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(Copyright by © Marylka Mendes ¢ Antonio Cals Nunes Baptista cha ctalogrfiaclborada pela Divisio de Processamento Técnico -SIBVUFRI (MS3%e Mendes, Mania Restauraio: citniae at/Manika Mendes e Antoni Carlos Nunes Baptista 2.ed. Rio de Janeiro: Eitora UFRJ; IPHAN, 1998 412p, 16x I8em, 1. Restauragao 1. Titalo cpp 702.88 ISBN 85-7108-147.6 Medigho- 1996 apa ‘Adriana Morena Tradueao dea Massaro Revisao ‘Alexander Mark Salz ‘Ana Paula Mathias de Piva Isabel Gea Projeto Grafico e Ealitoragd Eletvonica ‘AnaCaneto usages Sise Date Universita Federal do Rio de Janciro _—estito do Patino Histrico- PHAN Forumde Giénciae Cultura Rua da Imprensa, 168° andar Eitora UFR (CEP: 20030-120 Av Pasteur, 25Qfsala 107-Riode Janeiro Tel: (0210220 2518, ‘cep: 72203-9000 axe (021) 240 7667 ‘el; (021) 295 15951248 127 Pax: ((21) 5423899 E-mail editora@ forum. be Apoio W sins vest Boi Sumério sApresentagdo - 15 Parte I + Os Solventes Introugto = 22 PRoPRIEDAnes Fisicas € Quiiicas -, 22 1. As fissuras @ as fraturas ~ 22 2. Os poros - 22 |. Migragio dos Solventes - 23 1, Gravidade, hidrostética, hidrodinamica - 23 2. Viscosidade - 25 3. Escoamentos laminares € turbulentos - 28 4, Interacdo nas superticies - 29 5. Difusto - 42 4. Evaporago - 44 1. Pressio ou tensio de vapor saturante - 44 Ebulicaa - 45 . Calor latente de evaporagao - 48 A condutibilidade térmica - 51 Descrigo da evaporagao - 52 6. Medida da evaporayau © da vetengdo dos solventes nas pinturas 7 lil, Dissolugao ~ 60 1. Introducao e definigoes - 60 2, Dados termodinamicos - 61 3. Interacoes espectticas - 72 ») a remogaio de um trabalho em madeira de um lugar para outro, isto é, cnire salas, entre andares, entre edificios, de um museu para outro, de uma cidade para outta, deveré ser precedida pelo conhecimento das umidades relativas e tem- peraturas do ar dos dois ambientes, por um perfodo relativamente longo (cinco ou mais anos), sob pena de se suiitar a peca a sérios danos; namento de ar, tais como ©) a instalagio de sistemas de condi desumidificadores, aquecedores, umidificadores, aparelhos ou sistemas de ar con- dicionado, deve ser acompanhada de muita atengfo as alteragbes que estes sistemas poderio provocar; 4d) a tentativa de restringir a movimentagio da madeira por meios eciinicos deve ser evitada, posto que pode originar danos de dificil recuperagio. Portanto, para lidar com os problemas decorrentes da flutuagio da umidade das pegas de madeira € indispensdvel ter, entre outros conhecimentos, aqueles jcas das madeiras, do mictoclima, das espécies relativos as caracteristicas empregadas © aquelas a empregar ¢ estar sempre atento, pois a madeira jamais deixaré de trabalhar. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS. Koumaxn, Franz, Cort, Wilfed. Principles of wood science and technology, 2. ed. Nova Torque: Springer-Verlag, 1968, 2 v. Viuusere, André, Le "jeu du bois et les moyens pour le reduire, Courrier de W'industriel du Bois et de I’Ameublement, n. 2, Paris, Centre Technique du Bois, 1973, p. 22. Woon Haxonoox. Washington D. C.: U. $, Department of Agriculture, Forest Service, Forest Products Laboratory, ed. rev, ago. 1974, 374 RIsTuRAGAO: GENCE ARTE + Restauragéo de Pinturas Barrocas de Manoel da Costa Athayde « Maayika Menoes: INTRODUCGAO Atendendo ao convite do Museu Mineiro para restaurar seis telas acervo atribufdas a Manoel da Costa Athayde, aproveitou-se a oportunidade para mostrar a interdisciplinaridade do trabalho de restauragiio em um depoimento técnico-hist6rico. Esse depoimento tem hase em uma anilise estilistica formal ¢ nos resultados de anilises. qui ico-fisicas que identificaram as matét ulilizadas nas referidas pinturas, demonstrando, inclusive, as investigagSes das camadas subjacentes através de documentagdo fotogrifica com infravermetho e ultravioleta e do uso de raios X, Os resultados desse conjunto de andlises também conteibusram para uma restauragdo mais consciente, bem como permitirio aos fuluros pesquisadores. a ‘oportunidade de recorrer a esses dados como subsfdios no tratamento de outras obras atribufdas a Athayde. © conjunto de obras apresenta caracterfsticas estilistico/formais e técnicas de manufatura diversas. Com base na andlise estilistico-formal e nas investigagSes laboratoriai verificou-se que as seis telas podem ser separadas em dois grupos. Um grupo de quatro obras — Santo Indcio de Loyola, Sdo Thomds de Villa Nova-Bispo, ‘So Pedro Apostoli e Sao Nicolao Tolentino — foi analisado © comparado com obras de autoria de Manoel da Costa Athayde, demonstrando possivel identidade ‘com outros trabalhos do pintor. O outro grupo de pinturas, retratando Silo Francisco de Paula ¢ Sao Camillo de Lellis Confessor, nio exibiu a mesma identidade artistic DADOS BIOGRAFICOS DE MANOEL DA COSTA ATHAYDE ‘Nascido na cidade de Mariana, Minas Gerais, era fitho legitimo do Capito Luis da Costa Athayde ¢ de M: hnascimento, embora alguns historiadores acreditem ser 0 mesmo de seu batismo, ocorrido no dia 18 de outubro de 1762, na Catedral de Mariana, Segundo Salomio de Vasconcelos, 0 artista viveu na cidade de Mariana Barbosa de Abreu. Néo se conhece o dia de seu numa “humilde casinha que ainda hoje existe & rua Nova, nos fundos da Igreja do Carmo". Athayde to dois irmioe: um padre, Antonio da Costa Athayde, © outro tar, que também foi pintor, Domingos da Costa Athayde, Provavelmente por influéncia de seu pai, entrow para a carreira militar como Cabo de Esquadra, passando, no ano de 1797, a0 posto de Sargento de Ordenanga e, em 1799, a Alferes. ‘Mas, sua biografia permanece até hoje, em alguns pontos, incompleta, ‘Alguns historiadores 0 descrevem como pardo, embora documentos localizados 0 declacem “branco, solteiro, vivendo da Arte da Pintura”. Em 1822, ele se declara “pranco, solteiro, morador da cidade de Mariana, que vive da sua Arte da Pintura”, Outro fato que leva a crer que Athayde fosse branco & o de pertencer as Ordens ‘Terceiras de Sio Francisco de Assis de Mariana ¢ Ouro Preto ¢ & do Carmo de Ouro Preto, das quais s6 faziam parte pessoas de cor branca, 376 —_Resiusnchor GENOA E ARTE Seu estado civil 6 comprovado como de solteiro, mas nem por isso deixou de ter quatro filhos com Maria do Carmo Raimunda da Silva, mulata que pode ter sido a inspitagio para 0 forro da Igreja de Sio Francisco de Assis de Ouro Preto. Nao se sabe ao certo por que nio se casou com a mie de seus filhos, mas a hipdtese mais provivel é que existia algum impedimento por parte dela, ja que a diferenga de cor nifo era problema para a sociedade da época. Casos como o de Chica da Silva, que vivia com um contratador de diamantes do Tijuco ou o de Alvarenga Peixoto — Ouvidor do Rio das Mortes que casou com Bérbara Heliodora ¢ com quem teve uma filha — comprovam esta afirmagSo. Pelos bens deixados e descritos om sou testa- mento, parece ter Athayde pertencido & classe média, pois tinha uma chécara © terras no Catete de Mariana, bem como a casa onde morava, situada na Rua Nova. Athayde possufa atestado piblico de Professor de Artes da Pintura e 1a da cidade de Mariana nos seguintes termos: js da Cémara da Leal Cidade de Arquitetura concedido pela C: Doutores, juftes, presidente © ofict ‘Mariana em sew termo: atestamos que Manoel da Costa Athayde, morador nesta cidade, 6 professor das Artes de Arquitetura ¢ Pintura, tendo dado bastantes provas de que no s6 6 eapaz de pOr em pritica 0s riscos das cartas ‘geogréticns, dos animais, plantas, aves e outros produtos da natureza como o ‘explicar e o instruir aos que quiserem aproveitar e por ser-nos pedida esta, a ‘mandamos passar...Em 1818 que eu Manoel Caetano Machado de Magues ou Magés, eserivéo da Cimara subserevia Documento assinado por varias pessoas, provavelmente representantes do povo na época (Luts José de Godoi Torres, Joaquim Coelho de Oliveira Duarte, Jodo Custédio Machado de Magalhies ¢ Antonio Alves de Mesquita). No entanto, Restauascho be PINTURAS BARROCAS DE MANCKL DA Costa ATHAYDE Muavixa MEND«S 377 Germain Bazin, referindo-se as profissBes, lembra que: “.. até 0 fim do século XVIII, segundo um regime que era 0 da Idade Médi toda a parte alids, depois do século XVI, a profissio de arquiteto nfo se diferencia ainda da de empreiteiro; as plantas sto fornecidas, seja por empreiteiros, carpinteiros, pedreiros ou entalhadores, seja por intelectuais que os textos chamam mas prescrito na Europa, em de ‘professores inteligentes’, padres, letrados ou engenheiros”. Bazin chama a tengo ainda para a palavra professor, que atualmente € usada para aqueles que exercem 0 magistério, lembrando que no ano de 1681 0 italiano Filippo Baldinuccio publicava suas Notizie dei professori del disegno da Cimabue in qua, © que esses “professores” eram os mestres da pintura, Ou seja, 0 titulo “professor” tinha 0 significado de “profissional”. Mesmo sabendo que 0 atestado concedido a Athayde no se refere somente a por em pritica seus conhecimentos, mas também a explicar © instruir, pode-se concluir que, embora nao haja noticias sobre a tormagio sistemética de Athayde, esse titulo pode the ter sido concedido por ser sua obra iciar aqueles que estivessem interessados magistral. Ou ainda por ter ele desejo de no offcio. No ano de 1818, fez ele um requerimento ao rei Dom Joxo VI soli a implantagio, em Mariana, de uma escola de formagio artistica. Nao obteve ‘tando resposta, Faleceu no dia 2 de feverciro de 1830, na cidade de Mariana, ¢ foi sepultado na Capela da Ordem Terceira de Sio Francisco de Assis. 378 Resauercio: atwoa ¢ Aste ESTADO DE CONSERVACAO DAS TELAS GRUPO | Net Ne2 880 Camillo de Sto Francisco Leis Confessor de Paula ‘Suporte: Tecido de linho/algodao ‘Trama artesanal com fio de espessura uniforme Desnivelado Areas perdidas ¢ rasgos (1) Camada pict6rica: - Craquelé acentuado Em toro das dreas perdidas ¢ rasgos do suporte ha despren- dimento de matéria com algumas perdas Verniz: + Deteriorado Cor: eastanho, com vérias manchas mais escuras, em forma de ponto Chassis: » Em mau estado + Rachado e com as articulagSes desfeitas Dimensdes: - 63,8 em x 54,8 cm UsTAURAGHO OF PINTURAS BARROCAS DE MANOEL DA Costa ATHAYOE « Menia Mexats 379 GRUPO II NOS. Nea Santo Inacio de ‘io Nicolao Loyola Tolentino Suporte: - Tecido de linho artesanal = Trama grossa com fios de espessura irregular + Através da trama, o preparo da tela passou para o verso em forma de gotas Rasgos e reas perdidas (1) Em torno dos cravos que 0 prendem ao chassis, tecido rompeu-se, atacado pela corrosio do metal Desnivelamento Camada pict6rica: - © eraquelé é menos acentuado do que no Grupo T = Em torno dos rasgos e das éreas perdidas ha desprendimento de matéria com algumas perdas (camadas pict6rica ¢ preparo) Verniz: » Deterivrado Cor: castanho claro, com manchas escuras, em forma de ponto Chassis: - Em mau estado - Rachado ¢ com as articulagées desfeitas Dimensdes: _- 61,3 cm x 51,8 em BBO ResthvRagAo: NCE ARTE GRUPO Il NES Ne 6 St0 Pedro So Thomas de Apostoli Villa Nova-tispo Suporte: + Tecido de linho artesanal ‘Trama grossa com fios de espessura irregular través da trama, 0 preparo da tela passou para o verso em forma de gotas. Rasgos e reas perdidas (1) Em torno dos cravos que © prendem ao chassis, 0 tecido rompeu-se, atacado pela corrosiio do metal Desnivelamento Camada pict6rica: ~ O craquelé é menos acentuado do que no Grupo I - Em torno dos rasgos e das reas perdidas, desprendimento de matéria com algumas perdas (camada pict6rica e preparo) Verniz: - Deteriorado Cor: castanho claro, com manchas escuras, em forma de ponto Chassis: » Em mau estado Rachado ¢ com as articulagdes desfeitas Dimenstes: — - 61,3 cm x 51,8 cm Resrauragto be Prrutas Baseocas o¢ Manont 04 Costa ArHavoe« Max Menoes 381 ANALISE FISICO-QUIMICA DOS CONSTITUINTES DAS PINTURAS © conjunto de seis telas foi dividido em dois grupos, segundo a estratigrafi preparagio: GRUPO I- Telas Le IE Base de prepatago de colorago branco-creme, composta de branco de que mostram diferengas marcantes considerando a cor da base de chumbo e carbonato de céleio. GRUPO IT - Telas Il, IV, Ve VI Base de preparagio de colorago castanho-escuro, composta prinepalmente de terra de Colénia (terra de Cassel, Brun Van Dyck), misturada com pigmentos branco de chumbo e carbonato de calcio, além de conter graos de sflica dispersos em seu meio, Além da diferenga fundamental quanto & composigdo inorginica das bases de preparagio dos grupos, pode-se notar na estratigrafia das elas do Grupo TI a de uma camada intermediéria entre 0 suporte ¢ a base de preparagio. De presen aspecto ocre, apresentando elevada quantidade de ferro e possuindo aglutinante, esta respondeu negativamente aos testes para éleo ¢ proteina. |, AGLUTINANTES Com respeito A composigio dos aghitinantes utilizados estas telus, us {estes foram positivos para um aglutinante do tipo emulsio éleo/proteina, com m: porcentagem do primeiro. Entretanto, deve-se ressaltar que nas partes brancas, como © livo da Tela I e o sol da Tela Il, o artista utilizou aglutinante basicamente protéico. 382 —_Risiwyeagho:ctNew e ante I. PIGMENTOS (AMOSTRAS TESTADAS) TELA I - Sao Camitlo de Leltis ~ vermelho do livro = camagio da mao direita = branco do livro. = fundo marrom, canto inferior direito TELA I - Sao Francisco de Paula ~ azul do céu = branco do sol = carnagdo da mao direita ~ manto preto ~ suport TELA III ~ San Indecio de Loyota ~ e6u azul = marrom do fundo inferior direito ~ folhagem = veste branca ~ vermelho amarronzado da veste = suporte BLA IV - Sao Nicolae Tolentino ~ azul do céu - vermelho do livro = carnagio da mao dircita do santo + folhagem = manto marrom RestauRacKo be PIvTURAS BARKOCASD& MavonL DA Costa AMAYDE « MARviKA Minors 383 TELA V - Sao Pedro Apostoli - eéu azul = vermetho dos anjos = carnago dos anjos = manto parte marrom + roupa: parte azul TELA VI - Sao Thomas de Villa Nova-Bispo ~ manto preto = carnago do rosto do santo ~ ornamento da cadeira = suporte Il, PIGMENTOS IDENTIFICADOS 1. Brancos: branco de chumbo ¢ carbonato de edlcio 2. Azul: azul da Pri 3. Marrom: terras (pigmentos de ferro) 4, Vermelho: cindbrio (pigmentos de ferro) IV, VERNIZ ‘A camada protetora das seis telas exibiu resposta positiva aos testes para Com as fotografias de luz ultravioleta pode-se constatar os desenhos subjacentes e a inexisténcia de retoques antigos. (© exame com raio X revelou o testemunho das pinceladas que definem a marca do artista ‘As fotos em infravermelho pouco contribuiram para a documentagio, V. EQUIPAMENTOS UTILIZADOS . Méquina fotogrifica Monoreflex CANON AE 1 + Objetiva de 50 mm (1:1.8) . Anéis de extensio de 12 mm, 20 mm e 36 mm Filtro Wratten amarelo n. 15 para as fotografias com luz UV: Filmes: - Panatomie X Velocidade: 32 ASA Grio: Extremamente fino Grau de ampliagio: Muito alto = Kodachrome Daylight Velocidade: 64 ASA Grio: Fino Tuminagio: - duas lémpadas Photo Flood 250W, para P&B ¢ cores - dois tubos de Iuz UV 40W Raio X - Equipamento: Heliophos 4B Siemens proteina, apresentando-se deteriorada provavelmente por um mecanismo fotoquimico, devido & sua tonalidade castanho-escuro bastante acentuada e pelo fato de esta Apresentar-sc, nos testes, pouco solivel en agus. Tanto as caracterfsticas das telas quanto sua deterioragiio foram documentadas por meio de fotografias que exploraram seus pontos mais repre- sentatives, como a trama do tecido, rasgos, perdas e desnivelamento do suporte, deterioragio do verniz, ete 3B4 —_Resiuagho: aca e ARTE Tela Tempo VMAS MA ‘Séo Camillo de Lellis 5s 48 ‘400 80 So Francisco de Paula Ss 48 «40080 Santo Inacio de Loyola Ss 50 400=S 80 ‘S30 Nicolao Tolentino Ss 48 «= 40080 Sa0 Pedro Apostoli 5s 52 40080 ‘580 Thomas de Villa Nova-Bispo 5s 50 400—S 80 Restaueacho oe Piruras BaRsocas De Manono Costa ATHAYOC « MaRKA Menoes 385 ANALISE ESTILISTICA FORMAL Este tipo de andlise pode ser entendido como o estudo da expressividade de um artista, da forma da sua criagiio artistica, a partir dos elementos pict6ricos ‘que foram capazes de imprimir diferentes graus de valor as suas eriagdes artisticas, ‘em fungdo de determinados padrées estéticos. Desse modo, é possivel inferir infor- mages sobre a feigo de um artista, de um género, de uma escola, de uma época ou de uma cultura, restaurador deve ter um bom conhecimento da obra do artista. Nesse sentido, a andlise estilistica, os resultados de exames laboratoriais e a farta docu- \entagio fotografia sto elementos indispensiveis ao éxito do proceso de restau- {sticas originais do objeto cultural , entendido como o resgate das caract desenvolvimento do estudo da atribuigao das obras de Athayde foi | realizado com a participago de um professor de Histéria da Arte da Fscola de Relas Artes/URJ, Almir Paredes Cunha, As seis telas representando os seis santos foram todas atribuidas por Jair ‘Afonso Indcio a Manoel da Costa Athayde, por ocasitio de sua descoberta na Capela Fazenda de Cima, em Sio Domingos do Prata, Minas Gerais. Como acontece em relagdo A maior parte das obras atribuidas a Athayde, este conjunto carece de documentagio; os tinicos elementos para a afirmagio da autoria dos trabalhos constituem-se daquela atribuigio e da identificacao dos personagens. Esta atribuigao permaneceu até 1989 quando, por ocasio da restauragio dos quadros, uma andlise mais profunda levantou a hip6tese de no serem todas elas atribuiveis a um mesmo artista, podendo-se separé-las em dois grupos, um de quatro quadros e outro de dois, que teriam sido executados por dois artistas diferentes, 386 —_Restueagho: cts ante ‘A altibuigio inicial pode ser explicada por uma anélise apenas formal © em condigdes bastante diffceis, tendo em vista 0 estado de conservagio das telas, escurecidas pouco legiveis, Desde © inicio do processo de restauracio, de cuja equipe fazemos parte como responséveis pelo apoio da Hist6ria da Arte na elaboragio da documentagio técnica, destacava-se, de mancira evidente, a diferenga qualitativa entre duas das telas © as outras quatro, de qualidade imensamente superior. Para tentar comprovar esta primeira impressiio, foi feita uma anélise minuciosa baseada nos elementos estilistico-formais (organizagdo compositiva, esquema cromético, tratamento anatémico das figuras © solugio dos demais elementos da composigio, etc.) © na execugio material da obra (pigmentos, aglutinantes, pinceladas, et), com 0 apoio de exames cientificos & simples vista ou com 0 auxilio de equipamento especializado — fotografias, raio-X, ete. —, que pudessem diminuir a margem de erro de uma nova atribuigio Esta andlise também procurava definir um conjunto de elementos que possibilitassem, no futuro, facilitar a identificacdo de outros trabalhos atribuidos a io do mestre, pois através da codificagio de sua linguagem formal e pict6rica seria possivel estabelecer um cédigo caligréfico pessoal do artista para identificar sua obra. 0 estudo foi dividido em duas etapas: a primeira visou A comprovagio da existéncia de dois grupos para 4 conjunto, separando, como jé foi dito, 0 conjunto de seis em dois grupos, um de quatro e outro de duas obras; a segunda teve a finalidade de confirmar a atribuigio dos quatro quadros, de qualidade superior, a Manoel da Costa Athayde, comparando-os com as obras jé tradicionalmente tidas como de sua autoria. RestaLRacKo 0¢ PITURAS BAKOCAS OF MANCEL O4 Costa ATHNYDE « MARLXA MeNaes 387 Além dos problemas relativos a alribuigéo apresentou-se também, 20 observador menos acurado, uma série de outras duvidas que relacionamos a seguir, para serem futuramente objeto de pesquisas mais profundas, nos documentos porventura ainda existentes: 1, Qual a razao da escolha de santos incomuns na iconografia da regio? 2. Teria esta escolha partido do artista ou do autor da encomenda? 3. Teriam estes santos alguns elementos em comum que pudessem levar a esta escolha por uma questo relacionada a alguma promessa por parte do encomendante, como, por exemplo, 0 fato de trés deles serem filhos de mes que deram a luz em idade avangada ou em virtude de promessas religiosas — Sao 10 de Paula © Sio Nicolao Tolentino? illo de Lellis Confessor, So Fran Ficam no ar estas indagagées para esclarccimentos futuros. ANALISE E SEPARAGAO DOS DOIS GRUPOS (0 conjunto foi separado nos dois grupos de acordo com as anélises formais, ‘que puseram em destaque a simplicidade quase ingénua das duas primeiras e a soffsticagdo © complexidade das quatro outras. Contra uma composigio rigida, com as figuras colocadas em oposigio a um fundo neutro das duas obras, contrastava a riqueza de tratamento das figuras ¢ dos fundos ricos de elementos das outras quatro. ‘Além das solugdes formais da composigio, um outro elemento separava nitidamente 6s dois conjuntos: © esquema eromitico. Para melhor entender a unidade qualita tiva de cada um dos grupos, nés os estudaremos separadamente, destacando as identidades em cada um deles. 388 Restuengio: ceva ANTE 1, ANALISE DO GRUPO DE QUATRO 1. So Pedro Apostoli, Santo Inacio de Loyola, Sio Thomas de Villa Nova-Bispo e S40 Nicolao Tolentino. 'As quatro obras apresentam unidade j4 quanto a suas dimensbes: todos medem 61,3em de altura por 51,8em de largura, Esta unidade apresenta-se igualmente na qualidade do tratamento anatémico das figuras, na solugo da vegetagiio, no tratamento volumétrico dos panejamentos, etc., como ficaré comprovado pela comparagio que se seguiré. ‘Antes de iniciar a comparago entre cada um dos elementos, faremos uma andlise geral da organizagio compositiva ¢ dos esquemas crométicos das obras que nos levard a uma divisio dos quatro em dois pares, de acordo com a identidade dos tragados reguladores da comporigio e do colorido, Nos quatro, a composigao € extremamente complexa, pela grande quantidade de elementos que dio ao conjunto uma riqueza extraordindria, As linhas do tragado regulador tém uma variedade de diregdes que acrescentam um certo dinamismo ao tema, Os fundos apresentam-se bastante trabalhados pela presenga de nuvens, trechos de vegetagiio ou pela inclusdo de elementos arquitet6nicos ou pegas de mobilidti. 2. So Pedro Apostoli e 540 Nicolao Tolentinu Nesses dois casos destacam-se elementos que os colocam como par, tais como: 0 alegre esquema cromético em tons de azul, verde e vermetho, sobre um fundo em que se destacam nuvens e o verde azulado do céu. O pancjamento rico de RestaueacKo 0€ PIXTURAS BARROCAS DE MANOEL DA Costa ATHAYDE Maniixa Mewnes 389 dobras nas duas figuras também é um elemento de identidade entre os dois. Além disso, as composigdes de ambos os quadros apresentam a figura do santo colocada sobre um eixo vertical e formando uma massa triangular apoiada por sua base na parte inferior do quadro e com o vértice situado na parte superior, quase sobre 0 eixo de simetria da tela, 3. Santo Inacio de Loyola e $40 Thomas de Villa Nova-Bispo Em ambas as telas, 0 esquema cromético é resolvido por um conjunto de tons terrosos, do qual se destacim apenas algumas dreas brancas representadas pelos panejamentos dos trajes dos santos ou pelas nuvens. A composigio apresenta-se solidamente construfda, em virtude da presenga dos elementos arquitetOnicos da tela reptesentando Santo Indcio de Loyola ¢ das estantes e demais pecas de mobili de Sio Thomas de Villa Nova-Bispo. A presenca de feixes de luz, de dominante inclinada, € um elemento de identidade entre as duas telas; apenas a diego inada desses feixes se opbe, criando a idéia de tragados reguladores que teriam situagdes opostas, dando a0 conjunto uma idéia de colocagio simétrica dos doi quadros. 4. Andlise dos elementos formais ‘Tratamento anatOmico das figuras Vegetagio Panejamentos Navens Elementos complementares 390 Restayeagto: cate ¢ ARTE 1, ANALISE DO GRUPO DE DOIS 1, Sao Francisco de Paula e Sao Camillo de Lellis Confessor Estes dois quadros apresentam logo 2 primeira vista um nfvel inferior de execugio, tanto das figuras como dos elementos complementares, parecendo de don ‘autoria de um artista com iv do seu oficio, a) Organizagio compositiva © esquema cromatico ‘A composigio € muito pobre, colocando a figura, recortada linearmente por um contorno continuo, contra © fundo neutro, sem qualquer trabalho ou sgraduagio, As linhas diretoras da composigio sto muito rigidas e sem variedade, ‘com um niimero de elementos bastante limitado, 0 que empobrece todo 0 conjunto. Somente a figura do primeiro plano é tratada com maior cuidado, porém de maneira plana e sem qualquer tentativa de criar volumes através do claro/escuro, O esquema ‘eromitico & bastante limitado, restringindo-se a um tom esverdeado uniforme no fundo © a cores terrosas © neulras no primeiro plano. Apenas no quadto repre- sentando So Camillo de Lellis Confessor aparece uma nota mais vibrante, representada pelo vermelho das faces laterais do livro. 2. Anélise dos elementos formais . Tratamento anatOmico da figura - Panojamentos Elementos complementares RestauRacho oe PIXTURAS BAHOCAS DF MaNceL Oa Costa ArHnYOE « MaRvixa Menoes 391 CONFRONTO ENTRE AS QUATRO TELAS E ALGUMAS OBRAS COMPROVADAMENTE AUTENTICAS, Nas quatro telas — Sio Thomés de Villa Nova-Bispo, Santo Indcio de Loyola, Si Nicolao Tolentino e Sio Pedro Apostoli — encontramos seguramente as caracterfsticas da obra de Manoel da Costa Athayde, conforme tentaremos de- monstrar pela comparagio entre elas e outras obras jé tradicionalmente aceitas como executadas pelo mestre mineiro. Esta confrontagdo sera feita pela comparagao dos elementos utilizados nas obras em questio © os mesmos elementos usados nas seguintes obras: teto da Igreja de So Francisco de Assis em Ouro Preto, Ceia do Colégio do Caraga, teto da Igreja Matriz. de Santo Antonio em Santa Bérbara ¢ teto da sacristia da Igreja de Sio Francisco de A: em Mariana, PROCESSO DE RESTAURAGAO, As seis telas de Athayde foram analisadas em cada um de seus extratos, para qué pudéssemos conhec8-las mais a fundo, com 0 apoio de anslises laboratoriais, raio X, ultravioleta, cortes estratigréficos, etc., o que permitiu entender as razdes de alguns dos processos de deterioragio e, posteriormente, determinar seu tratamento. Obteve-se também a confirmago de que as obras no sofreram nenhuma inter- ferGncia de restauro anterior, ou seja, todos os seus componentes cram absolutamente originals. Isto permitiy, paralelamente, realizar um relato historico dos materials com bastante exatidio. s suportes das seis telas — duas em tecido de algodio e linho e quatro cm Tinho artesanal — estavam bastante fragilizados, apresentando rasgos, perdas, 392 ResaveAcio: atNaa e Amt desnivelamento © mossa. O preparo das telas de finho era castanho © 0 das de algodio ¢ linho era branco, com uma composigdo quimica diferente entre dois ‘grupos. O verniz de origem protéica estava deteriorado, com uma cor castanha, © apresentava pontos castanho-escuros. A camada pictérica junto com © preparo apresentava um inicio de desprendimento em tomo dos rasgos e perdas. sso de restauty oi jo com a fixagio da camada pictérica © pro com um adesivo protéico, simultaneamente a0 nivelamento do suporte. Estes processos foram efetuados em mesa de baixa pressio, 0 que permitiu realizé-los sem corter 0 risco de alterar a topografia da pintura, Seguit-se, entio, a consolidagio dos rasgos e enxertos nas dreas perdidas do suporte, utilizando uma resina epéxi e linho previamente preparado. Como reforgo do suporte foi feito um reentelamento com um tecido de poligster e adesivo Beva 371. A escolha recaiu no poliéster por ser este material mais estével as variagSes de temperatura e umidade, conferindo assim maior estabilidade ao tecido original. Esta operagio foi efetuada em mesa térmica. O verniz, protéico deteriorado foi removido com um “sabio", desenvolvido por Richard Wolbers, & base de écido abiético ¢ trietanolamina, Finalmente, foi aplicada uma resina natural sobre a pintura, com posteriores aplicagdes de resina sintética. Como resultado da restauragio, a pintura adquiriu uma nova expresso e uma valorizagio total das cores. Restaueacho De PiiTRas BARGOCAS DE MANOKL DA Costa ATHAYDE® MaRruKA MexDes 393, ANAUISE FISICO-QUIMICA ANALISE ESTILISTICA Suporte | Base ‘Analise da | Diner Comparacio entre os elementos da composicio Aglut. | Pigmentos 3 ee s Branco de Chunbo fp 8 ‘| Castanho 2 Am [schoo y fscuo Antdamisia | aeY |Z) Tera de | Maren : 638 colonia | wes x Linho | 5 4. Vermelho 518 is Branco ds Cindbrio Churbo Carbonato|Emulcao = {de Calcio| Oleo- | + |) Protéico Proteina hk Cs i | Branco Creme Branco de Chumbo Carbonato de Calcio B94 —_ResuRAcio: otNaA € AE Restauragho or Praturas BAtkocas be MaNort b4 Costa ATUYDK « Masa MENDES 395; + A Historia da Arte e a Preservagdo de Bens Culturais « ‘UMACOLABORAGHO BILATERAL ‘Aug Pareoes CunHa As obras de arte sempre atraitam a atengfo dos homens por seu valor sociocultural, No entanto, até época relativamente recente, sua preservagio no foi motivo de cuidados especificos, talver pela falta de uma visfo histérica de que elas ropresentam documentos para 0 entendimento dos perfodos cronolégicos do homem. Tal situagdo levou, também, 8 alteragdo freqiiente dessas mesmas obras em suas caracterisicas fundamentals. 0 inicio da preoeupagio com os bens culturais, no século XVIII, tem como conseqtiéncia o aparecimento de uma consciéncia da necessidade de proteger 0 patrimOnio cultural, de cariter material, que documenta o desenvolvimento do homem como ser produtor. Essa preocupagio alcanga uma notivel importincia no século XIX, sobretudo com Viollet-le-Duc, o principal teérico da arquitetura francesa a época. Foi uma espécie de compensagio pelo pensamento vigente em deter- minadas regites que buscavam o desenvolvimento industrial desordenado ¢ a qualquer prego, mesmo & custa da destruigdo do passado cultural, algumas vezes colhado como algo sem significado ¢ a ser destruido, Viollet-le-Duc estabelece 0s ctitérios profissionais da preservagio. mas, cembora diga que o restaurador deve ter uma religiosa discrig0 e uma completa rentincia de suas idéias pessoais, ainda est preocupado com a reconstituigao. Algumas vezes, ele chega até a reconstruir integralmente a obra, na tentativa de recuperar 0 seu aspecto original, nao pela compreensiio do que representava aquela obra de arte no contexto em que foi produzida, mas segundo 0 pensamento da época da preservagio. Essa atitude levou a resultados freqilentemente desastrosos. Falando sobre arquitetura, Ruskin dizia que “como nenhum poeta pode ‘completar um verso incompleto da Eneida, nenhum pintor pode pintar um quadro de Rafael, nem um escultor, terminar uma escultura de Michelangelo, ¢ nenhum arquiteto deve terminar uma catedral”®, Para Camillo Boito, a restauragio pode levar & falsificagio © 4 mentira, Ele lembra ainda que todo acréscimo tem uma Justificativa hist6rica e um valor documental e, portanto, devemos pensar bastante antes de retiré-los’ Modernamente, a fruigdo da obra-de arte néio 6 mais privilégio de uma lite, ¢ a necessidade de salvaguardar os testemunhos do passado cultural, que conferem a cada coletividade sua personalidade, torna-se um fato primordial Embora nem sempre fique Sbvio, é fundamental para ambas as atividades — Preservagao e Historia da Arte — a colaboracdo entre seus respectivos profissionais, ppara que eles cheguem a bom termo em suas aluagdes. Ambos trabalham com 0 mesmo sujeito, a obra de arte, que pode ser analisada tanto do ponto de vista hist6rico como estético. O objeto de arte tem um valor social, quer como documento hist6rico, quer pela satisfagdo da necessidade de beleza inerente ao ser humano. Deste modo, sua preservacio fica condicionada a seu conhecimento, isto é, a histéria de seu nascimento € de sua vida, Como um cirurgito, o conservador- BOB —_RestauRacAo: Ciencia € ARTE restaurador deve conhecer os érgios © suas fungdes antes de operar. A no atuar desta maneira, € melhor deixar morrer 0 doente do que assassiné-lo. A preservagiio visa & conservagio ou a restaurago do patriménio cultural que testemunha 0 passado histérico, representativo de uma época, em sua verdadeira dimensio e definindo a sua individualidade, A preservagio tem-se tornado cada vez, menos intuitiva, transformando-se ‘em uma atividade cientifica, Ela se apdia em um caréter criativo © humanista, situando a obra de arte dentro do seu valor estético formal, sem perder de vista seus aspectos técnicos ¢ funcionais, a fim de nio conduzir a resultados deficientes imposetvel:tentar tratar uma obra sem o conhecimento:de seu valor intrinseco ou das razdes que levaram a sua criagao, Deve-se estudar de maneira cexaustiva a solugio formal, o seu contetido temitico, as condigdes histéricas em que cla apaveceu, apoiando-se na investigagio documenta. If através da conjugagio dos conhecimentos de como € por que uma obra de arte foi elaborada que podemos intervir em sua esirutura para preservé-la, O conhecimento intrinseco cortesponde iio s6 a seus elementos estéticos-formais, mas também aos aspectos materiais de sua execugo, ou seja, aos processos © as técnicas utilizados pelo artista no ato criativo. ‘A reunio do conhecimento intrinseco do objeto de arte com os fatos determinantes de sua criaglo e as transformagies que sofreu através dos tempos € 0 campo da Histéria da Arte, Nao a Histéria da Arte como uma viso apenas deseritiva do fendmeno estético, materializado na obra-de-arte, mas a Hist6ria da Arte analitica, que tenta explicar © porqué dos momentos da hist6ria da civilizagao pela andlise de seus produtos estéticos. Com esta caracteristica, ela busca compreender melhor 0 [A Histon bx ARTE £ A PRistRvAgio De BeNs CULTURA « Auue PaRcoes CuNHA — 399) hhomem em cada um de seus estigios cronol6gicos, através daquilo que, melhor que os documentos eseritos, quando cles existem, pode nos transmitir como pensava © sentia 0 ser humano de uma determinada época. Pode ainda avaliar 0 grau de desenvolvimento de sua civilizagio, que pode ser julgado através dos procedimentos tulizados na elaboragio de seus objetos atisticos. E assim que a moderna Histéria dla Arte, ao invés de apenas se preocupar com os elementos meramente formais das obras de arte, como a descrigao dos temas ou dos dados biogréficos do artista — conforme a visto tradicional —, procura entender o fato estético, suas causas © 0 resultado matetializado nos documentos attisticos. esta maneira, 0 historiador de arte, ao estudar a obra para compreendé- Ja, tenta interpretar as intengdes do artista no momento da eriagio, através de uma andtise dos seguintes elementos: 0 contexto cultural, expresso pelos fatores ligados a ‘economia, religito, estrutura social, entre outros: © pensamento artistico, configurady através da andlise formal e representado pela composigao, pelo esquema cromitico © plas tcorias estéticas; a solugio material, que compreende os processos usados pelo artista na realizagao fisica da obra, por meio da investigagio sobre os materiais & suas (Genicas de utilizagdo; e, finalmente, 0 estudo iconolégico-iconogrifico dos as particulares a cada perfodo da Histéria da Arte Tendo em vista esta nova abordagem da Historia da Arte, € fécil compreender que o profissional responsivel pela integridade © conscrvagio do patrim6nio artéstico-cultural da humanidade deve conhecer profundamente 0 objeto sobre o qual ira intervir, para saber escolher 0 procedimento correto a ser utilizado hha sua atuagiio ou mesmo para entender a solugao utilizada pelo autor da obra. Este cconhecimento proporcionar-Ihe-4 a necesséria humildade perante o objeto de arte, 400 Restauragso: citncia & atte para que seja capaz. de anular-se frente a ele e de procurar integrar-se ao espfrito que irigiu sua criagdo. Isto somente poderd acontecer se 0 conservador-restaurador possuir um conhecimento razoavel de Histéria da Arte No momento de uma intervengio, o profissional deverd ter consciéneia dos elementos fisico-quimicos manipulados pelo artista no momenta da execusiio ‘material de sua obra, Esses elementos podem ser apreendidos pelo estudo da Hist6ria da Arte em relagdo ao perfodo em que a obra foi criada, pois através desse estudo pode-se saber os recursos técnicos conhecidos e usados pelos artistas daquela época, Além di também 0 conhecimento das solugdes estético-formais e iconolégico-iconogréficas, 30, quando ha necessidade de interferir nos elementos formais da obra, caracteristicas do periodo, pode ser de grande auxilio na escolha do tratamento a set adotade, Até agora abordamos apenas 0 valor estético da obra de arte. Porém, néo deve ser esquecido 0 seu aspecto documental, uma vez que ela é 0 documento que serve de apoio as informagées sobre 0 estado de desenvolvimento téenico de uma civilizagio, ¢ ainda, que é através dos objetos utilizados pelos vultos da Hist6ria que eles podem ser lembrados. Assim, 0 estudo do contexto histérico pode nos fazer conhecer o uso que aqueles objetos tiveram © os impactos por eles softidos no decorrer de sua vida, 0 que possibilitard, também, a escolha do processo de intervengio que melhor se adapte a impedir ou anular o aparecimento de fatores que dererminem a sua deterioragio, ‘Além disso, 2 compreensdo da vida dos objetos nos mostra claramente a estratificagdo de acréscimos posteriores, agregados por sucessivas geragbes, © que devertio ou ndo ser retirados durante 0 processo de preservacéo [A Histo 04 Ante € 4 Prestevacio o& Bens Cuniueas « Auk Pattoss CuNtA 401 ‘Além desses elementos, o estudo da Historia da Arte propicia um contato constante com as obras de arte, possibilitando a educagio da sensibilidade, fator fundamental para a identidade entre o conservador-restaurador e a obra a ser tratada, ©, ainda, a percepgiio da mensagem intrinseca que toda obra de arte contém & que niio pode ser violentada. Para a compreensio dos valores estéticos & preciso grande experiéncia, amplos conhecimentos de Histéria da Arte e agudo senso eritico, Quando falamos de colaboragio bilateral entre a Preservagio ¢ a Historia dda Arte temos em vista que, como contrapartida 4 ajuda que 0 conhecimento da Historia da Arte possibilita 20 profissional de preservagao para uma intervengio segura, 0 historiador da arte se beneficia da intimidade do restaurador com os elementos materiais da obra, que confirma ¢ esclarece 0 conhecimento técnico uutilizado nas obras de arte produzidas a0 longo dos perfodos artisticos, ‘Quando o restaurador, com 0 auxilio das analises cientiticas, identitica as ‘matérias-primas (pigmentos, solventes, madeiras, pedras, t@xteis, etc.) utilizadas na tetura, artes decorativas, cexecugZo das diversas obras de arte (pintura, escultura, arqi tc.) ele esté fornecendo ao historiador a prova material dos conhecimentos te6ri adquiridos a partir de testemunhos representados por textos da época ou pela tradigZio oral referente aos processos utilizados pelos artistas do perfodo no qual a obra est inserida. Nao s6 quanto ao conhecimento fisico, mas inclusive quanto a certas solugdes formais, pois o restaurador é capaz de identificar acréscimos ou supressdes que mutilaram a idéia inicial do artista, Essas alteragées da obra original podem levar a anilises equivocadas por parte do historiador de arte, que € levado a emitir conceitos erréneos sobre 0 pensamento estético de uma determinada época, caso se apéie, para tanto, em obras 402 —Ristaveacko: citncia & ate alteradas no decorrer dos séculos. A constatag2o, por parte do restaurador, de qui pod fazer desse objeto um testemunho seguro do panorama artstico, técnico e cultural dd tum objeto attistico est4 virgem de intervengdes posteriores & sua elaboracé época de sua criagio, Varios testemunhos exemplos de restauragdes recentes vem em auxfi do que afirmamos, Hubertus von Sonnenburg‘, célebre conservador-restaurador alemio, a preconizar o intercdmbio entre a teoria © a pritica, isto &, a pritica da execucai pictérica associada a0 conhecimento te6rico da Histéria da Arte, diz. que “quando s restaura uma pintura a questio nfo é tanto com os solventes e produtos quimicos o com novos métodos cientificos ¢ o uso de aparelhos de alta tecnologia, mas como lidade, equilibrad: pelas condigoes da pintura mas, sobretudo, Isto ¢ uma questdo de compreensao d pintura deve ser olhada. Certamente isto é questio de sensi arte ¢ do artista”s, Criticando o excesso de especializagio e a falta de integragao no Estados Unidos da Amética, onde trabalhou por muitos anos, diz. que “restauradores historiadores de arte e cientistas parecem trabalhar em mundos separados. 0: contatos entre eles so raros ¢ como resultado uma visio ampla da obra de a raramente € conseguida. A arte soffe com a compartimentagao de disciplina individuais a ela concernentes™: Além das informacdes sobre a criago material da obra de arte, a atividad do restaurador pode ser de grande auxilio na sua identificagio ¢ na comprovagio di sua autenticidade, © préprio Sonnenburg tem, inclusive, trabalhado como “detetive” ‘© @ sua atuagio possibilitou a identificagto de obras falsificadas por Christian Goller’ 0 mesmo Goller, ao se referir a Sonnenburg, que diz: “tecnicamente eu poss [A FistOna 04 ARTE E A PRESERVAGKO DE BENS CULTURAIS « Auwin PaReDes CuNMA — 403 ‘enganar todos os equipamentos existentes no Donner Institute, Mas 0 olhos de Sonnenburg, bem, isto € outra coisa"*. Este tributo ao olho de Sonnenburg é explicado por ele préprio: “é devido parcialmente a eu ter gasto uma grande ‘quantidade de tempo na observacao de pintura... eu gastei muito tempo nos grandes ‘museus olhando quadros, treinando os meus olfios e tomando uma grande quantidade de anotagées. No entanto, eu as vezes me defronto com um desafio, como encontrar- me diante de uma obra de um artista com o qual eu néo tenha intimidade. Por cexemplo, isto me aconteceu quando tive que limpar meu primeiro Turner. Eu fui a Londres para visitar a Tate Gallery e a National Gallery para estudar seus trabalhos, |i também muitos livros sobre ele para familiarizar-me com sua obra, Como se tratava de uma cena de caga a baleia eu estudei tudo sobre 0 tema antes de iniciar 0 meu trabalho. Fiz a mesma coisa com Rafael”. © caso do Rafael, referido por Sonnenburg, ¢ 0 seguinte: ao restaurar a Sagrada Famtlia Canigiani, pertencente 4 Alte Pinakothek de Munique. ele identificou uma grande area de c6u que havia sido repintada no século XVIII para cencobrir dois grupos de anjos que teriam sido danificados, A repintura foi retirada ‘08 anjos, recuperados, embora ainda permanecendo com os danos sofridos ante- riormente, 0 que gerou uma grande polémica sobre os critérios a serem adotados na restauragio", Ele diz também: “a finalidade de conservar e restaurar é sempre preservar ow trazer de volta a intengéo do artista, tanto quanto possfvel. No entanto, tantas pinturas tém sido distorcidas através dos eéculos que devemos conheeer como clas ceram vistas originalmente. © tnico meio de ter uma idéia aproximada é estudar as obras do mesmo autor, em boas condigdes... Infortunadamente, esta néo é a sistemitica no treino dos restauradores”™, 404 ——Resraueacio: citneid € ARTE Como podemos constatar no texto acima, Sonnenburg reafirma a importincia do conhecimento da Hist6ria da Arte no trabalho do conservador- restaurador. Outro restaurador, David Linker, afirm: ‘mesmos como historiadores envolvidos com a preservagio da Histéria da Arte”, “gostamos de pensar em nés Embora Sonnenburg esteja exemplificando seu pensamento através da pintura, podemos estender o seu raciocinio a qualquer obra de arte, lembrando, entretanto, as particularidades inerentes a cada uma. ‘Outro aspecto da importincia da Histéria da Arte € a reavaliaglio de obras anteriormente relegadas a um segundo plano, A revalorizago de certas obras tem Jevado a uma intensa preocupagio com a sua preservago. Um bom exemplo disso 4 Capela Brancacci"®, em Florenga, obra recentemente restaurada. O conjunto de afrescos de autoria de Masaccio foi relegado a um plano secundério, no contexto da producto artistic ‘momento, a um grande abandono dessas obras, que chegaram, inclusive, a ser do Renascimento, durante o século XVI; isto levou, naquele ameacadas de remogio ou substituigio por obras mais modernas, No entanto, a historiografia contemporanea recuperou a importincia da obra, em virtude da ‘modernidade no tratamento do tema, levando & preacupagio com a sua preservagio. Como se pode constatar, a escolha do que restaurar depende também dos valores cexaltados pela Histéria da Arte no momento. A obra de Masaccio foi quase destruida no século XVIL, revalutizada ny século XVI © endeusada no século XX, pela semelhanga de solugées com a arte contemporénea, Por outro lado, os restauradores da Capela Brancacci esclareceram certos elementos dos afrescos que estavam ocultos ou distorcides pelo seu mau estado de ‘A Histoaia Ds Aare © A PRESERVAGKO DE BENS CULTURA « AuniR Paeots Cunma — 405 conservagio, 0 que dificultava a sua leitura e as conseqiientes andlise ¢ interpretagio da obra dentro de seu perfodo histérico, inclusive pela técnica utilizada. Para finalizar, cabe exemplificar com um fato, do qual participamos, ‘ocorrido quando da restauragao de seis telas aribuidas a Manoel da Costa Athayde' Logo & primeira andlise estético-formal — composigio, esquema cromitico, elemen- (os iconogréficus —, ficou evidente que v coujuntu de seis telas deveria sex dividide tem dois grupos, um composto de quatro quadros ¢ outro de dois, que deveriam ser atribuidos a dois artistas distintos, tal a diferenga entre os dois grupos. Durante 0 processo de restauragio ficaram reforgadas as diferengas estético-formais, que se confirmaram na diferenga de suportes, preparagdo das telas ¢ materais utilizados na camada pict6riea, A Restauragdo e a Histéria da Arte aliaram-se na identificagao de uma obra de um determinado artista. Posteriormente, tentou-se confirmar a atribuigio das quatro telas do primeiro grupo a Manoel da Costa Athayde, pelas identidades estético-formais com obras seguramente auténticas. Este trabalho ainda ‘espera conclusio definitiva, a ser atingida pela andlise mais profunda, que incluiré 1s elementos técnicos ¢ cientificos das obras usadas como elementos de comparago por sua autoria comprovada. Poderfamos estender indefinidamente as nossas consideragées sobre o tema se tratdssemos de exemplos especificos da arquitetura, das artes decorativas ¢ das demais formas de expressio plistica. No entanto, a finalidade de nossa argumentagio 6 abordar 0 assunto de maneira genérica e tentar comprovar a interdependéncia centre a Preservagio de Bens Culturais ¢ a Histéria da Arte. 406 ——Restavencho: citNcia € aere NOTAS 1, Doutor ¢ Livre-Docente em Histéria da Arte Geral e do Brasil pela UFRJ. Diretor da Escola de Belas Artes de 1976 a 1980, Membro do IIC (The International Institute for Conservation of Historie and Artistic Works), Londres, Inglaterra, e do Consetho de Diregao, do CIETA (Centre International d'Etude des Textiles Anciens), Lyon, Franga, 2. Ruski apud Vatcancet. Restauracién monumental y “puesta en valor” de las ciudades 977. p. 26. famericanas, Barcelona: Editorial Blum 3. Vaucanca, op. cit. p. 27. 4, Hubertus von Sonnenburg nasceu em Coldnia, em 1927, e apés 0 doutorado em Histéria da ‘Arte na Universidade de Munique resolveu dedicar-se 8 restauraglo, FreqUentou inicialmente (© Doemer Institute de Munique ¢ depois o atelié do restaurador alemfo John Hell, em Londres, Trabalhou quinze anos como conservador no Metropolitan Museum of Art, de Nova Torque, sendo designado, posteriormente, para dirigir 0 Doerner Institute, responsével pela preservagiio das colegSes estatais da Baviera, 5, DorxaEna, John, In the picture. Connoisseur, Nova Iorque, outubro 1987, p. 139. 6. Idem, ibidem, 7. Pintor alemio autor de “imitagses” de obras dos grandes mestres da pintura e que foram vendidas no mercado de arte como auténticas, Ele no se considera um falsério, mas um imitador. 8, Dorxsene, John, op. cit, p. 141 9. Idem, ibidem, 10, Idem, ibidem. 11. Tdem, ibidem, p. 142. 13, Dupak, Helen. The great fixer. Connoisseur, Nova Torque, jan. 1990, p. 78 13. CusTiassen, Keith, La chapelle Brancacci restaurée: Masaccio nuovo. Connaissance des Ants, n. 406, Paris, dez, 1990. p. 93-103, 14, Restauragdo de seis telas pertencentes no Museu Mineiro e atribuidas a Manoel da Costa, Athayde, executada por uma equipe composta de restauradores, quimicos ¢ historiadores de arte, Comunicago apresentada durante 0 V Seminirio Nacional da ABRACOR — Materiais «© Técnicas Empregados em Conservago — Restauracio de Bens Culturas, realizado entre [A Histon On ARTE & 8 Passcevacho & Bens Cutrurass + AUR Pascots Cunna — 407 9. 11 de outubro de 1990, na cidade do Rio de Janeiro, ¢ no L4th International Congress of the International Institute for Conservation of Historic and Artistic Works (IIC) — Conserva- tion of the Iberian and Latin American Cultural Heritage, realizado de 8 a 13 de setembro de 1992, em Madei, Espanha, 408 RestaveagAo: CIENCIA E ARTE ‘SOBRE OS ORGANIZADORES Marylka Mendes € professora da Escola de Belas-Artes/UFRJ, mestre em Artes, Coordenadora do Curso de Especializagao em Conservacao de Bens Culturais Méveis (UFR\/Escola de Belas Artes), fundadora e Presidente da Associacao Brasileira de Conservadores-Restauradores de Bens Culturais — ABRACOR — (1980-88) e restauradora auténoma hé mais de 30 anos. ‘Antonio Carlos Nunes Baptista é quimico, mestre em Ciéncia da Informacao (Escola de Comunicagao/IBICT/UFR)), Coordenador do Curso de Especializagao em Conservagdo de Bens Culturais Méveis (Escola de Belas Artes/UFR)), pesquisador na UNI-RIO/Mestrado em Meméria Social e Documento, Presidente da Associagi0 Brasileira de Conservadores- Restauradores de Bens Culturais — ABRACOR — (biénio 90-92) e Coordenador de Preservacao da Fundacao Biblioteca Nacional (1992-95).

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