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POL{TICA SOCIAL, POBREZA E DESIGUALDADg, APRATICA DA TEORIA 0 a poltca fosse apenas contrato, a poltica social seria cléusulainarrods- vol do capttulo das obrigagbes coletivas, a cargo do Estado. Poltica, porém, & confita, Oposigdo © contradi¢go de interesses. Contlto negociado, regula: {do por Insuigdes policas de natureza varia, condicionado por mediagses {que tornam_posstvel reduzir os antagonismos @ projet-los em um movi mento positivo, Pltica também, poder, transformando-se, treqilentemen- to, em um jogo dasequilibrado, que exponencia os meios dos mais podero- S0s 6 Teduz as chances dos mais fracos. Quem detém instrumentos efica- es de presséo tem maior probabilidade de obter mais da ago do Estado do que aqueles dependentes dessa prépria ago para conseguir 0 minimo in- dispensdvel & sua sobrevivéncia, A poltica social é parte, precisamente, do processo estatal de aloca- ho @ distribuigdo de valores. Est, portanto, no centro do contronto entre inleresses de grupos e classes, cujo objeto & a reapropriagto de recursos, extrakios dos diversos segmentos sociais, em propor¢ao distinta, através da tributago. Ponto erfico para o qual convergem as forgas vitais da sociedade de mercado, desenhando © complexo dilema poltico-econdmico entre os objetivos de acumulago e expanséo, de um lado, e as necessidades bist ‘€as de existéncia dos cidados, bem como de busca de eqilidade, de outro. A paltica social retlete, assim, a diregao polltica das relagdes econd- micas. A combinago espectfica, imposta pela correlagao efetiva de forcas, incentivos & acumulagdo e ao crescimento, recursos para a proviso de melos de subsisténcia aos mais carentes e agdes redistributivas visando @ alcangar um certo patamar de eqlidade. 4 | Trata-se, entéo, de uma série de opgdes polticas. Os impactos que | sofre de conjunturas cfclicas na economia e do estgio de desenvolvimento / séo mais visiveis e criam a impressdo de que seus formuladores so prisio~ { neiros de determinagées inarredaveis; de que s6 existe uma forma de reso ‘er esse dilema e, portanto, que a atengdo as demandas sociais basicas | deve ser postergada, sob pena de colapso econdmico e desordem inflaclo~ /néia. Sofisma e ilusdo, O padréo de desenvolvimento comporta diferentes Solugdes: no & mais que a sintese econdmico-politica geral do balango final entre meios de acumulagio e utilidade social, a gos Stuas828 em quo do houver abundéncia plena de recursos ¢ races a ino um patamar significativo de justica distributiva, & oe prs 'vos de acumulac&o envolve sacrificios no consumo inci” Consumo coletivo @ pode, dependendo da correlagao de Poder V! poltica social e combate a pobreza n gente, impor pesadas privagées Aqueles destituidos de recursos préprios de defesa. A poltica social intervém no hiato derivado dos desequillbrios na distri- buicdo em favor da acumulago e em detrimento da satisfacao de necessi dades sociais basicas, assim como na promogo da igualdade||A aco so- cial do Estado diz,respeito tanto\& promocéo da justiga soci anto a0 __combate.& miséria, lembora_sejam objetivos distintos] No primeifo Caso,_a_ busca da eqilidade se faz, comumente, sob a forma da garantia e promoc&o dos direitos sociais da cidadania. No segundo, a intervengao do Estado se localiza, sobretudo, no campo definido por escolhas poltticas quanto ao mo- do © ao grau de correcdo de desequillbrios socials, através de mudancas setoriais e reformas estruturais baseadas em critérios de necessidade. Histéria e circunsténcia encontram-se na determinagéo da extens&o das caréncias sociais e da urgéncia com que devem ser enfrentadas,.O pa- dro de acumulacao impée restriches a polltica social, desenhando capri- ‘“Ghosamente 0 perfil da escassez ¢ 0 limite das possibilidades. de mudanca. Mas é a ordem poltica que define as op¢des.dispontveis.de ac: $6es plausiveis de interven¢ao.estatal~ 'or que insistir nesse ponto? Porque a acdo governamental reflete es- | | colhas em um quadro de contlito. Nao hé, em situacdes desse tipo, governos | rigorosamente imparciais]H4 goveros mais ou menos justos) Mais ou me- nos sensiveis as necessidades dos despossuldos. Mais ou menos resis- tentes as pressées de interesses poderosos contrarios as mudancas. Sempre ha opcao, pois so varios os pontos possiveis de equillbrio entre acumulacéo e privacéo social. Raramente existe apenas uma solucdo s6cio-poltica para cada problema, assim como sao varias as formas poss veis de implementagéo de uma determinada solug&o. ‘As respostas emergem, assim, de um processo de éscolhas sucess\- vas, que envolve controntos, atritos, coaliz6es, pressdes e contrapressoes. Sao muitas as forcas envolvidas: os segmentos socials, os estamentos tec- noburocraticos do Estado, o Congreso, a presidéncia, os partidos, os sindi- catos, os movimentos sociais, os especialistas ©, nfo raro, suas corpora- des. E esse processo que define, em cada momento, como ser a poltica social, que prioridades elegeré, qual seré sua relago com a polftica econd- mica, qual a amplitude de seu aleance. Quando se trata de manter 0 mesmo padrdo de gastos para progra- mas j4 existentgs, a polltica de alocagéo segue trilha mais previsfvel, seja do onto de vista institucional, seja do perfil e do grau dos contfitos envolvidos. E 0 curso da polttica “normal” ou “corrente”. Esse tipo de politica enquadra- je entre. aquelas de-natureza tpicamente distibutiva implica a concessa | pelo Estado, de algum beneficio a algum n grupo. Os custos dessa conces- | 4, porém, j& foram absorvidos anteriormente ou so t&0 pouco aparentes ly Is 2 Cann ? integros\[A-necessidade tolhe a-liberdade.|Por isso so, também, politica- mente”mais fracas e mais dependentes. Sua existéncia, nessa condic&o, debilita toda a nacéo. Porque nas comunidades em que parcela de seus membros permanece sem direitos e sem liberdade, o direito e a liberdade de todos esto sob permanente ameaca. E por isso que a erradicagdo da po- breza deve constituir objeto de um acordo nacional plural. Interessa a todos a afirmaco inequivoca pelo menos dos direitos minimos que, nao por acaso, so interdependentes: os direitos a liberdade e a vida. O mito da “cultura da pobreza”, segundo o qual os pobres no melho- ram suas condig6es de vida porque nao querem, desfaz-se, sempre, na dura {tieza das evidéncias, empfricas e hist6ricas. A miséria é filha do sean mas no é qualquer modo de de- S Para a questéo da discriminagdo positiva, ver Titmuss, 1968 e 1970, Pinker, 1968, 1971.6 1979, Reissman, 1977, politica sociale combate @ pobreza Jee melhoram porque as oportunidades para fazé-lo séo menos Siveis a eles, pobres, e porque néo thes sobra tempo e espaco para acumular, ainda que gratuitamente, os recursos necessérios para alcancar melhores. condicdes de vida[Para sobreviver, consomem mais horas traba- thando, cule busca de Gakver taba, horas que so subtraidas a edu- cagéo|.& busca de mel 10reS OPG5Es de trabalho e renda, aos cuidados com a satide, ao exercicio da criatividade, & aco polftica @-a0 lazer. Forgados a {al sobrecarga, ¢ de tantos modos desgastante, para a qual mobilizam toda a famflia - os adultos integros, os invalidos, os velhos e as criangas — so im- Potentes diante das imposigdes da necessidade, que Ihes retiram toda liber- dade: nao deixam escolha. ‘A mobilizagao das criancas, por exemplo, tem significagdo especial, Pois representa um saque irremisstvel contra 0 futuro, determinando nao apenas a interrupeao de seu processo escolar e formativo, como também Sua submisso a trabalhos de baixa qualidade, na maioria lesivos ao seu desenvolvimento fisico, cultural e psicol6gico. As famflias pobres dependem exclusivamente da assisténcia gover- namental ¢ da benemeréncia privada. No caso, por exemplo, dos servicos médicos, diante da escassez de recursos e tempo e das dificuldades de acesso a que estéo submetidas, acabam podendo a eles recorrer apenas em situagdes de doenca manifesta. As familias mais ricas, ao contrério; po- dem destinar parte de suas rendas & oblencéo, no mercado, de servicos de satide de melhor qualidade, especialmente de natureza preventiva e, sobre- tudo, no acompanhamento do desenvolvimento fisico e mental de suas criangas. A satide acaba expressando a légica global do despojamento: ndo ha possibilidade de prevencdo, a ndo ser nos casos de satide publica ~ e quando so eficientes ~ e 6 dificil o acesso aos bens e servigos essenciais A manutencéo da vida. HA um néicleo irredutfvel de privagao absoluta que caracteriza a po- breza e se traduz, concretamente, por esse conjunto de aflicées, no qual se destacam a inani¢éo, a desnutrig&o, a morbidez e a conseqiiente elevacto da mortalidade. A dimensdo fisica, biolégica mesmo, da pobreza é inescapé- vel, ainda que a ela estejam associ itras dimensdes, sociais, politicas e culturais, também relevantes-(Sen, 1981). Pobreza diz respeito 4.destituig&o-de Teios de subsisténcia satisfat6- ria'e tem como sale estruturador, intrinseco & sua légica de formacdo, ca a privago absolutal Esta define-se pela caréncia extremada de quaisquer meios para satisfagdo das necessidades primérias ligadas & sobrevivencia fisica e A sanidade da pessoa e dos familiares a ela dependentes. Mesmo_ nas formulages mais liberais, hd o reconhecimento de que as necessidades _ ditas "bésicas” néo podem se resumir apenas Aquelas ligadas & pura sobre-_ vivéncia fisica. Devem incluir, necessariamente, a persisténcia fisica em con- 18 pottica social e combate a pobreza digges tais que as necessidades biolégicas sei stoetinn ‘em grau ade- ‘quado a prevencéo de seaielas derivadas da mA alimentag&o, garanta-se a salubridade do meio ambiente, abrigo adequado, acdes de satide preventiva @ assisténcia médica. Mas devem contemplar também, além disso, a satis- Yaeao dé outras nécéssidades, cultural ou socialmente determinadas, que _ definem um minimo de bem-estar e a garantia de meios que permitam alterar ‘as chances de vida futura, a comecar pela educagdo elementar. ‘A determinagéio do minimo necessédrio @ subsisténcia, subjacente & ogo de necessidades basicas, ao célculo de um salério minimo ou & de- marcag&o de linhas de pobreza, tem longa tradigao na economia poltica. De fato, desde Adam Smith se estabeleceu a convicgao de que qualquer medida para esse “minimo” deve ir além das necessidades puramente biolégicas, incluindo uma parcela — varidvel no tempo e no espaco — de “necessidades sociais", em cuja composig&0 interferem nao s6 elementos materiais, mas_ também outros, de ordem cultural ou ligados ao costume. ‘A definico de Smith pode ser considerada como 0 marco te6rico a partir do qual evoluiu 0 tratamento da questéo das necessidades sociais dos trabalhadores na economia politica liberal. Segundo ele, necessérios $40 no apenas 08 produtos indispensdveis & manutengdo da vida, mas todos aque- les cuja caréncia represente uma situago indecente ou indigna, de acordo ‘com 0 costume do pals, para pessoas dignas ainda que da mais baixa ex- trag&o social.” Marx, em sua crftica & economia politica, mantém verso semelhante das necessidades sociais dos trabalhadores. Tais necessidades intelectuals. e sociais, além das puramente fisiolégicas, seriam condicionadas pelo nivel geral de civilizagao.’” Mesmo 0 costume mantém-se como parametro, seja na definig&o dos bens “necessérios” de consumo, em contraposigao aos "su pérfiugs”,® seja na fixaco do padréo médio de vida do trabalhador.” (0 acesso aos meios para satisfago dessas necessidades, nas So- ciedades de mercado, 6 conferido em primeiro lugar pela renda. Esta, para @ grande maioria da populagao, advém do trabalho assalariado, portanto do saldrio e depende, no minimo, da existéncia de oportunidades de emprego com remunerago suficiente. Em alguns casos, mesmo para pessoas ©om fendimentos muito baixos, parte da renda é obtida pela posse de certos Fe Cursos que permitem suprir necessidades diretamente ou através da troca, ® Smith 1976, vol. 2, , vol_2, pp. 868-870. Ver, também, sobr ido do saldrio minimo, Mil 1965, vol. 2, pp. 340-349; 346-348 @ 956-366, | Cate wicca Mar, 1977, p.941. ® Mary, 1978, p.479, © Marx, 1981, pp. 288-290 politica social e combate a pobreza “ ee Steaks caso, por exemplo, de pequenos proprietérios, capa- Fees nz Para auloconsumo ou parainlercbin, ainda que em pro- pes is. Finalmente, so também meios satisfatérios, a obten¢Bo nda complementar ou bens ¢ servigos através da aco do Estado. O grau de destituig&io depende, precisamente, da insuficiéncia relativa do conjunto total de meios sob controle da Pessoa que Ihe permitem obter os bens e servicos necessarios a vida e ao bem-estar, incluindo suas posses, ‘Sua renda e seus direitos em relac&o a assisténcia Publica. Os componentes desse conjunto de meios mantém entre si relacdes de dependéncia de natu- Teza variada, que ndo podem ser aqui analisadas em toda sua complexida- de, mas cuja apreenséo é indispensével ao adequado entendimento da questp da pobreza (Sen, op. cit.). Be economia de mercado, 0 elemento mais elementar de propriedade (posse), & a forca de trabalho que, dependendo das condig’es vigentes de oferta de emprego na economia e dos niveis dos salarios de base, pode ser um meio de obtengéo de rendimentos suficientes para alender as necessi- dades basicas da pessoa e de seus dependentes. Quanto maior a defasagem entre o salério e a renda necesséria para satisfazer tais necessidades, maior seré a dependéncia dessa pessoa em relacdo aos outros meios. O que sig- nifica, de fato, dizer que ela dependerd mais da efetiva realizacdo de seus d- reitos face ao Estado (previdéncia, assisténcia, complementacdes. de renda etc.), dado que suas outras posses serao, com toda probabilidade, também insuficientes para gerar rendimento adicional, monetario ou néo, bastante pa ra cobrir aquele hiato. A destituigéo esta, assim, intimamente associada a estrutura de pro- priedade vigente, aos padrdes de producto e consumo e aos mecanismos de distribuig&o de bens e servicos fora dos circuitos normais do mercado, através das pollticas de cobertura social.4j-— Por exemplo, se existe algum tipo de seguro-desemprego, o cidad’io desempregado, ao se ver privado de salério e, portanto, de meios para ob- tencéio dos bens € servigos necessarios A sua subsisténcia © bem-estar, passa a receber um “‘salério-desemprego”) até sua reabsorcao pelo merca- do de trabalho. Do mesmo modo, podem-se desenvolver programas de su- plementagao de renda para aqueles que tenfiam rendimentos inferiores ao fifhimo considerado necessério & subsisténcia, H4, ainda, mecanismos dt retos de provimento de necessidades, que ndo passam pela transferdncia dit eta de renda monetaria. E 0 caso da distribuigdo gratuita de alimentos, por exemplo. Esses mecanismos caracterizam-se p' rios complementam sua renda fora dos circuilos de mercado @ através da ago piblica, correspondendo a uma parcial ¢ tempordria desmercantiiza- G40 de bens ou servicos e, mesmo, do salto. Isto 6, os bens e servigos elo fato de que seus benelicid~ polltica social e combate & pobreza so distribuldos de forma no mercantil, perdem as caracteristicas de mer- cadoria e no esto submetidos as regras de mercado. O préprio salério-de- semprego nao constitui um salério de mercado, pois no obedece as suas regras, nem 6 fixado de acordo com os pardmetros de fixag&o de saldrios observados na economia." ‘A destituigdo surge como resultado da operacéo de mecanismos es- truturais na economia que promovern a privagdo cfclica ou continuada dos meios de trabalho e vida de parte da populacaolEm outras palavras, embora © capitalismo, enquanto modo de progresso, produza riqueza crescente, 0 faz em uma dindmica marcada por desequillbrios e descompassos que de- terminam surtos recorrentes de destituigao. Além disso, grandes heteroge- neidades e assincronias no processo de desenvolvimento tendem a cristali- zar focos persistentes de miséria. Se os surtos ciclicos de pobreza podem ser amenizados ou mesmo erradicados pela correc&o dos desequilfbrios que 08 originam, os seus focos estruturais s6 podem ser eliminados através de agao estatal, especificamente orientada para este fim e persistente no tem- po. \ do necessérios, portanto\instrumentos distintos de ataque & pobre- za. De um lado, programas compensetérios e corretivos, que tém como alvo ‘as manifestag6es ciclicas, ocasionais e/ou previstveis de privacéo. De outro lado, programas de erradicag&o da pobreza persistente, estruturalmente en- raizada em uma formag&o social muito desigual, e que devem ter como alvo principal a renda e o emprego. Nao se erradica a pobreza sem redistribuir custes sociais. Essas poll- ticas requerem esforgo fiscal adicional, realocagao de recursos ptiblicos € redirecionamento de incentivos e vantagens a segmentos do setor privado. Suscitam, portanto, um dilema contratual, uma revisao do contrato social gente. Passam pela macropolitica, antes de se tornarem “politicas puiblicas”. Mas os objetivos de combate & pobreza e redistribuigao da renda e da riqueza podem néo ser inteiramente conflitantes entre si, especialmente se as agdes govemameniais forem distribuidas no tempo e ‘dependendo da de- {inigo da populagao alvo dos programas de combate a miséria. Na verdade, © nivel de renda e o tamanho da populagéo pobre, cuja renda se pretende elevar como parte da estratégia de erradicagéo da’ pobreza, dependem de Sua posigdo relativa ao resto da populacfo. Relagtio que decorre, inclusive, do préprio tragado da “linha de pobreza” (Stewart e Streeten, 1976). A com Patibilizac&o entre os dois objetivos requer, contudo, a adequada combina- $40 poltica de instrumentos e medidas de aco publica. © Para uma ar it - ward. gp me andlse ertica dos procedimentos para sua deterinacdo ver Piven e Cio ee poltica sociale combate d pobreza a Leta: sper mts no distintas, -2inda_que interdependentes, da politica social.|De fato, 0 pr reir objetivo —) pode © deve constitu 0 estégio_inicial-de-wm-programa-de.médio e longo | Faz0 de redistribuigo de renda e riqueze 9&0 — ou redugao significativa — da destituigo, esto os esforcos para dimi= nuig&0 da defasagem entre a renda necesséria para satisfacdo das necéss Zades basicas da pessoa e seus dependentes e a renda real disponivel. Il. POBREZA E DESIGUALDADE A associagao comum entre pobreza e desigualdade néo é totalmente vazia de sentido. A prépria caracterizacao da pobreza recorre sistematicamente & comparacéo entre “pobres” e “nao pobres", tanto em termos de seus rendi- mentos, ou de sua participacdo na renda nacional, quanto em termos de ou- {ros atributos e situagées. A chamada “linha de pobreza” é tracada com ba- se em pardmetros de satistacao de necessidades basicas, vigentes em um determinado momento, em cada sociedade, para os cidadaos que t&m meios suficientes de subsisténcia, expressos em um”minimo de renda (Stewart e Streeten, 1976, e Atkinson, 1975). Mas a desigualdade é fendmeno distinto da destituigaa. Nao s4o fe- némefos independents, pois interagem, hist6rica e estruturalmente: um re- forca o outro, em medida variével, no tempo e no espaco. Mas obedecem_ a légicas distintas, econémica e polticamente._ ode-se reduzir a desigualdade, transferindo-se renda dos setores ha para os grupos de renda média e até mesmo para aqueles que tan- genciam a linha de pobreza, sem com isso afelar-se, necessariamente, a medida da pobreza. Do mesn¥o7odo, um declinio de renda ou emprego que mantenha o mesmo perfil distributivo pode elevar sobremaneira a destituigao, agravar 0s problemas de fome, desnutricao, doenca e mortalidade, embora no mesmo patamar de desigualdades. E preciso, contudo, levar em consideragao que esta elevacdo resultaria muito mais da deterioragao da situagao econémica em geral, que da manuten¢&o do padrao distributive. Na fase ascendente do ciclo, mantido o mesmo padrao, poderia haver redugdo significativa da po- breza, pelo menos entre aqueles incorporados a0 mercado formal. Na ver- dade, os efeitos do crescimento tendem a ser mais universals, pois hauma clara interag4o entre os mercados formal ¢ informal, € oS ganhos de renda a Se propagar por toda a economia, ainda que muito desigualmente. ; Hé, entretanto, uma clara tendéncia no mercado de trabalho, no senti- do de aumentar os diferenciais de salério que separam os estratos inferior © 2 pottica social e combate pobresa superior da distribuico, Assim, néo apenas os ganhos de renda séo distr- buidos de forma cada vez mais desigual, como, na auséncia de instrumentos corretivos, 0 crescimento pode favorecer um movimento, secular de deterio- ragdo crescente da distribuigdo de renda."* Do ponto de vista econémico, a erradicagtio da pobreza e o aumento da igualdade na distribuic&o de renda implicam acées diferentes e podem, mesmo, em certas circunstancias, induzir a demandas conflifantes ou pro- duzir efeitos contradirios entre si (Haveman, 1975 e Lynn Jr., 1975). Podem-sé desenvolver. mecanismos que reduzam o nivel absoluto de esti, Sem-aterr tert stb vo, da sociedade. Do mesmo mriodo, possivel redistribuir renda, sem afetar substancialmente"as condicbes de vi- da dos mais pobres. Basta que a redistribuigo se dé, por exemplo, dos mais ricos para'os “quase-pobres”. Nao é infreqiiente que polticas de combate & pobreza tenham, elas mesmas, efeitos redistributivos negativos, na medida em que tratam do mesmo modo necessidades distintas. Ineficiéncias na ad- mministragao e implementagao dessas polticas podem, também, dar origem a novas desigualdades (Lynn Jr., 1975 e Gibson e outros, 1985). ( Pobreza e desigualdade sao fenémenos ética @ socialmente similares, mas econGmica e politicamente diversos. Eticamente, a destituicSo, absoluta ou relativa, reflete dimensbes correlatas do mesmo problema, de justiga so- cial e integridade da cidadania. Socialmente, constitui a face histérica de um mesmo movimento: a privac&o absoluta des&gua na privacéo relativa © re- compée, em um novo patamar, o dilema das distdncias sociais extremadas; da frustracao de expeciativas individuais e grupais de ascensao social ou da insatisfac&o de grupos sociais, acentuada pela percepgo de barreiras in- transponiveis & mobilidade social e pela consciéncia crescente da existéncia de privlégios e discriminagdes de todo tipo. Politicamente, as escolhas e as acdes voltadas para um e outro obje- tivos dependem da correlagio predominante de interesses e poder. Pode-se Constituir uma coalizéo favordvel ao combate & pobreza absoluta, mas que bloqueie cursos de acéo que alterem significativamente 0 perfil distributive. As solugdes técnicas so muitas e, em varios casos, esse aparente dilema Pode ser diluldo ou desfeito. Mas 0 que importa & que as opgdes $40 poli 1" Robert Haveman, analisando os programas de combate a pobreza, nos Estados Uni~ 9s, na década de 1965-75, conclui que, exatamente por causa da clevacéo das desi- {ualdades de tenda, no balanco final, esta década de programas de complementacéo de ‘endas teve como efeito quase que exclusivamente compensa’ esta tendéncia, Ou se2, {iar veo pert istribuvo se aerasso para pie. Como diz Haveran, por causa dess8 ‘{erténcia & ampliagdo do hiato de rendas entre os dois extremes da distribugao, um or FaGento socal crescento parece apenas evitar deterioragdo adicional da jé allamente gual distribuigéo da renda final. Cf, Haveman, 1975, ee politica social e combate d pobreza S cas, envolvem 0 poder fazer e a capacidade de im rimir & h 'S0 coletivamente mais Satisfatério, eh eee Decisées poltticas sao a resultante ii liquida da vontade de fazer, condi- elo saber fazer (know how). ane cio Provavelmente, a grand. t i it de pobreza, “votaria™ por SUR Saag Ps te vara Fang Pane dos. setores.mais_ticos. também admitisse que. esse. obielivo. se. Incluldo entre. as.prioridades da agenda-goverramental A-miséria aby soluta, a desnutrico, a deseducacao, a doenca e condig6es de ha- bilagé0_@_saneamento n&o interessam, em princhio, 2 qualquer grupo. Ao GOiitrario, os “Setore ‘conomia, 4 Grande” enipresa;-viver-da ai@ncia 180 OH POWETEN Bavecto da Tenda de pessoas fora de seus mercados pode Significar a entrada dé novos consumidor S865 CCU 105, expans&o de demanda que justifca’6 aumento da oferta. "ros ‘Todos desejam, também, melhorar sua posicao reiativa na sociedade, isto 6, em comparagao com a situagéo que tém'no presente e Aquela vivida Por grupos em posigdes superiores na escala social. Neste caso, entretanto, trata-se de medidas de grande impacto redistributivo, que promovam, a um tempo, maiores mobilidade e igualdade. Mas ganhos relativos so, por defi- nig&o, seletivos, néo podem ser compartlhados por todos. Esto no centro dos grandes conflitos polfticos e suscitam, quase automaticamente, vetos dos segmentos que se sentem ameacados por medidas redistributivas. Hé ‘sempre um fator de soma zero nas polfticas realmente redistributivas, ainda que apenas na percepcdo dos atores. E possivel obter-se mais tolerancia ‘com a desiqualdade, mesmo_da parte daqueles em situago pior, do que apoio para a redistribuig&o, sobretudo da parte daqueles em melhor situacé A explicago para essa tolerancia pode estar no “efeito ténel” de que fala Hirschman (1981), através do qual aqueles que percebem progresso na s+ tuagdo dos que Ihes s&o préximos tendem a tolerar melhor a situagéio de de- sigualdade. Q_pior, porém, 6 0 efeito inverso, através do qual aqueles que. rosbem_o avanco dos_setores. na base _da_piramide_social_sintam ameacados e se mobilzem:para bloquear progressos om, Na verdade, a relagéo entre desigualdade de renda © pobreza tem caradter(sticas especiais. Se houver uma elevagdo marcada da renda, pode diminuir 0 nivel relativo de pobreza, mesmo que nao se altere 0 perfil de dis- ‘ibvigfo de renda. Mas, som alteragées sinicatvas no pert dstibuve, no apenas de renda, mas de patménio, alcanca-se um ponto de inflexbi- dade que torna imposstvel superar certos niveis de pobreza nos setores feriores de rendimento. 4 politica social e combate & pobreza III. PADROES DE PRODUCAO E CONSUMO: A “CESTA SOCIAL” O grau de destituic&o ou privaggo esté relacionado, como se viu, 20 conjunto de meios de que a pessoa dispée, para.obter bens e servicos indispens- veis & sua existéncia e de seus dependentes com um minimo de bem-estar, Evidentemente, pressupée-se que esses meios assegurem a real obtencao de tais bens e servicos. Por isto mesmo, é preciso levar em consideracéo a condi¢des de acesso a eles. Acesso refere-se no apenas aos niveis de tenda em simesmos, mas ao poder de compra relativo, no contexto de um determinado padr&o de consumo; a existéncia de mecanismos alternativos Aqueles do mercado para obtengio desses bens e servicos e a elevacao di- reta e/ou indireta da renda. Diz respeito, ainda, & disponibiidade real dos bens e servigos para esses segmentos sociais, a qual depende néo s6 de Sua producdo (oferta) e de seus pregos, mas também de como séo distribu dos espacial e socialmente {Em outras palavras, o acesso a bens e servicos depende, em larga medida, dos padrdes de produc&o, distribuigéo e consu- mo vigentes na amore. Fea fins de exposi¢ao, chamar-se-A de padréo de consumo a articulaga, no tempo e no espaco, destes trés elementos @ de “cesta social” ao conjunto de bens e servicos considerados social- mente necessérios @ subsisténcia digna da pessoa, nas linhas da oldssica orientagao mencionada anteriormente. ‘Assim, 0 padrao de consumo define-se, do lado da oferta, pela dispo- nibilidade corrente dos bens e servicos, em particular daqueles de consumo mais generalizado e, sobretudo, da “cesta social”. Envolve, portanto, trés dimensdes correlatas associadas & disponibilidade: producao suficiente; Perfil adequado da oferta, isto 6, a composicao da oferta em termos dos tipos de bens e servigos ofertados; a relacdo entre os precos ¢ o nivel de renda da populagao, especialmente entre o preco da “cesta social” e a renda dos ‘segmentos na base da piramide distributiva. Do lado da demanda, o padréo de consumo caracteriza-se pela capa- idade de obtencao dos meios de aquisic’o desses bens e servicos, em Particular da “cesta social", ou seja, da renda (ou seu equivalente — por é= xemplo, 0 direito real & proviso direta) e pelo acesso aos mercados dos bens @ servigos (ou pela existéncia de mecanismos altemativos eficazes de ‘acesso). E preciso, ainda, levar-se em conta o perfil de distibuiggo vigente, tanto em termos regionais/territoriais, quanto em termos sociais. © abaste- Cimento & componente essencial, crttico mesmo, na determinagao das pau {as reais de consumo, sobretuco na medida em que fixa as bases reais dé

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