
ços, estará espalhada por outros lugares da estrutura. Numa organização
complexa e especializada, como uma agência nacional, o diretor-geral tem
abaixo de si uma estrutura de pessoas organizadas em programas, que poderão,
eventualmente, desempenhar elas também o papel de gerentes de projetos. Mais
uma vez, tudo depende do porte e dos recursos da organização.
A gestão de programas não consiste apenas na gestão do conjunto dos projetos,
assim como a direção geral não compreende apenas a gestão do conjunto dos
programas. Em cada nível hierárquico, há atividades funcionais que não estão
ligadas a nenhum programa ou projeto em particular.
O papel do diretor-geral/coordenador de programas compreende resumidamente
as seguintes atribuições:
pesquisar e identificar as necessidades e oportunidades de cooperação técnica;
coordenar e participar da formulação das diretrizes de cooperação;
participar da definição de todos os aspectos técnicos, econômicos e financei-
ros envolvidos nas ações de cooperação;
incentivar a apresentação de projetos de cooperação em áreas definidas como
prioritárias;
orientar a preparação de projetos;
selecionar programas e projetos para implementação;
controlar a execução de proj etos;
acompanhar o andamento dos programas.
504 Antonio Cesar Amaru Maximiano

VII. O PAPEL DE GERENTE DE PROJETOS

o papel de gerente de projeto de cooperação técnica internacional, ao contrário


do papel de diretor-geral ou gerente de programas, não é uma posição fixa na
estrutura, já que pode ser desempenhado pelo funcionário da área ou agência de
cooperação ou por um técnico especializado na área temática do projeto. É, além
disso, um papel cujas atribuições dependem da natureza do projeto . Conforme o
projeto seja de cooperação recebida, ou prestada, as atividades modificar-se-ão.
No entanto, há um núcleo de atividades principais que não se altera, as quais
serão analisadas em seguida.
A relação das tarefas de um gerente de projetos de cooperação técnica interna-
cional assemelha-se bastante ao índice de um manual de gerenciamento de
projetos. Consideremos, em seguida, uma forma de agrupar e especificar essas
tarefas, de acordo com as fases do ciclo de vida do proj eto de cooperação:

1. Preparação do Projeto
N esta fase, estão as tarefas que começam na identificação do problema e vão até
a preparação do documento ou proposta de projeto. É aqui, também, que se
encontra a tarefa mais difícil do gerenciamento de projetos de cooperação técnica
internacional: a identificação e interpretação do problema, que deve levar em
conta o cliente, usuário ou beneficiário do projeto . Nos projetos de cooperação
técnica internacional, o patrocinador quase nunca é o cliente, mas é sua lingua-
gem que o gerente de projeto deve aprender a falar.
N a preparação do projeto, é importante levar em conta alguns pontos das fases
subseqüentes, como os critérios segundo os quais o projeto será avaliado ao seu
término e as eventuais necessidades de modificação que o projeto enfrentará
durante sua execução.
As tarefas mais importantes desta fase são as seguintes:
analisar o contexto, a clientela e a situação-problema do projeto a ser desenvol-
vido como forma de definir corretamente seus objetivos, atividades e recursos;
planejar as atividades de forma coerente com os objetivos e os recursos de
forma coerente com as atividades;
elaborar o documento do projeto, refletindo uma concepção de objetivos e
dos meios para alcançá-los, de acordo com o modelo da agência de coopera-
ção à qual os recursos estão sendo solicitados;
Gerenciamento da Cooperação Técnica Internacional 505

apresentar e negociar esse documento;


recrutar técnicos, consultores e outros tipos de prestadores de serviços e
montar equipes de projetos;
detalhar recursos de projetos, tais como equipamentos, locais de execução,
pessoas, instalações etc.

2. Negociação do Projeto
Esta família de tarefas vai desde a preparação da proposta até a contratação do
projeto, embora a negociação tenha início antes disso . Se uma proposta chega a
ser apresentada e discutida, é porque já houve um " sin al verde" para a idéia do
projeto. A negociação pode envolver modificações no plano do projeto , exigidas
pela agência patrocinadora, na definição do fluxo de caixa ou em outros de seus
componentes.
As tarefas mais importantes desta fase são as seguintes:
acompanhar a tramitação do documento do projeto;
estudar as análises do plano do projeto feitas pela agência patrocinadora ou
pelos especialistas que ela contratou;
fazer as eventuais modificações no documento do projeto de acordo com as
recomendações da agência ou de seus consultores;
definir as condições de execução do projeto e participar da elaboração do contrato;
articular as agências e organizações envolvidas na preparação do projeto para
o início da execução.

3. Implementação e Execução
Uma vez que a negociação resulte positiva para o autor da proposta, o projeto
será contratado pela agência patrocinadora. Depois de algum tempo, os recursos
começarão a ser liberados, mas o gerente nem sempre poderá esperar até esse
momento para iniciar a execução física do projeto. Na prática, o projeto já
começou antes disso, porque uma equipe já terá sido organizada e os acordos
básicos para a execução já terão sido acertados.
Na fase de execução, as condições previstas no planejamento do projeto poderão
e irão fatalmente modificar-se: um integrante da equipe tem que se dedicar a
outro projeto, uma premissa de planejamento revela-se infundada, um organismo
nacional que deveria participar é extinto, um recurso com o qual se contava de
506 Antonio Cesar Amaru Maximiano

repente torna-se indisponível. Tudo isso tem impacto não apenas na forma como
o projeto será executado, mas também no seu orçamento.
Por causa disso, o gerente e a equipe do projeto deverão estar preparados para
fazer as modificações necessárias e para exercer, na fase de planejamento, uma
certa capacidade de previsão, antecipando-se às mudanças que certamente
ocorrerão.
As tarefas mais importantes desta fase são as seguintes:
mobilizar os recursos humanos e materiais previstos no documento do projeto;
processar pagamentos e recebimentos;
recepcionar e acompanhar missões de fiscalização e controle do projeto;
acompanhar, reprogramar, sugerir e colocar em prática alterações nas condi-
ções de execução do projeto, como forma de assegurar que a situação ao final
do projeto seja aquela prevista no documento negociado e contratado;
elaborar relatórios de projetos e fornecer informações sobre o andamento de
projetos para sistemas de acompanhamento.

4. Conclusão do Projeto

A tarefa mais importante na conclusão do projeto consiste em demonstrar à


agência patrocinadora que os resultados previstos foram alcançados, os objetivos
foram atingidos e o dinheiro investido teve bom uso. Isso envolve mais que a
preparação de um relatório de atividades concluídas. Normalmente, uma avalia-
ção desse tipo exige uma análise cuidadosa da situação final do proj eto, compa-
rada com a situação inicial. A destinação a ser dada aos bens permanentes, a
disseminação de resultados e o fechamento de contas são outras atividades desta
fase.
As tarefas mais importantes dessa fase são as seguintes:
preparar o relatório final do projeto, comparando a situação inicial e a
situação final do projeto;
sugerir ações subseqüentes ao encerramento do projeto;
assegurar que sejam observadas as condições contratuais acordadas, relativas
à utilização ou descarte de equipamentos e instalações permanentes;
fechar as contas do projeto.
Gerenciamento da Cooperação Técnica Internacional 507

VIII. FATORES INTERNOS E EXTERNOS NO GERENCIAMENTO DE


PROJETOS DE COOPERAÇÃO

A atividade de gerenciamento de projetos de cooperação técnica internacional


desdobra-se em dois enfoques:
a) Ambiente externo: compreende as tarefas relacionadas com o cliente, usuário
ou beneficiário, o patrocinador ou promotor do projeto, que pode nem sempre
ser a mesma organização, e outras instituições que não estão sob o controle
direto da equipe do projeto mas que têm sobre ele algum tipo de interferência
ou impacto.
b) Ambiente interno: compreende as tarefas relacionadas com fatores que estão
sob controle do gerente e da equipe do projeto, como a organização anfitriã,
a equipe e os recursos do projeto.
Ao longo de todo o ciclo do projeto, os componentes internos e externos interagem
uns com os outros e com o projeto, e devem ser interpretados e manejados pela
equipe. Em certos tipos de projetos, a participação externa é predominante. É o caso
dos projetos relacionados com o meio ambiente, nos quais as entidades ambienta-
listas não-governamentais marcam presença forte. A ação dessas ONGs induziu à
necessidade de os projetos incluírem a avaliação dos impactos ambientais do
projeto, inclusive a consulta aos membros das comunidades por eles afetadas' . Isso
amplia a abrangência dos elementos do lado externo do projeto, aumentando a
complexidade da teia de relações que a equipe do projeto deve manejar.

IX. O PERFIL GERENCIAL DO AGENTE DE COOPERAÇÃO

Assim como acontece com qualquer outra ocupação, a competência profissional


dos agentes de cooperação, em seus papéis gerenciais ou técnicos, é feita de
alguns "ingredientes" principais. Com base nesse princípio, os alunos do PRO-
CINT participaram de um exercício que tinha por finalidade identificar as
competências mais importantes. Duas questões desse exercício e suas respostas
foram selecionadas para inclusão neste trabalho.

3. Ver, por exemplo , ASIAN DEVELOPMENT BANK (1990); OVERSEAS DEVELOPMENT


ADMINISTRATION; INTER-AMERICAN DEVELOPMENT BANK (jun. 1990) e INTER-AMERICAN
DEVELOPMENT BANK (fev. 1990).
508 Antonio Ceser Amaru Maximiano

1. Como Definir a Competência Gerencial no Campo da ·Cooperação


Técnica Internacional?
A competência gerencial na cooperação técnica internacional é feita, em grande
parte, de "ingredientes" que independem do nível hierárquico em que o dirigente
se encontra. Independentemente de ser ele um gerente de área, de programas ou
de proj etos, há conhecimentos, habilidades e atitudes importantes em sua profis-
são. Há ingredientes que podem ser considerados pré-requisitos e que dispensam
grandes explicações, tais como: (a) capacidade de articulação e negociação
internacional; (b) conhecimento abrangente e atualizado no campo da política,
cultura e economia e (c) bom conhecimento da estrutura nacional de cooperação,
da ordem internacional e dos principais atores internacionais de cooperação
técnica.
Outros "ingredientes" importantes para o bom desempenho do papel são os
seguintes:
a) Sensibilidade estratégica. O gerente de projetos deve começar um projeto
imaginando como vai terminá-lo e de que modo os resultados finais serão
avaliados por seus parceiros internos e externos, especialmente os clientes e
patrocinadores. Ele prepara o plano do projeto pensando nos critérios de
avaliação post-facto. Tem uma forte orientação para os fins, fazendo crite-
riosa consideração dos meios. Grande ênfase deve ser colocada em três
elementos principais, que requerem clareza inquestionável: resultados pre-
tendidos, necessárias para atingir esses resultados e recursos
necessários para realizar as atividades. Um projeto em que esses três elemen-
tos estejam bem formulados e coerentes entre si é um projeto de boa quali-
dade. A avaliação positiva da qualidade do projeto contribui para sua
aprovação e para a imagem da organização à qual pertence o gerente. Sua
missão mais importante é assegurar essa qualidade.
b) Alta capacidade de trabalho em grupo. Projetos de cooperação técnica inter-
nacional sempre são empreendimentos cooperativos, que envolvem a necessi-
dade de articulação de pessoas que pertencem, no mínimo, a duas organizações
diferentes, cada uma delas localizada num país. Em nenhum dos dois lados o
gerente de proj eto pode contar antecipadamente com predisposição favorável e
entendimento da natureza de seus propósitos e dos objetivos do projeto. O
sucesso do empreendimento irá depender não apenas disso, mas também de uma
grande capacidade de planejamento e divisão do trabalho e coordenação de
atividades em andamento, realizadas por pessoas que estão fisicamente distantes
umas das outras. A disposição para manter conversações e negociações, o
Gerenciamento da Cooperação Técnica Internacional 509

raciocínio interdisciplinar e a capacidade de relacionamento são imprescin-


díveis para a eficácia dessas tarefas.
c) Capacidade de interação com culturas diferentes. O campo da cooperação
técnica internacional tem um folclore todo particular, que se relaciona com os
comportamentos que são apreciados ou condenados, ou que passam desperce-
bidos, uma vez que se cruze a fronteira ou se faça contato com outras naciona-
lidades. Qualquer um que tenha atuado nesse campo tem histórias para contar,
que viveu ou observou. O gerente de projetos (e todas as pessoas que atuam no
cenário internacional) devem aprender a desenvolver "mecanismos de assimi-
lação" que lhes permitam identificar quais são esses comportamentos, não
apenas como estratégia de ambientação e comunicação, mas principalmente de
facilitação do andamento do projeto. A capacidade de observação, o autocon-
trole e o comedimento são de extrema importância para isso.
d) Conhecimento das diferentes ferramentas de projetos. No capítulo da compe-
tência técnica, destaca-se o domínio das técnicas básicas de gerenciamento de
projetos e das ferramentas específicas usadas pelas diferentes agências de
cooperação, como os manuais de preparação de propostas, de gerenciamento de
ciclos de programação, de avaliação de resultados e de impactos ambientais. O
gerente de projetos deve também esforçar-se para encontrar os princípios co-
muns a todos eles, o que poderá ajudá-lo a enfrentar com pouca dificuldade cada
caso novo que se apresente.

2. Quais são as Atividades de Gerenciamento de Proj etos que mais


Cuidado Exigem?
A formulação e preparação do projeto é a fase onde as competências do agente
de cooperação mais são exigidas. Um projeto corretamente formulado (incluindo
definição clara de objetivos, metas, custos, resultados que devem ser obtidos)
evita ou minimiza as dificuldades que podem ocorrer nas outras fases. Além
disso, um bom projeto é a melhor demonstração de potencialidade que o gerente
e a equipe podem fazer para a agência patrocinadora e para a comunidade de
cooperação . Projetos malformulados, acima de tudo , causam má impressão e
contribuem para a disseminação de uma má imagem.
A preparação de um projeto bem formulado depende de um correto equaciona-
mento do problema e das condições e recursos com os quais o gerente irá contar.
Por causa disso, a capacidade analítica e de diagnosticar situações aparece logo
em seguida na lista das competências importantes.
510 Antonio Cesar Amaru Maximiano

Outras etapas onde o gerente é exigido a demonstrar suas capacidades são as


seguintes:
coordenação, motivação e avaliação da equipe;
avaliação global dos impactos dos resultados das atividades;
alocação de recursos para o cumprimento das tarefas necessárias.

x. CONCLUSÃO

N este trabalho, o autor procurou fazer uma análise ocupacional dos dois princi-
pais papéis gerenciais dos agentes de cooperação técnica internacional: gerente
da área e de seus programas e gerente de projetos. A parte inicial do trabalho faz
uma análise do projeto de cooperação e de suas principais características, abor-
dando alguns instrumentos de administração utilizados por agências internacio-
nais, que condicionam o conteúdo e o desempenho daqueles dois papéis.

Referências Bibliográficas

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_ _ _ _o Environmental Program o 1990.
CHAPARRO, Fernando O. La Experiencia delIDRC enAmérica Latina.
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ment, Environmental Committee, Washington, jun. 1990.
I'I'TO . International Tropical Timber Organization. Project Cycle . Yokohama.
OVERSEAS Development Administration. Manual of Environmental Appraisal.
PNUD. How to Write a Project Document, a Manual for Designers for UNDP Projects. Regional
Bureau for Asia and the Pacific, New York, UNPD , 1990.
UNITED NATIONS. Audit of Major Development Programmes. New York, PNUD, 1987.
Avaliação e Determinantes do
Sucesso de Projetos de
Cooperação Técnica
Internacional

Antonio Cesar A ma ru Maximian o


Roberto Sbragia

I. OBJETIVOS

Este trab alho apre senta um qu adro de r efer ências sob re a avaliação de projetos
de cooperação técnica interna ci ona l co m a fi nali dade de caracterizar o êxito e os
fatores gerenciais que o induzem . O text o co meça po r ap resentar as dificuldades
com a avaliação de projetos de coop er ação técnica inte rnaciona l, p ara em segui da
analis ar, com base numa re visão bibliográfica, div ersos co nceitos e modalidades
de avaliação. Seguem-se doi s estudos de caso que exemplificam esses conceitos
e modalidades de avaliação. Em se guida, os co nceitos de sucesso e insucesso são
debatidos, tendo por cenário a revi são ante rior e comentá rios sob re os casos.
Finalmente, são apresenta dos os resultad os de um a investigação empírica, reali-
zada junto aos p articip antes do I e II Cicl os do PROCINT, que foram consultados
a respeito de sua percepção sobre os determin an tes de êxito dos projetos de
cooperação técnica internacional.

11. INTRODUÇÃO

Chegar à conclusão de que um projeto foi um sucesso ou fracasso parec e ser


512 Antonio Cesar Amaru Maximiano/Roberto Sbragia

tar efa mai s fá cil par a algun s tipo s de projeto s do que para outros. Tudo parece
dep ender do objetivo: objetivo s bem formulados e que estejam claros para o
ger ente ou a equipe do projeto e para o usuário ou patrocinador oferecem maior
ce rteza qu anto aos critério s para julgar o resultado final. Havendo acordo entre
os doi s lad os, a resp eito do problema e da forma de resolvê-lo, mais fácil se torna
es tabe lece r o gr au em qu e a solução alcançada se aproxima do que se almejava.
Obj et ivos a respeito do s quais haja pouca polêmica, ou que se endereçam a
pr obl em as muito bem definido s, produzem maior certeza na avaliação dos esfor-
ços destinado s a realizá-lo s.
Nos ram os tr adicion ais da engenharia, se se verifica que um projeto foi concluído
de acordo co m as es pecificações, dentro do prazo e orçamento estipulados, o
resultado é um sucesso. Não se está respondendo à pergunta " por que realizar o
pr oj et o?" nem " realiza ndo esse projeto , que resultados obtivemos?" , mas sim " o
pr ojeto fo i reali zad o ?" Est a é a pergunta crítica no caso. Se a resposta for
afi rma tiva, co ncl ui-se qu e o projeto é um sucesso .
Quanto m ai s difícil explic ar e justificar as razões para empreender um projeto,
ou es pecifica r o pr obl em a a ser resolvido , mais difícil também se torna determi-
nar se o es fo rço es tá pr oduzindo algum resultado ou não, ou se algum benefício
es tá se ndo alc ança do, mesmo que se verifique que o empreendimento está
comple tan do as tarefas ou atividades programadas dentro dos prazos previstos.
Em outras palavr as, quanto mais difícil responder à pergunta "por quê?", mais
qu estion ável se torn a o empree ndim ento. Isso é razão suficiente para interromper
proj et os qu e poderi am ser con siderados importantes sob outra perspectiva, espe-
ci almente o mérito técnico ou científico.
Pode- se lembrar inúmero s ex emplos de programas e projetos cujos resultados é
di fícil ava lia r, qu e g er am dúvidas quanto aos benefícios produzidos, ou ainda,
que são def endidos por un s e at acado s por outros . Há três categorias principais
de programas e projeto s que apresentam essa dificuldade: ciência e tecnologia,
desen volvim ento econômico e social e cooperação técnica internacional.

1. Ciênci a e T ecnologia
Os pr ogram as de pesquisa cie ntífica ava nçada (física de partículas, bioengenha-
ria, exp lo ração es pacia l, por exe mplo) representam esforços muito dispendiosos
normalmente ger am grande polêmica quanto aos benefícios alcançados.
Fazem- se estudos para comprovar que os resultados são positivos, mas a discus-
sã o costuma se r int ensa. Projeto s que é difícil justificar, ou cuja relação com o
Avaliação e Determinantes do Sucesso de Projetos de Cooperação Internacional 513

benefício da comunidade a quem se destina, ou que o sustenta, é obscura, tornam-se


muitas vezes indefensáveis, mesmo que sua interrupção cause a perda dos investi-
mentos já feitos. Um bom exemplo disso é o programa nuclear brasileiro.

2. Desenvolvimento Econômico e Social


A incerteza, no caso dos esforços orientados para o desenvolvimento, advém da
fluidez dos objetivos finais e da dificuldade de avaliar o grau em que os objetivos
específicos, ou intermediários, contribuem para a finalidade maior. O " proj eto
de desenvolvimento" é um conceito que se utiliza para indicar um tipo de
empreendimento específico orientado para resolver problemas sócio-econômi-
cos decorrentes de baixos níveis de produtividade e renda per capita. É larga-
mente utilizado nos países e regiões em desenvolvimento, mas estranho nos
países industrializados, onde não se utiliza essa terminologia (UNITED NA-
TIONS, 1987, p. 22). Analisemos uma definição de finalidade para esse tipo de
esforço:

Acredita-se, de forma geral, que o objetivo final do desenvolvimento em toda s as


sociedades deve ser o aprimoramento continuado e auto-sustentado do bem -estar do
indivíduo. Desde a Segunda Guerra Mundial , os esforços para satisfazer essas expecta-
tivas gravitaram em torno dos programas de desenvolvimento . Eles (os projetos de
desenvolvimento) são parte vital do processo global de desenvolvimento , têm um
horizonte de vida limitado e objetivos estreitos. Os projetos de desenvolvimento devem
ser implementados para atender a uma necessidade imediata dentro da so ciedad e , ou
podem resultar de um processo estruturado de planejamento e podem ser o ponto de
partida para converter os planos e políticas de uma nação em realidade (GOODMAN e
LOVE, 1979, pp. VII-IX).

Essa definição provoca uma indagação:


Mesmo que tenham sido planejados e estejam delimitados com bastante precisão ,
até que ponto pode-se dizer que objetivos específicos de um projeto em particular
de fato contribuem para a finalidade de "bem-estar do indivíduo " , ou como quer
que tenha sido estabelecido o objetivo final ?
Mais uma vez, pode-se recorrer a exemplos práticos para mostrar o tipo de
discussão que um projeto ou programa de desenvolvimento pode gerar. Um caso
em evidência no Brasil, no início dos anos 90 , é a Zona Franca de Manaus,
concebida como instrumento para o "desenvolvimento da região amazônica" ,
mas que vem sendo objeto de debate a respeito de sua real contribuição para esse
objetivo.
514 Antonio Cesar Amaru Maximiano/Roberto Sbragia

A inda que os objetivos estejam claramente estabelecidos e em sintonia com um


plano m aior de desenvolvimento, não há garantia de sua realização satisfatória.
Em seu relatório anual de 1985, o Banco Mundial, assinalando que é possível
" in dic ar o grau em que um projeto atinge seus objetivos pela taxa de retorno
econômico" , informou que, de um total de 97 proj etos, apenas 57 tinham uma
taxa de retorno ac ima de 10 %, considerando-se insatisfatório qualquer desempe-
nho abaixo desse nível. Convém acrescentar que a esse problema adicionava-se
o descumprimento de prazos e orçamentos. Por exemplo, em 1984, de 56 projetos
agrícolas avaliados, o período médio de execução era 83 meses, contra um
período médio planejado de 58; de 152 projetos que ofereciam informações sobre
custos, 45% haviam excedido o orçamento em porcentagens de 10 a 340%
(UNITED NATIONS, 1987, pp. 27-28).

Ill. DIFICULDADES COM A AVALIAÇÃO DE PROJETOS DE


COOPERAÇÃO TÉCNICA INTERNACIONAL

A incerteza que caracteriza os programas e projetos de desenvolvimento socioeco-


nôrnico torna-se mais aguda no caso da cooperação técnica internacional. Orien-
tados para objetivos imediatos de natureza científica e tecnológica, visando à
resolução de problemas de desenvolvimento socioeconômico no longo prazo,
com propósitos muitas vezes políticos, que ficam por trás dos objetivos explíci-
tos, os projetos de cooperação técnica internacional oferecem dificuldades maio-
res aos especialistas encarregados da avaliação. Não é fácil determinar qual o
resultado que o programa ou projeto pretende alcançar, se o programa ou projeto
está efetivamente atingindo esse resultado e de que forma esse resultado está
contribuindo para a realização de um determinado objetivo.
Essas dúvidas tornam-se mais graves à medida que aumentam as exigências da
opinião pública por explicações sobre a utilização de recursos públicos, ou que
os governos de países em desenvolvimento enfrentam dificuldades para cumprir
suas obrigações junto a organismos internacionais que patrocinam projetos de
desenvolvimento. Isso faz aumentar a necessidade de justificativas e, mais uma
vez, faz da avaliação uma tarefa crítica.

1. Bilateralidade
Os projetos de cooperação técnica internacional envolvem pelo menos dois
lados, cada qual com suas prioridades e objetivos. O que é importante para um
Avaliação e Determinantes do Sucesso de Projetos de Cooperação Internacional 515

país ou organismo prestador de serviços ou doador de recursos para cooperação


técnica internacional pode ser secundário para um país receptor, e vice-versa. O
conceito de soberania dos países na definição das áreas prioritárias é um a fonte
de conflitos. Isso é bem exemplificado pelos projetos de desenvolvimento da
região amazônica, que esbarram nos critérios utilizados pelos organismos inter-
nacionais relacionados com a proteção do meio ambiente e das populações
nativas. Há algum tempo, o Banco Mundial deixou de fornecer empréstimos para
a construção de estradas na região sob esse pretexto, não sem protestos do
governo brasileiro pela ingerência em assuntos internos.
A opinião pública dos países industrializados desempenha um papel importante
na definição de prioridades. Agindo sobre seus parlamentares, especialmente por
meio das organizações não-governamentais, força a consideração de aspectos
(como a ecologia) que normalmente poderiam não ser levados em conta numa
decisão de governo a governo.
O conceito de contribuição para o desenvolvimento e a ava liação de resultados
e benefícios depende, portanto, de quem esteja com a palavra e os recurso s.

2. Definição do Usuário
Nos projetos de cooperação técnica internacional, muitas vezes o beneficiário
final ou usuário dos resultados não é a agência executante, mas uma população-
alvo a respeito da qual se assumem premissas. Por exemplo , em projetos de
transferência de tecnologia entre institutos de pesquisa, o objetivo é o desenvol-
vimento institucional (do instituto beneficiário no país receptor da cooperação) ,
visando à prestação de serviços a um setor industrial. Se não forem envolvidas
no planejamento do projeto, ou se uma parte delas não se beneficiar do projeto,
as empresas desse setor poderão questionar os resultados.

3. Carências Gerenciais
A essas dificuldades, que os projetos de cooperação técnica internacional com-
partilham com os projetos de ciência e tecnologia e de desenvolvimento socioeco-
nômico, juntam-se as carências, por parte das agências que se candidatam a
executar projetos, no manejo das técnicas de gerenciamento de projetos, carên-
cias que se refletem na qualidade das propostas apresentadas. Isso significa que
a dificuldade na avaliação dos resultados pode ser atribuída às deficiências no
planejamento dos objetivos, o que não impede, no entanto, que projetos m alpla-
516 Antonio Cesar Amaru Maximiano/Roberto Sbragia

nejados sejam aprovados para posteriormente receberem avaliação negativa. No


mesmo relatório do Banco Mundial, há uma análise das causas do mau desem-
penho (descumprimento de objetivos, prazos e custos) de 74 projetos que foram
revistos entre 1979 e 1984. Entre as causas, predominavam as seguintes: conteú-
do inadequado (complexidade demais, recursos locais insuficientes e tecnologia
imprópria), arranjos institucionais inadequados e apoio local insuficiente. Não
se pode deixar de observar que essas causas poderiam ser evitadas com planeja-
mento de boa qualidade. Se constatadas na avaliação, não foram detectadas nos
planos dos projetos, o que, no entanto, não foi suficiente para reprová-los.

4. Avaliação Prévia e Aprimoramento do Plano do Projeto

Para evitar a aprovação de projetos cuja qualidade precária seja evidente, um


instrumento é o rigor na avaliação prévia: "Antes de aprovar um empréstimo , as
agências externas normalmente exigem um processo formal de avaliação (ap-
praisal) para aferir a qualidade global do projeto e sua preparação para imple-
mentação " (UNITED NATIONS, 1987, p. 23). Por causa desse problema, uma
organização multilateral de cooperação técnica instituiu, a partir de 1991, um
painel de especialistas para analisar e auxiliar a aprimorar a qualidade das
propostas apresentadas. Em sua primeira reunião, esse painel constatou, entre
outros, os seguintes problemas nos documentos de projetos que analisou:

Em sua maioria, as propostas forneciam informações insuficientes para que


os membros do painel pudessem fazer a avaliação, evidenciando que os
projetos não haviam sido adequadamente preparados. Faltavam informações
particularmente sobre : (a) a localização das atividades dos projetos; (b) as
atividades e resultados propostos e (c) coerência entre as estimativas de custo
e as atividades.

Em sua maioria, as propostas não forneciam informações sobre critérios que


permitissem aferir os resultados, por meio do monitoramento e avaliação do
desempenho do projeto: faltavam metas quantificadas e vinculadas a prazos.

Poucas propostas forneciam informações suficientes sobre a implementação


e os desdobramentos do projeto após o período previsto na proposta, quando
então se poderia fazer a avaliação mais adequada de seu" sucesso final" .
Textualmente, " tal informação é vital para a avaliação adequada do projeto"
(ITTO, 1991, pp. 2-4).
Avaliação e Determinantes do Sucesso de Projetos de Coo pe ração Int ernaciona l 517

IV. IMPORTÂNCIA DA A VA LIA ÇÃO

Todas essas dificuld ades e fontes de dúvidas emprest am gr and e imp ortânci a ao
processo de av ali ação de pro j etos de coo pe ração técnica intern aci on al , co mo
instrumento para a medição de r esultad os, o aprimoramento das polític as e a
avaliação do desempenho e do poten ci al da agência ex ecutante.

1. Medição de Resultados
Sendo claro s ou não os objetivo s, é n ecessário verificar se for am ating idos p ar a
poder determin ar se o esforço e os recu rsos pr ev istos for am efetiva me nte empre -
gados. A avaliação , em primeir o lu gar , func iona , portanto, co mo um m ecani sm o
de segurança de qu e o proj eto fo i reali zad o e o dinh eir o não foi desp erdiç ad o (o u
desviado) .
Visando ao de senvolvimento soc ioeco nâmico por mei o da ci ên ci a e tecn ol ogi a,
a cooperação técnica internacion al comp ar tilha, com os pr oj et os dest a seg un da
natureza, a propriedade de qu e alguns resultad os (ou obj etivos) pod em não se r
antecipados . Em outras palavr as, é possív el qu e um projeto alc anc e muito mai s
benefícios do que os originalmente prom etidos ou pr ev istos, não se con seguind o
prever de antemão todos os re sultado s. A Organi zação Internacional do Trab a-
lho, por exemplo , reconhece qu e muitos de se us pr oj etos têm natur eza expe ri-
mental, sendo seus resultado s influ en ci ad os por mui tos fator es que é n ec essári o
estudar a fim de re sponder às qu est ões rel aci on ad as co m o usuário e o gr au de
benefício por ele usufruído (ILO , s. d., pp. 1-2) . Aliá s, não se tr at a ap en as de
reconhecer: o PNUD consider a o car át er expe rimental como um a da s ca tego r ias
de projetos que pode amparar (UN DP, 198 7, p . 56). A ava liação permite rastrear
os resultados, aferir os benefíci os e, dessa m an eira, aprimorar o pr oc esso de
planejamento , que é a segunda ut ilidad e.

2. Aprimoramento de Políticas , dos Pl anos e do Processo Decisório


A avaliação é um instrumento p ar a aprimo ra r as políticas de des en vol vim ento e
de cooperação, tanto por parte das agê ncias fin an ci ad or as qu anto da s execu ta n-
tes. As informações sobre o grau de atingime nto dos objetivos, os re sultad os
imprevistos, a contribuição para o objetivo m ai or de desen volv im ento e a con-
fiabilidade das agências executantes permitem melh orar o pr ocesso de deci são
sobre todos es ses tópicos . " A av ali ação continuad a dev e produzir uma docum en-
tação cuidadosa das experiênci as, p ar a fornecer evidênci as e lições qu e p ermitam
5 18 An ton io Cesa r Amaru Maxim iano/Roberto Sbragia

ap rimorar o pl an ej am ento e a adm in is tr açã o do projeto no futuro" (GOODMAN


e L OVE, 1979, p . 10) . Com o exe mplo des se tipo de finalidade do processo de
avaliação, a Figura 1 apresenta resultado s parciais de avaliações de impacto de
projetos hidrel étricos implanta dos em p aí ses em desenvolvimento. Na coluna das
respostas , os três tópicos selecio na dos indicam de que forma as críticas foram
consi deradas no apr imorame nto dos pl ano s, mostrando como o processo decisó-
rio se ben e fic ia da ex pe riê ncia de erros e acertos.

FIGURA 1
RES DLTADOS DA AV ALIAÇÃ O DE IMPACTO DE
PROJ ETOS HIDRE LÉTRICOS

C RÍT IC A RESPOSTA

1. Os diq ues nos país es em des envo lv ime n to 1. A ntiga me nte , sim; hoje, os planejadores
desl o car am muit as pessoas e danifi caram es tão m ais ex perientes e conseguem lev ar
o meio amb iente . esses fato res e m co n ta .

3. A i r rigação pr oduz r esult ados 3 . A dr en a g em pod e s er incorpor ada ao


d es ap ont ad or es por ca usa dos pr obl em as pl an ej am ent o . Gr andes projetos d e
d e dr en agem . dr en agem , apo iado s pela CIDA e Banco
Mundi al , tr an sformaram em terra
cult ivá ve l milhares de hectares que eram
impro-dutivo s há sé cu los .

6. O s d iqu e s d e s a c el er am a c orr ent e e 6. A ág ua lent a pod e promover o cres cimento


aj uda m a di ssemin açã o de doen ças trans- de ca ram ujos transmi ssores , m as a resposta
m it idas . a isso são : água limp a, saneam ento e edu-
cação públi ca, e não o abandono .

Fonte : BROOKS (198 7, pp . 23 -26)

3. Ava liaçã o da Agê nc ia Execut ant e


Finalmente, a avaliação é a man eira pel a qu al as competências da agência
executante podem ser aferidas , possibilitando às demais instituições envolvidas
decidir , mais tard e, sobre outros proj eto s por ela apresentados. A avaliação
funciona, portan to, co mo in strumento p ar a a montagem de "cadastros" das
agências executa ntes de projetos de coo peraçã o técnica internacional.
Numa outra perspecti va , a avaliação func iona como um mecanismo educativo
para as ag ências executantes, qu e mostra os err os e acertos e, dessa forma,
co ntr ibui pa ra se u desen volvim ento in stitucional.
Avaliação e Determinantes do Sucesso de Projetos de Cooperação Internacional 5 19

V. AVALIAÇÃO DE PROJETOS: QUADRO BÁSICO DE


REFERÊNCIAS

o que é e como proceder para faz er a ava liação de proj etos de cooperação técnica
internacional ? Os comentários feito s até este ponto deixam claro que a avaliação
é um processo que se refere ao gr au de atingimento dos objetiv os do proj eto de
cooperação técnica internacional. Embora ambas sej am modalidad es de control e,
a atividade de avaliação é distinta da ativ ida de de monitor am ento (mo n ito ring) .

1. Diferença entre Monitoramento e Avaliação

De acordo com a Org anização Internacional do Tr ab alh o, "a avaliação analisa o


atingimento de objetivos de modo a maximizar o imp acto de proj etos em andame nto
e fornecer orientação para o pl anej amento de novos pro jetos" (ILO, s. d., p. 8).

A avaliação orienta-se para os resultad os de um pr oj eto ou programa e faz a


comparação dos planos com as realizaçõ es. Isso signifi ca ve rif ica r se os ob jeti-
vos imediatos ou finais foram re alizado s e, portanto, medi r o imp acto do pr oj eto
sobre as comunidades, organizações ou setores que pr et endia b en efi ci ar. A
avaliação também é uma ferramenta orientada par a a apre n dizage m, qu e bu sca
aprimorar a ação em andamento , bem como o pl an ej am ento e a to ma da de decisão
no futuro.

Por outro lado , o processo de monitoram ento co ns iste pr im ar iam en te em super-


visionar a execução física do proj eto , para g ar antir qu e os recursos es tejam
disponíveis e possam ser utilizado s no mom ento certo. Outras agê nc ias do
sistema ONU seguem essa mesma de finição , extraída do m anu al da OIT, já
referenciado neste trabalho. O monitoram ento enfoca o pr ogr esso físico e a
situação financeir a e tem por fin alid ad e fa cilita r o anda me nto do pr oj eto.

Para empregar uma distinção que é usual em teori a admi nistrativa , a ativida de
de monitoramento orienta-se par a a eficiên ci a do proj et o, enfocando a aplicação
de recursos para a realização de tarefas ; a ati vid ad e de ava liação orie nta -se par a
a eficácia do projeto, enfocando os resultados alcançados em co mpa ração co m
os objetivos planejados.

A Figura 2 sintetiza as diferenças entre os pr ocessos de monitor am en to e de


avaliação.
520 Anto nio Cesar Amaru Maxim iano/Roberto Sbragia

FIGURA 2
CO MP AR A ÇÃO ENTRE OS PROCESSOS DE MONITORAMENTO E AVALIA-
çÃO DE PR OJETOS DE COOPERA ÇÃO TÉCNICA INTERNACIONAL

MONITORAMENTO A VAL IAÇÃO

Acomp anh a co ntin ua me nte as ativ ida d es do Exam ina os efei tos e o im pacto do pr oj et o
projeto . (visão de lon go pr az o) .

Aceit a as regras e políticas . Qu esti on a a pertin ên ci a d as p ol íti c as e


procedime ntos .

Ob ser v a a produ çã o d e result ad os . Examina o prog resso n o a ting imen to d e


objetivos e per gunt a se os ob jetivos são
adeq u ados/a pr opri ad os.

Focaliza a tr ansfo rm ação de re curs os e m Foca liza a tr ansform aç ão d e resultados em


result ad os . ob jetivos .

Con centra-s e n os as pectos do projeto que Avalia os aspectos do pr oj et o qu e fo ra m


fo ra m pl anej ad os. planeja dos e ave r ig ua as mud an ç as nã o-
planeja das, b usca as ca usas, qu estiona as
pr em iss as.

Rel ata o progres s o d a impl emen tação. Ve r ifica o pr ogr ess o e bus ca id entific ar
li çõ es.

Font e: ILO , s .d .

2. Mo dalidades de Ava liação


Usa da, co m freqüê nc ia, no co ntex to da ava li ação de projetos de cooperação
técnica internacio na l (e também de outros tipo s de projetos), a expressão ex-post,
já empregada neste texto, in dica um pr ocedimento implementado " ap ós o térmi-
no" do projeto . Esta, no en tanto , é ape nas um a das modalid ades de avaliação do
grau de atingimento de objetivos. Na realidad e, ava lia çõ es semelhantes, ou seja,
co m a mesma final ida de, pod em se r fe itas a qu alquer momento ao longo da
execução do proj et o, e co ntinua m a se r diferentes do monitoramento . " Mu ito
mais que um a si mples verificação de ev entos apó s su a ocorrência, a avaliação
dev e ser também um processo co nt ínuo durante todas as fases do ciclo do
projeto" (GOODMAN e L OV E, 1979) .
D esse modo, a avaliação ex-post é fe ita algum tempo após o encerramento do
pr oj eto , com a fina lidade de ve rif ica r se us impactos - sua contribuição para a
Avaliação e Determinantes do Sucesso de Projetos de Cooperação Internacional 521

finalidade última do projeto e seus resultados imprevistos ; durante a execução e


no momento da finalização, outras avaliações similares são feitas .
Todas essas possibilidades continuam a ser distintas do monitoramento , como se
pode observar nas categorias normatizadas pelo PNUD , que veremos em seguida.
De acordo com o manual de política e procedimentos do Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento , deve-se considerar cinco modalidades de ava-
liação, definidas em função dos agentes que a realizam e do momento de sua
realização . O conhecimento dessas modalidades é importante de vez que os
planos de projetos de cooperação técnica internacional devem prevê-las. As
modalidades propostas pelo PNUD são as seguintes, transcritas literalmente
(UNDP, 1987, pp. 1-35):

2 .1. Avaliação do Desempenho de Projetos em Andamento (evaluation of ongoing


project performance). É uma ati vidade interna realizada pela s pessoa s qu e estejam
diretamente envolvidas no planejamento , avaliação , aprovação , implementação e
supervisão de um projeto ou programa.
2.2. Avaliação em Profundidade (in-depth evaluation). É uma atividade realizada por
pessoas que não estão diretamente envolvidas no planejamento, avaliação , aprova-
ção, implementação, supervisão ou gerenciamento no dia-a-dia do projeto ou
programa.

(Portanto, a diferença entre a primeira e a segunda modalidades é o envolvimento


de agentes externos à equipe regular do projeto . As tr ês modalidades seguintes
referem-se ao momento em que a avaliação é realizada: respectivamente, duran-
te, ao final ou depois do final do projeto.)

2.3. Avaliação em Andamento (ongo ing evaluation). Feita por agentes interno s ou
externos, é a análise, durante a implementação de um projeto , da continuidade de
sua relevância e de seus resultados , eficácia , eficiência e impacto provável previs-
tos. A avaliação em andamento dá aos tomadores de decisões as informações
necessárias para quaisquer ajustes que sejam indispensáveis aos objetivos, políti-
cas, estratégias de implementação, ou outros elementos do projeto , bem como para
o planejamento de atividades futuras.
2.4. Avaliação Terminal. É a análise, feita ao final ou perto do final do projeto, para
determinar sua relevância, eficácia e impacto provável. As conclusões podem
constar do relatório final do projeto. A informação necessária ao planejamento futuro
pode ser gerada por esse processo , que não deve ser confundido com o planejamento
e avaliação de uma nova fase do projeto.
2.5. Avaliação ex-posto É a análise da relevância, eficácia e impacto de uma atividade,
após seu término. Tal avaliação de um projeto é realizada depois do transcurso de
522 Antonio Cesar Amaru Maximiano/Roberto Sbragia

um período que seja suficiente para a medição do impacto do projeto. Sua finalidade
é extrair lições e, portanto, contribuir para a identificação, planejamento e implemen-
tação de programas e projetos no futuro.

A Organização Internacional do Trabalho prevê um sistema semelhante de


avaliações de resultados distribuídas ao longo do tempo, utilizando como critério
a duração do projeto. Assim, os projetos com duração acima de 30 meses devem
ser avaliados a cada 12 meses ; os projetos com duração entre 18 e 30 meses
devem ser avaliados no meio do período de sua implementação e ao final dela;
finalmente, os projetos com menos de 18 meses requerem avaliação no momento
em que são completados (ILO , s.d., p. 29). Quanto mais longos os projetos da OIT,
mais se utilizam os três tipos de avaliação previstos pelo PNUD; quando menores,
os projetos utilizam a avaliação que o PNUD categoriza como "terminal".

3. Instrumentos de Avaliação
As referências anteriores já indicaram que a avaliação pode ser conduzida por
pessoas internas ou externas à equipe de execução do projeto, ou por uma
combinação dessas duas possibilidades.
As diretrizes para a montagem de equipes de avaliação estipulam uma "aborda-
gem tripartite", com a representação da agência executante, do governo do país
onde o projeto é realizado e do país doador ou da agência doadora de recursos
para o projeto , conforme o caso. Sendo a agência apenas repassadora de recursos
doados por um país, os dois deverão estar representados na equipe de avaliação.
O target group do projeto também deverá ter seus representantes, montando uma
composição mínima de cinco partes na equipe de avaliação. Essa composição
poderá aumentar para incluir especialistas na área temática do projeto (do
próprio país onde se executa o projeto ou de outro local) e de outras agências de
cooperação cuja missão seja familiar ao projeto ou que compartilhem seu finan-
ciamento. Essa é a equipe que deverá comparar objetivos com resultados e
analisar os impactos do projeto .
A tarefa dessa equipe consiste basicamente em comparar objetivos com resulta-
dos e analisar os impactos do projeto. Para isso, é preciso dispor de informações
precisas sobre o que o projeto pretende ou pretendia alcançar e de indicadores
que mostrem se houve progresso nessa direção . Os instrumentos físicos que
possibilitam essa medição compreendem o plano do projeto e os relatórios de
avaliação, sendo que o plano deve fazer a previsão dos momentos de controle e
de elaboração dos relatórios. O processo que facilita a avaliação é a previsão
Avaliação e Determinantes do Sucesso de Projetos de Cooperação Internacional 523

cuidadosa dos objetivos finais e intermediários, dos indicadores e dos relatórios


a serem preparados pela equipe de execução e analisados pela equipe de avalia-
ção . Tudo isso empresta grande importância à atividade de planejamento do
projeto de cooperação técnica internacional. Um projeto bem preparado faz mais
do que facilitar sua própria aprovação; um projeto bem preparado indica maior
grau de certeza sobre fins e meios e, desse modo, é um guia eficaz para a ação,
que eleva a probabilidade de atingimento de objetivos, de êxito do projeto e de
sua avaliação positiva ao final.
Além do exame dos relatórios de progresso, a equipe de avaliação pode ser
solicitada a visitar e inspecionar fisicamente as áreas de execução do proj eto .
Esse é um procedimento sempre recomendável, em vista das possibilidades de
deficiência da informação escrita e do requisito da veracidade da avaliação.
Dadas as implicações financeiras do envolvimento de tanta gente numa equipe e das
necessidades de seu deslocamento, a avaliação também é uma tarefa cuja preparação
e orçamentação deverão ser cuidadosamente tratadas no plano do projeto.
Com base nessas diretrizes, a equipe prepara um relatório de avaliação. A
natureza e o conteúdo desse tipo de relatório é o assunto seguinte deste trabalho.

4. Preparação de Relatórios de Avaliação


Os relatórios de avaliação devem abordar os elementos básicos do plano do
projeto. No caso do sistema ONU, isso significa levar em conta a abordagem de
sistemas utilizada em seu modelo: objetivo de desenvolvimento, objetivo ime-
diato, resultados, atividades, recursos. Esses são os critérios de avaliação. Cada
agência segue uma ordem na apresentação das informações sobre esses tópicos.
A OIT obedece à seqüência apresentada acima e apenas indica o formato do
relatório; o PNUD usa um modelo extremamente detalhado que começa pelo
objetivo imediato após exigir informações de revisão do projeto (números,
orçamentos, datas etc) . É importante lembrar que o PNUD prevê diversos tipos
de objetivos - desenvolvimento institucional, experimental, apoio direto e trei-
namento direto, entre outros -, alguns dos quais podem exigir investimento de
mais tempo na compreensão dos impactos provocados.
Essencialmente ressalvados os detalhes de cada caso, a equipe de avaliação deve
responder às seguintes perguntas:
(a) O que o projeto pretendia fazer?
(b) O que efetivamente o projeto conseguiu fazer?
524 Antonio Cesar Amaru Maximiano/Roberto Sbragia

(c) Sendo (a) e (b) diferentes, quais as causas?


(d) Os objetivos mostrados em (a) continuam válidos ou devem ser alterados?
(e) Quais as concl usões?
(f) Quais as recomendações ?
Embora a ênfase esteja nos resultados alcançados, em comparação com os
objetivos previstos (a missão do projeto), o foco da avaliação abrange os demais
aspectos da execução e dos impactos do projeto. O dispêndio de recursos
financeiros em comparação com os orçamentos, os prazos em comparação com
os cronogramas e outros aspectos semelhantes também fazem parte dos procedi-
mentos de avaliação. Numa atividade de avaliação em particular, um aspecto
específico ou todos eles poderão ser focalizados. Os estudos de casos da seção
seguinte mostram essa diferença de ênfase, devida aos critérios utilizados e ao
tipo de avaliação .
(As diretrizes aqui analisadas encontram-se detalhadas em documentos de agên-
cias do sistema ONU, as quais apresentam diferenças em suas proposições. A
consulta aos manuais específicos do PNUD e da OIT mostrará as particularidades
e exigências de cada formato , embora o modelo geral seja um só.)

VI. ESTUDOS DE CASOS

Esta seção do trabalho apresenta um exemplo ilustrativo e a síntese de um estudo


de caso real de projetos de cooperação técnica internacional, com a finalidade
de mostrar de que forma são elaborados os relatórios-de avaliação e de oferecer
um contraste entre dois formatos . O objetivo não é analisar os projetos, mas a
maneira como foram avaliados, utilizando os conceitos apresentados até a seção
anterior, como forma de fazer uma demonstração prática de critérios e procedi-
mentos de avaliação.

1. Exemplo: Auditoria de um Projeto Hidrelétrico


Este exemplo ilustrativo é parcial e foi extraído do documento Audit of Major
Development Programmes (UNITED NATIONS, 1987, pp. 113-126). É um caso
real, cujos nomes foram modificados para preservação de sigilo , e que foi
patrocinado pelo Departamento de Cooperação Técnica para o Desenvolvimento,
das Nações Unidas. O objetivo da publicação desse estudo de caso é "estimular
Avaliação e Determinantes do Sucesso de Projetos de Cooperação Internacional 525

a análise crítica da informação por ele oferecida". Tratando-se de um relatório


de auditores, a ênfase está no desempenho dos fatores econômicos e financeiros.
Os aspectos técnicos, no entanto, também são apresentados. Alguns trechos
foram selecionados para exemplificar uma abordagem sintética, direta e "enxu-
ta" de preparação desse tipo de documento e se encontram transcritos a seguir.
No documento original, esses trechos estão precedidos de uma extensa descrição
do projeto e dos procedimentos de avaliação.

(i) Execução do Projeto

As metas físicas do projeto foram todas totalmente atingidas. Contudo, houve longos
atrasos e grandes despesas adicionais, em todos os elementos do plano de trabalho. As
únicas tarefas que não sofreram atraso em sua execução foram a realocação de pessoas
e a construção da estrutura de retenção do reservatório. Todas as outras atividades
estiveram sujeitas a atrasos que variaram de um a vinte meses.

A principal causa do atraso na execuçã o do projeto foi a descoberta de uma severa


infiltração de água no túnel, durante o teste da primeira turbina geradora. A principal
razão desse problema foi a formação de camadas alternadas de turfa decomposta e lava
fragmentada ao redor desse segmento do túnel. A turfa é de difícil manejo e a lava é
muito permeável. A combinação dessas camadas intercaladas não produziu as condições
nas quais o projeto do túnel se fundamentara. Outro grande atraso na execução do
projeto pode ser atribuído às condições adversas do solo , que foram encontradas durante
a escavação do túnel condutor.

Os auditores estão conscientes de que o projeto beneficiou-se do que pode ser conside-
rado um apoio técnico adequado de uma empresa internacional de reconhecidos méritos
(especialmente na investigação de tipos de solos e geologia) e que esta empresa foi
consultada periodicamente durante a execução do projeto. No entanto, em vista do
excesso de custos e dos atrasos devidos aos problemas de solo, que não se encontram
em projetos similares, a agência executante deve no futuro usar essa experiência em
projetos similares, para garantir uma maior atenção a essa fase do trabalho e minimizar
o risco. (... )

(ii) Deslocamento da Cidade de Alarcón

A execução do projeto implicou a relocalização dos habitantes da cidade de Alarcón,


uma vez que suas casas ficariam submersas com o enchimento do reservatório. Esse
deslocamento envolveu não apenas a movimentação física das pessoas , mas também
providências para fornecer às famílias afetadas um meio de vida mais produtivo em sua
nova localização.
526 Antonio Cesar Amaru Maximiano/Roberto Sbragia

Pro v av el mente o aspecto ma is importante do projeto foi a maneira muito eficiente e


organi zad a co mo a NE C (Nation al Ele ctricity Company) a conduziu. A empresa deli-
neou um plano es tr até gico para garantir o su ces so desse exercício. (... )

A NEC atin giu esses obj etiv os de maneira exemp lar, a despeito da complexidade física
e social do emp reen dimento . A exp eriê nci a que se ganhou com a programação e
execução de sse exe rcíci o dev e ser u sada em qualquer projeto desse tipo no país.

Após descrever o projeto do ponto de vista do atingimento de seus objetivos


físicos imediato s, isto é, a construção da hidrelétrica e o deslocamento da cidade,
o rel atório pr ossegue in formando sobre os aspectos financeiros. Não se mencio-
nam os objetivo s fina is de de senvolvimento, relacionados com os benefícios da
usina, o que evidencia que esta não é uma avaliação de impacto.
A forma concis a co mo o relatório está escrito e o conteúdo da informação nele
ap res enta da contrast am agudam ente com o estudo de caso apresentado a seguir.

2. Estudo de Caso: Avaliação do Projeto BRA/70/550, "Planejamento


de Recursos Humanos"
o projeto BRA/70/550 foi solicitado inicialmente em 1969; a execução teve
início em 1973 e concluiu-se em 1980. Houve extensões por meio de três outros
projetos, qu e trouxer am o esforço até 1990. Quanto à avaliação de impacto,
" dev e ser m ais pr opriam ente considerada uma avaliação do impacto do primeiro
proj eto , compl em entad a por referências ocasionais aos três outros". O processo
de avaliação , descrito no relatório , corresponde a um período de trabalho de
cinco m eses, financia do pelo Escritório Central de Avaliação do PNUD, a uma
ex tensã o não esp ecificada e a um seminário de avaliação, patrocinados pelo
Representante Residente do PNUD no Brasil. Os dois períodos de trabalho
produziram relatórios parciais, o segundo dos quais foi distribuído aos partici-
pantes do seminário .
O rel ató rio fi na l, que é o objeto desta síntese, baseia-se nesses dois relatórios e
na discussão promovida com os participantes do seminário, que auxiliaram
particularmente na formulação das conclusões e recomendações. É, portanto,
genuin amente um exemplo de avaliação ex-posto
A primeira ob servaç ão que se pode fazer sobre o relatório de avaliação do projeto
BRA/70/550 (WA L KE R e OLIVEIRA, 1991) é que se trata de um documento
inconclusivo. Cheg a-se ao final da leitura sem a certeza de que os avaliadores
afirmem qu e o proj eto como um todo tenha tido êxito ou fracasso. O enunciado
Avaliação e Determinantes do Sucesso de Projetos de Coo pe ração Intern aci onal 52 7

do primeiro parágrafo das conclusões (p . 58) e dos doze objetivos imediatos,


transcritos adiante, mo stra que o proj eto foi m alformulad o, o que se reflete na
dificuldade de avaliá-lo corretamente:

o " obj etivo fundamental " do proj eto BRN70/550, enuncia do em termos bastante vagos,
era o de "prestar assistência ao Governo do Br asil p ara fo rtalecer e aperfeiçoar seu sistema
de planejamento de recursos humano s". Isso foi , sem dúvid a, alcança do até certo ponto,
embora o sistema integrado de planejamento de recur sos humanos, previsto pe lo projeto,
nunca tenha se tomado totalmente operacional e, certa mente , não exista hoje.

A segunda observação é qu e os prazos e custos são ignorados como item de


análise. O esforço evidenciad o no r elat ór io ded ica- se essencialmente a examinar
o projeto do ponto de vista da execução de sua missão técnica, formulada da
forma vaga que se pode observ ar no parágr afo an te rior. Não há qualquer infor-
mação que permita estudar a observân ci a dos pr azos e orçame ntos apresentados
no plano do projeto.
Doze objetivos imediatos for am formula dos p ar a esse projeto , em decorrência
do objetivo fundament al. Em sua maior p ar te, o relatór io consiste numa
análise do grau em que cada um de sses objetivos foi atingido, um a um, com
base em documento s que for am con sultado s e o ut ras ativi dades, co mo reuniõ -
es e visitas, desenvolvidas pela equip e de ava liação . T rata- s e de um docum en-
to que evidencia um esforço metódi co , b asead o em informações concretas
cuidadosamente compiladas p elos avalia do res. Esse é basicamente o modelo
pregado pelos manuais de proced im en tos de avaliação, que as agências inter-
nacionais utilizam .
Os doze objetivos imediato s, agrupa dos em três áreas , são transcritos a seguir:

2.1. Na Área de Informação:

(a) Avaliar a qualidade e adequa çã o do s dad os ex istentes para propósitos de


planejamento de recurso s hum an os e assistir no estabelecimento de um
sistema de informação par a recur sos human os.
(b) Colaborar no aperfeiçoamento dos mod el os de info rmação para o ensino
superior, atendendo às necessidades do s pl an ej ado res desse seto r.
(c) Colaborar na formulação de modelo par a a es tima tiva dos custos da educação
e a análise de seu financiamen to.
(d) Estabelecer um sistema de indicad or es p ar a flutuações de empregos e salá-
rios .
528 Antonio Cesar Amaru Maximiano/Roberto Sbragia

(e) Completar a elaboração de uma classificação ocupacional nacional.

2.2. Na Área de Estudos e Pesquisas:

(a) Colaborar na identificação de um programa de pesquisa educacional, orien-


tado para a formulação de políticas, acompanhando sua implementação.
(b) Estudar a situação do emprego e assistir na formulação de uma política de
emprego.

2.3 Na Área de Planejamento e Acompanhamento:

(a) Colaborar no aperfeiçoamento de métodos de planejamento educacional e das


práticas de acompanhamento e controle de projetos no setor educacional.
(b) Analisar as implicações, quanto à mão-de-obra, das correntes migratórias e
dos vários programas governamentais de impacto social, assistindo na for-
mulação de programas adequados de treinamento de mão-de-obra, consisten-
tes com as condições do mercado de trabalho.
(c) Assistir na organização e implementação do Serviço Nacional de Emprego.
(d) Aconselhar na implementação de um sistema para coordenação das ativida-
des das superintendências regionais, na área de recursos humanos, e sua
compatibilização com programas e projetos nacionais.
Todos esses objetivos imediatos, assim como o objetivo fundamental, são muito
vagos para que se possa verificar se foram realizados ou não, o que é confirmado
pelas informações a seguir.
Em sua página 59, o relatório de avaliação informa que, desses objetivos ime-
diatos, citados no Documento do Projeto, os dois mais concretos, na área de
informação, foram alcançados: " estabelecer um sistema de indicadores para
flutuações de empregos e salários" e " complet ar a elaboração de uma classifica-
ção ocupacional nacional" . Não é de estranhar que esses objetivos, indicando
planos elaborados com maior precisão e cuidado, tenham sido mais favoravel-
mente avaliados, uma vez que o sucesso se correlaciona com o grau de qualidade
do planejamento. As conclusões reconhecem também que não houve estudos
diagnósticos, o que mais uma vez explica a imprecisão e o insucesso da maioria
dos objetivos. Essa informação confirma novamente a importância do planeja-
mento de metas como instrumento que eleva a probabilidade de êxito.
As conclusões parciais que se alcançam na análise de cada um dos objetivos são
tratadas de forma agregada nas conclusões e nas " lições aprendidas e implicações
Avaliação e Determinantes do Sucesso de Projetos de Coo pe ração Intern aci onal 529

para a formulação de políticas" , o qu e, mai s um a vez, ev ide nc ia a pr eocup ação


com as diretrizes de av aliação estipul ad as pel a agê ncia fi nan ci ad or a.
Para facilitar o trabalho do leitor , o rel atór io aprese nta um a espécie de "s umá rio
executivo" no início, onde se enco ntra m conden sad as as in form açõ es detalh ad as
no corpo do trab alh o. No fina l do volume, os rel atóri os téc nicos co ns ultados
estão também sumariado s.
A título de exemplo , apresentam os algumas tr an scr ições das co ncl usões e reco -
mendações que se encontram no cita do sumár io (pp. v ii-ix):

o projeto foi de fundam ental imp ortân ci a n a co nso lidação do Cen tro Nacional d e
Recursos Humano s (h oje extinto) e do se to r socia l do IP EA . (...) Os esfo rços do projeto
no sen tid o d e fortal e cer o plan ej am ento educac io na l do MEC .. . tiveram re su lt ad o s
limitados. (.. .) É nece ssária a re ali zaçã o de u m n ovo pro jeto ou projetos ... D ev em se r
maximizados os acerto s.. . D ev e se r reali z ad o um seminá rio so bre o ass unto (.. .) D ev e
ser instituído um Conselho de Recursos Hu ma n os, co m a p ar ti c ip açã o de múlti pl os
segmentos da sociedade, para formul ar um n ovo pr oj et o ou p ro gr am a n a área de recu rsos
humanos.

A forma desse rel atório p ar ece ser a de um modelo a seguir, pe la metodologia


que evidencia e pel a ob ediên ci a ao s p adrões da agê nc ia patrocinado ra . O proble-
ma é o conteúdo. A observação fin al que a leitura do rel atório ins pira é a
preocupação de deixar o leitor chegar às suas pr ópr ias co ncl usões sob re o
conteúdo e o des emp enho do pr oj eto, que, em nosso caso , são desfavo ráv eis.
Esse relatório deixa no leitor um a se nsação de fracasso , co mo se pode depreen-
der, sem dificuldade, da leitura das rec om end ações no parágrafo anterior. É
evidente que faltou ao s auto res do rel atório a di sp osi çã o de ser tão dir etos assim.
Consideremos em seguida a con ceituação de sucesso e fracasso de p roj etos de
cooperação técnica internacional , utili zand o como exe mplo esses dois casos.

VII. O C ONCEITO DE S UCESSO E I NS UCE SS O D E PRO JE TOS

A atividade de avaliação é lev ad a a efei to com a fina lida de de desco br ir se o


projeto foi um fraca sso ou um sucesso . Os cl ien tes, p atr oci nad or es e a e qu ipe
envolvida, nesse segundo caso, ce rtificam-se de qu e não pe rde ra m seu te mpo
nem desperdiçaram dinh eiro . P ara isso, é preci so disp or de uma definição de
sucesso .
A definição de suces so é um tem a qu e ocup a um a pos ição ce nt ral nos conceitos
530 Antonio Cesar Amaru Maximia no/Roberto Sbragia

de gestão de ciência e tecnologia, precisam ente pel a dificuldade, mencionada no


início deste trabalho, de justificar o in vestimento de esforços e recursos nessa
área e pelo caráter freqüentemente experime ntal dos objetivos, estando as mes-
mas características e o mesmo conteúdo téc nico presentes no caso dos projetos
de cooperação técnica internacional. Além dis so , podemos aproveitar e adaptar
as definições dessa área.
O grau de sucesso dos projetos de ciência e tecnologia é usualmente avaliado por
meio da satisfação de seus clientes ou usu ários, ou outros personagens que deles
participam, tais como os integrantes da própria equ ip e, normalmente em relação
ao grau de atingimento dos objetivos e à qua lida de técnica do resultado final. A
percepção das pessoas desempenha um pa pe l importante: para que o projeto seja
um sucesso , é bastante que ele seja co nsi de ra do como tal por alguém que tenha
autoridade e competência pa ra fazê -lo . Com o a avaliação é subjetiva, é apropria-
do dizer que se trata de uma definição de suces so percebido de projeto (BAKER,
MURPHY e FISCHER, 1974, pp .6 69-6 85 ).

O atingimento de objetivos ou o cump ri me nto das especificações, e a conseqüen-


te satisfação dos especialistas envolvidos na ava lia ção deve referir-se a padrões
específicos de desempenho e não, necessaria mente, a uma apreciação global e
genérica do projeto . Algu ns pa drões qu e são normalmente utilizados na avalia-
ção de projetos de ciência e tecn olog ia podem ser igualmente aplicados aos
projetos de cooperação téc nica internacio n al (SBRAGIA, 1984). Esses padrões
são critérios para o julgamento mais acura do do gr au de sucesso (ou fracasso).
Por exemplo:

Qualidade Técnica

Refere-se ao grau em que os pa drões técnicos especificados foram atingidos


de acordo com o mel hor co nhec imento disponível na organização ou agência
executante. O exame da qualidade técnica do s resultados é também uma
forma de considerar a capacitação técn ica da instituição. É esse um dos
fatores considerados na avaliação do pr ojeto hidrelétrico analisado na pri-
meira parte da seção anterior des te trab alho e o princípio pode ser estendido
a qualquer outro projeto de co ope ra ção técnica internacional : não basta
qualquer solução, a m elhor so lução é o que interessa. É um fator problemá-
tico para ser avaliado, pois pressupõe qu e o avaliador esteja qualificado para
apreciar a qualidade, o que n em se mpre pode ser verdadeiro. Além disso,
quando o objetivo é do tipo institution building, as agências envolvidas
"fazem projeto para aprender a fazer projeto" , ou sej a, para adquirir uma
Avaliação e Determinantes do Sucesso de Projetos de Cooperação Int ern aci onal 53 1

competência da qual não dispõem ain da. Essa m od alida de de ob jetivo com-
promete a qualidade como fa tor de avaliação p el o lad o da agência recepto ra
desse tipo de projeto e induzem um a atitu de de tolerância por parte dos
avaliadores .
Observância dos Custos e Prazo s Estimados

Refere-se ao grau em que os cu sto s r eai s in corridos pelo projeto e seus prazos
efetivos, tanto do ponto de vista glob al como de suas etapas, obedeceram às
estimativas feitas no início. O me sm o estudo de caso do projeto hidrelétrico
evidenciou a importânci a de sse p adrão na avaliação de projetos, segundo a
perspectiva de um tipo de ava lia çã o, qu e no caso era feita p or auditores . O
fato de que o atingimento dos obj et ivos finais e intermediários é o critério
essencial de avaliação do s projetos de cooperação técnica internacional não
deve implicar que prazos e cu sto s sej am negl ig enciados.

Construção de Capacitação Técnica

Refere-se ao grau em que o projeto p roporcion ou contribuições de natureza


técnica para a instituição que a real izou , incluindo capacitações materiais
(equipamentos, labor atório s etc .) e pot en cial idades humanas (novas habili-
dades , formações profissionai s et c.). Como os proj etos de cooperação técnica
internacional são freqüentem ente or ienta dos p ara uma missão de desenvol-
vimento institucional (in stitution bu ilding) , a avaliação do desempenho em
relação a esse padrão é prioritária em alguns casos. O relatór io de avaliação
de impacto do projeto BRA/7 0/55 0 dá gr ande ênfase aos result ados nesse
campo. Normalmente, o qu e se co ns ide ra, co mo aconteceu neste caso , é a
quantidade de pessoas que p assou por es ta ou aque la mod al id ad e de treina -
mento, sem qualquer menção às comp etên ci as adquiri das ou ao aumento da
capacidade de resolução de probl em as. Não parece adequado deixar as coisas
dessa maneira . A avaliação de proj eto s de coo peração técnica internacio nal
deveria levar em conta não ape nas a reali zaç ão de programas educacionais,
mas também seu imp acto sobre a qua lificação da mão -de-obra, traduzida em
competências específic as.

Avanço do Conhecimento

Refere-se ao grau em que o projeto contribu iu par a o estado -da-arte em sua


área temática científico-tecnológica, obtendo res ultados altamente importan-
tes para serem divulgado s. A avaliação dess e padrão , que é um indicador de
532 Antonio Cesar Amaru Maximiano/Roberto Sbragia

desenvolvimento institucional, deveria ser obrigatória nos projetos de natu-


reza experimental. Também um fator relacionado com a capacitação da
mão-de-obra pode ser avaliado, por exemplo, pela quantidade de publicações
técnicas, resultados disseminados por meio de seminários e palestras, con-
sultas atendidas, e assim por diante.
Reconhecimento Externo

Refere-se ao grau em que o projeto contribuiu para a imagem institucional junto


à comunidade, aumentando a credibilidade e o prestígio da entidade como órgão
de pesquisa. O reconhecimento externo é também um dos padrões de avaliação
do desenvolvimento institucional e exige o envolvimento de avaliadores extra-
muros e descomprometidos com a instituição que está sendo avaliada. Não parece
ser esse o caso dos avaliadores do proj eto de recursos humanos do PNUD.
Manutenção da Instituição

Refere-se ao grau em que o projeto contribuiu para a sobrevivência e/ou


crescimento da instituição que o realizou. Essa contribuição é entendida
do ponto de vista da consistência do projeto com as estratégias e priorida-
des institucionais, com os requisitos econômico-financeiros da instituição
e com as necessidades e aspirações dos profissionais envolvidos. É uma
maneira de examinar a forma pela qual o projeto ajuda a instituição a se
sustentar por conta própria.

VIII. DETERMINANTES DE SUCESSO E INSUCESSO DE PROJETOS


DE COOPERAÇÃO TÉCNICA INTERNACIONAL

Uma vez que se disponha de uma noção clara do que seja o sucesso, traduzida
em critérios específicos de avaliação, a questão que se apresenta em seguida pode
ser assim formulada:
Pode-se, desde o início, aumentar a probabilidade de que o projeto, ao final,
venha a ser considerado um sucesso?
Para dar a essa pergunta uma resposta afirmativa, é necessário identificar, para
em seguida procurar reproduzir, as condições que elevem o grau de certeza de
que os resultados finais serão avaliados satisfatoriamente. O objetivo, portanto,
é identificar os determinantes do sucesso, para aplicá-los a fim de assegurar o
êxito do projeto .
Avaliação e Determinantes do Sucesso de Projetos de Cooperação Internaciona l 533

Dispondo-se dos crité ri os segundo os qu ais o projeto será avaliado e dos fatores
que determinam a avaliação positiva, pode- se orga nizar um esquema conceitual
para assegurar a qualidade do ger enciam ento do s proj et os de cooperação técnica
internacional , assim como de qu alqu er out ro tip o de proj eto. Os fatores determi-
nantes de sucesso podem, de antemão, ser classificados em três categorias:
ambiente externo, organização-mã e e organ ização do proj eto. Esse esquema está
representado na Figura 3.
Uma maneira de identificar os fatores det ermin an tes do êxito é a técnica do
incidente crítico , que consist e em escolhe r pr oj et os qu e tenham sido considera-
dos bem-sucedidos e an alisar a forma como eles foram administrados . Um dos
trabalhos mais importantes que utilizou essa técnica fo i ela bo ra do por B ak er,
Murphy e Fisher (1974) .
A bibliografia disponível sobre gerenciam ento de projetos de ciência e tecnologia,
que se baseia na técnica do incidente crítico, perm ite estudar os fatores que se
correlacionam tanto com o sucesso qu anto com o fracasso p ercebido. A pr esen ça
desses fatores gerenciais ou fatore s de gerenciame nto tende a aprimorar o sucesso
percebido, ao pa sso que sua ausê ncia contribui para o fracasso percebido.

FIGURA 3
ESQUEMA DE CORRELAÇÃO ENTRE FATORES DET ER MINA NTES E CRITÉ-
RIOS QUE CARACTERIZAM O ÊXIT O DE UM PRO JE TO

Determinantes de Suces so Cri té rios de Sucesso

Ambiente externo Su cess o ou fracasso

Org aniz ação-mãe

Organização do projeto

Em outras palavras, são causas de sucesso ou fracasso, dep endendo, respectiva -


mente, de estarem presentes ou ausentes, entre outros , os seguintes fatores:
compromisso da equipe do projeto com sua meta;
precisão da estimativa inicial de custo s;
competência técnica adequada da equ ipe do p rojeto;
financiamento adequado;
técnicas adequadas de planejamento e con trole;
pequenas dificuldades no início da ex ecuç ão;
534 Antonio Cesar Amaru Maximiano/Roberto Sbragia

orientação para a tarefa (em contraste com a orientação social);


ausência de burocracia;
presença de um gerente de projeto no local da execução;
critérios de sucesso definidos com clareza. (MURPHY, David; BAKER, Bruce e
FISHER, Dalma. Determinants ofProjectSuccess. NASA, 1974, pp. 15-18.)
O processo de planejamento revela novamente sua importância, mas o gerente
do projeto é a figura principal nesse elenco de fatores, uma vez que ele age sobre
todos os demais. Há um tópico que normalmente se destaca na discussão sobre
o perfil do gerente de projetos: o peso da competência técnica, em contraste com
a competência gerencial. Esse tópico é comentado brevemente a seguir, como
exemplo do impacto de um determinado fator sobre o resultado do projeto.
Não é verdade que o gerente de projeto deva ser mais um administrador eficaz
ou tenha boas habilidades de relacionamento humano do que uma pessoa
tecnicamente competente. As habilidades técnicas são consideradas mais
importantes, seguidas pelas habilidades humanas e depois pelas administrati-
vas, no caso dos projetos de ciência e tecnologia bem-sucedidos. Cientistas e
engenheiros, colocados na posição de gerentes de projetos, freqüentemente
têm mau desempenho de um ponto de vista administrativo e de relações
humanas, mas, por outro lado, alguns dos erros mais dispendiosos foram
cometidos por administradores de competência comprovada, que se aventura-
ram em áreas que lhes eram desconhecidas. Esse tipo de questão, colocada
para debate em grupos de agentes de cooperação técnica internacional, pro-
voca o comentário de que os projetos dessa área sempre têm um conteúdo
técnico-científico, cujo domínio é fundamental por parte do gerente para que
o projeto seja bem-sucedido . Escolher um gerente tecnicamente competente
é, portanto, uma medida essencial para tentar assegurar o sucesso de um
projeto de ciência e tecnologia, valendo o mesmo princípio no campo da
cooperação técnica internacional.

IX. FATORES DE ÊXITO, SEGUNDO PROFISSIONAIS


BRASILEIROS DE COOPERAÇÃO TÉCNICA INTERNACIONAL

Após levar em conta as técnicas de avaliação, os critérios para considerar um


projeto como êxito ou fracasso e os fatores que condicionam o êxito, este
trabalho dedica-se agora a responder à pergunta:
Avaliação e Determinantes do Sucesso de Projetos de Cooperação Internacional 535

No caso dos projetos brasileiros de cooperação técnica internacional, quais


são os fatores de êxito?
Para dar respostas a essa pergunta, um levantamento foi realizado junto aos
participantes dos Ciclos I e 11 do PROCINT. O levantamento baseou-se num
questionário que apresentava uma relação dos fatores propostos por Baker,
Murphy e Fischer, e acrescentava alguns outros fatores de êxito de projetos de
ciência e tecnologia, sendo feito ao final de uma sessão sobre avaliação de
projetos, na qual se apresentou o quadro teórico exposto neste trabalho como
parte do conteúdo.
O questionário apresentava a seguinte orientação :
Com base em sua experiência, liderando e/ou participando da equipe de proje-
tos de cooperação técnica internacional prestada, até que ponto os seguintes
fatores afetaram o êxito de tais projetos?
Os participantes consultados deveriam assinalar suas respostas por meio de uma
manifestação de acordo, dentro de uma escala, com uma série de afirmações,
cada uma das quais correspondendo a um fator presumível de êxito. A escala
tinha 5 pontos:
1= Discordo fortemente
2= Discordo
3= Neutro
4= Concordo
5 = Concordo fortemente
A análise dos resultados, para 31 questionários respondidos integralmente, é
apresentada a seguir, na Figura 4, onde se encontra a tabulação ordenada de todas
as respostas.
Se não há coincidência total, verifica-se bastante identidade entre esses fatores
"mais votados" pelos participantes do PROCINT e a lista de fatores de êxito
apontados na Seção VII deste mesmo trabalho. A predominância dos fatores
internos ao projeto aponta na direção das grandes responsabilidades do gerente
de proj eto, como principal fator de êxito do proj eto de cooperação técnica
internacional, e mostra as tarefas mais importantes que exigem sua atenção e de
sua equipe: o investimento na compreensão do problema que o cliente quer
resolver e a elaboração de um plano bem-preparado para o projeto. Voltando ao
ponto por onde este trabalho começou, a dificuldade de avaliar projetos de
cooperação técnica internacional diminui quando os critérios de avaliação estão
536 Antonio Cesar Amaru Maximiano/Roberto Sbragia

FIGURA 4
TA BU LA ÇÃ O ORDENADA DOS RECURSOS

FATORES DE ÊXITO

A m b iente Externo

1. Feedbac k freqüente da organização funcio nal e do clie nte a respe it o do andam en to do pro jeto

6. Comprometimento da organização -cliente com as metas do projeto 2

8. Opinião pública favo rável a respeito do projeto

9. Baixa incidência de vetos governamentais/i nge rências políticas

10. Min im izaçã o do número de agências públicas e gov erna menta is env olvidas

15. Adequação do financiamento pa ra a execução do pro je to

25 . Interess e do cliente no sucesso do projeto

23 . Alto poder de influência do cliente nas decisões do projeto 10

30 . Capacidade da organização-cliente de absorver os result ad os do p rojeto 14

Organiza çã o -mãe

4. Organização-mãe flexível, adaptada às necessidades do p rojeto 13


5. Organização-mãe do projeto entusiasmada e comprometida com o p rojeto 14
18 . Aus ên ci a de bu roc racia (p rocedime ntos administra tivo s inte rno s) 5 9
28. Segu rança da equipe do projeto quanto à co ntin ui dade do tra ba lho ap ós o pr ojeto term in ad o 5 6
29. Projetos de complexidade muit o inferio r a out ros já desenvolvi dos n a orga nização

Organiza çã o do p rojeto

2. Estrutura organizaciona l adaptada ao projeto, in clu ind o a de fini ção do papel dos at ores e de suas 11 18
r esponsabili dades básicas

3. Procedimentos de acompanhamento e de controle adequa dos , especia lm ente co mo subsídio s p ara 10


decisões

7. Comprometimento do coordenador do projeto com suas me tas 10

11. Exis tência de um bom pla no de pr oj eto com es timati va s re ais de custos e prazos 10

12. Id en tificaç ão co rreta das nec essid ad es do clie nte e do pr oblem a a s er res olvido

13. Comprometimento da equipe com o projeto 14

14 . Capacidade adequada da equipe do projeto para da r ca bo das ativi da des té cni cas 12
16. Dificuldades mínimas para a parti da do projeto, con si de ra ndo os ato re s -chave envolvi do s 12
17. Orie ntação da equipe às ta refas

19. Pr es en ça local do coo r dena do r do projeto

20. Critér ios de sucesso cla ramente estabelecidos e aco r dados com o clie nte 13
21. Adequação das h abilidades ge renciais, huma nas ou téc n icas do coo r dena do r do p roj eto 15
22 . Alto poder de influência e autorida de d o coo rdenador do projeto 9
24 . Con fiança des pertada/B om rel aci on amen to com o clie nte 21
26 . Al ta pa rticipação da eq uipe d o projeto n a tom ad a d e deci s ões e n a sol uç ão de prob lem as 18 11
27 . Est ruturação leve e não excessiva dentro da equ ipe do pr oj e to 16 11
Avaliação e Determinantes do Sucesso de Projetos de Cooperação Internacional 537

acordados entre o patrocinador e o responsável pelo projeto no lado da agência


executante. É verdade que essa definição prévia de critérios não chega a abranger
os resultados imprevistos, que são característicos dos projetos experimentais,
mas os critérios específicos apresentados na Seção VII deste trabalho podem
ajudar nesse sentido.
O exame desses e dos demais fatores indica, finalmente, a importância dos
conceitos fundamentais de gerenciamento para o bom andamento e o resultado
final positivo do projeto de cooperação técnica internacional.
Essa similaridade entre fatores, antes que apontar uma semelhança entre os
requisitos para o êxito dos projetos de ciência e tecnologia e os de cooperação
técnica internacional, permite indicar que há um grupo de técnicas fundamentais
de gerenciamento de projetos nas quais se deve investir prioritariamente se se
pretende chegar ao sucesso. Assumir como verdade inquestionável essa consta-
tação, no entanto, é algo que os dados limitados deste estudo não possibilitam,
e que exige investigações mais profundas.

x. CONCLUSÕES

Este trabalho inicia apresentando as dificuldades de avaliação dos resultados dos


projetos de cooperação técnica internacional. Os objetivos orientados para o
desenvolvimento socioeconômico, conteúdo de ciência e tecnologia, e natureza
freqüentemente experimental são as causas das dificuldades, que emprestam
grande importância à avaliação.

As políticas e as modalidades das principais agências internacionais de coope-


ração técnica são descritas em seguida, para que adiante sejam apresentados dois
estudos de caso, que exemplificam os procedimentos de avaliação por elas
utilizados e os modelos de elaboração de relatórios.
Finalmente, após uma discussão sobre o conceito de sucesso e fracasso de um
projeto e os critérios para mensurá-los, são apresentados os resultados de um
levantamento realizado junto aos participantes dos cursos I e 11 do PROCINT,
que investigou sua percepção de causas de sucesso. Esses resultados confirmam
a importância do processo de planejamento, do compromisso do gerente com o
proj eto, da estrutura organizacional e do interesse do cliente como fatores
críticos para o sucesso do projeto de cooperação técnica internacional.
538 Antonio Cesar Amaru Maximiano/Roberto Sbragia

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TÉCNICA INTERNACIONAL
Negociação de Contratos
Internacionais de Cooperação

Luiz Olavo Baptista

I. INTRODUÇÃO

o tema dos contratos, de cuja negociação vamos tratar, tem sua origem no
conceito de cooperação tecnológica ou industrial internacional.
De início, não havia qualquer diferença terminológica entre cooperação tecno-
lógica e industrial. Visava-se ao mesmo objetivo. Hoje, admite-se que a coope-
ração industrial é uma das modalidades da cooperação tecnológica, cobrindo esta
campos como o dos serviços e da agricultura. A cooperação técnica é uma das
modalidades da cooperação internacional.
A idéia de cooperação internacional lato sensu, embora já contemplada nas
origens da ONU, desenvolve-se no sentido da cooperação técnica, quando da
proposta da chamada nova "ordem econômica internacional", feita pelos países
menos desenvolvidos no seio das organizações internacionais. Trata-se de no-
ções ainda indefinidas, de contornos pouco claros, carregadas de ideologia,
tingidas pelos interesses de quem as emprega. De qualquer modo, uma e outra
passaram a fazer parte do jargão das organizações e das relações internacionais.
No caso do Brasil, a cooperação tecnológica, assim como a posição do país nas
relações internacionais, são conceitos em curso de mudança, que é causada pela
542 Luiz Olavo Baptista

posição ambígua do país - desenvolvido em algumas regiões, subdesenvolvido


em outras, miran do o Pr im eiro M un do com um PIB que o coloca na dúzia dos
maiores, afligido por uma re n da per capita baixa e por uma escandalosa distri-
buição de riquezas. Con form e a situação, os conceitos representam uma linha de
interesses.
A idéia de cooperação que a ABC procura pr aticar - colocando-se ora no pólo
ativo, ora no passivo - most ra be m essa ambi güidade.
Isso se refletirá na necessidade de um a visão dialética do negociador brasileiro da
cooperação. Es te ora se colocará na extremidade "País desenvolvido" , ora na " País
em desenvo lvimento" , isto é, na posição de quem tem a tecnologia dominante, ou
mais avançada ou vice-versa. Será cooperação ora pró-ativa, ora passiva.
Três postulados parecem existir na bas e das relações internacionais, hoje, e
devem ser tidos em conta nas ne gociações em matéria de cooperação internacio-
nal: o comércio in ter nacio na l está em cris e, os investimentos internacionais
também, a ajuda em matéria de te cnologia - pública ou privada - idem.
Com efeito, parece claro a qua l quer observ ador atento que o comércio interna-
cional não se submete às leis de mer cado , e que os termos de troca Norte-Sul
continuam a deteriorar-se. Há flut ua ções no custo de matérias-primas, constitui-
ção de cartéis (OPEP, por exemplo), infl ação mundial, barreiras alfandegárias
ou não , e uma crise no sistema mon etári o qu e se arrasta desde meados dos anos
70 e que dificulta o comércio - tud o contribuin do para uma crise que o sistema
do GATT não consegue reme diar.
D e outro lado, os inves time ntos no s p aíses em desenvolvimento diminuem, as
críticas às empresas tra ns nacio na is conti nua m válidas, os países em desenvolvi-
mento oscilam das medidas pr otecionistas e nacionalistas para os incentivos
desm esurados, como que ten do perdido a justa medida. A dívida externa dos
países em desenvo lvime nto é fa tor poderoso de descapitalização, levando para
áreas de consumo o qu e deveri a se r inve stim ento, tirando o dinheiro de onde
se ria mais necessário para levá- lo onde serve para pagar o supérfluo.
Finalmente, não seria p rec iso repetir as críticas feitas às formas de ajuda ou
assistência fornecidas pelas antigas metrópol es às suas colônias - alcunhadas de
" neocolonialismo tecnol ógico" pelo s argelinos - quando não acusadas de inefi-
cazes por criar os chamados" gu eto s tecnológicos" . Como foi dito no primeiro
Plano de D es envolvim ento Ci entífico e Tecnológico , para que o país continue
subdesenvolvido basta que o estra ngeir o coloque à sua disposição, permanente-
mente, uma tecnologia já pronta.
Negociação de Contratos Internacionais de Cooperação 543

Essa crise, que se arrasta há anos e agora parece atingir sua forma mais aguda,
tem inevitáveis conseqüências políticas, que a passagem da bipolaridade hege-
mônica para a multipolaridade parece agravar, diante da inércia e desorientação
manifesta dos países em desenvolvimento frente a uma nova situação .
Aí ficaria o globo na encruzilhada entre a velha e a nova ordem econômica
internacionais. Opção obrigatória?

1. Origem e Desenvolvimento da Idéia de Cooperação Técnica


Porém, no seio da desordem que é a crise, surgiram algumas idéias que podem
frutificar. Uma delas é a da cooperação internacional.
A expressão, empregada desde a Segunda Guerra Mundial e no vocabulário
diplomático, jornalístico, político, serviu para caracterizar as relações entre os
países, independentemente dos blocos políticos ou situação geográfica e econô-
mica. Houve quem estabelecesse um paralelismo entre esta e a "coexistência
pacífica" .
Não creio que haja texto das Nações Unidas em matéria de relações interna-
cionais no qual a expressão "cooperação" não apareça, desde a Carta das
Nações Unidas (Cap. IX), até a dos Direitos Econômico-sociais dos Estados
(art.24). Trata-se de um verdadeiro leitmotiv, o que nos leva a indagar se não
seria mera redundância em termos de comunicação . Parece que não, embora
alguém dissesse " est ar carregada de hipocrisia, carregada de ingenuidade ou
de contra-senso".
No âmbito das relações Norte-Sul substituiu-se a idéia de assistência tecnológi-
ca pela de cooperação pública - esta classificada em cooperação " de sucessão",
"de formação" e "de equipamento" e, depois, tecnológica e industrial. Isso não
quer dizer que a assistência tecnológica não seja mais praticada. Ao contrário,
ela continua a ocorrer, inclusive sob a denominação de cooperação, especialmen-
te a "de equipamento".
Historicamente, a expressão cooperação foi empregada primeiro no sentido
amplo, "entendida como o instrumento institucional através do qual conciliam-se
interesses individuais dos Estados, o interesse coletivo (vide Carta art. 24) e as
exigências comuns (idem, arts. 8, 9, 15, 30), no âmbito da qual se concluem
acordos setoriais e regionais" (SACERDOTI, 1982, p. 145, tradução livre) .
A participação na cooperaç ão é, aí, considerada como um direito individual de cada
Estado (Carta, art. 12), e a ênfase é dada pela expressão deverão, referida à
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cooperação ; est a baseia-se nos princípios da igualdade e reciprocidade dos benefí-


cios e da eq üidade', como meio de superar as desigualdades (Declaração, §4, b).
Depois, configura-se o perfil da cooperação técnica. Essa decorre do " direito de
cada Estado de participar do progresso técnico científico, expresso de modo tão
categórico como genérico" (SACERDOTI, 1982, p. 146). O art. 13 da Carta do s
Direitos Econômico-sociais dos Estados precisa que essa cooperação se faz no
quadro do dever de promover a cooperação técnica e a transferência de tecnologia.
A noção de cooperação técnica liga-se, assim, à de transferência de tecnologia.
E aí o peso do setor privado aumenta. Muitas das tecnologias que mais interessam
aos Estados devem ser transferidas de empresas privadas para o outro país. Essa
transferência se faz num quadro contratual em que os deveres e direitos das
partes, relativamente ao negócio, são estipulados.
Vejamos, assim, como, em diferentes organizações internacionais, foi contem-
plada a cooperação técnica.

2. A Posição da Comissão das Comunidades Européias


Em 1968, uma " Comunic ação relativa aos acordos, decisões e práticas concerta-
das concernentes à cooperação entre empresas'" indicava a posição oficial da
Comissão das Comunidades Européias quanto à interpretação dos arts. 85 do
Tratado de Roma e 65 do Tratado de Paris. Era a relação dos acordos considera-
dos lícitos, e incluía os destinados a: i) troca de opiniões e experiências, estudo
comum de mercados, realização de pesquis as comuns em matéria de economia e
gestão; ii) cooperação em matéria de contabilidade, garantia comum do crédito,
cobranças, recurso em comum a organismos em matéria contábil, administrativa
e fiscal; iii) execução em comum de projetos de pesquisa, desenvolvimento e
repartição de projetos dos participantes; iv) uso comum de instalações de produ-
ção, armazenamento e transporte; v) associações temporárias para execução de
obras ou encomendas, entre empresas que não são concorrentes ou não se
encontram em posição de concorrência; vi) venda, assistência ao produto em
comum, por empresas que não se encontrem em situação de concorrência; vii)
publicidade comum.

1. Como lembra G. Sacerdot i, "a eqüida de recl am ad a pela cart a não cons is te na simples refer ên cia à obten ção
de um entendime nto con creto entre os Estados sobre a composi ção de simples conflitos de int er esse; essa
dev e ser caracterizada pela conformidade da aplicação dos princípios materi ais aos obj eti vos nela indicados".
Ver, tamb ém , REUTER (1980, pp.165 e ss .) e AKEHURST (1976, pp . 801 e ss .)
2 . JOCE, C-75 , 29 -7 -1968.
Negociação de Contratos Internacionais de Cooperação 545

A comissão, sem definir os acordos de cooperação, mostra encará-los sob a


perspectiva empresarial.

3. O Guia para Redação de Acordos de Cooperação Internacional das


Nações Unidas
Entre as várias publicações da ONU, feitas pela Comissão Econômica para a
Europa, foi aprovado em 21 de maio de 1976 3 um guia prático para ser usado por
redatores de acordos internacionais de cooperação industrial.
Na sua introdução, os autores do Guia acentuam que os contratos de cooperação
(tomando desde logo a posição de que cooperação se regulamenta pela via
contratual) emprestam seu conteúdo dos modelos clássicos do direito econômico
e do comercial, mas que os que fossem elaborá-los deveriam inspirar-se em
normas de direito interno e internacional. Estas, associadas a práticas correntes,
usos e costumes. Referem-se também a contratos de assistência técnica, transfe-
rência de tecnologia e construção de estabelecimentos industriais para dizer que
a simples justaposição desses modelos contratuais ou a sua incorporação num
conjunto ou grupo de contratos não era a solução adequada.
Ressaltando a complexidade e variedade das situações cobertas pelos acordos de
cooperação, os autores do Guia' abstêm-se de formular uma definição:

A novidade relativa do fenômeno de cooperação industrial, as grandes possibilidades


de evolução, assim como a variedade das formas que essa cooperação pode revestir
tornam difícil o estabelecimento de uma definição jurídica da cooperação industrial que
pudesse servir de maneira geral para todas as necessidades às quais esse fenômeno deve
responder.

Em seguida, lembram que um Relatório do Secretariado da ECE havia optado


por uma relação de exemplos que pudessem servir como ponto de partida para a
evolução da noção a partir de uma "very wide-ranging 'work definition ' ,, 5.
Apesar de ssas restrições, uma definição aparece, no guia, ainda que frouxa,
considerando como

3. ECE. TRADE 124 reproduzido em DPCI (1976 , tomo 2, n. 4, pp. 647 e ss.) . Ver , também a propósito da
cooperação Lest e-Oeste, BEHRMAN, (1984, cap o7, pp. 143 e ss.).
4. Foram peritos convocados dos seguintes países: Áustria, Bélgica. Bulgária, Dinamarca, Finlândia, Fran ça,
Hungria, Itália , Noruega , Países Baixos, Polônia, RFA, Rumênia, Reino Unido, Suécia, Suíça , Tchecoslováqu ia,
Turquia, EUA, URSS, Iugosl ávia e, como observadores, representantes do GATTI , OMPI , CEE e CC!.
5. Ana Iytical Report on I ndustrial C ooperation am ong ECE Countries, e/ece/844/t ev. 1, n. de venda E.73.11.E.11 .
546 Luiz Olavo Baptista

contratos de cooperação industrial as operações que, indo além da simples venda ou


compra de bens e serviços, implicam a criação , entre partes pertencentes a diferentes
países, de uma comunidade de interesses de certa duração, visando à obtenção de
vantagens recíprocas para as partes interessadas. Esses contratos relacionar-se-iam
inter alia ao seguinte:

i) transferência de tecnologia e de experiências técnicas;


ii) cooperação no domínio da produção, aí compreendida, quando apropriada à coope-
ração na pesquisa e desenvolvimento da especialização das produções;
iii) a cooperação na valorização de recursos naturais; e
iv) a comercialização em comum, ou por conta comum, de produtos resultantes da
cooperação industrial nos países das partes ou em terceiros mercados .

Essa definição reporta-se ao Relatório mencionado, que indica como cooperação


industrial

as relações e atividades econômicas decorrentes: a) de contratos estendidos por vários anos,


que vão além da simples compra e venda de bens e serviços para englobar operações que
se completam ou se aliam (no nível da produção, do desenvolvimento e da transferência de
técnicas, da comercialização etc .) e b) de contratos que foram designados como contratos
de cooperação industrial em acordos bilaterais ou multilaterais.

o Relatório focaliza seis diferentes tipos ou categorias de contratos que se


encaixariam na idéia de cooperação: fornecimento de fábricas ou cadeias de
produção completas, com o pagamento sob forma de produtos destas; co-produ-
ção ou especialização; subcontratação (ou subempreitada) ; operações em asso-
ciação ; apresentação conjunta de projetos ou atuação conjunta na construção (do
tipo dos nossos consórcios para obras).

4. A Cooperação na CNUCED
Como se sabe, a finalidade deste organismo é a promoção do desenvolvimento.
Assim, a cooperação deveria ser encarada nessa perspectiva e, com efeito, a
Resolução 131(XV) assim se exprimia sobre o tema: "Para facilitar a reestrutu-
ração industrial, seria necessário chegar a uma expansão e diversificação subs-
tancial e contínua dos artigos manufaturados ou semi-acabados dos países em
via de desenvolvimento por meio de uma cooperação internacional".
A Conferência encarregara o seu secretário-geral de proceder a estudos visando
à elaboração e aplicação de acordos apropriados de cooperação e colaboração
Negociação de Contratos Internacionais de Cooperação 547

industrial, à vista da conhecida Resolução 2152(XXI) da Assembléia Geral, de


17 de novembro de 1966, parágrafo 29, parte 11. Segue-se uma fase de estudos,
que se caracteriza, no início, por documentos em que a palavra colaboração e o
termo cooperação são usados indiferentemente, como sinônimos. Assim, encon-
tramos estudos sobre a " Coop eração industrial entre países socialistas da Europa
Oriental e países em desenvolvimento : estudo do Secretariado da CNUCED"
"Acordos de cooperação e colaboração industrial no quadro da restruturação
industrial" "Problemas atuais da integração econômica: cooperação agrícola e
industrial entre países em desenvolvimento "! 8 .
O conceito de cooperação é praticamente o mesmo da Comissão Econômica para
a Europa, mas surgem algumas particularidades, em especial quanto aos contra-
tos , pois encaram-se aqueles :
que foram concluídos por prazo de vários anos entre parceiros pertencentes
a países de diferentes sistemas econômicos e sociais ou graus de desen volvi-
mento industrial, e que vão além da venda e compra de bens e serviços para
englobar um complexo de operações complementares ou solidárias; e
que estipulam que as operações complementares ou soÍidárias tinham suas
fontes em setores industriais dos países cooperanies! 9 .
É interessante notar que a CNUCED registra que esses contratos se fazem no
quadro de acordos intergovernamentais. Estes são os conhecidos tratados de
cooperação técnica e comercial.

5. Outras Fórmulas
Os Estados-membros da CEE apresentaram à 7 a Assembléia Geral Extraordinária
uma declaração em que se diziam dispostos a reforçar a cooperação industrial
com os países em via de desenvolvimento em matéria de industrialização, e
apresentaram proposta relativa às formas de cooperação entre países desenvol-
vidos e países em desenvolvimento que, entre outros aspectos, prevê um meca-
nismo de consultas e incentivos visando favorecer a criação de complexos
industriais nos países em desenvolvimento, propondo, também, que se desenvol-
vam estudos em matéria de acordos de cooperação industrial! 10.

6. TD/B/3S0.
7. TD 185, Supl 3, 12 de mar ço 1976 .
8. TD/B/374, pubI. da ONU, n. de venda E.73 .II.D .7.
9. Ver estudos TD/B/3S0 e TD/B/490, Rev.1.
10. Exposição da posição da Comunidad e Européia à Comissão Especial da 7ª AGINU, A/AC, 176/2.
548 Luiz Olavo Baptista

Os chefes de Estado do Commonwealth, no seu relatório sobre a nova ordem


econômica internacional, privilegiam um enfoque bilateral da cooperação, que
poderia ser "potentemente reforçada pela formulação de um enfoque global que
permitisse definir os objetivos comuns dos governos e reunir nos elementos
necessários ao desenvolvimento industrial"!' .
Como se vê, o conceito de cooperação é vago e indefinido. Não se sabe, de início,
se se visa à cooperação entre Estados, entre eles e particulares, ou apenas entre
eles. Nem se definiu até hoje, com precisão, o termo.
Do ponto de vista psicológico a cooperação " é o contrário da autarquia, é o
contrário da ausência de relação ...", porque " ela cria entre os participantes uma
certa comunidade de interesses, uma certa interdependência, [capaz] não de
suprimir os antagonismos ou as divergências, mas de cri ar as condições para
ul trapass á-Io s"¹².
Todavia, para efeito deste trabalho importa apenas saber se a idéia de cooperação
tem suficiente consistência para permitir uma análise jurídica. Cabendo esta,
cumpre situar a cooperação técnica no universo jurídico e examinar o processo
de que se origina. O conceito político ou o econômico serão os informadores do
conceito do Direito, na tentativa que se fará .
A idéia de comunidade de interesses, a de interdependência, e a voluntariedade
dos atos que conduzem à cooperação indicam, no campo jurídico, o das obriga-
ções.
Os personagens apontados neste breve trajeto também permitem indicar dois
tipos de acordos: os acordos entre Estados, e os contratos entre Estados e
particulares ou entre estes.

11. CONTRATOS DE COOPERAÇÃO - CONCEITUAÇÃO

A primeira conclusão a que poderíamos chegar, com base na prática, é que nem
tudo o que se apresenta como cooperação internacional cabe numa só categoria
(ao menos do ponto de vista jurídico).
As várias definições examinadas, sejam as da ONU, da Comissão Econômica
para a Europa e da CNUCED (que definiu a cooperação entre países do Norte e

11. " Ve rs un Nou veau Ordre É conomique International" , Secretariado do Commonwealth, código NAC ,
176/5 , § 99.
12. Idem , p. 18.
Negociação de Contratos Internacionais de Cooperação 549

do Sul) contêm um núcleo comum. É que a cooperação " designa toda empresa
que permite a atores internacionais atingir objetivos estabelecidos em conjunto,
colocando em comum determinados meios" (TOUSCOZ, 1980, p. 17) .
Daí dois elementos se destacarem: identidade de objeto do contrato e comuni-
dade de meios. Um olhar superficial ao campo jurídico apontari a para a socieda-
de, como forma contratual, o que a referência à empresa parece reforçar. Entretanto,
há elementos que afastam essa idéia, em especial a complexidade e diversidade
das prestações recíprocas que formam o acordo , contrato, ou grupo de contratos
que corporificam a regulamentação de determinada cooperação e que incluem
aspectos tanto de bilateralidade como de unilateralidade.
Como acentuava Edgar Morin (1977), toda relação é a uma só vez antagônica,
concorrencial e complementar. Esses elementos ach am-se presentes na coope-
ração.
No âmbito dos contratos internacionais, o exemplo mais típico do antagonismo
é a compra e venda, contrato cujo equilíbrio é " result ante de um compromisso
entre interesses antagônicos por definição,,13 . Na cooperação também encontra-
mos o antagonismo entre as prestações e aspirações das partes.
Uma tecnologia é usualmente cedida ("vendida"). Há ainda, simultaneamente,
os aspectos concorrencial e complementar, pois sem a junção dos esforços das
partes a tecnologia não é transferida ou desenvolvida, e há elementos diferentes
(e complementares) aportados pelas partes.
Aparece, assim, uma distinção entre dois tipos de relacionamento: o antagônico
e os de cooperação (concorrencial e complementar) que impedem a caracteriza-
ção do instrumento da cooperação como contrato de sociedade. Diante de que
contrato estaríamos, então?
Não se trata de mera transferência de tecnologia, ou assistência técnica, tampou-
co de compra e venda de bens ou serviços.
Esses elementos fazem com que a cooperação tecnológica participe de uma
classe de contratos complexos internacionais (algumas vezes existentes no seio
de um só país} " que inclui os contratos de fornecimento de equipamento (sim-
ples, " chaves na mão ", ou "produtos no mercado") de construção , de transferên-
cia de tecnologia, de know-how, grupo esse em que os contratos de cooperação

13. Phillipe Kahn , nota int rodutória ao simpósio L es Contracts internationaux de coopération industrielle et
le nou vel ordre écon omique international. Nice , 14 a 16/06/1979.
14. São os chamados contratos de cooperação entre empresasa. Ver, a propó sito, MERCADAL e JANIN
(1974).
550 Luiz Olavo Baptista

internacional participando partilham de elementos comuns sem se identificar


com nenhuma dessas categorias, que já são conhecidas.
Como apontou Guggenberger,

salvaguardando em princípio sua autonomia, não somente jurídica como econômica,


as empresas cooperantes repartem entre si as tarefas e as funções segundo suas
próprias competências , a fim de realizá-las da melhor maneira graças à ajuda de um
dos demais parceiros .. . Esses contratos se diferenciam de outros bilaterais, menos
do ponto de vista estritamente jurídico, do que pelo fato de as partes aí manifestarem
uma confiança mútua considerada essencial. Segundo o princípio da liberdade
contratual , fundamento do direito alemão das obrigações como dos outros direitos
europeus, pode-se empreender, pela via do contrato, todas as realizações concebidas
desde que não se choquem com uma proibição legal... (GUGGENBERGER, 1977,
p.475).

Foi a partir do grande impulso do comércio internacional, que se sucedeu à


Segunda Guerra Mundial, que começaram a surgir fórmulas jurídicas novas,
caracterizadas pela complexidade e pelo caráter híbrido das suas prestações.
Com efeito, os novos tipos contratuais eram constituídos a partir de caracterís-
ticas de modelos mais simples já existentes, combinadas entre si. O procedimen-
to não era inédito, mas nunca havia atingido tal amplitude e variedade. Em geral,
procurava-se manter a fidelidade aos modelos existentes, tanto na sua elaboração
quanto na análise teórica. Como se acentuou, "[mas] essa atitude não pode convir
aos acordos de cooperação. Suas aplicações são tão numerosas e variadas que
uma renovação profunda das técnicas contratuais se impõe. O contrato penetra
efetivamente em domínios que não se esperava" (MERCADAL e JANIN, 1974,
p. 16) .
Do ponto de vista de sua elaboração, os contratos de cooperação tecnológica
apresentam três elementos, fundamentais e críticos: i) o da equivalência de
prestações (que nos reduz à problemática da avaliação das tecnologias trans-
feridas e das prestações dadas em troca); H) os mecanismos de controle,
gestão, decisão etc.; e ií i) as garantias (em sentido amplo) que as partes devem
dar umas às outras, em penhor, das obrigações contraídas e de seu fiel
cumprimento.
Sob esse prisma poderíamos aproximar os contratos de cooperação industrial das
joint ventures especialmente da fórmula non corporate'", ou dos consórcios.

15. Ver BAPTISTA (1962, pp. 263-283) para uma descrição destas.
Negociação de Contratos Internacionais de Cooperação 551

Entretanto, o aspecto psicológico que informa a criação de uns e outros é


diferente, pelo que é imprescindível distingui-los.
Essas características dos contratos de cooperação nos levarão a um tipo especial
de negociação, que não é a chamada zero sum, em que as partes têm a ganhar
pela complementaridade de seus objetivos, e em que os negociadores devem
desempenhar um papel cooperativo, mais que contestatório, em que a dimensão
distributiva é ofuscada pela integrativa e as dimensões relacional externa e
interna se equilibram.

II I. NEGOCIAÇÃO DA COOPERAÇÃO TÉCNICO-INDUSTRIAL

Já se definiu a negociação como "um processo dinâmico de ajustamento pelo


qual duas partes, cada uma com seu objetivo, conferenciam para buscar um
acordo mutuamente satisfatório"! 16 .Essadefinição,aquerecorremostão-somente
para ressaltar alguns elementos básicos do processo negocial, aponta para:
o caráter dinâmico do processo;
a existência de objetivos diferentes das partes; e
a busca de um acordo mutuamente satisfatório.
Tratando-se de negócio complexo, os acordos de cooperação têm aspectos de
contrato sinalagmático e de contrato associativo .
Os objetivos são, em geral, distantes no tempo, complexos e difíceis de atingir.
Daí, logo se deduz que a ação do tempo causará a evolução das circunstâncias
que cercaram a sua concepção, por causas, muitas delas, independentes da
vontade das partes. Surge, então, a necessidade, por um lado, de garantir a
segurança e estabilidade das obrigações recíprocas e, por outro , de permitir a
adaptabilidade das respectivas prestações das partes às novas circunstâncias que
emergirem no curso da execução.
Estabilidade e flexibilidade parecem ser as palavras-chave na elaboração dos
contratos de cooperação.
Como toda dinâmica, o processo negocial deve ter um início ou ponto de partida.
Se a sua razão de ser é a busca de acordo sobre objetivos de cada uma das partes,
a descoberta e determinação desses é passo necessário para se chegar ao acordo .
Assim, a negociação começa antes dos encontros com a parte contrária, no

16. P.D.V. Marsh, Contract Negotiation Handbook.


552 Luiz Olavo Baptista

momento em que, para saber se ela ocorrerá, os obj etivos das partes são deter-
minados" É nesse ponto que deve ocorrer o período da preparação.

1. Preparação, Etapa Fundamental


A preparação inclui alguns pontos importantes, que podemos classificar em
diversas etapas.
A primeira é a dos aspectos investigativos ou de pesquisa, que consiste na coleta
de informações gerais sobre o mandato do negociador (próprio e do outro), a
economia, a outra parte, os produtos em si mesmos e em realação aos mercados
existentes (futuros ou suas tendências), as possíveis áreas de cooperação, as leis
nacionais dos países envolvidos, bem como quaisquer tratados ou acordos inter-
nacionais que afetem o quadro da cooperação e, finalmente , a logística da
eventual viagem.
A segunda é analítica e valorativa. E é o ponto crucial da preparação e tem início
com o preparo do dossiê do negociador e do projeto a ser apresentado e negociado .
Aqui também o enfoque jurídico aparece. Com efeito, no correr do processo de
negociação cada uma das partes vai se comprometer (muitas vezes legalmente, mas
pelo menos moralmente) por sua proposta inicial, ou por ter feito concessões.
Aparece, pelo simples fato de se ter iniciado as conversações da negociação, um
quadro muitas vezes prenhe de outras conseqüências jurídicas que as resultantes
de promessas ou concessões explícitas.
Assim, a preparação deve prever não só a determinação do grau de compromissos
que se pode ou pretende assumir, como os estádios do internegocial em que eles
ocorrerão.
À preparação segue-se um período de conversações, ou busca de acordo, ao qual
pode suceder-se a reavaliação de objetivos, táticas, posições e resultados, antes
de novas rodadas de discussão , até que o acordo sej a alcançado ou a negociação
se interrompa.

17. Já se apontou para o fa to de qu e " in practise pr eparation is oft en the weakest compone nt of negotiation
performance. EspeciaIly is this true for developing country negotiators, relative to their industrialized
country counterparts... Not frequentl y, developing country negotiators arrive at the bargaining table with
an ade quate grasp of the technical issues. They arrive having app arently giv en little ad vance thought to
points of likely conflict between the negotiating parties , or to promising stra tegies for resolving th e
conflicts. Lacking a firm foundation , these negotiators may rigidly adhere to extreme opening positions,
and a resort to ideological speechmaking in place of reasoned persuasion. This resulting negotiating climate
can soon deteriorate to mutual frustration, rising emotional temperatures, and deadlock" (DORDRECHT,
1990, p. 95) .
Negociação de Contratos Internacionais de Cooperação 553

Os aspectos preliminares de uma negociação (de exportação de bens ou serviços,


ou qualquer outra, inclusive a dos contratos de cooperação) de caráter internacional
consistem na coleta e organização de informações vitais para a sua preparação.
Essas são gerais (ou de caráter genérico) e específicas (relativas ao obj eto -
técnicas e de mercado - às partes envolvidas - situação financeira, posição no
mercado etc.).
Mas o planejamento envolve também o ambiente em que a negociação se desen-
rola, o qual a influencia e por ela é, de certa forma, influenciado. Por isso, a
preparação exige enfoques prosaicos, embora necessários, como o de cuidar dos
asp ectos logísticos e de coleta de informações básicas.
Segue-se aquela atividade, mais delicada, da análise e organização dos dados e
do estudo prévio do teor provável e aceitável do acordo visado. Essa fase deve
repetir-se posteriormente, no curso da negociação, mas aí já como reavaliação
de dados e táticas.
Durante a etapa de pesquisa, ocorreu a coleta de informações gerais sobre a
logística da viagem, a respeito do bem ou serviço objeto da negociação e dados
relativos às pessoas e entidades com quem se negociará. Tais informações são
sempre referentes ao próprio negociador e à parte que representa, sendo que o
grau de aprofundamento ou amplitude varia conforme a negociação. A cada
"rodada", colhidas as informações fornecidas diretamente ou indiretamente pela
outra parte, deduzidas ou intuídas, os dados coletados na preparação são revistos
e atualizados, para confirmação ou mudança.
As informações de caráter genérico cobrem os vários aspectos que permitam
situar o negócio dentro de determinado quadro, o qual, por sua vez, age como
pano de fundo para o dimensionamento das propostas e contrapropostas dos
negociadores.

a. Informações Relativas ao Objeto da Negociação

Essa pesquisa inclui, entre outros, dados relativos a:


a) escolha does) alvo(s) dos negócios (local , parceiro, fornecedor, transporta-
dor, banco etc .) e motivação da escolha;
b) coleta de informação sobre o país de destino dos serviços, sobre a(s) empre-
sa(s) ou pessoas que possivelmente os adquirirão;
c) coleta de informações de natureza jurídica - restrições não-aduaneiras, proi-
bições, boicotes, normas sanitárias, sistema de pesos e medidas etc.;
554 Luiz Olavo Baptista

d) atualização em relação a tarifas aduaneiras, custos e alternativas de transpor-


te etc. nos países envolvidos na negociação, e organização das anotações a
respeito .
Ainda nessa etapa da preparação, além da coleta de informações de caráter geral, há
que se buscar as relativas ao objeto específico da negociação - inclusive uma revisão
dos conhecimentos (técnicos e comerciais) existentes, e a coleta e classificação dos
dados a serem fornecidos ao outro lado. Adiante veremos como há expectativas de
um e outro lado, assim como divergência de ênfase em determinados aspectos.
O custo comparativo dos produtos que provavelmente resultarão da cooperação
técnica; a metodologia de comercialização desses produtos; a duração prevista
para a cooperação e as linhas gerais em que ela se desenhará, são outros
elementos a serem determinados.

b. Identificação do Interlocutor

A coleta de informações sobre a outra parte é vital nas negociações, e do seu


volume e qualidade depende um bom resultado. Com efeito, a negociação é um
processo de troca de informações que poderíamos comparar a um jogo de
dominós: cada lado começa por colocar as suas piores pedras, reservando as
melhores, estrategicam ente, para o final. À medida que o jogo se desenvolve, um
bom jogador passa a imaginar que pedras ainda sobram para seu adversário, e a
jogar de molde a poder se posicionar melhor. Isso envolve o conhecimento dos
elementos envolvidos (as pedras), o estabelecimento de uma estratégia (seqüên-
cia de colocação das pedras) baseada nesse conhecimento, para alcançar certo
resultado, e uma troca de informações (a colocação das pedras do outro sobre a
mesa) que permita ir refinando a estratégia.
É necessário descobrir quem é o interlocutor. É preciso identificá-lo, saber se é
aquele que pode decidir só ou se é mandatário, qual o alcance de seu mandato
etc. Em geral, tratando-se de empresas, é preciso saber localizar no organograma
a pessoa com quem se irá negociar, e conhecer como é o processo decisório.
Em seguida, é preciso identificar a entidade ou empresa, conhecer o seu perfil.
Não é menos importante saber qual a imagem da entidade e de seus dirigentes
no local em que atua. Essa imagem dará informações preciosas na hora de impor
ou aceitar determinadas condições".

18. Agências bancárias - por exemplo do Banco do Bra sil ou do Banespa - costumam ser boas fontes desde
que se saiba interpretar as informações e verificar o relacionamento do banco com o outro lado. Também
qualquer outro banco , que não seja aquele onde os negócios da outra parte se concentram, merecia ser
Negociação de Contratos Internacionais de Cooperação 555

o nível técnico e de especialização, a possibilidade de se fazer uma transferência


adequada de tecnologia, a posição econômico-financeira e as perspectivas da
outra parte, sua posição adquirida no mercado e a sua atitude em relação ao
eventual acesso da sua contraparte, são também elementos a serem investigados.

2. O Dossiê da Negociação
Uma vez terminada a fase de coleta de informações, deve-se proceder à monta-
gem de um dossiê inicial. Este será integrado pelas informações de natureza
geral, as concernentes ao produto e as relativas à outra parte. O dossiê é
necessário porque toda informação sem organização é inútil. Nele, o planejamen-
to logístico é um dos capítulos, e será aumentado, modificado e corrigido no
curso da negociação. Servirá para orientar o negociador nessa e, se bem feito,
talvez em negociações futuras.
O dossiê deve ser encarado como um roteiro de navegação, que o piloto modifica
segundo os acidentes da viagem, e como um diário de bordo em que os fatos
significativos são anotados para futura referência e registro, e também como um
manual que sirva para se aprender através do reexame de erros e acertos.

a. Elementos que Compõem o Dossiê

O dossiê conterá sempre alguns elementos: uma análise preliminar (quadro


referencial da negociação, objetivos do negociador), o planejamento estratégico
(estratégia ou plano de negociação), terminando, sempre, com um sumário ou
roteiro que servirá de guia de trabalho para o negociador. Na elaboração do
dossiê deve-se testar o próprio quadro referencial de negociação, o plano de
negociação e, evidentemente, processar os dados recolhidos na etapa preliminar.

b. Análise do Dossiê

Nesta fase, deve-se examinar a consistência da noção de objetivos, delineada


anteriormente pelo negociador, nas duas frentes em que ocorre uma negociação
de contratos de cooperação:
a) Negociabilidade interna: o negociador é, em geral, um agente, um repre-

. consultado. É surpreendente o quanto gerentes de banco sabem sobre entidades e pessoas, inclusive sobre
sua vida privada, e estão dispostos a contar após um bom jantar. Empresas que atuam no local são outra boa
fonte de informação , assim como são excelentes fontes pessoas e empresas que já realizaram negócios com
aqueles indivíduos ou empresas.
556 Luiz Olavo Baptista

sentante ou mandatário. Por isso , deve ter em conta que suas metas precisam
ser consistentes com precedentes e costumes. Outras pessoas na organização,
talvez superiores hierárquicos do negociador, avaliarão os resultados. Essas
metas compõem o termo de referência ou carta de missão. Há discussões e
negociação interna porque dentro de cada organização há diferentes interes-
ses que podem não estar balanceados no momento em que a negociação
externa tem início, ou podem se desbalancear no curso desta.
b) Negociabilidade externa : começa a ser avaliada quando nossa atenção se
volta para a difícil tarefa de procurar determinar as posições e objetivos do
outro. Duas perguntas desde logo se colocam: 1) saber se o objeto é negociá-
velou apropriado para uma negociação ; 2) se o quadro imaginado por nós na
preparação, e nossas metas, são , pelo menos, discutíveis.
Para que uma negociação tenha andamento é preciso que haja partes claramente
definidas (veremos adiante) que desejem negociar e, mais importante, cumprir
o acordo resultante da negociação. É necessário determinar se o objeto está
"ma duro" para a negociação (algum dos participantes teria alguma vantagem se
pudesse usar a negociação para ganhar tempo ?; demonstrou disposição para
negociar?) , se há um " campo comum" ou coincidência de objetivos, e se há
objetivos totalmente conflitantes [v. Quadro I]. Em havendo, verificar se são
inarredáveis e incontornáveis para a outra parte.

c. Elaboração da Estratégia

O plano ou roteiro de negociação deve responder às questões tradicionais dos


planos: o que, quem, como, quando e onde?
Essas questões, concretamente, endereçam-se às metas, ao negociador (indivi-
dual ou grupo), à pesquisa que dará suporte aos argumentos e posicionamentos,
à agenda e local da negociação .
O plano parte do mandato do negociador, que já deve ter sido firmemente
estabelecido e, se confirmado quanto aos poderes específicos, passa-se a seguir
à chamada análise ou teste de empatia, que é a verificação empírica de como o
plano será recebido pelo outro lado e por seus negociadores. Em suma, como
deve ser apresentado de modo a torná-lo simpático, maximizando-se os interes-
ses da outra parte que foi identificada.
A seguir, são estabelecidos os limites máximos de flexibilidade, pois o plano não
pode ser rígido. Há dois tipos de flexibilidade: a do plano e a dos objetivos.
Quanto maiores esses limites, mais possibilidade de negociação existe.
Negociação de Contratos Internacionais de Cooperação 557

A flexibilidade deve ser obtida a partir da verificação cuidadosa das assunções com
base nas quais o plano foi estabelecido. O questionamento das assunções é, então, uma
etapa básica do planejamento, que deve continuar a ocorrer no curso da negociação.
Como o plano é meio, a flexibilidade é máxima e, sendo os objetivos o fim, a
flexibilidade é menor e deve ser compensada por vantagens alternativas. A
estratégia de negociação começa pela " apresentabili dade" dos objetivos ou
propostas.

d. Preparo da Proposta Inicial

Segundo a teoria tradicional no direito , os contratos têm origem na formulação,


e posterior aceitação, de uma proposta.
Esta é denominada de proposta inicial, pois podem suceder-se contrapropostas,
ou a sua reformulação. Na prática, ocorrem poucos negócios em que o contrato
decorre de um procedimento tão simples. O processo de negociação é um suceder
de propostas e contrapropostas, sucessivas e tentativas, até se configurar um
encontro de interesses e vontades.
O contrato reflete as tratativas consolidadas no momento do encontro de vonta-
des, e os diferentes aspectos aparecem nas cláusulas que correspondem a posi-
ções diferentes e refletem as obrigações e expectativas de cada uma das partes.
Outro elemento que o negociador deve ter presente são as condições financeiras e os
meios de pagamento ao seu dispor. Assim, prazos e limites para pagamento de parcelas
do preço, flexibilidade do câmbio e outros aspectos correlatos devem ser lembrados.
Uma pesquisa deverá ter sido feit a quanto aos custos relativos dos diferentes meios
de garantia e pagamento - comissões bancárias, custo dos colaterais, ônus credití-
cios etc. -, bem como quanto à existência de concorrentes. Esta é fundamental para
permitir a comparação e verificação dos elementos oferecidos por um , mas não por
outro, elementos estes que se deseja exigir ou oferecer e que farão parte do contrato.
Todos esses aspectos devem ter sido levados em conta quando da formulação da
proposta inicial, tendo em vista cobrir os pontos essenciais para quem a apresen-
ta. Não se trata, ainda, de redigir o contrato, mas de refletir sobre seu conteúdo .
Se existem cláusulas que devem constar de todos os negócios, e outras que são
típicas de determinada atividade ou empresa, há também aquelas que visam a
proteger interesses precisos de compradores ou adquirentes e vendedores ou
fornecedores. Essas cláusulas refletem a postura de uns e outros no contrato e
serão objeto da sua negociação.
558 Luiz Olavo Baptista

IV. NEGOCIAÇÃO DOS CONTRATOS DE COOPERAÇÃO

1. Importância do Contrato para a Negociação


É no contrato que desembocará a negociação, se bem-sucedida. Ele registrará
aquele momento de encontro de vontades das partes que produzirá as obrigações
recíprocas que, se executadas, configurarão a cooperação técnica.
O contrato proporcionará às partes o meio de:
a) registrar o acordo feito, preservando aquele momento de equilíbrio de inte-
resses;
b) permitir a prova do negócio feito e, portanto, a execução judicial forçada ou
a cobrança de perdas e danos.

a. Condições de Validade e Efeitos do Contrato


O contrato apresenta certas condições típicas de sua validade, quase universais:
vontade livremente expressa (portanto, partes capazes), objeto lícito e forma
prescrita pela lei (ou não proibida) .
Quando falamos de contrato, convém lembrar que , no comércio , tanto pode ser
necessário um contrato singular como um grupo de contratos ligados entre si para
conter todos os aspectos de um negócio. Assim, tanto nas exportações, como nas
importações, sempre nos encontramos diante de contratos principais, como os de
fornecimento de bens ou serviços, e ancilares, como, por exemplo, os de seguros
de crédito, transporte, garantias bancárias, créditos documentários, inspeção etc.
Quando há um grupo de contratos, é preciso que nas tratativas as principais
disposições dos mesmos estejam delineadas no contrato principal, a ponto de,
contendo as cláusulas fundamentais, permitir a elaboração de cada um dos
contratos ancilares de acordo com aquele .
Na terminologia jurídica, o papel que contém as condições e cláusulas acordadas
pelas partes é o instrumento, freqüentemente confundido com o contrato (que é
imaterial e pode ser tanto oral como por escrito, solene e público, ou particular).
O instrumento do contrato tem grande importância para a prova do acordo a que
os negociadores chegaram e, na maioria das vezes, as pessoas usam-no sempre
que o negócio se reveste de alguma complexidade e é único ou singular. Usare-
mos a expressão " contrato" na dupla acepção (a própria e a de instrumento de
contrato), como é de uso corrente, para maior facilidade. Convém, entretanto,
ter presente a distinção para empregá-la quando necessário.
Negociação de Contratos Internacionais de Cooperação 559

Uma palavra deve ser dita aqui sobre os meios de prova. Nos diversos sistemas
jurídicos, há em comum a circunstância de a prova de um fato ou evento poder
ser feita de modo verbal (testemunhas, confissão), escrita (documentos diversos)
ou através de outros meios de registro dos fatos (filmes, gravações, programas
de computador etc.). A prova escrita é a mais fácil e, em geral, a privilegiada em
juízo. Nos negócios de natureza civil, a prova escrita predomina nos de natureza
comercial, estando pelo menos no mesmo nível de outros meios de prova. Assim,
um instrumento de contrato, assinado pelas partes, é uma prova excelente. Por
outro lado, telex e telefax estão sujeitos a maiores dúvidas, pois há grande temor
de falsificação.

b. Elementos dos Contratos de Cooperação Técnica

No caso dos contratos internacionais de cooperação técnica há, no início, uma


desigualdade básica entre as partes, e esta deverá ser compensada monetariamen-
te pela entidade receptora ou por um terceiro agindo em seu favor.

Se uma compensação adequada não tiver sido alcançada, a relação será mais comple-
mentar que comunitária, ficando, assim, frustrado o objetivo básico do contrato, que
é a cooperação. Esta subentende uma obra comum, feita com a participação dos
contratantes, portanto, mediante aportes ou contribuições baseadas na equivalência,
reciprocidade ou proporcionalidade, quando a igualdade não for possível.
Como se pode imaginar, a desigualdade inicial vai sendo superada à medida que
o parceiro mais fraco se desenvolve econômica e tecnologicamente, e, quando
isso ocorre, pode-se pensar em ações verdadeiramente comuns onde a estrutura
da cooperação fica clara.

Por isso, o contrato de cooperação prevê tipos diferentes de relacionamento no


seu curso: distributivo e bilateral, quando ocorre venda ou fornecimento de
equipamentos, materiais etc; complementar, quando há cessão de know-how e
tecnologia, e onde o embrião da cooperação aparece; e, finalmente, relações
conjuntas e comuns de caráter igualitário e unilateral, que se evidenciam na
compleição do contrato ou, desde logo, nos contratos de cooperação em que há
igualdade tecnológica e econômica entre as partes. Neste último caso, a seme-
lhança com as formas associativas é marcante.

Convém por isso examinar os aspectos antagônicos e complementares, pois estes


são os que mais aparecem nas primeiras fases do contrato e os que são mais
difíceis de negociar de modo cooperativo.
560 Luiz Olavo Baptista

2. Postura do Adquirente - A Perspectiva da Redução dos Riscos


o adquirente de bens e serviços tem em mente, ao celebrar determinado negócio,
diminuir os seus riscos.
Estes residem em três pontos principais: no pagamento de parte do preço antes
da entrega do bem ou serviço , no atraso no fornecimento e na má qualidade do
bem ou serviço.
Para todos os riscos em que a preparação conscienciosa da negociação deve ter
apontado, será preciso elaborar cláusulas que visem a diminuir seus efeitos ou
exigir garantias paralelas.

a. Risco de Inadimplência Total

o risco de inadimplência total ocorre, em geral, quando há antecip açã o do preço.


Qualquer pessoa tem na sua crônica familiar uma história de serviço contratado
e pago adiantadamente, e não recebido . No âmbito internacional essa descon-
fiança aumenta, e com razão. Em vista disso , é raro o pagamento de todo o preço,
antecipadamente. E, mais raro ainda, nos contratos de cooperação em que, em
geral, não se pode falar de preço no sentido estrito , mas usualmente de contra-
prestação . Ocorre, porém, que por vezes há um adiantamento em dinheiro.
O pagamento antecipado de uma parcela do preço é usual, e conhecido , nas
compra e vendas ou na prestação de serviços, tanto no direito brasileiro, onde é
denominado " arr as " , como no de outros países, e tem dupla finalidade. Uma é
garantir indenização em caso de arrependimento; outra, de fornecer adiantamen-
to de capital, que repercute financeiramente sobre os resultados da operação ou
permite a sua execução.
Na hipótese de o contrato ser descumprido ou ocorrer arrependimento, essa
importância será ou não devolvida, no todo ou em parte, segundo a convenção
das partes ou o direito aplicável.
Assim, um dos pontos a serem discutidos numa negociação é justamente este:
arras ou entrada, restituição, forma, valor (não esquecer que a inflação não é
exclusividade brasileira, se o contrato for internacional).
É usual prever garantias de restituição quando o adiantamento é considerável , e
é imprescindível solicitá-la conforme o tipo de fornecedor.
As garantias são de doi s tipos: reais e pessoais. Podem ser dadas pelo fornecedor
ou por terceiros. A garantia real mais usada é a caução. Há também a penhora e a
hipoteca, menos usadas porque são mais complicadas ou de menor liquidez. No caso
Negociação de Contratos In tern a ci onais de Coope ração 56 1

de venda de mercadorias, tamb ém é usu al a tran sferên cia de propri edad e ime dia -
ta das mesmas ou das matérias-primas e se mi-acabadas , progressivamente, como
garantia em casos em que esta s se rão aproveitáveis ou necessárias ao proj eto .
A garantia pessoal mai s conhecida é a fi an ça. Porém , a pr ef erid a é a "gara ntia
bancária à primeira solicitaç ão " , ou as bid bonds, pe rfo rma nce bonds etc. " .
Como as garantias constituem-se em acessó rios ao neg ócio principal, usa -se
estabelecê -las em cláusulas especiais e detalh ad as ou m edi ant e co n tra to ou
instrumento apartado (é o caso das bonds e das gar antias e, mu itas vezes, da
caução) , embora haj a menção a sua exis tê nc ia no co ntrato principal.
Evidentemente as cautelas e pro vidên ci as p ar a prot eção da que le qu e adia ntou
parte do preço não se esgotam aí, m as os exemplos se rvem par a ilus trar co mo
abordar a matéria na negociação.

b. Risco de Inadimplência Parcial

Prazo de Entrega
É no cumprimento do prazo de entrega qu e gra nde núm ero de dificul dad es
aparecem. Portanto, é outro aspecto a se r cuid ado pel o adqu ire nte .
A tendência dos fornecedor es é torn ar a fixação de prazos omissa ou fl exível.
Isso pode entrar em conflito com os int er esses do adquiren te, que os quer
rígidos. Uma fórmula de forçar o cumprim ento de pr azos é a cláu sul a pen al.
Esta, que muitos chamam de " multa co ntratual " por ser a multa um a das
fórmu las de penalidade, pode ter du as natu rezas.
A que nos interess a aq ui é a chamada " clá us ula p en al mor at óri a", cuja
finalidade é punir o contratante p el o descumprim ento de prazos co ntratua is .
A sua redação varia de contrato p ar a co nt ra to . Pod e se r usada uma fórmula
de caráter variável: percentual do va lor descumprido do co nt rato , percent ual
crescente com a demora etc.; ou de car át er fi xo: um va lo r devid o a ca da
atraso, estab elecido pel o contrat o. É imp ortant e ressaltar qu e nesse tipo de
cláusula a p ena tem a fin alid ad e de co nstra nger o for necedor a cumprir o
contrato (e, subsidiariam ente, diminuir o pr ejuízo do adquire nte) .
Nas cláusula s p enais ch am ad as de " re mune ra tó rias " , aq ui lo a que se v isa é
o ressarcimento do prejuízo dec orrente da dem ora. Sua redaçã o fica , então ,
condicionada a essa final idad e.

19. V er , a pr op ósit o, Les guillo ns .


562 Luiz Olavo Baptista

Em ambos os casos e tipos de cláusulas é importante lembrar que na maioria


dos países há limites para as penalidades, limites esses que devem ser
examinados com cuidado, uma vez que uma cláusula nula pode contaminar
todo o contrato , que assim se torna também nulo, ou, em sendo anulada
tão-somente a cláusula, fica o contratante que a inseriu sem proteção .
Muitas vezes há cláusulas penais que suspendem a execução do restante do
contrato ou dos pagamentos por algum tempo. São perigosas.
Outras cláusulas penais prevêem a dedução, do valor total do contrato, dos
montantes dos pagamentos ainda pendentes.
Outro elemento que se usa incluir nas cláusulas penais é uma disposição
autorizando o adquirente a ir buscar em um concorrente do fornecedor o produto
ou serviço, indenizando-o pela diferença de preço e demora. Essa cláusula
depende de redação muito cuidadosa e precisa e pode dar lugar a litígios.
Porém, não é só nos prazos que encontramos dificuldades. Estas podem
nascer da qualidade dos produtos.
Qualidade
Nos contratos em que um país em desenvolvimento, ou empresas ou pessoas
nele situadas são parte, estes não têm modalidade de controle de qualidade
eficaz ou completa para todos os casos. Por vezes a ignorância tecnológica,
por vezes a inexistência de padrões comparativos, noutras a 'ausência de
pessoal para fazer os controles impedem a verificação da qualidade. Os
países desenvolvidos possuem mecanismos mais eficazes, em certos setores
da economia. Mesmo assim, esses não se adaptam a qualquer caso indiscri-
minadamente. Por isso, é sempre útil que na negociação do contrato se
incluam cláusulas que visem a garantir a conformidade contratual, e se
estabeleçam procedimentos para verificar se ela ocorreu.
Tem-se adotado, com sucesso, nos contratos de cooperação técnica indus-
trial, o método da dupla aceitação. Uma, provisória, visa a verificar as
quantidades e aspecto exterior das mercadorias (ou das embalagens) ou
prazos e aparências dos serviços, e precede montagens, testes etc. Outra,
definitiva, visa à verificação técnica, o controle de qualidade, das prestações
técnicas etc.
Assim, se adotado esse método, devem ser redigidas cláusulas descrevendo
cada uma dessas etapas, os prazos em que se desenrolarão, os objetivos a
alcançar, a forma de verificação etc.
Uma "retenção de garantia", ou a retenção da caução, ou a persistência da
Negociação de Contratos Internacionais de Cooperação 563

garantia acessória são usuais até que se considere efetivamente entregue o


bem ou serviço.
Como é fácil imaginar, esse é um ponto em que a negociação se revela mais
difícil. Daí ser o objeto de muitas delongas nas negociações e também de
litígios, ou renegociações parciais, quando não se cuidou desses aspectos.

Pode-se atribuir a um terceiro os controles: quer o primeiro, usualmente


praticado nas exportações por empresas ditas "de inspetoria", quer o segun-
do, que é feito por especialistas. Em ambos os casos essa solução, que parece
vantajosa para ambas as partes, representa um custo que é preciso negociar.

Há que ter em conta que diversas legislações estabelecem restrições de tempo


para que alguém reclame de defeitos, aparentes ou ocultos, dos bens ou
serviços fornecidos. O negociador deve examinar esse ponto antes de esta-
belecer qual a lei aplicável, verificando se o contrato ou alguma de suas
cláusulas não se choca com alguma disposição de ordem pública (no caso
dos contratos internacionais)

Há ainda o método da inspeção no curso da fabricação, que não é aplicável


a qualquer tipo de negócio .

Também em relação a defeitos, aplicam-se as cláusulas penais, examinadas


anteriormente, e por simples procedimento analógico pode-se imaginar como se
aplicarão em caso de defeitos. Atente-se, também, que quando ocorre a substitui-
ção de material, ou refazimento de serviço, pode ocorrer atraso no cronograma
geral de um projeto - assim, é bom regular esse caso especial de atraso.

Tanto quanto no caso de atraso, uma cláusula resolutória pode ser imaginada:
o contrato, dispõe ela, será resolvido no caso de entrega de mercadoria ou
serviço que não corresponda aos padrões estabelecidos pelas partes. Os
efeitos dessa cláusula, como os das cláusulas de natureza penal, são quase
sempre atenuados pelas cláusulas de força maior.

As cláusulas de força maior definem os eventos que impedem a execução


correta das obrigações das partes e que reúnam as seguintes características:
imprevisibilidade, inarredabilidade, e serem alheios à vontade das partes.

Para todos os riscos que a preparação conscienciosa da negociação deve ter


apontado, será preciso elaborar cláusulas que visem a diminuir seus efeitos,
ou exigir garantias paralelas que os compensem.
564 Luiz Olavo Baptista

3. Postura do Fornecedor - A Perspectiva da Redução dos Riscos


Usualmente a postura do fornecedor de bens e serviços deveria ser diametral-
mente oposta à do adquirente, ao menos quanto aos pontos acima expostos . Na
prática, isso não ocorre por causa de diferentes fatores: bons controles de
qualidade, existência de estoques etc.
Sob um ponto de vista diferente do do adquirente, o vendedor ou fornecedor
deve, também, preocupar-se com três aspectos principais da operação : o preço,
o produto e a garantia.

a. O Risco do Preço

o preço é encarado como risco sob dois aspectos principais : o da manutenção do


seu valor e o do seu recebimento .
Garantia do Preço
Com o preço (e as modalidades de pagamento) representando um dos aspectos
básicos do negócio, tanto a manutenção do valor contratado (ou seja, de um dos
elementos do equilíbrio negocial) faz parte das preocupações do fornecedor,
como, para a outra parte, o faz a garantia de receber o bem ou serviço contratado.
Tanto a inflação quanto outros fatores podem fazer com que aquele valor, que
em determinado momento representava o preço justo, deixe de sê-lo. Assim, a
primeira garantia em relação ao preço é a de que ele não será alterado por fatores
externos, alheios à vontade das partes, ou por iniciativa unilateral de uma destas
Um contrato , em geral, consolida as obrigações das partes e passa a ser lei
entre elas. Dessa forma, uma das partes não pode unilateralmente modificá-
lo. Essa rigidez tem como contrapartida o fato de as possibilidades de
modificação serem o consenso de ambos ou a introdução de cláusulas que
permitam a adaptação de certos aspectos do contrato , inclusive o preço, a
mudanças nas circunstâncias econômicas, como as causadas pela inflação .
Além das cláusulas de indexação, nossas velhas conhecidas, temos as cha-
madas "cláusulas de hardship", cuja característica é obrigar as partes a
rediscutir o contrato, se eventos externos à vontade de ambas, imprevisíveis
ou inesperados (por exemplo, um aumento inesperado dos preços do petró-
leo), ocorrerem e representarem oneração excessiva ou rompimento da con-
dição de equilíbrio existente ao início do contrato".

20 . Ver , a propósito , BAPTISTA (1983).


Negociação de Contratos Internacionais de Cooperação 565

Outro fator a ser levado em conta são as variações cambiais, razão pela qual
um contratante prudente recorrerá a um a cesta de moedas, ou a moeda que
não precisa ser a de seu país, para estabelecer o preço . Assim, evita recorrer
à indexação. Pode ainda proteger-se do risco cambial por meio de hedge.
Garantia de Recebimento
O risco de não receber o pagamento é grande e sempre foi um dos pesadelos
dos negociantes e industriais ou provedores de serviços.
O não pagamento ocorre por diversas razões: desentendimentos quanto à exe-
cução, má fé, dificuldades financeiras , dificuldades cambiais, concordatas,
falências etc.
Em vista disso , vários mecanismos foram delineados para evitá-lo. Desde o
uso dos cartões de pagamento ou cartões de crédito para uso pessoal, até o
recurso aos créditos documentários (BAPTISTA, 1982) no comércio inter-
nacional , várias são as modalidades escolhidas para minimizar esse tipo de
risco.
Mas não só a falta do pagamento , como também o seu atraso pode tornar um
contrato ruinoso. Cláusulas penais e resolutórias, assim como garantias
acessórias, encontram, por isso , um lugar na negociação dos contratos como
elemento saliente das pautas de fornecedores e vendedores.

b. O Risco do Produto

O produto ou serviço tem riscos inerentes a si mesmo , que são comuns: não
recebimento, danos no transporte ou erros na implantação, alegação de descon-
formidade quanto à qualidade ou prazos.
No caso de mercadorias, a prática internacional já resolveu , do ponto de vista do
vendedor, esse problema. Reside essa solução no emprego dos Incoterms para
caracterizar os momentos de entrega e passagem da responsabilidade, e na
circunstância em que essas são feitas por intermédio de um transportador que
não tem interesse em atrasar ou prejudicar a entrega.
Outro tipo de dano é aquele que ocorre durante o transporte. Como dissemos
atrás, o proprietário responde pelo perecimento da coisa. Se, quando do trans-
porte, a mercadoria ainda for de propriedade do vendedor, este arcará com os
prejuízos decorrentes dos danos, parciais ou completos, ap esar de já haver um
contrato de venda (há alguns sistemas jurídicos em que isso não ocorre) .
Por essa razão , é freqüente o recurso ao seguro de transporte. Este, em geral , faz
566 Luiz Olavo Baptista

parte dos negócios internacionais, sendo objeto de negociação o aspecto sobre a


quem caberá o pagamento de seu custo. Considerações de ordem cambial fazem
com que, em muitos países, o adquirente pague o seguro a uma sociedade de seu
país, evitando , assim, o dispêndio de divisas.

c. O Risco da Garantia da Coisa

A alegação, pelo adquirente, de que a mercadoria ou o serviço não corresponde


ao que desejava é outro problema para o fornecedor.
Dever de Aconselhar
Com efeito, em diversos países estabeleceu-se uma regra de direito , o cha-
mado " dev er de aconselhar" pelo qual o fornecedor tem o dever de orientar
o consumidor ou adquirente quanto ao bem ou serviço fornecido, para que
seja adequado à necessidade do último.
O "dever de aconselhar", nos países em que existe, tem limitações. Estas
variam. De modo geral, pode-se apontar o grau de profissionalismo do adqui-
rente: uma software house pode melhor saber que tipos de máquina lhe são
úteis do que um dentista ou um comerciante; o fornecimento de um estudo
prévio , que dê ao adquirente parâmetros para sua escolha e explicações do
porquê da seleção de tais ou quais elementos; o oferecimento de vários
produtos de uma gama para escolha do adquirente, com menção expressa no
contrato ou condições gerais de venda através de cláusula especial, são todos
elementos que diminuem a extensão do dever de aconselhar ou dispensam-no.
Finalmente, a grande escusa do fornecedor é o sigilo mantido pelo adquirente
sobre o uso que fará dos materiais. Nesse caso, também é preciso estabelecer,
contratualmente ou por carta, esse fato.
No caso da conformidade às condições contratuais, os procedimentos que
apontamos, relativamente às preocupações do adquirente, podem muitas
vezes servir ao fornecedor: o recurso a firmas de inspeção, por exemplo.
Será matéria de discussão a forma de controle de qualidade e do alcance dos
efeitos da desconformidade. Ambos estarão concordes em que alguma pessoa
neutra, com conhecimentos técnicos, será melhor do que confiarem um no outro.
Mas as reclamações do cliente podem não se limitar ou não se dirigir à obrigação
principal. A queixa será em relação a alguma obrigação acessória. Por isso, os
fornecedores procuram sempre definir as mercadorias em detalhe, bem como
determinar os serviços. Na definição de uns e de outros é preciso atentar para
uma distinção da ordem jurídica com grandes efeitos práticos.
Negociação de Contratos Internacionais de Cooperação 567

Obrigações de Meio e de Resultado


Essa distinção é entre as "obrigações de meios" e as " obri gações de resulta-
dos" . Em umas, o fornecedor obriga-se a empregar os meios (daí o nome) à
sua disposição, colocando-os ao serviço do adquirente, sem qualquer garan-
tia de resultado. Noutras, há a garantia do atendimento de determinada
finalidade: por exemplo, a máquina deve produzir à cadência de 500 peças
por minuto. Se forem 510 ou 490 , a obrigação não está cumprida. Ou então,
o avião deve ter autonomia de vôo de 3 000 milhas . Se não atingir esse limite,
a obrigação não foi cumprida.
Essa distinção faz com que, nas negociações, os fornecedores devam se
preocupar em atenuar a precisão, no caso de obrigações de resultados, e de
tornar bem claro que as " de meio" pertencem a essa categoria. Por exemplo,
um médico comprometer-se-ia a operar alguém, envidando seus melhores
esforços para obom resultado da operação - nunca a garanti-lo.
As prestações acessórias podem pertencer, como as principais, a uma dessas
duas categorias.
Responsabilidade pelo Bom Uso
Em geral, os fornecedores são responsáveis pelo bom uso do bem ou serviço
fornecido. Assim, devem prover o adquirente com folhetos de instrução, de
manutenção etc. Esses folhetos, do ponto de vista do fornecedor, são impor-
tantes para assinalar que o manuseio das mercadorias ou o gozo dos serviços
apresentam determinados riscos, fazendo o adquirente ciente deles. É que
assim desobrigam-se de eventuais responsabilidades. Em alguns países,
mesmo o uso inadequado e inesperado de um produto - já vimos o caso de
um operário de manutenção que entrou dentro de u 'a máquina de fazer fardos
de algodão e a acionou, sofrendo graves danos físicos - pode gerar demandas
e indenizações. Daí a cautela dos fornecedores.
O adquirente, por seu lado, embora interessado em saber o que não deve fazer
com o bem adquirido, tem mais interesse em saber o que deve fazer para
reparações, manutenção etc. Qualquer adquirente de produtos eletrônicos
nos países desenvolvidos observa a extensão dos folhetos e o fato de que são
escritos em diferentes línguas. Os adquirentes avisados sempre pedem tradu-
ções dos folhetos e manuais de instrução, para assegurar o bom uso dos
mesmos . Esse fato gera problemas, pois defeitos de tradução podem acarretar
conselhos inexatos ou instruções erradas, fato que o fornecedor tentará
evitar, negando-se a fornecer traduções.
568 Luiz Olavo Baptista

Delimitação da Garantia
A garantia dada voluntariamente pelo fornecedor se sobrepõe à garantia
legal. Para que se possa compreender esse problema é preciso delimitar esta.
Pois bem, além dessa garantia, decorrente da lei e que cobre os defeitos (ou
vícios, na linguagem jurídica) ocultos, há outras garantias a serem dadas pelos
fornecedores. Em geral, estas constam de cláusulas expressas de contratos.
Garantias decorrentes de afirmações de corretores, prepostos etc. são despi-
das de valor se o contrato for omisso. Assim também, via de regra, a
constante de publicidade em geral, folhetos etc.
Qualquer que sej a a sua duração , é imprescindível fixar, de modo claro, o
ponto de partida do prazo de garantia. É indispensável que não haja dúvidas
a respeito , pois, do contrário, a garantia pode estender-se por mais tempo do
que o planejado. Por se tratar de ponto importante, em geral envolve um a
negociação especial, de vez que o adquirente prefere mantê-lo o mais distante
possível do momento em que entra de posse da coisa, e o fornecedor pensa
de modo contrário .
O conteúdo da garantia nem sempre é negociável. Como vimos, há certos
aspectos da legislação de proteção ao consumidor que são impositivos - isto
é, não podem ser derrogados por convenção das partes - e, assim, esses
devem ser desde logo incluídos, pelo fornecedor prudente, na sua proposta
ou no esboço de contrato . Haverá sempre outros pontos a incluir, que
resultarão das condições de mercado ou das negociações (muitas vezes é
possível diminuir o preço contra a eliminação de certas garantias, de cujos
efeitos o fornecedor procuraria proteger-se por via de seguros). O fato
concreto é que cada ponto da garantia deve ser bem definido .
É preciso também não se esquecer de mencionar que a substituição de peças
ou o conserto pode representar uma forma de extensão do prazo de garantia.
Assim, é também preciso especificar se isso vai ocorrer ou não.
Além desses aspectos, a cláusula de garantia deve conter um parágrafo - que
muitas vezes é objeto de duras discussões durante a negociação - relativo
aos prejuízos do adquirente pela paralisação dos seus serviços em razão do
defeito ocorrido no objeto ou serviço garantido.
O último tópico a lembrar em relação às garantias é quanto aos subfornece-
dores e as garantias dadas por estes às peças e serviços que compõem o
fornecimento. Elas integram, em geral, a garantia global. Mas é preciso
discriminar em que extensão e qual a duração de cada uma .
Negociação de Contratos Internacionais de Cooperação 569

V. ESTRUTURA DOS CONTRATOS PRIVADOS DE COOPERAÇÃO

Convém preparar desde logo um roteiro do que será o contrato que resultará da
negociação , pois o mesmo deve ser discutido cláusula a cláusula. Muitos nego-
ciadores preferem partir de minutas que oferecem à parte contrária, enquanto
outros minutam apenas aquelas cláusulas que entendem ser de seu interesse, ou
fazem um check-list do contrato para incluir na agenda da negociação.
De qualquer forma , é preciso compreender a estrutura do contrato. Cada tipo de
contrato tem sua própria estrutura, mas todos têm um núcleo comum de cláusulas
(ver Anexo 11).

1. Cláusulas Usuais

a. Preâmbulo) Partes e Sua Qualificação

As primeiras cláusulas em um contrato são sempre as que definem os contratan-


tes . Cada país tem uma tradição a esse respeito, mas pode-se destacar dois pontos
que são comuns a todos: a identificação da empresa e a designação de seu
representante legal. No primeiro aspecto, é preciso saber que nem sempre a
empresa, cujo representante negocia, será aquela que efetuará o fornecimento ,
nos negócios internacionais. Muitas vezes conveniências de ordem cambial,
fiscal , administrativa, diferenças de custo , farão com que aquele fornecimento
seja feito por outra ou outras unidades do mesmo agrupamento de empresas .
Assim, esse é um ponto a ser esclarecido durante as negociações, e muitas vezes
convém colocar a controladora ou a empresa fornecedora de tecnologia como
intervenientes, anuentes ou contratantes, em conjunto com a contratante prin-
cipal.
Quanto à identificação do responsável pela empresa, é fundamental saber iden-
tificá-lo para evitar que alguém, sem a devida capacidade legal , possa assinar o
contrato.
Seguem-se, por vezes, consideranda, alguns dos quais são muito elogiosos, como
por exemplo, a Empresa @@@) escolhida em razão de sua notória competência e
que apresentam perigo para o elogiado, que, por essa forma , se vê qualificado como
mais profissional que o outro - e, portanto, sujeito a deveres especiais já comentados
anteriormente. Além disso, haverá maior rigor no julgamento das suas prestações
que o que ocorreria com uma empresa mais modesta.
570 Luiz Olavo Baptista

b. Duração

A duração do contrato costuma vir depois, e é preciso logo saber se essa é


determinada ou indeterminada. Nos dois casos, convém estudar as implicações
do prazo fixado e sua repercussão sobre as obrigações que se vai assumir e as
vantagens que se vai auferir.

c. Objeto

Esta cláusula, como é curial, tem a maior importância, e sob o ponto de vista
jurídico pode conter dois tipos de obrigações: de meios e de resultados. Numa
obrigação de resultados, o contrato só se considerará cumprido se esta for
alcançada, enquanto que na de meios o compromisso é o de colocar em ação
determinados recursos e esforços (os meios) visando a atingir o resultado que
não é garantido. Típico das primeiras é a compra e venda; das segundas, a
prestação de determinados serviços - por exemplo, serviços de médicos, advo-
gados, engenheiros etc. Uma redação malfeita pode transformar o que seria um
tipo em outro, com resultados inconvenientes.
É a natureza do negócio que determina a conveniência de se eleger um ou outro
tipo de obrigação e, por isso, é preciso descrever bem, e cuidadosamente, o
objeto do contrato . Pode-se evitar, assim, armadilhas e discussões inúteis.
Na elaboração do objeto dos contratos de cooperação internacional tecnoló-
gica ou industrial há alguns elementos típicos que é preciso apontar: em
primeiro lugar, o conteúdo das obrigações de cada uma das partes não pode
ser completamente definido de imediato (esse vai se detalhar no curso do
tempo); em segundo lugar, as partes devem estar em posição idêntica em
relação a esse objeto; e, finalmente, trata-se de contrato concluído intuitu
personae.
Destarte, poderia alguém dizer que se trata de um contrato unilateral- o que até
poderia ser verdade se forçássemos as categorias jurídicas. Porém, o fato é que
mesmo que haja antagonismos no momento da celebração do contrato (e, por
vezes, nem os melhores negociadores conseguem evitá-los), as incertezas que o
tempo introduz, as áleas econômicas e tecnológicas vão aproximar as partes no
curso da execução, pois só a cooperação permitirá que o objeto seja alcançado.
Com efeito, a definição do objeto é mais importante nesse tipo de contrato porque
é em torno dele que se concentrarão os recursos e esforços dos contratantes - e
será esse o referencial para que se possa reencontrar o equilíbrio perdido no curso
do tempo em razão de áleas quaisquer.
Negociação de Contratos Internacionais de Cooperação 571

Assim, o objetivo em torno do qual ambos se reúnem é a cooperação, mas os


objetivos de cada qual são diferentes.
Ora, tal cooperação não era evidentemente desinteressada, donde haveria que se
estabelecer uma equivalência de prestações por parte de ambos. Dessa forma,
podemos ver que o objetivo é composto de dois vetores: o interesse e objetivo
de cada uma das partes, dos quais resulta um terceiro, o objetivo comum de
cooperação .

2. Cláusulas Especiais Referentes a Alguns Aspectos do Corpo do


Contrato
Constam do corpo do contrato algumas cláusulas que não são encontradas em
todos os tipos, mas que têm importância especial e devem ser negociadas, como
ja vimos.
Elas se referem aos diferentes aspectos, dos quais alguns já comentamos, tais
como a manutenção do valor da moeda, o restabelecimento do equilíbrio contra-
tual eventualmente rompido, o rompimento do contrato, sanções pelo descum-
primento de obrigações e a garantia da coisa. Outras cláusulas referem-se a
aspectos do interesse de uma ou outra parte, ligados ao objeto do contrato ou a
sua atividade. Vejamos alguns aspectos de cada uma delas.

a. Cláusula de Confidencialidade

A cláusula de confidencialidade é usada na fase pré-negociaI e na contratual. Sua


função varia - pode servir para manter terceiros sem o conhecimento de que
existe uma negociação em curso, ou para proteger know-how, segredos de
indústria e comércio.
Sua redação dependerá da finalidade, e também deve ser objeto da redação de
um esboço a ser levado à mesa de negociações se for decidido que será necessário
usá-la.

b. Cláusula de Garantia

Já falamos das posições relativas de adquirente e fornecedor em relação à


garantia. Basta então lembrar, a este passo, que a cláusula de garantia deve conter
dois elementos fundamentais: a duração da garantia e sua extensão (isto é, o que
ela abrange). (Reportar-se à discussão feita anteriormente para a elaboração da
minuta da cláusula.)
5 72 Luiz Ola vo Baptis ta

3. Cláusu las R eferen tes ao Contencioso e Decorrentes do Caráter


In ternacional do Co ntra to

Os contratos internacionais têm cláus ulas qu e lh es são próprias, e que não são
usuais nos contratos celebrados no interio r de um paí s. Du as são básicas: a de
eleição de foro e a cláusula co mpro missó ria . Entret anto , emb ora p ara o s juízes
brasile iros seja inóc ua a clá us ul a de l ei apl icável, é importante em outros
p aís es.

a. Cláus ula de Eleição de Fo ro

A clá us u la de eleição de fo ro, cha ma da por alguns de " atr ibutiv a de jurisdição",
tem po r fina lidade indicar qu al o juiz (o u tribunal) competente para resolver as
questões entre as partes . Há matérias em qu e es sa es colha não pode ser f eita -
são aquelas conhecidas no jargão jurídico co mo casos de comp etê ncia absoluta
ou in derrogável.
Em ge ral, nas m atéri as co me rc ia is a lei deixa às partes a liberdade de escolha.
Essa cláus ula é importantíssima po rque del a dep ende saber qual a lei que será
aplicável ao co ntrato . Co m efeito, cada j u iz aplica um conjunto de regras de
conflito de leis , próprio de seu país, e essas regras determinam qu al a lei
aplicável ao contrato.
Po r outro lado, essa cl áu sul a pod e r epresentar a certeza de um julgamento mais
ou menos rápido e de um a execução m ais perf eita. Em geral , as p artes preferem
escolher como foro o local de sua se de. Essa fó rmula pode ser de sastro sa em
certos casos e, por isso , a regra não dev e se r tom ada como absoluta.

b. Cláus ula de Lei Aplicáve l

No B rasil, a Lei de Introdução ao Código Ci vil , no se u ar t. 9 Q, diz : Para qu alificar


e reger as ob rigações ap licar-se-á a lei do p aí s em qu e se constituírem .
Assi m, se um contrat o fo r firm ad o no Br asil o juiz br asileiro aplicará o direito
de seu país, se firmado na Arg entin a o do país pl atino , e as sim por diante.
Na maioria dos países, entretanto, aplica -se a lei qu e os contrat antes escolherem,
desde que essa escolha não seja um a fo rma de fra ude . Qu ando os contratantes
nã o esco lhem ex pressa me nte um a lei, o juiz procura deduzir qual foi a escolhida
a p ar tir de indícios do co ntrato . Mas essa es colh a é se mp re arriscada.
Po rtanto, é mais conveniente determi nar desd e logo qu al a l ei aplicável.
Negociação de Contratos Internacionais de Cooperação 573

c. Cláusula Compromissória
A arbitragem é um dos meios de solução de disputas mais utilizados nos contratos
internacionais, em razão do sigilo, da especialização dos árbitros (que permite
decisões mais precisas e mais rápidas) e da rapidez, nessa ordem. É bom saber
que essas razões de escolha nem sempre são verdadeiras e que nem sempre tudo
corre como se imaginava - pode haver vazamento de sigilo, o árbitro pode ser
ignorante e o processo demorado. Acresce o custo, que por vezes supera o
judicial, especialmente nas questões submetidas a certos organismos, e a partir
de determinados valores (porque as custas são fixadas em percentuais) . De modo
geral a arbitragem é uma solução melhor que a judicial":

VI. ENCERRAMENTO DA NEGOCIAÇÃO E FECHAMENTO DO


CONTRATO

Quando uma sessão de negociação chega ao fim é preciso registrar os resultados,


quer positivos, quer não. Esse registro se faz por meio de anotações individuais,
atas ou pro-memoriae, cada qual com efeitos e valor diferentes.
Ao término do processo negocial ou de uma fase particularmente importante é
que se deve recorrer ao pro-memoriam. Este pode não ser ainda o contrato, por
depender de autorizações administrativas ou da hierarquia da empresa, mas deve
refletir o estado das negociações. No mínimo, alguns pontos fundamentais
devem estar fixados. Um check-list trilíngüe pode ser encontrado no Anexo I,
indicando as cláusulas mínimas necessárias para a redação de qualquer contrato
internacional.

Referências Bibliográficas

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BAPTISTA, L. O. " O Risco nas Transações Internacionais". RDP , n.66, pp . 265-273, abr.-jun. 1983.
_ _ _ _ _ _. " Uma Introdução às Joint Ventures". RDP , n.64, pp. 263-283, out.-dez . 1982.
_ _ _ _ _ _. " O Crédito Documentário ". RDP, n. 63 , juI.-set. 1982.

21. Ver MAGALHÃES e BAPTISTA, 1986 .


574 Luiz Olavo Baptista

BEHRMAN, Jack N. Política Industrial: A Reestruturação Internacional e as Multinacionais.


Record, 1984.
DORDRECHT, R. B. "Sunshine". Negotiating for International Development. 1990.
GUGGENBERGER, C. Mueller. Principles d. 'organisation de la coopération d 'entreprises en
droit allemand. DPCI, tomo 3, n. 4, out. 1977.
LESGUILLONS, Henry (org.). Garantias Bancárias. Tradução e adaptação de L. O. BAPTISTA
e J. A. T . GUERREIRO. São Paulo, Saraiva.
MAGALHÃES, José C. e BAPTISTA, L.O. Arbitragem Comercial. São Paulo, Freitas Bastos,
1986.
MERCADAL e JANIN . Les Contrats de coopération inter-entreprises. Paris, Ed. Jur. Lefebure,
1974.
MORIN, Edgar. La Méthode. Paris, Seuil, 1977.
REUTER, Paul. Quelques refléxions sur I ' équité en droit international. RBDI, 1980.
SACERDOTI, G. "Lineamenti deI Diritto Internazionale dell' Economia" . In: PICONE, P.;
SACERDOTI, G. e ANGELI, F. Diritto Internazionale dell'Economia, Ed. Milão, 1982.
TOUCOZ, J . "Rapport Introductif" . Colloque sur les contrats internationaux de coopération
industrielle et le nouveau ordre économique international. Nice, 14 a 16.06.1979 . Paris,
PUF,1980 .
Negociação de Contratos Internacionais de Cooperação 575

ANEXO I
CHECK-LIST DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS
E SUA TRADUÇÃO EM INGLÊS E FRANCÊS

Objeto Object Objet

Preço Price Prix


Pagamento Payment Payement
Entrega Delivery Livraison
Recepção Controlo f
conformity Réception
Garantia Warranty Garantie
Penalidades por atraso Compensation fo r delay Pénalités pour retard
- de pagamento - of payment - du payement
- de entrega - of delivery - de livraison
Resolução Termination Résolution
- causas - cases - cas
- forma - forms - forme
Força maior Force majeure Force majeure

Cláusulas Específicas para Contratos Internacionais


Incoterms
Vigência Effectiveness Entrée en vigueur
Língua Language Langue
Lei aplicável Law of the contract Loi du contrat
Foro Court Tribunal
Arbitragem Arbitration Arbitrage

ANEXO II
CLÁUSULAS USUAIS NOS CONTRATOS

Cláusulas comuns a todos os contratos, figurando no início dos mesmos


contratantes
duração do contrato,
o objeto do contrato.

Cláusulas especiais, referentes a alguns aspectos do corpo do contrato


o cláusula de indexação,
cláusula de readaptação (hardship)
cláusula de força maior,
cláusula resolutória,
576 Luiz Olavo Baptista

cláusula penal ,
cláusula de confidencialidade
cláusula de garantia.

Cláusulas relativas ao contencioso


cláusula de eleição de foro
cláusula compromissória
cláusula de lei aplicável (onde couber) .
Técnicas de Negociação para
Contratos de Cooperação
Técnica Internacional

Celso Cláudio de Hildebrand e Grisi

I. INTRODUÇÃO

Antes de se constituir num conjunto relativamente grande de técnicas e métodos


e de suportar-se sobre um sólido - ainda que não completo - arcabouço teórico,
a negociação tem existido como prática cotidiana, incorporada aos comporta-
mentos sociais do homem comum. Aí, talvez, as aplicações e benefícios produ-
zidos pelo exercício da negociação possam ser mais percebidos, quer pela
economia de tempo e dinheiro que proporcionam, quer pela viabilização do
convívio com que brinda as pessoas e interesses nela envolvidos.
Ainda que menos sofisticado, o ambiente do dia-a-dia é muito propício para a
emergência do conceito de negociação no seu sentido mais amplo e funcional: " forma
alternativa para a resolução de conflitos, capaz de evitar rupturas entre as partes e
de permitir-lhes o compartilhamento de objetivos e interesses ao longo do tempo".
A simplicidade do conceito e das circunstâncias corriqueiras que lhe dão origem
parece não subtrair a propriedade do conteúdo nem alterar o sentido de sua
utilização, mesmo nas disputas revestidas de maior complexidade. Assim, reve-
la-se muito própria a caracterização dos processos negociais, proposta por Rubin
e Brown (1975), em quatro condições preliminares:
578 Celso Cláudio de Hildebrand e Grisi

1a existência de , pelo menos, dois participantes;


2 a existência de um ou mais pontos de conflitos;
3 a a existência de atividades que, em sua natureza, compreendam:
troca de informações;
resolução de problemas;
divisão de recursos.
4 a a existência de um processo, compreendendo, em suas múltiplas combinações:
apresentações das demandas;
proposições por uma ou mais partes;
avaliação dos elementos das propostas pelas outras partes;
envide de esforços persuasivos;
concessões ou contraposições.

lI. Os CONCEITOS ASSOCIADOS ÀS ATIVIDADES PARA


RESOLUÇÃO DE CONFLITOS

o tratamento de temas recentes, sobretudo daqueles que padecem de uma com-


pleta maturidade teórica, não estimula seus autores à explicitação de definições.
Preferem, por zelo e prudência, cingir-se apenas às conceituações. Com essas
reservas, Ponsard (1977) explica a negociação como um conjunto das atividades
desenvolvidas em "situação de conflito na qual os diversos protagonistas reúnam
condições de concluir acordos irrevogáveis" .
Aos menos experientes, esse conceito tem parecido vulnerável, uma vez que a
realidade incumbe-se de desmentir a irrevogabilidade dos acordos alcançados. Sem
dúvida, esquecem-se de que a irrevogabilidade está invariavelmente dependente das
condições que produziram o acordo, de tal forma que, alteradas tais condições, por
quaisquer transformações ocorridas, será necessário rever os termos do acordo
alcançado e, assim, buscar novas combinações de benefícios que possam ajustar,
em face da nova realidade, objetivos e interesses das partes envolvidas.
De igual maneira, é oportuno lembrar que os processos de negociação - ainda
que pressuponham conflitos de dimensões muito grandes - não redundam, ne-
cessariamente, em ganhos ou perdas unilaterais. Thomas Clain (1960) e ainda
Watson e Mackersie (1965) trazem à consideração de seus leitores dois tipos de
negociação basicamente diversos:
Técnicas de Negociação para Contratos de Cooperação Técnica Internacional 579

Negociação integrativa: consiste naquele processo de decisão em que as partes


reconhecem a existência de determinados pontos de conflito onde a cooperação é a
melhor opção. Tomando-se o caso de uma negociação de comércio internacional,
pode-se citar o momento da definição do transporte do produto comercializado em
que, dependendo das características do produto, a opção entre transportes marítimos
ou aéreos decorre de um acordo comum e satisfatório para ambas as partes.
Negociação distributiva : este segundo tipo concerne àquelas situações de con-
flitos, não-cooperativas, onde a solução final significa a perda de uma parte em
benefício do seu oponente. Um exemplo típico de negociação distributiva envol-
ve a definição de preço . O valor determinado pela barganha entre as partes
apresentará um beneficiado em detrimento de um perdedor, embora esses estados
não impliquem que ambos não saiam satisfeitos.
No entanto, ao se admitir que a negociação seja a melhor maneira de resolver
conflitos, não se está sugerindo que seja a única. Existem, no mínimo, outras três
formas de se tratá-los:
Exercício do poder: a solução do problema ou a partição dos recursos é alcançada
pela imposição da vontade de uma das partes, amparada em elementos institu-
cionais e/ou normativos que lhe atribuem eficácia real. Tais imposições costu-
mam provocar insatisfações generalizadas entre aqueles que não se sentiram
atendidos em seus objetivos, alimentam divergências, radicalizam posições e
afastam as partes. Ademais, é preciso lembrar que o poder :
nunca é estável;
é sempre limitado;
é passível de neutralizações;
produz sempre um contrapoder;
desgasta seu usuário.
Não é preciso construir outros argumentos para evidenciar a fragilidade dessa
forma de solucionar disputas.
Estratégias supra-organizacionais: a mais tradicional de todas as estratégias
desse tipo é a do recurso ao judiciário.
As partes recorrem ao Estado para que ele decida sobre o litígio. O Estado assume,
neste caso , o papel de árbitro e, investido nessas funções , sentencia sobre a lide.
Qual é a característica desse tipo de solução de problemas e que conseqüências
promove?
De um modo geral, esse tipo de solução leva alguém a ter 100% de razão, enquanto
580 Celso Cláudio de Hildebrand e Grisi

a outra parte fica subtraída de qualquer benefício. É raro , dir-se-ia até que muito
raro , defrontar-se, na prática, com sentenças do tipo " Rei Salomão" . E o que é
pior, no atendimento das partes litigantes nosso " Rei" sugere cortar a criança em
duas partes iguais. Cortava o problema pelo meio de forma a satisfazer os
contendores e, de resto, matava a criança. Como então se resolveu a questão ?
Uma parte ganhou, a outra perdeu.
Estratégias de interpenetração : destas, a mais tradicional é a da mediação . Um
mediador tenta compor os interesses individuais para chegar a um acordo . É um
auxiliar da negociação que, como uma terceira parte, interfere nas relações
existentes em busca de uma solução.

111. ELEMENTOS CONDICIONANTES DAS NEGOCIAÇÕES

1. Informação
o nível de informações detido por cada uma das partes, tanto em relação àquilo
que está sendo discutido, como sobre as características do oponente, exerce uma
profunda influência sobre o comportamento durante a negociação . Rodrigues
(1978) desenvolveu um estudo analisando a influência da informação assimétrica
sobre o comportamento durante a negociação e concluiu que as informações são
armas poderosas na produção de resultados assimétricos.
A construção de um Sistema de Informação eficaz implica a coleta, quanto
possível exaustiva, dos elementos que caracterizam potencialidades e vulnerabi-
lidades das partes envolvidas.
A lista a seguir constitui-se numa sugestão de itens que parecem importantes às
negociações com pessoas e instituições.

2. Ambiente Físico
o ambiente físico é outro fator de grande importância que pode alterar a parti-
cipação de um negociador na realização de um contrato. É conhecida a preferên-
cia de determinados empresários para fechamento de seus negócios distante de
um escritório normal, havendo mesmo aqueles que preferem utilizar como meio
de comunicação o telefone ou telex ao invés de estar tête-à-tête com seu
adversário. Edward T. Hall (1989) aborda com muita felicidade esse aspecto
quando trata da " li nguagem do espaço" e sua influência na realização de negócios
com homens pertencentes a outras culturas.
QUADRO I
POTENCIALIDADES E VULNERABILIDADES DAS PARTES ENVOLVIDAS EM UM PROCESSO DE NEGOCIAÇÃO

ADMINISTRAÇÃO INOVAÇÃO FINANÇAS PRODUÇÃO MARKETING

1. Principais Executivos 1. Recursos Técnicos 1. Longo Prazo 1. Instalações 1. Força de Vendas


• Objetivos e Prioridades • Patentes e Registros • índice de Performance • Capacitação o
• Valores • Nível Tecnológico • Tamanho
• Sistema de Recompensa • Integração Técnica • Tipo
e Punição • Localização o
2. Tomada de Decisão 2. Recursos Humanos 2. Curto Prazo 2. Fábrica 2. Esquema de
• Localização • Capacitação • Linhas de Crédito • Tamanho Distribuição oo
• Tipo • Utilização • Tipo de Empréstimos • Capacidade • Cobertura
• Velocidade • Vínculos com a • Localização • Número de Estágios
Comunidade • Idade • Custo

3. Planejamento 3. Recursos Financeiros 3. Liquidez e Fluxo 3. Equipamentos 3. Políticas de Venda


• Tipo • Nível de Investimento de Caixa • Automatização
• Ênfase • Porcentagem de Vendas • Dias a Receber • Manutenção o
• Horizonte • Consistência no Tempo • Rotação Estoques • Flexibilidade
• Origem dos Recursos • Práticas Contábeis
Adotadas
o
4. Equipe 4. Recursos Humanos 4. Processos 4. Comunicação
• Idade e Turn Over • Exclusividade • Capacitação de
• Experiência • Flexibilidade Fornecedores
• Política de Contração e • Meios Utilizados
Reposição • Mensagens
• Argumentos

5. Organização 5. Sistemas 5. Grau de Interação


• Estrutura • Planejamento
• Funções • Orçamento
• Envolvimento do Staf] • Controle

Para a busca e coleta dessas informações são sugeridas as seguintes fontes:


o

QUADRO II o
FONTES DE INFORMAÇÕES SOBRE AS PARTES ENVOLVIDAS EM UM PROCESSO DE NEGOCIAÇÃO c:,

PÚBLICO PROFISSIONAIS DA GOVERNO ACIONISTAS


ÁREA

• Propaganda • Manuais • Relatórios para • Encontros Anuais o-


• Material Promocional • Artigos Técnicos Governo e Associações • Relatórios Anuais para
Declarações da Acionistas
• Press-releases • Licenças Patronais
Própria Parte
• Discursos/Palestras • Cursos/Seminários • Planos Anuais (projetos
• Livros/Revistas aprovados em órgãos
• Mudança de Executivos públicos)
• Relatórios Anuais para
Bolsa de Valores

• Anúncios de Emprego • Fornecedores/Cliente • Citação Judicial • Relatórios de Corretoras


• Livro/Artigos • Imprensa Especializada • Situação junto a Órgãos • Estudo do Setor como
Declarações de um Todo
• Estudos de Caso • Distribuidores dos Federais, Estaduais e
Terceiros
• Consultores Concorrentes Municipais • Disponibilidade de
• Jornalistas Relatórios
• Grupos Ambientais
Técnicas de Negociação para Contratos de Cooperação Técnica Internacional 583

Em relação a isso, sugere-se dedicar atenção, pelo menos, aos seguintes itens:
localização (tentar lugar neutro):
lay-out;
número de partes;
número de participantes, enfatizando as equipes de dimensões semelhantes;
platéia, filtrando-se informações que sejam levadas para evitar ou criar
pressões;
canais de comunicação (garantir telefone etc. com os centros de informação
e decisão);
prazos, com manipulação dentro dos limites de custo .

3. Relação de Poder
A relação de poder é o terceiro fator que pode vir a modificar o comportamento
durante a negociação. Como observa Thomas Clain (1960), a existência de uma
diferença de poder percebida entre as partes implicará uma mudança de estraté-
gia durante o conflito, pois aquele que se sentir inferiorizado agirá conforme essa
percepção para atingir seu objetivo na resolução do ponto discutido.
É provável, mas apenas provável, que as partes inferiorizadas ajam de forma
distributiva, acirrando os comportamentos competitivos, intensificando ações
persuasivas e, sobretudo, enfatizando posições. Essas atitudes e comportamentos
produzem obstáculos de difícil remoção para o fechamento dos negócios.

4. Valores
Talvez seja o fator que mais influencia as relações internacionais e suas respec-
tivas negociações. A cultura também é um fator extremamente rico em ilustra-
ções de como os valores arraigados podem levar um negócio a não se concretizar,
muito embora esses valores, em alguns casos, sejam desconsiderados por parte
do oponente. É muito conhecida a satisfação com que os soviéticos recebem
negociadores de outros países quando estes apreciam algumas doses de vodca na
mesa de negociação . Um outro autor, Zandt (1970), apresenta, através de 13
características principais, o perfil comportamental dos negociadores japoneses,
citando entre eles a resistência desses orientais a empregar a palavra "não" em
suas negociações. Aliás, essa também é uma característica muito freqüente no
584 Celso Cláudio de Hildebrand e Grisi

comportamento dos brasileiros que normalmente preferem utilizar-se do termo


"talvez" para expressar-se em uma negociação.
Esse comportamento brasileiro tem uma grande importância dentro daquilo que
os autores denominam aspectos táticos da comunicação durante a negociação
que, em alguns casos, são mais importantes que o conteúdo expresso nas men-
sagens emitidas durante o processo.
Uma outra forma de abordar o fator cultura e sua influência nas atividades de
marketing internacional, portanto também no campo da negociação, é a desenvol-
vida por Leesnyder e Ghertman (1988) , que propõe a "rnensuração do efeito prisma"
provocado pelo fato de se ampliar as atividades de marketing para outras partes.
Esse efeito pode ser sintetizado nas seguintes palavras: " Conhecer qual a direção
em que se orienta o mercado externo visado, de forma a definir as estratégias de
marketing mais adaptáveis a esse novo mercado". A diferença entre as estratégias
adotadas para o mercado interno e as definidas para exportação é conseqüência
justamente do efeito prisma, ou seja, há uma "refração" que discrimina o compor-
tamento do mercado interno do comportamento do mercado externo.

5. Estilos
Completando o grupo de fatores que influenciam o comportamento durante a nego-
ciação está o estilo das pessoas que a realizarão. Existem indivíduos que negociam,
enfatizando, sobretudo, o aspecto racional do acordo, como há pessoas cujo
comportamento durante a barganha é mais afetado pelo envolvimento emocional.
É importante ao participante discriminar quais as características do adversário
que estão a caracterizar o seu estilo. Essa constatação facilita a seleção de táticas
mais adequadas para o desenvolvimento do processo.
Conhecendo-se os principais fatores que influenciam o comportamento durante a
negociação, o próximo passo é apresentar um modelo que descreva aquilo que ocorre
durante o processo. Seguindo a orientação prosposta por Angelmar e Stern (1978),
que após analisar vários modelos trataram com sucesso o proposto por Watson e
Mackersie (1965), é interessante para o trabalho ora desenvolvido descrevê-lo.

IV. MODELO PARA ANÁLISE DE NEGOCIAÇÕES

o modelo de Watson e Mackersie para negociação distributiva é apresentado no


Quadro 111. As táticas e categorias de mensagens correspondentes permitem
Técnicas de Negociação para Contratos de Cooperação Técnica Internacional 585

compreender o comportamento de uma negociação, propiciando a identificação


de formas mais convincentes de abordar o oponente desde que sejam detectados
aqueles fatores que o influenciam com predominância. Para melhor compreensão
desse modelo, as definições de cada mensagem são apresentadas a seguir.

Questões
Durante as negociações distributivas, os participantes colocam questões para se
certificar da função de utilidade dos seus oponentes. Essa é, por sinal, a forma
utilizada para se identificar a possível reação do oponente quanto às futuras
colocações. Por exemplo, na definição de um preço, no momento que se coloca
a questão: "Quanto você pode pagar?" está se tentando encontrar os limites onde
a negociação deverá se fixar.
Essa tática permite ampliar o número de informações que se detém sobre o
oponente. Na negociação internacional é comum solicitar as características do
produto, atestados de qualidade etc., para melhor se conhecer aquilo que é
oferecido.

QUADROIII
TÁTICAS NA NEGOCIAÇÃO DISTRIBUTIVA

TÁTICAS DE NEGOCIAÇÃO CATEGORIAS DE MENSAGENS


1. Para se certificar da utilidade do oponente Questões
2. Para modificar a percepção do oponente Revelações pessoais ou da organização
em face da utilidade de cada parte apresentadas
Recomendações e Advertências
3. Para modificar a percepção do oponente Apelos Normativos de modo positivo ou negativo
em face da sua própria utilidade Promessas e Ameaças
4. Para manipular os custos da sua parte e Ordens
aqueles do oponente Engajamento
5. Táticas de engajamento

Revelações Pessoais ou da Empresa


Essa categoria compreende aquelas mensagens onde o participante revela infor-
mações sobre ele mesmo ou sobre a empresa que ele representa, para mudar os
indicadores da negociação pelo oponente. Um exemplo comum para esse tipo de
tática é aquele onde, para reduzir o preço, um participante apresenta suas
dificuldades financeiras para adquirir uma determinada tecnologia no valor
proposto pelo vendedor.
586 Celso Cláudio de Hildebrand e Grisi

Recomendações e Advertências
Nesse caso, as mensagens compreendem as boas predições (recomendações) ou
más (advertências), se bem que essas predições não são controladas pela fonte
responsável da mensagem enviada. Ex.: a aquisição pelo Chile de componentes
brasileiros aumentará as trocas entre os dois países, tornando mais concreta a
independência latino-americana.

Aspectos Normativos de Modo Positivo ou Negativo


São aquelas mensagens onde o participante indica que o comportamento do
oponente está ou estará conforme ou dissonante com as normas econômicas ou
sociais. Ex.: o preço estipulado para um lote de peças industriais foge comple-
tamente do preço oferecido pelos outros países.

Ordens
Essa categoria compreende mensagens cuj a implicação pode corresponder sej a
a uma ameaça, seja a uma punição ou a uma promessa. Em função dessa
multiplicidade de implicações, considera-se difícil sua discriminação como táti-
ca em se tratando da análise de conteúdo.

Promessas e Ameaças
N esse caso , como para as recomendações e advertências, as mensagens com-
preendem boas e más conseqüências para o adversário em função da sua futura
previsão . A diferença está no controle, por parte do proponente, a respeito das
conseqüências previstas. Ex. : a realização dessa primeira importação significa
que outros negócios surgirão entre nossas empresas, propiciando benefícios para
ambas as partes.

Engajamento
É uma predição pessoal, onde o participante sinaliza ao outro haver compromis-
sos recíprocos assumidos em torno de objetivos comuns.
Completando o modelo apresentado por Watson e Mackersie, retratando as táticas
utilizadas durante a negociação, é proposta a última categoria de mensagens que
são utilizadas especificamente para modificar a estrutura de atitude do oponente.

Recompensa e Punições
Elas consistem em reforçar as conseqüências para o adversário, sem transmitir
Técnicas de Negociação para Contratos de Cooperação Técnica Internacional 587

nenhuma mensagem explícita fixando condições relevantes. Um exemplo de


recompensa é: "Estou contente em perceber algum progresso em nossas nego-
ciações" . Para as punições: " Sua oferta é completamente irracional e não pode
ser considerada".

V. PROCESSO DE NEGOCIAÇÃO

Aqui a precipitação é o maior dos pecados que um negociador pode cometer.


Especificamente no Brasil, criou-se, desde um certo momento, o hábito de
"queimar etapas", para mais rapidamente ver concluídas as tarefas a serem
realizadas. Triste procedimento.
A negociação requer algumas fases e, dentro delas, o estabelecimento de algumas
providências. Harsany (1962) propõe:

1. Preparação
Corresponde às atividades de planejamento a serem desenvolvidas para a con-
cretização do negócio. A experiência tem ensinado que o tempo e os esforços
dedicados a essa fase são largamente recompensados pela qualidade dos resul-
tados produzidos por uma preparação cuidadosa.
Preparações eficientes só são possíveis quando estão assentadas em um bom
sistema de informação . A compreensão sobre os ambientes que circundam as
partes, sobre as variáveis que compõem esse ambiente e as relações ocorridas
entre elas permite a identificação dos objetivos máximos e mínimos de cada uma
das partes envolvidas no processo negociaI. Dessa análise emergem os elementos
circunstanciais que restringem a fixação dos objetivos de cada negociador e,
portanto, através deles é possível presumir "as faixas prováveis de fechamento
de acordos" e, simultaneamente, proceder às expectativas dos resultados, dos
meios e recursos necessários para alcançá-los e do tempo demandado por todo o
processo.
Cabe, agora, novas reflexões: os comportamentos prováveis dos negociadores,
suas personalidades e valores, ademais de seus estilos predominantes em ativi-
dades negociais. Essas reflexões ensejam a adoção de táticas e estratégias
específicas, voltadas ao encaminhamento mais produtivo dos problemas a serem
resolvidos e permitem a identificação de concordâncias e divergências relacio-
nadas aos problemas.
588 Celso Cláudio de Hildebrand e Gr isi

2. Sondagem Inicial
Essa fase destina-se à formação de circunstâncias que favoreçam a confecção de
acordos e ao reconhecimento das diretrizes que devem presidir as relações entre
os participantes. Dessa forma, encetam-se esforços para a criação de um clima
de receptividade que leve à separação dos problemas a serem resolvidos e das
pessoas que devem resolvê-los.
O passo seguinte deve incluir a definição dos propósitos de cada parte, pela
apresentação dos critérios objetivos para encaminhamento dos problemas exis-
tentes. Benefícios mútuos devem ser enfatizados, de maneira a destacar o aten-
dimento dos interesses de cada lado.
Encerram-se os trab alhos de sondagem inicial com a rememoração dos elementos
que possibilitam e recomendam o acordo final. Vale, portanto , registrar entre os
participantes os pontos onde a concordância foi atingida.

3. Troca de Informações
Ainda não é o momento de negociar. Será antes prudente reconhecer o terreno
que se vai pisar. Certifique-se dos traços de personalidade de cada negociador,
de seus estilos de comportamento negociaI e dos valores que estão envolvidos
na negociação. Explore as necessidades de seus oponentes, descubra os interes-
ses de cada qual, afaste as posições e disputas de vontades. Escute e promova
ações com reforço positivo. Aproveite isso para consolidar os critérios objetivos
em torno dos quais se possa, no futuro, conceder ou exigir concessões. Faça um
resumo dos pontos de concordância e identifique dúvidas e resistências a serem
tratadas e superadas nas fases seguintes.
Agora explore suas habilidades pessoais para produzir as combinações mais
aceitáveis entre os problemas tratados, os interesses existentes e os critérios
acordados. Perspicácia e criatividade são atributos indispensáveis ao negociador
nesse momento.

4. Persuasão
Inicia-se um jogo de esgrima. Negociadores hábeis produzem um intenso inter-
câmbio de ofertas, acompanhado de avaliações e contraproposições. Uma dança
de estilos, com movimentos rápidos, sucede-se em meio ao ambiente de nego-
ciação. Valores e interesses revezam-se, traços de personalidades e condutas são
disfarçados. A dissimulação de objetivos e expectativas é praticada em nível
Técnicas de Negociação para Contratos de Cooperação Técnica Internacional 589

verbal e não-verbal. Os conteúdos informacionais, as expressões corporais e a


análise dos discursos, amparada nos elementos da lingüística, são as armas mais
eficazes na validação das conclusões a que se possa chegar.
Apoiado nessas conclusões, invente o maior número de opções com benefícios
mútuos, destaque os benefícios presentes em soluções que satisfaçam as partes.
Seja crível: utilize fatos e dados concretos. Insista nos critérios objetivos e trate
objeções com demonstrações de interesse.

5. Concessões e Acordos
Acordos são alcançados, de um modo geral, após a realização e/ou obtenção de
concessões recíprocas, salvo em situações assimétricas de poder e informações
entre as partes.
Torna-se importante lembrar que a obtenção de concessões deve ser alcançada
pelo respeito aos critérios objetivos. Se eles estão a indicar que um resultado
sensato a ser alcançado exige a concessão de uma das partes, então, não há
justificativa cabível para não fazê-la.
Claro que será sempre mais fácil obtê-la quando, na fase anterior, gerou-se o
maior número de alternativas possível e, sobretudo , quando se buscam resultados
baseados em padrões independentes das partes.
São procedimentos recomendáveis nesse momento : apresentar os prós e os
contras de cada alternativa, enfatizando os pontos positivos que apresentam;
procurar fazer com que a primeira concessão venha da outra parte; iniciar as
concessões que lhe caibam por pontos acessórios a você e que, não necessaria-
mente, sejam acessórios para as demais partes; não conceder sem que os outros
hajam lutado por isso, pois do contrário eles não valorizarão o que receberam;
pedir algo em troca de toda a concessão feita, para aumentar a sensibilidade à
concessão recebida; não conceder muito, nem rapidamente, para não aumentar
as expectativas de resultados das outras partes; não intimidar-se em dizer "NÃO",
pois a persistência na negativa induz a uma maior crença nas propostas e nos
proponentes.

6. E se, Depois de Tudo, Permanecer um Impasse?


O negociador experiente sabe que cada negociação tem seu ritmo próprio e que
os impasses, antes de constituírem-se em elementos impeditivos dos acordos, são
ocasiões e pretextos para novas avaliações ou para reconsiderações de fatos,
590 Celso Cláudio de Hildebrand e Grisi

objetivos e estratégias, quando não apenas uma estrutura de suporte para novas
contraproposições. Assim, não há por que temê-los, mas explorá-los como mais
um round da negociação em andamento .
Recuos e avanços devem ser moderadamente utilizados. A exacerbação desses
comportamentos tende a ser confundida com rompimento ou necessidade de
encontrar o acordo " a qualquer preço". Não pare, ande sempre no sentido de
facilitar a superação de obstáculos e resistências. Algumas ações são possíveis:
proponha uma pausa, uma mudança de local. Não insista em demasia, procu-
rando sempre deixar uma saída honrosa para o oponente;
mude um membro do grupo, o líder, por exemplo. Traga gente nova, ela não
está comprometida com posições assumidas;
procure alterar a composição dos grupos: engenheiro com engenheiro; admi-
nistradores com administradores - falam a mesma língua;
mude o tipo de contrato, as especificações: em vez de valor fixo fale em
percentuais; acrescente uma vantagem adicional;
chame um mediador, uma terceira pessoa; ela poderá afastar os padrões de vontade
de cada negociador e retomar a negociação a partir dos interesses de cada um;
perante a outra parte, o que faria em seu lugar. Proponha uma reflexão sobre
os critérios objetivos. Estão sendo efetivamente respeitados? ;
use seu humor (sempre em relação ao que está sendo negociado). Descontraia
o ambiente, para restituir o clima de receptividade e desarmar os espíritos;
não responda a agressões . Contraponha fatos e dados concretos a argumentos
pessoais;
ouça mais e fale menos . Faça o outro sentir que você o está ouvindo. Repita
suas afirmações, peça explicações mais detalhadas e resuma sua fala antes
de responder;
volte a enfatizar as concordâncias, mostrando que superam em muito as
divergências. Retome os benefícios que poderiam ser alcançados e estimule
os desejos de superá-los.

VI. PREPARAÇÕES EFICIENTES

Lembre-se: aqui reside uma parte considerável do sucesso de sua negociação.


Não negligencie nas seguintes atividades:
Técnicas de Negociação para Contratos de Cooperação Técnica Internacional 591

1. Escolha dos Negociadores


A escolha dos negociadores deve ser presidida por:
juntos caracterizam estilos e tipos de
traços de personalidade
negociadores mais adequados a cada
}
o observação de habilidades circunstância.

formação de equipes mistas, para garantir, pela multidisciplinaridade dos


conhecimentos, padrões mais elevados de desempenhos.

2. Análise da Situação
analise as restrições a que cada equipe se submete, sem o que não se pode
aferir:
os objetivos da outra parte
} redigir é sempre recomendável
os seus próprios objetivos
preveja os limites da autoridade de cada participante.
garanta canais de comunicação com os centros de decisão.

3. Fatos a Confirmar durante a Negociação


liste-os exaustivamente e não se perca em detalhes .

4. Agenda
construa-a e monitore-a para não perder o timing.

5. Estratégias de Concessão
planeje-as para evitar surpresas.

6. Atribuição de Funções aos Membros da Equipe


defina papéis e explicite a extensão dos mandatos envolvidos, fixando as
respectivas responsabilidades.
592 Celso Cláudio de Hildebrand e Grisi

VII. PECULIARIDADES DAS NEGOCIAÇÕES DE CONTRATOS DE


COOPERAÇÃO TÉCNICA INTERNACIONAL

À luz do exposto, é possível reconhecer peculiaridades nos processos de nego-


ciação dos contratos de cooperação técnica internacional:
1. apresentam natureza tipicamente integrativa, exigindo negociadores com
perfil cooperativo. Comportamentos e valores distributivos tendem a produ-
zir impasses e exacerbar divergências;
2. pressupõem a multiplicidade das partes (Estados, empresas, agências, ban-
cos, centros de pesquisas etc.) e, por essa razão, implicam pontos de conflitos
diversos: financeiros (volumes, prazos, taxas de financiamentos , contrapar-
tida de recursos próprios, cronograma de aplicação , utilização e comprovação
de recursos etc.) ; políticos (compatibilidade com objetivos institucionais,
consistência com as demais atuações na região , equilíbrio regional nas dis-
tribuições dos benefícios, compatibilidade com as políticas internacionais
vigentes para financiamento/empresa/tecnologia/país etc.) ; tecnológicos (ti-
pos e estádio s requeridos e/ou pesquisados, grau de autonomia, equipamentos
e instalação demandados, origem dos padrões tecnológicos assumidos etc.) ;
sociais (objetivos sociais a serem alcançados, multiplicação de conhecimen-
tos, impactos produzidos nas comunidades envolvidas, nível de compartilha-
mento desses benefícios) ;
3. implicam a complexidade de critérios para avaliação dos projetos, sobretudo
no referente à relação custo x benefício que , de modo geral, estará assentada
em elementos não-tangíveis ;
4. demandam um sistema de fiscalização e auditoria pormenorizado e, de modo
geral, bastante burocratizado. A multiplicidade de partes e interesses, adicio-
nada de elementos políticos e de critérios intangíveis, estimula a criação e a
obediência de formalidades, ainda que de maneira a hipertrofiar essas funçõ-
es em detrimento das funções-fim;
5. provocam exposição exagerada de grupo s ou pesso as, expondo todo o con-
trato de cooperação à eventual visibilidade indesejada;
A identificação de elementos inibidores da conclusão de acordos de coope-
ração técnica internacional est á associada a um conjunto de sintomas espe-
cíficos e pressupõe, igualmente, ações corretivas determinadas.
6. ocultam objetivos maiores das partes e, por essa razão, dificultam o entendi-
mento dos interesses e dos benefícios buscados pela parte contrária.
Técnicas de Negociação para Contratos de Cooperação Técnica Internacional 593

VIII. FATORES QUE INIBEM O SUCESSO DAS NEGOCIAÇÕES DE


CONTRATOS DE COOPERAÇÃO TÉCNICA INTERNACIONAL

A identificação de elementos inibidores da conclusão de acordos de cooperação


técnica internacional está associada a um conjunto de sintomas específicos, e
pressupõe, igualmente, ações corretivas determinadas:

1. Sintoma
o processo de negociação é mais intuitivo e menos lastreado no problema que se
quer resolver. Exemplos característicos são os acordos que envolvem setores orien-
tados à tecnologia, onde a ênfase é dada apenas ao problema que se quer resolver.

Ação Corretiva
O desenvolvimento de uma negociação requer análise sob dois pontos de vista:
problema e método .

2. Sintoma
Dificuldade em desvendar as necessidades das partes envolvidas. Típico de quem
quer ganhar tudo todo o tempo, esquecendo que as opções devem promover
ganhos mútuos e atender a interesses das partes.

Ação Corretiva
Dividir o todo em partes ou segmentos que ainda reflitam necessidades seme-
lhantes para fornecer " pistas" ao desenvolvimento de alternativas com benefícios
comuns e vantagens mútuas.

3. Sintoma
Avaliação precipitada quanto ao grau de mudança comportamental que se espera
da outra parte. Ex .: contratos para assistência em automação industrial.

Ação Corretiva
Caracterizar e avaliar o impacto das mudanças comportamentais que o negocia-
dor deverá sofrer, minimizando o desconforto ou " custo psicológico" que essas
mudanças provocarão no negociador.
594 Celso Cláudio de Hildebrand e Grisi

4. Sintoma
Fracasso em comunicar claramente os benefícios oferecidos. Ex .: típico de
ausência de Sistema de Informações junto ao negociador para o desenvolvimento
do processo de comunicação .

Ação Corretiva
Fundamentar o processo de comunicação a partir da premissa de que na realidade
as pessoas não adquirem uma nova atitude por um simples processo, reagindo a
um único estímulo (digamos a oferta) mas, sim, em decorrência de um processo
mais complexo com diversos estímulos.

IX. Os PRINCIPAIS DESAFIOS DE UMA NEGOCIAÇÃO DE


CONTRATOS DE COOPERAÇÃO TÉCNICA INTERNACIONAL

Os contratos de cooperação técnica produzirão alguns desafios adicionais, mes-


mo aos negociadores mais experimentados. É claro que isso é uma decorrência
de sua própria natureza, senão de algumas características que lhe são peculiares.
Trata-se de contratos de termos muito longos que obrigam as partes a convivên-
cias estreitas e intensas. Muitas vezes estão cercados de elementos sigilosos e,
outras, versam sobre objetos intangíveis, com negociações difíceis e demoradas.
Por isso, o agente de cooperação deve estar pronto para conviver com os
principais desafios a ele impostos:
1. preservar a imagem das pessoas e instituições envolvidas;

2. garantir a homogeneidade de comportamento e atitudes (valores, opiniões,


julgamentos etc.);
3. manter o entusiasmo próprio e da equipe;
4. agregar benefícios relevantes às ofertas apresentadas.
Talvez na extensão dos desafios e na quantidade com que costumam aparecer
nos contratos internacionais de cooperação, ou até nas repercussões e conseqüên-
cias que costumam produzir, residem, para o agente de cooperação, os maiores
estímulos à conclusão dessas negociações. E, por isso, quiçá, esses profissionais
têm, no Brasil, demonstrado, equilibradamente, otimismo e cautela nas deman-
das e ofertas relacionadas às cooperações técnicas.
Técnicas de Negociação para Contratos de Cooperação Técnica Internacional 595

Referências Bibliográficas

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Communication in Marketing". Journal of Marketing Research , pp. 93-102, fev . 1978.
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RUBIN, J. Z. e BROWN, Bret R. The SocialPsycology ofBargaining and Negotiation. New York,
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SCHELLING, Thomas Clain. The Strategy of Conflict. Cambridge, Massachusetts , Harvard
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WATSON, R. E . e MACKERSIE, R. B. A Behavioral Theory of Labor N egotiations. New York,
McGraw-Hill Book Company , 1965.
ZANDT, H. "How to Negociate in Japan" . Harvard Business Review, nov .-dez . 1970.
Meios de Pagamentos e
Garantias Bancárias em
Contratos Internacionais

Ligia Maura Costa

I. INTRODUÇÃO

1. Delimitação da Matéria
As transações comerciais internacionais comportam riscos mais extensos e me-
nos controláveis que os decorrentes das atividades exclusivamente internas. Os
contratos de cooperação técnica internacional não são uma exceção à regra geral.
Eles apresentam problemas complexos e variados que implicam a utilização
de diferentes meios de pagamento, de financiamento e de garantias. Sem
dúvida alguma, entre esses meios o crédito documentário e as garantias
bancárias são os mais utilizados. Na realidade, quase toda operação comercial
internacional de uma certa importância financeira é envolvida por esse anel
de segurança.

2. Semelhanças e Diferenças entre os dois Institutos


O crédito documentário e as garantias bancárias apresentam grandes seme-
lhanças. Ambos foram criados pela prática para facilitar o desenvolvimento
598 · Ligia Maura Costa

harmonioso das relações comercrais internacionais e têm como personagens


principais um tomador, um banco, às vezes dois - e um beneficiário .
Créditos e garantias têm basicamente a mesma finalidade: forn ecer a garantia de
uma instituição financeira, de reputação internacional, da boa execução das
obrigações, tanto para o exportador como para o importador.
No plano jurídico, são também dois institutos próximos. O denominador comum
é a autonomia do compromisso bancário em relação ao contrato comercial que
lhe deu origem, fato esse que enfatiza seu caráter abstrato .
O crédito documentário é um crédito à importação, em que o banco empresta sua
assinatura ao importador para garantir o pagamento ao exportador, pagamento esse
que o banco efetivamente realiza quando o exportador apresenta os documentos
conformes à ordem de abertura do crédito documentário . As garantias bancárias são,
por outro lado, um crédito à exportação em que o banco empresta sua assinatura ao
exportador para garantir ou, em último caso, indenizar o importador.

3. Apresentação do Plano de Estudo


Na literatura jurídica brasileira não há, pelo que sabemos, uma obra completa e
atual sobre a matéria. Na verdade, alguns artigos foram publicados (BAPTISTA,
1982; LEÃES, 1976; BULGARELLI, 1984), mas eles tratam apenas de alguns
problemas determinados e não oferecem uma noção de conjunto. Por essa razão,
nossa exposição não poderá ignorar os importantes desenvolvimentos doutriná-
rios e jurisprudenciais dos mais importantes sistemas estrangeiros'.
Estudaremos, na primeira parte, o crédito documentário (11) e, em seguida,
discutiremos problemas peculiares às garantias bancárias (V).

11. O CRÉDITO DOCUMENTÁRIO

1. Razões da Criação do Crédito Documentário


Nas relações comerciais internacionais e, em particular, nos contratos de coope-
ração técnica internacional, exportador e importador geralmente não se conhe-

1. o assunto é referido em bibliografia: francesa em Bontoux, 1970; Boudinot, 1979; suíça: Dohn, 1985 ;
am ericana: Dolan, 1991; Harfield, 1974 ; Kozolchyk, 1973 ; inglesa : Gutteridge, 1968; Ventris, 1983 ;
italiana: Visconti , 1985; canad ense : Sarna , 1986 .
Meios de Pagamentos e Garantias Bancárias em Contratos Internacionais 599

cem suficientemente bem e, por consequencia, é difícil para cada um deles


avaliar os riscos que poderão advir em relação a seu co-contratante comercial,
assim como a capacidade de cumprir as obrigações contratuais assumidas. Além
disso, a distância geográfica entre as partes envolvidas não permite a simulta-
neidade de tradições, isto é, mercadorias contra pagamento . A desconfiança entre
comerciantes distantes originou o crédito documentário . Seu objetivo principal
é minimizar os riscos ao possibilitar a simultaneidade de trocas graças à inter-
venção de um terceiro confiável para aqueles: um banco.

2. Funcionamento Básico do Crédito Documentário


Em linhas gerais, a operação de crédito documentário funciona com três perso-
nagens: importador (tomador do crédito) (KOZOLCHYK, 1973, p. 15), exporta-
dor (beneficiário) e banco (banco emitente) , todos em torno de um contrato de
venda internacional. O importador pede ao banco que abra um crédito documen-
tário em favor de seu exportador. O banco compromete-se a pagar o exportador,
mediante a apresentação dos documentos da exportação (faturas, documentos de
transporte marítimo , ferroviário, fluvial, aéreo , apólices de seguro, documentos
de alfândega etc.) conformes às estipulações do crédito. Uma vez pago o expor-
tador, cabe ao banco que efetuou o pagamento exigir do importador o reembolso .

3. Intervenção de um Segundo Banco


A intervenção de um segundo banco, em geral do país do exportador (BON-
TOUX, 1982; FARAGGI & COTY, 1976), ocorre na maior parte dos casos. Sua
função pode variar em virtude das instruções recebidas do banco emitente:
primeiramente, ele pode funcionar simplesmente como meio de transmissão do
crédito documentário, conferindo a autenticidade da assinatura do banco emiten-
te e notificando o exportador da abertura do crédito em seu favor sem, todavia,
assumir qualquer compromisso para com ele. É denominado banco notificador.
Esse segundo banco pode também desempenhar a função de transmissão do
crédito acoplada a um mandato de realizá-lo, isto é, verificar os documentos
entregues pelo exportador e efetuar o pagamento em nome e por conta do banco
emitente, sempre sem qualquer compromisso. Nesse caso, é conhecido como
banco realizador do crédito .
Freqüentemente, o segundo banco desempenha, ainda, outro papel : o de confir-
mador do crédito. A confirmação do crédito documentário compreende um
600 Ligia Maura Costa

envolvimento do segundo banco , semelhante ao do banco emitente, e confere ao


exportador uma segurança a mais, pois a confirmação corresponde a um compro-
misso do segundo banco independente e autonômo daquele que foi assumido pelo
banco emitente.

4. Criação das R.U.U.


Aparentemente, a operação de crédito documentário é muito simples. A prática,
todavia, revelou que muito s problemas podem surgir, principalmente quanto à
apresentação de documentos conformes e à fraude. Por essa razão, foi necessário
criar um status jurídico preciso e uniforme, que pudesse ser aplicado em dife-
rentes países. A iniciativa de uniformização foi obra da Câmara de Comércio
Internacional (C.C.I.) e resultou, em 1933, no estabelecimento das Regras e Usos
Uniformes Relativos aos Créditos Documentários - (R.U .U .)2. Para uma melhor
adaptação ao desenvolvimento do comércio internacional, as R.U.U. estão em
constante evolução, sendo periodicamente revisadas'. A versão atual foi adotada
em junho de 1983 e entrou em vigor em 1ºP de outubro de 1984 (ICC, 1984;
BOUDINOT, 1982).
Embora as R.U.U. não possuam qualquer valor legal, pois toda a sua força
obrigatória provém da vontade das partes contratantes", elas representam certa-
mente uma vitória em matéria de normalização autônoma internacional, adotadas
por bancos de mais de 165 países.

5. Dispositivos Básicos das R.U.U.


A versão vigente das R.U.U . é formada por 55 artigos assim agrupados : dispo-
sições gerais e definições (artigos 1 a 6) ; forma e notificação dos créditos (artigos
7 a 14); responsabilidades (artigos 15 a 21) ; documentos (artigos 22 a 42) ; dispo-
sições diversas (artigos 43 a 53); e transferência do crédito (artigos 54 e 55) .
O artigo 2 das R.U.U. de 1983 define o crédito documentário, enquanto os artigos

2. Brochura n. 82 da C.C .!. A abr eviação R.U.U. corresponde a U.C.P . (Un iform Customs and Pr actice for
Documentary Credi ts) nos países anglo-saxões.
3. Entre a versão de 1933 e a revisão de 1983, três outras ver sões foram adotadas: em 1951 (n. 151 , Congresso
de Lisboa); em 1962 (n . 22 2, Congresso do México ) e em 1974 (n . 290 da c.C. L). Cf. C.E. BALOSSINI,
1978).
4. Algumas decisões jurisprudenciais franc esas consideram que as R.U.U. são aplicáveis indep end entemente
de qualquer referência expressa das partes envolvidas. Ver Trib. Com. Paris, 8 mars 1976 , Droit Maritime
Français ( D.M.F.), 1976.
Meios de Pagamentos e Garantias Bancárias em Contratos Internacionais 601

3, 4 e 10 ressaltam sua independência do contrato comercial que lhe deu origem.


A única exceção ao princípio da independência do crédito documentário em relação
ao contrato de base ocorrerá na hipótese de fraude: fraus omnia corrumpit.
Com base no artigo 6 das R.U.U. de 1983, dois princípios podem ser ressaltados:
primeiro, o banco emitente, ao subscrever um compromisso pessoal de pagamen-
to em relação ao beneficiário, não se torna mandatário do tomador do crédito e,
portanto , a falência do tomador do crédito não o dispensa de executar seu
compromisso; segundo, o banco emitente permanece obrigado mesmo quando
um evento estranho ao crédito , como , por exemplo , uma medida governamental
proibindo pagamentos ao exterior, impossibilite o reembolso devido pelo toma-
dor do crédito.

III. MECANISMO DO CRÉDITO DOCUMENTÁRIO

1. Etapas do Crédito Documentário


Uma operação de crédito documentário compreende, em linhas gerais, quatro
fases: (a) o acordo entre importador e exportador; (b) a ordem de abertura do
crédito; (c) sua realização e, finalmente , (d) os efeitos de sua realização.

a. O Acordo entre Importador e Exportador

Problemas da Ordem de Abertura de Crédito


A base do crédito documentário é o contrato de venda firmado entre importador
e exportador, pelo qual o exportador exige que o pagamento se realize através
de crédito documentário. Uma vez ajustadas as condições contratuais, o impor-
tador solicita ao seu banco, mediante o pagamento de uma comissão, a abertura
de um crédito documentário em favor de seu exportador. O banco, tendo aceito
o pedido do importador, realiza a abertura do crédito de acordo com as instruções
do importador.
Como toda e qualquer referência ao contrato comercial deve ser ignorada pelo
banco, a preparação dos termos da ordem de abertura de crédito é de importância
fundamental. O pedido de abertura de crédito documentário enviado pelo impor-
tador ao banco deve ser acompanhado de instruções precisas. Toda informação
supérflua deve ser evitada. Nesse sentido, dispõe claramente o artigo 5 das R.U.U.
de 1983. De fato, uma única falha pode não só atrasar o recebimento do dinheiro,
mas, o que é pior, gerar condições para a ocorrência de não-pagamento.
602 Ligia Maura Costa

Necessidade de Elaborar um Modelo


A inserção de uma cláusula contratual prevendo que o pagamento se realizará
através de crédito documentário é na maior parte das vezes insuficiente, pois a
prática tem demonstrado que muitos importadores transmitem ao banco emitente
instruções que diferem das cláusulas contratuais estipuladas com seus exporta-
dores. Por isso, é de grande utilidade a elaboração de um modelo de carta de
crédito que fará parte integrante do contrato comercial, no qual estarão acertadas
as instruções que o importador transmitirá ao banco emitente.
Conteúdo da Carta de Crédito
Os principais pontos a serem discutidos na carta de crédito são: data máxima de
validade do crédito (data-limite para a apresentação dos documentos); montante
(na moeda combinada e redigido por extenso); tipo de abertura de crédito, isto
é, revogável ou irrevogável (este, forma usual; aquele, utilizado geralmente entre
matriz e filial), confirmado ou não por um segundo banco (comissões bancárias
complementares são cobradas, em caso de confirmação).
Merecem também atenção a determinação do local (facultativa) e a forma de
realização do crédito: pagamento à vista (documentos contra pagamento); paga-
mento a prazo (a venda a prazo, por não se materializar em título cambial, requer
cuidados); aceite ou negociação (desconto de um título sacado pelo exportador
sobre o banco emitente). São importantes, da mesma forma, a escolha da modali-
dade de venda (C.I.F., F.O .B. etc.) e os detalhes de transporte (local da expedição
e do destino da mercadoria).

b. A Ordem de Abertura do Crédito Documentário

Uma Obrigação ·Essenci al : A Abertura do Crédito


A obrigação do importador de abrir um crédito documentário em favor do
exportador é essencial no contrato comercial. Conseqüentemente, se o importa-
dor não tiver aberto o crédito documentário, o exportador poderá justificadamen-
te recusar-se a entregar a mercadoria e pedir a resilição do contrato, além de
perdas e danos.
Natureza Jurídica do Contrato entre Banco e Importador
A natureza do acordo firmado entre o importador e o banco emitente do crédito
é difícil de ser explicada. Pode-se dizer que se trata de uma dupla promessa: o
banco emitente compromete-se a enviar a ordem de abertura ao exportador,
verificar os documentos por ele apresentados e realizar o crédito documentário;
o importador compromete-se a reembolsá-lo por todos os gastos incidentes nessa
Meios de Pagamentos e Garantias Bancárias em Contratos Internacionais 603

operação, inclusive o pagamento efetuado ao exportador. A pedido do banco


emitente, o importador normalmente fornece algumas garantias como, por exem-
plo, depósito do valor da operação em conta especial, aval ou fiança (bancária
ou não), alienação fiduciária, hipoteca etc.
Da ordem de abertura de crédito constará necessariamente o tipo de crédito a ser
aberto e, principalmente, a descrição sucinta dos documentos que deverão ser
apresentados pelo exportador ao banco.
Tipos de Créditos Documentários
O artigo 7 das R.U.U. de 1983 determina que os créditos podem ser de dois
tipos: revogáveis ou irrevogáveis. Na falta de estipulação nesse sentido, o
crédito será considerado revogável.
O Crédito Documentário Revogável: o artigo 9 das R.U .U. de 1983 regula
especificamente esse tipo de crédito. Como o próprio nome indica, o crédito
documentário revogável pode ser modificado ou cancelado pelo banco emi-
tente ou pelo importador (tomador) a qualquer momento, sem prévio aviso
ou justificativa ao exportador (beneficiário) .
Os bancos geralmente enviam uma notificação ao exportador em casos de
modificação ou cancelamento do crédito. Essa cortesia bancária não deve ser
entendida como se uma modificação ou cancelamento só tenha validade após
a comunicação ao beneficiário .
Uma Exceção ao Princípio da Revocabilidade: esse direito de modificar ou
anular o crédito documentário não é absoluto . O crédito documentário revogável
somente poderá ser modificado ou anulado antes de sua utilização pelo benefi-
ciário, isto é, antes da apresentação dos documentos conformes. O artigo 9 das
R.U.U. de 1983 prevê, ainda, que o banco emitente deve reembolsar o banco
intermediário encarregado da realização do crédito, quando esse banco, antes
da alteração, efetuou o pagamento ao beneficiário que apresentou os documen-
tos conformes às estipulações da ordem de abertura de crédito.
O Crédito Documentário Irrevogável: é descrito pelo artigo 10 das R.U.U. de
1983 como um compromisso firme do banco emitente de pagar ao beneficiário
mediante a apresentação dos documentos descritos na ordem de abertura de
crédito. Qualquer modificação ou alteração no crédito documentário somente
poderá efetivar-se com o acordo de todas as partes envolvidas: importador,
exportador, banco emitente e confirmador, se for o caso. O crédito documentário
irrevogável representa uma sólida garantia ao exportador. De fato, a maior
parte dos créditos documentários são emitidos nessa forma.
604 Ligia Maura Costa

Os Documentos
Os documentos são o traço de união entre o contrato comercial e o crédito
documentário e também a marca de independência entre esses dois contratos
(DOISE, 1987, 1989). O traço de união entre o contrato comercial e o crédito
documentário é comprovado quando importador e exportador definem quais
são os documentos que constatarão a boa execução do contrato comercial
pelo exportador. A partir do momento em que os documentos são definidos,
somente eles serão importantes para a execução do crédito documentário. A
autonomia do crédito documentário em relação ao contrato comercial que lhe
deu origem está assim assegurada, pois somente os documentos serão consi-
derados e não mais as mercadorias, serviços e/ou outros itens aos quais os
documentos possam referir-se (art. 4 das R.U.U. de 1983).
o Não obstante essa importância dos documentos, a prática tem demonstrado
que geralmente importador e exportador são bastante negligentes na tarefa
de definir, de forma clara e precisa, os documentos necessários".
Os documentos usualmente pedidos em uma operação de crédito documen-
tário são , de acordo com a enumeração recomendada pela C.C.I.: fatura
comercial, documentos de transporte, documentos de seguro e outros, consi-
derados eventuais.
A Fatura Comercial: o artigo 41 das R.U.U. de 1983 é totalmente consagrado
à fatura comercial. Nela encontra-se a descrição das mercadorias que deve
corresponder textualmente à descrição presente no crédito. O importador
deve, portanto, precisar claramente, na ordem de abertura do crédito, os
pontos que lhe pareçam importantes para a descrição das mercadorias. Esse
artigo prevê ainda que as faturas sejam emitidas em nome do importador e
que os bancos possam recusar uma fatura comercial emitida por um valor
superior ao permitido no crédito, ou seja, os bancos não são obrigados a
recusar, mas podem fazê-lo. Uma fatura comercial emitida por um valor
superior ao do crédito pode também ser fonte de dificuldades para o impor-
tador no que tange à guia de importação e, sobretudo , ao pagamento dos
tributos alfandegários.
Os Documentos de Transporte: são , para o importador, um documento fun-
damental. Comprovam a expedição da mercadoria e também sua existência.

5. Em entrevista dada a 16 de fevereiro de 1990, James Byrne - editor da revista Letter of Cr edit Update -
estimou que desd e 1975 as cortes americanas decidiram cerca de 1400 casos s obre créditos do cumentários,
350 deles envolvendo problemas de conformidade dos documentos com as estipulações de cr édito .
Meios de Pagamentos e Garantias Bancárias em Contratos Internacionais 605

o artigo 25 das R.V.V. de 1983 estabelece as regras aplicáveis a todos os


documentos de transportes, com exceção do conhecimento de embarque
(tratado no artigo 26) . Esses dois artigos são complementados pelos artigos
27 (anotação on boardy, 28 (anotação on deck) , 29 (transbordo) , 30 (despacho
postal), 31 (pagamento do frete) 32 a 34 (problemas genéricos relativos aos
documentos de transporte) .
O Conhecimento de Embarque Marítimo : é o documento mais importante de
uma operação de crédito documentário, título representativo da mercadoria
e - o mais relevante - negociável. O conhecimento de embarque pode ser
nominativo (muito raro), ao portador ou à ordem (forma mais usual) . A
anotação clean no conhecimento de embarque é fundamental por comprovar
que as mercadorias se encontram em bom estado aparente, quando do seu
emb arque ou de seu recebimento para guarda e posterior embarque.
Os Documentos de Seguro: As R.V .V. de 1983 tratam dos documentos de
6
seguro em seus artigos 35 a 40 • Eles devem ostentar data anterior à de
embarque da mercadoria (artigo 36) , ser expressos na moeda do crédito e
estabelecidos por valor superior a 10% do valor C.I.F ou c.I.P da mercadoria,
salvo estipulação em contrário na ordem de abertura do crédito (art. 37 das
R.V.V. de 1983). O importador e o exportador devem também especificar no
crédito os riscos que pretendem cobrir com o seguro . Segundo o artigo 38
das R.V.V. de 1983, caso essa especificação não seja feita, os bancos
aceitarão os documentos de seguro na forma como forem apresentados.
Outros Documentos: além dos três acima examinados, outros podem ser
estabelecidos, dentre os quais o certificado de origem, o certificado de
análise, a fatura consular, o certificado fitossanitário etc. O artigo 23 das
R .V.V. de 1983 determina que na falta de estipulações no crédito - isto é,
por quem esses documentos devem ser emitidos, o seu conteúdo etc. - os
bancos aceitarão esses documentos na forma como forem apresentados.
Já vimo s os princípios básicos do crédito documentário: (i) os bancos lidam com
documentos e não com mercadorias; (ii) o crédito documentário é um contrato
distinto do contrato comercial que lhe deu origem; e, finalmente, (iii) o benefi-
ciário deve executar todas as estipulações previstas na ordem de abertura de
crédito para exigir a prestação do banco. A próxima etapa trata da realização do
crédito.

6. No cas o de vend a F.a .B. ou C.& F., por ex emplo , o exportador não dev e apres entar quaisquer documentos
de se guro por não cab er a ele providenciá-los, e sim ao importador.
606 Ligia Maura Costa

c. A Realização do Crédito Documentário

Aberto o crédito documentário, o exportador adquire o direito de exigir o


pagamento do banco emitente e eventualmente do banco confirmador, desde que
apresente os documentos conformes aos estipulados na ordem de abertura do
crédito.
Exame dos Documentos
o artigo 15 das R.U.U. de 1983 determina que os bancos devem examinar
cuidadosamente os documentos para assegurar sua conformidade com a ordem
de abertura de crédito, pois uma recusa injustificada ou um pagamento mal-efe-
tuado poderá comprometê-los perante o exportador ou o importador. Além disso,
qualquer discrepância dos documentos entre si será considerada em desacordo
com os termos e condições do crédito.
Estrita Conformidade dos Documentos
O princípio da estrita conformidade dos documentos com as estipulações do
crédito é a regra geral. Sua fórmula clássica teve origem e consagração interna-
cional na declaração célebre de lorde Sumner da House of Lords no caso inglês
Equitable Trust Co. of New York v. Dawson Partners: ([1927], 27 LL.L. Rep.
49): "(T)here is no room for documents which are almost the same or which do
just as well". De acordo com esse princípio, a ausência de um pingo na letra i é
motivo suficiente para que os documentos sejam rejeitados.
Um Princípio em Crise
A complexidade documentária de nossos dias, inconcebível na concepção de
lorde Sumner, fez com que uma jurisprudência minoritária, essencialmente
americana, sustente tese oposta, determinando que uma conformidade razoável
ou substancial é suficiente. Por exemplo, uma fatura comercial mencionando
Coréia no lugar de Seul, como estipulado na ordem de abertura de crédito, é
substancialmente conforme?
Verificação Documentária

7. EXOTIC 1RADERS FAR EAST BUYING OFFICE V. EXOTIC TRADING U.S.A., INC., 717 F. Supp . 14
(D. Mass. 1989). Ver, também, BANCO ESPANOL DE CRÉDITO V. STATE BANK & TRUST CO. ; 385
F. 2d 230 (1stCiro1967), cert odenied , 390 U.S. 1013 (1968); FLAGSHIP CRUISES, LID. V. NEW ENGLAND
MERCHANTS, 569 F. 2d 699 (1st Ciro 1978): CROCKER COMMERCIAL SERVICES V. COUNTRYSIDE
BANK, 538 F. Supp . 1360 (N.D.I11. 1981): "Um certificado emitido pelo beneficiário em vez de ser emitido
por um terceiro como solicitado na carta de crédito é razoavelmente conforme"; FIRSTNATIONAL BANK
OF ATLANTA V. WYNE, 256 S.E. 2d 383 (Ga. App. , 1979) : "A falta de uma menção exigida pela carta
de crédito não é substancial. Os documentos são conformes"; PEOPLE STATE BANK V. GULF OIL
CORP ., 446 N.E . 2d 1358 (Ind. Ct. App., 1983: "A ausência de uma fatura não é substancial".
Meios de Pagamentos e Garantias Bancárias em Contratos Internacionais 607

Sej a qual for a teoria utilizada, a primeira preocupação do banco ao receber os


documentos será verificar se eles foram apresentados antes da data de expiração
do crédito e se todos os documentos estipulados na ordem de abertura de crédito
estão presentes. O banco, tendo os documentos em mãos, examinará, entre
outros, os seguintes pontos:
Quanto à Fatura Comercial :
se a fatura comercial foi emitida em nome do tomador do crédito (importador);
se a mercadoria especificada na fatura corresponde à descrição da mercadoria na
ordem de abertura do crédito , assim como à modalidade de venda (C .I.F. ; F.O.B.
etc.);
se o valor estabelecido na fatura não é superior ao valor do crédito;
se a fatura não menciona custos que não se referem às mercadorias (comissão,
custos de telex, telefax etc.).
Quanto aos Documentos de Transporte:
se os documentos de transporte são da categoria indicada no crédito , isto é, se o
crédito prevê um conhecimento de embarque à ordem, um conhecimento de
embarque ao portador será recusado ;
se a descrição sucinta da mercadoria nesses documentos corresponde à presente
na fatura comercial;
se os portos de embarque e de destinação correspondem aos da estipulação do
crédito;
se o documento de transporte não apresenta anotação claused;
se o jogo completo de documentos de transporte foi apresentado ;
se a data do conhecimento corresponde à data-limite de embarque prevista no
crédito.
Quanto aos Documentos de Seguro :
se o documento de seguro é da categoria indicada no crédito;
se o montante assegurado está conforme com as estipulações do crédito;
se o documento de seguro não apresenta data posterior ao embarque da merca-
doria ou seu recebimento para guarda, salvo estipulação em contrário no crédito ;
se a descrição da mercadoria assegurada está conforme com a descrição da fatura
comercial (quantidade, número de volumes, marcas etc.).
Limitação da Responsabilidade do Banco
608 Ligia Maura Costa

Os bancos não podem ser responsabilizados pela verificação da forma, suficiên-


cia, exatidão, autentici dade, falsificação ou eficácia legal de qualquer documen-
to apresentado. É a limitação da responsabilidade dos bancos pelo exame dos
documentos prevista pelo artigo 17 das R.U.U. de 1983.
Modos de Pagamento

Após a verificação da conformidade dos documentos com a ordem de abertura


de crédito, o banco está autorizado a efetuar o pagamento (à vista ou aprazo), a
aceitar a letra ou a negociá-la.

Pagamento à Vista: no crédito documentário realizado por pagamento à vista,


cabe ao banco emitente ou ao banco intermediário (confirmador ou encarregado
da realização) efetuar o pagamento ao exportador do valor prometido, de sde que
os documentos apresentados por ele sejam conformes com a ordem de abertura
de crédito. Essa modalidade de realização é bastante utilizada, embora seja a
mais simples : documentos contrapagamento.
Pagamento a Prazo: o crédito documentário realizável por pagamento a prazo,
previsto pelas R.U.U. desde a revisão de 1983 (BONTOUX, 1983; McLAU-
GLIN, 1990), corresponde a uma venda a prazo não materializada em título
cambial, na qual o exportador entrega os documentos conformes às estipulações
do crédito e o banco compromete-se a pagá-lo em data posterior.

Aceite e Negociação: no crédito documentário realizado por aceite, ao contrário,


o banco emitente ou intermediário - ou qualquer outro terceiro mencionado na
ordem de abertura de crédito - promete aceitar as letras de câmbio sacadas contra
ele pelo exportador dentro de um certo prazo (30, 60 ou 90 dias) , contra a entrega
dos documentos conformes às estipulações do crédito. No crédito documentário
realizado por negociação, o banco emitente ou o banco intermediário compro-
mete-se a negociar as letras de câmbio tiradas pelo exportador contra o impor-
tador.

d. Efeitos da Realização do Crédito Documentário

Uma vez realizado o crédito documentário, o próximo passo será a entrega dos
documentos ao importador. De posse dos documentos, o importador poderá
receber as mercadorias e, em contrapartida, terá que reembolsar o banco pelo
valor pago ao exportador.
Meios de Pagamentos e Garantias Bancárias em Contratos Internacionais 609

VI. AsFUNÇÕES PARTICULARES DO CRÉDITO


DOCUMENTÁRIO

o crédito documentário pode envolver operações mais complexas em função de


seu papel de instrumento de pagamento e de financiamento. De fato , a prática
comercial introduziu algumas sofisticações que permitem ao crédito documen-
tário financiar e facilitar uma exportação : (1) o crédito documentário com Red
Clause; (2) o crédito documentário Revolving; (3) o crédito documentário trans-
ferível; e (4) o crédito documentário Back-to-back.

1. O Crédito Documentário com Red Clause


No crédito documentário com Red Clause (BERTRAND , 1955, p . 88) utilizado
como meio de pré-financiamento de um a exportação - o banco, em geral o
intermediário, é autorizado pelo importador (tomador do crédito) a efetuar
adiantamentos ao exportador (beneficiário) antes da apresentaç ão dos docu-
mentos. Em virtude da Red Clause , o importador concede ao exportador os meios
necessários para pagar seus fornecedores (se for ocaso), cobrir os custos de
transporte, de embarque, de armazenagem, enfim, os custos incorridos para a
preparação do embarque das mercadorias. Em geral, o valor do adiantamento
autorizado é especificado, embora em alguns casos esse valor corresponda à
totalidade do crédito documentário .

a. Precauções com a Red Clause

o crédito documentário com Red Clause não deve ser emitido na forma livre-
mente negociável, pois o exportador poderá obter o adiantamento junto ao banco
autorizado e, posteriormente, negociar sua letra acompanhada dos documentos
junto a um terceiro banco.

2. O Crédito Documentário Revolving

a. A Regra Geral e Sua Exceção

Um crédito documentário é emitido por montante e prazo de validade deter-


minados. Qualquer alteração necessita do acordo de todas as partes envolvidas,
salvo no caso de crédito revogável.
Para atender às necessidades de exportadores e importadores que efetuam transações
610 Ligia Maura Costa

comerciais sucessivas, a prática desenvolveu um tipo de crédito que permite a


renovação do montante ou do prazo de validade, sem haver necessidade de qualquer
modificação na ordem de abertura do crédito. Esse crédito é chamado Revolving.

b. Renovação do Prazo de Validade

o crédito documentário Revolving renovado quanto ao prazo de validade, por


exemplo, é emitido pelo valor máximo de US$10 000 por mês, durante um prazo
de 6 meses . O crédito torna-se automaticamente disponível durante todos esses
meses por um montante não superior a US$10 000 mês. O total do crédito
corresponde, portanto, a US$60 000 (US$10 000 multiplicado pelo número de
meses de sua validade). Esse crédito pode ser cumulativo ou não, isto é, o
exportador poderá ser autorizado ou não a utilizar o excedente nos períodos
seguintes de validade do crédito.

c. A Renovação do Montante

No crédito documentário Revolving renovável quanto ao montante, o valor


originalmente estipulado será automaticamente renovado após cada utilização,
até a data de validade do crédito.

d. Uma Categoria Diversa: o crédito documentário disponível por frações

O crédito documentário Revolving não corresponde ao crédito documentário


disponível por frações previsto no artigo 45 das R.U .U. de 1983. O crédito
documentário disponível por frações estipula o valor total das mercadorias a
serem embarcadas, mas permite seu embarque parcial.

3. O Crédito Documentário Transferível

a. Generalidades

Uma das regras básicas do crédito documentário determina que o importador pedirá
ao banco para abrir um crédito documentário a um determinado exportador (bene-
ficiário), por ele ser o seu co-contratante comercial, e é a ele que o banco deverá
efetuar o pagamento quando da apresentação de documentos conformes às estipu-
lações da ordem de abertura de crédito. O crédito documentário transferível,
previsto pelo artigo 54 das R.U.U. de 1983, excepciona a regra geral, ao permitir a
substituição do beneficiário (SCHMITTHOFF, 1990; BONTOUX, 1969).
Meios de Pagamentos e Garantias Bancárias em Contratos Internacionais 611

b. Mecanismo do Crédito Transferível

N esse mecanismo, o exportador (beneficiário original) cede, parcial ou total-


mente - este último caso bastante raro - a um terceiro (segundo beneficiário, em
geral seu fornecedor) a prestação que o banco emitente ou intermediário se
comprometeu a efetuar". Trata-se, sem dúvida, de um pré-financiamento à ex-
portação.
O importador, aparentemente, não sofre qualquer prejuízo com a transferência
do crédito. O banco que realizará o crédito deverá respeitar escrupulosamente
todas as condições por ele determinadas e o pagamento efetuar-se-á somente, se
todos os documentos solicitados na ordem de abertura do crédito forem apresen-
tados . Contudo, o importador deve ter plena confiança em seu exportador, pois
permite sua substituição por um terceiro , cuja reputação lhe é desconhecida. O
crédito documentário transferível pode ser transferido uma única vez. O segundo
beneficiário não é autorizado a transferi-lo a um terceiro beneficiário (art. 54
"e" das R.U .U. de 1983) .

c. Vantagens e Desvantagens do Crédito Transferível

A transferência do crédito apresenta ao exportador (beneficiário primitivo) a grande


vantagem de permitir-lhe comprar de seu fornecedor, sem ter que desembolsar
qualquer quantia; mas também pode representar grandes perigos. A primeira preo-
cupação do exportador (beneficiário primitivo) é que o segundo beneficiário (em
geral seu fornecedor) descubra o nome e endereço do importador (tomador do
crédito) e, posteriormente, realize suas operações diretamente com ele. O segundo
perigo refere-se ao preço de revenda da mercadoria. O exportador, evidentemente,
não quer que o importador conheça o seu preço de compra.
Esses dois problemas são solucionados da seguinte maneira: o nome do tomador
do crédito poderá ser substituído pelo do beneficiário primitivo; e o beneficiário
primitivo poderá substituir a fatura do segundo beneficiário pela sua própria
fatura (art. 54 " e" e " f" das R.U .U . de 1983).
Os bancos, em geral, não são favoráveis à transferência do crédito em razão dos
riscos adicionais criados, embora uma comissão especial lhes seja paga, comis-
são essa devida pelo beneficiário primitivo do crédito (exportador) (art. 54 "d"
das R.U.U. de 1983).

8. A transferência do cr édito documentário não implica a transferência dos direitos e obrigações resultantes
do contrato comercial passado entre o importador e o exportador (beneficiário original) ao segundo
beneficiário.
612 Ligia Maura Costa

4. Crédito Documentário Back-to-back


Quando o crédito documentário não autoriza sua transferência, um mecanismo
similar permite ao exportador obter o mesmo resultado: o pagamento de seu
fornecedor sem ter que dispor de um montante que, em geral, ele não possui.
Esse mecanismo é chamado de crédito documentário Back-to-back.

a. Funcionamento do Crédito Back-to-back


O crédito documentário Back-to-back ou subsidiário (DüISE, 1989; SCHMITT-
HüFF,1990) compreende duas emissões completamente distintas: o primeiro
crédito documentário é aberto pelo importador (tomador do crédito) em favor do
exportador (beneficiário), chamado de crédito principal; e o segundo, aberto pelo
exportador (nesse caso tomador do crédito) em favor de seu fornecedor (benefi-
ciário), chamado de crédito subsidiário.
Embora juridicamente independentes, as duas emissões de crédito são na prática
extremamente ligadas, pois o primeiro crédito documentário é a garantia do
banco para emitir o segundo, o qual somente se realiza em função do primeiro
e os dois créditos têm como objetivo o pagamento pela mesma mercadoria
(BüUDINüT, 1979, p. 250).

b. Cuidados Necessários
A independência dos dois créditos documentários exige do banco cuidados
especiais, pois os riscos implicados são consideráveis: por exemplo, os termos
da abertura do primeiro crédito não correspondem literalmente aos do segundo;
o banco realizador do primeiro crédito não é o banco emitente do segundo (os
riscos são menores quando o banco examina os documentos, tendo em vista a
realização dos dois créditos).

v. As GARANTIAS BANCÁRIAS

1. Desenvolvimento das Garantias Bancárias


As garantias bancárias são o resultado natural da evolução do crédito docu-
mentário, pois as mudanças que ocorreram no domínio das transações comerciais
fizeram com que o pagamento adiantado pelo banco por mercadorias em curso
se transformasse em uma obrigação bancária de pagamento, ou seja, garantir o
Meios de Pagamentos e Garantias Bancárias em Contratos Internacionais 613

pagamento de uma dívida ou de uma indenização a um beneficiário, mediante o


respeito de algumas condições especiais. Assim, a contrapartida à cláusula
irrevogável de pagamento acarretou o desenvolvimento das garantias bancárias
(VASSEUR, 1988-1989, p. 797) .

2. Garantias Bancárias e Crédito Documentário


N a realidade, as garantias bancárias são o mecanismo inverso do crédito docu-
mentário. No crédito documentário, o exportador deseja que um banco garanta
o pagamento de sua exportação; nas garantias bancárias, o importador deseja que
os riscos decorrentes de uma inexecução ou má execução das prestações contra-
tuais de seu co-contratante sejam assumidos por um banco (POULLET, 1979;
JACKSON, 1958).
Nas complexas operações do comércio internacional, freqüentemente a operação
de crédito documentário está ligada a uma garantia bancária. Para melhor com-
preensão , exemplificaremos esse conceito.
Suponhamos que uma construtora brasileira firme um contrato turn key com um a
empresa portuguesa. A construtora brasileira exigirá de seu co-contratante por-
tuguês que o pagamento pelo serviço realizado se efetue através de um crédito
documentário. A empresa portuguesa, em contrapartida, exigirá que as obriga-
ções a cargo da construtora brasileira - proposta, projeto, fornecimento de
equipamentos, montagem, assistência técnica etc. - , bem como a qualidade dos
serviços prestados, sejam assegurados por uma garantia bancária. Nesse caso, é
a construtora brasileira que pedirá ao banco ou à companhia de seguros" a
emissão de uma garantia bancária.

3. Mecanismo Básico das Garantias Bancárias


Uma garantia bancária, em sentido genérico, funciona com três personagens:
exportador (ordenador), importador (beneficiário) e banco ou companhia de
seguros (garantidor) , todos em torno de uma relação comercial. A garantia
bancária é um compromisso autônomo e independente da relação comercial que
lhe deu origem.

9. Nos Estados Unidos e em alguns países asi áticos os bancos são proibidos pel a legislação fed eral de exe rce r
a ativ idade de gar antidor. Nesses países, são as companhias de seguros que emitem ess e tipo de garantia .
Ver, nos Estados Unidos, Nati onal BankAct (A ct of 3 June 1864 ), 12 U.S.c. parágrafo 24 (7) (19 88) .
614 Ligia Maura Costa

4. Intervenção de um Intermediário
Como no crédito documentário, há também a intervenção de um intermediário,
em geral sediado no país do importador. Por analogia, o papel do intermediário
pode ser simplesmente de meio de transmissão da garantia bancária dada pelo
banco ou companhia de seguros do país do exportador, conferindo a autenticida-
de da garantia emitida e notificando o importador da abertura da garantia em seu
favor.
O intermediário pode também funcionar como contragarantidor. A contra-garan-
tia oferecida pelo intermediário corresponde a um envolvimento semelhante ao
do emissor da garantia e garante ao importador uma segurança suplementar. A
contragarantia de um intermediário compreende um compromisso independente e
autonômo do assumido pelo emissor da garantia.

5. Codificação da C.C.I.
As garantias bancárias foram codificadas pela C.C.I. e resultaram no estabe-
lecimento das Regras e Usos Relativos às Garantias Contratuais. Essas regras
não possuem qualquer valor legal e toda a sua força obrigatória resulta da
vontade das partes contratantes.

VI. O MECANISMO DAS GARANTIAS BANCÁRIAS

A emissão de uma garantia bancária é para o banco ou companhia de seguros


uma operação pela qual um crédito é outorgado ao exportador - em geral seu
cliente - e cujo fator de decisão será a capacidade financeira do exportador e,
principalmente, sua capacidade industrial.
A instituição financeira, ao emitir uma garantia bancária, compromete-se a pagar
o importador mediante ou não a apresentação de certos documentos que compro-
vem a inexecução das obrigações por ela garantidas.

1. Problemas da Carta de Garantia


Como a base da garantia bancária é o contrato comercial firmado entre importa-
dor e exportador, o texto da carta de garantia deve ser previamente discutido
pelas partes. A carta de garantia deve ser clara e precisa, prevendo, entre outros
elementos: as condições de execução da garantia; o prazo de validade (passado
Meios de Pagamentos e Garantias Bancárias em Contratos Internacionais 615

esse prazo o beneficiário não mais poderá recorrer à garantia); o montante da


garantia; o tipo de garantia (de licitação, de reembolso de sinal, de boa execução,
de retenção) ; a contragarantia ou não por um intermediário (uma comissão
especial é cobrada em caso de contragarantia) etc.

2. Principais Pontos do Compromisso entre o Exportador e o Banco


Do compromisso entre o exportador (ordenador) e a entidade seguradora (garan-
tidor) devem constar, entre outros itens: a data de término ; as condições e
modalidades da garantia; os documentos necessários à sua execução ; a lei
aplicável etc. Na prática, entretanto, esse compromisso limita-se à simples
declaração do exportador de reembolsar todo e qualquer montante pago ao
beneficiário em virtude da garantia e de pagar a comissão pela sua emissão.

3. Execução da Garantia
Em caso de execução da garantia bancária pelo importador (beneficiário), cabe
ao banco ou companhia de seguros que efetuou o pagamento exigir do exportador
(ordenador) o reembolso pelo montante pago ao importador. O direito de regres-
so da entidade seguradora (garantidor) contra o exportador (ordenador) resulta
do próprio acordo celebrado entre eles.

4. Principais Categorias de Garantias Bancárias


Como a emissão de uma garantia bancária pode ser necessana a diferentes
transações internacionais e, também, para atender às diversas fases de uma
mesma operação, vários tipos de garantias bancárias podem ser emitidas: por
exemplo, (a) garantia de licitação, (b) garantia de reembolso de sinal, (c) garantia
de boa execução, (d) garantia de retenção e, eventualmente, (e) garantia de
- 10
manutençao .

a. Garantia de Licitação
A primeira fase de uma operação comercial é a concorrência ou licitação. O
importador, evidentemente, quer que o exportador cumpra a proposta apre-
sentada e, para isso, pede a ele que garanta sua proposta através de uma garantia

10. A enumeração acima não é exaustiva, pois , por exemplo , a garantia bancária dada por falta de conhecimento
de embarque não fará parte de nosso estudo.
616 Ligia Maura Costa

bancária. A arantia emitida nessa fase chama-se garantia bancária de licitação -


bid bond ou tender-guarantee (MATTOUT, 1977, p.419) .
Esse tipo de garantia pode ser definido como o compromisso assumido por um
banco ou companhia de seguros (garantidor) de pagar uma certa quantia ao
importador que abriu concorrência pública (beneficiário da garantia) , caso o
exportador (ordenador da garantia) não cumpra as obrigações decorrentes de sua
proposta.
Entrada em Vigor e Montante
A garantia de licitação entra em vigor no momento da entrega da proposta pelo
exportador ao importador e sua data de validade corresponde, em geral, à do
término da validade da proposta. O montante coberto pela garantia de licitação
costuma variar entre 1 a 5 % do valor do negócio, chegando , algumas vezes, a
10%.

b: Garantia de Reembolso de Sinal

O importador, com a celebração do contrato , adiantará uma certa quantia a título


de sinal ao exportador. Como o importador teme que esse sinal não lhe seja
restituído caso o contrato não se realize, solicita ao exportador a emissão de uma
garantia bancária chamada garantia de reembolso de sinal (prepayment bond ou
advance payment bond). Nessa garantia, o banco assume o compromisso de
reembolsar o importador (beneficiário) por qualquer quantia por ele adiantada
ao exportador, em virtude da relação comercial, caso o contrato não se realize e
este último não cumpra sua obrigação de restituição .
Prazo de Validade e Montante
A garantia de reembolso de sinal expira na data em que o exportador tiver
cumprido suas obrigações contratuais de um montante igual ao do sinal pago. O
montante dessa garantia depende do valor do adiantamento, mas, em geral, oscila
entre 5 a 20% do valor do negócio, podendo todavia chegar até a 33 %.

c. Garantia de Boa Execução

Um dos principais temores do importador é adquirir um complexo industrial que


não funcione, em virtude da execução inadequada das obrigações contratuais a
cargo do exportador - isto é, os serviços prestados não correspondem à qualidade
ou às especificações prometidas, ou houve atraso na entrega, seja por motivos
comerciais ou por força maior. O meio conferido ao importador para evitar esse
tipo de preocupação chama-se garantia bancária de boa execução - em inglês,
Meios de Pagamentos e Garantias Bancárias em Contratos Internacionais 617

performance bond. Nesse tipo de garantia, o banco (g arantidor) compromete-se


a efetuar o pagamento ou assegurar a execução do contrato , conforme o caso,
na eventualidade de o exportador (ordenador) não cumprir de forma satisfa-
tóri a as obrigações contratuais assumidas frente ao importador (beneficiário)
(SCHMITTHOFF, 1990, p.451).
Tipos de Garantias de Boa Execução
As garantias bancárias de boa execução podem ser de dois tipos : liquidação pelo
pagamento de uma indenização e liquidação pelo pagamento in natura.
A'primeira corresponde à garantia de pagamento de uma indenização equivalen-
te, em geral, a de 5 a 20 % do valor total do contrato.
A segunda, por outro lado, corresponde ao pagamento in natura . Essa forma é
raramente emitida por um banco, mas bastante comum entre as companhias de
seguros, principalmente as americanas. Sua execução pode realizar-se de duas
maneiras: ou o garantidor solicita ao importador (beneficiário) que firme um
novo contrato com um outro exportador, sendo todas as despesas dessa nova
contratação assumidas pelo garantidor, ou , então , o garantidor escolhe um novo
exportador e firma com ele um contrato chamado take over agreement, pelo qual
o garantidor passa a ocupar o lugar do importador (beneficiário) . Nesse contrato,
o garantidor cobrirá todas as despesas devidas até que elas alcancem o montante
do primeiro contrato recebido pelo exportador. O eventual restante deverá ser
reembolsado pelo importador.
A expiração da garantia de boa execução pode variar em função das estipulações
contratuais, mas , em geral, corresponde à dat a da entrega oficial da obra ou a
um a data determinada após ess a entrega.

d. Garantia de Retenção
Finalmente, nos contrato s turn key encontramos cláusulas que autorizam o
importador a reter durante um certo tempo após entrega das chaves o pagamento
de parte final do contrato - em geral 5 % do valor total do negócio. Para que o
exportador receba o total do valor do contrato, a prática criou a garantia bancária
de retenção (retention money bond) que assegura ao exportador o recebimento
imediato do preço total do contrato.

e. Outras Categorias de Garantias Bancárias


Além da garantia de retenção, o ramo da construção civil conhece um outro tipo
de garantia: a garantia de manutenção ou maintenance bond. Ela garante, durante
618 Ligia Maura Costa

certo período de tempo, a manutenção das condições originais de funcionamento


contra eventuais defeitos de construção ou de montagem.
É importante notar que os cinco tipos de garantias discutidos são interdependen-
tes economicamente e, por conseqüência, a emissão por um banco ou por uma
companhia de seguros de uma garantia de licitação pode levar a mesma entidade
a emitir os outros tipos de garantias previstos no contrato comercial, isto é, a
garantia de reembolso de sinal, de boa execução e assim sucessivamente.
Examinaremos agora uma forma de execução aplicável a qualquer tipo de
garantia bancária já estudada: a garantia bancária automática.

VII. A GARANTIA BANCÁRIA AUTOMÁTICA

A forma tradicional de garantia bancária pessoal (fiança, por exemplo), apes ar


de sua utilidade, não propicia a agilidade necessária às operações internacio-
nais - como é o caso do crédito documentário -, pois sua execução depende
da comprovação pelo importador (beneficiário) de que o exportador (ordena-
dor da garantia) não cumpriu devidamente suas obrigações contratuais. Na
maior parte dos casos, há necessidade de se recorrer a um processo judicial
lento e demorado.

1. Criação da Garantia Bancária Automática


Para atender às necessidades do comércio internacional, a prática criou a garantia
bancária automática, cuja execução está vinculada unicamente à sua solicitação
acompanhada ou não de documentos pelo beneficiário (importador). Elas são
assim divididas em duas espécies distintas: garantias documentárias e garantias
à primeira solicitação.

2. Garantias Documentárias
As garantias documentárias terão sua execução subordinada à apresentação pelo
importador de alguns documentos, tais como : um documento ou uma sentença
arbitral, certificando o não-cumprimento da obrigação pelo exportador ou um
certificado de inadimplência emitido por um perito ou por um terceiro confiável,
ou, ainda, mediante a autorização do exportador (ordenador da garantia).
Nesse caso, por analogia com o crédito documentário, aplicam-se os artigos 15
Meios de Pagamentos e Garantias Bancárias em Contratos Internacionais 619

e 17 das R. U.U. de 1983 referentes à responsabilidade dos bancos ou das


companhias de seguros que efetuarão o exame dos documentos.

3. Garantias à Primeira Solicitação


As garantias bancárias à primeira solicitação, como o próprio nome diz, depen-
dem, para sua execução , da simples solicitação da garantia pelo beneficiário, sem
que para isso se verifique a inadimplência das obrigações contratuais pelo
exportador. A execução dessa garantia é automática; o beneficiário deve sim-
plesmente apresentar, se necessário, um documento enumerando as reclamações
ou, simplesmente, uma declaração escrita solicitando a garantia.
Dadas as particularidades da garantia à primeira solicitação, os bancos quase
sempre cientificam o exportador (ordenador) da solicitação pelo importador
(beneficiário) da garantia, embora não sejam obrigados a fazêlo. Esse pro-
cedimento visa simplesmente a evitar uma solicitação fraudulenta ou abusiva da
garantia por parte do beneficiário, já que a fraude é a única exceção ao princípio
de independência da garantia bancária do contrato comercial que lhe deu origem.

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Tecnologia e sua Importância

Luiz Alfredo Paulin

L INTRODUÇÃO

Totalmente desnecessário se faz explicar a importância que a tecnologia repre-


senta na economia contemporânea. Em verdade, mais e mais o fator principal de
acumulação passa do setor industrial para o setor terciário. Sem sombra de
dúvida, os invisibles são hoje a mais importante atividade econômica em nível
mundial. É por isso que os países do Primeiro Mundo se esforçam para, interna-
cionalmente, serem criadas regras rígidas nesse setor, de sorte a proteger, de
forma conveniente, seus interesses. Neste sentido, basta atentar para o que ocorre
na Rodada do Uruguai para perceber a importância da questão, e também
verificar a crescente participação dessa rubrica no P.N.B. nacional dos países do
Primeiro Mundo , bem como na Balança de Pagamentos das Nações.
Dentro do setor de serviços, a questão da tecnologia desempenha um papel
fundamental. Em verdade, como bem já foi reconhecido, o fator de crescimento
econômico se funda, em geral, no acesso e no domínio da tecnologia. Assim se
manifestou Fabio Konder Comparato em conferência proferida no II Seminário
de Propriedade Indústrial, no Rio de Janeiro, sob o título de A Transferência
Empresarial de Tecnologia para Países Subdesenvolvidos: Um Caso Típico de
Inadequação dos Meios aos Fins:
622 Luiz Alfredo Pau/in

Acresça-se a isto que os grandes centros empresariais e militares do mundo já tomaram


consciência, há algumas décadas, de que o fator determinante do crescimento econômi-
co e da supremacia bélica não é, exatamente, como pensavam os teóricos do século
passado, mas a acumulação de saber e tecnologia (COMPARATO, 1990) . .

Antes de prosseguir, mister se faz esclarecer o que se entende por tecnologia.


Tratando deste assunto, J ohn Kenneth Galbraith disse: "T ecnologia significa a
aplicação sistemática de conhecimento científico ou outro conhecimento orga-
nizado a tarefas práticas" (GALBRAITH, 1988).
Fundamentalmente, a tecnologia é veiculada através do sistema de propriedade
industrial e do sistema de know-how, os quais serão objeto de longa explicação,
posteriormente.
A tecnologia hoje disponível é gerada, em sua maior parte, dentro do centro do
sistema. Efetivamente, a pesquisa tecnológica é feita no Primeiro Mundo, em
especial através dos laboratórios de empresas. Foi-se o tempo em que existiam
inventores não ligados a grupos econômicos. O Professor Comparato (1990)
lembra que, até o presente século, a atividade inventiva " tinha existência autô-
noma, não integrada à organização empresarial" . E prossegue o titular da cadeira
de Direito Comercial da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo:

Atente-se para qualquer das invenções industriais anteriores à Primeira Guerra Mundial
- a utilização idealizada por Watt da teoria do calor latente na criação da câmara de
condensação separada dos motores a vapor, ou a exploração do eletromagnetismo por
Marconi para a criação da radiotelegrafia , por exemplo - e ver-se-á, de plano, que o
inventor nunca fora homem de empresa. Mas corra-se a lista das grandes invenções
industriais do século XX e ter-se-á grande dificuldade em encontrar alguma que tenh a
medrado fora do âmbito empresarial.

Além de serem geradas pelas próprias empresas, em especial pelas multina-


cionais, tecnologias são geradas pelas universidades, também localizadas no
Primeiro Mundo. Em geral, essa tecnologia é desenvolvida através de convênio
entre a iniciativa privada e as universidades, prática salutar que, felizmente,
passa a ser, com mais freqüência, utilizada no Brasil.
Desse modo, uma das questões fundamentais com a qual se deparam as economias
periféricas é forma pela qual terão acesso à tecnologia. Poder-se-ia indagar por que
se coloca a questão, em nível de acesso e não de geração, de tecnologia. Ora, não
há como negar que a dependência tecnológica é uma das notas características do
subdesenvolvimento. Não há como negar, outrossim, que existe uma total falta de
capital no Terceiro Mundo para ser empregada em pesquisa. E dia a dia, devido a
Tecnologia e sua Importância 623

dificuldades de caráter econômico com que, sem exceção , os países subdesen-


volvidos se defrontam, torna-se inviável o aumento de investimentos nessa área.
O Professor J acques Marcovitch afirma:

A recessão que caracteriza o início da década de 80 inibiu ainda mais os tímidos


esforços de realização no campo da pesquisa científica e tecnológica . Os países desen-
volvidos, conscientes da importância da ciência e tecnologia, elevaram seus gastos para
o patamar de 2,5% a 3,5% do PIB, enquanto o Brasil não conseguiu ultrapassar 0,6 %.
Nos países da OCDE, a participação do setor privado em financiamento em C&T foi
estimulado para totalizar, em 1983, mais de 50 % dos recursos alocados . No Brasil, o
louvável esforço de criação de mais de uma centena de laboratórios de P&D, por
empresas do setor produtivo , permitiu que ao longo dos anos fosse mantida a participa-
ção desse segmento em 10% dos financiamentos em C&T. Globalmente, os investimen-
tos em pesquisa científica e tecnológica foram, no entanto, contraídos. Um
levantamento recém-concluído revela que , no período de 1979 a 1984, os investimentos
administrados pelas cinco principais agências do país (CNPq, FINEP, STI, CAPES E
FAPESP) foram reduzidos, em termos reais, em 42 ,5 %. A partir de 1985, apesar de se
verificar uma tendência de recuperação de recursos, estes são ainda em 30,4% inferiores
àqueles alocados em 1979 (MARCOVITCH, 1989).

Assim, a maior parte da tecnologia utilizada pelo Terceiro Mundo advém de


transferências que lhe são feitas. No caso brasileiro, por exemplo, José Adeodato
de Souza Neto e Hilda Maria Salomé Pereira entenderam que :

O processo recente de desenvolvimento tecnológico brasileiro foi baseado fundamen-


talmente na transferência de tecnologia a partir dos países desenvolvidos. Não se pode
negar o esforço endógeno, mas ele é comparativamente muito pequeno e voltado
principalmente para absorção e adaptação da tecnologia às condições locais. Essa
estratégia foi facilitada ou mesmo induzida pela substituição das importações: tratava-
se de produzir, no país, aquilo que já era fabricado lá fora , conseqüentemente, com
tecnologias existentes (SOUZA NETO e PEREIRA, 1989).

O grande problema no que se refere à importação de tecnologia pelos países do


Terceiro Mundo é que elas, geradas no Primeiro Mundo, não foram produzidas
levando em conta as necessidades e especificidades dos países importadores. Ora,
sabidamente a necessidade dos países subdesenvolvidos nem sempre se situa dentro
do avanço tecnológico existente no Primeiro Mundo . Isso pode ser facilmente
comprovado. Basta tomar, por exemplo, a pauta de exportações de produtos
manufaturados brasileiros. Fundamentalmente, pode-se notar que uma série de
produtos manufaturados brasileiros são exportados para outros países do Tercei-
ro Mundo, que preferem adquirir produtos Made in Brazil, mesmo havendo
624 Luiz Alfredo Pau/in

disponibilidade no mercado internacional de produtos semelhantes, fabricados


no Primeiro Mundo, portadores de tecnologia mais avançada. O fato é que , ainda
que desprezada a questão de preço, sabidamente produtos portadores de tecno-
logias menos avançadas se coadunam melhor com a necessidade desses países.
Nesse ponto, mister se faz lembrar que tão ou mais importante que o acesso ou
a importação da tecnologia é a absorção da mesma e, a partir dela, a criação de
avanços tecnológicos. Vale dizer: só será possível ter uma economia dentro dos
padrões efetivamente almejados quando não se for um mero receptor de tecno-
logia e, sim, competitiva e ativamente participar do comércio mundial desse
intangível, nas duas pontas, isto é, na qualidade de adquirentes e ofertantes.
Além de o simples acesso à tecnologia não ser suficiente para a superação do
estádio de subdesenvolvimento, a existência de mão-de-obra preparada para a
absorção da tecnologia é fundamental para o sucesso de qualquer plano de
capacitação e independência tecnológica.
Isto posto , creio que ser possível chegar a algumas conclusões. A primeira delas
é que o desenvolvimento do capitalismo implica acesso pleno à tecnologia por
todas as nações, para que elas possam superar o estádio econômico em que se
encontram. A partir disso, e tendo em vista que as referidas tecnologias se
encontram em poder de empresas e governos localizados no centro do sistema,
somente através da transferência dessa tecnologia é que os países subdesenvol-
vidos irão superar, em parte, o atual estádio econômico. Por último , deve-se
concluir que não é somente a partir da simples importação da tecnologia que os
países subdesenvolvidos irão superar o seu grau de atraso tecnológico, mas,
fundamentalmente, a partir do momento em que tiverem pessoal capacitado tanto
para absorver tecnologia importada como para gerar tecnologia própria.

lI. Do ACESSO, POR PARTE DOS PAÍSES


SUBDESENVOLVIDOS , À TECNOLOGIA

Se , como foi visto , a tecnologia é fundamental para o desenvolvimento dos


Estados e, conseqüentemente, dos povos desses Estados, cumpre saber se existe
um dever internacional de os Estados cooperarem e se ajudarem mutuamente,
neste campo. A questão , a princípio bastante simples, desperta discussões bas-
tante acirradas, não pelos princípios de Direito Internacional que poderão ser
utilizados para justificar uma resposta, mas muito mais pelas conseqüências
práticas que essa resposta pode causar.
Tecnologia e sua Importância 625

Salvo melhor juízo, a questão deve ser tratada a partir de duas situações reco-
nhecidas pelo Direito Internacional, a saber: a) que as nações têm entre si o dever
de solidariedade, cooperação e assistência e b) que existe um direito ao desen-
volvimento.
Realmente, não há como deixar de reconhecer que os Estados, na órbita inter-
nacional, devem guardar entre si o dever de solidariedade. Decorre isso da
própria forma com que a sociedade internacional vem se formando, sendo certo
que isso vem, sistematicamente, sendo reconhecido . Nesse sentido , existe um
dever de cooperação entre os Estados na órbita internacional. Assim é que os
artigos 55 e 56 da Carta da ONU preceituam:

Artigo 55
Com o fim de criar condições de estabilidade e bem-estar, necessárias às relações
pacíficas e amistosas entre as Nações, baseadas no respeito ao princípio da igualdade
de direitos e da autodeterminação dos povos, as Nações Unidas favorecerão:
1. níveis mai s altos de vida , trabalho efetivo e condições de progresso e desenvolvi-
mento econômico e social;
2. solução dos problemas internacionais econômicos, sociais, sanitários e conexos;
a cooperação internacional, de caráter cultural e educacional; e
3. o respeito universal e efetivo dos direito s humanos e das liberdades fundamentais
para todos, sem distinção de raça , sexo , língua ou religião.

Artigo 56
Para realização dos propósitos enumerados no art. 55 , todos os membros da Organização
se comprometem a agir em cooperação com esta , em conjunto ou separadamente.

Por outro lado, já se encontra devidamente sedimentado que os Estados têm o


direito ao desenvolvimento . Esse reconhecimento se deve, em parte, ao trabalho
desenvolvido pelos países subdesenvolvidos na órbita internacional, que vêm
tratando dessa questão e da implementação de uma nova ordem econômica
internacional.
Como se sabe, de há muito se debatia, entre os países subdesenvolvidos, tais
questões. Assim, os países subdesenvolvidos foram se organizando em bloco,
entre eles os chamados "não-alinhados" e o " Grupo dos 77 ", os quais, dentre
outras coisas, discutiam a temática em referência.
Com o intuito de positivar os princípios relacionados com a nova ordem econô-
mica e a reafirmação do direito ao desenvolvimento, o Grupo dos 77 apresentou
às Nações Unidas o projeto de Carta.
626 Luiz Alfredo Pau/in

o jurista chileno Luiz Diaz Muller (vários, Curso de Derecho Internacional,


Secretariado Geral da OEA, 1988) diz que:

La promoción de la Carta correspondió aI Gobierno de México de la época. EI grupo de


los 77 presentó en forma oficial el proyecto completo de la Carta de Derechos y Deberes
Económico s de los Estados a la Asamblea General de las Naciones Unidas. La Carta
fué aprobada el 14 de diciembre de 1974, por 120 votos a favor, 6 en contra (Estados
Unidos, República Federal Alemana, Gran Bretafia, Bélgica, Luxemburgo y Dinamar-
ca) , y 8 abstenciones: Austria, Canadá, Francia, Irlanda, Japón, Países Bajos, Noruega
y Espana.

A partir dessa Carta, torna-se fora de dúvida que os países subdesenvolvidos têm
direito ao desenvolvimento .
A questão do direito ao desenvolvimento é tão importante que vem causando
discussão sobre se o mesmo pode ou não ser classificado entre os Direitos
Humanos de Terceira Geração. Veja, por exemplo, o que Philíp Alston pensa:

In 1977 and again in 1979 the United Nations Commission on Human Rights declared that
there exists an internationally recognized human right to development. In this regard, the
Commission indicated in 1979 that, in its view, equality of opportunity for development is
as much as prerogative of nations as of individuaIs within nations. The moral and the ethical
arguments which support the existence of this right is compelling. However, by contrast
the internationallegal and political status of the right are matters of considerable conten-
tion. Thus at the Commission's 1979 meeting one Western delegation stated that it was not
yet convinced that the right existed as legal right recognized by internationallaw or that it
created specific rights and corresponding obligations. ... (ALSTON, 1987) .

Portanto, é de tal importância a temática que já se discute se o direito ao


desenvolvimento pode inclusive ser classificado entre os Direitos Humanos de
Terceira Geração .
Deve-se atentar para o fato de que a Carta dos Direitos e Deveres Econômicos
dos Estados estabelece que é dever dos Estados a cooperação entre si no campo
econômico e no campo tecnológico. Assim, já no Capítulo I da Carta dos Direitos
e Deveres Econômicos dos Estados são estabelecidos os Fundamentos das Rela-
ções Econômicas Internacionais, onde tais princípios são positivados. Diz o
Capítulo I, alíneas "m" e " n" :

Capo 1- Fondamenti delle relazioni economiche internazionali.


Le relazioni economiche, politiche e d' altro genere, fra Stati
devono essere governate dai seguenti principi:
Tecnologia e sua Importância 627

m) promozione delIa giustizia sociale intemazionale;


n) cooperazione internazionale per lo sviluppo .
Mais adiante, o art. 9 estabelece:

Art. 9 Tutti i paesi hanno la responsabilità di cooperare, in campo economico, socia-


le, culturale, scientifico e tecnologico, per la promozione deI progresso eco-
nomico e sociale in tutto il mondo , in particulare nei paesi in via di sviluppo.
o art. 13 estatui:
Art. 13
1. Ogni Stato ha il diritto di beneficiare dei processi e degli sviluppi delIa scienza e
delIa tecnologia, per accelerare la propria crescita economica e sociale.
2. Tutti gli Stati dovrebbero promuovere la cooperazione scientifica e tecnologica
internazionale e la diffusione delIe tecnologie, col dovuto riguardo per tutti i
legittimi interessi, inclusi, tra l'altro , i diritti e i doveri dei detentori dei fornitori e
dei destinatari delle tecnologie. In particolare tutti gli Stati dovrebbero facilitare
l' acesso dei paesi in via di sviluppo alIe conquiste delIa scienza e della tecnologia
moderne, la diffusione delIe tecnologie e la creazione di tecnologie indigene, a
favore dei paesi in via de sviluppo, in forme e procedure adattate alIe loro economie
e alle loro esigenze.
3. Di conseguenza , i paesi sviluppati dovrebbero cooperare con i paese in via de
sviluppo nella costituzione, nel rafforzamento e nelIa valorizzazione delle infras-
trutture scientifiche e tecnologiche, nella ricerca scientifica e nelIa attività tecno-
logiche, come pure dovrebbero colaborare ad espendere e transformare le economie
dei paesi in via di sviluppo.
4. Tutti gli Stati dovrebbero collaborare nelIa ricerca in vista di un ulteriore sviluppo
dei criteri e delIe norme, accettate a livello internazionale, riguardanti la diffusione
delIe tecnologie, nel dovuto rispetto degli interessi dei paesi in via di sviluppo.

A despeito de algumas contestações, parece claro o direito de os Estados subde-


senvolvidos terem acesso ao progresso e à tecnologia. É evidente, outrossim, que
os países desenvolvidos têm o dever de prestar assistência e cooperação nesse
campo. Toda essa matéria é objeto do Direito Internacional. Muito se tem
discutido sobre como classificá-la. Celso D. de Albuquerque Mello (1982)
afirma, por exemplo, que a inclusão do Direito Internacional do Desenvolvimen-
to como um ramo do Direito Internacional Econômico encontra restrição por
parte de Gross Espiell, que o considera disciplina nova. De qualquer forma,
independentemente de considerá-la ou não como disciplina autônoma, o certo é
que a mesma tem objeto próprio e tem sido estudada pelos internacionalistas.
Isto posto, pode-se concluir que: a) para que um Estado se desenvolva é condição
628 Luiz Alfredo Pau/in

fundamental que tenha acesso à tecnologia; b) a tecnologia é detida pelos países


do Primeiro Mundo; c) é dever dos Estados a cooperação mútua. Conseqüente-
mente, os países detentores de tecnologia deverão se empenhar em transferi-la
aos países subdesenvolvidos, cumprindo, assim, sua obrigação decorrente de
norma de Direito Internacional.

IH. DA ASSISTÊNCIA TÉCNICA E DA COOPERAÇÃO


TÉCNICA INTERNACIONAL

Internacionalmente, tanto os Estados como as Organizações Internacionais pres-


tam assistência e cooperação técnica em nível internacional. A primeira questão
que se faz necessário esclarecer é a diferença existente entre os conceitos de
assistência técnica e cooperação técnica.
A expressão assistência técnica é de caráter equívoco. No direito interno, por exemplo,
pode significar aqueles contratos que tenham por objeto a transferência de dados não
secretos, contrapondo-se, assim, ao contrato de know-how (vide SILVEIRA, RDM
29/60). Pode também significar aqueles contratos que tenham por escopo a formação
de mão-de-obra. É neste sentido que o Ato Normativo n. 15 a conceituava.
Em nível de Direito Internacional, contrapor a assistência técnica à cooperação
técnica implica atribuir à primeira expressão um significado mais voltado para
a ajuda, pura e simples, em nível tecnológico, do que um trabalho conjunto que
vai resultar em cooperação.
Neste sentido, a assistência técnica pode significar a transferência de tecnologia,
atribuindo-se, contudo, ao receptor uma visão muito mais passiva do processo.
A validade de tal tipo de assistência técnica nem sempre é totalmente compreen-
dida, posto que há uma tendência à crítica em relação a atos que impliquem a
passividade do receptor. Esse é um argumento com que se deve concordar, pois
se o processo de transferência de tecnologia visa a superar o subdesenvolvimen-
to, há que se esperar uma atitude mais ativa do destinatário. Vale dizer, há que
se esperar um trabalho conjunto entre o transmissor e o receptor da tecnologia.
Porém, aqueles que defendem esse tipo de assistência argumentam que, dependendo
das condições objetivamente colocadas, a assistência técnica se faz necessária para
que se possa evoluir futuramente para um processo de cooperação técnica.
Na verdade, as duas posições não são de todo antagônicas. Se é correto afirmar
que a assistência por si só não é algo desejável, não deixa de ser correto também
que, algumas vezes, as condições materialmente colocadas praticamente apon-
Tecnologia e sua Importância 629

tam para uma única solução possível, a assistência. Neste ponto, o desejável é
que ambas sejam prestadas conjuntamente, de sorte que o processo de assistência
técnica venha, desde o início , acompanhado de um processo de cooperação.
A assistência técnica pode ser prestada tanto por organismos internacionais como
por governos.
No caso de assistência intergovernamental, esses procedimentos são adotados
por governos do Primeiro Mundo em favor de países menos desenvolvidos.
Todavia, não é totalmente inexistente a assistência Sul-Sul.
Esses programas, via de regra, podem se revestir de várias características. Podem
significar, por exemplo, o envio de técnicos do setor de agricultura para imple-
mentar mudanças nas técnicas agrícolas utilizadas no país objeto da assistência
técnica; podem representar o envio de técnicos para reformular o setor de
educação etc. ; podem, ainda, implicar a concessão de bolsas de estudo para
aprimoramento de mão-de-obra.
Já o conceito de cooperacão técnica implica colaboração de caráter tecnológico
entre duas partes. Desse modo, o que se tenciona, nessa hipótese, é a estrita
capacitação do receptor da tecnologia.
o processo de cooperação técnica, da mesma forma que o processo de assistência,
pode se dar tanto através de governos como através de organismos internacionais.
Na maior parte das vezes, a tecnologia necessária é dominada não pelos governos
ou pelos organismos internacionais envolvidos, mas por empresas privadas. Na
verdade, são estes entes, em especial as multinacionais, os detentores de know-
how, patentes e outras formas de tecnologia. Assim, a cooperação tecnológica
internacional ocorre tendo os governos ou os organismos internacionais agindo
não como parte, e sim na qualidade de fomentadores dessa transferência.
Neste ponto, há que se reconhecer que os governos podem algumas vezes agir
na qualidade de entes que impedem a livre transferência de tecnologia. Isso
decorre tanto de questões relacionadas à segurança desses países, como em
decorrência das práticas neoprotecionistas.
Isto posto, conclui-se que: a) a cooperação técnica deve ser utilizada preferen-
cialmente à simples assistência; b) na maior parte das vezes o processo de coope-
ração à tecnologia encontra-se disponível nas mãos de entes privados, agindo os
governos e agências como simples fomentadores. Neste sentido, os contratos de
transferência de tecnologia a serem firmados são, via de regra, regidos pelas regras
de direito privado. No item a seguir serão estudados esses contratos.
630 Luiz Alfredo Paulin

IV. Dos CONTRATOS DE TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA

Como já foi dito anteriormente, a maior parte da tecnologia é transferida inter-


nacionalmente por empresas privadas, muito embora possa ocorrer a intervenção
de organismos internacionais ou agências de fomento .
Um dos meios mais importantes pelo qual se dá a transferência de tecnologia é
o da cessão de know-how. Antes de proceder à análise contratual, mister se faz
definir o que se entende por know-how e até que ponto sua transferência pode
ser considerada uma efetiva transferência de tecnologia.
A palavra know-how, de origem inglesa, já se encontra incorporada ao dia-a-dia
do sistema empresarial brasileiro, sendo expressamente contemplada em alguns
dicionários. Assim é que Aurélio Buarque de Holanda, em seu Novo Dicionário
da Língua Portuguesa (Ed. Nova Fronteira, 11ª ed ., p. 810) define o know-how
como a expressão " que designa os conhecimentos técnicos, culturais e adminis-
trativos'". A expressão é a abreviatura da frase the know how to do it, que poderia
ser traduzida como " saber como se faz algo ".
Segundo Fran Martins (1977), a expressão teria sido utilizada pela primeira vez,
no campo do Direito Industrial, em 1916, mas só se tornaria usual nos Estados
Unidos em 1953. Dos Estados Unidos ela foi transportada para a Europa e para
o resto do mundo.
Em alguns lugares houve tentativas de traduzir a expressão. Na França, por
exemplo, pensou-se em substituí-Ia pelas expressões connaissances spéciales ou
secret technique. A verdade, no entanto, é que o termo logo se difundiu, sendo
mundialmente empregado.
A discussão a respeito do conceito de know-how é bastante grande na doutrina,
havendo inclusive aqueles que entendem que tal expressão seria correspondente
à tecnologia. Vera Helena de Mello Franco (1979) entende ser esta a posição
adotada por Antonio Chaves, Newton Silveira e Fran Martins.
Para Newton Silveira (1990), know-how pode ser definido como "um conjunto
de regras, procedimentos e práticas que permitem a rápida e vantajosa exploração
de uma patente".
Isabel Vianna Vaz (RF 292/107) baseia-se em relatório da ONU, publicado em
1964, para delimitar o que é know-how. Diz a articulista:

1. É importante que se diga que a expressão é classificada no dicionário como " expressão estrangeira ", não
devendo ser considerada , destarte, como pertencente ao nosso léxico.
Tecnologia e sua Importância 631

Conforme um relatório publicado em 1964 pela ONU, segundo o qual condiciona-se o


êxito das transferências tecnológicas à transmissão simultânea de know-how, foi este
conceituado como [... ] "os conhecimentos técnicos não-patenteados, pressupostos pelas
fórmulas, processos, planos, segredos de fabricação etc."

A verdade é que a doutrina não chegou a um conceito definitivo de know-how. Aliás,


vários autores preferem trabalhar com uma noção ampla do que seja know-how. É
o caso, por exemplo, de Vera Helena de Mello Franco (1979), que diz textualmente
que, para efeitos de estudos e proteção do know-how, "basta que sejam assinalados
seus contornos de forma a permitir que o legislador nacional delimite o conteúdo
traçando as normas adequadas". Prossegue a professora: "Partindo desses funda-
mentos, não adotaremos um conceito exato e definitivo de know-how" .
Aliás, alguns autores entendem ser mais conveniente para os países do Terceiro
Mundo a não-adoção de um conceito definitivo a respeito de know-how. É o caso,
por exemplo, de Gómez Segade (apud Fran Martins, 1977, p. 599), para quem a
adoção de uma definição uniforme de know-how beneficiaria os países mais ricos
exportadores de tecnologia e prejudicaria os mais pobres. Segundo o autor, os
países mais ricos " sempre tenderão a interpretar amplamente o termo e dessa
forma se amplia o eventual conteúdo das licenças, com o conseqüente prejuízo
para os países subdesenvolvidos, ou em vias de desenvolvimento" .
Neste sentido, parece que a noção adotada por Fran Martins (1977) atende
parcialmente aos nossos objetivos. "Esse autor assim se manifesta:

Assim não é fácil definir-se, a contento de todos, o know-how; pode-se dele ter uma
noção . Consiste o know-how em certos conhecimentos ou processos secretos e originais,
que uma pessoa tem e que, devidamente aplicados, dão como resultado um beneficio a
favor daquele que os emprega.

Como se percebe, o know-how deve ser secreto . É nisso que se diferencia da


patente. Todavia, como se verá posteriormente, a transferência do know-how
pode vir acompanhada de algumas cessões de patentes.
A questão do segredo é de fundamental importância. Ora, a proteção jurídica da
patente, a qual, em princípio, não constitui um segredo, é devida e explicitamente
estabelecida em lei, posto que se cria um monopólio legal em favor de alguém.
A partir disso, o Estado dá uma proteção bastante efetiva às patentes.
Já o know-how não tem proteção legal da mesma amplitude que a conferida às
patentes. Portanto, para que conserve sua utilidade econômica, é fundamental
que o processo continue sendo de conhecimento restrito.
632 Luiz Alfredo Pau/in

o conceito de "secreto" não é tão amplo como querem alguns. Em verdade, o


know-how deve ser um conhecimento de acesso restrito. Vej a-se o caso de uma
empresa multinacional, que é detentora de determinado know-how. Tal know-
how pode ser utilizado por um número apreciável de pessoas jurídicas no mundo,
em especial por aqueles entes em que ela tenha participação. Ainda que tais
participações sejam minoritárias, e dependente da forma pela qual foi transferida
a tecnologia e do não-acesso de terceiros à mesma, ainda se poderá dizer que a
referida empresa é detentora de um know-how.
Certo tipo de informações, em que pese não apresentarem caráter secreto, ainda
assim significam uma tecnologia útil para determinada pessoa jurídica. Seria
essa tecnologia know-how'l
Para que a situação seja bem entendida: independente de não constituir mais
segredo, certa tecnologia pode ser de importância capital para determinada
empresa, que entende que, embora já no estado da técnica, é mais vantajoso
adquiri-la da empresa que anteriormente a detinha como segredo do que através
de outros meios. Tal situação ocorre, em geral, entre empresas do Primeiro
Mundo e empresas do Terceiro Mundo, cujo gap tecnológico é bastante grande.
Entende-se que, a despeito da utilidade da transferência, não há que se falar em
know-how, neste caso. Parece, entretanto, que se o conceito de tecnologia não
for considerado sinônimo de know-how, certamente estará ocorrendo uma trans-
ferência de tecnologia.
Na doutrina, o referido ajuste recebe o nome de contrato de assistência técnica.
Tal contrato é bem definido por Newton Silveira (RDM 26/90), que alerta para
o fato de que o mesmo não deve ser confundido com o contrato de igual nome,
regulado pelo Ato Normativo n. 15. Diz Newton Silveira:

Os contratos de assistência técnica têm por objeto dados, informes e expenencias


técnicas não-secretas, mas cujo conhecimento exigiria um esforço ou custos considerá-
veis por parte do empresário. Não constituem, assim, bem imaterial, mas um serviço
prestado por uma das contratantes em benefício da outra contratante (não é este o
sentido da expressão assistência técnica no Ato Normativo 15/75, onde está empregada
no sentido de treinamento de pessoal). É importante essa diferenciação, pois no contrato
de know-how o licenciado poderá denunciá-lo se verificar que os conhecimentos
transmitidos não eram realmente secretos.

Além dessas figuras, encontramos alguns institutos próximos, como é o caso do


engineering. Newton Silveira (RDM 26/90) estabelece uma diferenciação entre
o consulting engineering e o commercial engineering. O primeiro é um trabalho
Tecnologia e sua Importância 633

de consultoria desenvolvido por uma empresa, que verifica, através de estudos


de caráter técnico-econômico, a viabilidade da realização de um projeto indus-
trial. J á o commercial engineering, segundo o referido autor, "compreende, além
da fase de estudo , uma fase de execução, ou sej a,construir e entregar uma
instalação industrial em funcionamento (os chamados contratos de turn key) " .
Os chamados contratos turn key ou contratos dês en main são, destarte, aqueles
contratos em que o contratado entrega ao contratante uma unidade industrial
pronta para ser operada. Daí o nome turn key, posto que bastaria ao adquirente
virar a chave para que a indústria passasse a funcionar.
Durante muito tempo discutiu-se acerca das vantagens e desvantagens que esses
tipos de contrato poderiam oferecer aos países subdesenvolvidos. Em verdade,
questionava-se se no mesmo haveria a efetiva transferência de tecnologia ou se,
ao contrário, o que ocorria era simplesmente a venda de uma unidade industrial,
abarrotada de "caixas-pretas" , criando-se uma dependência eterna de assistência
técnica com o fornecedor .
Por esses motivos, alguns países passaram a exigir que, nesse tipo de contrato,
o fornecedor procedesse à transferência efetiva da tecnologia através do treina-
mento e capacitação da mão-de-obra local, que deveria estar apta a colocar em
funcionamento o empreendimento.
O know-how é bem incorpóreo ou imaterial, conforme já definido acima. Como
tal, é passível de ser transferido a terceiros .
Hoje em dia, os detentores de know-how são, via de regra, as grandes empresas.
E nem podia ser de forma diferente. São elas que investem na obtenção de novos
processos. Logo, as transferências de know-how têm, normalmente, como ceden-
te, empresas com sede em países do Primeiro Mundo.
Portanto, há de se ter claro que essas transferências são feitas através de contra-
tos de direito privado, sujeitos, destarte, às características básicas desse tipo de
contrato. Obviamente, não se -pode deixar de dizer que em alguns casos existe a
intermediação de agências de fomentos de caráter nacional ou internacional, as
quais, via de regra, não participam do ajuste, não deslocando, assim, o caráter
de relações privadas.
Os detentores do know-how processam essa transferência através de contratos,
cujas características passam a ser agora analisadas.
634 Luiz Alfredo Pau/in

V. Do CONTRATO DE KNOW-HOW

o know-how pode ser transmitido através de duas formas, a saber: cessão e


licença.
Pela cessão de know-how, seu detentor o transfere em caráter definitivo e
permanente ao adquirente. Note-se que o fato de haver cessão do know-how não
implica que o adquirente possa transmiti-lo a terceiros. Na verdade, essa cessão
significa somente transferência definitiva, isto é, o adquirente pode utilizá-lo
pelo período que lhe aprouver, sem que haja qualquer tipo de restrição por parte
do cedente.
Já no contrato de licença, o detentor de um know-how o transmite ao licenciado,
que poderá, por um determinado período de tempo, utilizá-lo . Findo esse perío-
do, deve o licenciado se abster de utilizar a referida técnica, mesmo que já a
domine. Neste caso , com mais motivos que na situação anterior, o licenciado
deve se abster de transmitir o processo a terceiros.
As partes no contrato serão, em geral, conforme antes esclarecido, pessoas de direito
privado. Na maior parte das vezes a transferência se opera entre pessoas jurídicas.
Caso se esteja diante de um contrato de licença, o fornecedor do know-how será
denominado licenciador e aquele que o recebe será denominado licenciado.
No caso de um contrato de cessão, o fornecedor do know-how será denominado
cedente e aquele que o recebe será denominado cessionário.
O contrato é, na maior parte das vezes, de caráter oneroso. O pagamento ocorre
das mais variadas formas, prevalecendo, geralmente, o critério da autonomia da
vontade para fixação tanto de preços como de formas de pagamentos. No Brasil,
por força das disposições constantes do A.N. 15, costumou-se contratar paga-
mentos baseados em percentual ou valor fixo por unidade de produto. A redação
do item 4 .2.1 da A .N . 15, a esse respeito, era a seguinte:

O valor da remuneração será apurado com base em percentagem ou em valor fixo por
unidade de produto, em qualquer dos casos incidente ou correlacionado sobre o preço
líquido de venda, receita líquida de venda, ou, ainda, quando for o caso , estar também
correlacionado com o lucro obtido do produto resultante da aplicação da tecnologia.

A resolução n. 22 do INPI alterou um pouco a situação, dispondo em seu art. 11 :

A remuneração do fornecedor de tecnologia poderá ser estabelecida a preço fixo, em


percentual sobre o preço líquido de venda sobre o lucro obtido ou, ainda, em valor fixo
Tecnologia e sua Importância 635

sobre cada unidade produzida conforme estipulação contratual, exceto para os Contra-
tos de Serviços de Assistência Técnica e Científica.

A periodicidade de pagamento, em nível mundial, é estabelecida livremente


pelas partes. Entretanto, consigne-se que o cedente ou licenciador exige paga-
mento de um percentual elevado , contra a transmissão de desenhos, plantas,
documentação técnica etc.
O prazo de vigência do ajuste irá depender do tipo de contrato firmado entre as
partes. Assim, em um contrato de licença o prazo tende a ser maior, posto que
somente durante a vigência do contrato é que o know-how pode ser utilizado.
Todavia, tendo em vista a velocidade com que a tecnologia avança, o período
não pode ser tão prolongado, pois, após determinado intervalo de tempo, o
know-how já estará superado. Isso não impede que o licenciador se comprometa
a fornecer ao licenciado todas os aprimoramentos que forem introduzidos.
Já o prazo de vigência do contrato de cessão tende a corresponder ao período
necessário para que o cessionário absorva totalmente o know-how.
Pode o know-how ser transmitido de maneira exclusiva para determinada região, ou
não-exclusiva. Na primeira hipótese, temos o caso de um know-how que é transmi-
tido somente a um cessionário ou licenciado. Essa situação é bastante rara.
Na segunda hipótese, o cedente ou licenciador se compromete a não fornecer o
mesmo know-how a outras empresas situadas na mesma região onde o cessionário
ou licenciado atua. É a solução mais utilizada nos contratos de know-how. Em
contratos cujo cessionário ou licenciado seja domiciliado no Brasil, via de regra
se estabelece como região de exclusividade o próprio país ou a América Latina.
Por último, tem-se o caso do know-how que é transmitido sem exclusividade, ou
seja, o cedente ou licenciador pode transmitir o referido know-how, sem restrição
alguma.
Se, pelo lado do cedente ou licenciador, pode-se estabelecer restrições à trans-
ferência do know-how, estes também podem impor certas restrições ao cessioná-
rio ou licenciado.
A restrição mais comum imposta aos cessionários ou licenciados é aquela que
restringe o local onde os bens produzidos de acordo com o know-how transferido
podem ser comercializados. É de se notar que a restrição à comercialização,
ainda que regional, de mercadorias produzidas com o know-how, em algumas
legislações, pode ser considerada abuso de poder econômico. A mesma regra se
aplica a restrições à exportação. Sobre esse assunto, o CADE já se manifestou.
636 Luiz Alfredo Pau/in

É o que se verifica no Repertório Jurisprudencial da obra Poder Econômico:


Exercício e Abuso, de José Inácio Gonzaga Franceschini e José Luiz Vicente de
Azevedo Franceschini (1985 , p. 430):

477. Contrato de Transferência de Tecnologia . Restrição às exportações. Rejeição .

Os contratos de transferência de tecnologia não podem prever restrições às exportações,


sob pena de contrariedade do art. 2, I, " g", da Lei n. 4.137, de 1962.
Assim, por exemplo, são vedadas as cláusulas que impeçam a exportação a determina-
dos países, ainda que o país do concedente ou onde este atue ou tenha concedido direitos
exclusivos a terceiros , as que condicionem a exportação ao pagamento de taxas ou
repartição de lucros e as que obriguem à prévia comunicação ao concedente quanto aos
países para os quais se pretende exportar.

Tanto no contrato de cessão como no contrato de licença deve o adquirente do


know-how se abster da prática de atos que impliquem transferência do know-how
a terceiros. Neste sentido, há uma preocupação bastante grande, por parte dos
detentores de know-how, para que esses cessionários ou licenciados não o
transmitam a terceiros. Todavia, comumente só resta, do ponto de vista civil,
estipular pesadas cláusulas penais contra o adquirente que transmitir o know-how
a outrem.
É de se notar que nem sempre essa transmissão do know-how ocorre de maneira
deliberada, isto é, nem sempre o cessionário ou o licenciado dolosamente faz
com que o processo se torne público. Algumas vezes, os prepostos ou os
funcionários do cessionário ou do licenciado transmitem o know-how a terceiros.
Neste caso, sem adentrar a análise do tipo de penalidade a que está sujeito o
preposto ou funcionário, é contratualmente estabelecida a responsabilidade civil
ao licenciado ou cessionário. Neste sentido, é comum verificar-se a existência
de cláusula-padrão nos contratos, cujo teor é o seguinte:

8.1 A "SOCIEDADE" se compromete a não divulgar, não comunicar a terceiros e não


fazer uso da "TECNOLOGIA" para fins outros que aqueles previstos no presente
"CONTRATO" e se compromete a impor a mesma obrigação a seus funcionários que
tenham acesso à "TECNOLOGIA", fazendo com que estes firmem um compromisso
pessoal conforme o texto previsto no ANEXO 2.

E O ANEXO 2, diz:

O abaixo assinado ......, nascido em ....... residente à ........ declara ter lido as disposições
relativas ao sigilo previstas no Artigo VIII do Contrato de Transferência de Tecnologia
Tecnologia e sua Importância 637

e Assistência Técnica estipulado entre na data de e se compromete a respei-


tá-lo como se fosse parte integrante de tal contrato.

Note-se, ainda, que nem sempre o preposto age de maneira dolosa ao possibilitar
que o know-how caia no domínio público. Assim, a partir do momento em que
isso ocorra, o licenciado ou cessionário estará sujeito a ser responsabilizado.
Existem situações bastante graves, como, por exemplo, o caso de funcionários
que levavam consigo, em seu carro, todo o material em que se encontrava
descrito o know-how e que tiveram seus veículos furtados, possibilitando, assim,
em tese, que o referido material caísse no domínio público.
Fran Martins lembra que o know-how pode ser transferido de maneira pura ou
combinada. No primeiro caso, é transmitido de forma isolada. Já no know-how
misto ou combinado , a transmissão se dá juntamente com outros direitos, como,
por exemplo, o direito à utilização da patente sobre a qual se aplica o know-how,
ou o fornecimento de material etc.

VI. DA PATENTE

Além do know-how, a patente pode significar uma tecnologia passível de ser


transferida. O sistema de patentes começou a ser criado no início da Idade
Moderna, desenvolvendo-se simultaneamente em vários países da Europa. No
início, tal sistema se confundia com a concessão de privilégios por parte da
Coroa. Douglas Gabriel Domingues (1980 , p. 9) conta que na Inglaterra as
Literal Patents eram "cartas abertas a todos os súditos do reino e forma usual de
conceder honrarias, dignidades e direitos exclusivos de compra, venda, fabrica-
ção de algum produto, ou ainda direitos de monopólio às guildas ou eminentes
cidadãos". Prossegue o autor dizendo que em 1582 "concedeu o rei o monopólio
do sal a William Harebrown, para alívio da decadência de sua fortuna, atribuída
a perdas do mar" .
Com o passar do tempo o sistema foi se desenvolvendo , de sorte a contemplar
privilégios e monopólios somente àqueles que tivessem procedido a invenções.
Assim é que , no final do século XVIII, vários países passam a editar normas
legais relativas à patente, na forma de privilégios a inventos, cabendo destacar
nesse período a legislação norte-americana e a francesa .
Patente é um daqueles conceitos que as pessoas intuitivamente têm, independente
de ter-se dedicado ao estudo mais aprofundado da temática.
638 Luiz Alfredo Paulin

Segundo José da Silva Pacheco (1979), "ao autor de invenção, de modelo de


utilidade, de modelo industrial e de desenho industrial será assegurado o direito
de obter patente que lhe garanta a propriedade e o uso exclusivo".
Dessa definição verifica-se que o Estado concede ao autor de determinadas
invenções o direito de ver expedida, em seu favor, a patente. De posse dela, a
pessoa recebe a proteção do Estado de poder utilizar-se exclusivamente de seu
invento, por um determinado período de tempo.
Várias são as razões que levam os Estados a proteger inventos através do sistema
de patentes. Contudo, parece claro que a patente representa um estímulo à
pesquisa. Ora, não seria de se esperar que alguém ou alguma empresa investisse
somas vultosas em pesquisa para, após algum tempo, ver seus produtos copiados
por empresas que não colaboraram financeiramente com a realização da mesma.
É nesse sentido que o sistema de patentes representa um estímulo à pesquisa.
Serve também a patente como meio de divulgação de uma determinada tecnolo-
gia gerada. Comentando tal função, Nuno Tomas Pirez de Carvalho (RDM 51/57)
diz o seguinte:

Como meio de divulgação de tecnologia, a patente serve precipuamente à informação.


Consultando-se os documentos de patentes, sabe-se a orientação das pesquisas mais
recentes e os resultados obtidos. Além disso , podem os concorrentes: a) desenvolver
tecnologia sucedânea, de forma a fugir dos limites estabelecidos pelas reivindicações;
ou b) aperfeiçoar a tecnologia descrita nas especificações da patente.

Patenteiam-se as invenções de produtos ou processos que sejam novidades e


possam ser suscetíveis de utilização industrial. O Código de Propriedade Indus-
trial estabelece como nova a invenção quando não abrangida pelo estado da
técnica, sendo este "constituído por tudo aquilo que foi tornado acessível ao
público, seja por uma descrição escrita ou oral, seja por uso ou qualquer outro
meio, inclusive conteúdo de patentes no Brasil e no estrangeiro". Quanto à
aplicabilidade industrial da invenção, o Código de Propriedade Industrial enten-
de que isso ocorre quando a referida invenção possa ser "fabricada ou utilizada
industrialmente" . Note-se que, no Brasil, existem algumas invenções insuscetí-
veis de serem privilegiadas, cuj a relação encontra-se no art. 9 Q do Código de
Propriedade Industrial. Entre elas estão as invenções contrárias à lei, moral,
saúde, segurança pública, cultos religiosos, técnicas cirúrgicas, concepções pura-
mente teóricas etc. Algumas dessas proibições não despertam qualquer tipo de
polêmica, até porque parte delas são universalmente aceitas.
Todavia, algumas proibições com relação à concessão de patentes criam certo
Tecnologia e sua Importância 639

tipo de atrito entre diversos Estados. Como é sabido , alguns países se recusam a
patentear certos tipos de produto ou processos. É o caso principalmente dos
produtos farmacêuticos e ligados à biotecnologia. Na atualidade, verifica-se a
existência de pressões sobre o Brasil para reconhecer patentes que recaiam sobre
esses produtos ou seus processos. Tal pressão vem sendo exercida pelo governo dos
Estados Unidos da América do Norte. É de se esperar que, dentro de determinado
espaço de tempo, o Brasil venha a reconhecer as referidas patentes, muito embora
existam pressões parlamentares bastante fortes para que isso não aconteça.
Convém notar que, além das invenções propriamente ditas, são privilegiáveis os
modelos de utilidade, modelos industriais e os desenhos industriais.
O primeiro, isto é, o modelo de utilidade, é legalmente definido como sendo
"toda a disposição ou forma nova obtida ou introduzida em objetos conhecidos,
desde que se prestem a um trabalho ou uso prático" . Ressalta a lei, entretanto,
que a proteção é concedida somente "à forma ou à disposição nova que traga
melhor utilização à função a que o objeto ou parte da máquina se destina".
Por modelo industrial a lei entende "toda a forma plástica que possa servir de
tipo de fabricação de um produto industrial e ainda se caracterize por nova
configuração ornamental", sendo, por sua vez, o desenho industrial definido
como "toda a disposição ou conjunto novo de linhas ou cores que, com fim
industrial ou comercial, possa ser aplicado à ornamentação de um produto, por
qualquer meio natural, mecânico ou químico, singelo ou combinado".
As patentes podem ser exploradas diretamente por seu titular ou podem ser
objeto de transferência. Neste sentido, o titular pode transferir seus direitos a
terceiro, configurando-se, destarte, uma cessão. Pode também apenas conceder
licença para que alguém explore determinada patente, por determinado período.
Existe uma série de Acordos Internacionais que regulam as questões relacio-
nadas à patente. O acordo mais conhecido é a União de Paris, firmado naquela
cidade em 1883. Esse tratado, do qual o Brasil é partícipe, foi objeto de uma
série de alterações.
A Convenção de Paris estabelece uma série de normas; entretanto, a mais
importante refere-se ao compromisso estabelecido pelos Estados signatários de
conceder aos nacionais dos outros Estados signatários tratamento igual ao que
dariam a seus próprios nacionais (Artigo 11) . Por outro lado, estabelece-se que o
depósito feito perante um Estado signatário poderá, dentro de um determinado
período, ser feito perante outro Estado, considerando-se como data-base a data
do primeiro depósito (Artigo IV).
640 Luiz Alfredo Pau/in

É o Bras il ta mbé m s ig natá r io do PCT, o qual se encontra em vigor interna-


m en t e, por fo rça do qu e di sp õe o D ecreto 81.742, de 31.05.1978 . O referido
tr at ad o tr az co mo novidade a po ssibilidad e de s er feito um depósito interna-
cion al d e paten te.
Por fi m, deve-se lembrar a exis tência, nest e setor, da OMPI (Organização Mundial
da Propried ade Industrial), qu e, como se sabe, é uma agência especializada da ONU.
El a suce deu aos BIRPI (B ureaux Internationaux Réunis pour la Protection de la
Pr opriété Intellectuell e), org anismo que administrava, entre outras, a Convenção
de Pari s, qu e, posteriormente, passou a ser admi nis trada pela OMPI. A Convenção
de Pari s não é a única a se r atu alm ent e administrada pela OMPI. Uma série de outras
convenções, dentre elas o PCT retromencionado, é dirigida pe la OMPI.

VII . A TRANSFER ÊNCIA DE TECN OL OGIA NO B RAS IL

As regr as re lacio na das à tran sfer ên ci a de tecnologia no Brasil encontram-se


definid as no Código de Propri ed ad e Industrial. Encontravam-se, também, no
revog ad o A to Norm ati vo n. 15, o qual estabelecia três tip os de contratos que, de
alg uma forma, implicam tr an sfer ência de tecnologia, a saber: " Contrato de
Forn ecim ento de T ecn ol ogi a Industri al" , " Contrato de Cooperação Técnico -In-
dustrial " e " Co ntrato de S ervi ços Técnico s Especializados". O objeto desses
tip os de co ntra tos enco n tra-se definido no próprio A.N. 15 .
O " Contrato de Forn ecimento de Tecno logia Industria l" vem definido no item
4.1 do referido A.N ., cujo teor é o se g uinte :

Cons ide ra -se " de fo rnec ime nto de te cn ol ogia industrial" o contrato que tem por finali -
dad e es pec ífic a a aqu isição de co n hec ime ntos e de técnicas não -amparados por direitos
de propri edad e industrial depositados ou concedidos no país, a serem aplicados na
pr odu ção de ben s de co ns um o ou de in sumos, em geral.

Logo em se gu ida , o item 4.1.1 det ermina qu e o contrato dev e compreender


prin cipalm ente:

a) fo rnecime nto de tod os os dado s té cni cos de engenhari a do processo ou do pro duto ,
incl usive m etod ol ogi a do desen v ol vimento te cn ológico usada para sua obtenção,
d ad os esses repr esen tad os pel os co nj untos de fórmula s e de informações técnicas ,
de docum entos, de desenh os e mod el os indu striai s, de in struções sobre operações e
de outros ele me ntos anál og os para permitir a fabricação do pro duto a que se refere
o su bi te m 4.1 ;
Tecnologia e sua Importânc ia 641

b) fornecimento de dado s e in formações p ar a at ua lização do p rocesso ou do p ro dut o ;


c) prestação de assi stência técnica a ca rgo de técn ic os do fo rnecedo r e fo rmação de
pessoal técnico es pe ci ali z ado do adquirente.
Já o conteúdo do " Contr ato de Coop er ação T écnico-Industrial ve m definido no
item 5.1 do referido A.N. 15/75 :

Considera -se " de cooperação técnico-indu strial " o co ntra to qu e tem po r fina lida de
específica a aquisição de con hecim entos de técnica s e de se rv iços requ erid os p ar a a
fabricação de un id ade s e subunida de s indu striai s, de máquina s, equ ipa mentos, resp ec-
tivos componentes e outros bens de capital sob en com enda.

o item 6.1.1 determina que o contrato deve co mpreende r princip alm ente :

a) fornecimento de todo s os dado s técni cos, desenh os e es pecificações de enge nha ria
do "p roduto" e dos materiai s u sad os par a a sua fabri c ação , bem co mo to da a
metodologia do des envo lvimento tecn ol ógico utili z ad a p ar a sua ob te nção (memó ria
de cálculo et c. ) ;
b) fornecimento de dado s e informa ções p ar a a atual ização do pro duto ;
c) prestação de assi st ência técni ca a ca rgo de técni cos do cooperador e fo rmação de
pessoal técnico espe cializado da empresa recep tor a.

Por sua vez, o conteú do do " Contr ato de Servi ços Técnicos Esp eci alizad os vem
definido no item 6 do A.N . 15, que tem o se guinte teor:

Considera-se de " se rviços técnicos " o contrato que tenha p or fin alid ade es pecífic a o
planejamento, a programação e a elabora çã o de estudo s e proj et os, be m co mo a execu -
ção ou prestação de servi ços , de caráter es pecia liza do , de qu e necessi te o sistema
prod utivo do paí s.

o item 5.1.1 determina que o contr ato dev e compreend er princip alm ente :

a) elaboração de planos diretores , es tudos de pr é-vi abilid ad e e de v iabi lida de técn ico -
econômica e financeira , estudos organizacio na is , ge re nc ia is ou outros , plane j amen-
to em geral , inclusive rela cion ad os co m se rv iços de engen haria ;
b) elaboração de planejamento , anteproj et os, pro j et os bási cos e executivos , bem co mo
elaboração, control e de execu çã o e supe rv isão técn ica de empreen dime ntos de
engenharia em seus diversos ramos e em suas diver sas etapas;
c) instalação, montagem e co locação em func io n ame nto de m áqu in as, equipa me ntos e
unida des in dustriais ;
d) outros serviços técnico -profissionais especializ ados, de engenharia e/ou co ns ulto ria;
642 Luiz Alfredo Pau/ in

e) cont r at ação de técnicos estrangeiros para execução de determinado serviço profis-


sional esp eciali za do e a prazo certo.

Além desses tipo s de contrato , o Ato Normativo regulava o contrato de licença


de p atente. Dizia o seu item 2.1:

Considera-se " de licença " o contrato que se destina especificamente a autorizar a


exploração efetiva , por terceiros , do objeto de patente regularmente depositada ou
concedida no país, consubstanciando direito de propriedade industrial, nos termos da
Lei n. 5.772/71 (Código da Propriedade Industrial).

Por sua vez, o item 2.1.1 determinava que a licença deveria compreender,
necess ari amente:

a) fornecimento de conjunto de informações e dados técnicos , de fórmulas, de especi-


ficações , inclusive materiais , de desenhos e modelos, de processos, de operações e
de outros elementos análogos, destinados à utilização do processo e/ou fabricação,
do produto ;
b) quando for o ca so , prestação de assistência técnica a cargo de técnicos do licencia-
dor e formação de pe ssoal técnico especializado, do licenciado".

o Ato Normativo n. 15, como se sabe, foi revogado, tendo sido substituído pela
Resolução 22 , a qual contemplou e classificou como contratos de Transferência
de Tecnologia os contratos de exploração de patente, uso de marca, fornecimento
de tecnologia e prestação de serviços de assistência técnica e científica.
De qualquer forma , os referidos contratos continuam sendo objeto de averbação
perante o INPI, posto que tal comando decorre das disposições constantes do
Código de Propriedade Industrial, que em seu art. 126 determina:

Ficam sujeitos à averbação no Instituto Nacional da Propriedade Industrial, para os


efeitos do art. 2º, parágrafo único, da Lei n. 5 648, de 11 de dezembro de 1970, os atos
e contratos que impliquem em transferência de tecnologia.

À época do A .N. 15, a referida averbação criou uma série de celeumas, posto que
a averbação do contrato era condição para:

a) legitimar os pagamentos dele decorrentes, seja internamente, seja para o exterior,


observadas em ambos os casos as disposições e restrições legais vigentes;
b) permitir, quando for o caso, a dedutibilidade fiscal, respeitadas as normas previstas
na legislação específica;
Tecnologia e sua Importância 643

c) comprovar, quando for o caso, a exploração efetiva da patente ou o uso efetivo da


marca no país, respeitadas ainda as demais condições estipuladas pelo Código da
Propriedade Industrial.

Pelo que se viu acima, quase todos os contratos deveriam ser averbados no INPI,
tendo em vista, em especial, que a autorização a ser fornecida para remessas de
royalties, pelo BACEN, e a possibilidade de serem lançados, como despesas
dedutíveis, os pagamentos feitos, exigia a prévia averbação.
Entretanto, alguns autores questionavam isso. Questionavam a legalidade de um
Ato Normativo normatizar questões de direito privado. De qualquer forma, com
a liberalidade do novo diploma é de se esperar que não mais se questione a sua
legalidade.
Além das questões tratadas anteriormente, com relação a particularidades de
contratos firmados no país, parecem necessárias duas observações.
Em primeiro lugar, com relação à questão de natureza fiscal , deve-se ter em conta
que continua a viger, no Brasil, a Portaria 436 do Ministério da Fazenda, datada
de 31.12.1958.
Tal Portaria estabelece o limite de dedutibilidade fiscal. Esse limite se aplica
ainda aos casos em que o INPI tenha averbado contrato cuja remuneração preveja
valores superiores aos ali estipulados.
Em segundo lugar, vale notar que a estrutura cambial brasileira exige que as
remessas para pagamento de royalties somente sejam feitas quando autorizadas
pelo Banco Central do Brasil. Destarte, não é incomum que , mesmo após obtida
a autorização por parte do INPI, o remetente ainda tenha que enfrentar a buro-
cracia do BACEN para poder efetuar o pagamento legitimamente devido ao
cedente.

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CASOS E DEPOIMENTOS
A Tecnologia de Transferir
Tecnologia

João Batista Araujo e Oliveira

I. BUSCANDO TECNOLOGIA PARA OS CENTROS DE


TECNOLOGIA DO SENAI

Absorção de tecnologia estrangeira não é um assunto novo para o SENAI - o


Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial. Afinal, a instituição já nasceu na
década de 40 como fruto de um bem ajustado transplante de uma idéia de origem
germano-suíça, o sistema dual, que ainda incorporou o método russo das séries
metódicas. Isso tudo foi adaptado com sucesso por Roberto Mange à situação
brasileira, à época totalmente carente de tradições de aprendizagem e treinamen-
to, seja nas empresas, seja em escolas.
A cooperação internacional começou muito cedo. Já em 1954 o SENAI celebrou
acordo de assistência técnica para o desenvolvimento de sua área têxtil. Diversas
outras missões se sucederam, em outros setores. Na década de 70 , uma experiên-
cia difícil e relativamente malsucedida de trazer know-how italiano para dina-
mizar uma de suas escolas no setor de artes gráficas teve o mérito de alertar a
instituição para a necessidade de aprimorar a sua cap acidade de negoci ação .
O SENAI - que em 1992 celebrou cinqüenta anos de existência - é um a institui-
ção criada e mantida pelas empresas brasileiras, financiada através de um rneca-
648 J oã o Ba tista Araujo e Ol ive ira

nismo compul sório de recolhimento sobre a fol ha de p ag am ento das empresas


industriais de todo o país, e dirigi do p ela Con fed er ação Naciona l das Indústri as.
Além dos organismos ce ntrais de coorde nação e assis tê ncia técnic a, possui
diretorias regio nais em ca da Est ad o da Fed er ação. A s diretori as es ta duais sã o
eleitas p el as fed erações de indús tria de ca da Es tad o e gozam de ampla auton o-
mia. O Qu adr o 1 mo stra os gra ndes núm ero s do sis te ma SENAI.
A p rinc ipal resp on sabil id ad e da institu ição é pr eparar a mão-d e-obra industrial.
In ic ialmente essa respo nsab ilida de for a limitada à form ação profissional de
apren dizes - g er alm ente m enores oriundos da es cola primária, e que se habilita-
va m através de um curso em ine nte me nte pr át ico , de duração de 2 a 3 anos. Com
o passar do te mpo , o SENAI fo i se envo lve ndo em outras ativida des, qu e incluem
o treina me nto de ad ultos, a fo rmação nas emp res as, e, mais recentemente,
ativ idades de desenvo lvi me n to e transferê ncia de tecnologia.
Mudanças profundas no ce ná rio br asil eiro no fina l da déc ad a de 70 e início do s
anos 80 levaram a instituição a repensar alg uns de se us ca m inhos, face à
evolução eco nômica e tec no lógica do p aís. Uma dessas ve r te ntes l evou à criação
dos Centro s de Tecnologia de que trat a o presente trab alho. Alguns anos mai s
tarde, a criação de um fundo especial adicio na l (0, 2 % sobre a massa sal ari al)
co ntrib ui u para viab ilizar fina ncei ra me nte esses no vo s empreendimentos e dar
novo imp ulso à sua disseminação . D e p articul ar inter es se para o pr esente trab a-
lho é o fa to de que p rat icam ente tod os os ce ntros de tecnologia hoj e ex is te nte s,
em núm er o superior a dez, na sc eram co mo fr uto de uma colaboraç ão e assistência
técn ica co m um ou mais países ou instituições estrang eiras .
A experiê nc ia co nso lida da em quase 15 anos de ativ ida de s na criação e desen-
vo lvimento desses ce ntros permite hoj e ao SENAI es tabele ce r uma linha clara
de objetivos par a os mes mos . Emb or a a filosofia de atu ação do SENAI já estej a
rel ativ am en te pad ron izad a co mo fruto dessa ex periê ncia, ela deix a o espaço
necessár io para cada ce ntro traçar se u próprio itin erário e enfa tizar o perfil
insti tucional e as ca rac te rísticas de atuação mais rel ev antes p ar a o p erfil tecno-
lógico do setor e p ara o co ntexto loc al em qu e se inserem.
A Tecnologia de Trans ferir Tecnolog ia 649

QUADRO 1

S EN AI
o S EN AI - Serv iço Naci on al de A pre nd izag em Industri al - , criado em 1942, tem co mo
respons ab ilid ad e princip al a form ação pro fiss on al e o dese nvolv ime nto d as potenc ial id ad es
do tr ab alh ad or. A in stitui ção é ma nt ida pe los em pres ári os, através de recolhim ento co mpu l-
só rio d e um a por cen tag em d a folh a de pagament o das empresas industria is . Essa a rreca dação
representou cer ca de 40 bi lhões de cruze iros em 1990 .
O órgão , v inc ula do à Con fed er ação Naci onal d as Indúst ri as , possu i um dep art am ento n aci o -
n al , enca rrega do d as políti cas e orie ntação técni ca, e dir e tor ias regi on ais e m 24 Estados d a
F ed er ação .
Em 1990 reg is trou um tot al de 1.13 5.5 35 matrícul as . Desse tot al, cerca de metade da form açã o
foi oferecid a dir et am ent e pelo SEN A I. Aí se inclu em a maiori a dos cursos de formação pro fis -
s iona l de longa dur ação . A o utra metade das matrícul as é negoci ad a dir et ament e pel as empresas
ou em convê nios entre elas e o SENAI , e se constituem de alg umas ações de formaçã o pro fissi on a l
e de um gr and e núm ero de treinament os es pecíficos, de cu rta dur ação, vo ltados para o ate ndime nto
de necessid ades es pecíficas e urgentes . O esfor ço de trein am ent o anual do SE NA I equivalia, em
1990, a 126 m ilhões de alunos /hora.
A red e física pr ópri a incl ui 563 unid ades operac io na is em tod o o país , m as o s iste ma ainda
se v al e de inúm er as uni da des utiliz adas atra vé s de co nvê nios d e coo pe ra ção ou acordo s . No
tot al são utili z ad as 530 unid ad es fixas e 303 un idades móv ei s e m tod o o país , incluind o
ce ntros de fo rma ção pr o fiss ion al, esco las técn icas , ce ntros de tecno logi a, ce ntros de tr ein a-
m ento, agê ncias de tr e in am en to, un id ades de trein ament o o pe rac io na l, unid ad es móvei s e
centros de des env olvimento de pessoa l. O corpo técnico do SENAI é co ns tituí do por 14 .719
fun ci on ár ios .
No camp o d a coo pe ração int ern ac ion al , o SEN AI tant o receb e qu an to prest a ass is tê nc ia
técni ca . Em 1990 tr ein ou 1.085 estagi ári os de mai s de 40 países . A o mes mo temp o, nego c iou
ou implem entou m ais de 40 pr oj et os de assist ên ci a téc nica, a lém de ge re nc iar o env io de
dez en as d e b ol si st as do S EN AI par a es tág ios em ou tros p aís es .

Fonte: Sistem a SENAI - Rel at ór io 1990 .

1. Os Obj etivos dos Centros de T ecn ol ogia


Grosso modo , o obj etivo dos centro s cons iste em estimular a reali zaç ão de
atividades relacion ad as com o des en vol vim ento cie n tífico e tecn ológ ico, com
vista a prover o SENAI do nec ess ário potenci al qu e lh e p erm it a atuar co mo
agente de absorção , incorporaç ã o, g er ação e tr an sferên c ia de tecno log ias p ara as
empresas.
Os centros podem oferecer cursos de for mação de técnic os e tecn ó logos (de nív el
formal equivalente ao 2 Q grau) , qualificaç ão es pecia liza da e mini cu rsos de
650 João Batista Araujo e Oliveira

aperfeiçoamento, especialização e reciclagem, bem como outras atividades de


difusão através de palestras, simpósios, encontros e reuniões técnicas. Esta
função é complementada pelas atividades editoriais, que podem incluir boletins
técnicos, revistas e materiais de instrução.
Uma segunda função consiste na certificação de conformidade e qualidade, quer
se trate de profissionais, quer de materiais, equipamentos e instrumentos usados
no setor econômico correspondente à área de especialidade do centro. Essa
função se complementa com atividades de coleta, classificação, tradução e
divulgação de normas existentes.
Um terceiro conjunto de funções re fere-se à assistência técnica e à prestação de
serviços às empresas, e inclui atividades de dignóstico, análise e implementação
de inovações, ens aios, análises e aferições, desenvolvimento de projetos e pro-
dutos, bem como apoio à pesquisa e ao desenvolvimento tecnológico das empre-
sas, sempre no setor de especialidade do centro.

2. A Evolução dos Centros

Seguindo a tendência de uma instituição devotada quase que exclusivamente à


form ação profissional, os centros dedicaram-se, inicialmente, com maior desen-
voltura às funções de form ação. Mas, gradativamente, foram incorporando as
outras funções típicas de um centro de tecnologia, e que eram menos familiares
à cultura do SENAI. No presente momento, a maioria dos centros dedica cerca
de 60 % de seu esforço a atividades de ensino e os restantes 40% às demais
funções. Esses 40 %, no entanto , representam um distanciamento bastante radical
das tradições institucionais do SENAI, sobretudo porque essas atividades reque-
rem um perfil profissional bastante diferenciado ao do instrutor típico dos
centros de formação profissional. Dessa forma, os centros de tecnologia, aos
poucos, vão criando uma cultura organizacional bastante diversa da encontrada
nos centros de formação profissional.

Mesmo quando es se rompimento era admitido e desejado já na concepção inicial


desses centros, a assistência técnica estrangeira desempenhou um papel funda-
mental na conform ação , legitimação e sustentação desses novos modelos de ação
profissional e institucional. Na verdade, essa presença foi instrumental para que
essa nova cultura fosse protegida e pudesse prosperar. Na seção seguinte exami-
namos, de maneira retrospectiva, e à luz da experiência acumulada pela institui-
ção, o que o SENAI aprendeu sobre as tecnologias de absorver tecnologia.
A Tecnologia de Transferir Tecnologia 651

3. A Tecnologia SENAI de Absorção de Tecnologias


De maneira esquemática, podemos sintetizar os procedimentos de absorção de
tecnologia seguidos pelo SENAI em 6 etapas, refletindo uma experiência ama-
durecida e acumulada ao longo dos anos. Analisamos cada uma dessas etapas,
ilustrando, sempre que possível, o próprio processo de acumulação de experiên-
cias, isto é, o processo de aprendizagem do próprio SENAI. Ao mesmo tempo,
procuramos apontar exemplos de problemas, desafios e soluções encontrados.
Registramos, sempre a título de mera ilustração, alguns dos resultados verifica-
dos até o presente.

a) 1 9 Passo: A Concepção de um Novo Centro

A política de criação de centros tecnológicos no SENAI foi formalmente conso-


lidada em uma reunião realizada em 1984, entre a direção nacional e as direções
estaduais do SENAI. A idéia de criação de um centro específico pode ter
múltiplas origens, mas num determinado momento essa idéia, cristalizada e
verbalizada por uma das direções estaduais do SENAI, é transformada em um
projeto e discutida com a direção nacional do órgão.
Em geral, as idéias surgem das necessidades locais, que são captadas através da
competência já estabelecida no setor por uma ou mais escolas do SENAI na
região, bem como da vontade política da direção estadual em assumir os riscos
do empreendimento. Nos primeiros estádios do processo, o SENAI nacional, por
força de sua tradição de lidar com outros países, exercia um papel preponderante
nesse processo. Posteriormente as direções estaduais do SENAI, sobretudo nos
Estados do Centro-Sul, foram assumindo um papel mais saliente na condução
desse processo, mas sempre em sintonia com o próprio centro sendo implemen-
tado e com a direção nacional da instituição.
O tipo de tecnologia que é objeto da atuação de um Centro Tecnológico do SENAI
pode ser definido de formas diferentes em cada centro, como ilustrado abaixo.

QUADRO 11

A Tecnologia de um Centro Tecnológico


A idéia de tecnologia não é neutra, e o foco da atenção que será dada pelo SENAI varia muito
de setor para setor. No setor têxtil pode incluir tecnologia de tecelagem , maquinaria ou mesmo
moda; no setor de transportes poderá se concentrar em tecnologias gerenciais e de manuten-
ção; no caso da solda, a ênfase se dá nos processos tecnológicos de soldagem, normas técnicas
e no ensino de pós-graduação.
652 João Batis ta Araujo e Oliveira

A d efi ni çã o e c ris ta lização da idéia e da vocação de cada centro , no entanto, não


s e dá no vácuo. D e um lado , comparece a necessidade local. Embora de calibre
nac ion al , os centros se v oltam de m an eira mais imediata para as necessidades
das emp resas da regi ã o. D e outro lad o, essas novas unidades quase sempre
nasc em a partir de tra dições de ens ino já ex iste ntes n as escolas locais do SENAI,
e essas tr ad içõ es te rão um p ap el impo rta nte a d es empenhar na conformação do
fu turo ce ntro . Fi na lmente, essa id éia embr ionária é confirmada, modificada e
co nso lid ada através do s recurso s humanos que irão materializá-la. É nesse
mom ento qu e a esco lha d e parceiro s e as fontes de assistência técnica desempe-
nh am um pap el p rim ordi al.

b) 2 g passo: A Iden tifi cação de P ar ceiros

Em geral, há um a tendên ci a par a co ncentra r a assi stência técnica em um parceiro


es tra nge iro, m as há casos em que for am env olv ido s mais de um parceiro, em
mai s d e um país. O proc esso de identificação é usualmente liderado pela direção
naci on al do SENAI , ma s co nta n do se mp re com a participação das direções
region ai s e das pró pri as in sti tuiç ões in te ressa das nos seus países de origem. O
c ri té r io é simples : te nta r esco lhe r o melhor parceiro , isto é, a instituição que
mais se ap roxi me dos o bjetivos qu e se qu er dar ao centro. Uma restrição
ex istente - qu e não chega a atra p al ha r, e fr eqüentemente ajuda a abreviar o
te m po de negoci açã o - é a de es co lhe r p aíses com os quais já existam acordos
mai s amp los d e coo peraçã o . Embora à primeira vista possa parecer fácil escolher
parc eiro s em áreas tecnol ógicas tais como o setor têxtil , a micro eletrônica, artes
gr áfi cas o u so l da, isso nem se m pr e é o ca so , conforme ilustrado abaixo.

c) 3 g passo: E labo ração do Proj et o

Est a é um a á rea em qu e o SE NAI j á po ssui vasta exp eriê nc ia . O ciclo de um


pr oj et o de abso rção de c oo peração técnica para a criação de um centro de
tecnol ogia tem perman ecido ba sicamente inalterado . Além dos estádios normais
de ela bo ração de qualqu er proj eto , inter essa sal ientar, para os presentes propó-
si tos, as qu atro princip ai s fases do c iclo de absorção de t ecnologia, a saber:
seleção e env io d e técnicos br asil eiro s par a tr einamento no exterior, geral-
m en te por p erí odo não supe rio r a um ano (dur ante esse período é realizada a
m ontag em fís ica do ce ntro e se pro c ed e à aquisição dos equipamentos) ;
vo lta dos técni cos br asil eiros, juntam ente com os técnicos estrangeiros, para
impla n tação do nov o ce ntro ;
A Tecno logia de Tra ns fe rir Tec no logia 653

QUADRO l lI

Pr ocura-se um Parceiro
Não tem sido fác il encontra r um parce iro par a o Centro de Tecn ol ogi a de Tran sp ort es . Os
prob lemas do setor, no país, são muito pe culi ares :
d imen sõ es conti nentais
fo rte peso d o se tor rodovi á rio
alt o gr au de liquid ez e de velocid ade de giro de ca pi ta l da s emp res as, o qu e m as cara as
inefici ên ci as
baixíss imo g rau de profissi onal ism o ger enci al
vi rtua l aus ência de cultu ra de manut en ção
Que tecno logi as são necessári as par a mod ern izar o se to r? Por on de co me ç ar?
A uni v ers id ade e os centros governam entais não es tava m aptos a resp ond er aos des afios
concre tos do seto r, um a vez qu e s e es pec ia liza ra m em qu est ões de macr opl anej am en to,
pl an ej am en to ur b ano e cois as do gê nero .
O SENAI opto u por pri vil egi ar as á reas de ges tão de em pres as e manutenção de fro tas . Ap ós
elabo rada bu sca de parceir os no ex terior, cons eguiu ident ificar apenas um a inst itu ição (Unive r-
s ida de d e M issouri , nos EUA) conside rada apta a co lab or ar em alg uns do s probl em as para os
q ua is se vo lt a esse novo centro de tecno logi a. O res to, o ce ntro ve m faze ndo por co n ta próp ri a,
d escob rind o seus pr óp rios c aminhos .

desligam ento gr adu al dos técn icos estrangeiros ;

fase de autonomia e bu sca de indep endên ci a.

A m edida de acerto na ela bo ração de um proj et o co ns is te na co rreta ide nt ificação


da n aturez a das ativ ida des a se re m desen volvid as, b em como n a du ração e
inten sidade de ca da ciclo. Os r esultad os finais de um processo de as sistê ncia
técnica, no en ta nto, dep endem de outros fa tores ai n da mais importantes, como a
se leção do s ca n dida tos, o p erfil e qu alid ad e indivi dual dos recursos hum anos
envolvidos no s doi s l ad os, b em co mo das co nd ições ins titucio nais par a manter
os brasileiro s treinado s no exterior, após o ret orno.

Ap ós a n eg ociação de mai s de dez p roj et os dessa nat ur eza, no m eio de tant as


outras ex pe riê nc ias acu m ula das no se to r da co la bo ração internacional, duas
conclusõ es básicas vê m nort eando a atua l es tratégia do SENA I. Ambas vis am a
aume nta r a fl exibilidad e dos pr oj etos. D e um lado, vem se tentando negociar a
po ssibilidad e de mud ar os es pecia listas estra ngeiros durante a execuçã o do
proj eto qu e se desen volv e, de modo a ade quá -los à necessidad e do centro num
dado momento. Por ex emplo , a ce rta altura do proj et o, o co ntra to de um
654 João Batista Araujo e Oliveira

coordenador-geral , estrangeiro, foi cancelado, por ser considerado desnecessá-


rio, e substituído por um outro especialista que se fazia necessário.
Por outro lado o SENAI, através de contratos formais, e os Centros, no seu
relacionamento informal com os países de origem, vêm procurando deixar em
aberto a fase de transição, de maneira a assegurar o maior entrosamento e
interdependência possível entre as duas instituições. O resultado é que não mais
se procura explicitar com tanta nitidez uma fase de autonomia ou independência,
que no passado acabavam significando isolamento. Ao contrário, procura-se
manter contatos permanentes e duradouros - embora mais tênues e fluidos - com
uma ou mais instituições estrangeiras, para além do final da fase de implemen-
tação. Voltaremos a esse tópico ao discutirmos as estratégias de negociação.

d) 4º passo: O Enquadramento Jurídico-institucional

O financiamento de projetos de assistência técnica é sempre matéria complexa


e que envolve interesses de diversa natureza, tanto do lado do recipiente quanto
do lado de quem oferece os serviços. No caso em tela, envolve recursos do
SENAI nacional, dos SENAIs regionais, do centro envolvido, do país que oferece
a assistência, da instituição ou instituições envolvidas no processo, bem como
de fabricantes, fornecedores e outros atores. Recursos em moeda brasileira e
moeda estrangeira são necessários - e por vezes a fonte de financiamento
restringe o país ou países onde se podem adquirir certos equipamentos. Outras
vezes, como já mencionado, o SENAI procura identificar recursos existentes em
convênios ou acordos de assistência técnica já existentes entre o Brasil e um
determinado país. Se de um lado essa estratégia facilita a identificação de
guarda-chuvas jurídicos e institucionais, bem como de recursos - abreviando
assim as negociações - , de outro pode criar restrições específicas, sobretudo
quanto ao tipo de recursos disponíveis no país ou a regras referentes a compras
de bens e serviços.
Todo esse processo de definição de financiamento e enquadramento jurídico-ins-
titucional se realiza através de entendimentos entre o SENAI e a ABC - a
Agência Brasileira de Cooperação do Ministério das Relações Exteriores. Nesse
sentido, a atuação centralizada do SENAI nacional vem permitindo acumular
conhecimentos e experiências que as direções regionais do SENAI dificilmente
seriam capazes de obter e de acumular, se atuassem isoladamente. Do ponto de
vista de eficiência e aprendizagem organizacional, essa é uma grande vantagem
da estrutura e do modo de atuação do SENAI como um todo. Esse aspecto merece
uma pequena elaboração, no sentido de ressaltar a importância da centralização
A Tecnologia de Trans ferir Tecno log ia 655

de informações e a resultante comp etência técnica par a neg oci ar e tir ar me lho r
proveito dos processos de transfer ência de tecnologia.

e) 5 º passo: O Processo de N ego ciaçã o

Na verdade o processo de negoci ação começ a na pr ópr ia defini ção da idé ia e na


prospecção de eventuais parceiros, e est á pro fund am ente enra iza do na elabo ra -
ção do projeto e no detalhamento e definição do s m ecani smo s in stitucion ai s e
responsabilidades de financiamento. Freqü entem ente um a solu ção antecede um
problema, ou uma oferta de assist ência técnica cri a a necessid ad e ou a opo rtun i-
dade para o desenvolvimento de um pr oj et o - ou par a a ins ta lação de um ce ntro
de tecnologia.
Apenas para efeitos didático s e descritivo s abo rda mos o pr oc esso de n eg oci ação
como sendo um tópico específico , para ressalt ar tr ês aspectos de inte resse
primordial para os objetivo s da pr es ente di scu ssão.
Um primeiro aspecto relaciona-se à aprendizag em qu e o SENAI tem real izad o
nesses anos, a re sp eito da importânci a de conhec er a cultura , a I íngu a e as
idio ssincrasias do s parceiros. Es sa apre ndiza ge m ve m se ndo ca pita liza da através
do acúmulo e troca de informações. A s boas experiências são ap lica das na
negociação e na redação de contrato s cad a vez m ais det alh ad os e ade qua dos à
cultura de seus parceiros.
No caso de um convênio com o governo italiano , já menc ionado anteriorm ente,
observou-se a posteriori que a maioria dos desac erto s estava m v inc ula dos a
percepções que não haviam sido detalh ad as no con vênio. Essa ap re ndiza gem
levou o SENAI a buscar acordo s mai s específ icos , num se g undo co nvê nio. Com
os alemães houve atraso de mais de um an o num pr oj eto, devido a um probl em a
de tradução. Os alemã es mandaram um técnico co m o perfil erra do , e só muito
mais tarde se descobriu que as palavr as " me câ nica fin a" e " m ecâ nica de pr eci-
são " referiam-se a profissões totalmente difer entes naqu el e país. Daí em diante,
esforços significativos têm sido envidados para melhor ar a qu alid ade das tr adu-
ções e o detalhamento da especificaçã o de funções . Noutro ca so , hou v e descom-
passo entre a especificação de equipamentos e a fo rmação de pesso al - um
microscópio eletrônico sofisticadíssimo ficou p ar ad o mai s de tr ês anos num
centro de tecnologia no Sul do p aí s por falt a de técnico par a operá -lo . J á com os
japoneses, aprendeu-se, às vezes de forma sofrida, qu e é a co nf iança adqui rida
ao longo de anos de convivência que irá determin ar o grau de col ab ora ção e de
eficácia no projeto seguinte. Esse investimento em confi ança , porém , ass egura
656 J oã o Ba tista Araujo e Oliveira

bons res ultados, como se exemplificará adian te . No caso , os japoneses também


estavam observan do e proc uran do par cei ro s, e não simplesmente respondendo a
uma so licitação unila ter al de assistê nc ia .
Esses exemp los ilustra m que as tecn ol ogias de negociar transferência de tecno-
logia se constituem nu ma apren d izage m di fícil de se acumular, praticamente
impossível de se tra ns mi tir a te rceiros, mas ess encia l para garantir a eficácia e
eficiê ncia do processo de absorver tecn ol ogia.
Uma segun da lição importan te e re laciona da com a primeira repete-se no quoti-
diano de cada centro : o pro ble ma de língua. E ssa é uma questão de difícil
solução , e c ujos c ustos e co nseqüê nc ias têm sido mais elevados do que seria de
se desejar. A fa lta de do mínio da língu a tem ab sorvido grande parte do tempo
dos bolsistas brasileiros no es tra nge iro - 50 % ou mais da duração do estágio -
e gerado prob lemas de co mun ic ação e limitaçõ es na aprendizagem, que poderia
deco rrer de for ma ma is flue nte dur ant e os período s de tr einamento e de trabalho
conj unto com o pessoa l de fo ra. Ess e é um probl em a geral do país - onde pessoas
qu e atuam no ca mpo de rel açõ es int ernacion ais ainda não dispõem de uma
fluência razoáv el, sobretudo em ing lês - e se con stitui também num problema
particular do SE NA I, onde nem se mp re é possív el conjugar o perfil técnico ideal
com a competênc ia lin gü ística.
A terceira lição é a mais pr ofunda : tr ata -se do conceito de cumplicidade. Já nos
referimos a essa idé ia qu ando tr at am os da elabor açã o do projeto e do relaciona-
mento co m o p res tador de ass is tê nc ia técnica (3 Q pa sso) .
O ter mo cump licidade é recorrent e na bo c a de muitos do s atuais dirigentes de
centros de tecno logia do SE NA I: o objetiv o de um a boa negociação de assistên-
cia técnica é gera r a cump lic ida de do ou tro p arc eiro. Num primeiro momento a
idéia talvez fosse a de abso rve r tecnol ogia, adaptá-la e tornar o centro inde-
p end en te o m a is b reve possível. Hoje em dia - talvez sob o influxo das idéias de
econo mia global , d ivi são intern aci onal do trabalho e interdependência - os
centros de tec no logia co ns ide ra m esse nc ial a manutenção de laços duradouros
com os parc ei ro s. A natureza do s v ínculos, no entanto, se dá de fo rma diferen-
c iada, à medida que a instituição nacional s e torna mais madura. O desafio
cons iste em iden tifica r e al imenta r inter esses comuns que levem as instituições
e países provedores de tecn ol ogi a a se interessarem de forma mais permanente
pel o centro local. Um exem plo dessa cum plic idade é ilustrado no quadro a seguir.
A Tecnologia de Transfe rir Tecno log ia 657

QUADRO 4

Criando Cumplicid ad e

o Centro de T ecn ol ogi a E le trônica, em Minas Ge rais, nascido d a coop eração SENAI/MG-
nCA (M in is té rio d a Coop er ação do J apão) fo i esco lhido pel os ja po neses co mo s ua sed e
latino- am erican a para c ursos de form ação . Ao inv és de lev ar docentes de institu içõ es d e
form ação pr ofissi on al de o utros países da Amé rica L atin a p ara s erem trein ad os no J ap ão , a
nCA vem pr omo v end o anual men te se us curs os na escol a qu e eles aj uda ra m a cria r em Bel o
Horizonte. Eles v êm fornecend o anualme n te os equi p am en tos , ass is tê nc ia té cn ica e recursos
humanos n ec es sári os p ar a co m ple mentar as necessid ad es do se u par ceiro loc al.

Dess a fo rma , seis anos após o térm ino do con trat o de ass istê nc ia técni ca p ar a a criação do
centro, os japon es es continu am v oltand o, a co labo ração s e torn a cad a vez ma is mutu am en te
pr ov eitos a, e, em co nse qü ência, os j aponeses es tão ca da vez mai s int e ress ad os n a par ceri a,
qu e com eçou co m ares de aj ud a.

f) 6º passo: O Ciclo de Implementação

Existe uma lei bá sica, a chamada lei de Murph y, qu e se aplica à imple mentação
de projetos: "Se alguma coisa pode dar err ado, tenha cer teza de qu e va i dar
errado ". A função do g er ente é evi ta r qu e o in ev itáv el aco nteça .
Dentre as mil e uma fontes de de simplem entação de proj etos, a ex pe nenc ia do
SENAI aponta p ara uma cau sa cr ônica de impl em entação: a qu estão do s recursos
humanos . Esta talvez sej a a área onde o SENAI tenha tido os mai or es pr oblem as, e
é também a área onde, de certo modo , possui men os control e, tendo em v ista suas
limitações financ eiras, institucionai s, e a própri a con corrên ci a do m erc ad o de
trabalho - além da imprevisibilidade e da mudança de asp iração das pessoas envo l-
vidas nesses processo s. Analisamos, aba ixo, a expe riênc ia do SE NAI co m relação ao
recrutamento, treinamento, e à reinserção de pe sso al aos se us ce ntros de tecn ol ogia.

4. Recrutamento
Em se tratando de uma nova atividade , cuj a n atur eza e n ív el são di fer entes das
escolas de formação profissional , o s centro s de te cn ologia usu alm ente vê m
recrutando p essoas de for a do sis te ma SENAI p ar a co mpo re m o qu adr o de
pessoal de seus centros de tecnologi a. El emento s jo v en s - engenheiros o u
técnicos, conforme o caso - são recrutad os e envia dos, log o a seguir, p ar a
estágios de formação no exterior. A exce ção, em g er al , é o p essoal diri g ente,
que comumente é recrutado dentro do s qu adro s do próprio SENAI.
658 João Batista Araujo e Oliveira

N em sempre tem sido possível conciliar o perfil de formação e motivação dos


indivíduos recrutados com sua vocação para as atividades do centro, com o seu
conhecimento da língua, ou , mais tarde, com os salários oferecidos. Daí a série
de desajustes verificados e os seus altos custos: longo tempo para aprendizagem
de línguas; aprendizagem deficiente de línguas e a conseqüente falta de aprovei-
tamento nos estágios. E desajustes no retorno.
Além disso, há um fator psicológico importante em jogo : embora sejam formal-
mente admitidos como contrapartida para o pessoal estrangeiro, os técnicos
brasileiros usualmente se consideram e são considerados como treinandos. Che-
gam ao país estrangeiro na condição de alunos - e alunos que geralmente se
expressam mal, por dificuldades de língua. Apesar de a linguagem verbal ser
relativamente menos importante no mundo técnico, essa primeira impressão e
essa forma de inserção , num processo de parceria, como alunos ou estagiários,
cria um certo estilo de relacionamento que não é necessariamente o desejável
para uma relação normal de contrapartida. Isso é verdade inclusive no caso de
estágios e visitas de observação, em que a parte de cursos e a relação professor-
aluno é menos ostensiva, mas em que os problemas de língua e comunicação são
igualmente graves. Eis uma área em que o SENAI tem procurado evoluir, mas
onde as dificuldades estruturais de recrutamento e seleção ainda permanecem
como um forte fator de ineficiência.

5. Treinamento
Um segundo aspecto crítico da gestão dos recursos humanos num processo de
transferência de tecnologia relaciona-se com a própria natureza da atividade
realizada nos países que fornecem a tecnologia. Por diversas razões - uma das
quais é o perfil jovem e relativamente inexperiente do pessoal recrutado - a
principal atividade desenvolvida no país estrangeiro se dá na forma de cursos,
mais do que em trabalhos conjuntos (de igual para igual) nos demais aspectos
característicos de centros de tecnologia, tais como a certificação, a assistência
técnica a empresas, ou mesmo a realização de atividades de pesquisa e desenvol-
vimento . Isso , de um lado, reflete a capacidade mais forte do SENAI - que é a
de ministrar cursos -, mas de outro torna um pouco mais difícil o desenvolvi-
mento dos outros objetivos para os quais se criaram os centros de tecnologia.
Ademais, pode contribuir para criar relações assimétricas entre os parceiros.
Esses problemas, naturalmente, podem ser minimizados de diversas formas - que
eventualmente já vêm sendo utilizadas, tais como separar os locais de cursos dos
locais de estágio, separar as pessoas que fazem cursos das pessoas que fazem
A Tecnologia de Transferir Tecnologia 659

estágios etc., de maneira a criar relações pessoais e interinstitucionais diferen-


ciadas e mais produtivas.

6. Reinserção
Um terceiro aspecto, decorrente dos anteriores - e que em parte ultrapassa o
próprio controle do SENAI -, consiste no reingresso do pessoal. Uma vez no
Brasil, muitos centros não têm logrado as condições para manter o pessoal que
formou, levando assim à perda de pessoas importantes para manter um quadro
de pessoal que sirva como contrapartida para absorver a experiência dos técnicos
estrangeiros que vêm para o país nessa fase do projeto. Além disso , sua saída
representa uma perda financeira considerável e freqüentemente compromete o
ritmo de implementação do projeto como um todo.
Muitos outros problemas de implementação naturalmente vêm ocorrendo num
processo dessa dimensão, mas o recrutamento , a preparação e a reinserção dos
recursos humanos de contrapartida nacional têm sido, de longe, o maior desafio
para a implantação dos centros de tecnologia. Alguns centros têm sido mais
felizes do que outros. Apesar de todas as dificuldades, todos os centros previstos
até hoje vêm sendo implementados, e vêm se desempenhando com graus dife-
renciados de sucesso. O quadro abaixo apresenta, apenas para efeito de ilustra-
ção, alguns flashes dessas histórias de sucesso.

lI. BRASIL E CINGAPURA: COMPARAÇÕES E LIÇÕES

A experiência de absorção de tecnologia pelo SENAI, através dos mecanismos


de cooperação técnica internacional, pode ser ainda melhor entendida quando
comparada com o processo de criação de centros de tecnologia similares em
Cingapura (OLIVEIRA e PILLAY, 1991). Essa experiência é sintetizada a
seguir, para melhor realçar as lições do caso brasileiro.
Naquele país, os centros de tecnologia guardam muitas semelhanças com os
centros do SENAI, mas o contexto e os objetivos dos centros são drasticamente
diferentes. Nos dois parágrafos abaixo são apresentados, de maneira bastante
sintética, os pontos de tangência entre as experiências dos dois países. Adiante
resumiremos as conclusões sugeridas pelos dirigentes do SENAI.
As semelhanças entre os dois casos, que são muitas, podem ser resumidas no fato
de que em ambos os países os centros têm funções semelhantes, embora os de
660 Jo ão Batis ta Araujo e Oliveira

Q UADRO 5

F las hes de S uc ess o


1. Na e sc o la p rofissional d o S E NA I o emp res an o diz o qu e d ev e se r fe ito; n o
ce n tro d e tecn ol ogi a ele ve m pedi r aj uda (de u m D ir et or d o SENAI) .
2. Qu em se ri a c ap az de prev er, há apena s dez anos atrás , qu e o S E NAI, vo lt a do
para os m en in o s e para a ap re n d iz age m profissional , viria a opera r um Centro
d e T ecn o lo gia d e S ol da , for ma ndo técni cos e tecnó logos , oferecen do cu rso d e
p ós-gra dua ção em convênio co m a Un ivers i da de Fe de ra l do Ri o d e J an eiro ,
crian do e abrigando a A ssociação N acio na l de S old a, publicand o uma revi sta
té cni co -ci entífi ca d e pa drão in ternac iona l?
3. O Cen tro d e T ecn ol ogia d e M eta l-Mecâni ca , n o R io d e J an ei ro , fo rma p ro fis-
sio n ais qu e co m b in am c onh ecimentos de me cân ic a e e letrô n ica - d en omin ad o s
e m o utro s p aí ses d e meca trân ico s -, co m n ív eis t écni c os d e desemp enho e
co mp etê nc ia compa ráveis às m elh ores esco las d o mund o . T end o abs or vido a
te cn ol ogia para pro dução de eq u ipa me n tos de m édi o p ort e para p rodu ç ã o
au to m atiz ada int egr ada , o rig in a lme nte d esen vol vid os pela E scola T é cni ca de
Ste. Croix , na Suíça , o Centro do Rio foi contrata do pel a m e sm a esco la su íça
para ofe rece r tr e inam ento no uso d essa m á qui na par a se us co mp radores d e
outro s paíse s . Um outro ex emp lo d e cum p lic ida de ?
4. T o do su ce ss o é re lati v o . N u m se tor a lta mente emp írico e d espro fi ssionali zad o ,
co mo no c aso d os transp ortes , reu n ir o pr e sid en t e e t od o s os fun ci on ári os do

Cingapura se dediqu em um po uco mais à assis tê ncia técnic a do qu e ao ens ino.


Nos doi s países, os ce ntros fora m cria dos co m base em coop er ação técnica
internac ional , embo ra em C ing apur a ca da centro tenha sido criado com o apoio
de vá rias fo ntes de um dete rm inado país e não de um a in stituição es pecífica.
Cingapura criou um qu adro de rec ursos hu manos par a serv ir de co ntra parti da aos
es trange iros - só qu e, diferentemente do SENAI, esse qu adro era con stituído de
pessoas de n ív el técnico g eralm ente mais elev ado e compa tíve l, de fato , com o
pessoal do país de o rige m. Se co m o Ja p ão a língua com um era o ingl ês, no s
contratos com Alemanha e França também hou ve alguns probl emas de língua e
co mun ic aç ão , como no caso do SENAI. Uma última se me lha nça se refer e ao
rcl aci on amento com o país doado r de tecn ologi a. Ma is do qu e no Br asil , no
entan to , os co ntra tos inic ia is de coo pe ração - geralm ente de 5 ano s de duração -
tenderam a ser prorrogados . O obje tivo para essa prorrog ação m antém sim ila r i-
dad es com o caso bra sil eiro: criar interesses co muns , tran sform ar o co op er ad or
em cúmp lice.

As difer enças entr e os dois pr ocessos e se us resultado s, no enta n to, são m arcan-
tes. A decisão de criar os centros foi um a decisão decorrente da política m acro e-
A Tecnologia de Transferir Tecno log ia 66 1

con ôrnica e da política industri al do governo de Cing ap ur a, que por sua vez
levaram ao estabel ecimento de polític as de fo rmação pro fission al, resp on sáv eis
pela criação dos centros. Entre outras implicações, a ex is tê ncia dessas p olíti c as
garante a estabilidade financeira desses ce ntros . Ad em ai s, a função origina l dos
centros, que era a de formar mão-d e-obra co m comp et ên ci as téc nicas e c ar act e-
rísticas culturais semelhantes às do s países de origem (Ja pão , Al em anh a e
França, respectivamente, no caso do s tr ês centros cri ad os), evo lu iu p ar a um a
função de dar apoio técnico , inclusive fornec er recurso s hum ano s habilitado s,
para as subsidiárias dessas empresas instaladas em Cingapura . N est e caso , a
cumplicidade do país doador foi mais longe que no Brasil , um a vez qu e o sucesso
dos centros de tecnologia em Cingapura lev ou- os a se con v erterem em v it rines,
onde os países de origem expõem seus últim os equ ipa me ntos e tecn ol og ias, e
informam aos interessados locai s qu e o C entro de T ecn ol ogi a oferece assis tê ncia
técnica e mão-de obra especializad a. D essa forma ganh am os japo neses, por qu e
ampliam mercados para seus produtos, ganh am os ce ntros de tecn ol ogi a de
Cingapura e, dentro da filosofia de desen vol vim ento ado ta da , tamb ém ga nha
corpo a estratégia de atração de multin aci on ai s es tra ngei ra s . O mesm o oco rre
com os franceses e alemã es.
Com esses e outros detalhes em mente, vo ltamos a p ergun tar aos nossos in te rlo -
cutores - os dirigentes do SENAI - so bre as liçõ es e reflexões qu e poderi am
extrair, com base em sua própria exp eri ên cia e na análise conjunta qu e fi zem os
de alguns casos do SENAI e de Cingapura . Em síntese, as li ções qu e tod os
tiramos foram muito convergentes e in strutiva s.

1Q - É fundamental a idéia de desenvolver a cumplicid ad e nos parc eiro s. Se isso


era intencional na estratégia inici al de Cingapur a, tamb ém torn ou- se um a
prática implícita nas atividades do SE NAI. O conc eito de cumplic ida de vai
além do conceito de dependênci a ou indep endên ci a, e prescinde da ne ces-
sidade de simetria. Se os parc eiro s são ve rdade iros cú mplices, sa be rão
ajustar os seus desníveis a as sim etri as e enco ntra r um a solução ótima p ar a
atingir seus objetivos .

2Q - Clareza de objetivos é importante, mas isso não signif ica necessariam ent e qu e
todos os objetivos estratégicos devam se r explicitados no proj eto de coope ra -
ção. Isso remete a uma questão mai s geral de fins e m eios. Os obje tivo s de um
projeto de colaboração são meios para outros objetivo s de long o pr azo, do paí s
ou da instituição. Em Cingapura, o objetivo maior era o de atra ir inv estimentos
de firmas de alta tecnologia de países determinados . Os resultado s foram além
do esperado: atraíram os capitais, as empresas e muito mai s.
662 João Batista Araujo e Oliveira

No Brasil, a idéia de longo prazo era a de criar centros capazes de absorver


e transferir tecnologias para as empresas, em setores específicos da econo-
mia. Um resultado não desprezível no caso do SENAI foi o de criar unidades
inovadoras, que vêm contribuindo para o rejuvenescimento e a modernização
de todo o sistema de formação profissional e técnica. Um outro resultado
inesperado foi qu e os centros de tecnologia têm atraído mais o interesse do
empresariado do que as escolas de formação profissional. As explicações
para esse fenômeno não são totalmente óbvias, mas de qualquer maneira
reforçam o acerto da iniciativa do SENAI. Fins, meios, objetivos e resulta-
dos nem sempre andam juntos, embora às vezes possam convergir de
maneira saudável.
3Q- Os prazo s de um projeto de colaboração internacional , quando os objetivos
vão além da transferência pura e simples de know-how ou de informações
técnicas, devem ser os maiores e os mais flexíveis possível.
Cingapura desejava aprender tudo o que pudesse com os países que procurou
para assisti-la: su a forma de ser, de produzir, de usar tecnologias, de treinar
pessoal, de expandir-se no exterior. O SENAI queria e quer aprender
métodos, técnicas e tecnologias de vários países, e os modos de transferi-los
para as empresa s locais. Esses objetivos são muito mais amplos do que
simplesmente montar e operar um centro de tecnologia, num setor deter-
minado.
Para atingir seus objetivos de longo prazo, no entanto, cada parceiro tem que
lutar com suas próprias armas. Em Cingapura, foi possível recrutar e manter
pessoal de alto nível como contrapartida, nos dois lados. Assim, quanto mais
amplo s os termos dos contratos de cooperação , mais oportunidades surgiriam
para Cingapura aprender sobre a outra cultura. Cingapura estava interessada
inclusive em aprender como parceiros internacionais interpretam contratos,
como respondem e correspondem a compromissos e expectativas. Tudo isso era
parte da cultura que se queria apreender. Por outro lado , ao conhecer melhor a
cultura de Cingapura, era mais fácil para o outro parceiro saber com quem estava
falando , até onde poderia ir e que grau de confiança poderia estabelecer. Na
verdade, quanto mais aprendessem os de Cingapura sobre seus países, mais
interdependência criariam.. .
No Brasil , pel as limitações já descritas no recrutamento e seleção de pessoal, foi
importante estabelecer contratos de assistência técnica cada vez mais detalhados,
prevendo a responsabilidade de o país colaborador até os últimos detalhes.
Mas, em última análise, os objetivos eram semelhantes aos de Cingapura, ou seja,
A Tecno log ia de Tra ns ferir Tecn ol ogia 663

extrair o mais possível do p aís de orige m e torná-lo interessado na instituição


que estava ajudando a criar. Com o tempo , a assistência técnica passa a se
estabelecer dentro de um m arco m ais perm anente de colaboração. O Centro de
Eletromecânica da Escola Euvaldo Lodi, por exemplo, ma ntém contatos e con-
tratos de colaboraç ão e assi stê nc ia técn ic a co m pelo me nos qu atro países desen-
volvidos, além de oferecer trein am ento e assistência técnica a países da América
Latina. O Centro de Solda está se convertendo num centro region al de referê ncia
para questões tecnológicas , e, dessa forma , atraindo o interesse do s p aís es
industrializados que investem na regi ão.
Muitas outras lições se podem extrair dessas comparações . Ao ana lisar proces-
sos de transferência de tecnologia, nun ca se rá dem asiado enfatizar a importância
da visão de longo prazo e de um est ilo de pl an ej am ent o ao mesmo tempo vigo roso
e flexível. Em Cingapura, como em tod o o Or ien te, usa-se muito fr eqüentemente
a imagem do bambu, que simboliza a fle xibilidad e, mas não perde a sua rigid ez
e vigor di ante dos ventos e temp est ad es. No Brasil ainda se considera vitória
conseguir sobreviver às crises e incertezas do coti dia no .

Apesar de submetido às vicissitudes que abalam a continuidade da maiori a das


instituições e iniciativas em no sso paí s, o SENAI, co mo instituição , e seus
Centros de T ecnologia, como m ecani sm os de inovação , são exemplo s vivos de
que, nas áreas de cooperação intern acion al e transferê ncia de tecnologia, o
imediatismo não compensa, e o pior negóci o é aque le em que só o co mprador sai
satisfeito.

Referências Bibliográficas

OLIVEIRA, Jo ão Batista A. e PILLAY, J . Th e Tec hnology of Tec hno logy Transfe r. Genebra ,
Org anização Internacion al do Tr ab alho, Doc. de Discussão, jun. 1991 (tradução em português
disponível no PROCINT) .
RECH, Althair A . O SENAI e os Cen tros Tecn ológ icos : Sua Im p ortância no Contexto Nacional.
Porto Alegre, Dep to. Reg ion al do Rio Gr and e do Sul, dez . 198 8.
SISTEMA SENAI. R elatório 1990. Brasíl ia, SEN AI , 199 1.
Glossário

Glossário de Termos Us ua is em
Cooperação Internacio nal

A CORDOS DE FINANCIAMENTO DO G OVERNO R ECEBEDOR COM O D OADOR. A cordos em


qu e o g o verno recebedor co nco rda em cooperar co m o d oa dor responsabi -
li zand o- se p el o s di sp ênd io s neces sário s ao cus te io de ati vidad es té cni c as
d e responsa bi li da de d o d o ad o r. Co m p re en d e , tipi camente , o fo rnecime nto
d e alo ja men to e o pagamento d o s s alá rio s d o p e s so al est ra nge iro .
AJ UDA EXT ERNA. C on si st e n os p rog rama s ou proj et os pro ven ient es do e x te rio r qu e
at end am ao s prop ó sit o s d o RCD ou d a Aj u da O fic i al pa ra o Des e n vo lvi-
m ento (AOD) , incluind o as e me rgências , aj u da s d e socorro e orga n izações
n ão-governam en tai s .
A JUDA OFI CIAL PARA O D ESENVOLVIMENTO (AO D). Ti p o d e aj u da defini da p el o s flux o s
d e re curso s ca na liza dos p a ra os p aís e s e m d e sen v olv im en to e institui çõ e s
multil at erai s , p ro v eni en te s d e ag ências oficia is do Esta d o o u g o v ern o s
lo c ai s , ou d e suas agências execut iva s .

Este glossário foi traduzido e adaptado do documento: UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAM.
Annual Development Cooperation Report - Brasil - 1990.
666 Jacques Ma rcovitch

APROVAÇÃO. Caracteriza-se pe la obrigaçã o, firme e irr etr atáve l, de um compromisso


com lastr o ou disp onibilid ad e de fundos públicos . O governo em causa
compromete-se a fornecer um determin ad o montante de recurso s públicos,
em termos e co n dições pr ed et ermin ado s, para uma finalidade específica.

As aprovações são co nsidera das como efeti vada s na data da assinatura do


contrato, ou n a dat a d a co nc re tiza ção do emp réstim o . Devem estar devida-
mente especifica dos o mon t ant e, as con dições e o objetivo colimado pelo
empréstimo ou concessão . P ara ce rtos compromi sso s especiais, como con-
tr ib uições de emergê nc ia, a data do efe tiv o pagamento pode ser conside-
r ada como d at a de aprovação . (Ve r t ambé m " Comp romiss o".)
BENEFICIÁRIOS-ALVO. Aque les que, em última ins tâ ncia, receberão os benefícios ou
vantagens decorren tes do proj eto. Não podem se r confundidos com os que
apenas participam dos res u lta dos do mesm o projeto , como os trainees . O
Question ár io-padrão de Ajud a E xt erna in dic a 11 categorias que servem
como guia orienta do r e auto - exp licáv el .
CLASSIFICAÇÃO S ETORIAL, NACIONAL. Cl assi fica ção econômica , por se tores, adotada
oficialmente no p aí s receb edor.
CO-FINANCIAMENTO. É a mo dalida de de coo pe ração se gundo a qual projeto s ou progra-
mas sã o fi nancia dos , ou mantido s, por mais de uma fonte de recursos ,
diferentes das do próp rio gove rn o ben efi ci ado. Acordo s de co-financia-
me nto co nsistem no rate io dos custos de manuten ção, com terceiros ou com
fun dos de investime ntos .
COMPROMISS O. É a obrigação firme, consigna da em contrato ou acordo , garantida pela
disp onib ilid ad e de fun do s públi cos , compromissados pelo doador, e diri-
gida para u m det ermin ad o p aís recebe dor que aceite su as condições de
valor, prazo , pagamento e destin ação es pecí fic a. (Ver também "A p rov a-
ção".)
CONSULTOR INTERNACIONAL (CI). Pr ofission al es tra nge iro ou perito técnico, mantido
p or um do ado r extern o, para fins de consultoria ou outros serviços de curto
prazo (po r período inferio r a 12 me ses).
CONSULTOR NACIONAL (CN). Pro fi ssion al ou técnico , cidadão ou re sidente permanente
no p aís rec eb edor, m antido por entid ade de cooperação técni ca ou fundos
externos destina dos ao desen v ol vimento , para fi n s de consultoria ou outros
serv iços de curto pr azo (p or período in ferior a 12 meses) .
CONTRAPARTIDA DO GOVERNO EM CONTRIB UIÇÕES AO PROJETO . São os recursos do
governo, em dinh eiro ou em espécie, para projeto s ou cooperações técni-
cas. T ais contribu ições estão tipicamente concentradas em salários do
pessoal ou fornecimento de equi p ament os necessários.
D OADOR. Está re laciona do à orig em do s fundo s ou recursos destinados à ajuda para o
desenvolvimento (multila te ral, bilater al e organizações não-governamentais).
Glossário 667

EMPRÉSTIMOS NÃO-PRIVILEGIADOS . Qualquer empréstimo decorrente de fundo público do


doador, cuja condição de pagamento preveja sua devolução após determinado
período de tempo , descaracterizando assim sua classificação com o AOD . Os
dados sobre esse tipo de empréstimos não devem ser incluídos no RCD.
EMPRÉSTIMOS PRIVILEGIADOS. Recursos provenientes de um doador que disponha de
fundos públicos para empréstimos com subsídio de até 25 % do valor
principal do contrato que , nesse caso, não pod erá ser classificado como
operação AOD. (Ver AOD.)
EMPRÉSTIMOS. Recursos provisionados para socorro , ou com a finalidade de desenvol-
vimento, excluindo fornecimentos de alimentos ou outras mercadorias a
granel e incluindo programas de financiamento de importaçõ es , quando
vinculadas a acordos e condições de pagamento previamente es tabelecidos
no contrato de empréstimo .
ESPECIALISTA INTERNACIONAL (EI). Um estrangeiro residente há 12 meses, ou mai s, no
país recebedor, ocupando posição criada ou mantida por um doador externo.
ESPECIALISTA NACIONAL (EN). Um cidadão do país recebedor ou seu residente permanente,
empregado a nível de profissional/técnico, remunerado por recursos advindos
do exterior, através de programas de desenvolvimento ou de um proj eto. O
especialista nacional não pode ser um funcionário pago pelo governo
recebedor, ou qualquer entidade do mesmo , para atuar como seu repre-
sentante junto a um especialista internacional.
FUNDO CIRCULANTE. Fundo constituído com recurso s de finan ci amento s do exte rior e
destinado a atividade s de de senvolvimento individual ou in stitucional, no
país recebedor. Esses financiamentos , quando amortizado s, retornam ao
fundo de origem para novos empréstimo s. Um AOD , um empréstimo
externo de uma ONG ou um subsídio para um fundo circulante devem ser
considerados empréstimo externo e também figurar no RCD apena s uma
vez. (Ver Subsídio .)
INSTITUIÇÃO BENEFICIADA. Instituição que recebe a ajuda para su as atividad e s de
desenvolvimento . Existe a hipótese de várias instituições se rem benefi-
ciadas por um determinado projeto. Assim, um departamento do gover-
no ou um mini stério podem tornar-se os beneficiário s de um
determinado projeto , mas , n esses ca sos, não s e pode confun dir t ais
entidades com o próprio governo ou com o ministro re sponsáv el.
INSTITUIÇÃO EXECUTORA. Instituição encarregada do projeto , de sd e a concep ção até a
conclusão. Isso compreende o fornecimento de dados e também uma
garantia de que o projeto atingirá seus objetivos. Uma entidade subcontra-
tada, ao contrário do próprio doador, do governo recebedor, ou m esmo da
instituição intermediária contratada pelo doador, não pode ser cons ider ad a
como instituição executora.
MINISTÉRIO RESPONSÁVEL. É a entidade, indicada pelo governo do país recebedor, com
responsabilidade total pela implementação dos projetos. Em conseqü ência,
668 Jacques Marcovitch

pode ser convocado para representar o governo recebedor perante as


instituições executantes.
ORGANIZAÇÕES NÃO-GOVERNAMENTAIS (ONG). Organizações privadas, voluntárias ,
sem fins lucrativos, amparadas , pelo menos em parte, por contribuições do
público. Para os objetivos do RCD , uma ONG pode atuar como doadora
(se ela fornecer ajuda externa) , como executora ou como instituição bene-
ficiária. Estas últimas são, normalmente, ONGs locais.
PAGAMENTOS. Recursos financeiros internacionais transferidos conforme os contratos.
Podem ser classificados, de acordo com sua forma, em: fornecimento de
mercadorias e serviços; destinação de recursos para fundos de reserva ou
conta corrente do recebedor; pagamento direto do doador de faturas saca-
das contra o recebedor etc. Para a classificação dos pagamentos brutos ou
líquidos , há roteiros estabelecidos .
PERíODO DE AMORTIZAÇÃO . Intervalo de tempo compreendido entre a data do compro-
misso e a data do último pagamento.
PERíODO DE CARÊNCIA. Intervalo de tempo compreendido entre a data de aprovação do
projeto e a data da efetivação do primeiro pagamento do valor do princi-
pal , consignado em contrato.
PESSOAL. O conjunto de pessoas engaj adas na coleta das informações necessárias a cada
projeto, cuja remuneração tem por origem recursos externos, do doador.
REESCALONAMENTO DE DíVIDAS. Consiste na revisão dos prazos de pagamento, tanto
do principal quanto dos juros (condição de pagamento), de um ou mais
empréstimos, e na sua formalização legal. Cada empréstimo objeto dessa
revisão se mantém inalterado em relação ao tomador e à sua destinação.
RELATÓRIO ANUAL (RDC) . O relatório anual correspondente ao ano em que foram
coletadas as informações que veicula. O RCD publicado em determinado
ano corresponde às atividades do ano imediatamente anterior. Assim, o
RCD contendo dados de 1989 está identificado como "Relatório 1989",
conforme consta em sua capa, abaixo da faixa horizontal inferior. O mês
e o ano da impressão (por exemplo: junho de 1990) são fornecidos no
extremo inferior do canto direito da mesma capa.
REPRESENTANTE NACIONAL. Funcionário civil do governo recebedor, atuando em par-
ceria com especialista internacional em programa ou atividade de desen-
volvimento mantido por financiamento externo. O representante nacional
tem sua remuneração paga pelo governo ou entidade interna.
SETOR. Área na qual o projeto ou atividade se classifica, conforme o padrão utilizado
nacionalmente.
SUBsíDIO. Fornecimento de recursos a fundo perdido, ou seja , quando o país doador
não exige do governo recebedor qualquer tipo de pagamento em retomo.
Existem "subsídios circulantes", em que o contrato original do empréstimo
estipula, em sua condição de pagamento, que as parcelas de pagamento sejam
Glossário 669

depositadas em conta corrente no país doad or , a favo r do país re ceb ed or ,


para reutilização em novo proj eto .
TEMA. As atividades de ajuda para o desenvol vim ento, ass im co mo os p rojetos de
RCD, podem ser direcionados para temas es pecíficos e dess á fo rm a cl assifi-
cados. Porém, a classificação por tema não de v e se con fundir co m a cl ass ifi-
cação por setor, pois um dado proj et o pode ser es pe cí fico de um se tor, embo ra
direcionado para temas variados . Projeto s/program as devem ser class ificados
quanto a tema específico somente quando seu s ob j eti vos, produtos ou ativ i-
dades assim possam ser considerados. O s temas d e m ai or re le v ân cia e m
todos os países foram identificados c o mo : Mulh eres ; S et or P ri v ad o ; Or-
ganizações Não-governamentais ; Síndrom e Imun ol ógi c a A d q u i r i da
(AIDS) ; Cooperação Técnica e n t re País es e m D es en v ol vim en t o
(CTPDD); Desenvolvimento G eren cial ; Abu so d e Dro g as ; M ei o A mb ie n -
te; Transferência e Adaptação de Tecnologia; Sup orte de Co ord ena çã o ;
Erradicação da Pobreza; Treinament o .

TIPOS DE AJUDA:
1. COOPERAÇÃO TÉ CNICA ISENTA DE PAGAM ENTO (CT I) . Forn e cim en to d e re cur-
sos destinados à transferência d e te cnol ogia , con hec imen tos t écni-
cos e gerenciais e know-how, c om o prop ó sito de elev ar a ca pacid ade
nacional para absorver essas ati vidades de d e sen v ol vim ento , ind e-
pendentemente da implanta çã o d e qualqu er p roj eto d e d esenvol vi-
mento. Esse tipo de coop era ç ão técn ic a , is ent a d e p ag am en t o ,
compreende atividad es que se proce ssam antes m esm o qu e o p ro jeto
de investimento esteja apro v ad o, ou qu e o finan ciam ent o es te ja
assegurado, como e stu d os de viabilidade .
2. INVESTIMENTO RELACIONADO À COOPERAÇÃO T ÉCNICA (ICT ) . Ocorre qu and o
recursos são dirigidos, como atividad e identifi cá v el isol ad am en te, p ar a
o fortalecimento da capacidade de executar proj et os es pecíficos de
investimento . Sob esse título se cla ssificam ati vid ad es de pré-inv est i-
mento destinadas à implementa ção de um pr oj et o ap ro v ad o.
3. AJUDA A PROJETOS DE INVESTIMENTO (API). Fornecimento de fin an ci am ento ,
em dinheiro ou espécie , destinado a proj eto s es pe cíficos de in v estimen-
to de capital, ou seja , de projetos que c riam c ap itais produti vos, gera-
dores de novos produtos ou se rviços . E sse tip o de pr oj et o pod e co n te r
um componente de cooperação técnica ( ca so em qu e o có digo é ITC).
4. PROGRAMA/AJUDA ORÇAMENTÁRIA, OU AMPARO À BALANÇA DE PAGAMENTOS
(POB). Fornecimento de recursos qu e n ão se en qu adram den tr o dos
termos específicos de investimentos ou proj etos de coo pe ração técni ca,
mas se destinam , num contexto mais amplo de obje tivos m acro econ ô-
micos, ao amparo da posição da balança de pagam entos do rec eb edor
para gerar disponibilidade de divi sa s estrangeira s. Nessa ca tego ria se
670 Jacques Marcovitch

enquadram os fornecimentos de mercadorias (não alimentos) em


espécie, ou subsídios financeiros e financiamentos a serem quitados
por fornecimento equivalente em mercadorias. Na mesma categoria
se classificam os débitos públicos a fundo perdido.
S. AJUDA ALIMENTAR (AA). Fornecimento de alimentos para o consumo humano,
que inclui subsídio e empréstimos para sua aquisição, com objetivos
de desenvolvimento. Custos como transporte, armazenagem, distri-
buição etc. se incluem nessa categoria, bem como a doação de
suprimentos que se relacionem com a alimentação, como ração
animal e produtos relacionados à produção agrícola de alimentos,
quando parte de um programa de ajuda alimentar.
6. E AJUDA DE SOCORRO (EAS). Fornecimento de recursos que se
destinam ao socorro imediato à pobreza e ao bem-estar de popula-
ções afetadas por desastres naturais ou ocasionados pelo homem.
Essa categoria inclui o fornecimento de alimentos para fins huma-
nitários ou emergenciais. Emergências e ajuda de socorro não se
enquadram, usualmente, como esforços nacionais de desenvolvi-
mento ou de amparo à capacidade nacional. Conhecido como AOD,
seu principal objetivo é a ajuda humanitária e não o desenvolvimen-
to cooperativo.
TREINAMENTO INTERNACIONAL DE CURTO PRAZO (IC). Treinamento efetuado fora do
país recebedor, com duração menor ou igual a um ano acadêmico e podendo,
ou não , ser objeto de grau ou diploma.
TREINAMENTO INTERNACIONAL DE LONGO PRAZO (IL). Provisão de fundos, proveniente
do exterior como parte integrante de um programa ou atividade de desenvol-
vimento, para custeio de longo prazo (um ano acadêmico ou mais) da educa-
ção de residentes permanentes ou cidadãos do país recebedor, com o objetivo
de obtenção, em seu próprio país ou fora dele, de grau, diploma ou certificado.
TREINAMENTO NACIONAL DE CURTO PRAZO (NC). Treinamento efetuado no país rece-
bedor, com duração menor ou igual a um ano acadêmico e podendo, ou
não, ser objeto de grau ou diploma.
TREINAMENTO NACIONAL DE LONGO PRAZO (NL). O mesmo que treinamento internacio-
nal de longo prazo, mas com a característica específica de que o treinamento
somente poderá ser efetuado em instituições internas ao próprio país.
VOLUNTÁRIO INTERNACIONAL (VI). Um estrangeiro que esteja trabalhando no país rece-
bedor, sob o auspício de um programa de cooperação técnica ou outra ativi-
dade de desenvolvimento com financiamento externo; membro de uma
organização de voluntários.
VOLUNTÁRIO NACIONAL (VN). Um cidadão ou residente permanente do país recebedor
que tenha sido contratado através de um programa de cooperação técnica
ou de atividade de desenvolvimento com financiamento externo; membro
de uma organização de voluntários.
Sobre os Colaboradores

ANTONIO CESAR AMARU MAXIMIANO: Mestre e Doutor pela FENUSP, onde é Professor
associado. Supervisor de Projetos junto à Fundação Instituto de Administra-
ção (FINFENUSP). É autor de livros sobre administração.
ANTÓNIO PAULO CACHAPUZ DE MEDEIROS : Bacharel pela Faculdade de Direito da
PUC/RS, Mestre pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, é
Diretor do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade do Vale do Rio
dos Sinos (RS), Presidente do Instituto dos Advogados do Rio Grande do
Sul e Diretor da revista Advogado.
CELSO CLÁUDIO DE HILDEBRAND E GRISI: Mestre e Doutor pela FEA/USP, onde é
Professor associado , é Supervisor de Projetos na FIA/FEA/USP, Diretor
de empresa e Representante brasileiro junto ao CCI/UNICIAD/GATT.
CELSO LAFER: MA e PhD em Ciência Política, pela Universidade de Cornell, foi
Ministro das Relações Exteriores do Brasil. É Professor titular da Facul-
dade de Direito da Universidade de São Paulo.
CELSO LUIZ NUNES AMORIM: Pós-graduação na Academia Diplomática de Viena e na
London School of Economical and Political Science, foi Embaixador do
Brasil em Genebra, e Professor do Departamento de Ciência Política e
Relações Internacionais da UnB. É Ministro das Relações Exteriores do
Brasil.
672 Jacques Marco vitch

EDIS ON F ERNAND ES P OLO: B ach a rel e M estre p el a EAESP/FGV , é Pro fe s sor ass i ste n te
d ou tor d a FEA/US P . O cup ou c a rgos e xec ut iv o s e de a sses so ria na ad m i-
nistração d iret a, em p resas es ta t ais e pri v ad a s .
E DUARDO VAS CONCELLOS: M BA p ela Uni v er sidad e d e V and erbilt, Doutor p ela
FEA/US P , da qu al é D ir et or e Profe s sor titular. É Sup ervi sor de Proj eto s
e Consultor j un to ao Banc o M u n d i al, Un e sco e Opa s.
F ERNAN DO CH APARRO: PhD em S o ciol ogia e R el aç ões Indu striais pela Universidad e d e
Princeton/EUA, foi D ire to r p ar a a Améri c a Latina e o C aribe do C entro
Inte rnaciona l d e Investig ação para o D e s envolvimento (CIID/IDRC), é
Professo r e P e squi s ad or n a Univ ersid ad d e los And e s (Bogotá) .
G UIDO F ERNAND O S ILVA S OARES: B ach ar el em D ireito pel a USP , M estre p ela Univ er-
s id a de de Il1inois, D outor e m E con omi a Políti ca pela PUC/SP , é Professor
d a Facul d ade d e D ire it o d a USP , na área de Direito Internacion al.
G UILHERME ARY P LONSKY: Mestre e D out or p ela Escola Politécnica da Universidade
d e S ão P aul o , é P rofes so r na FEA/USP e n a POLI/USP . É Supe rv i sor d e
P roj e to s na Funda çã o In stituto d e Admini stração , e Diretor d e e m p re s a .
H ÉLI O J AGUARIBE : Ex -sec re tá rio d e Ci ên ci a e T ecn ol ogia do Governo Fed eral. Ba cha-
rel em D i re it o p el a PUC/RJ , PhD HC p ela Uni versidade d e Mainz , RFA,
fo i P ro fe s s o r e m H ar v ard , S t anford e d o MIT, e Chefe d o Departamento de
Ciência P o líti c a n o IS E B . D ec an o d o In stituto de Estudo s Políti cos e
S o ci ais d o Ri o d e J a n eiro.
HIL DA S ALOMÉ P EREIRA: Ba charel e m F ísi ca p ela PUC/SP , é M e stra e Doutoranda e m
Adminis tração p el a FEA /USP , e P esqui sadora junto à FIA/FEA/USP .
ISAK KRU GLIAN SKAS: Mes t re e D outor e m Admini stração p el a FEA/USP , ond e é
Pro fe s sor assoc ia do. En g enh ei ro p elo In stitut o Tecnológico d a Aeronáuti-
ca , com ape rfeiçoa me n to na N orthw e st ern University , Vanderbilt Univer-
sity (EUA) e C N A M (F r.). É C on sult or e Ass e ss or d e in stitui ç õ es e
e m p resas.
J ACQUES MAR COVIT CH: D o ut or e m A d mi n is t r aç ã o p ela USP , MBA p ela Universidad e
de V an derb ilt, é Pro fe s sor T itul ar da FEA/USP , da qual foi Diretor, Editor
d a R evist a da A dministraç ão, fo i Diretor do Instituto d e E studo s Avança -
d o s . IEA/US P. F o i Pre sid ent e da s Empre sa s de Energia do Estado d e São
P au l o . É P ró-Re it or de Cultura e E xtensão Universitária d a USP.
J OÃO B ATISTA O LIVEIRA: P rofe ss or, P e squi s ador, Administrad or e Con sultor de em-
presas . Tr abal h ou n o In st ituto de D e senvolvim ento Econ ômico do B anco
M un d ia l, em Was h ing to n, e n a Organi za ção Interna cional d o Trabalho, e m
G en e b r a .
LI GIA MAURA F ERNAND ES G ARCIA DA C OSTA: Bacharel pela Faculdad e de Direito da
Un ive rsi da de de S ão P aul o, co m cursos de aperfeiçoamento na Universidade de
P ari s X e II, em Th e Hagu e Acad em y of Intemational Law, na Parker School of
Foreign and Comp ar ativ e L aw , e n a Columbia Univer sity Law SchooI.
Sobre os Colaboradores 673

LUIZ ALFREDO RIBEIRO DA SILVA PAULIN: Bacharel pela Faculdade de Direito da


Universidade de São Paulo e pós-graduado em Direito Internacional. Dou-
torando pela USP, é Procurador da Fazenda Nacional e Professor da
Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo (SP).
LUIZ OLAVO BAPTISTA: Doutor pela Universidade de Paris, Professor da Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo, é membro de Associações e Socie-
dades Nacionais e Internacionais.
PETER KONZ: Bacharel em Direito pela Universidade de Genebra . LLB/JD George
Washington University; Assessor de Pesquisa, Harvard Law School. Rep-
resentante na Europa da Universidade das Nações Unidas, é Consultor do
Conselho da OCDE/Paris, Diretor de Política e Coordenação , UNIDO. Foi
Representante-residente do PNUD.
RICARDO ANTONIO SILVA SEITENFUS: Graduado em Economia do Desenvolvimen-
to pelo Instituto de Estudos do Desenvolvimento de Genebra, em Ciência
Política e História pela Universidade de Genebra, é Doutor em História das
Relações Internacionais pela mesma Universidade. Foi Coordenador de
projetos no IEA/USP. Professor da Universidade Federal de Santa Maria
(RS).
ROBERTO SBRAGIA: Bacharel, Mestre e Doutor pela FEA/USP, com pós-doutorado na
Northwestern University (EUA). É Professor titular na FEA/USP, Supervi-
sor de Projetos na FIA/FEA/USP, Assessor Técnico da ANPEI e Consultor.
SIMÃO SILBER : PhD, Master of Arts e Master of Philosophy pela Yale University,
Mestre em Economia pela FGV/RJ, é Bacharel em Ciências Econômicas
pela FEA/USP, onde é Professor.
Coordenação Editorial Hilda Salomé Pereira
Produção Afonso Nunes Lopes
Projeto Gráfico Fred Jordan
Capa Homem de Melo & Troia Design
Composição AntonioLuís Jamas
Sandra Vilas Boas
Sidney Itto
Waldir RodriguesFreire Jr.
Editoração de Texto Alice Kyoko Miyashiro
Revisão de Texto Eny E. Ceotto
Antônio de Pádua Danesi
Revisão de Provas Lucia Helena Siqueira Barbosa
Alípio Correia de Franca Neto
Paulo Nascimento Verano
Auréa Maria Corsi
CleusaTeruya
Maria Beatriz MazzoccaDourado
Arte-final Julia Yagi
Adriana Ap. Garcia
Marcos Keith Takahashi
Divulgação Denise CavalcanteGomes
RoselaineFabretti
Ana Paula Hisayama
DurvanorteTeixeira Correia
Secretaria Editorial Rose Pires
Sueli Monteiro Garcia
Formato 18 x 25,5 em
Mancha 32 x 47 paicas
Tipologia Times 11/13
Papel Cartão Supremo250 g/m2 (capa)
Off-set 75 g/m2 (miolo)
Número de Páginas 680
Tiragem 1500
Laserfilm Edusp
Impressão Imesp

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