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Capitulo 9 O TRABALHO DE SEXUALIDADE NA ESCOLA E OS PAIS Carina Alvarez Gambale Francisca Vieitas Vergueiro Maria Cecilia Pereira da Silva LELECUUUUEUUERY 1) b Uma educadora, durante uma atividade sobre 0 corpo humano, explica aos seus alunos os nomes de varias partes do corpo, entre elas, os Orgdos genitais dos homens e das mulheres. No dia seguinte, na hora da entrada, quando todos os pais regavam suas criangas aos ‘professores, uma das mndes fala ~ emvozalta: “Que histéria é essa de ficar falando em pénis e ina para o meu filho?”’. No siléncio tenso que se seguiu, a * p ofessora reuniu suas forgas, & também em voz alta, para que todos ouvissem sua resposta, disse: “Estavamos trabalhando as partes do corpo e estes sdio os nomes das partes do corpo _que todos nds temos”. - I =a a a -@ = a E) = Felizmente, o preparo e a seguranga desta professora, ao justi- frente aos pais, numa situagao imprevista, 0 trabalho na area idade, resultou em avango pata esta escola. No entanto, 0 eos pais, de antemao, estejam informados sobre o fato Digitalizada com CamScanner j f 142 Carina A. Gambale, Francisca V, Vergueiro e Maria Cectia Pereira da Silva de que o projeto pedagdgico da escola inclui a relativos 4 sexualidade. Durante o trabalho de orientagao sexual uma questao recorrente €0 fato de que nao é tarefa facil trabalhar com os pais. Muitas vezes © trabalho com as criangas fica impedido pelo temor a reagaio dos pais. Rapidamente os pais tornam-se depositarios de todos os tabus que acompanham o tema. Esta questao, muitas vezes, é Projetada na tradi¢ao, religifio e no medo de romper as barreiras para discutir este tema. abordagem de temas Sem diivida, este é um temaa ser amplamente discutido, escola é para os pais ou Para as criangas? Como incluir estes muitas vezes nao tém e no tiveram acesso a escola? Os pais, em geral, sao referidos nao pelo nome, mas por “pai” e “mae” e, ao mesmo tempo em que sio chamados A responsabilidade pelas dificuldades apresentadas pelos filhos, delegam a escola todo cuidado e respon- sabilidade pelas criancas. Nas questes da sexualidade, qual o limite entre o que cabe a familia e o que é tarefa da escola? O que esperam 9s pais: que no final do dia suas criangas estejam limpas, penteadas, sem machucados ou que tenham aprendido e experimentado coisas novas? Em qual espaco deixam seus filhos e quais as suas expectati- vas? O que é possivel oferecer as criangas e pais? [Distinguiremos, a seguir, o papel dos pais e da escola na formagao / da sexualidade infantil, enfatizando a importincia da abordagem deste ] tema em ambos 0s espagos. . _ Ta afinal, a pais, que Nogao de orientagao sexual versus educagao sexual: 0 que é tarefa dos pais e o que cabe a escola Sexualidade é um processo que nos acompanha por toda a vida, ) oconjunto de tudo aquilo que recebemos de nossa familia, ouvimos, vemos ¢ sentimos. E este processo de formagiio que deve ser acompa- nhado: sanando diividas, orientando e possibilitando reflexdio. Desde OOPAMMAPA AA AAA A A mr RREAKAKARAARAAGAGIGASS Digitalizada com CamScanner O TRABALHO DE SEXUALIDADE NA ESCOLAE 0S PAIS 3 as primeiras m ‘anifestagdes infantis até o questionamento do jovem, cada resposta, : Tepreensiio ¢ orientagao vai dando forma ao conceito de sexualidade que carregamos. Mitos, medos e falta de informagiio também siio formados neste Processo de encontro de cada um com 0 ambiente que 0 envolve, Sexualidade no é sé algo da natureza, é cultura, requer infor- magao, conversa e vivéncia. Este processo é parte da socializagao do homem, e tarefa da familia e da escola, de modos diferentes. Da forma como concebemos, educagiio sexual é diferente de orientagiio sexual. Na educaciio sexual, os agentes sfio os pais, os amigos, a TV, as revistas, a Teligiao e todos os veiculos da cultura que transmitem valores e informagées. Ela pode ocorrer de modo informal e/ou for- mal, transmite e inculca valores. Ocorre desde o nascimento e perdura por toda a vida. Desse ponto de vista todas as pessoas, sem exceciio, recebem “educaciio sexual”. Ja a orientagio sexual é um processo formal, isto é, sempre plaitejado e sistematizado. Acontece em um ambiente especifico (sala ula, posto de satide etc.) e os agentes (educadores ou profissionais d ‘satide) sao especialmente preparados para desenvolvé-la. Busca debater valores, para que cada um possa hierarquizar e priorizar os seus e esclarecer preconceitos. Nao tem como objetivo discutir questées intimas nem se constituir em uma terapia. Ela acontece em momentos determinados da vida do individuo. Como se trata de um trabalho sistematico e especifico, naio é todo mundo que participa de grupos de orientagdo sexual. ; Diferente do que muitas vezes se pensa, aos pais cabe educar sexualmente, e a escola orientar, respeitando os valores e engas de cada familia. : : Por entender que a abordagem oferecida acontece apartit de uma visdo pluralista de sexualidade e 0 papel da escola é abrir espago sa pluralidade de concepg6es, valores ecrengas possa existir, ola, em nenhuma situagao,, julgar como certa ou errada da familia oferece. Antes, caberd a escola trabalhar para que es: nfio compete a esc a educagiio que ca Digitalizada com CamScanner 144 Carina A. Gambale, Francisca V, Vergueiro e Maria Cecilia Perera da Silva © respeito as diferengas, a partir da sua propria atitude de respeitar as diferengas expressas pelas familias. A tinica excecio refere-se as situagdes em que haja violagiio dos direitos das criangas e dos jovens, Nessa situagio especifica, cabe a escola posicionar-se, a fim de garantir a integridade de seus alunos — por exemplo, as situagdes de violéncia sexual contra criangas por parte de familiares devem ser notificadas ao Conselho Tutelar (que poder manter anonimato do notificante) ou autoridade correspondente (ver capitulo 6). O trabalho de orientagiio sexual na escola Desde 1998, os Parametros Curriculares Nacionais incluem, no espectro da educaciio para a cidadania, a discussio de questées sociais, Estes temas sfio chamados Temas Transversais, e a orientagao sexual €um deles. Isto significa que as diretrizes nacionais da educagao con- sideram a sexualidade um tema contemporaneo relevante que’ deve atravessar e interagir com as outras areas do curriculo. O projeto de orientagao sexual nas escolas infantis visa a formagiio do educador sobre a sexualidade, por meio da discussao dos preconcei- tos, tabus, sentimentos e questdes sociopolitico-culturais que permeiam © tema. Possibilita que o educador oferega a crianga a oportunidade de ter sua curiosidade sexual adequadamente atendida, favorecendo 0 desenvolvimento da aprendizagem e de todas as suas capacidades. Pressupostos e valores da orientagdo sexual Os pressupostos de um trabalho de orientagio sexual sfio a ex- pressao de valores pluralistas relacionados A sexualidade, em conso- 43. GTPOS, ECOS ¢ ABIA (1994). Guia de oriemtacao sexual - Diretrizes e metodologia. Si0 Paulo, Casa do Psicdlogo. 10" ed., 2004, p. 30 Digitalizada com CamScanner PYPPPRRRDAAL Vl 4 Hoos iletieat \ oom 4 ot RARRRRRRRARTA O TRABALHO DE SEXUALIDADE NA ESCOLA EOS PAIS. 145 hancia com os direitos de cidadania de uma sociedade democratica. Os pressupostos se apoiam nos seguintes valores: * Toda pessoa tem dignidade e valor proprio, A sexualidade € parte da vida de todas as pessoas. A sexualidade inclui dimensées bioldgicas, éticas, espirituais, psicoldgicas e culturais, Os individuos expressam sua sexualidade de varias formas. Oecxercicio da sexualidade compreende aprender 0 respeito a0 Corpo, aos proprios sentimentos e aos do outro. Numa sociedade pluralista, as pessoas deveriam respeitar a diversidade de valores e crengas nela existentes sobre a sexualidade. Todas as criangas deveriam ser amadas e cuidadas. Individuos ¢ sociedade se beneficiam quando as criangas s&o capazes de conversar sobre sexualidade com seus pais e/ou outros adultos confiaveis. Todas as decisdes sexuais tém efeitos ou consequéncias. Todas as pessoas deveriam fazer escolhas sexuais responsaveis. Explorar a propria sexualidade faz parte da busca do bem- -estar sexual. Relacionamentos sexuais nunca deveriam ser coercitivos ou exploradores. Todos tém direito ao acesso a informagées e programas de satide de qualidade. Sexualidade dentro do programa pedagdgico da escola — conversa com os pais rtante a participagao de toda a equipe da escola na im- de orientagio sexual, integrando-o a proposta it lidade deve ser tema de reflexio de | * ica geral. Assim, a sexualidad | gogica 8 E impo! plantagao do trabalho peda; Digitalizada com CamScanner 146 Carina A. Gambale, Francisca V, Vergueiro e Maria Cecilia Pereira da Silva todos os educadores, diretores, coordenadores pedagégicos, inspetores ¢ todos os funcionarios, para que sejam removidas as barreiras que possam prejudicar o desenvolvimento de um trabalho em fase inicial, O trabalho de orientagdo sexual compreende a ago da escola como complementar 4 educagiio dada pela familia. Assim, a escola devera informar os familiares dos alunos sobre a inclusto de contetidos de orientago sexual na proposta curricular e explicitar os principios norteadores da proposta. O didlogo entre escola e familia devera se dar de todas as formas pertinentes a essa relagaio. E importante na reuniao de pais ou numa conversa individual: apresentar aos pais a proposta da escola, buscando envolvé- -los no projeto; trabalhar resisténcias, explicitando o que esté subjacente aos obstaculos apresentados. Deixar claro que o trabalho nao pretende estimular a vida sexual precoce; nao pode substituir os pais; nao pressionard ninguém a adotar quais- quer comportamentos; enfatizar que atender adequadamente a curiosidade sexual favorece o desenvolvimento da aprendizagem e de todas as suas capacidades. exemplificar para os pais 0 tipo de dividas que as criangas colocam e os temas que seréio abordados, como conhecer o préprio corpo, de onde viemos, como um bebé se forma etc. SV ERPRTARARRER + Motivos para implantagao do projeto na escola: proteger através da informagio. E totalmente equivocada a ideia de que a “inocéncia” protege a crianga. A igno- 4 rancia é frequentemente geradora de sentimentos como angtistia, culpa, e algumas vezes mais tarde pode resultar em gravidez nao planejada. Além disso, torna criangas e adolescentes presas faceis de violéncia sexual; RERRRERARARAAAATS Digitalizada com CamScanner © estado emocional interfere na capacidade de aprendizado, podendo incentivac lo ou bloqued-lo. Assuntos dificeis de serem abordados pelos pais, na escola podem ser discutidos com mais liberdade; Tesgatar a sexualidade da conotacao de que é algo feio, sujo ou pornografico. No trabalho de orientagao sexual nao se Pretende: impor valores; propor modelos de conduta; substituir os pais; deve-se ter avaliagaio académica dessas aulas; deve-se criar uma situagao de terapia com pais, educadores € criangas; deve-se passar para os pais ou a diretoria informagées veiculadas no trabalho. VORVEEEKDDKEEEEEGBH ‘ofessor deve entrar em contato com quest6es tedricas, e Baciscussdes sobre as ee ey da sexualidade ; rengas e opinides como verdades absolutas. Sabemos que 560 assim como o aluno, possui expressiio propria da sexu- e Digitalizada com CamScanner 148 Carina A. Gambale, Francisca V. Vergueiro e Maria Cecilia Pereira da Silva particulares. Nao se pode exigir do professor uma isengio absoluta no tratamento das questées ligadas a sexualidade, mas sim a cons-_ ciéncia sobre quais sfio os valores, crengas, opiniGes e sentimentos que_ ‘cultivaem_ relagdo a sexualidade, pois é um elemento i importante para que desenvolva uma postura ética na sua atuaciio junto aos alunos. O trabalho coletivo da equipe escolar, definindo principios educativos, ajudara cada professor em particular nessa tarefa. Para um bom trabalho de orientagfo sexual, é necessario que se estabelega uma relag&o de confianga entre alunos e professor. Para isso, o professor deve se mostrar disponivel para conversar a respeito das questdes apresentadas, nao emitir juizo de valor sobre as colocagées feitas pelos alunos e responder as perguntas de forma direta e esclarecedora, Informagées corretas, do ponto de vista cien- tifico, ou esclarecimento sobre as questdes trazidas pelos alunos, sao fundamentais para seu bem-estar e tranquilidade e para uma maior consciéncia de seu proprio corpo. ‘No trabalho com criangas de zero a seis anos, é importante que ‘0 educador esteja aberto 4 perguntas e curiosidades das criancas. Ao Ser perguntado ele deve procurar identificar a amplitude da pergunta e respondé-la adequadamente. Se ele nao souber, ele deve informar isso @ crianga e procurar em outro momento respondé-la. $6 assim se cria uma relacao de confianga, nao sé em relagao ao processo de aprendizagem mas em relago ao professor ou adulto, e a esperanga de sempre poder pedir ajuda e contar com alguém. _ Na conducio desse trabalho, a postura do educador é fundamen- tal para que os valores basicos propostos possam ser conhecidos e legitimados de acordo com os objetivos apontados. Digitalizada com CamScanner Cc e ee ee c= ce ee ee ee e& e we c CARE REREEET4 b

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