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_— CIMA DO OMBRO * Um dia, eu falava sobre algum texto e dizia que ele era belo. Clamaram: como se pode ser moderno e falar de beleza? Nosso vocabulario é tao limitado (precisamente onde as novidades sao su- perabundantes) que é preciso aceitar que as pa- Jayras viram e voltam. Eu parto das coisas e dou nomes, ainda que gastos. Eu me obstino, pois, e digo do livro de Sollers 1 que ele é belo, Eu designo * Publicado na revista Critique, n.° 318, 11/1973. 1. 4, Seuil, 1973. 53 assim néo uma conformidade a um mas uma plenitude material de Pp tudo o que é eroticamente Sobredetermin: livro de Sollers néo abandona nada, nem a nee: 2 nem a critica, nem a lingua, e 6 esta sy sis que eu chamo de “‘beleza”’. Focaeao ideal Candnieg Tazeres, k belg lo ; Como funciona isso? Como “am turbilhao d lingua”. Olhem as folhas na terra, tomadas ad tempestade que chega: sao pequenas vertigens AY trando elas préprias numa grande espiral, e an €spiral se desloca, vai embora, nao se Sabe para onde. Em H, tudo é regulado conforme um dis. Parate generoso; tomado num simulacro de frase o tema (topic) se libera, evita o periodo oratério, que sempre ameaca. A vertigem vem da distancia dos temas telescopicamente vistos, da velocidade prodigiosa com que desfilam, da estreiteza do seu lugar de troca. & uma espécie de movimento brow- niano, e, mantidas as devidas proporcées, é a tela tele-visual, antes que a representacao se fixe nela: quando a imagem, a sacrossanta imagem, é in- terrompida (por alguma tempestade) e que a su- perficie nao polida, carregada de eletricidade, vibra, ofusca, crepita, faz uma barragem para a metali- sica que yoltara apés a tempestade (a metafisica, quer dizer o sketch de publicidade, o “dramatico”, a “grande reportagem”, etc.). No livro de Sollers, chove isto, 4 maneira dessas longas linhas de ideo- gramas (comprimidas, cerradas, finas, elegantes 54 7 repatadas © dominadas) que vém estriar sem soa (€ nO entanto como é arejado!) o papel do do manuscrito Ise-shQ (Japao, século XII) : colori ¥ aaa «Chuva, semente, Disseminagao, Trama, Tecido exto, Escritura”. #H oxida mais ou menos todas as linguagens 2; s6 pode fazer isso porque nao é ele proprio uma linguagem, mas uma lingua na lingua: seu plural 6 sem recto (no sentido tacito, militar e topografico da palavra). A aporia de que ele escapa 6 que, para oxidar, é preciso ordinariamente uma linguagem oxidante, que por sua vez se torna uma nova pintura. Donde uma soluc&o plural: pelos escolhos da linguagem, produzir sobre 0 muro (a tela, a pagina) da, representagaéo, manchas miulti- plas, desenhos estranhos, escamas, polhas (nao se diz que escrita chinesa nasceu das polhag surgi- das no casco das tartarugas aquecidas ao extremo?). Diferentes maneiras de tomar 0 “emaranha- do”; seja como uma desordem, seja como uma disposic&o aleatéria, seja como uma, figura global, seja como um infinito celeste, etc. Mas 0 emara- nhado, 6 também este espaco de prazer onde é possivel emaranhar. H é, deste ponto de vista, uma 2. Jacques Henric fala, a propdsito de Lois, de uma “reescritura oxidante de diversos grandes mitos que fun- dam nossa cultura ocidental”. 55 —— interior da qual eu pro_ De innit: a erianga, nés preci: os ovos de Pascoa que tinham yamos no a um outro suspense diverso qo sido escond Pat do jogo de enigmas; eu espero 4 da narracéo ou me concerneré e fundara o sen. fim da ae é um teatro, andlogo ao Livro eee baiaiaemé? da cena do texto partem utépico de i em (pode-se dizer, para simp}i. tragos de aces. o verso que se destaca e vem a Bos: quais nenhum se dirige a nés, mas a tea interpelar alguém (0 coletivo dos Jeitores de um livro nao & esse ancnima e igual; quanto mais o aliyro é “moderno”, mais ele requer uma diferenciagao aguda de seus lei- tores — de seus fruidores; a vacilagao do assunto, procurada por H, passa por um individualismo des- bragado: o dos corpos, que escarnece das leis da universalizacao, do alinhamento, da massificacdo, ditados pela sociedade estatal e centralizada). Meio-fala, meio-escritura (visando a uma es- critura falada, que sera o contrario mesmo da es- critura escrita), H transporta de uma para outra uma qualidade estranha: a eloqiiéncia. A elogiién- cia de H deve-se ao fato de que o discurso (sera ainda discurso?) avanea, corre, rola, se embola, novamente relancado por “incitacdes” diferentes: as idéias crepitam sem cessar (eu chamo de “‘idéias” 56 -ase de uma yulgaridade), as palavras, os jetras, tudo aquilo com que se pode encher manter a voz, nao seu engodo 9, mas seu timbre, seu grao, 0 que, na ~ | chama-se o mordente, isto € a marca ‘vel, implacavel, inalienavel, do corpo. An- te, a eloqiiéncia era associada ao “cora- yr que nao? Nao teria sido possivel escrever tao cheio de presencas (no mundo) sem ade (valor nietzscheano) . comegar? Pois bem, pelo instrumen- a maquina de escrever. Ha muito antes de recitar, tentava lancar-se rrativa: era o proémio. Mais tarde, innesinger, antes de cantar, deixava sobre o instrumento: era o pre- ue entrar no infinito da linguagem, que vai materialmente produzi-la: nao pelo tema, mas pelo instrumento “‘sollers” nao quer dizer apenas “o “o produtivo” (ver Henri Goelzer, dentemente, nao transporta para Significacdes do Nome (como fa- icando-se com a etimologia como propde hoje os almana- 57 me € aqui um ponto ques de ET Sa els de uma ae partida digres: 3 historicamente) sobre seu proprio é delirando Sa nome proprio), que 0 sujeito se nome ae aie pessoa: 0 nome parte sozinho, desgruda Baie sem fio; destacando meu nome, a) Kgsesh tiniio: (eu me dessacralizo). Se cada eu i nés explorasse assim seu nome, nds dej- Bettie: de lado nossa enfatuacao, e tudo talvez caminhasse melhor, na famosa “‘comunicacao”. Toda a musica tonal esta ligada 4 idéia de construgéo (de “composigao”). Ora, a legibilidade da obra pode ser assimilada de uma certa maneira & tonalidade: mesmo reino e mesmo esplendor 3: uma nova audigao, uma nova leitura se procuram, comecgam, todas as duas atonais. E o que é pertur- bado nesses dois casos, é o desenvolvimento (do tema, da idéia, da anedota, etc.), isto 6, a mem(ria: o texto 6 sem memoria, e a figura sensual desta amnésia soberana, 6 o timbre. H (como a peca de Webern a qual Sollers se refere explicitamente) é uma gama de timbres (nem um instante a voz af € destimbrada); isto se espalha, estilhaca, pul- veriza, como os Jogos de Debussy; desde esse De- bussy, desde Webern e os musicos posteriores, nao ha ais “tema-e-desenvolvimento”: também em H nao ha jails um atomo de gordura retorica, Esta ime de jnanidade a “composi¢gao” o livro é secretamente agenciado, a um jogo): © comprimento (quantos , literarios ou musicais, se defi- i ao das obras) nao é mais perti- dimen sollersiana nao é diferente da e (Webern), do haiku ou do fragmento. mtuacado induz-se uma au- encia de po ca-se a entrever frases. E é yerdade; come suspeita da Frase, isto é: que ela to lingiiistico; que nao é garantido que viva haja frases; que 0 corte pre- l6gico do discurso implica uma ideo- uma tirania do significado; que de maneira 2 frase é sempre religiosa, e mtestacdes sao sempre reprimidas (a r ou psiquidtrico). H constitui pois um o da Frase. E no entanto, o que Frase nao é o seu contrario mecanico, mingau. Uma terceira forma aparece, da frase sua seducio de linguagem, eu corte, seu fechamento, isto é, em eu poder de representacao. H tece, nao movimentos sintaxicos, trechos de in- manchas de linguagem (no sentido a poderia ter na caligrafia de um exemplo). O qué, entao, lingiiistica- eliminado, neste texto? E menos a éncia no fim das contas superfi- 59 eee z encaixe, 0 cavalgamento cial) que o silent (objeto aristotélico), das oragoes, od ma é uma montagem? O texto A frase ae montado: a composicaéo (ordem ee ace pants em cheque, nao 0 bombardea. retori nto das representacoes instantaneas, mei Na pasta de recortes de jornal sobre H, nao . eira geral nenhum artigo que nao ha de pane d singularidades tipograficas comece assinalando as SI ae do livro (nem pontuacao, nem maitsculas, nem paragrafos). Falemos entao, nds também, do Texto antes de ser lido. P Trata-se de um débito continuo, compacto, aparentemente sem falha. Este débito pode ser recebido de duas maneiras diferentes, opostas. Se a imaginacao do leitor é aérea (no sentido de Bachelard), este texto continuamente compacto the dard uma sensacao de asfixia; ele dira “estou sufocando” e largaré o livro (diga-se de passagem, para que um texto exista, é necessario que ele seja rejeitado por certos corpos, por certos leitores; nao ha leitura universal, nio ha corpo universal: o corpo do desejo — a leitura do desejo — 6 imedia- tamente diferenciada). Se, pelo contrario, a ima- ginacao do leitor é liquida, tudo muda; a imagem figurada pela tipografia torna-se benéfica, exal- tante; 6 a do banho lubrificante, do jato liberador, do orgasmo utopicamente infinito; este texto de fruicéo nem por isso é idilico; ele tem algo de 60 maneira de um final de Bach; este a - 9 texto parte, ele nao _nplacavels em suma: 0 arte, set yer ed “funcional”, «yentavel”, ele se neg (ele Bibeica numa sexualidade, destacadas coloca nurmaiidade (pro)eriadora); a causa, © fim, fin Gio é i lado, mas 0 ie toda Gio 6 deixada de F ‘ ent sic autor nao espera para conti- sunt oA efeito do que acabou de dizer; ele nao ° ee, Heseitor ele nao se poupa, ele nao vigia a 0 > | i te ponto a “Jitera. i traria neste - Bee tensao oD corpo que tenta produzir tara”), ©“ preferencidvel (€ 0 sonho do grat zero So eee) Entretanto — paradoxo ou dialética oe se pode destituir a linguagem a nao ser saesando pelo intermediario da linguagem, que é sempre «q4-ouvida”. # preciso entao qua dialetica da meméria que se coloca © se destréi ela propria. # para isso que servem, em H, os “pontos de re- feréncia”: sa0 as chamadas de atualidade, sintag- mas prontos, pequenas “condensacdes de saber”, " trechos vagamente identificaveis, lufadas de legi- bilidade, breves codgulos surgidos do discurso dos itros: freqiientemente, muito freqiientemente, ob a forma de rapidos “‘alés”, a memoria social ge, mas é para eclipsar-se logo; o plagio esta , pulverizado; a memoria vagueia, nao 4 no lugar; produz-se uma nova lingua na lingua, rund, uma tela movel, eletrificada, sobre a 61 i, _ enhuma representacao se peee as lem- qual n linguagem pululam, mas no paran, prancas de séo acariciadas. % preciso ver per, nunca, Ha ith phi gern, nada de verdadeirament, que com a ats possivel: nao ha geracao €spon- novo & Re iRitemsinte) a linguagem também € fijia). ere uiéncia, 0 novo radical (a lingua Nova) ae a antige pluralizada: nenhuma forca so é superior ao plural. Encontra-se em H muitos sintagmas feitos desta maneira: “pido de diamante liquido”, “sy5_ pensas com peras amarelas cheias de rosas Selva- gens”, “pega este junquilho forra-te contra q Se- pultura no musgo”, etc.; todos estes sintagmas | remetem a alguma coisa que é muito importante na teoria da escritura, e que é: a passagem dos objetos sensuais dentro do discurso. Com efeito é hecessério (para nosso Prazer) que certos signos tenham uma espécie de peso referencial; que for- ¢ando a auséncia da Palavra (“a auséncia de todos Os ramos”), a substancia Sensual das coisas obrigue as vezes a linguagem a dispor em seu tecido alguns efeitos fisicos, algumas metonimias (do significado Para o significante) , algumas lembrancas (tateis, voluptuosas, Saborosas), H4 “passagens” assim em 0, esta graca nao é aceita por 1a ou época; este brusco peso do discurso, esta (e suibita) ocorre as vezes em io; de ver os salva do tédio; gosto iritos Se anger da coruja em Hegel (‘sé no a aparece? pt ja de Minerva alga seu inicio 2 re: : eiineta do teceldo e do enta- mye c™ ito do trabalho concreto/abstra- er mfazejo destas passagens deve-se 20 0) ene ssencual é sempre legivel: se vocé ato de BE a escreva de maneira sensual. Ora, = = passagens pululam, tornadas mais E . prilhantes ainda, pelo relaxamento da o retirada da Frase, a Palavra reina, cra- Pode-se perguntar: através de qué a hu- e comecou? a& Palavra ou imediatamente Eu imagino que os homens vieram de 56 e ao mesmo tempo a Linguagem, @ ‘Lei; e que 0 brilho da palavra, sua sen- e cercada, o retorno civilizado do Refe- 6 podem aparecer no discurso como uma conquistada. Noto também que, contra- @ Frase, a palavra solitaria, a Palavra- ‘nao se oferece a nenhuma “interpretacao’’; i, 6 o sentido que se interpretam; é com a sentido, que comeca a guerra san- linguagens. ) seguro permite distinguir a escrevi- tura: a escrevinhaco se presta ao te nao. H leva evidentemente a 10” ao mais alto ponto de desgosto. 63 # precisamente uma das fungoes ae de #H des o abstrato, a conservacao, a fc lassificacio, oh a Biblioteca Nacional? Fico curioso de saber qual sera a ficha catalografica. Como se faz um artigo de critica? Lé-se 0 livro de fio a pavio, tomam-se notas, faz-se um plano, escreve-se. Aqui, este caminho nao é 0 bom. H leva no maximo ao comentario: nao permite “a idéig geral”. Dai estes fragmentos: pode-se esperar que s6 eles impedem de produzir e no comentario este “fantasma de unidade” que H, precisamente, se esforgca por dissolver. O recurso aos fragmentos (lembrar-se que eles estao sempre ali para evitar uma consisténcia que n&éo se quer) me dispensa de ter, sobre a obra de Sollers, uma tese a defender, uma referéncia a preparar. Embora o acompanhe ha muito tempo, a cada vez tomo seu trabalho em seu proprio percurso: estes fragmentog so os Passos deste caminho: é o movimento do “com- panheiro de estrada”. Quando um texto “causa efeito”, de um certo sentido, nao ha mais nada a dizer dele (é o prin- cipio negativo da frui¢do). Aqui se comenta nao 0 texto de Sollers Propriamente, mas ao invés as Tesisténcias culturais da leitura, Nao mais: por que ele escreveu? Mas: como lé-lo? Como ler o que : atestado aqui e ali como ilegivel? H, como Lois, sve permanecer suspenso, mantido num certo 64 a curiosa, a hostilidade cois: 5 a lestura ¢ acolheu este livro nao nto 4 mente espan ito trequente to: velho reflexo francés: mi astra nen sc”, “ge nés passAssemos por faz ae Gribouille, muito critico se 2 2”: va esinteligéncia com medo de parecer recipita 7 lice nunca se espanta com Pp erdadeira to g : a veal so dizer que espantar-se j4 seria estar 7 A a na, sendo o espanto 0 comeco timido da a} sruig0)- sas fu é — ou a, a critica era mals ingenua ree os postulados se defrontavam sem sfarces: 0 Cla catélico atacava Gide porque ele a protestante, e isso se dizia com todas as letras. Hole a depreciagao de um autor néo se faz dire- tamente; ela ndo se sustenta mais com argumentos simples (0 que nao a impede de ser simplista se for o caso): desloca-se o objeto do ataque; finge-se visar os engodos, os manequins.-A critica de H permite assinalar alguns desses engodos. O “novo”, por exemplo, nao é atacado de frente; fazia-se isto impudentemente outrora, mas hoje seria mal visto: seria colocar-se do lado dos passadistas, e a imprensa se quer “jovem”; a ne- tn é pois lancada sobre o adversario: “H pre- we “cer Mono, mas ndo € tao novo assim”: segue- que de alguns discursos sem pontuacao (na massa ¢ i : ultural da humanidade, encontram-se Xt *mplos para tudo). Este argumento permite um mais fra 65 H do “verdadeiro” Novo, triplice golpe: Mecktatilixds ao autor, eu me de. So a as novidades fendo de ser eu mesmo oposto as ni A ecu dou a entender que tenho uma grande cultura. Processo homeopatico: uma Pitada da. Pequena historia vacina contra os perigos da grande His. toria. Outro engodo: a Moda: “H é apenas um efeito da Moda”. Reduz-se assim o texto a um fendmeno superficial (a Moda é leviana), imitador e pouco apreciavel (4 Moda opée-se implicitamente a alta moralidade dos valores profundos, sinceros, est4- veis: humanistas). Esta reducdo, de que toda uma critica nos faz um verdadeiro quebra-cabeca, cen- sura os lacos histéricos do Novo e da Socialidade mais ampla: no ha coisa insignificante na His. toria: © que se segue (nao exageremos, contudo, @ moda de H/), se combate e Proibe, 0 que provoca desejos e resisténcias, Pode ser transitério, mas nao desaparece sem ter deslocado, Wagner e Debussy! quena maquina burguesa que funciona contra a Propria burguesia, e é justamente por isso que ele Pode ser (modestamente) histérico, a eat engodo, Préximo do anterior, é 0 © stupo”: H seria o Produto sofisticado, 66 esotérico, de um Pequeno viveria triunfalmente de seu 6pri coriado as grandes masts de opis oe temente inverter os papéis: 0 trabalho realizado em H — trabalho amplo, profundo, afastado de qualquer projeto formalista — € fechado do ez- terior: sua linha de incomunicacao é tragada por outros; a “clareza” ou a “obscuridade” nao sao qualidades de natureza, sio disposigdes escolhidas pelo leitor: a honestidade (liberal) no consistiria em dizer-se antes: se vocé é incompreensivel, é Porque ew sou tolo, ignorante ou mal intencionado? Para nao comunicar é preciso ser dois, Ultimo procedimento de ataque, particular- mente dissimulado (digamos que é um ctimulo: o que coroa toda tatica de exclusio): dar ao adver- sdrio uma ligéo no seu proprio terreno. Jornais burgueses dirao entao a Sollers: “O que vocé es- ereve, afinal de contas, é burgués; 0 que vocé faz nao serve a Revolugdo”. Estes estrategos se fazem imperturbavelmente procuradores da causa que atacam; retira-se assim ao adversario qualquer aliado, nao importa de que campo venha, fecha-se este na fatalidade de sua origem retirando-lhe o beneficio da escolha: “Ndo adianta, vocé serd sem- pre um burgués; nao conte nem com seus amigos (vocé é inexplicavelmente diferente deles) nem com seus inimigos (vocé os atemoriza).” / Desastrada funcdo da critica: ela credita para yocé o que vocé nao quer, Existe assim um pequeno 67 8Tupo de intelectuais que 7 Sati ue consiste em dissociar imento jornalistico q' eer Bese atinants trabalhos solidarios: de um lado Philippe Sollers e Julia isteva e, do outro, o ili wi Krist do ov tor destas linhas: os cumprimentos dirigidos de au d mais “objetiva”, pen- ee tehsil ited primeiros: ‘nao é Se oth autehida o que nés atacamos, pois eles eh tedtos dignos de valor; € uma tan um estilo, um discurso”’. O amalgama f uma igura bem conhecida dos processos criticos; eis a figura contraria: a dissociacao: ha uma boa vanguarda e uma outra ma; a “boa” vanguarda nao declara nada de diretamente politico, ela escreve de ma- neira classica; a ‘“ma’’ vanguarda... (ver acima © que foi dito sobre os engodos criticos). A ver- dadeira apreciacao consistiria evidentemente em situar as solidariedades tedricas (que s&o grandes) e as diferencas taticas (que nao sao Oposicées) , em imaginar, em uma palavra, uma combinatoria da modernidade. Se eu fosse um tedrico da literatura, eu nao me ocuparia mais da estrutura das obras, que no fundo s6 pode existir no olho deste animal par- ticular, o Metalingiiista, do qual de alguma ma- neira 6 ela uma Propriedade fisiologica (bem in- teressante alias) ; a estrutura € um pouco como a histeria; ocupem-se dela, ela é indubitavel; finjam ignoré-la, ela desaparece, Em suma dois tipos de fenédmenos: og Que resistem ao olhar (ordem do | “segredo”), € os que nascem do olhar, que s6 exis- tem na propor¢ao em que sio olhados (ordem do “espetaculo”). Eu acabo Preferindo o espetAculo (a fiecao) a estrutura, Porque o fim de toda es- trutura é constituir uma ficgao, um “fantasma de teatro” (Bacon). No texto (na obra), é preciso portanto ocupar- se do ator. Ora, aquele que age o texto € 0 leitor; e este leitor é plural (“... pois meu nome é Le- giao”, dizia o deménio); para um texto, ha uma multidao de leitores: nao s6 individuos diferentes, mas também em cada corpo ritmos diferentes de inteligéncia, conforme o dia, conforme a pagina. Para nos dar uma idéia deste Plural, distingamos na leitura de H trés campos de diferencas, trés ordens de leituras. _ O primeiro campo é individual (corporal): eu experimento sobre H diferentes aproximacées. Eu -posso ler o texto: 1) em “picada” (ew sobrevéo a pagina e ai recolho, por acaso, intuic¢ao ou iman- 0, um sintagma saboroso, ou chocante, ou pro- ico, enfim, digno de nota); 2) em “prise” 1 apreendo delicadamente uma pagina inteira do 0 e a saboreio); 3) em “rolo” (é a leitura or- ia, legal, é o cruzeiro: eu desenrolo o volume abo a rabo, como um romance, avancando a s iguais, qualquer que seja o meu prazer ou tédio); 4) em “aplainador” (eu leio minu- mente, ao nivel de cada palavra, sem econo- meu tempo, se se pode dizer, no papel de aqui um dos pa. um glosador. & preciso assinalar radoxos de H: a tipografia, igual de uma linearidade implacavel, uma leitura mais rapida, como gs cinematografica, o sentido, a fi aparecer numa certa velocidade do inicio ag tim, deveria acarretar e, nesta m&quina Sura, s6 Pudesge > ora, Muito Pelo nta, faz de contrario, a leitura aplicada, le: da lugar 6 inte, livro profundo, sutil, do qual ca gente, esclarece vivamente, fora da linha, outros lugares além dele préprio: H 6 a0 mesmo tem, uma grande camada oratéria e uma caixa japo- nesa, infinitamente cheia de haikai; H tem dois pulsos: um pulso “popular”? — como se diz: uma cancao popular —, rapida, alegre, e um Pulso erj. tico, o de um letrado que 1é obstinadamente, isto 6, levantando a cabeca; 5) em « vejo o livro inteiro como um obje! texto para uma reflexao, eu o Paisagem histérica: teoria do te. Historia, futuro, etc.). O segundo espaco de leitura é Sociolgico, Ey me recuso entéo a separar H de Sua acolhida eri. tica; eu considero H como um ato (textual) e eu junto a este ato as reagdes que ele Pprovoca, como Se esta “reacdo” fizesse parte do texto; e este texto precisamente tem a fungao historica de ma- nifestar o antagonismo que trabalha hoje a con- sumacao dos produtos simbélicos, O terceiro espaco 6 histérico. O texto se ofe- Tece a leitores que ndo vivem no mesmo tempo de Tecoloco na sua xto, Tesisténcias, 70 leitura (mesmo se biograficamente sio contem- poraneos). Alguns querem ler H como um romance (e se decepcionam); outros como poesia (e se decepcionam) ; outros estéo na vanguarda de 1930; outros se colocam enfim postulativamente no fu- turo; tentam ler H como um texto de amanha (mesmo se amanh& nfo houver este texto), sa- bendo que este futuro nado é somente progressivo e que ele comporta dialeticamente retornos, con- tratempos: um leitor de Dante ou de Rabelais é sem dtvida mais préximo de H do que um leitor de Malraux: mesmo foco, freqiientemente, para 0 mais distante e o mais proximo, 0 mais jovem e o mais velho, o mais popular e o mais aristocratico; pode haver enfim leitores de tran- sigdo: que percebem em H uma passagem fora do que nao poderia mais sobreviver a nao ser por repetigdes, em diregdo ao que nao conhecem e nao conheceraéo (eu penso que sou um desses leitores). Esta é a pulverizacado do leitor na His- toria 4. Quando se tera o direito de instituir e de praticar uma critica afetuosa, sem que ela seja tomada por parcial? Quando estaremos bastante livres (liberados de uma falsa idéia da “objetivi- dade”) para incluir na leitura de um texto 0 co- nhecimento que podemos ter de seu autor? Por que — em nome de que, por medo de quem — eu ... & pulverizacdo do sujeito na histéria... (Sollers). qt separaria a leitura do livro que tenho por ele? Poucos h a este ponto a impressao d. de Sollers Gatiacr omens, entretanto a € um sée mesmo % (tecido), em que se captam ao mesmo tem, a critura e a fala quotidiana: Para alguns a a é textual. A rigor, eu conheci esc: cuja pratica, linguagem, Corpo, vam a certeza de um verdadeiro €m mim todos esses efeitos de u ler H nao diante do livro com um produto conservado que s some na auséncia de qualquer Sujeito, mas ‘por cima do ombro daquele que €screve, como ge Nos escrevéssemos ao mesmo tempo que ele, ritores sem livros organizacio, da. texto, prod luziam m texto. & Precigg 10 Se se tratasse de € contempla e con-

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