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Perdão, Amor

Pry Oliver
1ª. Edição
2018
Cpyright © 2018 Pry Oliver

Todos os direitos reservados.

Criado no Brasil.

Capa: LA Capas

Diagramação: Criativa TI

Revisão: Vanessa Batista, Criativa TI

Esta é uma obra de ficção. Seu intuito é entreter as pessoas. Nomes,


personagens, lugares e acontecimentos descritos são produtos da imaginação
da autora. Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é
mera coincidência.

Esta obra segue as regras da Nova Ortografia da Língua Portuguesa.

Todos os direitos reservados. São proibidos o armazenamento e/ou a


reprodução de qualquer parte dessa obra, através de quaisquer meios —
tangível ou intangível — sem o consentimento escrito da autora.

Criado no Brasil. A violação dos direitos autorais é crime


estabelecido na lei n°. 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.
Sinopse

Um contrato. Milhões de reais em jogo.


Uma jovem inexperiente; um homem ambicioso e avesso a sentimentos.
Oito anos de separação e uma corrida contra o tempo para recuperar a
família, antes do fim do contrato que impede o divórcio.
Esta é a história de um homem que exaltou a ambição e os prazeres
momentâneos e perdeu o verdadeiro amor de sua vida.
"Perdão, amor. Quero você e nossa filha de volta.”
***

"Eduardo analisou o rostinho de Dudinha; ela tinha os olhos de Maria


Fernanda, mas os traços do rosto eram seus, e os cabelos, de sua mãe
Suzane. Ele sentiu uma vontade enorme de abraçá-la e acariciar os
cabelinhos que eram como fios de ouro. Sentiu o coração bater forte no
peito. Estava rendido pela emoção. Ele tinha uma filha. Uma menina linda e
esperta. Ali estava seu melhor projeto. Um projeto lindo. Tinha feito algo de
bom na vida. Agora sim, lutaria com esperanças. Havia uma luz no final do
maldito túnel que construiu. Teria o amor de sua família de volta.”
Primeira fase
Prólogo

"Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor,
serei como o bronze que soa ou como o címbalo que retine.

Ainda que eu tenha o dom de profetizar e conheça todos os mistérios e


toda a ciência; ainda que eu tenha tamanha fé, a ponto de transportar
montes, se não tiver amor, nada serei.

E ainda que eu distribua todos os meus bens entre os pobres e ainda que
entregue o meu próprio corpo para ser queimado, se não tiver amor, nada
disso me aproveitará.

I Coríntios, 13

***

Durante aquela madrugada turbulenta, a jovem, herdeira de uma das


maiores fazendas de gados do interior do Paraná, estava desolada no corredor
da maternidade Senhora das Dores. Izabelle, — como se chamava — tinha
passado por um dos piores dias de sua vida. Acabara de perder sua amiga,
Maria Eduarda, decorrente de um parto sofrido. Cinco anos de amizade
estavam indo embora da maneira mais dolorosa. Era triste ver a dor
estampada nos olhos da jovem fazendeira ao se lembrar do que teve que
prometer horas antes para a companheira moribunda.

— Me promete... promete que vai cuidar da Nandinha?


— Eu prometo, eu... prometo que vou cuidar dela, mas juntamente com
você. Vou ter meus filhos e eles brincarão todos juntos no riacho, enquanto
nós duas tomamos banho de sol.

— Eu gostaria muito que isso pudesse ser verdade, amiga, mas sei o que
me espera. Eu sou muito grata pelo que fez por mim todos esses anos, mas...

Emocionada, Izabelle tampou os lábios da amiga.

— Vamos fazer aquela viagem à Europa que eu te falei. Vou te levar a


Torre Eiffel. Lembra que você disse que queria conhecer Paris? Então,
iremos ainda este ano, basta esperar a Nandinha ganhar mais uns quilinhos
para marcar a viagem.

— Me promete amiga. Eu não tenho muito tempo. Prometa que irá


cuidar da minha menina e que irá amá-la com todo o amor e proteção que
não poderei dar.

— Eu prometo. Mas, por favor, não fecha os olhos. Por favor! A


Nandinha precisa de você...

***

Izabelle foi despertada de seus pensamentos tristes pelo médico, um


velho conhecido. Há alguns meses, ela vinha se tratando de uma doença
grave em um hospital onde ele era plantonista.

— Iza, sinto muito pelo ocorrido. Fizemos de tudo, mas não


conseguimos conter a hemorragia. — O homem parecia cansado depois de
longas cinco horas de cirurgia, tentando salvar a vida da jovem paciente.

— Eu sei doutor, e agradeço por tudo o que fizeram, porém é muito


doloroso perder alguém que amamos.
— Como vai ficar a situação da menina?

— Vou cuidar dela. — Izabelle não hesitou. — Fiz uma promessa e


pretendo cumpri-la. A Nandinha será cuidada com amor, proteção e conforto.
1

ANOS MAIS TARDE...

Giovane e Maria Fernanda entraram correndo na sede da fazenda.

Giovane era filho único do esposo de Izabelle, que também era o


administrador do local. Ambos foram criados por ela com amor
incondicional. Izabelle nunca conseguiu engravidar por causa da doença
grave que lhe atingiu o útero. Conformou-se em cuidar de sua menina e de
seu enteado. O jovem de dezoito anos nutria um amor platônico por Maria
Fernanda desde a infância. Ela, apesar das constantes brigas, também não
desgrudava nenhum minuto do amigo com quem fora criada. Quando não
estavam estudando, — porque a madrinha era muito rígida nesse assunto —
passavam os dias correndo juntos nos campos da fazenda.

— Venham aqui os dois — a madrinha os chamou assim que os


avistou na entrada do quarto. — Minha doença está muito avançada,
Nandinha. Sua mãe me confiou a sua segurança e sinto que não posso mais
fazer isso. Estou fraca, mal consigo levantar dessa cama... Entenda que tudo o
que eu faço é para o seu bem. — Os olhos da garota estavam cheios de
lágrimas.

— Madrinha... você vai ficar bem. Os médicos se enganam e os


exames podem ser trocados, não é Giovane? — Olhou de soslaio para o
amigo ao seu lado.

Giovane sabia que a mulher que o criou estava certa e isso lhe doía,
mas queria acalmar o coração de Maria Fernanda, por isso, havia contado
algumas coisas que ouvira falar nos noticiários, só para lhe dar um pouco de
esperança.

— Nandinha, você vai fazer dezoito anos, mas sei que ainda é uma
menina, passou a vida toda aqui na fazenda. Preocupo-me com sua
estabilidade quando eu não estiver mais aqui. Uma mulher sozinha, ainda
mais ingênua e despreparada como você, não vai saber gerir a herança que te
deixarei. Então, decidi algumas coisas e preciso que você esteja de acordo —
sussurrou, não se sabe se pela voz fraca ou se pela decisão que havia tomado
sem consultar a opinião da afilhada.

— Seja o que for eu aceito, madrinha. A senhora sempre sabe o que


é o melhor para mim. — Chorosa, ela observava a situação da mulher que a
amou e cuidou como se fosse uma filha.

— Sente aqui, minha linda. — A senhora deu dois tapinhas ao seu


lado no colchão. — Eu tomei uma decisão que vai garantir a sua estabilidade
e segurança. — Parou um pouco para recuperar o fôlego. Estava tão cansada,
que poucas palavras já a enfraqueciam. — Você irá se casar com o filho do
meu primo Olavo.

Paralisada, a menina fitou sua protetora com o olhar confuso e


lágrimas de desespero começaram a brotar de seus olhos.
— Madrinha, eu não posso fazer isso. — Enxugou os olhos. —
Ainda sou muito nova. Eu... não posso me casar agora.

— Minha pequena, entenda que eu só quero o melhor para você.


Você e o Giovane são meus herdeiros. O Eduardo é um menino de ouro. Aos
vinte e três anos já é um engenheiro civil, e eu soube por meu primo que ele
tem muitos planos. Quero deixar com ele uma parte da minha herança, para
que o ajude na realização de seus sonhos. Também quero te deixar dentro da
minha família e com meu sobrenome. Você irá se casar, mas permanecerá
comigo até eu partir deste mundo. Só quero garantir que fique bem.

Giovane não conseguiu mais conter as palavras.

— Eu e o pai cuidaremos dela, prometo minha mãe. Ela não precisa


casar. — Uma das mãos da madrinha acariciou o rosto do jovem.

— Eu sei disso, meu querido, mas logo você se casará. Terá sua
própria vida. E seu pai é um homem jovem, pode refazer a vida. Penso na
Nandinha tendo que ficar sozinha no mundo. Eduardo e meu primo chegarão
segunda, e logo após o casamento, eles retornarão para a sua cidade e você
ficará comigo. Estou adiantando o casamento, pois minha saúde está frágil e
não quero deixá-la sozinha antes do tempo. Quando ele chegar, explicarei o
acordo de casamento.
***

— Pensa pelo lado maravilhoso da vida de casado, Edu... acabou


aquela vida de noitada, mulheres avulsas, casadas ou viúvas, velhas ou novas.
Acabou tudo! Você é um cara de sorte, meu amigo.

Sergio, o melhor amigo de Eduardo, passou todo o percurso da


viagem de carro, da capital até a fazenda, tentando fazer o amigo desistir da
ideia do casamento.

— Negócios, Sergio. Estou fazendo um investimento alto e


necessário. Terei minha empresa antes do previsto.

— Cara, é casamento! Pensa bem. E se essa mulher te colocar em


um cabresto e você virar um desses pais de família? Cara, isso não combina
com você, Edu. Abre o olho meu irmão, e cai fora disso!

— Milhões, Sergio. — Olavo, o pai de Eduardo, que estava no


banco de trás da caminhonete, pronunciou-se.

Olavo estava com os olhos vidrados na tela do notebook. O


advogado não parava um só minuto de trabalhar. Aquela influência havia
alimentado no filho a sede desenfreada pelo sucesso e realização pessoal.

— Você sempre teve as melhores estratégias, irmão, mas com isso,


você corre o risco de se apaixonar e ficar de quatro, feito um cachorrinho, por
uma única mulher. Ainda dá tempo, Edu.

Eduardo, que estava ao volante, sorriu sarcasticamente.

— Nunca me apaixonei por nenhuma mulher experiente, capaz de


me dar o que preciso. Acha que vou fazer isso por uma menina caipira, que
cheira a leite e inocência? Nada muda meu amigo. Só vou assinar um bendito
contrato, nada mais que isso. Ele me garante milhões, mas não me pede
fidelidade — falou ao observar a entrada luxuosa da fazenda.

A caminhonete buzinou na porta da sede. Maria Fernanda, que


estava por perto, num misto de temor e curiosidade, correu arrastando
Giovane para casa. Entraram na sala e avistaram os visitantes.

— Venha cá, Nandinha. Venha conhecer o Eduardo — convidou


Izabelle, sentada no sofá da sala.

Maria Fernanda parou no canto do aposento. Giovane segurava uma


de suas mãos com toda força. Seu coração doía. Se ao menos ele enfrentasse
tudo e todos, mas não queria passar por cima de uma decisão de sua mãe de
criação. Ainda por cima, teria que declarar o seu amor a Maria Fernanda e ela
poderia rejeitá-lo ou entender tudo errado e se afastar por completo.

Eduardo desceu os olhos pelo corpo de Maria Fernanda e fez sua


análise por completo. Era esguia, tinha muita pose e nariz empinado demais
para ser uma caipira em vestidos tão infantis e normais. Talvez o conforto
proporcionado pela madrinha tivesse dado aquele ar de grandeza. Em poucos
segundos, desvendou o que seus olhos visualizavam, mas pegou-se curioso
por mais. A jovem era linda, entretanto transparecia inocência, algo que não
tinha paciência de lidar.

— Você ainda é muita menina. — Ele sorriu amigável. Mesmo em


sua impaciência, precisava ser convincente.

Maria Fernanda sentou ao lado da madrinha e não o olhou. Giovane


contraiu a mandíbula, com ódio.

— Não, não vou permitir isso! Isso é uma loucura, minha mãe! —
gritou Giovane.

— Giovane! — Izabelle interferiu. — Largue de ciúmes, meu filho,


sua irmã está noiva e o Eduardo cuidará bem dela.
— Não! Eu cuidarei da Nandinha. Ela não precisa de um
desconhecido!

Eduardo mirou seu concorrente com calma, em seguida curvou o


lábio em um sorriso desafiador.

— Não se preocupe, "cunhado". Cuidarei da sua irmã com carinho.

Giovane fechou o punho, sentindo vontade de esmurrar o rosto do


homem à sua frente, mas ao ver sua mãe moribunda, respirou fundo e saiu da
sala, batendo a porta com toda força. Maria Fernanda deixou uma lágrima
escapar, sentindo-se indefesa.

— Por que está chorando? — Eduardo perguntou e estendeu a mão


para enxugar seu rosto. Ela se esquivou.

— O Edu é um homem muito família, ele é tão dedicado ao lar, que


algumas pessoas duvidam de sua masculinidade — Sergio falou, olhando
para Izabelle.

Eduardo apenas fechou os olhos e idealizou socar o rosto do amigo


quando estivessem sozinhos.

— Você é um bom menino. Sei que vai cuidar de minha menina e


serão muito felizes juntos.

— Está com a via do contrato aí, Izabelle? — Olavo tinha pressa que
o filho firmasse o acordo para receber os milhões descritos no contrato. Logo
Eduardo construiria a empresa que tanto visava ter.

— Sim, está tudo aqui. — Izabelle pegou uma pasta que estava na
mesa do centro. — Como havíamos combinado, o casamento será amanhã à
tarde.

Maria Fernanda começou a fungar o nariz em um choro


descompensado e Eduardo levantou uma das mãos e acariciou uma mecha de
seus cabelos longos. Ele sentiu a maciez entre os dedos e repetiu o mesmo
gesto repetidas vezes. Sergio que estava sentado mais à frente estreitou os
olhos.

— Vou cuidar de você, prometo. — Eduardo olhou para Izabelle e


sorriu.

Era muito dinheiro envolvido, contudo o que mais lhe importava era
que o casamento garantiria sua empresa de engenharia antes do previsto. Ter
alguém preso a ele não seria um problema. Apesar de a garota assustada a sua
frente ter os cabelos mais perfeitos que já tinha visto e o rosto semelhante ao
de uma boneca de porcelana, isso não lhe garantia fidelidade. Ele sempre
havia sido de todas que o servissem.

— O contrato já foi redigido. Não poderá haver divórcio no prazo de


dez anos. Caso haja, minha menina será beneficiada com os bens em seu
valor total. — Olhou para Eduardo — No seu caso, os milhões para a
construção da empresa de engenharia não seriam recebidos. Se a empresa já
estiver de pé, não importa, tudo irá para a Nandinha. Mesmo assim, o nome
dela ainda constará nos documentos de sócios da empresa. Então, a empresa
ficará cinquenta por cento no nome dela e a outra metade em seu nome.
Acredito muito que o amor no coração dos dois será revelado e meu
propósito de proteção será alcançado sem necessitar da cláusula que fala
sobre a quebra do contrato.
— Estou disposto, minha tia. — Eduardo estava inspecionando o
corpo da jovem.

— A Nandinha só poderá mexer no dinheiro depois dos dezoito


anos, até lá você, Eduardo, ficará na obrigação de trazer conforto a minha
menina, do seu próprio bolso. Meus outros bens serão do Giovane e a fazenda
do meu esposo. Eu quero que prometa que irá cuidar de minha menina,
Eduardo.

— Seremos muito felizes, minha tia. — Eduardo fixou o olhar nos


lábios carnudos de Maria Fernanda, depois seguiu para os olhos azuis, que
estavam amedrontados.

Em um rompante, Maria Fernanda levantou e abandonou a sala.

— Nandinha! — A madrinha tentou gritar, mas não conseguiu.

— Deixa minha tia. Vou conversar com ela.

— Me preocupo, pois ela ainda é muito nova e ingênua, mas sinto-


me fraca e não sou mais capaz de oferecer a proteção e o cuidado que ela
precisa. Você é da minha família, é inteligente, esforçado, dedicado aos
estudos... por isso sua parte na minha herança veio com a mais linda
condição, a condição de aprender a amá-la.

— Sou grato pela confiança, tia. Vou conversar com ela. Nós
daremos certo. Com a sua licença. — Eduardo beijou a mão da mulher e
seguiu o rastro de Maria Fernanda. Precisava garantir que seu mais novo
negócio gerasse a rentabilidade desejada.

Encontrou-a sentada em uma cerca de madeira, com o olhar distante.


Seus cabelos estavam em toda parte, seguindo a corrente de vento que estava
um pouco forte naquela manhã.

Quando seu pai lhe falou sobre o acordo com sua prima distante, ele
recusou. Amaldiçoava a ideia de um dia estar preso a uma única mulher.
Muito menos com uma menina de dezessete anos. Mas, depois de uma longa
noite analisando suas perspectivas de futuro, chegou à conclusão de que a
proposta era tentadora, afinal, além de milhões de reais em sua conta de um
dia para outro, seu projeto de futuro se realizaria mais cedo. E só o que ele
teria de fazer era aguentar ficar casado durante alguns anos. Sua irmã Luísa
reprovou a ideia, mas não falou nada sobre o assunto, não concordava que o
irmão casasse por dinheiro, mas também não interferiu na história, pois sabia
que ele era irredutível em seus objetivos.

A família de Eduardo não era pobre. Muito longe disso, pois possuía
uma qualidade de vida razoável. Seu pai era dono de uma empresa
conceituada de advocacia que estava crescendo ao prestar consultorias a
multinacionais. Sua mãe era uma dondoca que veio da lama, mas que amava
esbanjar dinheiro e arrogância.

Pensativo, Eduardo passou os olhos pelas pernas esguias de Maria


Fernanda. No final das contas, a menina era bela, não tinha como negar. Nada
que se assimilasse às mulheres com quem ele estava acostumado, mas apesar
de muito nova e franzina, Maria Fernanda tinha uma beleza selvagem e pura
ao mesmo tempo.

Ele se aproximou lentamente por trás e sentiu uma vontade enorme


de enfiar os dedos nos cabelos da jovem outra vez, para sentir a maciez dos
fios. E foi o que fez, assustando-a.

Maria Fernanda deu um pulo do outro lado da cerca.

— Passe para o lado de cá. Precisamos conversar. — Tentou moldar


o tom de voz. Maria Fernanda abraçou os próprios braços e olhou para os
lados, traçando sua rota de fuga. — Estou encarando isso como um acordo,
nada mais que isso. Quando estiver em minha casa terá algumas regras, mas
nada que interfira seu bem-estar — continuou.

Maria Fernanda estava muito assustada e isso se refletia em seus


olhos. Não conseguiu pronunciar uma palavra sequer. Então, tomou uma
lufada de ar e correu o mais rápido que pôde em direção à sede da fazenda,
onde se jogou em sua cama, com o rosto banhado em lágrimas de desespero
por medo do desconhecido.
2

Eduardo estava jogado em uma cadeira em frente ao altar


improvisado. Parecia despreocupado, como se aquele dia fosse outro
qualquer. Olavo estava satisfeito e ainda sem acreditar na sorte grande do
filho, por entrar em um negócio sem dinheiro algum e ganhar uma
rentabilidade tão rápida. Para Olavo, tudo aquilo não passava de negócios.
Eduardo não pensava diferente, afinal ele seria o beneficiado.

O pai ainda não se conformava em ter ficado apenas com cinco por
cento dos bens de seus pais de criação, enquanto Henrique, o pai de Izabelle,
tinha herdado noventa e cinco por cento. Sentia agora o gosto da vitória e o
cheiro fresco de dinheiro merecido, o que ele mais amava.

Eduardo ficou de pé, frente ao juiz, assim que viu a menina entrando
na sala. Estava linda com os cabelos soltos e um simples véu de renda italiana
sobre a cabeça. O vestido branco e modesto tinha o comprimento até os
joelhos, e em suas mãos, estava depositada uma tulipa branca.

À medida que ela se aproximava dele, seu olhar se tornava mais


triste, e quando finalmente ficou cara a cara com ele, deixou que algumas
lágrimas escorressem pelo canto dos olhos.

Ele levantou uma das mãos e secou o chorinho teimoso da jovem, e


sentiu mais uma vez a maciez da sua pele enquanto admirava o seu rosto.
Maria Fernanda estremeceu ao seu toque. Só havia notado naquele momento
o quanto ele era bonito e quão intenso era o azul de seus olhos.

Envergonhada, desviou o olhar para o juiz e cumprimentou com um


aceno tímido.

Minutos se passaram com o curto discurso do condutor da


cerimônia, até que o casamento foi confirmado com as últimas palavras do
acordo e, para a alegria de Izabelle e a ambição de Eduardo, a palavra final de
ambos foi "sim".

Estavam oficialmente casados e os papéis já tinham sido assinados.


Não havia mais volta. O destino de Maria Fernanda acabara de ser selado.
***

Maria Fernanda não havia encontrado Giovane desde a manhã


daquele dia, quando o viu pela janela sair disparado em seu alazão. Por isso
mesmo, quando assinou o último papel do acordo, saiu a todo vapor à sua
procura, não se importando com o quê ou quem havia deixado para trás.

— Giovane! — gritou perto do riacho, o esconderijo secreto dos


dois. — Giovane, por favor, eu preciso de você! — Sua voz estava
embargada e as lágrimas percorriam por seu rosto desolado. — Você não
pode fugir e me abandonar assim — disse ao cair de joelhos no meio do
mato, próximo à margem. — Você prometeu cuidar de mim, agora eu preciso
de você. Eu vou embora em breve e nunca mais você me verá novamente.
Estou indo embora, está me ouvindo? — Sem resposta, levantou e saiu
correndo para a sede da fazenda.

Não muito longe dali, Giovane ouvia todo o desabafo da menina


com um choro abafado. Seu coração estava dilacerado. O amor de sua vida
iria embora em breve. Seu amor de infância agora estava casada.

Maria Fernanda entrou na fazenda e sequer olhou quem estava à sua


frente, nem mesmo na hora em que trombou em Eduardo, antes de entrar em
seu quarto e se jogar com tudo sobre a cama.

— Me abandonou no dia do nosso casamento. — Eduardo


aproximou-se da porta, analisando a figura esmorecida sobre a cama.

— Me deixa sozinha!

Eduardo não se agradou nem um pouco daquela ordem, muito menos


do seu tom de voz. Nunca nenhuma outra mulher ousou tentar lhe dar ordens.

— Não sei se você já entendeu, mas somos casados, menina. De


agora em diante, só te deixo sozinha quando for da minha vontade. E terá que
obedecer às minhas ordens.

— Não escolhi me casar com você. Sai do meu quarto! Não vou
obedecer às ordens de um ogro! — Ela ajoelhou sobre a cama e gritou a
centímetros do rosto dele.

— Como é que é? — Ele estreitou os olhos e analisou friamente a


jovem a sua frente.

Era muita pretensão e ousadia. Precisava colocar a caipira, selvagem


e respondona logo em seu lugar, ou ela lhe traria problemas, afinal, ele tinha
uma namorada de conveniência que lhe traria muitos contratos.

— Vou precisar te colocar logo nos trilhos, querida esposa. — Com


um olhar de deboche, ele acariciou seus cabelos. A beleza da cabeleira longa
e castanha da sua mulher o instigava.

— Não toque em mim! — ela gritou e o empurrou.

Eduardo sentiu um arranhão em seu ego. Nunca antes uma mulher


sentiu pânico ao ser tocada por ele. No entanto, aquela menina estava com
pavor, apenas por ele encostar carinhosamente em seus cabelos macios.
Furioso, puxou-a de cima da cama e segurou-a com força pelos ombros.

— Agora somos casados, menina, e não há problemas se eu quiser


tocar em você! Além do mais, foi apenas um toque estúpido e até carinhoso!

— Não preciso de seu carinho! — ela gritou ainda mais furiosa.

— Primeira regra de convivência entre nós, querida esposa: nunca,


em hipótese alguma, levante sua voz para mim. Pois todas as vezes que
desobedecer a essa ordem, terei que te mostrar como faço para amansar uma
gata arisca como você. — Puxou-a e apertou seus lábios contra os dela com
toda força.

Maria Fernanda se debateu, mas quanto mais tentava se afastar dele,


mais Eduardo aprofundava o contato sem emoção, querendo apenas puni-la.
Segundos se passaram até que entraram pela porta do quarto, gritando pela
menina.

— Desculpe senhor, eu não sabia que...

Matias, um dos empregados de dentro da sede, ajeitou o seu chapéu


na frente do corpo e mirou o chão, envergonhado. Maria Fernanda respirou
aliviada por ter se livrado dos braços de Eduardo. Se lembraria de agradecer a
Matias com uma fatia de sua torta de milho mais tarde.
— O que te faz pensar que pode entrar no quarto de minha mulher
assim?

— Desculpe senhor, mas é que a Dona Izabelle está passando mal e


não cessa de chamar pela Nandinha.

— Madrinha!

Maria Fernanda correu até o escritório de Izabelle. Seus olhos não


puderam acreditar no que viram: sua protetora estava agonizando sobre o sofá
de couro preto, enquanto Joaquim estava aos seus pés, em prantos.

— Madrinha! Madrinha! — A menina sacolejou inutilmente a sua


protetora.

— Ela está nos deixando, Nandinha. Minha Bell está indo embora.
— Lamentava o marido em desespero.

— Não, madrinha! Por favor, não me deixe, eu preciso de você!

— Meu amor, eu estou indo feliz, pois cuidei de você e sei que
estará bem de agora em diante. — respondeu a debilitada, num fio de voz.

— Madrinha, por favor, não me deixe!

Maria Fernanda chorava em desespero no momento em que


Giovane, juntamente com Eduardo, entrou pela porta do escritório.

— Minha mãe, não vá, eu ainda preciso de você. — Giovane chorou


feito uma criança.

— Cuide de seu pai e de sua irmã, meu menino, e se cuide também.


Você foi o filho que nunca pude ter, mas que os céus me presentearam. Eu
amo vocês, nunca se esqueçam disso.

— Por favor, madrinha, eu preciso de você! — Maria Fernanda


implorou.

— Eduardo, venha aqui, meu filho. — A mulher, quase sem forças,


esticou a mão para ele. — Vem se juntar com Maria Fernanda e Giovane.

— Oi, minha tia? — Meio perdido, Eduardo fixou o olhar na mão da


mulher, que segurava a sua sem forças.

— Prometa que vai cuidar dela, prometa que vai fazer a Nandinha
feliz...

Eduardo se viu em uma situação difícil. Sua tia distante estava


implorando pela proteção da afilhada e ele sabia que não teria qualquer
relação com a esposa. Nunca se sentiria responsável por ela, mas não negaria
um pedido de uma pessoa à beira da morte, ainda mais se ela não estivesse
mais presente para vê-lo cumprir a promessa.

— Eu cuidarei dela, minha tia, sempre terá o meu cuidado e proteção


— prometeu, incomodado com a grandiosidade de suas palavras.
***

Uma semana se passou desde que Izabelle se fora. O coração de


Maria Fernanda doía por saber que agora iria para a casa do homem com
quem se casou, mais cedo do que pretendia.

— Promete que vai me visitar, Giovane? Promete! — Ela segurou o


rosto do amigo com as mãos.

— Eu nunca te deixarei minha bonequinha linda. Qualquer coisa,


você liga, que eu bato lá na sua casa em dois tempos.

— Eu te amo, Giovane.

— Eu também te amo, Nandinha, e sempre vou amar.

Giovane tinha convicção na sua fala. Tinha certeza de que sempre


amou Maria Fernanda e que nunca nenhuma outra mulher despertaria algo
assim em seu coração.

— Vamos! — pigarreou Eduardo nas costas de Maria Fernanda. —


Ele precisava manter sua postura de bom marido na frente de Giovane e do
pai.

— Se eu souber que você não está cuidando dela, vou buscá-la, está
me ouvindo? — Giovane apontou o dedo a centímetros do rosto de Eduardo.

— Se tem uma coisa que eu sempre soube fazer é cuidar de uma


mulher. — Eduardo tocou a cintura de Maria Fernanda em provocação. —
Vamos! — Segurou a mão dela.

Eduardo já havia percebido no olhar de Giovane que o sentimento


dele pela jovem não era só amizade. Sabia do interesse do rapaz e teve um
leve palpite de problemas futuros.

Maria Fernanda segurou o pescoço de Giovane e o abraçou mesmo


sob a posse do marido.

— Vamos, menina, o caminho é longo.

Giovane o olhou com ódio, mas Eduardo não se incomodou e


puxou-a na direção do carro, onde seu pai já estava os esperando. O amigo,
Sergio, tinha voltado para a cidade no dia seguinte do casamento.
***

A viagem havia sido longa, Maria Fernanda ficou encolhida no


banco de trás da caminhonete durante todo o percurso, e ali chorou baixo até
adormecer.

— Ei, acorde. Acabamos de chegar. — Eduardo balançou o corpo


adormecido de Maria Fernanda no banco traseiro do carro, entretanto, ela não
acordou de imediato. — Vamos ferinha, levante. — Balançou o rosto dela de
um lado a outro. — Como pode ter a pele tão macia, menina? Mas que diabos
eu estou... ACORDE! — gritou.

Maria Fernanda arregalou os olhos e se encolheu no banco. Eduardo


respirou sem paciência.

— Saia daí. Chegamos e eu não tenho o dia todo para perder com
você.

Ele abandonou o carro e caminhou na direção da casa.

Maria Fernanda caminhou pelo jardim da casa de pintura amarela,


ainda sonolenta. Passou pela porta esfregando os olhos.

— E você, quem é minha jovem? — Uma mulher que aparentava ter


em torno de quarenta e cinco anos estava na sala recebendo os patrões.

— Boa tarde, sou Maria Fernanda. — A garota analisou cada canto


da casa para saciar a sua curiosidade.

— Você veio com o senhor Olavo e o Eduardo?

— Eu me casei com o senhor Eduardo na semana passada. — Ainda


estava olhando o interior da casa.

— Com o Eduardo? Então, aquela conversa que a Suelen ouviu era


verdade? — meditou a mulher sobre o que ouviu na cozinha de uma das
arrumadeiras da casa.

— A senhora trabalha aqui ou é parente dele? — Enfim ela olhou


para o rosto da negra.

— Me chamo Antonieta, e sou a governanta e cozinheira da casa.


Você é muito nova, minha filha, não deveria estar se casando e sim
estudando. Ainda mais com o Edu.

— Foi o desejo da minha madrinha.

Maria Fernanda se aproximou dos porta-retratos na bancada, e olhou


tudo com muita curiosidade.

— E você não poderia ter negado? — Não era de se estranhar a


preocupação evidente da jovem senhora. Afinal, ela sabia a vida de boêmio
que Eduardo levava.

— Não poderia ir contra um pedido da mulher que tanto cuidou de


mim. — Maria Fernanda seguiu em direção à cozinha analisando tudo o que
via pelo caminho.

— Está com fome?

— Um pouco. — O olhar dela estava na pintura artística na parede


— É uma réplica perfeita de “A Última ceia”[1].

— Acredito que seja original. O senhor Olavo gosta de ir a leilões.


— Perdoe-me senhora, mas essa aqui nunca foi original. É uma boa
réplica, mas não passa disso.

— Consegue distinguir a farsa de uma obra de arte? — Antonieta


segurou um vaso de cristal antes que a jovem derrubasse no chão.

— Não, não tenho essa capacidade, mas penso pela lógica. A


original está em Milão, no Monastério da Igreja de Santa Maria Delle Grazie.

Antonieta parou um momento e a observou de cima abaixo. A


menina era nova, seu corpo não era tão desenvolvido, mas aparentemente era
esperta. — “O suficiente para ficar longe de Eduardo?”

— Você tem quantos anos? — perguntou Antonieta puxando-a em


direção à mesa da cozinha.

— Dezessete. — Maria Fernanda pensou em seguir na direção do


corredor final da casa e observar as plantas, mas Antonieta a fez se sentar.

— Deus! Ainda é menor de idade? Que mãe irresponsável é a sua


para permitir isso! É o seu futuro que está em jogo. Foi pelo dinheiro? —
Antonieta depositou uma generosa quantidade de chocolate quente em uma
xícara de porcelana.

— Minha mãe faleceu no dia em que eu nasci. Não a conheci. Meu


pai a abandonou quando soube que ela estava me esperando.

A expressão de Antonieta se enterneceu.

— Me perdoe, eu não podia... me perdoe, mas eu não entendo como


esse casamento foi acontecer. Você ama o Edu, é isso? Como isso foi
acontecer?
— Não, claro que não. Como poderia amar um ogro? Eu o conheci
há uma semana. Como eu disse, o casamento foi um desejo da minha
madrinha. Ela me criou junto de si depois que minha mamãe morreu. Estudei
em casa, na fazenda. E viajamos com certa regularidade para que eu tivesse
contato com outras culturas. Mas, a maior parte da minha vida correu na
fazenda mesmo, portanto, não poderia amar uma pessoa que não conhecia. A
madrinha queria me deixar casada antes de também partir. Foi isso que
aconteceu.

— Valei-me! Ela também morreu? — Antonieta se assustou com


tanta informação.

— Sim... — Os olhos de Maria Fernanda perderam o brilho da


curiosidade e se tornaram tristes. — Há uma semana, no mesmo dia do
casamento. Parece que só estava esperando por isso. — Os olhos dela se
encheram de lágrimas.

— Céus... tão nova e com tanta bagagem e você caiu logo aqui?
Pobre menina. — Antonieta abraçou-a. — Só peço a Deus que te proteja de
agora em diante.

Eduardo entrou na cozinha e olhou por alguns segundos para a


jovem sentada a mesa com uma de suas empregadas. Pensava o que iria fazer
com ela de agora em diante. Nunca seria seu marido como sua tia Izabelle
pensava. Ser esposo não fazia parte de seu perfil. Ele pegou uma das
suculentas maçãs que estavam na fruteira da bancada, parou, e continuou
encarando a menina.

— Antonieta, providencie um quarto para ela.


— Quartos separados, Eduardo?

— Se contrapõe a isso, Antonieta?

— Lá em cima não há mais quartos desocupados.

— Então, veja um aqui embaixo. Sabe que não abriria mão de minha
privacidade.

— Mas o único quarto vazio aqui em baixo é o quartinho dos


fundos, que serve de depósito e está com infiltrações. Ela é sua mulher, Edu.
Vai colocá-la em um quarto de empregados todo molhado?

Ele fixou nos olhos da garota.

— Você se importa com isso, menina?

— Tudo bem, eu não me importo. Prefiro ficar aqui mesmo.

Maria Fernanda sabia que, o quanto mais longe ficasse de Eduardo,


seria melhor para ela, pois tinha medo dele reivindicar os direitos de marido.

Antonieta não se conformou.

— Mas, minha querida, você é a mulher dele. Tem que exigir os


seus direitos de dona da casa.

Eduardo se enfureceu.

— Já está jogando a menina contra mim, Antonieta? Não acha que


está exagerado um pouco com a liberdade que tem? Acha mesmo que os seus
bolos vão me conquistar para sempre, mulher?

— Eduardo, eu só estou dizendo que a menina é muito nova. É bem-


criada, não é certo para ela ficar dormindo em um minúsculo quartinho dos
fundos.

— Tudo bem. — Ele respirou sem paciência. — Pegue as coisas


dela no carro e leve para meu quarto. Providencie a reforma do quartinho.
Mande Jorge ver isso o mais rápido possível.

— Vou buscar as coisas dela.

Assim que ela se foi, Eduardo aproximou-se da cadeira onde Maria


Fernanda estava.

Ela baixou os olhos.

— Você vai entrar em meu quarto apenas para dormir. Vai evitar
diálogos longos, não vai encher meus ouvidos com reclamações, vai ficar
longe dos meus projetos e de qualquer outra coisa que me pertença. Tenho
minha própria rotina. E, em hipótese alguma, interfira nela. Outra coisa: não
ande com suas roupas íntimas quando eu estiver presente e, tampouco, deixe
seus cabelos no ralo do meu banheiro. — Puxou uma mecha do cabelo dela e
começou a enrolar nos dedos.

Ela balançou a cabeça de cima abaixo, enquanto apertava os olhos.


Eduardo percebeu o seu pânico e aquilo o agradou. Medo era sinal de
obediência e ele não precisava de uma pirralha irritante interferindo em sua
liberdade.

— Você é a minha esposa. Sabe o que significa isso, não é? —


Olhou para o tecido retesado que evidenciava as formas redondas e medianas
dos seios de Maria Fernanda.

— Por favor, não me toque, senhor.


— Está com medo de mim? — Eduardo riu dele mesmo, por estar
observando tais dotes em uma jovem com vestidos tão infantis.

— Estou.

— Não se preocupe. — Ele se afastou, para alívio dela. — Não me


interesso por crianças. — Sorriu e saiu da cozinha.
3

Depois que Eduardo pegou o carro e saiu de casa, Maria Fernanda


subiu as escadas para bisbilhotar o andar superior e procurar o quarto para
onde tinham sido levadas suas malas. Uma das capacidades naturais que ela
tinha de sobra era a curiosidade. Por meio da exploração e do desejo intenso
de conhecer algo novo, alguns anos antes, ela tinha ficado internada por
semanas. Na ocasião, ela queria descobrir se seu alazão seria mais rápido que
um vespeiro de marimbondos. O pobre cavalo não resistiu, mas ela, por sorte,
conseguiu entrar no riacho e foi pouco atingida.

O primeiro quarto em que entrou era muito luxuoso. Ela sentou na


cama para testar o colchão, foi até os vidros de perfumes sobre a bancada da
penteadeira e experimentou todos. Mas não se deteve ali, pois ainda tinha
outras quatro portas a serem exploradas. Gostou da aparência de um quarto
feminino e o idealizou para si, mas estava montado e tinha roupas femininas
no guarda-roupa. Certamente já estava ocupado. Entrou nas outras portas e
apenas viu inúmeras araras de roupas e muitos sapatos e bolsas. Por último,
entrou no quarto de Eduardo. Percebeu se tratar do quarto dele, pois a roupa
que usava durante a viagem estava jogada aos pés da cama.

O quarto era espaçoso e tinha uma escrivaninha repleta de projetos e


livros de estudos. A cama era uma King Size e um enorme guarda-roupa
tomava conta de uma das paredes. Um minibar era embutido em outra
parede, frente à cama.

Maria Fernanda viu suas malas ao lado da escrivaninha e caminhou


até elas, mas sua curiosidade a direcionou para as montanhas de papéis.
Mexeu absolutamente em tudo. Leu os rascunhos, ligou a calculadora
científica, somou alguns cálculos e ainda se arriscou a consertar os que não
estavam exatos. Afinal, ela dominava a matemática e muitas das vezes sem
precisar usar calculadora.

Depois de passar horas resolvendo os cadernos de atividades dos


livros, ela arrumou a papelada que estava jogada sobre a mesa e respirou
satisfeita com sua organização. Havia alguns papéis jogados ao chão, então
julgou ser lixo e deu seu destino a eles.

— Um ogro muito desorganizado, deveria usar suas regras para


arrumar a própria bagunça. — resmungou arrastando as malas para perto do
guarda roupa.

Abriu uma das portas e não encontrou espaço. Seguiu, portanto,


abrindo as outras e também não encontrou um cantinho sequer desocupado.
Então, arrastou os edredons que estavam em um suporte inferior interno,
pegou sua mala com produtos de beleza e roupa que precisaria após o banho,
e em seguida colocou as outras duas malas dentro do guarda-roupa e fechou a
porta. Sorriu por tudo ter dado certo. Usaria os edredons para fazer sua
própria cama, sobre o felpudo tapete do quarto.

Cantarolando uma música de ninar ela foi para o banheiro e


acomodou seus inúmeros cremes e shampoos ao redor da borda da banheira.
Depois retirou a roupa e preparou seu confortável banho.
***

No final do dia, Maria Fernanda voltou à cozinha. Ela tinha dormido


na cama de Eduardo depois do banho. Já era noite e ele ainda não tinha
retornado.

Antonieta estava sentada à mesa, esperando a arrumadeira, Carmem,


que seguiria com ela até o supermercado.

— Descansou, filha?

— Primeiro arrumei a bagunça. Apesar de não ter sujeira, não me


sentiria bem em viver em um quarto com tanta coisa fora do lugar.

— O Eduardo não gosta que mexam nas coisas dele. Deixe tudo
como está! Evite conflito. Ele costuma ser estourado e você não merece
grosserias.

— Como é possível alguém se irritar com organização? Só mexi


para comportar minhas coisas no lugar. Não vou poder tirar minhas coisas da
mala, mas peguei um pequeno espaço no banheiro.

Antonieta observou a menina com mais cuidado. Ela tinha uma


inocência natural, porém não parecia ser tão vulnerável. Talvez, quem sabe,
ela conseguisse dobrar Eduardo. Não, definitivamente era um caminho
perigoso para uma jovem que demonstrava ser tão amorosa. Eduardo era só
espinho e não saberia tratá-la com seu merecido valor. Só a faria sofrer com
tantos casos extraconjugais. Antonieta o conhecia muito bem, por isso,
afastou a ideia da mente. Protegeria a nova patroa do que fosse possível.
— Quantas pessoas trabalham aqui, Antonieta?

— Além de mim, há Jorge que é o motorista, e duas arrumadeiras,


Suelen e a Carmem.

— Todos vocês também moram aqui? — Maria Fernanda pegou


uma faca e começou a cortar as verduras que estavam sobre a mesa.

— Sim, é exigência da patroa, mas cada um tem o seu final de


semana de folga. — Antonieta tomou a faca e afastou as verduras.

— Vou ajudar vocês com o trabalho. Lá na fazenda há muitos


empregados, mas eu vivia entre eles, éramos uma família. A madrinha tratava
todos por igual e para mim era natural viver dentro da cozinha.

— Você precisa estudar. Já terminou os estudos?

— Estou nos últimos livros. Eu estudava em casa com professores


particulares. A madrinha preferia que fosse assim, porque não havia boas
escolas nos arredores da fazenda. Assim, ela mandava vir os melhores para
darem aulas para mim e Giovane.

— Vou falar com o Edu. Ele precisa ver uma escola para você. Fique
perto de mim o tempo todo. Eu vou te proteger se algo der errado.

— Estou com saudades do Giovane. Nunca fiquei longe dele antes.


— Uma lágrima escorreu dos olhos da jovem ao se lembrar do amigo
inseparável. — Ele sempre me disse isso. Iria ficar ao meu lado para sempre.

— Quem é Giovane, filha?

— Meu irmão do coração. Giovane não sabe viver sem mim. Quem
vai com ele ao riacho agora? Ele tem medo de trovão, assim como eu. Agora
não estamos mais juntos para nos proteger das noites de trovão.

— Venha cá, minha querida. Deixa eu te dar um abraço. Eu vou te


proteger. Não se preocupe.

— Vamos, Antonieta? — Uma velhinha apareceu, carregando uma


bolsa de lado.

— Agora vou ao supermercado com a Carmem. Qualquer coisa,


chame a destrambelhada da Suelen.

Antonieta desligou o forno, beijou seus cabelos e saiu com a


senhorinha.

— Olha o cheirinho bom de torta de laranja — Jorge, o robusto


motorista esfregou as mãos e pegou sua generosa fatia da bandeja. — Ah!
Como vai, menina patroa?

— O senhor é Jorge, o motorista?

— Sim. — O homem mirou o bolo em suas mãos com brilho nos


olhos. — Seus cabelos são bonitos, menina. — falou com parte de uma fatia
de torta na boca.

— Obrigada, acabei de lavá-los.

— Você gasta o quê... um shampoo a cada lavagem?

— Não, senhor, não exagere!

— Jorge, dá para você falar de boca vazia? Quantas vezes eu já te


falei isso? Não é porque trabalhamos na casa que não vamos ter modos.
A jovem Suelen, arrumadeira da casa, entrou na cozinha com os
ombros despencados de cansaço, já que tinha acabado de faxinar a área da
piscina.

— Eu tenho bons modos. — repetiu o motorista, deixando escapar


alguns farelos de bolos da boca.

— Preciso de um banho, não aguento mais essa vida de mucama. —


Suelen sentou na cadeira ao lado de Maria Fernanda. — Oi! Vi você mais
cedo, de longe. Não me apresentei porque estava no meu trabalho escravo.
Sou Suelen, mucama e futura estilista.

— É um prazer te conhecer, Suelen.

— Sou um amor de mucama, mas estou morta.

— Deveria parar e descansar, já que está cansada.

— Olha que amor, Jorginho. — Suelen sorriu — Tinha mesmo que


vir alguma alma boa para essa casa, pena que caiu nos braços do cafajeste.

— Onde está Antonieta? — Eduardo entrou pela cozinha.

— Ai! Que susto, assombração! — Suelen colocou a mão no


coração. — Foi ao supermercado com a Carmen.

— O que disse?!

— Que Antonieta foi ao supermercado com a Carmem. Não foi,


patroinha? — Suelen deu uma leve cotovelada em Maria Fernanda.

Os olhos de Eduardo foram até Maria Fernanda e desenhou o


caimento do cabelo sedoso sobre o colo da jovem.
— Então... você, Suelen, — desviou o olhar para a empregada. —
Traga um lanche. Meus amigos estão na sala de vídeo. Coloque torta de
maçã, a Viviane pediu. — Voltou a olhar para a jovem depois se virou em
direção à sala.

— E agora, Jorge, o Sergio deve estar aí e eu não posso ir até lá, não
quero vê-lo.

Suelen era só uma jovem de dezenove anos que se envolveu em um


relacionamento conflituoso com o melhor amigo de Eduardo, e aquilo ainda
machucava o seu coração.

— Eu não posso ir lá, Suelen, não quero perder meu emprego. Sabe
muito bem que só posso entrar na cozinha.

— Por favor, Jorginho, a patroa não vai te ver. Eu te dou cobertura.


— A arrumadeira fez sua melhor expressão doce.

— Sinto muito, mas não vou me arriscar.

— Você é um gordo covarde, barrigudo de uma figa! — Ela


desmanchou o rosto meigo e jogou o pano que estava em suas mãos nas
costas do motorista. — Um dia, tu ainda vai precisar de mim, ruindade!

— Sou gordo e covarde mesmo. E não vou arriscar o meu emprego.

— Eu vou, Suelen.

Maria Fernanda levantou da mesa e se apresentou como voluntária.


Não entendia o que poderia causar tanto medo aos empregados e, sendo ela
parte da família, não viu problemas em ajudar.
— Obrigada, patroa, mas ignore totalmente a megera da Viviane e
saia de lá o mais rápido possível. Nem sei o que essa vaca está fazendo aqui,
se agora você é a mulher dele. Aquele safado!

— Apenas no acordo, Suelen. Ele não é meu marido de verdade.

— Que coisa estranha, hein? Mas cuidado mesmo assim, e ignore a


Viviane.

— Tudo bem, Suelen, não se preocupe comigo.

Maria Fernanda ajeitou seus cabelos para trás, tomou a bandeja nas
mãos e adentrou a sala, que Suelen mostrou de longe.

— Com licença. — Ela depositou a bandeja na mesa de centro com


os olhos sempre baixos, como foi advertida por Suelen.

Eduardo mudou as vistas da televisão para ela. Ele passou os olhos


em Maria Fernanda. O que chamou sua atenção novamente foram os cabelos
recém-lavados. Estranhou internamente estar observando outra vez aquilo.
Havia um ar de descoberta gritante dentro dele.

— Prendada ela, não é Edu? — falou Sergio, depois de observar a


maneira que o amigo a olhava. Sergio sorriu e sentou na poltrona onde estava
deitado. — Então, como tem sido as noites de amor do casal?

Sorrindo, levantou-se da poltrona e caminhou na direção da jovem.


Maria Fernanda levantou os olhos e arriscou uma olhada para Eduardo, que
observava a atitude do amigo, calado. Quando o jovem tocou em seus
cabelos, ela se esquivou para o lado e acabou indo na direção de Eduardo.

— O que deu em você, Sergio? Agora se interessa por crianças? —


Eduardo, enfim, se pronunciou.

— Então essa é a caipira vendida? Deram milhões nessa coisinha?

— Viviane. — Eduardo advertiu a loira.

Ele tinha consciência que precisava das duas para alcançar seus
objetivos, por isso contou sobre o casamento para Viviane, garantindo que
não passava de um contrato que garantiria milhões.

Maria Fernanda manteve seu nariz empinado e o queixo erguido. Ela


não se esforçou para fazer aquilo, a pose de autoconfiança era algo natural
dela, pois nunca havia experimentado humilhações ou algo do tipo.

— Meu nome é Maria Fernanda, senhora.

— Senhora! — A loira se enfureceu.

— Provavelmente deve ter o dobro da minha idade, melhor tratá-la


com o devido respeito.

Maria Fernanda não falou para provocar, ela realmente tinha sido
educada daquela maneira. Deveria se dirigir às pessoas mais velhas com o
devido tratamento.

Eduardo ergueu o lábio em um curto sorriso e olhou Maria Fernanda


dos pés à cabeça.

— Eu vou dar na cara dessa caipira! — Viviane levantou, mas


Eduardo a puxou de volta para o sofá.

— Vivi, por que você não finge que não está incomodada com a
bonequinha aqui. — Sergio segurou na cintura de Maria Fernanda, mas ela se
esquivou novamente.

— Que rebaixamento, Sergio! Já esteve em dias melhores.

A loira esnobe ao lado de Eduardo estava evidentemente se sentindo


ameaçada com a figura da menina esguia de cabelos longos na sala. Já Maria
Fernanda sentiu-se aliviada ao saber que Eduardo tinha uma namorada.

— Cabelo cheiroso. Pensa só, uma noite inteirinha sentindo esse


cheirinho de laranja. — Sergio olhou para o amigo e inalou com efeitos
sonoros o aroma fresco que vinha de Maria Fernanda.

— O senhor pode, por favor, não tocar em mim — ela pediu educada
e firme.

— Calma, só quero conversar um pouco. — Mais uma vez, tocou os


cabelos da jovem e levou uma longa mecha até as narinas. — Ele parecia agir
para cutucar o amigo. — Muito cheiroso. — Olhou para Eduardo.

— Eu sou casada com seu amigo, não pode tocar em mim dessa
forma. — Maria Fernanda o afastou com um sopapo.

Viviane, a namorada, se enfureceu:

— Olha aqui, sua caipira, eu vou deixar uma coisa bem clara: você
não é nada, absolutamente nada do Eduardo! Eu sou a mulher dele. Você é só
um negócio, então não se sinta no direito de sair por aí dizendo que é casada
com o meu homem se não quiser seu rostinho lisinho com alguns hematomas.

— Vai bater em mim? — Maria Fernanda olhou para Eduardo


assustada.
— Pode ir menina! — Eduardo segurou firme na mão da loira para
que ela não se levantasse.

— Por que vai bater em mim? — Maria Fernanda insistiu, afinal, ela
nunca tinha sido ameaçada.

— Suma da minha frente, menina! — Eduardo gritou.

Maria Fernanda tomou uma lufada de ar, se desviou de Sergio e


correu até a cozinha.

— O que aqueles miseráveis fizeram com você? — Suelen, aflita,


sentiu-se culpada.

— Um ficou pegando em mim. E aquela dona me chamou de


caipira, disse que ela era a mulher do senhor Eduardo e ameaçou me bater.
Ninguém nunca me ameaçou nesta vida, e eu não fiz nada com ela, apenas fui
educada.

— É tudo culpa minha. Se eu tivesse ido, eles não teriam mexido


com você, mas eu não suporto mais o que o Sergio tem feito comigo depois
de tudo que vivemos. Eu pensei que com você pudesse ser diferente, sendo
esposa do Edu.

— Tudo bem, Suelen, eu só não estou acostumada a ser tratada


assim.

— Viu por que eu não quis ir? — Jorge, de posse de uma banana,
falou de boca cheia.

— Você é um covarde, Jorge. Se fosse macho o suficiente não


deixaria isso aqui acontecer.
— Agora o culpado sou eu?

— Eu vou me deitar, minha cabeça começou a doer. — Maria


Fernanda levantou e amarrou os cabelos no alto da cabeça.

Eduardo entrou na cozinha com Viviane. Estavam abraçados de


forma íntima.

— Queridinha, quero suco de morango. — Viviane falou olhando


para Maria Fernanda. Soou como uma ordem.

— Só um instante, senhora. — Suelen se antecipou e foi em direção


à geladeira pegar as frutas.

— Não, você não. Eu quero que ela faça. — ordenou, apontando


para Maria Fernanda.

— Não, senhora, ela é a nova patroa. Eu sou a mucama.

Suelen não gostava de Viviane e jurava que um dia ainda iria


entortar os dentes brancos dela com um soco.

— Ela morava em uma fazenda e deve saber fazer sucos melhores


do que você. Eu quero que ela faça.

Maria Fernanda olhou para Eduardo, e por alguma razão, quis ver a
expressão facial dele.

— Meu suco, querida.

Maria Fernanda continuou esperando Eduardo se manifestar.

— MEU SUCO. ESTOU ESPERANDO! — Viviane gritou.

— Ela é a patroa. Você me ouviu. — Suelen se excedeu, valendo-se


da coragem conquistada com a súbita intimidade com Maria Fernanda.

— Eu faço Suelen. — Maria Fernanda ainda olhava para Eduardo


quando pronunciou a frase.

Ela foi até a geladeira, pegou as frutas e espremeu na centrífuga. O


líquido deu pouco mais de um copo. Terminando, entregou a Viviane.
Eduardo sabia da natureza arrogante e infantil de Viviane e não via
problemas, divertia-se com o jeito egocêntrico da namorada oficial. No
entanto, ele não conseguia tirar o olhar de sua jovem esposa. Odiou-a por ela
ter cedido ao pedido de Viviane. Ele odiava pessoas fracas e medrosas. E de
longe dava para ver a falta de malícia de Maria Fernanda.

Viviane percebeu o olhar de piedade que Eduardo dava para a jovem


e lançou o suco avermelhado no rosto da menina.

O líquido escorreu sobre o vestido branco e espirrou parte em Jorge,


que deu um pulo da cadeira onde estava.

— ESTÁ SEM AÇÚCAR. FAÇA OUTRO, AGORA! — gritou


arrogante.

Só então Maria Fernanda percebeu que estava sendo humilhada.


Ainda era muito nova e não estava acostumada com aquele tipo de situação.
Mesmo sem o amor dos pais, ela cresceu com pessoas que a amavam e nunca
antes havia se sentido tão desprotegida. Depois de olhar para Eduardo e
encontrar indiferença, sentiu as lágrimas descerem.

Eduardo a viu chorando, mas permaneceu com a mão na cintura de


Viviane.
— Suba menina e vá se deitar. Suelen, limpe isso.

— Quero que ela limpe Eduardo. — Viviane exigiu olhando para


Maria Fernanda.

— Eu já estou limpando. — Suelen começou a esfregar o pano no


chão e olhou para a loira, emanando ódio. Idealizou que chegasse o dia em
que ela pudesse arrancar os fios loiros de Viviane um por um.

— Esse homem aqui é meu, filhinha. Antes disso tudo, eu fui


consultada e sei que você é apenas uma negociação. Nem sonhe em chegar
perto do meu homem, coisinha sonsa.

— Vá dormir, menina! — Eduardo falou grosso.

Havia alguns riscos que ele não poderia correr. Um deles era perder
um dos braços. Maria Fernanda, o investimento; Viviane, a influência. Ele
presumia que Viviane era mais fácil de escapar, pois a jovem não
transparecia ter entendimento de mundo. Ficaria de qualquer jeito.

Maria Fernanda abandonou a cozinha e saiu apressada em direção à


escada da sala. Trombou em Sergio no caminho, mas não se importou subiu
as escadas correndo.
***

Logo após Sergio ter ido para casa, Eduardo levou Viviane para o
escritório da casa, pois de agora em diante, Viviane não dormiria em sua
cama até que o quartinho destinado a Maria Fernanda estivesse pronto.

— VOU APERTAR O PESCOÇO DESSA CAIPIRA! — Viviane


entrou berrando de raiva dentro do escritório da casa.
— Viviane, não dê chilique de ciúmes em minha frente. Poupe-me
dessas infantilidades.

— Escuta aqui! — Apontou o dedo no rosto de Eduardo e uma


simples olhada dele a fez abaixar a pose de mandona. — Essa pirralha já
esteve em sua cama?

— Não fale besteira. — Eduardo se jogou no sofá de couro. — Não


sinto tesão em mulheres inocentes. Você sabe do que gosto, Viviane. Ando
totalmente sem paciência para isso.

— Sei, meu gato. — A loira amansou a voz. — Mas vou ficar de


olho para cortar as asas dela antes que queira voar em cima do meu homem.
— Passou o vestido pela cabeça e o jogou longe.

A loira o montou, mas foi jogada com violência sobre o sofá.

— Vire-se! — ele ordenou. Ela o obedeceu de imediato.


***

Quando Eduardo entrou no quarto já era madrugada. Tinha levado


Viviane até sua casa, mas preferiu voltar antes do amanhecer.

Ele mirou a jovem dormindo toda enrolada sobre os edredons no


chão e sorriu lentamente. Apenas a luz do hall de entrada estava ligada, e ele
preferiu não acordá-la, então seguiu para o banheiro, onde retirou toda a
roupa para entrar debaixo do chuveiro.

Ainda sentindo a água lavar seu corpo, visualizou uma grande


quantidade de produtos de beleza ao redor das bordas da banheira. Também
viu um sutiã de algodão com florzinha no chão, ao lado da banheira. Respirou
fundo, puxou a toalha e ajeitou ao redor de sua cintura.

Saiu do banheiro todo molhado e acendeu a luz. Foi então que


avistou seus projetos de planta baixa enrolados no canto da mesa, seus livros
empilhados e seus cadernos organizados simetricamente por cores.

Enfurecido ele puxou o cobertor que cobria de Maria Fernanda e


jogou longe.

— O que está fazendo? — Sonolenta, ela puxou parte do cobertor


que cobria o tapete e quando o percebeu só de toalha, cobriu os olhos.

— Quais foram minhas ordens? Quando foi que eu disse que você
poderia mexer nesse caralho? — Apontou para a escrivaninha. — Meus
projetos de meses estavam ali!

Ele apertou os próprios cabelos e seguiu para conferir o estrago.


Abriu algumas plantas e viu rabiscos de cálculos diferentes.

— Não! Você não teve a coragem...

Abriu outra planta e viu que tinha sido apagado um cálculo


importante. Olhou para os livros que há dias estavam abertos nas páginas
certas para facilitar o estudo e, no entanto, estavam fechados.

— Meus rascunhos... — Ele levantou os cadernos, mas não os


encontrou.

Maria Fernanda estava com o cobertor na altura do nariz e tremia.

Eduardo socou a parede do quarto e se virou para ela com o olhar


fulminante.
— Maldita hora que eu te trouxe para dentro do meu quarto! — Ele
andou de um lado a outro, frente a ela, com os punhos cerrados.

Maria Fernanda, no misto de medo e curiosidade, passou os olhos


pelos músculos definidos de Eduardo. O corpo dele era algo que não passava
despercebido. Lembrou-se dos livros de biologia, em que os desenhos
masculinos eram sempre cheios de músculos definidos. Sempre achou
exagero, pois Giovane — o único homem que convivia com ela — não era
tão definido. Mas a sua frente estava à cópia fiel dos modelos anatômicos
descritos nos livros de estudos.

— Não deveria estar me olhando dessa forma, nenê. Não me


provoque, porque não sou bonzinho. — Ele a tirou de suas observações e se
ajoelhou frente a ela.

— Ahh! — Ela deu um grito fino e cobriu os olhos com o cobertor.


— Você está pelado, saia de perto de mim!

Eduardo fechou o punho furioso e mais uma vez respirou fundo.

— Maldito sacrifício! — Ele se levantou, foi até o bar, abriu uma


garrafa de vodca e virou na boca.

Maria Fernanda passou os braços ao redor dos joelhos. Estava


assustada.

Eduardo bebeu metade do conteúdo e depois de abandonar a garrafa,


olhou-a outra vez.

— Para você nunca mais mexer no que não lhe diz respeito, vai
dormir no chão.
Foi até ela e ouviu outro grito fino. Mais uma vez respirou fundo e
puxou os cobertores que cobriam o tapete do quarto.

— Boa noite, sacrifício. Agradeça-me. Afinal, esse tapete é bastante


confortável para a minha segunda ideia. Ou você prefere dormir sentada no
vaso do banheiro?

Ela não respondeu.

Ele pegou os cobertores e jogou no topo do guarda roupa

— Vai sentir frio durante a noite, então se junte a mim na cama.

Virou de costas e deixou a toalha pelo meio do caminho, dando a ela


uma visão privilegiada do seu traseiro definido.

— Ah! — ela gritou e tampou os olhos com as mãos.

Ele mais uma vez fechou o punho lutando para controlar seu excesso
de fúria ao escutar o zumbido fino no ouvido.

— Essa noite está muito quente. — Ele pegou o controle do ar-


condicionado sobre o criado mudo e ligou o aparelho.

— Me de-devolve meu cobertor, senhor. — Ela colocou o braço


sobre o joelho e abaixou a cabeça.

Eduardo apagou a luz e colocou o controle abaixo do travesseiro.

— Senhor Eduardo, eu não vou mexer outra vez. — Eduardo fechou


os olhos e sorriu. — Senhor, está me ouvindo? Estou com frio.

Maria Fernanda deitou no tapete felpudo e abraçou os próprios


braços, que estavam revestidos pelo tecido de algodão do pijama.
— Então, por favor, o senhor pode desligar o ar?

Percebendo que não seria ouvida, Maria Fernanda calou-se e esperou


que o sono a distraísse do frio.
4

— Bom dia, Antonieta. — Maria Fernanda entrou na cozinha


esfregando os olhos e fungando o nariz. Acabou ficando levemente resfriada.

— Por que acordou tão cedo, menina? Há essa hora ninguém acorda
na casa. Eu fui te ver ontem quando cheguei do supermercado, mas já era
tarde e você estava dormindo, por isso não quis te acordar. Suelen e Jorge me
contaram tudo. Eu não acredito como aquela megera teve a ousadia de
ofender uma Moedeiros.

— Ela é namorada dele e por isso não gosta de mim. — Maria


Fernanda sentou-se à mesa e começou a cortar o bolo que estava na bandeja.

— Você é linda, jovem e esposa. Esse é o medo dela. — Antonieta


tomou a faca e começou a fazer o trabalho que Maria Fernanda já tinha
iniciado. — Não abaixe sua cabeça para ela, tome sua posição.

— Eu apenas fui negociada, não tenho posição nenhuma nessa casa.

— E em um mau negócio, minha filha. Nisso tudo você só saiu


perdendo... Perdoe-me falar assim, mas é bom você ficar logo ciente que o
Edu não é fácil.

— Eu não me importo, eu só quero que ele continue longe de mim


durante os dez anos.
— Céus! Tudo isso? Pelo que parece, essa sua madrinha gostava
muito de você.

— Sim, ela gostava, sempre cuidou de mim como uma filha. —


Maria Fernanda, com toda sua ingenuidade, não entendeu o sarcasmo de
Antonieta.

— Bom dia, Antonieta. — Eduardo entrou na cozinha vestido


apenas com a bermuda do pijama.

— Oi, Eduardo. Acordado tão cedo... O que aconteceu? Sua


consciência pesou e não te deixou dormir?

— Antonieta, como consegue ser bem-humorada tão cedo? — Olhou


para Maria Fernanda.

A jovem, vendo Eduardo quase desnudo, abaixou rapidamente o


olhar para a mesa que estava repleta de doces. Eduardo percebeu que ela
estava constrangida. Ele sorriu e resolveu que poderia piorar sua situação.

— Bom dia, ferinha. — Beijou a parte desnuda do ombro da menina,


coberto apenas pela alça de vestido. Maria Fernanda ficou estática com o
toque. Eduardo decidiu aumentar ainda mais o seu nível de nervosismo, e
então, abaixou-se novamente e beijou o outro ombro da jovem. Só parou
quando ela iniciou uma fraca crise de tosse. — Vai me dar bom dia, ou vai
querer que eu continue te incentivando a abrir a boca? — Mergulhou os
dedos nos cabelos de Maria Fernanda e descobriu a nuca da menina.

— Eduardo, você quer parar com isso? — Antonieta atacou suas


costas com o pano que usava para enxugar a louça.
— Isso dói, Antonieta, você sabia? — Esquivou-se da mulher que o
atacava.

— Eu sei. Se não parar de atormentar a menina, vai doer mais ainda!

— Antonieta, Antonieta... Qualquer dia desses perco a paciência e te


dou o troco.

— Não me ameace porque sei que você não sobreviveria sem mim.
Agora pare de atormentar a Maria Fernanda e vá vestir uma roupa.

— Mas, qual o problema? Eu estou em minha casa, ao lado de minha


esposa. Por que você, que é a cozinheira, se incomoda tanto com isso? —
Começou a acariciar os cabelos de Maria Fernanda. — Estou cometendo
algum crime grave?

— Está. Por deixar a Viviane humilhar a sua mulher. — Antonieta


falou dura, deixando escapar a sua indignação com o ocorrido.

— Isso não é problema seu, minha querida cozinheira, que adora se


meter na minha vida.

Ele ainda estava alisando os cabelos da jovem de forma carinhosa.


Maria Fernanda não entendia o porquê daquele cafuné tão gostoso que
recebia. Eduardo não estava se dando conta de que ainda sua mão se
mantinha mergulhada nos fios. A verdade é que ele, inconscientemente,
estava se viciando naquela maciez longa e castanha.

— Você agora é um homem casado, Eduardo. Não pode estar casado


com uma e vivendo com outra.

— Então, agora vai me dar lição de moral também? Não fique muito
perto dessa mulher, ferinha. Você já é muito arisca, não quero que fique
desaforada. — Olhou para Maria Fernanda e se deu conta do cafuné que fazia
em seus cabelos, e viu que ela parecia gostar de receber.

— Vou me aprontar para trabalhar. — Saiu da cozinha, deixando-a


envergonhada sob o olhar de Antonieta.

— Antonieta, ele tem essa namorada há quanto tempo?

— Há uns três anos. O pai dela é responsável pelas obras públicas da


cidade e o Edu é engenheiro. Parece que tudo gira em torno do interesse.

— Então, acha que ele não gosta dela de verdade?

— Eu não sei. — Antonieta analisou a menina por alguns segundos,


prevendo o que poderia acontecer. — Fique longe dele. Você é muito bonita,
ele não vai demorar a perceber isso.

Suzane, a mãe de Eduardo, entrou pela cozinha batendo o salto do


scarpin no piso liso.

— Antonieta, querida, hoje eu precisei madrugar e mesmo assim


estou atrasadíssima.

Suzane era uma dondoca que havia saído da pobreza para se casar
com um homem rico. Ela havia conhecido Olavo, o pai de Eduardo, quando
saía do salão de beleza em que trabalhava como manicure. Pelo histórico de
vida dela, era uma mulher fiel, característica que balanceava com sua índole
egocêntrica e arrogante. Depois do casamento, ganhou de presente um grande
salão de beleza, onde a maior parte das dondocas da cidade batiam ponto
diariamente.
— Essa aí é a menina? — perguntou, direcionando o olhar a
Antonieta, ignorando a presença de Maria Fernanda.

— Sim, ela é a Maria Fernanda, sua nora.

— Assim tão nova? — Analisou a jovem cuidadosamente por alguns


segundos. — Esse cabelo é seu mesmo? — Balançou o dedo pálido que
destacava a unha vermelha. — É seu? — tornou a perguntar

— Sim, senhora. — Maria Fernanda não tinha respondido, pois


estava o tempo todo observando a roupa e o modo de gesticular incomum de
Suzane. Ela ainda não tinha visto a mulher, pois se restringia a ala dos
empregados.

— Quando quiser cortar, me procure. Tem muita gente procurando


um cabelo igual ao seu lá no salão. A menina olhou para Antonieta, que deu a
volta na mesa e colocou os braços em volta dos ombros dela, em um gesto de
proteção.

— Não volto para o almoço, pois tenho duas noivas para fazer testes
agora pela manhã. — Saiu rebolando os fartos quadris e fazendo um barulho
irritante a cada pisada.

— Fique longe dela também, filha. Aliás, fique longe de todos eles.
Trabalho aqui há anos e sei que não são confiáveis.
***

Maria Fernanda conseguiu novos cobertores no quarto ao lado.


Naquela noite, sua cama improvisada estava mais confortável que a noite
anterior.
Eduardo chegou de madrugada em casa. Depois do trabalho, a
noitada tinha sido longa. Sem paciência e bêbado, jogou-se debaixo do
chuveiro e acabou adormecendo. Já era quase manhã quando ele despertou e
colocou uma calça de moletom.

Deitou em sua cama e observou o rosto de Maria Fernanda, que


estava toda embrulhada no tapete ao lado de sua cama.

Aquela era uma manhã de sábado. Nos finais de semana, Eduardo


costumava acordar depois das nove da manhã. Ele estagiava na maior
empresa de engenharia do país, J.A Engenharia, que prometia ser sua maior
concorrente quando estivesse no topo. Também havia iniciado a pós-
graduação e geralmente estendia as noites até o dia seguinte. Ele seguia uma
filosofia própria: se durante o dia era um homem crescendo para os negócios,
durante as madrugadas se aprimorava para uma vida divertida e prazerosa.

Aquele também era o final de semana de folga da Suelen, que


acabou convencendo Maria Fernanda a passar aqueles dias com ela.

Já estava tudo pronto, só restava comunicar a Eduardo. Maria


Fernanda se viu na obrigação de pedir autorização para dormir fora de casa.
Ela já estava há minutos criando coragem para acordá-lo.

Depois de uma longa respirada e um pedido interno de coragem,


aproximou-se de Eduardo, que estava em posição fetal sobre a sua King Size.

Aguçada por sua curiosidade, chegou mais perto dele e sentiu o


cheiro de banho recém-tomado.

— Senhor Eduardo — chamou baixinho e não obteve sucesso. —


Senhor Eduardo... — Com o indicador, pressionou a bochecha dele, que
acordou devagar e gritou percebendo a jovem de cócoras em sua frente.

— Ai que susto, menina! Quer me matar do coração?

— Eu preciso de sua permissão para dormir fora este final de


semana.

— É o quê? — Ele sentou-se sobre a cama.

— A Suelen me chamou para ficar na casa dela este fim de semana e


eu quero ir.

— Não vai — ele a interrompeu.

— Mas...

— Não vai! — interrompeu mais uma vez.

— Eu estarei de volta domingo à noite.

— Não. Agora me deixe dormir. — Deitou de volta na cama e


cobriu o rosto com o travesseiro.

— Minha bolsa já está arrumada e a Suelen está me esperando lá


embaixo.

— Não quero você andando com a Suelen. Ela é uma mulher fácil e
você, além de inocente, é minha responsabilidade. — Descobriu o rosto sem
paciência.

— Mas eu já sou casada, e madrinha me emancipou, então não sou


mais criança.

Eduardo observou a esperteza na conclusão da menina e pensou se


ela era tão ingênua como pensava. Era linda, não podia negar, mas ainda não
conseguia vê-la como mulher. Talvez, se houvesse um pequeno esforço,
aquilo deixasse de ser um impedimento.

Eduardo sorriu, desceu da cama e começou a ir de encontro a ela,


que dava passadas largas para trás.

— Senhor, o que está fazendo? — Maria Fernanda já estava


encostando-se à parede do quarto.

Eduardo não respondeu nada, apenas continuou analisando seu rosto,


querendo achar algum defeito, mas não obteve sucesso em sua busca.

Ela não conseguia retribuir o olhar. As bochechas estavam


levemente avermelhadas e mirar a porta entreaberta foi a forma que
encontrou para não fazer isso.

— Então, você não é mais criança, não é mesmo? — Segurou a


ponta do seu queixo e a fez encará-lo. Acariciou as mechas do cabelo
castanho. — E é casada comigo. — Encostou os lábios de leve em seu rosto,
que tremia. Não perdeu a chance e aproveitou para inalar o aroma dos cabelos
de Maria Fernanda. — Você não é mais criança, sou seu marido e tenho
alguns direitos sobre você.

— Tudo bem, eu não vou, senhor. Eu só preciso avisar a Suelen. —


Maria Fernanda apertou os olhos, como se aquilo fizesse tudo a sua volta
desaparecer. — Eduardo beijou o outro lado da bochecha dela e afundou os
dedos na ondulação de fios castanhos. — Senhor, eu estava errada. Eu... eu
ainda sou uma criança.
Uma lágrima escapou dos olhos de Maria Fernanda. Não demorou
muito e ela sentiu os lábios de Eduardo se movendo sobre os seus e uma das
mãos dele sustentando sua cintura.

Maria Fernanda estava estática entre a parede e Eduardo não


conseguia mover um músculo sequer. Ele, por sua vez, tentava a todo custo
buscar a língua dela dentro de sua boca, mas Maria Fernanda não reagia. A
menina era nova, certamente apenas ele a teria beijado. Poderia estar sendo
egoísta da parte dele, mas não estava tendo resposta negativa, ou melhor, não
estava tendo resposta alguma, então iria insistir até obter uma reação.

Ela estava assustada, suas pernas não paravam de tremer e Eduardo


insistia um tanto possessivo.

— Não, não, não chora. — Ele respirou próximo a boca dela. — O


que deu em você para chorar de pavor de um beijo como o meu? — Ele
respirou pesado, mas não resistiu aos lábios carnudos a sua frente, então deu
uma leve mordida.

— Céus!

Ele ouviu um grito agudo e se separou rapidamente de Maria


Fernanda, que fitou Suelen na porta do quarto, com os olhos maiores do que
os de costume.

— Desculpe, eu não sabia que... eu não sabia que vocês... que vocês
estavam...

— O que faz em meu quarto, Suelen? — ele falou sem paciência.

— A patroinha demorou e eu vim socorrê-la. Mas, pelo que parece,


ela estava muito bem. — Suelen olhou para Maria Fernanda maliciosamente.
Ela havia chegado no momento exato em que Maria Fernanda fechou os
olhos.

Maria Fernanda ainda sentia as mãos de Eduardo sobre sua cintura e


olhou para o local, evitando olhá-lo nos olhos, que estavam ali tão perto.
Eduardo, vendo aquilo, pareceu ter recobrado o juízo e se afastou por
completo, esfregando os dedos nos cabelos ainda molhados.

— Não vá pela cabeça da Suelen. — Suelen estreitou os olhos


lutando para não falar os desaforos que estavam sempre preparados na ponta
de sua língua. — Pode ir com ela, menina — Olhou para Maria Fernanda e a
viu segurando o choro. — O que está esperando? Vá logo, antes que eu
desista!

— Com licença. — A jovem sussurrou e saiu do quarto, sendo


seguida por Suelen.

Eduardo sentou-se na cama e fitou o cantinho da parede onde,


segundos atrás, estava com Maria Fernanda e sorriu ao lembrar-se da reação
inerte da menina ao ser beijada.

— Onde eu fui me meter? Se você tiver juízo, ficará bem longe de


mim — murmurou para si mesmo e voltou a se envolver nos lençóis de sua
cama.

Maria Fernanda, descendo a escada às pressas, estava sendo


interrogada por Suelen.

— Então, vão ser marido e mulher de verdade?


— Não vamos ser marido e mulher e eu não comecei aquilo.

Ela enxugou os olhos.

— Ele que te beijou! — Suelen gritou, mas logo cobriu a boca e


olhou para os dois lados da sala. — Cuidado com aquele lá, ele é bonitão,
mas não vale nada. Você gostou, não tente me enganar, danadinha.

— Eu não gostei de nada.

— Mas se foi assim, porque não o empurrou e deu um chute no meio


das pernas?

— Ele é forte.

— Estou estranhando isso. Segundo minhas observações, você não


faz muito o tipo daquele lá. Será que ele acordou e descobriu que está caído
de amores pela pequena Maria Fernanda? Hein, hein... — Cutucou a barriga
da jovem, fazendo-a se curvar em um esquivo. — Por que está chorando?
Vergonha por ter gostado do beijo do bonitão cafajeste?

— Como poderia ter gostado de um ogro que me beijou sem


permissão!

— Do ângulo onde eu estava, cheguei a ver uma virada de olho. Não


minta para mim, não minta que eu descubro tudo.

Suelen entrou na cozinha ainda cutucando a cintura de Maria


Fernanda.

— Suelen, pare com isso! — Antonieta a advertiu.

— Antonieta você não sabe, o senhorzinho mulherengo, está caindo


de amores pela nossa pequena patroa de olhos azuis. – Suelen piscou os olhos
várias vezes.

Jorge, que bebia displicente uma generosa xícara de café, expeliu o


líquido para fora e Antonieta colocou a mão no coração e suspirou
extremamente preocupada. Maria Fernanda olhou para Suelen, implorando
sem palavras, para não falar do beijo.

— Não é para tanto, gente, só tirei essa conclusão, pois ele a deixou
sair comigo sem contestar. — Devolveu um olhar cúmplice para a jovem, que
suspirou aliviada.

— Ele deixou? — Jorge limpou a própria camisa suja de café.

— Deixou e eu não sei o que a danadinha precisou fazer para ele


permitir. — Suelen abafou o riso com a mão.

— Suelen, não fique colocando besteira na cabeça da menina. Você


conhece bem quem são esses meninos, já esqueceu o que o Sergio fez com
você?

— Antonieta, por favor, não me lembre de que aquele desgraçado


existe.

— Não, senhorita, é bom você lembrar bastante para nunca mais cair
na mesma cilada, muito menos empurrar a Maria Fernanda para uma.

— Vamos, patroinha? — Suelen não gostava de tocar naquele


assunto que ainda doía, então desviou a conversa. — Antonieta e Jorge, sinto
muito deixar vocês, mas precisamos ir agora, beijinhos. E não escravize a
Carmem, ela já está muito velha e caduca. — Beijou a bochecha de Antonieta
e deu um tapa de leve na cabeça de Jorge, que acabou derramando mais café
em sua blusa.

—Tenha muito cuidado com a Suelen. Não faça nada do que ela lhe
aconselhar. Se ela te mandar fazer algo, faça o contrário, se ela mandar você
entrar em uma rua, procure outro caminho — Jorge, evidentemente
emburrado, ainda limpava a sua camisa.

— Vou deixar para te dar o troco na volta, Jorginho linguarudo. —


Suelen soltou um beijo no ar e saiu carregando Maria Fernanda.
***

Sergio e Eduardo estavam jogados na sala de vídeo da casa


assistindo uma série de TV antes de saírem para uma festa.

— Beijei a menina, Sergio. Fui cair na besteira de dar um susto nela


e olha no que deu.

— Mas foi beijo, tipo beijo?

— Sei lá, Sergio. Beijo é beijo. Ela é inexperiente, não sabe nem
seguir o meu ritmo. Eu não sei nem porque te contei isso.

— Cara, você gostou. — Sergio caiu na risada.

— Você está louco? Voltou a usar aquelas porcarias de novo?

— Que conversa é essa, Edu? Estou sóbrio, não uso nada há meses.
Você é que está gostando de pegar a caipirinha e escondendo o jogo. Tudo
bem, não precisa esconder. Ela não é gostosa, mas é muito linda. Tenho visão
de futuro, cara, e já estou imaginando aqui aquela gracinha dez anos mais
velha.
— Visão de futuro para a carreira você não tem. Mulher é coisa de
momento. Fodas casuais, nada mais que isso. Dez anos à frente serei
respeitado nesta cidade e conhecido como um engenheiro que faz a diferença.
Essa deveria ser a sua visão.

— Se liga só, irmão. Sergio Sampaio e Eduardo Moedeiros,


respeitados e cobiçados por todas. — Sergio sorri deslumbrado. — Penso
nisso sim, cara. Estudamos juntos para isso.

— Eu já sou cobiçado por todas sem precisar ser dono de nada, mas
para você seria um grande avanço. — Eduardo não perdia o jeito de alfinetar
o melhor amigo e seu principal concorrente com as mulheres da cidade. —
Essa menina apareceu na melhor hora, foi o meu primeiro negócio de peso
que deu certo.

Uma pausa foi dada entre a conversa dos amigos de infância


enquanto assistiam. No momento de mais ação, Sergio chamou a atenção de
Eduardo.

— Cara, isso não é contra lei, não?

— Claro que é. Eles são corruptos e a polícia vai chegar aí tocando a


porra toda.

— Estou falando de você ficar pegando a caipira pelos cantos.

— Claro que não. Somos casados, ela é minha por direito.

— Então, vai continuar pegando-a?

— Você sabe que eu gosto de mulher e não de adolescentes com


cheiro de virgindade.
— Então, libera para mim?

— Você acha mesmo que a Suelen não vai contar que você
abandonou ela grávida?

— Você sabe que o filho era de outro, não toque nesse assunto.
Estou querendo saber se estou liberado para ensinar seu bebezinho a falar.

— Por mim, tudo bem. Meu interesse é a empresa, e no contrato se


exigia o casamento por dez anos, mas não se fala nada sobre fidelidade.

— Cara, eu vou investir, depois não queira voltar atrás, pois vou
conquistar aquela gatinha e, se ela me quiser, juro que não olho mais para
rabo de saia nenhum. Quem sabe, ela me faça esquecer o que a Suelen fez
comigo.

Eduardo não deu muito ouvido a fala de Sergio e voltou atenção a


cena de ação da TV.
***

— O Sergio não quis o nosso bebê, patroinha. Não tive saída, estava
muito machucada e com medo, mas me arrependo muito de ter abortado meu
filhinho. Ele falava que ia se casar comigo, que ia me levar para conhecer a
família dele, que ia me tirar do trabalho, mas era tudo mentira. O Sergio não
presta. Ele foi a pior coisa que aconteceu na minha vida. Tirou tudo de mim,
e não me deu nada em troca. Ele falou na minha cara que o filho não era dele.
Eu era virgem, não conheci nenhum homem antes dele. Antes eu havia
implorado para meu pai me deixar trabalhar fora, porque eu tinha sonhos de
conseguir mudar minha vida. Queria sair da máquina de costura e ganhar o
mundo como estilista. Meu pai me avisou tudo. Falou do exemplo para minha
irmãzinha e me fez prometer que não o decepcionaria. Mas quando encontrei
o Sergio, me apaixonei pelo jeito doce e divertido dele. Ele era romântico e
sabia fazer minhas pernas tremerem. Enganei-me com um lobo em pele de
ovelha. Foi ele que mandou a mãe trazer os remédios. Minha cabeça estava a
mil naquele dia. Eu estava frágil e com medo, e só me dei conta quando
começou a hemorragia.

Maria Fernanda chorava ao saber do sofrimento de Suelen. Ela


nunca tinha presenciado a maldade das pessoas e era muito triste saber que
um pai rejeitou seu próprio filho daquela maneira tão cruel. Afinal, ela
mesma nunca tivera um pai presente. Nem sequer o conhecia.

— Era só um bebê indefeso, um bebezinho que nunca fez mal a


ninguém... Ele nem teve chance de conhecer a mãe. — Tentou enxugar os
olhos, mas a informação que tinha recebido era muito forte e não conseguia
secar as lágrimas. Ela vivia longe de todo o perigo, não tinha aprendido a
viver no meio da maldade humana.

— A culpa foi toda minha, eu nunca mais vou me perdoar. Era o


meu filho, eu deveria ter fugido para bem longe com ele, mas não fui. Fiquei
com medo dos meus pais. Eu sou uma criminosa, a minha culpa é a maior de
todas. Sou uma assassina. — Suelen abraçou a barriga com os próprios
braços, lembrando-se do ser indefeso que já esteve ali. — Eu não consigo
deitar a minha cabeça um dia sequer no travesseiro, sem pensar no que
aconteceu. Eu ainda tenho que ver o Sergio sempre na casa. Às vezes, ele
leva outras namoradas e faz tudo para me afrontar, só para jogar na minha
cara que eu não tenho valor para ele. Eu o odeio com todas as minhas forças e
pode passar o tempo que for eu nunca vou perdoar o que ele fez comigo. Da
mesma maneira que não me perdoo por ter ingerido aqueles remédios que ele
mandou a mãe trazer.

Maria Fernanda não sabia o que falar para acalmar Suelen. Sabia que
aquilo tudo era errado, mas tinha aprendido que cada um tem a sua própria
vida, as suas próprias escolhas e medos. Não se colocaria contra Suelen, pois
não estava na sua situação para saber tudo o que passou. Então, sem dizer
uma só palavra, abraçou a mais nova amiga, passando toda cumplicidade e
amizade que duraria para o resto de suas vidas.
5

Era final da tarde de domingo quando Suelen entrou agarrada ao


braço de Maria Fernanda na cozinha da mansão.

— Boa tarde, família! Estamos de volta.

Jorge e Antonieta tomavam um café da tarde e estranharam a


chegada dela antes do horário.

— Já voltaram? O que deu em você, Suelen? Quando foi que você


não chegou aqui de madrugada? Que estranho!

— Querida Antonieta, eu sou uma moça responsável e cumpro com


minhas obrigações. Além disso, a Nanda falou ao patrão que viria hoje à
tarde, então, fiz um pequeno esforço por minha amiga. Vai que ele dá à louca
e a proíbe de sair de casa.

— Sei... — Antonieta parecia incrédula. — Foi tudo bem lá, filha?


— perguntou a Maria Fernanda e permaneceu com a sobrancelha arqueada,
desconfiada da súbita pontualidade de Suelen.

— Foi sim, Antonieta, a família da Su me recebeu muito bem.

— O senhor Edu perguntou por você, patroa. — Jorge falou entre


um gole de café.

— Mas você é um enxerido mesmo, não é, Jorge? — Antonieta


exclamou.

— O que foi? Só falei a verdade. Ele entrou aqui e, disfarçadamente,


perguntou que horas você iria chegar. Acho que estava preocupado. Qual o
problema, Antonieta?

— Você deveria experimentar ficar com sua boca calada, Jorge. Não
fique colocando coisas na cabeça da menina. Você sabe muito bem quem é o
Edu e ele deve ter qualquer outro interesse, menos o de se preocupar com
quem quer que seja.

— Mas, eu só falei a verdade.

— Eu vou tomar um banho, Antonieta, depois vou dormir um pouco.


— Maria Fernanda beijou o rosto da mulher.

A última pessoa que Maria Fernanda queria ver era Eduardo, não
depois dos últimos momentos antes de sair com Suelen.

— Isso. Vá, filha, e leve a Suelen junto.

— Vou mesmo. O domingo ainda não acabou, então permaneço de


folga até o último segundo. Vamos Nanda.

— Mas é atrevida... — reclamou a mais velha.

Suelen saiu da cozinha arrastando Maria Fernanda pelo braço e


soltou um beijo para Antonieta, que apenas sorriu já acostumada com a
jovem.
***

Maria Fernanda estava pegando água na cozinha quando ouviu o


barulho na sala. Curiosa como era, largou o copo sobre a pia e foi observar a
ação.

Eduardo estava tentando subir a escada. Estava evidentemente


bêbado. Ela se segurou e até voltou em direção à cozinha, mas teve medo
dele cair da escada e morrer igual um vilão do último livro que havia lido.
Seria assustador saber que ele havia morrido na sua frente, talvez fosse
acusada, feito uma mocinha do livro.

Quando percebeu, já estava sustentando o peso dele e sentindo seus


braços trêmulos pela força do corpo que era maior que o seu.

Eduardo a olhou por alguns segundos e depois de piscar os olhos três


vezes, tentou firmar seu corpo no chão.

— Está bêbado, senhor?

— Me solte menina.

— Vou te ajudar a subir. Não gosto de bebida.

— Não gosto de sua infantilidade. Vai mudar por isso? — Se soltou


dela e cambaleou pela escada.

Eduardo se desequilibrou no último degrau, mas conseguiu ser ágil


em se segurar no corrimão.

— Vou te deixar no quarto. — Ela passou o braço dele pelo pescoço.


— Não quero levar a culpa de sua morte se você cair daqui e quebrar o
pescoço.

Maria Fernanda o jogou sobre a cama e acabou caindo juntamente


com ele. Eduardo estava tonto, havia misturado bebida quente com fria, mas
estava lúcido ao ponto de sentir seu sangue ferver com o corpo da jovem
sobre o seu.

Ele desceu uma das mãos e apertou a coxa de Maria Fernanda com
firmeza.

— Com licença. — Assustada, ela tentou se levantar — Me solta!

— Esse seu cheiro doce é tentador, menina — Subiu o vestido de


algodão e apertou o bumbum de Maria Fernanda.

— Por favor, só queria ajudar, me solta! — A voz dela saiu trêmula.

Em um gesto rápido, Eduardo a virou, se posicionando sobre ela.


Sua boca invadiu a dela com força. Maria Fernanda tentou se soltar, mas
Eduardo prendeu suas mãos sobre o lençol. Quando ele abandonou a boca e
seguiu em direção ao pescoço, Maria Fernanda puxou o ar para os pulmões
com urgência.

— Por favor, por favor, por favor — ela implorou — Não faça isso.
— Eduardo estancou sobre o pescoço dela, se dando conta do que estava
prestes a fazer.

— Procure outro lugar para dormir essa noite. Não chegue perto de
mim quando eu estiver excitado. A não ser que sente aqui e rebole. — Ele
rolou para o lado ainda zonzo pela mistura de bebidas.

Maria Fernanda levantou assustada, ajeitou o vestido e saiu


rapidamente do quarto. Desceu as escadas correndo e se trancou dentro da
despensa da casa. Sentou no chão e chorou com as mãos ao redor dos joelhos.

Bem cedo, Antonieta forçou a porta em busca de ingredientes para


fazer seus bolos. Maria Fernanda despertou e abriu a porta com o rosto
inchado de choro.

— O que faz aqui, filha? — A negra abraçou-a e a fez caminhar até a


cozinha.

— Ele bebeu e passou a mão no meu corpo.

— Céus! E até onde ele foi? Conte-me tudo.

— Ele me mandou sair do quarto e eu corri.

— Vou mandar o Jorge contratar logo alguém para começar a


reforma do quartinho. É um quarto minúsculo, mas pelo menos estará longe
das mãos do Edu.
***

Mas uma semana de trabalho se iniciou e devido à bebedeira da


noite anterior, Eduardo estava chegando mais uma vez atrasado na empresa.

Ele entrou na J.A Engenharia e deparou-se com Junior — filho de


seu patrão — saindo da sala em que ele dividia com Sergio.

— O que faz em minha sala, Junior?

— O que você faz em minha empresa, Eduardo Moedeiros?

— Aprendendo a ser melhor que o dono. — Eduardo devolveu. —


Não pense você que vai armar algo contra minha carreira só porque você é
um merdinha incompetente que vive frustrado com os próprios erros.

Junior vivia em uma competição desmedida com Eduardo desde a


faculdade. O jovem já tinha tentado prejudicar o oponente muitas vezes, mas
para sua frustração, Eduardo sempre havia sido esperto. Depois que Eduardo
conseguiu ser o melhor estagiário da empresa de seu pai, tudo piorou, pois
Alfredo — o dono — o adotou como um filho nos negócios. O Empresário
passava tudo que sabia para os dois, mas Eduardo sempre se saía melhor.

— Soube que você se casou Eduardo Moedeiros.

— Agora está supondo sandices!

— Eduardo, Eduardo. Não esconda, pois tenho fontes seguras e já


sei de tudo, inclusive o propósito do seu casamento, e fiquei sabendo que
rolou muito dinheiro. Já pensou se meu pai sabe que o protegido dele
comprou uma mulher?

Eduardo fechou o punho, tentando se conter para não perder o


controle dentro da empresa e próximo à sala de seu mestre e patrão.

— Não sou eu que precisa pagar para dormir com uma mulher. Sou
Eduardo Moedeiros e até sua namoradinha já se ofereceu para dormir em
minha cama.

— Desgraçado! Estou doido para conhecer a senhora Moedeiros. —


Junior sorriu possesso de raiva.

— Não se meta na minha vida, Júnior, ou acabo com você!

— Olha se não são os melhores engenheiros dessa empresa, juntos.


—Alfredo, se aproximou dos dois.

— Como vai, senhor Alfredo? Desculpe o atraso, mas tive


problemas pessoais e não consegui ter uma boa noite de sono. Acabei
dormindo demais agora pela manhã.
— Isso está se repetindo com frequência. Não seria melhor rever os
horários e diminuir as noitadas?

— Ele se casou meu pai. — Junior sorriu sarcasticamente e cruzou


os braços.

— Casou? Que novidade é essa, Eduardo?

— Foi um casamento às pressas, senhor Alfredo, não deu tempo de


convidar ninguém. Apaixonamo-nos, ela morava longe e para não ficarmos
distantes, resolvemos nos casar. Fiz isso nas férias. — Tentou se explicar
enquanto praticamente fuzilava Junior com os olhos.

— Então, seus atrasos estão explicados. Por que não pediu mais dias
de férias? Você ainda tem dias na casa.

— Não houve necessidade. Vamos marcar uma viagem em breve.


Ela é do interior. Não gosta muito de sair de casa.

— Você agora é um homem de família, meu filho. Uma boa mulher


pode levantar a carreira de um homem. Assim foi a minha Alice. Cuide bem
dela. Sua mãe vai gostar de saber, Junior. Ela ama essas histórias de amor.

— Depois eu apresento a Maria Fernanda a vocês. Gosto muito da


Dona Alice. Ela é como uma mãe para mim desde que vim trabalhar aqui.

— Agora vamos trabalhar meu jovem. O seu futuro promissor te


espera, e em breve virão os herdeiros. Agora o trabalho precisa ser dobrado.
— Alfredo entrou com Eduardo na sala.

Junior cerrou os punhos, enciumado. Já estava mais do que na hora


de bolar algo grande contra o oponente.
***

Mas tarde, Eduardo estava lidando com as papeladas de um projeto


em sua mesa. Estava furioso com o atraso do amigo que deveria estar com ele
revisando as análises.

— Bom dia, irmão. Cara! Peguei uma gostosa no elevador. Ela é


gêmea, meu irmão. Mas esqueci de pegar o contato. Seria uma minha outra
sua.

— Sabe Sergio, às vezes fico pensando se você vai chegar junto


comigo no topo. — Eduardo não retirou os olhos do projeto. — Porque tudo
o que eu tenho feito é lutar por minha empresa. E para não te deixar para trás
te ofereci a vice-presidência, mas eu penso bastante se sua imbecilidade não
vai atrapalhar meu sucesso.

— Edu... era mulher, cara. Uma gostosa.

— Uma gostosa, seu imbecil! — Eduardo apertou o colarinho da


blusa de Sergio e o empurrou para fora da cadeira — Quantas vezes eu devo
te falar que diversão é lá fora? Quantas vezes você me viu com alguma
mulher no elevador desta empresa?

— A carne é fraca, Edu. Você sabe, estou na merda depois da


Suelen.

— Pensa no trabalho! Esquece-se de mulher, porra e foca no seu


futuro! — Eduardo levantou, colocou a mão na cintura por baixo do terno e
virou de costas tentando se controlar para não socar o amigo. — Você quer
ficar pra trás, porque foi pego em uma câmera comendo uma puta no
elevador! Você sabe muito bem que o senhor Alfredo é ligado nessas coisas
de família. É seu futuro que está em jogo, seu desgraçado.

— Desculpa Edu, você está certo. Só não consegui resistir à morena.


Mas tarde passo no quest office e apago as imagens.

Eduardo voltou a olhar para o amigo.

— Vai, senta aí! — Ajeitou a cadeira para ele — Da próxima vez,


carregue-a para qualquer lugar que não possa ser visto. — Bateu no rosto do
amigo. — O desgraçado do Júnior descobriu que casei e falou para senhor
Alfredo. Agora tenho que ter cuidado para não perder a confiança do velho.

— E como está a bonequinha de porcelana? Ela já aprendeu a


escrever ou ainda está pegando na mão dela?

— Não sinto atração por adolescentes. E ainda não vi necessidade de


seduzi-la. Ela é boba. Vai ficar de qualquer maneira. — Eduardo mexeu em
uma coisa qualquer sobre a mesa.

— Em dez anos aquela gracinha pode virar a tua cabeça cara e a de


qualquer homem.

— Olhos bonitos e cabelos sedosos não alimentam a fome de quem


está dentro das minhas calças. Posso até fodê-la, mas por uma causa maior:
minha empresa. Vamos trabalhar, esse projeto está atrasado por sua culpa.
Pegue os relatórios.
***

Maria Fernanda respirou aliviada, já era noite e não tinha encontrado


com Eduardo. Tentaria fugir ao máximo dele, estava decidida. Passou a vê-lo
com um ogro, vilão de certo livro que havia lido um tempo atrás.
Ela estava na cozinha pegando um pouco de água antes de se deitar
quando foi surpreendida por Sergio em suas costas. Gelou de imediato.

— Olá, mulher do Edu! — sussurrou próximo ao ouvido dela.

— Com licença, senhor. — Tentou se afastar rapidamente.

— Espera, espera, espera... — Ele segurou o braço dela e olhou


fixamente através dos olhos azuis.

— Você é bonita. Como o Edu ainda não descobriu isso?

— Senhor, por favor, me solte. Eu preciso dormir.

— Eu vou soltar, mas você vai me prometer que vai sentar e


conversar comigo. Seu marido é meu amigo desde a infância, vamos estreitar
os laços. Preciso te contar umas coisas sobre o Edu. Quero ser seu amigo,
linda.

— Fique longe de mim! Seu destruidor de corações! Sou casada, não


tente me seduzir, porque não acredito em suas falsas palavras. Seu mau
caráter! — Maria Fernanda teve medo, mas o enfrentou em nome da amiga.
— Eduardo assistia tudo da porta da cozinha e segurava o riso.

— Ei, calma aí! Só estou querendo interagir com você... Que


violência é essa, menina?

— Você vai ficar sozinho e eu espero muito que sua culpa te


atormente todas as noites.

— Não, aí você já está me rogando praga sem saber da situação. Não


sei o que o Edu andou te contando, mas quando usei aquelas porcarias eu
estava na pior. Meu coração estava destruído e...

— Cínico! Queria ter forças para socar sua cara!

— O quê? Menina, estou começando a ficar ofendido.

— Se tentar algo contra mim eu grito! — Ela deu um passo para trás.
Sergio seguiu sua passada.

— Sergio!

A voz firme de Eduardo causou certa displicência no amigo, o


suficiente para Maria Fernanda se soltar e correr para a porta. Eduardo foi
mais rápido e segurou a mão dela antes que ela saísse da cozinha.

— Não vá pela conversa desse idiota.

— Já sei quem é ele. Já sei de tudo. — Ela se abraçou e mirou


Sergio com raiva.

— Qual é, Edu? Vai cortar minha onda mesmo?

— Posso cortar qualquer coisa sua, mas hoje vou deixar você dar
meia volta e encontrar outro lugar para se encostar. — Eduardo ordenou,
ainda segurando a mão de Maria Fernanda.

— Claro, se o casal quer privacidade quem sou eu para negar. —


Sergio levantou as mãos e saiu contrariado.

— Estava com medo dele? — Eduardo tocou com as duas mãos à


base da cintura de Maria Fernanda e olhou em seus olhos, encontrando o
medo evidente. — Fique longe de qualquer homem quando eu não estiver por
perto.
— Também estou com medo do senhor. — Ela tentou desvencilhar
dos braços dele.

— O que está acontecendo aqui! — Jorge entrou na cozinha com seu


pijama verde, repleto de ossinho. O susto lhe deu certa firmeza e coragem.

Ele tinha planos de pegar uma boa porção de alimentos e estocar


para passar a madrugada. Encontrar alguém na cozinha sabotou os seus
planos.

— Volte a dormir, Jorge, o que faz acordado uma hora dessas?

— Vim pegar água, nada mais que isso.

— Pegue sua água e volte.

Maria Fernanda aproveitou a discussão entre Eduardo e o empregado


e correu para o quarto. Porém, Eduardo abandonou Jorge e a seguiu.

Ela entrou rápida e se jogou debaixo da coberta.

Eduardo sorriu irônico e caminhou até a cama improvisada. Maria


Fernanda estava lutando para afastar o pensamento que vinha em sua mente.

Ele se abaixou ao lado dela e puxou o edredom.

— O que está fazendo? Por favor, não faça isso. — Ela se encolheu
sentada.

Eduardo aproximou o rosto e inalou o perfume dos cabelos de Maria


Fernanda, como se aquilo fosse uma droga que ele estivesse em abstinência.
Ainda cheirando seus fios, levantou uma das mãos e desceu a alça da larga
camisola. Maria Fernanda resistiu ao toque e mordeu a mão dele.
— Gata selvagem! — Ele sacudiu a mão. — Então, você gosta de
morder, não é mesmo? Venha aqui! — Puxou-a de vez e usou a força para
controlar o esperneio de Maria Fernanda.

— E agora, o que eu faço com você, ferinha selvagem? — Jogou-a


sobre a cama e prendeu-a debaixo de seu corpo.

— Antoni... — Eduardo apertou os lábios contra os dela e Maria


Fernanda lutou para manter a boca fechada.

— Olhe para mim, menina. — Ele prendia as mãos dela no colchão.

Maria Fernanda moveu o rosto de um lado a outro. Os olhos estavam


fechados. Eduardo sorriu e beijou a ponta do nariz empinado. Conseguiu o
que queria, ela abriu os olhos e as duas imensidões azuis se encontraram.

— Você bebeu outra vez e está querendo se aproveitar de mim. —


Os olhos dela estavam cheios de lágrimas. — Eu não quero e tenho medo de
você.

— E mais o quê? — Eduardo desceu a boca até o queixo dela e


beijou. — O que mais sente quando eu faço isso? — Beijou a testa dela. —
Você é linda, ferinha. Não me acha bonito?

— Te acho um ogro! — Ela olhou para o lado, pois não possuía


forças físicas para sair dali. — O senhor sabe que não é nada meu, então, tira
seu peso de cima de... — Eduardo começou torturar o pescoço dela com
beijos. Eduardo era cheio de artimanhas masculinas e logo a viu se aquietar.

— Melhor assim, não acha?

Maria Fernanda fechou os olhos, estava inquieta e perdida nas


sensações que aqueles beijos trouxeram ao seu corpo.

— Abra a boca e siga seus instintos.

Ela sentiu a respiração de Eduardo tocar a pele de seu rosto, mas


atordoada não obedeceu ao comando. Logo sentiu a ponta da língua dele
entre os seus lábios, instigando-a a obedecê-lo e ela não pestanejou. Rendeu-
se ao comando e sentiu a língua ágil de Eduardo adentrar em sua boca,
atormentando-a com carícias e trazendo chamas de desejo ao seu corpo
inexperiente. Ele não se restringiu aos lábios, beijou toda a extensão de sua
face, fazendo-a arfar ao sentir o atrito sensual de sua barba. Maria Fernanda
gostou daquilo e acariciou os cabelos dele. O que estava acontecendo com
ela? Antes, a ideia da consumação do casamento a apavorava, mas dentro
daquele novo contato, já não sentia tanto medo. Não demorou, ele abandonou
os lábios carnudos de sua mulher e a viu respirar ofegante.

— Isso foi para você saber quem manda aqui. — Levantou-se e a


olhou totalmente mole sobre a cama. — Garotas virgens são tão fáceis de
serem levadas. Basta um beijo e já querem se entregar de corpo e alma.

Maria Fernanda olhou para o volume na calça dele e lembrou-se das


histórias que lia nos romances históricos. Aquilo era sinal de que um homem
estava desejando possuir uma mulher, então por que ele a fez se sentir
humilhada?

— Não, não se iluda comigo, ferinha. — Ele a pegou no flagra. —


Um homem se excita com qualquer coisa. Isso não quer dizer que eu esteja te
desejando. Boa noite, nenê. Pode fechar suas pernas e voltar para sua
caminha.
Caminhou até o banheiro e Maria Fernanda desceu da cama e se
jogou embaixo de suas cobertas. Sentiu-se triste e chorosa, mas não soube
identificar que o sentimento foi pela rejeição.

— Você... você nunca mais tocará em mim. — Ela falou ao enxugar


os olhos com o cobertor.
6

Eduardo entrou na cozinha com a mochila nas costas, pegou uma


fatia do seu bolo de banana e um pouco de café, sob o olhar desconfiado de
Antonieta.

— O que foi agora, mulher? — Percebeu que ela o olhava


atravessado.

— Maria Fernanda precisa ir à escola. É sobre isso que quero te


falar. — Eduardo analisou as palavras de Antonieta e terminou de comer o
seu bolo.

— E mais isso? Ela ainda não terminou os estudos?

— Você já deveria estar ciente disso, não acha?

— Antonieta, eu tenho muito trabalho e não tenho tempo para


besteiras. Mas veja isso para mim. Procure uma boa escola, de preferência
com segurança máxima.

— Estou falando sobre colégio externo, para ela terminar as últimas


matérias. Ela não tem necessidade de entrar em um internato. O que você
quer fazer da vida dessa menina, Edu?

Eduardo respirou fundo. Ele tinha estima pela cozinheira, mas


quando ela ia contra a suas decisões, ele relutava para não a ofender.
— Ela é nova, linda e amável. Não merece ser maltratada por você.

— Nunca maltratei ninguém, Antonieta. Apenas sigo minha vida e


afasto quem interfere contra o meu progresso.

— Pense bem no que vai fazer da vida dessa menina. Eu sei que
você... — A empregada analisou suas palavras, mas às vezes, era preciso
tentar colocar um pouco de lucidez na cabeça do menino que viu crescer. —
Eu sei que você recebeu pouco amor durante sua vida, mas ela merece ser
amada.

— Que conversa é essa mulher? Vá a qualquer colégio e resolva esse


problema. Depois eu passo para acertar os valores. — Levantou da cadeira,
incomodado com o rumo da conversa.

— Eu já acertei tudo. Ela vai para a mesma escola que sua irmã
estudou. Passe lá agora, antes do trabalho e pague a matrícula e as
mensalidades. Vou comprar o uniforme dela e amanhã mesmo ela começa.

— Certo. Se for para eu não ouvir mais essa conversa, vou resolver
logo o problema do meu sacrifício. Fui eu que assumi, não foi?

— Pelos céus. Não a trate assim. Deveria colocar sua vida nos eixos,
agora que é um homem casado.

— Tenha um bom dia de trabalho, Antonieta. Continue fazendo seus


deliciosos bolos, mas não se preocupe com nada além disso.

Ele saiu da cozinha e abandonou a empregada.


***

Suelen avistou Maria Fernanda sentada na grama do jardim e se


aproximou dela.

— Está chorando, Nanda?

A Jovem negou e secou os olhos com as pontas dos dedos.

— O que ele fez?

— Suelen, por que o senhor Eduardo é tão malvado?

— Não sei, mas deve ser coisa de família. Todos eles são ruins. A
Antonieta me falou que a irmã dele é diferente do restante da família, mas eu
não cheguei a conhecê-la. Ela já estava estudando fora do país quando eu vim
trabalhar aqui.

— Ele me beijou na boca ontem, e foi diferente, mas depois me


chamou de virgem fácil. Ele fez isso para me humilhar.

— Miserável! Sim, ele fez. Só não entendo por que o Edu separou
um tempinho para se importar em te humilhar.

— E ontem eu nem mexi nas coisas dele. Eu não sou fácil. Até agora
só beijei um homem na boca. — Maria Fernanda começou soluçar.

— Engole! Engole o choro agora! — Suelen falou autoritária. —


Maria Fernanda tampou a boca, mas não conseguiu conter as lágrimas. —
Não vai chorar na frente dele. Comece a treinar agora. Engole, ou eu te sento
a mão. Aí você vai chorar de verdade.

Maria Fernanda olhou assustada para Suelen e nem percebeu que


seus soluços se acalmaram.

— Que coisa, não é? — Suelen sorriu sem graça. Ela já se sentia tão
íntima de Maria Fernanda que, às vezes, esquecia-se que era apenas uma
funcionária. — O dia hoje foi ensolarado. Eu deveria ter lavado minhas
roupinhas... — continuou rindo sem graça.

— Você tem razão, Su. Mas, acontece que eu era bem tratada desde
que nasci e ainda não me acostumei com minha nova vida ao lado do ogro
malvado.

— Por isso, eu não quero que sofra o que eu já passei. Você não
merece. Eles são bonitos e sabem como seduzir, mas os dois são cobras
criadas. Hoje eu sei me defender e proteger meus sentimentos, mas você
ainda é uma menina, e o senhorzinho cafajeste pode querer se aproveitar
disso.

— Quanto a isso não se preocupe. De certo, ele me odeia por


precisar casar comigo para pegar a parte dele na herança da madrinha. Não
vou ceder aos beijos dele. Não sou virgem fácil e vou mostrar.

— Assim que se fala! Virgem sim, fácil nunca. Não quero ver
lágrimas nesses olhos azuis poderosos. Sigo o mesmo lema. No meu caso,
nem virgem, nem fácil.
***

Naquela noite, Eduardo chegou mais cedo em casa, pois iria estudar.
Estava exagerando nas noitadas por aqueles dias e precisava recuperar o
tempo perdido, afinal, brevemente ele seria dono e não mais estagiário de
uma das maiores empresas de engenharia do país. Maria Fernanda não
esperava que ele chegasse tão cedo, pois desde que ela estava na casa, ele só
aparecia em inícios de madrugada.
Ela estava sentada à beira da banheira, os cabelos presos em um
enorme coque no alto da cabeça e o corpo com vestígios de espumas.

Deslizava uma lâmina depilatória nas pernas esguias. Apesar de


transparecer simplicidade, a jovem gostava de cuidar da beleza desde cedo.
Tinha muitos produtos importados, e a pequena parte do que havia levado
com ela, estavam todos espalhados ao redor da larga banheira.

Quando Eduardo abriu a porta do quarto, logo avistou o clarão vindo


de uma fresta aberta na porta do banheiro. Ele teve noção de que Maria
Fernanda estava lá dentro e por alguma razão não se deteve e seguiu
sorrateiramente para espiá-la.

Engoliu em seco com a visão da jovem nua, que estava sentada de


uma maneira que ele apenas conseguia ver seu perfil.

Ele acompanhou o contorno do corpo delicado de Maria Fernanda e


observou com certo fascínio todo o processo lento que ela fazia. A lâmina
percorria arrastando o excesso de loção, tornando a pele mais sedosa e
limpinha. Os olhos pidões seguiam o mesmo caminho até que o vagaroso
processo fosse finalizado.

Viu-a abandonar a lâmina e pegar um dos cremes que estava ao lado


para em seguida resvalar sobre ambas às pernas. Os olhos de Eduardo
estavam hipnotizados. Sua jovem esposa o seduzia sem saber que tinha
aquele poderoso artifício. Ele sentiu seu corpo impetuoso, e inspirou o ar com
certa urgência quando a viu levantar, dando-lhe uma visão privilegiada do
seu dorso gracioso e bumbum pequeno e redondo.
Ela se abaixou dentro da água e ele temeu ser surpreendido, por isso,
seguiu até sua cama, onde se sentiu sem fôlego.

Os olhos turvos miraram a camada de cobertores sobre o tapete e em


um lapso pensou em sumir com a segunda cama.

Ele apertou os cabelos, indignado com os próprios pensamentos.

Ele ouviu o barulho abrupto de água, correu para fora do quarto e


desceu as escadas com a mochila nas costas.

— Chegou agora e já vai sair? — Antonieta o questionou, quando


ele chegou à cozinha.

— Não vou sair, apenas tive sede e vim beber água.

— Bebeu água antes de subir. — Suelen que estava lavando a louça


o mirou de cima abaixo.

Eduardo não deu importância, apenas sentou à mesa e abraçou a


mochila onde carregava seu Notebook.

— O que vocês querem? Não tem nada para fazer longe daqui? —
questionou depois de alguns segundos sendo observado. — Antonieta, você
pode servir minha torta? Ou prefere ficar admirando qual o lado do meu
perfil é mais másculo?

— Credo! — Suelen virou-se para a pia e seguiu com o que fazia.

— Amanhã certamente faltarão os ingredientes da sua torta. —


Antonieta ameaçou.

Quinze minutos depois, Eduardo largou o prato sobre a mesa e


voltou para o quarto.

Encontrou Maria Fernanda sentada sobre sua cama, nutrindo os


longos fios castanhos com um óleo que era um verdadeiro elixir. Ela deu um
pulo da cama e não quis fitá-lo.

— Pensa em sair para algum lugar essa noite? — Admirou por


alguns instantes o brilho das madeixas, mas segurou firme no braço dela
quando passou rente a ele.

— Para bem longe de você. — Ela evitou olhá-lo. — Seu aperto está
me machucando. — Continuou olhando para o lado oposto a ele.

— Quem está colocando essas tolices em sua cabeça? É a Suelen ou


a Antonieta?

— Eu sou dona de minhas ações.

Eduardo sorriu debochado.

— Não, nenê. Eu mando aqui. — Segurou o queixo dela e a fez


olhá-lo. — Criança bobinha. — Assoprou as palavras a centímetros do rosto
dela e afrouxou a mão que a segurava. — Agora vá! Preciso de minha
privacidade. Volte aqui apenas para dormir.

Maria Fernanda puxou o braço e mesmo sem forças suficientes,


empurrou o peito dele e saiu rápida do quarto.

O cheiro doce e frutal ficou impregnado no ambiente e Eduardo


inalou os acordes femininos, que sentia quando chegava próximo dela com
mais intensidade.
Ele foi até o óleo que tinha ficado sobre sua cama e o encostou
próximo ao nariz. “Então, esse é o óleo responsável pelo brilho e aroma dos
cabelos dela?”

Sentiu-se um idiota em estar com aquela curiosidade boba. Jogou o


óleo sobre a cama montada no tapete e seguiu para o banheiro. Trancou a
porta e arrancou tudo do corpo. Viu as peças íntimas com desenhos de
florzinha penduradas no box e respirou fundo para se controlar, pois aquilo o
irritava. Observou que a banheira estava vazia e não viu sinal de cabelos
largados.

Desligou o chuveiro quente e deixou a água gelada cair em seu


corpo nu. Precisava acalmar seu corpo. Que tipo de desejo era aquele, capaz
de fazê-lo admirar dotes femininos que nunca havia dado importância?
***

Maria Fernanda estava esperando todos da casa irem dormir para


usar o telefone e falar com Giovane na fazenda. Suelen era sua cúmplice na
missão. Giovane tinha o costume de dormir nas altas horas da madrugada,
então valeria o risco.

— Toma, patroinha. — Suelen entregou o telefone. — Está


chamando.

O telefone chamou algumas vezes e quando ela escutou a voz de


Giovane só conseguiu chorar, deixando o rapaz aflito do outro lado da linha.

“— Nandinha é você? Responde-me, sei que é você. O que está


acontecendo, Nandinha? Responde!"
— Sou eu Giovane... você está bem? — respondeu depois de segurar
o choro.

"— Como você está? Por que demorou tanto a ligar? Estou com
muitas saudades de você."

— Me perdoa. Eu também estou com muitas saudades, como está o


padrinho?

Suelen abraçou a amiga.

— "O pai já está dormindo, ele também está com saudades, eles
estão te tratando bem aí?"

— Eu fiz duas amigas, a Suelen e a Antonieta, elas me ajudam


muito.

"— Ele está te tratando bem!"

— Venha me visitar, Giovane, por favor, venha e não demore. Estou


com tantas saudades, eu preciso muito de você aqui. Eu não estou sendo bem
tratada por ele. O Ogro sem coração me odeia.

O telefone foi arrancando das mãos de Maria Fernanda,


abruptamente.

"— Vou te buscar!"

Quem ouviu a frase de Giovane foi Eduardo, e ele estava possesso


de raiva.

— Ela agora é minha mulher! Minha mulher, está entendendo?


Esqueça qualquer esperança que um dia você colocou nessa sua cabeça. Ela é
minha! Se você pisar os pés aqui, eu acabo com você!

Eduardo desligou o aparelho e respirou fundo antes de olhar para as


duas jovens.

— Você estava marcando encontros às escondidas!

— A culpa foi toda minha. — Suelen defendeu a amiga.

— Eu me acerto com você depois, Suelen, vá dormir!

— Vamos, Nanda, dorme comigo hoje. Eu durmo sentada e você


fica com minha cama — Suelen puxou a jovem, mas foi impedida por
Eduardo.

— Ela fica! Eu vou ter uma conversa com minha mulher, não se
meta nos assuntos da casa. Agora vá dormir!

Suelen olhou para Maria Fernanda e encolhida caminhou em direção


à cozinha.

Maria Fernanda tremeu e as lágrimas já tomavam conta de seus


olhos oceânicos. Eduardo analisava a cena de perto, ainda no escuro da sala,
em plena madrugada.

— Você bebeu? — Ela tentou se afastar.

— QUE CARALHO VOCÊ ACHA QUE ESTÁ FAZENDO? —


gritou e Maria Fernanda deu um passo atrás.

— Nanda, você vem agora? — Era Suelen outra vez. Na verdade ela
ainda não tinha saído da sombra da porta e esperava, aflita, a reação de
Eduardo.
— Suelen, vá dormir! Eu já mandei! — Eduardo falou forte o
suficiente para assustá-la. — Isso aqui é conversa minha com minha mulher,
não se meta.

— Não pense você que eu vou permitir...

— VÁ DORMIR, SUELEN! — Eduardo gritou, acuando Suelen. —


Estou perdendo minha paciência e não vou me importar com pedidos de
defesa do Sergio — avisou.

Suelen olhou Maria Fernanda e pediu desculpas apenas com o olhar,


depois saiu em direção à cozinha e entrou para seu quarto. Ficou torcendo
para tudo acabar bem.

Na sala, apenas a luz do abajur iluminava o ambiente. Eduardo


segurava a mão trêmula de sua mulher, lutando para controlar o excesso de
fúria. Se ela estivesse tramando uma fuga, ele precisava agir rápido.

— Venha — falou mais uma vez e puxou-a escada acima. Ela tentou
se soltar, mas foi inútil.
7

Maria Fernanda se soltou de Eduardo e se deitou entre os cobertores


no tapete.

— Você acha mesmo que é prudente desobedecer ao seu marido?


Você agora é uma mulher casada. Esqueça qualquer namorico bobo que teve
antes de mim, ou você acha que me engana com esse papo de irmãos? — Por
alguma razão, ele estava furioso. — Se duvidar, andavam mesmo era
trepando no meio do mato.

— NÃO INVENTE TAL CALÚNIA CONTRA MIM E MEU


IRMÃO! — ela gritou, mas ao final, sua voz saiu trêmula. Estava
inconformada com as palavras de Eduardo.

Ele se abaixou bem próximo e Maria Fernanda caminhou de costas e


se encolheu no canto da parede.

— Não... Grite... Comigo! Porque isso não vai te fazer mais forte, só
vai me irritar e não queira me ver fora do sério, sacrifício!

Ele se aproximou ainda mais dela.

— Então não chegue perto de mim! Seu ogro, nojento! — Ela cuspiu
no rosto dele. Aquela era a primeira vez que Maria Fernanda se irritava
fortemente com algo.
— Isso já foi longe demais! — Ele limpou o rosto com a camisa,
puxou-a pelo braço e jogou sobre a cama. — Hora de amansar a fera! —
Segurou na gola de seu vestido e arrancou todos os botões frontais de uma só
vez.

— Não! — Ela o estapeou — Não vai fazer isso comigo.

— Quieta! — Ele prendeu os pulsos dela no lençol e desceu os olhos


para o sutiã rosa que cobria os seios da jovem. Perdeu tempo demais olhando
a carne redonda acima dos bojos e não percebeu quando Maria Fernanda o
atacou.

— Não vou viver dez anos com você... — Os olhos de Maria


Fernanda estavam turvos de lágrimas.

— Você me mordeu novamente sua selvagem! — Ele tocou o lugar


ferido e em seguida, terminou de rasgar o vestido, deixando-a apenas com as
peças íntimas. — Você vai aprender quem manda aqui, na marra.

— Não mereço ser tratada assim!

Ela se engasgou com o choro e Eduardo freou as duas mãos que


estavam prontas para arrancar seu o sutiã.

Ele sentou ao lado dela.

Maria Fernanda virou de bruços sobre a cama. Seu corpo estava


tremendo para que pudesse levantar, mas sua vontade era correr para longe.
Tinha quebrado a promessa feita horas antes no jardim da casa. Estava
soluçando de tanto chorar ao lado dele.

— Madrinha confiou em você.


Eduardo virou a cabeça para o teto do quarto, pois sentiu vontade de
afagar os cabelos castanhos e pela primeira vez, pedir desculpas a alguém.

Ele não suportava pessoas fracas. Era como lutar sozinho, sem um
concorrente à altura. Gostava de vencer na marra e derramava até a última
gota de suor para conseguir seus resultados. No entanto, sentia-se
extremamente comovido pelo choro de Maria Fernanda.

Seja lá o que estivesse sentindo, cortaria pela raiz. Suspirou


decidido. Jamais se entregaria a sentimentos fracos e autodestrutivos.

Ele já estava com muitos contratos assinados, havia fechado


parcerias e a planta do prédio da empresa já estava sendo desenvolvida.
Jamais perderia seu projeto de vida. O dinheiro da herança de sua tia distante
tinha chegado à hora certa como combustível aos seus sonhos. Se aquele era
o preço a ser pago, ele assumiria. Seduziria a jovem, no intuito de mantê-la
por dez anos em um casamento de fachada. Seria quente na cama, mas
manteria seu coração frio e protegido de possíveis sentimentos. Fora de casa,
ele seria livre para possuir outras mulheres que suprisse o que certamente
Maria Fernanda seria incapaz de satisfazer.

Vendo a jovem arfar no meio dos soluços, ele levantou, pegou as


chaves do carro e bateu a porta do quarto. Precisava se acalmar para colocar o
plano em ação.

— O que aconteceu, Edu? — Perguntou Olavo.

Os pais dele estavam no corredor, saíram do quarto quando ouviram


os gritos.
— O problema que me arranjou começou colocar as asinhas de fora.

— Só não bata nela. Os empregados podem denunciar à polícia e


isso estragaria sua carreira, filho. — A mãe aproximou-se dele e alisou o
rosto tentando acalmá-lo.

— Boa noite, mãe. Volto amanhã cedo. — Ele se afastou e desceu as


escadas. Iria passar a noite longe, acompanhado por algumas mulheres e
regado a bebidas.
***

Maria Fernanda estava próximo ao carro que ficava na


responsabilidade do motorista da família. Ela estava com o uniforme da nova
escola. Aquele seria seu primeiro dia de aula. Suelen estava ao seu lado e já
sabia de todo o ocorrido na noite passada.

— Não quero ficar aqui, Suelen. Você me ajuda a fugir? Por favor,
faça isso por mim.

— Vou ligar para seu amigo da fazenda. Mando ele te encontrar


amanhã depois da escola. Não vou te deixar nas mãos desse troglodita.

— Obrigada. — Maria Fernanda abraçou a amiga. — Um dia vou te


recompensar por ser tão boa comigo.

— Fazer o bem não é troca, mas a recompensa é a consequência.


Não se preocupe com nada. Vou te ajudar, pois somos amigas e não posso
permitir que você sofra nas mãos de um homem seco de sentimentos feito o
patrão.

— Estou mais tranquila. Obrigada mais uma vez.


— Vamos, menina patroa? — Jorge apareceu no jardim com uma
vasilha plástica nas mãos. Dentro estava seu pequeno lanche para a viagem
de vinte minutos.

Maria Fernanda entrou no carro e Jorge deu a partida, mas quando o


carro chegou próximo ao portão, o de Eduardo vinha entrando. Ele parou o
veículo, impedindo a saída do outro. Maria Fernanda fixou o olhar para o
lado oposto, evitando o contato direto. Eduardo a mirou por alguns segundos
e depois de duas buzinadas de Jorge, o patrão saiu do caminho.
***

— Vou precisar seduzir a pirralha, Sergio. Peguei uma ligação dela


para o caipira. Eles estão tramando uma fuga. — Eduardo afrouxou o nó da
gravata e sentou em sua cadeira.

— Se ela for, já era não é?

— Ela não vai. E você vai me ajudar. Comece falando algo que eu
poderia dar de presente a ela.

— Uma joia? Bolsa de marca?

— Pense como se você fosse presentear. Você é todo "frufru", deve


pensar em algo que agrade a pirralha.

— Perfume?

— Ela tem mais perfume que a própria perfumaria — Eduardo falou


sem paciência.

— Um vestido bem sexy?

— Algo para me aproximar.


— Você quer conquistar e não seduzir?

— Sim, conquistar. Eu sei prender uma mulher na cama, mas aquela


lá é diferente, deve ser toda cheia de sentimentalismo bobo.

— Então, compra uma coisa fofa. Mulheres românticas gostam de


coisas fofas.

— Boa, uma coisa fofa seria ideal. — Eduardo apontou a caneta para
o amigo. — Mas o que seria uma coisa fofa?

— Cara, você não quer me deixar conquistar a menina? Isso não vai
funcionar com você, irmão. Você é um cavalo, Edu. Ela pode fugir mais
rápido. Efeito reverso.

— Minha pirralha, minha empresa. Deixo qualquer mulher aos meus


pés, não vai ser diferente com ela. Só preciso de uma aproximação sutil. Vou
comprar algo... fofo. E você, tire o olho dela. Preciso mantê-la em casa por
muito tempo.

— Cara, a menina é virgem, você é muito bruto, vai acabar com ela.
Deixa comigo eu sei fazer isso.

— Volte ao trabalho e não se meta com minha mulher.


***

Maria Fernanda tinha um jeito tímido, mas não se encolhia no seu


mundo. Pela primeira vez em uma escola de verdade, fez amizade com alguns
alunos e, como toda aluna nova de uma escola no meio do ano letivo, foi alvo
dos olhares masculinos. Soube a intenção de cada um que a cumprimentou.

Estava se tornando adulta, não se deixaria levar por cantadas


adolescentes.

— Como é morar em uma fazenda, Fernanda? — Thiago, um


taiwanês que estudava na mesma turma em que ela foi inserida, estava
encantado com a beleza da jovem de sorriso tímido.

— Lá na fazenda é muito bom. Nadar no riacho, comer frutas direto


do pé, respirar o ar puro e acordar com os passarinhos cantando em nossa
janela. — Ela estava com os olhos brilhando e o coração saudoso.

— Você fala com tanta paixão que eu estou quase pedindo uma
fazenda para meus pais de aniversário.

— Ninguém pede uma fazenda de presente, Thiago. É uma área


enorme de terra, algo muito caro para se ganhar assim... — Maria Fernanda
deu uma gargalhada espontânea e o taiwanês ficou ainda mais encantado com
o som da risada.

— Sou filho único e meus pais falaram que eu poderia escolher


qualquer coisa. — Ele não conseguia desviar os olhos puxados de Maria
Fernanda.

Ela se recuperava da risada e percebeu que era observada.

— Seus pais devem ser bastante ricos para te dar um presente desses.

— Meu pai é dono de uma rede de joalherias chamada Império. Ele


abriu duas filiais aqui no Brasil e, desde então, eu moro aqui com minha mãe.
Ele vem todo final de mês.

— E como você fala português tão bem assim?


— Minha mãe é brasileira.

— Então, você é o único herdeiro do império?

— Por enquanto, sou.

— Eu também sou filha única, mas tenho um irmão do coração, o


Giovane, e ele é o meu melhor amigo.

— E um namorado, você tem? — O taiwanês tentou disfarçar a


timidez ao fazer a pergunta, que já estava na ponta de sua língua desde que
colocou os olhos em Maria Fernanda.

A jovem pensou por alguns segundos na melhor resposta. Namorado


ela realmente não tinha, mas também não ia falar que era casada com um
homem que a maltratava. Sentiu vergonha de sua situação.

— Então, você tem?

— Não, não tenho ainda. Sou muito nova para isso, Thiago. —
Olhou para os próprios pés, tentando esconder a vergonha em seu rosto. —
Eu preciso ir agora. O Jorginho já deve estar me esperando lá fora.

— Sim, eu não quero te atrasar. Até amanhã, então. Foi um prazer


conhecer você, Fernanda. — O jovem deu um sorriso de canto a canto que
deixou Maria Fernanda com as bochechas coradas.

— Tchau, Thiago. — Virou-se e sorriu enquanto caminhava até o


carro.
***

Quando Eduardo voltou para casa, já era muito tarde. Tinha


estendido o trabalho, pois precisava dar tudo de si nos últimos projetos que
faria na J.A. Engenharia. Queria sair de lá com as portas abertas e a boa
recomendação do chefe e professor.

Maria Fernanda estava sentada sobre seus cobertores, escovando os


cabelos. Levou um susto quando a porta foi aberta. Eduardo deixou a mochila
sobre o sofá e seguiu direto para o banheiro.

Ela olhou para o vaso de porcelana ao lado. Havia pegado na sala, e


uma pancada dele deixaria Eduardo desacordado. Usaria, se ele a tocasse
novamente.

Dez minutos depois ele saiu do banheiro. Estava de calça moletom,


mas não usava camisa. Maria Fernanda abraçou a escova de cabelo e olhou
disfarçadamente para o vaso ao lado.

— Eu vou comer um sanduíche. Você quer alguma coisa da


cozinha? — Tentou puxar assunto com ela.

Ela deu outra olhada para o vaso e foi naquele momento que
Eduardo visualizou a possível arma.

— Você está bem, gostou da escola?

Ela não respondeu.

— Não vai falar comigo? — Ele cruzou os braços, e ela mirou outra
vez o vaso. — Pode dormir na cama. Eu fico com o tapete — Ela o olhou
atravessado. — Eu vou descer para comer algo e quando voltar, eu vou
querer os cobertores livres. Estou cansado e preciso dormir.

Ele abandonou o quarto e desceu para a cozinha.


— Filho de uma rapariga. — Suelen falou quando ele chegou à
cozinha.

— É o quê?

— Estava cantando uma música da minha terra — Suelen falou


emanando raiva.

— Me dê um copo de leite, vou levar para a Maria Fernanda.

— Não vou deixar você envenená-la, seu “fi da peste”.

— Você já durou demais nesta casa. — Eduardo caminhou até a


empregada. Ele só a mantinha ali, pois o amigo Sergio implorou para que ele
nunca a demitisse. — Você é uma morena muito bonita para não ter cuidado
com a língua, eu já te avisei isso uma vez. — Ficou frente ao rosto dela.

— Foi no dia que eu corri atrás de você com uma peixeira, como
poderia esquecer?

— Foi por isso que o Sergio não te assumiu para a família. Já


imaginou você na casa da mãe dele com uma faca do lado?

— Você e o Sergio são dois merdas. Vão terminar os dias sozinhos,


um abraçando o outro. Só digo uma coisa, isso aí também vai cair. —
Apontou para as calças dele.

— Vá dormir. Deveria agradecer ao babaca do Sergio, por me fazer


te aturar dentro da minha casa e não te jogar agora mesmo na rua. — falou
duro como ele sempre fazia. — Quero você longe da Maria Fernanda. Se eu
sonhar que você anda colocando coisa na cabeça dela, eu te chuto daqui para
casa da porra, está me ouvindo! SAIA DAQUI! — gritou.
Depois de um olhar mortal para o patrão, Suelen seguiu para seu
quarto.

Eduardo se jogou em um dos sofás da sala de vídeo e adormeceu no


meio do filme.
***

— Vamos, Jorginho, já estamos atrasados. — Maria Fernanda puxou


Jorge pela manga do paletó, fazendo algumas gotas do café de sua xícara cair
sobre a mesa.

— Calma, menina, eu preciso me alimentar primeiro. Ou quer que


eu desfaleça de fome ao volante? Minha visão embaça e minhas mãos
tremem se eu não tomar meu café reforçado.

— Você é um guloso, Jorginho. Não está vendo que sua barriga já


está dirigindo o carro sozinho? — Suelen largou a louça que lavava e ajudou
Maria Fernanda a puxar a outra manga do paletó. — Vamos, ande que a
comida do mundo não vai acabar hoje.

— Vai logo, Jorge, a menina está com pressa. Só saia da porta do


colégio quando ela estiver dentro, entendeu? — Antonieta advertiu.

— Mais alguma coisa, patroa? — Jorge, já de pé, limpava os


respingos da roupa.

— Vamos, Jorge — Maria Fernanda chamou mais uma vez. Sua


empolgação era pelo encontro com Giovane depois da aula.

Ela acompanhava Jorge até o carro quando foi puxada pela mão.

Eduardo olhou-a diretamente nos olhos, num momento que pareceu


andar em câmera lenta. Ele viu os cabelos caídos sobre o colo dela
contrastando com a pele branca e os olhos oceânicos. Observou-a piscar três
vezes e nenhuma palavra foi dita. Ele desceu os olhos e observou o uniforme
impecável sobre seu corpo. Foi a primeira vez que a viu de calça Jeans, sem
os vestidos de sempre que a infantilizam. Achou-a mais adulta, linda.

— O que quer? — Puxou o braço e virou para Jorge, que assistia a


tudo.

— Jorge, vá fazer outra coisa, eu vou levá-la. — Eduardo puxou-a


pela mão, pegou a mochila das mãos de Jorge e seguiu em direção ao seu
carro.

— Eu não vou com você! — Ela tentou se soltar, inutilmente. Temia


que seu encontro com Giovane, depois da aula, desse errado.

Eduardo abriu a porta, a fez sentar no banco do passageiro e deu a


volta no carro. Depois fechou a porta e deu a partida.

Maria Fernanda estava virada para o vidro do carro.

— Não precisa dizer para o pessoal da escola que é casada. — Ele


tentou quebrar o gelo.

— Não se preocupe. Eu não me orgulho disso. — As palavras de


Maria Fernanda saíram secas. Ela mantinha o olhar nas casas luxuosas que
ficavam para trás à medida que o veículo ganhava a pista.

— Diga que somos primos. Não estará mentindo, já que por pouco
não somos.

— Eu não vejo qualquer ligação minha com você. — Ela estava


tentando controlar o tremor de seu corpo. Parte pela sensação de ter Eduardo
próximo tentando um diálogo, parte pelo frio do ar condicionado do carro
ligado.

Eduardo a analisou durante o sinal fechado. Sentiu uma vontade


incontrolável de tocar nos cabelos dela que tapava toda a visão de suas
costas.

— Está com frio?

— Não importa!

Eduardo mudou o ar para o aquecedor e voltou a dirigir.

Quando ele estacionou o carro frente à escola, tentou uma nova


aproximação.

— Chegamos. Você quer almoçar fora ho...

Maria Fernanda não esperou Eduardo completar a frase, pois abriu a


porta do carro e entrou pelo grande portão sem olhar para trás.
8

Eduardo estava em uma lojinha que ficava na mesma rua da J. A


Engenharia. Tinha ido em busca de algo que o aproximasse de Maria
Fernanda.

— Você tem certeza que isso é fofo? — Ele arqueou as sobrancelhas


a contragosto. Ele nunca tinha comprado algo parecido para nenhum de seus
casos.

— É o mais fofo que temos. — A vendedora sorridente estava


amarrando uma fita na sacola de papel, dentro estava um urso de pelúcia. —
Eu gostaria de ganhar um desses e, como uma hora dessas não há nada aberto
por aí, é o melhor que temos no momento. Mas já que ela é sua mulher, tenho
lingeries aqui comigo. São originais, vendo por fora. Toda mulher gosta de
presentes fofos e peças íntimas. — A mulher pegou uma bolsa grande e
colocou sobre o balcão. — Também tenho peças fofas.

— De fofo já basta o urso. — Eduardo se lembrou das calcinhas de


florzinha que via em seu banheiro. Odiava tanto as peças infantis quanto vê-
las espalhadas.

— Olha só isso... — A mulher suspendeu uma calcinha minúscula e


balançou frente ao rosto dele.

Eduardo sorriu preguiçoso e abriu a carteira para pegar o pagamento.


Mas antes de escolher o cartão, ele imaginou Maria Fernanda com os cabelos
soltos, olhos brilhantes e o sorriso largo no rosto. No corpo esguio, apenas a
peça minúscula. “O que estava acontecendo com ele para ter aquele tipo de
pensamento?”

— Imagine só, será um presente para os dois.

— Não. Guarda isso. Quanto foi o urso?

— Olhe novamente. — A vendedora segurou a peça na ponta dos


dedos. Ela queria vender e faria de tudo para ganhar o cliente.

Eduardo a olhou atravessado. Aquela era uma boa vendedora, mas


ele conhecia todas as táticas de vendas, e não cairia facilmente.

— Quanto foi o urso, mulher?

— Ela, no meio de sua cama, usando apenas isso e mais nada...

— Você tem algo "P"?

— Sou especialista em peças "P" — Nem era — Tenho muitas aqui


comigo. Um homão desses com uma mulher "P" deve ser uma loucura, hein?
Também vendo produtos para apimentar a relação.

— Acabamos de nos casar e ela é novinha. Seja rápida com isso, por
favor, estou atrasado — falou sério.

— No começo, imaginação é o que não falta, não é mesmo? Acho


que ela vai gostar dessa. — A mulher retirou da caixa um conjunto de
lingerie sexy calesson preta, todo rendado. Eduardo gostou da peça. — Esta é
"P" e fica bastante confortável e sexy no corpo. Leve também uma branca. —
A mulher deu a última cartada para convencê-lo a desembolsar cinco notas de
cem.

Eduardo respirou fundo e bateu a mão sobre o balcão, deixou seu


cartão de débito e puxou a sacola com o urso.

— Passe o cartão, ou eu levo de graça. Tem cinco segundos para


fazer isso.

Para a vendedora o importante não era a grosseria e sim a venda,


então, ela se apressou e sorriu satisfeita com o extra.
***

Jorge estava dirigindo o mais rápido que podia. Sabia que Maria
Fernanda estava ansiosa para encontrar o amigo e torcia para que tudo desse
certo. E também torcia para que Eduardo nunca soubesse o que estava
fazendo.

Maria Fernanda abraçava a mochila no banco do carro, contando os


minutos que a separavam de Giovane. Aqueles dias tinham sido muito
difíceis sem ele por perto.

O carro parou em frente a uma pousada cinco estrelas. Ela desceu


rapidamente e puxou Jorge pelo braço. Entraram pela recepção,
identificaram- se e foram direcionados até os fundos, que nada mais era do
que uma imensidão azul de uma praia praticamente deserta.

Maria Fernanda tirou a sapatilha dos pés, dobrou a barra da calça


jeans e caminhou mais à frente, foi quando viu Giovane sentado em um dos
troncos de árvore na beira da praia. Seu coração acelerou. Ela fez sinal para
Jorge, colocando um dedo sobre os lábios, e ele imediatamente parou. Ela
seguiu sorrateiramente pelas costas de Giovane, que continuava olhando a
imensidão do mar. Chegou de mansinho e colocou as mãos sobre os olhos do
rapaz, que sorriu, sentindo o cheiro já conhecido das mãos da menina.

Giovane a girou para frente e a fez se sentar em seu colo, dando um


abraço bem apertado, mostrando o quanto estava com saudades.

— Assim você quebra meus ossos, Giovane.

— Eu estava com tanta saudade dessas suas implicâncias comigo. —


Ele levantou com ela nos braços e começou a girá-la no ar.

— Eu vou ficar tonta. Coloque-me no chão!

— Você está ainda mais linda. — Ele fez o que ela pediu.

— Para de me elogiar e me fale do padrinho. Como ele está?

— Tentando continuar... Depois que a mãe se foi, ele não sai mais de
casa, anda triste e pensativo. A mãe era a vida daquele homem. Mas, e você,
me conte tudo.

— Quero ir embora com você. Ele é um ogro comigo. Não quero


viver dez anos com ele.

— Vá para casa e arrume suas coisas. — Giovane falou de imediato.

— Posso ir agora mesmo. Eu não preciso de mais nada.

— Está com os documentos, aí?

— Não, mas o Jorge pode ir pegar e trazer até aqui. — Maria


Fernanda enxugou os olhos.
— Jorge? — perguntou Giovane.

— É o motorista da casa, bastante simpático. Jorge, venha até aqui!


— gritou esperançosa com a possibilidade da fuga.

Seu cúmplice desceu a rampa de areia com dificuldades e, depois de


se esborrachar no chão, conseguiu chegar até Maria Fernanda e Giovane.

— Oi. Tudo bom, Senhor? — Giovane apertou a mão do motorista,


que ainda limpava a areia do terno preto.

— Jorginho, você pode, por favor, pegar meus documentos com a


Antonieta e trazer aqui para mim?

— Claro. Mas por que, menina?

— Vou fugir com o Giovane. — Maria Fernanda sorriu


despreocupada.

— Vai o quê?

— O Giovane veio me buscar e eu vou voltar com ele para a


fazenda. — Continuou sorrindo.

— Quer me fazer perder o emprego?

— Senhor, se fizer isso por ela, eu posso recompensá-lo com uma


bela quantia em espécie. — Giovane tentou um acordo.

— Está tentando me subornar, meu jovem?

— Não, nada disso. Apenas vim buscar a minha bonequinha, mas ela
ainda é menor de idade e eu preciso dos documentos dela para viajar.

Jorge levou as mãos até a cabeça e começou a entrar em desespero.


— Bem que eu não queria me meter nisso. Tá vendo, aí!? Por que eu
não ouvi minha mãezinha quando ela me aconselhou? "Filho, não se meta na
vida dos patrões." Mas não... fui logo ser bonzinho e olha só; estão me
fazendo perder meu emprego. Vocês sabem quantos anos eu tenho de carteira
assinada naquela casa? Doze. Doze anos não são doze dias para jogar assim,
no ar, por causa de uma patroinha que quer fugir do marido.

— Jorginho, eu não quero que você perca seu emprego, só preciso


dos documentos.

— E não vai ser só eu que vou perder o emprego, não. A Suelen, a


Antonieta e quem sabe até a Carmem! Coitada, ela nem está envolvida nisso
tudo. A Carmem está velha, ela não vai conseguir emprego em lugar nenhum
se for demitida de lá.

Com tanta lamúria, Giovane se compadeceu de Jorge. Afinal, não


tinha intenção de fazer tanta gente perder o emprego. Seria melhor planejar
tudo antes.

— Vá para casa, arrume tudo o que precisa levar e amanhã eu te


pego na entrada da escola, tudo bem? — Beijou a testa dela.

— Não, Giovane. Eu quero ir agora.

— Vocês dormem no mesmo quarto? — Giovane levantou o queixo


dela para buscar a verdade nos olhos.

— Dormem. — Jorge, que escutava atentamente a conversa, deu a


informação.

— Não! Nunca dormi com ele, apenas dividimos o mesmo quarto.


— Nandinha, escuta... vamos fazer as coisas com cautela. Amanhã
de manhã você vai para bem longe disso tudo e ninguém mais vai tirar você
de mim. Eu prometo. Agora, vá arrumar algumas coisas, que te encontro
amanhã na entrada do colégio.
***

Maria Fernanda chegou a casa e foi correndo falar as novidades para


Antonieta e Suelen. Ambas temeram pela jovem caso Eduardo descobrisse
algo.

— Você tem certeza disso, filha? — A mais velha estava apreensiva.

— Não tem nada que eu queira mais do que isso, Antonieta. Não há
sinal de que teremos uma família. Não quero viver dessa maneira.

— O patrão não vai te perdoar. Eu não quero nem imaginar se ele


ficar sabendo disso. Vai ser pior para mim e para vocês. Ou acha que ele não
vai descontar em nós três aqui? Quem sabe até na Carmem! — Jorge estava
tentando equilibrar o copo de água com açúcar nas mãos.

— Me perdoem vocês todos, mas eu não estou bem aqui. Se


quiserem, posso levar todos para a fazenda comigo.

— Para virar peão? Não, menina, eu não tenho mais idade para isso.
Tenho problemas de coluna e ainda tem a minha mãezinha, que já está idosa
e tem os gatos que ela cuida. Prefiro que não fuja. Por favor, não faça isso,
olha o estado em que eu estou. — Jorge realmente estava tremendo. Seu
maior medo era ficar sem o emprego que ele se gabava de manter a doze
anos.
— JORGE, VOCÊ QUER PARAR?! — gritou Suelen — Nanda, se
é isso que você quer, vá. Fuja e vá ser feliz em outro lugar. E se o Eduardo
me demitir, eu também vou para a fazenda com você.

— Obrigada, Su. Eu preciso de sua ajuda para arrumar a minha


mochila. Não vou poder levar muitas coisas para ele não desconfiar.
***

Já passava da meia noite. Eduardo tinha chegado às oito horas.


Maria Fernanda ficou com Suelen até meia noite, tempo suficiente para ele
pegar no sono.

Ela entrou sorrateiramente no quarto, fechou a porta e acendeu a luz.


Quando virou em direção aos cobertores, deu de cara com Eduardo de braços
cruzados.

— Ahhhh! — gritou e tentou correr, mas ele a agarrou pelo meio da


cintura.

— Quieta! Eu estava te esperando, precisamos conversar.

— Me solta! — Ela esperneou e tentou sair dos braços dele. —


Socorro! Me larga! — Balançou as pernas no ar, na tentativa de escapar.

— Para de escândalo, menina! Ninguém precisa saber o que está


acontecendo aqui dentro. — Eduardo a jogou na cama e subiu sobre ela.

— Por favor, por favor, por favor, me solta. — Ela apertou os olhos.

— Só me implore se for para eu te fod... amar com mais intensidade.


— falou cinicamente e beijou o seu pescoço. Antes dos lábios de Eduardo
explorar a pele em um segundo beijo, ele sentiu os dentes de Maria Fernanda
cravados em seus ombros.

Ela conseguiu se soltar e correu para pegar o vaso de porcelana.


Segurou o objeto frente ao corpo e o ameaçou.

Eduardo sorriu debochado.

— Não se aproxime de mim. — Ela segurava o vaso como se fosse


uma espada. — Fique aí, eu não estou brincando.

— Eu estou começando a gostar de suas mordidas, ferinha. Quero


ver suas garras em minhas costas.

Ele levantou da cama e caminhou na direção dela. Maria Fernanda


deu passadas para trás e encostou-se à parede do quarto.

— Não venha. Eu vou cometer um crime. Eu juro que não quero ir


para a cadeia, mas se você chegar perto de mim, será um ogro morto.

Ele sorriu apenas com os olhos e Maria Fernanda se perdeu por


alguns segundos dentro daquele trejeito do marido.

— Quero outra mordida, mas agora vou escolher o lugar.

Parou muito próximo a ela. Foi inevitável, e Maria Fernanda desviou


os olhos para os músculos expostos do marido, especificamente nos
gominhos do abdômen.

— Gosta do que vê? — Ele tomou o vaso das mãos dela. — Pode
olhar e até tocar se quiser. — Deu outro passo e roçou os lábios nos dela. —
Eu sou todo seu, ferinha.

Maria Fernanda estremeceu em um arrepio e Eduardo percebeu


aquilo.

— Senhor, Eduardo... não fique tão perto de mim.

— Você é linda. — Ele tocou os cabelos dela, que estavam frente ao


rosto, e em seguida beijou a bochecha esquerda. — Pele macia. — Beijou o
outro lado de sua face— Cheirosa... — Beijou-a nos lábios, mas Maria
Fernanda cerrou a boca e virou o rosto. — Vamos dormir. — Segurou sua
mão — De hoje em diante você dorme ao meu lado. — Puxou-a na direção
da cama, onde a jogou.

— Não vou dormir com o senhor! — Ela tentou escapar, mas ele a
abraçou e colocou uma perna sobre ela.

— Boa noite, Ferinha. — Ele fechou os olhos e esfregou o nariz em


seus cabelos.

Maria Fernanda continuou se esperneando, mas logo percebeu que


não sairia dali, até que ele estivesse adormecido.
9

Naquela manhã, Eduardo levantou mais tarde do que o costume.


Percebeu que estava sozinho na cama, olhou o horário e correu para o banho.
Não deu tempo de tomar o café, então passou direto para a garagem e seguiu
para a J.A Engenharia. Maria Fernanda já estava no carro com Jorge, pois
tinha levantado bem cedo e preparado tudo para a fuga. Antonieta não
concordava com o plano, mas torcia para que ela fosse feliz, então lhe deu
um longo abraço e prometeu uma visita à fazenda nas próximas férias.

— O que vai ser de mim de agora em diante? — Jorge estava


descontrolado ao volante. Já tinha furado um sinal e quase causado um
acidente no trânsito.

— Me desculpe Jorginho, mas eu não posso ficar... você não tem


culpa de nada e o seu patrão vai entender isso.

— Não vai, não. Uma vida... foi uma vida me dedicando àquele
trabalho e olha só agora...

— Eu não posso ficar... eu, eu vou sentir sua falta e das meninas,
mas não posso mais ficar lá.

Jorge parou o carro em frente ao colégio e viu Giovane também


parado em um táxi. Então iniciou uma crise de choro carregado de
chantagem.
— Por favor, menina, ainda dá tempo, desista disso.

—Tchau, Jorginho, vou sentir sua falta. — Ela apenas o beijou nas
bochechas roliças e distanciou-se do carro.

— Se cuida, menina patroa, e talvez eu aceite aquele emprego de


peão que me ofereceu. Você deixou o endereço com a Antonieta?

— Sim, e será um prazer ter você conosco na fazenda.

— Posso levar a minha mãezinha e os gatos dela?

— Serão todos bem recebidos pelo padrinho. Eu vou indo porque o


Giovane já está ali. É melhor você ir também.

—Tchau, menina.

Maria Fernanda apressou os passos até Giovane e foi recebida com


um abraço caloroso.

— Por que demorou tanto? Eu já estava pensando que desistiria.

— Isso é tudo o que mais quero Giovane. Eu não quero viver


naquela casa nem uma noite a mais. — Giovane beijou-a no rosto e a abraçou
mais uma vez.

Maria Fernanda sentiu um solavanco forte no braço e só se deu conta


do que estava acontecendo quando viu Giovane no chão, golpeado por um
soco de Eduardo.

— Você estava me enganando esse tempo todo, menina? — ele


gritou, apertando o braço de Maria Fernanda. — Se encontrando com outro
homem pelas minhas costas!
Giovane levantou e revidou o soco em Eduardo. Ela abraçou
Giovane pela cintura em uma tentativa de conter a fúria do rapaz.

— Ela é minha mulher. Minha! Só minha! E venha cá. Vamos voltar


para casa. — Puxou o braço da jovem novamente e Giovane mais uma vez
foi para cima.

— Não, Giovane! Não se machuque por mim.

— Por você eu até morreria, Nandinha. Não se preocupe comigo.


Agora, venha. — Giovane também a puxou.

— Eu vou com ele, vou voltar para fazenda, eu não quero mais viver
na sua casa. — Ela quase implorou, olhando para Eduardo.

— Mas é o quê? Então, estava tramando uma fuga! Ia fugir de mim?


Depois de tudo... — Eduardo parou por alguns minutos tentando recompor-se
da raiva que estava sentindo. Não perderia seu projeto. — Você pode estar
esperando um filho meu agora. Você acha mesmo que eu te deixaria ir
carregando o meu filho? — Jogou de propósito.

— Como você pôde, seu pervertido? Ela é só uma menina! —


Giovane socou novamente o rosto de Eduardo que dessa vez conseguiu se
esquivar.

— Minha mulher. Ela é minha mulher, só minha.

Maria Fernanda chorava, sabendo que seu plano de fuga não daria
certo. Para Giovane era muito difícil assimilar que seu grande amor agora
pertencia a outro homem.

— Nandinha, olhe para mim... isso é verdade?


— Não. Não estou esperando um bebê.

— Mulher, entre no meu carro e vamos conversar longe daqui. —


Eduardo pensou na empresa, precisava conter aquela situação e afastar
Giovane. — Como você faz uma coisa dessas, depois da noite que tivemos?
Venha comigo, vou te perdoar e passar uma borracha sobre isso.

— Giovane, me leva? — pediu desesperada.

Giovane, apesar do baque interno, não suportava vê-la chorando.


Doía demais nele, então a abraçou e ouviu-a soluçar ainda em seus braços.

— Só dormimos juntos, mas não estou com um bebê. Eu não queria


dormir na cama dele. Eu juro.

— Ele te forçou, machucou ou qualquer coisa do tipo? Fale-me.

— Como poderia machucar a mulher que eu amo? Vamos para casa,


Maria Fernanda. Vamos conversar. Vou te entender e perdoar. — Eduardo
tentou pegar na mão dela, mas Maria Fernanda se esquivou.

— Me leve, por favor, Giovane!

— Ele já levantou a mão para você?

Ela negou com o rosto.

— Mas me machuca com palavras e arrancou minha roupa.

— Seu miserável! — Giovane socou novamente o rosto de Eduardo,


que não revidou. Ele precisava segurar a raiva para virar aquele jogo.

— Foi um jogo íntimo. Você não precisa falar nossas intimidades,


Maria Fernanda. Mas já que começou, por que não fala que adora me morder
quando fazemos amor, e que ontem mesmo me mordeu a noite inteira?

Maria Fernanda negou com cabeça, pois os soluços a impediram de


falar.

— Não tem problema, Nadinha. Não se envergonhe. É a sua vida.


Você está com medo do casamento, mas vai acabar se acostumando. Você
tem uma família agora.

Giovane, apesar de estar com a jovem em seus braços, sentiu seu


orgulho ferido pelas últimas palavras ditas por Eduardo. A seu ver, o casal já
estava se acertando, só precisava de ajustes. Pensou por um momento que
não tinha mais nada a fazer ali.

— Espero que tenham aproveitado o suficiente para matar a saudade,


cunhado. Agora vamos mulher, precisamos conversar. Não sei em que posso
estar errando, mas vou tentar melhorar pelo nosso casamento.

— Vá com ele, Nandinha. — As palavras saíram com dificuldade da


boca de Giovane e acabaram pegando Maria Fernanda desprevenida. A
decepção tomou conta dos olhos dela.

— Não... vai me levar?

— Tem uma vida aqui, Nadinha. Ele já te obrigou quando não


queria?

— Não, mas ele não me deixa voltar para a fazenda. Ele não é um
bom marido.

— Maria Fernanda, não sou bom o bastante, mas estou tentando


melhorar por você, não faça isso comigo. — Eduardo continuou em seu
desesperado jogo.

— Por favor, me permita ir? — Ela olhou para Eduardo, em seguida


para Giovane.

— Me leva, Giovane.

— Vamos resolver isso em casa, mulher.

— Vá com o seu marido. Eu também preciso cuidar da minha vida e


já estou atrasado alguns anos para isso.

— Giovane, por favor! — Ela abraçou o jovem em desespero, mas


ele não reagiu, apenas beijou sua testa afastou-se e entrou no táxi, sem olhar
para trás.

Ela permaneceu no mesmo lugar, chorando, abraçando o próprio


corpo. Seu coração estava esmigalhado ao ver Giovane partindo.

— Não deveria me fazer de otário, menina!

Ela se virou para Eduardo, furiosa.

— Nunca mais chegue perto de mim! Seu monstro, interesseiro! Está


fazendo isso pela sua empresa! Não pense que eu sou tola de acreditar que
me vê como sua mulher!

— Me enganei muito com você, sacrifício. Sou um idiota por


acreditar em um rostinho angelical. Não serei tão complacente com você,
querida esposa. Estou nessa por minha empresa, sim. Preciso que fique pela
empresa que a tia me deixou — falou amargo. — Inocente... de inocente você
não tem nada! — Puxou-a e a jogou no banco de trás do carro.
***

Eduardo entrou em seu quarto puxando Maria Fernanda pelo braço,


jogou-a sobre a cama e trancou a porta por fora.

— ANTONIETA. — Entrou gritando na cozinha

— O que foi Eduardo?

— Não finja que não sabe de nada! Todo mundo aqui agiu pelas
minhas costas. Onde está o Jorge?

— Ele passou mal e teve que pegar um dia de atestado médico.

— Ele está fugindo. Aquele safado! Quando chegar aqui vai para o
olho da rua! Até você, Antonieta, até você está contra mim! Todos aqui estão.
— Eduardo estava irado.

— Eduardo acalme-se, você não gosta dessa menina. Para quê


prendê-la nesta casa?

— Então... você teve mesmo a coragem de me apunhalar pelas


costas, Antonieta? Eu não estou nem aí para essa pirralha. Mas acontece que,
se ela me largar, fica com tudo que já está sendo feito. Nunca vou deixá-la ir.

— Onde está Maria Fernanda, Eduardo?

— Presa no quarto. Ficará lá até se arrepender do que ia fazer.

— Eduardo, ela é só uma menina. Você não pode tratá-la como


adulta.

— Estou cansado disso! Ela quase fugiu com outro homem, é isso
que as meninas fazem? De agora em diante, não quero ninguém se
intrometendo nos meus assuntos. Está me ouvindo, Antonieta? — Apontou o
dedo no rosto da negra.

— Como quiser Eduardo, mas saiba que não vou deixá-lo maltratar
essa menina.

— Vá cuidar da comida, que dos meus negócios, cuido eu. — Saiu


da cozinha pela porta dos fundos e voltou para o carro.

— Burro! Burro! Burro!

Socou o volante com brutalidade ao se lembrar de que voltou da


empresa para entregar o presente de Maria Fernanda na porta do colégio.
Planejou mostrar para todos que estavam casados e assim se aproximar da
jovem, que certamente seria elogiada pelas colegas de classe. Afinal, ele era
um homão de dar inveja. Um tolo vaidoso.
***

A jovem passou o dia todo dentro do quarto. Não sentiu fome,


apesar do vazio em seu estômago. A maneira com que Giovane havia falado
com ela era o que mais a fazia chorar, e estava arrasada.

Suelen abriu a porta com um grampo de cabelo e Antonieta insistiu


em alimentá-la, mas não obteve sucesso.

— Você precisa ser muito forte, minha filha. A vida aqui nesta casa
não vai ser muito fácil para você. Precisa se alimentar. — Antonieta estava
enxugando os cabelos de Maria Fernanda com uma toalha, pois depois de
muito insistir, a jovem tinha levantado da cama para o banho.

— Giovane não quis me levar. Ele prometeu que cuidaria de mim...


eu nunca mais vou perdoá-lo.

— Não fale isso, filha, ele só não quis se meter em seu casamento.
Você tem que entender o lado dele.

— Eu nunca quis isso aqui, ele sabe disso. É um mentiroso,


prometeu algo para a madrinha e não cumpriu. E ainda acreditou no senhor
Eduardo.

— Se acalme filha, você está com a cabeça quente. Depois você vai
perdoar o seu irmão e vai entender o lado dele.

— Odeio o senhor Eduardo.

— Minha filha — Antonieta segurou sua mão —, quero que confie


em mim. Conheço esse menino há um bom tempo, sei da natureza dele.
Eduardo não estava pronto para entrar em um casamento... Ele alguma vez
exigiu algo que você não queria? Vou sempre te perguntar isso e quero que
me responda.

— Nunca tive nada com ele. Mentiu e o Giovane acreditou. Os


homens acreditam uns nos outros. Ele anda com outra mulher, mas não me
deixa sair para não perder o dinheiro. Não posso ter um bebê dele, preciso ter
cuidado e nunca me deixar levar pelos beijos. Pois toda vez que ele me beija
devagar eu sinto vontades. — Olhou para Antonieta. — Você acha que ele
faria igual ao amigo dele fez com a Su?

— Não, minha querida, ele não faria isso, pois o Eduardo sabe muito
bem o que faz, e um filho não é o que ele quer. Melhor você ir dormir agora,
amanhã terá aula logo cedo.
***

Era dez da noite quando Eduardo chegou com Viviane.

— Edu, eu estava esperando você chegar. — falou Antonieta.

— Veja como ela está. — Eduardo retirou a chave do bolso e jogou


para Antonieta.

— Ela não está nada bem, Edu. Melhor você ir vê-la e pedir
desculpas. — Antonieta fuzilou Viviane com o olhar. Nunca havia tido
simpatia pela loira esnobe e, sabendo que Eduardo continuava com ela e
casado com Maria Fernanda — por quem ela tinha um carinho gratuito — só
fazia aumentar sua antipatia.

— Antonieta, eu tenho coisa melhor para fazer agora. Vá lá e cuide


dela.

— Mas, Edu, a menina passou o dia todo sem comer nada dentro
daquele quarto, só chorando.

— Então vá e cuide dela. Vou ficar ocupado agora com a Viviane.

Viviane olhou maliciosamente para Eduardo, que retribuiu o olhar, e


então foram para o escritório da casa. Antonieta se indignou e seguiu para seu
quarto, pois Maria Fernanda já estava dormindo. Depois da meia noite, Maria
Fernanda não conseguiu dormir, pois a agonia do estômago vazio estava a
incomodando. Ela respirou aliviada por Eduardo não estar dormindo na
cama.

A jovem desceu a escada e seguiu em direção à cozinha. Encontrou


Viviane e Eduardo aos beijos, encostados no balcão. Eduardo estava de calça
e sem camisa, Viviane apenas de calcinha e sutiã.

Ela foi até a geladeira e abriu para pegar algum alimento. Não deu
importância a presença dos dois, mas Eduardo e Viviane encerraram o beijo e
ainda grudados observaram os movimentos dela.

Maria Fernanda colocou leite em um copo e tomou de uma só vez,


depois bebeu água. Apagou a luz que estava acesa e voltou para o quarto.

— A caipira é sonâmbula? — A loira perguntou ainda no escuro.

— Vivi, vou te levar para casa. Vá vestir a roupa.

— Ah, não. Só mais um pouquinho. Nem aproveitei direito, eu sei


que você não está satisfeito. Podemos dormir na sala de vídeo ou no
escritório. Tem o quarto da Luíza...

— Não vou te levar para o quarto de minha irmã, Viviane. Vá vestir


a roupa. Eu vou jogar uma água no corpo e já desço.

Eduardo subiu as escadas quase correndo. Abriu a porta do quarto e


ouviu o barulho no banheiro, aproximou-se da porta e correu assim que viu
Maria Fernanda sentada no chão. Ela havia vomitado no vaso sanitário.

— O que aconteceu? — Ajoelhou-se ao seu lado — Menina, você


está pálida. O que aconteceu? — Segurou-lhe o rosto, afastou seus cabelos e
sentiu a pele gelada.

Ela estava com o corpo mole, mas debruçou-se outra vez no vaso e
iniciou outra crise de vômito.
10

— Maria Fernanda, o que aconteceu?

Eduardo segurou seus cabelos. Ela ainda estava debruçada no vaso


sanitário, vomitando.

— O que você está sentindo?

— Eu quero sair daqui... — Ela virou as costas para ele e colocou a


cabeça sobre os joelhos e engasgou-se no próprio choro.

— Levanta desse chão frio, menina. — Ele tentou, mas ela recusou a
ajuda.

Apoiou-se no chão e pegou impulso para levantar, mas estava fraca.


Foi um longo período sem ingerir nenhum alimento e a cena que tinha
acabado de presenciar causou-lhe ânsia.

Eduardo a apoiou e sustentou de pé.

— Me deixe. — Ela puxou o braço e seguiu até a pia, onde lavou o


rosto e a boca.

— Quer que eu pegue alguma coisa pra você? Está com dor no
estômago?

Maria Fernanda voltou para o quarto e deitou-se em meio aos


cobertores, então curvou o corpo, abraçando o abdômen com os braços.
Eduardo olhou a jovem abatida, com evidências de dor abdominal e
esticou o pescoço para olhá-la, mas Maria Fernanda se contorceu sobre os
cobertores.

— Menina, me fale o que está acontecendo. Eu já te perguntei três


vezes, não sou tão paciente, então, se quiser minha ajuda, fale agora ou eu
vou te deixar sozinha.

Maria Fernanda gemeu de dor e enterrou a cabeça no travesseiro.

Eduardo apertou as mãos nos cabelos, levantou e andou de um lado a


outro no quarto.

— É a última vez que eu te pergunto. Fale o que está sentindo ou...


ou eu te deixo aqui sozinha, eu não estou brincando.

Ela se encolheu e continuou gemendo de dor.

— Eu... eu vou chamar a Antonieta.

Ele desceu as escadas correndo, passou direto por Viviane e foi em


direção ao corredor dos empregados.

— ANTONIETA! ANTONIETA! — gritou na porta do quarto da


cozinheira — ANTONIETA!

— O que foi? O mundo está acabando? — A mulher abriu a porta.


Estava de touca no cabelo e camisola até os pés.

— A menina está doente. Preciso que você faça alguma coisa. Ela
não quer falar comigo.

Antonieta saiu correndo em direção as escadas.


— O que a sonsa da caipira aprontou? — Viviane passou a mão no
peito nu de Eduardo.

Eduardo olhou para a loira, foi até a porta do quarto de Jorge e


invadiu. O motorista deu um pulo da cama e acabou tropeçando nos chinelos,
por pouco não se arrebentou no chão.

— Leve a Viviane para casa, Jorge.

— Mas já amanheceu? Que horas são? — O motorista ainda


sonolento sentou na cama.

— Pegue as chaves do carro e vá levá-la. — Eduardo puxou o


homem da cama. — Levante daí e vá trabalhar que eu estou mandando!

— Estou de pijama, senhor. Ainda não fiz a primeira refeição.

— Quem se importa? Pegue as chaves. Viviane, o Jorge vai te levar.


A menina passou mal. Vou ficar, caso precise levá-la ao médico.

— Eu não vou. Estou tentando entender o que está acontecendo aqui,


Eduardo! — Viviane se alterou. Você está de casinho com essa fedelha?

Eduardo odiava quando alguém tentava se opor às suas ordens.

— A menina é minha responsabilidade. Agora, vá — Empurrou


Viviane para fora do quarto e puxou Jorge pela blusa do pijama.

— Eduardo, eu não vou a lugar nenhum com o Jorge, eu exijo que


você me leve.

— Amanhã a gente conversa, Viviane. — Continuou carregando a


mulher. Jorge corria para acompanhar seus passos.
— Ela está jogando para querer sua atenção e está conseguindo. Eu
vou dá um jeito nessa caipira.

— Até amanhã, Viviane. — Eduardo colocou a mulher para fora,


empurrou Jorge e fechou a porta.

— O que você aprontou com ela? — Suelen apareceu na sala com os


cabelos para o alto.

— Não se meta nos meus assuntos. Volte para seu quarto e deixe de
se meter nos assuntos dos patrões.

Ele passou a frente de Suelen e subiu as escadas.

— E aí, Antonieta?

— Foi o estômago vazio. Eu tenho certeza disso, Eduardo. Vou


descer, pegar um remédio e trazer sopa para ela. Eu espero muito que você
repense o que anda fazendo com a vida dela. — Antonieta saiu do quarto.

Eduardo se aproximou e sentou no chão ao lado da jovem. Estendeu


a mão e retirou os cabelos que cobriam o rosto molhado. Maria Fernanda se
assustou e afastou o corpo.

— Deite-se na cama, é mais confortável para você, menina — falou


sem olhar em seu rosto.

— Você está fedendo àquela mulher. Saia de perto de mim. — A


voz dela saiu arrastada.

— Não me dê ordens! — Ele apontou o dedo próximo ao rosto dela.

— Saia! Saia daqui e me deixe em paz!


Eduardo apertou os punhos, levantou, caminhou até o banheiro e
bateu a porta com brutalidade.

Dentro do banheiro, ele tirou a roupa do corpo com certa violência e


jogou com força sobre os cremes de Maria Fernanda.

— O que essa pirralha pensa... Quem ela pensa que é para tentar
mandar em mim? Minha casa, minhas ordens! Eu vou mostrar para ela quem
manda.

Ligou o chuveiro e se ensaboou.

— Estou tomando banho porque eu quero. Ninguém manda em mim.


Uma pirralha querendo dar ordens a Eduardo Moedeiros. Está para nascer
uma mulher que mande em mim e faça mudar meus pensamentos —
continuou resmungando e ensaboando o corpo por inteiro.

Quando terminou o banho, pegou um de seus perfumes e deu uma


borrifada no pescoço. Saiu do banheiro vestido em uma camiseta cinza e um
short moletom.

Maria Fernanda estava sentada na cama tomando sopa. Antonieta


estava ao lado dela.

— Vou dormir. Amanhã venho pegar a bandeja. Depois da sopa


tome o remédio, filha. Boa noite, Eduardo. — Antonieta o olhou seriamente e
passou direto para fora do quarto.

Maria Fernanda descansou a colher dentro do prato.

— Continue comendo! Não quero ninguém morrendo ao meu lado.


Coma! Coma tudo.
Ele deitou na cama e virou as costas para ela.

Maria Fernanda voltou a comer o alimento e algumas lágrimas


caíram de seus olhos. Ela estava mais sensível que o normal, pois tinha
entrado no período menstrual.

Eduardo estava ouvindo-a fungar o nariz. Ele tinha uma das mãos
abaixo do travesseiro e os olhos abertos. Às vezes olhava sobre o ombro e a
via comento e secando os olhos.

Ele foi atingido pelo peso daquelas lágrimas. Sentiu uma enorme
culpa e, ao mesmo tempo, uma vontade de abraçá-la. Porém, seu orgulho era
muito grande. Acreditava que arrependimento era sinônimo de fraqueza, uma
qualidade que ele abominava. Engoliu o nó que se formou na garganta e
firmou o olhar em um ponto qualquer à sua frente.

Quando ela saiu da cama para levar o prato até a bandeja, ele se
adiantou e tomou das mãos dela.

— Deite mulher, você não está doente?

Ele colocou o prato na bandeja sobre a escrivaninha e voltou para a


cama.

— Tome seu remédio. — Tirou o comprimido e a entregou.

— Não vou tomar. — Ela enxugou o rosto e se preparou para deitar.

Eduardo puxou o cobertor de uma só vez e a forçou a levantar o


tronco. Enfiou o comprimido na boca dela e mesmo levando algumas
unhadas e tapas, ele pegou o copo sobre o criado mudo e empurrou a água em
sequência, molhando parte da cama.
— Agora durma! Não pense você que vai faltar à aula amanhã. Se eu
fosse faltar à aula a cada dor que sentia, hoje não estaria formado. — Apagou
a luz, puxou o cobertor e fechou os olhos.
***

Assim que o carro de Eduardo parou frente à escola, Maria Fernanda


saiu o mais rápido possível. Thiago estava na porta da escola, ainda não tinha
entrado, pois esperava Maria Fernanda, assim como no dia anterior.

— Você não veio ontem, senti sua falta. — O amigo beijou o rosto
dela, mas como Maria Fernanda não tinha aquele costume, ficou com as
bochechas rosadas. — Ontem a professora dividiu os grupos para o seminário
do final da unidade e eu incluí você, tudo bem?

— Sim, obrigada. Ontem eu tive um problema e não pude vir.

— Não tem problema, eu te passo a matéria na hora do intervalo. —


Ele segurou-lhe a mão, que não rejeitou o gesto de carinho, pois estava
carente de afeto devido aos últimos acontecimentos.

— Não vai me apresentar ao seu amigo, Maria Fernanda? —


Eduardo falou grosso e a menina sentiu o coração palpitar mais forte.

Ele tinha dado a partida no carro, mas não se agradou quando viu
Thiago beijando o rosto dela.

— Vamos, Thiago, estamos atrasados. — Ela puxou o colega de


turma pela mão.

— Sou Eduardo. — Ele seguiu os mesmos passos e parou na frente


dos dois.
— Sou Thiago. Você é o tio da Fernanda?

— O quê? — Eduardo ganhou mais fúria ainda ao ver o rosto


despreocupado de Thiago e o sorriso de Maria Fernanda.

— Ele não é nada meu, apenas moro na casa dos pais dele.

— São parentes, então?

— Primos, somos primos distantes. — O olhar de Eduardo não saía


das mãos entrelaçadas. — Venho buscar você as doze em ponto. Esteja aqui,
eu odeio esperar.

Maria Fernanda não esperou ele terminar de falar, apenas puxou


Thiago para dentro da escola. Eduardo ficou para trás, evidentemente
enfurecido.
***

As doze em ponto, ele já estava no carro, esperando a menina que


ainda não tinha saído da escola. Já tinha olhado o seu Rolex pela quinta vez.

Doze e quinze, e Maria Fernanda ainda não havia aparecido.


Eduardo desceu do carro disposto a entrar no colégio, mas, antes de cruzar o
portão, viu Maria Fernanda saindo acompanhada de alguns colegas. Ela
estava sorrindo. O sorriso sumiu de seu rosto quando avistou Eduardo.

Depois de se despedir das colegas e receber um beijo na bochecha de


Thiago, caminhou até o carro e fechou a porta. Eduardo entrou logo em
seguida, respirou fundo e apenas dirigiu o carro da maneira mais rápida
possível. Parecia descontar a raiva na velocidade.

Já dentro do jardim da casa, Maria Fernanda praticamente correu em


direção a casa, pois queria estar o mais longe possível dele. Eduardo também
estava sendo rápido e logo a alcançou, então sua mão a fez parar.

— Eu quero você longe dele. — Eduardo segurou o braço dela.

— Não fico. Você não manda em minhas vontades! — Ela o


empurrou.

Eduardo sorriu nervoso. Ele estava tentando afastar os motivos para


estar tão furioso com a possibilidade de Maria Fernanda se envolver com o
amigo.

— O que foi? Já andaram se esfregando atrás das árvores do


colégio?

Ela levantou a mão para uma bofetada, mas ele segurou firme no
punho dela.

— Estou te odiando com todas as minhas forças — ela falou


tentando livrar o braço outra vez.

— Não grite comigo, e não tente fazer isso novamente.

— Ninguém nunca me maltratou, nunca precisei odiar nada. — A


voz de Maria Fernanda estava trêmula. — Mas agora, eu me sinto
machucada. Você vive com aquela mulher e faz isso na minha frente. Eu não
tenho mais ninguém no mundo e eu deveria ser bem tratada nessa casa, mas
apenas os empregados me reconhecem.

Eduardo olhou dentro dos olhos dela e ficou tentado a enxugar as


lágrimas que escorriam de lá.
— Se você não fosse tão infantil, eu poderia fazer você aproveitar
esses dez anos. Mas só te vejo como uma pirralha chorona que ao invés de
usar a língua, mostra os dentes. — falou para afastar a vontade boba de
abraçá-la.

— Eu não deveria me sentir machucada com suas palavras.

— É bom você se acostumar logo com meu jeito. Eu tinha uma vida
antes de você. Não sou igual aos príncipes encantados dos seus livros. É bom
você saber logo, para não se iludir. Também não tenho tempo disponível para
ficar lidando com as suas infantilidades.

— Então, para de me prender aqui. Não quer ter responsabilidades


comigo? Deixa-me ir e prometo nunca mais aparecer aqui novamente. —
Maria Fernanda estava com o tom de voz pacífica, implorando a
compreensão.

— Não vou te deixar ir. Estamos casados e vamos conviver até o


prazo acabar. Faço isso unicamente por meu projeto de vida. A empresa é
meu grande projeto de vida.

— Eu te odeio. — Maria Fernanda cerrou os punhos, mas parou,


pois, analisou que suas forças eram pequenas perto das dele.

— Não me importo se você me odeia.

— Eu assino qualquer coisa, se me deixar ir.

— E para onde você vai, Maria Fernanda?

Ela travou os lábios em um choro sentido. Realmente não tinha mais


um abrigo, depois do abandono de Giovane. Tinha os amigos de sua
madrinha, mas moravam em outro país, e ela ainda não se sentia capaz de
viajar para tão longe sozinha.

— Tudo bem, não precisa chorar. Não chore, menina. — Ele olhou
para o lado evitando olhá-la, pois aquele choro estava ameaçando romper
suas armaduras. — Não tem como quebrar esse contrato.

Eduardo sabia que tinha uma possibilidade assim que ela fizesse
dezoito anos, mas por algum motivo não queria que ela soubesse. Maria
Fernanda certamente não notaria nunca as cláusulas daquele contrato.

— Eu vou odiar cada dia desses dez anos com você.

Eduardo a puxou e pressionou os lábios na testa dela.

— Prefiro ter você me odiando, que nutrindo sentimentos tolos —


falou ainda com os lábios em sua pele. Em seguida a largou e entrou na casa,
abandonando-a no jardim.
11

Um mês se passou e apesar de Maria Fernanda dormir na mesma


cama que Eduardo, eles não trocavam uma só palavra. Quando ele chegava
em casa, já era início da madrugada e a cama estava sempre dividida por
travesseiros. Ele seguia direto para o banheiro, onde tomava banho e se
perfumava para retirar o cheiro do álcool e outras mulheres do corpo.
Eduardo sentia que algo não estava normal, pois quando estava com Viviane
ou outra qualquer, sentia um peso diferente no peito, mas desde a
adolescência, quando iniciou sua vida sexual, não conseguia ficar muitos dias
sem uma mulher na cama.

Ele fortalecia diariamente seu orgulho, jamais admitiria que pudesse


estar à mercê de um sentimento que abominava. “Não, ele jamais seria
cachorrinho de uma mulher. Jamais colocaria outra pessoa acima de sua
própria carreira. Ainda mais uma pirralha mimada, acostumada a sempre
ouvir "sim" como resposta.”

Durante aquele mês, antes de cair no sono, ele não resistia e tocava
as mechas soltas sobre o travesseiro. Uma vez, chegou a beijar as madeixas
castanhas e por pouco ela não acordou, pegando-o no flagra.

Maria Fernanda não admitia, mas no início do mês ela ficava


acordada até tarde, apenas para vê-lo chegar. Nas poucas vezes que Eduardo
chegou antes da meia-noite, ela sentia, no interior do quarto, o vestígio de
perfumes femininos diferentes dos seus, então foi abandonando aquela
infantil mania e passou a se entregar ao sono antes das dez horas. Não havia
motivos para esperá-lo.

Naquela manhã de segunda-feira, Eduardo estava frente ao espelho,


enlaçando a gravata no pescoço, e Maria Fernanda estava sentada sobre a
cama, terminando de trançar os cabelos.

Ele a olhava através do reflexo, sentindo-se extremamente tentado a


ir até ela e desmanchar a maldita trança que prendia o movimento dos fios.
Mas há muito eles não conversavam, e até as brigas foram extintas. Às vezes,
ele procurava alguma desculpa para brigarem, mas ela saia do quarto e não
lhe dava ouvidos. Aquilo deixava o homem possesso de raiva.

— Espera! — Ele correu até a porta e segurou o braço da mulher,


antes que saísse do quarto. — Eu... eu vou te levar hoje.

— Como quiser. — Ela se soltou e o abandonou.

Eduardo correu até a poltrona do quarto, pegou a mochila com o


notebook, a planta do projeto que iria precisar naquele dia e desceu as
escadas quase correndo.

— Antonieta, venho almoçar em casa hoje — ele falou, já dentro da


cozinha. O olhar estava sobre Maria Fernanda, que tinha começado a tomar o
café da manhã.

— Sim, o que tem? — Antonieta colocou a torta de banana sobre a


mesa.
— Tem que eu nunca faço isso e hoje venho almoçar aqui.

— Você está olhando muito para a Nanda. O quê que é, hein? —


Suelen o confrontou, pois estava sempre de olho para proteger a amiga de
possíveis atitudes grosseiras.

— Cuide do seu trabalho! E agradeça por mais um mês de minha


tolerância, em nome do idiota do Sergio.

— Em nome dele o quê? Quem se acaba para trabalhar aqui? Quem


anda com as mãos cheias de calos e quem dorme todo dia com as costas
queimando sou eu! Se eu recebo salário nesta casa é porque trabalho. Diga-
me o que eu devo a ele e a você!

— Sua desaforada! Você perdeu mesmo a noção do perigo. Você é


subordinada, eu sou seu patrão e posso te demitir a qualquer momento!
Suelen... você não brinque comigo!

Jorge, que estava na mesa, se encolheu. O motorista odiava a palavra


demissão. Teve medo de respingar sobre ele.

— Eduardo, se acalme. Suelen vai para o quarto um minuto. —


Antonieta tentou apaziguar a situação.

— Quer saber... — Suelen jogou o pano que usava para secar a louça
sobre a mesa. — Me mande embora seu “fi da peste!” Não estou aqui para
ouvir que me acabo de trabalhar igual uma mula, pois o coisa ruim do Sergio
e você sentem peninha de mim.

— Não! Você não vai demitir a Su! — Maria Fernanda levantou da


mesa e encarou o marido.
Ele sorriu nervoso e olhou para os dois lados indignado com mais
uma possível ordem.

— Vou pegar minhas coisas. — Suelen se afastou da mesa.

— Não, Su, se acalma. Ele não vai te mandar embora. Se você for,
eu vou junto.

— É o que?! — Eduardo se enfureceu mais ainda.

— SE ELA SAIR DESTA CASA, EU VOU JUNTO. OU ACHA


QUE EU PREFIRO FICAR COM UM MALDITO OGRO SEM CORAÇÃO
A MORAR COM MINHA AMIGA? — Ela continuou gritando.

— Eu te deixo acorrentada aos pés da cama antes disso. — Pegou a


mochila de Maria Fernanda e puxou a jovem na direção das portas do fundo.

— Eduardo, a menina não terminou de tomar o café! — Antonieta


correu atrás deles no jardim.

— Ela está bastante saudável e eu pago uma gorda mensalidade que


inclui a alimentação dela na escola. — Ele continuou a puxando em direção
ao carro.

— Antonieta, não deixa a Su sair! — Maria Fernanda gritou.

Antonieta encerrou os passos quando ele fez a jovem se sentar no


banco ao lado do motorista e fechou a porta.

Eduardo passou o caminho todo dividindo o olhar entre a estrada e


os cabelos de Maria Fernanda — que tomava as costas e parte caia sobre o
estofado do carro.
Ela estava debruçada sobre a janela do carro, recusando-se a olhá-lo.

— Chegamos. Venho buscar você ao meio-dia. — Ele retirou o cinto


de segurança.

Antes de se livrar de seu cinto, Maria Fernanda virou-se para pegar a


mochila no banco de trás. Foi quando os rostos se chocaram e os olhos
índigos de ambos se encontraram.

Eduardo foi fisgado para dentro do olhar feminino e por mais que ela
não fizesse esforço, o atraia. Maria Fernanda piscou os olhos duas vezes e
quando percebeu que os dele desceram de encontro aos seus lábios, ela
abaixou o rosto e estendeu a mão em busca da mochila.

Eduardo sentou-se ereto frente ao volante. Ele estava atordoado e


seus olhos tornaram-se assustados. Queria dar um fim naquela agonia que
surgiu dentro de seu peito. Ainda com os olhos fixos nos poucos alunos que
passavam à sua frente, ele torceu para ela sair o mais rápido possível do
carro.

Mas quando Maria Fernanda colocou a mão na maçaneta da porta,


ele travou o carro e fechou os olhos, ainda lutando contra a vontade louca que
não o deixava raciocinar.

— O que pretende com isso? Abre a porta, agora! Abre essa porta!
— Ela o sacudiu.

Eduardo estava no mesmo lugar, ainda de olhos fechados, lutando


contra seus desejos. Maria Fernanda o sacudia e os gritos finos não eram
maiores que o intenso sentimento que afligia o peito de Eduardo, a ponto de
tocar seu corpo por inteiro.

— Abre essa porta, Eduardo! Abre e me deixa sair daqui! — Ela o


estapeou pela oitava vez.

Ouvir seu nome na boca dela o motivou a dar um fim na luta interna.
Ele virou-se rapidamente e quando Maria Fernanda se encolheu, ele segurou
as duas mãos ao lado do rosto da mulher e selou os lábios rosados.

Maria Fernanda arregalou os olhos e o estapeou para que a largasse,


contudo Eduardo não tinha passado sobre seu orgulho à toa, ele só a largaria
quando fosse retribuído. Ele moveu os lábios sobre os inexperientes até que
ela abrisse a boca, e quando ela, totalmente envolvida pela atitude dele,
relaxou os lábios, Eduardo invadiu, tornando o beijo sensual e prazeroso.

Uma das mãos que estava sobre a pele macia do rosto foi usada para
trazer o tronco feminino próximo do seu corpo, a outra se perdeu dentro dos
fios que tinham se tornado seu mais novo fetiche.

Depois de um longo tempo moldando o beijo e ensinando-a os


movimentos certos, ele a deixou respirar e beijou várias vezes sobre as
bochechas, que estavam coradas.

Quando Eduardo se afastou, Maria Fernanda baixou os olhos. Ela


ainda não sabia o que estava acontecendo. Tinha gostado daquele beijo e a
corrente elétrica que queimava sua pele tinha sido prazerosa, mas não queria
olhá-lo e ver que o homem responsável por aquele alvoroço dentro dela era o
temido ogro infiel que ela pretendia manter distância.

— Você está bem? — Ele perguntou, também estava se sentindo


estranho.

— Eu estou atrasada. Se você abrir a porta, eu consigo chegar antes


dos portões serem fechados.

— Claro! O que eu tenho na cabeça para não abrir a porta... — Ele


revirou os olhos ao notar suas palavras sem noção. — Pronto. Pode ir. Volto
ao meio-dia para almoçarmos.

Maria Fernanda saiu do carro rapidamente e não deu uma última


palavra. Na estrada até o portão, ela cobriu o rosto com uma das mãos e
sorriu, sem saber definir o que estava sentindo.

Eduardo a esperou entrar, então seguiu até a empresa. Ele também


sorriu, ainda confuso durante o caminho. O gosto de morango do gloss de
Maria Fernanda ainda era sentido, talvez pela lembrança que o atingia ou
pelos vestígios no paladar.

— Que porra é essa? — Ele esmurrou o volante ao se pegar


desejando sentir algo a mais que o gosto dos lábios daquela mulher.
***

— Chegou atrasado, Edu. Precisamos entregar esse projeto. Se


continuar assim, não poderei continuar com a nossa parceria. — Sergio o
imitou, pois ouvia aquilo todos os dias da boca do amigo.

— Adiantou as coisas?

— Estava esperando você. — Sergio o observou minuciosamente.


Eduardo parecia aéreo e atordoado.

— Está passando mal, parceiro?


— Pegue as plantas e vamos trabalhar. — Eduardo afrouxou o nó da
gravata e sentou em sua cadeira, de frente para Sergio.

— O que foi? Engravidou alguém? Cara, você vai ser pai!

— Eu vou quebrar seus dentes se você não parar de falar merda e se


concentrar nesse projeto! De onde você tirou isso?

— Se foi, pode desabafar. Eu sei que você abomina a ideia de ser


pai, mas essas coisas acontecem, não é? Se a Suelen não tivesse me traído,
ela teria um filho meu agora. Você engravidou a Viviane ou outra, irmão?

Eduardo se inclinou sobre a mesa e apertou o pescoço do amigo.

— Se eu descobrir que você continua usando drogas, desgraçado, te


dou uma coça tão grande que você vai ficar um ano sem conseguir andar. E
vou arrancar todos os dentes de sua boca com um alicate de jardineiro!

— O que é isso... parceiro? — Sergio falou no meio da asfixia. —


So... solta, Edu. Nunca mais cheguei... perto d...de nada.

— Então não fale idiotices além do seu normal.

Eduardo empurrou o amigo, que tossiu, tocando o pescoço.

— Concentre-se aqui e esqueça o mundo lá fora. Sua carreira é mais


importante que qualquer outra coisa. Não me faça furar sua cabeça com uma
caneta e escrever isso lá dentro.

— Eu já estou trabalhando. — Sergio pegou um lápis e baixou o


olhar para a planta baixa que estava sobre a mesa.
***
Maria Fernanda parou na frente do portão da escola. Com ela, estava
Thiago e outras colegas da sala.

— Então, começaremos a preparar o seminário semana que vem, lá


em casa. — Sibele, uma garota ruiva, finalizou o assunto sobre o grande
trabalho do trimestre.

— Por mim tudo bem. — Maria Fernanda olhou para o outro lado da
rua, onde o carro de Eduardo deveria estar estacionado.

— Alguém vem te buscar, Fernanda? — Thiago perguntou.

— O Eduardo disse que viria... O meu primo. — Ela abaixou os


olhos, ainda não conseguia mentir com tranquilidade. — Mas até agora não
veio.

— Minha mãe pode te levar até seu condomínio. É bom que eu


aprendo o caminho.

O carro de Jorge estacionou do outro lado da rua e o motorista


buzinou.

— Ele mandou o Jorge. Eu vou indo! Até amanhã, meninas e


Thiago.

Depois de receber um beijo do amigo, ela seguiu na direção do


carro.

— Me atrasei, menina patroa. Estava com uma fraqueza e almocei


antes de vir.

— Não tem problema, Jorge. — Ela colocou o cinto de segurança.


— O Eduardo mandou você vir me buscar?

— Mas como? Se já é certo, eu te buscar todos os dias, patroa?

— Você tem razão, Jorge. O que eu estou pensando? — Ela virou o


rosto para esconder o rubor em sua pele.
***

Eram dez horas da noite. Maria Fernanda já tinha ido à varanda do


quarto pelo menos cinco vezes, mas não havia nenhum sinal do carro de
Eduardo no jardim.

Ela já tinha lido cinco capítulos de um dos seus romances de época e


penteava seus cabelos, quando ouviu a voz dele conversando com o pai no
corredor do quarto. Ela jogou a escova sobre o tapete e cobriu-se por inteira.

Eduardo entrou no quarto, olhou o bolo humano embrulhado sobre


sua cama e respirou fundo, aliviado por ela já estar dormindo. Estava exausto,
tinha ficado na empresa trabalhando até às nove e meia. O cansaço o deixava
sem paciência e mais grosseiro que o normal.

Ele jogou a mochila sobre a poltrona, foi até o guarda-roupa, pegou


um pijama e seguiu para o banheiro.

Assim que a porta foi fechada, Maria Fernanda descobriu os olhos e


o nariz.

Minutos depois, quando Eduardo saiu do banheiro e se jogou na


cama, ela arregalou os olhos.

Ele olhou para a barreira de travesseiros, desdobrou seu lençol e


jogou sobre as pernas. Foi neste momento que viu os pezinhos brancos
descobertos, um coçando a sola do outro. Eduardo sorriu, arteiro, e puxou o
edredom dela de uma vez. Maria Fernanda sentou rapidamente na cama e
cobriu os pés debaixo da larga camisola.

— Eu... eu estava dormindo... — Olhou para a poltrona à frente,


evitando olhá-lo.

— Não vai me dar um beijo de boa noite, ferinha?

— Que conversa é essa? Devolva meu edredom, senhor. — Ela


ajeitou a barreira de travesseiros, que em parte tinha se dissolvido.

— Me chame de Eduardo ou vai dormir desenrolada. — Ele


aproximou-se do rosto dela e tentou um acordo. O efeito do nome dele na
boca dela era alucinante. Eduardo estava se apegando a pequenas coisas.

— Ogro! Vou te chamar de ogro pelo resto da vida. — Ela ficou


estática com a proximidade.

— Você amou a pegada desse ogro. Ou vai negar que gostou? —


sussurrou, sentindo o cheiro do hidratante no rosto da jovem. Aliás, ela estava
repleta de cheiros, já que usava um hidratante para cada parte do corpo.

Eduardo aproximou as narinas dos cabelos soltos, pois aquele cheiro


era o seu preferido. O corpo de Maria Fernanda tremeu de imediato.
Instigado, ele mergulhou os dedos abaixo do pescoço dela e segurou firme
entre os cabelos.

Maria Fernanda deixou escapar um pequeno gemido e Eduardo


sorriu.

— Uma ferinha manhosa deixa o ogro feliz. — Ele sorriu e beijou a


bochecha da mulher.

— Eu estou assustada, é... isso que está acontecendo. — Ela tentou


se justificar.

Maria Fernanda não conseguia compreender aquelas sensações que


ele despertava em seu corpo, mas o melhor caminho era negar.

— E o que mais? — Ele apenas passou os lábios sobre os dela.

— Eu não sinto nada...

Eduardo cobriu a boca dela com a sua e a puxou, beijando-lhe com a


mesma intensidade que usou pela manhã, mas agora eles estavam a sós e
Maria Fernanda sobre seu colo.
12

Eduardo largou os lábios de Maria Fernanda, pois não poderia ser


egoísta a ponto de deixá-la desfalecer com a falta de oxigênio. Apesar de que,
mesmo livre para respirar, ela seguia com dificuldade com as insistentes
investidas de Eduardo em seu pescoço com beijos quentes.

— Então, a ferinha gosta dos meus beijos?

— Melhor pararmos com isso. — Ela lutou para respirar.

— Fica assim mansinha, pois estou querendo você, ferinha manhosa.

— O que está fazendo?

Ela não teve condições de impedir que as mãos de Eduardo subissem


por suas pernas.

— Vamos experimentar deixar de ser inocente?

Ele aproximou os rostos e apenas encostou a boca na dela. Maria


Fernanda fechou os olhos, sendo tentada por um beijo que não se
concretizava.

— Serei carinhoso se ficar quieta. — Ele nunca havia cumprido a


promessa de carinho antes, ou melhor, nunca tinha feito promessa parecida.

“O que estou fazendo? Por que não consigo deixar de sentir esse
cheiro? A empresa, estou fazendo isso apenas pela empresa.” Internamente a
razão de Eduardo queria ganhar forças e inventava um motivo para ele estar
tão dedicado à sua jovem mulher.

Ele beijou o queixo dela e desceu, espalhando beijos sobre o ombro,


ainda coberto pela camisola de algodão.

— Não... não vou me submeter a isso. — Maria Fernanda


estremeceu com o toque.

Ele voltou a olhá-la e sorriu. Maria Fernanda desviou o olhar, pois


percebeu que aquele sorriso o deixava ainda mais bonito.

— Esse cheiro seu está me enlouquecendo, mulher. Você está me


deixando louco. — Aproveitou o pescoço dela exposto e inalou o perfume
novamente.

Algo dentro da sua cabeça gritava para ir devagar ou estragaria tudo.


Ela era jovem demais, e virgem, para aguentar o desejo — que naquele
momento —, o consumia. Não iria possuí-la com força, apesar de seus
desejos mais ocultos cogitarem aquilo.

— Por favor, senhor, não faça isso. — Ela fechou os olhos, sem
forças para lutar contra aquele Eduardo, torcendo para ele desistir, pois ela
mesma não conseguiria.

Eduardo não fazia ideia do que estava acontecendo com ele. Seu
desejo por Maria Fernanda aumentava a cada segundo.

— Não me chame de senhor, isso faz você parecer ainda mais


infantil. Diga meu nome. Quero ouvir meu nome em sua boca. Não sou seu
senhor. — Pediu grosseiro, fazendo-a estremecer.
— Não vou ceder... isso... é errado. — Naquele momento ela estava
se referindo ao calor que percorreu seu corpo.

— Gostar disso não é errado. — Ele sussurrou no ouvido dela e


apertou um dos seios na palma da mão.

Maria Fernanda lutou para manter a respiração normal, mas seu


corpo inexperiente ansiou por mais. Quando Eduardo desceu o rosto e
abocanhou um dos seios por sobre o vestido. Ela perdeu as forças.

— Eduardo... — ela gemeu de imediato.

Ouvir seu nome na boca dela através de um gemido o enlouqueceu.


Ele foi tomado por sentimentos que não conseguia controlar. Sua boca
encontrou os lábios carnudos. Ela até relutou no início, mas no momento
seguinte estava entregue. Ele saboreou cada centímetro e, naquele momento,
o gosto do beijo dela era melhor do que qualquer coisa que já havia provado
na vida. A mão de Eduardo apertou a cintura fina e Maria Fernanda não
conseguiu controlar as reações do seu próprio corpo ao marido. A sensação
que sentia era algo novo e quente. Não queria sentir aquilo, devia afastá-lo e
não o contrário. Mas seu corpo lhe traía. A boca sobre a dela fazia com que
quisesse mais um pouco de toda aquela confusão que se instaurou em seu
corpo, trazendo chamas poderosas.

Eduardo subiu o tecido da camisola até a base do quadril. Um


gemido escapou da garganta dela, quando ele mordiscou levemente seus
lábios.

Então era assim que as pessoas casadas se sentiam? Então era bom
ter um marido. Eduardo poderia ser igual seu padrinho foi para sua
madrinha. Ela o teria julgado?

— Vou deitar você e tirar isso. — Segurou-a nos braços e ainda de


joelhos sobre a cama deitou-a.

Ele desabotoou todos os botões da camisola e quando terminou de


tirar a larga peça, mirou o corpo dela apenas coberto por um conjunto de
algodão. A peça era simples e com desenhos infantis. Eduardo odiou aquele
tecido, mas, de repente, pequenas coisas perdiam o sentido perto dela.

Ela se cobriu com os braços, mas Eduardo foi ágil e prendeu as duas
mãos dela, uma para cada lado do corpo.

— Não se esconda de mim. — Desceu os olhos em direção aos seios


dela. — Linda, você é linda. — Soltou as mãos dela e sorriu ao vê-la deixar
no mesmo lugar por sua própria vontade. — Agora tenho seu corpo por
inteiro em minha mente. — Voltou a beijá-la.

A beleza que ela possuía, aliada ao que ele desejava e sentia, fazia
dela a mulher mais perfeita do mundo. Os seios cobertos eram médios, os
quadris delicados e as pernas longas e bem-feitas.

— Você é tão linda, mulher.

O que estava acontecendo com ele? De repente, havia esquecido que


apenas um contrato deveria uni-lo àquela jovem.

O coração dela bateu desenfreado. As palavras sussurradas a


afetaram demasiadamente. Ali ela teve esperanças de que poderiam fazer
aquele casamento esquisito dar certo.
— Me deixe fazê-la minha, Maria Fernanda? — Ele perguntou
ofegante.

Aquela frase também era inédita. Ele costumava invadir sem


cerimônia. Alguma coisa estava diferente e Eduardo não gostou nenhum
pouco daquilo. Só que naquele momento não queria pensar em nada, tê-la tão
perto foi melhor do que havia fantasiado nos últimos dias. Queria ouvir a
resposta dela e aguardaria mesmo que impaciente.

— Me responda. — Sua boca voltou a passear na pele macia.

— Quero...— A voz dela saiu timidamente. Ela desejou ter a


felicidade que sua madrinha tinha ao lado do esposo.

Ouvi-la aumentou ainda mais o desejo de Eduardo. Seu membro


reagiu de imediato e seu coração palpitou ansioso.

“Que porra de sentimento é esse?” Ele apertou os olhos tentando


eliminar o anseio desconhecido, para fixar apenas no desejo. Estava deitado
ao lado dela e seu rosto estava frente ao da mulher. Perguntou-se se o desejo
de se enterrar naquele corpo miúdo estava causando aquilo.

— Está passando mal? — ela perguntou o encarando.

— Não. — Beijou-a nos lábios. — Não vou te machucar, eu


prometo.

O que ele mais queria era adorar o corpo da jovem com cheiro de
leite e inocência. Ele desceu a boca e beijou-lhe o ombro delicadamente. Iria
saborear cada pedacinho dela, depois pensaria no que fazer.

Afastou-se por um momento e tirou a camiseta. Maria Fernanda


desviou o olhar do peito musculoso à sua frente, Eduardo sorriu.

— Isso não estava em meus planos. Acredito que muito menos nos
seus. Mas desejo você. Seu modo de balançar os cabelos, essa pele macia e
seus olhos tímidos estão me deixando sem dormir. Quero que entenda que
nunca observei isso em uma mulher... — Maria Fernanda o olhou de relance,
mas desviou o olhar novamente. As palavras de Eduardo e o tom em que
estava sua voz a deixaram encabulada.

— Olhe para mim, mulher. Toque-me, se quiser. — O rosto de


Maria Fernanda corou e ela encarou o teto do quarto. — Você vai perder essa
vergonha agora. — Ele inspirou o cheiro dos cabelos macios e a beijou de
uma forma que a fez se sentir especial.

Maria Fernanda não conhecia aquelas sensações, mas de repente ele


parecia como os mocinhos dos livros de romance que lia na biblioteca da
fazenda. Deixando suas pernas bambas, seu coração batendo desenfreado e a
fazendo suspirar. Estava errada. Eduardo, normalmente, não agia daquela
maneira. Ele era intenso e não precisava se esforçar tanto para ter uma
mulher, já que choviam aos seus pés. Geralmente, elas que queriam satisfazê-
lo de todas as formas. Definitivamente ela não conhecia as vontades loucas
do marido!

Ele beijou o meio do sutiã dela e desceu em direção ao umbigo,


fazendo-a fechar os olhos com a sensação que era totalmente nova para Maria
Fernanda.

Ela apertou os olhos, envergonhada. Estava perdida, mas queria


sentir mais um pouco daquilo. Seu corpo inexperiente ansiava por mais, ele
continuou com sua deliciosa tortura.

— Abra os olhos — sussurrou perto de sua intimidade, fazendo-a


sentir um arrepio percorrer seu corpo. — Não tem do que se envergonhar.

Ela negou com a cabeça e olhou para o teto. Lá no fundo um medo


ainda ameaçava tomar conta. Os dedos experientes de Eduardo sabiam
exatamente onde tocá-la e ela não conseguia segurar os gemidos do prazer
que sentia.

— Eduardo... — Ela gemeu seu nome. Ele interrompeu o que estava


fazendo e sorriu.

— Eu nem comecei ainda, mulher. — Ele desceu a calcinha devagar


e salivou com a visão perfeita, rosada e intocável. Maria Fernanda era linda e
seria apenas dele. Aquela tentação úmida teria sua total atenção.

— Eduardo isso não é erra... — Ela se calou e voltou à cabeça para


trás ao sentir a boca experiente do marido a invadindo.

Eduardo não agia com pressa, saboreava a melhor parte dela lenta,
intensa e loucamente. Deliciava-se com a pele macia. Jamais havia se sentido
tão excitado por uma mulher. Sua língua passeava de baixo para cima em
uma tortura deliciosa. O cheiro que emanava dela o enlouquecia. O prazer
que Maria Fernanda sentia era intenso. Sugou o ponto sensível dela fazendo-a
arquear o tronco sobre a cama.

— Eduardo... — Ela se contorceu gritando o nome dele.

Eduardo não imaginou que sentiria tanto prazer satisfazê-la. As


reações tímidas do corpo dela estavam o deixando louco. Iria agradá-la como
nunca tinha feito à outra mulher. Era a primeira vez que se relacionava com
uma virgem, inexperiente. Contudo, sabia que precisava prepará-la ao
extremo para recebê-lo, apesar de ter consciência da possibilidade de
machucá-la de qualquer maneira. Dedicou-se à parte sensível de sua parceira
e Maria Fernanda gritou seu nome por vezes seguidas.

Quando ele a sentiu vibrar em sua boca, levantou os olhos para


observá-la e o rosto corado de Maria Fernanda no meio dos espasmos o
deixou orgulhoso pelo que tinha feito. Porém, quis mais. Quis vê-la gemer
mais um pouco, aquele som o excitava, então voltou a torturá-la com beijos
experientes, enquanto saboreava o líquido do primeiro prazer de sua mulher.

— Eduardo... Por favor... — ela gemeu, quase perdendo os sentidos.


— Pare... — Eduardo não parou e aumentou ainda mais o ritmo da tortura no
ponto rígido. — Não... não vou... Aaah! — ele firmou a cintura dela sobre a
cama, quando a sentiu desfalecer pela segunda vez em sua língua.

“Você está ferrado, Eduardo!” A voz em seu subconsciente gritava


em sua cabeça. Sua excitação atingia o nível máximo. Precisava dela. Mais
do que tudo, ele a desejava.

Eduardo a beijou no ventre e subiu em direção ao rosto que estava


voltado para o teto.

— Maria Fernanda... — Ele sentiu prazer em falar o nome dela. Era


lindo e nenhum outro lhe causava aquele efeito devastador. — Agora, preciso
de você, mulher...

Ele levantou para tirar o que restava de suas roupas e a viu arregalar
os olhos e se encolher com a visão de seu corpo nu.

— Não se preocupe. Será sua primeira vez e prometo ser gentil com
você. Já te preparei. Não vai sentir tanta dor. — Ele se aproximou devagar,
mas o medo estampado nos olhos dela não se desfez.

— Por favor, saia daqui. Isso... — Ela cobriu o rosto com o braço,
com medo do que tinha visto.

— Maria Fernanda, confie em mim. Olha o que acabamos de


compartilhar, acha que eu seria capaz de te machucar? Estou sendo gentil
com você.

Ela se encolheu ainda mais, Eduardo sentiu uma pontada de


decepção com a reação. Havia feito tudo certo, apenas dado prazer a ela, e
agora aquilo!

Maria Fernanda tinha gostado muito do que havia acontecido e seu


corpo ainda vibrava. Nunca imaginou que um homem a faria sentir tudo
aquilo, mas quando o viu nu, não conseguiu controlar o medo de ser
machucada. Era um mundo completamente novo para ela, só que teve muito
receio do desejo que viu arder nos olhos dele e mesmo que ele fosse
cuidadoso, certamente ela sairia marcada de algum modo.

— Calma. — Ele deitou ao lado dela e com um dos cotovelos


apoiados na cama, a beijou a boca. — Quero te fazer sentir mais. Entende o
que eu digo? Quero fazer você sentir ainda mais prazer. Nunca me preocupei
com isso antes. Não tenha medo, não vou te machucar, não seria covarde ao
ponto de te possuir com brutalidade. — Seu lado insano lutava internamente
com aquele novo Eduardo que apenas ela despertara.

— Não quero! Sai daqui, por favor.

— Pelos céus, menina! Você viveu em um colégio de freiras? Isso


que sentiu, essa sensação maravilhosa foi apenas uma parte do que um
homem pode proporcionar a uma mulher.

Ela o empurrou, pressionando o tecido do vestido contra o próprio


corpo e sentou na cama.

Eduardo demorou alguns segundos encarando-a e tentando absorver


as palavras de Maria Fernanda. Os cabelos da mulher cobriam suas costas e
ainda sobrava parte sobre a cama. Ela era perfeita, mas a rejeição tirou todo o
autocontrole de seu marido. Sentiu-se furioso porque estava duro e desejando
aquela maldita menina idiota. O velho Eduardo veio à tona. Mulher nenhuma
o rejeitava e não seria aquela menininha boba que o faria.

— Não sei o que deu em mim para querer agradar uma pirralha igual
a você. — Levantou da cama abruptamente, vestindo suas roupas. — Não
acredito que perdi meu tempo achando que chegaríamos a algum lugar.

Ela começou a chorar.

— Que ótimo! Era disso que precisava. Um bebê chorão.

Ela puxou o edredom e cobriu o corpo. Seu choro aumentou.

— Pare de chorar, não vou fazer nada que não queira. Não me
humilharia a tal ponto! Veja o estado que me deixou. — Ele apontou o
volume nas próprias calças — Não se preocupe, vou achar uma mulher de
verdade para resolver meu problema, de preferência uma que não chore como
uma criança mimada.

Saiu e bateu a porta com força, estrondando o barulho dentro do


quarto e no corredor.
13

No dia seguinte, Eduardo chegou em casa na hora do café. Iria se


preparar para ir ao trabalho mais cedo. Dormir fora de casa não estava em
seus planos, pois tinha um projeto para apresentar na empresa.

Antes de subir para trocar de roupa, foi para cozinha pegar uma fatia
do seu bolo preferido. Suelen estava lavando a louça suja e Antonieta
preparando o café da manhã.

— Eduardo! — Antonieta se assustou com a chegada silenciosa do


patrão.

— Bom dia. — Cumprimentou a mulher sem nenhum vestígio de


humor.

Antonieta já sabia o que ele queria, então colocou sobre a mesa um


prato com uma fatia de seu bolo de banana. Ele sentou à mesa e começou a
degustar o alimento calado. Suelen olhou para Antonieta e fez uma careta
investigativa.

Maria Fernanda entrou na cozinha, já uniformizada e baixou os


olhos quando viu a figura dele na cozinha. Lembrou-se de tudo o que havia
vivenciado com ele na noite passada. “Ele teria realmente ido atrás de outra
mulher?” Perguntou-se enquanto seguia até a geladeira, onde ficou um bom
tempo mirando os alimentos e sentindo o vento gelado.
Eduardo não escondeu sua feição amargurada. Sentiu seu orgulho
queimar dentro do peito.

— Estão se evitando? — Suelen não segurou a língua.

Eduardo continuou comendo a torta, transparecendo raiva. Ele não


deveria estar tão frustrado. Era apenas uma pirralha. Uma pirralha que tinha o
deixado na vontade.

Quando deixou Maria Fernanda no quarto, ele foi até a casa de


Viviane, mas antes de sair do carro esmurrou o pobre do volante que, há
tempos, sofria com a sua fúria. Queria descontar a raiva por não conseguir
sair do carro e apagar o cheiro de Maria Fernanda que estava em seu corpo.
Ele passou a noite em seu apartamento que ainda não tinha mobília. Estava
possesso de raiva com o seu comportamento.

— Sai de dentro dessa geladeira, filha. Vai ficar resfriada. —


Antonieta chamou a atenção de Maria Fernanda. A cozinheira também tinha
percebido o mesmo que Suelen.

Eduardo olhou para sua mulher dos pés à cabeça. Seu corpo tremeu.
Ele a desejou ali mesmo. Enraivecido e odiando seus próprios desejos, tentou
dar atenção ao seu bolo preferido. Mas de uma hora para outra, apenas o
gosto dela fazia sentido.

Depois de uma luta interna, Eduardo não resistiu. O homem


suspendeu a cabeça, respirou fundo e abandonou o prato. Foi até a geladeira
onde ela estava. Colou o corpo ao dela e buscou uma jarra com iogurte
caseiro que estava no fundo da geladeira. Ela estremeceu ao senti-lo.
O corpo de Eduardo pegava fogo só em tê-la tão perto.

— Dormiu satisfeita? Chorar depois de se satisfazer é bom, não é?


— Sua voz saiu cortada, demonstrando seu grau de frustração. — Você não
terá aquilo novamente — sussurrou e acabou não resistindo, roçando os
lábios no pescoço de Maria Fernanda, contrapondo suas palavras. — Que
porra de sedução é essa que você jogou em mim, mulher? — Seus lábios
tocaram a pele do ombro da jovem. O atrito da barba fez o corpo dela
estremeceu.

— Não xingue perto de mim.

— Não me dê ordens! — Eduardo falou entredentes, colado ao


ouvido dela.

— Estão nos olhando... — Maria Fernanda falou em um tom baixo.

— Sobe comigo. Vamos passar esse dia só você e eu. Sinta como eu
estou. — Forçou seu corpo ao dela e gemeu baixo, louco de desejo. Maria
Fernanda sentiu o rosto entrar em chamas. — Preciso de seu alívio, ferinha.
— Eduardo esqueceu que tinha outras pessoas na grande cozinha, colocou
novamente a jarra dentro da geladeira e passou o braço pela cintura de Maria
Fernanda. — Preciso de você. Não me negue isso. — Forçou o corpo dela
contra seu uma vez mais.

— Já que estão se entendendo, por que não tentam fazer isso sem as
roupas? E dentro do quarto? — Suelen acabou com a alegria de Eduardo.

Ele se afastou de Maria Fernanda, mas as mãos continuaram na


cintura dela.
— Deixa a menina, Eduardo. — Antonieta falou de longe. A mais
velha ficou constrangida com a cena.

— Será que eu não posso ter privacidade com minha mulher dentro
da minha própria casa?!

— Só pare de atormentar essa menina. —Antonieta evitou olhá-los.

Ele largou Maria Fernanda e suspirou pesado.

— Vou trabalhar. Já estou atrasado. — Saiu da cozinha com o


humor alterado.

— O que deu nele, filha? — Antonieta parecia desconfiar de algo.

— Eu... eu não sei. — Maria Fernanda se sentou à mesa e colocou a


mão sobre a testa. Ela estava ofegante. Suelen estreitou os olhos, mas segurou
a língua para quando estivessem apenas as duas.
***

Depois que voltou da escola, Maria Fernanda passou a tarde enfiada


no jardim da casa. Estava calada enquanto cuidava das plantas.

— Nanda, vamos conversar? — Suelen aproveitou que Antonieta


tinha saído de casa e foi procurar Maria Fernanda. — Somos amigas, não me
esconda nada.

— Eu quero ficar sozinha, Su.

— O que ele aprontou? Vocês dormiram juntos na mesma cama,


fazendo coisas? Não sei seu grau de ingenuidade, por isso estou tendo
cuidado com as palavras. Você entende o que estou perguntando, não é?
— Eu entendo, Su. — Maria Fernanda encarou Suelen.

— Ele te machucou? Ele te forçou, foi isso?

Maria Fernanda saiu em direção às flores do outro lado do jardim.


Suelen a acompanhou.

— Aquele filho de uma rapariga teve coragem de fazer isso com


você! —Suelen cerrou os punhos.

— Não! Não foi assim. Ele não me forçou. Se eu gritei foi porque
não consegui conter minha boca fechada. — Ela em sua inocência deixou
escapar além do que pretendia.

Suelen assimilou as palavras de Maria Fernanda para em seguida


estourar em uma gargalhada.

— Não vou te contar mais nada. — Maria Fernanda fechou a cara.

— Desculpa. Tudo bem, hoje sou mais tranquila com esses assuntos.
Se quiser conversar estou aqui. Posso te esclarecer qualquer coisa. Usaram
proteção?

— O quê?

— Proteção. Sabe, uma capinha para evitar bebês e outras coisas


graves?

— Para, Suelen! Essa conversa me constrange.

Suelen mexeu nas rosas.

— Mas na hora dos gemidos ninguém ficou constrangida, não foi?


— Suelen gargalhou mais uma vez e entregou uma rosa a Maria Fernanda. —
Não vai me demitir por essa conversa, não é?

— Jamais faria isso.

Suelen respirou aliviada.

— Eu nunca tinha visto um homem completamente sem as roupas,


Su. Tive medo e ele saiu furioso do quarto...

Suelen gargalhou novamente. Mais alto que a última vez.

— Você deixou Eduardo Moedeiros na mão, sua danadinha? Como


ele permitiu isso?

Maria Fernanda estava muito envergonhada. A cena de Eduardo


completamente nu estava impregnada em sua mente.

— Tive medo que ele me machucasse. Ele é mais forte que eu, mais
alto...

— Maior... — Suelen completou em uma gargalhada e Maria


Fernanda corou.

— Não vai contar para ninguém sobre isso. Não quero que ele pense
que estou fofocando sobre essas coisas.

— Tenho certeza que a cidade toda já sabe o tamanho da coisa. —


Suelen se deu conta das palavras, mas já tinha pronunciado. — Não...
Esqueça isso, pode ser que ele mude, eu duvido muito, mas milagres
acontecem por aí, não é mesmo?

— Ele me chamou de criança mimada e disse que outra mulher


resolveria o estado que ele ficou. Não quero que ele tenha uma namorada.
Aquela dona já é uma mulher vivida, não vou conseguir superar o que ela
pode oferecer. Não tenho experiência nenhuma, Suelen.

— Você está mesmo querendo esse casamento?

— Ele me fez sentir coisas boas. Minhas pernas tremeram e naquele


momento eu quis que estivéssemos casados de verdade. Não apenas no
acordo. Ele também sabe fazer aquilo muito bem.

— Aquilo?

Maria Fernanda virou as costas para a amiga e respondeu,


envergonhada:

— Com a boca.

Suelen gargalhou mais alto ainda e lutou ao mesmo tempo para se


controlar.

— Ai... por favor, eu preciso parar de rir. — Seguiu controlando a


risada. — Sou sua amiga, mas... para, pois meu estômago está doendo.

— Para de rir, Su. Eu só não sabia como eram essas coisas.

— Eu não consigo parar. — Suelen apontou para o próprio rosto. —


Mas só aceite outra vez se ele largar a Viviane de verdade. — Tossiu e
mostrou-se mais controlada. — O problema que te deu medo à noite passada
pode ser resolvido se ele souber conduzir. Se não for carinhoso, caia fora ou
ele pode te machucar de verdade. Depois você vai acostumando. Se ele te
deixou de pernas bambas e saiu vesgo, pode ser que ele esteja querendo você
de verdade. Desculpa, depois conversamos. — A morena saiu correndo para
sorrir em outro lugar.
Suelen estava em uma crise de risos e temeu ser interpretada como
desdém.
***

Eduardo saiu da empresa e foi direto para uma festa na casa da


família de Viviane. Ele precisava estar presente em todos os eventos que eles
organizavam. O grande projeto de Eduardo era sua empresa, não mediria
esforços para consegui-la. Ele convivia com Viviane há alguns anos. Ela
nunca foi única, mas além de ser filha do chefe das obras públicas da cidade,
ele sentia prazer em estar com ela, pois a loira sabia satisfazê-lo na cama. O
jeito egocêntrico e as atitudes fúteis eram ignorados em favor dos grandes
contratos que ela traria.

Eduardo estava em um grau altíssimo de exaltação carnal. Havia


bebido durante a noite para atropelar o estresse e a impaciência de seu corpo,
mas nada tinha adiantado. Aquela noite, além de satisfazê-lo de todas as
maneiras, Viviane precisaria apagar os vestígios que Maria Fernanda tinha
deixado em seu corpo e pensamentos.

Maria Fernanda estava inquieta dentro do quarto, já era muito tarde e


o marido ainda não tinha retornado. Durante aquela tarde, depois da conversa
com a amiga Suelen, ela tinha repensado sobre a maneira que foi tratada por
ele nos minutos antes de ser atingida pelo medo. Queria fazer aquele
casamento dar certo e para isso precisava esquecer as preocupações bobas e
aproveitar as sensações prazerosas que ele causava quando a tocava. Estava
decidida.

Queria surpreendê-lo com um beijo ainda na entrada da porta.


Depois conversariam e certamente dariam uma chance ao casamento que
tinha começado de uma maneira torta. Eduardo parecia ser um bom
professor, ela seria uma aluna dedicada.

A mulher sorriu e corou ao olhar para a cama sem a barreira de


travesseiros. Sentou na poltrona e, ainda olhando na direção da cama,
lembrou-se de tudo o que tinha acontecido na noite anterior. “Ela ainda
estava com medo, mas, se dava certo com outras mulheres, qual o problema
dela tentar?”

Ela acabou cochilando no sofá e quando despertou com o barulho da


porta já era muito tarde, mas ela não teve noção do tempo que esteve
dormindo.

Ela olhou Eduardo fechando a porta do quarto, sorriu e correu em


sua direção.

— Eduardo, eu estava te esperando... — falou ainda sonolenta, mas


freou as mãos que estavam na camisa social do marido, pois sentiu as notas
de um perfume feminino diferente dos seus.

— Me esperou, Maria Fernanda? — Ele falou calmamente,


compadecido da feição decepcionada e dos olhos azuis lacrimejantes.

Ela virou de costas para esconder as lágrimas que caíram de seus


olhos.

— Não... eu só queria saber se você viria dormir em casa, pois se


assim não fosse, não precisava separar a cama.

Ela se abraçou com os próprios braços e seguiu até a cama. Eduardo


apertou os cabelos nervosamente e aquela agonia voltou, mas agora queimava
seu peito por inteiro e o maldito nó em sua garganta o torturou.

Ele seguiu rápido na direção do banheiro, precisava limpar o cheiro


desconhecido que feriu sua mulher. Como se aquilo apagasse as quatro horas
que esteve com Viviane.

— Nada mudou. Eu não preciso me preocupar — Ele ligou o


chuveiro e encostou a cabeça no azulejo. — Nada mudou. — Pegou o
sabonete, mas em seguida o jogou longe e esmurrou a parede do banheiro.

Minutos depois, quando criou coragem para voltar ao quarto, soube


que ela estava chorando escondido, pois a viu secar o rosto com o dorso da
mão.

Ele deitou ao lado dela. Seus olhos seguiram o comprimento dos fios
sobre a cama. Os cabelos estavam com cachos nas pontas, certamente ela
tinha feito algo novo, talvez modelado de outra maneira. Ele enrolou um
ondeado entre os dedos e levou até as narinas, exalando o cheiro cítrico que o
prendia como um encantamento.

— Você... não vai dividir a cama hoje? — Tentou puxar conversa,


apenas para saber se ela ainda chorava.

— Eu vou dormir no quarto da sua irmã. — Ela sentou, de costas


para ele — Não vou mexer em nada. Você pode mandar o Jorge ver aquele
pedreiro para adiantar a reforma do quartinho? Ainda não começou, você
acabou esquecendo.

— Maria Fernanda, eu pensei que não quisesse... Eu te mostrei como


eu estava. Quase não consegui trabalhar hoje. — A voz dele saiu em um tom
carinhoso demais.

— Eu não quero ser um peso na vida de ninguém. Não sinta pena,


por favor. Preciso amadurecer e aprender como funciona a vida lá fora. No
mundo que foi pintado para mim não existiam lágrimas ou essa dor frustrante
que está sufocando meu peito. Lá as princesas encontram seus príncipes...
que tolice, não é? Eu mesma deveria zombar de mim por ter acreditado tanto
tempo nisso.

— Não deveria ter criado expectativas. — Ele respirou pela boca


para controlar a emoção repentina ao ouvir a voz trêmula de Maria Fernanda.

— Você dormiria com outra, da mesma maneira, se estivéssemos


vivendo como marido e mulher?

— Eu tinha uma vida toda programada antes de você chegar. Posso


te satisfazer nesta cama todos os dias, mas não sou capaz de te oferecer
sentimentos.

Maria Fernanda soluçou, ainda de costas para ele.

— Não chore. Seus olhos vão ficar inchados.

Ela levantou da cama e saiu do quarto, decidida a ficar longe dele,


pois tinha se iludido com a maneira que foi beijada.

Ela estava sentindo falta do afeto que recebeu desde que era uma
menina. Mesmo sem pai e mãe, sempre viveu cercada por pessoas a amavam,
mas agora não existia mais ninguém. A ideia de ter alguém ao seu lado, para
abraçar durante os anos seguintes, influenciou seus pensamentos naquela
tarde, sem contar a satisfação prazerosa que seu corpo sentiu ao ser tocado
por Eduardo. Seria um conjunto carnal e protetor, que parecia ser bom e
agradável. Mas a resposta tinha sido negativa e mais uma vez ela sentiu o
peso de estar sozinha no mundo. Precisava começar a saber lidar com aquilo.
14

TRÊS SEMANAS DEPOIS...

— Edu, você anda muito aéreo, irmão.

Sergio estava observando Eduardo rodando uma caneta sobre a


mesa, quando deveria estar finalizando o último projeto na empresa. Nas
próximas semanas ele deixaria o estágio para se dedicar apenas a Moedeiros
Engenharia, seu próprio empreendimento.

— A Maria Fernanda saiu do quarto da Luíza ontem.

— Jura que você está a vinte minutos pensando nisso?

— Faz alguns dias que ela anda doente. O quartinho é úmido, talvez
não seja adequado...

— Ela quer ficar longe de você, Edu.

— Ela é novinha, mas sabe ser linda. E tem os cabelos perfeitos, não
só os cabelos... ela tem cheiro de princesa e é tão deliciosa...

— O quê? — Sergio se ajeitou na cadeira e aproximou o corpo da


mesa. — Já provou e não me falou nada? Você nunca me escondeu as coisas.
Sempre dividimos tudo, inclusive a maioria das mulheres. Existe uma
parceria aqui e você está quebrando. Linda... cabelos... O que eu perdi, Edu?
Está falando isso de uma mulher?

— Para de ouvir a porra do meu pensamento! — Eduardo jogou a


caneta sobre a mesa e apontou o dedo na cara do amigo. — Eu vou sair
Sergio. Se eu voltar e encontrar esse projeto do mesmo jeito, eu juro que eu
escolho qualquer filho da puta para minha vice-presidência no seu lugar.

Eduardo abandonou a sala. Chocou-se com Junior no corredor e


seguiu direto para o estacionamento.
***

Eduardo estava dentro do carro, na esquina da rua do colégio. Ele


observava Thiago alisando as mechas do cabelo de Maria Fernanda. O
marido estava furioso, mas aguardava para ter certeza se suas suspeitas
estavam certas.

A jovem sorria e ele não se lembrava de ter visto aquele sorriso


antes. Era lindo, como muitas coisas nela, mas não estava sendo para ele.

O ciúme estava assumindo o controle de suas ações e quando viu


Thiago selar os lábios de Maria Fernanda, ele acelerou o carro e freou
abruptamente na frente do casal.

Com o susto, Maria Fernanda se afastou de Thiago e quando ela viu


que o motorista furioso era Eduardo, sua primeira reação foi correr até ele.

— Não, por favor, não faça isso. — Segurou a cintura do homem,


mas ele continuou andando. — Foi algo inocente, ele não sabe de nada.

— Senhor, eu posso explicar. — Thiago se aproximou.


— Não, Thiago! Por favor, eu explico. Sua mãe já está chegando. Eu
resolvo isso.

— Estamos gostando um do outro. Minhas intenções são as


melhores, peço permissão para namorarmos.

Eduardo empurrou Maria Fernanda e seguiu na direção do jovem.

— Você empurrou a Fernanda! Você está louco, cara? — Thiago o


enfrentou.

— Escuta aqui, fedelho: esta mulher é minha! Se eu sonhar que você


passou a dez metros de distância dela outra vez, eu acabo com esse seu
rostinho de príncipe oriental dos infernos.

— Mulher? Fernanda, esse cara está te assediando dentro de casa?


Por isso estava chorando?

Eduardo virou de costas, passou a mão no rosto, sorriu e virou


violentamente, acertando o rosto do jovem com um soco.

— Você é louco? Por que fez isso? — Maria Fernanda estapeou o


homem que ainda estava furioso. — Por que fez isso, seu psicopata violento?
Thiago... — Ela se ajoelhou no chão para ajudar o jovem levantar.

Thiago conferiu seu sangue sendo expelido do nariz.

— O que esse homem fez com você, Fernanda? Vamos falar com a
diretora da escola e minha mãe. Depois vamos à polícia.

Eduardo sorriu possesso de raiva e segurou o braço de Maria


Fernanda.
— Casados! Somos recém-casados! Ela é minha mulher, diante da
porra da lei. Se encostar as mãos nela outra vez, não vai levar só um soco, seu
desgraçado.

— Filho! — A mãe de Thiago gritou de longe.

Eduardo arrastou Maria Fernanda para o carro.

Uma roda de alunos estava assistindo a confusão. Maria Fernanda


não soube se o medo foi maior que a vergonha.

Eduardo saiu em alta velocidade e furou o primeiro sinal, quase


causando um acidente entre dois carros.

— Você foi a pior coisa que aconteceu na minha vida. Eu te odeio...


— Maria Fernanda murmurou, entre o choro e o medo.

Ela segurava firme no estofado do carro, pois a velocidade estava


muito alta.

— Você pensa que eu te amo? — Ele riu enfurecido e fez uma


ultrapassagem perigosa. — Amo a minha empresa! Você é apenas um
negócio que eu fiz para ter rentabilidade rápida! Minha empresa é tudo o que
me importa nesse maldito casamento!

— Sim! Eu fui negociada! Mas sou uma pessoa movida a


sentimentos! — Ela gritou, mas em seguida tampou os ouvidos, pois o choro
estava sendo agonizante. — Eu quero esquecer que você existe...

— Mas vai lembrar-se de mim até quando esse contrato acabar. —


Ele sorriu mais uma vez. — Foi meu nome que você gemeu quando estava
virando os olhos pela primeira vez. Toda vez que um filho da puta chupar
você, é de mim que...

— Pare! Pare com isso! Por que me desrespeita dessa maneira? Isso
me fere profundamente. Será que não vê? — Ela mais uma vez se engasgou
com o choro.

— Eu não vou ter do que lembrar. Não, talvez eu me lembre da


única mulher que se comportou igual uma porta, uma caipira que teve medo
do tamanho do meu pau.

— Para de me machucar com palavras! Para quê me humilhar desse


jeito? — Ela cobriu o rosto com as duas mãos.

O carro derrapou na pista e por pouco Eduardo não perdeu o


controle.

— Para esse carro! Para! — Ela segurou outra vez no assento.

Eduardo calou-se e a feição tornou-se séria. O olhar fixou em


qualquer lugar, menos na estrada.

— Para! — Ela começou a soluçar. Ele iria bater o carro a qualquer


momento. — Para esse carro, por favor...

Eduardo freou em uma encosta e saiu do carro. Ele foi até a porta do
passageiro e retirou a mulher do veículo.

— Vai me deixar aqui? — Ela correu até a porta do motorista e


esmurrou, mas ele já tinha fechado e em seguida deu partida.

Ela olhou para os lados da pista e viu que aquele trecho era deserto.
Sua cabeça já tinha começado a doer, aliás, as dores de cabeça e fraquezas
repentinas estavam sendo constantes nos últimos dois meses.

Maria Fernanda estava sem nada, pois até sua mochila tinha ficado
no carro. Não tinha dinheiro, endereço ou sequer sabia o caminho de volta.
Mas seguiu pela beira da pista. Desesperada, com um choro magoado e
sentindo-se um nada.

Eduardo chegou à sua casa e correu para o quarto. Abriu a primeira


garrafa que encontrou sobre o bar.

Bebeu uma dose no gargalo e andou de um lado a outro.

— Essa pirralha não vai me fazer de otário! — Bebeu outro gole e


lembrou-se do momento que Thiago beijou Maria Fernanda. — Desgraçada!
— Jogou a garrafa de vodca da parede.

Seguiu para pegar outra garrafa e viu uma das escovas de cabelo da
mulher, que estava sobre o tapete, certamente teria caído quando ela buscou
os pertences no quarto.

Ele se abaixou, pegou o objeto e sentou na cama. Recusou-se a


sustentar o sentimento de arrependimento que surgiu.

— Você não vai invadir meu maldito coração. — Jogou a escova na


mesma direção que atirou a garrafa.

Desceu para cozinha.

— O que foi Eduardo? — Perguntou Antonieta, vendo-o andar de


um lado a outro.

Ele não respondeu.


— Antonieta, eu fui buscar a patroa, mas dei viagem perdida... —
Jorge entrou na cozinha e calou-se quando viu o patrão. — Eu só parei na
barraquinha de churros para comprar um lanche para ela, eu juro patrão.

— Onde está Maria Fernanda? — Antonieta olhou para Eduardo, em


seguida para Jorge. — Onde está Maria Fernanda? — gritou.

— Lá na porta do colégio me falaram que ela saiu com o marido.

— Onde está à menina, Eduardo? — Antonieta se desesperou.

Ele apertou os próprios cabelos em desespero.

— O que você fez com ela? Fala o que você fez! — Antonieta o
sacudiu.

— Não se meta nos meus assuntos! Não se esqueça... não se esqueça


que você... Eu a deixei na estrada, Antonieta.

— O quê? — Suelen entrou na cozinha e ouviu a última frase. —


Você teve coragem, seu psicopata? — Suelen avançou, mas Antonieta
segurou a jovem. — Ela não conhece nada nesta cidade!

— Cala a boca, Suelen! — Ele apertou os dedos nos olhos.

Ele jamais admitiria o erro.

— Tomara que ela fuja e não volte nunca mais. Ela não é burra, vai
pedir informações e carona. Vou torcer para que isso aconteça!

Antonieta firmou os braços em volta da jovem.

— Vá buscá-la, Eduardo. — Antonieta pediu. — Vá buscar sua


mulher, meu filho. — Antonieta era a única que ainda tinha uma faísca de
esperança nele.

Eduardo era vazio. Desde criança foi pressionado pelo pai a ser o
melhor em tudo. Foi educado para ser racional, sua vida profissional deveria
ser prioridade. Muitas vezes ele desejou um abraço no final de uma
conquista, mas quando estava na infância, recebia uma zoada no cabelo; na
adolescência, aquilo foi substituído por três tapinhas nas costas, agora,
bastava um aperto de mão. “Como alguém ofertaria o que nunca teve?”

Quando era menino, Antonieta era a única que lhe estendia os


braços, pois sua mãe preferia as futilidades da vida a perceber o filho. Com o
tempo ele foi se afastando da empregada, pois já estava com o orgulho
convertido. Seu coração vazio cicatrizou-se por fora. Ele criou uma
blindagem contra sentimentos. Jamais perderia o controle de suas ações.
Valia-se da razão e abominava a emoção.

— Vá atrás dela, Eduardo. Vá meu filho.

— Não estou me importando com ela, Antonieta. — Ele saiu da


cozinha andando tranquilamente, mas quando chegou à sala, correu de volta
na direção do jardim, onde tinha deixado o carro.

Ele dirigiu na mesma velocidade que antes. Aquilo já era normal,


mas quando estava furioso parecia perder todas as noções de
responsabilidade.

Quando chegou próximo ao trecho onde havia deixado sua mulher,


avistou uma caminhonete com as portas abertas.

Ele desceu do outro lado da pista apenas para conferir, mas quando
ouviu os gritos de Maria Fernanda, avançou.

O homem forçava a entrada da jovem dentro do carro e Eduardo o


puxou violentamente. Ele jogou o ruivo no chão e socou por diversas vezes.
Só o abandonou depois que viu o homem desfalecer.

Quando levantou, Maria Fernanda estava abaixada na encosta da


pista e vomitava no gramado.

A blusa do colégio dela estava com rasgos.

— Vamos para casa. — Ele abriu os botões da camisa e colocou nos


ombros dela.

Maria Fernanda tossia muito.

— Eu... eu não... Não vou. — Ela sentou no chão e cobriu a testa


com a mão.

— Vamos para casa. Vou te dar um banho e cuidar de você.

— Não toque em mim. — Ela olhou para o homem próximo à


caminhonete e voltou a vomitar.

O rosto do sujeito estava transfigurado e a camisa branca que ele


usava, ensopada de sangue. As mãos de Eduardo estavam ensanguentadas e o
denunciavam.

— Venha. Fique calma, já passou.

Eduardo forçou os braços em volta do corpo dela e a levantou.

Maria Fernanda não teve forças para tentar sair dali. Estava
atordoada. Ela não o via como herói e sim, culpado.
Ele a colocou deitada no banco traseiro e dirigiu devagar. Maria
Fernanda continuou chorando. Sentiu-se sem valor diante dos últimos
acontecimentos.

Eduardo a olhava pelo retrovisor. Ele deveria ter abraçado a mulher


e pedido perdão. Seria pouco, diante de sua atitude hostil, mas demonstraria
sua capacidade de arrependimento.

Seu orgulho jamais permitiria tal fraqueza.

Quando ele chegou ao jardim da casa e abriu a porta traseira, Maria


Fernanda correu na direção do quartinho, onde se trancou, pois se
envergonhou dos empregados.

— Abre a porta, Maria Fernanda! — Ele gritou. — Vamos


conversar. — Ele esmurrou a porta com ignorância.

— Por que não continua até quebrar sua maldita mão, seu
desgraçado! — Suelen se aproximou.

— É o quê?

— Não tenho medo de você, babaca! Sai da minha frente. — A


morena passou por ele com dificuldade e forçou a fechadura do quarto da
patroa.

— Se o Sergio quiser, que te leve para limpar a casa dele. Está na


rua!

— Outra vez isso? – A morena encarou o patrão.

— Você está na rua! Pegue suas coisas e saia daqui. Antes que eu
perca minha cabeça com você!

Diante daquilo, Maria Fernanda abriu a porta. Estava ofegante e


estonteada.

— Eu converso. Mas não demita a Su.

Eduardo olhou para os olhos azuis amedrontados. Segurou a mão


dela e entrou no quartinho. Trancou a porta e Maria Fernanda se encolheu
próximo à cabeceira da cama.

— O que aquele desgraçado fez com você?

Com lágrimas nos olhos, ela observou os movimentos dele dentro do


quarto.

— Me responde! Ele abriu sua calça? Tocou em você? Só não acabei


com ele porque você estava passando mal.

— Você me abandonou em uma rua deserta, sabia que eu correria


riscos por não conhecer nada aqui.

— Ele fez alguma coisa além de ter rasgado sua blusa?

— Eu estaria morta se ele tivesse me levado. Por que fez isso? Que
mal eu te fiz? Eu quero voltar para a fazenda. O Giovane foi um falso amigo,
mas tenho o padrinho e os empregados.

— Tire isso da sua cabeça. Daqui você não sai!

— Vou pedir ajuda ao Thiago e fugir na primeira oportunidade. Eu


não aguento mais viver aqui.

— Vou acabar com ele também. Vou acabar com todos que se
meterem com você.

— Monstro, violento! — Maria Fernanda se engasgou em um choro.


Ela estava muito abalada. — Você não vai ameaçar a vida do Thiago! Não
vai tocar nele!

— Não queira me fazer de idiota, menina!

Eduardo foi até a penteadeira derrubou todos os vidros de perfume


de Maria Fernanda.

Ele sentiu raiva por ter se envolvido com a beleza e sedução da


mulher. E, principalmente, por estar lutando consigo mesmo em favor dela.
Anos lutando para não se apegar a ninguém exatamente por aquilo. Nutrir
sentimentos que o tornassem dependente e fraco. Tinha muitos problemas
para resolver na empresa e, no entanto, estava ali lidando com a pirralha e
sentindo-se a pior espécie de homem por tê-la ferido.

— Eduardo o que está fazendo? Abre essa porta! — Antonieta


forçou a fechadura.

— Vá cuidar da sua vida, Antonieta!

— Seu desgraçado! Vou acabar com você se tocar nela. — Suelen


espancou a porta.

Maria Fernanda não controlou o choro. Sentiu pavor daquele


Eduardo à sua frente.

Ele a viu chorando e apertou os dedos nos próprios cabelos. Aquele


choro tinha o poder de desarmá-lo.
— Pare de chorar! Vão pensar que estou te espancando. — Ele a
segurou nos ombros. — Tudo bem, sou um puto que não merece uma mulher
como você. Não chore. Pare de chorar, Maria Fernanda!

— Quebrou minhas coisas. Foram presentes. Minha madrinha me


deu todos eles. Quebrou meu coração e me humilhou.

— Vou mandar comprar todos novos. Quanto ao seu coração, eu não


mandei você se iludir. Eu não tenho nada aqui dentro. Sou vazio, não deveria
ter esperado o melhor de mim. Pare de chorar, mulher. — Ele apertou a
cabeça dela em seu peito. — Por que foi se envolver com aquele moleque,
Maria Fernanda? Tem um homem em casa que te deseja e pode te oferecer
prazer.

— Sai de perto de mim! Sai de perto de mim! — Ela o empurrou.

Eduardo caiu sentado no chão. Olhou para ela e foi em direção à


porta.

Ele passou direto por Antonieta e Suelen.

— Ele te bateu? — Suelen abraçou a amiga. Ela apenas balançou o


rosto em negação.

— Minha filha, não sabe como me dói vê-la, tão novinha, passando
por isso. Eduardo não vai mudar. — Antonieta também abraçou a patroa.

— Não vou aguentar isso. Eu preciso sair daqui ou não vou


aguentar.
15

Eduardo chegou em casa por volta das oito horas da noite e foi direto
para o seu quarto. Precisava trabalhar na planta da nova empresa e finalizar
um projeto da J. A. Depois de quase duas horas estudando, levantou de sua
escrivaninha e foi até a varanda.

Maria Fernanda estava deitada na borda da piscina. Aquela noite


estava ventando bastante, algo que a fez lembrar-se das noites na fazenda.
Seus olhos ainda estavam inchados, pois, de tempos em tempos, ela tinha
crises de choro. Preferia pensar na fazenda a nos acontecimentos do dia
anterior.

Eduardo, da varanda do seu quarto, a espiava olhando para o céu. De


longe não dava para perceber, mas ele sabia que ela estava triste e
amargurada pelo ocorrido no dia anterior. Ele se lembrou dos presentes que
tinha comprado e estavam guardados. Depois de olhá-la secar os olhos, ele
seguiu até o guarda roupa. Pegou a sacola do urso e abriu a caixa com a
lingerie. Ele passou a mão na peça rendada e desejou vê-la vestida. Apertou o
polegar e o indicador nos olhos e respirou pesado, pois sentiu seu corpo
reagir. Era nítido que ele a desejava e as outras não estavam conseguindo tirar
a sede de tê-la por completo.

Movido por seus anseios, ele desceu as escadas rapidamente,


vestindo apenas em uma calça de moletom azul. Não se incomodou ao passar
pelas dondocas, amigas de sua mãe, na sala. Não falou com ninguém,
simplesmente abriu a porta e seguiu para a piscina.

Quando chegou ao gramado, diminuiu os passos e caminhou


devagar. Observou-a chorosa, com o rosto virado para a água.

Ficou inquieto. O peso da palavra que nunca havia usado estava


machucando seu peito, mas seu orgulho jamais o deixaria reconhecer seus
erros, tampouco, usar a palavra perdão.

Ele chegou até ela e se abaixou ao seu lado. Aquilo fez Maria
Fernanda sentar-se rapidamente. Assustada, ela pegou impulso para se
levantar.

— Espera. — Eduardo a puxou de volta, fazendo com que caísse


sentada em seu colo. — Para de chorar... — Colocou os cabelos para trás,
descobrindo o pescoço. — Não chora.

— Me solte! Não quero contato com você! — Ela tentou se livrar,


mas Eduardo a abraçou fortemente e inalou o cheiro dos seus cabelos com os
olhos fechados. — Você está me machucando, agora fisicamente. — Ela
voltou a sentir as lágrimas descerem.

— Shhhhhh, não chora, mulher. É que você é pequena dentro dos


meus braços e te aperto para sentir seu corpo. — Esfregou o nariz nos cabelos
dela. — Seus cabelos são tão lindos. Quero que os prenda quando sair por aí.
Não quero você chamando a atenção de nenhum homem, além de mim. —
Alisou o longo cabelo da jovem. — São lindos.
— Não vou prender meus cabelos! Solte-me!

— Não quero nenhum desgraçado admirando minha menina, por


isso, prenda-os. — Continuou inalando o cheiro do cabelo da jovem como se
fosse um perfume muito raro. — Poderia se divertir tanto se deixasse de ser
tão ingênua.

— Eu não quero o senhor, por favor, me solta!

— Eduardo. Já disse que para você, sou Eduardo. E nunca vou te


soltar. — Ele liberou uma mão e afastou o cabelo da jovem para beijar o
ombro desnudo, uma, duas, três vezes... Fazendo-a paralisar e parar a luta
para sair dali. — Você é minha e ainda não se deu conta disso, pequena. Será
que não vê?

— ANTONIETA! SUELEN! — Maria Fernanda gritou.

— Para com isso, Maria Fernanda! Fecha os olhos e sente. — Beijou


sensualmente o pescoço dela. — Volta para nosso quarto e pare de chorar.

— Antonieta!

Ela gritou, pois precisava ser interrompida. Seu corpo formigou com
o abraço firme, acompanhado dos beijos molhados que recebia no pescoço.
Ela sentia-se atraída por aqueles braços enormes que circulavam sua frágil
cintura, mas estava machucada e suas feridas doíam na alma. Foi criada com
normas antiquadas. Tinha valores e queria ser tratada com respeito. Jamais se
entregaria de corpo e alma a um homem que a desprezava e a tratava como
um negócio de valia financeira.

— Por que faz isso se me despreza e joga na minha cara que não
tenho artifícios femininos? Meu valor está no papel que te garante milhões.
Se pensa assim, por que testa os meus limites? Faz isso para depois me
desprezar? Acha pouco o que tem feito comigo? Quer tirar o resto de minha
dignidade com mais humilhações?

— Está na hora de parar de ler esses romances de época, mulher. Seu


linguajar está ultrapassado. Estou trabalhando no último projeto, ele vai
fechar meu estágio com chave de ouro. Serei o engenheiro mais respeitado
deste país. É um projeto muito trabalhoso. Mas eu posso largá-lo esta noite,
se você me deixar sentir seu gosto outra vez. — Lambeu o pescoço dela.
Maria Fernanda tentou afastá-lo, mas foi impedida. — Só isso basta. Depois
eu me resolvo sozinho. Se você quiser, eu faço na sua frente. Você quer?

Maria Fernanda concordou com um gesto de cabeça. Eduardo sorriu,


beijou a bochecha dela e a soltou. Maria Fernanda levantou e Eduardo fez o
mesmo.

— Tenho presentes para você. — Ele pegou a mão dela. — Mas vou
dar depois que você estiver molinha. — Beijou a mão dela e recebeu a
joelhada no meio das pernas.

— Sua... — Ele se curvou sobre o gramado apenas para se defender,


pois a joelhada não foi tão precisa. Maria Fernanda se esforçou, mas não
conseguiu atingir a velocidade desejada.

— Nunca mais toque em mim novamente! A dor e humilhação que


me fez sentir, não podem ser curadas em vinte e quatro horas. Não pense que
vou ficar presa nessa casa. Agora, mais do que nunca, eu vou dar um jeito de
sair daqui.
— Se tentar fugir novamente, eu te deixo acorrentada dentro do
quarto. Vamos subir. — Tentou pegá-la, mas Maria Fernanda se
desvencilhou e o empurrou para dentro da piscina.

— Pirralha, desgraçada. — Maria Fernanda correu em direção à


porta dos fundos. — Agora vai ser do meu jeito!

Ele saiu da piscina e seguiu todo molhado, em passos largos.

— Maria Fernanda! — Entrou na cozinha gritando.

— Pelo amor de Deus, Eduardo! Já vai atormentar essa menina outra


vez?

— Não se meta nos meus assuntos, Antonieta! Já estou perdendo a


paciência com todas vocês! — Olhou para Jorge que estava na mesa,
degustando uma fatia generosa de bolo. O empregado se encolheu e abaixou
o rosto. — Se eu demitir um, mudo o quadro completo.

Seguiu pelo corredor do quarto dos empregados e viu Maria


Fernanda abraçada a Suelen, dentro do quarto da empregada.

— Vamos!

— Saia daqui! — Suelen levantou e o enfrentou.

Ele empurrou à morena e puxou Maria Fernanda de sobre a cama.

— Vou te mostrar o modo correto de amansar sua selvageria e


desobediência! — Falou enquanto a puxava grosseiramente em direção à
sala.

— Meu braço está doendo. Por favor, não me machuque ainda mais!
— Ela implorou tentando se soltar.

Ele entrou na sala, ainda a puxando, e não se importou com os olhos


arregalados das dondocas.

No quarto, jogou Maria Fernanda na cama e trancou a porta. Ela


tentou andar de costas na cama, mas ele segurou em seus pés, puxou-a e
deitou sobre seu corpo.

— Quando olho para você, começa uma briga aqui dentro, pois
nunca fui um babaca romântico na cama, mas não sei como, você consegue
despertar isso em mim. Sempre pretendo ser carinhoso e começar pelo
básico, quando eu deveria jogá-la de quatro e segurar firme em seus cabelos
enquanto te domino.

Alisou os cabelos da mulher, disposto a afastar tais desejos. Maria


Fernanda aproveitou a displicência e o estapeou. Gritou e tentou sair debaixo
dele.

— Mas você tem o prazer de despertar meu lado sádico! É assim que
você gosta, não é? — Segurou firme no queixo dela.

Maria Fernanda segurou o choro e esperou pelo que viria com o nó


preso na garganta. Sua cabeça latejou e soluços escaparam quando ela sentiu
Eduardo mergulhar a mão dentro da saia do seu vestido para trocá-la.

— Não, por favor, não faça isso.


Eduardo beijou-a, sugando os lábios trêmulos, mordendo o queixo e
salientando a pele branca do pescoço com um chupão. Ele fez de propósito
para marcá-la. Sentia-se rígido e pronto para possuí-la, mas seguia
manipulando o frágil e sensível nervo por sobre a calcinha, a estimulava em
busca de reação; a queria lânguida, assim não seria doloroso. Já estava a
ponto de explodir ali fora, roçando-se na coxa dela. Não podia esperar mais,
aqueles movimentos nunca tinham sido tão lascivos; a repetição estava o
enlouquecendo.

— Pare de chorar e sinta. — Ele abandonou a boca dela e Maria


Fernanda olhou para o teto chorando em desespero. Eduardo liberou o
membro duro e úmido de dentro do moletom e moveu-o na coxa dela. Foi
naquele momento que Maria Fernanda buscou forças onde não tinha e
apertou o início da extensão dele com força entre os dedos.

— Ahhh! — Eduardo sentou na cama e teve dificuldade em fazê-la


abandoná-lo. — Selvagem do caralho! — Ele conferiu se tinha deixado
sequelas, foi um forte e doloroso aperto, mas por algum motivo não
atrapalhou a ereção.

— Não... coloque isso em minhas pernas, eu não quero. — A voz


dela ainda estava trêmula, pois agora era o medo da consequência que a
atingia.

— Eu estava quase liberando uma maldita ejaculação precoce para te


dar prazer, e você quer arrancar meu pau? — Ele gritou, segurando o membro
com uma das mãos. Maria Fernanda se encolheu próximo à cabeceira da
cama e limpou a mão no lençol, ainda estava muito trêmula.

— Isso é muito errado...

— O que é errado? — Ele a interrompeu com um grito e foi para


cima dela.

— Vo-você, me tra-tratando como uma rameira. — Olhou para o


lado, pois ele estava com o rosto colado ao dela.

— Onça do mato… — Ele falou entredentes e passou o polegar nos


lábios carnudos. Respirou fundo, maldizendo seus próprios anseios carnais. O
que aquela maldita, pirralha, virgem tinha para fazê-lo desejá-la daquela
maneira brutal e ao mesmo tempo, doce? Ele grunhiu, segurou o músculo
duro com a outra mão e adentrou o dedo na boca dela. Passou os três
segundos desejando que ela o sugasse, mas seu bel-prazer não durou mais
que isso, pois logo sentiu os dentes cravados em seu polegar.
— Merda! — Ele desceu da cama, guardou o membro dentro da
calça, pegou a chave na porta do quarto e seguiu para o banheiro, precisava
resolver o problema de sua excitação, mas longe daqueles dentes afiados.

Maria Fernanda se ajeitou e escorregou para o chão, onde cruzou as


mãos em volta dos joelhos. Chorou aliviada e constrangida.
***

Quase meia hora depois, Eduardo retornou ao quarto. Estava de


banho tomado e cobria-se com um roupão preto. Maria Fernanda estava de
costas, do outro lado, e aos pés da cama. Ela levantou o rosto e retesou o
corpo de imediato. Apertou o pulso, pois sentiu dor quando segurou no chão
para se afastar dos olhos dele.

Eduardo se trocou e retornou ao banheiro. Voltou com um spray


analgésico e uma toalha.

— Vem, vou limpar suas pernas e cuidar do seu braço.

Ela levantou e correu para o banheiro. Eduardo estava com as chaves


das duas portas no bolso, então apenas se jogou na cama.

Já era madrugada e a luz do quarto estava apagada, por isso ela


resolveu voltar. No escuro, ela buscou uma camisa dele no guarda roupa.
Retirou o vestido molhado e depois de fechar todos os botões, ela se abaixou
no tapete e deitou a cabeça nas mãos.

Eduardo tinha cochilado antes, mas naquele momento estava


acordado. Ele tinha observando-a desde que a porta do banheiro foi aberta.

Ainda com a luz apagada, ele seguiu até ela, pegou-a nos braços e a
levou para a cama.

— Me dê o seu braço.

Aquilo não foi um pedido, pois já estava com o braço dela em sua
posse. Ele destampou o frasco e aplicou duas vezes.

— Vou tentar ao máximo não ser grosseiro com você. — Massageou


o punho dela. — Deite-se e tente dormir. — Puxou o edredom e a cobriu. —
A noite está fria — sussurrou e inclinou até ela para beijar de leve o canto da
boca. — Durma bem, linda menina. Você parece um anjo. Um anjo selvagem
que atormenta um demônio insano como eu. — Falou após o último beijo no
cabelo dela e, abraçado ao corpo de sua mulher, esperou o sono voltar.

Maria Fernanda tinha dormido no banheiro e ainda estava sonolenta,


então, não demorou muito para sentir os olhos pesados de sono.
16

Eduardo dava o nó na gravata, mas os olhos estavam em Maria


Fernanda, enrolada sobre a cama. Ainda era muito cedo, ele iria madrugar na
empresa para fazer o trabalho da noite anterior. Depois de vestido
socialmente, ele pegou a mochila com o notebook e saiu do quarto.

Quando chegou à cozinha, Antonieta já estava acordada, preparando


os alimentos do dia.

— Bom dia, Antonieta.

— Você a maltratou, Eduardo?

— Antonieta, não se meta no meu casamento, isso já está se


tornando maçante e enchendo minha paciência. Não quero te ofender, então,
deixe que da minha mulher e do meu casamento, cuido eu.

— Ela dormiu no seu quarto por vontade própria ou foi obrigada?

Eduardo suspirou, sem paciência.

— Prepare tudo o que Maria Fernanda gosta e leve até ela. Depois,
ajude-a a se arrumar e mande o Jorge levá-la para a escola. Ela já faltou à
escola ontem, não quero que isso se repita. Ela precisa terminar logo os
estudos. Não me agrada a ideia de ter aqueles pivetes ao redor dela.

— Vou levar o café dela, não se preocupe.


— Não estou preocupado. — Seguiu em direção à porta da casa. —
Fale com o Jorge que vou buscá-la na saída.
***

Antonieta colocou a bandeja aos pés da cama e alisou os cabelos de


Maria Fernanda. Ela já tinha observado se havia sangue no lençol. Como não
encontrou nenhum sinal de violência, entendeu que estava com asneiras na
cabeça e respirou, aliviada. Maria Fernanda estava vestida com uma das
blusas do marido, que havia mandado levar o seu café na cama. O casal
poderia estar se entendendo. Ela ainda tinha esperança na redenção de
Eduardo.

Maria Fernanda se assustou e, depois que viu a cozinheira, se


encolheu, sentada na cama.

— Desculpa, Antonieta.

— Por que está falando isso, filha?

— Sinto-me envergonhada e desgastada. — Ela se referia ao seu


apito mudo. Pois reagir apenas, estava cansando-a, visto que todo dia era a
mesma coisa.

— Eu imagino que esteja desgastada. Eduardo me mandou trazer seu


café da manhã. — Antonieta viu a mancha roxa no lado esquerdo do pescoço
dela e tentou disfarçar, estendendo a mão para pegar a bandeja. Não se sinta
envergonhada, são casados. A intimidade é normal na relação. Precisa comer.
Agora o Eduardo não te dá mais sossego. Mas coloque leis, e segure-o em
uma rédea curta. Já descobriu seu poder sobre ele, agora tome o controle de
tudo. Precisa ir à escola. Tome seu café e corra para o banho.
— Antonieta, você me empresta dez mil reais e, depois que eu fizer
dezoito e pegar meu dinheiro, eu mando para... eu te devolvo em mãos?

— Dez mil? Tenho essa quantia, mas para que está precisando?

Maria Fernanda não era acostumada a mentir, mas sabia não poderia
falar sobre os seus planos de fuga com ninguém. Não envolveria Suelen,
Antonieta ou Jorge, pois, quando ela estivesse longe, eles pagariam. Queria
completar dezoito e no mesmo dia comprar uma passagem para fora do país.
Iria pedir proteção aos amigos da madrinha, que sempre a paparicaram.

— Para que você quer o dinheiro?

— Quero comprar um presente para o Eduardo. Um presente caro.

— Não precisa de tudo isso. Quer um conselho? Não dê nada. Faça


ele te agradar. Eduardo precisa de uma lição na vida e não de ser paparicado.
Esqueça presente e foque na rédea curta. Vá tomar banho e desça porque o
Jorge está te esperando. Mas antes, tome seu café reforçado.
***

Eduardo e Sergio estavam em uma cafeteria próxima à empresa.


Saíram do escritório depois das nove da manhã e, naquele momento, faziam a
primeira refeição do dia.

— Você pode desabafar comigo, Edu. Somos amigos e nunca houve


segredos entre nós.

— Uma coisa é desabafar sobre as vadias que pego na rua, outra


coisa é falar sobre vida com a minha mulher.

— Ah, eu sei. Intimidade. Essa coisa que vocês não têm. — Sergio
caiu na risada. — Cara, você está apaixonado? Está louco por ela e ela te
rejeita, é isso, Edu?

Eduardo jogou o garfo de qualquer jeito no prato.

— Eu poderia apertar seu pescoço até você retirar o que disse, só


que estou cansado demais para fazer isso hoje. Mas preciso me aproximar de
verdade da Maria Fernanda. Ela não confia em mim e isso torna as coisas
mais difíceis. Ontem, eu me esforcei para fazê-la reagir, mas a menina treme
de medo e não relaxa.

— Ela é nova e foi criada por aquela tia, que parece que a educou
como uma princesa em uma bolha. Ela poderia reagir de dois jeitos: se
entregar de corpo e alma por ser bobinha demais ou fugir do seu modo
sedutor nada lord.

— Ontem, eu quase cometo uma loucura. Nunca uma mulher me


rejeitou. Elas gostam do meu estilo. Sempre fui bom de cama. No entanto,
aquela pirralha treme, mesmo eu tentando ser carinhoso.

— Repete o carinhoso que eu não ouvi direito.

— Eu só insisto nessa pirralha por conta da empresa e o que posso


perder, se ela resolver me deixar.

— Se continuar sendo inconsequente, vai perdê-la mais rápido do


que pensa.

— Você é um idiota, Sergio. Não sei por que eu ainda converso com
você sobre essas coisas.

— Serão dez anos, cara. Vai viver desse jeito, como medo dela fugir
e te deixar sem nada? Dá um jeito nisso, Edu. É uma menina. Só precisa
conquistá-la do jeito certo. E ter cuidado para não se envolver na conquista.
A não ser... que você queira. — Sergio degustou um bolinho, olhando para o
amigo, que estava aéreo.

— Sem risco. Meu interesse na ferinha é apenas profissional. Você


acha que, se eu levar alguns bolinhos de bacalhau para ela, é um bom
começo?

— Com a Suelen funcionaria. A morena anja ama comer. Não sei


como consegue manter o corpo. Deve ser coisa de metabolismo, não entendo
isso direito. Mas eu não sou você, então acho desespero da sua parte chegar
lá, com uma sacolinha de bolinho de bacalhau. Cara você é engraçado,
tentando ser cavalheiro.

— Vai para casa do caralho. — Eduardo levantou e deixou o amigo


sozinho na mesa.
***

Maria Fernanda pediu desculpas a Thiago e depois correu dele


durante toda a manhã. Observou quando ele viu a mancha roxa em seu
pescoço. Estava fugindo das perguntas, não queria responder e afirmar seu
destino.

Quando Eduardo estacionou do outro lado da rua, ela estava parada


na calçada. O olhar estava vidrado em uma pedra qualquer, mas o
pensamento longe. Pensava em coisas de quando ainda era criança e colocava
Giovane em algumas enrascadas por conta de sua curiosidade. Aquele era um
tempo que não voltaria. Aos poucos, ela estava perdendo o brilho, a vontade
de se cuidar e de viver.

Ela escutou a buzina do carro e caminhou. Abriu a porta traseira e


sentou no canto. Seus pensamentos continuavam longe.

Thiago observou tudo e sabia que aquele casamento não poderia ser
real, pois via sofrimento na expressão facial dela.

Enquanto dirigia, Eduardo observou os cabelos uniformes e


alvoroçados. Os olhos azuis estavam sem brilho e focavam o nada.

Ele mudou a rota de casa e foi em direção a uma praia deserta.

— Está com muita fome?

Ela não respondeu.

— Vou te levar até a praia. Você vai gostar. Já almoçou em um


restaurante à beira da praia? — falou, empolgado, mas perdeu o riso quando
ela não respondeu.

Minutos depois, o veículo parou em uma área restrita de um


condomínio de luxo. Eduardo retirou os sapatos e saiu do carro, deu a volta e
abriu a porta traseira.

— Vai largar meu corpo aqui? — enfim, Maria Fernanda falou algo
e depois saiu do carro.

— Que conversa é essa mulher? Vamos almoçar fora, só isso.

— Eu não queria estar aqui. Mas não há nada que eu faça para ser
ouvida. Então pode fazer o que quiser.

— Tudo bem, se você não quer, vamos para casa. — Ele olhou outra
vez para os cabelos revoltos e não se agradou daquilo. — Entra no carro.
Vamos almoçar em casa. De agora em diante, vou te ouvir. Se não quiser
algo, não faço.

— Não vai me iludir com esse tipo de ladainha. — Ela voltou para o
carro.

— Estou sendo sincero, mulher. Pensei sobre o que aconteceu


ontem...

— Cale-se! Não me maltrate ao lembrar toda aquela humilhação. Se


pretender cumprir suas falsas palavras, não se aproxime mais de mim. Não
quero que você me pegue na escola, não quero que fale comigo e,
principalmente, não quero que toque o meu corpo.

Eduardo ligou o carro e dirigiu calado. Ou ele estava perdendo o


jeito com as mulheres ou Maria Fernanda tinha o coração mais frio do que o
seu. Este foi seu pensamento, quando decidiu dar um tempo e tentar
conquistá-la da maneira correta. Restava saber, se ele conseguiria segurar o
desejo insano e a brutalidade.
***

Uma semana tinha se passado e aquele era o final de semana em que


Antonieta folgava. Ela não entendeu o motivo de Maria Fernanda ter voltado
para o quartinho, mas, de qualquer maneira, ficou aliviada. Se Eduardo tinha
se afastado, então era sinal de que tinham feito tudo de comum acordo e sem
brigas. Depois de mil recomendações a Suelen para não deixar Maria
Fernanda sozinha, ela entrou no táxi e seguiu para a casa da família.

— Teve uma vez que o “senhor sangue ruim” brigou com o Jorge e
aquele bobalhão pegou quinze dias de atestado. Ele morre de medo de
qualquer espirro. É um covarde.

Suelen estava acabando com a vida de Jorge na cozinha, enquanto


lavava a louça com a amiga. Maria Fernanda estava dando uma gargalhada
gostosa e Suelen percebeu que a tinha feito rir pela primeira vez na casa.

— Isso que é ser medroso. — Maria Fernanda se abanou com uma


tampa, pois a crise de riso aqueceu seu corpo. — Ele até aceitou o emprego
na fazenda e ia levar os gatos da mãe dele.

— Você fica melhor sorrindo, não gosto de te ver chorando pelos


cantos. Você não merece sofrer, amiga.

— Eu sempre fui feliz, Su, mas agora minha vida aqui é muito triste.
Casada com um homem totalmente infiel, que não me respeita e me trata
como um acordo financeiro.

— Esses dias, eu cheguei a pensar que aquele “fi da peste” estava


gostando de você.

Maria Fernanda quase deixou um dos copos de cristal que lavava


cair no chão.

— É só uma observação minha. Ele anda perguntando sobre você e


fica te espiando com cara de homem besta. O pior é que, se ele estiver mesmo
sentindo alguma coisa, vai negar desse jeito: maltratando-te. Ele parece não
ter qualquer sentimento bom em relação às pessoas, só com a tal empresa.
Vai ficar velho, sem ninguém para cuidar dele — Suelen divagou uma
previsão.
— Você está falando besteira. Quem gosta de alguém, não maltrata
como ele faz comigo. Melhor parar com essa conversa.

— Esse seria o certo, mas, às vezes, existem pessoas orgulhosas


demais para admitir o que sentem, aí metem os pés pelas mãos e acabam
fazendo tudo errado — Suelen falou, pensativa, lembrando-se do que tinha
acontecido na vida dela meses atrás.

Mais tarde, Maria Fernanda estava cantarolando uma música de


ninar que sua madrinha cantava quando ela era criança. O chuveiro estava
ligado e ela esfregava as longas madeixas.

Eduardo estava louco de vontade de tocá-la. Mas tinha prometido


para si mesmo que não se submeteria à atração que sentia por ela,
conquistaria Maria Fernanda apenas para mantê-la na casa. Mas aquela voz
macia e doce no corredor o contagiou.

Ela tinha o poder de mexer com seus sentidos com uma simples
música infantil.

Ele rodou a maçaneta da porta do banheiro dos funcionários e


estancou ao ver o corpo totalmente nu através do box embaçado.

Observou-a enxaguando os cabelos. Seu corpo todo ascendeu quase


que instantaneamente e logo sentiu sua calça apertar com o volume crescente.
Só podia ser algum encantamento. Ele esteve com várias mulheres durante
aquela semana, mas, no auge do seu prazer, era Maria Fernanda quem estava
em seus pensamentos. Sentia-se mal, sujo e angustiado. Por mais que ele
tentasse continuar, a sensação de erro não o abandonava, então saía, sem
consegui se satisfazer. No dia seguinte, tentava novamente, mas tudo se
repetia.

Precisava de Maria Fernanda, não apenas como um jogo de


negociação, sua jovem esposa estava influenciando em sua vida sexual e
despertando acusações internas que nunca existiram. E aquilo era perigoso
para o seu modo de viver.
17

Eduardo saiu do banheiro e tentou recuperar o fôlego. As curvas


delicadas e juvenis de Maria Fernanda agitavam seu corpo, mas era algo além
de desejo desenfreado que sentia. Era forte e ele tinha medo do que estava
acontecendo

Ele ficou no lado de fora até Maria Fernanda sair com a sua
necessaire nas mãos.

— Ahh! — ela gritou e recuperou a bolsa com os pertences antes


que caísse no chão.

— Você está bem? — ele perguntou, olhando para a parede à frente.


— Tem uma semana que não falo com você e quero saber se está precisando
de alguma...

Maria Fernanda passou direto para o quartinho e deixou-o


conversando sozinho.

Ele permaneceu por alguns segundos no mesmo lugar. Buscava


entender o que estava acontecendo com ele, porque toda aquela necessidade
de estar perto dela. Com a respiração ofegante, ele colocou a mão no peito e
sentiu um pulsar forte que chegava a doer.

A distância entre o banheiro e o quarto de Maria Fernanda era curta


e, em alguns passos, Eduardo já estava lá. Depois de encostar a cabeça na
porta e respirar por alguns segundos, ele a chamou:

— Maria Fernanda, abre a porta. Vamos conversar. Abre a porta —


falou, manso.

— O que quer com a minha amiga? — Em um pulo, Suelen já estava


ao lado dele.

— Minha vida e a da minha mulher não te diz respeito. Quantas


vezes eu preciso repetir? — Ele voltou a bater na porta — Abre, Maria
Fernanda! — gritou, pois não chamaria baixo na frente da empregada.

— Ela não tem nada para falar com você. — Suelen cruzou os
braços e encostou-se a parede.

— Suelen, dá para você cuidar do seu trabalho e me deixar em paz?!

— Antonieta me deixou no comando.

— É o quê? Eu estou no comando. Esta casa é minha e você trabalha


para mim, então, saia da minha frente antes que eu perca minha cabeça com
você.

— Se você gosta dela, porque não faz a coisas do jeito certo? É tão
difícil para vocês, homens, não serem uns babacas?

— Suelen, eu não tenho nada a ver com a sua história mal resolvida
com o Sergio. Agora, volte para o seu serviço e me deixe cuidar da minha
mulher.

— Desse jeito, você só vai afastá-la ainda mais. Ela não está
acostumada com grosserias e está te odiando, assim como eu.

Maria Fernanda estava ouvindo tudo do outro lado da porta e já


estava apreensiva com o que pudesse acontecer à amiga.

— Já que todo mundo se acha no direito de se meter em meu


casamento, faça a Maria Fernanda vestir uma roupa decente. Vou levá-la a
uma festa.

— Festa? — Suelen arrebitou as orelhas, querendo mais


informações.

— O que é agora? — Eduardo já estava sem paciência.

— Por que vai levá-la em uma festa? A megera da Viviane não vai
com você?

— Não. Ela está indisposta. — Eduardo jamais apareceria na casa do


patrão com a amante. Este era o motivo.

— Ótimo. Estaremos prontas em quarenta minutos. — Suelen


empurrou Eduardo, tirando-o da frente da porta e se preparou para chamar
Maria Fernanda.

— Eu não te convidei, Suelen.

— É pegar ou largar. Eu não vou deixar você sozinho com a minha


amiga em uma festa. A Antonieta me fez prometer que ficaria de olho nela.

— Quero sair sozinho com ela.

— Ela só vai se eu for. Não confio na sua calmaria.

— O Sergio vai estar lá. — Eduardo jogou para Suelen desistir da


ideia.

— Quem é Sergio? Eu não conheço nenhum Sergio.

— Meia hora. E não me envergonhe. Vista alguma coisa decente,


você também.

Eduardo estava encostado no carro, já impaciente, esperando as duas


saírem da casa. Já estava arrependido de ter feito o convite. Esperou mais
alguns minutos e, sem notícias das duas, entrou no carro e assumiu o volante.
Antes de dar partida, ele avistou Suelen e Maria Fernanda caminhando no
jardim.

— Não me diga que ia nos deixar para trás? — Suelen bateu no


vidro fumê do carro.

— Se não entrarem logo, eu faço isso. — Ele abriu a porta.

— Você é muito grosso, Eduardo, não deveríamos ter aceitado o seu


convite. — Suelen escorou o quadril na porta do carro.

— Eu não te convidei.

— Isso, Su, vamos desistir. Eu não quero ir. — Maria Fernanda só


havia aceitado porque Suelen se animou com o convite da festa e ela não
queria tirar a empolgação da amiga, que tanto lhe ajudava.

— Já que estão aqui, entrem logo que já estamos atrasados. –


Eduardo olhou Maria Fernanda de cima a baixo e virou o rosto depois de
constatar o modelo simples e infantil do vestido.

Minutos depois ele entrou com as meninas na mansão do seu chefe.


Era uma íntima comemoração do aniversário da esposa do patrão. Eduardo
não poderia perder a oportunidade de estreitar os laços com um engenheiro
tão experiente como Alfredo.

Suelen avistou Sergio no meio dos poucos convidados.

Ele estava com um copo de uísque nas mãos e estancou quando viu
Eduardo entrando acompanhado pelas duas mulheres.

— Senhor Alfredo, boa noite.

— Boa noite, Eduardo. Alice, aqui está um dos melhores estagiários


que temos. Um jovem brilhante e que tem ótimas perspectivas — O
empresário, que aparentava ter cinquenta anos, falou, orgulhoso, com a sua
esposa ao lado. Ele dizia aquilo toda vez que apresentava Eduardo a alguém.
Alice já tinha ouvido a mesma coisa muitas vezes.

— Não exagere, senhor. Eu apenas faço o meu trabalho, nada mais


do que isso. — Ele sorriu vaidoso.

— Então, continue por esse caminho, meu jovem. Assim você vai
longe e tenho certeza de que será um grande sucesso no ramo.

— Dona Alice... — Eduardo beijou a mão da senhora.

— Continua o mesmo galante. E quem são estas belas jovens? —


Alice, a esposa do chefe, tinha um sorriso espontâneo no rosto e estava
analisando as meninas receosas ao lado de Eduardo.

— Essa é Maria Fernanda, minha mulher e essa é Suelen, uma amiga


da família.
— Oi, tudo bem? Eu sou a amiga da família — Suelen repetiu as
palavras de Eduardo, como se a mulher não tivesse entendido.

— Mas então aqui está à digníssima senhora Moedeiros? É um


prazer imenso, conhecê-la. — O chefe estendeu a mão e apertou assim que
Maria Fernanda imitou-lhe o gesto.

— Fazem um casal lindo. — Os olhos verdes da senhora brilharam.


Ela era uma velha colecionadora de livros de romances. Vivia em um
casamento feliz e desejava o mesmo para os outros casais.

Maria Fernanda olhou para Eduardo e recebeu um sorriso. Não


soube identificar se pela companhia dos patrões ou se era algo verdadeiro.

— Fernanda — alguém perto deles chamou.

Eduardo foi o primeiro a se virar para ver quem era e Maria


Fernanda abriu um largo sorriso quando viu Thiago vindo em sua direção.
Ela tinha voltado a se aproximar de Thiago, que se conformou por ela ser
casada, mas continuou com o sentimento juvenil no peito.

— Oi. O que faz aqui, Thiago? — Ela o abraçou e Eduardo sentiu o


sangue ferver.

Alice se afastou para cumprimentar outros convidados e Alfredo a


acompanhou.

— De onde conhece o Juninho, Fernanda?

— Eu não o conheço. Vim com ele — Apontou para Eduardo. —


Su, esse é o Thiago, meu amigo da escola.
— Oi, amigo da escola. — Suelen estendeu a mão para um
cumprimento, mas Thiago deixou um beijo ali. O olhar de Suelen foi
diretamente para Eduardo, observando a reação. — Que bom que você
encontrou um amigo tão cavalheiro, não é, Nanda? Você também não acha
isso, Eduardo? — Suelen não era boba e já tinha percebido o ciúme
consumindo o seu chefe. Queria ter certeza de que ele estava sentindo alguma
coisa por sua amiga.

— Eu moro aqui neste condomínio, sou amigo do Juninho desde que


cheguei de Taiwan. Ele é mais velho, mas temos afinidades. Ele me mostrou
tudo na cidade.

Eduardo tinha a mandíbula contraída e os punhos cerrados. Naquele


momento, estava cheio de fúria por ver Maria Fernanda segurando a mão do
jovem. Contudo, apesar da enorme vontade de estragar o belo rosto do
taiwanês, ele respirou fundo e lembrou-se da empresa, então saiu de perto e
foi procurar o amigo.

— Por que você as trouxe, Edu? Você sabe que essa gente fofoca. E,
se alguém que sabe das outras, comentar com o senhor Alfredo ou a dona
Alice? Eles são todos certinhos, vamos perder o professor por sua culpa —
Sergio reproduziu uma das falas do amigo. Estava feliz por ser o responsável
da vez.

— Não posso nem pensar nesta possibilidade. Mas preciso me


aproximar da Maria Fernanda. — Ingeriu a bebida em uma única golada.
Seus olhos estavam no casal próximo à varanda da casa. Ciúmes o
consumiam.
— A Suelen está bonita... está diferente. Onde ela conseguiu aquele
vestido? — Sergio bebericou sua bebida, sem tirar os olhos da ex.

— E eu vou lá saber de vestido da Suelen! — Eduardo pegou outro


copo de bebida e saiu, deixando Sergio admirado, olhando para a jovem
sorridente que ele tinha rejeitado por orgulho e preconceito.
***

Já eram onze horas da noite e Maria Fernanda varreu a sala com os


olhos, procurando por Eduardo. Suelen estava conversando com Sergio do
outro lado e, pelo dedo dela no rosto do rapaz, pareciam estar discutindo.

Thiago tinha acabado de sair da festa, alegando que era hora de


voltar para casa. Mesmo morando no mesmo condomínio, tinha pais
sistemáticos a respeito de regras.

Maria Fernanda saiu pelo apartamento à procura de Eduardo porque


estava sentindo fortes dores no estômago e queria voltar para casa. Ela seguiu
pelo longo corredor e abriu as portas.

— Oi, está à procura de algo? — Junior havia acompanhado seus


passos. Na verdade, o rapaz tinha ido à procura dela. Ele a observou durante a
noite toda. Percebeu de cara que tinha algo errado. Ela não fazia o tipo de
mulheres que andava com o seu maior rival. O casamento era, no mínimo,
estranho.

— Estou procurando o Eduardo. Você sabe quem é?

— Claro que sei. Meu amigo de longa data. Estudamos juntos na


faculdade e trabalhamos juntos.
— Você o viu?

— Eu o vi entrando na terceira porta.

— Obrigada. — Maria Fernanda seguiu e Junior voltou para a sala,


satisfeito.

Ela abriu a porta e surpreendeu- se com a cena que viu. Eduardo


estava sentado sobre uma cama, beijando uma morena, que estava ajoelhada
aos seus pés, com as mãos próximas a braguilha dele.

Eduardo ficou indignado por Maria Fernanda ter ficado à noite toda
com Thiago, quando deveria estar ao lado dele e, por isso, puxou a primeira
mulher que viu pela frente. Percebeu depois que se tratava da mulher de um
dos funcionários da empresa, mas já era tarde, pois a mulher o tinha arrastado
para o quarto. Gostou da pegada raivosa e queria mais.

O corpo de Maria Fernanda travou, mas, depois de puxar o ar para os


pulmões, ela saiu de lá. Só não conseguiu ser mais rápida porque suas pernas
tremiam.

Quando já estava em outro hall, encostou-se a uma das paredes e


tentou se acalmar.

— Ele é pior do que eu imaginava — falou tão baixo que nem ela
mesma ouviu a sua voz, devido à música alta.

Sentiu o vômito na garganta e estava com a mão sobre os lábios,


ainda tentando se recuperar do que tinha visto. A mulher que estava com
Eduardo passou sozinha por ela e não demorou muito ele aparecer na sua
frente.
— Foi você na porta? — Ele tinha ouvido o ruído, mas não viu quem
foi, por isso largou a morena.

— Você é muito pior do que eu pensava. Beija outras mulheres no


quarto do seu patrão... O que era aquilo? Você é um louco depravado.
Recuso-me a pensar que você me tocou. — A voz dela saiu fraca em uma
ameaça de choro.

— Não tenho costume de beijar outras mulheres. Escolho a dedo as


que fazem isso. — Ajeitou a roupa no corpo. Parecia envergonhado. — E
você foi uma das poucas que teve minha língua no meio das pernas. — Ele
achou que sua confissão a tornava exclusiva.

Maria Fernanda juntou suas forças e acertou em cheio a face de


Eduardo. Ele segurou o lado do rosto com a mão e ficou alguns segundos sem
reação.

— Não deveria ter feito isso. — falou amargurado.

Ele a puxou pelo braço e destrancou a primeira porta que encontrou


pela frente. Pressionou Maria Fernanda contra a parede e ela gritou:

— Socor... — Ele cobriu os lábios dela com a própria boca, mas


estava sustentando-a em seus braços.

— Maria Fernanda! Acorda mulher. — Ele a colocou sobre a cama


— Eu não iria machucar você. Acorda mulher. — Olhou para a porta
temendo alguém entrar. — Acorda. — Beijou o rosto dela. — Me perdoa,
acorda — falou, sem perceber.

Ele colocou a mão na testa dela e constatou a febre. Pegou-a no colo


e levou em direção à cozinha. Passou pelos funcionários do patrão e saiu pela
porta dos fundos.

Dentro do carro, ele a cobriu com sua jaqueta e saiu o mais rápido
possível da garagem.

— Droga!

Esmurrou o volante enquanto um dos sinais de trânsito estava


fechado. Ele já tinha furado dois, mas aquele havia sido impossível. Olhou
para ela e voltou a testar-lhe a temperatura. Maria Fernanda se moveu ainda
de olhos fechados.

— Onde está doendo? — O sinal abriu e ele dividiu o olhar entre ela
e a estrada. — Onde está doendo, Maria Fernanda? — Ela não respondeu. —
Eu não posso adivinhar se não me contar.

— Minha cabeça e também o meu estômago — respondeu, com os


olhos fechados.

— Estou te levando para o hospital. — Fez uma manobra brusca no


carro.
***

Eduardo estava sentado em uma poltrona de frente para a cama em


que Maria Fernanda repousava e recebia os medicamentos na veia.

Ela estava muito sonolenta devido ao efeito do remédio, mas podia


sentir o toque dele em seus cabelos. Não demorou muito e aquele afago à fez
adormecer por completo.

Eduardo vigiava o sono de Maria Fernanda e quando, os próprios


olhos começaram a se fechar, ele ajeitou o cobertor sobre a esposa e deitou a
cabeça próxima ao rosto de Maria Fernanda, no colchão da cama hospitalar.

Já era tarde quando o médico entrou no quarto e cutucou-o no


ombro.

— Você vem para olhar sua mulher e dorme? — o médico de cabelo


grisalho brincou.

Eduardo sorriu, esfregou os olhos e levantou da poltrona.

— O que ela tem, doutor?

— As plaquetas estão baixas, está anêmica, mas isso não tem relação
nenhuma com a infecção intestinal que teve. Receitei estes remédios.

Entregou os papéis a Eduardo, que voltou a olhar Maria Fernanda


ainda dormindo.

— A anemia deve ser tratada e, se ela não melhorar com os


remédios, traga-a novamente. Ela já está liberada. Pode levá-la para casa,
quando acordar. São recém-casados?

— Sim, um pouco mais de dois meses...

— Cuide bastante dela e fique de olho na alimentação para eliminar


essa anemia. É uma moça muito bonita para não se cuidar.

— Eu vou cuidar bem da minha mulher. Só estamos nos adaptando


ao casamento. Muito obrigado por cuidar dela hoje.

— Não se preocupe, é o meu dever como médico.


***
Pela manhã, Eduardo chegou em casa, segurando Maria Fernanda
pela cintura.

— Nanda! — Suelen a abraçou. — Onde estava? Eu fiquei tão


preocupada. Eu te procurei e não te encontrei lá. Tive que deixar o sem
coração do Sergio me trazer. Onde a levou? O que fez com ela? — desafiou
Eduardo. — Eu estou com uma sede de quebrar tua cara que tu não tem
noção. — Suelen fechou os punhos próximos ao rosto de Eduardo.

O patrão a distanciou.

— Eu vou contar tudo para a Antonieta. — Suelen tentou segurar


Maria Fernanda, mas Eduardo a impediu.

— Vamos subir. Você fica no meu quarto.

— Eu não vou ficar perto de você, prefiro dormir na rua.

— Por favor, Maria Fernanda, é melhor para você. Nem perto de


você eu vou chegar, só fique lá em cima.

— Senhor Eduardo Moedeiros Neto pedindo, por favor... O que um


amor não correspondido não faz, hein? — Suelen provocou, cutucando a
costela dele com o cotovelo.

— Suelen, fale para ela que é melhor ficar lá em cima comigo. —


Tentou aproveitar a breve aliada.

— Não, mesmo. Nanda, fique bem longe desse sujeito, ele não vale
nada.

— Você vai ficar comigo. — Ele a pegou no colo e seguiu em


direção à sala. — Não esperneie, você está fraca. Vai perder as forças que
recuperou. — Subiu as escadas rapidamente, Maria Fernanda realmente ainda
estava debilitada.

Ele a colocou sobre a cama e retirou as sandálias dela.

— Vou precisar sair para trabalhar, mas vou mandar a Suelen trazer
sua alimentação. Não saia dessa cama. Quando se sentir melhor, chame a
Antonieta ou a Suelen para te ajudar no banho.

Ele começou retirar as próprias roupas ali mesmo.

— Não faça isso na minha frente. — Ela abaixou os olhos.

— Deveria se orgulhar. — Retirou tudo na frente dela. — Meu


corpo agora só quer você.

Maria Fernanda o olhou de relance, mas voltou a abaixar a vista.

— Quando ficar boa, vou te levar para um passeio e me desculpar


pelas idiotices que andei fazendo. Também vou acompanhar sua alimentação
de perto. Seu corpo é frágil, precisa eliminar essa anemia. Isso é grave, pode
até perder os cabelos. E não permito que isso aconteça. Agora, durma. — Foi
até ela e surpreendeu-a com um beijo nos cabelos. — Não me olhe assim,
seus olhos tímidos me deixam louco e estou tentando me controlar.

Maria Fernanda o empurrou. Eduardo seguiu para o banheiro. Estava


pelado e com certa preocupação no rosto.

Seria apenas temor pela perda da empresa?


***

Eduardo voltou para casa às sete horas. Naquele dia, não ficou na
empresa um minuto a mais além do seu horário de trabalho. Ele tinha passado
em um restaurante chinês e comprado yakissoba de frango, achou que seria
leve e fácil para Maria Fernanda ingerir.

A atração insana que sentia por ela crescia a cada dia. Antes daquela
noite no hospital, seu plano era conquistá-la para evitar a fuga, mas, com os
últimos acontecimentos e a fragilidade da mulher, decidiu não a atormentar
com suas investidas. Seria ausente ao ponto de não a incomodar, assim ela
ficaria por vontade própria.

Estava preocupado com ela e aquilo era novo até para ele entender.
O melhor seria se afastar o mais rápido possível. Mas antes, queria vê-la com
a saúde restaurada.

Ele subiu as escadas com a mochila nas costas e a sacolinha do


restaurante. Entrou no quarto e conteve o riso com uma mordida no lábio
inferior, mas quando abriu a porta, deu de cara com a cama vazia e suspirou
desanimado.

Colocou a mochila e a sacola sobre a poltrona, retirou a gravata do


pescoço e em seguida foi para o banho.

Maria Fernanda tinha voltado para o quartinho assim que Eduardo


saiu de casa para trabalhar. Não dormiria no mesmo quarto com o marido que
só queria maltratá-la. Teve medo de ele se aproveitar de sua saúde debilitada
e abusar de seu corpo.

Antonieta tinha saído para o supermercado com a velha Carmem e


Jorge. Suelen estava no quarto, sofrendo com cólicas.
Maria Fernanda estava encostada na pia da cozinha e cortava
verduras. Ainda se sentia fraca, mas ela não aguentava ficar tanto tempo na
cama.

Cortou a carne e fez o tempero, estava planejando um ensopado com


verduras. Só queria passar o tempo.

— Maria Fernanda, o que faz aqui?

Ao ouvir a voz tensa de Eduardo, ela se assustou. A faca que usava


para cortar as batatas acabou escorregando de suas mãos e caiu a centímetros
do seu pé.

Eduardo rapidamente se abaixou, conferindo se ela tinha sido


atingida.

— Mulher, tenha mais cuidado! — Ele alisou o tornozelo dela.

— Por favor, estou doente não toque no meu copo.

— Só estou conferindo se foi machucada.

— Sim, estou. Estou muito machucada. — Ela se afastou.

— Está com medo de mim, mulher?

Ela abraçou o próprio corpo e sentiu a tontura voltar.

— O que faz aqui na cozinha, Maria Fernanda?

— Cortando verduras.

— Você está doente, mulher. Tem quem faça isso. Vamos para o
quarto.
Maria Fernanda pegou a faca na pia e firmou frente ao corpo.

— Só quero cuidar de você. Já se alimentou? Vamos comer lá no


quarto. — Aproximou-se dela, e fez um carinho nas longas mechas. — Não
vai precisar disso. — Ele tomou o objeto cortante das mãos dela e jogou na
pia. Sentiu o aroma bom vindo dos cabelos limpos e saboreou de longe as
notas do perfume gostoso da mulher. — Fiquei pensando em você durante o
dia. Parece ser tão frágil e ainda adoece...

— O que pretende agora? Não vou alimentar seu prazer em me


diminuir. — Maria Fernanda voltou a pegar a panela com as verduras cruas.

— Eu não quero discutir.

— Tampouco eu pretendo, pois não tenho voz neste casamento. Só


quero que saia para algum lugar e me deixe sozinha, preciso terminar isso
aqui.

Maria Fernanda tinha fortalecido a ideia de mantê-lo longe porque


Eduardo a assustava. Seu corpo entrava em pânico com suas grosserias e falta
respeito. Mas vê-lo dócil fazia a ideia dos ogros rendidos dos romances voltar
a sua mente.

Ela olhou para os músculos dos braços expostos no limite da regata


que ele usava e voltou a se afastar. Precisava banir o pensamento de tê-lo em
volta de seu corpo, dando-lhe o cuidado que ela necessitava. Não pretendia
mergulhar na ilusão de um falso marido. Sua serventia estava no papel e seria
assim até ela conseguir fugir definitivamente.

— Tomou seus remédios direito?


— Já estou bem. — Ela quis fortalecer a voz, mas saiu trêmula.

— Maria Fernanda... — Eduardo não suportou ouvir aquele tom


choroso e abraçou as costas dela — Me deixe fazer uma massagem em suas
costas. Você está doentinha e precisa de cuidados. — Ele não perdeu a
oportunidade de inalar o perfume dos cabelos castanhos.

— Preciso aprender a me virar sozinha. Estou conseguindo, por


favor, retire seus braços do meu corpo. — Ela passou o dorso da mão contra
os olhos para afastar as lágrimas. — Vá para qualquer lugar e me deixe em
paz.

— Não chore, Maria Fernanda. Não vou mais tentar foder você sem
a sua autorização.

— Sai daqui! — Ela o empurrou.

— Você é muita nova para ser tão conservadora. Não vou mais
tentar meter meu...

— Saia!

— Estou tentando dizer que não vou mais tocar em seu corpo sem a
sua autori...

— Entendi. Agora saia!

— Me deixa cuidar de você? Eu só quero cuidar, nada mais que isso.

Eduardo se afastou para não piorar a situação dela.

Ela segurou na pia com as duas mãos, pois sentiu as náuseas


voltarem, seu estômago ainda estava frágil.
— Eu quero te entregar uma coisa fofa.

— Não quero nada vindo de você.

— É um presente que comprei um dia desses.

— Não quero.

— Trouxe seu jantar.

— Estou de barriga cheia.

— Maria Fernanda, tente esquecer o que andei aprontando e


considere a minha ajuda. Você está fraca. Não vou te forçar a nada. Larga
isso aí e vamos subir para o quarto.

— Me deixe... — Ela sentiu a vista escurecer.

— Mulher! — Eduardo a sustentou nos braços.

— Estou bem. Vou me deitar.

— Eu te levo.

— Aonde vai com ela? — Suelen o freou quando sustentou o corpo


da mulher nos braços.

— Traga leite quente. Ela não deveria estar na cozinha trabalhando


no seu lugar.

— Nanda... Eu só me deitei para o remédio fazer efeito. Ela estava


no quarto, lendo livro. — Suelen se preocupou.

— Traga o leite. Dou cinco segundos para você — deu a ordem à


empregada e seguiu com Maria Fernanda para o quartinho.
— Pequena e teimosa — ele resmungou quando a colocou sobre a
cama.

— Te agradeço, mas agora pode sair.

— Largue de teimosia, vou ficar com você até melhorar.

Maria Fernanda se calou e encarou Eduardo.

— Não vai se aproveitar de mim, enquanto eu estiver fraca! — Ela


sentou na cama e tentou se levantar, mas voltou ao colchão quando sentiu a
mesma tontura. — Suas atitudes não me enganam. Você não é gentil. O que
quer em troca?

— Deite e pare de falar besteira. — Colocou as pernas dela sobre a


cama e cobriu-a com lençol até a altura do busto. — Está febril.

Suelen entrou no quarto com o leite e Eduardo pegou o copo das


mãos da morena.

— Vá buscar água fria e uma toalha, um pano, alguma coisa para eu


fazer uma compressa.

— Já temos a bolsa térmica.

— Quero a água com o pano, Suelen.

O intuito de Eduardo era ele mesmo cuidar de Maria Fernanda, com


a bolsa térmica ela poderia querer se virar sozinha

— Não vejo sentido para isso, se existe uma compressa pronta para
amenizar a febre dela.

— Não discuta comigo, Suelen. Vá pegar o que pedi!


Suelen saiu mostrando um soco para ele e foi atender ao comando.

— Já tomou os remédios?

— Já.

— Tente dormir. A febre vai passar.


***

Quando Eduardo retirou a toalha da testa dela pela última vez, Maria
Fernanda já estava dormindo. A temperatura dela tinha voltado normal.

— Você é uma mulher muito bonita, eu também sou bonitão.


Formaríamos um belo casal.

Ele sorriu e colocou o recipiente com a água no chão. Ainda sentado


na beira da cama, alisou os cabelos dela.

— Queria ser bom, para poder te fazer feliz. Sei o que você deseja,
mas, nas minhas metas de futuro, não existe esse tipo de sentimento. Eu só te
faria sofrer.

Ele enrolou o dedo na ponta dos cabelos dela e levou até as narinas.

— Você não conhece minhas vontades loucas, Maria Fernanda. Só


faço sexo com mulheres experientes, pois elas me satisfazem. Nunca
experimentei um beijo tão doce igual o seu. É diferente de tudo o que já
provei nos melhores momentos de luxúria. Sinto atração por você. Nunca
pensei que algo tão meigo me desse tanto prazer. Esse rostinho perfeito... —
Aproximou a mão do rosto dela, mas não a tocou. — Toda rosadinha e
deliciosa. Se você soubesse que me deixou louco desde o dia em que te
provei, ficaria vaidosa. Quando estiver bem, eu paro de te atormentar com a
minha presença. — Ele aproximou os lábios e beijou a testa dela levemente.
— Boa noite, princesa. Espero que esteja melhor amanhã.

Ele levantou da cama e olhou para ela por alguns minutos, depois
apagou a luz e saiu do quarto, deixando a porta encostada.

Maria Fernanda abriu os olhos e uma lágrima escorreu na lateral de


seu rosto.
18

Eduardo chegou cedo à empresa, queria finalizar os ajustes do


projeto para comunicar sua saída definitiva da J.A. Engenharia. Na semana
seguinte, começaria a se dedicar ao seu próprio negócio. Estava correndo
contra o tempo.

— Bom dia, Eduardo Moedeiros. Como vai sua encantadora esposa?


— Junior perguntou em tom de desdém ao vê-lo passar pela recepção. O pai
estava ao lado.

— Bom dia, senhor Alfredo. — Eduardo apenas se dirigiu ao patrão.

— Meu pai, por que não convidamos o jovem casal para jantar em
nossa casa hoje, juntamente com a família do Augusto? — falou o chefe das
obras públicas e pai de Viviane, amante de Eduardo. — Garanto que será
uma noite proveitosa e agradável. — O ruivo sorriu cinicamente.

— Isso! Fale com sua mulher, Eduardo. Alice se encantou por ela.
Até comparou nosso início de casamento ao de vocês.

— Com a diferença que a mamãe não era de família rica, no entanto


me parece que a encantadora esposa de Eduardo...

— Senhor Alfredo eu preciso ir e terminar o projeto. Com licença.


— Eduardo cortou a fala de Junior, pois queria evitar quebrar a boca do seu
inimigo frente ao seu chefe. Faria depois.

— Soube que ela tem posses... — Junior falou antes que Eduardo se
virasse para sair. — Me parece que a fortuna dela não se aproxima do
patrimônio de sua família, estou certo?

Eduardo fechou o punho e sentiu o furor gritar em seu interior,


bastaria apenas um soco para colocar o oponente no chão. Ele já tinha feito
aquilo antes, seria um prazer repetir a dose. Junior estava o desafiando muito
depois que descobriu sobre o casamento, era hora de lembrá-lo que ele era
Eduardo Moedeiros, o mesmo que o mandou para o pronto socorro três vezes
na faculdade, e que não cederia a nenhum tipo de chantagem.

Sergio entrou na recepção e praticamente correu os três metros que o


separava do amigo. Segurou firme no braço de Eduardo a tempo de conter o
desastre na frente do chefe.

— Junior, meu filho. O que está insinuando? — perguntou Alfredo.

— Que o Eduardo é um homem de sorte. O senhor também não acha


meu pai? — Junior continuou sorrindo debochadamente.

— De sorte por ter uma esposa encantadora. — O velho sorriu. —


Esperamos vocês hoje à noite, Eduardo. Estou fechando muitos contratos e
será bom ter você ao meu lado.

— Eu também estou convidado? — Sergio perguntou ao bater no


ombro do amigo, disfarçando a força que colocava na outra mão.

— Sim, vamos todos. Quero os três aprendendo.

— Não vou poder aceitar, senhor Alfredo. — Eduardo puxou o


braço que o amigo segurava e ajeitou a gravata.

— Qual o motivo dessa desfeita, Eduardo Moedeiros? — Junior


continuou provocando. Sergio pensou em segurar o amigo outra vez, mas
percebeu um sorriso seguro se formando no rosto dele.

— Minha mulher está repousando, senhor Alfredo. Ela está anêmica


e com baixa imunidade. Em outra ocasião aceitarei o convite, mas, agora, ela
precisa ficar em casa sob meus cuidados.

— Junior, um dia eu quero ouvir isso de sua boca, meu filho. O


Eduardo ainda é jovem, mas sabe exatamente o que é ser um homem de
família. — Alfredo saiu do lado do filho e deu três tapinhas nas costas de
Eduardo. — Continue sendo assim meu filho. Cuide de sua mulher acima de
qualquer outra coisa.

— Estou fazendo isso, senhor.

— Vamos trabalhar. Precisa terminar suas atividades para ir vê-la.


Eu trabalhava assim no início do meu casamento.

Eduardo não olhou para o oponente, mas sorriu ao acompanhar o


patrão até a porta de sua sala.

Sergio detectou a raiva e ciúmes de Junior. Ele não tinha nada contra
o ruivo, mas o fato dele ser inimigo declarado de Eduardo criava uma aversão
espontânea entre os dois.

— Espero que você consiga. — Foi a vez de Sergio debochar e


seguir na direção da sala que dividia com o melhor amigo e colega de
profissão.
— Edu, irmão. — Sergio entrou na sala e fechou a porta. — Eu
quase acreditei quando falou: ela está anêmica e precisando dos meus
cuidados. — Sentou na cadeira sorrindo. — Pareceu um homem de família,
de verdade. Quase me emocionou cara, mas daí eu lembrei, que tu é um
putão. Só deu vontade de rir do otário do Junior.

— Isso, essa porra toda foi encenação. Falar nisso, estamos


precisando sair e pegar umas mulheres. Mas, dessa vez, queria experimentar
uma novinha, cara. Mais ou menos da idade da Maria Fernanda. Só peguei
uma mulher da idade dela quando eu tinha quinze anos. Estou querendo
diversificar e provar algo inexperiente.

— E por que não aproveita e fica com ela, que já é sua mulher?

— Decidi que não vou mais procurá-la. Esse negócio de foder a


mesma mulher que carrega seu nome pode causar dependência. Da parte dela,
claro. E eu não tenho paciência de ter que comer a mesma coisa todo dia.
Vou deixá-la viver a vida dela. Ela não inventando de ir embora é o que
importa. Se ela tentar, acorrento ela na minha cama.

— Tem certeza que é por isso? Você explicou demais, estou te


estranhando.

— Expliquei porque estou lidando com um idiota.

— Se é esse o motivo... Saiba que eu estou aqui, nenhum pouco


preocupado de provar a mesma bocetinha jovem, de manhã, de tarde e de
noite. Ensiná-la a pegar no meu... — Antes de Sergio terminar a frase,
Eduardo apertou as mãos na garganta dele.
Ele jamais assumiria que a decisão tomada foi diante da certeza do
sofrimento que traria a ela. Ele estava se privando da mulher que o matava de
desejo, para não a ferir. Seu excesso de orgulho não admitiria tal admissão.

— O que... — Sergio moveu os lábios e lutou para respirar. Eduardo


estava inclinado por sobre a mesa com os olhos furiosos.

Quando Eduardo viu o rosto do amigo se avermelhar ele voltou a se


sentar e pegou a caneta para rabiscar os papéis do projeto.

— Antes que você me mate de verdade, eu vou me afastar de você,


cara. — Sergio falou com dificuldade, depois que recuperou o fôlego. — Isso
me magoa. Você tinha parado com isso, agora começou novamente. Eu não
estou mais na faculdade para perder nas provas. Precisa se conter, ou daqui a
pouco vai me bater na frente das pessoas. É uma quebra da nossa parceria. Eu
vou me afastar de você, Edu.

— Pegue o projeto e comece a trabalhar. Não seja infantil. Hoje o


trabalho vai render e meu plano é chegar cedo para trabalhar nos meus
projetos pessoais.
***

Nove horas da noite, Eduardo abriu a porta de casa e encontrou seu


pai bebendo no sofá da sala. O homem estava com a gravata frouxa e com o
semblante derrotado.

— Pai? — Cutucou o ombro de Olavo.

— Oi, filho? — o pai falou desanimado.

— Algum problema? Onde está minha mãe?


— Ela foi jantar com uma amiga. Quer respirar um pouco, eu
concordei.

— Andou aprontando? Minha mãe nunca foi de sair sem você.

— Não. Ela está acertando coisas com as amigas. Vou... — O


homem levantou — Vou tomar banho e dormir. Amanhã tenho uma
audiência cedo. — Bateu nas costas do filho e subiu a escada.

Eduardo entrou na cozinha e ignorou os funcionários. Foi direto ao


quarto de Maria Fernanda. Ele abriu uma pequena abertura na porta e
constatou que ela já dormia. Depois voltou para seu quarto. Tinha ficado até
tarde no escritório, agora dedicaria parte da madrugada aos projetos de sua
nova empresa.

Uma hora da manhã ele tomou outro banho e desceu até a cozinha,
para comer algo. Ele já estava no segundo pedaço do bolo, quando Maria
Fernanda entrou na cozinha, esfregando os olhos e com os cabelos um tanto
revoltos.

Ela caminhou até a geladeira, ainda estava sonolenta e não viu


Eduardo sentado à mesa da cozinha.

Ele a seguiu com os olhos e deixou o pescoço despencar para o lado,


acompanhando o movimento do bumbum à mostra. A larga camisola estava
suspensa na parte de trás. A calcinha de algodão também estava desajeitada e
cobria apenas uma metade das nádegas redondinhas. A cena era um tanto
hilária e, por um momento, Eduardo quase gargalhou, mas foi impedido pelo
desejo em admirar o corpo que lhe causava uma descomunal gana.
Ela encheu um copo de água e começou a beber. Eduardo seguia
com os olhos fixos nas costas da mulher. Estava estático e sentindo-se
tentado a alisar a pele rosada e macia, quem sabe deixar uma pequena
mordida ali. Sim, ele imaginou muitas possibilidades. De fato, aquele corpo
pequeno, moldado com curvas proporcionais mexia com sua sanidade.

Maria Fernanda virou-se de frente e, ainda esfregando os olhos,


caminhou até a mesa no intuito de se sentar.

Ela ainda estava com o copo na boca, quando percebeu o homem à


sua frente. No susto, ela jogou a água que preenchia metade do copo no rosto
do marido.

Eduardo não pronunciou nenhuma palavra, apenas caminhou até ela,


que estava com os olhos azuis arregalados.

— Não se aproxime, — Ela olhou para os dois lados. Eduardo


continuou calado, eles estavam a centímetros de distância.

Depois de encará-la seriamente, ele desviou dos olhos azuis


hipnotizantes e puxou um fio de lã preso no cabelo da mulher. Sorriu
sonoramente, bem próximo dela, fazendo-a sentir o cheiro fresco que exalava
de seu corpo recém-banhado.

— O que aconteceu para acordar nesse estado, mulher? Dormiu o


dia todo?

— Eu... eu vou voltar para o quarto.

Ela tentou sair de perto, mas ele não deixou que ela passasse. Maria
Fernanda não sairia dali, sem ele dar uma boa apertada no tentador bumbum.
— Estou molhado. Você foi a culpada, agora preciso que me
enxugue.

— Você... você... — Maria Fernanda não conseguiu encontrar uma


palavra exata para rebater a situação. Seu rosto já tinha ganhado um tom
avermelhado. Vê-lo tão próximo e dócil, sempre a desestabilizava.

Eduardo, que já estava aprendendo a decifrar parte de seus trejeitos,


identificou a tímida euforia. Naquele momento ele quis iniciar um jogo de
provocação para vê-la desconcertada ao seu toque.

Com um sorriso nos lábios, ele mergulhou uma mão por baixo dos
cabelos dela e segurou firme.

— Como pretende me secar, ferinha? — sussurrou e sentiu o corpo


de Maria Fernanda estremecer.

— Disse que não iria me forçar.

— E não vou fazer isso. Essa pegada tem outro nome e sentido.
Consegue definir? — mergulhou as narinas no cabelo dela, e depois de sentir
o doce aroma, virou-a bruscamente.

— Não faça isso! — ela falou alterada, sentindo a pressão do corpo


do marido em suas costas. — Eduardo eu estou fraca, não terei forças para
fugir, por favor, me solta.

— Está insinuando que eu sou capaz de me aproveitar de sua


doença? — ele falou ao inalar o cheiro dela.

— Me solta... — Os olhos dela estavam fechados.


— Não sei... Acho que a ferinha não tomou banho hoje.

— O que? — Ela abriu os olhos.

— Está muito molambenta para ser você.

— Mas eu tomei banho quando fui para a escola e quando voltei. Só


não tomei antes de dormir, mas eu lavei o necessário. — Ela afastou o corpo
e foi a vez dele passar o braço em sua cintura.

— Preciso conferir se lavou direitinho.

— Que conversa constrangedora é essa? Sempre me cuidei. Se hoje


não tomei três banhos diários, foi por estar com o corpo limpo. Não saí do
quarto a tarde toda e o tempo está frio. Não vejo necessidade de...

— Pare de tanta conversa mulher. — interrompeu-a — Estou


sentindo seu cheiro doce exalando de todos os poros excitados.

Eles ouviram um barulho vindo do quarto de Antonieta, que era o


mais próximo na cozinha. Foi automático, Maria Fernanda se afastou,
levantou uma das mãos e cobriu a própria boca.

Eduardo, vendo o gesto dela, precisou sufocar a risada mordendo as


bochechas para não serem pegos. Sua arisca mulher possuía atitudes tão
infantis, que ele não conseguia decifrar de onde vinha seu poder de sedução
sobre ele.

Logo eles viram a sombra da porta se abrindo, então ele a puxou


pela mão e saíram juntos pela lateral da casa.

Ficaram os dois encostados na parede de fora. Antonieta levantou,


verificou a porta aberta e imaginou ter sido o vento. Trancou-a, apagou as
luzes, depois voltou para o seu quarto.
19

— Você tem uma chave reserva, não tem? — ela perguntou


assustada.

—Tenho. Mas está lá em cima, no meu quarto.

— E agora? — Maria Fernanda esfregou os braços, tentando


espantar o frio. Chovia e suas pernas tinham começando a molhar com a água
que espirrava da grama do jardim.

— Vamos dormir. — ele falou, despreocupado.

— Eu vou gritar pela Antonieta.

— Não. — Eduardo abafou a boca dela antes do grito sair. — Ela


vai ter certeza que estávamos aqui fora nos divertindo às escondidas.

— Mas, isso é mentira... — Maria Fernanda deu um passo para


longe.

Eduardo aproximou seu corpo do dela, desembolou a camisola e


com a mesma mão ajeitou a parte de trás da calcinha. Só então, ela percebeu
o motivo de estar sentindo uma corrente de vento naquela região.
Envergonhou-se.

— Então vá em frente. Admita para seus defensores que você gosta


de pegar seu marido às escondidas.
— Não consigo dormir de pé e na chuva. Preciso voltar para o meu
quarto. Está com ameaça de trovão. Eu tenho medo. — Ela falou em um tom
infantilizado. Realmente tinha medo. Sempre dormia com a madrinha ou
Giovane em época de chuva.

— Desde quando uma fera selvagem tem medo de trovão?

Ele sorriu quase em uma gargalhada. Aquilo estava sendo novo para
ela. Era outro Eduardo que estava a sua frente. Ele não estava com a carranca
intimidadora. Tê-lo leve e brincalhão a tornava vulnerável.

Eduardo ainda estava sorrindo quando segurou a mão dela e seguiu


puxando-a pela cobertura da estreita marquise ao lado da casa.

Ele arrombou a porta da casa da piscina com um empurrão.

— Olha só que confortável a nossa casa.

— Eu não vou dormir com você.

— Eu vou preparar uma confortável cama, com toalhas limpinhas e


quentes. Se não quiser, pode dormir em pé.

Ele começou a pegar toalhas de banho no armário e forrar no chão.


Depois deitou e colocou os punhos cruzados abaixo da nuca, muito à
vontade.

Maria Fernanda não tinha escolha e o amontoado de pano parecia


quente e confortável. Ela se abaixou devagar e sentou na pontinha, depois
passou os braços sobre os joelhos e fechou os olhos bem apertados. Precisava
esquecer que estavam sozinhos durante uma ameaça de trovão.
— Maria Fernanda? — Eduardo levantou de onde estava quando
ouviu o barulho do queixo dela batendo. Ela não respondeu, permaneceu de
olhos fechados. Quando sentiu a proximidade do corpo dele, tentou se
afastar, mas Eduardo firmou os braços ao redor dela e deixou um beijo em
seu ombro.

— Calma, só estou te aquecendo.

— Sua roupa está molhada. — Ela estava lutando para controlar o


tremor na voz.

— Você tem razão. — Soltou-a, para o alívio dela, que sentou mais
afastada.

Eduardo retirou a própria camisa. Ela não escondeu o rosto, apenas


ficou ali, olhando fixamente para ele, admirando-o entre os flashes de
relâmpagos que entravam através das vidraças das janelas.

— Quer tocar em mim? — Eduardo perguntou ainda sorrindo.

Só então ela se deu conta de que estava hipnotizada nos músculos


definidos do marido. Mais uma vez, Eduardo riu. Ela virou-se de costas e
cruzou os braços.

— Ei, não precisa ficar emburrada. Você está doente e não posso te
deixar com frio. Vem cá. Só vou te aquecer. A noite está muito fria.

— Me recuso a passar por isso.

Ela o olhou de relance, pensou que deveria afastá-lo e não sentir a


enorme vontade de tê-lo por perto, tampouco a eletricidade que percorria seu
corpo enquanto ele brincava com a ponta dos seus cabelos, tentando chamar a
sua atenção. Ela não poderia deixar ser levada pela sedução. Ele não mudaria.

Depois de uma luta interna, tentou puxar na memória a maneira


como algumas mocinhas dos romances assumiam o controle da situação em
um casamento. No último livro, a esposa do lorde o confrontou com privação
sexual. Mas em seu casamento não tinha aquilo, então lembrou a maneira que
sua madrinha, Izabelle, lidava com seu esposo durante as poucas brigas que
tinham.

Era um pouco difícil no momento fazer aquilo, pois Eduardo estava


distribuindo pequenos beijos em seu ombro, sem nenhum rastro das
gargalhadas de antes.

— Você vai dormir no sofá. — Afastou-o com um empurrão.

Eduardo ficou sério, mas, depois de alguns segundos, assimilando o


que ela queria dizer, caiu na gargalhada outra vez, deixando Maria Fernanda
mais enfurecida do que nunca.

— O que é isso, um castigo? — Eduardo continuava a sorrir. — Em


qual sofá prefere que eu durma? Maria Fernanda, já está tarde. Venha e deite-
se. Precisa se aquecer, está doente.

— Você não me respeita, Eduardo! — ela terminou a frase e pulou


no colo dele, agarrando-lhe o pescoço. O barulho de um forte trovão ecoou
dentro da pequena casa fazendo-a esquecer do raciocínio anterior.

— Eu não estou te desrespeitando... — Eduardo falou com


dificuldade ao sentir uma pressão na parte de seu corpo que ele não conseguia
controlar perto dela, a situação estava pior, pois ela estava sentada sobre.
— Está trovejando. Por sua causa, estou aqui fora. Sinto-me fraca,
com frio, amedrontada e tendo que passar sobre meus princípios e decisões
para buscar proteção em seus braços. Eu deveria ter gritado pela Antonieta.
— Trovejou outra vez e Maria Fernanda enterrou o rosto no peito nu de
Eduardo, fazendo o marido sofrer com sua remexida brusca.

— Não tenha medo... — A voz dele saiu arranhada. Ele quase


mordeu o ombro dela, buscando autocontrole que não existia no momento.

— Estou envergonhada, mas não vou sair daqui até os trovões


pararem. — O tom de voz dela saiu quase em um choro.

— Maria Fernanda... — ele chamou-a, pois teve certeza que estava


se aproveitando do pânico dela. Era inacreditável, mas seus instintos de
proteção e desejo se uniam quando se tratava da jovem trêmula em seu colo.
— Mulher... — Retirou o cabelo dela da frente do rosto, enrolou e jogou para
as costas. — Estou aqui, mulher, não tenha medo. Não vai cair raio aqui
dentro. Olha para mim.

— Só estou aqui pela fobia. Não pense o contrário. — falou ainda


com os olhos fechados.

— Olha nos meus olhos, quero te acalmar. Só isso. Precisa perder


esse medo bobo. Isso é muito infantil, para uma mulher casada e cheia de
conservadorismo.

Ela levantou o rosto e aos poucos olhou para o rosto dele. Primeiro a
boca em seguida os olhos que brilhavam na penumbra da casinha.

— Por favor, não entenda isso de outra maneira. — falou olhando


nos olhos dele.

— Você tem medo de trovão, por isso está vulnerável. Essa é a


maneira que entendo. Fica tranquila.

— Isso me constrange, mas posso sentir sua dureza pulsar abaixo de


meu corpo. Peço desculpas, sei que é algo difícil para o corpo masculino e
vocês reagem a qualquer toque nessa região. Mas não vou sair daqui, por
favor, me entenda.

— É uma inocência bem esclarecida. — Ele forçou um sorriso


enquanto tentava controlar seu corpo. — Você poderia só subir um
pouquinho, para eu me ajeitar?

Ela subiu alguns centímetros no corpo dele, mas antes que Eduardo
se ajeitasse de uma maneira que sentisse menos tentado, outro trovão ecoou
na casinha e Maria Fernanda sentou bruscamente o pegando mais
desprevenido que antes.

— Porra! — Ele foi à beira de um penhasco e voltou. Chegou a


segurar na cintura dela para movimentá-la novamente, mas recebeu algumas
bofetadas.

— Por que está me xingando, se eu deixei claro minha fobia?

— Desculpa, mas proteger alguém de trovões nunca foi tão difícil.


— Ele apertou os olhos e moveu-se ao mesmo tempo em que puxava o corpo
dela de encontro ao seu. — Aquela era a provocação mais inocente que ele já
tinha enfrentado.

— Vai trovejar a noite toda. Desculpe-me por isso. Não sou ingênua
ao ponto de não saber o que está sentindo. E vendo sua resistência, chego a
pensar que, se você não fosse o ogro da história, eu lhe daria um beijo por
tamanha bravura.

— Caralho de resistência... Meu pau está sofrendo com tanta afronta.


Ele merece o beijo.

— Não gosto de suas falas vulgares.

— Milady, estou a sofrer com tamanha pressão sobre meu membro


que há dias segue sedento. Neste momento, sou um ogro rendido a ti.

Maria Fernanda sorriu e antes que se arrependesse, beijou o rosto


dele, fazendo Eduardo abrir os olhos para encará-la. Os olhos dela estavam
confusos e com indícios de paixão. Eduardo levantou uma das mãos e
acariciou a pele macia do rosto da mulher. Viu-a fechar levemente os olhos.
Ela estava um pouco febril, Eduardo amaldiçoou aquela doença que a deixava
vulnerável.

Sem pronunciar nenhuma palavra, ele beijou os lábios dela de


maneira rasa, apenas para medir a aceitação. Não havendo resistência, ele
invadiu a boca dela sem pudor, fazendo-a delirar de desejo com o caminho
que sua língua seguia dentro dela. Maria Fernanda estava totalmente entregue
ao desejo e à esperança do amor do marido. Ela sentiu vontade de tocá-lo,
mas achou melhor permanecer quieta, deixaria ser guiada até obter mais
experiência.

— Maria Fernanda... se quiser participar com mais vontade, é só


usar suas mãos.
— Te amo, Eduardo...

— Que conversa é essa, não fale besteira mulher. — Ele falou em


um tom desaforado.

— Te amo. — Ela repetiu. Ele voltou a beijá-la rapidamente,


correndo para não ouvir a frase.

Ainda mantendo o contato, ele a fez se acomodar de maneira que


ficassem unidos ao ponto máximo, um em frente ao outro. Maria Fernanda
passou os braços por baixo dos dele, e alcançou os ombros do marido pelas
costas.

— Eduardo... — Gemeu ainda grudada aos lábios dele. Ele já tinha


sentido a temperatura elevada do corpo dela e estava preocupado.

— Sua cabeça está doendo? — Ele se afastou e olhou-a nos olhos.

Ela negou com medo dele encerrar os beijos.

— Fale a verdade.

— Sim.

— Tudo bem. — Ele deitou a cabeça dela em seu ombro.

Em seu colo, estava uma ferinha mansa, com a cabeça inclinada na


curva de seu pescoço, exalando o cheiro mais incrível que ele havia sentido.
O corpo pequeno se encaixava em seus espaçosos músculos ao ponto de não
incomodar e mesmo assim, trazia muito prazer. Ele desejou cuidar dela para
sempre, mas sabia que não tinha aquela capacidade. Não suportaria ver
aquele coração inocente sangrando, com o peso de suas metas desenfreadas
para a satisfação profissional. A viagem que faria em breve poderia machucá-
la profundamente. Ele ainda estava confuso e lutando entre a renúncia ou
aceitação.

— Você está febril, vamos deitar, precisa se cobrir ou vai pegar um


resfriado. — Ele alisou o rosto dela.

— Quero que seja sempre assim, vai continuar quando eu estiver


bem?

Eduardo apenas suspirou alto e a fez deitar sobre as toalhas.

— Tente dormir. — cobriu-a e deitou-se ao lado.

Ele custou a dormir, ficou ali olhando para os clarões e sonhando


acordado com sua empresa, seus funcionários e com as enormes obras pelas
quais sua empresa seria responsável.

Pela manhã, acordou sentindo um peso sobre seu corpo e muitos fios
castanhos por todo seu peito, então sorriu. Maria Fernanda estava encolhida
em seu peito, dormindo um sono pesado.

Ele não se moveu, ficou ali a vendo dormir e contornando o rosto


dela com o dorso das mãos. Maria Fernanda sentiu todo aquele carinho
enquanto dormia.

Alguns minutos depois ela abriu os olhos e se deparou com Eduardo


a espiando. Não se assustou, continuou ali, olhando nos olhos dele e sentindo
o carinho em seu rosto.

— Bom dia. — Eduardo beijou a testa dela.


— Já amanheceu... — Ela foi interrompida por um beijo.

— Vamos entrar. Você precisa se alimentar. Vou ligar para o senhor


Alfredo e pedir dois dias de folga. Vamos sair.

— Para onde? — Ela estendeu a mão para ele e levantou. Estava


animada.

— Vai conhecer meu apartamento. Precisa levar uma bolsa com


roupas. Voltamos amanhã. — Segurou-a pela mão esquerda e abriu a porta.
Maria Fernanda aninhou a cabeça próxima ao corpo do marido. Estava feliz.

Eles ainda estavam no jardim, quando Viviane apareceu na frente do


casal. A Loira estava furiosa.
20

A atmosfera romântica foi quebrada com o som das palmas e da voz


irônica de Viviane, enfurecida.

— Olha só que bela recepção... A caipira sonsa, seduzindo o meu


homem.

Eduardo soltou a mão de Maria Fernanda e seguiu até Viviane.


Quando virou a cabeça e voltou os olhos para trás, viu lágrimas inundando os
olhos azuis de sua mulher. Queria fazer o contrário, mas naquele momento,
em sua mente, estavam apenas os contratos a serem perdidos com o chefe das
obras públicas e a grande viagem de negócios que lhe garantiria muita
experiência e influência profissional.

— Vamos conversar, Viviane... — Ele segurou o braço da loira.

— Eu não quero conversar, me solte! — Ela se esquivou. — Eu vou


matar essa oferecida. — Viviane partiu para cima de Maria Fernanda,
agarrando-a pelos cabelos.

Eduardo se meteu no meio das duas para apartar a briga. Viviane


puxou o cabelo de Maria Fernanda, com gosto. O cabelo de Viviane era curto
e liso, o que deixava a jovem em desvantagem.

Em questão de segundos todos da casa estavam no jardim, inclusive


Suzane, a mãe de Eduardo, e o pai.

— Vocês querem me ajudar aqui! –— Eduardo gritou e rapidamente


seu pai e Jorge entraram no meio da peleja. Depois de muita gritaria, tapas e
puxões, conseguiram separar as duas.

Viviane estava espumando. Sua roupa de grife estava toda amassada,


os cabelos para o alto e o batom vermelho todo borrado em seu rosto. Maria
Fernanda não estava em melhores condições: seu rosto estava vermelho, sua
camisola estava rasgada e a vergonha em seu rosto era evidente.

— Viviane, nos perdoe o transtorno, essa menina só apareceu para


complicar a vida do meu filho. — Suzane era muito amiga da família de
Viviane, a loira também era cliente de seu famoso salão de beleza.

Maria Fernanda ouviu a voz de Suzane e sentiu a raiva crescer


dentro dela. Raramente a encontrava e, quando isso acontecia, era
completamente ignorada.

— É essa sonsa, Suzane. Ela está se aproveitando desse casamento


de conveniência para se oferecer ao meu homem. — A loira virou na direção
da jovem descabelada, que lutava para segurar o choro. — Nunca mais
chegue perto do meu homem! Está me ouvindo, sua caipira água com açúcar?

— Viviane, tente se acalmar. Vamos conversar. — Eduardo tentou


puxar o braço da loira em direção a casa, mas ela se esquivou outra vez.

— Pelo amor... — A loira revirou os olhos em ironia. — Você acha


que o Eduardo vai nutrir alguma relação contigo, coisinha sem graça?! Esse
homem é intenso, não se contentaria com um serzinho como você.
— Viviane! — Eduardo gritou e a loira deu uma leve encolhida. —
Vamos conversar, lá dentro!

Suelen estava abraçada a Maria Fernanda, Antonieta também estava


ao lado. As duas ficaram caladas, afinal eram empregadas. A única coisa que
podiam oferecer era um abraço e proteção. Maria Fernanda não conseguiu
suportar a raiva ao ver Eduardo segurando o braço de Viviane, propondo uma
explicação. Movida pela raiva, a jovem saiu de onde estava e Eduardo não
teve tempo de desviar do tapa em cheio que atingiu seu rosto.

— Isso é por ter me acalentado durante a noite, sabendo que me


humilharia ao amanhecer. — Ela gritou perto do rosto dele sentindo a aflição
sufocar sua garganta.

Eduardo não pôde acreditar que Maria Fernanda tinha batido em seu
rosto, na frente de seus pais. Enfureceu-se com a afronta, mas contra sua
natureza feroz estava à angústia de vê-la lutar para prender o choro na
garganta. Ele sabia que ela era frágil. Aquele evento deve tê-la destroçado por
dentro.

— Depois eu converso com você. — Seu tom de voz saiu


enfurecido, embora uma das mãos estivesse cuidadosamente empenhada em
levantar a manga da camisola da mulher.

“Depois?” — Por mais que fosse humilhante, ela ainda esperava ele
fazer alguma coisa capaz de reverter à situação. Mas não, primeiro ele se
explicaria para aquela mulher, para depois deixá-la com migalhas de suas
ardilosas palavras.
Ele segurou o cordão da camisola de Maria Fernanda para amarrar o
tecido e esconder parte do ombro desnudo, Maria Fernanda estava com o
furor descrito nos olhos. Ela desejava ter forças físicas para esbofeteá-lo até
derrubá-lo no chão.

— Não escutarei uma palavra que sair de sua boca. Guarde todas as
suas enganações para essa rameira! — Ela o estapeou no braço e puxou o
tecido da camisola. — Nunca mais serei tola.

— É o quê?! — Viviane outra vez tentou pular sobre Maria


Fernanda, mas Eduardo a segurou pela cintura. Ele ainda mantinha os olhos
na jovem quando viu Suzane puxá-la pelo ombro e deflagrar um tapa,
retribuindo o que o filho tinha recebido.

— Mãe, para com isso! — Eduardo largou Viviane e correu para


segurar a mãe.

Maria Fernanda já tinha sido muito humilhada, então, com a mão no


rosto, correu para o seu quarto. Jogou-se na cama, derrotada. Sentiu raiva de
si mesma por ter idealizado um Eduardo que não existia. Suelen se ajoelhou
ao seu lado, mas não disse nada. Apenas acariciou seus cabelos. Esperaria o
choro da amiga passar para então começar a confortá-la.

Dez minutos depois, seus soluços ainda estavam sendo abafados


pelo travesseiro quando a porta do quarto foi aberta pelo marido.

— Saia Suelen! — Ele falou olhando para a mulher sobre a cama.

— O que está fazendo aqui? Veio debochar da caipira oferecida? —


Maria Fernanda sentou-se na cama e enxugou o rosto bruscamente com a
mão.

— Não seja irônica, Maria Fernanda. Isso soa tão estranho vindo de
você.

— Será que não vê o quanto faz essa menina sofrer? — Suelen


levantou e tentou forçar a saída do patrão.

— O que quer de mim agora? Veio ver o estrago que sua amante e
sua mãe fizeram em mim? Estou toda arranhada, a humilhação está
estampada em minha face. Estou sofrendo com pequenas doses de sua
enganação, mas isso tudo é minha culpa por acreditar em suas meias palavras
gentis. O que aconteceu com minha vida? — Ela sufocou outra vez com o
choro e abaixou a cabeça derrotada.

Eduardo analisou os arranhões pelo corpo da mulher e sentiu o


mesmo que uma ferida sendo cutucada em seu peito.

— Levanta daí, toma um banho e separe suas coisas! — Ele falou


com o rosto tenso e a expressão dura.

— Me recuso a obedecer a qualquer ordem sua. Saia do meu quarto!

Eduardo seguiu até o estreito guarda roupa, pegou a mochila com os


cadernos de Maria Fernanda e jogou o conteúdo em um canto. Arrastou dois
vestidos dos cabides e colocou dentro da bolsa. Pegou alguns cremes e
perfumes e os mergulhou no mesmo lugar. Olhou para a mesinha de canto e
pegou todos os remédios. Por último, procurou a escova de cabelo e o óleo
que ele tinha gravado na memória.

— O que está fazendo com minhas coisas! — Maria Fernanda


ajoelhou-se sobre a cama e assistiu a rapidez com que o seu marido remexia
em seu guarda roupa.

Depois de fechar o zíper da bolsa, Eduardo seguiu até a cama e viu


Maria Fernanda correr para o outro canto, ainda de joelhos.

— Vai me colocar para fora de casa? — Ela pensou que aquela


possibilidade seria sua salvação. “Mas ele lhe daria dinheiro antes da maior
idade?”

— Não pode fazer isso com ela! — Suelen agarrou no braço dele e o
puxou. Mas a morena não tinha força alguma comparada ao patrão.

Eduardo rodeou a cama sem falar nenhuma palavra, agarrou as


pernas de Maria Fernanda e a jogou nas costas.

— Me solte! — A jovem esmurrou a lombar do marido. — Se vai


fazer isso, então eu quero dinheiro para não morar na rua!

Eduardo passou pela cozinha e Viu Antonieta arregalar os olhos.

— Fez o que pedi? — Ele perguntou à negra.

— Aqui está. — Antonieta estava assustada com os gritos de Maria


Fernanda, mas tinha ideia do propósito de Eduardo, então se limitou a
entregar a sacola nas mãos do patrão.

Eduardo seguiu para fora da casa sentindo muitos murros e até


mordidas no músculo de suas costas.

— Não pode me colocar assim para fora de casa. Do que eu viveria


antes de chegar meus dezoito? Deixe-me ir, mas me dê aos menos dez mil
reais para uma viagem a Paris.

— Mimada do caralho! — Ele resmungou quando sentiu outra


dentada cortar suas costas.

— Não fale esses nomes vulgares quando se referir a mim! — Ela


passou a esmurrar o traseiro do marido.

Ele foi até o carro e a colocou de pé, prensando-a contra seu corpo e
a porta. A sacola e a mochila foram jogadas no chão para que lhe fosse
possível buscar a chave no bolso e abrir a porta do carro.

— O que vai fazer comigo? — Ela perguntou olhando o rosto feroz


do marido.

— Antes de qualquer coisa, vou levantar sua roupa e dá umas boas


palmadas em sua bunda branca por ter usado suas garras em minhas costas.

— Vai me matar e depois desovar meu corpo em algum lugar?

— Esse é o plano. — Abriu a porta e a fez sentar no banco ao lado


do motorista. Jogou a mochila e a sacola no colo dela, travou o carro e
arrastou-o em seguida.

— Eu te odeio. Quero dizer enquanto ainda tenho vida. — Ela puxou


a parte rasgada da camisola e virou-se de costas para o motorista.

— Não foi esse o final da frase que ouvi na madrugada.

— Eu estava febril e amedronta, não sabia o que falava. Ogro,


ardiloso, infernal.

— Coloque o cinto se não quiser voar pelo vidro. — Não tinha sinal
de humor na voz dele.

Ele ainda estava indignado pelo tapa que havia recebido no rosto.
Aquela já era a segunda vez que, a fera em pele de bela ovelha, o atacava
humilhantemente na face, mas o fato do segundo episódio ter ocorrido na
frente de seus pais teve um agravante.

Ele tinha feito Viviane entrar no carro e sair de seu jardim. A loira
saiu espumando ódio e jurando impropérios que o prejudicaria. Ele sabia o
quanto sua decisão era arriscada diante de seus projetos, mas no momento, os
olhos chorosos da jovem irritante ao seu lado afastou qualquer sensatez
profissional de seus pensamentos. Depois resolveria as consequências.
Depois resolveria tudo. Por hora, apenas cuidaria de amansar aquela fera de
dentes afiados. Desejou ver os livros que ela andava lendo. Sim, faria aquilo
na primeira oportunidade. Deveria ser livros sobre mulheres encapetadas e
destinadas a seduzir homens, utilizando-se de puros e inocentes artifícios.

— Coloque o cinto. — Ele falou quando a viu perto de bater a testa


no vidro frontal do carro. Ela não colocou.

— Se estou à beira de morrer, qual o problema adiantar as coisas?

— Coloque o cinto. — ele tornou repetir.

Ela não colocou. Estava determinada a não seguir as ordens dele.

Eduardo freou o carro bruscamente, puxou o cinto de segurança e a


prendeu no banco do carro.

— Quando eu falar com você me ouça e aja ao meu comando. —


Segurou o rosto dela entre o indicador e polegar e apertou.
— Ficarei calada até que me tirem a vida. Sendo assim, a partir de
agora me calarei para sempre. — Ela falou com os lábios em formato de boca
de peixe. Eduardo mirou a tentação rosada entre a força de seus dedos e a
afastou para o encosto do banco.

— Pode ter certeza que no momento em que eu tiver te abatendo, vai


sair muitos gemidos de sua boca. — Ele deixou escapar quando voltou a
pegar no volante.

— Do que está falando, meu senhor? Está se divertindo com meu


triste momento?

— Para de falar como se estivesse na porra de um romance histórico,


mulher irritante! — Ele gritou fazendo-a encolher os ombros. — Maria
Fernanda, você não queira me ver nervoso! — A ameaçou.

Aquilo tinha sua grande parcela de mentira, ele achava aquela fala
ritmada “bonitinha”, esse era o motivo de sua irritação. Desde quando
Eduardo Medeiros achava algo “bonitinho?”. Era difícil ele usar aquele
termo bobo até em seus pensamentos, mas muitas vezes já tinha dito "que
bonitinha" depois de frases conservadoras dita pela mulher.

— Não sei por que grita comigo, se você é o errado. — Ela falou
ainda encolhida.

— Vamos continuar nossa viagem. — Ele pegou o volante e voltou a


dirigir.

— Para onde está me levando?

— Não te contei?! Por muitos anos tive um matadouro clandestino.


Depois de cansado da minha vida irregular, resolvi montar meu próprio lugar
secreto. Você será a primeira e única vítima a frequentar a torre do ogro
sanguinário.

Ele se divertiu com a própria história montada, que em parte fazia


muito sentido.

— Só espero que tenha a dignidade de me oferecer uma anestesia


antes de cortar os pedaços... — Ela começou a tremer a voz e antes que
pudesse se conter, as lágrimas brotaram de seus olhos. — Por favor, não me
mate. Ainda sou nova e tenho muitos sonhos.

— Jura? Conhecer Paris e mais o quê? — Ele debochou. — Visitar a


Disney?

Se ele soubesse que ela já tinha viajado boa parte do mundo antes
de completar os quinze anos, mas nunca achou necessário lhe contar.

— Por favor, Eduardo. — Ouvir seu nome na boca daquela menina


sempre o desestabilizava, mas naquele momento, a excitação auditiva não foi
maior que a dor de vê-la chorando.

— Não chore. — Falou com a voz branda.

— Estou com os minutos de vida contados e minha cabeça dói. Não


consigo controlar meu estado emocional.

— Então faça o que sabe melhor... Seja uma ferinha irritante, só não
chore.
21

Ela parou de falar e Eduardo perguntou-se o que se passava na


mente dela durante aqueles mais de vinte minutos calada. Mas quando ela fez
menção em abrir a boca ele desejou que ela voltasse a se calar.

“Não, não, não.” Ele repetiu em pensamento.

— Alguma vez em sua vida, já amou, Eduardo? — A voz dela ainda


estava trêmula. — me pergunto o motivo para ser tão vazio de sentimentos.

— Não me pergunte coisas tão pessoais. — Ele falou com sua


carranca fechada.

— Foi cruelmente traído e ridicularizado por alguma mulher? — Ela


insistiu.

— Quer saber se eu fui humilhado por uma mulher na adolescência,


quando ainda era um bobalhão com o rosto repleto de espinhas e os óculos
fundo de garrafa? — Ele parou por alguns segundos e depois falou em tom de
afirmação. — Ela era a popular da escola, eu era apenas o nerd.

Os olhos dele estavam na estrada, os de Maria Fernanda estavam


fixos no rosto dele. Ela transbordava compaixão em seu olhar meigo.

— Por isso criou uma couraça de proteção em torno de sua alma? Eu


sinto muito, Eduardo. Isso é cruel e pode devastar a mente de uma pessoa,
ainda mais em uma idade de tantos conflitos pessoais. Mas isso pode ser
mudado. Hoje você é... — Ela olhou para o belo perfil do marido. — Tem
uma aparência boa, pode fazer o mesmo com seu interior.

Eduardo gargalhou ao volante. Sua risada foi alta, como se estivesse


realmente se divertindo.

— Na minha adolescência eu era o cara mais inteligente do colégio,


nunca reprovei em nenhuma matéria e tinha a confiança de todos os
professores. Ganhei os melhores prêmios e isso trouxe fama para a escola. Eu
era "o cara", desde muito cedo. — O carro entrou na garagem de um prédio
bem alto.

— E mesmo assim você foi ridicularizado e se prendeu no seu


mundinho racional por conta de uma humilhação? — Ela ainda o olhava com
ternura.

Eduardo estacionou o carro em uma vaga e a olhou. Tocou o rosto


dela com a mão direita e alisou a marca de um arranhão, herdado na briga de
mais cedo. Em troca ele recebeu um sorriso singelo da jovem.

— Eu era o mais cobiçado da minha escola e das redondezas,


também. Era o adolescente mais bonito, charmoso e desejável. O terror das
estagiárias. Por que um nerd tem que ser feio e traído por uma patricinha fútil
para virar o fodão? — A arrogância peculiar de Eduardo voltou à ativa. — Eu
era o mais gostoso daquela escola. Aprendi a fazer direito desde os catorze
anos. Sou lindo, inteligente e gostoso desde cedo. Não deixaria mulher
nenhuma me passar para trás!
O sorriso de Maria Fernanda foi substituído por infladas raivosas de
narinas. Ela deflagrou um tapa na mão do homem que carregava um sorriso
convencido em seu rosto. Enfurecida, por mais uma vez ter sido traída pela
tola paixão, ela virou-se para frente.

— Às vezes é preciso saber quando dar um passo atrás, isso também


é amor. — Ele ainda a olhava de perto. — Você acha que eu não sei o que é
amor? Pois está muito enganada. Eu tenho minhas próprias teorias. Olhe para
mim!

— Não vou fazer isso. — Ela não obedeceu.

— Na adolescência meu pai me levava com ele em clubes de Jockey.


Sabe por que ele me carregava?

— Porque você era o mais belo e precisava ser mostrado ao mundo.


— Ela desdenhou.

Eduardo manteve a seriedade, mas a palavra bonitinha soou em seus


pensamentos. Era a tentativa de ironia mais fofa que ele já tinha visto. Fofa
era outra palavra que não fazia parte de seu vocabulário, mas agora não saía
mais de sua cabeça.

— Ele me levava, pois eu tinha os melhores palpites. Apesar de


nunca gostar de qualquer tipo de jogo de aposta, sabia lidar com aquilo e com
maestria. Sabia calcular estratégias e possibilidades. Meu pai ganhou muito
dinheiro nas tardes de domingo. Mas tão de repente, ele passou a perder uma
fortuna. — Eduardo sentiu um nó preso na garganta. — Comecei dar os
piores palpites. Eu sabia que meu pai perderia, fiz apenas para que ele parasse
de usar nossas horas vagas naquele lugar onde só conversávamos sobre
números e apostas.

Maria Fernanda percebeu que aquelas palavras tinham muitos


sentimentos secretos que o feriam e ela ficou tentada a olhá-lo novamente.

— Meu pai tinha o melhor estrategista ao lado dele. Eu era cabeça,


mas também tinha um coração. Eu era o coração do meu pai. Ele confiou em
mim e, no entanto, eu burlei as regras para que ele perdesse. O amor é como
um jogo, eu posso entrar na jogada e ganhar, mas também posso tentar e
perder. É um grande risco a ser assumido. Não vou viver minha vida
confiando em sentimentos de um coração traidor. — Ele firmou o indicador
ao lado da cabeça. — Isso aqui me guia. Meu cérebro é o meu comando.
Minha mente tem as melhores sacadas, sempre foi assim. Não mexer em time
que sempre ganha é uma boa estratégia. Já ouviu falar?

— Já. E você também pensa assim. — Ela afirmou. Não resistiu e já


estava com os olhos fixos nele.

— Isso é uma babaquice, de gente fraca que tem medo de arriscar.


Gosto de inovação, mas isso também precisa ser pensado nos mínimos
detalhes.

— Você tem boas teorias.

— Sim. Mas daí chegou uma ferinha selvagem, que só tem cabelo e
olho, e resolveu mexer com minha sanidade.

— Também tem muito sentimento reprimido. Não é sobre ser o mais


bonito e inteligente. É sobre o que deixaram de te dar. Quem pouco é amado,
pouco ama. Já li isso em um livro de autoajuda.

— Também lê essas baboseiras? — Ele sorriu.

— Leio qualquer coisa que me transmita sentimentos e sensações.


Inclusive seus olhos. — Ela tocou o rosto dele.

— O medo de morrer está te fazendo apelar? — Ele colocou a mão


sobre a dela que estava em seu rosto.

— Talvez eu esteja com muito medo... Ou talvez seja fome. Ainda


não sei discernir. Por favor, não me mate.

— Vamos subir. Você precisa se alimentar e tomar seus remédios.

— Qual o sentido de me medicar, se você tem planos de me levar a


um matadouro feito exclusivamente para mim?

— Preciso te alimentar e medicar para que aguente até a terceira


rodada de tortura.

— Homem cruel. Vai pagar seus pecados no mais ardente fogo!

— Ou posso ganhar absolvição por encarar uma fera de olhos


graúdos e pelos sedosos. Vamos subir. — Ele abriu a porta do carro e
sabendo que ela tentaria correr, se apressou em dar a volta. — Peguei você!

— Por favor, tenho piedade de mim! Ainda sou nova para deixar a
vida.

— Está na idade apropriada. Mas acho que você está precisando de


um bom banho antes de qualquer coisa. Também precisa escovar os dentes.

— Sou a mulher mais limpa que pôde colocar as mãos. Tenho


reservas de limpeza na pele. — Ela disse com o corpo levemente dobrado.
Sua cintura estava dividida pelo braço dele.

Eduardo pegou a sacola e a mochila no chão e travou o carro.

— Esse é o preço pago por uma mulher humilhada pela rameira do


marido. — Ela reclamou aos prantos, sendo carregada na direção do
elevador.

Reclamou e chorou durante todo o percurso até o vigésimo nono


andar do prédio. Quando Eduardo abriu a porta e a empurrou para dentro,
Maria Fernanda enxugou o rosto e circulou curiosa na enorme sala. Mexeu
em cada móvel coberto e rasgou algumas embalagens mais discretas.

— Pelo visto, esqueceu-se da cruel morte que te espera. — Ele falou


depois de um tempo, observando a agilidade da jovem em remexer em seus
móveis lacrados.

Ele retirou os sapatos dos pés, em seguida começou despir as duas


peças do corpo, quando estava apenas de cueca Maria Fernanda largou a
curiosidade dos utensílios domésticos e gritou. O eco fino irritou a audição de
Eduardo a ponto de fazê-lo desejar tapar os ouvidos, mas contentou-se em
apertar os olhos.

— Por que estou vendo um ogro horripilante pelado? — Ela puxou


uma pequena caixa e colocou frente ao rosto.

— Vamos tomar banho juntos. Tire esses trapos rasgados de seu


corpo.

— Não faria isso por minha livre vontade. O que espera? Que eu
esfregue o corpo de meu algoz?

— Em especial o músculo mais duro e aveludado.

Maria Fernanda poderia fazer o contrário, mas seus olhos foram


direcionados a saliência dentro da cueca escura do marido.

— Como se atreve a me fazer tal proposta?! — Ela tampou os olhos


com a própria mão e espiou entre os dedos.

— Vamos, você está fedida e precisando passar algo nesses


arranhões.

— Eu prefiro a morte a ter que me prestar a esse papel.

— Você vai tomar banho, vai se alimentar e tomar os remédios. Eu


não estou interessado em dividir a cama com uma mulher fedida, moribunda
e sem forças para mover os quadris.

— Como ousa! — Ela fechou o punho.

— Que ousa o quê? Vamos logo tomar banho e deixe de fantasiar


histórias.

— Eu juro que cometo um assassinato se tentar tocar em meus


quadris. — Ela o ameaçou com a caixa de papelão, cujo conteúdo movia-se a
cada sacolejada de sua mão.

— Ah, pode ter certeza que eu nem vou precisar tocar. — Ele deu
alguns passos em direção a ela.

Ela observou os passos dele, mas quando viu o sorriso cínico se


formar no rosto de Eduardo, ela correu abraçada a caixinha de papelão.
Eduardo respirou fundo pegou as roupas e seguiu na direção do
quarto. Dali ela não sairia. Bem, talvez conseguisse, se quebrasse a parede de
vidro por trás do papelão. Mas ela parecia ser inteligente o suficiente para não
cogitar tal tolice.
22

Alguns móveis de Eduardo já estavam montados. Água, luz e gás já


funcionavam. Ele tinha ganhado aquele apartamento de presente quando fez
vinte e um anos, mas só agora que resolveu fazer uma reforma e deixá-lo a
seu gosto. Seria seu refúgio particular, não tinha planos de levar outra pessoa
para morar com ele, a não ser a sua irmã mais velha que estudava fora do
país.

Ele tinha algumas peças de roupas novas nas gavetas do enorme


guarda roupa, material de limpeza e produtos de higiene foram encontrados
na área de serviço. Já tinha tomado café com o que Antonieta separou na
sacola. Pediu o almoço em um bom restaurante próximo, era um bairro nobre.

Maria Fernanda continuava dentro da despensa vazia do apartamento


do marido. Ele já tinha ido até lá, mas depois da segunda vez que foi
mordido, jurou que não se aproximaria mais daquela porta. Ela que saísse
quando a costela agarrasse na pele das costas.

Já tinha passado do meio dia quando Eduardo arrumou o almoço no


balcão de pedra preta de Silestone. O tempo tinha esfriado e sabia que o chão
da dispensa iria adoecer ainda mais a mulher. Mas ele não iria lá receber
outra dentada. Sorriu e inalou o cheiro que vinha da massa artesanal salteada
na manteiga de ervas, camarões, cogumelos frescos e brócolis.
— Delícia... — Colocou um bocado no garfo e aproximou na
direção dos lábios.

Estava sorrindo, antes de fechar os olhos e lembrar-se de Maria


Fernanda na despensa. Aquilo só durou três segundos. Abriu os olhos outra
vez e sacudiu a cabeça para afastar a imagem da fera faminta jogada no chão,
abriu a boca para não desistir e colocou mais quantidade no garfo. Levantou
o talher, e o alimento chegou a roçar em seus lábios, mas ele não conseguiu
lidar com a comiseração que deu uma bofetada em sua cara.

Ele levantou indignado e empurrou a porta da dispensa com certa


ignorância. Maria Fernanda estava cochilando e arregalou os olhos graúdos
de imediato.

— Levanta! — A chamou com um gesto impaciente.

— Vou continuar aqui. — Ela apertou as mãos em volta dos joelhos.

Ele respirou fundo, se abaixou e a fez levantar-se contra vontade.

— Me solte. Que mal eu lhe faço por estar exilada em um cômodo


vazio?

Ela resmungou enquanto era puxada e abaixou o rosto para morder o


braço dele. Eduardo segurou na raiz dos cabelos castanhos e levantou a
cabeça da mulher.

— Você vai sentar e vai comer. — Puxou uma banqueta ao lado dele
e a fez sentar. — Ou prefere que eu te amarre?

— Você cozinhou? — Ela perguntou levemente tentada pelo cheiro


e boa aparência dos alimentos.
— Coma e não me faça perguntas.

— Não sinto fome... — Ela quase passou a língua nos lábios, mas
guardou dentro da boca quando lembrou que Eduardo estava ao lado.

— Coma logo! Ou eu abro sua boca e forço a entrada!

— Colocou algum xarope duvidoso aí dentro?

Eduardo curvou o canto do lábio e sorriu diante dos próprios


pensamentos. Certamente ela jogaria o prato nele se o ouvisse falar sobre
certo xarope que ele deveria colocar na sua boca.

— Por que está rindo? Colocou droga na comida!

Eduardo observou o estado desgrenhado da mulher ao seu lado e


lutou para conter o riso mais aberto.

— Vai precisar de um banho. Está a personificação de uma fera do


mato. Só falta tirar a roupa e desprender dos pudores. Se quiser andar pelada
pela casa não reclamarei.

— Descarado! — Ela apertou o punho e fechou a cara.

Eduardo levou o garfo até o prato dela, pegou uma porção de


alimento e ingeriu.

— Pronto, não morri, agora coma!

Maria Fernanda pegou o garfo e, esfomeada, colocou uma grande


quantidade de comida na boca. Rapidamente comeu o conteúdo do prato e
serviu-se de mais.

— O que pretende fazer comigo? — Ela perguntou de boca cheia.


— Está perdendo a classe, Milady, não quero ver o alimento dentro
de sua boca! Mas respondendo a sua pergunta, quero te deixar mais saudável.
Tenho motivos para desejar sua saúde.

— Não me esqueço das humilhações que me faz passar, depois de


beijos com promessas.

— Até agora, eu só te prometi que não usaria a força contra você.


No mais, é por sua conta.

Maria Fernanda abaixou a cabeça e continuou comendo. Ele estava


certo, não tinha feito promessas. Ela que se enganava a cada beijo que recebia
do marido. Era tão bom ser beijada por ele em seu estado dócil. Bom e
quente. Ela tinha descoberto parte das sensações de paixões ardentes que as
mocinhas dos romances sentiam dentro das páginas proibidas, aquelas que ela
pulava. Mesmo sendo extremamente curiosa, ela pulava as páginas que
carregava o conteúdo de prazer a dois e só fixava no cortejo anterior e
posterior do casal. Muitas vezes desejou ter um príncipe para chamar de seu e
lhe mostrar a felicidade que acontecia dentro das páginas secretas, queria
descobrir tudo ao lado dele. Mas nos romances os finais eram felizes. Tinha
por certo que o homem experiente e ambicioso ao seu lado, a abandonaria
antes de mear as páginas ocultas. E as seguintes, a descreveriam abandonada
e arrependida sobre uma cama. Ele não se renderia ao amor de uma jovem
inocente ao ponto de inseri-la em suas ideologias racionais. Eduardo
certamente zombava de sua ingenuidade. Ela não passava de uma jovem tola
que se derretia nos lábios dele ao ponto de transparecer com palavras, que o
amava por tão pouco.
— Por que está chorando? — Ele percebeu o fungar de nariz, em
seguida verificou as lágrimas.

— Não importa.

— Sente dores? — Ele colocou o dorso da mão na testa dela, mas foi
afastado. — Você está com febre outra vez. Não deveria ter ficado no chão
frio.

— Não quero seu olhar de piedade. Continue sendo grosseiro e


desrespeitoso, assim eu não serei tonta.

— Termine de comer e vá para o último quarto do corredor. Lá tem


tudo montado. Tome seus remédios, banho e durma. Faça isso a tarde toda.
Está frio, aproveite para se enterrar nas cobertas.

Maria Fernanda não falou nada. Já estava saciada, então se levantou


e saiu da cozinha.

— Que droga de piedade, mulher! — Ele afastou o prato para o meio


do balcão. — Será que não vê que o traíra do meu pau está dependente de
você sem nunca ter te conhecido?
***

Já era noite, Eduardo estava deitado no sofá. De onde ele estava


dava para ver as luzes da cidade. Ele tinha tirado os papelões que tampava a
grande parede de vidro blindada. O seu apartamento era diferenciado dos
demais, era único e arquitetado nos mínimos detalhes.

Maria Fernanda apareceu na sala e Eduardo sentou rapidamente no


sofá. A visão dos pontos de luz aguçou a curiosidade da jovem. Ela caminhou
até o vidro e passou a mão em sua extensão, em seguida forçou para frente e
sentiu um frio enorme na barriga ao olhar para baixo e ter noção da altura.
Recuou rapidamente e chocou suas costas em Eduardo que a segurou pela
cintura.

— Primeiro a curiosidade, depois o medo, não é mesmo? Já estou


conseguindo te traduzir, mulher.

— Isso não estava aqui... Estava coberto? — Ela se afastou e olhou


para as mãos dele que antes apalpava sua cintura.

— É a primeira vez que retiro o papelão depois da reforma. Eu que


projetei. Gostou?

Ela afirmou, ainda o olhando cismada.

— Daqui dá para visualizar onde quero chegar. Olha aqueles prédios


enormes. — Apontou — Um dia vou ter construído prédios bem maiores que
ele.

Ela virou novamente para as luzes da cidade. Maria Fernanda usava


um dos vestidos que Eduardo colocou na mochila. Os cabelos estavam
jogados em um único lado do pescoço.

Eduardo sentiu-se extremamente tentado em distribuir alguns beijos


na parte descoberta do pescoço e dizer que a visão era linda, mas tê-la no
centro da parede de vidro fazia a cena perder o sentido, pois passava a ser
apenas uma moldura em volta de seu corpo perfeito. Ele apertou os próprios
olhos lutando contra o pensamento, mas não viu o afastamento dele. Tolo,
ainda não tinha notado que não era um simples pensamento que o atingia, e
sim o sentir que pulsava no peito.

— Eu... Eu mandei trazer sopa, pão de queijo e chocolate quente.


Vai se alimentar. — Ele voltou para o sofá e se jogou de costas para onde ela
estava.

Maria Fernanda ainda ficou no mesmo lugar por um tempo, depois


caminhou até a cozinha.

Eduardo apertou o dedo nos olhos assim que se viu sozinho na


grande sala. Levou-a até ali na esperança de matar o desejo que percorria em
seu corpo que ansiava pelo dela. E, quem sabe, pensar em uma remota
possibilidade de fazer aquela loucura dar certo... Pelo menos por um tempo.
Estava tão ansioso por ela que sua boca chegava a salivar com a lembrança
dos gemidos fracos e inocentes da mulher. Estava sendo egoísta, pois ele
nunca seria um Don Juan descrito nos livros e tinha consciência de que, em
algum momento, a faria sofrer com suas metas de futuro.

Ele cobriu o rosto com um dos braços e por trás dos olhos desenhou
o corpo dela. Ela estava nua, parada frente à parede transparente. Os cabelos
soltos tomavam as costas até a base do quadril. Abaixo estava o bumbum
pequeno e redondinho. As pernas lisas e longas brilhavam com algum de seus
cremes. Ele esvaziou a mente no intuito de ir além e imaginar suas mãos
percorrendo o corpo de pele macia e cheirosa. Queria dormir e sonhar com os
gemidos que exercia algum tipo de encantamento sobre ele.

Alguns minutos depois de se alimentar, Maria Fernanda voltou da


cozinha e arregalou os olhos com a cena a sua frente. Eduardo estava com
uma das mãos enterrada dentro da calça de moletom e seguia um ritmo
sofrido lá dentro. O braço frente ao rosto apagava o clarão da luz e o
direcionava para a alusão de fantasia particular. O homem arfava com
respiração sofrida.

Dividida entre vergonha e curiosidade, Maria Fernanda correu para o


quarto e se escondeu debaixo do cobertor. Foi a primeira vez que viu algo
parecido. Ele fazia sempre aquilo? Qual o propósito se tinha muitas
mulheres aos seus pés? Chegou a se perguntar, se Giovane fazia o mesmo.
Com que cara ela olharia para ele depois daquilo? Deveria ser uma arte
secreta dos homens.

Ela puxou os próprios cabelos e fez uma venda em seus olhos.


Precisava pensar em alguma coisa que afastasse a ideia de voltar à sala para
espiar o marido com a mão dentro da calça. Dormiria. Sim, precisava dormir
rápido, antes que ele voltasse.
***

Já era tarde, quando a jovem arregalou os olhos ao ouvir o estrondo


de um trovão. Trêmula, ela tateou a cama em busca de um corpo musculoso
que deveria estar ali para protegê-la do terrível barulho. Mas o lado estava
vazio. Ela gelou e sentiu o temor percorrer seu corpo.

Quando o barulho ecoou pela terceira vez e um clarão entrou pela


vidraça, Eduardo sentou meio atordoado no sofá.

— Eduardo! — Ele ouviu o grito dela nos dois segundos de calmaria


entre um estrondo e outro. — Eduardo!

Ele correu até o quarto e empurrou a porta com rapidez.


— Maria Fernanda! — Não a encontrou. — Maria Fernanda! — Se
jogou sobre a cama e olhou para o chão. Viu o bolinho encolhido, enrolada
no cobertor e desceu rapidamente. — Calma, mulher. — Pegou o corpo dela
e colocou em sobre suas pernas. — Por que está no chão?

— O co- co-bertor prendeu mi-nhas pernas...

— Calma. É só uma tempestade, igual à de ontem.

— O prédio vai desmoronar. — Ela sussurrou. — Pre-cisa fazer


alguma coisa.

— Não tenho poderes contra as forças da natureza, mulher. Fique


calma. O prédio não vai cair.

Outro barulho violento voltou a surgir dentro do quarto e Maria


Fernanda afundou o rosto no peito do marido.

— Por favor, me abrace.

Eduardo percebeu o quanto ela estava trêmula e atendeu ao pedido


de imediato.

— Precisa controlar isso ou qualquer dia vai sofrer do coração.

— E... Eu estou com medo. — A voz dela saiu em início de soluço.


— Nã-não me solte.

— Não vou te soltar. — Ele organizou a cabeleira que estava em


toda parte. — Vamos para a cama. Não é bom você ficar nesse chão frio.

— Eu estou com medo, não consigo me mexer.

— Você quer colinho? — Eduardo não pôde acreditar que ele estava
se prestando aquele papel para não a ver chorar. Até sua voz estava
levemente infantil.

— Eu quero. — Ela choramingou com a voz trêmula.

Ele ficou de joelhos, pegou-a nos braços e colocou sobre a cama.


Depois subiu e ficou ao lado dela.

— Não se aproveite de meu momento de fraqueza, você continua


sendo um ogro cruel. — Ela ainda chorava.

— Então, vou voltar para o meu sofá. — Ele sentou e se preparou


para sair da cama.

Rapidamente ela montou no colo do marido. O prendendo entre as


pernas e o colchão.

— Por favor, por favor. Tenha piedade de mim. — Ela enlaçou o


pescoço dele e chorou baixinho em seu peito.

Ainda na penumbra do quarto, ele beijou o rosto dela e afagou os


cabelos.

— Você lavou as mãos? — ela perguntou ainda soluçando.

— Por que isso é importante?

Outro relâmpago e outro grito dela.

— Calma, mulher. — Beijou a bochecha dela. — Não me Morda. —


Beijou outra vez. — Apesar de que, eu me sinto tentado a te morder de tão
linda que você é.

— Mi-minha pele já está machuca o suficiente. — Chorou.


— E eu sei exatamente onde preciso morder e faria bem de levinho.
— Seguiu beijando o rosto dela.

— Você está se aproveitando de mim...

— Estou te protegendo dos terríveis relâmpagos. — Beijou o ombro


dela ainda coberto. — Precisa enfrentar essa fobia, ferinha medrosa. Esquece
o barulho lá fora e sente minhas mãos acalmando seu corpo.

— Estão quentes. — Com o ouvido do peito dele, ela sentiu o


coração do marido pulsar freneticamente.

— Eu sou quente. Com sua bocetinha colada ao meu...

— Não... não acabe com um possível momento falando coisas que


não me agradam.

— Sua... deliciosa pedindo abrigo ao meu corajoso membro, estoura


com qualquer medidor de temperatura.

— Isso não está acontecendo. Não levante falso contra minha...


Deliciosa?

— Sim, rosadinha e deliciosa. — Ele sussurrou.

— Estou com medo, só isso. Mas com isso, você está tentando dizer
que me deseja como mulher?

— Mulher, eu chuparia você...!

— Não! Seja mais gentil e elegante. — Ela interrompeu a euforia


dele.

— Eu me deliciaria com você a noite toda e agradeceria por me


proporcionar a oportunidade.

“Que humilhação do caramba é essa?” Seu subconsciente o


confrontou.

— Não vai me entristecer tendo outras mulheres?

— Vou te mostrar a prova visível. — Ele segurou a mão direita dela,


beijou e direcionou por entre os corpos.

— Eduardo...

Ela tentou recuar, mas ele a calou com um chiado. Deixou a mão
dela sobre o tecido macio e leve de sua calça, fazendo-a sentir a prova visível
da excitação dele, que começava crescer.

— A mulher que desejo está aqui, tocando o meu pa... membro e me


deixando aceso. — Procurou os lábios dela.

— Sou nova e não sei discernir as coisas com malícia, então não
minta para mim. Não me faça sofrer.

Para a loucura de Eduardo, ela fechou a mão, sentindo-se curiosa.

— Quero você mulher. Meu corpo inteiro anseia pelo seu, não
duvide disso. Está sentindo... Ai caralho!

Ela moveu a mão de cima abaixo.

— Não xingue.

— Não vou...

— Vai usar aliança?


— Não tenho como te negar isso... — a voz dele saiu sofrida, pois
sentiu a mão curiosa da mulher o torturar com ritmo lento.

— Você faz isso com frequência? O que sente?

— Mulher encapetada para de fazer perguntas. — Apertou os olhos.

Ele concordaria com tudo, sem ao menos analisar a pergunta.

Ela olhou para o rosto dele, prestes a rebater o adjetivo, mas o prazer
evidente na face do marido a calou. Ela estava provocando aquilo e a
sensação foi inebriante. Gostando de exercer poder sobre ele, Maria Fernanda
moveu a mão com um ritmo mais frenético e ouviu um grunhido escapar da
boca dele.

Eduardo estava sentindo a mão pequena provocar seu membro com


pouca agilidade e mesmo assim, seu sangue corria rapidamente para aquela
região. Aquilo nunca foi tão provocante.

Maria Fernanda perguntou-se se aquele era o ponto fraco do marido.


Se fosse, ela poderia colocá-lo na linha ao regrá-lo. Ela teve aquele
pensamento enquanto seu polegar encontrou o início daquela extensão que
lhe dava certo medo. Eduardo soltou o ar pela boca e gemeu rouco. A
sensação foi enlouquecedora. Não acreditou que agiria feito um moleque ao
se antecipar com apenas um toque. Não, ele precisava tomar as rédeas, antes
que aquilo ferisse sua honra.

— Por que está me olhando com olhar travesso? — Ele a tirou dos
devaneios.

— Vai chegar em casa todos os dias cedo, não vai frequentar os


lugares que aquela dona estiver, vai me levar com você nas festas da
empresa...

Eduardo a calou com um movimento brusco. Em um instante ele


estava sobre ela, prendendo os braços da mulher no colchão.

— Então seu plano é me prender com uma chave de coxa? Acha que
possui forças para isso?

— Acredito que não preciso de força para conseguir tal façanha. —


Ela falou sentindo a respiração ofegante do marido na pele de seu rosto.

— Olha, quem está colocando as manguinhas de fora…

— No caso, uma única mão.

— Afrontosa até na inocência… Vou te mostrar quem manda aqui.


— ele mordeu o lábio tentador que o provocava sem esforços, em seguida
invadiu a boca da mulher com uma avidez faminta.
23

— Estou com medo de você ser perverso e... — Maria Fernanda


calou-se, pois os beijos em seu pescoço já estavam surtindo efeito. O corpo
de Eduardo estava sobre o dela, mas ele mantinha um equilíbrio descomunal
para não machucá-la. — Você sabe que não tenho... — As palavras dela se
perderam entre curtos gemidos. — Estou com medo...

— Para! — ele firmou as duas mãos no rosto dela e olhou muito de


perto. — Se continuar assim, seu corpo não vai reagir. Estou disposto a
começar te agradando, então calma. — Ele levantou o queixo dela. — O que
você quer? — Uma das mãos dele desceu lentamente dos cabelos dela e
parou sobre os seios. — Isso é bom, não é? — Apertou o mamilo sobre o
vestido e viu Maria Fernanda fechar as pálpebras dos olhos. — Isso, feche os
olhos.

Eduardo desejava tanto aquela pequena abaixo de seu corpo que se


enterraria nela sem preliminares. Mas, Maria Fernanda era virgem e não
queria machucá-la além do natural. Lembrou-se da última vez, quando tentou
instigá-la e apenas viu lágrimas de medo. Primeiro iria estimulá-la com
delicadeza. Não suportaria outra desistência dela.

A boca faminta de Eduardo cobriu cada parte do pescoço da mulher


com beijos possessivos e molhados. O seio redondo sofria em sua mão, mas
aquele sofrimento nunca tinha sido tão bom para ela. Eduardo ouviu Maria
Fernanda arfar com a deliciosa tortura. Ele sentiu o bico do seio endurecer na
ponta de seus dedos. Estava no caminho certo, àqueles biquinhos ansiavam
por sua boca. Ele já salivava por antecipação. Louco para senti-los, ele
levantou o rosto e procurou por zíper, botões, colchetes, abertura, qualquer
coisa que os libertasse o mais rápido possível.

— Como esse vestido entrou?— Ele seguiu procurando. — Não é


possível...

Maria Fernanda abriu os olhos quando ele já estava com as mãos na


gola, pronto para rasgar o tecido. Ela forçou o pescoço e tentou virar de
costas. Eduardo entendeu e a libertou para que assim o fizesse.

Sentado sobre a cama ele admirou as costas da mulher, afastou os


cabelos do pescoço e depositou pequenos beijos ali.

— Vou ter cuidado. — Sussurrou e viu os pelos do pescoço dela se


eriçarem. — Ele abaixou o zíper invisível com certa dificuldade. Ele não
tinha muita paciência e geralmente rasgava os impedimentos, mas precisava
ir com calma para não assustá-la a ponto dela querer desistir.

Tendo o zíper aberto até o limite, ele abriu o tecido florido do


vestido. Não havia sutiã no corpo dela. Ele amou a visão das costas nuas.

— Sua pele é linda...

Quis beijá-la por inteiro e começou pela nuca. Maria Fernanda


soltou um casto murmúrio, sentindo o delicioso toque. Seu corpo foi
inundado por chamas e uma dor gostosa pairou entre suas coxas. Eduardo
encerrou a trilha de beijos sobre a pele que iniciava o osso do sacro. Percebeu
que não havia tecido algum por baixo do vestido e continuou beijando a pele
sobre os dois furinhos entre a curva lombar e sacral.

Depois de ter adorado aquela região do corpo da mulher, ele fez o


caminho de volta até o pescoço dela.

— Por que está sem calcinha? — Perguntou no ouvido dela. —


Estava sem nada por baixo o tempo todo, safadinha...

— Não sou safada, só não... Você não colocou minhas peças na


mochila e a que eu usava está secando...

— Shii, ele delineou a orelha dela com a ponta da língua e mordeu o


pequeno lóbulo. — Levanta o bracinho... — Ele puxou as alças do vestido e
arrastou pelos braços, deixando o tecido preso apenas a cintura dela. — Vira,
quero te olhar. — Outra vez ela estremeceu com a voz quente ao seu ouvido e
atendeu ao comando de imediato.

Ele beijou-a nos lábios, em seguida admirou os seios médios e


durinhos. Sorriu maravilhado com a visão.

— Em toda minha vida, nunca vi uma mulher tão rosada — ele


fechou as mãos em volta dos seios e sussurrou em seu ouvido: — São
pequenos, mas cabem inteirinhos na minha boca. — Desceu e beijou o bico
dos dois seios antes de abocanhá-los em um árduo revezamento.

Os lábios e língua de Eduardo traziam encantamento ao corpo da


mulher, tanto que ela começou se movimentar de encontro à perna dele.
Eduardo a ajudou, colocando-se exatamente onde ela precisava. Maria
Fernanda gemeu com aquele atrito. Naquele momento ele estava muito ligado
a ela sem ao menos ter se despido.

Maria Fernanda desejou tirar a roupa que a impedia de tocar no


corpo musculoso, mas no momento, senti-lo sobre seus dois pontos sensíveis
a proibia de se mover. Ela gemeu baixinho, se descobrindo em mais um
chamego quente do marido. Ela não queria sair dali.

Aquele gemido fervia o sangue de Eduardo. Seu membro já estava


muito rígido e se continuasse entregando-se a ela naquela dança sensual, ele
não resistiria por muito tempo. De repente, o homem experiente parecia um
adolescente sem controle.

— Eduardo... — ela o chamou.

— Te quero. — Ele abandonou a tortura maravilhosa que fazia para


olhar dentro dos olhos azuis. Teve medo de ser uma desistência.

— Te... amo. — Ela só queria dizer aquela frase.

— Shii. — Beijou-a no queixo e desceu pelo corpo. Estava com


fome dela.

“Não confunda prazer com amor, ferinha.” Pensou, enquanto


lambia a pele macia do abdome da mulher.

— Se abra para seu marido. — A mão dele pairou sobre o pico de


seu objeto de desejo. — Faça isso. Quero te admirar.

Maria Fernanda não se sentiu capaz de tamanha ousadia. Com que


cara ela ficaria, em ter as pernas aberta e Eduardo olhando para sua nudez tão
exposta.
Ela não negou, apenas virou o rosto para o lado, estava vermelha
pela paixão e constrangimento.

— Só vai fazer isso para mim. Não quero ter segredos entre nós. —
Arrastou o vestido pelas pernas dela. — Desejo conhecer seu corpo e te dar
prazer de todas as maneiras possíveis. — Beijou o joelho dela e desceu a
carícia sensual nas pernas. A palma de uma das mãos movimentou-se nela,
induzindo seu corpo a obedecê-lo, Maria Fernanda sentiu-se tremer de
desejo. — Abra! — falou firme.

A vergonha era o que menos importava, ela quis obedecer ao


comando do marido, pois já havia sentido o que vinha depois e achou
maravilhoso. Foi por isso mesmo que ela firmou os pés sobre a cama e de
olhos fechados deu a visão privilegiada que Eduardo tanto desejava. Ele
sorriu largo e alisou as pernas dela sobre o colchão.

— Realmente, não existe outra mais linda. — Ele circulou o polegar


no ponto sensível e a viu dar um sobressalto na cama. — É deliciosa, linda e
muito rosada... — Ele seguiu o ritmo circular. Maria Fernanda deu um
gritinho, o fazendo sorrir e puxar as pernas dela com força para próximo ao
seu rosto. — Se segura, pois não vou levantar daqui até que tenha derramado
seu prazer em minha boca. Quero te dar tudo antes da dor. — Sem cerimônia,
invadiu-a com um beijo insaciável.

— Eduardo... — O choque quente da boca do marido a fez arquear


as costas.

Aonde ele tinha aprendido a fazer aquilo tão bem, se uma vez deixou
escapar que poucas tinham aquele privilégio?
Era a mesma corrente elétrica da primeira vez em que recebeu as
carícias, mas daquela vez Eduardo estava sendo mais ousado. Além de
explorar todas as dobras dela com beijos, brincava com um dedo na entrada
apertada de Maria Fernanda. Instigava-a, enquanto sua língua embebedava a
mulher de desejo e chamas de devassidão. Agia lentamente, apenas nos
arredores, mas quando sentiu as pernas dela vibrar, introduziu um dedo por
completo e moveu-se dentro dela com agilidade. Sugou-a para que o prazer
fosse dobrado. Iria adorá-la. Desejava matar seu desejo e precisava deixá-la
pronta o mais rápido possível.

— Eduardo... — ela se assustou com as investidas. Era algo novo.

— Eu sei... Mas apenas estou te preparando. Quer que eu pare? —


Ele ainda movia o dedo na umidade quente, fazendo o corpo dela se
movimentar para cima e para baixo.

A reposta de Maria Fernanda foi inclinar o corpo para agarrar os


cabelos dele e empurrá-lo de volta contra sua intimidade, ansiando e
desejando por mais.

Quando ele voltou a beijá-la intimamente, o corpo de Maria


Fernanda se moveu no mesmo ritmo dele. Eduardo colocou o dedo mais
fundo e deslizou para dentro e para fora.

— Não pare! — Ela apertou o dedo dele.

Eduardo queria, mais que tudo, partir para a segunda parte, mas
aquela voz manhosa o enlouquecia. Queria ouvir mais um pouco. Afastou sua
boca da pele quente e sentiu as sensíveis mãos buscá-lo outra vez. As duas
mãos dela firmaram-se atrás da cabeça dele e Eduardo sentiu o prazer a
abraçando naquele exato momento.

Enquanto ela tremia em volta de seu dedo, ele levantou o olhar. Ela
estava com os olhos apertados e os lábios abertos lutando com os gemidos e
respiração.

— Agora olha para mim. — Ele levantou o rosto e Maria Fernanda


juntou as pernas em torno da mão dele. — Quero ver seus olhos. — Ele pediu
com um sorriso maravilhado no rosto. Tê-la daquela maneira certamente
tornaria vício.

Ela o obedeceu. Os olhos azuis de ambos estavam turvos de desejos.


Maria Fernanda mordeu o lábio para controlar os gemidos. Ele a tocou ainda
na conexão dos olhares. E o desejo dela estava o enlouquecendo.

— Gostosa. — Ele afastou os joelhos dela e voltou a saboreá-la. —


Minha ferinha é muito gostosa. — Mordiscou a virilha levemente e voltou a
mover sua língua no ponto durinho e inchado.

— Não tenho mais... Estou sem forças. — Ela ainda sentia espasmos
sobre a cama. — Preciso que pare.

Ele se animou e nem insistiu. Beijou o umbigo ainda sentindo-a


vibrar.

— O que eu ainda estou fazendo vestido? — Ele retirou a camisa


muito rápido e puxou a calça moletom junto com a cueca. Sorriu para ela,
tentando encorajá-la. — Não se assuste.

Como da outra vez, Maria Fernanda teve medo daquele tamanho,


mas estava totalmente embebedada pelo desejo, então apenas rogou aos céus
para ele ser um bom marido daquele dia em diante.

— Por favor, seja gentil. — Pediu com os olhos turvos de lágrimas.

— O que foi, Maria Fernanda? Quer desistir? — Ele se aproximou


dela.

— Não quero desistir, mas não consigo parar de temer, não somos
compatíveis, Eduardo.

— Vai dar certo, não chore.

— Não vou chorar igual uma criança mimada. Pode começar, não
vou desistir.

— Não, Maria Fernanda, não é assim. — Beijou os dois olhos dela.


— Você quer isso?

“Não desista, não desista, não desista.” Ele repetiu um mantra


mental. Precisava penetrá-la e sentir o corpo pequeno tremer ao engoli-lo,
nem que fosse pela metade.

— Se desistir, vou ficar aqui com você do mesmo jeito. — Por


dentro ele seguia: “Não desista, não desista.”

— Não quero desistir, quero você. Te am... — Eduardo tomou os


lábios dela com desespero e alegria. Atordoado, lembrou-se do preservativo e
desceu da cama para procurar a carteira. Não encontrou no quarto, então
correu pela casa e voltou na velocidade do foguete com a cartela na mão.

O olhar de Maria Fernanda já transparência desistência. Ele se


agoniou e rasgou o pacote. Precisava ser rápido, mas perdeu alguns segundos,
pois colocou sem precaução e retirou para colocar outro. Não poderia correr o
risco de estourar.

“Pressão do caralho.” Reclamou em pensamento.

Ele olhou para Maria Fernanda quase implorando compreensão. Ela


nem olhava mais para ele. Chegou a pensar na possibilidade de cantarolar
uma música para acalmá-la.

— Ferinha... — Depois de ter conseguido, voltou a deitar e ganhou a


atenção dela novamente.

Beijou-a nos lábios e a tocou por alguns segundos para conferir se


ela ainda estava pronta.

— Linda...

Ele aproximou o membro da carne lânguida e foi devagarzinho,


parando a cada ponto que ela soltava um suspiro forte. Maria Fernanda era
muitíssimo apertada para comportá-lo. Temeu machucá-la mais que o
necessário. Quando ele percebeu a barreira da virgindade ser rompida beijou-
a na testa. Ouviu o grito sufocado e se recriminou intimamente.

— Linda... — Enlouqueceu com a vontade de impulsionar


fortemente e aprofundar-se todo dentro dela, mas a beijou e acariciou a
bochecha dela para que ficasse mais tranquila. — Vou precisar me mover até
sua dor diminuir, tudo bem? Ela soluçou baixinho e abraçou as costas dele.
Eduardo moveu-se devagar ainda incompleto dentro dela. Ela gritou e deixou
escapar uma lágrima.
— Me desculpa. — falou, pois não estava em condições de parar.
Beijou-a com paixão para em seguida se mover rapidamente.

Ele impulsionou forte e foi fundo. Maria Fernanda choramingou.


Estava dividida entre o prazer e dor. Ela sentia o marido em toda parte.
Eduardo não soube dizer quanto tempo manteve suas estocadas. Ele se
segurou ao máximo e quando seu prazer foi alcançado, sentiu-se completo.
Ali era seu melhor lugar, mas ele ainda podia mais, então levantou as costas
dela, segurou-a firme e seu corpo vibrou ao alcançar o lugar mais fundo
dentro dela. Foi intenso e o instigou. Ainda não estava satisfeito, mas sabia
dos limites dela. Lutou bravamente para abandonar o interior apertado e
acolhedor, e quando enfim saiu, só conseguiu respirar fundo para controlar
sua dureza insaciada.

— Maria Fernanda, não quero abusar, mas você aguentaria... — Ele


fechou os olhos e respirou fundo, lutando bravamente contra seu egoísmo.

— Também está com dor? — Ela perguntou depois de um curto


tempo. Sua voz estava chorosa. Eduardo estava de bruços ao lado, com a
cabeça na curva do pescoço dela.

— Estou me acalmando, para te beijar. Preciso te beijar, mas deixa


eu me acalmar primeiro.

Depois de alguns segundos ele levantou o rosto e beijou a bochecha


dela.

— Hoje te machuquei. Mas na próxima vez vai ser melhor para


você.
— Estou bem. — Ela falou com os olhos cheios de lágrimas.

Eduardo tinha consciência de que mesmo ele tendo feito com


cuidado, ela estava dolorida. O sangue no lençol era a prova que seu corpo
estava precisando de repouso e cuidado.

— Te amo, Eduar...

Ele calou-a com um beijo molhado.

— Vou te dar banho e depois te alimentar, mas primeiro, descansa


um pouco — Voltou a beijá-la.

— Prefiro... tomar banho primeiro e descansar depois. — Ela falou


entre o beijo. — Vai me abraçar?

— Não faça tantas perguntas. — Ele levantou e a pegou no colo. —


Você é muito delicada. — Falou antes de afundar a bochecha dela com um
beijo. — Isso deve doer pra cara... muito. — Ele cortou o palavrão. Ainda
tentava controlar o próprio corpo.
24

Era muito cedo, enquanto Maria Fernanda dormia, Eduardo estava


frente a grande parede de vidro, vestindo apenas uma de suas confortáveis
calças de moletom.

Ele estava pensando, em como poderia ser sua vida sem os seus
objetivos. Talvez, fosse feliz como tinha sido durante aquela noite. Foi à
primeira vez, que ele vivenciou a experiência de ir além da satisfação de seus
desejos carnais. Cada movimento, toque e reações de Maria Fernanda
estavam em sua memória.

Em seu rosto estava um contido sorriso de admiração, ao lembrar as


reações manhosas do corpo da mulher se descobrindo. Ele encostou as duas
mãos na parede transparente e ainda estava sorrindo, mas ao olhar fixamente
para os prédios, teve seu sorriso suavizado. Se não fosse a sua meta de futuro,
planejada desde a adolescência, ele teria uma bela casa, filhos correndo por
ela, enquanto Maria Fernanda preparava o almoço. Sua vida seria simples
diante da escolha, mas confortável, pois o dinheiro que ambos já possuíam
ajudaria a ter uma vida farta. Contudo, conforto e felicidade nunca foram
suficientes para ele. Seu grande projeto era a empresa e, infelizmente, só o
dinheiro não era necessário para fazer crescer um império. Para que tudo
funcionasse, era preciso ter influência no mundo dos negócios. Precisava
jogar com pessoas ambiciosas, ser frio e sem nada nem ninguém para cobrá-
lo e exigir o que ele não poderia oferecer.

Eduardo estava muito confuso, ela estava causando aquela bagunça.


Ele evitaria machucar a jovem que estava deitada em sua cama, mas sabia
que seus planos levariam a isso. Já estava tudo programado, inclusive a
passagens de avião para a viagem que traria tristeza ao coração da mulher,
cujo cada pedacinho estava guardado em sua memória. A solução seria abrir
o jogo e convencê-la a aceitar suas condições. Sim, ela aceitaria, seu corpo
reagiu a seus toques instantaneamente. Seria fácil.

Maria Fernanda levantou da cama e ficou na porta do corredor,


analisando-o. Estava dolorida, ainda não conseguia acreditar na mágica que
Eduardo fez para se enterrar por inteiro dentro dela. Foi doloroso? Foi. Mas
de início ele foi tão cavalheiro e romântico, que compensou o momento de
descontrole, quando ele não conseguiu parar as fortes investidas. Talvez com
um tempo a dor não fosse problema, e quem sabe, o impulso forte seria
proveitoso não só para ele.

Ela cobriu o rosto com a mão ao lembrar que não conseguiu firmar
os pés no chão do banheiro. “Sou uma mulher muito fraca, por não aguentar
uma noite de amor com meu marido.” Pensou ao esconder o rosto. Deveria
ter disfarçado, mas ele percebeu quando ela segurou nas paredes, não
conseguindo equilibrar as pernas bambas.

Eduardo fez questão de lhe colocar sentada em uma cadeira


enquanto a banhava. Existia um Romeu, dentro da musculosa casca de ogro
malvado. Ela tinha certeza. Dentro daquele coração protegido, pulsava uma
fagulha de sentimento. Um pulsar, que ela conseguiu despertar.

Tivera os momentos mais intensos de sua vida na noite passada.


Aquilo tudo não poderia ser mentira. Ele a amava, ela sabia o quanto, pelo
carinho que tinha sido tratada. Ele foi quente e doce, ela nunca imaginou que
a alma tosca daquele ogro, pudesse ser gentil.

— Bom dia, Eduardo. — Ela falou sem sair do lugar. — Por que
acordou tão cedo? — Sorriu, lutando contra a timidez.

Eduardo virou para olhá-la. E pelos céus, como aquela boneca de


porcelana mexia com ele. Ele a observou vestida em uma de suas camisas e,
mais uma vez, idealizou a família que ela poderia lhe dar. Cada vez mais, ela
transparecia beleza e delicadeza. A palavra delicada era um sinônimo de
Maria Fernanda, ele nunca pensou que aquilo lhe remeteria tanta sedução.

Mas ele precisava lembrá-la de quem ele era. Não queria enganá-la
com o súbito ar romântico que o atingiu ao vê-la tão linda e inocentemente
sedutora. Sua empresa falava mais alto do que qualquer entusiasmo que
insistia em querer arrombar as paredes de seu coração. Eduardo queria
acreditar naquilo, e daquela maneira seria seu certo.

Ela tinha atitudes tão inocentes, que o seduzia. Naquele momento,


Maria Fernanda estava passando a pontas dos dedos nos Gominhos de sua
barriga. Como ela era curiosa... lindamente curiosa. Era uma qualidade
promissora. Quem seria ela em alguns anos? Mulher ambiciosa e jogadora?
Não! Certamente seria professora de jardim de infância. Com aqueles olhos
encantadores, feição meiga e livro sempre nas mãos eram o que mais se
encaixava. Aquilo lhe lembrava de crianças. Pirralhos, carente de atenção e
afeto. Exigindo tempo precioso e produtivo para eles. Ele jamais teria filhos.
Assim era melhor.

Mas o que estava acontecendo Ali? Ele estava sendo fortemente


testado por aquelas possibilidades. O que aquela bela fera ardilosa estava
fazendo com ele?

— Estive analisando suas palavras. — Ela falou enquanto afundava


um dedo no músculo do peitoral do marido.

— Quais palavras?

— O coração traidor... — Ela fechou a palma da mão sobre o pulsar


do coração do marido. — Você foi o coração traidor do seu pai, mas você
também tem um, e ele está batendo forte nesse exato momento.

— Eu morreria se fosse o contrário. — Ele não gostou daquela


conversa.

— O motivo para você fugir tanto do amor é: você tem medo de


perdê-lo. Você é lindo e forte... — Eduardo sorriu convencido, isso ele era.
— O que quero dizer, é que você tem muita autoconfiança, mas no fundo...
seu medo é se entregar e ser abandonado. Também pensei na fonte disso
tudo, mas não é o momento para tocarmos nesse assunto.

Eduardo estreitou os olhos. Aquela mulher era perigosa. Deveria


ficar maquinando coisas na mente para confrontá-lo.

Ele levantou a mão dela, retirando de seu peito.

— Quero assumir o controle de minhas ações sem sentimento


nenhum me impulsionando. O problema não é perder, é ganhar e ficar
dependente dele. Quando alguém ama, se importa mais com o outro do que
consigo mesmo, nada te deixa mais feliz do que a felicidade do outro. É uma
entrega muito forte. Eu não quero isso, entende?

Maria Fernanda sentiu uma fraqueza nas pernas e a sensação de seu


coração sendo apertado com muita força. Ele estava voltando ao estado
normal, frio e insensível.

— Você pensa mesmo isso? É egoísta a esse ponto? Tem o conceito


de não amar, simplesmente para não renunciar às suas próprias vontades para
cuidar de mim, homem egoísta?

— Minhas ações nunca vão depender de outra pessoa, Maria


Fernanda. — Ele falou com certa amargura, pois viu os olhos azuis a sua
frente ganharem umidade. — Eu posso conviver a minha vida toda só com o
desejo. Isso sempre foi fácil, conseguir alguém para suprir.

— Eu não acredito que você vai fazer isso... Se você pensa assim,
por que me levou a entrega? — Ela piscou forte para secar os olhos. — Por
que me tratou com respeito e me fez sentir desejada? Para me machucar ainda
mais?

— Você é desejável, muito desejável, nunca negarei. Meu corpo


sempre desejou qualquer outro feminino, agora só quer você... — Ele puxou
a cabeça dela para seu peito. — Estou sendo verdadeiro com você. Sempre
vou te tratar com respeito, e contra toda minha racionalidade, vou te proteger
com minha vida.

— Fique com sua vida, apenas me entregue seu coração. — A voz


dela saiu embargada.

— Nossos corpos se desejam. Isso basta, Maria Fernanda.

— Não existe força que impeça uma traição, se o amor não estiver
presente. — A voz dela estava embargada. — A Carne é fraca... Isso está nas
escrituras sagradas. Como eu acreditaria que seu corpo seria forte, se o seu
coração não grita meu nome? As traições estariam livres de culpa. Não aceito
viver assim.

Maria Fernanda se afastou e caminhou até o quarto. Eduardo a


seguiu.

— Só quero você, Maria Fernanda. Já não basta?

— Isso não é uma esperança de algo momentâneo que, futuramente


eu poderei te conquistar. Você não quer e deixa claro. Como eu viveria ao
lado de um homem, sabendo que nunca seria amada?! — Ela gritou com o
dedo apontado no rosto dele.

Eduardo admirou a firmeza dela e temeu. Era como se ele tivesse


dado poderes a ela depois que a fez mulher. Estava enxergando uma mulher a
sua frente e não apenas a menina. Ela parecia mais segura e até gesticulava de
uma maneira que nunca tinha visto... ou percebido.

— O que está fazendo, mulher?

De costas, ela desabotoava a blusa dele que estava no corpo.

— Estou pensando em como fui tola. — Ela pegou o vestido e


seguiu para o banheiro.
— Não foi tola, Maria Fernanda. — Ele encostou a cabeça na porta.
— Estou disposto a renunciar algumas coisas por você. Se você for minha
todas as noites, não procurarei outra mulher. Aceite minhas condições.

— Pare! — Ela abriu a porta do banheiro ainda ajustando o tecido no


corpo. — Acha que eu não tenho sentimentos?

— Que porra de sentimento, mulher. Estou dizendo que quero você.

— Você grita que apenas deseja meu corpo. Acha que eu me sentiria
bem em ser usada roboticamente em uma cama, para seu bel prazer e nada
mais? Olha o que você me propõe!

— Não me deseja?

— Convivi muitos anos sem desfrutar do prazer da vida a dois, isso


ainda não me afeta e não é o suficiente.

Eduardo virou de costas e passou as mãos no cabelo, estava nervoso.


“Droga! Ela é sensata. Como não tinha percebido antes?” Pensou ao apertar
os cabelos. “O Desejo carnal é suficiente, preciso mostrá-la.”

Ele virou, caminhou displicente até ela e a puxou pela cintura. Maria
Fernanda sentiu as pernas bambas. Ele apertou a cintura dela, a outra mão
subiu até os cabelos. A boca apenas sentiu a temperatura dos lábios da
mulher, mas não concretizou o toque.

— Diz para mim... O que sente quando eu te pego assim? — A mão


que estava no quadril, apertou com ardor o bumbum dela.

O olhar dela quase suplicou, para que ele desse uma oportunidade a
seu próprio coração. Queria seu marido por inteiro. Antes ela não sabia o que
era a conexão gostosa que a deixava trêmula tendo ele a segurando daquela
maneira, possessiva e ao mesmo tempo ponderada. Ela desejava o homem
soberbo, que a tentava com um beijo.

— Queira me amar. — Os lábios dela tremeram.

Eduardo segurou a mão dela que estava inerte e levou até seu
membro.

— Ele te ama.

— Me leve para casa. — Ela se afastou enxugando os olhos, mas


Eduardo voltou a segurá-la com mais firmeza. — Me solte. Por que você tem
que ser tão duro, Eduardo?

— Eu não consigo acalmar meu pau perto de você.

— Você não consegue desenvolver um diálogo sem pensar nisso!


Estou me referindo à essência! — Ela o estapeou fortemente para sair de
dentro dos braços músculos. — Você é um pervertido sexual.

— A culpa, está nesses livros velhos que você anda lendo. — Ele
fechou os dois braços em volta da cintura dela. Maria Fernanda afastou o
tronco e impediu o contato dos rostos com a mão no peito dele. — Você está
educada, pelos tempos antigos. Vou comprar uns livros contemporâneos cujo
tema principal é sexo. Você vai se reeducar e tirar essa baboseira de amor de
sua cabeça. Tudo o que precisa é de um CEO gostoso e bom de cama. Ele
está bem aqui na sua frente, não precisa de mais nada. Em dois tempos você
vai mudar os pensamentos.

Ela sentiu o nó na garganta sufocá-la ao mesmo tempo em que foi


atingida por uma leve tontura.

— Sou obrigada a ouvi-lo, pois não possuo forças físicas contra


você.

— Vai ser muito difícil convivermos perto, sem nos tocarmos. Sim,
não pense que deixarei você ir. Eu te deixarei acorrentada no pé da minha
cama, nem que seja para eu te ver e... — Ele levantou uma das mãos e fez um
gesto sugestivo.

— Descarado! — Ela tentou sair no momento que apenas uma mão a


sustentava. Lembrou-se do que o viu fazendo no sofá, na noite anterior.

— Olha, quem está espertinha... ferinha dos pensamentos impuros.


— Ele falou em um amargo sarcasmo.

— Solte-me, você está me sufocando. Estou com falta de ar! —


Naquele momento ela ficou pálida e seus olhos demonstraram fraqueza.

— Maria Fernanda... O que sente mulher. Ela a tirou do aperto e a


direcionou até a cama.

— Me leve para casa. Ou me coloque na calçada que eu peço carona.


Agora sei meu poder de sedução. Tentarei contra os taxistas para tirar
vantagem. — Ela falou com os lábios sem cor.

— Está delirando, mulher. Ainda está fraca, suguei, literalmente,


você ontem.

— Me arrependo de ter me deitado com você. — Ela começou a suar


frio e chorar ao mesmo tempo.
— Não apenas nos deitamos... você amou ser tocada por mim. Só
deixou que parasse quando estava satisfeita.

— Tem prazer em jogar na minha cara, canalha?!

— Sim, mas vamos deixar mais para frente.

— Você joga na minha cara o quanto sou fraca e ainda premedita


fazer isso futuramente. Odeio você.

— Precisa tomar os remédios. — Ele estendeu a mão e alcançou os


frascos. — Lembra qual é o matutino?

— Não tomarei.

— Se não tomar eu te forço, então pegue esses comprimidos e


engula. — Ele colocou a vitamina na mão e pegou o vaso de água mineral
próximo a cama.

— Pois então, me force, homem de coração empedrado.

— Você deveria estar feliz, pois sua "deliciosa" tem o poder de


persuadir minha santa paciência. Mas já que não a verei mais, isso me dá o
direito de ser quem eu realmente sou. E eu não sou o trouxa que faz carinho
nos cabelos de mulher mimada! Toma esse remédio ou eu abro a sua boca e
coloco goela abaixo! — Ele gritou e Maria Fernanda recuou o tronco em
direção ao colchão.

— Nunca mais possuirá meu corpo.

— O remédio, agora! — Ele estendeu o comprimido próximo à boca


dela.
Maria Fernanda pegou com ignorância, colocou na boca e ingeriu
água.

— Já que quer voltar para casa, pegue sua mochila, vista sua
calcinha que estarei te esperando na sala.

— Grosseiro.

— Não pense que seus elogios me afetam. Mesmo querendo viver


enfiado no meio de suas pernas...

— Estúpido sem coração! Homem sem alma! Boca suja! Quando vai
largar a vulgaridade?

— Quer saber, fique longe de mim. — Ele pegou uma blusa na


gaveta e vestiu com pressa. — Hoje suas frágeis qualidades me instigam, mas
não sei até quando suportaria. Não me julgue. Belo homem cuidadoso que fui
ontem à noite, mulher.

Maria Fernanda mordeu os lábios trêmulos, levantou, trombou nele


que estava a sua frente e correu até a sala.

— Nunca pense que eu correrei atrás de você. — Ele murmurou e


sentou na cama.

Quando ouviu o barulho da porta, ele pegou a carteira, a chave do


carro e correu.

Encontrou Maria Fernanda na recepção do prédio, frente a Junior, o


ruivo que insistia em desafiá-lo.
25

— Tire suas mãos de minha mulher... — Eduardo gritou e andou


apressado.

Maria Fernanda olhou para Junior, em seguida para Eduardo.

— Você é o filho daquele senhor simpático? Por favor, me dê uma


carona até a casa onde moro. Por favor, serei eternamente grata. — ela falou,
já puxando Junior pelo braço.

Junior sorriu cinicamente, e se apressou em sair do prédio. Não


passaram dois segundos, ele foi sufocado pelas costas.

— Você pediu a morte encostando sua maldita mão na minha


mulher, desgraçado! — Eduardo apertou o pescoço do ruivo com um dos
braços.

Maria Fernanda olhou para os lados e viu algumas mulheres


cochichando. Quando voltou o olhar para Junior, viu a pele do homem em um
vermelho mais intenso que o de costume.

— Vai matar esse homem! — ela gritou e Eduardo continuou


apertando o pescoço do ruivo que já estava perdendo os sentidos. — Não faça
isso! — Ela começou entrar em pânico e seu corpo disparou a tremer. — Pare
com isso... — Ela sentiu as pernas fraquejarem e o choro ajudou no
descontrole do corpo.

— Maria Fernanda! — Eduardo empurrou Junior e correu para pegar


a mulher que aos poucos se abaixava até o chão. — O que foi mulher? — Ele
a levantou.

— Não mate esse homem, não me faça ver isso.

Eduardo a pegou nos braços e seguiu até a garagem.

Junior ficou para trás, tossindo e tentando recuperar a respiração.


Mais uma vez, o ódio alimentou sua alma.

— Nunca mais se aproxime do desgraçado do Junior. Ele quer tudo


que eu conquistei. — Eduardo falou ao retirar o carro da garagem.

— Se eu não pedisse para parar, iria matá-lo.

— Tente se acalmar. Você não está bem.

— Eduardo, me dê dinheiro — Maria Fernanda falou com a cabeça


apoiada no banco do carro. Estava muito pálida.

— Me fale o que precisa que eu compro.

— Quero uma passagem de avião — ela falou com os lábios


brancos.

Eduardo ficou sério e nada falou, apenas dirigiu o carro.

Durante o percurso, ela chorou. Ele permaneceu calado, mas o choro


dela o incomodava intimamente.

— Se não parar de chorar, vão pensar que te espanquei ou te forcei a


fazer sexo comigo — ele falou já na entrada do condomínio.
Ela trancou os lábios, mas continuou soluçando de boca fechada.

— Maria Fernanda! — Ele parou o carro e retirou o cinto de


segurança. — Abre a boca ou vai morrer sufocada com seu próprio soluço.

— M-me dê dez mil re-ais. — Ela soluçou descontrolada.

Eduardo socou o volante do carro.

— Inferno! Eu não vou te dar caralho de dinheiro para fugir! Não


aceitou minha proposta, beleza. Não te acuso. É querer exigir demais de uma
pirralha. Mas antes de qualquer coisa, temos o contrato pela nossa herança.
Não vou abrir mão de minha parte da empresa porque você quer amorzinho
batendo no peito.

— Fique com tudo, só me dê à passagem. Não é o dinheiro que nos


une? — ela perguntou — Então, te dou tudo. — Ela secou os olhos vendo um
fio de esperança.

Ele fechou os olhos e suspirou alto.

— Não vou deixar você ir. Se você for, de qualquer maneira, perco
tudo. Só por isso não permito, só pela empresa. — Ele voltou a ligar o carro,
escolheu a ação para camuflar a embromação das palavras.

Eduardo sabia que tinha uma brecha no contrato a respeito daquilo,


mas ele julgava que ela nunca iria se atentar. Ele iria manipulá-la com aquilo
até o último minuto, mas não a deixaria ir.

— Saiba que não vou desistir do amor. Nesse período de tempo, vou
encontrar um homem que queira me amar e fazer feliz.
Eduardo freou o carro bruscamente.

— Está tentando me manipular ou sua intenção é mexer com minha


insanidade e me ver furioso?

— Tenho o direito de ser amada. Você vai viver sozinho por anos?

— Vivo sozinho a vida toda, Maria Fernanda e isso nunca foi um


problema. Mas tenho uma agenda de putas casadas, mimadas, loiras,
japonesas, negras...

— Não quero ouvir. Não preciso ouvir isso! — Ela tapou os ouvidos
com as duas mãos.

Eduardo puxou as mãos dela e segurou-as frente ao corpo.

— Eu nunca precisei me controlar dentro de uma mulher, nunca saí


cheio de vontade por medo de machucar! Alguém aqui está pensando em
mim? Eu estava disposto a renunciar fodas casuais para me dedicar apenas a
você. Eu não tenho porra de amor no meu peito, não exija o que não posso
oferece! — gritou com o dedo no rosto dela.

— J-já entendi... — Ela teve medo do tom de voz colérico.

Ele voltou a esmurrar o volante com agressividade depois curvou a


cabeça sobre ele.

— Eu não preciso ser o cachorrinho particular de uma pirralha que


não sabe satisfazer o próprio marido! — Ele estava falando para ele mesmo.

— Não sirvo para te satisfazer e você não serve para me amar. Então
fique com suas rameiras e eu vou procurar um amor... — Ela encerrou a fala,
pois ele levantou o rosto com o olhar furioso. — Está pensando em me b-
bater?

— SÓ SE FOR NO FUNDO DA SUA MALDITA BOCETA! —


gritou.

Maria Fernanda deu uma bofetada no rosto dele. Paralisou por


alguns segundos dando-se conta do que tinha feito e se encolheu perto da
porta do carro.

Foi um tapa débil, pois ela estava fraca e o interior do carro limitou o
impulso, mas Eduardo sentiu o golpe no orgulho. Ele apertou os dedos no
queixo dela e Maria Fernanda gritou.

— Essa foi a última vez que você bateu na porra do meu rosto!
Acabou a brincadeira! — gritou com o rosto colado no dela.

Maria Fernanda sufocou o choro na garganta, mas as lágrimas


estavam desgovernadas. Ele a observou em um contido desespero e se
afastou. Olhou para sua janela e respirou ofegante, controlando a raiva que
brigava com a vontade louca de secar as lágrimas dela com beijos.

— Sou um puto, fodido, desgraçado! Envergonho-me quando


lembro que fiz proposta de sexo fiel a uma pirralha fútil como você. — Maria
Fernanda sufocou o choro com a mão. — Você só pode ter um feitiço
desgraçado no meio dessas pernas para me fazer chegar a esse ponto.

Ao ponto de quase despertar meu coração — ele completou em


pensamento.

— Q-que bom que não aceitei viver da sua maneira. — Ela estava de
cabeça baixa, lutando inutilmente para segurar as lágrimas. — Me humilha
porque não aceitei seus caprichos. Queria que eu vivesse assim? Sendo bem
tratada apenas na cama?

— A verdade é que não fomos feitos para ficarmos juntos. Esqueça


minha maldita proposta. Somos de um meio completamente diferente, eu
tenho meus objetivos e eles não vão seguir em frente se eu estiver me
desgastando diariamente com você. Vamos deixar tudo como antes. Não
podemos ter nada além do que uma convivência, juntos. Vou mudar para meu
apartamento, talvez isso ajude de alguma maneira. Serão anos pela frente.
Você pode se mudar para meu quarto e sair daquele depósito minúsculo. Vou
conversar com o advogado e liberar uma mesada para suas futilidades. Mas
se eu sonhar que você tentou fugir, contrato seguranças para seguir seus
passos.

— Vou lutar para matar o sentimento que criei sobre minha própria
ilusão. — Ela se abraçou com os próprios braços.

— O erro foi meu, eu não deveria ter me envolvido. Isso tudo aqui é
apenas um negócio e não um dos seus romances. Vou seguir meu projeto de
vida. — falou, olhando pela janela do caro, longe dos olhos dela.

— Então realmente não sente absolutamente nada por mim, ou pelo


amor que distribuiu em meu corpo ontem à noite? — Ela fez a última
pergunta.

— Se existe, não é mais importante que minha carreira de sucesso.


Um dia você vai aprender isso. O mundo é competitivo demais e não há
espaço para sentimentalismo. Ou você renúncia algumas coisas insustentáveis
ou acaba ficando para trás. Eu não quero ficar para trás por uma merda de
sentimento que vai me desgastar ao longo dos anos. — Ele encostou o braço
na janela para disfarçadamente secar a umidade dos olhos.

— Eu posso te ajudar com o seu futuro... — Com a voz trêmula, ela


fez uma tentativa. — Eu prometo estudar para te ajudar com a empresa.
Poderíamos ficar juntos e fazer a empresa ser um sucesso. Eu posso fazer
isso, posso te ajudar a crescer. Queira me amar e fortalecer nosso casamento.

Eduardo sorriu, debochando dela. A jovem que ele estava vendo ali
em sua frente, nunca seria uma mulher jogadora, capaz de suportar a pressão
do mundo competitivo dos negócios.

— Sim, vai ter momentos que precisarei de uma mulher para me


acompanhar nos jantares. Ela vai ser corajosa, cheia de ambição e visão de
futuro. Não se humilhe, pois você nunca será essa mulher, Maria Fernanda.
Você se apega a muita besteira sem importância, nunca vai chegar tão longe.

— Você está abrindo uma ferida dentro de mim e eu vou fazer de


tudo para ela nunca cicatrizar, nem quando esse negócio aqui acabar. — Ela
enfatizou a palavra negócio.

— Melhor que seja assim. — A voz dele saiu embargada.

Ele voltou a ligar o carro e dirigiu até entrar no jardim da casa.

Já dentro de casa, Suelen foi atrás da amiga, que passou correndo


pela cozinha.

Maria Fernanda se jogou na cama e afundou o rosto no travesseiro.

— O que foi Nanda? — Suelen sentou à beira da cama e acariciou os


cabelos dela. — Você caiu na vara, não foi? Ele foi covarde e usou a força
contra você?

— Quero esquecer o que aconteceu. Não me pergunte nada agora,


Su. — A voz dela saiu abafada pelo travesseiro.

No turno da tarde, Eduardo foi para o escritório. Estava furioso e


pretendia não falar com ninguém até esfriar a cabeça, mas Sergio trabalhava
diretamente com ele e estava encarando-o desde quando sentou à mesa para
analisar projetos.

— O que foi? — Eduardo perguntou para dar uma chance a ele,


antes de virar seu saco de pancadas e alívio do estresse.

— E aí?

— E aí o quê?

— Como foi lá, com a menina? Já era inocência? Muito apertada?

— Minha vida com a Maria Fernanda não te diz respeito.

— Nunca escondeu nada de mim. Mas... — Sergio se endireitou na


cadeira — Estive te observando. Você está sentado aí por volta de quarenta
minutos e nesse tempo, fez cara de ódio e sorriu sozinho, depois fez cara de
raiva e... Na sequência, uma coisa muito estranha aconteceu. Eu pude jurar
que foi a expressão de quem fez amor pela primeira vez. Comoveu-me, cara.
Você conseguiu essa realização pessoal, irmão?

— Vá se ferrar seu desgraçado! Saia da minha frente antes que eu


arranque seus malditos dentes!
***
Quatro meses depois...

Maria Fernanda tinha se mudado para o quarto que era de Eduardo,


assim que ele foi para o apartamento. Ela tinha terminado os estudos e agora
fazia cursinho preparatório para o vestibular. Havia entrado em contato com
os amigos da madrinha, que moravam em Paris. Eles deixaram as portas
abertas a ela. Maria Fernanda pretendia se mudar para lá, mas antes
terminaria o curso, pois tinha levado Suelen com ela aos estudos. Queria
incentivar a amiga a finalizar o cursinho, seu intuito era deixar Suelen na
faculdade.

Naquela noite, ela estava deitada em sua cama. Estava melancólica


devido ao ciclo menstrual. Apesar de estar completando dezoito anos naquele
dia, sentia-se triste. Em seu pescoço, estava um singelo pingente de coração,
presente de Thiago.

Sentia falta dos padrinhos e de Giovane. Era o primeiro aniversário


que passava sem eles, a única família que já teve. Tinha esperado até às cinco
horas no portão da casa com esperança de que Giovane fizesse uma surpresa,
mas nada aconteceu.

— Nanda, me ajude a lavar a louça que já está quase no teto. —


Suelen entrou quarto, toda afoita.

— Eu quero ficar um pouco deitada, Su. Depois te ajudo.

— Foi Eduardo de novo? Soube que ele esteve aqui mais cedo.

— Não o vi. Tem muito tempo desde a última vez. Ele deve estar
muito ocupado para lembrar que eu existo. E me sinto bem. — Maria
Fernanda se levantou e sentou ao lado da amiga.

— Então, o que foi? Por que está tão triste?

— Não é nada, só estou com saudades do Giovane. Ele nem lembra


mais que eu existo. Não entendo, como ele conseguiu me esquecer se a vida
toda esteve comigo? Ele não sabia fazer nada sem mim e agora eu não existo.
Sinto-me só, muito só.

— Não fica assim, amiga. Você tem que sorrir, você fica tão bem
sorrindo. Vamos! Levanta daí e me ajudar a lavar aqueles pratos. Só de
pensar em encarar sozinha, me dá dor de cabeça. Melhor lavar pratos que
ficar sozinha.

— Tudo bem, se é o que me resta. — Maria Fernanda falou saindo


da cama.

Seguiram juntas até a cozinha e, quando abriram a porta, Maria


Fernanda foi recebida com uma cantiga típica de aniversário e palmas, vindas
de Jorge, Antonieta, Carmem e Suelen, que tinha armado tudo para ela não
desconfiar.

— Como vocês souberam? — Ela não podia acreditar que, em pouco


mais de uma hora em que estivera deitada, a cozinha tinha sido ornamentada
com balões e até um cartaz de "Parabéns, Nandinha".

— Jorginho viu quando o seu amigo te deu o colar e os parabéns...


Então, como ele é linguarudo, contou para mim e Antonieta — Suelen
explicou.

Jorge estava com seu terno preto ainda a serviço. Em sua cabeça,
havia um típico chapéu de papelão com desenhos da bailarina e o gorducho
assoprava uma língua de sogra.

— Feliz aniversário, minha princesa, desejo toda felicidade do


mundo para você. — Antonieta abraçou-a carinhosamente.

Depois foi a vez de Jorge, Suelen e Carmem.

— Obrigada, meninas e Jorge... Vocês são tudo que eu tenho agora.


Minha família. — Ela estava emocionada.

— Toma, compramos um presente para você... Não é nenhum colar


igual ao que você ganhou mais cedo, mas é com muito amor.

— Antonieta estendeu o pequeno embrulho e esperou que ela


abrisse.

— Que linda Antonieta! — Era um conjunto de lápis de cor


profissional, que acompanhavam um caderno grosso para desenhos.

— Não era o que queríamos te dar, mas a Suelen ficou encarregada


de comprar e chegou aqui com isso.

— É perfeito. Vou te ensinar a desenhar vestidos. — A morena


sacudiu a amiga.

— Eu gostei Antonieta. Obrigada, Su. Todos vocês, muito obrigada


mesmo. Não precisava de nada disso, só um abraço me deixaria feliz.

— Podemos comer o bolo agora? — Jorge interveio na conversa.

— Claro, é hora de aumentar a barriga do Jorge comilão, minha


gente. — Todos sorriram e Jorge fechou a cara, mas os olhos não
desgrudaram do bolo de cereja.

Depois que arrumaram a bagunça da cozinha, Suelen e Maria


Fernanda foram conversar no jardim.

Estavam sentadas na grama baixa quando o carro de Sergio e o de


Eduardo estacionaram.

— Olha lá, amiga, o mau caráter do Sergio. — Suelen olhou para ele
com tristeza e desprezo.

— Dois maus-caracteres juntos. — Suelen riu da emenda de Maria


Fernanda.

— Estão vindo. — Suelen apertou as unhas no braço da amiga.

— Vou entrar. — Maria Fernanda tentou levantar, mas foi impedida


por Suelen.

— Não dá mais tempo. — ela sussurrou entre os dentes. — Eles que


saiam se quiserem. Finja naturalidade. — Suelen balançou uma das pernas e
fez cara de esnobe.

— Anja... — Sergio se dirigiu a Suelen, mas ela virou o rosto.

Eduardo estava com os olhos em Maria Fernanda e ela analisava o


rosto firme de Suelen, querendo assimilar a mesma expressão da amiga.
Quando viu que não conseguia imitar, desviou o olhar para as flores do
jardim, sentindo que Eduardo a encarava.

— O que estão fazendo aqui fora? — Sergio se sentou ao lado de


Suelen.
— Coisas que não podemos mais, pois uma dupla de cafajestes está
roubando a nossa privacidade.

— Que pingente é esse, Maria Fernanda? — Eduardo sentou ao lado


dela, deixando-a nervosa.

— Foi presente. Hoje é o aniversário dela. — Suelen deixou escapar


e recebeu um olhar atravessado da amiga.

— Hoje é seu aniversário? — Sergio perguntou e já foi puxando


Maria Fernanda para um abraço. — Parabéns, menina. Olha só, Edu, ela está
crescendo. — Desafiou Eduardo com o olhar. — Essas datas são sagradas, é
uma fase importante na vida da pessoa.

— Quem te deu o pingente, Maria Fernanda? — Eduardo perguntou,


mas ela não respondeu. — Quem te deu? — ele insistiu.

— O amigo. — Suelen colocou os indicadores ao lado dos olhos e


esticou. — Como é mesmo o nome dos olhinhos puxados, amiga? — Suelen
já sabia do nome, mas queria provocar Eduardo. — Ah! Lembrei... É Thiago.

— Olha, lindo nome, não, Edu? — Sergio provocou.

— Moleque desgraçado! Ele está brincando com fogo e eu estou


doido para arrebentar aquele rosto de boneca. — Eduardo estava de punhos
cerrados e com olhar longe.

— Homem covarde! — Maria Fernanda gritou fazendo-o encará-la.

— Você deu alguma coisa para ela? Não venha com essa conversa
fiada! O pingente é lindo, Nanda. E se ele está achando ruim, que te dê um
presente melhor.
— Foi por causa de seu desaforo que nem o idiota do Sergio te
aguentou. — Eduardo falou sem muita importância. Seus olhos estavam nas
letras "T" e "F" gravadas no coração do pingente.

— Ele é um mau-caráter, aproveitador, que se acha melhor do que


eu, só por que tem um carro para cada dia da semana e anda por aí
comprando tudo que vê pela frente, sem precisar economizar o salário. Vocês
se acham os gostosões, mas não passam de uns merdinhas. Vamos entrar,
Nanda. — Suelen puxou a amiga e juntas entraram na casa.

— Volte para casa, Sergio, eu não quero passar a noite olhando para
sua cara. Vou conversar com meus pais. — Eduardo seguiu na mesma
direção.

— Não vai à festa?

— Apareço lá mais tarde.

Eduardo se enfiou no escritório para tratar de negócios com o pai.


Depois conversou um pouco com a mãe e, perto de meia noite, antes de sair
da casa, resolveu subir as escadas. Foi até o quarto da sua irmã, que estava
fechado, pegou a sacola com os presentes, que tinha comprado meses atrás e
guardou ali antes da mudança. Ele aproveitaria aquilo para ser presente de
aniversário.

Maria Fernanda estava dormindo. Eduardo não acendeu a luz. Ele


fechou a porta com cuidado colocou os presentes sobre a poltrona, tirou os
sapatos e se enfiou debaixo da coberta. Depois de algum tempo quieto, ele
correu a mão para a cintura de Maria Fernanda. Viu que ela não acordou,
então a abraçou próximo ao seu corpo e esfregou o nariz nos cabelos dela.

Maria Fernanda abriu os olhos quando viu um corpo estranho


debaixo das cobertas. Não se mexeu antes, pois teve medo. Não tinha como
saber quem era. Ela ficou paralisada, dosando a respiração. Quando a mão em
sua cintura desceu em direção ao cós de sua calcinha, ela gritou.

— Ahhh! — Maria Fernanda sentou rapidamente e esperneou


trêmula, sobre a cama.

— Calma! Sou eu! — Eduardo correu até a luz e acendeu e voltou


com as mãos suspensas.

— O que faz em minha cama, com a mão onde não deve, homem
pervertido? — Ela puxou um travesseiro e cobriu as pernas.

— Trouxe presentes. — Ele pegou o urso e levou até ela.

— Veio aqui por isso?

— Sim. Não poderia deixar passar em branco. Apesar de tudo,


estamos ligados em um papel, não é isso? —Tome! — Aproximou-se dela e a
entregou. — Abra, é seu.

— Fingido!

Maria Fernanda abriu a sacola, tirou as folhas decoradas e então


descobriu um urso de pelúcia marrom, segurando uma flor artesanal nas
mãos. Olhou para o urso e acariciou os pelos gostosos e, como em um gesto
involuntário, inalou o cheiro dos pelos sintéticos.

Os lábios de Eduardo curvaram em um curto sorriso.


— Abra o outro. — Ele entregou a ela.

Maria Fernanda desamarrou o laço da caixa e analisou o conteúdo.

Ela levantou uma das peças até a altura do rosto.

— Eu nunca usei tão transparente.

— Posso trazer mais, se quiser. Não vai... experimentar?

— Pervertido, acha mesmo que vou vestir e te mostrar? — Ela ainda


olhava a peça.

— Só para saber se ficou boa em você.

Ele treinou para sentar ao lado dela, na cama.

— Nem pense! — Ela o impediu. Ele ficou de pé novamente.

— Terminou o colegial? — ele falou ainda com as mãos para o alto.


— Também soube que está em um curso pré-vestibular.

— O que quer?

Eduardo estava olhando diretamente nos lábios dela. Desde a última


vez em que estiveram juntos, viviam distantes, mas sempre colhia
informações sobre ela com Jorge. Ele se ocupava com sua vida de empresário
e conseguia esquecê-la, mas quando estava frente a ela parecia esquecer tudo
ao redor.

— Se importa se eu dormir aqui hoje? — ele perguntou ainda


olhando os lábios dela.

— Sim.
— Sim? Eu posso?

— Sim, para o me importo. O que pretende, depois de meses me


ignorando?

— Saber se você... quem sabe, quer dar uma rapidinha, sem


compromisso, só para comemorar seu aniversário?

— Sai!

— Tudo bem. Isso aqui não aconteceu.

Ele virou em direção à porta do quarto e tropeçou no tapete, depois


de se equilibrar rapidamente, saiu e bateu a porta.
***

Depois de quase uma hora de viagem, Eduardo chegou à festa em


outra cidade. Amaldiçoou a si mesmo por não ter viajado mais cedo, como
Sergio tinha feito. Já estava amanhecendo, mas a festa seria estendida até o
dia seguinte.

— Pensei que não vinha e já peguei todas antes de você. — Sergio


avistou o amigo no meio da multidão.

— Então agora elas vão saber o que é um homem de verdade. —


Continuou olhando para as moças, procurando uma presa.

— A única que me rejeitou foi Samanta Lins. Lembra-se dela?

— Aquela complicada que desistiu e engravidou no primeiro


semestre? — Eduardo sorriu malicioso, espiando a jovem em uma roda de
amigos.
— Ela parece bem para quem acabou de ganhar um filho. —
Eduardo percorreu os olhos no corpo da mulher.

— Conversei com ela mais cedo, o menino já está grandinho, parece


que já desmamou e tudo. Eu posso estar enganado, mas ela parecia querer se
afastar de mim. Ficou me cortando o tempo todo. Não sei por que tanta coisa
se era ela que não conseguia se decidir se queria você ou eu.

— Você que traumatiza qualquer mulher com esse seu papo sem
sentido, Sergio. Eu deveria estar muito bêbado para não ter a pegado naquela
época. Eu vou lá agora comprovar que você é um fraco e que nunca resistem
a mim. — Pegou um copo de bebida e seguiu pela multidão, olhando
fixamente para o corpo definido da mulher.
26

OITO MESES DEPOIS.

Luíza, a irmã de Eduardo, que fazia especialização em pediatria fora


do país, havia retornado há pouco mais de três meses. Encontrou Maria
Fernanda na casa e naturalmente sentiu simpatia por ela. Maria Fernanda se
sentia mais madura, porém machucada na mesma proporção.

Eduardo raramente aparecia na casa dos pais e, quando isso


acontecia, tentava chamar a atenção de Maria Fernanda, mas ele se valia de
discussões e estupidez, o que acabava afastando-os ainda mais. Ela fazia de
tudo para não estar próxima do homem. O sentimento ainda ardia em seu
peito e doía ouvir acusações e rudezas da parte dele.

Ela estava finalizando o curso pré-vestibular junto com Thiago e


Suelen. O laço de amizade entre os três aumentou com a convivência.

A empresa de Eduardo seria inaugurada em dois meses. Viviane


tinha ganhado um cargo de diretora administrativa da empresa, tudo por
estratégia de Eduardo para ganhar a confiança do pai dela, que era um ótimo
contato para a Moedeiros, por isso o homem já tinha fechado alguns contratos
interessantes.

— Este está lindo, Su. Combinou perfeitamente com você. — Maria


Fernanda estava animada, ajudando a amiga a escolher um vestido de
presente de aniversário.

— Você acha amiga? Esse é muito caro, é melhor eu escolher um


mais barato.

— É um presente, Suelen. Quero que escolha o mais caro da loja.


Também vai escolher os sapatos e a bolsa.

Suelen fez um coração com os dedos e jogou um beijo para a amiga.

— Um dia juro que vou poder fazer a mesma coisa por você. —
Suelen não perdeu tempo e partiu em direção aos sapatos.

— Eu vou cobrar! — Maria Fernanda balançou um par luxuoso em


frente aos olhos da amiga.

— Quando isso acontecer, quero estar na melhor cobertura de Paris.


— As duas caíram na risada e duas vendedoras começaram a pegar os
vestidos mais caros da loja.

— E o nosso amigo Thiaguito, como anda? Vocês já estão… —


Suelen fez um biquinho e encenou um beijo com as duas mãos unidas.

— Estive pensando… Não quero sofrer outra vez. O amor é


traiçoeiro e machuca demais.

— Você ainda gosta daquele idiota do Eduardo, não é?

— Prefiro não confessar. O amor é tão lindo, mas o que fazem dele é
muito cruel. As pessoas acabam distorcendo a real natureza do amor e
machucando quem se entrega a ele. Eu nunca mais vou amar ninguém, Su. O
Eduardo foi a pior experiência que eu já tive. Meu coração está machucado
demais para se entregar novamente. Não sei como vai ser daqui a um ano ou
dois, mas hoje meu peito ainda dói.

— Somos destinadas a sofrer. — Suelen avistou o sapato dos sonhos


e correu para abraçá-lo. — Sofredoras que compram sapatos são sofredoras
mais felizes! — Ela piscou os olhos repetidas vezes. — Este será o novo
amor de minha vida. Pronto, parei de sofrer. — Beijou os bicos do scarpin.

Maria Fernanda sorriu e deu sinal a vendedora, que correu para


pegar as outras cores do mesmo modelo.
***

— Nanda, você já providenciou o vestido para a inauguração da


Moedeiros? Está chegando — perguntou Luíza. Ela e a cunhada estavam
lanchando.

— Até hoje não fui convidada, Luíza.

— Como não? Você também é dona daquilo lá. O Edu não pode
fazer isso.

A irmã de Eduardo estava inconformada com a situação que Maria


Fernanda vivia dentro da casa. Ela era a única a considerá-la como parte da
família Moedeiros e não achava justo o que acontecia com a cunhada.

— Seu irmão só me procura para me agredir com palavras. Eu não


me importo com convite, Lú. Eduardo deixou bem claro que eu não me
encaixo na vida dele.

— Não deixe isso decidir a sua vida e nem determinar o que você
pode ser. Você não deveria ter se iludido com o meu irmão. O Edu não é o
tipo de homem que se entrega ao amor. Ele é racional demais para saber o
que é isso.

— Vamos deixar de falar disso e pensar no nosso passeio do final de


semana. — Maria Fernanda enxugou a lágrima que escorria de seus olhos
azuis e tentou sorrir.

— Já arrumou a sua mala?

— Sim. A Su está animadíssima, já até me obrigou a comprar cinco


biquínis.

— Onde está ela agora?

— Foi ao supermercado com Antonieta.

— Vão dormir cedo hoje porque amanhã vamos sair antes do sol
nascer.

— Vai ser um pouco difícil. Eu estou ansiosa, quando estou assim


não durmo muito bem.

— É apenas um final de semana no litoral, não fique tão nervosa. Só


vão estar eu, você e Suelen, então pode relaxar.

— O Thiago também vai estar lá. Os pais dele têm uma casa perto da
sua. Ele quer me apresentar aos dois — Maria Eduarda falou, com as
bochechas ficando coradas.

— Então por isso está tão afoita?

— O Thiago me roubou um beijo ontem.


— Vocês estão tendo algo? — Luíza sorriu, vendo a possibilidade de
a amiga parar de sofrer.

As duas ouviram um barulho estranho na cozinha e não deu tempo


do bisbilhoteiro se esconder. Eduardo foi pego no flagra ouvindo toda a
conversa.

— Não acha que está grande demais para isso, Edu?

— Estou em minha casa. Isso me dá o direito de ouvir o que eu


quiser.

— Eu vou arrumar a minha mala. — Maria Fernanda passou por


Eduardo e ele analisou a cena como se estivesse em câmera lenta.

Os cabelos dela estavam soltos, o que foi suficiente para Eduardo


inalar aquele cheiro delicioso que já estava com saudades. Ele a olhou até
desaparecer de sua visão e se surpreendeu com o vestido justo que ela usava.
Ou Maria Fernanda tinha ganhado peso ou tinha escondido aquele vestido no
tempo que conviveram juntos.

— Você já a perdeu. Não adianta ficar aí olhando com essa cara de


bobo. Chega a ser vergonhoso — repreendeu a irmã.

Ele se aproximou da irmã e beijou sua testa.

— Ela é minha, Luíza.

— As pessoas têm sentimentos, Eduardo. Ela não é um objeto para


ser agredida com suas grosserias todas as vezes que se encontram. Se você
tem necessidade de ouvir a voz dela, tente fazer do jeito certo.
— Vocês vão para a casa da praia?

Luíza ergueu um dedo.

— Nem pense em fazer isso. É um passeio de amigas. Nós vamos


nos divertir. Maria Fernanda precisa disso.

— Não se preocupe, pois tenho um jantar com a família da Viviane.


Nunca deixaria o meu futuro por um final de semana de diversão.

— Vai mesmo morar com aquela mulher, Edu? Pretende casar com
ela quando se divorciar? Você está percebendo as escolhas que está fazendo
para sua vida?

Ele riu.

— Eu só fiz isso uma vez na minha vida, Luíza. É muito


desgastante. Melhor ser amante dos meus negócios e usufruir da
clandestinidade casual.

— Esse seu lado racional ainda vai te deixar de lado e eu sinto que,
quando isso acontecer, já será tarde demais para reparar tanto erro.
***

Eduardo deu uma desculpa qualquer para Viviane e, depois do meio-


dia, pegou a estrada com Sergio rumo ao litoral. Estava temeroso, pois faria
uma grande viagem e temia ter que deixá-la longe de seus olhos.

Ele chegou à casa de sua família, encontrando apenas o caseiro e a


mulher dele. Depois de tomar um banho, desceu e viu que Sergio já estava na
piscina esperando-o.

— O caseiro disse que elas saíram para uma trilha próxima à praia
do lado norte.

— Minha Suelen deve estar tomando sol de biquíni. — Sergio fez


uma pequena dança e Eduardo o olhou de um jeito sério, tentando decifrar a
idade mental do amigo.

— Idiota. — Passou por Sergio e seguiu em direção ao carro.

Percorreram alguns quilômetros de carro até chegar ao destino.

Já no destino, Sergio olhou para todos os lados em busca de Suelen.

— Elas não estão aqui, Edu. Tem certeza de que a Suelen veio para
cá?

— Não. Ela pode ter ido ao rio, a tirolesa ou para qualquer outro
lugar longe de você.

— E a belezinha da Maria Fernanda está louca para te ver. — Sergio


foi naturalmente irônico.

— Olha a Lú. Elas devem estar por perto.

Sergio seguiu na frente em busca de informação e Eduardo


continuou andando calmamente pela praia.

— Estão no rio, Edu, vamos lá! — Sergio gritou a informação.

Eduardo chegou até a irmã e recebeu dela um olhar contrariado.

— E o jantar com a vaca loira? — perguntou Luíza.

— Onde ela está, Lú? — Ele só queria saber de Maria Fernanda.

— Se divertindo com uns amigos no rio.


Eduardo não disse uma palavra. Sabia quem deveria estar entre "os
amigos", então apressou os passos até lá, com Sergio andando ao seu lado.

— Acho que alguém deu viagem perdida — Sergio falou quando viu
Maria Fernanda boiando com Thiago no rio.

— Droga! Você precisa me ajudar, Sergio. Distraia o moleque


desgraçado que eu vou tirá-la de lá.

— Como eu vou fazer isso, Edu? Eu ainda não encontrei a Suelen.


Você já está vendo a Maria Fernanda. Se vira, cara. A mulher é tua.

— Belo amigo você é. — Eduardo andou pela margem do rio,


seguindo o caminho de pedras.

— Maria Fernanda — chamou em tom baixo.

Ela se assustou e apoiou em Thiago. Juntos, os dois mergulharam


para o outro lado e saíram na margem do rio. Eduardo fez todo o caminho de
volta e os alcançou na trilha. Ele a olhou de cima a baixo e observou que ela
estava com um biquíni azul da mesma cor dos seus olhos. Maria Fernanda
estava linda e atraente. Eduardo perdeu um bom tempo apenas a admirando.

— O que veio fazer aqui? Estragar meu final de semana? — ela


perguntou.

— Vamos, Fernanda. — Thiago a abraçou e Eduardo fechou os


dedos, pronto para atacá-lo. Ver Thiago abraçado a ela, ainda mais naqueles
poucos trajes, mortificava-o.

— Nem pense em fazer isso! — Maria Fernanda o advertiu, vendo-o


de punhos cerrados.
— Eu tenho um assunto para conversar com você, por isso vim até
aqui.

— Não quero saber de nada que venha de você.

— É sobre o divórcio. Bem, não podemos nos divorciar, mas tem


uma maneira de ficar livre sem precisar quebrar o contrato. Quero conversar
sobre isso.

— Isso é verdade? — Maria Fernanda sentiu uma esperança e


Thiago sorriu de um jeito contido.

— Trouxe o contrato para você ver. Não existe cláusula que proíba
isso. Meu pai me alertou.

— Thiago, eu preciso resolver isso — ela falou animada, olhando


diretamente para o amigo.

Eduardo já estava possesso de raiva e ciúme.

— Eu vou te esperar na praia. Preciso voltar ainda hoje. — Eduardo


seguiu a passos largos, tentando controlar sua fúria.

Maria Fernanda pegou a blusa sobre a pedra e vestiu, abotoando


todos os botões da frente até a base da coxa. Olhou para Thiago e seguiu até a
praia, indo na direção do conversível de Eduardo, que estava com a porta
aberta e com o teto totalmente removido.

— Então… — ela falou do lado de fora.

— O contrato está lá na casa. Vamos. — Ele estava com a cara


fechada, mas os olhos nas pernas dela.
Ela deu a volta e entrou. Precisava resolver a situação, pois iria
viajar para Paris e não queria lidar com uma possível atormentação da parte
dele.

— Sempre soube disso? — ela perguntou depois de uma leve


sacudida quando o carro saiu da areia e tomou o asfalto.

— O quê?

— Sobre a cláusula escondida do contrato.

— Meu pai me alertou outro dia.

Eduardo sabia desde muito antes do casamento. De início, não


pretendia apresentar a possibilidade a Maria Fernanda com medo de ela se
afastar e ser influenciada por alguém a pedir o divórcio. Aquilo arruinaria os
seus planos. Depois, surgiu outro motivo. Por mais que negasse para si
mesmo, ele não a queria longe dele. Ele tinha usado o argumento do contrato
de última hora para levá-la dali, pois precisava chamar a atenção dela, mas já
estava muito arrependido do que tinha feito.

— Fale!

— Eu… não posso te dar o divórcio, mas posso te dar à liberdade,


no sentido de você morar onde quiser. Mesmo à distância, estaremos
legalmente amarrados pelo casamento. Vai precisar assinar uma procuração
me deixando encarregado de resolver tudo na empresa em seu nome. Os seus
cinquenta por cento vão continuar sendo seus, mas não precisará decidir nada
em conjunto comigo — falou sem ânimo nenhum.

— Eu aceito. Não tenho interesse nenhum naquela empresa. Por que


não me falou isso antes? Você estaria longe de mim há mais tempo.

Eduardo fechou os olhos por alguns segundos e respirou pesado,


dando-se conta da besteira que tinha feito.

— O que está fazendo? — Ela ficou ereta no banco quando ele virou
o carro em direção a uma estrada de chão. — Para onde está me levando? O
que vai fazer comigo, Eduardo? — Ele ficou calado e seguiu com o veículo,
que balançava nos buracos da estrada de areia. — Para o carro!

Maria Fernanda começou a entrar em pânico e se levantou dentro do


conversível. Eduardo a puxou com uma mão, temendo que ela pulasse.

— Senta e para de loucura!

— Vai tentar contra minha vida? — perguntou desesperada. — Eu


prometo não te incomodar nunca. Também te dou tudo que tenho. — Ela já
estava trêmula. Colocou as mãos no rosto e curvou sobre os joelhos.

O carro entrou na areia de uma praia deserta. Eduardo desligou o


motor e esperou que ela parasse de gritar. Quando Maria Fernanda percebeu
que estavam parados, levantou o rosto e o encarou, tentando decifrar o que
estava acontecendo.

— O que pretende fazer agora que descobriu? — Ele sorriu


amargurado.

— Ir para longe.

Ele curvou a cabeça, deixando-a próxima ao volante.

Maria Fernanda tentou rapidamente abrir a porta, mas não


conseguiu, então pulou por cima e correu. Eduardo saiu dos seus turbulentos
pensamentos, abriu a porta e correu atrás dela.

— Socorro! — ela gritou, enquanto corria na areia molhada pelas


leves correntezas.

— Volta aqui, mulher! — Ele estava a poucos metros atrás.

— Não! Não chegue perto! Socorro! Alguém me ajude!

— Maria Fernanda! — Ele continuou correndo.

— Na fazenda eu corria léguas, não tente… — ela gritou com a voz


ofegante e continuou correndo.

— Eu vou te pegar!

— Não vai! — Ela olhou para trás e desacelerou, pois pisou sobre
um casco de marisco e manquejou.

— Maria Fernanda. — Ele se ajoelhou próximo a ela. — Se


machucou?

— Não se aproxime. — A moça começou a se arrastar sobre a areia.

— Furou seu pé por causa de sua impertinência.

— Me solta! Me solta! — gritou quando ele segurou o pé dela,


impedindo-a de fugir.

— Para de escândalo! Eu nunca machucaria você. Só vou olhar se


entrou alguma coisa. — Ele limpou a areia e viu o machucado na sola do pé.
— Não foi um corte grave, só um corte profundo em sua pele. — Olhou para
ela e beijou o lugar ferido. — Melhorou? — A resposta dele foi uma pesada
no rosto.

— Me solta! — Ela tornou a gritar quando ele a segurou pela cintura


e a impediu de levantar.

— Somos casados. Estou cuidando para você não ficar doente,


mulher. — Beijou o cabelo dela em meio a protestos.

Ela tentou sair do aperto, mas ele a imobilizou, sentando-a sobre seu
colo.

— Já se esqueceu do que me disse? O que está querendo agora? —


Ela ainda tentou um último movimento, mas estava completamente
imobilizada e cansada dentro dos braços dele.

— Estou com saudades e não consigo resistir te vendo assim... tão


linda.

— Estou com medo.

— De quê? — Ele iniciou uma trilha de beijos do pescoço dela até a


orelha. — Como consegue ficar mais linda, mulher?

Maria Fernanda fechou os olhos, ligeiramente seduzida. Aquele


homem mexia com ela mais do que queria. Seja forte, seja forte, seja forte.
Ela insistia em pensamento.

— Não vamos chegar a lugar nenhum, então me solte. — Juntou as


forças e falou firme. — Me solta!

Ele afagou os braços dela e a libertou. Estava perdendo-a, de agora


em diante seria difícil prendê-la. Eduardo tinha usado seu trunfo contra si
mesmo. Maria Fernanda levantou e deu as costas para ele. O homem ficou
sentado no mesmo lugar, mas quando ela estava em uma distância de cem
metros, ele correu e segurou no braço dela.

— Espera... não precisa fugir assim de mim.

Ele percebeu que ela chorava e odiou ser o motivo. Estava na corda
bamba. Maria Fernanda sempre o desarmava com suas lágrimas.

— Odeio você, só quero que fique ciente — ela falou com a voz
embargada e cruzou os braços em volta do corpo.

— Não, isso não é verdade, Maria Fernanda. Um sentimento tão


odioso não combina com você. Você é bela, altruísta, atraente, elegantemente
arisca. Você fica vulnerável toda vez que chego perto. — Ele a segurou pela
cintura e aproximou os lábios do ouvido dela. — Eu também não consigo
resistir a você — sussurrou. Eduardo não esperou a reação dela, sugou um
dos lábios rosados para em seguida beijá-la.

Foi um beijo carregado de saudade e paixão. Nem ele mesmo


entendia a sua reação quando chegava perto dela. Era muito forte o que os
unia. Maria Fernanda estava tremendo nos braços dele. Odiava amar aquele
homem. Sim, ela o amava. Era intensa e dolorosa a conexão entre eles.
Quando o beijo foi encerrado, ela já estava chorando muito, não de medo,
mas porque sabia que suas forças se tornavam pequenas perto de Eduardo.
Como queria que fosse diferente, mas não. Eduardo era o mesmo homem
soberbo e agora era a hora de ele deixá-la para trás e seguir com a sua vida.
Maria Fernanda não se encaixava nela.
— Agora você pode ir. Já está satisfeito? Agora vá e não me
machuque mais. — Ela estava chorando e ele se recriminou por dentro.

— Maria Fernanda, fica comigo. — Ele puxou uma das mãos dela e
a beijou.

— Você sempre faz tudo errado! — Ela esmurrou o peito do marido.

— Eu não sei fazer certo.

— Dirija até chegar a casa. Quero assinar esses papéis. — Seguiu até
o carro.

Eduardo seguiu logo atrás, desanimado.

— Dirija rápido! — falou quando ele entrou no carro, totalmente


enfezado.

— É impossível, mas eu posso não ter feito direito. — Ele virou de


repente e a beijou outra vez.

No começo foi seco, pois ela lutava contra a força dele, mas aos
poucos ele foi conduzindo-a com paixão e movimentos sedutores. Seduzir era
uma das matérias que ele domava, mas com ela nunca dava para saber
quando iria funcionar. Quando acontecia, a harmonia dos lábios era uma
explosão instigante que comandava os corpos ao ponto de querer torná-los
apenas um, o mais breve possível.

Separaram-se por alguns segundos e, enquanto tentavam recuperar a


respiração, eles se olharam.

— Maria Fernanda…
— Cale a sua boca. — Ela apontou o dedo no rosto dele. — Nunca
mais tente me beijar novamente.

Eduardo a beijou outra vez e trouxe o corpo dela para ficar sobre o
seu.

Montada sobre o corpo dele, ela apertou os cabelos do marido com


força. Aquilo inflamou luxúria no corpo de Eduardo, que começou a
desabotoar a blusa de viscose que ela usava. Quando todos os botões estavam
abertos, eles afastaram os lábios apenas alguns centímetros, pois por mais que
não conseguissem se desgrudar, necessitavam de oxigênio.

— Eu estava com tanta saudade dos seus cabelos, do seu cheiro. —


Ele esfregou o nariz nos cabelos dela, sem se importar com a areia molhada
impregnada nos fios castanhos. Era os cabelos dela, nada mais importava.

Eduardo arrancou rapidamente a camisa do corpo e voltou a beijá-la.


Temia perder a conexão e deixá-la escapar. Estava com tanta saudade daquele
corpo que seu sexo já doía de desejo, pronto para ela. Ainda a alimentando
com seus beijos quentes, ele a fez subir o tronco para facilitar a saída do
restante de sua roupa. Era incrível a agilidade que Eduardo tinha quando
temia uma desistência dela.

Maria Fernanda voltou a sentar no colo já nu dele. Seu rosto pousou


sobre o peito largo que ofegava. Ela ficou um pouco ali, ouvindo as batidas
do coração do marido e constatando que ambos se desejavam na mesma
proporção.

Eduardo estava com certa pressa, já tinha desamarrado os dois lados


do biquíni que ela usava e começado a dedilhá-la intimamente. Maria
Fernanda distribuiu beijos molhados no peito musculoso e arrancou gemidos
dos lábios do marido, que parecia nunca ter tido sexo na vida. Ele se lembrou
de fechar o teto do carro e se ajeitou para invadi-la, mas antes pincelou seu
membro lascivamente nela, espalhando prazer no corpo desejado.

— Só vá até onde aguentar. — Segurou a cintura dela com as duas


mãos e foi fazendo-a sentar devagar. — Já passou… — sussurrou quando
estava dentro dela. — Não dói mais. — Ajudou-a com os movimentos até
que ela pegasse o ritmo.

Quase uma hora depois, Maria Fernanda estava descansando com a


cabeça no peito dele. Eduardo acariciava os cabelos da mulher
carinhosamente e tirava um pouco da areia impregnada nos fios. Naquela
tarde, não houve desejo contido, eles extrapolaram o prazer até se cansarem.

— Está bem mesmo? — Ele desceu as pontas dos dedos nas costas
dela, repetindo a mesma pergunta pela quarta vez.

— Isso não foi muito ajuizado — ela falou depois de beijar o peito
dele em resposta.

— Eu vivi para levar uma surra da deliciosa da minha ferinha. —


Ele gargalhou e olhou para o teto do carro.

— Não me constranja.

Ele procurou os lábios dela e os beijou sem aprofundar.

— Mas você tem razão. Vamos precisar passar em uma farmácia e


comprar a pílula. Não posso correr o risco de te engravidar.
— Não quer ter filhos? — Ela levantou o rosto para olhá-lo.

— Em hipótese nenhuma. Estávamos tão ligados que não deu tempo


de pensar em precaução, mas graças aos céus inventaram a bendita pílula.
Veste a blusa. Vamos passar em uma farmácia. Foi a primeira vez que
esqueci o preservativo na vida. Isso foi muito imprudente da minha parte.

Maria Fernanda sentou ao lado dele, estava meditando nas palavras


do marido.

— E se por um acaso…

— Não vão existir acasos. — Ele a interrompeu com uma bitoca. —


Existem pílulas para não deixar esquecimentos virarem acasos.

— Mas se vier algum dia…

— Não vai existir esse dia. Esqueça isso.

— Não gosta de crianças?

— Não. — Ele foi franco.

— Qual o motivo?

— Sem crianças, Maria Fernanda. Não estou preparado para ser pai.
Nem quero me preparar. Nunca serei pai. Vamos encerrar essa conversa para
não acabar a nossa harmonia — ele falou sério.
***

Eduardo estacionou o carro em um posto de gasolina e seguiu de


mãos dadas com Maria Fernanda até a farmácia.

— Quero uma pílula do dia seguinte — pediu à jovenzinha que


estava sentada detrás do balcão, concentrada em um livro. — Quero uma
pílula do dia seguinte! — Tornou a pedir, já alterado. A jovem apenas
levantou uma das mãos pedindo para ele esperar e seguiu centrada nas linhas
de um livro de capa envelhecida. — Quero uma pílula do dia seguinte! —
Eduardo tomou o livro da mão da jovem e colocou sem nenhuma delicadeza
sobre o balcão.

— Axí credo! Tu és leso, é? — A mocinha de cabelos longos se


assustou.

— Quero uma pílula do dia seguinte. Rápido! — falou apressado.

— Vingança de amor? — Maria Fernanda pegou o livro sobre o


balcão. — Já li umas dez vezes. — Ela sorriu como se tivesse encontrado
algo precioso.

— Úlha, tu também lê romances históricos? — A jovem paraense


sorriu.

— Leio. Uma das minhas autoras preferidas é a Hannah Howell. —


Maria Fernanda folheou as páginas.

Eduardo revirou os olhos sem paciência e soltou o ar pela boca.

— Já leu os outros da série Terras Altas da família Murray? — A


jovem de cabelos longos e negros perguntou à companheira de leitura.

— Você pode pegar a pílula antes que a Maria Fernanda esteja com
as dores de parto? — Eduardo bateu três vezes no balcão.

— Eu hein! Parece que é besta! — a jovem reclamou antes de


levantar do banco e subir em uma escadinha para pegar o medicamento. —
Vai te lascar… Até parece que sou responsável de irresponsabilidade alheia.
— Ela desceu e bipou o produto no escâner.

— Passe o cartão e seja rápida! — Ele entregou o cartão nas mãos


dela e recebeu um olhar de reprovação de Maria Fernanda.

— Seja gentil — Maria Fernanda sussurrou.

— Aqui! — A jovem entregou a maquineta para ele.

Depois que ele digitou a senha, ela entregou o cartão e o pacotinho


com a pílula, mas não soltou.

— Solta! — Eduardo puxou. — É o quê? Não vai soltar? — Puxou


novamente.

— Te orienta ou vai escangalhar sua vida, filho duma égua! — ela


falou, olhando nos olhos dele.

Eduardo puxou o pacote e segurou a mão de Maria Fernanda.

— Foi um prazer! Meu nome é Maria Fernanda. Boa leitura! —


Maria Fernanda deu tchau já saindo na porta.

— O prazer foi meu! Crys Carvalho, balconista e futura escritora.


27

Eduardo subiu as escadas da casa de praia, beijando Maria Fernanda,


que subia de costas sendo sustentada pela cintura.

Ela estava esperançosa e amedrontada. Seu subconsciente


questionava como eles ficariam depois daquela tarde, o coração se apegava
ao amor e a paixão que estavam vivenciando e a consciência insistia na
realidade dos fatos. Ele temia as frases que saíam da boca dela e por isso não
parava de beijá-la. Tudo desmoronaria em breve. Eduardo queria prolongar o
máximo aqueles momentos a dois.

— Eu vou tomar banho. Você toma a pílula e depois me encontra no


chuveiro. — Já dentro do quarto, ele deu um último beijo na testa dela. —
Não demora.

Ele entrou no banheiro e Maria Fernanda sentou sobre a cama. Por


dentro, seguia uma batalha entre felicidade e tristeza. Estavam casados há
quase dois anos e viveram poucos dias em harmonia de casal. Ela amava
Eduardo o suficiente para ter esperanças e o conhecia na mesma medida para
sentir o peso da frustração.

No fundo, Maria Fernanda também queria estender aquele momento


que estavam vivendo, por isso levantou para entrar no banheiro. O aparelho
celular estava vibrando sobre o móvel de madeira e Maria desviou os passos
para pegá-lo. A ligação foi encerrada antes que ela atendesse, mas no visor
mostrou a mensagem:

"Você recebeu ligações de Viviane"

Com o coração absorvido pela tristeza e com o semblante inepto, ela


sentou na cama novamente. O celular vibrou de novo, mas dessa vez
avisando uma nova mensagem. Maria Fernanda clicou e leu o conteúdo, que
dizia:

"Gato, por que você não atendeu minhas ligações? Queria ter ido
com você. Encontrei com sua mãe e ela me contou o que foi fazer. Fiquei
até aliviada, pensei que tramava desistir da nossa viagem. Desejo que a
caipira assine os documentos. Papai preparou tudo, então tenta chegar a
tempo para o nosso jantar. Eu sei que você consegue. Traz logo suas malas.
Dorme aqui hoje e amanhã iremos direto para o aeroporto."

Maria Fernanda viu a luz do visor se apagar e levar com ela a última
esperança de seu casamento dar certo. Sim, seria a última ou se tornaria um
círculo vicioso e autodestrutivo.

— Você não vem? — Eduardo apareceu na porta do banheiro com


uma toalha em volta da cintura. — Quem ligou? — Ele viu o telefone nas
mãos dela.

Ela estava olhando para um ponto qualquer, mas não prestava


atenção em nada, pois sua mente estava longe. Eduardo pegou o celular da
mão dela e leu a mensagem, sentindo de imediato uma agonia no peito.

— Tem uma caneta? Me entregue os papéis — falou rapidamente.


— A viagem já estava marcada antes de você aparecer — disse,
tentando dar uma explicação.

— Suponho que seja muito importante para tanta antecedência. —


Ela lutou para não fraquejar a voz, até então estava conseguindo.

— Vou a Dubai. Serão dois meses. É importante para minha


empresa.

— Você desistiria de tudo pelo nosso casamento? — perguntou,


sentindo um angustiante nó na garganta.

— Não. — Ele foi claro.

— Me levaria no lugar da sua rameira? — Ela abaixou o rosto e não


sustentou as lágrimas.

— Foi o pai da Viviane que me apresentou aos contatos fortes lá


fora.

— Me leve no lugar dela. — A voz dela saiu embargada. Estava de


cabeça baixa, pois sentia vergonha da própria humilhação.

— Não existe essa possibilidade. — As palavras dele saíram


rasgadas.

— Um beijo seu e me torno aquela que se contenta em passar a noite


com o marido fedendo a prostitutas. Como sou tola… — Ela se analisou em
voz alta.

— Não vou desistir da viagem, não posso. — Ele sentou ao lado dela
e, quando tocou o rosto de Maria Fernanda, ela levantou.
— Esteve com muitas mulheres durante esses meses? — perguntou
com a voz firme. — Tenho certeza, mas quero ouvir da sua boca. Estou
fechando as contas, qualquer coisa vale para coibir os meus desvios de
esperanças.

— Você criou sentimentos sobre minhas verdades. Não menti sobre


a vida que levo. Fui claro desde o início. Você montou uma ilusão e me cobra
por algo… — Ele encerrou a frase e respirou pesado.

— Continue. — Ela fez um gesto impaciente com as mãos. — Eu


me iludo facilmente… Continue, pois preciso ouvir.

Ele levantou, tocando o rosto e os cabelos dela.

— Não vou deixar que as histórias cheguem até você. O que


acontecer na viagem, ou fora dela, fica na rua. — Aproximou os lábios dos
dela, mas não os tocou. — Nenhuma das outras se compara a você.

— Isso nunca será suficiente para você.

— Essa cobrança toda me esgota, Maria Fernanda. — Ele se afastou


e caminhou dentro do quarto. — Fiz projetos de vida antes de saber da sua
existência. Quantas vezes teremos que discutir sobre o mesmo assunto?

— Onde está à procuração, Eduardo? Não vou mais mendigar seu


afeto. Eu ainda não sei onde quero chegar, mas os caminhos existem e tenho
pernas. Farei planos na estrada. Me entregue os papéis.

— Não é isso que eu quero, mas por hora é a melhor solução.


Quando eu chegar de viagem, conversaremos direito. Quem sabe você esteja
mais adulta para viver de mente aberta.
— Os papéis, Eduardo. — Ela tornou a pedir.

Ele foi até a mochila, retirou os papéis e entregou a caneta a ela.


Maria Fernanda passou os olhos nas linhas, em seguida assinou as duas vias
da folha. Eduardo andou de um lado para outro no quarto.

— Por que veio até aqui? Sente prazer em me dar esperança para em
seguida ferir meu coração?

— Não tenho a intenção de te ferir com minhas vontades, mas eu


precisava estar com você mais uma vez. Sou muito apegado ao seu corpo.

— Superficialmente… — Ela secou o rosto na manga da camisa.

— Não vou desistir de uma viagem tão importante. Não posso abrir
mão da companhia por razões importantes para minha empresa — ele falou
com frieza.

— Isso está ferindo tanto meu coração. Você não sabe o que é sentir
isso. É um covarde, egoísta e prepotente. Pode ter certeza de que eu não vou
esquecer essas palavras. Se quiser pode repetir para eu absorver melhor.

— Não torne as coisas mais difíceis, mulher.

— Depois que seu império for construído, o que vai sobrar para
você? Como pensa que vai ser feliz só por possuir algo material? Como vai
se sentir?

— Realizado. — Aquele realmente era seu pensamento, mas a


angústia afligia o órgão pulsante dentro de seu peito.

— Isso aqui é o fim. Não haverá mais as recaídas e reconciliações.


Hoje está morrendo a menina tola que você conheceu. De hoje em diante eu
nunca mais serei a mesma. Não tenho por que ficar presa a você por mais oito
anos. Vou sair do país — anunciou e se virou para sair.

— Como? Você não pode sair do país. Você nem conhece nada lá
fora! É só uma menina. — Eduardo sorriu nervoso. Não esperava aquele
surto de impetuosidade. A ideia de vê-la tão longe feria de alguma maneira o
seu coração.

— O seu maior erro foi me subestimar, Eduardo — disse ela ao


entrar em outro quarto e sair com as sandálias nas mãos. — Eu já estive fora
do país muitas vezes, também sei falar três idiomas, sabia disso? Posso ser
ingênua, mas não sou burra! Minha madrinha tem amigos na Europa que me
querem muito bem. Eu me sinto forte para assumir o controle de agora em
diante. — Maria Fernanda saiu apressada.

— Maria Fernanda! — Eduardo desceu as escadas correndo para


alcançá-la e conseguiu, porém a moça continuou caminhando, mesmo com os
lábios tremendo em um choro contido, que ela se recusava em deixar escapar
na frente dele. Ele não veria mais suas fraquezas.

— Eu vou para a casa do Thiago, Lú. — Maria Fernanda encontrou


a amiga entrando na casa.

— O que aconteceu? — Luíza analisou o irmão só de toalha e


presumiu o que teria acontecido. Eduardo deveria ter aprontado feio. — Por
que não troca de roupa primeiro? — Luíza praticamente fuzilou o irmão com
os olhos.
— Eu vou assim mesmo, mais tarde leva uma roupa para mim. —
Não olhou para trás, apenas seguiu em frente em direção à saída da casa.

Eduardo olhou para a irmã.

— Lú…

— Não! Eu me recuso a te ouvir, meu irmão. Se for para me dar uma


de suas explicações egoístas, fica calado. — Luíza passou direto.

Ela amava o irmão, mas não tolerava as suas atitudes com a amiga.
Havia preparado aquele final de semana com a intenção de proporcionar um
pouco de diversão para a pobre Maria Fernanda, pois no fundo, sentia-se
responsabilizada pela falta de amor com que aquela família tratava a jovem.

A mente de Maria Fernanda estava agitada. Internamente, culpava-se


por ter construído sonhos em um terreno instável. Pensou nas razões de
Eduardo. Ele era frio, talvez Eduardo fosse assim para nunca sentir a dor que
ela estava sentindo naquele momento.

Eduardo voltou para casa naquela tarde e se arrependeu de ter ido até
a praia. Acabou mexendo em algo que estava adormecendo e deixando Maria
Fernanda ainda mais ferida.
***

Naquela noite, as jovens jantaram na casa da família de Thiago. Os


pais do jovem eram muito simpáticos e paparicaram Maria Fernanda, já
oferecendo a ela o cargo de nora. Thiago ofereceu o ombro amigo e se dispôs
a ouvi-la chorar. Porém, Maria Fernanda passou todo o jantar sendo forte, às
vezes até sorria para esconder a dor.
Quando voltou para a casa de praia da família de Eduardo, os
soluços foram soltos e o choro reprimido durante a noite veio forte.

— Você precisa parar, amiga. Ele não merece tudo isso. — Suelen
sabia que aquela noite seria difícil para Maria Fernanda e estava disposta a
ficar acordada ao lado dela.

— Su, você vai comigo para a Europa?

— O quê? Europa? Eu? — Suelen não escondeu a alegria em escutar


aquele convite.

— Sim, Su, eu não tenho mais ninguém. Só tenho você, Antonieta,


Jorginho e Carmem. A Luíza é minha amiga, mas ela é irmã do Eduardo. Não
quero envolvê-la em nada. — Ela ainda estava chorando.

— Mas eu nem sei falar francês, nem inglês! Eu nunca saí da cidade,
Nanda. Não vou saber me comportar e vou acabar te envergonhando. Paris…
— A morena juntou as duas mãos em uma prece e olhou para o alto. —
Obrigada, paizinho.

— Eu te ensino tudo, Su. Também não sabia, mas madrinha me


proporcionou ótimos professores particulares. Posso passar tudo para você.
Só não me deixa ficar sozinha no mundo.

— Amiga, não chora. Eu quero muito ir. É meu sonho, mas não acho
que meus pais deixariam. Eles quase não permitiram que eu trabalhasse fora.

— Olha… — Maria Fernanda se aproximou e segurou as mãos da


amiga. — Conversa com eles. Vamos estudar fora! Isso vai acabar sendo
motivo de orgulho para eles.
— Meu pai é um lampião, amiga. Eu não acredito que falar isso
funcione.

— Vai funcionar. — Maria Fernanda foi confiante. — Vamos


crescer juntas. Uma apoiando a outra. Você tem sonhos?

— Sim… Quero ser uma grande estilista.

— Então você vai ser uma grande estilista. Também vai me apoiar
no que serei. Ainda não tenho uma escolha, mas vou atrás do meu futuro.
Chega de tanto chorar! — Maria Fernanda secou os olhos. Vamos finalizar o
curso e seguir rumo à França.
***

Um mês e meio se passou desde a última vez em que Maria


Fernanda havia visto Eduardo. A distância amenizava a dor, porém a ferida
ainda estava aberta. Ela estava sentindo algumas tonturas e chegou a
desmaiar uma vez no cursinho. Antonieta decidiu levá-la ao médico. Os
exames ficaram prontos e a mulher confirmou a sua desconfiança.

— Grávida, Antonieta! Eu estou grávida do Eduardo! Ele… ele não


vai aceitar isso. Vai me acusar! Eu não me lembrei de tomar aquela pílula. —
Ela, pela falta de experiência, entrou em desespero — Eduardo não me quis.
Como vai querer o bebê? — Estava muito emotiva e o choro foi inevitável.

— Minha filha, agora não tem mais o que fazer. Você já está
grávida. Ele é o pai e vai ter que assumir.

— Eduardo vai me obrigar a tirar e eu não vou permitir. Não posso


deixá-lo saber… Preciso viajar logo! Ele… — A jovem começou a soluçar e
Antonieta a abraçou.

— Ele não seria capaz, minha filha. Isso já é muita crueldade.

— Aquele Sergio fez isso com a Su. Eles dois andam juntos. Eu não
vou matar o meu filho.

— Calma, querida, tudo vai se resolver. Não se desespere. Olha as


suas condições. Não fique nervosa, precisa se acalmar para proteger o seu
bebê. Ele precisa muito de você agora.

— Eu não vou matá-lo, Antonieta. Eduardo não vai saber que ele
está aqui.

— Não vai acontecer nada disso, filha. Se acalme. — Antonieta


sabia que se tratando de Eduardo, tudo seria possível, mas jamais deixaria
transparecer para Maria Fernanda, ainda mais ela estando tão desesperada.
***

Em algumas semanas, já estavam prontas para a viagem à Europa.


Suelen recebeu a permissão dos pais, por isso não parava de falar as poucas
frases em francês que Maria Fernanda vinha ensinando-lhe.

— Merci, madame.

— Merciu…

— Não, Jorge! Merci! Você tem que aprender a agradecer. E quando


for nos visitar em Paris? Eu não quero você me fazendo passar vergonha, seu
barrigudo.

Suelen estava aprendendo poucas palavras em francês e já se achava


apta suficientemente para ter um aluno. Jorge, segundo ela, era a cobaia
perfeita.

— Eu nunca vou conseguir aprender, Suelen. Isso é muito difícil.

— Você que está colocando dificuldades! Eu já aprendi quase tudo


em uma semana.

Maria Fernanda estava fazendo um carinho no minúsculo bolinho


em sua barriga. Já amava mais aquele pequeno ser do que a própria vida.
Estava assistindo à batalha da professora Suelen com seu aluno Jorge e sorria
pensando na divertida amiga deslumbrada com as vitrines da Avenida
Montaigne em Paris.

Naquela tarde de domingo, Antonieta estava de folga e Luíza tinha


viajado com o novo namorado. Suzane, a mãe de Eduardo, estava na sala
com seu marido, discutindo a aquisição de uma nova casa de praia. A
conversa na cozinha estava alta, mas Maria Fernanda ouviu a voz de Eduardo
na sala. Automaticamente, sentiu as pernas estremecerem. Já havia se
passado dois meses, mas ela ainda estava muito abalada com as últimas
palavras egoístas de Eduardo. O seu maior medo era que ele descobrisse
sobre a sua gravidez.

— Amiga, é ele. — Suelen já estava ao lado dela enquanto Jorge


espiava pela porta.

— Está com a megera a tiracolo — Jorge completou.

— Eu vou para o meu quarto. — Ela se levantou da cadeira e depois


de uma leve tontura, vestiu a máscara da indiferença e seguiu o seu caminho.

Entrou pela sala e logo sentiu o cheiro do perfume de Eduardo.


Chegou a sentir o olhar dele queimando em sua pele. A ferida parecia cada
vez mais aberta.

— Olha só se não é a caipira oferecida! — Viviane não a deixaria


passar sem jogar um veneno. — O que vai fazer lá em cima? Errou o
caminho do seu quartinho dos fundos?

Maria Fernanda nada falou e começou a subir as escadas.

— Suzane, tenha cuidado com essa aí. Ela tem uma queda por
homens comprometidos.

Maria Fernanda estava aguentando a provocação, mas ao ouvir


aquelas palavras se sentiu desafiada a descer os degraus da escada e seguir
até a sua ofensora. Viviane a viu aproximando-se com tanta fúria no olhar,
que se ajeitou para perto de Eduardo, mas nada impediu Maria Fernanda de
mostrar que o seu lado selvagem sobrepujava o caipira. O tapa foi em cheio
no rosto pálido de Viviane. Maria Fernanda não parou por aí. Sem intervalo
de tempo, puxou o cabelo dela, tentando trazê-la para o chão da sala.

— Maria Fernanda, solta o cabelo dela. — Eduardo não estava


ajudando Viviane, que se contorcia com os cabelos presos aos dedos de
Maria Fernanda.

— Nunca mais se refira a mim dessa maneira ou de qualquer outra


que seja — falou pausadamente, puxando os cabelos da loira com toda sua
força e, logo depois, soltou os fios, dando um empurrão para o sofá. Viviane
não parou para recuperar o fôlego e, no mesmo lugar em que estava, levantou
e empurrou Maria Fernanda, que caiu sobre a mesinha coberta por vidro.
Um grito agudo foi ouvido, mas não foi de Maria Fernanda e sim de
Suelen, que rapidamente se ajoelhou perto da amiga, tentando estancar com
as mãos o sangue que escorria do enorme corte no braço.

— Como você permite isso, Eduardo? Seu miserável. Você e essa


vaca se merecem! — Viviane tomou certo susto ao ser chamada daquela
maneira pela empregada.

Eduardo se ajoelhou perto de Maria Fernanda e, com os olhos


assustados, analisou o corte no braço dela.

— Eu não queria isso. — Retirou sua camiseta e apertou contra o


corte, na tentativa de conter o sangramento.

Maria Fernanda tremia. Sua dor não era pelo corte profundo em seu
braço, mas pela forte fisgada em seu útero. Quando sentiu o sangue escorrer
por seus joelhos, teve a certeza. A queda tinha atingido a criança.

— Meu bebê… — Essas foram às últimas palavras ditas por ela


antes de tudo escurecer e a sua mente ficar vazia.

Depois de muitas horas dormindo devido aos medicamentos, Maria


Fernanda abriu os olhos, sentindo um leve enjoo. Antonieta estava na
poltrona do quarto do hospital, lendo um livro, já Suelen estava dormindo
encolhida no minúsculo sofá.

— Antonieta…

— Oi, filha. Está sentindo alguma dor?

— O meu bebê? — A preocupação dela era apenas com a sua


criança.
— Ele está bem. Agora descansa.

— Ele não se machucou? Coloquei a vida dele em risco. Eu estava


com raiva dela e não me controlei. Fui irresponsável com meu bebê. — Já
estava aos prantos.

— Você precisa manter a calma. Ainda está muito fraca. Seu filho
está bem. Os médicos conseguiram conter a hemorragia. De agora em diante,
é preciso que tenha repouso dobrado. Precisa manter a calma para proteger a
saúde de seu bebê.

— O Eduardo sabe sobre ele?

— Ficou sabendo quando te deixou aqui.

— O que ele falou Antonieta?

— Melhor vocês dois conversarem. Ele disse que virá quando o dia
amanhecer.

Eram nove e quinze da manhã quando Eduardo entrou no quarto do


hospital onde estava Maria Fernanda.

— Eu vou deixar vocês conversarem. Vamos, Suelen.

— Não vou deixar a Nanda sozinha com ele. — Suelen estava


enfurecida com Eduardo.

—Vamos, Suelen, a porta vai ficar aberta. Ele não seria louco de
aprontar alguma coisa aqui.

— Não se preocupe, Antonieta, vou ser rápido. — Eduardo ignorou


Suelen, que treinou voar em seu pescoço, só não fez em respeito à amiga
ferida.

Assim que as duas saíram do quarto, Eduardo puxou a poltrona e se


sentou em frente à cama hospitalar.

— Você está bem? — Analisou as agulhas no punho dela e o grande


curativo no braço.

— Eu pareço bem? — Sentindo muita dor, ela conseguiu se ajeitar


sentada na cama.

— Você perdeu a criança? — perguntou de uma vez o que o afligia.

— Isso importa para você?

— Não muito. Eu não tenho tempo para ser pai, então se a criança
vingar — apontou a barriga dela com um dedo —, eu não quero ter nenhum
tipo de apego. A escolha é sua, você decide o que fazer. Só não quero me
sentir responsável por nada disso.

Maria Fernanda fechou os olhos, pensando rapidamente na melhor


solução. Nunca abortaria. Seu bebê já era amado sem mesmo ver o seu
rostinho. Eduardo o rejeitava claramente, seria muito triste ter um filho
rejeitado pelo pai, mas ela amaria aquela criança e cuidaria para que nunca
chegasse perto do egoísmo do pai.

— Então, você perdeu a criança? — Ele tornou a perguntar.

— Estou com muita dor. — Ela estava ganhando tempo para tomar a
melhor decisão.

— Vai ficar uma cicatriz enorme. — Olhou para o corte no braço da


dela.

— Não maior do que a do meu coração.

— Tente esquecer tudo isso. Será melhor para você. A criança…


você a perdeu ou não?

— Não tem mais por que se preocupar, você não será pai. — Maria
Fernanda usou toda sua frieza para esconder a verdade.

Tomou uma decisão que não traria influência a ele. Eduardo odiava
a possibilidade de ter uma responsabilidade que não fosse sua empresa, então
ela assumiria tudo sozinha. Longe dele.

— Melhor que seja assim. Isso só iria atrapalhar. — Eduardo


levantou da poltrona e se aproximou da porta.

Maria Fernanda estava com o olhar vazio e as lágrimas escorriam


pelos cantos dos olhos.

— Daqui a cinco dias é a inauguração da empresa. Se você estiver


melhor, aparece por lá. Afinal, aquilo também é seu. — Ele parecia lutar
internamente. A presença dela o afetava muito.

— Adeus, Eduardo. — Ela preferiu não dizer que naquele mesmo


dia estaria viajando para a Europa.

— Se cuida. Toma os remédios direito. — Ele não conseguiu


controlar a lágrima que escorreu de seu olho e, para não mostrar, deu as
costas para ela e saiu do quarto, deixando Maria Fernanda aos prantos.
***

O dia da viagem chegou. O avião sairia às vinte e três horas. Jorge


estava dividido entre o choro e a saudade. Depois de passar na casa de Suelen
para pegar as duas jovens, todos partiram para o aeroporto. Ainda faltavam
três horas para o embarque e Maria Fernanda pediu a Jorge que mudassem
ligeiramente a rota e passassem na festa da empresa.

Lá estavam Jorge, Antonieta, Carmem e Suelen esperando Maria


Fernanda que, há cinco minutos, tinha entrado pela recepção da festa. Ela
encontrou com Luíza e, depois de um longo abraço de despedida, viu
Eduardo sorrindo para os fotógrafos, abraçado com Viviane, que vestia um
traje de gala extremamente luxuoso. Ele estava feliz, cercado de pessoas
influentes do mundo dos negócios, paparicado pela mídia e ao lado da filha
do ministro das obras públicas.

— Era para você estar ali. — Luíza apontou para a roda de


fotógrafos que distribuía flashes para o casal.

— Estou bem com isso. Passei aqui porque não te vi e não poderia
viajar sem te agradecer por toda a sua ajuda. Vou sentir sua falta, Lú.

— Não se esqueça de mim. — Luíza beijou o rosto da amiga. — Eu


queria que meu sobrinho estivesse aqui. — Luíza levou a mão para tocar na
barriga de Maria Fernanda, lamentando a perda.

— Eu preciso ir agora. Meu voo é daqui a pouco. — Ela se afastou


com medo de que Luíza identificasse por baixo do casaco o seu abdômen
com uma pequena forma avantajada.

Ela deu um último abraço em Luíza e tentou controlar a tristeza em


ter que esconder a verdade de sua amiga. Deu uma última olhada para
Eduardo e sentiu os olhares cruzando-se através da multidão. Eduardo a
olhou intensamente e viu quando Maria Fernanda se dirigiu para a porta de
saída, então atravessou a multidão para confirmar se realmente era ela.

— Tarde demais. — Luíza segurou a manga do traje de gala.

Ele apenas olhou para a porta, ajeitou o seu terno e saiu o mais
depressa possível. Quando chegou à rua, viu apenas o carro conhecido
virando a esquina.

Maria Fernanda seguiu para o aeroporto com o coração estraçalhado


e a verdade sobre sua criança, segura. Pelo menos por algum tempo.
Segunda fase

“A verdade liberta, pois você pode fazer o que quiser com ela, inclusive
negá-la, mas a responsabilidade é sua quando ela aparecer.”
Pry Olivier.
1

Maria Fernanda teve uma gestação turbulenta. Ela passou


praticamente a gravidez toda deitada em uma cama, com uma gravidez de
risco.

Dudinha nasceu prematura e passou dois meses internada em uma


unidade intensiva. Nesse período, foi diagnosticada com uma osteomielite[2] e
foi cuidada com todo amor e proteção de Maria Fernanda.

Quando Giovane soube que Maria Fernanda estava passando por


problemas de saúde em Paris, entrou em um avião e foi encontrá-la. Foi ele
que a auxiliou durante o período tumultuoso da gravidez. Ele também
registrou a bebê como sua filha e, quando Dudinha já estava mais forte,
voltou para o Brasil. Giovane tinha assumido compromisso com a jovem
filha de um fazendeiro vizinho.

Maria Fernanda se dedicou aos estudos e a sua pequena. Ela só abriu


seu coração para tentar um novo amor depois de quatro anos que estava na
França. Manteve um relacionamento com um colega de faculdade, mas foi
algo superficial e não sustentou por mais de seis meses. Nesse período,
Thiago viajou a França a negócios e a reencontrou. Desde então, Paris passou
a ser o destino preferido do taiwanês.

Ela não era mais a menina indefesa que saiu do Brasil com o coração
estraçalhado. Passou a ser uma mulher forte, inteligente, corajosa e sábia. Na
França, estudou economia, fez mestrado em técnicas financeiras, estagiou e
foi contratada por uma das maiores empresas de auditoria daquele país.

Na cidade capital da moda, aprendeu o gosto pela elegância e


requinte das vitrines, então aliou os estudos da amiga Suelen — em moda —
com a sua experiência profissional e colocou em prática um projeto. Iriam
abrir uma grande loja de moda feminina. Com muita experiência em finanças,
ela sabia que em Paris o mercado seria acirrado pela concorrência. Por isso
mesmo, resolveu encarar os fatos, verificar cicatrizes e pensar em voltar para
o Brasil.

Ela e Suelen conheceram o prazer pelas obras de caridade. Juntas,


visitavam orfanatos, promoviam eventos para arrecadar alimentos e utensílios
para os menos favorecidos e doavam de seu próprio bolso. Além disso, Maria
Fernanda incentivava a filha a seguir pelo mesmo caminho. A mulher
escolheu não seguir pelo caminho da arrogância e orgulho, assim se tornou
uma mulher fatalmente linda, notada por muitos, segura e com uma ousadia
inabalável.

Eduardo, com o passar dos anos, tornou-se muito competitivo e


arrogante. Sua ambição pelos negócios se multiplicou e, com o poder, vieram
os inimigos e na mesma proporção, as mulheres. Ele nunca assumiu
compromisso oficial com nenhuma delas, pois a jovem de cabelos longos e
olhos azuis com quem ele casou, mesmo estando longe por oito anos, nunca
foi esquecida.
PARIS — FRANÇA
OITO ANOS DEPOIS.

— Me ofereceram o dobro do meu salário para que eu desistisse do


pedido de demissão. — Maria Fernanda se sentou em uma das aconchegantes
poltronas em sua casa. — Não há mais o que fazer. Aprendi muito como
auditora fiscal, mas está na hora de abrir meu próprio negócio.

— Tem certeza de que não vai se arrepender, gatona? Você fica tão
poderosa descobrindo os podres das empresas e deixando todos aqueles
golpistas temendo por sua chegada.

Suelen sabia que seu maior sonho estava prestes a se realizar, mas
queria ter certeza de que a amiga estava realmente feliz com o novo projeto.

Através da influência de Maria Fernanda, a visão de futuro de


Suelen foi aguçada e a morena estudou muito para conseguir seu diploma de
design de moda. Abrir uma grande loja tendo Maria Fernanda como sócia era
onde ela queria chegar, aquilo finalmente estava prestes a acontecer.

— Amo a experiência que a profissão me trouxe, mas às vezes é


preciso assumir riscos para alcançar excelência. Meu primeiro passo é sair da
zona de conforto.

— Eu só estou me certificando de que você está certa disso, porque


eu estou muito feliz! — Suelen pulou do sofá onde estava sentada e abraçou a
amiga, toda empolgada. — Vamos ser sócias, gatona! Quando eu poderia
imaginar que eu voltaria ao Brasil empresária?
— Maman… — Dudinha correu e se jogou entre as duas, que ainda
se abraçavam.

— Cuidado, petite, olha sua perna!

Dudinha tinha finalizado mais um tratamento para conter as dores


que sentia na perna.

— Já estou quase curada. Esses remédios são bem fortes. — A voz


de Dudinha soava com bastante firmeza e convicção. Quem não a conhecia
fazia outra ideia dela, pois seu corpo miúdo escondia uma mente carregada de
esperteza.

— Maman tem muita fé, ma princesse[3]. Brevemente essa dor nunca


mais vai voltar. Agora só falta a última cirurgia.

A pequena, com sete anos, já tinha sido submetida a quatro grandes


cirurgias. A doença já tinha sido eliminada, porém deixou suas sequelas.
Dudinha ficou com três centímetros a menos em um dos joelhos, algo
perceptível e doloroso. Uma simples caminhada no parque ocasionava fortes
dores e às vezes febre emocional.

— Vem cá no colo da tante[4], minha bonequinha.

A menina se jogou no colo de Suelen e começou a trançar os cabelos


da tia.

— Você já falou a ela? — Suelen sussurrou sobre a cabeça da


pequena para que apenas Maria Fernanda ouvisse.

— Não. — a mãe sussurrou no mesmo tom.


— Por que não fala logo? — Suelen continuou sussurrando.

— É um segredo de dois? — Dudinha perguntou no mesmo tom das


duas.

Nanda e Suelen se olharam e não conseguiram segurar a risada.


Suelen abraçou e beijou a bochecha da menina várias vezes, ainda sorrindo.

— Você é uma petite muito esperta. É mais esperta que sua mãe
quando a conheci. — A morena deu sua típica e contagiante gargalhada.

Nanda jogou uma das almofadas na amiga e puxou Dudinha para seu
colo.

— Nos próximos dias, vamos para outro país, petite. Maman e sua
tante vão abrir uma loja enorme, cheia de vestidos e muitos espelhos. — A
mãe preferiu usar as palavras, pois uma das brincadeiras preferidas de
Dudinha era vestir seus vestidos, desfilar pela casa e parar em frente ao
espelho, onde para ela era o final da passarela.

— Eu vou poder trabalhar com vocês?

— É justamente por isso que a maman está mudando de trabalho.


Agora vamos trabalhar todas juntas. Eu, você e a tante.

— Sabe para onde vamos? Para pertinho de seu papa[5] — Suelen


falou despreocupada e Maria Fernanda olhou seriamente para ela.

Suelen logo tratou de consertar.

— Seu papa, Thiago. Ele está te esperando para te encher de


presentes.
Quando Dudinha completou quatro anos e seis meses, chamou
Thiago de papa pela primeira vez. Apesar de ter se sentido muito importante,
Thiago conversou com ela em uma linguagem infantil e confirmou a
explicação da mãe da pequena, que ele a protegeria como pai, mas que o seu
pai de sangue era outra pessoa, que um dia ela poderia encontrá-lo. A
menina, muito esperta, insistiu que ele era seu papa, então não houve mais
nada a fazer.

Existia uma amizade verdadeira entre Thiago e Nanda, embora o


taiwanês nunca escondesse sua real intenção. Quando Dudinha estava com
um pouco mais de seis anos, Nanda aceitou o pedido de namoro de Thiago.
Ansioso, ele passou a contar os dias para o final do contrato de casamento
que prendia a sua namorada ao ex-marido.

— Ele me prometeu um chiot quando casasse com você, maman.

— Então teremos que procurar uma casa com quintal para seu
cachorrinho. — Maria Fernanda beijou os cabelinhos loiros da filha.

— Agora é só arrumar as malas! — Suelen fez cócegas no abdômen


da menina, fazendo-a se contorcer no colo da mãe.
BRASIL

Dudinha foi a primeira a avistar Thiago no portão de desembarque.


Ele sorriu com os olhos cheios de lágrimas, pois estava muito feliz. Não
conseguia esconder a alegria de ter a mulher amada e seu presentinho por
perto.

De agora em diante, as veria com mais frequência e não apenas nos


feriados prolongados, onde era possível fugir da administração da joalheria.

— Papa! — Dudinha gritou em francês, desprendeu-se de Nanda e


correu para os braços de Thiago, que a abraçou com ternura.

— Meu presentinho lindo.

— Je t'aime, papa[6].

— Eu também te amo muito, francesinha.

A mãe analisou a cena fofa a sua frente com lágrimas de felicidade


nos olhos.

— Ele é lindo, não? — Maria Fernanda perguntou orgulhosa.

— Eu não vejo nada de mais — Suelen provocou a amiga.

— Olha só se não é a mulher mais linda do mundo. Deixe-me ver.


— Thiago girou a namorada pelo braço, enquanto Dudinha estava agarrada
em seu pescoço. — Está ainda mais linda.

— Vamos acabar com essa melação, pois estou muito cansada e


meus pés merecem descanso — Suelen reclamou.
— Você também está muito bonita Suelen, mas vejo que continua a
mesma reclamona de sempre.

— O problema é que agora sou rica, querido amigo. — Suelen rodou


o indicador que destacava a unha de gel. — Sou rica e futura empresária. Por
isso, sou praticamente obrigada a andar com esses saltos quilométricos.

— Você poderia usar uma sapatilha. — Thiago tentou achar uma


solução para a amiga dramática a sua frente.

— Se existiu sapatilhas um dia, eu não soube da existência. —


Suelen deu a risada contagiante. Ela usava os saltos porque gostava e era
dependente deles. — Vamos! Vamos indo porque preciso visitar meus
veinhos mais tarde. — A morena bateu no ombro do taiwanês, que estava em
um elegante terno.

Juntos, seguiram para a cobertura de Maria Fernanda em um dos


prédios requintados da cidade.
***

Todos já estavam na cobertura. Naquele momento, as mulheres


estavam na sala descansando da viagem e Thiago estava massageando os pés
da namorada.

— Separei dois pontos no shopping para vocês darem uma olhada.


Um é imenso, com dois pisos, o outro é menor, porém está pronto sem
precisar de reforma — falou Thiago.

— Vamos ver isso amanhã, Su. Quanto antes fecharmos, melhor.


Você vai conosco, Thiago?
— Vou ter uma reunião mais cedo, então encontro vocês lá depois.

— Eu também vou, maman? — perguntou a menina, quase


dormindo.

— Mas é claro, petite! Não falei que iríamos trabalhar juntas? Então,
você é minha secretária particular e precisa estar sempre comigo para fazer as
anotações de tudo que a maman falar.

— Não vai contratar uma babá, Fernanda? — Thiago sabia que a


vida da namorada seria corrida, assim como a de Suelen. Dudinha precisaria
ter alguém com ela o tempo todo.

— Não! Da minha filha cuido eu. Depois de mim só a Su. Não quero
ter uma filha criada por babá e longe dos meus olhos. Onde eu for minha
filha vai. — Maria Fernanda não teve a companhia de sua mãe, por isso era
rigorosa naquela determinação.

— Escolhi a mulher certa para ser a mãe dos meus filhos. —Thiago
estava com um sorriso travesso no rosto e Maria Fernanda sorriu convencida.

— Já vão começar novamente? — reclamou Suelen, que estava


folheando uma revista em um dos sofás. — Ou estou implicando demais com
os romances alheios ou estou carente por não ter um. Vou me preparar para ir
ver minha família, só espero que o traficante da rua de baixo não esteja mais
por lá. Ele falava cantadas quando eu subia a ladeira e me dava um frio na
espinha. — Suelen se levantou e foi em direção ao quarto.

— Não vá com joias. O Brasil não é mais o mesmo — Thiago


alertou a amiga espevitada.
— A Suelen sabe o que faz. Ela é assim, mas tem muito juízo —
Nanda falou ao namorado.

— Não vejo a hora desse divórcio sair. — Thiago estava alisando o


cabelo de Dudinha, que já estava cochilando em seu colo.

— Está perto. Agora só faltam mais três meses.

Maria Fernanda ficou pensativa. Ela tinha desejado muito que


chegasse o dia da quebra do contrato que possibilitaria o divórcio. Pensar em
rever Eduardo a fazia sentir uma fisgada na cicatriz já fechada. Com toda
certeza, ele estaria ainda pior que há oito anos. Deveria estar tão louco pelo
trabalho que não se lembraria de assinar os papéis, talvez usasse uma
secretária ou cópias digitalizadas. Várias coisas passavam pela mente dela.
Qualquer possibilidade para não precisar olhar para a face dele seria ideal.

— Eu quero me casar o mais rápido possível, Thiago. Os papéis do


divórcio serão assinados em um dia e no outro já quero assinar as proclamas
do nosso casamento.

— Seu pedido é uma ordem, minha princesa. Uma ordem que será
cumprida. Meu desejo é que isso aqui seja minha família. — Thiago se
referiu aos três no grande sofá.

— Isso é tudo que eu mais quero. Eu mereço essa felicidade toda


depois da minha caminhada.
***

Maria Fernanda estava em um grande espaço do shopping mais


visitado da cidade. Em sua companhia estavam Suelen, Dudinha e uma
corretora. Ela tinha se encantado com o ponto comercial com dois pisos. Era
uma loja imensa, ideal para seu tipo de negócio. Porém, seria preciso uma
grande reforma para ficar ao seu modo.

— Vocês fizeram um ótimo negócio. Este é um dos melhores pontos


de loja neste shopping. A visão aqui é privilegiada de todos os pontos. — A
corretora estava feliz.

— Também é o mais caro, não é danadinha? — Suelen comentou,


deixando a mulher sem graça.

— Dudinha! — Maria Fernanda percebeu a ausência da menina no


grande salão. — Onde está a Dudinha, Suelen?

— Ela estava aqui agora mesmo, Nanda…

As duas partiram para o corredor central à procura da menina.

— Ela não conhece nada aqui! Onde está minha filha? — Maria
Fernanda estava apavorada, pois olhava para todos os lados e não avistava
nenhum sinal.

Dudinha tinha se distraído com um grupo de palhaços que passou na


porta da loja e saiu atrás da trupe por curiosidade, mas logo percebeu estar
longe da mãe e da tia, então sentou em um banco no meio do shopping e
começou chorar.

A mãe estava desesperada, assim como Suelen, à procura da menina


e foi um grande alívio quando viu os cabelinhos dourados de longe.

— Petite! — Maria Fernanda gritou, avistando a cabecinha da


menina pelas costas.
Tinha um casal e uma criança conversando com a menina,
certamente oferecendo ajuda. Nanda afastou as pessoas, ajoelhou-se e
abraçou a pequena, beijando toda extensão do seu rosto.

— Por que fez isso, petite? Você não conhece nada aqui. Nunca
mais faça isso. Você está bem, meu amor?

— Eu só queria ver os palhaços. Sou curiosa e teimosa, maman. —


Dudinha estava recuperando-se do choro, já nos braços protetores da mãe.

Mais atrás, Suelen estava paralisada vendo a cena à sua frente. Sim,
era ele, só podia ser ele. Aquele olhar frio era o mesmo e a companhia
também. Viviane olhava para Suelen, tentando decifrar de onde a conhecia.

Eduardo reconheceu Suelen de primeira, mas ainda não tinha visto o


rosto da mulher ajoelhada, abraçando a filha, embora já tivesse a certeza de
quem se tratava.

Suelen sentiu suas pernas tremerem e foi preciso segurar o salto no


piso para não cair. Eduardo estava com o olhar confuso, fiscalizando Maria
Fernanda e Dudinha, tentando descobrir se ali era mesmo a jovem que, há
anos atrás, ele deixou partir para longe dele.

— Maria Fernanda?

Eduardo estava atordoado e seu coração parecia desgovernado


dentro do peito. Era uma sensação que ele há muito não sentia. Aquela
sensação que só sentiu pela menina que anos atrás deixou ir para longe de sua
vida. Suas mãos começaram a soar frias. Ele abriu a boca duas vezes e nas
duas vezes não conseguiu pronunciar nada.
Quem era aquela mulher? Por que ela tinha mudado tanto? Várias
perguntas giravam em sua mente e todas as respostas apontavam para ele
como um soco na cara.

Maria Fernanda, ainda com os joelhos no chão, estava estática. Ela


ouviu a voz de Eduardo e sua única reação foi abraçar a filha fortemente.
Sabia que aquele dia ia chegar, mas não imaginou que fosse tão rápido.

Ela pegou Dudinha no colo e se virou para encará-lo. Ele tinha


mudado muito, estava mais maduro e muito bem-posto. Maria Fernanda
sentiu um nó formando-se em sua garganta, pois já estava abalada pelo
sumiço de Dudinha e aquilo contribuiu para seu estado.

— Maman, você está me apertando. — Maria Fernanda só se deu


conta de que estava pressionando o corpo da filha demais contra o seu
quando ouviu a reclamação.

— Você teve uma filha, Maria Fernanda? Quando teve uma filha?
— A expressão de Eduardo estava totalmente confusa.

— Esse homem ranzinza ia me ajudar a te procurar, maman.

Maria Fernanda olhou para Suelen, que estava com os olhos


assustados, e desceu as pálpebras dos olhos, mostrando tranquilidade para a
amiga.

— Vamos, ma princesse. — A mãe beijou o rosto da filha e segurou


em sua mão. — Vamos, Suelen. — Caminhou deixando Eduardo para trás.

— Você teve uma filha? — Eduardo deu a volta e parou em sua


frente. — Quando voltou?
— Excuse moi.[7] — Nanda tentou ignorar outra vez o homem. Seu
nariz estava naturalmente elevado.

— Como pode ser tão irresponsável, mulher? — Eduardo a


confrontou, ainda perdido. — A menina estava perdida. Isso aqui é enorme.
Tem pessoas de todo tipo! E se eu não tivesse a encontrado?

Nanda continuou andando. Suelen estava do lado e Dudinha


agarrada a uma de suas mãos.

— Vamos conversar um pouco. Onde está hospedada? — Eduardo


seguiu atrás dela, ainda querendo olhá-la.

Naquele momento, ele estava abalado ao ver Maria Fernanda forte e


extremamente atraente. Longe do seu poder.

— Está passando certa vergonha, mon chéri[8] — Suelen falou com o


seu costumeiro deboche.

— Mas o que… — Eduardo olhou Suelen dos pés à cabeça e


constatou que o vestido que ela usava era muito elegante. Depois desviou o
olhar para Maria Fernanda, caminhando sobre saltos, segurando a mão da
pequena.

— Maria Fernanda! — Ele correu atrás dela.

Nanda estava abalada com o reencontro, mas aquilo jamais seria


demonstrado ali.

— Vamos, meu gato. Ainda temos muitas lojas para procurar o


presente da sua irmã. — Viviane seguiu atrás deles, evidentemente ameaçada.
Eduardo mantinha as aparências com ela. Viviane sabia que o
homem não era fiel, pois ele nunca escondeu, mas ela tinha possessão por
Eduardo e não se importava.

— Viviane, vá passear em alguma loja. Depois eu pego você.

— Eduardo, não faça isso! — Viviane gritou com sua voz


infantilizada. — Nem pense em fazer isso comigo! — A loira olhou para os
dois lados, pois estava envergonhada.

Maria Fernanda voltou o olhar para o menininho loiro, que


aparentava ter seis anos, segurando a mão de Viviane, então identificou nele
os mesmos olhos de Eduardo.

— Eu preciso resolver uma situação aqui, Viviane. Deixe o Lipe


comigo e volte para empresa. — Eduardo continuou encarando Maria
Fernanda, analisando-a minuciosamente sem nenhum pudor.

— Você vai comigo agora, Eduardo!

Maria Fernanda pegou Dudinha no colo e continuou andando.


Eduardo estava com os olhos bem fixos nela e seguiu atrás.

— Aonde vai? — Ele deu a volta mais uma vez e ficou na frente de
Nanda. — Quero conversar, mulher. Nossa, como você mudou…

— Fique longe dela! — Suelen gritou próximo a Eduardo.

— Você está mais atrevida que antes, Suelen! Isso continua não me
dizendo nada! — ele falou com sua pose de arrogância.

Dudinha entendeu que Eduardo estava brigando com sua tia Suelen,
então do colo da mãe começou a estapear o homem de terno.

Entre os tapas fraquíssimos que recebia, ele analisou a pequena no


colo de Maria Fernanda e procurou semelhanças com a mãe. Apenas
encontrou os olhos e a cor do cabelo loiro.

Loiro?

— Por que pintou o cabelo? Por que cortou? — Eduardo olhou para
os cabelos da mulher, totalmente descontente. Como se tivesse algum poder
de decisão sobre ela. — Eu não acredito nisso. — Soltou o ar de vez e
balançou a cabeça, alterado. — Por que fez isso?

Maria Fernanda pensou em qualquer pergunta vindo dele, menos


aquela.

— Vamos, Nanda! — Suelen chamou.

— Você já almoçou? — Ele continuou no rastro da mulher. —


Temos assuntos pendentes, Maria Fernanda.

Ele lembrou que não tinha muito tempo. Talvez chegasse atrasado à
reunião, isso nunca tinha acontecido antes, mas Eduardo estava abrindo uma
pequena exceção. Assumiria os riscos depois.

— Em breve, um advogado irá procurá-lo com os papéis do


divórcio. Vamos resolver de uma vez por todas os nossos assuntos pendentes.
— Maria Fernanda continuou andando.

Ele recebeu um choque interno ao ouvir a voz firme e decidida da


mulher. Aquela não era a jovem que ele viu pela última vez, chorando. Não,
definitivamente não era. Eduardo estava totalmente perdido na beleza daquela
mulher, que ele mesmo rejeitou por egoísmo. Estava sendo um débil de trinta
e três anos.

Que porra eu estou fazendo, rastejando atrás dela? Pensou,


indignado com seu próprio comportamento.

— Não se preocupe, querida esposa. Eu mesmo cuidarei disso! —


Tentou ser frio. Isso sempre foi fácil para ele. — Apenas queria acertar logo
esse grande problema, já que te encontrei por aqui. Foi por isso que andei
atrás de você. Tenho pressa em resolver essa situação. — Consertou a gola do
blazer grafite que usava.

— Isso é tudo o que eu tenho desejado, Eduardo.

Ele chegou sentir faltar o ar ao ouvi-la pronunciar seu nome.

Como essa mulher conseguiu ficar ainda mais linda? Perguntou-se e


sentiu um arrepio.

— Papa chegou. — Dudinha, ainda no colo de Nanda, viu Thiago se


aproximar.

Thiago olhou seriamente para Eduardo, pegou Dudinha e beijou


rapidamente sua namorada.

Eduardo contraiu a mandíbula de raiva por ver a cena. Ele


encontrava Thiago nas festas de empresários da cidade, mas sempre ignorava.
Nunca poderia imaginar que o taiwanês estava se relacionando com sua
mulher.

— Então sempre estiveram juntos! — Ele se indignou.


— Gato, não faça isso! — Viviane implorou para não ser humilhada
em público com uma cena de ciúmes de Eduardo por outra mulher.

— Eu fugi da maman, papa… — a pequena confessou, alisando o


rosto de Thiago.

— Isso é verdade? — Thiago perguntou a Maria Fernanda.

— Foi em segundos que me distrair com a corretora. Quando


olhamos, ela não estava mais lá.

— Irresponsável! — Eduardo ainda estava lá e tornou a atacar,


reivindicando atenção.

— Você falou o quê, cara? Você tem mesmo a coragem de chamar


minha Fernanda de irresponsável? — Thiago o confrontou. — Essa mulher é
a melhor mãe do mundo! Ela é a mãe da minha filha. Não se atreva a ofendê-
la, pois eu não sou mais o moleque de dezessete anos que você conheceu.

Thiago se enfureceu. Ele jamais admitiria que Eduardo acusasse


Maria Fernanda, que sofreu tudo sozinha para cuidar da filha.

— Você teve essa menina com ele ou com outro? — Eduardo exigiu
uma explicação que amenizasse a sensação de soco no estômago que tinha
levado.

— Thiago, vamos agora! — Maria Fernanda pegou na mão do


namorado e Eduardo estremeceu por dentro.

— Fique longe de minha família! — Thiago ordenou, antes de virar


as costas e sair carregando Dudinha no colo e segurando a mão Nanda.
Suelen apenas levantou a mão e deu um tchau irônico para Viviane.
Eduardo ficou para trás vendo a família distanciando-se dele e sentindo seu
coração esmigalhado.

Dudinha estava com a cabeça encostada no ombro de Thiago e os


olhos graúdos na direção de Eduardo. Ela levantou uma das mãozinhas e deu
um curto tchau para ele. Por alguma razão, Eduardo sentiu um aperto
diferente no peito ao receber aquele olhar. Ele brigou com lágrimas
insistentes, pois aconteceu algo em seu coração que ainda não tinha
vivenciado.
2

Eduardo saiu transtornado do elevador de sua empresa. Ele avistou


as secretárias do quinto andar com sorrisos forçados, mas estava tão alterado
que não as cumprimentou. Devido a sua personalidade metódica e exigente,
elas o temiam, embora se divertissem em conversas secretas sobre o quanto
ele era desejável.

Ele bateu a porta de sua sala com toda força, pegou o primeiro
objeto de sua prateleira e atirou na enorme janela de vidro. Os estilhaços
foram parar em toda parte. Sua raiva ainda era grande, então pegou outro
objeto e jogou em uma das paredes, pegou outro e jogou novamente. Em dez
minutos, ele já tinha quebrado toda a sala e estava jogado no chão com uma
garrafa de uísque quase vazia nas mãos.

Ele imaginou que ela voltaria à mesma jovem de olhos


amedrontados e atitudes vulneráveis. Como foi tolo. Ao ver aquela mulher
forte e destemida, feliz com Thiago e com uma filha, Eduardo se sentiu
desestabilizado.

Quinze minutos depois, Sergio entrou na sala e levou um susto com


a desordem. Não tinha sobrado nada além da mesa e das três poltronas de
couro italiano.

— Você está ficando louco? Primeiro falta em uma reunião, agora


vandaliza sua própria sala. O que está acontecendo com você, Edu?

— Me deixe sozinho! — Eduardo bebeu o último gole da garrafa.

— O que aconteceu, irmão? — Sergio abaixou ao lado do amigo.

— Ela voltou! — Eduardo conferiu se realmente tinha acabado a


bebida da garrafa.

— Quem? A japonesa ninfomaníaca?

— A minha ferinha! Foi ela que voltou.

— Quem é essa, Edu? Desde quando fica assim por mulher?

— Você é um idiota. Saia daqui! — Eduardo tentou se levantar, mas


não conseguiu.

— Cara, que mau humor é esse? Sou seu amigo. Só não estou
acompanhando seu raciocínio.

— Você está ocupando o lugar dela na vice-presidência agora


mesmo.

— É a menina do contrato?

Eduardo sorriu sem humor, tentou levantar mais uma vez e, como
não conseguiu, jogou-se para trás, encostando a cabeça na lateral da mesa de
escritório.

— Ela não é nenhuma menina. — Eduardo olhou para o teto,


tentando recuperar a vista embaçada. — A filha da mãe virou um mulherão
de deixar qualquer um rastejando por ela.

— Eu sempre apostei que isso aconteceria, Edu.


— Ela teve uma filha e talvez seja daquele pivete que andava com
ela. Eu deveria ter dado um fim nele naquela época.

— Filha? — Sergio não estava reconhecendo seu amigo de longos


anos, ele estava visivelmente desestabilizado.

— Uma menina loirinha desse tamanho aqui. — Eduardo mediu a


altura de Dudinha com as mãos.

— Ela veio pedir o divórcio, pode ter certeza.

— Eu sou um otário. Tive consideração de deixá-la ir para não a ver


sofrer e a ordinária dando para outro desde aquela época. Preciso beber até ter
uma overdose. Vou acabar com a porra da minha vida. — Ele deitou o corpo
no chão.

— Você já bebeu demais, irmão. Está com tantos problemas e agora


descobre que é corno. Precisa descansar.

— Ela teve uma filha com ele. Deveriam estar de caso antes.

— Essa filha é loirinha, não é?

— Sim. Tem os olhos graúdos como a mãe. — Eduardo deu um


pequeno sorriso lembrando-se do rosto de Dudinha.

— Bem, sua mãe é loira e sua irmã também. Quem sabe…

— Já pensei nisso, mas não há chances. Ela pode ter traído o


taiwanês. A menina é muito pequena para ter sete anos, deve ter uns cinco.

— Veio assinar o divórcio, pode ter certeza, Edu.

— Mas ela está muito enganada se acha que eu vou facilitar as


coisas.

— É só uma mulher, Edu. No mundo tem o quê? Milhões delas?

— Chame a Irene, Sergio!

Sergio levantou, conferiu se o telefone ainda estava funcionando e


discou o ramal da secretária de Eduardo.

— Irene, venha até aqui imediatamente!

Em menos de trinta segundos, a moça de óculos modelo gatinho e


coque no cabelo entrou na sala.

— Jesus! O que aconteceu aqui? — A secretária se assustou.

— Eu quebrei tudo! Estou muito nervoso e quis quebrar minha sala.


Alguma objeção quanto a isso, Irene? — perguntou o patrão.

— Sim! Quer dizer… Não, senhor.

— Ache Maria Fernanda Moedeiros. Ela está nesta cidade e eu


quero saber o endereço em vinte minutos — ordenou à empregada.

— Ela tem seu sobrenome, senhor. — Irene era uma solteirona que
se escondia atrás dos estudos e do visual anos sessenta. Eduardo a achou
ideal quando fez as entrevistas para o cargo. Inteligentíssima e estranha.
Absorvia rapidamente o seu raciocínio e era totalmente o oposto de mulher
que ele se interessaria.

— É ela, Irene. Ache Maria Fernanda o mais rápido possível. Ela


está em algum lugar desta cidade, eu só não sei onde.

— Eu vou tentar, mas saiba que é como procurar uma agulha no


palheiro.

— Sei que você vai conseguir. Agora pode ir. Só volte aqui com o
endereço.

— Vou com você, irmão. Estou morrendo de curiosidade para ver


aquela belezinha de mulher — Sergio provocou o amigo.

— A Suelen veio com ela.

— Suelen? A minha Suelen? — Sergio, que ajudava Eduardo a se


levantar, soltou o amigo no chão.

— O que você está fazendo seu idiota?

— Como ela está, Edu?

— Uma gata.

— Cara, eu vou ajudar a Irene a procurar o endereço e já volto para


te levar para casa.
***

Maria Fernanda tinha acabado de fazer Dudinha dormir. Ela olhava


sua pequena deitada na cama e só conseguia enxugar a lágrima silenciosa que
escorria pelo seu rosto. Lembrou-se dos momentos infelizes que passou nas
mãos do pai da menina. As humilhações, as dores, as traições e por fim a
rejeição.

— Maman promete te proteger, petite. Você nunca vai precisar


passar pelas tristezas que eu passei. Ele não queria você, mas teve um filho
com aquela mulher. O problema não estava em um filho, mas sim na
indiferença que sentia por mim.
A campainha da cobertura tocou e ela lembrou que Suelen tinha
saído em busca de um salão de beleza, certamente tinha esquecido as chaves.

— Sua tia desmemoriada não levou a chave — sussurrou para não


acordar a menina. Depois de dar um beijo leve nos cabelinhos dourados, foi
até a sala atender a porta.

Mal deu tempo de abrir para Eduardo entrar enfurecido, deixando-a


perplexa.

— Se você pensa que vou te dar o divórcio está muito enganada! —


gritou, andando de um lado para outro da grande sala. — Você já estava com
aquele cara enquanto eu te fazia feliz.

— Que invasão é essa?

— Você passou esse tempo todo me traindo com ele. Até uma filha
teve! — Ele sorriu irônico e passou as mãos pelos cabelos, demonstrando
descontrole.

— Saia da minha casa — Maria Fernanda falou calmamente ainda


segurando a porta.

— Eu pensando que você era uma mulher pura e inocente. Você é


igual todas as outras! — Eduardo aumentou ainda mais o tom de voz.

— Não me compare às mulheres que você sempre achou na rua! Não


pense que sou aquela menina que sofria, mas acabava se submetendo as suas
invertidas!

— Eu… eu não… — Ele a olhou de cima a baixo e chegou a


estremecer diante de tanta beleza e segurança.
Aquela beleza sempre o afetou. Depois de anos, não existiam mais
aqueles traços infantis. Aqueles olhos pareciam mais azuis, contrastando com
a leve maquiagem que ela usava. Ele pensou nos motivos para tê-la deixado
ir. Estava vergonhosamente desesperado.

— Tudo valeu a pena para você ou só está aqui pra conhecer minha
cobertura? — Ela o tirou das observações.

— Você está bonita, mulher. — Ele sentiu uma forte dor no peito e
uma vontade louca de abraçá-la. Como é possível? Essa mulher está me
afetando ainda mais, mesmo depois de anos. Ele estava em guerra com os
próprios pensamentos. — O destino foi muito cruel conosco, Maria Fernanda.

— Você fez seu próprio destino, Eduardo. Cruel foi o meu passado.
Meu futuro é felicidade. Agora se apresse e saia.

Ele caminhou na direção da porta e, antes de sair, não conseguiu se


controlar, estendendo a mão para tocar a mecha do cabelo que amava
acariciar.

— Não faça isso! — repreendeu Maria Fernanda. Ele a olhou mais


uma vez e sua expressão mudou para raiva. Eduardo estava assustado com
tamanha força e autoconfiança. Ela não era mais a mesma, definitivamente.
— Saia agora da minha casa. Minha filha está dormindo e você não tem o
direito de acordá-la.

— Não vou facilitar as coisas só porque está com outro. Não vou
assinar esse divórcio! — Ele deixou claro.

— O contrato está para encerrar. Você só temia perder a empresa,


ela é sua. Eu posso até te vender minha parte quando o divórcio sair, não
tenho interesse nela.

— Eu não vou assinar porra nenhuma.

— Então vou decidir se peço o litigioso agora, antes de acabar o


contrato, e te deixo sem nada, ou se faço isso depois.

— Não pense em atingir minha empresa! Construí aquilo tudo


sozinho. Eu posso te pagar cada centavo que tirei desse maldito casamento,
mas não cogite tocar na minha empresa! Eu não vou assinar papel nenhum de
divórcio e quero ver quem me obriga a fazer o contrário.

Ele passou por Maria Fernanda e chutou a porta de outro


apartamento no caminho.
***

Maria Fernanda e Suelen tinham marcado de se encontrar com Jorge


e Antonieta na confeitaria que ela tinha aberto no centro da cidade. Seria a
primeira vez que Dudinha veria Antonieta, elas se conheciam apenas através
de chamadas de vídeo.

As três desceram de um táxi, frente a um estabelecimento com


fachada em traços vintage, com um enorme nome no topo. “Quitutes by
Antonieta”.

Dudinha ajeitou seu vestido de princesa e alisou as mechas do seu


cabelo.

— Eu estou bonita, maman?

— Uma verdadeira princesa, petite! Olha como é bonita a loja da


Antonieta. — A mãe apontou para a vitrine, que lembrava as docerias de
Paris.

— Ela conseguiu. — Suelen empurrou a porta de vidro e admirou a


loja da amiga.

— Água de doce maman! — Dudinha afoita apontou para a cascata


de chocolates e caramelo sobre o balcão.

— Menina patroa! — O homem de meia-idade, vestido em um terno


preto, levantou da mesa repleta de doces e, depois de devorar a empada que
estava em suas mãos, caminhou até a porta onde as três estavam.

— Olha o Jorginho, Su. — Maria Fernanda estava sorrindo. — Que


saudade, Jorginho. — Maria Fernanda o abraçou e acariciou a cabeça do
homem.

— Você está tão bonita! Eu fico até sem jeito perto de você. —
Fungou o nariz no meio do choro.

— Olha só! Ele conseguiu aumentar ainda mais a pança. — Suelen


abriu os braços, dando sua típica gargalhada.

— Suelen, sua danada! — Jorge analisou a amiga, enquanto


enxugava os olhos com a manga do paletó. — O que aconteceu com você,
menina? Que roupas são essas?

— Vai me dar um abraço ou vai ficar me admirando? — Suelen


também estava com lágrimas nos olhos, embora sorrisse.

— Você mudou tanto, Suelen.


— Eu sei, Jorginho. Você também! Sua barriga dobrou de tamanho.
— Ela tentou abraçar Jorge até onde sua circunferência permitia.

— Tentei fazer uma dieta há uma semana, mas é muito difícil com
tanta tentação de doces na minha frente.

Dudinha se achegou para perto da mãe, pois estava curiosa com a


presença de Jorge.

— Dudinha, esse é o Jorginho, um amigo muito querido da maman.

— Comment allez-vous, Jorginho?[9] — Dudinha cumprimentou


Jorge espontaneamente.

— Olha que bonitinha. Me-u no-me é Jor-ge. Eu sou a-mi-go de sua


ma-mãe. — Jorge se inclinou, acreditando ser mais fácil a comunicação com
a menina.

— Você fala engraçado, Jorge. — Dudinha sorriu, vendo o homem


esforçando-se para manter uma comunicação.

— Você é uma menina muito esperta. Como nessa cabecinha cabem


dois idiomas? Na minha quase não entra o português.

— Antonieta! — Suelen gritou assim que viu a mulher saindo de


uma das portas, indo de encontro a elas.

— Como estão lindas, minhas meninas! — Antonieta abraçou as


duas e todos estavam com lágrimas nos olhos. — Abraço da tia Antonieta?
— Dudinha correu e se jogou nos braços de Antonieta. Ela já conhecia a
mulher, pois sempre conversava nos finais das ligações da mãe para o Brasil.
— Aquela água de doce é sua, Tony? — A menina apontou para a
cascata de chocolate sobre o balcão e se conteve ao máximo para não brincar
com seus dedinhos no chocolate derretido.

— Sim! Eu fiz um bolo especial para você, cheio de nutrientes bem


saudáveis.

— Nutrientes é ruim, Tony, eu só gosto de doce. — Dudinha


apontou para os brigadeiros de duzentas gramas expostos no balcão.

Dudinha tinha a fisionomia de uma criança de cinco anos devido ao


seu nascimento precoce. Ela sofria com refluxo e fortes dores com as
sequelas da infecção no osso da perna. Não era uma criança saudável, embora
sua disposição falasse o contrário.

— Você tem que comer para crescer rápido, princesinha. Vamos


para a mesa. Vou preparar algo bem gostoso para você. — Antonieta as
direcionou.

Estavam todos sentados em uma mesa distante dos clientes, que com
o final da tarde começavam a ocupar todas as mesas vazias.

— E a Carmem? — perguntou Maria Fernanda.

— Está na casa de repouso — falou Jorge. — Ela fez amizade com


minha mãezinha e as duas estão no mesmo quarto. Eu tenho que te agradecer,
patroa, se não fosse você pagando a hospedagem dela todos esses anos… não
sei o que seria das duas. — Jorge já terminava a segunda rodada do bolo de
cenoura.

— Coincidência ou caso pensa… — Suelen se calou quando viu


Sergio entrando na doceria, logo atrás de Eduardo.

— O senhor Eduardo veio me buscar! — Jorge tentou se esconder


com a mão. — Mas eu avisei que vinha na Antonieta encontrar umas
amigas… Por que ele veio me buscar? Eu disse que pagaria minhas horas
depois.
[10]
— Não se esconda, monsieur Jorge, seu tamanho é muito grande
para não ser notado — Dudinha alertou o homem.

— Você continua o mesmo linguarudo, Jorge. — Suelen segurou o


talher e comeu um pedaço de bolo, fingindo indiferença ao olhar de Sergio.

— Eu vou lá falar com eles. — Antonieta se apressou e seguiu até a


mesa, onde os dois já estavam acomodando-se.

— O que veio fazer aqui, Edu? — a dona do estabelecimento o


questionou.

— Apenas traga o meu bolo. — Ele não desviou o olhar da mesa de


Nanda.

— Eu não vou deixar você chegar perto dela.

— O que é isso, Antonieta? Está revivendo o passado? Apenas vim


comer meu bolo de banana, não tenho qualquer ligação com aquela mulher!

— É melhor você se retirar e voltar outra hora! Estou sem seu bolo
no momento.

— Então traga água.

— Eduardo, volte depois! — Antonieta o advertiu outra vez.


— Vá logo, mulher!

— Eu vou, mas vou deixar meus seguranças de olho em você!

Eduardo sorriu, sem vestígio de humor, quando Antonieta deu as


costas.

— Ela deixou crescer o cabelo… — Sergio estava paralisado


olhando Suelen do outro lado do salão.

— E a outra cortou! Se estivesse comigo eu não a deixaria fazer uma


burrada dessas — falou frio, mostrando seu grau de contrariedade com o
novo corte de cabelo da mulher.

— Eu não sei você, mas vou lá agora, Edu! — Sergio foi o primeiro
a levantar e Eduardo o acompanhou em seguida.

Nanda, com um impulso, puxou Dudinha para seu colo e Jorge


juntou as mãos, começando uma prece em pensamento para não ser notado
ali.

— Boa tarde, Maria Fernanda! — Eduardo cumprimentou.

— Anja… — Sergio sorriu atordoado ao olhar Suelen de perto.

— Vamos, gatona, já está tarde. Dudinha precisa dormir cedo hoje.


— Suelen levantou e pegou sua bolsa da cadeira. O olhar de Sergio foi em
direção aos seus pés e, em seguida, lentamente na direção resto do corpo.

— Dudinha? — Eduardo encarou a pequena nos olhos por um tempo


e Nanda sentiu um estremecimento no corpo. — Dudinha? — Eduardo estava
com os olhos confusos. — Qual o nome dessa menina, Maria Fernanda?
A mãe se sentiu encurralada. Suas mãos agarraram a filha pela
cintura e as pernas se recusaram a levantar.

— Maria Eduarda — Dudinha respondeu com a voz infantil.

Nanda lutou com suas pernas e levantou com a menina no colo.

— Depois marcamos outra hora. — Direcionou o olhar para


Antonieta.

— Por que deu meu nome para a filha de outro? — Eduardo já


estava na sua melhor forma: possessivo, arrogante e agressivo. Ele não se
conteve e segurou o braço de Maria Fernanda exigindo uma explicação.

— Me solte agora! — Tendo Dudinha no colo, ela olhou para a mão


dele apertando seu braço. Ele a soltou enfurecido.

— Fez isso para me afrontar, não foi? — O olhar dele emanava puro
ódio, a mandíbula estava contraída e os punhos cerrados. — Fala! — gritou.

— Eu não te devo explicações sobre minha vida!

Ela não se sentiu no direito de explicar que era o nome da mãe dela.
Maria Fernanda até ficou aliviada por ele pensar que Dudinha fosse de outro.

— Não pode gritar com a maman. — Dudinha começou a estapeá-lo

Suelen tomou a menina do colo de Nanda e a levou para onde


Antonieta tinha a direcionado, no intuito de protegê-la do conflito.

Os clientes da confeitaria notaram a voz alterada dos dois e


começaram a bisbilhotar a discussão.

Maria Fernanda saiu do estabelecimento e se encostou a um corolla


branco que estava estacionado em frente à confeitaria. Ela já sabia que não
seria fácil reencontrar Eduardo e estava constatando que tudo nele tinha
ganhado mais intensidade com o passar dos oito anos.

— Você pensou que me atingiria com isso? — Eduardo gritou, já


perto dela, do lado de fora — Deu meu nome a uma bastardinha!

Nanda não imaginava sair de seu controle tão rápido, mas ouvir
aquelas palavras foi o suficiente para ela atingir Eduardo em cheio com uma
bofetada no rosto.

— Não ouse atingir minha filha com sua falta de caráter! Nunca
mais chegue perto dela novamente! Vejo que além de arrogante e
egocêntrico, você se tornou um ser asqueroso. Nem agora com um filho você
mudou. Eu lamento aquela pobre criança viver com um pai como você e uma
mãe como a Viviane!

Eduardo ficou cego pela raiva e não assimilou as palavras de Nanda.


Sua mente só conseguia lembrar de que aquela mulher foi a única a se atrever
a esbofetear seu rosto.

— Quem você pensa que é para ter tanto atrevimento? — Ele


encarou Nanda de perto, tentando conter a própria raiva. Ele estava de
punhos cerrados quando Sergio, que tinha levado um passa fora de Suelen lá
dentro, saiu e segurou em seus braços.

— O que é isso, Edu? Está ficando louco, cara?

— Se você tocar em mim outra vez, eu vou até a delegacia prestar


queixa contra você — Maria Fernanda falou firme olhando para ele.
— Está ficando louco amigo? O que está acontecendo com você? —
Sergio ainda estava o segurando.

— Isso não vai ficar assim, mulher! Você não perde por esperar! —
Enfurecido, ele se soltou de Sergio, caminhou até o carro e saiu cantando
pneu no asfalto. Não tinha largado aquele velho hábito.

— Como vai? — Sergio deu um sorriso sem graça. Maria Fernanda


simplesmente o ignorou e adentrou novamente o estabelecimento.
3

Eduardo entrou no seu apartamento com o semblante triste, diferente


de minutos atrás. Jogou-se no sofá e cobriu o rosto com o braço esquerdo,
parecia querer esconder a sua fraqueza ao chorar. Sentiu o seu coração traidor
vibrar de agonia ao pensar em Maria Fernanda sendo feliz e tendo uma
família com outro homem. Ele sentiu o grunhido perto do seu rosto e
acariciou a cabeça do golden retriever.

— Ei, amigão, encontrei com ela novamente e não foi nada fácil. —
O cachorro latiu, parecendo entender o que Eduardo falava.

Thor, como se chamava o cachorro, estava com Eduardo há quatro


anos. Eles se conheceram numa madrugada fria. Thor tinha sido atropelado
por um inconsequente que dirigia em alta velocidade. A sorte do cachorro —
que na época era apenas um filhote — foi não ter ficado com sequelas. O
inconsequente responsável pelo atropelamento acabou adotando-o.

— Isso não vai ficar assim, Thor. Ela colocou o meu nome naquela
menina para me atingir. Deu meu nome a filha de outro.

O golden retriever latiu outra vez. Era Thor que ouvia Eduardo nos
momentos de bebedeira.

— Ela está tão diferente. A minha ferinha… Ela não é mais a minha
ferinha. — Eduardo colocou o braço novamente nos olhos, escondendo as
lágrimas de raiva.

A campainha tocou, mas ele não precisou abrir a porta, pois Sergio a
destrancou por fora.

— Está melhor, irmão?

— Vá embora daqui. Não quero olhar para a sua cara.

— Agora eu sou o culpado? Você faz a merda toda e eu sou o


culpado? — Sergio alisou a cabeça de Thor e se jogou no outro sofá. — Ela
está linda. Eu nunca teria a deixado ir.

— Cala a porra da sua boca, seu puto desgraçado! A Suelen também


está uma gata e bem o meu tipo.

— Eu te deixaria sem dentes antes disso!

— Preciso fazer alguma coisa, Sergio. — Eduardo levantou, pegou


duas garrafas de vodka e voltou para o sofá.

— O que tem em mente? — Sergio recebeu uma garrafa.

— Por enquanto, vou esfriar a cabeça. — Ele virou a garrafa na


boca.

Em pouco mais de uma hora, depois de tomar todas, Eduardo estava


no chão da sala, encostado ao sofá, e Sergio jogado no sofá à frente.

— Somos dois desgraçados, Edu. Eu tenho vergonha da gente. Elas


estão dançando na nossa cara e nós aqui, idiotas babando por elas. — A voz
de Sergio saiu débil pela quantidade de bebida alcoólica ingerida, mas ele
ainda estava em melhor condição em comparação ao amigo.
— Você é o único idiota que está babando aqui. Eu sou Eduardo
Moedeiros Neto. Tenho a mulher que eu quero, na hora que quero. Nunca
vou me rebaixar para uma mulher. — Eduardo tentou alcançar uma garrafa
no meio do tapete, mas teve preguiça e voltou a encostar-se ao sofá. — Você
viu a menina que ela teve com aquele cara?

— Edu, aquele cara é o dono da Império, certo?

— Aquele imbecil mesmo. Um moleque de vinte e poucos anos


querendo me enfrentar. Vou… vou acabar com ele. Só preciso pegar o carro.

— A Império veio de uma ilha na China, não foi? — Sergio, que


estava deitado, sentou-se no sofá.

— Eu não sou obrigado a saber disso.

— Aquele cara é taiwanês, não é isso?

— Se me fizer outra pergunta, eu acabo com você, seu desgraçado.

— Olha só, Edu. Aquela menina é loirinha. O dono da Império é


chinês de Taiwan. Ele não pode ter uma filha loira dos olhos azuis. A não ser
que, por uma mínima possibilidade genética, a mãe também fosse loira. Eu
não entendo muito dessas coisas, mas acho que deve ser por aí…

— Mas a Maria Fernanda não é loira. — Eduardo ligou as coisas —


Ela pintou o cabelo por isso. Safada, desgraçada, gostosa e linda. —
Embalado pela bebedeira, Eduardo começou a chorar.

— Consegue me entender, Edu? A menina pode ser sua. Se eu fosse


você, corria atrás das possibilidades.
— Eu preciso de uma prova. Aquela menina é muito pequena para
ser minha filha, mas preciso de um teste de DNA. — Eduardo continuou
chorando no meio da embriaguez.

— Sim, mas como vai fazer para tirar a prova? Vai chegar lá e pedir
um pouquinho de sangue dela ou vai colocar a justiça na frente?

— Por que fui conhecer um amigo tão idiota na infância e hoje ele
ainda está na minha frente? — Continuou chorando, muito tonto.

— Então fale sua maneira inteligente!

— Vamos entrar na casa dela à surdina e roubar algum material para


o teste. Você vai me ajudar.
***

Na noite do dia seguinte, Eduardo estava no carro juntamente com


Sergio e Thor. Eles esperavam a hora em que Maria Fernanda e Suelen
saíssem do prédio para subir e entrar na casa as escondidas. Sergio já tinha
subornado o porteiro do luxuoso prédio. O homem se vendeu ao ver algumas
notas de cem reais em mãos.

— Porteiro ladrão, desgraçado. Eu deveria ter quebrado a cara dele e


depois arrombado a porta. Iria conseguir do mesmo jeito — Eduardo
resmungou.

— Quem é aquele cara com a Suelen? — perguntou Sergio,


enciumado.

— Deve ser namorado ou marido…

— Não, a Suelen não está casada, Edu.


— Por que não? Quer dizer que a Maria Fernanda se juntou com um
homem e a Suelen não pode?

— Não, não pode. Ela ainda me ama. Eu vi nos olhos dela.

— Você acredita mesmo que a Suelen ainda está solteira? E que ela
te ama? — Eduardo sorriu irônico, mas assim que viu Maria Fernanda
beijando Thiago e entrando no carro dele com Dudinha, seu sorriso irônico se
transformou em um olhar seco de ódio.

— Não estou vendo ninguém beijando a morena, mas a loira… —


Sergio o provocou.

— Thor, você vai ficar aqui. Qualquer coisa você avisa, garotão. Eu
conto com você. — Eduardo fez um carinho no pelo do cachorro. — Se
algum deles voltar, você dá três latidas. Vou deixar o celular ligado aqui no
banco. — Colocou o celular, que estava com ligação ativa em viva-voz para
Sergio, perto do cachorro, que grunhiu parecendo entender o plano.

— Vamos lá, Edu. Operação DNA a caminho. — Sergio pegou uma


caixa de ferramentas no banco traseiro do carro e os dois caminharam para
dentro do prédio.

Foram exatos quinze minutos até os homens conseguirem passar


pela porta sem nenhum vestígio de arrombamento. Eduardo pegou uma foto
de Nanda sobre um dos móveis e analisou com o olhar seco.

— Eu gostei do cabelo dela assim! — Sergio o provocou. — Está


moderno.

— Cale a boca!
— Nada mal aqui, hein, Edu?

— Procure o quarto. Não está aqui para olhar a decoração. —


Eduardo seguiu na direção do corredor.

Eduardo abriu a porta de um quarto totalmente rosa e repleto de


ursos, mas ali não tinha escova alguma, então continuou à procura. Logo
depois, encontrou o quarto que julgou ser de Maria Fernanda, por achar
algumas roupas de criança espalhada sobre a cama e fotos das duas por toda a
parte. O que mais chamou sua atenção foi encontrar sobre uma poltrona um
velho conhecido seu, o ursinho que tinha dado a mulher anos atrás.

— Ela guardou isso? — falou sozinho, sorrindo e cheirando o urso.

— Encontrou alguma coisa, cara? — Sergio entrou no quarto


comendo uma maçã.

— Você… você está louco? Está comendo! Quando eu te falei que


podia comer aqui?

— Encontrou ou não? — Sergio mordeu a maçã, despreocupado.

— Sabe esse urso? Eu dei para a Maria Fernanda uns nove anos
atrás.

— Olha que fofo! Uma prova de amor que resistiu ao tempo —


Sergio desdenhou e deu mais uma mordida na maçã.

— Da próxima vez, eu deixo você no carro e trago o Thor. — Entrou


no banheiro do quarto e saiu antes de Sergio terminar de devorar a maçã. —
Encontrei. Vamos! — Estava com a pequena escova rosa nas mãos.
Os dois chegaram ao carro e encontraram Thor olhando fixamente
pela janela.

— Bom garoto! — Sergio alisou a cabeça do cachorro.


***

Dezoito dias foi o tempo para o resultado ficar pronto. Eduardo


estava encerrando uma reunião quando Irene, sua secretária de confiança,
chegou com o envelope.

— Aqui, senhor.

— Eu posso saber do que se trata? — Viviane, que era diretora


administrativa da empresa, puxou o envelope das mãos de Irene antes que
Eduardo o alcançasse.

— Assunto particular. — Eduardo puxou o envelope de volta.

— Desde quando tem assuntos particulares que eu não sei?

— Vivi, minha linda, vai para sua casa, coloque o melhor vestido
que tiver no seu armário, pois eu vou te levar para jantar hoje. — Eduardo
sabia como dobrar Viviane.

— Tem alguma relação com esse negócio particular aí? — A loira


apontou para o envelope.

— Vou te fazer uma surpresa.

— Você sabe que eu amo surpresas, meu gato. — A mulher grudou


no colarinho da camisa de Eduardo e o agarrou. Logo em seguida saiu
serpenteando os quadris.
— Irene, vá até uma joalheria e compre um colar e brincos.

— Vou sair de novo? Tenho muito trabalho a fazer, senhor. Por que
não manda o Jorge?

— O Jorge não é mais de confiança, querida Irene. Você deveria se


sentir orgulhosa de ter a minha confiança.

— Eu sei, doutor, já vou indo.

Eduardo esperou Irene entrar no elevador, então correu para a sala


de Sergio.

— O exame, Sergio. — Jogou o envelope sobre a mesa do amigo. —


Abra. — Afrouxou o nó da gravata e sentou na poltrona.

Sergio rasgou o envelope, analisou os papéis e então começou a


gargalhar.

— E aí? Sou o pai ou não?

— Parabéns, Eduardo Moedeiros, você acaba de se tornar o papai de


uma garotinha. Olha que lindo! — Sergio debochou

— É o quê? — Eduardo puxou o exame das mãos do amigo e correu


os olhos até comprovar que Sergio estava certo. — Ela já saiu daqui grávida e
mentiu naquele hospital. — Eduardo ficou atônito, andando de um lado para
outro na sala.

— Se entrar na justiça sairá perdendo. Um pai dificilmente ganha a


guarda de uma filha. — Sergio pegou o exame de volta e deu outra olhada.

— Maria Fernanda não deveria ter mentido para mim! Vou fazê-la
se arrepender amargamente disso! Vou dar um jeito de tirar a menina dela.
Isso não vai ficar assim.
***

Naquela mesma noite, Maria Fernanda estava jantando com Thiago


em um restaurante italiano muito conhecido na cidade. Estavam felizes.
Suelen tinha ficado com a pequena para assim dar mais privacidade ao casal.

Thiago já tinha avistado Eduardo em uma das mesas distantes.


Eduardo e Viviane tinham escolhido justamente aquele restaurante.
Realmente parecia que por algum propósito eles sempre acabavam se
esbarrando pela cidade.

— O que foi, Thiago? Algum problema? — Maria Fernanda


percebeu a contrariedade no rosto do namorado.

— Aquele cara está ali à frente com a mulher. Estão olhando para cá.
Eu não estou gostando nada disso! Não suporto ter ele te olhando com essa
possessividade.

Maria Fernanda olhou por cima de seu ombro e se arrependeu em


seguida. Seu olhar se encontrou com o de Eduardo e foi estranho. Ele estava
seco e vazio, não estava emanando ódio.

— Vou ao toilette, depois vamos a outro restaurante, Thiago.

— Eu vou retirando o carro.

Nanda entrou no banheiro e, em cinco segundos, Eduardo entrou


atrás.

— Meninas, vocês podem nos dar licença por alguns minutos? —


Eduardo deu o seu melhor sorriso para as duas senhoras que aparentavam ser
da alta sociedade.

— Sim, meu jovem. — Uma das senhoras lançou um olhar


insinuante.

— Ele está no toilette errado, portanto ele sai. Saia daqui! — Maria
Fernanda ordenou.

— Não, bobinha! Eu já fui jovem e cometi muitas loucuras naquela


época, inclusive nos banheiros de restaurantes. É tudo muito excitante. — A
velhinha simulou garras de tigresa com as unhas. — Entendo perfeitamente
vocês dois. Podem brincar à vontade. — Deu um tapa na bunda de Eduardo e
as duas saíram com risinhos abafados com as mãos.

Eduardo aproveitou para trancar a porta, certificando-se de que


ninguém entraria.

— Agora somos você e eu, querida esposa.

— Abra essa porta! — Maria Fernanda usou um tom de voz calmo e


frio. Ela realmente pretendia usar o banheiro.

— Eu não vou abrir até você ouvir tudo que estou guardando desde
que descobri que aquela menina é minha filha — falou sem rodeios.

Maria Fernanda sentiu o chão sumir debaixo de seus pés. Ela


encostou as costas na larga pia e assimilou o peso das palavras de Eduardo.

— Você não vai se aproximar da minha filha. — A voz dela saiu


arrastada.
— Você pensou que esconderia isso de mim até quando? A menina
não tem nada de você. É uma cópia perfeita minha! — gritou, sentindo-se
com a razão.

Nanda temia a possibilidade de Eduardo querer usar Dudinha para


atingi-la, mas quando ouviu as palavras dele, sua raiva formou um sorriso
irônico.

— Então minha filha é uma cópia perfeita sua e por isso acredita ser
o pai? Desde quando começou a confiar tão fácil em mim? — Ela tentou
confundi-lo, não sabendo ela que as certezas da paternidade estavam sendo
baseadas em um exame e não na aparência de Dudinha.

— Não tente me confundir, porque eu sinto que ela é minha. —


Eduardo camuflou a verdade sobre o exame e percebeu Nanda ficar furiosa.

— Fique longe dela! — Ela percebeu não ter mais jeito — Você
nunca foi pai. Nunca quis ser pai! Você lembra o que me falou naquele dia no
hospital? Eu lembro perfeitamente da frase “não querer ter responsabilidade
de pai e que a escolha seria apenas minha.” Então eu escolhi. Ela é apenas
minha filha!

Eduardo lembrava perfeitamente de suas palavras e, mesmo tendo


consciência, jamais daria razão para a mulher à sua frente.

— Eu me lembro muito bem de você dizendo que eu não seria pai,


que não tinha do que me preocupar. Você mentiu para mim! Mentiu e
permitiu que uma filha minha fosse criada por outro homem. — Ele estava
transtornado. — Me acusa das piores coisas, mas você é ainda pior. Você
negou a um pai o direito de cuidar de sua filha!

— Isso já é demais. — Ela sorriu, tomada pela raiva. — Você se


acha no direito de jogar isso na minha cara? Queria saber que era pai? — O
grito dela o fez dar um passo atrás. — E isso seria o suficiente? Acha mesmo
que deixaria minha filha saber que tem um pai que a despreza, que acha a
condição social e os negócios superiores a ela?

Maria Fernanda sentiu que sua voz demonstraria fraqueza quando se


lembrou do episódio do hospital. Ela se virou na pia e respirou fundo.
Eduardo não falou nada. Afinal o que ele poderia falar naquele momento?

— Só eu e a Suelen sabemos tudo o que passamos durante o período


da gravidez. A Dudinha nasceu prematura, os médicos falaram que ela não
sobreviveria. Eu acordava todos os dias durante aquele primeiro ano
acreditando no milagre, que ela conseguiria sair daquele hospital. Eu só tive a
ajuda dos meus amigos. Eles foram os únicos que estavam comigo no pior
momento. O pai estava construindo um império e não queria responsabilidade
com uma filha.

Eduardo empurrou o nó que se formou em sua garganta e enxugou


rápido uma lágrima que desceu, pois seu coração insistiu em chamá-lo de
egoísta e inconsequente.

— Eu não poderia imaginar que tudo isso aconteceria, Maria


Fernanda.

— Eu também não poderia imaginar que com seis meses ela fosse
diagnosticada com osteomielite e tivesse o osso de sua perninha infeccionado,
eu não poderia imaginar que ela sofreria várias paradas cardíacas. — A voz
de Maria Fernanda estava embargada e algumas lágrimas escorreram de seus
olhos ao lembrar de todo sofrimento que sua filha tinha passado antes de
completar um ano de vida. — Eu também não poderia imaginar nada disso,
mas escolhi pela vida dela.

— Isso não te dava o direito de dar minha filha pra outro homem ser
o pai! — Eduardo estava derrotado ante as armas que a mulher possuía.

— Você assumiria? — Ela virou para encará-lo e ele recuou outro


passo com o grito. — A escolha foi dela. Isso aconteceu porque sentia falta
da figura do pai. Eu agradeço muito aos céus por ter colocado o Thiago e o
Giovane na vida dela. O pai a rejeitou, mas ela ganhou dois pais
maravilhosos que a amam como verdadeira filha.

Eduardo virou para a porta. Seu intuito era não encará-la. Ele fechou
os olhos e esperou outra lágrima cair. Negou-se a fazer aquilo na frente dela.

— Eu quero minha filha de volta — falou firme.

— Você quer o quê?

— Eu quero me apresentar como pai e ter contato com ela. —


Voltou a olhá-la e Maria Fernanda viu os olhos molhados.

— Quero seu ego nocivo bem longe da minha cria. Não vou permitir
você iludindo minha menina…

— Ela é minha e tenho direitos. — Ele a interrompeu.

— Eu conheço perfeitamente o sujeito vazio que você é. Você só


iludiria a Dudinha com promessas e depois a largaria, abandonada com o
coração destruído.

— Nunca te prometi nada. Você se iludiu. Eu sempre deixei as


coisas bem claras para você. Não queria compromisso com ninguém. Você
que morria de amores pelo sujeito vazio e tentava colocar essa porra na
minha cabeça.

— Abre essa porta! — Nanda teve um lapso de constrangimento. —


Rejeitou minha filha, mas teve um filho com a Viviane. Deve ter planejado
essa criança para abocanhar a parte da herança daquela mulher! Você usa as
pessoas para benefício próprio e não pensa nas consequências que causa.

— De que filho está falando? Eu não tenho filho nenhum com a


Viviane.

— Com quem quer que seja. Você deve ter usado muitas mulheres
depois de mim.

Ele lembrou o dia do reencontro, também recordou de estar com


Viviane e o sobrinho. Sorriu nervoso ao entender o pensamento de Nanda.

— Você está falando do Lipe? O Luiz Felipe é filho da Luíza. Eu


nunca teria um filho com a Viviane. Se eu não quero ter um filho, ela jamais
agiria pelas minhas costas. Estou com ela até hoje justamente por isso. —
Eduardo nem sabia o que estava falando.

— Então sejam felizes juntos com os propósitos vazios de vocês.


Abra essa porta agora, porque eu tenho um noivo me esperando lá fora.

— Noivo?

— Abra a porta.
— Maria Fernanda, você não pode ter um noivo sendo casada. —
Ele passou as mãos nos cabelos, nervoso.

— Me dê à chave agora!

Eduardo se contraiu com a firmeza da mulher e pegou de volta a


chave do bolso, colocando-a na fechadura.

Três moças curiosas, que estavam com o ouvido na porta, quase


caíram para dentro do banheiro.

— Me desculpem. Estava trancada contra minha vontade — Maria


Fernanda se explicou.

— Seu nome é Maria Fernanda, não é? — Uma das moças


perguntou, pois tinha ouvido durante todo o tempo em que esteve com o
ouvido na porta.

— Só Nanda.

— Então, Nanda. Ouvimos tudo atrás da porta! Estamos indignadas.

— Era só o que me faltava! Um bando de enxeridas cuidando da


vida dos outros! — Eduardo confrontou as meninas afoitas a sua frente.

Elas, com posse de suas bolsas, começaram a atacar o homem, que


tentou se esquivar de todas as formas.

— Com licença, meninas, fiquem à vontade. — Maria Fernanda se


retirou.

Ainda no final do corredor, ela ouviu os gritos de Eduardo, que


levava bolsadas das moças enfurecidas. Maria Fernanda encontrou com
Thiago no meio do restaurante. Depois de retirar o carro, ele estranhou a
demora e cogitou a possibilidade de Eduardo estar envolvido.

— O que aconteceu, Fernanda?

— Ele descobriu da Dudinha e agora quer minha filha. — A


namorada não conseguiu controlar o choro quando estava nos braços de quem
a acolhia. Thiago a abraçou e encaminhou para fora do restaurante.

Viviane estava por perto e acabou ouvindo tudo. Aquilo a deixou


indignada.

Thiago encostou a namorada na porta de seu carro e enxugou as


lágrimas dos olhos dela. Ele estava beijando Nanda quando Eduardo,
indignado, puxou-o pelo ombro. O homem estava todo desalinhado por
consequência da surra que tinha tomado minutos antes.

— Se você pensa que vai ficar com minha filha está muito
enganado! Eu sou o pai e tenho meus direitos. — Não esperou terminar sua
fala e deflagrou um soco em cheio no rosto de Thiago, que se bateu em Maria
Fernanda.

— Você está bem? — Embora Thiago estivesse com o nariz


sangrando preocupou-se com a namorada.

— Você está sangrando, Thiago.

O taiwanês conferiu o sangue, sorriu, beijou a testa de Nanda, olhou


para trás e devolveu o soco em Eduardo, que estava distraído vendo o
cuidado dele com Maria Fernanda.

— Chega, Thiago. Vamos. — Ela entrou no carro puxando Thiago.


Saíram dali antes que fossem expulsos pelos seguranças do restaurante que já
vinham se aproximando.

Eduardo limpou o sangue da boca e olhou para uma gritaria que


vinha se aproximando.

— Isso só pode ser brincadeira — murmurou.

As três moças que tinham o atacado estavam correndo em sua


direção com as bolsas nas mãos. Encurralado, ele correu pelo
estacionamento, sendo seguido por elas até encontrar seu carro e sair dali o
mais rápido possível.
4

— Nossa... foi assaltado, Edu? — Sergio, que estava jogado no sofá


do apartamento de Eduardo, desdenhou ao ver o amigo entrando, todo
desalinhado e com um forte cheiro de álcool.

— Você não tem mais casa, Sergio? — Eduardo jogou as chaves


sobre o móvel da sala e despencou na poltrona.

— Estava fazendo companhia para o Thor, não é amigão? — Sergio


alisou a cabeça do cachorro, que passou direto e foi cheirar Eduardo. — Foi a
Vivi que te deixou nesse estado?

— Que Viviane? Eu nem me lembro de ter visto ela quando saí do


restaurante.

— Mas e o jantar?

— A filha da mãe é perfeita. — Eduardo estava pensando nas


feições de Maria Fernanda discutindo com ele no banheiro do restaurante. Era
como se ele estivesse vendo toda a cena novamente, cada jogada de cabelo,
cada gesto com as mãos, o olhar decidido, a postura confiante e a beleza
inconfundível. — Está tão mudada.

— Edu?

Eduardo ouviu o som dos dedos estalar na sua frente e despertou dos
pensamentos.

— Eu me tranquei com a Maria Fernanda no banheiro de um


restaurante.

— E aí, ela está mais experiente? Esse tempo todo com aquele cara,
algum benefício isso tem que te trazer. — Sergio tirou suas conclusões.

Eduardo levantou do sofá, foi até a varanda do apartamento e


respirou fundo. Sergio se encostou em seguida.

— Vá embora! — Eduardo estava com o olhar confuso e


transtornado ao mesmo tempo.

— Foi porque eu perguntei da experiência?

— Sergio, eu estou me controlando aqui para não quebrar sua cara


dentro do meu apartamento e ver seu sangue no meu porcelanato.

Eduardo saiu da varanda, foi até o bar, encheu o copo de uísque,


bebeu tudo em uma só golada, depois pegou o copo já vazio e atirou na
direção de Sergio, que por sorte se esquivou. O copo se chocou em um
abajur, por pouco não quebrou a parede de vidro que compunha a arquitetura
luxuosa e vazia do apartamento.

— Você está louco? — Sergio não conseguiu entender a fúria de


Eduardo. — Eu só queria saber... tudo bem, se não quiser contar, não conta.

— Eu sei que aquele verme está com ela, não preciso de você me
lembrando disso!

— Então, não rolou nada? — Sergio se aproximou mais uma vez.


— Eu joguei na cara dela que já sabia da menina. — Eduardo sentou
no sofá.

— E ela? — Sergio sentou ao lado e Thor sentou-se no chão para


observar os dois.

— Ela me acusou de não querer a menina, quando eu estava todo


armado para acusá-la pela mentira... porque isso não se faz com um pai.

— Não mesmo! Esconder uma filha de um pai é um erro muito


grave. Ainda mais quando esse pai deixa claro que não quer essa filha.

— Vá embora que eu converso com o Thor! — Eduardo levantou,


encheu outro copo e bebeu de uma vez. — Eu vou dar um jeito de tirar minha
filha dela. — Virou outro copo.

— Você sabe que a justiça não te daria a guarda, Edu. Não adianta
nem insistir.

— Pensei na loucura de sequestrá-la e levar para um colégio interno.


Assim eu vou poder visitá-la e recuperar o tempo perdido. — Bebeu outro
copo.

— Eu quase acreditei no “recuperar o tempo perdido”. — Sergio


deu ênfase à frase.

— Maria Fernanda falou que a menina nasceu prematura e


doentinha. Quase não sobreviveu, depois teve outras complicações. Eu fiquei
com o coração partido, Sergio.

— O Thor é minha testemunha que você falou isso — Sergio


debochou, mas logo caiu na real. Eduardo estava sendo sincero. — É sério
isso, Edu?

— Por isso ela é miúda daquele jeito. Eu descobri o motivo dela


manquejar de uma perninha. A mãe disse que foi uma infecção, quando ela
tinha poucos meses de vida.

— Se a Suelen tivesse o bebê, ele teria uns nove anos agora. Se ela
chegasse com ele e me desse à notícia que não o perdeu com aqueles
remédios, cara, eu ia fazer de tudo para ter o amor do filho dela, mesmo não
sendo meu.

— É o quê?! — Eduardo olhou diretamente para o amigo, estava


incrédulo. — Você é um desgraçado! Acusou a bocuda da Suelen e agora
vem com essa conversinha de bom moço!

— Estamos apenas nós dois aqui, Edu. Se você pode falar de sua
menina, eu também posso me abrir e falar do bebê da Suelen. Eu ia criar o
moleque, você viu o quanto que eu corri naquele dia para chegar a tempo.

— Não venha pagar de bonzinho e me deixar sozinho na fila de pai


filho da puta. — Eduardo já estava sentindo o efeito álcool. — Você acha que
eu conseguiria ser um bom pai, Sergio?

— Acho difícil. Mas se eu fosse você, tentaria e ainda pegava minha


mulher de volta.

— Eu vi o jeito que a Maria Fernanda olha para aquele verme. Ele


tem cuidado com ela, até da menina ele cuida. Ela o chama de pai.

— Só um idiota deixaria passar uma mulher daquelas — Sergio


completou o raciocínio de Eduardo, mas ele estava pensando em Suelen
naquele momento.

— Você acha que eu tenho chances com minha ex-ferinha?

— Não! Esqueça isso. Você não tem chance nenhuma com ela. —
Sergio abraçou o amigo em conforto.

— Eu só quero conhecer a pequena de perto, ela nem precisa saber


que eu sou o pai. — Eduardo já estava zonzo e iniciou seu choro de bêbado.
— Ou... pegá-la e levar para longe da Maria Fernanda. — Estancou o choro e
cochilou.

— Você está confuso irmão. Está falando besteira. — Sergio deu um


tapa de leve no rosto do amigo para despertá-lo.

— Não me bata. — Eduardo levantou o indicador. — Seu... seu


desgraçado...

— Somos dois idiotas, Edu.

— Você é o único idiota aqui, Sergio. Nunca se esqueça disso. —


Eduardo abraçou o pescoço do amigo.

— Você tem razão, parceiro. Pelo menos você tem uma filha. E eu?

— Você é um homem muito ruim, Sergio — Eduardo falou depois


de outro cochilo, sob o efeito do álcool. — Você vai me ajudar a pegar minha
filha de volta? — Despertou — Você... Você é meu melhor amigo, precisa
me ajudar. Eu te amo, cara. — Começou a chorar outra vez.

— Vou sim, Edu! Também vou pegar a minha Suelen de volta. —


Sergio ajeitou o amigo no sofá e Thor lambeu a mão do dono.
***

No final da tarde do dia seguinte, Eduardo, Sergio e Thor foram até a


rua do condomínio onde ficava a cobertura de Maria Fernanda. Eles ficaram à
espreita e, como não viram sinal de nenhuma das mulheres, subornou outra
vez o porteiro e entraram. Descobriram que Dudinha estava no parquinho do
condomínio e seguiram naquela direção.

— São elas? — Sergio sorriu ao ver Suelen deitada em uma das


espreguiçadeiras frente à piscina. — Maria Fernanda está do lado. Que
corpão, hein? — Sergio provocou Eduardo.

Maria Fernanda e Suelen estavam de saída de banho. Apenas


estavam ali para vigiar Dudinha, que brincava no parquinho ao lado com
algumas crianças da vizinhança.

— Eu vou ver a menina. Fica com o Thor e de olho nelas. Se você


olhar o corpo da minha mulher, eu te mato. — Eduardo entregou a coleira do
cachorro e seguiu sorrateiramente pela lateral das redes de proteção do
parquinho.

Entrou com o corpo um pouco encolhido e levou uma bolada no


rosto.

— Salut![11] — Dudinha se abaixou no momento exato que Eduardo


fez o mesmo para pegar a bola. — Você é o homem ranzinza e bondoso do
shopping? — Ela perguntou com sua vozinha infantil. Ainda estava de
cócoras na frente do pai.

— Bondoso? — Eduardo sentiu uma leve emoção. — Bondoso, eu?


— Você fica bonito com esses ternos, senhor ranzinza. Poderia me
entregar à bola? Nossa, sua mão é grande. — A menina demonstrou um
pequeno espanto. — Você deve trabalhar muito nas construções e lavouras...
olha minha mão como é pequenina. — Dudinha estendeu a mãozinha e
Eduardo admirou os dedinhos gordinhos. Ele estendeu a mão, ainda receoso e
viu a filha deitar a palma na sua.

Enquanto sentia a textura da pele lisinha, ele analisou o rostinho de


Dudinha. Ela tinha os olhos graúdos de Maria Fernanda, mas as feições do
rosto eram suas e os cabelos, de sua mãe. Ele sentiu uma vontade enorme de
abraçá-la e acariciar os cabelinhos feitos fios de ouro. Sentiu o coração bater
forte no peito, estava rendido pela emoção. Ele tinha uma filha, uma menina
linda e esperta. Tinha feito algo de bom na vida. Sentiu desejo de lutar por
sua família. Ali, na sua frente, estava seu melhor projeto, um projeto lindo,
uma luz para iluminar o final do maldito túnel que ele construiu.

— Você está bem? — Dudinha perguntou já de pé, apertando o


indicador na testa dele.

— Estou, estou bem pequena.

— Meu nome não é pequena. Meu nome é Maria Eduarda e


Dudinha.

— Dudinha, claro, claro Dudinha. Meu nome é Eduardo. É um


prazer revê-la — Eduardo apertou levemente a mão sobre a sua ainda de
joelhos.

— Eu sou Maria Eduarda e Dudinha, você é Eduardo e... — A


menina batucou o dedo no queixo. — É estranho um homem ser chamado de
Dudinho. Então vou te chamar de... Dudu.

— Dudu? Olha só, já é um belo começo. — Eduardo sorriu. — Seus


olhos são lindos, pequena... Dudinha — Eduardo corrigiu.

— Eu busco entender algumas coisas da vida, mas permaneço sem


compreensão. — Dudinha enrolou uma mecha dos cabelos. — Por que as
pessoas têm olhos coloridos? Minha maman disse que os meus saíram aos
dela. Eu queria encontrar meu papa de sangue. Talvez os olhos dele sejam
rosa. Quero ter olhos rosinhas, Dudu.

Eduardo sentiu a lágrima descer dos olhos e levantou. Virou as


costas para Dudinha para empurrar o choro, mas não conseguiu, precisava
fugir, não estava sabendo lidar.

— Com licença, pequena... Dudinha. Eu... eu vou ali. — Ele saiu


apressado, abaixou na portinha de saída do parquinho, cercado de redes de
proteção e caminhou até onde Sergio estava com Thor.

— E aí? Como foi Edu? — Sergio segurou firme a cólera do


cachorro, pois ele estava agitado.

— Quero convidá-la para um jantar.

— Jantar? Convidar a criança para um jantar?

— Sim, é minha filha e eu quero jantar com ela, mulher gosta dessas
coisas.

— Sim, e então, a chamou para seu jantar?


— Eu me perdi nas palavras. Ela... ela é tão fofa e bonitinha.

— Fofa? Você está chorando, parceiro?

— Quando você me viu chorar? Isso... Foi uma corrente de ar que


passou e me pegou desprevenido, foi isso. Vai lá você. Leve o Thor. O Thor
sempre impressiona as mulheres.

— Mas você é pai, Edu. Precisa se aproximar primeiro.

— Não seja covarde, Sergio. Olha seu tamanho. A menina tem meio
metro de altura. Vá lá e faça o convite. Precisamos aproveitar que a Maria
Fernanda não está por perto. Do jeito que a minha ex-ferinha é rancorosa, é
bem capaz de chamar os seguranças e piorar tudo. Vá logo e se apresse.

Sergio puxou a coleira de Thor que, por alguma razão, grudou os


dentes na barra da calça de Eduardo e o puxou junto.

— Calma, amigão. — Sergio puxou o Golden retriever outra vez. —


Vamos lá fazer o convite para o jantar do Edu.

Sergio seguiu pelo mesmo caminho que o amigo tinha feito antes. Já
dentro do cercado do parquinho, ele procurou Dudinha.

— Aquela é a anjinha, filha do Edu, Thor. Vamos lá, ajudar nosso


parceiro.

— Un chien![12] — Dudinha colocou as duas mãozinhas sobre as


bochechas e abriu a boca em um fofo "O" de admiração.

— Já falei que você arrasa corações, garotão? — Sergio acariciou a


cabeça do cachorro, enquanto chegava mais próximo da menina.
— É seu esse cachorro, Mon seigneur[13]? — Dudinha acariciou os
pelos de Thor sem medo.

Thor se assanhou.

— O Thor é um parceiro geral, bicho solto. Parece que ele gostou de


você.

Thor estava com a cabeça no ombro de Dudinha, enquanto ela o


abraçava.

— Ele é cheiroso e grande. É um Golden retriever. Il est beau[14]!

— Meu Deus, que menina esperta. — Sergio olhou para onde o


amigo estava. — Você gosta de jantar, anjinha?

— Jantar não é questão de gosto, é necessidade humana. Doces não


podem faltar em jantares. Eles ajudam na reprodução de serotonina, que
regula o humor das pessoas. Por isso os adultos são tão ranzinzas, eles têm o
costume de evitar doces. Por isso, vivem fraquinhos, sem energia para fazer
uma simples caminhada.

Sergio olhou o pingo de gente na altura de suas coxas e se deu conta


que sua própria boca estava aberta, sem reação.

— Hã... É uma ótima razão para comer doces. Doce faz bem para
saúde, não é? — Sergio levantou os ombros e mostrou os dentes em um
sorriso pouco assustado.

— Seria bom eu encontrar um adulto masculino de terno cinza,


camisa com minúsculas florzinhas e sapato gigantesco e ele fosse capaz de
falar isso para a minha maman. — Sergio se olhou e ele estava com aquelas
características. — Venho tentando convencê-la sobre os benefícios do açúcar
há um bom tempo, mas ela está irredutível. Pessoas adultas são teimosas. —
Dudinha esclareceu.

— Então... você aceitaria um convite para um jantar repleto de


doces? — Sergio olhou para Thor ainda com os dentes amostra, Thor também
mostrou os dentes, depois os dois olharam para Dudinha.

— Se a minha maman me levar, eu aceito. Doces não podem ser


rejeitados. Qual o seu nome, homem elegante?

— Sergio. Tio Sergio.

— Vou avisar a minha maman do seu convite, tio Sergio. Espere-me


aqui, volto com a resposta. — Dudinha deu um abraço em Thor e beijou os
dois lados do rosto do cachorro, como se ele fosse um humano.

Sergio ainda ficou parado alguns segundos absorvendo a


desenvoltura da filha do amigo, mas em seguida saiu disparado do parquinho.
De longe ele viu Maria Fernanda e Suelen de pé, olhando para Eduardo. Os
homens correram até o carro.

— Sem dúvida nenhuma, aquela menina é sua filha, cara. — Sergio


ainda estava meio assustado.

— Claro que é, a Dudinha é minha cara e tem meu nome. Maria


Fernanda se lembrou de mim e fez essa homenagem. Você acha que eu tenho
chances?

— Não. Já falei isso — Sergio respondeu de imediato e Eduardo


perdeu o riso nos lábios.
***

No dia seguinte era domingo, Maria Fernanda tinha aprontado


Dudinha desde cedo para ir pela primeira vez a uma reunião na igreja que
Antonieta e Jorge frequentavam. A igreja era ligada a um projeto que
abraçava uma comunidade carente da cidade. Ela queria continuar suas obras
de ajuda ao próximo no Brasil.

Dudinha estava linda sentada no sofá da sala, a mãe ainda se


arrumava no quarto. Suelen tinha passado aquele dia com sua família.

A campainha da cobertura tocou e Dudinha se levantou do sofá com


cuidado para não amassar o vestido. Esperta, rodou a chave e abriu a porta. A
primeira coisa que viu foi um ursinho branco com um enorme laço no
pescoço.

— Oi... Lembra-se de mim? Ontem, lá embaixo... — Eduardo sorriu


ainda receoso.

— Ma mère était inquiète pour une raison quelconque[15]. —


Dudinha apontou o dedo para Eduardo, demonstrando uma fúria infantil.

— Droga! Por que eu não aprendi francês!? — Eduardo reclamou


baixo, mas isso não passou despercebido aos ouvidos de Dudinha.

— Falou nome feio na minha frente. A maman vai saber disso! —


Dudinha estava brava, pois a mãe tinha ficado assim quando soube de
Eduardo e Sergio no parquinho.

— Droga não é nome feio. É apenas uma expressão quando algo dá


errado.

— É uma expressão feia. — Eduardo sorriu com a firmeza da


menina.

— Eu posso entrar? — Eduardo tentou soar tranquilo.

— Só quando a maman autorizar. — A menina cruzou os braços, em


frente à porta aberta.

— E onde ela está?

— Ficando bonita para meu papa.

— Jura? — Eduardo arqueou uma das sobrancelhas se divertindo


com a ideia.

Dudinha mudou as vistas para o urso de pelúcia, Eduardo aproveitou


e entrou na sala.

— Olha o que eu trouxe para você. — A menina abriu um sorriso de


canto a canto e Eduardo se deu conta de que ela não tinha puxado apenas os
olhos da mãe.

— Il est beau[16].

— Dudinha, vamos combinar só uma coisa. — Ele se abaixou na


altura da filha. — Eu não sei seu idioma muito bem, então, você pode falar
em português comigo?

— Sua maman não te ensinou francês?

— Ela acabou esquecendo. — Eduardo coçou a cabeça,


envergonhado por estar na frente de uma criança esperta, que sabia algo a
mais que ele. — Seu nome é lindo Dudinha, você sabe por que sua mãe o
colocou? — Ele estava tentando entrar no assunto da paternidade com a
menina, aproveitando que estavam a sós. — O meu é Eduardo, isso tem um
significado especial para nós.

— Maria Eduarda era o nome da minha vovó camponesa, que foi


para o céu e deixou minha maman com minha vovó fazendeira. — A pequena
falou.

— Que safada! — Eduardo pensou alto. — Sua mãe te falou isso?

— Se falar isso na frente da maman ela te coloca no banquinho da


desobediência, Dudu. Eu vou deixar.

— Melhor eu ter cuidado então. — Eduardo brincou. Ele estava


caindo de amores pela pequena ousadia e segurança da menina que parecia
ter puxado a ele nesse aspecto.

— Pode ser nosso segredo. — Dudinha olhou diretamente para o


urso e se a mãe estivesse na sala, teria deduzido que ela estava propondo uma
troca de favores.

— Claro! Toma, é seu. — A menina pegou o urso e alisou o felpudo.

Eduardo se lembrou de quando, anos atrás, presenteou Nanda com o


urso marrom.

— Dudinha! — Maria Fernanda gritou perto do sofá — O que está


fazendo aqui?! — Olhou seriamente para Eduardo, mas internamente
assustou-se. Ela conheceu aquele homem o suficiente para saber que a
racionalidade dele era suficiente para tramar algum sequestro.
Eduardo perdeu um pouco o ar quando viu a mulher toda produzida
e mais elegante ainda que os outros dias. Sua vontade era ir até ela e abraçá-la
fortemente para acabar com toda a saudade que ele sentia.

— Eu ganhei um presente maman — mostrou o urso para a mãe.

— Devolve Dudinha! — ela falou fria e tentou entender a


desaprovação na feição de Eduardo. Achou um desaforo.

— Mas eu quero maman. — Dudinha, mimada, choramingou.

— Amanhã compramos outro igual, agora devolve.

— Maman!

— Dudinha!

— Não precisa devolver, Dudinha, eu te dei, é seu. — Eduardo se


abaixou perto da menina, que já estava com os olhos cheios de lágrimas. —
Não chora.

— Não queira comprar minha filha! — Nanda sussurrou firme, pois


não queria discussões na frente da filha. — Ela não precisa de nada que
venha de você!

— Ele é bonito, mas eu não posso ficar com ele, Dudu. — Ela
estendeu o urso.

— Dudu? — Nanda questionou, vendo Eduardo enxugando com os


dedos as lágrimas da filha.

— Não chora, princesinha, o urso é seu. — Eduardo terminou de


enxugar os olhos de Dudinha, depois voltou a olhar para Maria Fernanda. —
Precisamos conversar e rever esse assunto.

— Vou inspecionar seus interesses com essa aproximação, mas


agora, saia da minha casa.

— Eu vim ver como a menina está e... — Eduardo perdeu a fala,


pois perdeu o rumo dentro da beleza de Maria Fernanda. — Quando ficou tão
bonita, mulher? — Eduardo olhou diretamente para os seios de Nanda. Ela
colocou a bolsa frente ao busto.

— Eu vou fazer uma ligação para a polícia se não sair em cinco


segundos.

— Ela já te mandou sair duas vezes, Dudu, não seja teimoso com
minha maman. — Dudinha mostrou a quantidade com os dedos e correu para
o lado da mãe.

— Onde está indo, assim? — Ele perguntou ainda a observando sem


nenhum pudor.

— Se não sair eu vou chamar algum segurança do prédio. Como


entrou aqui?

— Eu sou um homem influente, entro em qualquer lugar. — Ele


negou a parte do suborno que vinha fazendo ao porteiro do prédio.

— Ele te chamou de safada, maman. — Dudinha revelou,


desaforada.

— Isso pode não ser verdade. — Eduardo sorriu sem graça,


passando as mãos no cabelo.
— Minha filha não mente.

— Acabei de descobrir isso. Vai me colocar no banquinho da


desobediência? — Eduardo tentou quebrar o gelo.

— Coloca sim, maman! Ele merece mais que eu.

— Saia agora! — Maria Fernanda foi até a porta e segurou


intencionalmente.

— Você sempre tem a pior escolha, Maria Fernanda. — Ele a fitou


diretamente nos olhos, depois saiu em sua melhor forma.

— Ele não é legal, maman? — A pequena curiosa perguntou,


formulando suas teorias.

— Esquece isso filha, vamos, o táxi já está nos esperando. Preciso


escolher logo nosso carro.

Quando chegou à frente do condomínio, Maria Fernanda viu de


longe o táxi se distanciando e estranhou ele não ter esperado, já que ela tinha
descido na hora marcada.

Ela não sabia, mas Eduardo dispensou o táxi quando deduziu que
seria para ela.

— E agora filha? Seu pai não atende. — Ela estava ligando para
Thiago quando ouviu a buzina no outro lado da rua e Eduardo acenou com as
mãos.

Maria Fernanda fingiu não perceber, virou-se de costas e continuou a


discar o número de Thiago. Tentou várias vezes, mas só dava na caixa de
mensagem.

— Eu só vou levá-las, nada mais que isso!

A mulher se assustou com a voz grossa perto e deixou o aparelho


celular cair.

— O que pretende? — Nanda segurou a mão da filha e colocou perto


de seu corpo. Dudinha abraçou as pernas da mãe.

— Não sei. Mas quero conversar com você, ou com seus advogados.
Surgiu um... — Ele olhou para Dudinha — Surgiu uma questão nova e quero
rever meus direitos. — Ele arrumou a gravata no pescoço e firmou a postura.
5

— Não sei o que pode estar passando na sua cabeça para acreditar
que eu vou permitir esse contato. — Maria Fernanda estava muito alterada.

— Você pode até ter suas razões, mas eu tenho meus direitos e
ninguém tira os meus direitos! — Ele gritou.

— Você continua o mesmo louco, possessivo. Nunca vai persuadi-


la. O que você quer? Iludir a menina e depois abandoná-la? — A mãe se deu
conta dos olhos curiosos voltados para ela, certamente tentando assimilar as
palavras, então buscou um autocontrole. — Venha, Dudinha, vamos procurar
um táxi e ligar para seu pai. — Maria Fernanda andou apressada sobre o salto
quinze, a filha estava presa a sua mão.

— Ele não é o pai dela, isso que é iludir. — Eduardo caminhou atrás.

— Minha perna está doendo — Dudinha reclamou em uma pequena


corrida.

Maria Fernanda parou e se abaixou para pegar a menina no colo,


mas Eduardo deu a volta nas duas e a sustentou primeiro, depois saiu
apressado, carregando a filha na direção da sua caminhonete de luxo.

Quando Maria Fernanda o alcançou, ele já estava encaixando o cinto


em Dudinha, no banco traseiro de sua l200 Triton.
— Sai da minha frente! — Ela o empurrou e soltou o cinto de
segurança da filha. Eduardo não se conformou e se emaranhou com ela na
porta do carro. Ele tentou fechar o cinto novamente.

— Se afaste da minha filha! — O grito de desespero da mãe fez


Dudinha se encolher no outro lado do banco. — Venha, Maria Eduarda! — A
mãe estendeu a mão, Dudinha se achegou para perto da porta e Nanda a
colocou no chão.

— Apenas ofereci uma carona, não pretendo roubar a menina hoje.


— Maria Fernanda agarrou a filha e Eduardo se deu conta de ter falado
demais. — Eu jamais faria isso, só quero conversar. — Ele sentiu o desejo de
esmurrar o próprio rosto.

— Estão brigando por mim? — Dudinha perguntou.

— Sei suas artimanhas, elas não funcionam mais comigo. Vou à


polícia, você não vai chegar perto da minha filha.

Maria Fernanda pegou a filha no colo e se afastou para o outro lado


da rua.

Eduardo estava ciente da veracidade daquelas palavras, pois nunca a


viu tão decidida e firme. Anos atrás ela o enfrentava, mas ele a desmanchava
quando olhava dentro dos seus olhos e oferecia um beijo quente. A sua raiva
era exatamente por aquele motivo. Agora ela tinha o controle dos próprios
sentimentos, ele não conseguiria mais manipulá-la.

— Não pense que vou facilitar as coisas! — gritou do outro lado,


entrou em sua caminhonete e saiu disparado. Na estrada, deu vários socos no
volante para tentar de alguma maneira liberar a raiva que sentia.
***

O táxi parou frente ao salão da igreja, Maria Fernanda estava


trêmula, Dudinha permanecia calada, mas sua mente de criança trabalhava
para compreender tudo. Do outro lado da rua estava estacionada a
caminhonete de luxo. Eduardo tinha parado em um lugar estratégico e
seguido o táxi.

Assim que viu Thiago na roda de pessoas, Maria Fernanda apressou


os passos e o abraçou. Lutou para ser forte, mas Thiago a conhecia o
suficiente para saber que algo estava errado.

Eduardo sentiu sua raiva aumentar assim que viu a família entrar no
salão. Ele saiu disparado na pista. O destino? Um famoso bar da alta
sociedade. Iria tentar acalmar a raiva que sentia com bebida e mulheres.
***

— Como você está? — Suelen e Maria Fernanda sentaram no sofá


assim que Dudinha dormiu.

— Ele disse que vai pegar minha filha. — Maria Fernanda não
conseguia apagar as palavras de Eduardo dos pensamentos. — Amanhã vou à
polícia.

— Dudinha viu tudo?

— Tudo. Ela já estava sorrindo. Ele tem um jeito próprio de


persuadir. Quer iludir minha filha. Trouxe um urso. Ele acha que pode chegar
depois de sete anos, dar um urso de pelúcia para a menina e apagar tudo o
que ele me fez e que afetou ela?!

— E ela já está lá, dormindo abraçada ao urso. Disse que é o amigo


do pimpão — completou Suelen.

— Eu sei as táticas que ele usa, Dudinha é prova disso. Ele vai
encher o coração da minha filha de promessas vazias, para em seguida, fazer
minha pequena sofrer com sua falta de amor.

— Ele está fazendo isso para se aproximar de você.

— É evidente, ele quer me atingir e está usando a Dudinha para isso.

— Ele também estar vendo a mulher que perdeu. Deve estar louco
de desgosto.

— Isso não me interessa, Suelen. Ele pode tentar o que quiser e só


vai ter o meu desprezo. Vou dormir. — Maria Fernanda levantou e seguiu em
direção ao quarto.
***

Na segunda feira, Maria Fernanda foi visitar as obras de perto. Ela,


Dudinha e Suelen estavam perto das vitrines, quando avistaram a irmã de
Eduardo caminhando com o filho.

— Luíza! — Suelen gritou.

A loira procurou a dona da voz e quando encontrou de onde vinha,


analisou bastante as mulheres, mas logo lembrou o sorriso contagiante de
Suelen, que não tinha mudado em nada.

Luíza se aproximou com um sorriso estampado nos lábios. — Vocês


estão ótimas. — Abraçou as duas.
— É um prazer revê-la, minha amiga. — Maria Fernanda segurou a
mão da ex-cunhada.

— Por que não me avisaram que viriam? Como conseguiram ficar


ainda mais bonitas?

— Estamos sob efeito de Paris! — Suelen sorriu. — Mas o coração,


garanto que permanece o mesmo. Vamos abrir uma loja de moda feminina na
rua principal do shopping.

— Que notícia maravilhosa, meninas. Fico feliz em vê-las tão bem-


sucedidas e lindas. Quando voltaram? O Edu já sabe disso?

— Já, e começou a me confrontar. — Maria Fernanda fez uma careta


descontente.

— Ele não aprende. — Luíza observou Dudinha e a semelhança


familiar chamou sua atenção. Maria Fernanda acabou percebendo. — Por que
ela parece tanto com o... — A mãe deu sinal para Luíza parar. Ela se calou e
abaixou-se frente à menina, analisando o rostinho e finalizando suas
conclusões. — Qual o seu nome princesinha? — Alisou o cabelo de Dudinha.

— Maria Eduarda, mas pode me chamar de Dudinha. — A voz


infantil de criança saiu firme — Ela lembrava Eduardo até na maneira de
gesticular.

— Vem dar um abraço na tia. — A mulher abriu os braços e


Dudinha olhou para a mãe esperando uma permissão.

— Abraça filha, é a tia Lú, ela é uma amiga da maman.

Dudinha abraçou o pescoço da mulher, que não desmanchou o


contato por um longo período.

— A tia está muito feliz em te conhecer, meu amor. — Luíza alisou


mais uma vez o rosto de Dudinha.

— Você é bonita, Tia Lu. Esse menino é seu filho? — Olhou a outra
criança ao lado de Luíza.

— Esse é o Luiz Felipe. — Luíza enxugou as lágrimas que formou


em seus olhos. — Olha como ele é lindo. Vocês dois se parecem muito.

— Oi! — O menino correu para uma vitrine da loja de brinquedos


mais próxima.

— Meus olhos são mais azuis que os dele. — Dudinha gesticulou


balançando o pescoço.

— Meu amor, vamos ali tomar um sorvete. — Suelen segurou a mão


de Dudinha. Precisava dar espaço para as duas amigas conversarem. —
Encontro vocês daqui a pouco. — A morena carregou Dudinha que não tirou
os olhos das duas.

— Ele já sabe que tem uma filha? — perguntou Luíza.

— Sabe e já me confrontou. Seu irmão está ainda pior, Luíza. Não


me arrependo de ter criado a Dudinha longe dele. Você viu como ela é
pequena? Minha filha quase não sobreviveu, tive uma gestação difícil, não
consegui segurar por nove meses. Se eu estivesse perto dele seria ainda pior.

— Eu não vou te acusar de nada, não se preocupe. Eu só gostaria de


ter ajudado. Quanto ao Edu, talvez tenha sido melhor assim. Não o vejo na
pele de um pai, apesar de amar o Lipe incondicionalmente, não é a mesma
coisa de ter a responsabilidade de um filho.

— Ele vai querer usar a Dudinha para me atingir de alguma maneira.

— Não se preocupe com isso. Eduardo está passando por uma


turbulência com a empresa e acredito que ele não vá se importar com mais
nada além disso.

— A empresa está em crise? — Maria Fernanda sentiu sua


curiosidade falar mais alto.

— Eduardo tem muitos inimigos, ele não me contou nada


precisamente, mas disse que ia dar um jeito em tudo. Aquele jeito orgulhoso
dele que nunca mudou.

— Ele deixou claro que não me dará o divórcio quando o contrato


terminar e ameaçou pegar minha filha.

— Ele fez isso? — Luíza estranhou. — Será que o Edu ainda tem
alguma esperança em você? Porque, não me parece uma coisa normal dele se
preocupar com outra questão, tendo a empresa em crise.

— A esperança dele é atormentar minha vida. Fui a uma delegacia,


pois não vou correr o risco dele levar minha filha como ameaçou.

— Eu sinto muito, minha amiga. Desculpe-me pelas grosserias do


meu irmão. Mas quem sabe essa criança arranque o orgulho e o faça um
homem mais amável? Talvez fosse o caso dele conviver em uma guarda...

— Não o quero próximo a ela. — Maria Fernanda a interrompeu.

— Vou conversar com ele. Eu ainda tenho fé e esperança, quem sabe


a doçura da filha o mude. Uma guarda compartilhada ou um acordo para os
finais de semana...

— Não confio. — Maria Fernanda a interrompeu outra vez. — Estou


presa, Luíza. Foi bom rever você. — Beijou a amiga no rosto e saiu em
direção à praça de alimentação.

***

DIAS DEPOIS...

Eduardo estava andando de um lado a outro na sala de reuniões.


Estava apavorado. Tinha acabado de perder outro grande cliente para a J.A
Engenharia. A situação financeira de sua empresa estava crítica.

— Eu só quero saber o que está acontecendo dentro da minha


empresa! Quando eu contratei incompetentes para minha equipe? Eu dei meu
sangue para levantar esse patrimônio! Tenho um nome respeitado nesse país!
Será que vai ser preciso eu demitir todos para saber quem é o peixe podre da
minha equipe?

Ele estava descontrolado, tentando encontrar o culpado pelo grande


abalo. Os homens, sentados à mesa, tremiam a cada pancada que a madeira
recebia.

— A Moedeiros Engenharia tem um nome. Eu sou o responsável por


manter esse nome na praça! Quando eu encontrar esse peixe podre que está
sentado aqui nessa mesa, recebendo o salário do meu bolso, eu vou acabar
com ele com minhas próprias mãos. — Apertou os punhos. — Agora saiam!
Acabou a reunião!

Os engenheiros, arquitetos e chefes de departamento, estavam


apreensivos. Eduardo analisava a reação de todos em busca do responsável
pelo desvio de informações para sua concorrente.

— Você precisa ter calma, amor. Foram dois clientes! O que são
dois clientes para a Moedeiros Engenharia? — Viviane agarrou o pescoço de
Eduardo.

— Dois clientes são números, são contados na praça, é a


sobrevivência da Moedeiros, E SÃO ELES QUE PAGAM SEU SALÁRIO!
— Gritou, afastando a amante do seu pescoço.

— Está desconfiado de alguém? — Sergio perguntou após uma


pequena análise.

— De todos. Eu desconfio de todos!

— Eu nunca te trairia. Você sabe disso, não é? — Viviane perguntou


com a voz mansa. Ela sabia que, para tirar Eduardo do sério, era preciso
apenas uma estremecida na base dos seus negócios. Por isso mesmo estava
sendo cautelosa ao falar.

— Você é muito inteligente para pensar duas vezes, antes de cogitar


a possibilidade de me trair, Viviane.

— Apenas perguntei, amor. Lógico que nunca trairia você. — A


loira voltou a se pendurar no pescoço dele, que se esquivou.
— Eu jamais faria isso, Edu. Somos irmãos; isso aqui também faz
parte da minha vida. — Sergio se resguardou, explicando.

— Sergio, você é o último na minha lista de peixes podres.

— Então me colocou em sua lista? Desde quando me considera um


traidor? Construímos isso aqui. Acha mesmo que eu te trairia? Em troca de
quê?

— Já estava esquecendo a minha hora no cabeleireiro. — Viviane


deu um beijo curto em Eduardo.

— No meio do horário de trabalho, Viviane? — Eduardo arfou.

Ele levava o trabalho a sério e tomava medidas drásticas quando


qualquer outra coisa paralela atrapalhava o bom funcionamento.

— Só encontrei horário agora, gato. Estou precisando de uma


hidratação. Eu te recompenso mais tarde essa horinha. — A loira sorriu
maliciosamente.

— Vai pagar uma hora a mais amanhã na saída, para compensar a de


hoje. — Eduardo devolveu. — Trabalho acima de tudo Viviane, nunca se
esqueça disso.

— Não seja tão severo comigo, gato. Apenas vou ficar mais atraente
para você. Estarei na sua casa as oito e vou dormir lá essa noite.

— Outro dia, Viviane. Hoje vou trabalhar em um projeto. Preciso


dedicar total atenção a ele. Vá logo a seu cabeleireiro ou vou arrumar alguma
coisa para você fazer. Amanhã vou olhar seu horário de saída.
Assim que Viviane saiu, Eduardo trancou a sala de reuniões e
observou Sergio cabisbaixo, olhando fixamente para uma caneta sobre a
mesa.

— Você sabe que nunca te trairia, estou contigo nessa empresa


desde quando era apenas um projeto de vida. Somos parceiros desde o jardim
de infância. Agora você desconfia assim de mim e me coloca em uma lista de
filho da puta. — Sergio esclareceu o que estava em seus pensamentos.

— Seja mais homem, Sergio. Você está muito dramático


ultimamente. É bom para você permanecer não sendo o culpado. Se for
diferente, acabo com sua carreira profissional e não deixo um dente em sua
boca. Desconfio de todos, menos de você. — Eduardo retirou o blazer e
afrouxou o nó da gravata. — Temos que levantar um plano de ação e
descobrir esse traidor ou traidora, se meu faro estiver correto.

— Está desconfiando da Vivi?

— Todos aqui nessa empresa são duvidosos. Mas ela parece uma
boa suspeita. Quero que observe a vida de todos os estagiários desta empresa.
Deixe o restante comigo.

— Isso vai passar, Edu, vamos sair dessa. — Sergio bateu no ombro
do amigo em um conforto.

— Agora estou com uma ordem de restrição. Estou proibido de


chegar perto de minha filha. Eu nem conheço a menina direito e já estou
proibido de chegar perto dela. Estou cansado, Sergio. Muito cansado. Estou
perdido no meio de tanto problema e agora tenho que enfrentar isso.
***

As obras da loja estavam adiantadas. Maria Fernanda era


responsável por fiscalizar as obras, enquanto Suelen tomava conta do ateliê
de costura em outro ponto da cidade.

Eduardo manteve distância por aqueles dias, mas quando terminava


o expediente na empresa, ele sempre passava de carro frente ao condomínio
na esperança de ver a filha. Ele sentia uma vontade louca de estar perto de
Maria Fernanda, nem que fosse para acusá-la de algo. A medida preventiva
não foi o motivo para ele ter se afastado, eram as investigações da empresa
que preenchia o seu tempo.

Ele, Sergio e Irene estavam virando as noites sobre os inúmeros


relatórios. Além dos desvios de informações internas, também tinham
descoberto um rombo no patrimônio líquido da empresa. Ele só iria descansar
quando encontrasse o culpado e recuperasse suas finanças.

Na manhã de segunda feira, na hora do almoço, ele estava sentado


juntamente com Irene e Sergio em uma das mesas da praça de alimentação.

Maria Fernanda tinha sentado com Dudinha devidamente


uniformizada em sua roupinha colegial, em outra mesa da mesma praça de
alimentação. Ela já tinha avistados os homens e a mulher desde que o almoço
chegou à mesa. Como nunca tinha largado o faro para a curiosidade,
procurava respostas para os três notebooks abertos sobre a mesa, enquanto as
comidas estavam completamente intocáveis.

— Ela disse que eu posso escolher o ballet ou o maytii, maman.

— Muay thai, petite. O nome certo é muay thai. O que você prefere?
— A mãe estava com o olho na mesa do outro lado e os ouvidos presentes na
conversa da filha sobre a escola nova.

— Sou uma menina. Eu gosto de ballet.

— Como foi o primeiro dia com as novas coleguinhas? Conte-me


tudo. — O olhar da mãe permanecia longe.

Dudinha olhou na mesma direção e avistou Eduardo, vestido em um


terno azul.

— Está olhando o Dudu, maman?

— Não, claro que não. Onde ele está? — Maria Fernanda pegou o
copo de suco.

— Na mesma direção onde você estava olhando. — A pequena


cruzou os braços e arqueou uma das sobrancelhas.

— Ah, ele está ali mesmo. Deve estar trabalhando. Mas, por que
trabalharia em uma praça de alimentação? Dudinha, você não quer ir até lá
falar com ele? Eu fico próxima, você só o distrai enquanto eu olho o que ele
está fazendo. — Dudinha olhou fixamente para a mesa de Eduardo e negou
com um gesto de cabeça. — Vamos filha, a maman vai permitir. — Nanda
acusou-se internamente, mas ela precisava saciar sua curiosidade.

— Você fica irritada quando o Dudu grita. — Maria Fernanda voltou


sua atenção para a pequena, que mexia com uma batata frita dentro do copo
de suco de laranja.

— Você tem razão meu amor. Vamos comer na loja. Pega sua
mochila.
Maria Fernanda juntou rapidamente os lanches em uma sacola,
pegou sua bolsa e seguiu em direção a sua loja.

Ambas passaram rente à mesa de Eduardo e não foram notadas pelo


homem que estava concentrado em seu notebook.

Mas Dudinha estava ali, aquele encontro não seria tão simples.

— Dudu.

Ouvir a voz de Dudinha fez Eduardo rapidamente levantar as vistas


da tela e, com os olhos ainda indecifráveis, analisar a pequena ao seu lado na
mesa.

— Vamos, Dudinha! — Maria Fernanda passou a mão livre sobre o


ombro da filha.

— De onde você saiu, pequena? — Eduardo levantou os olhos e deu


uma analisada no corpo de Maria Fernanda. Ele não perdia a chance de fazer
aquilo.

— Da barriga da minha maman.

Sergio e Irene levantaram os olhos e também deram atenção para as


duas.

— Me dê um abraço, eu estava com saudades de você. — Eduardo


abriu os braços e Dudinha não hesitou em aceitar o aconchego.

Era um laço forte existindo ali, uma ligação de sangue que os unia e
revirava os sentimentos de Eduardo. Maria Fernanda observou a cena e não
teve frieza para puxar a menina, embora sua mente falasse o contrário.
— Vamos Dudinha, temos que ir. Você ainda não almoçou. —
Maria Fernanda fugiu do olhar de Eduardo, que voltou novamente a espiá-la.

— A maman também sentiu sua falta, Dudu. Ela queria vir te ver,
mas eu não deixei. — Dudinha, sentada em uma das pernas de Eduardo,
denunciou a mãe, que ficou levemente avermelhada.

Sergio gargalhou e fechou o seu notebook. Irene estava tentando


compreender o assunto, mas manteve sua discrição.

Eduardo curvou o canto dos lábios em um sorriso sagaz.

— Isso não é verdade. Não da maneira que está interpretando —


afirmou Maria Fernanda.

— Minha filha não mente! — Quando Eduardo percebeu, as


palavras já tinham saído. Chamou Dudinha de filha sem antes ter tido uma
conversa esclarecedora com ela.

A criança juntou as informações em sua cabeça esperta. Não


demorou muito, levantou os olhos, até o rosto de Eduardo, que estava tenso.
Ela analisou cuidadosamente os traços do homem, para em seguida descer do
colo do pai com as lágrimas prestes a escorrer dos olhos azuis.

— Preciso do seu colo, maman. — Ofereceu os braços para a mãe.


6

Maria Fernanda segurou Dudinha e encarou Eduardo, enfurecida.


Sua criança estava chorosa, com o rosto enterrado em seus cabelos.

— Agora ferrou de vez! — Sergio deixou escapar, ainda sentado à


mesa.

— Ela não entendeu... — Eduardo tentou diminuir o peso de suas


palavras, subestimando a esperteza de Dudinha.

— O papa do pimpão é bem grande, maman? — A voz da pequena


saiu chorosa e abafada pelos cabelos da mãe.

— Sim, Dudinha. — A mãe respondeu, olhando seriamente para


Eduardo.

— Pimpão? — Sergio deixou escapar enquanto observava o amigo


em saia justa.

— Ele também usa um terno azul? — A menina tornou a perguntar.

— Filha... — Eduardo acariciou as costas de Dudinha e sentiu


lágrimas encherem os seus olhos.

— O Dudu é o papa do pimpão? — Dudinha fez a pergunta de uma


só vez.

Nanda saiu carregando Dudinha, ela tentou andar rápido, mas o seu
peso estava grande e o salto que usava dificultava a caminhada.

— Maria Fernanda! Eu quero conversar com ela. Eu fiz a burrada,


tenho que consertar. — Eduardo não precisou fazer muito esforço para
acompanhá-las.

— Você não tinha o direito de confundir a cabeça de minha filha,


sem antes ter uma conversa esclarecedora.

Maria Fernanda continuou andando com dificuldade, em poucos


metros ela não suportou o peso, e suas sacolas e bolsa caíram no chão.

Eduardo pegou tudo e continuou no encalço delas.

— Dudinha... — Ele tentou chamar a atenção da menina.

— NÃO FAÇA ISSO! — Maria Fernanda gritou mais alto que o


normal, o que atraiu os olhares das pessoas que estavam por perto.

— EU TENHO O DIREITO DE CONSERTAR AS COISAS! —


Ele também gritou, mas ela não parou e entrou na loja. Ele a seguiu.

Era hora do almoço e apenas um pedreiro estava vigiando a obra. O


homem levantou rapidamente em defesa da patroa.

— Algum problema, senhora? — perguntou o trabalhador. — Está


precisando de ajuda?

— Não. Obrigada, pode ir almoçar.

— Tem certeza? — O homem mirou Eduardo.

— O que está insinuando, desgraçado?! — Eduardo gritou e o


homem foi para cima dele.
— Não façam isso! — Maria Fernanda gritou já sem forças nos
braços. Dudinha ainda estava chorosa em seu colo. — Pode ir almoçar. Eu
resolvo aqui. Obrigada pela ajuda.

O homem atendeu ao pedido da patroa e caminhou até a porta


jurando Eduardo com os olhos.

— Vai se explicar para ela? — Maria Fernanda colocou Dudinha no


chão.

— Tenho muito trabalho a fazer agora, mas eu vou voltar. Eu quero


conversar com você pequena. — Ele olhou para a menina, abraçada às pernas
da mãe.

— Eu posso te ouvir agora, Dudu. — Dudinha passou o dorso da


mão no rosto e enxugou as lágrimas que tinham caído minutos antes.

— Você tem problemas para resolver e talvez volte daqui a sete anos
para limpar a bagunça. — Maria Fernanda passou a mão sobre o ombro da
criança e tentou confortá-la. — Por que foi mexer na história se iria ferir
minha menina?

— Estou com um problemão nas costas e preciso resolver, Maria


Fernanda.

— Então vá resolver seu problema. E não volte para estimular uma


felicidade que você não é capaz de oferecer.

— Eu vou procurar minha filha, caramba! Agora não posso, mas vou
voltar! — Ele se alterou. — Está tudo acontecendo ao mesmo tempo... —
Respirou fundo e apertou os cabelos, precisava manter a calma para não
piorar sua situação.

— Dudinha nunca precisou de você... — A voz de Maria Fernanda


saiu embargada. — Agora, saia! Vou dar comida para minha filha.

— Lanche na hora do almoço? — Eduardo analisou as caixas de


fast-food. — Isso não faz mal para a saúde dela?

— Quer me ensinar a cuidar da Dudinha, depois de sete anos


fazendo isso?

— Eu gosto de lanche no almoço. — Dudinha esclareceu sua


situação.

— Você não sabe o esforço que eu tenho para alimentá-la todos os


dias.

— Eu quero saber tudo sobre ela. — Estarei presente de agora em


diante.

— O pimpão gostou do Rudolf. — Dudinha sorriu, puxando


conversa, demonstrando que ela não queria a saída de Eduardo da loja.

— Quem é Rudolf? Pimpão? — Eduardo perguntou.

— O Rudolf que você me deu, Dudu. Foi um bom presente para


curar a saudade.

— Ôh, minha filha... — Eduardo se emocionou com as palavras de


Dudinha. — Aquilo foi apenas uma simples lembrança.

— Eu sonhava muito com você, mas era acordada. — Dudinha


juntou as duas mãos em frente ao corpo.
Eduardo soltou o ar de vez pela boca, tentando lutar contra o choro.
Ele sentiu o coração bater forte no peito e seu corpo tremer diante da emoção
recente. Como era possível um ser tão pequeno conseguir desestabilizá-lo
com curtas palavras?

— Você já está grande para chorar, Dudu.

— Vem cá, eu quero te dar um abraço. — Eduardo se abaixou para


recebê-la. Dudinha automaticamente olhou para a mãe, esperando uma
permissão. — Por favor, Maria Fernanda, não me negue isso. — Ele pediu
após perder a batalha com as lágrimas.

— Não acredito em lágrimas, quando conheço as intenções. —


Dudinha encarou a mãe e Maria Fernanda sentiu uma dor aguda transpassar
seu peito. Ela não suportava a ideia de ter Eduardo perto de sua filha, pois
tinha medo dele fazer a pequena sofrer com a falta de afeto, mas o olhar que
Dudinha lançava sobre ela era quase uma súplica. Sua razão dizia não, mas
seu coração de mãe não suportava ver aquele olhar suplicante por muito
tempo. — Abrace logo ele Dudinha, você precisa terminar seu almoço.

Dudinha se aproximou do pai e Eduardo abaixou o rosto, pois a


emoção que sentia era grande e o deixou receoso. Ele não conseguiria lutar
contra aqueles sentimentos. Eram muito fortes.

— Dudu... — A menina passou as mãos em volta do pescoço dele e


aquilo foi o suficiente para Eduardo abraçá-la, vencendo sua racionalidade.

— Você é tão linda, filha... Não fiz muito para merecer uma filha
linda como você.
— Os pais sempre acham os filhos bonitos. Mesmo quando eles têm
as pernas diferentes.

Eduardo beijou os cabelos da filha algumas vezes. Ainda não sabia


lidar com o assunto, mas acalentou-a com o abraço afetuoso.

Maria Fernanda não suportou ver a cena e virou-se de costas,


colocou a mão sobre a boca sufocando as lágrimas e o nó na garganta.

— Acho que tem bolinhas de sabão na minha barriga. — Dudinha


revelou não sabendo definir a emoção que sentia.

Eduardo, muito emocionado, ficou de pé, com ela no colo. Ele ainda
não conseguia descrever a emoção que sentia naquele abraço. Era um carinho
enorme e um sentimento de proteção que estava brotando no seu coração.

Dudinha estava tocando cada ponto do rosto do pai. Era uma nova
descoberta, ela também sentia a força do que estava acontecendo ali.

— Por que colocou esse nome no urso? — Eduardo alisou os


cabelos da menina e arriscou uma olhada para as costas da mulher.

— Ele tem cara de Rudolf. — Ela respondeu e Eduardo sorriu.

Maria Fernanda enxugou o rosto e se aproximou.

— Precisa comer agora, filha. — Ela pegou a menina do colo do pai.

— Por que me deu o Rudolf? — Dudinha não queria acabar a


conversa.

— Te dei, porque gosto desses seus olhinhos, desses seus cabelinhos


loiros, dessa bochechinha fofa. Eu quero me aproximar mais de você. —
Eduardo alisou os cabelos da menina mais uma vez.

O problema todo era que Dudinha estava no colo de Maria Fernanda


e mesmo tudo apontando contra, algo aconteceu em torno dos três.

— Então me deu o Rudolf porque gosta de mim? — Dudinha


enrolou uma mecha do cabelo da mãe, que permanecia estática com Eduardo
a olhando tão perto.

— Sim, o papai já te ama muito filha.

— Ama? — Maria Fernanda questionou em voz alta e recebeu o


olhar de Eduardo.

— Você também ama minha maman. Por isso deu o pimpão para
ela. — Aquilo não foi uma pergunta, Dudinha fez uma afirmação baseada em
suas próprias conclusões.

Eduardo ficou sem reação ante a afirmação da menina. A mãe ficou


totalmente desconsertada e colocou a filha no chão.

— Você pode sair agora. — Ela se aproximou da porta, incentivando


a saída de Eduardo.

— Precisamos marcar um jantar. — Ele se aproximou dela com o


mesmo olhar de desejo que só aumentou com o passar dos anos. —
Precisamos acertar algumas coisas sobre nossa filha. — O olhar entrou no
decote de Maria Fernanda.

— Não deveria me olhar desse jeito, tenho compromisso e exijo


respeito. — A mulher, se esforçou para ser fria e conseguiu, pois Eduardo
sentiu a sensação de rejeição.
— Temos uma filha e precisamos conversar sobre ela. É uma
situação que não podemos fugir. — O ego de Eduardo falou mais alto e
aquilo foi suficiente para ele olhar uma última vez para Dudinha, dar um
meio sorriso e sair da loja.

— Tchau, Dudu! — Dudinha gritou, encostada à porta, mas Eduardo


já estava longe para ouvir.

— Dudinha, você lembra quando a maman conversou com você


sobre ele? — A mãe perguntou e a menina esperta meneou a cabeça em
concordância. — Então, esse homem que acabou de sair...

— O Dudu?

— Sim, esse mesmo! Ele é o seu primeiro papa. O que morou


comigo aqui no Brasil. Você lembra o que a mamãe falou dele?

— Que ele era forte, cheiroso e bem bonito, assim como eu.

— Não, isso não! Por que você tem que se lembrar dessas coisas?
Esqueça isso. Nunca fale isso a ele. Eu não devia ter te contado essas coisas.

— Que o meu papa do pimpão trabalhava muito e por isso não tinha
tempo para um bebezinho?

— Sim, isso. Então não se iluda, vamos ver o que ele vai decidir.
Não quero que você sofra, minha filha.
***

Já era tarde e Eduardo estava em um bar da cidade com Sergio e


várias mulheres.

Era um lugar praticamente sagrado para eles durante os finais de


semana. Ele já tinha ingerido uma grande quantidade de álcool. A cada copo
que ficava vazio, ele pedia mais e mais. Já tinha bebido de tudo e ainda não
se dava por satisfeito.

— Edu, não acha que está exagerando demais hoje? — Sergio se


assustou ao perceber que Eduardo estava acabando com o estoque de Stoli
Elit do bar.

— Vou sair... vou sair dessa vida... pela minha filha. A mãe dela já
era... Arrumou outro, mas eu tenho uma filha — depositou o último copo
sobre a mesa. — Vou ser o melhor pai do mundo. — Empurrou a morena que
estava sentada em seu colo. — Como veio parar aqui? — Questionou a
mulher. — Sou um homem casado. — Cambaleou.

— Chame um táxi, parceiro, desse jeito você não acerta nem a chave
na porta do carro.

— Isso... eu vou ver um táxi. — Grogue, ele recolheu seus pertences


e saiu trocando as pernas, Sergio ficou rodeado por mulheres.

Eduardo saiu em direção ao seu carro e esbarrou em um casal. Não


foi algo proposital, mas suas mãos foram diretamente para os seios da mulher
e aquilo inflamou o homem que a acompanhava ao ponto de deflagrar um
soco em cheio, na lateral do olho de Eduardo. O bêbado caiu sem conseguir
forças para revidar.

Depois de alguns minutos tentando chegar até o carro, Eduardo


destravou e entrou. Saiu dali completamente embriagado, com a visão turva e
em velocidade acelerada.
Suelen estava passando uns dias com sua família, Maria Fernanda
estava sozinha com a filha no apartamento. Já passava das onze horas da
noite, mãe e filha estavam deitadas esperando o sono chegar, mas a
insistência da campainha já estava atrapalhando.

— Fica aqui, eu vou lá ver quem é e já volto. — A mãe só levantou


porque o barulho estava sem trégua.

Maria Fernanda observou através do olho mágico e não acreditou.


Era Eduardo que mantinha o dedo pressionado no botão da campainha. Ela
abriu a porta furiosa.

— Você é louco, seu irresponsável?! Quer traumatizar minha filha?!


— empurrou-o e se assustou com o tombo que Eduardo tomou, chocando-se
contra a parede do corredor.

Percebeu a sobrancelha do homem cortada e o inchaço no olho


esquerdo. O estado dele era deplorável.

— Eu vim para você... você precisa cuidar de mim. — Tentou se


levantar, em vão.

Dudinha não resistiu à curiosidade e levantou. Ela já estava


esfregando os olhos detrás da mãe.

— O que está acontecendo? — A menina perguntou.

— Nada filha. — A mãe fechou a porta bruscamente.

— Por que o Dudu está no chão?

— Que Dudu?
— O Dudu, está caído lá fora da porta, eu vi. — A menina insistiu.

— Vamos voltar para cama, isso deve ser sono filha.

A campainha voltou a tocar sem descanso e, logo após, Eduardo


começou a gritar o nome de Maria Fernanda, para o prédio todo ouvir.

— O Dudu está aí, maman. — Dudinha cruzou os braços.

— Ele não pode entrar aqui, vamos voltar para o quarto.

— Maria Fernanda, eu quero ver minha filha! Isso é alienação


parental, eu tenho meus direitos! — Eduardo gritou do outro lado. — Maria
Fernanda!

— Ele vai continuar gritando e os vizinhos vão acordar. — Dudinha


colocou o ouvido na porta e sussurrou para a mãe.

What's going on in that beautiful mind

I'm on your magical mystery ride

And I'm so dizzy, don't know what hit me, but I'll be alright…

Eduardo estava cantando do outro lado, com sua voz chorosa e lesada pela
bebida.

— Era só que me faltava. — Maria Fernanda sentou no braço do


sofá.

— Ele canta bem, maman, mas acho que está passando mal. —
Dudinha permanecia com o ouvido na porta.

…'Cause all of me
Loves all of you

Love your curves and all your edges

All your perfect imperfections...

Maria Fernanda, com vergonha do show de Eduardo, girou a chave e


abriu a porta, recebendo o peso do homem, que quase a derrubou no chão.

— Love your curves and all your edges. All your perfect
imperfections.[17] — Ele cantou olhando para ela.

— Cala essa boca! — Maria Fernanda soltou o peso no chão.

— Dudu! — Dudinha correu para ajudar o pai.

— Eu te amo filha... — falou com os olhos fechados.

— Dudinha, fique longe, eu vou chamar a polícia. — Maria


Fernanda pegou o aparelho telefônico da sala e discou o número.

— O Dudu vai ser preso?

— Sim, vai. Enquanto isso, fique perto de mim.

Dudinha olhou para o pai, apreensiva.

— E se baterem nele?

— Vai ser bom, filha, ele está precisando. — O telefone só chamava


e ninguém atendia, mas Maria Fernanda continuou tentando.

— Ele está precisando de ajuda! — Dudinha ainda olhava na direção


do pai.

A mãe olhou para a filha que estava com os olhos assustados e


desligou o telefone para pegá-la no colo.

— Filha, vai para o quarto, quando a polícia chegar, eu não quero


que veja.

— Filha... eu te amo! — Eduardo tentou levantar e acabou caindo


novamente no chão.

— Eu quero ajudá-lo, maman.

Eduardo estava caído no chão da sala, bêbado, e a mãe sabia que


aquilo não faria bem à filha.

— Vá ao banheiro e pegue a caixinha. — Colocou a menina no chão.

Maria Fernanda esperou Dudinha entrar no corredor dos quartos e


com o pé, empurrou Eduardo.

— É desse jeito que quer se aproximar de sua filha?

— Eu não consigo. Ajude-me aqui. Mulher, estou... estou decep...


decepcionado com você.

Maria Fernanda arfou e permaneceu no mesmo lugar e ele, por conta


própria, engatinhou e apoiou-se no sofá até conseguir se sentar.

— Aqui a caixinha, maman.

— Dê a ele filha.

Dudinha entregou a caixa de primeiros socorros a Eduardo e sentou


ao lado dele.

— O que faço com isso? — Ele abriu a caixa.


— Um curativo, Dudu. Você deveria pentear seus cabelos e não
brigar na rua.

Dudinha alisou os cabelos do pai e ele cochilou sob o efeito do


álcool.

— Acorde! — Maria Fernanda o sacudiu, mas ele continuou com os


olhos fechados.

— Ele está com dodói, maman.

— Sim, eu estou dodói. — Eduardo repetiu as palavras de Dudinha


com os olhos ainda fechados.

— Eu deveria te deixar lá embaixo, jogado na calçada. A sua sorte é


que eu não consigo te descer.

— Não a deixe fazer isso, Dudinha. — Eduardo encarou a filha que


já havia começado a limpar o corte em sua sobrancelha.

— Me dê, Dudinha, esse odor vai te fazer mal.

Maria Fernanda empurrou o homem mais uma vez no sofá, entupiu o


algodão de antisséptico e apertou contra o corte. Sob o olhar apreensivo de
Dudinha e os gritos de Eduardo.

— Como chegou até aqui? — Ensopou o algodão com mais líquido


escuro e apertou contra o machucado.

— Em meu carro. Ai! Mulher desalmada! — Gritou recebendo a


aspereza da mão de Maria Fernanda.

— Irresponsável, colocando a vida de pessoas em perigo. —


Apertou com mais força.

— Você está muito atraente neste baby doll. — Ele apalpou a coxa
desnuda de Maria Fernanda.

Ela não precisou respirar fundo para manter o controle na frente de


Dudinha, pois já tinha atingido o rosto de Eduardo e os seus dedos estavam
doloridos.

Dudinha colocou as duas mãos na boca assustada.

— Mulher sem alma. — Além do corte na sobrancelha e do olho


inchado, o rosto também estava vermelho com a força da bofetada.

— Levante daí e saia da minha casa agora.

Eduardo não possuía forças físicas para levantar do sofá e aproveitou


para analisar mais uma vez a mulher furiosa à sua frente.

— Não deveria atender a porta assim, tão gostosa. Poderia ser outra
pessoa. — Tentou se escorar nas almofadas. — Você é minha mulher e eu
exijo... que sempre me receba dessa maneira e que cuide de mim com
carinho.

A mulher foi em direção ao telefone outra vez, mas a menina se


antecipou e abraçou o aparelho.

— Não vou deixar o Dudu apanhar da polícia. Ele está confuso da


cabeça. Vai apanhar e perder o tantinho de juízo.

Maria Fernanda sabia que Dudinha estava crescendo em


entendimento antes do tempo. As atitudes dela eram formadas mediante a
observação ao seu redor. E ali naquele momento, ela queria a todo custo,
conhecer o pai e saber seus motivos.

— Vá deitar, petite. Vá que a maman já está indo também.

Eduardo iniciou outra crise de choro e Maria Fernanda quase


terminou de fazer o serviço no pescoço dele, ali mesmo.

— Venha com a maman. — A mãe carregou a filha para o quarto e


deixou o homem, grogue, na sala.
***

— O Dudu precisa de ajuda, maman — Dudinha sussurrou depois de


meia hora em que estava enrolada com a mãe. Ela estava o tempo todo de
olhos fechados, mas analisava a situação do pai.

— Dorme meu amor, dorme.

— Ele não tem pessoas para cuidar dele?

— Tem. Ele tem muitos amigos. Agora dorme, filha.

— Sem polícia?

— Dorme, Dudinha.

Uma hora se passou no período entre Dudinha ter dormido e Nanda


ter coragem para levantar.

Ela vestiu um pijama fechado, foi para a sala, mas não encontrou
Eduardo no sofá.

— Onde esse homem foi parar? — Ela saiu procurando nos cômodos
e o encontrou sentado à mesa da cozinha, com os braços sobre a mesa e a
cabeça curvada.

Maria Fernanda ficou observando-o, encostada no vão da porta.


Antes, ela já tinha presenciado ele bêbado, mas agora, parecia que aquilo
tinha se tornando uma dependência. O que Eduardo tinha feito da vida
durante aqueles anos? Tanta racionalidade e frieza tinha valido a pena?

Ela colocou a mão entre a parede e sua cabeça e continuou


observando, mas ficou pálida quando ele levantou a postura e a surpreendeu
de repente.

— Pelo que vejo, conseguiu levantar sozinho. — Ela firmou a


postura.

— Só estou esperando passar a tontura para pegar o carro. — Seus


olhos passearam sobre o pijama que a cobria por inteiro. Continuou achando-
a sexy.

— Se tornou um alcoólatra? — Maria Fernanda sentiu um leve abalo


nas pernas, mas não soube identificar o motivo.

— Tenho muitos problemas e no final do dia preciso beber para


esquecê-los.

— E a Viviane, por que não foi atrás dela? Por que não foi à casa de
seus pais? Onde está o Sergio? Não deveria ter vindo à minha casa, tem uma
ordem que te proíbe disso.

— Eu não sei por que peguei esse caminho, só estou me dando conta
agora. — Eduardo colocou o braço sobre a mesa e curvou a cabeça. Estava
sentindo dores e tontura. Talvez porque aqui está o que eu preciso. — Ele
pensou.

Maria Fernanda passou direto para o balcão onde estava a cafeteira.


E Eduardo levantou a cabeça para espiá-la.

— Tome isso. — Ela estendeu a xícara de café, de longe. — Vai


ajudar com a tontura.

— E como sabe disso? Já teve ressacas? — Ele sorriu após uma


golada de café. — Não deveria seguir esse caminho.

— Eu tenho uma filha. Nunca fui irresponsável para fazer isso. E me


mantenho longe de qualquer tipo de vício. Quero criar minha filha no
caminho certo e cercada de boas influências, pois o mundo aí fora é mau. —
Maria Fernanda encostou-se à pia da cozinha, mantendo distância dele.

— Nossa filha, ela é nossa filha.

— Como você tem tanta certeza que a Dudinha é sua filha?

— Sério? Maria Eduarda... Eduardo... ela tem o meu rosto


praticamente copiado. Sou pai, sinto isso. — Ele nunca acreditaria na palavra
de Maria Fernanda vendo a pouca estatura de Dudinha, mas já tinha o exame
de DNA o que lhe dava certezas.

— Maria Eduarda era o nome de minha mãe. Mas isso nunca foi
algo importante para você lembrar. Você alguma vez se interessou em saber
algo sobre mim? Maria Eduarda era minha mãe! Tenho alguns documentos
para te provar isso, mas não sou obrigada.

— Então é uma boa coincidência. Obrigado por não ter tomado


aquela pílula. — Colocou a xícara sobre a mesa. — Quando eu estiver sóbrio
quero saber de tudo. Como foi que tudo aconteceu e todas essas coisas de
gravidez.

Ele levantou-se da mesa e foi em direção a pia. Maria Fernanda se


manteve imóvel com a proximidade. Depois que depositou o copo dentro da
pia, ele olhou para ela e percebeu seu rosto em chamas. O coração dele estava
batendo em um ritmo acelerado. Ele levou a mão até os cabelos de Maria
Fernanda e, antes dela fugir, puxou-a pela cintura em um abraço apertado.

— Eduardo, não faça isso.

— Ainda existe tesão entre nós. — Inspirou o cheiro dela. — Quis te


abraçar desde o dia que te vi naquele shopping. — Beijou os cabelos dela. —
Você ainda tem o mesmo cheiro bom, isso me traz tantas lembranças...

— Esse cheiro de álcool está me causando ânsia. Para com isso! —


Ela o empurrou de vez. — Se quiser conviver com sua filha, vai precisar
largar essa vida. Já pensou em buscar um tratamento? — Ela cruzou os
braços, já do outro lado da cozinha.

— Não sou viciado, bebo para aliviar o estresse e buscar um pouco


de alegria.

— O que você fez de sua vida? E depois que o álcool sai de seu
corpo, a alegria permanece? — Ela esperou a resposta.

— Eu bebo mais.

— Se quiser conviver com a Dudinha, vai precisar rever seus maus


hábitos.

— Quando se tornou religiosa? — Eduardo perguntou com os olhos


baixos, ainda recobrando o senso de vergonha. — Vi você entrando em uma
dessas igrejas outro dia.

— Tenho projetos de caridade e quero passar tudo para minha filha.


Direcioná-la a ajudar o próximo e se desprender do orgulho. Tenho motivos
para ter esse cuidado.

— Eu não deveria ter vindo aqui bêbado.

— Não! Não deveria!

Eduardo caminhou na direção dela outra vez.

Maria Fernanda levou as mãos até os cabelos para prender no alto da


cabeça e foi nesse momento que ele a puxou contra o corpo.

— Estou com muita saudade. Por que não cuida de mim? — Ele
tentou beijar o pescoço dela e levou um empurrão.

Nanda correu para o outro lado da cozinha e sentiu sua respiração


pesada.

— Não tente fazer isso novamente. — Ela falou pausadamente. —


Estarei casada com o Thiago em alguns meses e você não deveria estar na
minha cozinha.

— Que conversa é essa? Nós somos os únicos casados aqui, mulher.

— Logo não teremos mais esse maldito contrato que nos une. E de
qualquer maneira, nosso divórcio vai sair.

— Esqueça isso, casamento é para vida toda. — Ele falou grogue —


Esqueça! Não vai ter divórcio.
— Eduardo, vai para casa, para qualquer lugar, mas saia logo daqui.

— Não estou em condições de dirigir, vou ficar esta noite aqui.


Agora tenho uma filha pequena, não posso dirigir embriagado.

— Desde quando? — Maria Fernanda balançou o rosto sem


paciência.

— Não me lembro de quando decidi isso.

— Vou chamar um táxi para você.

— Por que fez isso com seu cabelo, mulher? Quero que tire essa cor
e deixe crescer novamente. — Eduardo a segurou pela cintura, antes que ela
alcançasse o objeto que, certamente, o levaria até a emergência do pronto
socorro. — Eu queria ter te ensinado... tudo. — Ele fechou os olhos, quase
caindo de sono. — Eu não acredito que você anda sentando em outro...

— Olha suas palavras!

— Eu vou matar aquele chinês, filho da puta.

— Se não me soltar agora, eu vou fazer meus vizinhos chamarem a


polícia e pode ter certeza que você não receberá nenhuma visita de sua filha
em uma cadeia.

— É tudo culpa da bebida! — Ele a soltou. — Eu estou muito bem


em minha vida de solteiro. E não vou sair daqui até que o sol tenha nascido.

— Tudo bem. — Maria Fernanda arfou, dando-se por vencida. —


Saia antes da minha filha acordar. — Você é pai dela, mas não pense que vai
ter intimidade dentro da minha casa, tampouco vai criar rotina.
Maria Fernanda saiu da cozinha e seguiu para o quarto da filha.

Pela manhã, ao entrar em seu quarto, Maria Fernanda percebeu o


homem esparramado em sua cama em um sono pesado. Ele estava de cabelos
molhados, sinal que tinha usado o banheiro do quarto há poucas horas.

— Vamos! Levante daí! — Ela puxou o travesseiro de debaixo da


cabeça de Eduardo.

— Merda de dor de cabeça. — Eduardo sentou-se na cama. — Só


vou usar o banheiro.

— Bom dia, Dudu. — A filha apareceu na porta do quarto.

— Vamos para a mesa, Dudinha. — A mãe segurou a mão da filha.


— Você! — Olhou para Eduardo. — Se apresse.

Dudinha correu para a mesa do café da manhã e Maria Fernanda


desviou o caminho para atender a porta.

— Bom dia, minha princesa. Thiago calou Maria Fernanda com um


beijo quente.
7

Em outro cômodo, Eduardo estava sorrindo com uma das camisolas


rendadas de Maria Fernanda nas mãos. Ele encontrou a peça dobrada
próxima à banheira e naquele momento, inalava o cheiro do tecido. Lembrou-
se de momentos do passado, quando a desejava mesmo com as largas
camisolas e palavras antiquadas.

Na sala, Thiago ainda beijava a namorada, ela já tinha perdido o


raciocínio e recuperado, mas Thiago ainda não tinha a liberado.

— Thiago... — Ela colocou a mão no peito do namorado e se afastou


ainda de olhos fechados.

— Você está ainda mais linda essa manhã. — A beijou rapidamente.


— Também está pálida, sente alguma coisa? Quer que eu te leve ao médico?

— Estou bem...

— É minha filha? — Thiago a interrompeu.

— Estou bem, Dudinha está bem, estamos as duas muito bem. Ela
está na mesa tomando café da manhã.

— Vou dar um beijo nela. — Thiago largou Maria Fernanda e


seguiu para cozinha.

— Thiago... — Maria Fernanda seguiu atrás.


— Bom dia, princesinha... — O Taiwanês beijou os cabelos de
Dudinha e sentou à mesa.

Eduardo parou no corredor quando ouviu a voz de um homem e


presumiu ser Thiago. Rapidamente retirou a camisa, jogou no canto e
respirou fundo.

— Bom dia, mulheres da minha vida. — Ele deu o seu melhor


sorriso e ainda arriscou jogar um beijo para Maria Fernanda, que sentiu certo
tremor. Ela não esconderia nada de Thiago, mas queria evitar um conflito.

— O que é isso, Fernanda! — Thiago levantou e encarou Eduardo de


frente — O que você faz aqui?

— Thiago, por favor, se acalme. — Maria Fernanda respirou fundo,


para controlar a repelência.

— O que esse homem está fazendo aqui, praticamente nu?

Eduardo sorriu vendo que seu plano de última hora estava dando
certo.

— O Dudu dormiu aqui papa. — Dudinha respondeu.

— Sim, dormi aqui. Esta é minha família. — Eduardo beijou a


cabeça de Dudinha, pegou uma maçã sobre a mesa e deu uma dentada.
Mastigou lentamente com o olhar vitorioso.

— Mas a maman bateu no rosto dele e até ligou para a polícia. — A


fala de Dudinha desmanchou o sorriso vitorioso que pairava no rosto de
Eduardo.
Thiago olhou para a namorada e então sentou novamente à mesa.
Maria Fernanda não perdeu tempo, sentou ao lado dele, puxou sua mão e
beijou.

— O quê? Não vai acusá-la de traição? — Eduardo ficou


desorientado com a reação de Thiago. Se fosse ele, já teria quebrado toda a
cozinha e talvez o resto da casa.

— Confio na Fernanda. Existe respeito mútuo em nossa relação. —


Thiago respondeu um pouco sem paciência.

Eduardo jogou a maçã sobre a mesa e soltou o ar pela boca,


inconformado por não conseguir estremecer a relação do casal.

— Eu durmo na cama da Maria Fernanda e você simplesmente


aceita tudo isso? Estou sem camisa; você já viu meu corpo? Acha mesmo que
ela desperdiçaria isso aqui por uma noite? — Tapou os ouvidos de Dudinha
— Sou gostoso pra caralho.

— Ele dormiu na cama de minha maman, papa. Isso foi verdade. —


Dudinha completou a fala de Eduardo.

— Você está ouvindo? — Eduardo se recuperou. — Minha filha não


mente. — Insistiu.

— Mas a maman dormiu na minha cama o tempo todo.

Eduardo deu uma olhada para Dudinha. Ela apenas mostrou os


dentes em um sorriso levado.

— Você... você tem que ficar do meu lado, Dudinha. — Eduardo


tentou recuperar a aliada.
— Chega Eduardo! — Maria Fernanda falou autoritária.

— Sou seu pai de sangue, filha. Tem que torcer por mim agora. —
Ele continuou insistindo.

— Já chega! Pegue sua camisa e saia daqui agora. — Thiago


levantou — E nunca mais queira fazer joguinhos dentro do meu
relacionamento!

— Seu relacionamento?! — Eduardo achou um desaforo.

— Eu não sou nenhum louco para acreditar que tudo que


idealizamos é mentira, porque um imbecil que bagunçou com ela no passado
resolveu aparecer e tirar a camisa. Como se isso fosse o suficiente para
apagar o que você a fez passar.

— Você não sabe de nada da minha vida! — Eduardo enfrentou


Thiago. — Você não deveria contar nossa vida para esse desgraçado! —
Apontou para Maria Fernanda.

— Eduardo, saia. Olha sua filha. — Maria Fernanda tentou ser


calma, Dudinha observava tudo.

— ISSO AQUI ME PERTENCE. VOCÊ NÃO VAI USUFRUIR O


QUE COMEÇOU COMIGO, VERME DESGRAÇADO! —Eduardo
continuou gritando.

— O QUE COMEÇOU COM VOCÊ, MAS EU ESTOU


CUIDANDO DESDE ENTÃO. QUEM É VOCÊ PARA EXIGIR ALGUMA
COISA? DURANTE ESSES ANOS VOCÊ PODERIA TÊ-LA
PROCURADO. FEZ ISSO? O QUE VOCÊ ESTÁ EXIGINDO AQUI? —
Thiago usou o mesmo tom de voz de Eduardo.

— Você deveria temer me desafiar. Eu não sabia que tinha uma


filha! — Olhou para Maria Fernanda. — Você escondeu isso de mim. Talvez
eu tivesse tido a chance ... — Ele se calou para não ofender seu próprio
orgulho. Intimamente ele foi atingido pela sensação de insulamento. — Eu
vou acabar com você. — Ele apontou para Thiago, mas seu olhar estava em
completo ermo.

— Já chega! Saia daqui! — Maria Fernanda levantou da cadeira.

— Meus dois papas estão brigando...

Nanda olhou para a menina e a pegou rapidamente no colo.

— Thiago, ele dormiu aqui, pois esse irresponsável não estava


aguentando dirigir, eu jamais faria isso com a gente. Você é meu porto
seguro.

— Não precisa fazer isso Fernanda. — Thiago calou a namorada. —


Leva minha filha para o quarto.

Eduardo estava olhando a cena dos três à sua frente e aquela forte
pancada no peito chegou a doer. Aquele intruso tinha invadido tudo. Estava
com sua mulher, filha... Ele estava cuidando de sua família e aparentemente
muito bem. Ele não deveria estar com aquele vazio no peito, tampouco
reconhecendo que o oponente era o melhor para elas. Não! Ele não iria ser
um fraco. Aquela era sua família, iria atropelar os invasores.

— Só volte aqui para ver sua filha quanto aprender a respeitar a


presença dela e distinguir que seu papel aqui é apenas de pai. — Maria
Fernanda carregou Dudinha.

Eduardo acompanhou os olhos da menina no colo da mãe.

Thiago só esperou a namorada virar a divisa da porta e deflagrou um


soco na boca de Eduardo.

— Agora sim, você está sem condições de andar sozinho. — Thiago


era paciente até certo limite.

Eduardo nunca deixaria barato, então, um soco certeiro também


atingiu Thiago.

— Ela é minha mulher, seu moleque! E outra coisa, a Dudinha não é


sua filha! — Eduardo completou.

— Você realmente acredita que tem alguma chance? — Thiago


tocou o lugar atingido. — Não vou permitir que desordene a estrutura delas.
— O taiwanês estava enfurecido. — Ela conta os dias para o fim desse
maldito contrato. Vamos nos casar o quanto antes e eu quero você bem longe
daqui!

— NUNCA TENTE ME IMPEDIR DE VER MINHA FILHA. EU


SOU CAPAZ DE FAZER UMA DESGRAÇA SE VOCÊ PENSAR EM
VETAR MINHA APROXIMAÇÃO! — Eduardo gritou furioso.

— Então está me ameaçando? Acha que vou aceitar um sujeito


assim, perto da Dudinha?

— Ela é minha filha! A Maria Fernanda é minha mulher, você é o


intruso! Não pense que eu vou deixar esse casamento acontecer! Eu acabo
com você antes disso! — Eduardo limpou o sangue da boca. Seu corte no
lábio tinha aberto novamente e agora expelia uma maior quantidade de
sangue.

— Sou empresário...

— Um caralho para isso! — Eduardo interrompeu Thiago.

— Sou empresário e acompanho sua vida nas mesmas revistas de


negócios que em tempos compartilhamos a capa. Sei sua fama de
mulherengo, sua mente perturbada e violenta.

— É bom que fique ciente para não se meter no meu caminho. Eu


vou fazer de tudo para acabar com essa sua autoconfiança. Bom moço... Bom
moço um caralho. — Eduardo deu um chute em uma das cadeiras e saiu da
cozinha. Pegou a camisa, as chaves que ainda estava sobre o sofá e bateu a
porta do apartamento com toda sua força.
***

Sergio se aproximou do lugar estratégico, que por sinal, era atrás de


um dos quadros da parede do hall de entrada do apartamento de Eduardo,
pegou a chave reserva — que ele mesmo tinha feito — e abriu a porta.

Foi recebido por lambidas de Thor, que choramingou em uma


chantagem, por receber apenas um cafuné.

— Desculpa amigão, estou com fome e meu destino agora é a


cozinha.

Sergio foi diretamente para a geladeira e não se agradou da


quantidade de comida congelada. Não tendo muita escolha, lutou com uma
caixa de lasanha congelada até conseguir com sucesso não perfurar o fundo
do congelador.

— O Edu precisa trocar essa porra. — Reclamou ao fechar a


geladeira.

Ele colocou a lasanha no micro-ondas e em quinze minutos já estava


saboreando o prato. Thor tinha ganhado sua porção.

Eduardo entrou na cozinha com uma arma na mão e Sergio deu um


pulo da cadeira onde estava. Uma das mãos pressionou o coração.

— Qualquer dia desses, eu ainda te mato por arrombar minha casa.


— Jogou a arma de forma desleixada sobre o balcão da cozinha.

— Não arrombei, peguei a reserva. — Sergio respirou pesado.

— O que quer aqui em pleno domingo?

— Saber como está depois da noite de ontem. Você exagerou um


pouco na bebida irmão, eu não quero perder um amigo para a cirrose. Não
podemos esquecer que somos seres humanos.

Eduardo arrastou a lasanha de Sergio e comeu.

— Eu dormi na casa da Maria Fernanda, ontem. Cheguei agora a


pouco.

— Mas... ela caiu na sua? — Sergio jogou a faca sobre a mesa. —


Por que a Suelen é tão durona comigo? Eu sou mais bonzinho que você, isso
não pode ser justo.

— Não rolou nada, a não ser um aperto de coxa. — Eduardo


assoprou uma garfada de lasanha e engoliu. — Aquela mulher colocou uma
pedra no coração. — falou de boca cheia. — Eu estava doente, precisando de
cuidados e o que recebo é um tapa na cara.

— Bêbado amigo, você estava bêbado. Viu a anjinha? Como anda o


plano de pegá-la?

—Você é um sem coração, Sergio. Quem roubaria uma filha de sua


mãe?

— Mas o quê? — Sergio desacreditou. —Você, você roubaria! Que


conversa é essa agora?

— Você será um péssimo pai, Sergio. — Eduardo continuou


ingerindo o alimento.

— Eu seria um bom pai, se eu fosse um pai. Você não pode jogar


isso na minha cara. É praga, cara. — Sergio se ofendeu. — Estou querendo
entrar nessa onda. Quero um moleque correndo no apartamento, jogando
bola, lutando... Assim que a Suelen me aceitar de volta vou engravidá-la.

— A Suelen não vai te querer. — Eduardo esclareceu.

— Eu posso dar um golpe da barriga. — O olhar de Sergio parecia


planejar algo. Eduardo gargalhou. — Não vou perder tempo. Na primeira
oportunidade vou fazer um filho nela. Quem sabe o bebê nos aproxime. Vou
ser pai, cara. — Sergio sorriu empolgado.

— Tá certo, pai... — Eduardo ingeriu outro bocado da lasanha. —


Eu vou acabar com o sorrisinho daquele joalheiro, destruidor de famílias.
Odeio aquele cara e me odeio mais ainda por não ter acabado com ele quando
ainda era um adolescente. Se eu soubesse o tamanho do problema que me
daria, teria dado um fim nele antes.

— E como pretende fazer isso?

— Ainda não sei de uma maneira melhor, sem usar meu


brinquedinho ali. — Olhou para a arma sobre o balcão. — Mas eu vou pensar
em algo.
***

Quase uma semana passou, as investigações na Moedeiros


Engenharia estavam avançadas, mas Eduardo estava com certa dificuldade
nos livros contábeis e por não confiar em mais ninguém, apenas Irene e
Sergio estavam envolvidos na investigação.

Na hora do almoço, ele seguiu para o shopping, pois há uma semana


não via a filha e a saudade castigava seu peito. Não precisou chegar à porta
da loja, pois avistou Thiago com Dudinha no colo e segurando a mão de
Maria Fernanda. Realmente parecia uma família feliz. Ele saiu dali com fúria
nos olhos, orgulho aguçado e a mente arquitetando planos para dar um basta
na situação.

Ele chegou em casa desanimado e encontrou sua diarista de


confiança preparando alimentos na cozinha. A mulher visitava a casa dele
três vezes por semana para deixar tudo em ordem.

— Boa Tarde, Sônia. — Ele buscou água na geladeira.

— Senhor Edu, por que não está se alimentando direito? Deixei


comida pronta na quarta e ainda não foi tocada.

— Estou muito ocupado, Sônia. Surgiram muitos problemas e não


tenho tempo para comer em casa. Mas deixa aí, o Sergio vai passar mais
tarde. Ele dá um fim em tudo.

— Desse jeito o Senhor não vai aguentar. Eu sei que é um homem


muito ocupado, mas se não se alimentar, vai acabar definhando. — Sônia
tratava Eduardo como patrão, mas o cuidado, às vezes, parecia fraterno.

— Se fosse só trabalho, Sônia, mas surgiram problemas de todos os


lados.

— Eu também estou cheia de problemas, mas não deixo de me


alimentar. Isso nunca.

Eduardo olhou a mulher rechonchuda e não teve dúvidas de que ela


falava a verdade.

— Você já casou, Sônia? — perguntou por curiosidade.

— Que nada, senhor Edu, ainda estou esperando o divórcio do meu


noivo sair. Ele se casou quando era jovem, não deu certo e se separaram.
Agora a bendita está dificultando o divórcio.

— Mas porque vocês não vão morar juntos? Quem hoje em dia liga
para casamento? Isso é só um papel, nada mais que isso. — Eduardo tentou
mostrar interesse na conversa. Não custava nada se esforçar para dar atenção
à mulher, que cuidava de sua alimentação com tanto zelo.

— É que eu frequento a igreja. Temos ideias fundamentais e


queremos seguir.

— Então, vocês que são da igreja não podem morar juntos sem
casamento? — Eduardo passou a aplicar interesse pessoal a conversa.
— Quero casar de papel, com tudo que tenho direito. E só posso
quando meu noivo estiver divorciado. Sinto-me ilegal sabendo que ele tem
outra mulher no papel.

— Então, uma mulher que é casada e praticamente vive com outro


homem, está cometendo uma violação no seu meio, não é isso? — Eduardo
sorriu e confundiu Sônia.

— É bom fazer tudo direito. Quero começar de maneira correta.

— E fala com quem para denunciar essa porra? — Eduardo estava


mais animado, iria se agarrar a qualquer ponta de esperança.

— O Senhor vai fazer isso comigo?

— Não, claro que não. É só uma curiosidade que surgiu aqui, Sônia.
Nada que envolva você, minha querida.

— Bem, se o líder da igreja ficar sabendo, ele vai conversar com a


pessoa.

— Só isso! Ela comete adultério e só acontece isso?

— Cada um sabe de si, senhor Edu. Mas ele aconselha o casal a se


afastar até legitimar a relação. Isso foi o que aconteceu comigo e meu noivo.
O líder conversou conosco e depois conversamos eu e ele e decidimos assim.
Há seis meses só pegamos na mão um do outro e nada mais que isso.
Estamos indo muito bem. É um voto para o divórcio desenrolar mais rápido.

Eduardo gargalhou à vontade. Sônia ficou desconcertada.

— Que viagem do caralho. — Eduardo gargalhou.


Sônia estava vermelha, Eduardo levantou foi até ela, beijou sua
bochecha e apertou a espaçosa cintura em cócegas.

— Foi um voto que fizemos... — Sônia repetiu constrangida.

— Soninha minha linda, quando seu casamento sair, vou pagar a


melhor festa para você. Escolha o orçamento mais caro. — Ele caminhou na
cozinha, bebeu o último gole da água do copo e voltou a olhar para a mulher
— Seis meses, Sônia?

— Sim senhor, seis meses. — Sônia chegou a tocar suas bochechas


para sentir o calor que certamente fumegava em seu rosto.

— Esse homem é um guerreiro, dê meus parabéns a ele.

Ainda sorrindo, Eduardo balançou a cabeça de um lado a outro e


saiu do apartamento.

O destino? O salão da igreja, que viu Maria Fernanda entrar, na noite


que a seguiu.
***

Eduardo parou a sua caminhonete frente à igreja. Ele já estava a


alguns minutos, olhando na mesma direção que semanas atrás tinha visto
Thiago abraçado a sua família. Ele estava sedento para dar um basta, nos
planos de casamento planejado.

A igreja estava vazia, mas foi informado por um homem que estava
reparando o jardim, que o líder atendia em seu gabinete ao lado. Ele seguiu
para o gabinete e chamou na porta. Um senhor de meia idade usando óculos o
atendeu.
— Bom dia, eu sou Eduardo Moedeiros.

— Bom dia meu jovem, vamos entrar? — O homem deu passagem.


Eduardo entrou na sala, observando — sem muito interesse — o interior. —
No que posso te ajudar meu filho?

— Eu quero fazer uma denúncia.

— Denúncia? Do que se trata? — O homem mostrou à poltrona


onde Eduardo deveria se sentar.

— Minha mulher tem me traído descaradamente há muitos anos. É


muito triste ver minha mulher... a mulher que eu casei em prevaricação com
outro homem.

— Sim, isso é muito triste. Suponho que você veio em busca de


conselhos?

— Claro que não! Eu quero que você acabe com essa palhaçada! —
Eduardo elevou o tom de voz.

— Meu jovem! — o velho repreendeu o tom de voz de Eduardo.

— Desculpa senhor, eu estou muito abalado com essa situação. Não


é nada fácil viver sendo corno.

— Eu vou me lembrar de você nas minhas preces. Se sua mulher


fosse uma entre os meus eu ofereceria conselhos, quem sabe um encontro de
casal...

— E se eu disser que aquela safada...

— Meu jovem! Cuidado com suas palavras. — O homem o


repreendeu.

— Se eu disser que ela faz parte dessa igreja aqui e o infeliz


também. Você resolve?

— Sua esposa faz parte dessa congregação? — O velho pareceu ter


certa urgência, pois ainda não conhecia o relato dentre os seus.

— E o cafajeste também. Já mantém esse caso há anos.

O líder da igreja levantou de sua poltrona e andou pensativo pelo


gabinete. Eduardo observou cada passo que o velho dava no interior da sala.

— Qual o nome da sua esposa? — A pergunta saiu quando Eduardo


limpou a garganta e olhou para o seu rolex propositalmente para apressar o
homem.

— Maria Fernanda Moedeiros, o nome do sujeito é Thiago


Fernandes Gao Lin. Ele é dono da joalheria Império. Para melhorar sua
mente, ele deve ser um desses que dá o dízimo bem gordo.

— Nunca construa um conceito estabelecido em algo, sem ter o total


entendimento, Eduardo. A contribuição é um mandamento. Posso te explicar
quais as finalidades.

— E pelo visto, esse ele cumpre, agora o não cobiçarás a mulher do


próximo está sendo deixado de lado. — Eduardo olhou outra vez para o
relógio.

— Pelo que vejo, você aprendeu alguma coisa das escrituras.

— É sempre bom aprender a parte que nos interessa! — Eduardo


alargou a gravata no pescoço. — Existe uma ordem de importância desses
mandamentos quando é relacionado ao dinheiro? O Dízimo é mais
importante que os outros ensinamentos?

O homem observou a inquietação de Eduardo olhando o relógio. Em


sua testa já tinha acentuado as três linhas de expressão, denunciando que
tentava compreender os verdadeiros motivos para o jovem estar ali.

— Você tem tempo para ir a um lugar Eduardo? — O homem


perguntou

— Não. Tempo é uma coisa escassa em minha vida. — Eduardo


esclareceu.

— Mas eu insisto. Venha comigo a um lugar. — O velho pegou os


óculos e seguiu até a porta. — Está de carro?

— Estou. Mas não tenho tempo. Só quero saber se vai separá-los.

— Venha. — O homem abriu a porta. — Vamos conversando no


caminho.

Eduardo suspirou pesado e levantou.


***

Eduardo esperou que seu novo aliado contasse seus planos de


separação do casal durante a viagem de carro, mas durante o percurso que
durou uma hora, o velho só falou sobre o clima e infância.

— É aqui mesmo? — Eduardo perguntou quando sua caminhonete


entrou em uma vila, próximo a uma encosta. — Não sei se é seguro colocar
minha caminhonete importada aí dentro.
— Fique tranquilo. Pode estacionar aqui.

Eduardo olhou para os homens que estavam sentados em bancos


improvisados.

— Não se preocupe, são pessoas de bem. Vamos descer. — O velho


abriu a porta e saiu.

Eduardo abriu o compartimento secreto do carro, pegou uma pistola


e colocou na parte de trás do cós da calça. Ele desceu do carro e ativou o
alarme, fez isso encarando os moradores.

O velho pegou na mão dos homens e depois voltou para onde


Eduardo estava esperando.

— Há trinta dias, essa comunidade sofreu uma enchente de água e


lama. A tempestade foi devastadora e vitimou cinco pessoas, três delas,
crianças. As famílias perderam tudo o que tinham conseguido. O governo do
estado ficou de ajudá-los, a administração do município também, mas até o
momento nenhum sinal. Minha equipe os ajudava mensalmente com cestas
básicas, trezentas todo mês. Hoje a Vila da paz precisa não só alimento, ela
precisa ser reconstruída.

— Não adianta reconstruir sem planejar um sistema de infraestrutura


e controle da água da chuva no solo da encosta. — Eduardo olhou para o
relevo não muito distante. — A drenagem pode captar a água da chuva antes
mesmo de invadir o solo. Mas esse terreno é instável, o ideal seria deslocar os
moradores para outro local.

— Eles não têm para onde ir. — O assimilou a precisão das palavras
do homem à sua frente.

— Um sistema de drenagem como esse é caro, certamente está fora


do orçamento público. — Eduardo ironizou.

— Sou aposentado há muitos anos pelo Estado e a metade vai para


essas famílias. Usamos as contribuições dos membros para comprar os
materiais de construção. Fazemos campanha e acabamos de receber uma
quantia considerada, dá para começar a levantar a estrutura das cento e
sessenta casas, mas não sei o que pode acontecer se outra devassidão de lama
os atingir.

— Não adianta construir uma casa sobre terreno solúvel, pois a


qualquer momento ela desaba. — Eduardo usou mais uma vez o raciocínio
que acentuou sua experiência profissional, mas suas palavras expressaram
algo a mais em seu interior.

O velho observou o semblante dele mudar e chegou a ver os olhos


brilharem com vestígios de lágrimas.

— Você trabalha com engenharia? — O homem tinha ideia do que


estava acontecendo e queria deixá-lo à vontade, por isso desviou a conversa.

Eduardo olhou para o lado e apertou os olhos se recuperando.

— Sou engenheiro. Tenho uma empresa de engenharia, Moedeiros


Engenharia.

— Você é o dono da empresa líder em engenharia do país? — O


homem continuou analisando Eduardo. — Estive lá há uns quinze dias, mas
não consegui um horário.
— Não estou recebendo ninguém. Surgiram muitos problemas e
certamente serei o mais fracassado engenheiro do país em alguns meses... ou
antes disso. — Falou passivo. — Olha... Estou com pressa, o senhor vai ficar
ou vai querer uma carona?

— Eu conheço o casal em questão. — Eduardo olhou para o velho.


— O Thiago é muito amigo do meu neto. Então, aquela moça que chegou de
fora do país é sua mulher?

— Sim, ela mesma. E aquela criança loirinha é minha filha. Ela


engravidou e foi embora, carregando minha filha.

— Por que uma esposa fugiria do próprio marido com um filho no


ventre? — Seguiu analisando a reação de Eduardo.

— Ela era muito arisca e menina.

— Eu quero a verdade. — O velho mostrou firmeza e Eduardo se


sentiu coagido.

— Ela exigia o que eu não podia dar. — Eduardo soprou o ar pela


boca.

— O quê, precisamente, ela exigia? — O velho continuou com a


mesma firmeza.

— Amor. — Eduardo respondeu constrangido.

— Então, sua esposa queria amor e você não podia dar?

— Olha... eu não faço parte da sua igreja e o senhor não pode me


julgar dessa maneira! — Eduardo virou de costas e esfregou os cabelos,
nervoso.

— Não estou aqui para julgar ninguém, apenas ofereço orientação.

— O senhor vai dar um jeito nisso ou não vai? — Eduardo


perguntou alterado.

— Eu vou chamar os dois para uma conversa. Ainda não tinha


conhecimento desse fato. Com orientação, vou cuidar disso.

— Mas vai fazer a separação dos dois?

— Você quer sua mulher de volta? — aquela pergunta acabou


pegando Eduardo desprevenido.

— Aquela mulher tem poder sobre mim. Eu tenho certeza que é obra
de feitiçaria. — Eduardo arrancou a gravata do pescoço e abriu um botão da
camisa. — Fico louco perto dela, desde quando era uma pirralha e só tinha
olho e cabelo.

— Então, sua mulher fez encantamento para prender o próprio


marido e fugiu em seguida? — O sábio continuou analisando Eduardo e
percebeu-o nervoso.

— Ela não queria viver da minha maneira. — Eduardo passou a se


arrepender de ter ido procurar aquele homem. Aquela conversa estava
fugindo do seu controle e ele odiava o fato daquilo acontecer.

— E hoje, o que aconteceu? Por que está aqui querendo sua mulher
de volta?

— Porque a desejo, da porra do meu coração até a cabeça do meu


pau.

— Acalme-se! Vamos ter cuidado com suas palavras... — O homem


visualizou as mulheres que olhavam na direção de Eduardo. — Então você
ama sua mulher, por isso quer restituir seu casamento.

— Ela é minha, fui tolo quando deixei que ela fosse. Agora quero de
volta o que me pertence.

O velho poderia dar uma lição em Eduardo acerca de sentimentos de


posse, mas preferiu seguir por outro caminho, um caminho mais sábio.

— Eu perguntei se você a ama.

— Não me faça esse tipo de pergunta.

— Você ama sua mulher? — O velho aumentou o tom de voz

— SIM! — Eduardo gritou. — AMO AQUELA SAFADA!


QUANDO CHEGO PERTO DELA, MEU CORAÇÃO FICA DISPARADO
E A SAUDADE QUEIMA AQUI DENTRO DO PEITO. FICO COM UMA
VONTADE LOUCA DE ABRAÇÁ-LA. QUERO TOMÁ-LA COM FOME,
ESTOU COM SAUDADE, QUERO FAZER TUDO! AQUELA
ORDINÁRIA ME FAZ DE FANTOCHE SEM SABER DO PRÓPRIO
PODER! — Ele gritou e todos os moradores que estavam ao redor, ouviram
aquela declaração.

— E porque permitiu tudo isso? Por que permitiu que seu casamento
virasse um fracasso, meu filho?

— Nosso casamento começou todo errado, e se ela ficasse, sofreria.


Sou um puto sem coração, mas deixei-a ir, pois me doeria vê-la sofrer. Mas
agora tem minha filha. Posso tentar mudar. Se eu fiz algo de bom na vida eu
consigo fazer mais.

— Você tem noção de quantos casos do tipo eu já auxiliei Eduardo?

— Pelo jeito tem muita mulher safada na igreja. — Ele respondeu


com o pensamento longe.

— A maioria dos casos que auxiliei nos encontros de casais, foram


mulheres. Você precisa se acalmar, procurar a mãe criança e resolver sua
posição de pai. Vamos até a casa de uns amigos, tomar um café. — O velho
convidou. — Você precisa de mudança de atitude, meu jovem.

— Eu preciso ir agora. Sou um homem muito ocupado e tenho


muitos problemas para resolver. Vai querer uma carona ou não?

— Vou ficar mais um pouco.

— Ótimo, assim me poupa tempo. Vou fazer muita coisa hoje, para
amanhã conseguir ver minha menina.

— Vai precisar mudar seu comportamento se a intenção for


conquistá-la. Somos feitos de muitos erros e poucos acertos, mas o primeiro
passo, para mudança vem de dentro.

— Espero muito que nossa conversa resulte em alguma solução


amigável para esse caso. — Eduardo entrou no carro e saiu em alta
velocidade.
8

Thiago entrou na cobertura da namorada com Dudinha sonolenta em


seu colo. Os três estavam chegando de uma das reuniões da igreja.

Maria Fernanda contou toda a história para o líder e deixou bem


claro que não voltaria para Eduardo. O velhinho sábio, ofereceu seus
conselhos e orientou que o casal oficializasse o romance depois do divórcio,
mas mantivessem um relacionamento ponderado até o casamento.

— Vou colocá-la na cama e já volto. — Thiago não estava satisfeito


com os últimos acontecimentos.

Ele entrou no quarto da pequena, a colocou sobre a cama, tirou as


sapatilhas e enrolou-a com o grosso cobertor. Depois de um beijo nos cabelos
loirinhos, aproximou os ursos dos bracinhos e saiu do quarto.

Dudinha abriu os olhos assim que Thiago encostou a porta. Ela ainda
não sabia o que estava acontecendo, mas tinha pegado pontas de conversas
dentro do carro e seguia curiosa.

Maria Fernanda já tinha chorado, pois teve raiva da situação.


Planejou dar um ultimato em Eduardo quando o dia amanhecesse.

— Já estou indo. — Thiago parou frente à namorada que estava no


sofá da sala.
— Você está engasgado, Thiago. Vamos conversar, eu também
estou. Eduardo não tinha o direito de expor nossa vida.

— Eu não quero aquele sujeito perto de você e da minha filha. Ele é


uma má influência na criação da Dudinha. Hoje ele foi tentar nos jogar contra
o líder da igreja, mas eu já soube de coisas bem pesadas partindo dele. Não
quero Fernanda. Não o quero aqui, colocando a vida de vocês em risco.

— Dudinha já se apegou. Com ela ele age diferente ou pelo menos


demostra. Eu não queria a aproximação dos dois, mas não posso impedir.

— Você pode proibir Fernanda. A Dudinha é pequena e da mesma


maneira que ela se apegou em dois ou três encontros, pode esquecer. Criança
não sabe decifrar o certo do errado e aquele cara carrega uma bagagem de
inimigos, por isso temo pela vida de minha filha.

— Ela não é uma criança comum, Thiago. Ela sente e sofre. Você
sabe que apesar das limitações físicas, ela tem uma grande inteligência e
perspicácia. Minha filha já está sofrendo. Aquele irresponsável não aparece
há uma semana e todo santo dia ela pergunta por ele. Ela já o ama. Ele não
vale nada, mas eles têm uma ligação. Eu não vou conseguir ver minha filha
sofrer por conta disso.

Dudinha estava na divisa da porta, agarrada ao urso presenteado por


Eduardo. Os olhos estavam tristes. Os conflitos recentes estavam bagunçando
sua mente.

— Um pai que não está se importando com ela. Que vive metido em
confusão e pancadarias. Que carrega um mau exemplo... Alguns meses atrás
tentaram matá-lo. Eu não quero imaginar minha filha estar com ele em um
momento como esse. Ele tem muitos inimigos, porque ele faz inimigo por
onde passa. — Thiago caminhou frente à namorada, estava nervoso. — Eu
não vou deixar minha filha correndo risco de vida ao lado daquele sujeito
asqueroso. Amo-a como parte de mim e me sinto no direito de querer vê-la
segura.

— Tentaram matar o Eduardo? — Maria Fernanda perguntou.

Dudinha colocou a mão sobre o coração e apertou o urso de pelúcia


em um abraço.

— Sim. Você entende minha preocupação? Mas não vamos brigar.


Foi isso o que ele planejou. — Thiago ajoelhou frente à namorada. — Vamos
amanhã, escolher seu carro, de preferência blindado. Não posso te buscar e
levar nos lugares quando precisa e não me agrada a ideia de táxis
desconhecidos.

— Ainda não consigo dirigir, mas vou procurar um motorista. A


Suelen ficou de providenciar o dela essa semana.

Maria Fernanda tinha capotado o carro quatro meses antes, e mesmo


tendo poucas escoriações, ela não tinha superado o impacto do trauma.

— Vou cuidar disso para você. — Thiago beijou os lábios dela. Ela
estava com o olhar distante, absorvendo a informação.

Dudinha voltou para o quarto, estava triste e preocupada.


***

— Está melhor agora? — Suelen juntou-se a Maria Fernanda e


Dudinha na mesa do café da manhã.

— Como eu poderia estar? Aquele homem já extrapolou todos os


limites.

— O Dudu, maman? — Dudinha estava lutando contra a salada de


fruta.

— Coma tudo, meu amor. — Nanda tentou despistar a conversa.

— O Dudu te fez chorar? — Ela insistiu. — Você chorou ontem no


carro do papa.

— Dudinha, você está mudando de assunto para não comer. —


Suelen colocou suco no copo da sobrinha. — Beba seu suco, princesinha.

— O Dudu vem me ver hoje? — A menina insistiu em falar do pai.

— Eu que vou vê-lo, daqui a pouco. — A mãe respondeu largando a


colher ao lado do recipiente vazio.

— O Dudu? Eu também posso ir? — Dudinha deu dois pulinhos na


cadeira denunciando sua alegria.

— Você vai vê-lo, Nanda? — Suelen perguntou surpresa.

— Vou e você vai para a escola, Dudinha. A maman tem uma


conversa de gente grande para tratar com seu pai.

— Eu só queria levar o Rudolf para visitar o Dudu. — A menina fez


um biquinho dengoso. — O Rudolf está com tanta saudade dele. — Dudinha
falou com os olhos tristes.

— Fala para o Rudolf comer a salada de frutas todinha. — A mãe


procurou os olhos da filha, mas a pequena abaixou o rosto. — Dudinha... O
que foi, filha?

— Nada não. — A menina permaneceu de olhos baixos. — Acho


que estou crescendo e ficando com dores no coração.

Maria Fernanda olhou assustada para Suelen.

— Eu vou trazer um presente para você minha petite! — Suelen


enfatizou a empolgação. — Vou passar no shopping e comprar outro urso
para sua coleção.

— Seria bom se os corações dos adultos também curassem com


presentes. Assim eu daria a metade dos meus ursos para curar o Dudu. — Ela
desceu da cadeira e permaneceu com os olhos baixos. — Vou escovar meus
dentes.

— Meu amorzinho... — Maria Fernanda abraçou a filha. — Maman


jamais permitiria ver você sofrendo. Se você não estiver bem, meu coração
também dói. — A mãe beijou os cabelos da menina e deixou uma lágrima
cair.

— Se o Dudu for bonzinho com você, fala para ele que o Rudolf está
com saudade. E se ele tiver um tempo sobrando, pede para passar aqui. —
Maria Fernanda viu uma lágrima descendo dos olhos da menina e a abraçou.
— Ando tão preocupada com o Dudu. Ele não está bem. Meu coração é
pequeno, mas eu sinto.

Maria Fernanda olhou novamente para Suelen, as duas estavam com


lágrimas nos olhos.
— A Maman vai dar um jeito nisso, petite. Não fique triste. —
Maria Fernanda beijou os olhinhos graúdos. — Vai escovar seus dentes, não
quero que se atrase para escola.

Dudinha seguiu para o quarto com os olhos baixos.

— Se apresse Suelen. Você vai comigo.


***

As duas amigas desceram do táxi frente ao prédio da Moedeiros


engenharia. Maria Fernanda sentiu seu coração apertar ao lembrar que tinha
sido trocada por aquela empresa. Tudo que Eduardo tinha idealizado estava
ali. Lembrou-se de quando o viu na inauguração frente a fotógrafos, ele
estava feliz, realizado e abraçando a outra mulher.

— Ele conseguiu. — Ela mirou os cinco andares do prédio, que era


de uma arquitetura inovadora.

Entraram pela luxuosa recepção e estavam fatalmente lindas e


seguras.

— Bom dia. Por favor, me conceda dois crachás de acesso para


visitantes. — Maria Fernanda solicitou.

As atendentes, que estavam alinhadas em terninhos impecáveis,


analisaram as mulheres com atenção.

— Bom dia. Marcaram hora? — Uma delas tomou a iniciativa de


perguntar.

— Preciso falar com o presidente da empresa. Sou Maria Fernanda


Moedeiros.
Uma das jovens que teclava um texto qualquer no Word acabou se
engasgando com a própria saliva.

— A rádio corredor aqui é forte, não é danada? — Suelen pegou um


catálogo sobre o balcão e passou a ventilar a mulher.

— Podemos subir agora? — Maria Fernanda tinha pressa.

— Me desculpe senhoras, mas o presidente está em uma reunião e


não autorizou a visita de ninguém. — A mulher parou depois de receber uma
olhada naturalmente desafiadora de Maria Fernanda — Mas podem subir. —
A atendente saiu de onde estava e passou à frente das duas. — É por aqui. A
sala de reuniões fica no quinto andar, as meninas levarão vocês até lá, vou
fazer uma ligação para elas.

— Obrigada. — Maria Fernanda entrou no elevador e Suelen ao


lado.

No último andar, elas encontraram um grupo de secretárias


executivas, que aproveitavam às reuniões para colocar os assuntos paralelos
ao trabalho em dia.

— Bom dia. Onde fica a sala de reuniões? Quero falar com o


presidente. — Maria Fernanda pronunciou.

As mulheres consertaram seus terninhos e assumiram postura ereta.

— Já estão com a liberação? — perguntou Irene, à secretária de


Eduardo.

Suelen mudou sua bolsa de lado demonstrando total falta de


paciência.
— Acredito que não preciso de liberação para entrar em minha
própria empresa, estou certa?

Irene ajeitou os óculos e encarou Maria Fernanda com precisão. Já a


tinha visto no shopping, em uma das reuniões com Eduardo e Sergio.

— Desculpe senhora, é logo ali à frente. Vamos. — Irene deu uma


curta olhada para as colegas e então seguiu a frente para indicar o caminho.

— Mulher estranha. — Suelen sussurrou ao ouvido de amiga.

— Essa é a sala. Vou anunciar vocês. — Irene colocou a mão na


maçaneta de aço.

— Eu assumo daqui. — A patroa a impediu com a mão sobre a dela


e deu um sorriso simpático.

— Claro. Com licença. — Irene se apressou em se distanciar da sala.

— ISSO É INADMISSÍVEL! ESTOU LIDANDO COM


CRIANÇAS IMATURAS! — Os gritos de Eduardo eram ouvidos do lado de
fora.

Maria Fernanda levantou a mão e deu sinal para Suelen continuar


onde estava.

— SERÁ QUE VAI SER PRECISO EU DEMITIR TODOS E


FAZER O SERVIÇO DE CADA UM DE VOCÊS? — O som das pancadas
na mesa estrondava no lado de fora. — PERDEMOS TRÊS. DESSA VEZ
FORAM TRÊS CLIENTES. MEU PROJETO DE VIDA ESTÁ SENDO
ARRUÍNADO PORQUE EU RECRUTEI INCOMPETENTES! VOU
PASSAR OUTRO PENTE FINO NOS DEPARTAMENTOS, DESSA VEZ
NÃO VOU POUPAR NINGUÉM! NÃO VENHAM CHORAR...

Eduardo se calou quando viu as duas entrando na sala.

A mesa de reuniões acomodava dezoito pessoas e alguns lugares


estavam vazios. Elas se sentaram na lateral e Maria Fernanda sorriu
educadamente para os homens da mesa.

— Bem, então... Vamos trabalhar corretamente pessoal. — Eduardo


falou manso. — Não quero mais ouvir queixas de vocês. Estamos indo muito
bem, continuem assim. Vamos ainda mais longe. — Olhou para Maria
Fernanda. — Agora podem ir, a reunião está encerrada.

— Pode continuar. Não se prenda por minha presença. — Maria


Fernanda falou olhando diretamente para ele.

Sergio colocou a mão sobre a mesa e escondeu o rosto entre os


dedos, se recusando a olhar para a feição do amigo.

— Amanhã no mesmo horário, pessoal. — Eduardo arrumou uma


papelada que estava sobre a mesa, mas ele nem sabia do que se tratavam os
papéis — Vão, podem ir. — Continuou arrumando a mesa.

— Gato... — Viviane passou as mãos sobre os ombros de Eduardo,


mas ele a empurrou e disfarçou a postura. Viviane se chocou com uma planta
e quase caiu de sobre o salto.

— A reunião acabou Viviane. Pode voltar para o seu setor. — Ele


limpou a garganta e continuou mexendo na papelada.

— Você precisa se acalmar, depois de uma reunião estressante como


essa. — A voz da loira era infantilizada, típica de uma de mulher velha e
mimada.

— Saia! — Maria Fernanda mandou.

— É o quê? — Viviane tentou desafiá-la.

— Saia logo antes que eu te mostre o caminho por aquela janela. —


Suelen a ameaçou.

— Quem você pensa que é, empregadinha? Estar com um Louis


Vuitton não quer dizer que deixou o cheiro de pano de chão! Você é a mesma
sem graça e aposto que já abortou muitas vezes durante esses anos.

— Viviane! — Sergio saiu de onde estava e apertou a mão no braço


da mulher. Ele nunca tinha agido daquela maneira contra a colega de
trabalho. Viviane se assustou com o impacto. — Melhor pedir desculpas a
Suelen.

— O que é isso? Quem te deu o direito de tocar em mim dessa


maneira? Agora vai defender a empregadinha que engravidou de outro
quando estava com você?!

Sergio olhou para Suelen e viu a tristeza nos olhos verdes. Mas o
estado de espírito só durou alguns segundos, pois Suelen soube camuflar.

— Não precisamos mais de seus serviços, você está desligada da


Moedeiros engenharia. Pegue suas coisas e saia. — Maria Fernanda ordenou.

— Eduardo! — Viviane olhou para o chefe.

Eduardo estava com os lábios abertos e os olhos sobre a mulher loira


de pernas cruzadas e nariz naturalmente elevado. Ele contornava o rosto de
Maria Fernanda, anelando tocar na pele macia e bem cuidada. Sentiu uma
queimação no peito. Ele queria aquela mulher. Desejava senti-la dentro dos
seus braços outra vez.

— Eduardo, faça alguma coisa! — Viviane gritou exigente. — Ela


está me humilhando!

— Não se esqueça de... passar no RH. — Ele falou, mas os olhos


estavam sobre Maria Fernanda.

— O quê? — Viviane soltou um grito agudo.

— Vejo que seu cabelo cresceu três centímetros. — Suelen se


aproximou de Viviane. — Agora está mais fácil para fazer isso. — A morena
enfiou os dedos dentro dos cabelos de Viviane e a arrastou em direção à
porta. — Vamos ali fora resolver umas questões.

— Eduardo! Você está vendo isso? — Viviane gritou com o corpo


curvado — Eduardo!

Sergio acompanhou Suelen sem interrompê-la. Antes de deixar a


sala, deu uma curta olhada para o amigo e fechou a porta.

— Acabou de demitir minha gerente administrativa, deveríamos ter


conversado sobre essa decisão antes. Eu não poderia imaginar que te
encontraria aqui. — O homem estava sorridente. — Aceita um café, uma
água? Ou quem sabe um... — Ele sorriu, mas não terminou de falar, pois foi
empurrado sobre a mesa por uma Maria Fernanda enfurecida.
9

— Saia definitivamente da minha vida ou eu vou tomar tudo o que é


seu! — Ela apontou o dedo diretamente no rosto dele e sentiu o corpo tremer
de raiva.

— O que é isso? — Eduardo sorriu sem nenhum humor.

— Onde você encontrou moral para me acusar de adultério, denegrir


a minha imagem e bagunçar o relacionamento que me cobre de amor? —
Eduardo odiou mais as palavras que o fato de estar sendo encolhido pela
autoridade dela.

— Somos casados, Maria Fernanda... — ele tentou se explicar, mas


recebeu um tapa forte no rosto. — Agora pegou gosto por isso! Nunca mais
repita...— Recebeu outro.

— O que você quer? — Ela o estapeou. — O que pretende fazer?


Fala! Seu egocêntrico, destruidor! — Maria Fernanda continuou o atacando.
— Acabou com meu equilíbrio emocional no passado e agora quer acabar
com minha felicidade? — Eduardo segurou os dois braços dela. Ele ainda
estava encurralado na mesa. — O que vai fazer, temido senhor Eduardo, me
espancar? — As palavras dela saíram em um misto de ironia, raiva e
embargo.

— Estou pensando seriamente nisso, agora mesmo. — Ele falou


hipnotizado pelos olhos azuis à sua frente, apesar do rosto estar ardendo.

— Não tenho medo de você! — Ela o acertou no meio das pernas e


se afastou, sentindo os braços queimarem pelo aperto das mãos dele.

— O que está acontecendo com você? — Ele se curvou em busca de


alívio para a dor que atingiu suas partes íntimas. — Eu jamais levantaria a
mão para você.

— Se recupere. Ainda não dei o recado. — Ela ajeitou os cabelos e


jogou para trás.

— Apenas fui fazer um alerta àquele homem. Ele não poderia ficar
sendo enganado. Você só pode se relacionar com outro homem depois de
estar divorciada, e casada com ele? — Maria Fernanda já estava em certa
distância da mesa e apenas o olhou enfurecida. — Eu não vou permitir essa
palhaçada, Maria Fernanda. — Ele puxou uma cadeira e sentou. — Preciso
de um médico, você machucou quem mais te ama. Não venha reclamar no
futuro se meu pau estiver torto.

— Continua o mesmo boca suja. Suponho que planeja investir contra


minha felicidade por capricho? Você não vai conseguir tirar minha paz!
Nunca planejei vingança contra você, pois viver as alegrias do meu futuro
não tem preço. Mas eu quero que grave minhas palavras: se você se meter no
meu relacionamento outra vez, não vou medir esforços e mexer no que você
mais ama. E começo te demitindo da minha empresa.

— Você está nervosa, mulher. Vamos até minha sala. — Já se


recuperando, ele tocou a testa verificando o suor herdado pelos segundos de
dor. — Então, está separada do Taiwanês? — Ainda evidenciava uma careta
de sofrimento.

— Asqueroso, odioso, sujo! — Ela voltou a atacá-lo. — Esse é o seu


plano, mas você não vai conseguir destruir a minha felicidade. — A voz dela
tremeu. — Vou pedir o litigioso. — Ela se afastou e pegou a bolsa.

— Maria Fernanda... — Eduardo afrouxou o nó da gravata e


levantou. — Não brinque com isso. Ninguém vai tocar em minha empresa.
Vou te devolver o dinheiro do investimento. Há muito tempo deixei esses
milhões separados. Mas não cogite a possibilidade de tirar isso aqui de mim.
Construí tudo sozinho. Sacrifiquei uma parte de mim por esse
empreendimento. Não quero travar uma briga, mas não pense em tocar na
minha empresa, pois serão dois pesos e duas medidas.

— Você está ameaçando pegar minha filha? Depois de tudo o que eu


passei sozinha? — Maria Fernanda sentiu um nó amargurado arranhar sua
garganta. — Você não poderia nem pensar na possibilidade. Dudinha não é
um objeto para você me atingir. Ela é muito fácil de se apegar, já está iludida
com você. Toda essa proteção que eu tenho é para resguardá-la disso aí, do
seu egoísmo. Você pensa unicamente em você!

Eduardo observou a mulher um pouco vulnerável à sua frente e


sentiu mais uma vez a agonia no peito. Ele levou a mão até lá. Aquilo era
algo inusitado que ele só sentia quando estava ao lado dela.

— Você teve seus motivos para esconder a gravidez, mas toda vez
que você fala que passou tudo sozinha, sinto-me na obrigação de te lembrar
de que você escolheu dessa maneira. Somos um conjunto de erros. Muitos
meus, apenas um seu, mas essa menininha está mudando minha vida, eu
tenho certeza que ela teria esse poder antes. Eduardo não se deu conta, mas as
lágrimas encheram seus olhos. Maria Fernanda chegou se assustar com a
cena, mas ela também se emocionou, pois pensou nas palavras da filha.

— Você nos faria sofrer. Esse é um erro que tenho orgulho de


assumir. — A voz dela saiu engasgada. — Não sei se a Dudinha estaria viva
se eu não tivesse tomado à decisão de tê-la longe de você.

— Não fala isso, mulher.

— Eu era tão ingênua, me apeguei aos seus momentos; aos raros


momentos que me persuadia com as sobras do que você vivia na rua. Passei a
gravidez toda deprimida, dolorida por complicações e sem poder sair da
cama... Eu não gosto de lembrar. — Ela tocou o lado dos indicadores abaixo
dos olhos com cuidado para não manchar a maquiagem. — Já entreguei o
recado. Tenho certeza que por sua empresa você me deixará em paz.

— Vou transferir o dinheiro para sua conta. — Eduardo estava


cabisbaixo, sentindo o peso das suas atitudes do passado.

— Não se trata de dinheiro, Eduardo! Eu nunca me importei com


dinheiro. Tudo o que eu tenho, consegui com meu trabalho. Só toquei no que
recebi da madrinha, pois precisava pagar o tratamento da minha filha e depois
meus estudos. O que aconteceu conosco vai muito além do dinheiro e da má
ideia em aceitar fazer parte deste contrato.

— Eu sei... Eu aprontei feio com você e nunca me arrependi disso.

— Eu sempre soube que você não seria um ser humano capaz de


arrependimento. Você faz tudo friamente e é isso que te traz prazer.

— Agora estou arrependido.

— Você nunca passaria sobre seu orgulho. — Maria Fernanda


continuou falando, tentando afastar a ideia do que Eduardo tinha acabado de
dizer.

— Você me ouviu? — Ele gritou — Eu não sei... eu não sei uma


maneira correta de dizer isso. Mesmo eu esclarecendo minha situação desde o
início, não alivia o peso do desastre que eu fui para você.

— Não gaste suas palavras persuasivas! — Ela sustentou a bolsa e


andou rápido na direção da porta, fugindo da conversa.

— Por que faz isso comigo? — Eduardo se colocou na frente da


porta, impedindo-a de ser aberta.

— Saia da minha frente. — Ela respirou fundo.

— Vamos conversar. — Eduardo reivindicou o olhar dela só para


ele.

— Não me olhe dessa maneira, você não tem esse direito.

Eduardo puxou uma mecha do cabelo dela e começou a enrolar nos


dedos.

— Já falei que não gostei desse corte?

— O que pensa que está fazendo? — Maria Fernanda estapeou a


mão do homem. — Não toque em mim com intimidade. — Afastou-se,
esperando ele sair da porta.
— Quero você de volta. Como vamos fazer? — Ele se aproximou
dela novamente.

— Eduardo, me respeite, pois eu tenho compromisso. — Ela tentou


abrir a porta, mas foi encurralada.

— Se não tiver outro jeito, podemos voltar na condição de amantes.


— Falou com os olhos baixos.

— Continua me desrespeitando. — Ela se livrou do aperto entre ele


e a porta.

— Eu quero você, Maria Fernanda — Ele seguiu atrás dela. — Por


que é tão difícil de entender isso?

— Estou prestes a me casar. Tenho uma vida ao lado do Thiago. Se


não consegue respeitar minhas escolhas, faça isso por eu ser mãe da sua filha.

— Você tem uma vida, mas é comigo! A Dudinha é a nossa vida,


será que não entende isso?!

— Não grite comigo. Sei sua fama de agressividades. Não ultrapasse


meus limites ou eu tomo minhas providências.

— Eu nunca vou te agredir, mas não me bata outra vez. O que você
faz comigo, mulher nenhuma ousou fazer. Quando você sair, vou precisar
quebrar algumas coisas, mas nunca vou tocar minhas mãos em você. Hoje
vou ver minha filha. Estes últimos dias só consegui sair daqui no meio da
madrugada e logo cedo tinha que voltar.

— Por ela sou capaz de tudo. Se você preferir, eu pago as suas horas
produtivas para que a visite uma vez por semana, sob meus olhos.
— Que conversa é essa agora? — Eduardo se ofendeu.

— Separe o desastre que tivemos da relação com sua filha. Passe por
cima de seu orgulho e vá vê-la. Estou passando sobre o meu ao te pedir isso.

— Já fiz isso hoje, mas você não me deu ouvidos. Se eu te quero é


porque eu sinto meu coração acelerar toda vez que estou perto de você. Não é
fácil dizer isso. Errei muito com você e vou demorar um tempo até eu parar,
pois não sou capaz de mudar da água para o vinho, mas eu quero tentar e
peço sua ajuda.

— O que o medo de perder a empresa não te obriga a fazer, hein?


Aquela adolescente que você iludia não existe mais. Hoje sou forte para lutar
contra suas falsas investidas.

— Forte, linda, irresistível, gostosa, o mesmo nariz empinado e um


pouco mais de volume em partes tentadoras... — Eduardo completou,
analisando a mulher em todos os centímetros do corpo. — Você está me
deixando ainda mais doido, mulher.

— Você nunca deixou de ser um descarado, pervertido.

— Sim! Sempre fui, mas agora quero ter isso só com você. —
Eduardo pegou a mulher pela cintura e a puxou para mais perto — Vamos
sair daqui. — sussurrou em seu ouvido. Ele era experiente o suficiente para
ter noção da reação que o corpo dela teve.

— Me larga!

— Estou a mais de uma semana sem sexo.

— Não quero saber da sua vida pessoal. — Ela tentou se soltar, mas
Eduardo não permitiu.

— Estou mudando. Bati meu recorde de três dias. — Ele falou


orgulhoso. Não perdeu tempo e arriscou um beijo, próximo à orelha dela. —
Estou com uma abstinência do caralho, mas prometo ir devagar como da
primeira vez. — Ele entrelaçou os dedos por baixo do cabelo de Maria
Fernanda. — Você está mais madura para aguentar meu porradão.

Ela o empurrou.

— Nunca. Mais. Faça. Isso. Novamente. — Maria Fernanda falou


pausadamente tentando recuperar o fôlego.

— Eu quero você, Maria Fernanda, e já estou ficando louco.

— Pois mande trazer uma camisa de força! — Maria Fernanda


puxou a porta e saiu da sala.

— Eu vou te reconquistar, ferinha... Vou fazer você esquecer de todo


mal que eu já te fiz. — Ele abaixou os olhos e abriu o zíper da calça para
constatar se estava tudo bem com — segundo ele — sua preciosidade.

Maria Fernanda encontrou Suelen no corredor discutindo com


Sergio e as coisas entre eles também não pareciam estar nada bem.

— Maria Fernanda, eu quero falar com você. — Sergio falou,


alisando um dos lados do rosto.

— Vamos, Su. — Maria Fernanda não deu importância para o


homem.

— Espera, Maria Fernanda. — Sergio correu atrás das duas no


corredor.

— O que quer agora, psicopata? — Suelen encarou Sergio.

— Se for para pedir ajuda com a Su, saiba que a resposta é não!
Você também é outro que não vale muita coisa. — Maria Fernanda continuou
andando.

— Não, não é nada disso. Apesar de que, se você quiser me ajudar,


eu aceito de bom grado. — As mulheres não pararam. — Espera, é outro
assunto. É muito importante.

— Pode falar! — Maria Fernanda parou com a feição séria, mas por
dentro curiosa.

— Vamos à minha sala. É meio sigiloso. — Sergio se aproximou


para um sussurro, mas Suelen o ameaçou apenas com um olhar e ele se
endireitou, puxando o terno.

— Cinco minutos não vão interferir muito. — Maria Fernanda olhou


para Suelen. A mulher já estava muito curiosa.

Dentro da sala, Sergio correu para sua mesa.

— Sentem-se as duas. — Ele ofereceu as cadeiras e as duas


mulheres se sentaram, olhando uma para a outra, em desconfiança.

— Minha Suelen deixou escapar...

— Já falei que não sou nada sua! Quer apanhar outra vez para
recordar? — A morena de pavio curto levantou da cadeira e se debruçou na
mesa para chegar até Sergio, mas a amiga segurou em seu braço e a faz sentar
na cadeira.

— A Suelen falou que você tem mestrado em Técnicas Financeiras.

— Sim, conclui na França logo após meu bacharelado em economia.

— Uau! O Edu vai gostar em saber disso... Já contou a ele?

— Por que eu deveria prestar um relatório da minha vida ao


Eduardo, Sergio? Fale logo o que quer.

Sergio limpou a garganta. Ele ainda não estava acostumado com a


segurança de Maria Fernanda.

— Olha só, há pouco tempo descobrimos um rombo no balanço


patrimonial da empresa, fora os vazamentos de informações internas para
nossa concorrente e perda dos clientes de maior peso financeiro.

— Já descobriram alguma solução? — Maria Fernanda se


interessou, afinal, o patrimônio também era herança de Dudinha.

— Nem eu, muito menos o Edu entendemos sobre finanças. Ele não
confia em mais ninguém, não estamos conseguindo sair do lugar.

— Empresários que não sabem nada de finanças, o fim é esse, o


buraco. — Suelen jogou na cara de Sergio intencionalmente.

— Eu sou engenheiro, o Edu é engenheiro, eu não tenho tempo para


estudar outra coisa. Você não sabe do que está falando, Suelen. Carregamos
isso aqui nas costas e nunca...

— Continua sem saber gerir finanças. — Suelen o interrompeu.

— Você sabe o tamanho do problema que estamos passando? —


Sergio passou a se explicar.

— Sergio, não quero saber suas aptidões profissionais ou a falta


delas. — Maria Fernanda estava com sua curiosidade a mil e ouvir uma velha
ladainha, não seria mais importante do que saciar seu apetite pelo saber. —
Quem cuida do financeiro?

— Tínhamos um diretor financeiro que jura não saber o que


aconteceu, mas já está sendo processado. As investigações estão em sigilo,
mas parece que o peixe podre fez o trabalho bem feito.

— E o que, precisamente, está sugerindo com esta conversa? —


Maria Fernanda perguntou.

— Quero que nos auxilie com as investigações internas.

— Você quer que eu organize a incompetência dos dois?

— Não precisa usar essa palavra. Isso é muito forte. Eu quero uma
ajuda.

— Vou pegar minha empresa de volta, eu só quero que saiba disso.


— Maria Fernanda deixou claro.

— Está enlouquecendo, Maria Fernanda? Quer matar o Edu de vez?

— Mande o que puder para esse e-mail. — Ela pegou uma caneta
sobre a mesa e escreveu seu endereço eletrônico. — Vou limpar a bagunça e
depois vou providenciar demissões de funcionários incompetentes.

— Você falando assim... — O sorriso de Sergio saiu nervoso — Faz


parecer uma ameaça. Vou mandar agora mesmo. E os livros?
— Me mande quando puder. Mas quero saber onde estou me
metendo primeiro.
10

Dudinha estava na escola quando avistou uma ratazana doméstica


comendo farelos de lanches no jardim. O bicho tinha fugido da casa dos
donos há uma semana e, desde então, perambulava pelas ruas. De longe, ela
colocou as mãozinhas nas bochechas em admiração e caminhou devagar
parando frente ao bicho, que olhou para os lados procurando uma escapadela.

— Não tenha medo ratinho. Sou a Dudinha, qual o seu nome? — Ela
se abaixou e o rato arregalou os olhos. — Claro, que pergunta boba! Ratos
nunca descobriram as palavras. Você não deveria comer os restos de pipocas
do chão. — Colocou as mãos na boca e sussurrou em um segredo: — Podem
estar contaminadas. — Por alguma razão, o grão que estava nas mãos do rato
despencou no chão. — Você tem cara de... hum... — batucou os dedinhos no
queixo. — Julien. Vou te chamar de Julien. Você está precisando de um bom
banho, Julien, e também de uma dieta. Andou revirando os lixos, não foi? O
que a necessidade não faz... fome é tão triste. Há pessoas que morrem por não
conseguir alimento. Ainda mais um rapaz robusto como você, que precisa
fazer várias refeições durante o dia. — Olhou para o bicho que a encarava. —
Não chore, Julien, vou te oferecer um teto até as coisas melhorarem na sua
vida. — Abriu a lancheira. — Venha. Você não vai precisar sentir frio e
fome.
***
Era noite e Maria Fernanda estava na mesa de jantar com o notebook
ligado. Ela estudava o histórico privado da Moedeiros através das senhas que
Sergio tinha fornecido.

— E então, gatona, já desvendou? — Suelen depositou duas xícaras


de chá sobre a mesa. A morena estava esperando o táxi, pois naquela noite
dormiria na casa dos pais.

— Estão desviando dinheiro da Moedeiros há três anos. Certamente


o responsável pelo financeiro está envolvido, foi manipulado ou trapacearam
até ele. Só as investigações vão dizer. — Maria Fernanda falou sem desviar
os olhos da tela do notebook. — Um empresário que não entende sobre
finanças está sujeito a isso. Infelizmente o mundo dos negócios não é
confiável, sobretudo quando se tem inimigos. Ou você se capacita para ser o
doutor de sua empresa ou fecha sociedade com alguém capacitado. Não dá
mais para confiar apenas em bons currículos.

— Então, quer dizer que o Eduardo fodão Moedeiros Neto, pode


falir a qualquer momento? — Suelen perguntou.

— A empresa foi o que ele sempre quis. Rejeitou tudo por ela. E
hoje, o que restou desse império? — Maria Fernanda olhou para a amiga. —
Dívidas com a receita federal, fornecedores e um furo horrendo no prévio
balanço patrimonial que fiz. Vou estudar os livros da empresa, mas não vejo
muita coisa a fazer. Cheguei tarde minha amiga. As multas não estavam
sendo pagas e o dinheiro aparentemente, desapareceu. Resta saber, quem fez
esse trabalho tão bem elaborado no intuito de afundar a Moedeiros.

— Ele vai soltar fogo pelas ventas quando receber a notícia, gatona.
— Eduardo já deve fazer ideia do que está acontecendo. Mas vou
investigar a fundo. Parte da Moedeiros é minha e mesmo não me interessando
com o ramo do empreendimento, estou com o meu instinto aguçado para
pegar esse ladrão. Houve desvio no fundo fixo da empresa recentemente,
ainda estão sugando. Também vou analisar o que resta do ativo e se cobrem
as dívidas adquiridas pelo nome da empresa. Se ainda for possível, evitar o
pior que é declarar falência.

— Por isso a preocupação do Sergio. Se a Moedeiros falir por conta


das dívidas, perderão o nome da empresa. — Suelen completou.

— É uma série de etapas, anos de desgaste para requerer a


recuperação judicial. Uma empresa desse porte dificilmente consegue se
reerguer, os processos trabalhistas seriam muitos e a credibilidade no
mercado seria abalada. Isso é uma grande ironia, Suelen. Muito tempo atrás,
em um momento de insistência e até humilhação de minha parte, pedi para
continuarmos com o casamento, que eu o ajudaria na empresa. Ele riu das
minhas palavras. Eu estava sofrendo, pedindo uma chance para nosso
casamento e ele, coberto pelo ego e discurso racional, zombou de mim. Eu
nunca quis vingança, preferi não olhar para trás, mas vendo o que está
acontecendo, sinto um forte desejo de esfregar na face dele todas as palavras
que ele me falou e que agora martelam em minha mente.

— No seu lugar, eu esfregaria palavras, diplomas e em seguida,


muita porrada. — Suelen observou os olhos graúdos de sua amiga brilharem
com lágrimas relutantes. — Eu sei que você é fina, gatona, mas é preciso
descer do salto de vez em quando. Se possível, pegue o tamanco e dê na cara
para valer a pena ter pisado no chão. Desculpa amiga, sou nordestina, não
tem elegância e amabilidade que segure meu sangue quando ele esquenta.

Maria Fernanda sorriu, lembrou-se dos tapas estalados que Eduardo


tinha levado no rosto.

— Meu sangue esquentou hoje e ataquei o Eduardo. Queria ter


batido mais, foi libertador. — Maria Fernanda juntou as mãos e escorou o
rosto.

— Gatona arretada! — Suelen sacudiu o ombro da amiga. — Foi


quando eu estava tendo uma conversa amigável com a Viviane lá fora? —
Maria Fernanda confirmou com o rosto, sorrindo desleixadamente. — Aposto
que até para descer a porrada você fez na classe. Coisa que eu não consigo.
Se o mau-caráter do Sergio não tivesse me segurado, eu tinha acabado com a
vaca.

— Descemos do salto hoje... — Maria Fernanda fechou o Notebook.


— Mas vamos evitar. Somos adultas e essa não é a melhor saída, embora
tenha sido prazeroso meter minha mão na cara do pai da Dudinha.

— Eles estão visualmente diferentes, não é? — Suelen levou a


xícara até boca e olhou para a amiga ainda com os lábios presos na porcelana.

— Estão mais velhos, Suelen. O Eduardo está com trinta e três, a


fisionomia muda com o tempo. — Maria Fernanda também pegou sua xícara
e provou o chá.

— O mau-caráter do Sergio teve a cara de pau de me convidar para


sair. — Suelen contou como desaforo.
— E você? — Maria Fernanda passou a analisar as reações da
amiga.

— Eu o quê?

— Suelen, Suelen... não me diga que está balançada com aquele


homem novamente?

— Nunca! Minha mão demonstrou isso no rosto dele.

— Eu não quero ver você machucada outra vez. — Maria Fernanda


largou a xícara sobre a mesa.

— E não vai! — Suelen bebeu mais um pouco de chá. — Você viu


como aquele “fi da peste” está forte? O cabelo também está diferente, fez um
corte charmoso...

— Suelen! — O grito de Maria Fernanda acordou a amiga, que


pensava alto, inalando a fumaça do chá como se fosse uma droga alucinante.

— Foram apenas algumas observações, gatona. Já esqueci essa coisa


de músculo no corpo de um homem sem coração. Vou sair novamente com o
amigo do Thiago. Ele é romântico e estou apostando que dessa vez dará
certo. Quero um anel neste dedo de rainha. — Suelen bateu os cílios e em
seguida beijou carinhosamente o próprio dedo anelar.

— A tante vai casar? — Dudinha chegou vestida em seu pijaminha e


com o urso denominado Rudolf em uma das mãos.

— Ma princesse, vem cá no meu colo. — Suelen ergueu a menina e


a colocou sentada em seu colo. — Eu quero que me prometa uma coisa.
Prometa-me que não irá se iludir com nenhum homem deste mundo... Nem
de outro. — Suelen emendou antes de Dudinha inventasse a pergunta.

— O que é iludir, maman? — A menina buscou resposta na mãe.

— É não deixar se enganar com palavras e atitudes que aparentam


ser boas. — Maria Fernanda respondeu.

— Me prometa que só vai cair nas garras de um homem, quando


estiver com um anel bem grosso e cravado de diamantes em seu dedo. —
Suelen levantou o dedo mindinho

— Iludir tendo um anel de diamantes pode, tante? — Dudinha


tentou entender.

Maria Fernanda olhou para Suelen com um leve desespero no olhar.


Ambas sabiam que precisavam escolher às palavras certas com Dudinha. Ela
não deixava passar nada despercebido, estava sempre curiosa e fazendo
perguntas.

— Não, Dudinha, também não pode se iludir só porque recebeu um


anel. Você tem que amá-lo e saber que é correspondida, com respeito e
carinho. — Suelen explicou. — Me prometa que só vai se entregar a um
homem que te respeite, ame e proteja. E... depois de casada com um anel que
sustente uma pedra de diamantes em seu dedo. Promete?

— Diamante é caro, tante. E se ele for pobre, sem dinheiro... Eu fico


sem casar igual você?

Maria Fernanda prendeu o riso e beijou o cabelo da filha.

— Estou me sentindo fofamente ofendida. — Suelen continuou com


o mindinho suspenso. — Se ele for pobre, vai dar um jeito. Dá para dividir
em cinco anos de prestação, fazer alguns serviços por fora. Mas seu anel é
sagrado e o amor vem antes dele.

— Eu prometo, tante! — Dudinha passou o mindinho por entre o


dedo da tia e depois beijou para selar um acordo.

— Coisa linda. — Suelen ventilou os olhos. — Só de pensar neste


evento, fico emocionada.

— O Rudolf continua com saudade do Dudu, maman. — A menina


entregou o urso para a mãe. — Já anoiteceu e ele não veio.

A mãe sentiu a dor da filha ferir o seu coração.

— O Rudolf pode se machucar muito com essa saudade. Então


vamos pensar em outras coisas. Está me ouvindo, Rudolf? — Maria Fernanda
usou uma voz infantilizada.

— Eu já avisei a ele, maman, mas o Rudolf é teimoso.

— Estou com dó. — Suelen sussurrou por sobre a cabeça de


Dudinha.

Dudinha era muito esperta. As duas sabiam que a menina usava o


teatro para ver o pai. E o fato dela criar aquela dinâmica comovia quem
assistia.

— Amanhã eu vou à empresa dele e levo o Rudolf comigo, está


bem? — Maria Fernanda beijou o rosto da filha.

— O Rudolf não sabe andar por aí sem mim, maman, ele quer que
eu vá com ele. — Dudinha abaixou a cabeça e apertou a barra da camisa do
pijama. — Eu não vou atrapalhar o trabalho do Dudu, só preciso olhar ele de
longe.

A mãe levantou da cadeira e virou de costas para esconder que o


abalo daquelas palavras estava ferindo seu coração a ponto de deixar lágrimas
escaparem. Sua criança já amava o pai. Eduardo estava sendo desumano ao
fazê-la sofrer com aquela rejeição.

— Vamos amanhã, depois de sua aula. — Maria Fernanda olhou


para Suelen. — Ele não vai fazer isso com minha filha. Por ela eu faço tudo.
— sussurrou para a amiga.

Dudinha agarrou as pernas da mãe, vibrando de felicidade.


***

Maria Fernanda estava com a filha no sofá da sala, assistindo vídeos


infantis em seu notebook. A campainha da cobertura tocou, Dudinha ficou
deitada e a mãe seguiu até a porta.

A mulher espiou pelo olho mágico e viu Eduardo sorrindo do outro


lado. Parecia sóbrio e não estava desalinhado como das outras vezes. A mãe
olhou para a criança entretida no sofá e apenas quis acabar com aquela agonia
que afligia o pequeno coração. Abriu a porta e avistou o homem com um
pequeno buquê de rosas cor de rosas nas mãos.

— Eu sei que está tarde, mas não consegui sair da empresa no


horário previsto. Só passei em casa para tomar banho e trocar...

— Ela está te esperando. — Maria Fernanda o interrompeu e deu


passagem.
— Boa noite para você. — Eduardo entrou e mirou os lábios da
mulher de perto.

— Boa noite. — Ela falou séria, mas inspirou em frações, inibindo-


se de sentir as notas aquáticas do perfume de Eduardo. O mesmo que ele
sempre usou.

— As flores não são para você. — Eduardo continuou apreciando os


lábios rosados e carnudos.

— Eu não esperava que fosse. — Ela continuou séria, mas passou a


tentar controlar mentalmente as coceiras atrevidas nos lábios, certamente
causadas pelo olhar fixo do homem à sua frente. Ela quase foi obrigada a se
aliviar com uma leve mordida ou o passar a ponta da língua. Maria Fernanda
seria tomada por comichão, mas jamais faria aquilo na frente dele. — Ela
está logo ali, pode entrar.

— Eu... resolvi não trazer suas flores de última hora. Não é certo
cortejar uma mulher que namora um taiwanês filho da pu... — Eduardo se
alterou, mas apertou os dedos buscando autocontrole.

— Vá ver sua filha. — Maria Fernanda se afastou e respirou fundo.

Eduardo olhou Dudinha, que balançava uma das pernas sobre o sofá
e tinha os olhos vidrados na tela do Notebook. O pai firmou o buquê frente ao
corpo e seguiu os metros que os distanciavam. Estava com tanta saudade da
filha que seu peito queimava de emoção profunda. “Como eu consegui fazer
essa criança tão amável?”, perguntou-se ao sentir o cheirinho de colônia
infantil.
— Dudu! — Dudinha saltou do sofá e se jogou nos braços do pai,
que se abaixou na altura dela. — Já terminou todo o seu trabalho? Eu não
queria atrapalhar você, mas tive saudades.

— Eu também, filha. Mas eu não estava legal para vir aqui. Não vou
mais demorar tanto tempo para te ver. — Eduardo beijou os cabelos loirinhos
e respirou fundo para afastar as lágrimas que tinham brotado no embalo da
emoção. — Como você está? O que estava fazendo? — Desmanchou o
abraço e acariciou as bochechas da filha. O homem estava sorrindo
bobamente.

— Estava assistindo com a maman. A tante foi para a casa da


família dela e eu só caso com um anel de diamantes no meu dedo de casado!
— Dudinha balançou o pescoço e mostrou o indicador.

— Que conversa é essa? — Eduardo olhou para Maria Fernanda e


voltou para a filha. — Não fala mais isso não, filha.

— Mas eu vou casar quando for uma mulher adulta! — Dudinha


insistiu.

Eduardo colocou a mão sobre o peito, pois teve a nítida impressão de


ter sido apunhalado.

— Eu mato qualquer filho da puta, desgraçado, que um dia tentar


comprar esse anel! — Eduardo se irou e amassou parte do buquê que estava
nas mãos.

Maria Fernanda pegou a mão de Dudinha e manteve a filha colada às


suas pernas.
— SAIA DAQUI COM SUA BRUTALIDADE! — A mãe gritou,
agarrada a filha.

— Perdi o controle. — Eduardo levantou. — Não vou mais desejar


matar o pivete desgraçado na frente dela.

— SAIA DA MINHA CASA! AGORA! — ordenou.

— Mulher, não grite comigo na frente da menina! Excedi-me, mas


não vou matar ninguém, se ele não chegar perto da minha filha.

— É dessa maneira que você quer conviver com sua filha? Pois eu
prefiro vê-la sofrer por estar longe do que vê-la formar um caráter violento e
imoral igual o seu.

— Me empresta seu celular, Dudu? — Dudinha pediu e se


aproximou do pai.

— Eu falei para você que vou tentar mudar, mas esse caralho não
acontece do dia para a noite... — ele apertou os olhos e mordeu os dedos
fechados. — Eu realmente preciso dar um jeito nisso.

— Preciso do seu telefone, Dudu.

— Me dê um pouco de tempo, eu vou mudar. — Eduardo pegou o


aparelho do bolso e entregou à filha.

— Você acha que isso faz bem a ela, seu irresponsável?! Vulgar!
Boca suja!

— Então sou um desgraçado que não mereço a porra de uma


chance?
— Sai da minha casa, Eduardo! — Maria Fernanda apontou a porta.

— Eu não vou sair. Vim ver minha filha, vou conversar com ela.

— Vai ensinar seus palavrões. Dudinha aprende tudo rapidamente...


Sai, pois já estou muito contrariada. — Maria Fernanda andou na sala, sem
paciência.

— Estou sentindo que estou deixando de falar, você não convive


comigo por isso não sabe. — O homem tentou se explicar.

— Ahhhhh!

Os dois ouviram o grito de Dudinha e procuraram a menina sala.

— Ahh! — Dudinha gritou novamente e os pais correram na direção


do barulho.

Maria Fernanda escorou as duas mãos na guarnição da porta do


banheiro de seu quarto e tentou recuperar o fôlego que perdeu na pequena
corrida.

— Dudinha... O que aconteceu, filha? — perguntou aliviada por ver


a menina bem, ao lado da banheira.

— O Julien... Tem um ratinho aqui. — A menina apontou para o


box, mas permaneceu olhando os pais na porta.

Maria Fernanda achou impossível e foi verificar. A mulher deu um


grito fino antes de passar na porta da parede de blindex. O bicho estava
acuado no cantinho.

— Para de escândalo, mulher. — Eduardo apertou a cintura de Maria


Fernanda pelas costas e levou tabefes. — Eu vou pegar o rato. — Eduardo a
largou. — Ah, filho da desgraça... — Eduardo fuzilou o bicho com olhar
destruidor. Julien escorregou os minúsculos pés, desejando espaço no lugar
da parede às suas costas. — Eu vou te matar... — Eduardo ameaçou o bicho e
entrou no box.

— Você não vai matar esse bicho! É esse ensinamento que... —


Maria Fernanda olhou a porta do banheiro fechada. — Dudinha! Abre essa
porta, Dudinha! — A mãe forçou a fechadura.

— Vocês precisam virar amigos. O Julien me ajudou, ele também


não acha certo os pais adultos brigarem. — Dudinha confessou do outro lado.

— Que Julien, Dudinha? Abre essa porta! — A mãe continuou


forçando a fechadura.

— Era para o Julian sair comigo, mas ele comeu demais e não
conseguiu correr.

— Abre essa porta... Dudinha, quando eu sair daqui vou te dar uns
tapas... — Maria Fernanda nunca tinha falado aquelas palavras, tampouco
feito tal ação.

— Você bate na minha filha? — Eduardo a questionou.

— Você, fique longe de mim. — Ela apontou o dedo. — Ou eu meto


a mão na sua cara.

— Ela pegou meu celular. Menina astuta... — Eduardo sorriu


orgulhoso. — De quem será que ela puxou isso? — Eduardo abriu os braços
e sentou no vaso sanitário.
— Que Deus a livre, que Deus a livre, que Deus a livre! — Maria
Fernanda encostou a testa na porta e repetiu.

— Seu banheiro é bonito. Contratou um bom designer de interiores.


Mas estou vendo algumas imperfeições no piso. — Maria Fernanda virou
para o homem com fúria nos olhos. — Eu estava com saudades desse seu
olhar, ferinha. — Eduardo provocou e Maria Fernanda o esmurrou como
pôde. — Mulher Violenta! Faz isso porque eu não tenho a frieza de revidar.
Bate mais, acaba com minha dignidade.

De repente, o monitor foi ligado e iniciou uma música suave.

— Isso não está acontecendo. — Maria Fernanda apertou os braços


em torno do próprio corpo e sentou no canto da borda da banheira.

— Gostaram dessa música ou preferem outra? — Dudinha gritou do


outro lado com o controle na mão.

— Essa está boa, filha! — Eduardo respondeu e mais uma vez


recebeu o olhar raivoso da mulher. — Já que estamos aqui, por que não
aproveitamos? — Ele tornou a provocar e suspendeu as sobrancelhas
algumas vezes.

— Você, fique longe de mim! — Maria Fernanda gritou e o bicho


que vinha saindo na porta do box voltou correndo.

— Cause all of me… Loves all of you... Love your curves and all
your edges... All your perfect imperfections.

— Pare de cantar! — Maria Fernanda falou enraivecida, com os


braços em volta do corpo.
— Eu gosto dessa música. Já cantei muito pensando em você. O
Thor é minha testemunha.

— Moleque!

— Senti sua falta quando esteve fora, mulher. Eu trabalhava o dia


todo satisfeito, mas quando chegava ao apartamento, sentia um grande vazio.
O vazio só passava quando eu enchia a cara até cair. Por isso bebia cada vez
mais quando saia da empresa. Não fazia sentido ficar sóbrio se eu estivesse
no trabalho. — Eduardo olhou para Maria Fernanda, quis observar se sua
confissão não estava sendo à toa. Aparentemente ela não estava dando bola.
— Está me ouvindo?

— Não me interesso. Daqui a pouco vai começar a dizer que


pensava em mim quando estava com as rameiras de rua. Faça o favor de se
calar, não quero ouvir suas vagabundagens, que nem sonham em me
manipular.

— Eu não pensava em você quando estava com outra mulher. Não


sujaria você dessa maneira.

— Faça algo louvável e abra aquela porta. — Maria Fernanda


balançou o rosto, contrariada.

— Está com frio?

— Não, eu não estou com frio. Quero que você abra a porta.

— Falei com minha mãe sobre a Dudinha. Ela quer conhecer a


pequena.

Maria Fernanda manifestou um sorriso de desgosto com as palavras


que tinha acabado de ouvir.

— Não pense que minha filha vai andar na casa daquela mulher. A
única pessoa da sua família que tem algo de bom para oferecer é a Luíza.

— Minha mãe também quer ver você. No momento ela não pode sair
de casa, mas se você puder ir até ela e levar a Dudinha, ajudará muito.

— O que a impede de sair de casa? — Maria Fernanda perguntou


curiosa.

— Ela está se recuperando de um momento turbulento que passou,


mas deixou suas sequelas.

— Suzane esteve doente?

— Câncer na mama. Mas já passou.

Maria Fernanda se calou. Pensou nas dificuldades da doença. Ela já


tinha presenciado muita dor nos hospitais, enquanto cuidava da filha, depois
nas instituições que ajudava. Era uma doença cruel, que mesmo depois da
cura deixava duras sequelas, psicológicas e físicas.

— Te quero, Maria Fernanda. — Eduardo a tirou dos pensamentos.

— Eduardo, por favor, cale-se!

— Você ficou ainda mais bonita. Tornou-se uma mulher tão forte e
doce ao mesmo tempo... isso me faz lembrar certo gosto de lugares rosinhas.

— Cale sua boca! — Ela o interrompeu. — Que atrevimento!


Desrespeitoso. — Ela ajeitou o cabelo na frente do rosto para esconder a
ruborização.
— Eu não ia falar isso, mas a condição de abstinência me trouxe
esses pensamentos. — Eduardo se calou por um tempo, mas depois de alguns
segundos se envolveu na letra da outra música. — I'll give my all to you...
You're my end and my beginning... Even when I lose I'm winning.[18] Pode
passar o tempo que for, mas não vou ter outra mulher se não for você.

— Tem muitas mulheres boas no mundo. Você precisa mudar para


enxergar isso.

— Eu não precisei mudar quem sou para te enxergar, mas necessito


fazer isso, pois quero você de volta.

— Por que você não tenta abrir a porta? — Maria Fernanda quis se
sabotar para afastar qualquer pensamento adormecido. — Arrombe se
preciso, mas tente abrir.

— Olha mulher... — Ele se ajoelhou na frente dela para olhá-la de


perto.

— O que está fazendo? — Ela se afastou para o outro lado da borda


da banheira. Eduardo a seguiu.

— Eu... sempre fui um egoísta. Coloquei meus projetos materiais


acima da minha família e o fato de eu não querer uma, só me fez errar. Eu só
errei nessa droga de vida. Esses anos longe de você não foram fáceis. Apesar
de me sentir realizado profissionalmente, não fui feliz. Isso é até um pouco
vergonhoso, mas eu... eu te peço perdão. Eu quero seu perdão, preciso muito.

Maria Fernanda ouviu as palavras de Eduardo e foi envolvida pela


inquietação de sentimentos. Não era algo que ela pudesse comandar. Era uma
ferida que estava lá e naquele momento estava sendo mexida.

Eduardo estava com a cabeça baixa e seus olhos estavam


envergonhados. Não era apenas a sua condição de submissão aos pés dela que
o atingia, o peso do passado o cobria de culpa e vergonha.

— Por favor, me perdoa por ter... Por ter sido um canalha com você
e todo o resto que te fiz sofrer.

Maria Fernanda subiu os olhos para o teto querendo lutar contra as


lembranças. Ela não tinha como fugir do tremor que se instalou em seu corpo
ao lembrar as cruéis palavras de Eduardo, que atingiam sua alma com mais
ardor que uma forte bofetada.

— Eu preciso do seu perdão exatamente em tudo. Porque sinto


minha alma no fundo de um maldito abismo. Tento lutar para sair e não tenho
forças. — Ele continuou com a cabeça baixa, estava completamente
submisso, aos pés da mulher que ele feriu a alma.

Naquele momento, Maria Fernanda não deu mais conta de frear as


lembranças que se transformavam em lágrimas.

— Eu odiava a ideia de te amar, pois se eu fizesse isso mudaria a


rota dos meus projetos. Seria tudo diferente, eu enfraqueceria se cedesse a
sentimentos que exigiam muito e que eu não tinha para oferecer; eu teria que
largar tudo para supri-lo e isso me limitava.

Maria Fernanda abaixou os olhos e não conseguiu tirar o olhar de


sobre ele. Era estranho ver Eduardo naquela posição, o orgulho nunca o fez
descer tanto. Mas naquele momento ele estava ali, aos seus pés, e cutucava
sua alma ferida, destacando o quanto ela ainda se sentia machucada e
ressentida pelo passado.

— Levante. — Ela murmurou quando ele segurou as duas mãos


dela.

— Só me ouve, pois não sei se vou conseguir falar isso outra vez. —
Ele juntou as duas mãos dela. — Eu fiquei louco por você desde que te vi
sentada naquela cerca de madeira da fazenda da minha tia. Eu me odiei por
sentir aquilo. Mas ali eu te quis, te quis por inteiro, não só desejei, mas você
tomou conta do meu coração. Não é fácil te ver com outro homem, sendo que
te sinto totalmente minha. Eu não tenho moral para dizer isso, mas odeio a
ideia de ter outro homem tocando em você... eu sinto ódio e vontade de
matar. — Ele confessou e estava chorando.

— Você vai se arrepender de ter confessado essas coisas. — Maria


Fernanda já tinha pensado em muitas frases para serem ditas quando ele se
calasse. Aquela era neutra no momento de confusão em que estavam seus
pensamentos. — Precisa parar de pensar em matar as pessoas.

— Se você ignorar essas secretas confissões, vou me arrepender,


xingar, quebrar algumas coisas ou quem aparecer na minha frente, mas
depois vou voltar e confirmar tudo outra vez e tentar novamente. — Ele
levou a mão até o rosto dela e enxugou as lágrimas. — Só preciso que me
perdoe. Não espero que seja agora, ainda é cedo para você, mas queira.

— O que você fez comigo, ronda minhas preocupações com a


Dudinha. Temo que ela encontre um homem que a faça sofrer, da maneira
que você me fez.
— Não! — O azul dos olhos de Eduardo estava profundo e turvo. —
Eu não vou deixar nenhum cara bagunçar com minha filha. Não fale um
negócio desses, porque eu me sinto pior ainda.

Maria Fernanda sentiu desejo de abraçar a filha naquele momento


e... também quis abraçar o homem à sua frente, ele estava se esforçando.
Eduardo ainda secava o vestígio de lágrimas no rosto dela. Ela sentia uma
quietude na alma. Ele estava se libertando de parte de seus erros e ela estava
sendo abraçada pela felicidade em nome da filha. Sua menina merecia um pai
menos orgulhoso.

— Se esforce para ser um bom pai para sua filha. Eu nunca vou te
exigir nada, além disso. Agora, levante, Eduardo.

— Posso me ajoelhar todos os dias se você quiser, mas escondido


dentro do nosso quarto. Quem sabe eu também não seja retribuído!

— O que está falando, seu descarado?! — Maria Fernanda o


empurrou, mas ele não saiu do lugar.

— Desculpa, mas eu estou mais confiante, querida.

— Querida? — Maria Fernanda nunca tinha ouvido nada parecido


da boca dele.

— O seu cabelo já está maior. — Puxou uma mecha grossa dos


cabelos da mulher e cheirou. — O mesmo cheiro bom. — Uma de suas mãos
segurou-a por baixo dos cabelos.

Ela olhou assustada para o braço de Eduardo saindo de seus cabelos


e sentiu a mão forte prendendo os fios em uma grosseira carícia. Ele iria
beijá-la, Maria Fernanda sentiu. Mas aquilo já era fora de cogitação para o
dois.

— O que pensa que está fazendo? — Ela viu um sorriso se formar


nos lábios do homem. — Não confunda as coisas! — O empurrou, mas
Eduardo apenas sorriu. — Não se atreva... — O estapeou violentamente.
Eduardo tentou conter a fúria dela, mas ganhou uma forte mordida no bíceps.

Maria Fernanda correu e encostou-se à porta.

— Está sangrando... — Eduardo conferiu os buracos feitos pelos


dentes. — Isso está ficando mais perigoso com o tempo. Olha sua classe
europeia, mulher! Não deveria se comportar feito uma selvagem.

— Dudinha, abra a porta! — Maria Fernanda gritou forçando a


porta. — Filha... — espancou a porta. — Fala com a maman... abre, filha.

— Sua mãe quer me comer vivo! Ainda estamos brigando! —


Eduardo gritou.

— Não confunda as coisas, Eduardo. — Ela apontou o dedo para ele.


— Você é o pai da minha filha e estou em paz por te ver reconhecendo os
erros, mas não existe mais “eu e você”. — Ela estava agitada.

Eduardo a olhou de cima abaixo e passou o polegar nos próprios


lábios. Ele se aproximou dela, podendo sentir a respiração pesada da mulher.
O homem queria eternizar aquele momento e agia lentamente, visualizando
todos os centímetros do rosto dela cuidadosamente.

— Você está muito próximo, estamos separados e você não pode


fazer isso. — Ela virou o rosto para o lado.
— Você está me devendo um abraço. — ele sussurrou, fazendo-a
sentir sua respiração.

— Não estou. Sem abraço.

— Então eu me derramo vergonhosamente te pedindo perdão e não


tenho direito a um abraço? Você deveria ser menos orgulhosa, mulher. Eu sei
que ainda não consegue me perdoar, mas eu dei um passo, você pode dar
outro. Faça esse esforço pela Dudinha. Não podemos viver brigando, temos
uma filha pequena.

— Tudo bem. — Maria Fernanda respirou fundo. — Um rápido


abraço, pois você se esforçou e somos pais adultos.

— Isso, pela nossa filha. — Eduardo se afastou e suspendeu as


mãos.

Maria Fernanda deu um passo à frente, travou a respiração e passou


os braços na cintura do homem, afastou o rosto o máximo que conseguiu.
Eduardo sorriu satisfeito e esparramou uma das mãos nos cabelos dela
forçando-a contra seu peito. A segunda mão a prendeu mais próximo a ele.

— Não precisa apertar tanto. — Ela tentou afastar o rosto outra vez.

— Quero aprender a cuidar de você e apagar meu maldito erro do


passado. Saiba que a partir de hoje vou começar a lutar. Você está sentindo
meu coração acelerado? É por você. — Eduardo sentiu seu desejo por ela
aumentar em outro órgão além do coração. Em seu íntimo havia uma briga
entre o desejo e sentimento.

— Estou sentindo outra coisa! — Maria Fernanda o empurrou e


voltou para perto da porta. — Descarado! — Ela ofegou. Não se sabe se foi
pelo alívio ou pela tensão que os envolvia no momento.

Eduardo apertou os olhos e soltou o ar de vez pela boca. Ele estava


agonizando de desejo, mas no momento precisava lutar contra aquilo.

— Preciso urinar. — Ele falou e viu Maria Fernanda virar de costas.

— Pai Celeste, me tira daqui. — A mulher fez uma prece enquanto


tombava a testa na parede.

Ela ouviu o barulho e apertou as mãos no ouvido. Eduardo estava


mesmo urinando.

— I'm still learning to love... Just starting to crawl...[19] — Eduardo


cantarolou no embalo da música.

— Dudinha... — a voz da mãe saiu desanimada. — Abre, filha.

Maria Fernanda ouviu o barulho da descarga e se deu conta que o


homem tinha finalizado.

Virou.

— Ahhh! — Encostou o rosto na parede novamente. — Seu


pervertido, libidinoso, depravado!

— Apenas estava balançando, homens fazem isso.

— Você estava se tocando, seu impudico.

— Não fantasie coisas. — Eduardo lavou as mãos. — Aquele rato é


testemunha da minha inocência. — O rato caminhava pelos cantos da parede
e voltou correndo para o box.
— Vocês já são amigos? — Dudinha perguntou no meio de um
bocejo.

— Sim, filha! Somos melhores amigos. — A mãe não viu


alternativa.

Logo a porta foi aberta. Dudinha estava sonolenta, com o urso


debaixo do braço.
11

Eduardo estava folheando alguns relatórios em sua mesa. Ele queria


desabafar sobre os acontecimentos da noite anterior, mas estava com
dificuldade em admitir para o amigo que tinha pedido perdão de joelhos.
Sergio estava sentado à sua frente e já o observava.

— O que foi parceiro? — Sergio perguntou quando Eduardo


abandonou a papelada e pegou outra.

— Muito trabalho e pouco tempo. — respondeu seriamente.

— Como foi na casa da Maria Fernanda?

— Tudo normal. Vi minha filha e voltei para casa. — Continuou


folheando os documentos.

— E porque está folheando os relatórios sem analisar? De onde


apareceu aquele rato? — Sergio apontou para a gaiolinha vermelha ao lado da
mesa. O bicho estava lá dentro com as duas mãos apoiadas na grade.

— É o rato da minha filha. Levei na médica do Thor, hoje cedo. O


sacana está saudável. — Eduardo respirou fundo e abandonou os papéis. —
Dudinha me trancou no banheiro e a mãe dela estava comigo. Surgiu uma
oportunidade e vieram umas palavras na minha boca, então, pedi perdão. —
falou rápido.
— Não creio. Quando você aprendeu a ser tão humano? — Sergio
perguntou abismado. — Perdão, cara?

— Perdão. E... nem é tão difícil assim falar essas coisas. — Eduardo
deixou o corpo desleixado na cadeira e se balançou de um lado a outro. —
Difícil é vê-la com um desgraçado, certinho, medindo forças com um sujeito
errado como eu.

— Eu apanhei da minha anja só porque a convidei para sair. Certo


que meu propósito era seduzi-la da maneira mais descarada, mas não tenho
alternativa, preciso engravidá-la de qualquer jeito. Quero um filho da minha
morena, o bebê vai nos unir. Eu tenho certeza disso.

— Você está parecendo um adolescente idiota, Sergio. Isso é


vergonhoso.

— Agora eu sou o único desesperado aqui? Pode falar, irmão, coloca


os sentimentos para fora. Eu quero a Suelen e não vou negar isso.

— Eu não quero parecer um idiota como você, mas sinto coisas pela
Maria Fernanda. Não só fisicamente. — Eduardo se endireitou na cadeira —
É querer olhar para ela todos os dias e vê-la feliz, mesmo longe de mim. Isso
é uma idiotice do caralho, mas estou sentindo.

— E você sente o coração pulsar rápido demais? — Sergio


aproximou o tronco da mesa.

— Sinto, cara, queima tudo aqui dentro, eu fico até nervoso com o
cheiro dela. É uma coisa louca isso. A mulher fez algum encantamento. —
Eduardo confessou. — Até me desafiei. Estou há muito tempo sem qualquer
tipo de sexo. Não consigo mais me imaginar com outra mulher.

— Quantos dias?

— Onze.

— Você sabe que isso é sintoma de amor, não é?

— Por isso que eu não queria deixar essa merda acordar. Isso dói
para caramba. — Eduardo esfregou a mão no peito tentando aliviar a
queimação.

— Elas agora são religiosas. Poderíamos ver algo para passar boa
impressão.

— Isso pode ser o caminho. — Eduardo se empolgou com a ideia.


— Mas como se pega uma mulher religiosa?

— Sei lá... O Jorge não anda nessas reuniões de caridade? — Sergio


se lembrou do almoxarife da empresa, que, por sinal, era o antigo motorista
da casa dos pais de Eduardo, o rechonchudo Jorge.

— Ele anda? — Eduardo ainda não tinha aquela informação.

— Sim, anda. Isso, Edu! — Sergio comemorou como se estivesse


encontrado uma grande solução — O Jorge vai nos ajudar. Ele deve conhecer
alguma maneira para capturar o coração delas.

— Eu duvido.

— Eu estou dizendo, Edu, o cara é do meio, deve saber alguma


coisa. Não estamos fazendo certo e eu quero a Suelen.

— Então, o que está esperando? Vá buscá-lo.


— Ele deve estar na cantina. Vou mandar chamá-lo. — Sergio saiu
apressado.

Minutos depois, Jorge entrou na sala de Eduardo, apreensivo. Como


sempre, estava com medo de perder o emprego.

— Me chamou, senhor Edu?

— Sim, Jorge. Sente aí. Quer um café?

— O senhor está bem? Eu sou o Jorge do almoxarifado, seu antigo


motorista.

— Eu te conheço, homem. O que há com você? — Eduardo falou


impaciente.

— Vai me demitir?

— Dependendo do seu desempenho, posso até te promover a chefe


do almoxarifado. O que você acha? — Eduardo levantou e ajeitou a cadeira
para Jorge sentar.

— Bem... aquele cafezinho ainda está de pé? — Jorge ficou mais


despreocupado e aceitou a cortesia.

— Vou mandar trazer agora mesmo. — Eduardo sorriu e voltou para


a mesa.

— Não se esqueça dos biscoitos, senhor Edu.

— Vai querer bolo, pão e um porco também? — Eduardo percebeu


empolgação demais no homem.

— Sim. Aceito o bolo, se tiver pão de queijo... O café sem açúcar


porque eu estou de dieta.

Eduardo fechou a cara, pegou o telefone e deu a ordem à sua


secretária:

— Irene, encontre o Sergio e o mande trazer tudo o que encontrar na


cantina. Ele vai entender o motivo. — Largou o telefone e sentou de frente
para o homem. — Soube que você se tornou um sujeito religioso.

— Vai me punir por isso? Bem que eu estava desconfiado dessa


conversinha aqui. — Jorge aumentou o tom de voz, mas diminuiu na
sequência devido ao olhar severo de Eduardo. — Olha, senhor Edu, eu tenho
uma mãe para cuidar, estou com três hérnias na coluna que os médicos
insistem em dizer que é apenas um desvio. Eu preciso muito desse emprego,
senhor Edu. Logo agora que eu estou querendo me casar, o que eu vou fazer
desempregado? Já estou velho e não consigo mais emprego por aí.

— Você quer calar a boca?! — Eduardo gritou.

— Desculpe, senhor Edu. O senhor manda. — O homem se


encolheu.

— Quero que me ajude a conquistar uma mulher religiosa.

— E agora vai colocar uma mulher da igreja a perder?! — Jorge se


alterou. — O senhor deveria se envergonhar de querer desvirtuá-las. Elas não
merecem ser um de seus passatempos.

Eduardo apertou os relatórios entre os dedos e tentou colocar na


mente que no momento precisava daquele homem.

— Eu estou sabendo. — O patrão respirou fundo. — Por isso você


está aqui. Quero que me fale tudo.

— Olha só o pequeno lanchinho que está chegando. — Sergio entrou


empurrando um carrinho com tudo que Jorge tinha direito, no intuito de
agradar o homem.

— Eu nem posso estar comendo isso antes do almoço. Eu fico sem


apetite. — Jorge sussurrou em segredo.

— Eu acredito em você, Jorge. — Eduardo olhou diretamente para a


barriga do homem e sabia que não era verdade.

— Jorge, amigão, estamos precisando de sua ajuda. — Sergio


começou a colocar os alimentos próximos ao empregado.

— Você também?

— Sim. Minha Suelen anda na igreja também, não é isso?

— Espera aí! As mulheres que vocês estão querendo desviar são a


Suelen e a patroa? — Jorge já estava com a boca cheia.

— Alguma objeção? — Eduardo perguntou.

— Isso não vai dar certo, senhor.

— Se não der certo, aquela promoção pode virar demissão, você que
escolhe. — Eduardo sabia que Jorge morria de medo do desemprego, então
manipulá-lo não seria tarefa tão difícil.

— O que precisam saber? — Jorge se ajeitou na cadeira limpando


seu terno sujo com farelos de pão.

— Ótima escolha, amigão. Agora nos conte tudo! — Sergio também


se sentou ao lado de Jorge.

— Primeiro, vocês têm que começar a frequentar o mesmo


ambiente, elas gostam de ajudar entidades. — Jorge molhou o pãozinho de
queijo dentro do café, como se estivesse dentro de sua casa.

— Isso é o de menos. E depois? — Sergio estava anotando tudo em


um caderninho.

— Tem que ser cordial e respeitador.

— O que você quer dizer com respeitador? — Eduardo se


manifestou.

— Olha senhor, Edu, no seu caso eu já ia desistindo antes de


começar, pois não é só conquistar a patroa, também precisa ser melhor que o
senhor Thiago e isso... — Jorge limpou a garganta — no seu caso, é um
pouco difícil. Só estou avisando, estou aqui para ajudar. — O gorducho
levantou as mãos se defendendo.

Eduardo espancou a mesa.

— Edu, amigão, é o Jorge! — Sergio lembrou que eles precisavam


do homem.

— Continue, Jorge. Sou Eduardo Moedeiros e me garanto. —


Eduardo arrancou a gravata do pescoço.

— Elas são independentes, mas sonham em casar e ter uma família


feliz. Então vocês precisam desejar ter uma base familiar estabelecida. —
Jorge continuou.
— Está tudo beleza então, eu já sou casado. — Eduardo sorriu.

— Você ouviu a parte da família feliz, Edu? — Sergio fez questão


de tirar o sorriso de Eduardo.

— Tem que demonstrar o amor com gestos e boas ações.

— Eu estava pensando em comprar um carro para Maria Fernanda.


Ainda não a vi dirigindo. O que você acha Jorge? — perguntou o patrão.

— O senhor quer uma mulher pelo o que pode pagar? O amor tem
que ser demonstrado sem precisar falar aos quatro cantos. Faça uma coisa
pela qual ela se orgulhe do senhor.

Eduardo analisou as palavras do empregado.

— A que ponto nós chegamos... o Jorge, nos ensinando a pegar


mulher... — Sergio reclamou enquanto anotava em seu caderninho o título:
“Operação: Pegar nossas mulheres de volta.”

— Só um conselho... Leiam sempre o primeiro livro de Coríntios,


capítulo treze. Lá tem basicamente tudo o que vocês precisam saber sobre o
amor.

— Onde compramos esse livro? — Sergio estava com a caneta


pronta para escrever.

— Pelo amor de Deus! Vocês já leram as escrituras, não é? — Jorge


perguntou e os dois amigos se olharam sem querer responder. — Já estou
vendo tudo. Vou ficar desempregado às vésperas do meu casamento. — O
homem suspirou desanimado.
— Vamos providenciar exemplares. E você está proibido de desistir,
ou então, será demitido por justa causa! — Eduardo esclareceu a situação.

— Isso! Justa causa. E o Edu não está brincando. — Sergio firmou a


ameaça.

— Tudo bem. Eu não vou desistir. Não posso perder o emprego.

— Mas isso funciona mesmo, Jorge? — Perguntou Eduardo. —


Quantas mulheres de lá você já pegou?

— Bem... — O homem limpou a garganta. — Vamos focar na


missão. Até porque, fazemos isso quando queremos apenas uma mulher e não
várias.
***

Maria Fernanda, Suelen e Dudinha estavam subindo para o quinto


andar da Moedeiros Engenharia.

— O Dudu trabalha aqui, maman? — Dudinha estava no elevador


com a sua roupinha colegial e pulava igual uma pipoquinha.

— Sim, Dudinha, isso aqui é dele. — A mãe respondeu. — Não pule


assim, vai machucar sua perna.

— Estou animada. — A menina continuou pulando.

— Mas não pule, princesse, para não doer sua perninha. — Suelen
falou na saída do elevador.

— Bom dia, senhoras. — As secretarias falaram em uma única voz.

— O presidente está em sua sala? — Maria Fernanda perguntou


diretamente à Irene.

— Está sim, senhora. O senhor Sergio também.

Irene tocou três vezes na porta e abriu. Jorge, Sergio e Eduardo se


assustaram ao ver as mulheres.

— Dudu! — Dudinha correu e deu a volta na mesa para abraçar o


pai.

Eduardo beijou inúmeras vezes seus cabelinhos loiros e apertou de


leve as maçãs rosadas do rosto.

— Venha, maman, venha abraçar o Dudu também!

Maria Fernanda olhou para Suelen, fechou os olhos por alguns


segundos e respirou fundo. Tinha esclarecido sua situação com Eduardo para
a filha na noite passada e, no entanto, a menina insistia.

— Jorge, como vai, meu amigo? — Maria Fernanda abraçou o


homem, que ainda estava sentado. Sergio tentou fazer o mesmo com Suelen,
porém, ela se esquivou.

— Patroa Maria Fernanda, lembre-se que eu sou obrigado a cumprir


ordens. — Jorge ficou nervoso e saiu apressado da sala.

— Estavam torturando o Jorge com comida? — Suelen mexeu no


carinho com alimentos.

— O Jorge é nosso amigão. Sente aqui, Suelen, suas pernas devem


estar doendo com esses saltos. — Sergio levantou e ofereceu sua poltrona.

— Estaria cansada se estivesse sem eles, mon chéri. — Suelen


levantou o nariz e ignorou o homem.

— Desse jeito fica difícil ser cordial. — Sergio reclamou e Eduardo


limpou a garganta.

— Seu rato está saudável. Vai mesmo ficar com ele? — Eduardo
perguntou à filha.

— Os céus me trouxeram ele para ser cuidado. — Dudinha olhou


Julien na gaiola. — Não fiquei no banquinho da desobediência, Dudu. — A
menina sussurrou no ouvido do pai. Eduardo beijou a testa da filha e olhou
para a postura de Maria Fernanda à sua frente.

— Sergio, andei analisando os documentos que me enviou e já


cheguei perto de onde queria. — Maria Fernanda não perdeu tempo e
começou a tratar do assunto que a tinha levado até ali.

— Como assim, analisou? Quais documentos? O que está


acontecendo aqui? — Eduardo questionou o amigo.

— Edu, a Maria Fernanda é um tipo de agente da área contábil,


então pedi ajuda para a empresa.

— Por que você sabe de detalhes da vida da minha mulher e eu não?


Que direito você tinha de passar isso adiante? — Eduardo se alterou. Não
queria demonstrar suas fraquezas frente à mulher.

— Edu, ouve o que ela tem a falar, depois conversamos, cara.

— Depois uma... — Eduardo não terminou a frase, pois Dudinha


estava em seu colo observando cada palavra que saia de sua boca.
— Você ia falar nome feio, Dudu?

— Venha aqui, Dudinha! — A mãe chamou a menina.

— Não, princesa, eu só ia dizer ao tio Sergio, que ele tem toda razão
em conversarmos depois. — Alisou os cabelinhos da filha, enquanto
praticamente fuzilava Sergio com o olhar.

— Então, Sergio, descobri que o rombo no patrimônio não é recente.


Estão a mais ou menos três anos desviando dinheiro das contas da empresa. E
sinto informar que essa empresa está basicamente falida.

— É o quê? — Eduardo gritou, assustando Dudinha, mas abraçou a


menina na sequência. — Fica com sua tia. — Levantou e entregou-a para
Suelen.

— Podemos conversar em um lugar sem esse homem irritante


gritando o tempo todo, Sergio? — perguntou Maria Fernanda.

— Eu não vou gritar. Mas entenda que esse é um assunto meu. Devo
solucionar meus problemas. Quando você assinou aquela procuração, me deu
total liberdade de assumir tudo em seu nome, esse é um assunto meu e vou
resolver.

— Então, Sergio, eu posso fazer uma auditoria interna e buscar um


caminho para reverter esse quadro em longo prazo. — Maria Fernanda
ignorou totalmente Eduardo.

— Já estou no caminho para resolver isso. — Eduardo enfiou os


dedos entre os cabelos e andou dentro da sala. — Não preciso de ajuda.

— Você permitiu isso acontecer, estão te roubando na sua cara e


com toda certeza é alguém da sua confiança. Eu não me interesso por esse
empreendimento, homem orgulhoso. Se falir, não vai me faltar. E outra,
vamos embora, Suelen.

— Não! Você não pode fazer isso. — Sergio se desesperou. — Faça


isso pelos funcionários que precisam do emprego.

— No caso, você. — Suelen falou ao lado.

— Eu tenho grana, as pessoas que trabalham aqui, não. — Sergio se


explicou.

— Vamos, Suelen. — Maria Fernanda abriu a porta, mas Eduardo a


alcançou.

— Vamos conversar, mulher, estou nervoso. Se você tem uma


solução, eu aceito, não posso perder anos de trabalho e nem o futuro que eu
posso dar à minha filha.

— Por favor, Maria Fernanda. — Sergio arrastou a cadeira.

— Por favor, maman. — Dudinha juntou as duas mãozinhas


próximas ao rosto.

— Em casa conversaremos, Maria Eduarda. — Maria Fernanda


olhou séria para a filha.

— O que é, mulher, agora a menina é culpada? — Eduardo


interferiu.

— Você é o culpado. Você é o culpado de tudo! Não venha querer


me confrontar.
— Cordial... — Sergio falou no meio de um pigarro, próximo a
Eduardo.

— Senta, mulher, vamos conversar. Você tem uma solução e eu


quero ouvir. — Eduardo arrastou a poltrona. — Pela nossa filha, isso aqui é o
futuro dela.

Maria Fernanda se sentou e cruzou as pernas. Eduardo sorriu


abobalhado.

— Estou nervoso com a situação. — Ele ainda estava sorrindo.

— Aproveito para informar que o litigioso está a caminho. — Ela


falou apenas para tirar a empolgação dele.

— Que conversa é essa, mulher? Está me estendendo à mão ou


empurrando para o fundo do poço?

— A Moedeiros tem três meses até o nome ser negativado.

— Três meses? — Eduardo sentou anestesiado em sua cadeira. —


Contava com mais tempo.

— Há pendências com banco, fornecedores e governo. As contas


caixas estão zeradas. Eu preciso dos recibos de todos os patrimônios ligados a
empresa, pois todos eles deverão ser vendidos para quitar as dívidas. Como
está a situação da companhia em relação a clientes?

— Perdemos muitos e outros que estavam em negociação,


desistiram. — Sergio informou.

— Então o caso é mais sério do que eu imaginava. Como vocês


conseguiram chegar a esse ponto?

— Contratei um pessoal de confiança. Eram os melhores. —


Eduardo respondeu cabisbaixo.

— Certamente tinha um ladrão especialista no meio. Será preciso


cortar todos os gastos desnecessários. E alguns necessários, também. De
imediato, é preciso demitir a maior parte dos funcionários. — Maria
Fernanda estava observando a feição fracassada de Eduardo.

— Isso vai gerar mais dívida. Muitos foram contratados na


fundação.

— Eduardo... — Maria Fernanda esperou que ele a olhasse. — Não


trago uma solução para reerguer a empresa instantaneamente. Estamos
falando de limpar o nome, fechar as portas e reabrir futuramente. Se declarar
falência será pior. Acredito que você saiba disso. Estou precisando de moças
na loja que vou abrir. Faço uma seletiva e me responsabilizo em contratar as
secretárias e o Jorge.

Os olhos de Eduardo brilharam. Naquela fração de segundos o


problema do seu patrimônio não fez tanto sentido. Foi inevitável sua
admiração ao ouvir a voz decidida e acolhedora da mulher. A solução dela
era óbvia no momento crítico em que se encontrava, ele mesmo já tinha
pensado na possibilidade, mas relutava em abrir mão do que construiu. Mas
ali, olhando para ela, tudo perdia a importância. Ele tinha deixado àquela
mulher ir embora. “Por que eu não acreditei no que sentia antes? Por que
coloquei minhas ambições à frente de um futuro ao lado dela?”
— Está passando mal, Dudu? — Dudinha o tirou dos
questionamentos. A menina estava com a pequena gaiola na mão.

— Retire primeiro os que trazem desconfiança para a empresa.


Quem está fazendo isso tem o propósito de te derrubar.

— Cuide disso agora mesmo, Sergio. — Eduardo olhou para o


amigo e ele apenas concordou. — Sergio, cuide disso, agora! — Tornou a
falar e Sergio acabou entendendo.

— Ah, claro. Vou cuidar, sim. Vamos Suelen, essa é uma decisão
muito difícil eu preciso de seu apoio.

— Vai continuar precisando. — Suelen desviou o olhar de Sergio.

— Eu posso conhecer a empresa antes do Dudu perder, maman? —


Dudinha pediu outra vez com as duas mãozinhas juntas.

— Outro dia, filha. Agora precisamos almoçar e voltar para a loja.

— Vocês podem almoçar comigo, depois eu deixo as três no


shopping. Ainda posso pagar um almoço.

— Vamos, Suelen — Sergio viu um momento ideal para deixar a


sala. — Traga a menina para conhecer a empresa. Eu levo vocês e prometo
não encostar um dedo sequer em seu belo corpo. — Sergio abriu a porta em
um incentivo.

Suelen passou com Dudinha. A morena seguiu com o rosto elevado.

— Quer alguma coisa? — Eduardo perguntou quando a porta foi


fechada.
— Não. Eu vou acompanhar a Dudinha e Suelen. — Maria Fernanda
levantou. Eduardo saiu de sua cadeira e parou frente a ela. — O que foi?

— Esse perfume é novo? — Os olhos dele passearam no pescoço


dela.

— Sempre usei variados. Excuse moi[20]. — Ela abaixou o corpo ao


lado dele para pegar a bolsa, Eduardo levantou novamente. — Eduardo... Já
deixei claro sua condição. — Ela estava séria. Eduardo mirou os lábios dela.

— Sou tomado por chamas quando sua boca linda fala meu nome.

— Não me fala essas coisas. Estamos separados e prestes a assinar o


divórcio. — Ela disfarçou e deu um passo para trás. Eduardo a acompanhou.

— Eu deveria ter te beijado mais, admirado seus cabelos mais vezes


e me prolongado ao sentir suas extremidades. — Ele firmou as duas mãos ao
lado do rosto dela e inalou o perfume feminino com incitamento.

— Homem, o que é isso? — Maria Fernanda deu outro salto para


trás, pois a crescente ereção de Eduardo a tocou. — Pelos céus, eu tratando
um assunto sério e você pensando em safadeza. — Continuou se afastando.

— Esquece isso. — Ele acompanhou os passos dela e a pressionou


contra a porta. — Estou falando coisas bonitas para você, salienta minhas
palavras.

— Precisa dar um jeito nisso. E não pode me encurralar dessa


maneira.

— Não posso me ajudar. Fiz promessa para você voltar.


— Vous devez vous soigne![21]

— Não, francês não. — Ele fechou os olhos e acariciou os cabelos


dela. — Quer me deixar insano, mulher?

— Existe limite para tudo. Você é mais forte que eu. — Maria
Fernanda lutou para empurrá-lo sem sucesso. — Então se afaste de mim!

— Apertando meus músculos dessa maneira não está ajudando,


ferinha. — Ele falou em uma respiração custosa. Maria Fernanda retirou as
mãos dele. Eduardo abriu os olhos e a encarou. — O que eu estava dizendo
era isso. Eu deveria ter cuidado melhor de você. Perdi muito tempo lutando
contra mim, quando eu deveria estar te amando.

— Você... está sendo inconveniente. Afasta isso de mim. — Maria


Fernanda não se conformou com o próprio tom de voz.

— Desculpa por isso. Estou tentando ser romântico. — Ele não se


afastou. —Volta para mim, prometo fazer diferente.

— Não faça isso! — Ela ordenou quando os lábios dele se


aproximaram dos seus.

— Não vou te beijar sem permissão, fique tranquila. — Ele respirou


perto dela. Maria Fernanda sentiu as pernas moles e não se agradou daquilo.
Eduardo seguia lutando contra os próprios impulsos.

— Preciso ir. Me solta agora. — Ela sentiu o corpo tremer após um


arrepio percorrer suas entranhas.

Eduardo aproximou a boca do queixo dela e subiu roçando nos


lábios carnudos, nariz e por fim, beijou a testa.
— Já te soltei. — Ele afastou as mãos, mas o corpo continuou no
mesmo lugar, recusando-se a deixá-la.

Maria Fernanda saiu pela lateral e seguiu no intuito de pegar a bolsa,


mas ela acabou escorregando e caiu de joelhos no chão. O momento se
tornou mais constrangedor quando ele se abaixou para pegá-la.

— Você está bem?

— Estou muito bem. — Ela levantou rapidamente.

— Vamos conversar mais um pouco. Conte-me, como conseguiu


encontrar tudo tão rapidamente? — Ele sorriu nervoso.

— Outra hora. Eu preciso cuidar da minha loja. Faltam poucos... —


Os olhos dela desviaram acidentalmente para a calça de Eduardo. — Faltam
poucos dias para a inauguração. Eu vou procurar a minha filha — falou
rapidamente e fugiu da sala.

Antes de procurar a filha no prédio, passou no banheiro, trancou a


porta e olhou seu reflexo no espelho.

— O que... o que foi isso, Maria Fernanda? — Ela indagou, olhando


para sua imagem atordoada. — Você não tem o direito de sentir isso. —
Acusou-se.

Dez minutos depois, Suelen encontrou a amiga sentada em um dos


sofás da recepção e percebeu que alguma coisa estava acontecendo.

— Gatona?

— Vamos, Suelen, estou te esperando já faz um tempo.


— Tudo grande, maman, e isso tudo também é meu. — Dudinha
falou convicta. — O namorado da tante me falou.

Maria Fernanda deu uma olhada para Suelen e antes de


questionamento, ela já foi se defendendo:

— Não olha assim para mim não, hein. Foi ele que colocou isso na
cabeça dela. Aliás, estão de segredinhos.

— Me conte tudo, Dudinha. Qual é o segredo? — A mãe se abaixou


na altura da menina.

— Segredo não se conta.

— Para a maman e a tante, você pode contar, meu amor. — Maria


Fernanda insistiu.

— Segredo é só de dois. Eu, o tio Sergio, dois. — A menina contou


nos dedos — Você e a tante, quatro.

— Espera Maria Fernanda. — Eduardo e Sergio chegaram


praticamente correndo na recepção. — Vou levar vocês até o shopping.

— Não precisa, já estamos de saída. — Ela fugiu do homem e


Suelen estreitou os olhos.

— Eu vou levar vocês. — Eduardo pegou Dudinha do colo. — O


Sergio vai levar a Suelen.

— É o quê? Não mesmo. Eu não vou a lugar nenhum com você e


tire esse sorrisinho do rosto. — Suelen respondeu desaforada e empurrou
Sergio com o dedo indicador.
— Ele é bonzinho, tante, não briga com ele. — Dudinha defendeu
Sergio.

— Agora você é bonzinho? O que andou inventando para minha


sobrinha, seu dissimulado!

— Suelen, para de fazer escândalo e vamos conversar em outro


lugar. — Sergio falou baixinho tentando conter a morena.

— Sou escandalosa mesmo “fi”, literalmente, da peste! Não precisa


se envergonhar da minha voz. Não temos qualquer ligação que lhe permita
isso.

— Meu amor... — Sergio se aproximou de Suelen e tentou segurar


em sua mão.

— E não me chame de meu amor! — A morena começou a estapear


Sergio, que permanecia pacífico.

— Vamos, Suelen, já chega! — A amiga interveio.

— Suelen, o Sergio só quer cinco minutos com você. Ele é um


idiota, mas são apenas cinco minutos de conversa. Então, vão adiantando
logo porque ele está no horário de trabalho e cinco minutos valem ouro.
Vamos, Maria Fernanda. Preciso ser cordial com minha família e não tente
me impedir.

— Cordial?

— O que é cordial, maman?

— Algo que seu pai nunca soube o que é.


— Vamos logo, mulher.

Eduardo saiu à frente carregando Dudinha e Maria Fernanda


respirou impaciente, antes de seguir na mesma direção.

Minutos depois, ela estava ao lado da caminhonete. Eduardo


encaixava o cinto de segurança em Dudinha que dava pulinhos no banco
traseiro do carro de luxo.

— Suelen não pode sair por aí com aquele homem. Muito menos eu
com você.

— O Sergio não é tão idiota para colocar tudo a perder. — Eduardo


falou tão baixo que foi quase imperceptível.

— Colocar o que a perder, Eduardo? — A mulher perguntou.

— O quê? — Ele se fez de desentendido.

— Você acabou de dizer que o Sergio não seria idiota para colocar
tudo a perder.

— Você ouviu errado.

— Não falou Dudinha? — A mãe buscou uma aliada esperta de


ouvidos apurados para confirmar.

— Eu não sei... eu estava distraída olhando como o carro do Dudu é


bonito e acabei não ouvindo nada. — A menina mostrou os dentes para a mãe
em um sorriso forçado.

— Eu não sei o que está acontecendo aqui, mas eu vou descobrir.

— Entra logo nesse carro, mulher, ainda temos que trabalhar hoje.
— Estou atrasada, você já me ocupou muito, o mínimo que deve
fazer é me levar até a loja. Não pense que pode me dar ordens.

Eduardo sorriu com seus próprios pensamentos e assumiu o volante.

O percurso de carro já tinha iniciado há alguns minutos, Maria


Fernanda estava ao lado de Eduardo e permanecia olhando para a janela do
carro. Em sua mente, estavam os acontecimentos de minutos atrás. Ainda era
difícil assimilar que aquele homem estava se esforçando — mesmo que do
jeito torto dele — para ser um homem melhor. De qualquer maneira, ela
precisava evitar certos pensamentos que não faziam mais parte de suas
realidades.

Dudinha estava no banco de trás da caminhonete, cantarolando uma


típica música infantil. Eduardo sorria, olhando fixamente para a pista. Estava
com as duas em seu carro e aquilo trazia grande força protetora sobre sua
responsabilidade. Era bom sentir-se um leão defensor.

— Na sexta haverá um grande jantar no Hotel Paraíso. É um


encontro de empresários do ramo da engenharia e arquitetura. Vamos expor
algumas de nossas grandes obras já realizadas. Será um evento importante,
podemos conseguir muitos clientes com a vitrine.

— Não entendo nada de engenharia, tampouco de arquitetura! —


Maria Fernanda falou, ajeitando-se no banco do carro.

— Doutora dos números. — Eduardo sorriu. — Você me


surpreendeu muito hoje, mulher. Saiu daqui uma menina... eu não poderia
imaginar que viraria essa mulher forte, destemida, inteligente e com esse
corpo todo.

— Comentário desnecessário.

— Mas é verdade! Você era muito franzina naquela época, eu não


sei como conseguiu se desenvolver tanto e ficar uma gostosa ao quadrado. —
Eduardo sussurrou o final da frase, sorriu e segurou o volante de forma
displicente.

— A minha maman é muito bonita, Dudu. Eu sabia que você


também era. Ela me falou: seu papa é bonito, forte e cheiroso. — Dudinha
balançou as pernas e Eduardo sorriu convencido.

— Dudinha não pode sair por aí falando nossos assuntos, eu já te


ensinei isso. — Maria Fernanda enrubesceu.

— Perdão, maman. — A menina cruzou os braços ao redor do corpo.

— Sua mãe sempre foi linda. Os olhos azuis graúdos e tinha os


cabelos bem compridos.

— Grandão igual da Rapunzel, Dudu?

— Mais bonitos e cheirosos. Seu pai amava aqueles fios longos.

— Para de deboche e só dirija o carro. Eduardo, não esqueça que sou


comprometida, não fique me falando essas coisas.

— E você não fale daquele cara quando temos nossa família reunida
falando coisas particulares do nosso casamento.

O carro sofreu um impacto na pista. Eduardo se enfureceu, pois se


deu conta do que se tratava.
— O que foi isso? — Maria Fernanda correu os olhos até o banco de
trás, onde estava a filha.

Eduardo abriu o porta luvas, pegou uma arma de fogo e colocou em


ponto de disparo.

— Se abaixem.

— O que está acontecendo? — Ela gritou com outro impacto no


carro.

Eduardo viu pelo reflexo o quanto à mulher estava assustada. Se


fosse antes, ele agiria de outra maneira, mas tendo uma família, era diferente.
Ele abandonou a pistola sobre o colo e acelerou o carro o mais rápido que
conseguiu. Mais à frente, tomou outro percurso quando percebeu estar fora de
perigo, seguindo o caminho do prédio de Maria Fernanda.

— Droga! — ele esmurrou o volante assim que parou a


caminhonete. — Eu vou matar esses desgraçados!

— Dudinha, não ouça esse homem? — Maria Fernanda saiu do


carro, abriu a porta traseira e retirou a filha.

— Maria Fernanda... — ele a seguiu para dentro do prédio.

— Não venha atrás de mim. O que andou aprontando? Por que tem
uma arma em seu carro? Melhor ficar longe da minha filha.

— Não saia mais sozinha. — Eduardo encerrou os passos. Ele sabia


do perigo que elas estavam correndo daquele momento em diante.
12

Era noite, Maria Fernanda estava aninhada com a cabeça apoiada no


peito do namorado, ele afagava seus cabelos em um carinho protetor. Ambos
estavam no sofá da grande sala.

— Então não vai pedir o litigioso? — perguntou Thiago.

— Vou esperar o fim do contrato, se ele não ceder, não terei


alternativa. Mas agora não faz diferença. Ele está perdendo a empresa.

— Está triste por isso?

Thiago já tinha notado o quanto a namorada estava calada aquela


noite

— Não estou triste, é uma consequência dos erros semeados, mas


não consigo me alegrar com o fato dele estar se acabando aos poucos. — Ela
levantou os olhos para ele. — Ser vingativa só me faria regredir. Eu não
cresci para mostrar a ele o que perdeu, fiz isso porque sou capaz, fiz por mim
e por minha filha.

— Tenho a mulher mais nobre, admirável e linda ao meu lado. —


Thiago beijou a testa dela. — Não esperava diferente da pessoa que você é.

— Conversei com o pai da Dudinha ontem.

— O Giovane? E como ele está? Há muito tempo não o vejo, ele está
muito focado naquela fazenda e não sai de lá por nada.

— Ainda estou falando do Eduardo, Thiago.

— Ele quer você de volta. — Thiago suspirou insatisfeito.

— Só estou estancando a sangria do patrimônio da Dudinha... esse


foi o assunto que me levou até ele. Tem alguém roubando a empresa há anos,
e o sujeito é tão esperto que não deixou pistas. Isso te incomoda?

— Eu confio em você, Fernanda. Mas quero que tenha cuidado com


ele. Resolva a situação, depois largue tudo e se case comigo.

— Agora já está muito perto, já esperamos mais tempo que isso. —


Ela acariciou o rosto do namorado. — Ele falou sobre uma festa. É algo
importante para a empresa. A Suelen vai comigo, mas quero que você me
acompanhe e fique ao meu lado.

— Você sabe o que penso desse sujeito te cercando, mas apesar de


tudo, ele é pai da minha filha e não é bom para ela conviver com brigas o
tempo todo. Mesmo com tudo isso, vou te acompanhar.

— Você definitivamente é um homem difícil de encontrar, Thiago.

— E você é a mulher mais linda, inteligente, cheirosa. É a mulher da


minha vida. — Para cada elogio, Maria Fernanda recebia um beijo.

— Olha só esse vestido, papa. Não é o mais lindo de todo o mundo?


— Dudinha apareceu na sala segurando um vestido azul de festa. Suelen
estava ao lado.

— Lindo, meu presentinho.


— É o vestido que vou usar na festa do Dudu. A Tante me ajudou
escolher.

— Você será a princesa mais linda da festa.

— E você o meu príncipe de olhinhos puxados, papa. — Dudinha


ganhou um abraço de Thiago.

— E você, Su, já escolheu seu vestido? — Maria Fernanda estranhou


o olhar distante de Suelen.

— Já.

— O papa agora precisa ir. Eu volto amanhã — Thiago girou


Dudinha no ar e ouviu a gargalhada contagiante da pequena. — Tchau, meu
amor. — Beijou os lábios de Maria Fernanda antes de sair.

— Por que está assim, Su? Seu olhar está tão triste... — A amiga
puxou Suelen para o Sofá e Dudinha voltou para seu quarto.

— Aquele manipulador está tirando meu juízo mais uma vez. O


problema é esse.

Maria Fernanda pensou em enumerar os motivos para Suelen ficar


longe de Sergio, mas o olhar da morena estava quase expulsando lágrimas,
então ela desistiu.

— Venha cá. — Suelen deitou a cabeça no colo da amiga. — Você


tem certeza disso? Você pode estar confusa e deslumbrada.

— Ontem ele me pediu perdão mais uma vez e discutimos muito. Eu


nunca o traí, mas ele acredita fielmente e insiste em dizer que me perdoa pela
traição e que cuidaria do filho do traficante, se eu não tivesse abortado. Eu
nunca tive nada com aquele traficante, ele que vivia me cercando na estrada.

— Su, essa história está estranha. Por que não conversam direito?

— Não quero, toda vez lembro o crime que cometi no momento de


desespero. Dói. Sinto raiva de mim e dele por mandar trazer os remédios e
ainda me acusar de traição para tirar o peso das costas. O que eu fiz machuca
muito, por isso não quero tê-lo perto, ele me faz lembrar. — Suelen enxugou
os olhos e fortaleceu a postura. — Vou colocar nossa pequena para dormir.
Hoje vou dormir com ela, estou muito carente de afeto e só o cheirinho doce
dela pode acalmar meu coração.

Suelen seguiu para o quarto e Maria Fernanda deitou no sofá,


analisando a situação da amiga. Ela se lembraria de conversar com Sergio
depois.

Eduardo tinha observado o momento em que o carro de Thiago saiu


do prédio. Naquele momento, ele estava na frente da porta da cobertura. Não
tocou a campainha. Deu leves batidas, pois não pretendia acordar Dudinha.

Maria Fernanda o viu através do olho mágico e abriu uma brecha na


porta.

— Está tarde para visitar sua filha.

— Vim porque preciso conversar uma coisa séria. Se não quiser me


deixar entrar, por favor, desça comigo até o carro. A Dudinha é muito
esperta, não é um assunto para ela.

— É sobre você andar armado?


— Vai me deixar entrar?

— Não fale alto e nem faça barulho. — Ela abriu a porta, Eduardo
entrou e se sentou no sofá.

— Uso uma arma para me defender.

— O que mais andou aprontando?

— Trabalho duro para conseguir minhas coisas, isso desperta inveja.


Também nunca fiz questão de viver em falsa paz com inimigos. Bateu, levou.
Sempre foi assim. Estagiei na J.A. Engenharia quando estava na faculdade.
Terminei meus estudos e continuei lá. Foi nessa época que eu conheci você e
aconteceu a loucura do nosso casamento.

Eduardo olhou em direção ao corredor do quarto.

— Ela já está dormindo. Continue. — Maria Fernanda sentou em


uma distância considerável.

— É melhor conversarmos em seu quarto, lá é mais seguro.

— Dudinha está segura no quarto e nós estamos seguros aqui, na


sala. Termine o que começou a me falar. — Maria Fernanda cortou a ideia.

— O senhor Alfredo sempre foi um homem íntegro. Ele me ensinou


tudo. A J.A. Engenharia era a número um do mercado, mas a Moedeiros
derrubou esse reinado. Eu sabia que isso iria acontecer, trabalhei para isso.
Sempre quis ter a J.A. como concorrente porque no dia em que isso
acontecesse, eu estaria no topo.

— Então, passou a perna no dono da J.A.?


— Eu nunca faria isso com ele. Mas não poderia ficar para trás. Há
alguns anos o senhor Alfredo sofreu um acidente e ficou em uma cadeira de
rodas. O Junior, filho dele, assumiu o lugar do pai e, desde então, a coisa
ficou pesada. Fugiu totalmente do âmbito dos negócios.

— Me lembro do ruivo e também do seu antigo patrão. — Mais


relaxada, Maria Fernanda colocou as pernas sobre o sofá.

— Quando ele assumiu os negócios da família, quis recuperar a


ascensão de qualquer jeito e eu jamais permitiria. Lutei tanto para conseguir a
liderança, nunca iria perder para um demente que disputa comigo desde a
faculdade. Muitos clientes da J.A. Engenharia preferiram fechar negócio
comigo e, por mais que ele tentasse, não conseguia ter a mesma credibilidade
que a minha no mercado, então ele foi caindo cada vez mais. Foi aí que
Junior passou a me confrontar diretamente, e eu fui para cima todas às vezes.

— Ele é o responsável pelo rombo na Moedeiros? Se for isso, ele


não é tão demente. O trabalho foi bem feito.

— Eu sei que ele está por trás de tudo, mas tem aliados perto de
mim. Não é apenas nos roubos que ele está envolvido. Vou te mostrar uma
coisa... — Eduardo segurou a barra da camisa.

— Não faça isso ou eu te coloco para fora imediatamente. — Ela


tentou impedi-lo.

— No que está pensando, mulher? Eu só vou te mostrar cicatrizes.


— Ele puxou a camisa e virou as costas. — Final da região lombar.

— São marcas de tiros? — Maria Fernanda tocou as duas marcas


profundas.

— Eu sofri alguns atentados. Em um deles me acertaram. O Sergio


escapou de um tiro, por pouco. Sorte dele que conseguiu entrar no carro antes
dos disparos. O mandante queria me deixar deficiente, eu presumi, pelo local
específico em que acertaram. Mas felizmente não atingiu nenhuma vértebra.

— Procurou a polícia? Isso é muito grave.

Ele ainda estava de costas. Maria Fernanda não estava se dando


conta, mas seus dedos começaram a passear fora das cicatrizes e percorria as
costas de Eduardo.

— Procurei. — Ele fechou os olhos. — Mas não resolveram nada.


Falaram que tudo não passou de um assalto.

— E ficou por isso mesmo?

— Eu fui tirar satisfação com ele depois que saí do tratamento, mas
me compadeci e não o matei, vi os três filhos dele, um ainda está de colo e...
Maria Fernanda, você está querendo?

Ela se afastou abruptamente para a ponta do sofá.

— Eu só estava conferindo, para ver se era de verdade ou uma de


suas enganações. Pode vestir sua camisa agora.

— Eu estou com saudades de suas unhas nas minhas costas.

— Eu não deveria ter aberto aquela porta.

— Veja como meu coração está. — Eduardo aproximou o corpo do


dela. — Quero que sinta como ele fica, quando estou perto de você.
— Eu não tenho motivos para fazer isso, Eduardo. Veste a camisa.

— Me dê sua mão.

— Não vou fazer isso! Está na hora de você retornar para sua casa...
ou para qualquer outro lugar que preferir.

— Tenho tentado fazer a coisa certa. Mas, a cada dia nos


distanciamos ainda mais. Eu não sei mais o que fazer. Você quer me ver
rastejando aos seus pés? — Eduardo se ajoelhou a sua frente.

— Não, não faça isso. — Ela tentou impedi-lo.

— Você gosta de me ver assim? — Ele abaixou a cabeça. Eu não me


importo. Quer que eu beije seus pés? — Ele se aproximou dos pés dela sobre
o sofá e beijou.

— O que há com você? — Ela puxou os pés e afastou o corpo para o


canto do sofá. Os olhos estavam graúdos e um pouco assustados com o surto
do homem.

— Sei que não posso usar nossas lembranças para te convencer. Mas
tenho guardado os melhores momentos da minha vida. Foram poucos, e em
todos, você estava ao meu lado. Você me trouxe o que eu tenho de melhor.
Agora, me fala o que preciso fazer para te impressionar?

— Não quero ser impressionada. Você está equivocado em se fixar


nisso.

— Um dia eu consigo provar que mudei.

— Mude por você e não queira provar nada. Seu caráter foi formado
de maneira errada. Quando não está sendo orgulhoso, está sendo o moleque
crescido, querendo impressionar, sendo o melhor no que faz. Você queria
provar isso aos seus pais em troca de carinho e cresceu dessa maneira.
Aprenda que afeto não é a recompensa de um trabalho bem feito. Quando
parar de querer impressionar os outros, vai encontrar uma mulher que valha a
pena.

— Você é a única mulher que quero. — ele falou desanimado.

— Se convença que eu vou casar com o Thiago e que você é apenas


o pai da minha filha, Eduardo.

— Não fale isso. — ele abraçou-a e enterrou o rosto no pescoço


dela. — Eu preciso de você.

— Você deve ter uma fila de mulheres para facilitar sua vida. — Ela
tentou empurrá-lo e recebeu beijos na região do pescoço.

— Eu te amo.

O assunto tinha feito Maria Fernanda ficar emotiva e, naquele exato


momento, ela sentiu uma lágrima tímida despencar, pois aquela frase
acompanhada da voz chorosa a pegou desprevenida.

— Já está se excedendo, Eduardo. — Ela fechou os olhos. — Esta é


a última... é a última vez que eu te falo que acabou e não tem mais volta.

Suelen chegou à sala, viu Eduardo com o rosto enterrado e


movendo-se no pescoço da amiga que estava de olhos fechados. A morena
pegou uma penca de chaves sobre um dos móveis e derrubou propositalmente
no chão. Maria Fernanda abriu os olhos, encarou a amiga e o afastou
abruptamente.

— Hã... vou pegar minha água. — Suelen fez cara de paisagem e


passou para a cozinha.

— A Suelen estragou nosso clima. Vamos começar novamente no


quarto. — Eduardo enxugou os olhos e se animou com a possível
reconciliação.

— Saia daqui, agora! Para de me sufocar! Quando eu falo "não" só


existe um significado.

— Não quero sair da sua casa, tampouco da sua vida.

— Mas você vai sair! — Ela o puxou do sofá e empurrou na direção


da saída. Eduardo se deixou levar, mas a imprensou contra a porta.

— Quero falar mais uma vez que te quero. — falou com os lábios
roçando os dela e as mãos dentro dos cabelos loiros. — Meu coração e o
resto do meu corpo estão queimando. E não é porque quero seu corpo. —
Aproximou os lábios do ouvido dela. — Queimo de paixão, pois você é
minha mulher, te desejo e a quero de volta. — Maria Fernanda sentiu a
tentação da volúpia andarilhar em seu corpo ao sentir os dentes roçando sua
pele. — Mas se é isso o que você quer... seguirei seus conselhos e não darei
mais murro em ponta de faca. — Ele se afastou. — Não se esqueça da nossa
festa amanhã à noite. Preciso da sua ajuda com a Moedeiros.

— Eu... eu vou... — Ela se afastou da porta e limpou a garganta


para, em seguida, firmar a postura. — Eu vou com o Thiago.

Eduardo voltou até o sofá e pegou a camisa.


— Mas venho mesmo assim, não posso permitir que vocês corram
algum risco. — Ele abriu a porta. — Beije minha filha por mim. — falou e
saiu.

Maria Fernanda fechou a porta, ajeitou os cabelos assanhados, e


ainda estava com a sensação de ter os dedos de Eduardo enroscados neles.

— Effroi[22]! — Colocou a mão no peito quando virou e viu a amiga


com um copo de água nas mãos. — Ufa! Acho que agora ele me deixa em
paz. Boa noite amiga, eu vou dormir. — Andou apressada na direção do
quarto.
***

Thiago e Dudinha estavam sentados há uma hora no sofá da sala,


esperando as duas mulheres terminarem de se arrumar.

— Elas já estão terminando, vai ser rapidinho. — Dudinha sorriu e


juntou as mãozinhas na frente do colo. Aquela já era a quinta vez que ela
tentava tranquilizar Thiago diante da demora.

— Eu espero, princesinha, eu espero.

A campainha tocou e Thiago foi atender. Eram Eduardo e Sergio


vestidos em seus ternos de gala.

— Como vai? — Sergio falou com um sorriso forçado nos lábios.

— Vocês podem deixar os convites comigo, vou levá-las. — Thiago


tentou segurar a porta, mas Eduardo invadiu o apartamento e foi recebido por
um abraço bem apertado de Dudinha.

— Olha só que linda princesinha! — Sergio admirou a roupinha de


Dudinha.

— Ela é a minha cara, não é Sergio? — Eduardo olhou diretamente


para Thiago.

— É sim, Edu, mas esses olhos graúdos são da mãe. — Sergio


completou alisando os cabelos loirinhos de Dudinha.

— E o coração do meu papa, Thiago, e o espírito de aventura do


meu papa, Giovane. A maman fala isso o tempo todo. — Dudinha abraçou as
pernas de Thiago.

— Você parece mais comigo, Dudinha. Seus cabelos loirinhos são


iguais aos da sua avó e de sua tia Luíza. Eu vou levar você para conhecê-las
em breve.

— Só se a maman deixar, eu não faço nada sem ela saber.

— Até atingir a adolescência, aí eu quero ver. — Sergio provocou


Eduardo em um sussurro.

Eduardo pegou Dudinha no colo, no intuito de afastá-la de Thiago

— Eu tenho muita sorte na vida, tenho três papas e um tio Sergio.

— Não esqueça que, de todos, sou o mais importante, Dudinha. —


Eduardo sentou no sofá com a menina e Sergio o acompanhou.

Meia hora depois, só Dudinha e Sergio conversavam na sala. As


mulheres ainda não tinham aparecido.

— Gente, isso já é demais! Como podem demorar tanto? — Eduardo


levantou impaciente e chegou até a ponta do corredor.
— Pode voltar. Elas só estão lá há uma hora e meia, eu já esperei
mais que isso! — Thiago brecou a passagem de Eduardo.

— Uma hora e meia? Uma hora e meia, Sergio! Você ouviu isso?

Naquele momento, Maria Fernanda e Suelen apareceram


deslumbrantes na sala.

Eduardo sorriu e analisou a loira, do salto ao cabelo bem penteado


— diferente do que tinha deixado na noite anterior. — Chegou a pensar em
tê-la ao seu lado durante a festa para mostrar a todos que ele tinha uma
mulher linda ao lado. O deslumbre de seus pensamentos foi roubado quando
Thiago a pegou pela mão e a levou em direção à porta.

— Seu vestido é bonito, Suelen. — Sergio tentou beijar a mão da


morena.

— Você terá tempo de sobra durante a noite, Sergio. Adiante os


passos porque já estamos atrasados. — Eduardo segurou a mão da filha e saiu
antes de todos do apartamento.
13

Dentro do salão de festas do hotel Paraíso, empresários,


construtores, engenheiros, estudantes e jornalistas desfilavam com suas
famílias. Aquela era a maior festa anual do ramo. Eduardo tinha apresentando
Maria Fernanda como sócia e não abriu mão do: "mãe de sua filha". Thiago
estava ao lado, vetando-o de ir além.

Naquele momento, Eduardo estava com alguns clientes, mas seus


olhos vigiavam Maria Fernanda e Dudinha. Ele queria, mas não conseguia
controlar os ciúmes. Estava possesso, já tinha bebido algumas doses
alcoólicas, mas se afastou dos garçons quando os olhos de Maria Fernanda o
questionaram do outro lado do salão.

— Ouvi um burburinho por aí de que, agora, você é um homem de


família — falou um dos velhos clientes da empresa.

— Sempre fui um homem de família. — Naquele momento, os olhos


de Maria Fernanda se encontraram com os de Eduardo. — Ela também é
minha sócia e vai cuidar do financeiro da Moedeiros.

Mesmo sem esperanças, Eduardo chamou Maria Fernanda com um


gesto. Ele sorriu e os olhos brilharam quando ela caminhou em sua direção.

“Por que você tinha que ser tão linda, mulher?”


— Você a escondeu muito bem. — O homem chamou a atenção
dele. — Nunca poderia imaginar que um sujeito boêmio como você fosse pai
de uma garotinha.

— É uma longa história. Casei-me muito jovem.

— Olá! — Maria Fernanda parou ao lado de Eduardo.

— João, essa é a Maria Fernanda — Eduardo apresentou orgulhoso.

— Em que área você vai atuar, especificamente? — o homem


perguntou curioso.

— No momento, perícia contábil — ela respondeu e estranhou a


mão de Eduardo pressionar a curva das suas costas.

— Eu já tinha ouvido boatos de crise na Moedeiros. Poderia dividir


conosco um pouco das suas análises? — perguntou o velho, segurando um
copo com uísque.

— A perícia é interna e sigilosa, monsieur! — Maria Fernanda não


gostou da curiosidade do homem.

Eduardo arqueou o canto da boca em um sorriso contido.

— Menos, ferinha, é um cliente — ele sussurrou no ouvido dela, que


estava coberto pelos cabelos. — Cabelo cheiroso da porra... — Esfregou o
nariz, mas logo sentiu a dor aguda de uma disfarçada unhada nas costas.

Maria Fernanda sorriu e ajeitou o cabelo na sequência.

— Então, ela é mãe da sua filha, mas vocês... — A mulher que


acompanhava o homem, mirou Maria Fernanda de cima abaixo.
— Somos casados, Joaquina — Eduardo respondeu, com a mão
alisando as próprias costas.

— Um homem casado é ainda mais instigante. Não tinha me contado


este detalhe antes, Eduardo. — A mulher passou a se insinuar
descaradamente.

Maria Fernanda olhou para o lado oposto, arrependida por ter


atendido ao chamado. Foi, pois, pensou que se tratava de alguma negociação.

— Com licença, senhores. — Ela seguiu para onde Thiago estava


com Suelen e Dudinha.

As duas tinham sido paradas por fotógrafos, fizeram caras e bocas


glamorosas, mas em seguida, começaram a imitar poses de luta e ballet.

Thiago estava ao lado, divertindo-se com a cena.

— Voltei. — Maria Fernanda selou os lábios do taiwanês.

— Maman, posso brincar com aquelas crianças? — Dudinha


apontou para um grupo de meninas.

— Pode, petite. — A mãe ajustou o laço no cabelo da filha.

— Aonde a princesinha vai? — Eduardo parou em frente à filha.

— Brincar com crianças. A maman permitiu.

— Então não saia de lá. Vou ficar de olho.

Dudinha caminhou com sua bolsinha pendurada no punho.

— Vou tirar fotos para a revista, vem comigo — Eduardo pediu a


Maria Fernanda.
— Vi alguns conhecidos, meu amor. Quero te apresentar. — Thiago
direcionou a namorada para um grupo de pessoas.

Eduardo soltou uma lufada de ar pelo nariz.

— Você esperava o quê? — Suelen o perguntou, desaforada. — Não


tem que ficar com raivinha, não, mon chéri. Pensa que uma fungada no
cangote vai te redimir?

— Já estou com a mente cheia, Suelen, não me provoque. Você é


outra onça — Eduardo falou displicentemente, olhando na direção do casal.

— É preciso ser muito arretada mesmo, para suportar des canailles,


comme vous[23].

— Esse sotaque nordestino-francês, te deixa ainda mais linda. —


Sergio chegou ao lado e deu um leve susto na morena.

— Ah, seu filho de aratanha! — Suelen usou um tom de voz alto,


chamando a atenção de algumas pessoas e Sergio sorriu forçado para os
fotógrafos.

— Boa sorte, Sergio. — Eduardo abandonou o casal e seguiu para


beirar a mulher.

Na roda de meninas, Dudinha estava espontaneamente tentando se


enturmar.

— Tenho três papas e uma maman, isso é uma grande sorte para
uma criança pequena. Muitos não têm um papa para trazer carinho ou brigar
com a nossa maman.
— E sua perna, ficou assim por quê? Seus três “papas” — fez aspas
com os dedos — estavam ocupados e te deixaram cair da cama? — falou uma
menina ruiva.

— Minha perninha é assim, pois eu fui escolhida para ser especial —


Dudinha respondeu cheia de segurança. A mãe tinha falado aquilo para ela.

— Você foi escolhida para ser esquisita, garota. — A menina tirou o


sorriso dos lábios da pequena. — Uma aberração de três papas. —
Gargalhou.

— Crianças brincam e não fazem as outras se entristecerem. —


Dudinha continuou tentando, mas os olhos azuis brilharam com um vestígio
de choro. Ela nunca tinha enfrentado o bullying antes. — Vamos brincar um
pouco? — Sorriu. — Tenho um amiguinho aqui comigo. — Levantou o
fecho da bolsinha Chanel e ouviu as meninas gritarem, apavoradas.

— Isso é um rato de esgoto! — a ruiva falou histérica.

— O Julien não vivia no esgoto, apenas morou alguns dias no lixo


da minha escola. — Dudinha defendeu o bicho, que tinha uma gravata
borboleta no pescoço.

— De onde apareceu essa garota, Alicia? — perguntou a loirinha de


cabelos longos.

— Ela deve ser filha de três empregados, Andrezinha.

— Alicia! — Um garoto de aproximadamente doze anos chegou no


momento exato que Julien pulou no chão e Dudinha saiu por entre as pessoas
para recuperá-lo.
— Aquela garota manca trouxe um rato de esgoto para a festa do
nosso pai, Luiz Miguel.

O menino de olhos castanhos viu de longe a criança gordinha, de


joelhos, passando por entre as pernas das pessoas e mostrando o shortinho de
pompom que ficava sob o vestido.

— Você viu a bolsa dela, Alicia? Não deve ser filha de empregados.

Luiz Miguel olhou para a irmã e, em seguida, seguiu os passos da


pequena.

— Désolé, excuse moi[24]! — Dudinha tentava seguir os passos


rápidos do bicho.

Julien subiu na escadinha que fazia parte de uma maquete e entrou


na miniatura de parque. Dudinha levantou e arrumou o vestido.

— Julien, desce daí. Elas não vão te levar para os esgotos da cidade.
— Dudinha apontou o dedo para o rato, que subiu em uma pequena roda
gigante. — Eu não sou tão grande para te pegar. — Ela levantou os pezinhos,
mas a mão que segurou o bicho foi outra.

— Esse rato é seu? — perguntou Luiz Miguel.

— Salut[25]... — Ela estendeu a mão para alcançar o bicho. — Ele se


assustou com as meninas maiores. — Dudinha estendeu a bolsinha e o rato
entrou.

Naquele momento, o menino visualizou os olhos azuis de Dudinha e


ficou encantado.
— Seus olhos são tão diferentes. — Ele ainda a olhava nos olhos.

— Pessoas têm olhos coloridos. É assim mesmo.

— Mas os seus são idênticos às águas cristalinas do mar de Weddell.

— Mar de onde? — Dudinha quis mais informações.

— Mar de Weddell, meu pai me levou para conhecer nas férias. Faz
parte do oceano Antártico. Ele tem as águas mais claras do que qualquer
outro do mundo.

— Minha perna também é diferente. As crianças maiores me


chamaram de aberração de três papas. O que é aberração? Não é uma coisa
tão legal, senti lágrimas nos meus olhos. — Dudinha colocou uma mecha dos
cabelos para trás da orelha, descobrindo as bochechas gordinhas.

Luiz Miguel estendeu a mão e passou os polegares nas pestanas


molhadas de Dudinha.

— A temperatura do Mar Weddell também é diferente, as águas


ficam geladas permanentemente, esse é o defeito dele para nós seres
humanos. Não podemos tirar as roupas e dar um mergulho. Mas ele é tão
lindo e puro, que a frieza se perde nesses detalhes, é um paraíso visual muito
bonito e admirado. — Ele alisou a bochecha gordinha. — Não chore, Mar.

— Não vou chorar. Podemos brincar? — Dudinha sorriu.

— Eu não sou mais criança, sou adolescente. Mas podemos olhar o


parque que meu pai vai construir. — Luiz Miguel tocou uma das árvores
internas da maquete.
— Uau... esse parque de papel foi o seu papa que fez? — Dudinha
ficou novamente na ponta do pé.

— Meu nome é Luiz Miguel, qual o seu Mar?

— Maria Eduarda e Dudinha.

— Dudinha! — Eduardo gritou de longe.

— Olha, Dudu, o papa do Luiz Miguel que fez essa construção de


papel. — Eduardo viu que o garoto segurava a mão de sua filha.

— Mas o quê? — Eduardo fez Dudinha se separar do menino. —


Um pai não pode mais virar as costas que os gaviões mirins começam a
rondar. Essa aqui é proibida, moleque.

— O que é isso, Eduardo? — Maria Fernanda tinha visto o homem


saindo furioso de onde estava e acompanhou-o.

— O pai desse menino é o Junior, Maria Fernanda. Não quero


nenhum deles perto do meu bem mais precioso. Eu não deveria ter trazido a
minha filha.

— O que essa criança pode fazer a Dudinha? Controla-se, homem.

— Não gosto de você. — O garoto falou olhando diretamente nos


olhos de Eduardo e os punhos foram cerrados. — Você não é melhor do que
o meu pai em nada. E se você chegar perto da minha mãe outra vez, vou
resolver.

— Você está vendo, Maria Fernanda. Isso já é a cópia perfeita do


pai. Por que você não foi puxar ao seu avô? Pivete!
— Eduardo! — Maria Fernanda o estapeou e segurou a mão da filha.

— Você não pode ser ranzinza com o Dudu, Luiz Miguel. Ele é o
meu papa. — Dudinha tomou partido.

— Meu pai disse que vai acabar com você — o menino tornou a
enfrentar Eduardo.

— Ele pode até tentar ser melhor do que eu, mas ele nunca vai
conseguir! — Eduardo passou a mão nos cabelos.

— Agora vai discutir com uma criança? — Maria Fernanda o


repreendeu.

— Ele estava chegando junto da Dudinha, sou homem, conheço


essas coisas. Tenho certeza que falou dos olhos... Moleque, nunca mais se
aproxime de minha filha. Não olhe para ela, não pense nela, muito menos
respire perto dela.

— Eu não vou ser adolescente o tempo todo. — O menino convivia


com brigas diárias dentro de casa, nelas sempre escutava o nome Eduardo
Moedeiros, então começou a pesquisar sobre o pivô das brigas entre os pais.

— Adolescente... — Eduardo sorriu. — Cresça primeiro, filho,


depois venha me encarar. — Eduardo achou um desaforo.

— Por que você não procura alguém do seu tamanho, Eduardo


Moedeiros? — O homem ruivo colocou a mão sobre o ombro do filho.

— Talvez porque aqui não haja ninguém à minha altura, Junior


Alvares Azevedo — Eduardo falou o nome do homem amargamente.
— Soube que a Moedeiros está em crise. A coisa está feia para o seu
lado, meu caro colega. Até está demitindo o seu pessoal. — O homem sorriu
irônico.

— Eu não poderia estar em uma fase melhor na minha empresa!


Agora estou trabalhando com a Maria Fernanda. Ela estudou na França e veio
especialmente para cuidar das nossas finanças.

— Olha... quem está de volta! — Junior fiscalizou Maria Fernanda


de cima abaixo.

— Seu desgraçado!

— Vamos sair daqui. — Maria Fernanda empurrou o peito de


Eduardo.

— Sua anjinha é uma linda Moedeiros — Junior provocou e Maria


Fernanda precisou se equilibrar para sustentar a fúria de Eduardo. Dudinha
segurou uma das pernas do pai.

— Você me trouxe aqui para ver sua brutalidade de perto? — Maria


Fernanda o encarou. — Faça isso sozinho. Vou para casa. — Ela o soltou.

— Junior. — Thiago se aproximou, pois estava procurando à


namorada.

— Desde quando se interessa por engenharia e arquitetura? —


Júnior cumprimentou Thiago com um abraço, demonstrando a intimidade de
velhos amigos.

— Vim apenas acompanhar minha noiva e minha filha — Thiago


respondeu e abraçou Maria Fernanda
— Então você roubou a mulher de Eduardo Moedeiros? — O
homem gargalhou. — Você é o cara e merece o meu respeito, meu amigo. —
Junior continuou gargalhando.

Eduardo sentiu um furor percorrer sua espinha e só parou para


respirar quando Junior estava sobre a maquete. Os fotógrafos imediatamente
se aproximaram e Maria Fernanda segurou a filha no colo.

— Não me provoque, seu desgraçado! — Eduardo esmurrou Junior


outra vez quando ele levantou. — Então são amigos? Duas desgraças juntas
tramando contra mim! — Eduardo ficou transtornado.

— Eduardo Moedeiros, esse homem roubou sua mulher? —


perguntou um estudante de jornalismo com o celular na mão. Eduardo
respondeu com um soco.
14

Os fotógrafos fecharam uma roda em torno de Eduardo. Maria


Fernanda segurou Dudinha nos braços e saiu o mais rápido possível.

— Maria Fernanda! — Eduardo correu atrás dela.

— Não venha atrás de mim. Era isso o que você queria? — Ela
continuou caminhando entre as pessoas. — Conseguiu findar o resto de
credibilidade da sua empresa, brutamontes.

— Não resisti à provocação... Para de andar um minuto, mulher. —


Ele parou frente a ela. — Me dê a Dudinha, vou tirar vocês daqui.

Dudinha estava com a cabeça no ombro da mãe.

— Não vou te entregar minha filha nessas condições.

— Você vai mandar esse cara ir para a casa do caralho, hoje mesmo!

— Não grite comigo! — ela o repreendeu.

— Mesmo eu sendo um sujeito todo errado, não saio mais de perto


de minha família. Você querendo ou não.

Ela desviou dele, e os jornalistas já estavam em cima de Eduardo


outra vez. Ele empurrou alguns fotógrafos e seguiu escoltando os passos da
mulher.
— Sergio! — gritou ao amigo, que simulava um aviãozinho de doce
para Suelen. A morena se recompôs rapidamente. Eles nem tinham se dado
conta da confusão do outro lado do salão.

— O que foi Edu?

— O Junior e o verme do joalheiro impostor são amigos. Agora


estou compreendo as coisas. — Eduardo passou a mão no cabelo e bagunçou
o penteado.

— Vou tirar o carro, Fernanda. — Thiago apareceu só para levar um


soco.

— Ne pas se battre . — Dudinha pediu chorando.

— PARE COM ISSO! — Maria Fernanda gritou transtornada, pois a


filha estava ali, vendo tudo.

— Filha, me perdoa, meu amor. Não chora. — Eduardo beijou os


cabelos da criança. — Maria Fernanda, me escuta uma vez nessa vida! —
Eduardo firmou as duas mãos ao lado do rosto da mulher. — Está tudo
evidente. Quero proteger vocês duas.

— O Junior é meu amigo há anos. — Sergio segurou Eduardo, que


avançou outra vez sobre o Taiwanês. — VOCÊ PRECISA SE TRATAR! —
Thiago gritou enraivecido.

Suelen pegou Dudinha do colo da mãe e se afastou.

— Sergio, leve a Maria Fernanda para casa — Eduardo ordenou.

— Eu vou levá-la — Thiago deixou claro.


— Você ainda não entendeu, porra?! — Eduardo foi segurado por
Sergio outra vez.

— Edu, se acalma parceiro.

— O Junior é inimigo declarado seu, isso todos sabem! Com quem


nessa cidade você não tem rixa? — O taiwanês não estava calmo.

— Me leve para casa Thiago, precisamos conversar.

— Você não vai sair daqui com ele. Se for, minha filha vai para
minha casa. — Eduardo continuou alterado. — Não importa meus erros, é a
proteção dela que está em jogo. A proteção das duas!

— Esse homem é meu porto seguro desde a adolescência. Confio


nele e tenho motivos. Quando estiver sóbrio vá pedir desculpas a sua filha
pelo vexame que a fez passar.

A mãe pegou a criança e caminhou em direção à saída, Thiago a


acompanhou e Eduardo fez o mesmo.

Pouco tempo depois, já dentro da cobertura, a mãe esperou a menina


seguir na direção do quarto e sentou no sofá.

— Conheço o Junior há anos, Fernanda, moramos no mesmo


condomínio e raramente nos encontramos, mas somos amigos. Esse assunto é
isolado dele com o Eduardo. Eu posso garantir que meu amigo é uma ótima
pessoa. Não acredite em todos os absurdos que esse homem te conta. Eu
tenho certeza que ele já tentou me jogar contra você.

— O Junior é perigoso, Thiago. Ele já tentou contra a vida do


Eduardo.
— Seu ex-marido possui muitos inimigos. Se o Junior é um, não me
envolvo em brigas de terceiros. O propósito dele é acabar com nossa relação
com desconfianças, pense mais um pouco sobre isso.

— O pai da Dudinha tem muitos defeitos, mas tem tentado mudar


pela filha.

— Já tinha aceitado viajar amanhã com a família do Junior, fui


convidado hoje cedo pelos pais dele; ia levar você e minha filha para
conhecerem a estância, mas acredito que será impossível, agora que as
desconfianças foram lançadas.

— Não vou deixar a Dudinha ir e, por favor, não vá, Thiago. —


Maria Fernanda usou um tom de súplica.

— Preciso esfriar minha cabeça ou eu vou procurar aquele cara e


fazer uma besteira. Ele já está me tirando à razão. O pior é saber que vai ser
assim para resto de nossas vidas. — Thiago levantou do sofá. — Se você não
quiser ir, tudo bem, mas não tenho nada contra a família Álvares Azevedo. Já
está tarde... vou acordar bem cedo para pegar a estrada.

— Não estou brigando com você. Apenas não quero que vá.

— Estou cansado, Maria Fernanda. —Thiago interrompeu. — Vou


dar um beijo em minha filha. — Thiago foi em direção ao quarto de Dudinha.
Não demorou e voltou.

— Vai mesmo fazer isso? Fique mais um pouco, vou fazer um


chocolate quente.

— Quando eu voltar, Fernanda. Deixe-me respirar um pouco.


— Me perdoa Thiago.

— Não estou cobrando nada de você, só me irrita saber que ele


sempre estará aqui. Compartilhamos os mesmos amores, mas a maneira dele
é suja e sempre vai interferir em nossa relação. — Thiago beijou a testa dela e
saiu do apartamento.

Maria Fernanda desmanchou o penteado do cabelo e deitou no sofá,


mas passou pouco mais de um minuto ali. Quando ela levantou para cuidar da
filha, ouviu batidas na porta.

— Você ainda está transtornado — falou por entre uma fresta da


porta. Eduardo estava do outro lado.

— Eu não vou entrar, apenas quero saber se estão bem.

— Estamos. Agora vá.

— Tranque a porta. Não pense que eu sou um psicopata por me


preocupar. Faço isso, pois tenho todos os motivos. Boa noite.

Ele seguiu em direção ao elevador e Suelen passou por ele.

— Beijei o Sergio — A morena falou assim que viu a amiga.

— Entre. — Maria Fernanda olhou para os dois lados do corredor e


fechou a porta.

— Beijei e agora estou... ainda não tive tempo de me arrepender,


mas vou, assim que der — Suelen confessou, nervosa. — Estou perdida.

— No momento, não sou a melhor conselheira, mas pense bem no


que está fazendo. Não aprovo, até ele provar o contrário. Essa é minha
opinião, amiga.

— Fui eu que o puxei e beijei... Nunca pensei que me prestaria a


esse papel depois de anos de sofrimento. — Suelen estava sentada no sofá
com os olhos arregalados. — Será que tem uma mínima possibilidade dele
mudar? — Ela estava muito confusa.

— Seu problema com o Sergio, foi o preconceito e a canalhice de


um moleque inconsequente. É pessoal e só você pode medir a gravidade.
Meu problema com o pai da Dudinha é sobre a confiança que nunca existiu.
Não posso depositar confiança em um homem que trai. Eduardo também é
grosso e violento. Nunca foi comigo, mas é com todo mundo ao redor. Ele
nunca largou aquela mania de viver gritando; ainda deve quebrar as coisas.
Eu sei o que eu passei nas mãos dele, por isso, não consigo me imaginar na
sua situação. Mas coloque seus pesos na balança e converse com o Sergio.

— Estou medindo tudo nesse momento, minha mente está


trabalhando aqui. Quando a mãe do Sergio trouxe aqueles remédios que ele
mandou, uma parte minha morreu. Eu estava tão perturbada naquele dia, que
nem lembro o momento que ingeri. Quando acordei, já estava muito
ensanguentada e com a embalagem sobre a cama. Éramos dois
irresponsáveis, mas esperei que me apoiasse. Ele preferiu me acusar de ter
engravidado de outro. Eu não consigo diminuir essa mágoa, pesa muito, por
isso, já estou arrependida... foi bom conversar com você, gatona. Vou
esquecer esse maldito beijo. Boa noite.

— Só não se martirize com as lembranças. Tente dormir. — Maria


Fernanda deu o último conselho.
***

Na noite seguinte, Suelen estava pronta para jantar com um amigo


de Thiago. Ela tinha aceitado o convite há três dias, então a morena resolveu
não desmarcar o encontro. Naquele momento, ela estava na sala à espera do
pretendente.

— Eu atendo... — Dudinha levantou apressada quando a campainha


tocou.

— Boa noite, princesa. — falou o moreno sorridente do lado de fora.

— Você veio buscar a tante?

— Se tante for a Suelen, sim.

— Meu tio Sergio não vai gostar disso — Dudinha falou enciumada.

— Dudinha, meu amor, esse é o tio Juliano. — Suelen colocou a


mão no ombro da pequena.

— Você já me falou, mas eu prefiro o tio Sergio.

— Nanda, me ajude aqui. — Suelen, sem graça diante de Juliano,


buscou auxílio.

— Dudinha, a Suelen só vai sair um pouquinho, depois ela vai voltar


para dormir com você.

— Mas o tio Sergio me deixou de olho nela e a tante não pode ter
dois namorados.

— Dudinha... — Suelen sorriu sem graça. — Eu ainda não tenho


namorado nenhum — esclareceu para o homem. — E o tio Juliano ainda é
um amigo.

— Ele não é meu tio. Só o tio Sergio é. — Dudinha cruzou os braços


e estava brava.

— Dudinha, vá sentar no sofá, já estou indo conversar com você.


Desculpe-me Juliano, a Dudinha é um pouco espontânea. — A mãe firmou os
olhos nos da filha.

— Não se preocupe, ela é linda, e amo a sinceridade das crianças. —


O homem apenas sorriu.

— Dudinha, eu volto antes de você dormir para te contar uma


história bem bonita. — Suelen beijou as bochechas da menina.

— Não precisa, não vou esperar. Você me decepcionou muito hoje,


S-u-e-l-e-n. — A menina balançou o pescoço, ainda com os braços em torno
da barriga.

— Dudinha! — A mãe percebeu Suelen quase desistir de seu


encontro. — Vão logo. Eu vou conversar com essa pequena chantagista.

— Eu prometo trazer sua tia antes das dez para ver você dormir. —
Juliano tentou ganhar a confiança de Dudinha.

— O problema não é você seigneur[26] Juliano, o problema é que


a tante já tem um namorado, e o nome dele é tio Sergio.

— Vão e divirtam-se. Eu cuido dessa pequena atrevida. — Maria


Fernanda praticamente empurrou os dois para fora da casa e fechou a porta.

— A tante e o tio Sergio... — A menina ainda tentou argumentar


com a mãe.

— Para seu banquinho. Sete minutos.

— Mas eu gosto do tio Sergio, ele é amigo do...

— Vou aumentar um minuto antes do seu aniversário se não


caminhar até seu banquinho agora. — A mãe apontou.

A menina seguiu emburrada até o canto da sala, onde havia um


pequeno banquinho rosa de veludo.

— Me fale por que está aí.

— Eu dei opinião na conversa de adultos. — Dudinha falou com a


voz embargada e gesticulou com as mãos.

— Você não quer ver a Suelen feliz, Dudinha?

— Mas eu gosto do tio Sergio, ele pode fazer minha tante feliz. Mas
as pessoas adultas não escutam minha opinião.

— O tio Sergio teve a chance dele de fazê-la feliz. Outra pessoa


também merece essa chance. Vamos fazer assim, a Suelen escolhe e nós
ficamos responsáveis por fiscalizar os dois.

A campainha tocou e Maria Fernanda pensou ser Suelen que teria


dispensado Juliano. Tratando-se de Suelen, ela sabia que tudo poderia
acontecer.

Ela abriu a porta, pronta para dar um sermão, mas foi surpreendida
por Eduardo, Sergio e Irene na porta.

— Boa noite, Maria Fernanda — Sergio cumprimentou. — Dona


Irene, secretária do Edu.

— Boa noite, Irene.

— Boa noite senhora, peguei uma carona até próximo ao meu bairro,
vão me deixar lá depois.

— Esqueça a “senhora”, Irene. Ainda tenho vinte sete anos. —


Maria Fernanda usou sua cordialidade para receber a mulher. — Entre.

— Viemos direto da empresa. Decidi não esperar mais. Quero pagar


tudo o que devo e fechar as portas com dignidade. — Eduardo estava
desanimado. — Perdemos os últimos clientes de peso, se continuar com as
atividades nessa situação, vamos gerar mais dividas.

— Onde está Suelen? — Sergio estava sorridente.

— Ela saiu com um homem masculino, tio Sergio. — Dudinha


gritou de onde estava.

— Dudinha? — Eduardo correu os olhos na sala.

— Quem é esse homem? — Sergio se alterou.

— Foram para um encontro de pessoas adultas — Dudinha não


guardou segredos. Eduardo seguiu até onde a filha estava.

— Eu pensei que estivéssemos bem. Eu planejei comprar um anel.


Estou tentando fazer a coisa certa dessa vez. Ela me deu esperanças ontem, a
noite toda. — Sergio sentou no sofá com o olhar triste.

— E onde foi esse encontro? — Eduardo perguntou e pegou a filha


no colo.
— O Juliano é um amigo nosso. Saíram para se divertir. São livres,
desimpedidos e jovens. Qual o problema? — Maria Fernanda ofereceu
assento para Irene.

— O problema é que o tio Sergio é namorado da minha tante! —


Dudinha falou desaforada.

— E o seu, é a desobediência e insistência em conversas de adultos.


Ainda não passaram os sete minutos, coloque-a novamente no castigo. —
Maria Fernanda ordenou a Eduardo.

Os olhos de Dudinha se encheram de lágrimas outra vez.

— Dudu, minha boca é pequenininha, mas eu não consigo fechar. A


maman não entende isso. — Uma lágrima desceu do olho da menina

Eduardo viu aquilo. Todos na sala viram aquilo. Dudinha começou a


chorar dengosa e Eduardo sentou no banquinho com ela no colo. Ele sentiu
seu coração apertar, mas se conteve para não tirar a autoridade da mãe. Então
apenas beijou os cabelos da menina e a abraçou em seu peito.

— Não briga com ela por isso. — Sergio pediu em defesa de


Dudinha.

O coração da mãe sempre dizia não na hora de ser mais firme, mas
fazia isso, pois era preciso corrigi-la para o futuro.

— O Senhor Eduardo quer pagar as dívidas. Não apenas as urgentes,


mas todas. — Irene começou o assunto.

— Se esse dinheiro estiver disponível, é o melhor a se fazer. O


rombo está muito grande. — Maria Fernanda voltou seu olhar para a visita.
— Já passou o tempo, Maria Fernanda? — Eduardo perguntou,
enquanto ameigava a filha.

— Já. —Olhou para a filha. — Vá para seu quarto, Dudinha! Pense


em tudo, depois venha conversar com a maman.

— Você quer conhecer meu quarto, Dudu? — Dudinha estava com a


voz chorosa.

— Quero sim, princesinha. — O pai beijou os olhinhos da pequena e


adentrou o corredor da casa com ela no colo.

Passaram mais de dez minutos e Irene, Sergio e Maria Fernanda


ainda discutiam sobre o assunto da empresa.

— Esse empreendimento foi um projeto desejado e bem projetado.


Eu e o Edu, perdemos noites para cuidar do projeto e da construção, mas
escolhemos mal o nosso pessoal. O desgraçado acabou com tudo.

— O meu emprego é muito importante. — Irene ingeriu o líquido da


xícara. — Eu preciso muito do meu salário de secretária para pagar a casa dos
meus pais. Eu não sei o que vou fazer se ficar desempregada novamente. O
financiamento foi grande, os juros são altíssimos. Mais do que nunca preciso
desse emprego.

— Acalme-se Irene, tudo vai se resolver. Vou conversar com o


Eduardo para tentar outro caminho. Com licença, volto com soluções.

Ainda do corredor, Maria Fernanda ouviu a voz de Eduardo


grosseiramente infantilizada. Dudinha dava uma doce gargalhada. Quando ela
chegou à porta do quarto, avistou Eduardo simulando uma discussão, entre o
urso Pimpão e Rudolf. Ela preferiu ficar observando aonde aquilo iria dar.
Queria ver o propósito do pai de sua criança. No final da dinâmica, tudo
acabou em um abraço de urso e uma enorme gargalhada infantil de Dudinha.

Maria Fernanda também sorriu, vendo a alegria estampada no rosto


da menina. A mãe simulou uma tosse para ser notada e entrou no quarto,
surpreendendo Eduardo que acabou caindo da beira da caminha rosa.

— Eu não tinha percebido você aí, mulher. — Ele fingiu ter se


sentado de propósito no chão.

— Acabei de chegar. — A mãe pigarreou mais uma vez ao receber a


olhada de Dudinha, que tinha visto o momento que ela chegou.

— Eu tenho uma solução para estancar o problema da Moedeiros.

— Já sei, conversa de adultos — Dudinha balançou a cabeça,


levantou e passou por Maria Fernanda.

— Dudinha... — Antes de cruzar a porta, Eduardo a chamou. — O


que combinamos?

Dudinha voltou e estava aparentemente lutando contra um pequeno


orgulho.

— Maman... eu não vou mais te entristecer nem um... pouquinho,


com meus atrevimentos repentinos. — Simulou o tamanho com as pontas dos
dedos e apertou os olhos para enfatizar. — Mas também não vou deixar de
ser atlética.

— Não filha, autêntica. — Eduardo sussurrou.


— Isso, autêntica. Autêntica quer dizer verdadeira. Você sabia?

— Ah, é? Eu não sabia. — Maria Fernanda lutou para manter a


seriedade.

— O Dudu gosta quando sou assim.

— Você é a alegria da maman, petite. Mas precisa escolher as


palavras que saem da sua boca, já conversamos muitas vezes sobre isso.
Pensar e analisar, antes de falar — As duas repetiram a última frase juntas.

— Mas eu vou ser atlética.

— Autêntica. — Eduardo mais uma vez sussurrou.

— Eu te amo. Agora fica lá com seu tio. A maman precisa conversar


com o seu pai.

Dudinha saiu e Maria Fernanda a seguiu com os olhos até sumir no


corredor. Quando voltou seu olhar para Eduardo, ele a observava.

— Eu não saberia educar um bebê com a maturidade que eu tinha


naquela época, mas você fez isso muito bem sozinha.

— Você continua com a mesma maturidade, não se iluda. — Maria


Fernanda andou até a pequena poltrona rosa de Dudinha e sentou. — Mas
está lutando para ser um bom pai, isso vai amadurecer sua pessoa.

— Eu quero assumir a Dudinha na certidão e te ajudar de agora em


diante na criação dela. Se você me perdoasse poderíamos formar uma família
de verdade.

— Vamos precisar voltar à Europa em breve. O médico da Dudinha


marcou a próxima cirurgia. — Ela mudou o rumo da conversa.

— É mesmo preciso? Ela está tão bem.

— Ela sente dores horríveis quando fica sem os remédios, e eu não


quero minha pequena dependente de remédios pelo resto da vida.

— Então a cirurgia é para conter as dores, não por estética?

— Os três centímetros a menos da perninha serão para a vida toda.


Os tratamentos são para livrá-la do sofrimento das dores físicas.

— Como aconteceu? Eu quero saber, me conta.

— Tive uma gravidez de risco, porque me estressei muito nos


primeiros meses.

Eduardo abaixou a cabeça, envergonhado diante do peso do passado.

— Eu sou o culpado.

— Sim, você é o culpado. — A voz de Maria Fernanda chegou a


tremer. Eduardo já tinha consciência, mas aquelas palavras, ditas com a voz
embargada da mulher fez dobrar seu fardo de culpa. — Minha Dudinha quase
não sobreviveu. Ela ficou meses em um hospital. Foi lá que contraiu a
infecção no osso da perna.

— Você está certa em não me perdoar. — Eduardo encarou o urso


em sua mão e não enxugou os olhos

— Sim, estou muito certa — confirmou.

— Eu fui um desastre de marido.

— O pior de todos. — Ela fez questão de completar.


— Mas eu quero ser um bom pai, quero protegê-la de tudo. Uma
deficiência não vai limitar a capacidade da minha filha. Está na hora de
assumir meu papel, embora eu não esteja merecendo, não é?

— É bom saber que reconhece isso. — Ela seguiu firme.

— Mas quem sabe um dia a mãe da Dudinha me perdoe... —


Eduardo jogou e a espiou na esperança da resposta.

— Sobre a empresa — Maria Fernanda mudou o rumo —, estive


pensando em uma coisa que pode te ajudar a pagar as dívidas e, quem sabe,
reerguê-la mais rapidamente. — Ela pareceu não tão certa da decisão de
última hora.

— Você descobriu o traidor que invadiu o sistema para Junior? Se


for isso, temos provas para processá-lo e pegar a indenização. — Eduardo
levantou de onde estava e colocou os joelhos no chão, frente a ela.

— Não sou uma agente da polícia e tampouco hacker. Como eu


poderia saber disso? Descobri datas e contas, mas sempre estão em nome de
laranjas que geralmente são inocentes. Investigo as contas e quem as
movimentou, mas pegar ladrão é só com a polícia mesmo. — Ela levantou da
poltrona para se distanciar de Eduardo e sentou na cama de Dudinha.

— É que eu já te vejo como heroína. E você fica linda em uma


fantasia de mulher maravilha. — Eduardo sorriu safado, e se aproximou de
onde ela estava.

— Largue seu cinismo depravado e preste atenção nas minhas


palavras. Você precisa tratar essa sua perversão!
— Tudo bem, fale. Eu estou te ouvindo. Nem eu mesmo me entendo
quando estou assim, perto... Estivemos poucas vezes juntos, mas sou
alucinado por você... minha mulher. — Ele fez questão de sentar bem
próximo a ela. — Agora mesmo, estou lembrando: a praia, o carro fechado e
da sua deliciosa surra de...

— Calado! — Maria Fernanda sacudiu a gola da blusa, pois sentiu


um repentino calor com o lapso de memória. — Respeite meu
relacionamento e não fique tão... assim, se esfregando. Estamos separados.

— Então fale, não vou te interromper. — Ele olhos os cabelos dela.

— Pago as dívidas com o dinheiro que você me devolveu e com a


outra parte que minha madrinha me deixou, e você me dará tudo de volta
daqui a um ano. Estou pensando nos funcionários. O Jorginho está pensando
em se casar; a Irene está com financiamento alto para pagar, fora os outros
que eu ainda não conheço. O negócio também é meu e não vou deixar uma
herança de minha filha afundar. O que foi? Estou falando sobre um assunto
sério, por que está sorrindo? — Ela se afastou.

— Você é muito maravilhosa e nem de longe mereço que volte para


mim. Mas sigo confiante.

— Ouviu o que eu disse?

— Não posso aceitar seu dinheiro.

— Como não, homem orgulhoso? É a sua empresa, sua vida, seu


tudo.

— É melhor você guardar esse dinheiro para as despesas da


Dudinha, ela é mais importante que a empresa.

— A Dudinha é mais importante que a empresa? Você está se


sentindo bem, homem?

— Minha filha é mais importante que qualquer outra coisa. Foi isso
que eu falei. Minha vida agora tem outro sentido. A Dudinha é minha própria
vida. Sou capaz de tudo para proteger minha família.

Maria Fernanda apenas o encarou e não encontrou uma frase de


efeito para mandá-lo parar de forçar a enganação, pois as certezas das
palavras estavam sendo justificadas por uma ameaça de lágrimas. Aliás,
aquele homem ficava muito fofo quando não escondia o choro. — Não era
bom ver aquilo em um momento de TPM emocional!

— Eu não vou poder te ajudar a pagar as despesas médicas, Maria


Fernanda. Um tratamento desses na Europa deve ter um custo muito alto. Use
o dinheiro para cuidar dela. Ele foi responsável por tudo entre nós. O mais
justo é que fique para a Dudinha. Guarde para o futuro dela. Eu vou
conseguir passar por essa crise financeira.

Maria Fernanda não entendeu ao certo o que aconteceu ali, mas


pingou uma lágrima em suas bochechas. Foi inevitável se lembrar dos
incidentes que aconteceram anos atrás, por falta de uma atitude como aquela.

— Minha filha é tudo — Eduardo prosseguiu. — Isso é tão bom de


dizer! Minha filha é mais importante que minha vida. — O que foi? —
Eduardo viu aquela lágrima antes que ela virasse o rosto. — Não chora
mulher, você quer acabar com meu coração?
— Eu só lembrei-me de uma história, nem estava ouvindo você
conversar direito. — Ela tentou disfarçar. — Já está tarde...

— Eu estou sem dinheiro e é você quem chora? — Eduardo


acariciou os cabelos loiros até as pontas, depois beijou a cabeça da mulher.

— Se afaste, Eduardo. Eu fui à delegacia e retirei a queixa contra


você, pois agora você deve conviver com a sua filha, mas apenas próximo a
ela. Se afaste, estou muito sensível para isso. — Ela o empurrou com o
cotovelo.

— Está no período, mulher? — Eduardo aproveitou para cheirar-lhe


os cabelos.

— Não temos intimidade para esse tipo de assunto. Em dez dias


estaremos separados para sempre.

— E quem te disse que eu vou permitir isso? — Eduardo recostou os


lábios na ponta do nariz da mulher. — Nenhuma outra tem essa pele, esse
cheiro, esse cabelo... eu já te falei que amo os seus cabelos?

— Eu não vou desistir do divórcio. Estou sensível, mas isso não


significa que estou te dando brechas.

— Me dê permissão para um beijo. — Eduardo roçou-lhe a boca. —


Só uma pequena sungada na sua língua... Deixe, mulher — Eduardo
implorou.

— O divórcio... — ela sussurrou. — Só quero o divórcio...

— Você repete tanto isso para se convencer, mas é isso mesmo o


que realmente quer? Só um beijinho, ferinha...
— Nunca. — Ela estava com os olhos fechados, sentindo-se
levemente tentada. — Se tentar eu sou capaz de tirar um pedaço de você no
dente.

Sergio tossiu perto da porta.

— O que você está fazendo aqui, desgraça? — Eduardo arremessou


o urso Rudolf em Sergio.

— Eu só estava curioso para saber a solução da Maria Fernanda, eu


não sabia que estavam aí de chamego. — Sergio arqueou o canto do lábio
insinuando algo. Maria Fernanda sentiu vontade de afundar o rosto no
travesseiro de florzinha que estava próximo, mas a atitude só aumentaria seu
nível de constrangimento.

— Só estávamos conversando sobre a empresa, Sergio. — Ela saiu


de perto de Eduardo e sentou do outro lado da cama.

— É o novo nome para isso? — Sergio levantou uma das


sobrancelhas. — Eu também estou doido para conversar sobre a empresa com
a Suelen.

— Respeita a mãe da minha filha... vou tirar seus dentes da frente


com um soco, seu desgraçado! — Eduardo empurrou o amigo.

— Eu fiz a proposta de ceder minha herança para pagar as dívidas da


empresa, mas o Eduardo não aceitou.

Sergio sentou ao lado de Maria Fernanda na cama, sem acreditar.

— Levante! — Eduardo puxou o homem pela camisa.


— Como não aceitou o dinheiro? Você só pode estar louco. Não é
hora para orgulho, Edu.

— Vou dar um jeito sem precisar tocar nesse dinheiro.

— Ela é sócia, cara, só estará investindo no próprio negócio. É


dinheiro, Eduardo! Tudo o que precisa no momento.

— Vou dar outro jeito — Eduardo falou entre os dentes.

Sergio encarou o amigo e em seguida curvou o lábio em um curto


sorriso.

— Claro! Você está certo, Edu. Você vai dar um jeito em tudo. É
uma atitude muito bonita, irmão. Você, Edu — Olhou para Nanda —, mudou
muito, meu amigo. Agora é um homem de família.

— Por que você tinha que entrar aqui? Eu vou acabar com você
agora, seu idiota! — Eduardo começou a estrangular Sergio no canto da
parede do quarto.

— Acredita nele, Maria Fernanda. — Sergio ainda tentou ajudar o


amigo.

— Qual a idade mental dos dois? A da Dudinha é mais avançada.


Saiam daqui!

— Eu quero mudar, mas toda hora aparece um para tirar minha paz.
— Eduardo largou Sergio.

— Obrigada por vir até aqui, Sergio. Agora, vão para casa, pois já
está tarde e a dona Irene precisa ir embora.
— Mas o nosso beijo, mulher? — Eduardo ainda tentou.

— Saiam!

Sergio saiu imediatamente. Passou pela sala, pegou Irene pelo braço
e correu para o elevador. Sairia antes que o amigo o alcançasse. Eduardo se
despediu de Dudinha e foi embora contrariado, desejando matar a saudade
dos lábios da mulher.

No outro dia bem cedo, Sergio bateu na porta de Eduardo. Ele estava
mal por ter estragado a noite do amigo, precisava se desculpar. Eduardo era
seu único apoio.

— O que está fazendo aqui? — Eduardo atendeu a porta com o


cabelo pirado e o rosto inchado do sono.

— Desculpe por ontem. Você não estava aceitando o dinheiro, eu só


consegui imaginar que fosse parte do plano.

Eduardo não esperou Sergio se explicar e o atacou com um soco na


boca.

Depois que os ânimos se acalmaram os dois homens fizeram as


pazes e juntos voltaram ao plano de conquistar as mulheres. O próximo passo
seria visitar um dos encontros de caridade.
15

Era final de tarde de domingo, Suelen, Maria Fernanda, Dudinha e a


noiva de Jorge estavam em um táxi, próximo à comunidade carente. Elas
levavam alimentos prontos para os moradores e voluntários, pois durante o
dia houve mutirão de reconstrução das casas.

— Então, agora sai o casamento? — Suelen perguntou abraçada a


um recipiente de plástico. — Quem diria, até o Jorge desencalhando antes de
mim. — Ela gargalhou.

— Faço questão de doar toda a festa de casamento. — Maria


Fernanda ofereceu a cortesia

— Agradeço a gentileza, mas um de meus patrões prometeu pagar as


despesas do bufê — a mulher rechonchuda falou contente com bondade do
patrão.

— Você deve ser uma funcionária muito eficiente, Sônia. Aproveite.


Eu mesma vou te ajudar a escolher uma festa deslumbrante. — Suelen fez
planos de aproveitar a gentileza do homem desconhecido e emendar o
enxoval e utensílios domésticos na conta do bufê.

O táxi parou, a noiva de Jorge pegou uma vasilha e seguiu para uma
das casas.
Dudinha estava com seu macacão rosa e um chapéu da mesma cor
na cabeça. A mãe estava com um modelo idêntico ao da filha. Suelen estava
de jeans e camiseta.

As mulheres retiraram as grandes vasilhas de dentro do carro e as


empilhou sobre a grama.

Maria Fernanda retirou o último cesto de pão e quando virou com o


peso, deu de cara com o ex-marido.

— Jesus! — Ela soltou o que segurava, mas ele foi mais rápido. —
O que... o que faz aqui? — Olhou-o de cima abaixo. O homem estava com
roupas normais e sujas de tintas.

Eduardo colocou o cesto no chão e voltou para falar com a filha.


Maria Fernanda e Suelen se olharam.

— É o Sergio. — Maria Fernanda reconheceu o homem que


empurrava um carrinho carregado de ferramentas.

— Sim, é ele. — Suelen colocou as duas mãos sobre os olhos para


fugir do reflexo do sol, que sumia nas montanhas. — Que cena mais bonita
de se ver.

Eduardo, que estava abaixado perto de Dudinha, levantou-se


segurando a mão da menina.

— O que estão aprontando em pleno domingo? — Maria Fernanda


aproveitou para passar os olhos nele e sua mente atrevida teve a ousadia de
fazer a comparação entre o visual de engenheiro e as roupas de pedreiro.

— O que foi? — Eduardo perguntou sem usar o seu costumeiro


sorriso sacana. Outra vez ela fez comparação entre o homem sério e o safado.
— O que foi, mulher?

Maria Fernanda estava enrolando uma mecha do cabelo entre os


dedos e recobrou o juízo.

— Eu não vejo motivos para você usar essa camiseta tão apertada,
homem exibido. Ela colocou a mochila que carregava na frente do abdômen.
Dentro estavam os pertences básicos de Dudinha.

— Não posso pintar casas de terno e gravata.

— O Dudu é muito forte, as mãos dele são grandes para o trabalho.


Olha os braços dele, maman, são grandes.

Maria Fernanda olhou atravessado.

— São alimentos? — perguntou Eduardo.

—Sim, o café dos moradores. Está aqui desde quando?

— Viemos dar uma força na pintura das casinhas. Chegamos antes


das oito da manhã. O Jorge também veio.

Ela procurou por Suelen, mas a morena já estava longe, caminhando


na direção de Sergio.

— Me ajude a levar os alimentos. — Pegou a primeira vasilha e


entregou a ele.

— Eu já estava indo para casa. O Sergio está guardando as


ferramentas. — Eduardo pegou outro cesto e Dudinha caminhou ao lado
deles. — Fazia tempo que eu não entrava em uma obra, fiz muito isso nos
primeiros meses de estágio.

— Você está muito estranho, espero que não esteja aprontando nada
contra essas pessoas. — Maria Fernanda colocou a vasilha sobre uma mesa
de madeira.

— Mulher, você é muito desconfiada. O líder da igreja é meu amigo,


me deu a maior força. Ele acredita em nós dois. Olha que família linda! Tem
como alguém não incentivar? — Eduardo colocou a mão sobre o ombro de
Dudinha.

— Tentar te ajudar a pensar diferente, não significa que ele apoia


seus planos. O homem bondoso é sábio e aconselha a todos, aprenda isso.

— Queria que os meus três papas morassem na nossa casa, maman


— Dudinha completou sorridente. — Maria Fernanda e Eduardo olharam ao
mesmo tempo para a filha. Precisavam ter cuidado para não agitar a mente da
criança. — Porquinhos rosa! — Dudinha colocou as mãos nas bochechas
quando alguns filhotes passaram correndo atrás da mãe.

— Você está proibida de chegar perto daqueles porcos! — Maria


Fernanda ajeitou o chapéu da filha. — Esqueça os porquinhos, estão muitos
sujos e você já arriscou sua saúde pegando o Julien do lixo.

— Mas eu posso banhá-los naquele poço. — Dudinha apontou. —


Coloco no balde, desço na corda, depois puxo com minha grande força. Eu
não vou cair lá dentro. Sou forte igual o Dudu.

Eduardo esfregou a mão no peito, pois sentiu um pequeno ataque do


coração.
— Preciso marcar um cardiologista. — Ele ainda esfregava o peito.
— Também preciso me preparar para a adolescência.

Maria Fernanda tirou um casaco da mochila e colocou no corpo da


filha.

— Esse é motivo para eu não ter uma babá! — A mãe falou


disfarçadamente. — Ajude a maman a arrumar o alimento, petite.

— Vocês duas estão charmosinhas com a mesma roupa. — Eduardo


levou um tempo admirando-as — E você, mulher... a cor rosa sempre me
lembrou você. — Eduardo arqueou um canto dos lábios, observando a roupa
definindo as pernas de Maria Fernanda.

— Estava demorando para o assanhamento. Você não estava


voltando para casa? Então vá.

— Só saio daqui com as duas. — Eduardo cheirou a própria


camiseta. — As mulheres da comunidade me ofereceram a casa para um
banho, acho que vou aceitar.

— Homem oferecido, vai entrar em problema com os maridos por


ser tão exibido. — Maria Fernanda segurou a mão de Dudinha, elevou o rosto
e se juntou com as outras mulheres na distribuição do alimento.

Eduardo foi atrás de Sergio.

Poucos minutos depois, Maria Fernanda viu Eduardo de pé dentro do


pequeno coreto. Boa parte dos moradores e voluntários responsáveis pela
ação estavam a sua frente. Curiosa, ela não poderia deixar de conferir o que
estava acontecendo.
— Eu não sei fazer isso direito. Estou nervoso. — Ele sacudiu o pó
da calça.

Dudinha soltou a mão da mãe e se juntou ao pai.

— O que está acontecendo? — Maria Fernanda perguntou a Suelen


sem tirar os olhos do coreto.

— O líder da igreja convidou o Eduardo para se expressar. Pense,


disse que vai falar sobre o rei de Israel. — Suelen estava com os braços
cruzados e Sergio ao lado.

— Jesus! — Maria Fernanda observou a quantidade de pessoas que


ouviriam o homem, e seriam muitas.

— Ele andou pesquisando na internet e lemos juntos. — Sergio


estava orgulhoso do amigo.

— Ainda dá tempo de você tirar seu amigo de lá. Faça alguma coisa,
Sergio. — Maria Fernanda pediu.

— Edu é o cara, vou até gravar esse momento. — Sergio pegou o


celular e Suelen deu uma de suas gargalhadas.

— Começo dizendo que Davi era um desgraçado, sortudo do


caralho! — Eduardo começou, e um som de "OH" coletivo foi ouvido. Maria
Fernanda colocou a mão frente ao rosto. — O sujeito aprontava, mas sabia
agradar a Deus. Os reis costumavam sair para a guerra, mas teve um dia que
ele estava cansado pra cacete... — Outro "OH" foi ouvido — Então resolveu
ficar no palácio. Estava curtindo na varanda, mas para sua tentação virou o
rosto e viu uma mulher peladinha no quintal do soldado. A mulher pelada
esfregava seus cabelos, e nessa parte eu compreendo o parceiro. Minha
mulher é a prova viva da tentação.

— Não estou acreditando nisso. — Maria Fernanda apertou a cabeça


no ombro de Suelen. A morena só ria e Sergio gravava.

— Então ele viu um negocinho diferente e pensou: vou pegar essa


mulher dos cabelos longos para mim! — continuou. — Chamou a mulher
para um particular e naquela época não existia proteção, então fez logo um
filho. Eu também não posso falar do parceiro, pois a Dudinha está aqui.

— Tira aquele homem de lá, Sergio — Maria Fernanda implorou.

Suelen estava gargalhando, Sergio só não aplaudia, pois estava


registrando o momento.

— Ele pegou um grande problema, pois a mulher era casada, estava


grávida e o corno na guerra. Davi, na malandragem, mandou buscar o marido
corno para se deitar com a mulher e assumir a criança. Mas o parceiro, Urias,
que também era corno, não foi para casa, pois não queria conforto enquanto
os irmãos estavam na guerra. Era corno, mas era um bom sujeito! Davi
precisou mudar tudo e tomar outra decisão. Ele mandou o cara de volta para a
guerra e jogou na linha de frente, no lugar mais perigoso da batalha, onde
seria morto facilmente. E foi exatamente isso que aconteceu. Depois do
marido morto, ele fez da mulher sua rainha. Mas o que plantamos colhemos,
eu sou a prova disso e estou correndo atrás antes que seja tarde. Mesmo ele
pedindo perdão, tinha feito algo sujo, "matado" um homem para ficar com a
mulher. O bebezinho não vingou por consequência da maldade do pai.
Tempos depois, seus outros filhos caíram na desgraça da violência, uns
matando os outros, e um deles até quis matá-lo para tomar o trono. Tenho
aprendido na pele que tudo tem um preço a ser pago. Então, não deixe que as
suas escolhas erradas tragam consequências trágicas para sua família.

— Obrigado, meu filho. — O líder da igreja apertou a mão de


Eduardo.

— Eu só aprendi essa parte — justificou-se e pegou Dudinha no


colo.

— Foi uma boa reflexão, continue estudando.

Dudinha abraçou o pescoço do pai e Eduardo desceu do coreto. De


qualquer maneira, a mensagem foi passada e os moradores aplaudiram.

— Andei estudando — explicou para Maria Fernanda quando


chegou perto dela.

— Você é o cara, parceiro. — Sergio guardou o celular.

— Sônia? O que está fazendo aqui, mulher? — Eduardo viu a


mulher rechonchuda do lado de Maria Fernanda.

— Sou voluntária! Nunca imaginei encontrar o senhor por aqui!

— A Sônia trabalha na minha casa, Maria Fernanda.

— Então sua mulher é a Soninha? Olha que mundo pequeno! —


Sergio sorriu em deboche, pois aquela característica já era normal dele.
Eduardo também estranhou a coincidência. Jorge estava ao lado da mulher.

— Ela não é linda? — Jorge apertou as bochechas da mulher. Foi


fofo quando as barrigas de ambos se encontraram.
— Então você é o santo que está a seis meses andando de mãos
dadas? — Eduardo perguntou, deixando Sônia constrangida.

— Vamos analisar uma situação aqui... — Suelen chamou atenção


— Este homem é o seu patrão? O que te prometeu o dinheiro? Eduardo
Moedeiros?

— Ele mesmo.

— Então, já era festa de casamento e tudo mais. Pobrezinho da silva


é o novo sobrenome de Eduardo Moedeiros. Melhor você aceitar a gentileza
da Nanda, querida. — Suelen bateu no ombro de Sônia em um conforto.

Sônia desanimou.

— Eu prometi te dar a festa, Sônia. Você vai ter sua festa, não se
preocupe. Agora, vou levar minha família, pois ainda tenho um
compromisso.

— Não precisa, vá ao seu compromisso, eu chamo o táxi. — Maria


Fernanda procurou o número nos contatos.

— É uma reunião com meu pai. Vou amanhã. Não vou permitir que
saiam daqui sozinhas. Jorge, pegue uma carona com o líder da igreja. Suelen,
bocuda, vá com o Sergio ou pegue uma carona com quem achar melhor. —
Eduardo seguiu com a filha na direção da caminhonete.

— Aproveitem e conversem, mas tenha juízo, Suelen. — Maria


Fernanda segurou nas alças da mochila e seguiu na mesma direção.

— Onde está o joalheiro. Já sumiu no mundo? — Eduardo


perguntou. O veículo já estava na pista.
— Thiago está na Serra com uns amigos.

— Sem você? Grande prova de relacionamento estabilizado.

— Acha mesmo que pode jogar com isso? Você nunca me levou em
suas viagens. Não que eu guarde rancor disso, apenas estou te colocando em
seu lugar. — Eles estavam conversando baixo enquanto Dudinha cantarolava
uma música no banco de trás.

— Sei o quanto errei. Por isso, você deveria desconfiar do joalheiro.

Maria Fernanda se calou para pensar na vida e sentiu o vento fresco


no rosto durante o percurso.

Duas horas depois os três chegaram à cobertura. Dudinha seguiu


para ver Julien no quarto e deixou os pais na sala.

— Você precisa de um banho, melhor ir agora. — Maria Fernanda


colocou a mochila sobre um móvel perto da porta.

— Posso usar o banheiro do seu quarto?

— Não. Mas use o social. Você foi gentil hoje com aquelas pessoas,
não posso negar um banho.

Eduardo puxou a camisa pelo pescoço ali mesmo, ainda olhando


para ela.

— Vou ficar pelado depois, não tenho o que vestir e me recuso a


usar uma cueca suada. — Eduardo deixou claro e entrou no corredor da casa.

— Descarado... — Maria Fernanda falou sozinha na sala e seguiu


para procurar uma roupa de Thiago que servisse no homem.
Cinco minutos depois, ela estava quietinha pendurando uma camisa
e calça na fechadura quando Eduardo abriu a porta.

— Trouxe uma roupa para você — ela falou com a mão nos olhos.

— Não sei o motivo do constrangimento. — Eduardo terminou de


prender a toalha na cintura. — Se o seu medo ainda for o mesmo, continua do
mesmo tamanho. Se eu não estivesse ganhando uma nova postura, poderia
lembrar que você já sentou e sobreviveu.

— Você não me respeita. — Maria Fernanda virou as costas e seguiu


para o quarto da filha.

Ela tomou banho com a filha e Dudinha já saiu do banheiro


sonolenta.

A mãe ajeitou o cobertor da filha e Eduardo abriu uma fresta da


porta naquele momento.

— Já estou indo, mulher. Ela dormiu? — falou baixo. — Maria


Fernanda beijou os cabelos da filha, levantou e saiu do quarto. — Você é a
melhor mãe do mundo.

— Faço o que posso para criá-la de uma maneira que não se


machuque quando crescer. Hoje você também fez uma boa ação, e a Dudinha
ficou orgulhosa. Isso é bom para ela.

Eduardo olhou diretamente nos lábios da mulher, e seu sorriso


sedutor foi natural. Ele não sabia lidar com a mistura de sentimentos e
sensações quando se aproximava dela.

— Já está tarde. Vamos, ande até a porta. — Ela seguiu para a sala,
ele foi atrás.

— Daria tudo, se me deixasse te beijar.

— E ainda te resta alguma coisa? — Maria Fernanda apressou os


passos.

— Eu tenho meu apartamento e restou minha caminhonete preferida.


Ela é muito cara... Posso dormir na rua e andar a pé por um beijo seu.

— Não tinha um lugar para ir ainda hoje? Então, já trouxe a


Dudinha, agora pode ir.

— Mulher, você não cede nunca. — Ele segurou nos dois lados da
cintura dela e percebia-se que ele buscava autocontrole pela falta de intervalo
na respiração. — Meus desejos estão guardados para você, mas está sendo
muito difícil manter o controle. — Eduardo mordeu os próprios lábios. —
Faltam nove dias para o contrato terminar e estou entrando em desespero,
Maria Fernanda. O que impede de estarmos juntos? Eu te quero e desejo.
Largo tudo, não consigo mais imaginar minha vida sem você. Não é apenas a
falta de sexo, é sobre querer você, só você. — Ele levou os cabelos dela para
trás da orelha.

— Entre nós há um homem maravilhoso, um relacionamento seguro


e a minha falta de confiança em você.

— Desde que assumi meus sentimentos, eu não penso em outra além


de você. Durmo e acordo te desejando, sem poder me tocar, pois decidi só
liberar prazer com você. Eu não sei como vai ser se realmente casar com
aquele cara. Talvez, com um tempo eu consiga outro relacionamento seguro,
mas você sempre esteve aqui e de verdade não sei como vai ser.

Maria Fernanda passou os polegares nos olhos dele, secando as


lágrimas.

— Você passou oito anos com centenas de mulheres diferentes na


sua cama e agora me diz que eu sempre estive no seu coração?

— Já te expliquei — ele a interrompeu —, eu não sabia te amar da


forma que você merecia, mas inconscientemente você já tinha tomado lugar
dentro de mim.

— Calado, Eduardo. Era um homem casado e independente de


qualquer coisa, você me traia estando longe ou perto. Isso é uma questão de
caráter.

— Tenho uma vida sexual muito ativa desde a adolescência, mulher.


Não tinha um conceito formado sobre firmar uma família, eu não queria.

— Antes do Thiago, eu namorei outro rapaz.

— Teve outro?

— Calado! Ele era um homem, charmoso e tinha um bom caráter,


tínhamos uma boa relação.

— Não estou gostando dessa conversa, mulher.

— Estudamos juntos na faculdade e nos aproximamos.

— Para com essa conversa, mulher.

— Considera isso uma traição?

— Não tenho o direito de te julgar, mas você está machucando o


coração de seu marido revelando isso. Teve mais quantos?

— Minha vida era muito corrida antes da última cirurgia da


Dudinha, eu mal dormia cinco horas por dia.

Eduardo abraçou Maria Fernanda e colocou a cabeça dela em seu


peito.

— Não existe aconchego melhor... — Eduardo beijou os cabelos


dela.

— Nunca me senti à vontade para aprofundar meu relacionamento


íntimo com meu antigo colega de faculdade. Foi por isso que terminamos.
Seis meses atrás, eu e o Thiago começamos o nosso namoro. Sempre tivemos
uma boa cumplicidade e acredito que disso nasceu o amor, mas eu continuei
sem conseguir aprofundar a relação da maneira mais íntima.

— Você está...

— Continue calado! — Ela o impediu de falar — Não é algo sobre


querer apenas você, é sobre mim. Pois, por mais que seja um crápula, traidor,
homem depravado... meu nome está ali na certidão de casamento. Não chore
e não se sinta especial por isso! — Ela desmanchou o abraço e o repreendeu.
— Eu me acusei de idiota por isso, principalmente com o Thiago, pois ele
desperta meus desejos. Mas não fiz, pois sou apegada aos meus valores
pessoais, e me casei com a pior espécie de homem, do tipo que nunca teve
valores diante do matrimônio. Por mais que tentasse, não podia abandonar
minhas convicções. E não se iluda, tudo o que eu mais desejava era o
divórcio, pois assim, poderia me dar completamente ao meu Thiago.
— Pobre do Taiwanês. — Eduardo estava tentando controlar o
choro. — Eu daria um abraço nele, se você não estivesse querendo se livrar
de mim para dar a ele.

— Pare de chorar. — Ela secou os olhos dele outra vez.

— Você é uma mulher de ferro... Eu não te mereço, Maria Fernanda.


Nenhum homem merece. O desgraçado que terminou contigo só queria te
comer. Talvez o Taiwanês te mereça por ser tão paciente...

— Engole o choro e vá para casa. Quero viver em paz, Eduardo.


Temos uma filha, mas ainda não consigo confiar em você da maneira que um
relacionamento exige.

— A última vez foi na praia... Como é possível isso? Você é minha,


só foi minha e de mais ninguém. Ferinha, linda e fiel.

— Pare de chorar.

— Só eu te provei, sou um desgraçado sortudo. Deveria viver me


rastejando aos seus pés dia e noite. — Eduardo segurou o queixo dela
impedindo-a de movimentar o rosto. — Olhe em meus olhos...

— Pare de conversa. — Ela o interrompeu e tentou tirar a mão dele


de seu queixo.

— Estou sem cueca e meu corpo está brigando feio com a emoção.
Estou de pau duro, não olhe e me desculpa por isso. Estou mudando, eu posso
garantir.

— Vá para casa, Eduardo.


— Meus quinze dias não se comparam aos seus oito anos, mas agora
que assumi que te amo, fico no celibato por dezoito, se disser que me espera.
Melhor eu ir, não quero forçar uma situação... — Eduardo estava todo
atrapalhado, ainda absorvendo a informação. — Mais do que nunca preciso
ter você de volta para honrar minhas palavras. — disse passando as mãos
sobre os dois seios dela.

— O que está fazendo? — Ela se sobressaltou.

— Desculpe por isso, estou impulsivo.

— Tente se acalmar. Somos amigos agora, não toque em meus seios,


homem atrevido. — Maria Fernanda sentiu um lampejo de sensibilidade com
o toque malicioso. Ela estava muito firme externamente, mas intimamente,
organizava os pensamentos sobre o desejo que ainda sentia por aquele
homem que chorava em meio à safadeza. — Controle-se. — Ela tocou o
próprio pescoço para constar se descia suor.

— Espero merecer você, dentro desses dias que nos restam. Agora
eu vou, preciso tomar um banho gelado ou não cumpro meus propósitos.
Muito obrigado.

Ele saiu atordoado. Maria Fernanda fechou a porta e despencou no


sofá com a respiração muito pesada. Já estava com a sensação de
arrependimento por ter confidenciado seus segredos a Eduardo.

— Seremos pais amigos e foi bom me libertar. — Ela se lembrou de


algo sólido que tinha visto minutos antes e deu dois tapinhas na própria face
para recobrar o juízo. — Amigos e pais, apenas isso.
16

No dia seguinte, Eduardo e Sergio foram até um café muito


conhecido na cidade. Os dois homens estavam felizes.

Eduardo não falou detalhes sobre a conversa da noite anterior, mas


ele estava tão alucinado que soltou a parte da informação enquanto pensava
na mulher.

— Você fica sabendo de um negócio desses, e sai do apartamento


dela? Não te reconheço, Edu. Cadê aquela malandragem que ganhava todas
as competições de conquistas

— Nunca precisei conquistar, por isso ganhava de você. — Eduardo


falou com o olhar longe. — Em toda minha vida, a única mulher por quem
me esforcei foi à ferinha, mesmo quando ainda não entendia a proporção dos
meus sentimentos. Sempre foi ela.

— Você já está virando um típico homem de família, Edu.


Controlando os impulsos, sendo pai e até sorrindo sozinho. Vivi para ver isso.

— Quando saí de lá, eu a deixei com as bochechas vermelhas, uma


coisa linda. Ela sempre teve aquele nariz fininho e naturalmente empinado,
mas o coração é muito nobre. Os anos passaram e o poder feminino daquela
mulher ficou ainda mais aguçado. Você sabe que os cabelos dela são únicos,
não é?
— Os cabelos da Suelen eram crespinhos, mas eu amava acariciar
e...

— Ah, por favor, Sergio. O cabelo da Maria Fernanda tem um cheiro


especial, não venha com comparações. A mulher mais linda do mundo foi só
minha e de mais ninguém. Vou precisar ir com calma quando fizermos as
pazes.

— E você acha que a Suelen também continua virgem para mim?

Eduardo encarou o amigo.

— Sergio, é realmente um idiota ou só finge? Venho tentando


compreender isso há anos. Ou não foi você que amansou a onça pela primeira
vez?

— Virgem de outros caras, além de mim e daquele marginal. Estou


bastante incomodado, Edu. Sempre que estamos próximos, eu e minha Anja
nos confrontamos com acusações. Ela sofre quando toco no assunto da
gravidez, e se culpa de ter abortado. Ela esperava que eu assumisse a criança
de imediato, mas ela era virgem e sempre me preveni, e se ela engravidou de
outro, foi quando estava comigo, por isso rejeitei no primeiro momento.

— Te avisei naquela época, as fotos poderiam ter sido adulteradas. É


uma história bem enrolada essa sua.

— Eu vi, ela estava em uma cama com aquele cara perigoso. Não
acreditaria apenas nas fotos. Entrei naquele quarto e vi.

— Aprontei tanto nessa vida e estou buscando perdão. Você deveria


esquecer essa história e superar isso. Todo mundo é corno uma vez na vida.
Eu sou um meio corno, mas não deixo de ser.

— Não por mim, eu faço de tudo, quero recomeçar, mas ela não
consegue. Foi a perda trágica da criança, isso a feriu e nos fere até hoje.
Ontem saímos, evitei a troca de acusações e ela não me bateu dessa vez.

— Já é alguma coisa.

— Minha mãe virá o Brasil daqui a três meses. Vou ajustar as pontas
soltas da história. Eu não sabia que havia se encontrado com a Suelen antes
do aborto. Liguei hoje para o Canadá, mas ela estava ocupada e desligou o
telefone.

— Depois de anos, estamos lutando para conquistar aquelas duas


pirralhas, magricelas. Minha ferinha de dentes afiados, ela vai precisar
aprender a morder mais devagar. — Eduardo sorriu e bebeu o conteúdo da
xícara.

— A Viviane é amiga da mulher do Junior? — Sergio fez sinal com


os olhos em direção a uma mesa distante.

— Descobri que ela está trabalhando na J.A. Certamente é uma das


cobaias no Junior.

— Então, ela está se aproximando da Samanta propositalmente. Elas


duas nunca foram próximas.

— Já perdi tempo demais esperando pela justiça, Sergio. Contratei


um detetive particular para seguir os passos do Junior. Quero pegar o traidor
no pulo. A Viviane não é tão inteligente para ter agido sozinha lá dentro.

— Se já está com a polícia, não deveria envolver mais ninguém.


Você está muito na linha de frente. Não faça nada por conta própria.

— Quando sofremos os atentados, você sempre estava dentro do


carro blindado, enquanto eu a vista dos atiradores.

— Eu fico puto com essa sua desconfiança. Estou preocupado com


sua vida, será que não vê? — Sergio atirou o guardanapo sobre a mesa.

— Foi apenas uma observação, pare de drama.

— Vou adiantar as coisas na empresa. — Sergio levantou e saiu


chateado.

Eduardo pagou a conta e também saiu. Tinha uma reunião com seu
pai e o detetive.

QUATRO DIAS DEPOIS...

A divulgação tinha sido feita e os funcionários contratados. Tudo


estava pronto. Restava abrir as cortinas vermelhas que impediam a visão das
mulheres curiosas, com cartões de créditos nas mãos, esperando por
novidades. A grande loja de moda feminina seria inaugurada.

— Vamos lá, Suelen! Vai dar tudo certo. — Maria Fernanda abraçou
a amiga, logo após agradecer aos céus pelo sucesso do novo negócio.

— Vamos, meninas! Doem os seus melhores sorrisos. Vamos vender


muito, e a comissão de vocês será gordinha. — Suelen beijou os rostos de
algumas das ex-funcionárias de Eduardo. As moças estavam animadíssimas
sendo vendedoras de luxo, ao invés de desempregadas.

Quase no final do dia, Eduardo fechou a empresa e foi até a loja.


Quando entrou, ele avistou a filha desfilando entre os sofás de veludo,
enquanto duas clientes aplaudiam o desempenho da pequena.

— Dudu! — Ela correu e se jogou no colo do pai. — Isso aqui está


uma loucura. — A menina repetiu uma das frases que ouviu de Suelen.

— Onde está sua mãe?

— Cuidando do dinheiro. — A pequena cochichou no ouvido do pai.

— Olha quem veio prestigiar o nosso sucesso, Dudinha? — Suelen


se aproximou segurando diversos cabides nas mãos.

— Isso aqui vai dar muito certo, Suelen. — Eduardo observou a


estrutura da loja montada.

— Sim, muitíssimo. — A morena pegou a menina e retornou ao


chão. — Agora tome esses cabides, e vá lá dentro repor roupas para deixar
tudo pronto para o novo dia. — Jogou os cabides nos braços de Eduardo. —
Vá e distraia as clientes com suas dicas de moda, petite. O Dudu agora vai
ajudar a Tante e a maman.

— Eu não sei fazer isso, Suelen! Não entendo nada sobre moda
feminina.

— Mas vai ficar por aqui, ajudando. Sua aparência não é grande
coisa, mas está chamando a atenção daquelas últimas clientes. Nem pense em
sair daqui. Já estamos fechando e elas ainda não compraram nada. — Suelen
saiu carregando Dudinha.
Perdido, ele procurou o lugar onde poderia repor os cabides, mas
abandonou no quarto de roupas e seguiu para procurar Maria Fernanda.

— Dia cansativo, hein? — Ele sentou ao lado dela no pequeno


escritório, que ficava nos fundos da loja.

— O movimento foi maior do que eu imaginei.

— Onde está o joalheiro? Agora toda vez que te vejo está sem ele.

— Está ocupado, ele também tem uma empresa. Mas veio mais
cedo. — Maria Fernanda não quis expor que Thiago raramente estava indo
vê-la. O homem alegava estar ocupado, mas nunca explicava do que se
tratava.

— Isso aqui vai ser um sucesso. Você é muito boa com os negócios,
mulher.

— Se acreditasse nisso antes, as coisas teriam sido diferentes — ela


falou sem encará-lo. — O seu maior erro foi pagar para ver.

— Me arrependo de tudo de ruim que fiz, mas a melhor coisa que te


aconteceu foi ter ido. Você cresceu longe de mim.

— O segredo para isso foi não investir nos desgastes. Eu não tinha
tempo para lutar, então segurei a mão da minha filha e passei direto pelas
dificuldades. Com isso ganhei prazo para vencer primeiro. Estudei e logo
consegui um bom trabalho. E não penso em parar, vou voltar a estudar em
breve. Algumas pessoas querem provar ao mundo que tem o poder e com isso
travam uma verdadeira guerra. Mas qual o sentido de provar se o importante
é ser? O segredo é seguir em frente. Quem segue chorando e sofrendo, vence
antes de quem está lá atrás se desgastando em conflitos.

— Poderia ser menos maravilhosa? Só para ficarmos compatíveis.


— Os olhos de Eduardo estavam brilhando. — Aprendi a te amar ainda mais
com a tua falta, mulher.

— Vamos evitar esses assuntos. Isso já foi enterrado, não adianta


mais ser lembrado. — Maria Fernanda fechou os malotes de dinheiro e
colocou no cofre. A transportadora de valores faria a coleta no dia seguinte.

— Eu nunca vou desistir de tocar nesse assunto, meu plano é vencer


pelo cansaço. — Eduardo sorriu, mas seu olhar estava em uma tristeza
profunda.

— Suelen está muito animada com a loja. Eu fico muito feliz por ter
alimentado o sonho dela. Ela esteve comigo em todos os momentos difíceis.
Minha amiga merece ser feliz.

— O Sergio está lá fora, chegou quando entrei aqui. Estamos


brigados.

— Vocês são amigos e adultos, isso não pode acontecer.

— É, mas sempre brigamos. Até já perdi as contas.

Maria Fernanda não tinha a convivência de anos com o Eduardo,


mas identificou preocupação nos traços cansados.

— Vai para casa descansar, Eduardo. Quando eu terminar aqui,


chamo um táxi. Ainda vamos demorar um pouco.

— Por que não dirige seu próprio carro?


— Fui fechada por um caminhão, meses atrás. Ainda não consigo
pegar no volante.

— Foi grave, Mulher?

— Muito. O carro capotou algumas vezes, porém eu estava com o


cinto de segurança, só tive escoriações no corpo, mas ainda não superei o
trauma. Entrevistarei um motorista quando acalmar minha correria aqui.
Suelen tem carteira, mas sempre bate o carro. Ela só precisa praticar longe de
pessoas, carros e animais. Vá descansar, já tenho um taxista de confiança.

— Vou esperar você fechar. Não quero vocês por aí sozinhas.

— Está acontecendo mais alguma coisa?

— Hoje vendi tudo que estava em meu nome para pagar as dívidas.
Meu império está indo embora. Estou perdendo tudo, inclusive você. É como
se eu estivesse regredindo para antes do nosso casamento, quando nada
existia.

Maria Fernanda sentiu uma sensação agonizante no peito.


Rapidamente acelerou o seu trabalho. Por alguma razão queria chegar logo
em casa.

— Vou ajudar a fechar. — Ele levantou e beijou os cabelos dela, em


seguida foi para o salão da loja.

Mais tarde, Maria Fernanda, Eduardo e Dudinha estavam


caminhando no estacionamento. Suelen tinha aceitado o convite de Sergio
para um jantar.

Dudinha estava segurando a mão dos pais. As luzes estavam sendo


apagadas, Maria Fernanda não conseguia afastar a angústia do peito. Ela
sabia que alguma coisa estava errada, então rogou proteção aos céus.

— Onde está seu carro, Eduardo? — Ela estava apavorada.

— Já estamos chegando. — Ele percebeu que os olhos azuis estavam


assombrados.

Em dez segundos, Eduardo olhou para trás e arrastou uma pistola do


cós da calça. O coração da mulher acelerou. Um carro de cor prata os vinha
acompanhando de longe com os faróis baixos.

Eduardo agarrou Dudinha no colo e sustentou a arma na outra mão.


Maria Fernanda sentiu o sangue congelar em seu corpo impedindo-a de
reagir.

— Vamos. — Eduardo abraçou o pescoço dela e a incentivou a


caminhar. Ela reagiu e aumentou os passos ao seu lado.

O som do salto batendo no piso era ouvido por todo estacionamento


interno. Maria Fernanda olhou para trás e viu dois homens saindo do veículo.
Nesse momento, ela abandonou os sapatos no caminho.

Ela, Eduardo e Dudinha andaram abaixados entre os carros.

— Maman...

— Fecha os olhinhos bem apertados e segura firme no pescoço do


papai. — Eduardo sussurrou no ouvido da pequena. — Os três estavam atrás
de uma caminhonete. Eduardo estava vendo seu carro a alguns metros, mas
nunca teve tanto medo na vida; medo de ferir as duas.
— É um homem mau, maman? — A voz infantil saiu sonolenta.

— Não solte seu pai por nada — Maria Fernanda sussurrou e


colocou o indicador frente aos lábios.

— Por que não aparecem e facilitam as coisas família Moedeiros? —


Um homem avançou alguns passos.

— Ande abaixada, na minha frente. — Eduardo moveu os lábios e


Maria Fernanda fez o que ele pediu.

Quando estavam na porta de um carro popular, foram percebidos e


um dos homens atirou. Eduardo empurrou Maria Fernanda para o outro lado,
colocou Dudinha no chão e também apertou o gatilho na direção dos homens.
Ele retirou a chave do bolso e abriu a porta do motorista. Dudinha e Maria
Fernanda entraram em seguida ele ocupou o assento.

Foram seguidos, mas Eduardo era um piloto em fuga protegendo a


família e não permitiria que fossem alcançados.

Maria Fernanda tentou prender o choro com a mão. Estava trêmula.

Eduardo diminuiu a velocidade e analisou o pânico da mulher.

— Fique calma.

— Estou calma. — A voz dela saiu trêmula. Ela estava agarrada a


Dudinha.

— Me perdoa por isso. Eu não quero ver vocês em perigo.

— Está tudo bem, tudo bem. — Ela não se importou e no desespero


beijou rapidamente os lábios de Eduardo. — Roubou esse carro?
— Ainda não cheguei a esse ponto de desespero. — Eduardo tinha
ganhado um pequeno prêmio e estava feliz, seus lábios formigavam em
comemoração. — Comprei hoje mais cedo.

— Aqueles homens estavam com pistolas. Você estava com uma


pistola...

— Já está tudo bem, maman, não chora! — Dudinha consolou a


mãe.

— Sim, meu amor. Tente cochilar, já passou. — A mãe acariciou


nervosamente os cabelos da filha.

— Seu prédio não é seguro. Aquele seu porteiro tem a cara que se
vende por qualquer nota de cem. — Eduardo tinha convicção daquilo, por
isso estava em outra rota. — Vou levar as duas para meu apartamento. Lá eu
tenho controle.

— A Suelen. Ela está indo para lá, ela não sabe de nada.

Eduardo procurou seu aparelho celular e discou o número de Sergio.

— Onde estão? — falou no telefone

"Ah, lembrou-se do amigo traíra, Edu?"

— Leve a Suelen para a casa dos pais dela. Não chegue perto do
apartamento da Maria Fernanda com ela hoje!

“Noite a dois? Onde vai deixar a Dudinha?"

— Não é nada disso, seu pervertido! Estou com ela e a Dudinha!


Faça o que eu mandei. Será que é difícil para você cuidar de uma mulher que
diz amar? — Eduardo se alterou.

— Me passa o telefone, Eduardo! — Maria Fernanda pediu.

"O que aconteceu?"

Eduardo também ouviu a voz da morena.

— Ela está bem, Suelen, Dudinha também. Vá para casa dos seus
pais e tenha cuidado com o Sergio, não facilite as coisas. — Eduardo
encerrou a ligação.

— Vou ligar para ela. — Maria Fernanda pegou o celular.

— Ela está bem, mulher. O Sergio vai cuidar dela. Ele ama sua
amiga. A única coisa que eu quero é levar vocês para nossa casa em
segurança.

Em alguns minutos, Eduardo abriu a porta de seu apartamento


carregando Dudinha no colo e deu passagem para Maria Fernanda.

Thor rapidamente levantou do tapete e foi de encontro ao homem,


mas logo abaixou o nariz e chorou vergonhoso ao ver Maria Fernanda e
Dudinha.

— O chiote do Dudu.

— Thor, não precisa ficar com vergonha. Vem cá! — Eduardo


chamou o cachorro, que de mansinho se achegou.

Dudinha abaixou perto de Thor em seguida começou alisar os pelos


do cachorro.

— Fofinho e cheiroso — Dudinha abraçou o pescoço do cachorro e


afundou o rosto nos pelos.

— O Thor é limpinho. — Eduardo pegou a mão de Maria Fernanda


e a fez acariciar os pelos do cachorro.

— É um animal lindo, como o conseguiu? — ela perguntou.

— Eu o atropelei em uma madrugada há algum tempo atrás, desde


então somos amigos.

— Meu Deus, até o cachorro já sofreu com você.

— Mas eu reparei meu erro. Ofereci moradia, veterinários e os


melhores alimentos. O Thor tem um probleminha de saúde e vem se tratando
como um guerreiro.

— Ele parece ser tão saudável.

— Ele é forte, vai ficar bem. Vá lá cuidar da Dudinha e se cuidar


também.

Maria Fernanda deu banho na pequena e vestiu nela uma das


camisetas do pai, que a cobriu até os pezinhos.

— Está um pouquinho de nada grande, maman, mas é bem


fresquinha. — Dudinha estava pulando na cama de Eduardo.

Eduardo deixou propositalmente uma de suas camisas com botões na


frente sobre a cama. Maria Fernanda vestiu, mas resolveu procurar uma peça
menos sugestiva dentro das inúmeras roupas do closet.

— Ela comeu e dormiu. — Maria Fernanda se aproximou de


Eduardo, e ele analisou-a dos pés à cabeça.
— Por que não usou a camisa que deixei na cama?

— Estou com frio e esse pijama é mais quente.

— Frio?

— Sim, frio. E você também deveria colocar uma roupa. Não tem
necessidade nenhuma para estar assim. — Ela virou o rosto. Eduardo estava
sentado no sofá e vestia apenas um roupão.

— Vem, senta aqui mulher, eu preciso te contar umas coisas.

Ela sentou na ponta do sofá, bem distante dele. Estava tensa e


Eduardo sorriu ao ver aquilo.

— Você está com medo de mim ou de você? — Continuou sorrindo,


mas ele não estava em melhores condições.

— Somos adultos e a nossa filha está logo ali. Estou usando suas
roupas, sentada no seu sofá a centímetros de você, apenas de roupão, isso não
quer dizer nada.

— Sua teoria não é convincente. Você sabe disso, não é? — Ele se


aproximou da ponta do sofá, onde ela estava.

— Estou bem, você não causa mais nenhum efeito sobre mim... —
Ela forçou um sorriso e transpareceu mais nervosismo.

— Nem quando eu estou assim tão perto de você? — Com a mão


esquerda, Eduardo acariciou o que mais gostava nela, os cabelos. — E
quando sente novamente essa conexão que só existe entre nós? Você nasceu
para ser minha Maria Fernanda.
17

— Sobre a empresa, precisamos montar um plano de ação. Você


pagando as dívidas, manterá o nome limpo e poderá conseguir
financiamento... Vai se reerguer mais rápido... Ai, socorro! — Maria
Fernanda gritou quando recebeu uma sucção certeira no pescoço.

— Não negue isso a você... Ainda somos casados. — Eduardo


continuou sua tortura.

— Não posso... para, Eduardo. Eu tenho um compromisso... — Ela


estava de olhos fechados, só recebendo as carícias.

— Seu único compromisso é comigo, pai de sua filha. Somos


casados. Está tudo certo.

— Vou casar com o Thiago, precisamos parar com isso.

De repente, Eduardo se afastou. Ela abriu primeiro um dos olhos, em


seguida olhou para o lado. O homem estava calado.

— Eu sinto uma dor tão grande quando ouço isso, me dá vontade de


abandonar tudo e viajar para bem longe daqui.

— Você... você agora tem uma filha que te ama. Eu... eu te proíbo de
sumir. Está me ouvindo? — Ela empurrou o ombro dele, pois Eduardo estava
com os olhos vidrados na parede de vidro da sala. — Você quis assumir seu
lugar de pai, agora não volte atrás. Seremos sempre os pais da Dudinha.

— Se não me quer, porque me beijou no carro?

— Não te beijei... — Ela continuou encarando o perfil dele, Eduardo


estava com os olhos fixos no nada.

— Beijou sim. Sua boca grudou na minha.

— Foi o desespero e... foi rápido demais... aquilo não foi um beijo.
Está passando mal? — Ela passou os dedos por entre os fios de cabelos dele.

— Você me iludiu, Maria Fernanda. Beijou-me, cheia de promessas


e agora diz que vai casar com outro. Você é uma mulher muito má. Não sei
como consegue ser assim.

— Não seja dramático. Você é um homem de trinta e três anos.

— Eu vou dormir. — Eduardo levantou, deitou no outro sofá e


cobriu o rosto com uma almofada.

— Vai dormir aí?

— Você pode apagar a luz, por favor? — falou ainda com o rosto
coberto pela almofada.

— Por que não dorme no outro quarto? — Ela tentou puxar a


almofada do rosto do homem — Vamos, não seja infantil!

— Estou com sono, quero dormir. — Ele voltou a se sentar no sofá.

— Até quando será esse moleque? — Ela sentou ao lado e ajeitou os


cabelos dele.

— Então podemos voltar? — Ele roçou os lábios nos dela.


— Esqueça isso. — Ela abriu a boca e Eduardo mordiscou um de
seus lábios.

— Não estamos fazendo nada errado. Você é minha mulher. — Ele


segurou a nuca dela. — Não sinta culpa.

— Mas eu sinto. — Ela estava sem forças para reagir contra as


chamas de desejo que corria em seu corpo, inundando-a de prazer, mesmo
sem ser tocada.

— Então, deixa comigo. Eu faço tudo, assim você não sente


remorso. Quer sentar na minha cara?

— Quero... Não! Não quero. Não me fale essas coisas, estou com
dificuldades.

— Eu te admiro muito. — Ele beijou o cantinho da boca dela. —


Vai terminar com ele?

Ela moveu o rosto positivamente e Eduardo beijou as lágrimas que


desciam dos olhos dela e também sentiu os olhos inundados. Ele amava
aquela mulher e venerava a sua personalidade dócil, decidida e leal.

— Agora eu estou com calor... — ela confessou sorrindo e Eduardo


beijou a testa dela.

— Sou o próprio vulcão, ferinha. Mas vou aguardar você resolver


tudo com o taiwanês. Quando vai deixar seu cabelo crescer novamente?

— Minha idade não condiz com aquele cabelão.

— Mas veja se não é uma senhora de idade. — Eduardo sorriu. —


Você é naturalmente linda. Não precisamos de maquiagem, pintar os cabelos,
usar roupas na minha casa... — Eduardo mergulhou a mão por baixo da blusa
do pijama que ela usava. — Tira, vai.

— Você acabou de concordar em esperar. — Maria Fernanda sorriu


e empurrou o ombro de Eduardo.

— Você sabe, é uma briga constante aqui. Tudo em mim quer você.
Você está muito atraente nesse meu pijama. Não são apenas meus olhos que
estão inundados, amada esposa. E aposto que tem uma deliciosa chorando,
neste exato momento. Ela é outra guerreira, está merecendo um beijinho.

Eduardo olhou na direção da virilha da mulher e Maria Fernanda


colocou uma almofada no colo.

— Ainda estamos proibidos de tratar desses assuntos.

— Meu pensamento já viajou por teu corpo todo nu. Eu não tenho
nada preso a ninguém. — Eduardo despencou as costas no sofá. — Coloquei
um detetive na cola do Junior.

— Aqueles malfeitores vão continuar nos seguindo? Precisamos


fazer um B.O.

— Não conte a ninguém, ainda é sigilo, mas o Júnior foi indiciado e


terá que me pagar uma gorda indenização. Talvez ele vá à falência por isso!

— Ficou comprovado então? Foi mesmo ele?

— Sim, soube mais cedo. Agora eu só quero descobrir quem ajudou


ele a ter acesso às contas da Moedeiros para desviar nosso dinheiro e impedir
que as contas fossem pagas.
— Como a polícia conseguiu descobrir?

— A J.A Engenharia recebeu um montante no mesmo valor do


nosso último roubo e esse dinheiro não teve comprovação nenhuma de onde
veio. Eles começaram a investigação por aí. Pegaram o contador dele e
colocaram contra parede. Pressionado pelos federais, ele soltou o verbo. O
ladrão do Junior já foi indiciado e já sabe que descobri tudo. Agora quer se
vingar de mim atingindo o que eu mais amo.

— Vamos precisar contratar seguranças, Eduardo. São perigosos.

— Não se preocupe, não vou permitir que vocês fiquem em perigo.


Tenho uns amigos que vão ficar com as duas quando eu não estiver. Alguém
muito próximo entregou tudo para meu maior inimigo.

— Eu preciso avisar ao Thiago sobre isso. Tenho certeza que ele não
sabe que o amigo está envolvido. Agora temos a prova.

— Ele já deve estar sabendo de tudo, porque o Junior já foi


intimado. Mas o bandido nunca vai deixar isso barato, vai perder muito
dinheiro. Talvez ele nunca consiga se reerguer.

— Não me conformo que uma inveja mesquinha leve pessoas a se


odiarem a ponto de roubar e tentar matar, isso é muito pesado.

— Quando isso começou éramos jovens. Ele já era invejoso, mas


tudo piorou quando se interessou por uma colega nossa de faculdade, que era
um antigo... — Eduardo limpou a garganta — Ela era um caso do Sergio.

— Do Sergio? — Maria Fernanda desconfiou da veracidade.

— Nós dois a pegávamos, mas o Sergio ficou um tempo com ela. Na


época eu nunca passei de beijos, ela era virgem, nunca gostei de virgem, só
da minha ferinha. — Eduardo se aproximou para um chamego.

— Na época, Eduardo?

— É, mulher desconfiada. Na época, foram apenas beijos, depois de


uns anos, teve um negocinho, mas coisa do passado.

— Sua cara é muito cínica. — Maria Fernanda assumiu a feição


séria. — Então essa briga toda é por mulher?

— A Samanta estudava arquitetura, eu, o Sergio e Junior,


engenharia. O Sergio usufruía, mas eu levava a culpa e amava provocar o
Junior com isso. Os padrinhos dela moravam na Argentina, mas possuíam
imóveis no Brasil, um cliente muito forte. Anos depois, fiquei com ela. Saí
algumas vezes para persuadi-la a estreitar minha relação com o padrinho. O
velho largou a J.A e fechou contrato comigo.

— Por que eu não me surpreendo com você?

— Estou sendo verdadeiro aqui, estou te contando tudo, porque


quero ser sincero em tudo com você. O Junior e a Samanta se casaram há
cinco anos.

— Então o Junior vive nesse pé de guerra por uma mulher e se casou


com sua ex-amante.

— Que amante, o quê? Quando voltamos a nos encontrar, ela já


tinha arrumado um filho, era problema, e eu pulei fora assim que o contrato
foi assinado.

— Então, aquele menino na festa sabia o que estava falando. Eu


fiquei pensando nas palavras dele, sobre você não chegar perto da mãe. Então
o Junior tem ciúmes até hoje de você com a mulher dele?

— Eu tenho culpa de ser irresistível, Maria Fernanda?

— Você é um insuportável.

— Você fica ainda mais linda assim, irritadinha. — Eduardo


acariciou os cabelos de Maria Fernanda. — Ferinha gostosa. — Em um único
impulso, a fez sentar em seu colo.

— Pare de me atiçar! — Maria Fernanda falou entre os dentes,


puxou os cabelos dele para trás e mordeu o queixo tentador a sua frente.

— Mulher, sei que também está pegando fogo. — Maria Fernanda


continuou puxando o cabelo dele e depois de mordê-lo, umedeceu os lábios e
espalhou beijos no pescoço de Eduardo. — Se me marcar... vai ter que
renovar a mancha a cada duas horas... — Eduardo falou com dificuldade e
apertou os braços ao redor do corpo encaixado no seu. — Vou fazer uma
tatuagem dos seus dentes.

— Vai dormir no outro quarto ou aqui? — Ela levantou a cabeça e


olhou o rosto de Eduardo, que estava de olhos apertados e comprimia o corpo
dela com força contra o seu. — Onde vai dormir? — Ela o sacudiu.

— Debaixo de você, pode ser em qualquer lugar.

— Vamos parar por aqui. Boa noite. — Ela forçou o corpo para
levantar, mas Eduardo despencou a cabeça no colo dela e respirou pela boca.
— O que está fazendo?

— Prestes... a... regredir para a merda de um adolescente. Não pode


levantar agora.

— Não, não, não! — Ela o estapeou e tentou sair do lugar, mas


sentiu ainda mais a pressão do homem. — Não, Eduardo. — ela falou
desanimada, gemendo e buscando firmeza contra as faíscas de prazer.

— Não... se sinta culpada. — Ele permanecia com o rosto no peito


dela e respirava com dificuldade. — Eu tenho muita fé em nosso amor.

— Você consegue... respira, homem.

— Eu quero explodir. Sou um vulcão em busca de erupção.

— Se acalme, tudo vai se resolver. — Ela beijou a cabeça dele.

— Pode fazer isso na outra?

— Chega. Vamos dormir e resolver nossas vidas amanhã. Estou


tonta de sono ou de outras coisas... melhor irmos dormir. Preciso pensar e
chorar um pouco.

— Tudo bem... Não está tudo bem, mas vamos tentar dormir.

— Me ajude levar a Dudinha para o outro quarto. Aliás, pensando


bem ... não quero dormir em uma cama frequentada.

— Minha cama é só sua. A do outro quarto que é a errada. Vou doar


amanhã e pintar o terceiro quarto de rosa.

Eduardo folgou os braços e Maria Fernanda levantou zonza. Ela


cambaleou alguns passos com as pernas trêmulas.

— Socorro! — Virou o rosto assim que firmou os pés. O roupão de


Eduardo estava aberto e o homem não usava nada por baixo. — Eu vou... eu
vou... — Ele cobriu os olhos com o braço e despencou a cabeça no encosto
do sofá. Ela deu uma longa olhada e percebeu que salivava além do
necessário. — Eu realmente preciso sentar... — Balançou a cabeça — sair
daqui. Tome outro banho... fique um pouco parado na água... Boa noite,
Eduardo.

Ela correu para o quarto e só respirou depois da porta trancada, com


todas as voltas da chave.
18

Quando Maria Fernanda entrou na cozinha, Eduardo estava a um


metro de distância do fogão. Seu braço esticado manipulava algo que
estourava na frigideira.

— Bom dia. — Ele olhou para ela, sorriu e voltou a prestar atenção
ao alimento, enquanto lutava para desgrudá-lo do fundo a panela. — Estou
cozinhando para vocês. Gosta de omeletes.

— Sabe fazer isso? — Maria Fernanda perguntou, analisando de


longe.

— Sei. — Eduardo deu um pulo quando a gordura quente voou. —


Fique aí mulher, já está quase pronto.

— A Dudinha não pode perder aula. Ainda vou passar em casa para
ela vestir o uniforme e pegar a mochila.

— Ai, merda! — Eduardo largou a espátula e correu até a pia.

— Se queimou? — Maria Fernanda desligou o fogo.

— Está tudo certo, foi apenas uma pequena queimadura.

Ela caminhou até a pia, viu a vermelhidão no braço de Eduardo e


constatou que não demoraria a criar uma generosa bolha.

— Você nunca chegou perto do fogão, não é?


— Isso não é tão difícil, mulher. Projeto prédios de trinta andares, o
que é fazer uma omelete para minha filha?

— Você queimou tudo, até seu braço. — Ela fechou a torneira. —


Precisa passar uma pomada na queimadura. A Dudinha está manhosa na
cama. Vou acordá-la para você nos levar até meu condomínio. Ela precisa do
remédio matutino.

— Minha filha está sentindo dores? — Eduardo sentou-se em uma


banqueta em frente ao balcão e segurou o braço que começava a arder.

— Não, mas ela tem horários certos para cada dose.

Eduardo olhou para seu ferimento e suspirou compassadamente;


escolheu aquele ponto de observação apenas para apurar seus pensamentos,
longe dos olhos da mulher. Sabia que tinha fardos nas costas, e que nunca o
abandonariam. Tinha ciência de que as complicações do parto foram heranças
de suas covardes escolhas. Ele já tinha aceitado aquela culpa, e sofria,
desejando roubar a dor da filha. Seria assim para sempre. De agora em diante,
faria de tudo para protegê-la e ensiná-la que suas limitações físicas jamais
atingiriam sua capacidade. Dudinha teria uma vida amorosa completamente
oposta à que ele ofereceu a Maria Fernanda há dez anos. Homem nenhum
faria sua filha sofrer.

— Está doendo tanto assim? — ela perguntou ao notar as lágrimas


nos seus olhos.

— Hoje vou trazer uma parte das coisas da Dudinha e o básico para
você. Mas vou providenciar uma transportadora para a mudança.
— Se acalme, Eduardo. Antes de tudo, existe um homem
maravilhoso que também é pai da sua filha e merece todo o meu respeito.

— Pai da minha filha... — Eduardo resmungou. — Se ficar


comprovado que o joalheiro está envolvido com o Junior, eu vou dar uma
coça nele, antes de mandar para a cadeia. Estou te avisando antecipadamente.

— O Thiago não está envolvido nisso, tenho certeza absoluta.


Conheço o homem de honra que ele sempre foi. Pare de pensar isso.

— Você confia nele sem reservas... E quanto a mim? Eu venho te


pedindo perdão há tempos, mas até hoje você não me deu nenhuma certeza se
me perdoa. Não confia em mim, não é? Ainda duvida de que posso fazer
diferente.

— Há um problema com confiança entre nós. Você tinha uma


mulher para cada dia, sem contar na rameira fixa. Não confio em você e viver
assim nunca daria certo, isso me afeta toda vez que estamos próximos.

Eduardo segurou as duas mãos dela e beijou.

— Eu prometo — beijou outra vez — que nunca mais vou desejar


outra mulher que não seja você.

— Não é tão fácil acreditar em promessas de alguém que nos fez


sofrer.

— Estou sendo praticamente um santo desde que você resolveu


iluminar meus dias novamente. Não consigo imaginar ter outra mulher.
Quero só você.

Maria Fernanda ficava mole toda vez que ouvia aquele "te quero". O
desejo por Eduardo era incontestável. Seu corpo queimava por ele desde
muito cedo e sempre se sentiu desejada. Mas, mesmo anos antes, ela não
tinha aceitado apenas o desejo carnal, por que o faria agora? Era inevitável
continuar colocando os pesos na balança. Não aceitaria passar pelas mesmas
situações.

— Você é violento, grita, xinga e tem um jeito possessivo...

— Você me controla de agora em diante. — ele a interrompeu. —


Agora eu tenho uma filha para dar exemplo. A responsabilidade pesou e
prometo que vou tentar.

— Bares, bebidas, festas regadas às depravações que você está


acostumado... — Ela continuou enumerando.

— Nada disso me importa mais. Eu não tenho motivos para encher a


cara se, quando chegar cansado, encontrar a mulher que eu amo, cheia de
sensatez para me ajudar com os problemas e fazer um amorzinho gostoso,
que me revigore para o dia seguinte. Estou sonhando acordado. Sinto até o
frio da ansiedade. Agora sou um homem de família. Eu até comprei uma
bíblia.

Maria Fernanda achou as palavras dele graciosas. Eduardo estava se


revelando um sujeito agradável nos últimos dias. Ela também viajou para a
idealização das palavras que ouviu. Mas os contras ainda pesavam. E se tudo
desmoronasse outra vez?

— E você já leu alguma coisa, Eduardo?

— Vou ler em breve, mas fiz pesquisas na internet. Pretendo ir à


igreja com você e Dudinha. — Ele sorriu esperançoso.

— É um compromisso sério, Eduardo, não encare como um meio


para chegar até mim.

— Você está me afastando das coisas sem importância. Estou


aprendendo com você e nem está percebendo isso. Já sou amigo do líder da
igreja e acredito que Deus apoia famílias.

— A cada palavra sua me sinto perdida. — ela confessou.

— É a nossa família. Eu não mereço, mas quero te fazer feliz. Não


desiste. Eu te amo. — ele suplicou, pois teve certeza que ela estava insegura.

— Pensa bem Eduardo, você tem a sua vida...

— Minha vida é você. — ele a interrompeu. — Me perdoa e acredita


que eu vou ser diferente. É a nossa última chance, Maria Fernanda. Preciso
que me dê esse voto de confiança. — Ele estava sentado e levou a mão até os
olhos dela. — Não chore, mulher. Vai ser ruim ouvir seu não, mas se for a
sua vontade, deixarei você ir. Mas agora, vai com todo o meu amor
declarado.

— Tinha esperança em você, mesmo quando era um crápula


declarado. Mas sempre sofri com suas escolhas e modo de viver. Não aceito
me decepcionar outra vez. Não admito.

— Eu era um moleque de vinte e três anos. Perdi a chance de te


mostrar o que realmente sentia, e por várias vezes fui egoísta. Mas estou
arrependido e te quero de volta. Eu prometo não só te respeitar e proteger,
mas te amar como nunca amei; como nunca alguém te amou.
— O Thiago...

— Mas que droga, Maria Fernanda! — Eduardo levantou exaltado.


— Por que é tão difícil para você entender, que eu te amo? Eu te amo,
mulher! — Eduardo segurou o rosto dela com as duas mãos, ele estava
desesperado. — Eu Te amo. Eu te amo e te quero. Eu não tenho dúvidas
disso. Eu te amo! — disse tudo segurando o rosto dela.

Maria Fernanda poderia continuar sendo firme em seu propósito e


medo. Mas naquele momento seu coração foi traidor — ou aliado. — Ela
sentiu um impacto muito grande ao ouvir as palavras desesperadas de
Eduardo. Foi diferente, verdadeiro e rompeu as barreiras que protegiam o seu
coração. Durante os dois anos que passaram juntos ela desejou, esperou e
quis tudo dele. Por mais que lutasse, sabia que não só o desejava, mas que o
amava e seguia lutando contra. Agia da mesma maneira que ele fez no
passado.

— Eu te amo, te amo, Maria Fernanda. — Naquele último te amo,


Maria Fernanda esqueceu todas as oposições e tocou o rosto do homem que a
encarava diretamente nos olhos. — Eu te amo... te amo. — Eduardo
continuou falando de olhos fechados, sentindo o toque dela em sua pele.

Maria Fernanda não conseguiu resistir por muito tempo, grudou os


lábios nos dele e, depois de senti-lo, ainda pensou em desistir, mas Eduardo a
segurou pela cintura, impedindo-a.

Ele sorriu, chorou e tentou ser calmo. Ela também chorou, mas, ao
sentir os braços dele presos ao seu corpo, quis acelerar, ditando um ritmo
desesperado, querendo mais e mais daqueles lábios.
— Eu te amo. — seguiu falando entre o beijo, quando ela o deixava
respirar. — Eu te amo, meu amor. — Nunca mais perderia a chance de dizer
àquela frase que, por muito tempo, esteve aprisionada pelo seu orgulho e
ganância.

As lágrimas que desciam dos olhos dele expressavam toda a verdade


e emoção vinda do seu coração.

Ali era o amor. Esse era o sentimento que os guiava. Era tão forte
que dava medo de ser vetado outra vez.

Ele experimentava, mas ainda era difícil de acreditar no que seus


olhos viam, no que sua pele sentia, no rosto delicado que suas mãos tocavam.
Agora a saudade era maior, aquela sequidão nunca teria fim. Como ele
suportou ficar tanto tempo sem aquele beijo?

— Eduardo... — Ela encerrou o beijo, mas continuou com os lábios


nos dele.

— Sim, meu amor?

— Você não pode chegar depois de anos e dizer que me ama...

— Quero você morando comigo... — Eduardo completou.

— Quer me trazer para morar com você e me beijar...

— E eu quero mais. — Ele a beijou outra vez.

Abandonar os lábios dela deu certo trabalho.

— Eu preciso... recuperar meu raciocínio. — Ela tentou respirar.

— Você estava dizendo que aceita vir morar comigo e ser feliz,
juntamente com nossa filha. Parou nessa parte.

— Não! Eu preciso me organizar... O Thiago! Se apresse, preciso


conversar com ele.

— Eu não. Preciso saciar a saudade que ainda tenho de você. — Ele


beijou o pescoço dela.

— Eduardo! Me leve agora! Preciso esclarecer tudo ao Thiago.

— Não!

— Eu vou pegar um táxi, então. — Ela se afastou.

— Maria Fernanda, acabamos de voltar. Você já quer brigar?

— Vou cuidar da Dudinha e chamar um táxi.

— Meu amor, por favor! Não vamos brigar no primeiro dia que
voltamos.

— Você não entende, mas devo tudo a ele, inclusive explicações. O


Thiago esteve comigo quando a Dudinha quase se foi, também ficou comigo
todas as vezes que ela entrou em uma sala de cirurgia. Abraçou-me quando
tive medo, me deu a mão quando precisei. Aquele homem respeitou meu
tempo, porque sabia que eu queria a coisa certa. Acha que isso é fácil?

— Não, claro que não! Eu daria um beijo nele, se ele não quisesse
roubar você de mim.

— Eu não posso fazer isso com o Thiago.

— E comigo? Eu disse que te amo. Isso não conta? — Eduardo se


ofendeu.
— Você tem tudo de mim. Mas eu também amo o Thiago.

— Não fale isso, mulher. Eu senti até uma pontada aqui no coração.
Isso é muito difícil para seu marido ouvir.

— Mas eu o amo, Eduardo. Amo o Thiago.

— Amizade, gratidão... Amor e paixão, só comigo. Ou você acredita


que suportaria meses sem se aproveitar do meu corpo, se fosse eu no lugar
dele? Vamos fazer um amorzinho leve para matar a saudade. — Ele a
segurou na cintura e distribuiu beijos inflamados na extensão do rosto. —
Ainda está cedo. Nunca tivemos um amorzinho antes do café. — Ele apertou
a mão em uma das nádegas dela e segurou.

— Me ajude a fazer a coisa certa... — Ela já estava sem forças outra


vez. — Até você deve isso a ele.

— Tudo bem! — Ele selou os lábios dela várias vezes. — Eu te levo


lá, você fala que acabou e não dá mais, fico te esperando, aperto a mão dele e
depois voltamos.

— Não é simples assim. Vou conversar, sem pressão e sem você por
perto.

— Então vamos logo resolver isso. Cuida da nossa menina e depois


eu te levo e espero de longe. Minha situação não está para brincadeira. Já
basta a noite que tive, mordendo o travesseiro.

— Precisa passar algo no braço. — Ela segurou o rosto dele entre as


mãos e o beijou levemente, envolvendo apenas os lábios.

— Somos tão perfeitos juntos que tenho medo disso ser quebrado...
outra vez. — ele sussurrou. — Nunca esqueça que eu te amo e sempre amei.

Eduardo estava sorrindo no banco da frente de seu carro. Os três já


estavam próximos à escola de Dudinha. A menina estava animada no banco
de trás. Maria Fernanda estava ao lado de Eduardo, mas pensava na conversa
que teria com Thiago. Preferiu não olhar o telefone, conversaria
pessoalmente.

— Este carro também é bonito, mas eu gostava mais do outro, Dudu!


— a garotinha revelou.

— Eu também gostava mais dos outros, filha, e a caminhonete


sempre foi minha preferida.

— Você também a vendeu? O dinheiro dos imóveis não foi


suficiente? — perguntou Maria Fernanda

— Foi, mas precisei do dinheiro para outra coisa. Vendi os três


importados. Só minha caminhonete valia trinta carros desses aqui, comprei
esse e mandei blindar, não quero vocês correndo perigo.

— Por causa dos homens maus, Dudu?

— É preocupação do pai, filha, mas está tudo bem. Ninguém vai


tocar em vocês, dou minha vida pelas duas. — Eduardo chegou a sentir
lágrimas nos olhos com aquela terrível possibilidade. Maria Fernanda viu
aquilo e o coração acelerou.

— Por isso, agora vamos morar na sua casa, Dudu?

— Sim. Vão morar comigo de agora em diante! — Eduardo afirmou.


— Eu quero morar com meus três papas. A casa do seu prédio é
grande, cabe todo mundo. O meu papá fazendeiro, o de olhinhos puxados e
você.

— Não minha filha. O Dudu, seu pai, eu, não vou dividir você e sua
mãe com ninguém. — Ele olhou para Maria Fernanda e constatou certa
tristeza nos olhos azuis. — É aqui mesmo?

— Sim.

Eduardo estacionou o carro do outro lado da rua da escola de


Dudinha e viu Thiago parado em frente ao portão.

— Liguei para uns parceiros, vão ficar aqui vigiando a escola até eu
vir buscá-la. — Ele sussurrou para que a filha não ouvisse e fez sinal para
Maria Fernanda. Ela também viu Thiago.

— Você fica aqui. — Ela destravou o cinto de segurança.

— Eu não confio nele, você sabe. — Eduardo falou baixo.

Dudinha tentou compreender a conversa.

— Não saia daqui. Eu vou e você nos segue. Não interfira. — Ela
abriu a porta, saiu do carro e pegou Dudinha no banco traseiro.

Eduardo abriu o porta-luvas do carro e deixou sua pistola ao alcance.


Ele viu Maria Fernanda falar com Thiago, entrar com Dudinha na escola e
depois de cinco minutos, saíram apenas os dois e entraram no carro de
Thiago.

Ele seguiu o carro que estava indo em direção à estrada da praia.


Trinta minutos depois, o carro de Thiago parou no alto da serra e
próximo ao farol. Ele tirou o cinto de segurança e esperou as palavras de
Maria Fernanda. Ambos tinham ficado calados durante aquela viagem.

Thiago já presumia a conversa, pois foi cedo à casa da namorada e


não encontrou ninguém, ligou inúmeras vezes e deu caixa de mensagem. E
Suelen tinha desligado rápido depois de falar que estava tudo bem.

— Pode contar, já está calada há muito tempo. Vou te ouvir. — Ele a


incentivou.

— O pai da Dudinha disse que me ama e eu o beijei. — Ela olhou


para o rosto dele, ela estava muito triste, mas o encararia. Seria verdadeira.

— Pode continuar.

— Eu te amo, Thiago, você sempre foi tudo... meu melhor amigo...


— Ela sentiu as lágrimas descerem. — Mas, eu não consigo... tudo em mim
chama pelo Eduardo.

Thiago virou a cabeça para o alto e suspirou forte.

— Dormiu com ele?

— Não faria isso com você, não antes dessa conversa.

— Ele é um marginal, viciado e violento. Está pronta para outra


decepção? Eu devo te lembrar de que ele tratou você como um nada e
negligenciou sua gravidez sem saber as condições de vida da minha filha.

— Me perdoe... — Ela secou os olhos. As palavras de Thiago a


envergonharam. Ela estava dando um voto de confiança ao homem que a
tinha ferido e deixando o que sempre esteve do seu lado. No fundo, ela ainda
temia.

— Te quero desde a adolescência. Meses atrás, consegui sonhar com


mais firmeza sobre a nossa família. Fiquei meses respeitando seu tempo e
rejeitando todas as mulheres que praticamente se jogavam em meu colo... elas
foram mais persuasivas e investiram mais desde que começamos a namorar,
mas eu renunciei tudo por você.

— Eu também te amo. Eu não sei se consigo viver sem você. E isso


é muito verdadeiro. — Ela levou a mão até o rosto dele, mas Thiago sacudiu,
afastando-a e firmou o olhar no vidro a frente.

— Você nunca quis, de fato, fazer amor comigo, pois era apenas ele
que você queria.

— Eu te quis muito quando estávamos juntos, Thiago. Sempre te


demonstrei isso.

— Não! Você fingia, pois outra mulher no seu lugar não resistiria.
Eu sou mais homem que o marginal que você sempre quis. Mas foi bom isso
acontecer agora. Eu viveria frustrado, casado com uma mulher que sempre
desejou um cafajeste, bandido, que é inimigo da metade da cidade e só tem
como amigo, outro igual a ele!

— Não me deixe por isso. — Ela o deixou desabafar, mas as


palavras estavam-na ferindo e fazendo-a se lembrar dos episódios de anos
atrás. — Sempre estivemos juntos, mesmo antes do namoro.

— Vá atrás do marginal. Se for isso que você quer para sua vida, vá!
— Não me trate assim, você nunca fez isso.

— Já perdi muito tempo da minha vida, Maria Fernanda.

— Por favor... — Ela o abraçou. — Estou angustiada e perdida em


minha decisão.

— Quer meu apoio? — Ele sorriu insatisfeito. — Estou com muita


raiva para te desejar boa sorte. Mas por minha filha, eu espero que você não
quebre a cara. Agora vai. — Thiago olhou através do espelho frontal e viu
Eduardo encostado ao carro branco. — Eu não vou te dar meus braços
quando ele te magoar, estarei aqui apenas para minha filha. Você está
fazendo suas escolhas e vai assumir.

— Não vou te soltar assim. — Ela o abraçou com mais força.

— Vai, não se preocupe comigo, estarei bem. — Ele tirou as mãos


dela de sua cintura e beijou-a na testa, com os lábios trancados. — Vai. —
Ele ergueu o braço sobre o corpo dela e abriu a porta. — Vai logo, está
começando a chover.

— Eu te amo. — A voz dela saiu falha.

Maria Fernanda olhou dentro dos olhos apertados de Thiago. Seu


olhar temeroso. Thiago a tinha lembrado que seus pés estavam no solo, mas,
agora, testaria as mesmas águas que foram turbulentas.

— Não abaixe sua cabeça, você já ergueu uma vez e me encheu de


orgulho. — Thiago falou sem olhá-la.

Maria Fernanda desceu do carro e caminhou na direção de Eduardo.


Ela estava aérea.

O vento espalhava seus cabelos em toda parte. Seu rosto estava


banhado de lágrimas, que se misturavam com as finas gotas de chuva que
começava a cair.

Ela parou na frente do Eduardo e quando olhou para trás, o marido


abraçou-a bem apertado.

— Ele te tratou mal? Ameaçou? Ofendeu? — Eduardo perguntou,


segurando o rosto dela.

Maria Fernanda apenas moveu o rosto negando.

— Ele te deixou mais confusa?

Ela confirmou e Eduardo secou os olhos dela.

— Não fique, meu amor. — Ele voltou a abraçá-la. Ela estava


emotiva e era compreensível. — Vou te provar que tudo o que mais quero é
você.

Thiago parou o carro ao lado do de Eduardo e desceu. Eduardo


largou Maria Fernanda e caminhou até ele.

— Eu quero te agradecer por ter cuidado da Dudinha e da minha...

Eduardo não terminou a frase, pois levou um soco.

— O que você está passando, nem se aproxima da consequência dos


seus atos. — Thiago falou diretamente para o concorrente.

Eduardo cambaleou, mas não caiu.

— Eu não confio em você, mas estava decidido a apertar sua mão.


— Eduardo apertou os olhos e sacudiu a cabeça. — Agora eu quero que você
vá pra casa da porra!

Eduardo também avançou sobre Thiago. Mas Maria Fernanda o


segurou pela cintura. Ele só não prosseguiu porque temeu machucá-la.

— Não faça isso! Vai piorar tudo. — Ela diminuiu a força quando
ele parou de arrastá-la.

— Isso ainda foi muito pouco. — Thiago deu a volta, entrou no


carro e saiu em alta velocidade.

Maria Fernanda olhou para o lado oposto de Eduardo e chorou com


os braços em volta do corpo.

— Eu poderia deixar você chorando até passar o que está sentindo,


mas está começando a chover e não quero te ver doente. Vamos para o carro.
— Eduardo segurou a mão dela e a levou para o carro.

Maria Fernanda encostou a cabeça no banco do carro e virou para o


lado oposto de Eduardo.

— Vai para a loja ou para sua casa? — Eduardo sentiu o clima


pesado entre eles. — Vai para a loja? Não vai falar comigo?

— Me deixa. — A voz dela saiu no meio de um soluço.

— Merda! — Eduardo socou o volante. — Está sofrendo com medo


de ter tomado a decisão errada?

— Eu preciso ficar sozinha. Me leve para casa.

— Vamos viver assim? Ou você pretende pensar mais um pouco e


correr o risco de me deixar?

— Estou sofrendo, Eduardo, não vê?

— Não sei ser sensível.

— Pois aprenda, e dirija logo esse carro.

— Está pensando em me deixar? Só me fala isso, mulher. Seu medo


me machuca. Eu não vou te decepcionar. Para de medir meu amor com seu
sofrer.

Ele afastou os cabelos do ombro dela e beijou a região.

Maria Fernanda virou para ele, empurrou-o e na sequência deu um


tapa forte no rosto de Eduardo.

Ele ficou sem reação e alisou o rosto, mas logo foi puxado pela
camisa.

Maria Fernanda grudou os lábios nos dele e invadiu.


19

Maria Fernanda possuía a boca de Eduardo com imoderação. Tinha


tomado sua decisão. Amava aquele homem cheio de defeitos, que lutava em
busca de redenção. Agora, o certo era acreditar que seria diferente. Não seria
instantâneo, mas ele queria mudança de atitude e estava no caminho. Tinha
total certeza que além de desejá-lo, o amava.

Ela sugava a língua dele com volúpia, quando percebeu o homem


suspirar com os lábios abertos. Ele ainda não havia retribuído o gesto,
atormentado com o medo de ser irreal.

Ela diminuiu o ritmo e levou as mãos até o rosto dele.

— Está chorando porque te bati? — perguntou, respirando com


dificuldade, ansiando por tudo.

— Eu não estou chorando. — Ele fechou os braços em volta dela. —


Vem aqui. — Colocou-a montada sobre ele.

— Você não é sensível, mas anda chorando muito nos últimos dias.
— Ela correu os dedos nos cabelos dele. — Um ogro chorão.

— Tenho medo de alguma coisa, mas não sei o que é. Eu não era
acostumado com felicidade, mas você me trouxe a Dudinha e tenho medo de
sermos interferidos.
— Ficaremos bem. — Ela selou os lábios dele. — Você é obrigado a
permanecer ao meu lado, nem pense em me deixar! — Ela também sentiu a
angústia. — Agora somos nós, sem separação.

— Vou tentar ser um bom pai de família.

— Pare de chorar. Estou ficando angustiada.

— Não estou chorando. Já falei.

— Certo, não está. — Ela secou os olhos dele com o dorso da mão.
— Você tem algum vício e não me falou? — Maria Fernanda lembrou que
tinha ouvido isso na conversa que teve com Thiago.

Eduardo usava algum tipo de droga e queria confessar? Seria outra


luta para enfrentar. Ela teria forças?

— É isso, Eduardo? Você é um viciado?

— Sexo. — Ele fungou o nariz. — Mas não me deixe por isso, vou
viver os seus limites.

Maria Fernanda sentiu alívio.

— Shhhhh! — Ela deu três tapinhas reconfortantes na cabeça dele.


— Esse eu sempre tive noção.

— Você ainda tem medo de trovão, ferinha? Está caindo um


temporal lá fora.

— Acredito que não. Depois que ganhei a Dudinha, os medos


pequenos perderam a força. Agora sou mãe de uma princesinha e de um
homem adulto. Mas saberei educá-lo na rédea curta.
Maria Fernanda beijou o maxilar do marido e desceu em direção à
garganta.

— Quero peitinho.

Maria Fernanda abafou o riso e voltou a acariciá-lo com os lábios.

Eduardo voltou à cabeça para o alto, oferecendo acesso e mais


conforto a ela. Ela beijou com os lábios abertos e espalhou pequenas
mordidas em todo o pescoço do marido. Eduardo arfou, sentindo a forte
excitação crescer em seu membro. Ambos tinham sede, fome, mas não agiam
com pressa.

Alguns segundos depois, eles permaneciam com as bocas


sincronizadas em um só ritmo. Eram movimentos apaixonados e sensuais. A
mão dela já tinha aberto a calça do marido e seguia friccionando o grande
volume coberto pelo tecido da cueca. Ela o torturava de cima a baixo e sentia
prazer com as reações e gemidos que saiam por entre seus lábios.

— Sou o pobre mais rico do mundo — ele sussurrou no meio do


beijo, quando ela mergulhou a mão no tecido de malha que o impedia de
tocá-lo.

— Eu diria pretensioso, se não fosse verdade. — Ela sentiu as


fisgadas íntimas se intensificarem ao deslizar a mão sobre a pele da espessura
firme e pulsante do marido.

Eduardo aprisionou um dos lábios de Maria Fernanda entre os dentes


e segurou firme nos cabelos próximos a nuca.

— Ferinha, estou querendo fazer amor, então colabora. — Ele


espremeu os olhos, sentindo uma nuvem de prazer próxima a empurrá-lo do
penhasco. — Chega!

Eduardo freou a mão dela, desabotoou os cinco botões que o


impedia de vê-la e espalhou as duas mãos sobre o sutiã rendado. Ele queria
matar a saudade de tudo. Lembrou-se dos antigos sutiãs de florzinhas. Ele a
achava atraente de qualquer maneira.

Abriu o fecho frontal e admirou os seios redondos, agora estavam


um pouco mais robustos que anos atrás.

— Sou sortudo. — Procurou o zíper da saia lápis que ela usava e


desceu com dificuldade, pois o tecido estava encolhido até o final das coxas
claras.

Ela o largou e tentou tirar os braços da camisa, mas ele a impediu.

— Só a saia. — A voz dele saiu rouca.

Ela se ajoelhou desajeitadamente sobre ele e esticou o tecido justo


por baixo. Aproveitou para descer uma pequena peça no tom mais fraco de
rosa.

Eduardo encheu os olhos com a visão a sua frente, salivou e desejou


estar ali. Ela sorriu sentada sobre as pernas dele e foi beijada.

— Como pode ser tão linda? Mulher, você é perfeita. Eu juro que
não encontro defeito em você. Um conjunto de corpo e essência que me
ilumina.

— Não sou perfeita, meu amor. Ninguém é perfeito. — Ela se


moveu totalmente exposta sobre ele.
— Aos olhos do homem que te ama, você sempre vai ser. E falo sem
exagero.

— Você está romântico, preciso me aproveitar. Mas esse carro é tão


apertado.

— É tudo o que precisamos. — Ele a girou e colocou no outro


banco.

— Ai! — Ela bateu a cabeça no vidro da janela e alisou o local.

— Desculpa, machucou? Sim, esse carro é realmente apertado.

— Na riqueza ou na pobreza... no carro importado ou no Uno. — Ela


gargalhou, mas perdeu o foco é fechou os olhos quando Eduardo apertou
levemente seu nervo sensível.

— Você também está mais gordinha... — Ele passou dois dedos,


lambuzando-se. — Eu também estava com saudades. Chore, pequenina, eu
estou aqui para secar suas lágrimas...

— Melhor parar com isso! — Ela falou com os olhos fechados com
resquícios de vergonha. Aquele homem era um moleque. Um moleque de
trinta e três anos que sabia ser maduro em momentos importantes. Precisava
se acostumar com as loucuras dele.

— Tão gostosa, iluminada, linda e apenas minha.

Ele soprou e começou a trabalhar lentamente ali, não tinha pressa em


abandonar a carne rosada, muito úmida e desejada. Beijava-a lascivamente,
experimentando tudo dela.
Maria Fernanda não sabia se sorria pelo malabarismo dos dois ou
apertava com mais força os cabelos de Eduardo, que trabalhava com
maestria. Ele estava caprichando nos beijos. Sempre caprichou.

Quase uma hora depois ela estava sentada no colo dele e Eduardo
acariciava o finalzinho do ventre da mulher. Ambos estavam exaustos e
descansavam, mas ele ainda estava dentro dela.

— É linda. — Ele deslizou a ponta dos dedos sobre a quase


imperceptível marca cesariana.

— Você se apega a tudo em mim. — Ela moveu-se sensualmente


sobre ele, os olhos estavam fechados. Mesmo cansada ela não queria pausa.

— Eu quero outro filho...

— O quê? — Ela pensou não ter ouvido direito com o descuido das
chamas de prazer.

— Um menino se arrastando pela casa, de fraldas descartáveis.

— Não estou ouvindo nada. — Ela nem cogitou parar os


movimentos.

— Delícia de aperto! Mulher, você não para! — Eduardo sentiu as


paredes internas dela se estreitarem ainda mais.

— Preciso... me acostumar...com você. — Ela o instigou outra vez.


Estava totalmente preenchida. Não sobrava nada dele. A dor inicial tinha
sumido minutos atrás.

— Pode acabar comigo, ferinha. Você... tem esse direito. Vamos


aproveitar e fazer o bebê. Você até hoje foi a única que me experimentou sem
proteção. Deixa eu tirar...

Ela não o deu ouvidos e continuou. Depois explicaria os motivos,


mas agora, era prazer que ela queria.

Ele segurou o corpo dela com força, suspendeu alguns centímetros e


investiu muito rápido, forte e duro. Tocou o lugar mais profundo dela. Só
pararam quando ambos estavam sem forças.

— Quem vê essa sua cara de princesa até pensa... — Eduardo


abandonou um dos seios dela e encostou a cabeça no estofado. — A Dama e
o Vagabundo.

Ela distribuiu beijinhos no rosto dele, estava feliz e exausta.

— Eu te amo. — Ela declarou e encostou a cabeça no peito dele.

— Estava com muita saudade de seu gosto. Quando vai me retribuir?

— Teremos muitas oportunidades. — Ela estava totalmente mole,


aninhada no colo dele. — Vamos nos recuperar. Preciso trabalhar. Vou nos
sustentar até você voltar a trabalhar.

— Não se preocupe com isso, vou dar um jeito. O dinheiro da


indenização deve sair em um ano ou dois. É o meu dinheiro que foi roubado.
Já paguei as dívidas e começarei novamente. Agora tenho você me ajudando.
Vou encarar a obra, se for possível. Vou entrar no meio do concreto para
reerguer nossa empresa.

— Hum... terei prazer em fazer sua marmita. — Ela gargalhou sem


forças. — Vou te ajudar. Levantaremos em alguns anos, mas eu vou seguir
meu negócio e você o seu. Não me interesso pela empresa e não tenho planos
de exercer a profissão. Entrei no ramo da moda e quero crescer.

— Você vai crescer muito, tenho certeza, mulher. Eu agradeço por


tudo.

— Precisamos contar à Dudinha. — Ela percorreu o contorno do


braço dele com a ponta do dedo.

— Sobre o irmão? — Ele jogou.

— Não vou engravidar outra vez, Eduardo.

— Por quê? — Friccionou os dedos por entre o couro cabeludo da


mulher.

— Tenho medo. Não suporto outra. — Ela levou os pensamentos


para longe, quando quase não resistiu ao parto. — Pior é sentir a dor de ver
meu bebê partir.

— Não fale isso mulher. — Eduardo voltou a sentir as sensações de


perda e arrepiou-se por inteiro.

— Fui alertada pelos médicos. — Ela levantou a cabeça do peito


dele e o olhou. — Temos uma que vale por duas, vamos nos contentar.

— Vou mimá-la e manter debaixo dos meus olhos. Dudinha vai


crescer bonita, assim como você é. Vou precisar manter os olhos abertos e me
vestir de espantalho para afastar os gaviões.

— Está chovendo muito. Ajeite-se e vamos para casa. Preciso


trabalhar.
— Eu tenho reunião com meu pai e o detetive.

— Por favor, tenha cuidado. Tudo já está se resolvendo, esqueça


isso. — Ela pediu.

— Preciso saber quem é o cúmplice, a polícia não identificou ainda.


Quero saber quem me traiu. Se fez uma vez, vai repetir. Não se preocupe, vai
ficar tudo bem. A propósito, você vai precisar conviver com minha família.
Minha mãe quer conhecer a Dudinha.

— Não gosto dessa ideia.

— Vamos marcar algo depois. Não pense nisso agora.


***

Maria Fernanda entrou em sua loja com os cabelos molhados e um


vestido soltinho. Estava sorridente.

Suelen atendia as clientes e Sergio estava por perto.

— Bom dia, Suelen. — Ela apertou as bochechas da amiga.

— Você está transpirando felicidade. Caiu na vara novamente, não


foi?

— O que é isso? — Sergio repreendeu a morena.

— Eu estou dirigindo minha palavra à sua pessoa, Mon chéri? —


Suelen o olhou atravessado.

— O que faz aqui, Sergio? — perguntou Maria Fernanda.

— Estou desempregado e com tempo livre para a Suelen.

— Voltaram? — Maria Fernanda perguntou à amiga.


— Voltamos. Eu dormi na casa dos pais dela. — Sergio falou
empolgado.

— Mas terminamos vinte minutos depois. E você dormiu no sofá,


pois minha mãe insistiu. — Suelen tirou o sorriso de Sergio, olhou-o de cima
a baixo e elevou o rosto, pois sempre amolecia com o belo porte.

— Eu a pedi em casamento, Maria Fernanda.

— Cabra safado! Peguei anotações no carro dele, onde citava


melhores maneiras e posições para engravidar uma mulher.

— Eu quero te fazer um filho, Anja. Já expliquei. — Sergio tentou


um chamego nos cabelos da morena e Suelen quase se derreteu, mas resistiu.

— Eu preciso ser muito tola, para encarar essa cama de gato outra
vez. Não aceito, mas também não vou devolver o anel. — Suelen balançou os
dedos frente ao rosto. Maria Fernanda se espantou com o tamanho da pedra
de diamante.

— Suelen... Sergio, precisam resolver os mal entendidos. E se você


não quer, devolva o anel. — Maria Fernanda aconselhou à amiga, ainda
admirando a joia.

— Não posso, Nanda. Eu me afeiçoei a ele. Olha só que lindo! —


Suelen estendeu a mão.

Maria Fernanda identificou tristeza no rosto de Sergio.

— Se não vai aceitar, devolve isso amiga. Mas é lindo. — Maria


Fernanda olhou de perto. — Mas precisa devolver... é realmente uma bela
joia, Sergio.
— É exclusivo. Mandei fazer para ela.

Maria Fernanda quase abraçou Sergio em um conforto, mas quando


olhou para Suelen viu a amiga segurando o orgulho, doida para agarrar o
homem ao lado. Ela curvou um sorriso, pois sabia que era questão de tempo.
Suelen deixaria de fazer charme em breve e seria um lindo casamento.

— Ele se parece realmente comigo. — Suelen acariciou a pedra de


diamante.

— Voltei com o Eduardo, vamos morar juntos e firmar nossa


família. — Maria Fernanda anunciou.

— Então sua felicidade é por conta disso? — Suelen abraçou a


amiga.

— Isso é um bom sinal para nós, Anja. Se o Edu conseguiu, eu


consigo. Vou ligar para ele. Ele só não me contou até agora porque estamos
afastados. — Sergio pegou o celular e saiu deixando as duas.
***

Eduardo estava no endereço que o detetive passara. Segundo ele,


Junior comparecia eventualmente ao local, mas nos últimos dias a visita era
frequente. Ele já estava do outro lado da rua, em frente ao prédio suspeito.
Vigiava há cerca de meia hora e nenhum suspeito tinha sido visto, mas bastou
desviar o olhar um segundo para avistar o carro do taiwanês estacionado do
outro lado da rua.

Thiago observava as redondezas do prédio.

Eduardo puxou sua pistola, conferiu a munição que possuía e saiu


sorrateiramente do carro. Ele atravessou a rua cuidadosamente e surpreendeu
Thiago, que se assustou tendo uma pistola na direção de sua cabeça.

— O que é isso? — Thiago levantou as duas mãos ainda dentro do


carro.

Com a mão livre, Eduardo abriu a porta do carro e fez com que
Thiago passasse para o banco carona, assumindo ele o assento do motorista.

— Pode começar a revelar todo o esquema, desgraçado! Fale antes


que eu cometa uma besteira e decida estourar seus miolos antes de te ouvir.

— Eu não sei o que você está fazendo aqui, mas se for pelo mesmo
motivo que eu, pode estar enganado ao meu respeito. — Thiago falou,
pausadamente.

— A verdade! – Eduardo gritou muito próximo a Thiago.

— Tudo bem.

— Porque fez isso? Você tem ideia de tudo que eu já passei para
levantar a Moedeiros? Eu renunciei minha vida, meu amor... Foram noites
sem dormir projetando tudo para alcançar o sucesso! Eu fiz tudo! O Junior
sempre teve tudo nas mãos, tinha um legado pronto; eu comecei tudo do zero
e consegui! — Eduardo estava espumando de raiva e seu autocontrole estava
no limite.

— O que te faz pensar que eu estou envolvido no roubo da empresa?


— A voz de Thiago estava pesada.

— Sem rodeios, porra! — Eduardo apertou a pistola próxima à


cabeça de Thiago. — Tentaram contra a vida da minha família!
— Eu nunca gostei de você e depois que a Fernanda me contou a
maneira como a tratava, tudo piorou.

— Então se juntou ao Junior para me roubar?

— Eu tinha todos os argumentos e armas para acabar com o resto de


sua empresa.

— Como? Você não tem acesso a nada meu! Como conseguiu ter
participação?

— Eu tinha todos os motivos para...

— Sim, isso eu já sei! Quero saber como ajudou o Junior?

— O Junior me procurou depois da festa. Percebeu que havia uma


peleja entre nós, ele me quis como aliado.

— Você está me dizendo que só se aliou a ele depois daquela festa?


— Eduardo por um descuido desencostou a arma do rosto de Thiago, mas
logo voltou à mesma firmeza de antes.

— Eu não sabia de nada! Eu moro no mesmo condomínio que o


Junior há anos, mas acabamos perdendo o contato por causa da correria do
trabalho. Ele me procurou, fez a proposta logo após que soube da Fernanda e
da Dudinha. Ele não queria você se reerguendo do golpe, tampouco com a
possibilidade de montar uma família.

— Covardes! Invejosos! Colocou a vida das duas em risco se aliando


ao homem que sempre quis ser o que me tornei. Eu não sei o que ainda estou
fazendo que não acabo logo com você! — Eduardo gritou junto ao rosto de
Thiago.
— Eu não o ajudei! — Thiago falou sobre o grito. — Fiquei sabendo
de tudo quando o roubo já tinha sido feito. Como eu poderia ter roubado
senhas de suas contas bancárias? Que lógica tem isso? Não sujaria minha
alma, muito menos meu nome com isso! Eu estava sempre com o Junior nos
últimos dias, pois precisava levantar provas para colocá-lo na cadeia e longe
da Fernanda e da Dudinha. Entreguei tudo na Polícia. Gravações, imagens,
confissões que ele me fez. Ele ameaçou a Fernanda e minha filha; eu
precisava agir.

— Por que eu acreditaria nisso?

— Porque eu amo muito a Fernanda e a Dudinha e não consigo nem


imaginar a ideia delas estarem correndo perigo e por isso eu passei por cima
do meu orgulho. E não preciso te dar explicações sobre meu caráter.
Certamente serei chamado para depor ao seu favor.

Eduardo escutou as palavras de Thiago e sua mente analisava o peso


de cada frase. Se Thiago amasse tanto Maria Fernanda quanto falava na mira
daquela pistola, sua mulher realmente seria feliz ao lado de outro homem... se
por um acaso ele faltasse.

Eduardo afrouxou a mão e segurou a pistola sobre uma das pernas.

— Ele vai cobrar vingança de você e pode atingir as duas. —Thiago


continuou explicando. — Eu não podia ficar parado. Minha investigação foi
paralela, mas tive orientação de um agente Federal, amigo e cliente da
joalheria. O Junior, solto, é uma ameaça. Ele está aí, não sei se é a casa de
uma amante, só sei que eu o segui e em cinco minutos a Polícia estará aqui,
então, se você também não quiser ser preso, é melhor esconder essa arma. —
Thiago falou em um tom de voz calmo e respirou mais aliviado quando viu
Eduardo esconder a pistola dentro do cós da calça.

— Cuidaria da Maria Fernanda e... seria um bom pai para a


Dudinha, mesmo depois de hoje? — Eduardo olhou através do vidro frontal
do carro.

— Tenho amor pelas duas, mas ela escolheu você.

— Cuidaria dela? — Eduardo gritou.

— Sempre farei isso.

Eduardo não falou mais nenhuma palavra, saiu do carro e caminhou


pela rua, na direção do prédio.

— Eduardo! — Thiago se aproximou. — Você não pode ir lá em


cima agora.

— Ele ameaçou minha família. Eu vou acertar minhas contas com


ele, antes da Polícia. — Falou firme.

— Junior só anda armado. Ele está com muito ódio de você. Vi a


Samanta toda machucada, ele agride a mulher. Condena a pobre coitada por
ter se envolvido com você no passado. Ele te odeia em tudo.

— Então é melhor você voltar. Já basta um pai da Dudinha correndo


risco. — Eduardo adentrou a portaria do prédio e nem sequer observou se
havia porteiro ali. Thiago seguiu com ele.

Subiram as escadas apressados. Eduardo tinha o número do


apartamento cedido pelo detetive.
— Vamos ver o que você esconde aqui, rato covarde — falou antes
de espancar a porta, ignorando o botão da campainha.

Demorou quase vinte segundos e Eduardo já estava pronto para


meter o pé, mas a porta se abriu e uma senhora apareceu enxugando as mãos
em um pano.

— Boa tarde. — A velha analisou Eduardo por completo.

— Quem é você? — A figura daquela senhora não passou perto de


quem Eduardo esperava ver.

— Você vem até minha casa e pergunta quem sou eu?

— Qual sua relação com a desgraça do Junior? — Eduardo passou


pela senhora e entrou com tudo no apartamento. — Onde está aquele covarde
e o resto da corja?

— Isso só pode ser um engano... essa casa é minha. Moro aqui


sozinha com minha filha há muitos anos.

— Minha senhora, eu sei que o Junior está aqui e se você não


colaborar, eu vou revirar toda sua casa até encontrar aquele desgraçado
covarde! Ladrão...

Eduardo não terminou os adjetivos, pois Junior apareceu, vindo de


um dos corredores da casa.

O olhar de Eduardo não estava sobre o ruivo e sim, na moça ao lado


dele, que lembrava alguém muito familiar a quem ele confiava sem cogitar
dúvidas.
— Dona Irene!
20

Por aquela, Eduardo não esperava. A Irene que ele estava vendo não
era a mesma que batia o ponto todos os dias no relógio da sua empresa. A
mulher estava totalmente transformada em uma bela morena. Os cabelos
estavam soltos e não usava os óculos modelo gatinho, que não saia do rosto.

— Dona Irene! É você mesma, sua safada?! — Eduardo se alterou,


Thiago o segurou e a mulher correu para trás de Junior. — Então era você o
tempo todo, bandida?! Eu cheguei a desconfiar do meu melhor amigo e nem
cogitei a ideia de ser você! Claro! Como eu fui burro! Você está a pouco mais
de três anos na empresa, ganhou minha confiança, passou a ter tudo nas
mãos, para entregar para seu amante!

Com o sangue quente demais para manter o controle, Eduardo puxou


a pistola da cintura.

A velha gritou e correu para ficar ao lado de Irene.

Junior gargalhou frente à pistola.

— Você já perdeu tudo, Eduardo Moedeiro. É tão prazeroso ver o


seu fracasso. Pensou que eu não conseguiria, não é mesmo? — Junior deu
uma seca gargalhada. — Estou quase completo com sua derrota, mas ainda
sinto que falta o último golpe. Quero você em uma penitenciária. Olha como
sou bonzinho, não quero mais sua morte. Agora, quero vê-lo sofrer, longe do
que te restou, sua linda anjinha.

— Desgraçado! — Thiago avançou, mas Eduardo o impediu de


passar por ele.

— E você, corno... — Junior virou o pescoço ironicamente de lado.


— Desejo que a loira gostosa fique com ele, só para ver aquela belezinha
visitando o marido na cadeia. Sou tão egoísta. — Gargalhou outra vez. —
Acho que um assassinato te daria alguns anos de sofrimento na prisão, mas
ainda é pouco, quero que termine seus dias por lá. Acusação de tráfico de
drogas... quem sabe, estupro. Irene, esse canalha te estuprou? — Olhou para a
mulher e estalou a língua nos dentes. A velha abraçou Irene. — E não foi
uma única vez, pobrezinha...

O ruivo continuou zombando, mas a realidade era outra, Junior


estava suando frio, pois conhecia quão louco era seu oponente.

Eduardo caminhou para perto dos três, ainda apontando a arma.

— Vou me aproximar para você repetir tudo o que falou, coladinho


na minha pistola. — Eduardo colocou a arma na testa de Junior e viu o medo
na face do ruivo. — Eu tento puxar na memória o momento exato que você
se apaixonou por mim, mas não consigo lembrar. Quem vai para a cadeia é
você, invejoso infeliz! Vai, por ter me roubado e, principalmente, por
ameaçar a minha família. E olha como agora sou bonzinho, se fosse antes,
acabaria com você neste exato momento, mas agora tenho tudo a perder.
Você me tirou apenas dinheiro, mas fiquei com tudo o que preciso. E você,
dona Irene, não vai poder visitar seu amante, pois também estará repousando
em uma cela feminina, do outro lado da cidade!
Eduardo se afastou de Junior e viu a urina descendo pelo tecido da
calça creme que o homem usava.

Irene estava trêmula. Ela era uma jovem muito inteligente e hacker
de sistema profissional desde a adolescência. Entrou na jogada para ajudar
Junior, mas ainda não era uma vilã consagrada. Mas ali, vendo o ruivo sendo
ameaçado, quis fazer Eduardo pagar ainda mais caro.

— Ela não é minha amante. — Junior pegou a mão da mulher. — A


Irene é minha irmã. Ela é filha do meu pai com a Dona Sofia. Ela entrou na
Moedeiros a meu pedido. Esperta e inteligente como é, conseguiu te enganar
e roubar milhões sem que você soubesse.

— Você é filha do Senhor Alfredo, dona Irene? Como vocês dois


podem ser filho do Senhor Alfredo e sair o oposto dele? Ele sabe o que estão
fazendo? Sabe dos ladrões que criou? Claro que não, aquele bom homem
nunca aprovaria isso.

— Você foi roubado debaixo do seu nariz. E por mais que você
tenha me processado, nunca encontrarão uma prova que foi ela a executar o
roubo. — Junior abraçou Irene. Era nítida, a cumplicidade que eles tinham
um pelo outro.

— Eu só sinto por ele ter que ir visitar os filhos, ou melhor... nem


poderá visitar vocês na cadeia, o pobre homem, naquela condição.

— Cale a boca! — Junior colocou a cabeça de Irene em seu peito.


Ela tinha começado uma crise de choro. — Calma, Irene — sussurrou para a
irmã, que estava aos prantos.
— De uma coisa eu te dou certeza, o dinheiro que você me roubou
vai sair mais caro que o valor inicial. Quando isso tudo acabar, você não vai
ter nada em sua conta bancária. Vai viver o resto dos seus dias em uma
cadeia sem um centavo na conta. Sinto muito pela Samanta e seus meninos.
Aquela pobre coitada merecia o melhor, sempre foi decente.

— E você comeu a puta decente e fez um... — Junior não terminou a


frase, pois seus olhos foram presos na porta aberta do apartamento.

— Coloque a arma no chão. — Eduardo sentiu o cano do revólver


próxima a sua nuca e o calafrio percorreu seu corpo por completo. — Abaixe,
eu estou mandando! — Eduardo se abaixou lentamente, colocou a arma sobre
o carpete, em seguida levantou com as mãos na cabeça. — Algeme-o!

— O quê? — Eduardo se virou no impulso e deu de cara com alguns


homens. Percebeu serem policiais pelos distintivos que estavam à mostra em
volta do pescoço de dois deles.

Um dos homens algemou Eduardo e outro analisou a pistola que ele


tinha posse.

— Aquele homem é o ladrão que estão procurando, não eu! — Se


defendeu. — Foi ele que me roubou.

— Alfredo Junior Álvares Azevedo, você está preso sobre as


acusações de tentativa de assassinato;[27] — O policial Civil algemou Junior,
deixando Irene desesperada ao lado.

— Eu fui a vítima. — Eduardo interrompeu e levantou o braço


algemado.
— Pelos crimes de furto qualificado, artigo 155 do Código Penal; —
O agente continuou.

— Foram as contas da minha empresa e arquivos internos. —


Eduardo tornou interromper.

— Formação de quadrilha[28] e violação do sigilo bancário[29].

— Continuo sendo a vítima. — Eduardo falou sem paciência.

A velha foi algemada junto com a filha.

— Todo mundo para a delegacia. — O agente falou calmamente, já


acostumado com a situação tensa.

— Eu não tenho motivos para estar algemado, sou a vítima! —


Eduardo viu Thiago livre e conversando com um dos policiais.

— Você tem posse de arma? — O policial perguntou ainda


analisando a pistola.

— Tenho uma filha e eu preciso garantir a segurança dela. Olhe na


carteira em meu bolso. — Eduardo suspirou forte, com total falta de
paciência. — Preciso buscar minha filha na escola em duas horas, me solta,
caramba!

— Se gritar comigo outra vez, vai aprender a respeitar um agente


federal com o nariz quebrado. — O policial analisou o documento que
garantia a posse de arma a Eduardo. — Eu fico com a pistola. Você primeiro
vai passar na delegacia, depois vai pegar sua filha. — O homem abriu as
algemas. — Agora, todo mundo para viatura! — Ordenou.
Do lado de fora do prédio, Irene e a mãe foram colocadas na viatura.
Junior ainda relutava para entrar no carro e mirava Eduardo com ódio.

— Você ainda vai me pagar muito caro, Eduardo Moedeiros! De


algum jeito, você vai me pagar. E não importa, pode levar anos, eu vou
cobrar tudo com sangue no olho!

— Passa a mão no que é meu, ameaça minha família e transfere a


culpa para mim. — Eduardo achou um desaforo e reclamou olhando para
Thiago. — Espero que aprenda sobre as suas recompensas, faça isso por seus
três filhos. E esqueça que eu existo.

— Não ficarei lá para sempre. Nós nos veremos em breve.

— Entre logo e largue de conversa! — O policial empurrou o ruivo


para o fundo da viatura.

— Agora é a hora que eu tiro meu time de campo. — Thiago deixou


escapar ao ver Eduardo parado no meio da rua.

— Você me deu um soco, eu poderia revidar agora. — Eduardo


olhou para as folhas de uma árvore.

— Eu só espero que você a faça feliz e cuide da minha filha. —


Thiago falou, também sem encará-lo.

— Por Deus, homem. Elas são minha vida, como eu não cuidaria?
Serei um bom pai e esposo.

Thiago estendeu a mão para Eduardo, que analisou aquele gesto por
cinco segundos, e depois apertou a mão do taiwanês o mais firme que pôde.
— Fazê-las felizes é o seu papel de agora em diante. — Thiago
olhou dentro dos olhos de Eduardo.

— Você está chorando, cara? — Eduardo perguntou.

— Não. Hoje está ventando muito e eu acabo de lembrar-me da


Dudinha... — Thiago limpou a garganta.

— Essa coisa de ser pai da mesma filha mexe com a gente, não é? —
Eduardo passou o braço nos próprios olhos. — Só não pense em chegar perto
de minha mulher, aí vamos brigar feio.

— Se você der lugar, eu me achego, só quero que saiba. — Thiago


falou com seriedade.

Eduardo abraçou Thiago, de repente, deu dois tapinhas nas costas,


desajeitadamente, e se afastou.

— Espero que você volte para Taiwan logo. Nunca desejei tanto seu
bem. Cresça lá fora. O mercado lá é mais lucrativo, pense nisso, meu amigo.

— Amigo? — Thiago firmou a postura, para evitar intimidade.

Aquela conversa estava sendo estranha.

— Não tão amigo, só de aparências... pela Dudinha, sabe? Boa sorte,


joalheiro. Agora estou indo. Não vou à delegacia, passo lá depois. Agora,
preciso resolver uma situação com um amigo meu e depois, buscar minha
filha na escola. — Eduardo caminhou até o carro. — E não esqueça, você
prometeu que cuidaria delas na minha ausência! — gritou de longe.

Duas horas depois, Eduardo dispensou os seguranças que faziam a


guarda em frente ao colégio de Dudinha e ficou no portão junto com os
outros pais esperando os filhos.

— Dudu. — Dudinha correu com sua roupinha colegial e se jogou


nos braços dele.

— Oi, princesinha!

Eduardo envolveu a menina nos braços. Sentiu uma sensação


angustiante. Questionou o motivo, enquanto olhava ao redor e carregava a
menina até o carro. Se agora o perigo estava indo para longe, qual o motivo
de ter aquela sensação de que algo estava errado?

— Hoje conheci um tantinho mais sobre os animais aquáticos. —


Dudinha falou assim que foi presa ao cinto do banco de trás do carro. —
Muito lixo, muito animal preso e sofrendo nos mares. Tinha uma
tartaruguinha com um cinto grosso na cintura, toda sufocada. Meu peito
doeu. Quero cuidar de todos os animais, Dudu.

— Você é a princesa, protetora dos animais. Coisa linda do pai. —


Eduardo sorriu muito orgulhoso ao ouvir a voz infantil e delicada falar coisas
tão sérias. — Vou te levar ao zoológico amanhã.

Eduardo dirigiu, tendo em mente o destino do shopping. Ele ia pegar


Maria Fernanda para o almoço. Os pais conversariam com Dudinha na
sequência.

— Posso levar o Julien e o senhor Thor? — Dudinha se animou.

— Quero a família toda.

— Então preciso banhar o Julien, ele andou trapaceando e fugindo


do último banho. — A menina bocejou e colocou as perninhas sobre o banco.

— Está com sono? — Eduardo perguntou ao vê-la esfregar os olhos.

— Chorei vendo o sofrimento dos animaizinhos marítimos e meus


olhos estão pesados.

— Então dorme um pouco. O papai te chama quando chegarmos.

— Você me conta uma história?

— História?

— Sim, a maman e a Tante contam histórias antes de me colocarem


para dormir.

— Eu não sou muito bom nisso, mas acho que sei a história de uma
princesa que morava em um castelo bem distante...

— Não, Dudu! Eu quero de Davi.

— Que Davi?

— Davi um menino pequenininho igual a mim, mas que derrubou


um gigante bem grandão.

— Não pode ser da princesa? É uma história bem legal e tem o final
feliz.

Eduardo já tinha formulado o começo, meio e o final da história, que


terminaria com um "viveram felizes para sempre".

— Não, do Davi da Bíblia.

— O mesmo Davi que foi rei?


— Ele também foi criança pequena, Dudu.

— Esse cara foi rodado.

Eduardo já sabia — segundo as informações de Dudinha — que


Davi quando era criança tinha derrotado um gigante. Aquilo já era alguma
coisa. Depois de sair de um dos sinais de trânsito da cidade, ele arriscou um
começo.

— Tudo bem... vamos lá! Era uma vez um menino bem


pequenininho que morava em um reino bem distante...

— Em Belém, no território de Judá. — Dudinha completou.

— O quê?

— Em Belém, onde o Davi nasceu.

— Sim, o reino ficava em Belém. — Eduardo consertou. — Lá


existia um feiticeiro...

— Desde quando? — Dudinha questionou.

— Desde que começamos a história. Vamos continuar. — O pai


batucou seus dedos no volante. — Existiam muitas pessoas más que odiavam
o pequeno Davi, porque ele possuía uma arma muito poderosa. Era uma
pistola Colt co2 que fazia o maior estrago.

— Mas ele gostava mais da funda e das pedrinhas, não era?

— Quem trocaria uma Colt por um bodoque[30], filha?

— Eu não sei, mas ele gostava da funda.

— Na verdade, ele não gostava muito do barulho que a pistola fazia,


então preferia o bodoque... era isso. Um dia, os homens maus o prenderam
em uma emboscada.

— Mas Deus o livrou! — Dudinha tornou a completar.

— Quando o gigante apareceu, Davi mirou sua pistola carregada,


bem no meio da testa dele...

— Nesse dia ele estava com a funda, Dudu.

— Você não estava com sono, pequena? Pois então, começa a


dormir. Eu já estou no final da história, vai dormindo que eu já termino.

— Eu te amo, Dudu.

Dudinha confessou, fora do contexto da conversa. Naquele


momento, a pequena sentiu necessidade de declarar seu amor ao pai.

Eduardo passou o dorso da mão nos próprios olhos, limpando o


excesso de lágrimas.

— Meu coração era vermelhinho de amor, mas agora ele está lotado
de amor, bem gordinho igual o Julien.

— Meu amorzinho, assim, com tanta fofura, você deixa seu pai
muito chorão.

— E não importa se o colorido dos seus olhos não são rosinhas.


Quero continuar com os azuis, assim fico igual você e a maman.

— Você está amolecendo ainda mais meu coração. Já estou


querendo parar o carro e te abraçar, filha.

— Você me abraça quando chegar.


Eduardo olhou para o lado e viu um carro rente ao seu. Dentro, um
homem apontava a pistola em sua direção, exigindo que ele parasse.

“Deus, é isso mesmo?” — Ele perguntou em pensamento.

— Coloca a sua cabecinha perto do joelho filha.

Curiosa, Dudinha segurou na janela e viu o carro ao lado.

— Os homens maus.

— Abaixa, filha. — Eduardo acelerou o carro e fechou os vidros.

Estavam muito próximos. Aquele carro de Eduardo não era tão


potente, mas ele tentou despistar e jogou o Uno em uma ruela. O carro seguiu
atrás.

Com o coração agonizando no peito e a preocupação o tornando


ainda mais nervoso, sua reação foi buscar o celular no bolso. Com muita
dificuldade, selecionou o número de Sergio.

— Sergio... — O celular caiu de sua mão e quando ele buscou,


perdeu um pouco de equilíbrio do carro.

“Edu?”

— Sergio, liga o aplicativo, coloca a senha e busca minha


localização. Estão me seguindo e estou com a Dudinha no carro.

"Vou ligar para a polícia."

Eduardo manobrou o carro em uma curva e entrou em outra ruela.

— Sergio! — Gritou.
"A Suelen já está ligando."

— Maria Fernanda está aí?

"Eduardo! Minha filha?!" — Maria Fernanda gritou na linha.

— Uma coisa eu te prometo, meu amor. Eles não vão fazer mal à
nossa menina. Eu te amo.

Eduardo deixou o aparelho celular cair, pois precisava dar tudo de si


para despistá-los até o socorro chegar.

Dudinha estava encolhida no banco do carro, mas a curiosidade fez a


menina levantar o tronco e espiar através do vidro traseiro.

— Eles estão muito perto, Dudu. — A menina voltou a se encolher


no banco e juntou as mãozinhas em uma prece silenciosa.

— Não, não, não! — Eduardo esmurrou o volante, pois precisou


parar o carro.

A rua era sem saída, não tinha escapatória.

— Filha, quero que deite no carpete. Tira o cinto.

Eduardo voltou o corpo para trás e auxiliou a filha. O carro abaixou


alguns centímetros, pois atiraram nos pneus.

O automóvel era blindado, mas dependendo da potência da arma


inimiga, cederia facilmente.

— Meu coração está apertado aqui no peito, Dudu.

Eduardo segurou a mãozinha da filha e beijou incansáveis vezes.


— Seja forte, corajosa, e nunca deixe sua mãe sozinha. Quando ela
estiver frágil, fale que tudo vai ficar bem. E acredite, vai ficar. — Eduardo
pegou uma caixinha do bolso e entregou a filha. — Entregue a ela... se eu não
tiver condições para fazer isso. Te amo filha! Amo sua mãe. Amo com a
minha vida.

— Deus livrou Davi dos homens maus... — Dudinha piscou os olhos


e desceram lágrimas de seus olhinhos.

Eduardo olhou através do vidro e viu três homens caminhando com


galões e ele supôs ser gasolina.

— Segura esse controle. Assim que o papai sair do carro, você trava.

— Não vai, Dudu. — Ela fechou a mãozinha em volta do pescoço do


pai.

— Aperta o botão e não abre o carro. A polícia vai chegar e te tirar


daqui.

— Não quero que você vá...

— O papai vai por um amor maior. Eu te amo.

— Eu te amo para todo sempre. — Dudinha se engasgou no choro.

Eduardo sabia que ele era o alvo e não tinha certeza desde quando
estava sendo seguido ou se perceberam Dudinha no carro, ela era baixinha
para ser notada. Ele daria sua vida pela dela.

Eduardo olhou outra vez para a menina encolhida, sentiu uma


lágrima descer e abriu a porta.
— Tranque, meu amor. — falou antes de sair.

Ele ouviu o barulho do carro sendo travado, então caminhou poucos


passos para longe do veículo. Foi nesse momento que ele foi atingido por
dois tiros no abdômen.
***

Maria Fernanda entrou correndo na sala de observação do hospital.


A mãe passou os olhos pelo lugar e seu coração doeu quando avistou lá no
fundo, sobre uma grande poltrona, sua filha, com o uniforme parcialmente
ensanguentado, as mãozinhas unidas no colo e a lancheira do lado.

— Dudinha, minha filha!

A mãe ajoelhou junto à menina e agarrou-a com força dentro de seus


braços.

— O Dudu me mandou travar o carro e os homens maus o feriram lá


fora.

— Shhhhh... — Maria Fernanda friccionou os dedos nos cabelos da


filha. Ela estava muito abalada e aquele abraço era tudo o que ela precisava
para ter fé.

— Os homens maus entraram no carro deles, então eu sai e tinha


muito sangue no Dudu. Ele apertou minha mão e disse que me amava. Eu
chorei e esperei até os olhos dele fecharem. Fiquei pertinho para ele não
sentir tanto frio, mas ele estava gelado. Eu não consegui deixar meu papa
quentinho.

— Sim, meu amorzinho. Ele agora está na cirurgia. Você foi muito
corajosa. O papa vai se recuperar.

— O médico disse para o outro que não, eu ouvi. Mas ele não sabe
de nada.
21

Maria Fernanda começou arrancar o uniforme sujo do corpo da filha.


Dentro de sua bolsa sempre estava o essencial para as necessidades da
pequena, isso incluía um vestidinho e uma peça íntima de babadinhos.

Com o vestidinho limpo no corpo, Dudinha secou as lágrimas da


mãe, que naquele momento não segurou a crise de choro.

— Papa du ciel[31]... não leva o Dudu para o céu agora. — A menina


iniciou uma prece e a mãe colocou a cabeça sobre as perninhas dela. —
Ficamos juntos só um tantinho, foi tão pouquinho. Por favor, não leva meu
papa Dudu.

Maria Fernanda levantou a cabeça de olhos fechados. A mãe não


conseguiu falar nada, só soluçar. Precisava afastar o choro, como sempre fez,
mas ali, naquele momento, ela estava vivendo o mesmo episódio que passou
com Dudinha anos atrás, estava recente e sua força ainda estava pequena.

Ela se viu sendo consolada por sua criança, de uma maneira que
nunca tinha acontecido antes.

— Iniciaram a cirurgia. — Sergio entrou na sala, muito triste. Suelen


estava com os braços ao redor da cintura dele. — O Edu vai aguentar. — Ele
sentou ao lado de Dudinha e Suelen o acompanhou. — Ele foi meu pai e mãe,
cara. Não sei como vai ser sem ele aqui...
Suelen beijou o rosto de Sergio e afastou as lágrimas dos olhos dele.

— Ele vai voltar, tio Sergio. Se todo mundo acreditar é mais forte
para acontecer.

Suelen estava se segurando, mas a vozinha firme de Dudinha


desprendeu seu choro.

— Vocês levam a Dudinha e cuidam dela até eu chegar em casa.


Vou esperar terminar a cirurgia.

— Já chamei os seguranças que o Edu contratou. Melhor eu levá-la


para minha casa. No momento, é mais seguro. Os policiais ficarão aqui no
hospital. Pegaram os sujeitos nas proximidades da rua. Já confessaram, foi a
mando do Junior, por intermédio de Viviane. Essa escapou, já deve estar
longe do Brasil.

— Vai ficar tudo bem, maman. Acredite. — Dudinha falou ao sentir


o beijo demorado da mãe.

— Vai, meu amor. Vai ficar. Tente descansar. Mais tarde eu vou
ficar com você.

Quando Sergio e Suelen saíram carregando Dudinha, Maria


Fernanda seguiu até a sala próxima à unidade intensiva, onde esperou as
longas oito horas de cirurgia.

Quando o processo terminou, ela teve o direito de ver o marido


através de um minúsculo vidro.

Eduardo estava com um cateter venoso no pescoço, sonda


nasogástrica, eletrodo e o tubo do ventilador mecânico ligado diretamente ao
pulmão. Segundo os médicos, suas chances eram mínimas. Ele tinha perdido
60% do fígado. O projétil que se alojou em seu intestino, foi removido
através da cirurgia.

Ela ficou observando a situação do marido, praticamente sem vida,


sendo sustentado aos olhos humanos por aparelhos. Ela se desesperou com a
mão no vidro de proteção que os separavam. Desejou, implorou pela vida
dele. Mesmo com poucas chances, ela se agarrava ao minúsculo fio de
esperança.

CINCO DIAS DEPOIS...

Maria Fernanda só foi permitida a entrar no quarto do marido uma


única vez, mas logo as visitas foram suspensas, pois ele teve uma grande
piora. Mesmo sendo liberada para vê-lo através de um vidro, ela só saia do
hospital para dormir com Dudinha e nos momentos de refeição, pois
precisava estar com ela. Nas manhãs e algumas horas da tarde, ela corria para
o hospital. Temia que ele partisse sem que estivesse por perto.

— Como tens passado, filha? — O líder da igreja encontrou Maria


Fernanda no corredor do hospital. — Das outras vezes que estive aqui, você
tinha ido ver sua filha.

— Estou seguindo. — A voz dela saiu embargada. — Obrigada


pelas visitas. — Ela se abraçou com os braços e sorriu com o rosto choroso.

As olheiras dela estavam enormes, também estava mais magra e


abatida.

— O dinheiro já foi entregue ao Jorge para a festa de casamento.


— Que dinheiro? — Maria Fernanda perguntou.

— O Jovem Eduardo esteve comigo pouco antes do triste episódio.


Ele me contou da reconciliação do casal e pediu conselhos. Depois ele me
levou até o banco e lá ele pediu o número da conta da campanha, pois já tinha
acertado tudo com o gerente. Ele doou novecentos e oito mil reais, para
iniciar as obras do sistema de infraestrutura e controle da água da chuva, na
encosta da comunidade Vila da paz. Também deixou comigo o dinheiro para
entregar ao Jorge e a noiva.

— Mas, como? — Ela estava trêmula. — Como isso? Ele estava sem
dinheiro, só tinha para o básico.

— Eu o questionei, pois ele me contou a situação de seus negócios.


Foi então que ele me mostrou recibos da venda dos três carros importados.
Ele vendeu os carros e doou tudo para a comunidade.

Maria Fernanda olhou na direção da UTI e tremeu os lábios. A pele


branca de seu rosto estava muito vermelha, os olhos encharcados e o coração
ansioso por abraçar o marido. Se não fosse arriscado para a gota de vida que
ele ainda possuía, ela entraria lá e o beijaria naquele momento. Agradeceria
silenciosamente pelo gesto de amor.

— Ele me falou que vendeu, mas não imaginava que seria para esse
fim. Foi o que sobrou, além do apartamento. Eu... queria abraçá-lo por isso.
Ele doou o que tinha...

— Ele me pediu discrição. Mas achei que teria dividido com você.

— Obrigada. — Maria Fernanda beijou a mão do homem. —


Obrigada por trazer mais certezas ao meu coração.

— O perdão só chega para quem se arrepende. Não adianta você


pedir perdão para se sentir bem se as suas atitudes e coração insistem em
dizer que você não errou, ou melhor, que errou porque alguém deu passagem
para isso. O Pai é rico em perdoar, mas ele só perdoa quem abre o coração
para o arrependimento, assim, são os casais, amigos, família... Há perdão
para o erro, mas só é aceito se houver arrependimento e confissão de coração
aberto.

— O-obrigada pela esperança. — Maria Fernanda estava mais


controlada.

— Não voltarei mais aqui, pois encontrarei os dois em breve. — O


homem deu um singelo sorriso encorajador e caminhou em direção à saída
daquele corredor.

Maria Fernanda caminhou apressada até a sala de espera, pegou um


copo descartável, encheu no bebedouro e bebeu. Quando ela olhou para o
lado viu sua sogra com um longo lenço colorido amarrado na cabeça, a
sobrancelha permanente bem arqueada e roupas elegantes, porém, neutras. A
mulher estava totalmente diferente da Suzane exagerada de anos atrás. Ao seu
lado estava Dudinha em um papo íntimo e desenvolto.

À frente, estavam Thiago e Giovane. O fazendeiro estava com a


mulher no Texas e voltou quando soube que Maria Fernanda e Dudinha
estavam precisando de apoio.

— Maman, é a vovó Suzi! — Dudinha gritou. A menina segurava a


mão de Suzane. — Venha, vovó, venha ver minha maman.

A menina levantou, puxando Suzane — que estava muito fraca —


pela mão e levou até a mãe.

Quando as duas mulheres ficaram frente a frente, não houve


palavras, acusações ou desculpas. Suzane levantou a mão e tocou os cabelos
de Maria Fernanda em um conforto. Depois, as duas se abraçaram e choraram
juntas.

Suzane ainda estava se recuperando, pois há poucos meses tinha


feito à última cirurgia que a livrou de um câncer na mama.

A mãe de Eduardo estava saindo da depressão.

— Me perdoe por tudo. — Ela beijou o rosto de Maria Fernanda.

— Não precisa, Suzane, já passou. Como você está? Eduardo me


falou que você conseguiu vencer a doença.

— Ganhei mais uma chance de fazer a vida valer a pena. — Dudinha


ficou na frente da avó e olhou curiosa para as duas. — Ela é linda. — Suzane
sussurrou.

— Obrigada. Ela é uma mistura minha com o seu filho. Seu marido
não veio? Ele tem vindo todos os dias ver Eduardo.

Maria Fernanda já tinha conversado com Olavo, ele sempre estava


presente no hospital.

— Olavo me deixou aqui e precisou voltar ao escritório. Tinha uma


reunião. O negócio está crescendo. Agora que eu fechei o salão, precisamos
correr atrás.

Dudinha voltou correndo para onde Thiago e Giovane estavam


sentados.

— Seu filho não piorou, mas também não teve melhoras. Tem sido
dias difíceis. Fiquei muitos anos sem sair do hospital com a Dudinha, mas
tinha pedido aos céus que nunca permitisse que eu passasse pela mesma
coisa. É muito difícil ver quem a gente ama sofrendo e não poder fazer nada.

— Nem sempre é como a gente quer. Feri-me muito no processo da


minha doença, mas aprendi dobrado. — Suzane segurou a mão de Maria
Fernanda. — Às vezes, é necessário passar por certas situações para
fortalecer laços e dar valor às coisas que realmente importam na vida. Meu
filho está lutando, já estive no lugar dele e mesmo sem a garra que ele tem, eu
fui agraciada. Ele vai conseguir.
***

QUINZE DIAS DEPOIS.

Eu continuo lutando contra vozes que dizem que eu não sou o


suficiente, que nunca vou me nivelar. Sim, sou altos e baixos. E, por favor,
lembre-me só mais uma vez quem eu sou, pois sinto que minha mente está
sendo apagada. Preciso saber, por favor, me lembre.

Na última vez, falastes que sou amado, quando eu não sentia nada;
disse que eu sou forte, quando pensava ser fraco. Falas que estou amparado,
quando estou caindo, e quando eu não pertenço a lugar nenhum, você diz
que eu sou seu. E eu acredito em tudo, hoje eu acredito no que você diz de
mim.
E o que importa agora, são suas palavras. Porque em você eu acho
meu valor, em você, eu acho minha identidade. Estou deitado perto de seus
pés, e tenho receio de te oferecer tão pouco, mas pode ficar com tudo o que
tenho agora, deixo aqui os meus fracassos e recebo as suas vitórias.

Obrigado por outra chance, eu prometo fazer valer a pena.

Eduardo estava deitado em um dos quartos do hospital. Tinha


chegado ali na manhã passada, quando começou a respirar sem a ajuda dos
aparelhos, mas ele ainda dormia em um coma profundo. Onde lutava pela
vida.

Seus olhos semiabertos estavam muito embaçados e via o borrão da


mulher sentada em um sofá de couro branco, que ficava de frente para a
cama, e a criança deitada ao seu lado. Ele não tinha forças para se mexer, mas
uma lágrima desceu de seus olhos, sem precisar de esforços. Ele tentou falar
algo, mas o barulho que saiu em sua boca não era tão audível.

Ele ficou ali por alguns segundos, olhando as duas, sentindo desejo
em levantar e abraçá-las, mas seus músculos ainda não mexiam. Tinha lutado
muito para abrir os olhos e agora estava exausto. Ainda sentia a força
profunda da morte brigando contra sua vida.

Logo voltou a pegar no sono. Um sono profundo. Estava pronto para


mais uma batalha.

Quinze minutos depois, ele sentiu um tapa forte no rosto e acordou


com um grito rouco. Ele virou os olhos e não tinha ninguém tão próximo para
atingi-lo com tanta força. Ele queria agradecer pelo impulso, ele iria
agradecer.

Maria Fernanda se assustou do cochilo, fixou os olhos na cama do


marido e sentiu um choque interno ao ver uma quase imperceptível curva de
sorriso.

Talvez ela ainda estivesse dormindo e sonhava com aquele curto


sorriso, mas não, logo Eduardo abriu os olhos e o azul intenso fez o pequeno
espaço que os separava, longe demais.

— Eduardo... — A voz dela saiu em um sopro. — Eduardo. —


Falou mais alto e correu até a cama. — Você acordou, meu amor. — Beijou o
rosto dele e acariciou os curtos cabelos. — Dudinha... Filha... Seu pai
acordou.

Dudinha levantou sonolenta, sorriu e também correu até a cama


hospitalar.

— Dudu, você voltou. — A menina esticou os pezinhos e secou os


olhos do pai. — Eu sabia, maman... O médico não queria me deixar entrar,
Dudu, mas eu implorei, pois hoje você abriria os olhos no quarto.

— Quantos... dias eu estive... sem vocês? — ele perguntou


vagarosamente.

— Vinte dias. — Maria Fernanda estava muito emocionada e sorria


ao mesmo tempo. — Não aguento esse sofrimento outra vez. Por favor,
nunca mais me deixe.

— Você está abatida...

— Eu sofri tanto, pensando que não voltaria...


— Não chore... mulher. Deixa... eu sentir seus... cabelos.

Maria Fernanda sorriu e chorou ao mesmo tempo, levando a ponta


dos cabelos até o rosto de Eduardo.

— Perdão, amor. Prometo... nunca... mais... te fazer... sofrer. Não


chora.

— Senti tanto a sua falta. — As lágrimas de Maria Fernanda caíram


no rosto dele. Ela enxugou com cuidado para que a sua felicidade não o
machucasse.

Dudinha voltou para o sofá e pegou sua bolsinha.

— Dudu, eu guardei a caixinha até você voltar, fui curiosa, mas não
abri. Suportei a vontade e consegui. — Dudinha entregou a caixinha preta
para a mãe.

— É um anel? — Maria Fernanda secou os olhos.

— Mandei fazer antes da falência total. — Eduardo sussurrou.

Maria Fernanda abriu a caixinha e visualizou o anel de ouro com


uma suntuosa esmeralda. A aliança masculina ao lado era toda cravada por
pequenas esmeraldas. Ao redor das joias maiores estava uma correntinha com
um singelo pingente da mesma joia.

— Gastou uma fortuna aqui... — Maria Fernanda colocou o anel no


dedo observando cada ponto de elegância. — Me deixa colocar o seu. — Ela
colocou a aliança até certo ponto no anelar do marido, pois ele estava
inchado.
— Me ajude, maman... — Dudinha virou de costas e levantou o
cabelo.

A mãe prendeu a correntinha do pingente em volta do seu pescoço. E


beijou a nuca infantil.

— Quero te ver de noiva... mulher — ele sussurrou.

— Vestido de noiva? Isso é certo? — Maria Fernanda beijou a


aliança no dedo do marido.

— Agora... é proibido, é? Não... tivemos isso antes... nasci... outra


vez... Voltei virgem... Vai precisar me dar certo carinho na lua de mel.

— Shhhhhhh, olha sua filha, homem. Nem bem acordou e já


premedita essas coisas... — Ela beijou a testa dele.

— Quero cheirar esse cabelo todas as noites. Aceita... ou não?

— Aceito muito. — Selou os lábios com muito cuidado e ouviu as


palminhas de Dudinha que achou tudo natural, sem questionar a nova posição
de Eduardo. —Vamos começar tudo do zero e fazer nossa família unida todos
os dias.

— Meu coração está feliz. — Dudinha se aproximou da cama e


colocou a mãozinha sobre a do pai. Maria Fernanda protegeu a mão da filha
com a sua.

Suelen abriu a porta do quarto. Ela estava de mãos dadas com


Sergio, que começou a chorar igual um menino ao ver o amigo de olhos
abertos.
***
Existe um grande conflito entre amar e ser amado. O amado é
admirado, paparicado e reverenciado.

Ser amado é estar no mais alto pedestal e saber que é querido,


independente das circunstâncias.

Ser amado é ter reservas, e saber que essas reservas acalmarão


brigas e discussões posteriores.

Mas, e amar?

O que é amar?

Amar é apenas amar e pronto!

Amar é não querer nada em troca, é não depender do outro para se


doar, é ver amor dentro do ódio.

Amar, é perseguir o ódio até que ele se renda.

Porque o amor não precisa de nada em troca para existir. O amor é


uma força maior, independente e impulsionadora, ama sem a necessidade da
troca.

É capaz de acalmar guerras e se instalar no mais vil coração.

Palmas para o autor do amor: DEUS!!!


FIM.
Epílogo

Dez meses depois...

Por muito tempo eu estive com meu coração preenchido, embora


lutasse para mantê-lo estável. Foi uma peleja dolorosa. O amor queria
sobressair a qualquer custo, mas o meu orgulho, ambição e extrema
racionalidade sufocaram-no.

O medo da entrega venceu aquele combate, mas o resultado não foi


o esperado. Eu sempre fui só, porém, a solidão não me castigava com tanta
violência desde a adolescência. Senti a dor de possuir algo que não pude
segurar em minhas mãos. Sofri calado outra vez e continuei procurando
alegrias momentâneas em distrações sem afeto. Meus dias passaram a seguir
de modo automático: manhã, tarde e noite já faziam o mesmo sentido.

Meu exterior estava em movimento, mas aqui dentro era ermo.

Eu estava tão perdido e isolado que os meus próprios pés


cambalearam por um túnel sombrio. Um maldito caminho escuro que eu
mesmo construí.

Hoje, aqui, em frente ao espelho, vendo a cicatriz do último


atentado, agradeço aos céus por tudo o que passei para conseguir recuperar
minha família e ter o privilégio de abraçá-la. Ganhei uma oportunidade de
fazer diferente e vou fazer valer a pena.

Não sei se suporto outro baque desses, espero não ter que passar por
isso, mas se for por minha família, eu enfrento tudo.

Vejo a porta do quarto sendo aberta e pelo reflexo do espelho,


observo Thor entrando de mansinho. Foi assim que esse sacana entrou na
minha vida.

Naquele dia, eu caminhava de encontro à morte e usava meus


próprios pés. Eu tinha bebido, mas não o suficiente para perder a sobriedade.
Eu queria chegar ao destino, pois aquele seria o meu ponto final.

Eu tinha acabado de fechar um negócio de rentabilidade alta para


empresa. Era um grande empreendimento, traria milhões para a Moedeiros, e
eu deveria estar feliz e realizado, mas isso nunca acontecia. Sempre havia
uma sensação de estar com a água na altura do pescoço. Isso era muito, mas
não era uma grandeza que me compensava.

E eu sabia exatamente qual era o motivo da minha frustração. Antes


de Maria Fernanda, a vida não me entregava verdades tão dolorosas, eu não
sentia o peso da frustração sufocar a minha garganta, não havia opção de
destino, nem a obrigação de ser diferente. Foi uma estadia rápida, mas ela
chegou e me deu tudo.

Ela, tão nova, tirou minhas máscaras escuras e me apresentou


alternativas. Eu tive tudo na minha frente e recuei por medo. Eu sabia que me
tornaria dependente daquilo que eu nunca tive, por isso renunciei, por pânico
de não saber lidar e fazê-la sofrer em minhas mãos. Lembro que cheguei a
propor que ela ficasse mesmo sabendo que não era o melhor. Mas eu já a
amava, por isso não usei a força para impedir que ela fosse. Hoje eu
reconheço o quanto fui covarde, eu poderia ter feito diferente naquela época.

Chovia bastante, e eu estava na pista, louco e bêbado. Já tinha ligado


para casa, mas o meu pai falou de negócios, minha mãe estava viajando, e, na
época, ela escondia a doença de todos. A Luíza estava em um plantão no
hospital e o Sergio tinha me dado um soco na boca. Eu ia acabar com tudo
sem fazer as pazes com ele. Ao menos alguém choraria sobre meu caixão, se
não fosse pela falta, seria por remorso. Afinal, ele me bateu por nada. Sergio
nunca havia interferido em minhas bebedeiras e, naquela noite, ele queria me
obrigar a deixar o copo, na porrada. Ele sempre esteve comigo e eu sempre
fui o seu irmão mais velho, de que ele precisava, mesmo tendo a mesma
idade que eu.

Lembro que o carro deslizou várias vezes na pista, mas se manteve


em curso. Meu destino era a Serra. Lá do alto, eu acabaria com tudo. Estava
decidido.

Mas, para um infeliz que já está na merda atrair mais desgraça, basta
piscar os olhos. Foi isso que aconteceu. Minha cabeça pendeu para o lado e
acabei sendo tomado por um cochilo, que não durou mais do que cinco
segundos. Quando me assustei, senti o impacto no carro.

Eu ainda não estava morto, mas talvez alguém naquele asfalto


estivesse. Saí do carro, trocando as pernas, sem enxergar normalmente e
avistei o bolinho marrom deitado, dentro de uma poça de água. Era um
Golden Retrivier, ainda filhote.
Ali estavam dois infelizes solitários, um inibindo a morte do outro.

Ouvi os seus gemidos, olhei para os dois lados na expectativa de


esconder mais uma merda e voltei para o carro. Aquela noite meu propósito
era a morte. Mas naquele momento, debruçado sobre o volante, esperando a
tontura passar e ouvindo os sons de buzinas, veio à minha mente lembranças
de minha infância, quando eu tinha um cachorrinho chamado Salsicha, o meu
companheiro fiel.

Meu pai trouxe Salsicha para casa depois que uma profissional lhe
explicou que o motivo para eu ser uma criança violenta era a falta de
companhia e afeto.

Naquela época, depois da Luíza, Salsicha era o único que me dava


atenção. Ele morreu atropelado pelo vizinho e o preço da sua morte foi o
incêndio no veículo daquele infeliz.

Naquela noite, quando conheci Thor, algo bom dentro de mim estava
desperto em meio à bebedeira e eu quis ajudar o filhote que agonizava.
Esmurrei o volante e lutei ferozmente contra aquela cordialidade, mas foi
impossível. Saí do carro, acolhi-o e cuidei dele. Daquele dia em diante, Thor
se tornou meu fiel confidente.

Ele soube antes da Maria Fernanda que eu a amava, mas ninguém


nunca soube o quanto, isso eu só descobri quando estive a ponto de perdê-la.

E hoje, finalmente, será o dia do nosso casamento. Ela queria ter


casado antes, entretanto, eu escolhi oficializar os votos apenas quando eu
estivesse inteiro para ela. Ser casado com uma mulher daquela é estar
impotente, é estar à beira o declínio. Foi quase dez meses vendo o meu
gigante abatido e inibido por medicamentos e traumas físicos.

Esmoreci, deixei transparecer e recebi apoio da Maria Fernanda. Sou


muito sortudo por ela ser minha.

— E aí, garotão? — Thor cheira minha perna. — Viu como eu estou


gostoso de noivo? — Ele está todo penteado com uma gravata borboleta no
pescoço. O rato Julien está sobre suas costas, com os mesmos trajes. Coisa da
Dudinha.

Ajeito a minha gravata no pescoço e ouço barulhos no corredor da


casa. Estamos na fazenda. Maria Fernanda quis casar no mesmo lugar. Sua
explicação foi sobre consertar o nosso início torto. Daqui, vamos para Paris,
pois ganhamos uma viagem do padrinho dela. Antes, eu tinha comprado
cinco diárias em um hotel fazenda charmoso com um orçamento do tamanho
do meu bolso. Não aceitei que ela pagasse a viagem, era desnecessário tanto
gasto no momento.

Mas, com a cortesia de presente de casamento, vou aproveitar e


resolver a questão da paternidade de Dudinha no registro de nascimento.
Vamos os cinco. Isso inclui os dois salafrários ao meu lado. Somos uma
grande família.

Dudinha fez a última cirurgia cinco meses atrás, eu ainda estava na


cadeira de rodas. Maria Fernanda e Thiago foram levá-la. Hoje ela está bem e
não depende de analgésico.

Ela estava mais "ativa" com o passar dos dias. Ontem, ela pegou
cinco filhotes de porco e levou um a um para o banheiro. Eu só descobri
porque uma funcionária da fazenda percebeu a água alagando o corredor da
casa. A baixinha usou a banheira do quarto em que Sergio e Suelen estavam
hospedados. Ela e os cinco porquinhos detonaram tudo, inclusive o vestido de
madrinha da tia.

Maria Fernanda colocou minha menina de castigo, e eu a admirava


muito pela capacidade, pois me derreto todo quando vejo aqueles olhinhos
marejados e os lábios trêmulos, segurando o choro. Dudinha veio para
derreter de vez o meu coração.

Coloco o blazer e ajeito a fivela do cinto. Dou uma última olhada no


meu visual e constato que minha ferinha é muito boa no que faz. Ela escolheu
meu terno. É Slim e no mesmo tom dos nossos olhos.

Ganhei alguns quilos durante minha recuperação, pois Dudinha


queria sempre brincar de princesa cozinheira e as comidinhas eram sempre
calóricas e saborosas.

Eu, no papel de Rei, Thor no de cavalo branco e Julien de


conselheiro real éramos os responsáveis por provar os alimentos feitos pela
princesa cozinheira. O resultado não poderia ser diferente: ficamos os três
mais robustos.

No momento, não tenho dinheiro sobrando, mas vou servir minha


mulher com o que eu tenho de melhor: amor e muito tesão.

Meu apetite sexual voltou semana passada. Era um final de tarde, e


eu estava no chuveiro tomando banho para ir buscar a Dudinha na casa da
minha mãe e pegar a Maria Fernanda no shopping.

Eu ensaboava meus cabelos e o corpo, quando ouvi um barulho no


quarto. Não deu tempo de fechar o registro, pois minha ferinha abriu a porta e
entrou no banheiro, cantarolando algum de seus encantos. Ela tinha saído
mais cedo da loja e estava perigosa. Não tinha nada em seu corpo, apenas
uma escova de cabelo nas mãos. Fiquei paralisado diante de tanta beleza. Ela
estava fazendo de caso pensado.

Limpei o embaçado do vidro com o braço e a água continuou caindo


no chão. Meus olhos, seduzidos, seguiram os contornos da fera domadora de
Ogros.

Eu já a tinha feito virar os lindos olhinhos nas noites do último mês,


mas agora era a vez dela. Ela sabia o que estava fazendo e eu ansiava por
aquilo. Ferinha poderosa.

Ela estava em frente ao espelho, tentando-me com um leve rebolado,


enquanto exibia o ondulado lindo dos seus cabelos, minha paixão. Ver aquela
pele branquinha, ainda com as marcas da roupa social, estava me deixando
vesgo. No auge do incentivo, escancarei a porta de vidro, igual a um louco. O
shampoo estava entrando no olho, a água no ouvido, mas o pau seguia na
direção dela.

Saí escorregando e me bati na parede, completamente louco. E ela só


sorria da minha aflição. Grudei em minha fêmea, pegando-a pelos cabelos e
cintura e arrastei-a para dentro do box. Ela tinha me assanhado e ia levar
chumbo grosso.
Mas a ferinha era tão traiçoeira que se ajoelhou na minha frente e me
desarmou com seus lábios carnudos e rosto de princesa levada. Fiquei
totalmente rendido, apreciando aquele momento inédito. Foi a coisa mais
linda e excitante, vê-la toda poderosa e sensual, provando-me com gana pela
primeira vez. Levei algumas mordidas desnecessárias, mas era algo já
esperado.

Minha princesa branquinha, linda, amorosa, forte e perfeita. Fomos


selvagens naquele banheiro e depois de tê-la deixado exaurida, carreguei
minha ferinha manhosa para a cama.

Senti pontadas nas cicatrizes, mas dar aquele porradão tinha valido
muito a pena. Eu estava ativo outra vez e totalmente pronto para qualquer
hora que ela me solicitasse.

— Vamos, parceiro. — Desperto dos meus pensamentos com a voz


do Sergio. — O Jorge e a Soninha estão dando o bagaço no bufê. Cheguei a
pensar que eles apareceriam na cerimônia com um espeto de carne, mas ainda
estão se contentando com os docinhos. Seja rápido! O que é isso, cara?! —
Sergio aponta para a minha calça. — Vai aparecer assim na frente do líder da
igreja?

— Eu não tenho culpa. Esse é meu estado permanente de agora em


diante. — Ajeito minha esculhambação e estico o blazer. — Vamos, pois
tenho pressa! — Saio do quarto e Thor me segue com Julien.

Subo correndo no coreto de arco ornamentado com rosas azuis e cor


de rosa.
O sol está se pondo, e o ambiente ao ar livre na fazenda é muito
romântico. Sergio e Suelen estão ao meu lado. Eles se casaram há dois meses,
mas dona Margaret, mãe do Sergio, vem lutando contra essa união desde que
voltou ao Brasil. Eles estão em pé de guerra e tudo piorou depois de uma
briga feia, quando Suelen acabou perdendo um bebê de semanas de gestação.

“Mas essa é outra história para ser contada.”

Os músicos começam a tocar e vejo a Dudinha entrando com as


nossas alianças. Minha princesinha linda, pivô da queda do meu orgulho,
responsável por derreter o gelo do meu coração. Por ela eu faço tudo.

Logo atrás, está ela, a mãe da minha família, ferinha delicada,


domadora de ogro e rainha do meu coração. Ela usa um vestido lindo, branco
e sexy. Ainda não vi as costas, mas soube por fonte segura — e fofinha —,
que tem para mais de duzentos botões de impedimento.

“Vou arrancar um a um no dente.”

Ao seu lado esquerdo está o taiwanês. Ele não me engana, sinto que
espera um vacilo meu para marcar em cima, mas me faz bem saber que ele
voltará para Taiwan e deixará os negócios aqui no Brasil sob os cuidados de
um tio.

No lado direito dela, está o fazendeiro, Giovane, e ele é outro que


também não me engana. Ele está casado, contudo, algo me diz que também
espera um erro meu. Só se eu fosse louco a ponto de querer perder essa
mulher. Que eles sejam felizes bem longe de minha ferinha.

Desço do coreto, beijo o cabelo de Dudinha no caminho e tomo a


posse do braço da minha mulher. Não me agrada a ideia de dois marmanjos
estarem com as mãos nela.

— O que é isso, Eduardo? — ela reclama.

— Ela é minha mulher. — Encaro os dois e passo o recado. — E não


fiquem esperando um descuido para urubuzar o meu solo. Quem planta aqui
sou eu — deixo claro.

— Para com isso, Eduardo! Estão nos olhando! — Maria Fernanda


fala entre os dentes.

— Não esqueça que eu cuidei dela e te entreguei em perfeito estado.


— O taiwanês me encara.

“Raiva por ele ter razão.”

— E eu sou casado. Minha mulher está ali, grávida de quatro meses.


— O fazendeiro cruza os braços.

“Esse ao menos nunca tocou em nada.”

— São bons argumentos, porém, fiquem metros... dois metros de


distância dessa ferin... dessa mulher.

Estufo meu peito, seguro Maria Fernanda e conduzo-a até o coreto


de flores.

— Vamos resolver esse ciúme e eu já sei uma maneira eficaz para


começarmos. — Maria Fernanda sorri para as pessoas, mas sua mente está
maquinando algo. Espero que não seja algo relacionado à privação sexual.
“Tudo menos isso.”
— Eu te amo, mulher. Só estava com pressa em dizer, por isso vim
te buscar. Esqueça qualquer planejamento errado. Isso é obra do maligno para
destruir a deliciosa harmonia dos casais. Esqueça isso.

— Você tem todo o meu amor. — Ela beija nossas mãos


entrelaçadas. — Mas não deixe de se policiar, mon cher.

— Perdão, amor. Eu prometo que serei o policiamento em pessoa.


De hoje em diante, teremos o dobro de felicidade. Foram dez anos casados e
longe um do outro, mas agora, os céus serão testemunha da força do meu
amor por nossa família. — Pego a Dudinha no colo.

— Você está muito bonito, Dudu. Meus olhos combinam com o seu
terno.

“Essa vozinha dela me derrete todo.”

— Seus olhos são os mais lindos do mundo, meu amor. São os


mesmos da sua mãe. — Beijo a bochecha gordinha da minha pequena. —
Seremos uma base unida e vamos enfrentar todas as dificuldades que vierem.
Os dias serão difíceis, mas vamos lutar juntos e espalhar o amor e a força do
perdão.

— Amo vocês, meu pai e maman. — Dudinha acaricia meu rosto e o


da mãe.

Dizem que o tempo cura tudo, mas não acredito nisso. O perdão e o
amor podem curar, mas o tempo não. O tempo cura o superficial, mas o fato
real ele não atinge. Se te ferem, machucam, não espere que o tempo cure,
pois, o seu tempo acaba e você morre com a dor. Por isso, o perdão não deve
chegar atrasado. Que muitos corações sejam alcançados com a nossa história
de vida.

***

Em frente à porteira da fazenda, uma loira andava tombando no


salto. Ela estava saindo da fazenda, mais precisamente, do local da cerimônia.
Tinha entrado para espreitar, ficado cinco minutos e agora voltava para o
carro. Dali, ia direto para o aeroporto. Seu destino era distante, mas sua
certeza era local. Não importava o tempo, Eduardo Moedeiros pagaria por tê-
la usado.
Bônus final

Três anos depois...

A J.A Engenharia se afundou aos poucos depois da prisão de Junior.


Senhor Alfredo e Dona Alice se mudaram para uma estância e vivem bem,
porém, sem as mesmas regalias. Um dia, eu encontrei Samanta no
supermercado, e perguntei se estava precisando de alguma coisa, mas ela me
disse que estava se refazendo e estava bem. Ela e os filhos haviam se mudado
para um bairro periférico da cidade. Estavam vivendo com pouco, mas ela
parecia feliz e mais saudável longe do Junior. Outro dia, eu vi o filho mais
velho dela em uma motocicleta próximo a minha casa e tive a nítida
impressão de que ele vigiava a minha porta. Espero que não esteja seguindo o
mesmo caminho do Junior. Não me esqueço da ameaça que ele me fez no dia
do julgamento do pai. A Irene fugiu no induto de natal do ano passado.
Certamente, já está longe, aplicando os mesmos golpes.

Minha empresa está de pé novamente e hoje é dia de festa. Dudinha


completa dez anos amanhã e já me comunicou, com todo o seu atrevimento
pré-adolescente, que já basta a sua condição de baixinha e de, agora em
diante, não quer mais ser chamada no diminutivo. Eu acho um desaforo um
pai ter que ouvir isso. Ela sempre será minha pequena e conversadeira
Dudinha. Ela escolheu comemorar o aniversário apenas com um piquenique
no parque. Então, amanhã a festa continua.

Apresso meus passos, subo no palco e recebo o microfone de um dos


promotores contratados para o evento. É a vez de declarar a Moedeiros
reaberta.

— Estamos comemorando a reinauguração da Moedeiros


Engenharia. Foram dias de lutas travadas. Eu agradeço à minha mulher,
Maria Fernanda, pelo total apoio e cumplicidade. Sem ela, eu não conseguiria
reerguer nossa empresa. Maria Fernanda, obrigada por ser uma ótima
profissional, competente e excelente mulher e mãe. Eu te amo, minha vida.
— Ouço as palmas e vejo a minha ferinha secar os olhos, elegantemente, com
os lados dos indicadores. Ela é emotiva. “Darei seu carinho mais tarde.” —
Também agradeço ao meu sócio e amigo, Sergio, por ter segurado os pilares
de sustentação comigo. Obrigado aos amigos por estarem sempre torcendo
por nosso sucesso e aos clientes por confiarem em nosso nome. Pai, mãe e
Luíza, obrigado pelo abraço coletivo. Declaro reaberto os trabalhos na
Moedeiros Engenharia!

Desço do palco, cumprimento alguns clientes no caminho e procuro


por minha rainha. Ela beija meus lábios cuidadosamente para não corromper
a perfeita maquiagem.

— Você foi perfeito. — Ela sela meus lábios outra vez.

— Não seria nada sem você. Onde está a Dudinha?

— Duda. Lembre-se que agora ela quer ser chamada de Duda.

— Duda... Ela vai se a Dudinha até quando estiver gagá. Onde ela
está?

— Passou aqui com a Nicole, não tem trinta segundos. Estão


passeando no salão.

Sergio e Suelen não estão conseguindo segurar uma gravidez, então


há alguns meses eles adotaram a garotinha Nicole. Ela é um ano mais nova
que a Duda. As duas parecem que frequentaram o mesmo berço na infância,
não se desgrudam, mas eu vou ficar de olho nas duas. São mocinhas muito
bonitas, em breve os gaviões pré-adolescentes começarão a rodear.

— Vou procurá-las. Vamos tirar uma foto em família para a revista.


Chame a Suelen.

— Edu! — Sergio se aproxima. Ele parece exaltado. — Acabei de


saber que teve uma rebelião no presídio e o Junior foi assassinado, cara.
Começou no final da tarde, mas só conseguiram conter agora. Um colega de
cela deu cinco facadas dele. O sujeito também morreu. É uma notícia trágica.
Eu só penso nos filhos e na Samanta.
Continua em Herança Familiar...
PRÓXIMO LANÇAMENTO
Herança Familiar

Era uma vez um Bad boy vingativo e uma mocinha de nariz


empinado. Ele a julgou ser uma presa fácil, achando-a mimada e por ela
possuir dismetria em consequência de uma osteomielite na infância. Ele
planejou sua vingança e até tatuou a ordem nas costas, mas não contava que
ela seria tinhosa e estaria obstinada a frustrar seus planos. De repente, o que
seria apenas uma vingança, virou vingança de amor, mas o único problema
era que ele tinha uma tia má, disposta a tudo para levar a vingança até o fim.
O bad boy, então, travou uma luta com seu próprio sangue para reverter os
fatos e proteger a mocinha chamada por ele de seu próprio de “Mar”. O
destino foi cruel, mas talvez ele soubesse o que estava fazendo. Separou-os
por sete anos. Quando se reencontraram, ela não mais existia em sua
memória, embora seu coração fervesse de uma emoção pulsante que ele
desconhecia. Essa é a história de um furacão que se apaixonou por um lugar
seguro.

Se não houver furacão, não há sentido em existir lugar seguro, pois a


sobrevivência de um é a existência do outro.
AGRADECIMENTOS

À Deus, por ser o dono do meu talento, da minha força e das palavras
que vieram ao meu coração para compor o enredo de “Perdão, amor.”

Aos meus pais, por sempre torcerem pelo meu sucesso, mesmo em
projetos impossíveis. — Velhos, vocês são os melhores do mundo.

Aos meus 51 mil seguidores na plataforma Wattpad — melhores


betas reais — onde tudo começou, há três anos. Tenho prazer em dizer que
“Perdão, amor.” esteve por 90 dias consecutivos no top três desta
plataforma. Meu carinho é muito especial por cada um de vocês, seguidores.
Através do Wattpad, pude conhecer leitores do outro lado do mundo.

Às minhas Anjas queridas, meu grupo de leitoras e seguidoras em


todas as redes sociais... Meninas, isso aqui é fruto nosso. Sem o incentivo e
feedback diário, eu teria deixado todos os meus livros na gaveta. Obrigada
meus amores, vocês são verdadeiras anjas, divulgadoras do amor e amigas
para todas as horas. Meu coração é todinho de vocês!

À Lary Lemos e Jessy, por formarem um fã clube lindo no


Instagram. Meninas, todo agradecimento é pouco. Sou feliz por ter vocês.

À Crys Carvalho, por ser minha primeira amiga e conselheira no


mundo literário. — Crys, você foi enviada pelos céus. É tão importante para
este livro e na minha vida, que ganhou um papel (a mocinha paraense da
farmácia, que vendeu a pílula a Eduardo na primeira fase). Sou eternamente
grata a você, minha irmã.

À Christine King, por ser uma parceira, amiga, conselheira e irmã.


— Christine, você foi enviada como anja, tenho certeza. Os seus conselhos e
ensinamentos estão sendo bem guardados, minha irmã. Obrigada por
segurar minha mão em tantos momentos.

Às profissionais que fizeram um excelente trabalho para que meu


filho ficasse pronto: Carol Capia, Vanessa Batista e Mari Sales. —
Obrigada, meninas.

À Mônica Kimi (Mellody Ryu), pelas artes lindas de divulgação e


por ser conselheira e amiga no meu processo de escrita.

Às minhas amigas que foram luz em um momento importante:


Wânia Araújo, Letti Oliver (minha irmã gêmea), TM kechichian, Fabi
Dias, Victoria Gomes, Natalia Dias, Mari Sales e Eveline Knychala.
Sem vocês eu não conseguiria!
SOBRE A AUTORA

Desde criança, Pry Olivier escrevia pequenos textos e sonhava em


vê-los ganharem vida nos cinemas. No ano de 2016, decidiu publicar o
conteúdo de seus caderninhos em uma plataforma digital onde hoje possui 51
mil seguidores e mais de oito milhões de visualizações em seus originais. Seu
principal objetivo é levar mensagens positivas para os corações e mostrar que
o remédio para qualquer ferida é o amor.
REDES SOCIAIS DA AUTORA
Grupo no facebook: Anjas da Pry
Instagram: @pryolivier_
Fã Clube no Instagram: @mar_de_livros

[1]
Pintado por Leonardo Da Vince, entre 1494 e 1498 a pedido de Ludovico il Moro .
[2]
Inflamação do osso causada por infecção, geralmente nas pernas, no braço ou na coluna.
[3]
Minha princesa
[4]
Tia
[5]
Papai
[6]
Eu te amo, papai.
[7]
Com licença
[8]
Querido
[9]
Como vai você, Jorginho?
[10]
senhor
[11]
Oi
[12]
Um cachorro!
[13]
Senhor
[14]
Ele é lindo
[15]
Minha mãe estava preocupada, por algum motivo.
[16]
Ele é bonito
[17]
Amo suas curvas, suas extremidades e todas as suas perfeitas imperfeições.
[18]
All of Me — John Legend — “... Eu vou me entregar a você por inteiro... Você é meu fim e meu
começo... Mesmo quando eu perco, estou vencendo...”
[19]
“ ... Eu ainda estou aprendendo a amar... Apenas começando a engatinhar...”
[20]
Com licença
[21]
Você precisa se tratar!
[22]
Que susto!
[23]
Canalhas como você.
[24]
Desculpe-me, com licença!
[25]
Oi...
[26]
Senhor
[27]
Artigo 121 da Lei 2848/40 do código penal.
[28]
Artigo 288 do Código Penal
[29]
A rtigo 10 da Lei Complementar 105 /2001.
[30]
Também conhecido por: estilingue.
[31]
Papai do céu...

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