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GRANDES CIENTISTAS SOCIAIS Textos basicos de Ciéncias Sociais, selecionados com a superviso geral do Prof. Florestan Fernandes. ‘Nbrangendo seis disciplinas fundamentais da ciéncia social = Sociologia, Historia, Economia, Psicologia, Politica e Antropologia - acolecao apresenta os autores modernos e contemporaneos de major destaque mundial, focaidados através de inlroducao critica e biobbliografica, assinada specialist essa introducao critica ‘ é : segue-se uma coletanea dos i Organizador José Albertino Rodrigues . ahah itt Coordenador Florestan Fernandes DURKHEIM === == | socioLocia socidlogos modernos. Criou a famosa “Escola Sociolégice Francesa” © participou ativamente do deboto intelectual dos grandes problemas de nossa époce. Autor de varios livras clissioos — A Divieso do Trabalho Social, O Suich Gio, As Regrss do Método Soslolégico — fol © pionelro do uso rigoroso de indugio na Seciologla @ 0 verdadelro Cemparada, demonstrando que se tudar as varlaghes contiauas (dentro de um ipo social") © as’ varlagies descontinuas (atra: vée de “tipos socials” diversos) por meio da classificacto. ‘Abra um campo inédito na utlizagio dos dedos sta ticos (a0 estudar 0 sulofdlo) © langou as bases de ume socioldgica da educagso. Além disso, congregou em torno de si uma pléiede de seguidores © e ciscipulas, que deram & Franca uma Importéncla sinat: lar como centro de produce ¢ diseeminapio do pons mento sociolégico. 0 Professor José Albertino Rodrigues fer um balanco’ preciso e modelar de sua contribuigéa B-Sopiglogia.;Logroyconcatener, em poucos textos, a8 S02 obra, abrindo uma via sequra 1do @ 0 seu reaproveitamenta Dulgesy Duntiete ? scolaga J nizador (da coletinea) Jb ed eg ES Sa eet iH (Grandes cientistas sociais ; 1) eet nolo er Ea sen ao er Moin ara a SASS ee oe US BU tatomaglos A"nocgie Ge ceo, ora oe baie Relient, sebr4 2. Slee) 1 Rake, sed BORE a Indices para catslogn ise E Soctlosia 200, Sabo ?Bloprana e ote 201.092 Traducdo: Laura Natal Rodrigues Copidesque: M. Carolina A. Boschi Coordenacio Editorial: Paulo S. M. Machado Consultoria Geral: Prof. Fiorestan Femandes Capa: Plifas Andresto Produedo Gréfiee: Virginia Fujiwara Edicao de Are: Bliazar P. Sales ‘Composto em times roman corpo 8, 9, 10, no més de margo de 1978. Chefe de Oficina: Geraldo Peinado Linotipista: Danilo Zacharias Paginador: José Peres Gongalves Fotalito: Yanguer: Studio. Gritico Impressdo: .W) Roth & Cia, Lida, 97 Todos of direitos reservados pela Editora Atica S.A. R. Bardo de Iguape, 110 — Tel: PBX 278-9322 (50 Ramais) C. Postal 8656 — End. Telegréfico “Bomlivro” — S. Paulo as SUMARIO INTRODUGAO ___A Sociologia de Durkheim, 7 1._OBJETO EMETODO © Cay Bivisies da Sociologia: ae ciésclag-——— ~7_sociais particulares’ (By _O que € fato social, 3. dulgamentos de valor oj de reelidade, “1°F © Julgamentos 41 46 Método pare Geterminar a fingig “7 da divisto do trabalhe 5 63 ll. DIVISAO DO TRABALHO E sutciDIO 5_Solideriedado mecinioa J 73 i, Solidariedede orgénica, 7 Proponderancia 7 _solidariedede organcac'? 80 10. Suicidio egoteta, 102 : 3 12 io andmico, 19. Rolagdes entre 0 suleidio.e canoe a : fendmenos soclais, = 123 I. RELIGIAO E CONHECIMENTO 14, ~Sooiologia da religiao e teoria do ‘conhocimento, 147 15. Sistema cosmoldgico do totemismo, 161 16. Sociedade como fonte do pensamento ldgico, 165 17. Algumas formas primitivas de -classificacao, 183 INDICE ONOMASTICO 205, ‘Textos para esta edisio ‘extraidos de: Dorxnems, E. La science soctale et Yaction. Paris, Presses Universitaires de France, 1970. Dunnam, E. As Regras do Método Sdcioldgico. Sko Paulo, Companhia Edi- tora Nacional, 1972. DUREHERG; E. Sociologia ¢ Filosofia: Rio de Tanciro, Béitora Ferense, 1970. Dorxarin, E: De la division du travail social. Paris, Presses Universitaires de France, 1960. Doncnrim, E. Le suicide. Paris, Presses Usiversitaires de France, 1969, Donnas, E. e Mauss, M. Journal Sociologique. Paris, Presses Universitaires ‘de France, 1969. Dunxwer, E. Lex formes élémentaires de la.vie religicuse. Patis, Presses Uni- INTRODUCAO José Albertino Rodrigues Professor Adjunto de Sociologia da Universidade Federal de So Carlos. 1. DIVISOES DA SOCIOLOGIA: AS CIENCIAS SOCIAIS PARTICULARES * Mas se, num certo sentido, a Sociologia € uma ciéncia una, nfo deixa de abranger uma pluralidade de quest6es e, portanto, de ciéncias particulares. Vejamos, pois, quais sao estas ciéncias de que ela € 0 corpus. ‘Comte j6 havia sentido 9 necessidade de dividi-la: distinguia duas, partes, a Estética e a Dindmica sociaigy A Estética estuda as sociedades consideradas fixas mum momento de sua evolucéo © pesquiia as leis de seu equilibrio. A cada momento, os individuos ¢ os grupos por eles formados unem-se por lagos de um certo tipo, que asseguram a coesao social, e os diversas estados de uma mesma civilizago sustentam entre si conexdes definidas: a um detcrminado estado da ciéncia, por exem- plo, corresponde um certo estado da religiéo, da moral, da arte, da indfistria etc. A Estética tenta assim mostrar_em que consistem esses lagos de solidariedade © essas conexdesCA Dindmics} ao contrério, considera as sociedades na sua evolucéo e se empenha em descobrir 2 Iei de seu desenvolvimento,Mas 0 objeto da Estitica, tal como Comte a entendia, no € muito bem determinado pela maneira como resulta da definic&o quo acaba de ser dada: da mesma forma, ela ocupa apenas algumas péginas do Cou de ‘philosophie. A maior parte ocupada pela Dindmica. Ora, o problema de que trata a Dindmica ¢ um segundo Comte, uma dnica lei domina a seqiéncia da evolucio; é a famosa lei dos trés estados.* Pesquisir esta lei seria o tinico objeto da Dinimica Social. Assim entendida, Sociologia se reduziria pois 8 uma $6 questio, se bem que, no dia em que esta questéo fosse resol- vida — © Comte acreditava ter encontrado a solugdo definitiva — a + Reproduzido de Duarsnine, E. “Sociologie et Sciences Sociales.” In: La sclence sociale et Paction. Paris, PUR, 1970. p_ 137-53. Trad. por Laura Natal Rodrigues. 146 dei em virtnde da qual hamanidade teria pastado sucessivamente e doveria ST TOS ET at feos ine ele, depot a Hele mete {fitica ¢ enfim.sidade da_ci ee az ciéncia estaria realizada. Ore, 6 da propria natureza das ciéncias posi- tivas nfo serem jamais acabadas. As realidades de que tratam sto muito complexas para poderem ser algum dia esgotadas. Se a Sociologia € uma cigncia positiva, pode-se garantir que ela nfo se limita a um s6 problema, mas, 20 contrario, abrange diferentes partes, quais sejam, a5 cigncias distintas que correspondem aos diversos aspectos da vida social. ‘Existem, na realidade, tantos ramos da Sociologia quantas ciéncias. socisis particulares, quantos diferentes tipos de fatos socisis. Uma clas- sificago met6dica dos fatos sociais seria prematura e, de qualquer ma- neira, ela nfo scré tentada aqui. Mas & possivel indicar quais so suas categorias principais. TThicialmente, deve-se estudar a sociedade no stu aspecto exterior. Considerada sob este Angulo, aparece como formada por uma massa de populacéo; com uma certa densidade, distribufda de uma certa maneira sobre 0 terreno, dispersada na zona rural ou concentrada nas cidades vetc.: ocupa um territ6rio mais ou menos extenso, situado de tal ou qual maneira com referéncia aos oceanos aos territérios dos povos vizinhos, cortado mais ou menos intensamente por cursos de égua, por \vias de comunicagio de todos os tipos, que estabslecem uma relacdo ~'mais frouxa ou mais intima entre os habitantes. Este territério, suas dimeasdes, sua configuracio, a composicdo da populacdo que se des- loca sobre sua superficie, so fatores naturalmente importantes da vida “‘S'Social; este € 0 substrato e, tal como no individuo a vida psfquica varia segundo 2 composicao anatémica do cérebro que a sustém, os fend- menos coletivos variam segundo a constituigao do substrato social. Existe Portanto um lugar para uma cifncia social que faca essa anatomias © visto que esta ciéncia tem por objeto a forma exterior e material da sociedade, propomos chamé-la de Morfologia Social. A Moxfologia Social no deve, pois, se limitar a uma andlise descritiva; ela deve tam- ‘bém explicar. Deve procurar de onde resulta o fato de 2 populagio se Byprodusidy de Domne, E. “0 que'6 fato social?” In: As Regrad do Método Socioligio, Trai. por Matia Isaura Pereira do Queiroz, 64 ed. Sio a7 ao mascer, encontra prontas as crencas ¢ as préticas da vida religiosa: existindo antes dele, & porque existem fora dele. O sistema de sinais de que me sirvo para exprimir pensamentos, o sistema de moedas que emprego para pagar as dividas, os instrumentos de crédito que utilizo idas_na_profisséo, etc., etc., ‘ais afirmagbes podem ser estendidas a cada um dos membros de que 6 composta uma Sociedade, tomados uns apés outros. Estamos, pois, diante dk THsses tpos de conduia ou de pensamento no Esta é a qualificaczo que thes convém;(pois € claro que, nfo ‘tendo por stbstrato 0 individvo, nfo podem possuir ‘outro que néo soja a sociedade:(ou a sociedade politica em sua integridade, ou qual- quer um dos giiipos parciais que ela encerra, {ais como confissées reli- siosas, escolas politicas ¢ literérias, corporacées profissionais, ete. Por ontro lado, é apenas a eles que a.apelacio convém; pois @ palavra social nfo tem sentido definido senfo sob a condicéo de designar unicamente fendmenos que néo se englobam em nenhuma das cate- gorias de fatos j& existentes, constituides ¢ nomeadas. Estes fatos so, ois, 0 dominio proprio da Sociologia. E verdade que 0 termo coergio, pot meio do qual os definimos, corre o risco de amedrontar 0s zelosos pattidérios de um individualism absoluto. Como professami que o indi- Viduo é inteiramente avténomo, parece-Ihes que o diminuiimos todas as vezes que fazemos sentir que néo depende apenas de si préprio. Porém, 56 que hoje se considera’ incontestivel que a maioria de nossas idéias @ tendéncias nfo sio elaboradas por nés, mas nos vém de fora, con- lui-se que nfo podem penetrar em nés senio através de uma imposi- “edo; eis todo 0 significado de nossa definigio. Sabe-se, além disso, que toda coergéo social nao € necessariamente exclusiva com relacio & personalidade individual. (...) Esta defini¢éo do fato social pode, além do mais, ser confirmada por meio de uma experiéncia caracteristica: basta, para tal, que se observe a maneira pela qual so educadas as criancas. Toda 2 educago consiste num esforgo continuo para impor as criangas maneiras de ver, de sentir © de agir &s quais elas nfo chegariam espontaneamente, — observagio que salta aos olhos todas as vezes que 0s fatos sfo enca- 49 rados tais quais so ¢ tais quais sempre foram. Desde os primeiros anos de vida, sto as criancas forcadas a comer, beber, dormir ein horas regulares; so constrangidas a terem hébitos higiénicos, a serem calmas ¢ obedientes; mais tarde, obrigamo-las‘a aprender a pensar nos demais,. a respeitar us0s © conveniéncias, forcamo-las ao trabalho, etc., etc. Se, com o tempo, esta coercio deixa de ser sentida, & porque ‘pouco 2 pouco dé Inger a hébitos, a tendéncies intemes que a tomam inGtil, mas que néo 2 substituem seno porque dela derivam. E verdade que, segundo Spencer, uma cducacdo racional deveria reprovar tais proce Gimentos e deixar a crianca agir em plena liberdade; mas como esta teoria pedagégica no foi nunca praticada por nenhum povo conhecido, do constitui sendo um desiderato pessoal, no sendo fato que possa ser oposto Aqueles que expusemos atrés. Ora, estes vitimas se tornam paricularmensisruves quando lenbrencs 3: «ESS (Ge portion oles pode cura perch, cans ve SR eens hoe kn A pressio de todos os instantes que sofre a crianga € a propria pressiio do meio social tendendo a moldé-la & sua imagem, presséo de que tanto os pais quanto os mestres n&o séo senio representantes © interme- Sates Chepemss asin conceber de mans recs gual 0 domfio da soctlop o qual nfo npc sno oa gop Sealant Tenmenan0 feu socal © jean! plo Fore coo ertna tor ones cu muse de eres sre fides preset ess tes a pu nas a defini-lo também pel: que, de acordo com as precedentes observacies, se tenha 0 cuidado de acrescentar como caracteristica segunda ¢ essencial que cle existe inde- pendentemente das formas individuais que toma ao se difundir. Nalguns casos, este titimo critério & até mesmo mais fécil de aplicar do que-o anterior. Com efeito, 4 coergSo € ffeil de constatar quando ela se traduz no exterior por qualquer reago direta da’ sociedade, como € 0 caso em se tratando do dircito, da moral, das crengas, dos usos, ¢ até das modes. Mas, quando nfo 6 senio indireta; como @ que exerce uma organizacio econdmica, ndo se deixa observar com tanta facilidade. Generalidade ¢ objetividade combinadas podem entio ser mais ficeis Ge estabelecer. A segunda definicéo nfo constitui, senéo uma forma 50 diferente que toma a primeira: pois 0 comportamento que existe exte- Fiormente as consciéncias individuais s6 se generalize impondo-se @ estas. * Poder-se-ia, todavia, perguntar se esta definicio € completa. Com feito, 0s fatos que nos forneceram a base para ela sao todos cles modos de agir; sio de ordem fisiolégica. Ora, existem tambéi sto &, ociologia no ‘substrato da vida coletiva, No entanto, o nfmero ¢ a natureza das partes clementares de que € composta a sociedade, a maneira pela qual esto dispostas, 0 grau de coalescéncia a que chegaram, 2 distribuigio da populagéo na superficie do territério, 0 mimero ¢ a hatureza das vias de comicacdo, a formaa das habitacoes, etc., nfo parecem, a um pri- ‘meiro exame, passiveis de se reduzirem a modos de agit, de sentir € de pensar. Contudo, em primeiro lugar, apresentam estes diversos fendmenos ‘0 mesmo trago que nos serviu para definir 0s outros. Do mesmo modo que 0s maneiras de agir de que j4 falamos, também as manciras de ser se impSei aos individuos. De fato, quando queremos conhecer como esté uma sociedade dividida politicameate, como se compoem estas divisdes, a fusdo mais ou menos completa que cxiste entre elas, nao & com o auxilio de uma investigagao material ¢ por meio de obser- vvagiies geograficas que poderemos alcancé-lo; pois estas divisoes sio 1 Vemos © quanto esta definigio do fato social se afasia daquela que serve de base a0 engenhoso sistema de Tarde. Primeiramente, devemos declarar que ss pesquises no nos fizeram de modo algum coostatar a influéncia preponderante (que Tarde atribui 2 imitagio na ginese dos fatos coletivos. Além do mais, da Aefinigda) precedente (que nfo é una teoria, mas um simples resumo dos dados Siediatos da observacio) parece resultar que, imitagio no exprime sempre, & em mesma exprime sores, 0 que bi de esvencil © caracteristico no fato social. Nao ba dGvida de que todo fato social 6 imitado; apresenta, como aca~ amos de mostrar, tendéncia para se generalizar, mas jsto porque € social € obrigatério. Seu poder de expansio nfo é a causa c sim a conseqtifncia de sen carfter sociol6gico. A imitacio poderia servir, se nfo para explicas, pelo ‘menos para definir os fatos socials, se ainda cstes fossem os nicos = produzir feta conseqiigncia. Mas um estado individual qne ricochetela nfo deixa por isso de ser individual. E, mais ainda, podemos indagar se 0 termo imitapio € real ‘mento aquele que convém pare designar uma propagasio devida a uma infinéncia “coercive. ‘Sob esta expressio tnica —- imitaro — confundemse fendmenos smulio diferentes que seria necessério distingwir, st ‘morais, ainda quando epresentam algum ponto de apoio na natureza fisica. B somente através do direito puiblico que se torna possivel estudar tal organizagdo, pois € cle que a determina, assim como determina nossas relagSes domésticas e clvicas. Tal organizacéo nfo &, pois, menos obrigatéria do que outros fatos sociais. Se a populagdo se comprime nas cidades em lugar de se dispersar nos campos, 6 porque existe uma corrente de opinido, uma pressio coleiiva que impée aos individuos esta concentragao. Nao podemos escolher a forma de nossas casas, nem a de nossas roupas; pois uma € tio obrigatéria quanto a outra. AS vias de comunicagéo determinam de maneira imperiosa o sentido em que se fazem as migragSes interiores e as trocas, e mesmo até a intensidade de tais trocas e tais migragées, etc., etc. Por conseguinte, haveria, no méximo, possibilidade de acrescentar a lista de fenémenos que ename- ramos como apresentando o sinal distintivo do fato social uma categorie a mais, a das maneiras de ser; e como aquela enumeragéo nada tinha de rigorosamente exaustiva, a adi¢o nfo era indispensavel. Mas no seria nem mesmo itil; pois tais maneiras de ser no passam de maneiras de agir consolidadas. A estrutura politica de uma sociedade no € mais do que o modo pelo qual os diferentes segmentos que a compdem tomaram o hébito de viver uns com os outros. Se suas relagdes so tradicionalmente estreitas, os segmeiitos tendem a se con- fundir; no caso contririo, tendem a se cistinguir. O tipo de habitagdo a nés imposto nao é senéo a maneira pela qual todo o mundo, em nosso redor — ¢ em parte as geragées anteriores —, se acostumaram @ construir as casas. As vias de comunicagdo nfo passam de Ieitos que a corrente regular das trocas ¢ das migragdes, caminhando sempre no mesmo sentido, cavou para si prépria, etc. Sem dtivida, se 08 fen6~ ‘menos de ordem morfol6gica fossem os Gnicos @ apresentar esta fixidez, poder-se-ia acreditar que constituem uma espécie & parte. Mai as regras, jurfdicas constituem arranjos nfo menos permanentes do ‘que os' tipos de arquitetura ¢, no entanto, so fatos fisiolégicos. A simples méxima moral é seguramente mais maledvel; porém, apreseuta formas muito mais rigidas do que os meros costumes profissionais ou do que a moda. Existe toda uma gama de nuancas que, sem solucio de continuidade, liga’ 0s fatos de estrutura mais caractetisicos a estas livres correntes a vida social que no estio ainda presas a nenhum molde definido. © que quer dizer que nao existem entre eles sendo difereneas no grau de consolidacdo' que apresentam. Uns e outros nfo passam de vida mais ‘ou menos cristalizada. Pode, sem duivida, ser mais interessante reservar 52 9 nome de morfol6gicos para os fatos sociais concernentes ao substrato social, mas sob a condicéo de ndo perder de vista que so da mesma natureza que 0S oul definido, se dissermo: Ted ee foe coe a ella tt He i Cs ste 2 kste parentesco estreito entre 9 vida ea estratura, entre 0 Grae ¢ 2 funglo, pode ser facilmente extabelecido cm Sociologia porque, entre os dois termos ex: tremos, existe toda uma série, de intermedifrios imedintamente observévels, mos- trando’o lago que hé entre cles. A Biologia nfo tem o mesmo recurso. Mag é permitido crer que -as induces da. prinieira desias cléncias, a tal respeito, sfo aplicéveis 4 outra’e que, ‘os organismes" como nas. sociedades, mio existem entre as duas ordens de fstos sento diferengar de grat 3. JULGAMENTOS DE VALOR E JULGAMENTOS DE REALIDADE* (6...) Quando dizemos que os corpos s#0 pesados, que 0 volume dos gases varia na razio inversa da presséo que sofrem, nés formu- amos julgamentos que se limitam a exprimir determinados fatos. Eles enunciam aquilo que existe €, por essa razo, n6s os‘chamamos julga- mentos de existéncia ou de realidede. Outros julgamentos tém por objeto dizer nfo aquilo que as: coisas so, mas aquilo que elas valem em relago a um sujeito consciente, 0 valor que este tiltimo a elas atribui; a esses dé-se 0 nome de julgamento de valor. Estende-se mesmo, as vezes, essa denominago a todo julga- ‘mento que enuncia uma avaliagdo, qualquer que ela possa ser. Mas essa extensio pode dar lugar a confusdes que & preciso evit Quando digo: gosto da caca, prefiro a cerveia ao vinko, a vida ativa @ sedentaria, etc, emito julgamentos que podem parecer: avalis- sBes, mas que S46, no fundo, simples julgamentos de realidade. Fles dizem unicamente de que mancira nos comportamos em face de certs objetos; que gostamos destes, que preferimos aquelcs. Essas_preferén- clas sio fatos, tamto quanto 0 peso dos corpos ou a elasticidade dos gases. Julgamentos semelhantes no tém, portanto, por fungio atribuir as coisas um valor que lhes pertcnca, mas somente afirmar os estados determinados do sujeito. Dessa forma, as prodilegées que assim se ex- pressam so incomunicéveis. Aqueles que as experimentam podem dizer que as experimentam ou, pelo menos, que acteditam experimenté-las, mas néo podem transmiti-las @ outrem. Fezem parte dé suas pessoas ¢ no podem ser separedas. * Reproduzido de Dunn, E. “Julgamentos de valor ¢ Julgamentos de reali dade.” In; Sociologia e Filosofia. Trad. por J. M. de ‘Toledo Camargo. Rio e Janeiro, Ed. Forense, 1970. cap. IV, p. 84-85, $7.50, 93.96, 97-99. 54 completamente diferente quando digo: esse homem tem um grande valor moral, esse quadro tem muito valor estético, esta jéia Yale tanto, Fm todos esses casos, atribuo 208 seres ou as coisas 208 ‘quais me refiro um caréter objetivo, totalmente independente da maneira pela qual eu 0 sinto no momento ém que me pronuncio. Pessoalmente, posto néo dar grande importincia as jéias; nem por isto seu valor se toma menor do que aquele que é considerado no momento. Posso, ‘como homem, ter uma moralidade mediocre; isto nfo me impede de reconhecer o valor moral onde ele exista. Posso ser, por temperamento, pouco sensivel aos encantos da arte; isto nio é razio para que negue que haja valores estéticos. Todos esses valores cxistem, pois, num sen- tido, independentes de mim. Assim quando estamos ein desacordo com alguém sobre a mancira de concebé-lo ¢ de estimé-lo, tentamos coma- nicar-the nossas convicgées. N4o nos contentamos-em afirmé-las; pro- curamos demonstré-las dando, em apoio de nossas afirmagies, razies de ordem impessoal. Admitimos, pois, implicitamente, que esses julga- mentos-correspondam a alguma realidade objetiva, sobre a qual 0 acor do pode e deve ser feito. Sio essas realidades sui generis que constituem 0s valores, ¢ os julgamentos de valor so aqueles que se relacionam com essas realidades. (...) Acreditou-se poder escapar a essa dificuldade substituindo 0 indi- viduo pela sociedade. Como na tese precedente, afirma-se que o valor prende-se essencialmente a algum elemento integrante da coisa. Mas é a maneira pela qual a ‘coisa afetaria o sujeito coletivo ¢, néio mais o sojeit individual, que daria o seu valor. A avaliagio seria objetiva pela simples razo. de. ser coletiva. Esta explicagio tem incontestiveis’ vamtagens sobre a precedente. Com efeito, 0 julgamento social é objetivo em relacdo aos julgamentos individuais; a escala do valores encontra-se, assim, livre das aprociagécs subjetivas e varidveis dos individuos: estes-encontram fora deles uma classificacéo estabelecida previamente, que néo ¢ obra sua, que nfo exprime seus sentimentos pessoais © com a qual sio forgados a se conterinar.' Isto porque a opinizo péblica traz de suas origens uma autoridade moral pela qual, se impde aos particulares. Ela resiste aos ‘eforgos que 686 feltos para violenté-ta; reage contra os dissidentes, tal qual o mundo extetior reage dolorosamente contra aqueles que ten- tam se rebelar contra ele, Ela censura aqueles, que julgam as coisas tnbrais por principios diferentes daqueles que ela prescreve; ridiculatiza ‘08-que se inspiram .auma estética diferente da sua. ‘Quem quer que ‘este adguirir uma coisa por-um prego inferior 'a seu valor choca-se 55 com sesisténcias comparéveis com as que nos opéem os corpos quan- do menosprezamos sua natureza. Assim se pode explicar a espécie de pressio que sofremos ¢ da qual temos consciéncia quando emitimos julgamentos de valores... Sentimos bem que nfo somos os senhores de nossas apreciagdes: que estamos amarrados ¢ contrafeitos. £ a cons- ciéacia pibliea que nos prende. B verdade que esse aspecio dos julga- mentos de valor no 0 Ginico; existe outro que € quase 0 oposto do Primeiro. Esses_mesmos valores que, por certos aspectos, nos_fazem © efeito de realidades que se nos impdem, aparecem-nos ao mésmo ‘tempo como coisas agradéveis de que gostamos e que desejsmos espon- tincamente. Isto porque a sociedade, 20 mesmo tempo em que é a Tegisladora a qual devemos 0 respeito, € a eriadora e a depositéria de todos esses bens da civilizagdo 20s quais estamos ligados com todas as forgas de nossa alma. Ela é boa protetora 20 mesmo tempo em que € imperiosa. Tudo que aumenta sua vitalidade eleva 2 nossa. Nao é pois, surpreendente que apreciamos tudo aquilo que ela preza, Mas, assim compreendida, uma teoria sociolégica de valores levan- ta, por sua vez, graves diffcnldades que, alfés, nfo Ihe so exclusives, porque podem ser igualmente apresentadas a teoria psicoldgica de que anteriormente tratamos. Esistem diferentes tipos de valor. Uma_coisa é 0 valor econémico, qutra os valores morals, religiosos, estéticos, especulativas. As tentativas seguidamente feilas no sentido de reduzir umas is outras as idéias do ‘bem, do belo, do verdadeiro ¢ do Gtil foram sempre vas. Ora, se 0 que dé 0 valor fosse unicamente a maneira pela qual s coisas afetam 0 funcionamento da vida social, a diversidade dos valores tornar-se-ia ificilmente explicivel. Se, por toda parte, existe a mesma causa atuan- te, como se explica que os efeitos sejam especificamente diferentes? Por outro lado, se o valor das coisas fosse verdadeiramente medido pelo grau de sua utilidade social (ou individual), o sistema de valores hhumanos deveria ser revisto ¢ transformado profunda.e completamente, porgue o Ingar ocupado pelos. valores. de luxo seria, por esse posto de vista, incompreensivel ¢ injustificdvel. Por definicdo, o supérfluo é inGtil ou menos dtil que o necessério. Aquilo que é superior a0 essen- ‘ial pode faltar sem prejidicar gravemente o. jogo das fungies vitais. ‘Numa palavra, os valores de hixo sfio dispendiosos por natureza, custam mais do que poderiam dar em troca. So também olhados com descon- fianga por alguns doutrinadores que se esforcam para reduzi-tos & pro- poredo adequada. Mas, na realidade, nao existe nada que tena maior valor aos olhos dos homens. Toda a arte € uma coisa de Tuxo; 4 -ativi- 56 dade estética nfo se subordina a nenbum fim stil; ela se desenvolve pelo simples prazer de se desenvolver. Do mesmo modo, a especulacéo pura € 0 pensamento liberto de qualquer fim utiitério © exercido com © Ginico fim de exercitar-se. Quem poderia contestar, entretanto, que-a humanidade sempre colocou os valores artistioos e especulativos bem ‘cima dos valores econdmicos? Como a vida intelectual, a vida moral tem uma estética que the é peculiar. As mais altas virtudes no con- sistem na pritica regular e estrita dos atos mais imediatamente neces- sérios 8 boa ordem social; mas séo feitas de movimentos livres e espon- tiineos, de sactificios desnecessérios ¢ que mesmo, por vezes, so con- trérios aos preceitos de uma economia prudente. Existem virtudes que sio‘verdadeiras loucuras, ¢ € nesta Joucura que reside sua grandeza. Spencer péde demonsirar que a filantropia & muites vezes contréria: a9 perfeito interesse da sociedade; sua demonstragao no impediré os ho- mens de colocar bem alto nir sua estima a virtude que ele condena. A rOptia vida econdmica nao se submete estritamente a regra da econo- mia. Se os objetos de Iuxo sdo aqueles que custam mais caro, no é vwiicamente porque em geral sefam os mais raros; 6 também porque sio os mais. apreciados. & que 2 vida, tal qual foi concebida pelos ‘homens-de-todos os tempos, no consiste simplesmeate em estabelecer exatamente'o orgamento do organismo individual ou social, a respon= der, com a menor despesa possivel, as excitagées vindas de fora, a ‘bem equilibrar’ as despesas € a receita. Viver é, antes de mais nada, agit, agir sem cdlculo, pelo prazer de agir. E sc, evidentemente, mio se pode prescindir da economia, se € preciso reunit para poder gastar, 6 entretanto 0 gasto que é a meta, eo gasto é a aie. ‘Mas vamos “mais Ionge ¢ remontemos ao principio fundamental sobreo qual sesbasciam todas essas teorias. Todas supdem igualmente que % valor exista nas coisas e exprima sua natureza, Ora, esse postu- Jado €"contrétio -aos fatos. H4 numefosos casos em que no existe, Por assim dizer, ‘nenhuma relagio entre as propriedades do objeio © o valor que The 6 ‘atribufdo. Um idgfo ¢ uma coisa muito santa ¢ a santidade 6 © valor mais elevado. que 0 homem reconhece. Ora, um idolo é, na maioria das ‘vezes, um monte de pedras ou um pedaco de madeira que, por si sé, & despido de qualquer espétie de valor. N&o existe ser, por humilde ue seja, ou objeto vulgar que, num determinado momento da histéria, nag tenha inspirado sentiments de respeito religioso. Adoraram-se 0$ animais, mais indteis ou.o& mais inofensivos, os mais pobres cm qual- quer espécié de virtude. A histéria contradiz © conceito corrente de que 87 as coisas, as quais 0 culto é dirigido, foram sempre as que m: pressionavam a imaginacSo. Q valor incompardvel que lhes era atri- bbufdo nfo decorria de suas caracteristicas intrinsecas. Nao existe £6 que seja um pouco viva, ainda que nada tenha de religioss, que nfo possua seus fetiches, onde 2 mesma desproporsio se manifesta, Uma bandeira no € mais do que um pedago de pano; o soldado, entretanto, morre para salvi-Ja, A vida moral nfo 6 menos rice em contrastes desse género, Entre 0 homem.e 0 animal hé, do ponto’de vista anatémico, fisioldgico e psicol6gico, apenas diferengas de gradagio; e, entretanto, © homem tem uma emincatc dignidade moral, o animal nfo tem ne- numa. No que se refere a valores, existe, portanto, um abismo entre eles. Os homens sio desiguais tanto em farca fisica’ como em talento; apesar disso, tendemos a seconhecer em todos um idéntico valor moral, Sem divide, © igualitarismo moral tem um limite ideal que no ser4 jamais atingido, mas do qual nos aproximamos sempre mais. Um selo € um simples quadrado de papel, desprovido, o mais das vezes, de qual- quer caracteristica artistica; ele pode, ago obstante, valer uma fortuna, ‘Nao 6, evidentemente, a natureza interna da pérola ou do diamante, das peles ou das rendas, que faz com que o valor desses diferentes artigos varie com 05 caprichos da moda. (...) Em resumo, se 0 valor das coisas no pode ser e nem nunca foi avaliado senio em relago com certas nogbes ideais, impSe-se que estas sejam explicadas. Para compreender de que forma os julgamentos de valor so possiveis, no bastaria estabelecer como postulado um certo riimero de ideais; seria preciso eprecié-los, mostrar de oade se originam, como se ligam com a experiéncia embora a ultrapassem, ¢ em que con- siste sua objetividade. J4 que variam com os grupos humanos, assim como os sistemas de valores correspondentes, néo se pode concluir que ainbos devam ter origem coletiva? E verdade que anteriormente expusemos uma teoria sociolégica de valores da qual mostramos a insuficiéncia; mhas acontece que ela se bascava numa concepcio da vida social que menosprezava a sna verdadeira natureza. A sociedade foi apresentada como um sistema de Srgios e funcdes que tendia se conservar a despeito das causas de destruigo que 0 atacavam. de fora, assim como um corpo vivo, no qual toda a vida consiste em responder de maneira apropriada as’ exci- tagics vindas do meio exterior. Ora, realmente, a sociedade £, além isso, a morada de uma vida morai interior, da-qual nem sempre s¢ reconheceram a pujanca e a. originalidade. 58 Quando es consciéncias individuais, em vez de ficarem separadas, entram em relagéo fntima, agindo ativamente umas sobre as outras, + origina-se de sua sintese uma vida psiquica de um novo género. Primei- Tamente cla se distingue daquela que leva o individuo solitirio, pela Sua intensidade especial. Os sentimentos que nascem e se desenvolvem no seio dos grupos tém uma energia que os sentimentos puramente individusis nfo atingem. O homem que 0s experimenta tem a impresséo de que & dominado por forgas que no reconhece como suas, das quais, no é mais 0 dono, que o conduzem, © todo o meio no qual ele esta mergulhado The parece sulcado por forcas do mesmo género. Ele sen- e-ee como-que transportado para um mondo diferente daquele onde flui sua existéncia privada. A vida nao Ihe € apenas intensa; ela & qualitativamente diferente. Arrastado pela coletividade, 0 individuo desinteressa-se de si mesmo, esquece-se de si, da-se por intciro aos obje- tivos comuns. O pélo' de sua conduta é deslocado e levado para fora de si. Ao mesmo tempo, as forgas que séo assim provocadas, precisa- mente porque so tedricas, nao se deixam facilmente canalizar, discipli- nar, ajustar a fins estritamente determinados; elas experimentam a necessidade de expandir-se simplesmente por expandir-se, por nada, sem finalidade, sob forma, as vezes, de violéncias estupidamente destruido- ras, outras pot loucuras herdicas. Em certo sentido, é uma atividade de luxo porque é uma atividade muito rica. Por todas essas razées, ela ‘opée-se & vida que levamos cotidianamente, assim como 0 superior se opde ao inferior, 0 ideal a realidade. E, com efeito, nos momentos de efervescéncia desse tipo que sem- pre foram estabelecidos. os grandes ideais sobre os quais se basciam as civilizagdes. Gs periodos crisdores ou inovadores sfo precisamente aqueles em que, sob a influéncia de circunstincias diversas, 0s homens $20 levados a aproximar-se mais intimamente, onde as reunides, as assem- Digias S40 mais freqiientes, as relagdes mais seguidas, as trocas de idGiag’ mais ativas: € a grande crise cristé, é 0 movimento: de entu- sigsmd"soletivo que, nos séculos XTI e XTMT, arrastou para Paris a yulggfio estudiosa da Europa ¢ dev nascimento a escolistica, & a ‘Reforma @ a Renascenca, € a época tevolticionéria, so as grandes’ agitagées ‘sécialistas do século XIX. Nesses momentos, é bem: verdade, essa vida mais elevada € vivida com tal intensidade ¢ de uma mancira ‘Ho exclusiva que ela ocupa quase todo 0 lugar nas consciéncias ¢ delas ‘expulsa quase completamente as preocupagOes egofstas e vulgares. O. ideal ‘tende, ento, a formar com 0 teal- uma s6 coisa; eis’ porque os ‘homens téat a impressio de que 6 chegado.o momento em que 0 ideal 99 se transformard na propria realidade ¢ que 0 reino de Deus se realizaré sobre esta terra, Mas a ilusio no & jamais durdvel, porque a propria exaltacéo ndo pode durar: ela é por demais extenuante, Uma vez pas sado 0 momento critico, a trama social abranda-se, 0 comércio intelec- tual ¢ scafimental torna-se mais lento, os individuos retomam ao seu nivel habitual. Entio, tudo aguilo que foi feito, pensado, sentido du- ante o perfodo da tormenta fecunda sobrevive apenas sob a forma de Jembranca, de lembranca prestigiosa, sem divida, tal qual a realidade que ela evoca, mas com a qual eessou de se confundir. Nao € mais do que uma simples idéia ou um conjunto de idéias. Dessa vez, a ‘oposigdo € nitida, Existe, de um lado, aquilo que € dado pelas sensagies © percepeies e, de outro,’ aquilo que € imaginado sob forma de ideais. Naturalmente que esses ideais se estiolariam, se no fossem periodica- mente revivificados. Fis para que servem as festas, as ceriménias pabli- cas, religiosas, ou leigas, as pregagtes de toda espécie, as da Igreja ou as. da Escola, as representagbes draméticas, as manifestagbes artisticas, ‘em ume palavra, tudo aquilo que pode reaproximar os homens © fazé- -los comungar de ume mesma: vida intelectual e moral. Sio como que renascimentos parciais © enfraquecidos da efervescéncia das épocas cria- doras. Mas todos esses meios tém apenas uma aco temporéria. Durante ‘um momento, o ideal retoma a exuberancia © a vida da atuatidade, aproxima-se novamente do real, mas no tarda a diferenciarse dele de novo. . Se, portanto, 0 homem concebe ideais, se nfo pode mesmo pres indir de concebé-los ¢ a eles se ligar, € porque ele € um ser social. E a sociedade que o impulsiona ou o obriga a erguer-se acima de si mesmo, ¢ é ela também que para tanto Ihe fornece os meios. Ao mesmo tempo em que toma consciéncia de si, ela arrebata o individuo de si mesmo ¢ arrasta-o a um cfrculo de vida superior. Fla néo pode se ‘constituir sem criar um ideal. Esses ideais so simplesmente as idéias com as quais se pinta © se resume a vida social, tal como ela existe nos pontos culminantes de seu desenvolvimento. Diminui-se a socie- dade quando nela se vé apenas um corpo organizado a fim de cumprir ccertas fungGes vitais. Nesse corpo vive uma alma: é 0 conjunto dos ideais coletivos. Mas. esses ideais ndo si abstragées, friss represen- tages intelectnais, despidas de qualquer eficécia. Si0 essencialmente motores; porque, atrés deles, existem forcas reais e ativas: so as forgas coletivas ¢, por conseguinte, forcas naturais, ainda que sejam todas forcas morais, ¢ compardveis aquelas que agem no resto do universo. © proprio ideal’ € uma. forca désse genero; a ciéncia pode, portanto, 60 estudé-lo. O.ideal provém do real, ainda que o ultrapasse: eis por que © ideal pode se incorporar ao real. Os elementos que compéem o ideal sfo tomacios 2 realidade, mas se combinam de uma mancira nova. E a novidade da combinacio que fax 2 novidade do resultado. Abandonado a si mesmo, jamais poderé o individuo tirar de si o material necessério para uma tal construcao. Entregue as suas préprias forgas, como poderia cle ter tanto a idéia como o poder de se ultrapassar? Sua experiéncia pessoal pode bem permitirthe distinguir objetivos futuros e desejéveis de outros que jé foram realizados. Mas 0 ideal no & somente algo que falte e que se deseje. Nao € um simples. futuro em cuja direcdo se deseja ir. Ele tech sua maneira de ser; tem sua realidade. Concebe-se © ideal pairando, impessoal, acima das vontades particulares que ele movimenta. Se ele fosse 0 produto da sazéo individual, de onde The proviria essa impersonalidade? Invocar-se-ia a impersonalidade da razio humana? Mas isto éadiar o problema © néo resolvé-lo. Pois essa ‘impersonalidade nao é ela propria sendo um fato, ligeiramente diferente do primeiro, o que € preciso que se considere. Se as razSes se comu- nicam a esse ponto, ao seré porque elas vém de uma mesma fonte, porque participam de ima razio comum? (.:.) De que maneira, pois, deve-se conceber a relagde dos julgamentos de valor com-os julgamentos de réalidade? Resulta do.que apresentamos até agora que no existe entre eles diferencas de natureza. Um julgamento de valor exprime a relegio de ‘uma coisa com um ideal. Ora, 0 ideal é dado como a coisa, ainda que de outra maneira; é, pois, uma réalidade a seu modo. A relagio ex- pressa une, pois, dois termos dados, tsl como num julgamento de exis- téncia’ Dir-se-d que os julgamentos de valor poem em jogo os ideais? ‘Mas nio 6 diferente 6 que ocorre com os julgamentos de realidade. Pois, os conccitos so igualmente construges de espitito ¢, portanto, Sao ideais; ndo seria dificil demonstrar que eles séo, na realidade, ideais coletivos, ‘uma vez que nfo se podem constituir senéo na linguagem ¢ por meio da linguagem que 6, no mais alto grau, uma coisa coletiva: Os clementos do julgamento sio, portanto, os mesmos de parte a parte. Isto nao quer dizer, todavia, que 0 primeiro desses julgamentos ‘conduza 20 segundo ow reciprocamente. Se eles se assemelham’ por- ‘que so obra de uma-tinica ¢ idéntica faculdade. Nao hé uma mancira de pensar ¢ de julgar para. estabelécer existéncias © uma outra para avallar valores. Todo julgamento tem necessariamente uma base no dado: ‘mesmo aqueles que se: referem ao futuro, retiram seus elementos seja 64 do presente, seja do pasado. Por outro lado, todo julgamento poe em agio os ideais. Nao existe, portanto, ¢ nom deve exisir mais do que uma Gnice faculdade de julgar. Apesar disso, as diferengas que assinalamos ao longo do caminho no deixam de subsistir. Se todo julgamento ativa ideais, estes sto de cespécies diferentes. Existem alguns cujo papel unicamente exprimir as realidades a quais se aplicam, de exprimi-las como sio. Sfo 0s con- ceitos propriamente ditos. Existem outros, a0 contrério, cuje funcao consiste em transfigurar as realidades com que se relacionam. Séo 0s ideais de valor. No primeiro caso, € 0 ideal que serve de simbolo a coisa, de mancira a tornéla assimilavel pelo pensamento. No segundo, € a coisa que serve de simbolo ao ideal e que o toma representavel 40s diversos espfritos. Naturalmente 05 julgamentos diferem segundo os ideais que empregam. Os primeiros se limitam a analisar a realidade © a traduzila o mais fielmente possivel. Os iiltimos, a0 contrério, mos- tram 0 aspecto novo da realidade, com 0 qual ela se enriquece sob a ago’ do ideal. Sem diivida, esse’ aspecto novo também é real, mas sob um outro prisma, de mencira diferente daquela que decorre das ropriedades inerentes a0 objeto. A prova é que uma mesma coisa pode perder 0 valor que tem, ou adguirir valor diferente sem mudar de natureza: basta que mude o ideal. O julgamento de valor actescenta, portanto, alguma coisa ao dado, ainda que o acréscimo seja tomado de um dado de outra espécie. Dessa forma, a faculdade de julgar funciona diferentemente conforme as circunstincias, mas-sem que essas diferen- as alterem.a unidade fundamental da funcao. ‘Tem sido censurada algumas vezes a Sociologia positiva por uma espécie de fetichismo empirista com relagio 20 fato e uma indiferenga sistemdtica para‘com o ideal. Observa-se como essa censura é injusti- ficada. Os principais fenémenos sociais, religiao, moral, diteito, econo- mia, estética, sio apenas sistemas de valores ¢, portanto, ideais. A socio~ Togia colocs-se, pois, inteira no ideal; ela no chega a ele lentamente, ao fim de suas pesquisas; ela parte dele. O ideal ¢ seu dominio. Entre tanto (¢ 6 por isso que so poderia qualificé-la de positiva se unir a um nome de ciéncia esse adjetivo nfo criasse um pleonasmo) ela 86 trata do ideal para dele estabelecer a ciéncia. Bla nfo cogita de construflo: a0 contrério, cla o toma como um dado, como um objéto de cstudo, ¢_tenta analisé-lo e explicé-lo. Vé a faculdade do ideal como uma faculdade natural, da qual procura as causas e as condigées, com a finalidade, se possivel, de ajudar os homens a disciplinar o seu e funcionamento. Em suma, a tarefa do sociélogo deve ser a de restituir © ideal, sob todas as formas, 2 matureza, mas conservando-the todos 0 atributos distintives. Ese a empresa no the parece impossfvel ¢ porque a sociedade preenche todas as condigées necessérias para expli- car essas caracteristicas opostas. Ela também decorre da natureza, emi- bora a domine. Isto porque nfo somente para ela convergem todas as forgas do universo, mas além disso elas so af sintetizadas de mi neira a dar origem a um produto que ultrapassa em riqueza, em com- plexidade e em capacidade de ago tudo aquilo que serviu’ para for- mé-la. Numa ‘polavre, ela é a natureza, elevada 20 mais alto ponto de sou desenvolvimento e concentrando todas suas energias para, de qualquer maneira, ultrapassar a si mesma. 4. METODO PARA DETERMINAR A FUNCAO DA DIVISAO DQ. TRABALHO * yor" isto do. trabalaa?sob um Cr, Somos assim levados a considerar(a_di novo aspecto. Neste caso, com efeito, of servigos econémicos que ela proporciona so de menor monta ao lado do efeito maral que produz, ¢ sua verdadeira fungée €criar entre duas ou mais pessoas um senti- , De qualquer maneira que esse resultado seja Obiido, & cla que suscita essas sociedades de amigos e acentua sua marca caracterfstica. A histéria da sociedade conjugal oferece um exemplo ainda mais impressionante desse fenémeno. ioe A atrago sexual, sem chivida alguma, s6 se faz sentir entre indi- “8! viduos da mesma espécie © o amor supée geralmente uma certa har- ‘monia de pensamentos e de sentimentos. Nio € menos certo que o que dé a esta tendéncia sou cardter cientiico © © que produr sua eficécia particular no é a semelhanca, masa dissemethanca das naturezas que as unem. B porque o homem e a mulher diferem um do outro que se buscam com paixéo. Todavia, nio é um contraste puro e simples que faz eclodir tais sentimentos reciprocps: s6_as_ diferencas_que. se supdem ¢ se completam pod: tude. Com efeito, 0 homem a mulher isolados um do outro nao passam de partes diferentes de um mesmo todo concreto, que cles reformulam pela unio. Em outros termos, @ divisao sexual do trabalho é a fonte de solidariedade conju- gale € por esse motivo que os psicélogos ressaltam, com muita juiteza, ‘que a separacéo dos sexos foi um acontecimento capital na evolugso dos sentimentos: ela possibilitou talvez a mais forte das inclinagdes desinteressadas. ** Reprodurido de Durxuens, E. “Méthode pour déierminer cette fonction.” Inz De ta division du travail soclal. 7 ed. Pari, PUF, 1960. Liv. 19, cap. 1°, P. 19-34. Trad. por Laura Natal Rodrigues. 64 E tem mais. A divisto sexual do trabalho é suscetivel do mais ¢ do menos: pode ou nio se assentar sobre os érgios sexuais e em alguns caracteres secundérios deles decorrentes; ou, a0 contrério, se estender 4 todas .as fungSes orginicas © sociais. Ora, 2 histéria demonstra que ela se desenvolveu exatamente no mesmo sentido ¢ da mesma maneira ‘que a solidariedade conjugal. (...) Dentre todos esses exemplog, 0 efcito mais notével da di trabalhio ndo € que cla aumente o rendimento das. funcdes, dividida mas as fora solidérias, Seu papel, em todos esses casos, nila € dine “plesmente omamentar ou melhorar a sociedades existentes, mas tomar Possivel as soviedadss que, scm ela, néo existiriam. Fazci retroceder 8 diviso sexual do trabalho at6 umn certo ponto ¢ a Sociedade conjugal tende a desaparecer, para stibsistirem apenas as relagdes sefuais .emi- nentemente efémeras; s¢ 0s préprios sexos mio tivessem se separado infeiramente, toda uma forma de vida social deixaria de nascer. possfvel que a utiidade econdmica da divisio do trabatho seja resul- tado disso, mas, em todo caso, ela ultrapassa de muito 0 ambito dos interesses puramente econdmicos; porque ela consiste no estabeleci- mento de uma ordem social © moral sui generis, Os individuos so ligados uns aos outros, de tal forma que! sem isso, seriam independen- tes; em vez de se desenvolverem separadamente, eles ajustam seus esforgos; eles so solidérios, por meio de uma solidariedade que néo age somente. nos euros periodos em que se trocam servigos, mas que se estende muito além. A solidariedade ‘conjugal, por exemplo, tal como existe hoje nos povos mais civilizados, mio faz sentir sua acto a cada momento € em. todos os instantes da vide Por outro lado, essas sociedades que-criam a divisio do trabalho nfo podem deixar de man. ter. essa caracteristica. Visto que elas tim essa origem especial, no podem se aproximar daquelas que determinam a atragao do semelhante pelo sémelhante; elas devem ser constitufdss de uma outra maneira, apoiar-se em outras bases e apelar para outros sentimentos. ‘Se se tem considerado muitas vezes qué si 0 estabelecimento de -telagbes sociais. 44 lugar 4 trabalho, isto se deve. a, desco- nhecimenie—da_que impli “relagiies, beri como dos seus ‘tados. O relacionamento reseupée que dois scres dependem ‘Mutuamente um do. outro porque .ambes-s0"incompletos © cle nada ‘mais faz que extcrioiizar essa dependéncia mitua. Ele é pois a express4o superficial de um estado interior ‘e mais profundo, Exatamente porque esse estado 6 constants, suscita todo: um mecenismo de imagens que funciona como uma continuidade imiutivel. A imagem daguilo que nos 65 completa torna-se, em nds mesmos, insepardvel da nossa, no somente porque ela esté fregiientemente associads, mas sobretudo porque é 0 seu complemento natural: ela se toma pois uma parte imegrante & Permanente da nossa consciéncia, a tal ponto que ndo podemos passar sem ela © procuramos tudo que possa aumentar sta eficécia. E por i880 que nos agrada a sociedade que essa imagem representa, pois a pre- senca do objeto que ela exprime, elevando-2 ao estado de percepgio atual, Ihe dé mais relevo. Em contraste, sofremos com todas as cir- cunstancias, tais como o distanciamento e a morte, que podem redundar num impedimento de sua volta ou na diminuigdo de sua vivacidade. Por reduzida que seja esta anilise, ela basta para mostrar que esse mecanismo nifio é 0 mesmo que sustenta os sentimentos de sim: patis, cuja fonte é a semelhanca. Sem diivida, a solidariedade nio pode jamais existir entre outrem © nés a nfo ser que a imagem desse ‘outrem se una & nossa. Mas quando a unigo resulta da semelbanga de duas imagens, ela consiste Ruma Bglitinago. “AT aaa’ vepreséntagoes se toimam sofidétias, no’ todo ou em pate, porque se confundem & formam uma coisa s6, ¢ elas sao solidfrias na medida em que se confundem. No. caso, da divisie do, trabalho, 20 contrério, elas si0 estranhas uma da outra e $5 se uunem porque sho distintas. Os senti- mentos nfo poderiam ser portanto os mesmo nos dois casos, nem as relagdes sociais que deles derivam. Somos assim Tevados a indagar se a divisto do trabalho nfo teria © mesmo papel nos grupos mais extensos, se, nas sociedades contem- porineas onde teve o desenvolvimento que sabemos, ela no teria como funcio i vial, de garantir sua snidade. E legitimo mas com maior amplitude; que estas grandes sociedades.politicas $6 ossam, também, se manter em equilibrio gragas A especializagio de tarefas; que a_divisio. do-t é.a fonte, seniio.sinica pela menos ‘a principal, da_solidariededs Comte j& havia adotado este posto de vista. De todos os socilogos que conhecemos ele foi o primeiro a ‘yer na diviséo do trabalho algo mais que um fenémeno purameate econémico, Ele vin nela “a condi¢io essencial da vida social”, posto que nés a coneebemos “em toda # sua extensio racional, isto é que se aplica 20 conjunto de todas as operagSes as mais diversas, quaisquer que sejam, em voz ide Timité-ta, como € muito comum, a simples usos materials”. 66 Considerada sob esse aspecto, afirma, ‘ela nos leva imediatamente a ver aio somente os individuos © as classes, mas também, sob muitos aspectos, os diferentes povos, como ‘gue participando 2 ua maacira, segundo um modo peculiar © mum _Wrau especial exatamente determinado, de ume obra imensa e comum, sje inevitavel deseavolvimento gradual liga alfm disso também os awais cooperadores 4 série de seus predecessores alaisquer, da mesma Imaneira que seus diversas sucessores. pois a continua distribuiglo dos diferentes trabatbos humanos que consi, de mancira principal, 4 solidariedade social e que se tora 2 causa clemeniar da extensio € da complexidade crescente do organisino social"? Se essa hipétese fosse demonstrada, # divisto dq trabalho desem- penharia um papel muito mais importante do que se Ihe atribui comu- mente. Ela ndo serviria spenes para dotar nowas sociedades de um Tuxo, invejével talvez, mas supérfluo; ela seria’ uma condiggo de exis téacia da sociedade. Gragas & divisio do trabalho, ou pelo menos por seu infermédio, se garantiria a cossio.social;,ela determinaria os tragos essenciais da constitui¢do da sociedade. Por isso mesmo, ¢ ainda que ‘Bo possamos por enquanto resolver rigorosemente a questi, pode-se no entanto’ entrever desde jé que, caso seja essa realmente @ fangio da divisio do trabalho, ela deve ter um cariter moral, porque as necessidades de orden, de harmonia e de solidariedade social s4o geral- mente consideradas morais. Mas antes de examinar se € correta essa opinido comum, 6 preciso verificar a hipétese que levantamos sobre 0 papel da diviséo do trabalho. ‘Vejamos, com efeito, se, nas sociedades em que vivemos, 2 solidariedade social deriva essencialmente dela. [its como se pode fazer essa verificagio? Nio temos apenas que Yerificar se, em certes tipos de sociedades, existe uma solidariedade social que decorra da divisio do_ trabalho. Esta €-uma verdade evidente, visto que, se a divisio do trabalho é ‘unuito deseavolvida, ela produz a solidariedade. Mas é preciso sobretudo Geterminar em que medida a solidariedade por ela produzida. contribuiu [para a integracdo goral da sociedade: somente entéo saberemos até onto ela € necessiris, ce € um fator essencial da coeséo social } Cows de philosophic postive. IV, p. 425. Bncontramse idéias andlogas em Scungrrie. Baw und Leben’ des sozialen Koerpers. UL, pa. ¢ CLEMENT. Science sociale, I, p. 235 et segs. 67 ou, ao contrério, se nio passa de uma condicéo acesséria ¢ sccundéria Para responder a essa questo & preciso pois{comparar) essa relago social com outras, a fim de medir a part: que Ihe cabe no cémputo total —e para isto & indispensdvel comesar por[elassificar bs diferentes tipos de solidariedade social Mas a solidariedade socisl é um _fendeno sobsetudo_mozal.qué; / por si mesmo, no se presta observacdo exala e principalmente a} uma medigo. Para proceder tanto a essa classificagio como a essa comparacé0, € preciso substituir, ao fato intemo que nos escapa, of fato exterior sque_o simboliza, e estudar o primeiso através do segundo. Esse simbolo visivel ¢ q{direito,\Com eftito, onde existe solidaric-) dade social, apesar do seu cardter imaterial, ela ndo permanece no seu estado puro, mas manifesta sua presenga pelos seus efeitos. sensi- veis. Quando ela & forte, aproxima os homens uns dos Outros, coloca-os freqdentemente em contato, multiplica as oportunidades de seu rela- Gionamento. Para ser mais exato, no ponto a que chegamos, & erréneo dizer que ela & produto desses fendmenos, ot, 20 contrério, que ela € 0 resultado; se os homens se aproximam uns dos outros porque ela € forte, ou antes se ela € forte porque eles esto proximos uns dos outros. Mas no € necessério no momento elucidar a questo. Basta constatar que essas duas ordens de fatos estio ligadas e variam 20 mesmo tempo eno mesmo sentido. Quanto mais solidérios sejam os membros de uma sociedade, mais cles mantém relagdes diversas, seja uns com os outros, seja com o grupo tomado coletivamente, Porque se 05 seus contatos fossem raros, eles néo dependeriam uns dos outros senio de mancira frégil © intermitente. Por outro lado, o. ntimesd\, dessas_relacSes ¢ ‘necessariamente proporcioaal Aquelé. das Tesras fur. i ~o.determinaa Com efeito, a vida social, sempre que exista de maneita durivel, tende inevitavelmente a assumir uma forma defi- nida ¢ a se organizar. E 0 dircito néo é outra coisa sendo essa propria { organizaca0, naquilo que ela tem de mais estivel e mais preciso. A | vila gral da_soviedade nfo_pode se desenvalvet uum. cefto-ponio-sem- | ‘que a vida juridica se desenv« ts ido.) Poderios portanto esar seguros de ver refit i digeto todas a6, variedades essenciais da solidariedade social. Poder-se-ia, € certo, objetar que as relagSes sociais podem se ~ estabelecer sem assumir por isso uma forma juridice. F que a regula- ‘mentaglo no atinge esse grau de consolidagto e'de precisto: elas nao Permanccem indeterminadas por esse motivo, mas, ao invés de serem Teguladas pelo direito, © sio pelos costumes. 0 dixcito s6 reflete ume parte da vida social e, consegiientemente, no nos fornece senfio dados incompletos para resolver o problema. F tem mais: acontece freqiiente- mente que 05 costumes nfo esto de acordo com o diseito; diz-se repe- tidamenté que eles temperam os rigorismos, que corrigem os excessos formalistas e, mesmo, por vezes, que esto animados por um outro espfrito. [Nao poderis portanto ocorrer que manifestassem outros tipos de solidariedade social, além daqueles expressos_pelo_diseito. positive? | Mas cssa oposicdo 36 se produz em circunstincias inteiramente excepcionais. £ preciso para isso que 0 direito néo corresponda’ mais, a0 estado presente da sociedade e se mantenha, portanto, sem razio e ser, pela forea do hibito. Nesse caso, com efsito, as novas relagies que se estabelecem apesar dele, no deixam de se orjanizar; pois clas no podem perdurar sem tentar consolidar-se. Sé que, como clas estio em contflito com o antigo direito que persiste, no ultrapassam 0 estado de costumes ¢ nfo chegam 2 intograr a vida juridica_propriamente dita. assim que surge o anlagonismo. Mas este s6 se produz naguelas raras © patol6gicas ocasides em que nfo pode perdurar sem constituir uma ameaca. E verdade que sobre essa base nada se constcbi. Pode hhaver relagdes sociais que x6 comportam aquela regulamentagio difusa que vem dos costumes; mas elas no tém importincia nem continuidade, salvo, bem entendido, os casos anormais a serem considerados. Se por: tanto podem ocorrer tipos de solidaricdade social de que 0s costumes sejam as tinicas manifestacbes, eles so certamente secundrios; 0 direito, 9 contrério, reproduz todos ‘os que sejam essenciais, e so 0s inicos que temos necessidade de conhecer. Seri que poderfamos ir mais longe ¢ sustentar que a solidariedade social néo se encontra inteiramente nas suas manifestagSes sensiveis; ‘que estas nfo @ exprimem que parcial e imperfeitemente; que, por trés do direito e dos costumes existe um estado interno de onde ela se deriva © que, ‘para, conhect-la verdadeiramente € preciso penetré-la diretamente © sem intermedisrios? — Mas nfo podemos conhecer cien- tificamente as causas senio pelos efeitos que produzem e, para melhor determinar-the a natureza, a cigcia nada mais faz que escolher entre esses resultados © aqueles que sejam os mais objetivas e que se prestam melhor para medi-la. Fla estuda o calor através das alteragSes de volume que as variagdes de temperatura produzem not compos, a cletricidade _através dos seus efeitos fisico-guimicos, a forga através do movimento. (Bor que motive a-solidariedade social “séfia a © que subsistiria, alids, desde que se a despojasse de suas formas sociais? © que Ihe dé suas caracteristicas especificas é a natureza do 6 grupo cuja unidade é asségurada por ela, © por esse motivo cla varia conforme os tipos sociais. Ela néo € a mesma no seio da familia e nas sociedades politicas; nfo somos ligados A nossa pitria da mesma ma- neira que 0 romano o era A cidade e o germano A sua tribo. Mas posto que essas diferencas tm causes sociais, s6 podemos aprendé-las por intermédio das diferencas que apresentam os efeitos sociais da solida- riedade, Se negligenciarmos estes ‘iltimos, todas as suas variedades tomnam-se imperceptiveis e nio se pode perceber senio aquilo que comum a todas, ou seja, 4 tendéncia geral da sociabilidade, tendéncia que € sempre © em todo luger a mesma e nfo se liga a qualquer tipo social em particular. Mas este residuo nio passa de uma abstragio: pois « sociabilidade em si rido se encontra cm parte alguma. O que existe © tem vida real séo as formas particulares da solidariedade, a solidatiedede doméstica, 2 solidariedade profissional, a solidariedade nacional, a de ontem, de hoje etc. Cada uma tem sua natureza propria; conseqlientemente, essas generalidades no poderiam dar em todo caso sendo uma explicacdo muito incompleta, porque deixariam necessari mente escapar aquilo que é concreto € vivo. estudo da solidariniade perience paisa Sociologia. um fato. social gue s6 se pode conhecer por meio de seus_eteitos.sociaisy Se tantos moralistas ¢ psicdlogos puderam tratar a questéo sem seguir esse método & porque, cles contornaram a difictiléade. Eles eliminaram do fendmeno tudo que ele tem de mais especificamente social, para reter apenas 0 germe psicoligico de que ele ¢ 0 desenvolvimnto. E certo, com efeito, que @ solidatiedade, sendo um fato social de primeira cate- goria, depende do nosso organismo individual. Para que ela possa exist, € preciso que 2 nossa constituicao fisice e psiquica a comporte. Pode-se, pois, a rigor, contentarse em estudéla apenas sob esse as- ecto, Mas, nesse caso, 86 se vé a parte mais incisticta ¢ menos especial; néo € dela que se deve tratar, mas antes do que a torna possivel Esse estudo, embora abstrato, ndo seria muito fecundo pelos seus resultados. Porque, na medida em que constitua simples predisposigéo da nossa natureza psiquice, a solideriedade € qualquer coisa de muito indefinido para que se possa atingi-la facilmente. Trata-se de uma virtuelidade intangivel, que nfo se presta & observagiéo. Para que ela ascuma uma forma perceptivel, 6 indispeassvel que algumas conseqUén- las sociais traduzam-na extcriormente. Além do mais, mesmo nesse estado de indeterminacdo, ela depende das condigées’ sociais que a expliquem ¢ que, conseqientemente, dela nao se podem destacar. B por esse motive que s6 muito raramente as anélises puramente psico- 70 Iégicas deixam de se misturar com alguns pontos de vista sociol6gicos. Assim, por exemplo, quando se diz algume coisa acerca. da influéncia 0 estado gregdrio sobre a formasao do sentimento social em geral;* ‘ou quando se indica rapidamente a5 priacipais relacdes sociais de que depende a solidariedade de maneira aparente.* Essas consideragies sem AGvida complementares, introduzidas sem método © a titulo de exem- plos € ao acaso das sugest6es, nfo seriam suficientes para elucidar ‘muita coisa da natureza social da solidariedade. Elas demonstram pelo menos que 0 ponto de vista sociolégico se impSe mesmo aos psico- 6gicos. (...) Para proceder metodicamente, precisamos encontrar algums carac- terfstica que, sendo essencial aos. fendmenos juridicos) seja susceptivel de variar quando_eles variam. to juridico pode ser. detinido assim: cima regra de Conduta sancionada.)Por outro lado, € ‘evidente que as sangées madam s Ffavidade atribuida 20s preceitos, o lugar que eles ocupam na consciéacia piblica, o papel que desempenham na sociedade. Convém pois classificar as regras. juridicas segundo as diferentes sangdes:a que esto ligadas. — ipod Umas consistem essencialmente num castigo, ‘ou pelo menos numa reducio infligida ao agenfe; outras tém por objeto atingilo na sua fortuna, na sua honra, na sua vida ou.na.sua.Mberdade_ privélo de alguma colia de..que, cle wsufrate, Dizsc que clas sto essivady 6-0 caso do @ireito penal) # certo que as que se ligam Stes" furamente moras tem 0 mesmo caydter: entictanto, ess SHO distribuidas de maneira difusa entre todos indistintamente, enquanto aquelas <6 se aplicam por intermédio de um 6rgio definido; elas so ‘rganizadas. Quanto 20 outro tipo, nfo implica necessariamente um Sofrimento do agente, mas consiste apenas uo resigbelecimento la eslado de coisas anterior, ta_senovacio das selagdes afetadas. na sux_forma normal, tanto que’o aio incriminado seja recambiado a forga 2 norma ide gue se desviou, quanio seja anillado, isto é, privado de todo ¥: odal. Devese pois repartir em dues grandes espécies_as Tegras just iets: fogando cas team sangdesreptesas oranizadedyor sees °F meraniente restitutivas, A primeira compreendé todo direito penal: a-segunda o dizgito civil, eo: L..provessual, administrative ¢ cons- 2Bam. Emotions et volonté. Pacis, F. Alcan. p. 117 et segs: 2 ESteNCH Principes de psychologle. Paris, F. Alcan. Parte VII, cap. V. DIVISAO DO TRABALHO E SUICIDIO PARIE Il

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