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E no mais profindo trabalho da prépria garganta, no lugar onde nasce a rspiragao, onde se encontram os seus primérdios e onde o drama tem origem, que, cincidentemente, emerge todo 0 acto, CHARLES OLSON" Porque 0 grande mestre misterioso que, desconhecido eansnimo, reina sobre todas as coisas, arespiragao comanda silenciosamente as fungies musculares ¢ articulatérias, sabe inflamar a paixiio ¢ orelaxamento, excitar e refrear, trava a estrutura ritmica e dita 0 fraseado dos momentos transcorridos e, cima de tudo, modula a expressiio na sua cor ritmica e melédica, MARY WIGMAN? fada é mais impressionante do que observar na imobilidade absoluta, eio a toda a intervengao voluntaria, o movimento profundo que persiste 10 nosso interior: a subida e a descida do diafragma como uma onda que ata e contrai alternadamente a caixa toracica. Se estivermos mais atentos seguirmos 0 trajecto da respiraciio até ao ponto extremo dessa exalacao, ntimos a irrigacdo de todo o tronco até a zona sacral, e, ao inspirarmos, acabeca é invadida por uma lufada de ar fresco. De facto, todo o corpo & ventilado pela passagem continua da respiracio. A respiragio revela apenas is, uma vez que, ao respirar, tocamos em cavidades interiores e conhe- emo-las por meio dessa experiéncia. O corpo quea respiragao revela é uma bertura, nao um bloco; encontr: zio, niio preenchido. Muito além das SensacSes fisicas, reenvia-nos para a geografia das paisagens do corpo, para e vazio, ni a = ” um espaco que liga o exterior e 0 interior, um espaco -Blobal cujas £4 © _gGes de luzes 0 corpo apenas refracta: 0 corpo como passagem, coma mt g porosa entre dois estados do mundo, e ndo como massa opaca, plenag; Jd netravel. O corpo do bailarino, Bragas & respiracao, torna-se esse como tro por onde as sensacdes se escoam € onde; POUeO & pouts, se dena. fragmentos essenciais de conhecimento.— a ae i /A respiragao é a sensac&o de um mecaniaing, ao yuesmo tempo da Origen, | edo devir, que nos conduz incessantemente da libertagao do peso sua sys. | pensio, do antes ao depois, do vazio 4 plenitude, Este mecanismo visa a any. ! priagio do exterior e a restituigao do ar retirado pelo nosso corpo ao mundo, entrando, a0 mesmo tempo, em ressonancia com as grandes correntes dle. mentares, os ventos e as marés, responsdveis pelo fluxo da vida e que ars. tam todo o universo consigo durante o percurso, Sabe-se que, através dos seus mitos e das suas praticas, as culturas ancestrais atribuiam a respiracio um Papel primordial. A vela que esvoaca ao vento, recorda Michel Serves, exterio- ‘za uma corporalidade pneumética, na qual os cabos do barco representam fibras musculares. Novamente, a danga contempordnea procurou reencontrat © continuum (perdido para a danga pela aridez formalista de uma arte tomada Hou « Fegitaee mento e a sua expresso tomam Partido do fluxo da resplingis M an considera ainda respragéo um tatamento difacuse ae sivo do espaso-tempo: «Quando o bailarinoatravecea espaco si oe uum passo decidido e solene, a sua respiracio calma e profiunds ah ay 7 ° Seu porte e movi- movi 92 i mento uma aparéncia de maior dominio e plenitude. Quando, ao saltar, ele se Janga num estado de agitagio febril que o possui nao apenas corporalmente, sas em todo 0 seu ser, o momento de respiragio tranquila deixa de existir. Respira através da mesma vibragiio que preenche e agita todo o seu ser.»® Na verdade, ¢ no salto que a necessidade de inspirar e de expirar se revela fun- damental, tal como em qualquer movimento cujo investimento fisico implica um alivio de pressio, A forca da respiragio contribui aqui para 0 aspecto aéreo do acto, e 0s movimentos de elevaco conduzem o bailarino & altura correspondente As variagdes pneumiticas orquestradas pelo seu corpo. Do momento da apnéia & nova inalagio de ar que o traz de volta ao submundo, o corpo assemelha-se, desde o interior, a um meteoro. «Quando comega a saltar,o bailarino persegue a corrente da respiragao como um raio que 0 per- corre de alto a baixo, dos pés & cabeca, a fim de reter a respiraco a partir do instante em que abandona o chiio até ao apogeu do salto e do que o trans- cende, Nesses poucos segundos de esforco intenso, por meio da retengao da respiragdo, ele desafia efectivamente a gravidade, torna-se uma criatura do ar e parece voar ou flutuar através do espaco. E somente na curva descendente do salto que a respiragdo reencontra 0 corpo que se descontrai e reenvia 0 bailarino para o solo apés um breve voo.»® Nesta descri¢ao de Mary Wigman, podemos reconhecer o salto de Nijinsky testemunhado por Paul Claudel, aquando do encontro dos dois no Brasil. Do encontro fulgurante entre o bai- latino e 0 poeta das Cing grandes odes nasceu um dos mais belos textos jamais, esctitos sobre a danea, citado varias vezes por Dominique Dupuy: «Dé osalto, ows 10s De facto, a danga contemporanea nunca fixou um «método respira- tério» como tal. No texto (essencial) de Mary Wigman, podemos observar como 0 corpo em movimento vive com a sua respiracao, segundo os termos de um contrato espontineo que nao necesita de regras precisas. Um certo cepticismo sobre o aspecto demasiado sistémico das disciplinas respiraté- tias, que no passariam de uma preocupacio poética de renovagao do sen- tido, influenciou este posicionamento. Jacques Garros, cujas investigagées 93 — eensino sobre o acto respiratorio jeacibem conhecidos no mundo da dan em Franga, também pos em causa ee téenicas eee ou dissociativass Aeste propésito, Hubert Godard cita Matthias F. Alexander que eta eae qualquer trabalho respiratorio directo, mas a favor de uma consciéncia mais aguda da propriocep¢ao», 0 ave nao impede, segundo Godard, que aperfej. goamentos respiratorios notaveis tenham sido identificados apés a utilizacio do seu método Com efeito, a consciéncia da respiragdo e dos seus recursos é mais importante para o bailarino contemporaneo do que um estudo ritua- lizado. A pratica (informada) da respiracio prende-se com as necessidades “eas qualidades do movimento, Por vezes, € 0 movimento que revela a res- piragio interior da qual é a face visivel: o lancamento (de véus, de objectos), vertente funcional do {mpeto, permitiu a Dalcroze, tal como a Humphrey em Soaring (1920), tomar visivel o impulso da inspiragao. Reencontramos tam- bém aqui a célebre preocupagao com 0 «continuum antropolégico» que asso- cia o bailarino contempordineo aos movimentos fundamentais através da meméria do corpo. Todos os movimentos de trabalho assentes neste tipo de acentuacdo, em particular o recurso as «ferramentas de langamento» (para utilizar o jargio etnolégico) - a enxada, a foice, o bumerangue, entre outras -, encontram a sua forca na respiracao. Neste sentido fundamental, as acces de lancamento em Végétal (1995), de Régine Chopinot, retiram a sua poesia tanto da respiracio dos bailarinos como da dispersao e do esvoacar das folhas amontoadas sobre o palco pelo escultor Goldsworthy. : Porém, urge revisitar, pensar e sentir esta consciéncia da respira¢a®- ‘or esse motivo, em todas as etapas da sua histdria, a danga contemporane? fez apelo,a titulo de adjuvante ou de matéria de reflexio, As grandes téca cas ori terri, saa orientais ou mediterranicas, para as quais a respiracao, no plano fisico oe afonte de toda a procura global do ser. As heranvts ig os Rca © a riqueza dos conhecimentos sensoriais € intel" mente perceptionadee cant oe, COP? desenvolver foram muito rapide Peionadas pelas correntes modernas do estudo do movimsen"?” Da «euritmi J rritmia» de Rudolf Steiner, na Alemanha, as técnicas de iog4 impor" 4 bala wt ibis costa californiana pela companhi| Denishawn, o pensamento pneumitico do Oriente exerceu a sua influéncia sobre os corpos, escavou espagos interiores ¢ insuflou pensamentos, mais indiscutivelmente do que asvisiveis formas orientais adoptadas por Ruth St. Denis na sua danga. E foi, muito provavelmente, através desses exercicios de respiragao que o Oriente, jnfitrando-se nos nossos brénquios, nas nossas laringes e mesmo nas nos- sas fossas nasais, mediante a pratica da disciplina de pranayama, mais marcou obailarino ocidental até na arquitectura pneumatica do seu corpo. Podemos acompanhar a histéria destas relagdes: remontam ao inicio do século xx, com as primeiras descobertas das técnicas da India e a chegada dos ilus- | tres asiticos como Miro Ito, e prosseguem com a descoberta mais tardia das artes marciais ¢ a influéncia do aikido nos anos 1960 ou, ainda, com 0 sufismo e 0 pensamento de Mawlana sobre a respiragao rotativa patente em alguns bailarinos americanos, como Laura Dean, ou franceses, como Alain Buffard, intérprete de longa data de Larrieu, cujo pensamento sobre a respi- racio influenciou bastante. A fidelidade dos alunos de Denishawn a respi- racio e, em particular, ao-espirito do ioga é evidente, sobretudo em'Graham) para quem-os movimentos pulmonares determinam as duas fases altemna- das do movimento-e da sua expressiio. A respiragio designa essa alternén- | cia fundadora através das mutagGes reais da matéria corporal. Gertrud Shur, parceira de Graham desde o comeco, descreve a decifragao progressiva desse enigma corporal em termos muitos esclarecedores: «Descobrimos que, 20 ‘expirar, o esqueleto se movia e 0 osso pélvico se inclinava para diante, permi- tindo & coluna vertebral estender-se e curvar-se para tras e aos ombros pro- jectarem-se, mantendo sempre o seu alinhamento sobre as ancas, enquanto sistema nervoso reduzia a tensio da posigao sentada. Quando o ar era ins- irado, o esqueleto retomava a sua posigao inicial, voltando a essa posi¢ao Segundo a mesma ordem de contraccdo da zona pélvica-coluna vertebral- -ombtos. Os muisculos mexiam-se com o esqueleto e regressavam & sua 0sicGo inicial apés o relaxamento.»'° Os fundamentos da técnica Graham Sto, portanto, extraidos de uma «nova abordagem 4 fisicalidade a partir o processo da respiragdo». A respiragio intervém de maneira completa- 95 — ——— “aN aa) a \\ rialismo relativista, trabalho de Doris Humphrey. A sua poética de alternin. cia de estados, em que 0 movimento nasce da pared ren queda ¢ restabelecimento, faz. intervir mais frequentemente as | ami dexpesn, O cardcter profundamente melodioso do seu trabalho, oriundo da modilag G ‘da respiracao e do peso, é descrito carinhosamente pelo seu discipulo José \ Cima numa sucesso de respiracoes que, warn perfazem a linha “seni compo: «Queda erestabelecimento. Respiragio, Suspensio.Tensio Expressao respirat no respiratério. Sempre a respira- ‘Gao. Ela movia-se como wma g ‘Ametafisica da respiragao €amesma Fm Cunningham, para quem o fluxo das coisas, da Agua, do ar e das cintla- ces do ser forma o enredo de uma «passagem na qual a entrada ea saida de ar se tornam palpaveis. Encontramos aqui a dupla influéncia de um mate- cujas raizes podem ser identificadas quer em Demécrito \e Lucrécio, quer na filosofia zen, com a sua abertura a uma possivel multpl- mente diferente no cidade. Para Cunningham, ocorre um intercambio entre as multiplas dimen- sées do tempo durante a respiracio. Por definigao, a respiragao € a propria experiéncia Corporal desse tempo miltiplo e representa por exceléncia o tra- balho incessante do bailarino entre o passado e o futuro, «renovando quoti- dianamente as antigas experiéncias e procurando as novas»™. A abordagem do «corpo diaftagmatico» patente no pensamento € no ensino de Jerome Andrews e prosseguida actualmente por Dominique Dupiy é ainda mais profunda. Os trés diaftagmas horizontais — pélvico, toracico € craniano ~ funcionam simultaneamente, observa Dominique Dupuy, com? inigadores efiltros, como fronteiras e mediadores. A este conjunto de diafrag- mas maiores acrescentam-se outros tecidos de filtragem, a pele ea epiderme he a isons pelos bailarinos como «barriga do pe”. 0 * poral responsdvel por nine ae moult cia aes Pe ac6es funcionais permanentes, uma experien : ugestiva do «corpo sem érgios», imagem que, nao esquecam Gilles Deleuze e Félix Guattari ret ees ira ta - etiraram do corpo «orientado pela 1°SP Ao» de Antonin Artaud. Entre as dife . acd, Dominigu® Dupuy dé uma atencas piled 3 nee fases da respiragao, Y a 1 4 expiragao, nfio s6 porque esta alime?" 96 libertagiio de um movimento, mas porque se associa & sensacdo do ar como purapassagem e, consequentemente, & sua perda: «O arnio éuma aquisicio, é tomado mas nfo conservado, E restituido, devolvido através do processo deeliminago e da intensidade que lhe é conferida.»"s (Fazer intervir a inten- sidade na poética da respiracdo é forcosamente recordar a relacio entre os diafragmas e peso. O levantamento de peso, a pressiio e o aperto na torso, tal como as ac¢des que obrigam o corpo a baixar-se e a dobrar-se, retraem 0s filtros interiores.) Nesta perda de ar existe perda de respiragio, perda de folego, perda de controlo sobre a respiracao. «Porque na falta de ar existe uma paixio interna», escreve Dominique Dupuy, «que seria interessante provocar voluntariamente»*®, tal é o estado de exaustio que impele o corpo em aban- dono aos tremores profundos da embriaguez. O poder da maquina pneu- mitica revela-se sempre pela perda de ar através dos seus espasmos, pelo térax agitado até ao caos, pelo corpo e pela mente totalmente mobilizados | pela onda irreprimivel e pela perturbacio do diafragma. Estas experiéncias | intensas conducentes 4 perda de ar (movimentos acelerados ou violentos, |__emogies, etc.) encontram-se ligadas a pontos altos da vida que recuperam a danca como cena experimental do ser. Mais meditativa é a experiéncia dos intervalos entre a dilatagio e a con- tracgio do diafragma, com as suas apneias mais ou menos prolongadas (de pulmées cheios ou vazios, consoante o tipo do estado desejado). Enestelugar _ intermédio, no cruzamento das correntes opostas, que omd do pensamentozen japonés desperta. A respiragiio é abolida ou libertada, mais do que controlada. Dominique Dupuy afirma ainda: «Por fim, a expirago conduz-nos ao vazio, 10 mé da respiraco. Esse momento de vazio assumido nao tem nada que ver Com a respirac&io interrompida nem com a falta de félego. £ um instante de intensa consciéncia em que o tempo se suspende e se vive na expectativa de “Viver mais um momento”»"” O acto respiratorio é, sem diwvida, uma das raras ituagées em que é possivel abordar experimentalmente a dualidade da pleni- lovazio.e converté-la numa escolha do corpo na danca. No sevensino do d, Hideyuki Yano soube fazer desta aproximagao ao vazio uma poética que, 7 apesar de enraizadana experiéncia corporal, a franscendia, apagando.a no intuito de apenas reter as suas vibracdes impalpaveis, Yano fez um modelo para a elaboracao do imaginario, no qual cada bailarino vidado a encontrar a sua prdpria brecha, 0 seu ponto inatingivel, 0, a partir de textos com uma grande carga mitica, uma Predileccio curar uma «personagem» que iluminasse a consciéncia errante. Também Meredith Monk inventa ou, melhor, descobre através da sua pro- pria respiracao um mundo inteiro de «personagens» desconhecidas partidae que estariam adormecidas ou enterradas nas geografias misteriosas dos esta- dos de corpo. A artista tem como raizes a danga e as experiéncias do Judson Dance Theater. Do interior da presenca do corpo, da voz e do canto, ela inven- tou novos estados de espaco-tempo. Trata-se de umaat totalmente a classificacio (precipitada) que oscila entr » por um lado, as artes nio figurativas oriundas das vanguardas e, Por outro lado, um «regresso» &tea- tralidade. O que Meredith Monk nos revela é um te teatro de composicio esté- ica, sem climax nem momento de «recentragem, a jue prova que o importante na danga se encontra menos na relac&o com a narrativa do que no modo como Se organizam comportamentos de tensio. As suas pecas de grupo, frequen- femente construidas sobre a estética da “personagem», como é 0 caso de Education of a Girl Child ‘Quase 0 vaaio era con. UW, ainda, U2, a Pro. rte narrativa que escapa (2972), so composi nquistam a sua forca artistica, sobre- do espaco, do tempoe eae — ees coat Penas no canto. Ele torna- ise nah a respirago nfo se enc 2 do corpo, Para Monk avoneonne ne eee & PrOptia dramaturgia da prese A C2tP0 de todo 0 ser por nage Se M0 interior e através do cheio-vasiod® Se abandone 20 outy Poe nals simples ou descontraido que seja, sem que " wi, idea ue vo fa puts dg miwh nento © 008 Poral do bailarino: «uma voz da” ~ Essa respiracdo irriga o movimen? quealtemna ov coincide com momentos de canto a capella. Canto e movimento yocam um texto ilegivel, sem referentes, mas, ainda assim, a glossolalia que thes serve de palavra parece muito rapidamente remeter para um sentido, As yocalizagdes € 0 Uso da garganta e do vibrato sao elementos de «linguagem» através dos quais se esbocam accbes, emosées, impresses. Tornam, acima de tudo, a passagem da respiracio no interior do corpo ainda mais manifesta em Monk. Nao se trata de uma encenacio espectacular da voz, mas de um «tea tro» construido a partir dela, que emana as diferentes qualidades de cada voz eo que se encontra no interior da voz de cada intérprete-personagem. O teatro deMeredith Monk, assente no limite entre concerto e acco cénica, entre danga einstalacio, é um teatro diafragmatico através do qual uma estranha mem6- tiados seres e das coisas parece ganhar corpo. E a arqueologia de um estado de corpo, como no seu filme Book of Days (a988) sobre uma comunidade judaica da Occitinia na Idade Média ou em Dolmen Music (1979), pura evocagio sonha- dora de matérias, objectos, corpos sobreviventes que parecem entrar pouco a pouco num tempo para além do tempo. A voz condu-los, como uma memé- tia que antecede a palavra e na qual pouco a pouco 0 movimento encontra 0 seulugar®. Com as novas influéncias orientais, em particular das artes marciais, ouso da respirago assumiu uma influéncia mais ou menos espectacular nos aspectos percussivos de um movimento ou favoreceu a adstringéncia inalte- tivel de um estado de resisténcia. Véem-se exemplos muito claros em cer~ tes manifestagdes de danca provenientes da corrente japonesa butd, nas aus a referéncia oriental se evidencia muito para além do que justifica- Yi a origem geogréfica e cultural dos bailarinos. 0 atletismo, ao qual ape~ lam os bailatinos do grupo Sankai Juku, baseia-se em técnicas respiratérias Complexas. Dominique Dupuy cita a «queda em cena» de Amagatsu um “Meda para trés a todo 0 comprimento», como um momento particular fe inte uma queda em coordenagio com a subida do mmr Ra, abandono a.um movimento interno extremamente PI él inaudita», que Dominique Dupuy qualifica mais tarde de «queda 99 rdadeira», ligada & deslocacao ascendente-descendente da Tespiracig, Po ac rat tae ; 2 vel yecurso 2 energia respiratéria imprimiu nestes movimentos ipa 0 : 3 iain tencional comum as artes de combate Orientais 5 certa qualidade int sivos uma che sp eS ‘ exasperacio, O corpo esvazia-se atraves de uma estética de exasperaco, como se dese. jasse eximir-se a toda e qualquer finalidade ou elaboracao Signifiatn, ‘Trata-se, entre outros aspectos, de uma das raizes profundamente niilistas da danca de Francois Verret, em particular no memoravel dueto Tabula Rasa com Alain de Raucourt, uma danga de homens levados ao extremo do seu Proprio movimento na energia ofegante de um gesto inacabado, um excesso orgi- nico que impede toda e qualquer ressondncia para além da expulsio dos ses proprios espasmos. Toda a obra de Verret - ea de outros que nela se inspira- ram momentaneamente (de Diverrés a Monnier) ~ se originou nesse acto de ruptura. Os instrumentos fornecidos pelas artes marciais e o seu tratamento exacerbado da respiracio direccionada para o impulso do movimento e do conftonto exerceram um papel considerdvel na elaboracao da estética fran- cesa da danga, no inicio dos anos 1980.” Observa-se, uma vez mais, que um recurso pacientemente actuali- zado e aplicado pela modernidade se tornou, durante o final dos anos 1970 e sobretudo durante os anos 1980, um material directamente expressive Dramatizada, : utilizada pelo seu efeito auditivo ou visual, a respiracao fez-se ouvir em bruto. A retencio pudica da respiraco do bailarino académico, ue sempre obscureceu o trabalho do seu corpo, foi recusada. Todavia, também seit uma vontade de explorar a conotacio selvagem ou animal da respi rac&o, como i S#0, como uma analogia sonora com og suspiros ou as vozes interiores das emoces fortes: dor, taiva, medo, Bouvier-Régis Obadia, 00 mo construgao do corpo. De facto, interpretar a respiracio de gst com ci oni sia. for o seu objectivo oua sua utilidade, édeixar-selevar > 27 r ssamesma respiraGao, épermitir-serespirar como que por pulmGesper- lot pss ots 0 compos na mesma dependéncia ouna mesma suspen bala, toes, espe, a sensagio de apnea parthada pelos intérpretes 4 gf, de Daniel Larrieu, especticulo dancado numa piscina, origi- derosa empatia entre a respiraco dos espectadores e os pul- do bailarino, suspenso entre duas superficies como uma bolsa Waterpr™ nou uma Po! smoes vazi0s flutuante desprovida de contetido organico. Nesse momento, a retenco da respragio, de pulmdes cheios ou vazios, cria uma espécie de lastro que se spoasobre a sensagées de peso e que trabalha otecido gravitico do espec- tador, produzindo transformacoes de percepgiio e de estado. O tempo da ngao da respiragao torna-se uma linha de tens&o to fina como continua. thueproof que constituiu uma grande obra dos anos 1980, modificou por esse nneioa experiéncia da duracio: criou uma duracao anfibia, partilhada entre 0 area dgua, entre a frieza cristalina das profundezas e 0 calor himido de uma piscina interior, Desta disjunio profunda entre estados de respiragao, cujas .e tornarem pura sensaciio do irrepresentavel, formas escapam & visdo para s pode nascer uma pottica soberana. NoTAs | | 1 Chatles Olson, Projective Verse, citado por Louise Steinman em The Knowing Body: Elements of Contemporary Peformance and Dance, Boston, Shambala Publications, 1986. 2 Mary Wigman, Le langage dela danse, Munique, Ernst Battenberg Verlag, 1963, tradugao francesa de Jacqueline Robinson, Paris, Papiers, 1986; reedi¢ao Chiron, 1990. i eo Le coat nar ass, Grasset, 1990 [0 Conran Nw t Serafim Ferrei age, Lisboa, 1994]. { sha art, 'élair de 'étre, Paris, Comp'act, 1993, PP- 45 €153- Reamamen es de la dans, primeiro capitulo, ‘Munique, Emst Battenberg Verlag, 1963, Jacqueline Robinson, Paris, Papiers, 1986; reedigaio Chiron, 1990 P- 16. ra, 101 6 Mary Wigman, ibidem. ; Paul Claudel, «Art poétique», in Euvres complétes, Gallimard, «La Pléiade», citado em Dominigue : on «Lalchimie du souffle», Marg, n°32, Dezembro de 1994, p. 31. p-35. 8 Jacques Garros, «Lacte respiratoire est le chemin», Marsyas, n.°32, Dezembro de 1994, pp. 53-56, 9 Hubert Godard, «Le soufflé le lien», idem, pp. 27-31. 10 Shure. G, in Marian Horosko(org.), Matha Graham: The Evolution of her Dance Theory and Training 126-y, Nova Jérsia, A Cappella Books, 1991, pp. 37-38. 11 José Limén, citado em Daniel Lewis, The Illustrated Dance Technique of José Limén, Nova lorque, Harper & Row, 1989, p.18, 12 Merce Cunningham,

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