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A. A. LONG (Org.) PRIMORDIOS DA FILOSOFIA GREGA Cian & LETRAS Scanned with CamScanner Reno: avo Enron Nelo Ani Bone all 1d Ci Din mane — sna Gt Duceangi ce Fb do Ain Simone Ras de Gad Tuovcto: Coe Palo Feria Vin Fema! om Dee dob gua Coorong Eorrontt: *AMone detente. ‘ented Cao Lae The Meropltan oft Ne Ye Colegio Companion & Companions ‘Thule orginal: Early Greek Philosophy Copyright © Cambridge University Press 1999 ‘The Edinburgh Building Cambridge, CB2 2RU, UK ISBN 0-521-44667-8 ‘Todos 08 direitos em lingua portuguesa, para o Brasil, reservados & EcltoraIdéas & Letras, 2008, IDEIAS & LETRAS Editor lias & Let ftua Pe. Claro Montero, 342 ~ Centro 2570-000 Aparecida-$P Tel. (12) 3104-2000 - Fax (12) 3104-2036 Televendas: 0800 16 00 04 vvendas@ideiasletrascom br ‘wor ideiaseletras.com br Dados Internacionais de Catalogagao na Publicaco (CIP) {Cémara Brasilelra do Livro, SP, Bras) rimérdios da Flos -Aparecida, SP: Idélas & Letras, 2008, -(Colega0 soffa Grega (A. A. Long (org. [radugéo Pauio Ferrera). Companions & Companions) ISBN 978-85-7696-004-9 4. Filosofia antiga |. Long, A.A. I. Série. cop-180 Indices para catélogo sistematico: 1, Fllosofia groga antiga 180 Scanned with CamScanner 14 Retdrica e relativismo: Protagoras e Gérgias Paut Wooprurr Dae © Gérgias sao os mais importantes entre os primeiros sofis- tas, Muito embora a filosofia como nés a entendemos nfo seja a sua principal ocupacio, eles ensinavam concepgSes ¢ métodos de argumentacao que exercem grande fascinio sobre os filésofos posteriores. Em seu contexto, exibem 0 espirito do novo contetido de aprendizagem, a revolugio cultural ¢ intelectual do século V a.C. na Grécia. Essa revolucao — ou, antes, a reacio contra ela — € ilustrada nas Nuvens de Aristéfanes por uma personagem que entra para uma escola sofistica a fim de aprender o “argumento injusto”, 0 qual, segundo havia ouvido, seria capaz de ganhar o favor de um juiri em prol até mesmo do pior infrator. O curriculo, ele vem a descobrir, envolve ciéncia e retérica, ambas ridicularizadas nessa sétira. O que nao é ridfculo éa animosidade popular contra a escola, 0 que leva & sua intineragao (com pelo menos um estudante dentro), ind{cio sinistro dos fortes sentimentos que posteriormente contribuiriam para a morte do homem cujo nome Arist6fa- nes usa para designar o lider da escola sofistica ~ Sécrates. Os soristas Sécrates, como Plato se esforga por mostrar, nao teria lugar em uma tal escola, pois nfo se ocupava da retéricaforense ou da ciénela natural, no ensinava por pagamento ¢ néo viajava. Os sofistas, por contraste, viajavam de cidade em cidade, ensinavam adultos e jovens ¢ recebiam pagamentos consideriveis, em especial pelas ligdes sobre o poder das palavras. O termo sophistés em seus primeitos usos refere-se a homens sibios tais como os poe- tas, ainda ocorrendo no século IV a.C. como termo geral ; sofos. Sob a influéncia de PlatSo, contudo, a palavra adquire um escopo mais restrito e passa a ser asociada em especial com a ret6ria ¢0 relativism. Isso para oradores ¢ filé- Scanned with CamScanner iA ménp108 DA FILosorrA Gres! 366 Pau ssuntos ensinados pelos sofistas estavam ag : a ois entre OS sagt * Pp odireito, a histéria, a mneménica, a lt politica, rats, Tatura 2 Metafisicg é enganadot, tia, aética, a teorla : nomia. mitica € a astro! 5 i . mate oa. Outr05 tinham interesse antropolégico pelas Otigens da c epistemologia- tura humana, a qual (em ean Z eae se $b a invengao humana. A mensagem le sah prog) : lecorre dos deseny, are eenolgicose poltic promoviaa tes, francamentepropox, aac eo, de que a educagzo €um dos maiores bens publics, Cada sie dos muitos livros ¢ discursos produzidos pelos sofistas 5, mos forcados a elaborar conclusbes especulativas a respeito de pontos espections de douttnas de que possulmos escassa evidéncia. Muito do que julgamos saber acerca dos sofstas deriva de Platdo, que critica muitos deles por se apresentarem como professores de asuntos de que, segundo julga Plato, nao tém conhec- mento. A obra de Plato é uma ficcao histérica escrita 50 anos ou mais depois de Protégoras produzir ondas de choque em Atenas. O objetivo de Platio é antes filosdfico que histérico, e devemos ter cuidado para nao nos deixarmos seduzit por sua escritavigorosa e tomé-la como um testemunho fiel da época. ‘Alguns sofstas lidavam também com cul. Parte do objetivo de Platao ¢ evidentemente distinguir Sécrates dos so fitas com os quais le estava associado na imagina¢ao popular, objetivo est Que ajuda a explicar por que Platao representa Sécrates como adversitio de diverss sofistas, desafando-os a defender sua pretensio a professores ¢ne- gando veementemente que ele, Sécrates, seja um professor. Muito embora Platdo tate Protégoras ¢ Gérgias com respeito, seu Sécrates refta-os com ae ae em geral, duro com os sofistas. Em sua opiniao, 08 flécas eel ela aparéncia e a verdade pela persuasao; usa rente para desencaminhar uma audiéncia perplexa € al sim ser capazes aetunneg as & veneer qualquer um pelo poder da retérica, mesmo € intos em que eles, og sofistas, sejam completamente ignorantes. retrato dos so P| ig) fistico” a argum, ts por Platio nos lega a aplicagao do adjetivo ~~ dicagses em 1, oe fortuosas desonestas, Nao obstante, seguinde it” notével defends "fitiioso novecentista George Grote apresenta ‘ofistas em sua Histéria da Grécia, a partir do que mutes estudiosos ree test : Sociada. O lugar dos net S¢PAar seu objeto da i egativa a ele + O lugar dos soi ij imagem nega Feconhecido, sna histéria da filosofia grega é hoje amplamen"* Scanned with CamScanner RETORICA E RELATIMSWO: Pothconas Gor EGOrcus 367 ¢ primeio € mais bem-sucedido auto-prodamadg profisso, como cle a defna, cade math oe Bed, on on ea a Sus esta windorlhes a virtude de bem deliber ie a at Cewboula), a gu, siman, rornd-los-ia altamente capazes € poderosos na vida piblica e na admini goo proprio lar (Platéo, Prot. 318e). Protégoras tinka am, a ministra- peo ws da linguagem, em especial pela oratéria. Na cae melhor conhecido por sua maxima de que “o homem é a medida ea : wis” (DK 80 BI), 0 qu, segundo a intrpretaio de Pato, ¢ ay a sativa a verdade & percepgio e a0 julgamento individual _— putkado das sentences de rotigoraschegou até ns, lm de algunas pal ras ttulos ou slogans, de modo que a tarefa de reconstruir seu pensamento com base em tais pontos é, em larga medida, especulativa, De Gérgias temos dois discursos completos, um fragmento substancial de um terceiro ¢ dois sumérios diferentes de um texto filoséfico de porte “uma infima porcentagem da lavra de uma vida longa e produtiva. Con- temporineo préximo de Protégoras, foi professor de oatériapibliae, s- gundo Plato, nao pretendia melhorar seus extudantes de qussquer ours mmaneiras. Por que o deveria fazer, se acreditava no poder supremo da palavra? Gérgias transpunha o método de argumentagio empregue na oratria pix blca para a abordagem de profundas questées filoséfias. Enquanto Prot gorastelativizava a realidade ¢ afirmava o conhecimento individual, Gorgias neava a realidade ¢ 0 conhecimento. Essas duas doutrinas paradoxais sfo provavelmente respostas a desenvolvimentos da flosofa prgresa ambas provocando respostas por parte dos filésofos posteriores. O sucesso de Protégoras como professor e a fama de Gérgia como OR dor abr caminho para a geragdo seguinte de sofas, Prédico er conhe- Cido por fazer distingdes precisas na definigao de palavres: Hipias nha umm amplo espectro de interesses: diz-se que teria feito avanso® em ciénca (n- veniou a curva conhecida como quadratrz),sendo conhecido oe su obra em astronomia, Temos evidencis igualmen dos sion de Anne, Cane, Enno, Eutiemo, Tanase, Alias 0 © Andie de Jimben (om ertor deconheio iad PO aoc ee eee ce manne (358¢-359, . Concepges relacionadas a essas aparecem ito entre lei ‘oreo contato social) no Gorgas (S83a-H84e > ° oe Scanned with CamScanner 368 anwonoos ox Fiosore GREE de Platdo. A influéncia dos sofistas também fica evidente na ma. no realismo acerca da motivagao humana ¢ na reticéncia g e dos deuses presences na Historia da guerra do Plopony, ¢ natureza) estria da retérica, respeito da religiao de Tucidides. Sécrates aparece como pérstite, 420 a.C.), dando piblcaensinada pelos sofists, Muito embor veto de Séerates por Aristfanes deve ter sido suficientemente verz parg bre uma audiéncia que conhecia Sécrates. A parte Ang. Ainica figura ateniense proeminente engajada professor nas Nuvens de Arist6fanes (versio gy. ligées de ciéncia natural € do tipo de oratérig :mbora falso em diversos detalhes, 9 causar impressio s fonte e Tucidides, Sdcrates € 2 nos novos ensinamentos, sua atuagi sofitas, Ele compartilhava com os sofistas os interesses em ética e adotara algumas de suas ida e alguns de seus métodos. Sua teoria da punisio coma educativa esté préxima da que Platéo atribui a Protégoras (Prot. 324b) e seu método de questionamento é uma variante de uma pritica dos sofistas. Seu interesse pela definigao de conceitostais como o de justia tem relagées com as obras dos sofistas sobre a correcio das palavras. io tendo muito em comum com a dos A RETORICA A persuasio, afirma Gérgias, “tem 0 mesmo poder, mas no o mes- mo aspecto, que a compulsio”, e o tem em virtude da habilidade adquitida (tékbne) do orador, quer 0 que diga seja verdadeiro, quer ndo (Encimio de Helena 13)! Gorgias assenta essa tese sobre trés exemplos: os astrOnomos es- peculativos s4o persuasivos a respeito de objetos invisiveis com base na mera opinido; os filésofos triunfam em razao da perspicicia de seu raciocinio; € 05 oradores nas cortes de justica vencem antes em decorréncia da habilidade Com que seus discursos so escritos do que em virtude de estarem certos. Que a habilidade com as palavras possa passar por cima da verdade em uma corte de justica nao implica per se uma filosofia cética ou relativista. Esst concepgao pode ser sustentada igualmente por alguém que respeite a verdade NS ca © Encémio de Helena encontase em DK 82 B11. Hé tradugdes em Sprogue [431] ® Gagarin/ Woodruff [429], Scanned with CamScanner RevOnIcA & Revamiisio; Provicons eGonous 369 (como Gérgias alega fazer no Encémig de Helena) ou pot aloud jek posibilidade de se falar a verdade (como Gérgias Patece aay ciel Sobre o nos). Até mesmo Patio reconheceo pode, de as ane tados a grandes grupos: por isso, apresenta Sécrates em ago oe emqueaverdade tem melhor chance de eee de justica. As cortes atenienses consisti: os jurados fossem subornados, Ser persuasiva do que em uma corte am em jris grandes dems para que mas facilmente se deixavam conver cer discursos. Sécrates, por contraste, an fax apelo as convicsSes que seu interlo- cutor —€ 56 ele ~ tem de mais arraigadas em si, devendo a verdade, endo » habilidade de cada contendor, ser relevante para a andlise dese convicgées, Os primeiros professores da art das palavras foram Céraxe'Tisas, na Sic Nio obstante, no sio comumente litados como sofsas. O primeizo profesor aser chamado de sofista foi Gérgias, que assomou a Atenas oriundo de Leontini em 427 a.C. ¢ foi a influéncia maior sobre a préxima geracao de oradores, O advento da democracia em Atenas e na Sicilia a0 longo do século V a.C. dé no- vos poderes a oradores habilidosos nas cortes de justica € nas assembléias, mas a arte das palavras nao é uma invengio recente. Os gregos tinham um fascinio por enibigoes de oratéria piblica jé desde Homero, sempre honrando quem tivesse sucesso em tais disputas de discursos. Estadistas como Temistocles deviam seu stucesso & oratéria muito antes de os sofistas entrarem em cena, sendo os discursos uma caracteristica j4 das primeiras pegas de teatro gregas, Em todas as cidades gregas, especialmente nas democracias, a orat6ria tinha lugar de destaque no entretenimento, nos drgios deliberativos e nas cortes de justica. Atenas oferecia a todo cidadio adulto do sexo masculino o direito de falar em assembléia, o que dava a desocupados intrometidos (conhecidos como demagogos) a oportunida- de de influenciar a politica por meio dos discursos publicos. Ao mesmo tempo, as cortes democriticas podiam arruinar ou salvar um homem, a depender (20 que parece) de quem, acusador ou acusado, fazia o melhor discurso. A retérica, no entanto, nem sempre triunfava na politica ou oferecia seguranca nas cortes de justica. Péricles, o melhor orador de sua época, no teve sucesso em sua defesa legal, ¢ 0 discurso de defesa de Antifonte, embora tenha granjeado sucesso entre os intelectuais, nao o salvou da execugio. A tradigao filos6fica de considerar a retérica meramente como arte da persuasio deve-se em larga medida a Platio, que representa Gérgias a ensinar a retérica como uma arte da persuasio que é neutra quanto a seus objetos, Scanned with CamScanner i 370 panos fos SE o suficiente para derotar até mg, i 56 ¢ é poderosa prendida por st - eeciidade Pensadores anteriores a Pi; a maneira consciente um conceito assim ee ca é tendenciosa, j& que muitos dos prime; m além de uma arte da persuasio neu, gob o rétulo de “arte das palavras, og i caracteristicas dos atos de fala (Ari ai aia 9 correto uso dos termos € 0s métodos een go, Estes tilts sahara propésitos néo apenas inctacanstiog Shdy amenago. Bass Oi nvestignbessrias de todo tipo, a metaica an, ae Jos nfo podem produzir conhecimento, tropologia. Notando que ts méco oe Pld erroneamente infer que nao fem valor que nao o de persuasio, talvex no empregassem rexgrica, A caracrerzagao PHN ros profesores de orators publica ia tos? Sabemos que cos tais como a8 Jatonic “Corres das palavras” re em o titulo dos ensinamentos de muitos sofistas, mas apenas em signifcava. Provégoras argumentava que “ia! (cubstantivo feminino também em grego) de- ‘ero masculino. O mesmo Proté- alguns casos sabemos 0 que no primeiro verso da Ihiada veria ser tratado como pertencente ao gén também pretendia corrigir poctas que aparentemente s preciso das palavras, ais contradiziam cm seus versos: Prédico argumentava em prol do uso fezendo distingdes cuidadosas entre pares tais como “prazer” € “desfrute™! ‘Ambos evidentemente almejavam precisio maior com as palavras do que petmitia 0 uso convencional. Também Gérgias faz apelo & corregio das pala: vras (DK 82 B6), mas sua arte acrescenta aos discursos ptiblicos 0 eufemismo ea metéfora (B5a, 15 ¢ 16). As concepgbes filoséficas de sofistas célebres n° 2 Ea principal texe de Col le [440], sobre mes (1993) 385.389. re a qual cf. a resenha de W. W. Fortenbaugh e™ ‘vidéncic ‘ ncias do inferesse de Prokigoras pela correcao das palavras: Platso, st 39, Fedko 267c6, Prot. 3 173617. , Prot. 3386-3390; Plutarco, Péricles 36.3; Aristteles, Soph. El. 4 Imitado em Plato, Prot. 3370, Scanned with CamScanner Rn AT Prone 37. aitem um padrio fixo de cores, Daf quel no ‘corregio” fosse pretendido um uso ane wre fose compativel com o relativismo em decorrénci ae arena inguagem pode aftr diferentes psoas dion rok dvida de que o padio de Protigra independ a prefer géneros naturais a génetos convencionais, suponham -M,> Uso esse fat de que a lente, Contudo, opinigo publica, Discursos opostos ‘Arte de apresentar discursos 0} = deambos 0s aa Reais ee eee red por Protigorase outros soitas (DLIKSI). Asobrs de Prosigoras esti hoje peridas mas emosexemplos supérstites nas Tetralogias de Antifonte ¢ nos Dissot légoi, assim como na Hinéria de Tucidides ¢ em pecas de Eurlpidese Aristfanes Essa arte guar da relagio com “tornar mais forte 0 argumento mais fraco" férmula que, dada aambigiidade das palavras gregas, significavaigualmence “fazer parecer correo 0 argumento erréneo”. Os discusossupérsties de Gorgias usta como argumentos astuciosos podem fortalecer um argumentofraco, Esa prt fo! ulizada por muitos sofia, sendo parte da acusio velada con- (Platao, Ap. 18b). Argumentos opostos assim como argumentos tra Sdcrates fazem uso do conceito de eikés, em defesa de uma posigao fraca,tipicamente 0 que envolve certa relatividade. Eikés e enboulia ovivel ou plaustvel) € los sofistas. Tinha do também ativa razodvel (cikds: Pr comum ensinado Pp discursos deliberatvos, ten cial. Bons exemplos s#0 Fazer apelo a uma expect © esquema de argumentagao mais amplo uso na retérica forense ¢ ¢m fungio ditil no que hoje chamarfamos de iéncia 8 * Guthrie [17] 205. * ibido por Arsteles« rotigoros (Ret 1.24 1402623) Scanned with CamScanner 372. ranéxorosoaFuosona Green os discursos supérstites de Gorgias na Defésae nas Tetralogy ico acusado de furtar uma ttinica, por exemplo, podera fazer apelo & expectativa de que um homem rico, que pode compra, nfo se arrscaria a furté-la. Antifonte foi acusado como lider de m 411 a.C. O fragmento supérstite de seu discurso de Jeto da nogao de eikés, argumentando que a moti. tha um governo estabelecido néo se aplica em encontrados n¢ de Antifonte. Um homem ri uma ttinica, um golpe oligérquico ¢ defesa depende por comp vacio provavel de quem pertur seu caso: nio seria cikds um orador desejar mercado para discursos em tal regime politico. Tais apelos, freqiientemente apresentados como perguntas retéricas, sio fundamentas s extruturasargumentativas desenvolvidas pelos sofas: ds otdgoras era conhecido) e hierarquias exaust- cursos opostos (pelos quais Pr clas por Gérgis). O eikés €empregue quando vas de argumentos (desenvolvi rece de um testemunho visual, como no caso da reconstrugao da historia guiando extrapolagoes a partir da escassa evi- im Tucidides freqiientes vezes fazem apelo a0 tanto no debate acerca das a oligarquia, visto haver menor seal grega pregressa por Tucfdides, déncia dispontvel. Os oradores cis para embasar suas predigdes sobre o futuro, estratégias como na exortacao & batalha.! ihés como um valor oferecido pelos sofis- Platio erroneamente trata 0 ¢t tas em lugar da verdade (Fedvo 2672). Em seu uso real, cikés um método veconhecidamente atriscado de se explorar a verdade, quando a evidéncia disponivel nao di suport aconelusbesdeterminadas, Como tal, 0 conceito de eikds depende do conceito de verdade. O que & eikds, afirma Aristételes, ia das veres” e, quanto mais freqiientemente vemos tdo mais cikds ela & (Rhet. 11.25.8-11). Isso, que uma generalizagio € 0 230, se aplca bem o bastante &s questOes abordadas pelos sofists. O ikés nio & a falta que tipicamente ameaga um julgamento baseado no que éei de instancias de sua regra geral (o que obviamente ocorre em casos normais), sas sim a existéncia de informagGes que excluiriam da incidéncia sob es regra geal o caso em questo. Se, por exemplo, tudo 0 que sabemos équeo acusado era rico ¢ o furto foi de apenas uma tinica, nao esperaremos racio- nalmente que 0 acusado seja 0 ladrao. Todavia, a adigao de certos detalhes (0 &o que ocorre “na maior porém, nao 7 Woodruff [448]. CF. tb. Vegetti, neste volume, p. 353s. Scanned with CamScanner Revon “AE RELATIVISMO:ProtAGoRAS EG6nous 373 fio daquela noite; a auséncia de testemunhas; o descuido do acusad 5 lo acusado, faviasado sem a. sua einica) tomam a acusagio mai que icusagao mais razodvel, Dis . Discu i 1805 ‘opostos Nos sofistas ¢ em Tucfdides mostr: : sstram que esses pensadores estavam sdentes de que diferencas nas informacGes adicionais peram dif &eikds — que, portanto, é telativo as informacées site vee oe de fundo de um caso € mudar-se-4 0 que é razodvel acreditar a eee Quando pouco se sabe a respeito dos fa . consideragdes em vista das ai oeiee ool ies eet ranodveis, como ocotre na primeira tetralogia de Antif ee , fonte: 0 acusador argu- menta ser plaustvel que o rico acusado tenha cometido o crime com vistas a proteger suas riquezas do homem que € acusado de haver matadoy o acusado contra-argumenta que cometer o crime poria suas riquezas sob um tisco ainda maior e, portanto, é improvével que o tenha feito. O acusador chama, entio, a atengo para um fato que 0 acusado omite: 0 acusado estava sob 6 tisco de um processo por parte da vitima, Esse fato derrota a expectativa normal de que homens ticos no precisam recorrer ao crime. ‘Tais apelos as expectativas normais sio 0 que os ldgicos modemos cha- mam de falluei sustentam-se em condigBes normais ¢ sio derrotados por anormalidades inesperadas. O bom uso de tas raciocinios depende do sent- do claro do que é normal em uma dada generalizagio, asim como de nosso conhecimento 2 respeito do que pode produzir a sua derrota. O raciocinio falivel é, por vezes, 0 melhor que podemosoferecer (como na maior parte dos diagnésticos médicos). Sua desvantagem, porém é depender pesidamente ia de quem o usa, que deve ser capar de fazer as do bom jutzo e da experi perguntas certas ¢ identificar as respostas relevantes. Todos os julgamentos es adicionais seletas. Aristételes ig- morsco e erroneamente supée que uma conclusio pode ser eiké sem qualifi- cacio, Segundo Aristteles, quando conclusGes opostas parece igualmente cikés, apenas uma delas serd eikds sem qualificagso (Rhet. 1.24). Se, porém, pudéssemos julgar a conclusao sem quilificagao, ndo haveria necessidade do cis, Arist6teles teria rao se dissesse que apenas uma ¢ verdadeira, mas esse € outro ponto. f importante contrastar os julgamentos do que € eikds ¢ os ciéncia moderna. Probabili- .rvagées, nao sendo relativas do que & cikés sao relativos a informagé resultados probabilisticos que encontramos na dades sio baseadas em indug6es a partir de obse a informagées subjetivas. Para o eikds, no entanto, a questio nao ¢s6 Bene Scanned with CamScanner 374. Prumonotos DA FiLosoria GREGA Puumonoros on Frosoria Grace ralizagio de que depende é verdadeira — visto que 0s adversitios concordam que é — mas se 0 caso incide ou nao sob essa gencralizagio. A virtude q : lo ¢ ¢ eikds nao é a sua base empfrica, mas a relevang; ia bom julgamento do qu da informagao que 0 enquadra. ‘Aristdteles afirma, na passagem citada, que 0 uso de tais racioctnios pop Protégoras incottia em ira piblica, por parecer tornar mais forte o argumen. to mais fraco. Tal método suscitava 0 temor de que um bom orador poderig com sucesso defender um criminoso ou culpar um inocente. Na auséncia de testemunhas que decidam a questao ¢ no caso de o julgamento nao con. seguir decidir que informagao é mais relevante para 0 caso, uma disputa de discursos que fagam apelo a0 eifds pode set meramente uma disputa entre os poderes persuasbrios de ambos os oradores. Em um tal caso, um orador pode argumentar tao bem em prol de uma parte quanto da outra, se for treinado para fazé-lo. Para Platao, a possibilidade de argumentos igualmente criveis de ambos 0s lados é fatal para a integridade moral da orat6ria forense: pessoas sérias dlevem se ocupar de questdes ultramundanas. Para aqueles, contudo, cujas preocupagdes sf0 a pritica politica ¢ o dircito, como Protégoras, 0 perigo do raciocinio segundo o que é eikés aponta para a enorme importincia da euboulla (faculdade de bem deliberar”) ~ uma virtude tida em alta conta pe- los gregos. A faculdade de bem deliberar € responsavel pela importantissima diferenga entre a ret6rica enganadora e uma investigagio séria em éreas em que um conhecimento inabalivel é impossivel. A retorica de Gorgias A retérica de Gérgias exige especial tratamento, nao apenas porque Gér- gias é 0 principal entre os primeiros oradores gregos, mas também porque dois discursos completos de sua lavra sobrevivem, 0 Encémio de Helena e2 Apologia de Palamedes (DK 82 B11), assim como um fragmento substancial de um terceiro, a Oragio fiinebre (BG). Todos eles pretendem exibir a arte da oratéria publica por meio do uso de recursos que possam ser facilmente transpostos para outros discursos. Em estilo, organizacao e argumentacao, Tepresentam padrées que aparecem na oratéria posterior como resultado da Scanned with CamScanner nn Pron ns a jpflutncia de Gérgias como prof Pee as como professor. Sua Onapzo Sjversos discursos, da oragio finebre de Petites & de nna ecoa em Iogia de Palamedes € imitada em organizagio e argume » © sua Apo- menos que Plato em sua Apologia de Sate (nai commen nto, simplesmente como Apologia). Elementos do estilo Gases cic giveros outros discursos de Plato, em especial o Encdmig a en i a . or pro- unciado por Agatio no Banguete, Na vida rel, o ensinamento de Ginga tem grande influéncia sobre Hipias e, mais tarde, sobre Isérates, conten raneo de Platao. O estilo de Gérgias taz para a prosa algo do poder de mexer com os sensimentos da audiéncia associado por ele & poesia (Helena 9). O ritmo, 0 equilforio eas rimas internas tém o propésito de tornarcertas passagens memordveis (como em poesia) ¢ os pensamentos sio expressos por meio de uma linguagem ornamentada por metéforas (BSa) ¢ expresses compostas (B15). O equilfbrio ¢ 0 ritmo sao atingidos por meio do uso de antiteses ape- nas parcialmente apreendidas pelas tradugGes: “se ela foi raptada por meio de violéncia, ilegalmente violentada e injustamente abusada, claramente 0 raptor cometeu injustica a0 cometer abuso e a raptada padeceu infortiinio ao padecer abuso” (Helena 7). Sabemos que a arte das palavras de Gérgias depende do conceito de kairés — dizer a coisa certa no momento certo -, mas nao sabemos exatamente 0 que € pretendido com isso (B13) ¢, nos discursos supérstites, Gérgias nao seleciona apenas 0 argumento certo para © momento, mas acumula argumento sobre argumento tentando fazer com que a audiéncia pense que ele cobre todas as possibilidades. A Apologia de Palamedes & provavelmente composta como um discurso de defesa paradigmatico perante uma corte de justiga, muito embora 0 caso seja extraido de mitos que se passam na época da Guerra de Trdia. Célebre por sua inventividade, Palamedes ¢ acusado por Odisseu de ter aceito subor- no dos troianos para trair os gregos. A matéria repousa sobre o eikés porque nao hé evidéncias disponiveis (no entanto, no século IV a.C. Alcidamas es- cteve um discurso de acusacZo para o caso, evidentemente em resposta ao de Gorgias, no qual Odisseu faz apelo a evidéncias nao mais dispontveis — uma flecha que continha a mensagem de um troiano a Palamedes). A defesa de Gérgias segue um padrao familiar a leitores da Apologia de Platéo, do repi- dio inicial da arte retérica (4) ao apelo final acompanhado de um aviso aos Scanned with CamScanner 376. tnnwnorsnaFnosor Gmc Osargumentos no discuso sfo organizados de um modo que julzes (33-35). tod juces( surada de Gorgias: toda possbilidade é levada em consider, a marca regis ae fae ao, mesmo as que apenas se seguem de possibilidades jérejcitadas. Com, por exemplo, podera Palamedes se encontrar em segredoe em Priva com os trianos se nao tém uma lingua comum? Suponham, contudo, que te. nham se encontrado; como poderiam trocar promessas em segredo? E assim por diame a longo de uma enorme lista de perguntas retéricas igadas poy “conceda-se que isso aconteceu; mesmo que nfo tenha acontecido, como ip poderia acontecer?”.* O Encémio de Helena argumenta que Helena nao deve ser culpada pela Guerra de Tréia. Nao é sua culpa que ela tenha sido raptada para Tibia, Esse discurso também depende do que é cikés. Apenas quatro explicagées poss. veis para a ida de Helena a Tibia sio razodveis, segundo Gorgias: os deuses planejaram-na; Helena foi fisicamente forcada a ir; Helena foi compelida pelo poder de um discurso; ou foi afetada pelo amor. Gérgias mostra, mais uma vez de maneira exaustiva, que em cada uma das possibilidades ela ¢ in- culpdvel. Seu argumento em prol do poder de um discurso celebra o poder dea linguagem afetar a mente comparando-o a0 poder de uma droga afetar © corpo (Helena 14). Encontramos um tributo ao poder enganador da lin- guagem também em uma sentenga supérstite a respeito do teatro: “a tragédia produz um engano tal que quem engana ¢ mais justo do que quem no enga- na e quem se deixa enganar é mais sdbio do que quem nao se deixa enganat” (B23). Todavia, em seu ensaio Sobre o ndo-ser, Gérgias parece asserir que no podemos nos comunicar por meio da linguagem, o que cria um problema a que devemos retornar mais adiante. As ultimas palavras do Encémio de He- Jena sustentam que esse discurso foi escrito para deleite do autor, néo sendo possivel estarmos certos de quio a sério Gérgias tomava argumentos como fesse que oferece. A jocosidade abunda nos primérdios da oratéria grege. O uso de faldcias absurdas, tais como as que tornaram Eutidemo famoso, tem antes a fungao de atordoar a audiéncia do que ludibrid-la ou persuadi-la con- ‘aa sua vontade, Em seu todo, porém, a arte das palavras tem propésitos sérios ¢ cobra pagamentos, * Para uma onde detalhada, cf, Long [464]. Scanned with CamScanner RETORICA E RELATIVISMO: PROTAGORAS EGORciAS 377 O RELATIVISMO 0 relativismo, definido em sentido lato, é qualquer concepgao que con- sede que julzos aparentemente confitantessio iguais em algum aspecto para as pessoas que deles se ocupam — igualmente arbitréios,igualmente r2z0- vei, igualmente dteis ou igualmente verdadeiros. © relativismo extremo & qualquer concep¢io que nega a possibilidade de uma verdade absoluta insistindo que nada pode ser verdadeiro sem qualificacao. Seu correlato mo- ral insiste que nada pode ser bom sem qualificagao. O relativismo extremo jnteressa aos fildsofos porque torna a contradigao (ou a contradicio em t6pi- os morais) imposs(vel, mas nfo pode ser atribuido a nenhum sofista, com a possfvel excecdo de Protégoras.? Os primeiros viajantes gregos prontamente chegam a idéia de que dife- rentes tradiges morais descobertas por eles so igualmente arbitrdrias, visto repousarem apenas sobre os costumes. © poder do costume (némos) era re- conhecido antes dos sofistas ¢ celebrado no freqiientemente citado verso de Pindaro, “o némos é rei” (encontrado, por exemplo, no Gérgias de Plato, 484b), Herédoto observa como as nodes corriqueiras de certo e errado va~ riam ao longo das fronteiras culturais(I1I.38) e, como professores-vigjantes, alguns sofistas desenvolvem um interesse pela comparacao de idéias éticas, politics ereligiosas em diversas culturas. Pesquisas desse tipo tendem a fazer com que os valores tradicionais parecam arbitrrios, ¢ mesmo os defensores de tradigbes recentemente surgidas tém razio para se sentir ameacados pelos novos ensinamentos de fins do século V a.C., que fazem apelo aos conserva- dlores que criticavam os costumes da Atenas democritica. Tl pesquisa po- detia levat ao relativismo extremo se nao envolvesse um compromisso com valores naturais tais como a paixio pela natureza que guia Célicles em seu ataque radical 20s costumes (Platio, Gorg: 483a-484c). J vimos como concepgSes opostas podem ser tornadas igualmente ra- zadveis por meio da selegio de diferentes informagdes como relevantes por diferentes oradores para jutzos do que ¢ eikés. Embora perturbador, esse re- sultado nao acarreta o relativismo extremo: concepgGes contrérias podem ser @ Bet [470], Fine [473]. Para Protégoras em relagdo a Demécrito, <. Taylor, neste volume, p. 260. Scanned with CamScanner 378 Priméxotos pa Fitosorta Greca —— igualmente razodveis em um mundo de verdades inqualificadas, assim como pode ser igualmente provével que uma moeda dé cara ou coroa. Ademais, 0 relativismo extremo climinaria 0 eikds ao rejeitar a verdade inqualificada, que é um parente conceitual préximo. ; Concepeées confltantes podem ser fgualmente steis depenclendo das circunstincias, Como Herdclito, Protagoras provavelmente sustentava que a mesma coisa pode ser boa para uma espécie ¢ ruim para outra (Platéo, Prot, 334ac, cf, DL 22 B61). Segundo essa concepsao, opinides conflitantes sobre ser um certo éleo sauddvel ou nao dependem do fato de 0 dleo dever ser ministrado externa ou internamente. Tal relativismo pode promover em algumas mentes a idéia independente de que nao hé tal coisa como um bem ‘ou um mal absolutos, mas nfo acarreta por si s6 o relativismo extremo. ‘A igualdade quanto & verdade & uma tese mais radical, sendo muito provavelmente o ensinamento de Protdgoras: “o homem € a medida de tudo, do que é de que é, do que nio é de que nao é” (DK 80 B1). Segundo Platdo, essa sentenga (provavelmente oriunda de um livro intitulado Ver- dade) implica que 05 meus juizos so verdadeiros para mim € os seus, para vocé (Tht. 152a). Em seu contexto inicial, isso parece se aplicar apenas & percep¢io, mas Platao o estende para a opiniao em geral. Segundo Platio, Protdgoras tem em mente a tese de que nenhuma opiniao é jamais falsa, sendo qualquer opinido sempre verdadeira para a pessoa que a sustenta. O relativismo quanto a verdade implica que concepgées conflitantes sio igualmente verdadeiras. Isso suscita um problema em légica. Se as concep- g6es conflitantes so contrérias, nao podem ser ambas verdadeiras; isso é © que “contrétio” significa. Se, porém, nao séo contrérias, em que sentido conflitam? Nao pode ser um conflito verifuncional se nao hd verdade co- mum; € no pode ser um conflito quanto a acdo se nao hd uma realidade comum em que se possa agir. Protdgoras e a verdade Os filésofos antigos reconheciam as dificuldades do relativismo protago- tico quanto a verdade. Quatro solugdes foram aventadas na antigiiidade, ne- nhuma delas completamente satisfatéria. Nao podemos ter qualquer certeza Scanned with CamScanner RETORICA E RELATIVISMO: PROTAGORAS EGORGIAS 379) aespito de qual, se alguma, corresponde & posicio de Protégoras. Devemos ai am merce que © homem-medida chega até nés sem um contesto que nos permita uma interpretacao definitiva. Quanto a se “homem” se refere 20 jnividuo oud especie, 0s etudiosos em geralseguem aleturaindividualsta de Platéo, mas com precaugao. O testemunho de Platéo nao ¢ autorizado, sito encontrarse em tum didlogo que pertence & obra floséfica de Platio. A cwidencia de autores posteriores como Aristételes e, muito mais tarde, Sexto Empitico deriva de fontes académicas contaminadas por Platio." O que segue € um sumdrio das principais tentativas de reconstruir 0 ensinamento de Protégoras. Em primeiro lugar, Aristételes julgava que Protdgoras pretendia elimi- nar o principio de nao-contradigéo, insistindo que opiniGes conflitantes sio simplesmente verdadeiras, ainda que contraditérias. Ele afirma que a dou- trina do homem-medida tanto se segue da seguinte posigdo como a acarreta, a saber, que 0 mesmo jufzo pode ser ao mesmo tempo verdadeito ¢ falso (Met, IV'5 100926-15 ¢ IV.4 1007b18-25). O custo, porém, de abrir mao desse princ{pio é alto, ¢ Protégoras parece invocar esse mesmo principio em outros contextos: Protdgoras 339 mostra que Plato julgava que Protégoras objetava a contradigées em poesia, e as tentativas de Plato de resolver esse problema nao eliminam o principio. Em segundo, uma solucao implicada pelo Teeteto de Platéo (sem sua confusio com as posigies de Herdclito): se “a brisa esta quente” ¢ “a brisa esté fia” séo contrérios sem qualificagao, s40 opostos 0 suficiente para ser confli- tantes; se cada um é verdadeiro segundo uma qualificagao (“para mim”, “para voce”), so iguais 0 suficiente quanto 4 verdade, embora nenhum seja sim- plesmente verdadeiro, ¢ as qualificacées (“para mim”, “para vocé”) climinam © conflito, Se essa é a solucio de Protagoras, ele deve negar que um orador Possa realmente contradizer 0 outro, ¢ também isso é atestado (Platéo, Euth. 286a-b, DL IX.53). Cada falante deve se reportar a uma verdade privada, sem, portanto, que haja conflito entre eles. Também essa posi¢ao tem seus custos: é dificil entender o que podem significar essas verdades privadas, Para um elegante sumério das principais quesiées relativas & interpretacdio desse fragmento o consenso dos especialistas a respeito, cf. Mansfeld [475] 43. Scanned with CamScanner 380 Priménnros pa FitosoriaGreca em especial porque os estudiosos concordam que Protdgoras nao pode ter sido um idealista e que ele nao pretendia que 0 contetido em minha mente simplesmente constitufsse a minha verdade privada."' F dificil, além disso, climinar a idéia — fundamental para o pensamento de Protdgoras — de que os falantes possam assumir posig6es contrarias. A solugao de Platao, contudo, climina no apenas 0 conffito Iégico como também 0 conffito pritico. Por exemplo: voc, julgando a brisa fria, pode querer abrigo, 20 passo que eu, julgando-a quente, posso querer ficar2o ar livre. Como, porém, no estamos falando da mesma brisa, nao ha conflito. Em terceiro esté a interpretacao heraclitica encontrada igualmente no Teeteto. © Sécrates de Platio atribui a Protégoras, assim como a Herdclito, a iia de que opostos sempre invadem e abandonam as coisas que percebemos (Sendo que tudo o mais esté igualmente em mudanga). Esse é chamado 0 “ensinamento secreto” de Protégoras, dando a entender que nao hé evidén- cias dessa interpretagao, quer se trate de registro escrito ou de transmissies orais. Devemos supor que se trata de uma contribuiggo exclusiva de Platao, sem relevancia direta para Protégoras, exceto em razéo de devermos explicar por que Plato pensa que a hipétese da mudanga explica o homem-medida. Sua solugéo para o problema da contradigao ¢ a seguinte: 0 que percebo é © caso somente no momento em que o percebo, eo mesmo vale para voce (assumindo-se que nenhum de nés percebe o mesmo objeto no mesmo mo- mento € que cada um de nés muda o objeto ao percebé-lo). Platio insiste que, nessa concepsao, “é” tem de ser substitu(do por “torna-se”. Se, contudo, 0 “é” é climinado, sao igualmente eliminados a verdade ¢ 0 conhecimento tais como Platao os entende. Nao obstante, as percepgGes mutantes de cada qual infalivelmente correspondem aos objetos mutantes com os quais ele ou ela estd em contato perceptual, de modo que algo como a relatividade da verdade é preservado na doutrina secreta. ‘A quarta solugao é a mais benigna. Suponha-se que hé uma verdade para todos nés, a qual, porém, é complexa o suficiente para dar suporte a todas as nossas diferentes concep¢Ges a respeito, As coisas podem ser constituldas a partir de opostos, por exemplo, como os primeiros fildsofos gregos acredi- 1 Burnyeat [471]. Scanned with CamScanner Reo RICA E RFLATIVISMO: PROTAGORAS EGOncus 38] sero cas0;€ s€ hd tanto frio como calor na brsa, poss sentir mais d : . . i or (devido a alguma caraceristca peculiar de meu apaatoperesptl) en vane voce sente Mais do fri, mas cada um de nds sene algo que est ver dadeiramente na brisa. A brisa é, na verdade, tanto fria como quente, ¢ isso élogicamente posstvel se os opostos puderem ser co-presentes, = doce oamargo podem estar misturados em uma mesma sopa. Iso deixa a légica jntacta, mas em que sentido permite o conflito entre as opinises? As opini- ies confiiam em decorréncia do fato de que isolam opostos polares dentre 4s qualidades da brisa. Podem igualmente conflitar se recomendam cursos postos de ago (ir para dentro, ficar ao ar livre), visto que se trata do mesmo vento para ambos. A tinica autoridade antiga para essa quarta concepsio Sexto Empirico (PH 1.216), mas a sua caracterizagao pode ser derivada de uma leitura equivocada do Teeteto de Platéo, que requer ou bem a segunda ou, entéo, a terceira interpretacéo.? © argumento em prol da quarta inter- pretagio deve repousar sobre o eikés: € a concepgio mais razodvel em vista do que conhecemos a respeito de Protégoras ¢ de seu tempo.” Nessa leitura, Protigoras nao nega a verdade absoluta ¢ nao é um relativista extremado. Esse é um bom resultado, porque o relativismo extremo é incompativel com diversas teses propostas por Protdgoras e outros sofistas. A natureza e 05 novos ensinamentos “0 que vemos”, diz. Gérgias, “tem uma naturera (phys) nfo a que que- remos, mas a que toca a cada coisa tet” (Helena 15). Apelos a(s) natureza(s) das coisas s40 endémicos nos novos ensinamentos € climinam o relativismo extremo € 0 ceticismo. A natureza é independente do que alguém a pensa ser, de modo que, se um pensador pretende atacar as concepsoes populares ou convencionais, o que pode ser mais natural ou apropriado do que fazer apelo "Para a segunda, ef, Bunyeat [471]; para aterceia, Fine [473] ‘ "> Essa reconstrugdo, comumente chamada de interpretarso objetiva, 6 fovorecida por muiloseatedionas revonters Kererd [433] 87; Mansfeld [475] 43; ¢ Schoppe 1476) 130. Para uma resenha das opinides dos especialisas, cf. Kerferd [433] 87 0. 3. Scanned with CamScanner 382 Pamono10s pn Fivosorta Grea & propria natureza como testemunha contra a tradicao? A natureza subjaz ag conhecimento do mesmo modo que a convencio (némos) subjaz & opinigg ¢ apelos & natureza tipicamente tentam opor 0 conhecimento do Seutadoe que a natureza é a mesma para todos, 0 apelo 4 2 opinido comum. Visto visto que esse mesmo apelo pressupse natureza desafia 0 relativismo ¢, conhecimento, elimina 0 ceticismo. Segundo Platio, Hipias faz apelo & phis para defender sua tse do pa. rentesco comum dos homens (20 menos dos sdbios), que séo divididos por eras conveng6es ou fronteiras de estado (Prot. 337d-338b). O Cilices de Platao ataca a justica convencional por tentar bloquear a lei natural de que os fortes devem ser livres para satisfazer seus maiores desejos (Gorg. 482css.) Gérgias € por demas jocoso para termos certeza de que acredita no que air- maa respeito da natureza no Encémio de Helena, mas 0 ponto é claro no que diz respeito ao padrao protagérico de é aplicado contrariamente as conveng6es da linguagem, como se se tratasse — a generos naturais, por exemplo." Além disso, “correcao das palavras”. Esse padrio de um apelo @ natureza Platio faz seu Protégoras defender a justiga como universal nas sociedades pondo-a entre as necessidades da vida humana. Embora adquirida a justiga é paralela as habilidades naturais dos animais, humanas, por aprendizado, necessdrias a sobrevivéncia (Prot. 322). Como ferramenta necesséria 4 sobre- vivéncia, a justica nao pode ser o que um certo grupo a diz ser. Nao pode, por exemplo, set a lei do olho por olho, dente por dente (que nao promove a sobrevivencia), devendo, pois, haver limites naturais para o que a justiga deve ser, Uma caracterizagao adequada do relativismo de Protégoras deve set moderada por um reconhecimento dessa sua tendéncia ao naturalismo. ‘A combinacio nao é téo estranha quanto parece: Nietzsche combina seu bem-conhecido relativismo perspectivista com um naturalismo psicolégico. Para relativistas antigos e modernos, contudo, o naturalismo tem rafzes no na metafisica, mas na experiéncia humana.!> Em geral, o ataque dos novos ensinamentos a tradigao funda-se nao sobre o relativismo, mas sobre concep- 4 Aristételes, Soph. El. 14 173b17. '5 Sobre o naturalismo e o perspectivismo de Nietzsche, cf. B. Leiter “Perspectivism 07 Nietzsche's Genealogy of Morals” em R. Schacht (ed.) Nietzsche, Genealogy, Morality: Essays on Nietzsche's Genealogy of Morals (Berkeley/Los Angeles, 1994) 334-357. Scanned with CamScanner Rania Ears: Proriconas e Gonos 383 pes acerea das naturezasfxas das coisas. As concepeées tradicionas de que so relativistas'® 9s sofstas so relativistas'® devem ser suplantadas pelo reconhecimento de que o que caracteriza os sofistas como um grupo é antes, o seu compromisso com a natureza humana enquanto objeto de estudo. Devemos igualmente abandonar a idéia de que os sofistas sejam céticos, Gorgias ¢ 0 ceticismo As trés teses de Gérgias em seu ensaio Sobre o ndo-ser sio, para tudo o que se pode nomear: (1) que nao é nada; (2) que, ainda que fosse algo, seria incognoscivel; ¢ (3) que, ainda que fosse cognoscivel, nao se o pode- ria tornar evidente a outrem.”” Isso nao é nem ceticismo nem relativismo: nio é ceticismo porque um cético (no sentido antigo do termo) se abstém de toda crenga, inclusive de crencas negativas tais como aquelas em prol de que argumenta aqui Gérgias; ¢ nio é relativismo porque as teses de Gérgias sio globais ¢ negativas (“é incognoscivel para todos”), a0 passo que um relativista como Protégoras sustenta teses positivas ¢ locais (‘mi- nihas concepgdes sao verdadeiras para mim’). Nao é o relativismo extremo porque torna a falsidade imposstvel e, portanto, elimina a contradigao ¢ a refutagio, € Gérgias consistentemente defende que algumas posigdes sio verdadeiras e outras, falsas."® Gorgias desenvolve seu argumento dialeticamente, usando formas de argumentacéo emprestada de fildsofos dogmiticos aos quais se ope ~ prin- cipalmente Zeno e Melisso. A obra é uma tentativa séria de refutar as con- cepgGes desses pensadores e de Parménides sobre o ser. A tese € simplesmente negativa, de modo que nao podemos estar certos quanto ao que Gérgias '© Por exemplo, de Romilly [435] 95-103. ” © ensaio Sobre 0 ndo-ser de Gérgias sobrevive em duos poréfrases: uma, de Sexto Empitico (AM VIl,65-87), foi evidentemente adaptada para servir aos propésitos céticos dos fonts de Gérgias;« outa, do autor do pseudocaristotéico Sobre Melsso, Xendfanes © Gérgias, 6 preferida por muitos estudiosos e est traduzida em Gagarin/Woodruff. [429]. A pardtrase de Sexto Empltico esté traduzida em Sprague [431] como B3. " Kerferd [433] 97. Scanned with CamScanner 384 Prim6roios DA Frrosoria GREGA poria, se & que poria algo, no lugar das concepgées que refuta.” Parece mais provivel que ele nao tenha nenhuma teoria filosdfica para propor em seu lugar — nenhuma caracterizagio alternativa do ser, do conhecimento e do significado -, apenas a prética (que ensinava) de influenciar os assuntos hu- manos por meio do uso efetivo das palavras, Em um contexto moderno, talvez ele se intitulasse behaviorista e pragmatista. Muito embora o ceticismo ¢ o relativismo sejam stricto sensu opostos, tém certas afinidades, A relatividade & um dos principais modos da argumen- tacao cética na antigitidade tardia, as fontes antigas identificando Enesidemo ~o pensador que provavelmente fez 0 pirronismo renascer no século I a.C, — como um relativista, Embora uma das fontes de Sexto Empirico faga de Protégoras um dogmatico (PH 1.216), outra lista-o entre os pensadores que abolem qualquer critério por apelo ao relativismo (AM VII.60). Todavia, 0 caminho segue em ambas as diregGes: 0 ceticismo acerca do imperceptivel leva ao relativismo. Caticismo acerca do impercepttvel “Acerca dos deuses”, escreve Protégoras, “nao estou em posicio de saber se existem ou nao, nem que aparéncia tém, pois muitas coisas impedem meu conhecimento 0 assunto é obscuro (ddelon) ¢ a vida humana é curta” (DK 80 B4). Protagoras provavelmente quer dizer que nao temos qualquer vislumbre claro dos deuses, como terfamos se vivéssemos 0 suficiente para testemunhar os eventos em que os deuses supostamente intervém. A respeito desse ¢ de outros assuntos, Protégoras afasta qualquer especulagio que v4 além da esfera humana.” "Sobre a interpretasio do ensaio Sobre o ndo-ser, cf. Kerferd [433] 93-100; Mourelatos [465]; e Newiger [466]. Victor Caston argumenta, em um brilhante artigo publicado 1no Festsschrift em homenagem a A. P. D. Mourelatos que o mesmo Victor Coston edita, ue 0 oponente de Gérgias no tratado no pode ser um eleata, e ele conjectura que seja Protégoras. Sobre as implicagées de B4 sobre a interpretagdo do fragmento do homem-medida, cf. Mansfeld [475]. Scanned with CamScanner nn ETN Peo Gnas 385 Em geral, Protégoras a © que conhecemos a0 que percebemos, 0 sen 080 ddelon. F¥4 evidéncias que sugerem que Protégoras sustenta ye 0 que Se percebe em certo momento € tudo o que hé2! Um empitismo abusto como esse conduz ao relativismo acerca da verdade (com problemas aserem discutidos as seges seguintes), visto que diferentes pessoas podem perceber diferentes coisas em circunstincias similares, E por taisrazdes que Deméctito rejeita a percepcao como fonte de conhecimento de como as visas iO - © podemos ter certeza de que Protdgoras evitaria pronunciar-se arespeito de entidades obscuras como os dtomos de Demécrito. Protdgoras ¢ Demécrito so oriundos da mesma cidade e foram contemporineos pré- ximos (houve debates jé na antigiiidade a respeito de quem teria sido o mais yelho). Temos evidéncias de que discordavam, de maneira confusa para seus seguidores antigos, quanto a0 peso do relativismo perceptual. Demécrito contesta a posigao de Protagoras de que “as coisas nao s4o mais (ou mallon) isto que aquilo”, embora afirme algo bastante similar. Presumivelmente con- cordariam a respeito da existéncia de estruturas fixas abaixo do nivel da per- cepgio (DK 68 B156.14). Até mesmo Platéo concorda com a relatividade do que é percebido: € por isso que se volta para o imperceptivel. Protégoras, contudo, se afasta do imperceptivel, comprometendo-se forcosamente com alguma forma de relativismo. Ensino sem conhecimento Plato pensa que a maioria dos sofistas déo maior valor & percepgio do que & verdade. Acusa-os de se apresentar em como professores de mo- 21 Aristételes, Met. IX.3 1047047: “nada & perceptive [como F] a no ser que seja percebido [como F]", cf. DK 29 A29. Dizse também de Protigoras que asseria que 4 circunferéncia e a tangente se encontram ndo em um ponto (como o afirmam os gedmetras), mas, presumivelmente, como veremos, ao longo de uma distincia (Aristételes, Met. II.2 997b35.998a4). Um possivel fragmento de Didimo, o Cego, tem relagdio com isso (Woodruff [479]}, como também o didlogo entre Zendo e Protigoras sobre 0 paingo (DK 29 A29 = Simplicio, In phys. 1108.18ss.). Para concepedes relacionadas, ef, Antifonte 6 e 37 em Gagarin/ Woodruff [429]. Scanned with CamScanner 386 PrmoxoiospaFirosoria Green ral quando seu conhecimento se reduz (segundo Platio) a pouco mais do que a habilidade de papagueat os experts. Os padrdes de Platio sfo clevados demais para que um ser humano normal se coloque & altura deles (como o préprio Platao reconheceria), mas nao podemos salvar Protdgoras ¢ Gérgias dessa acusagao simplesmente ao aplicarmos um padrdo menos rigoroso, visto termos razo para acreditar que ambos ensinam concepgées que tornam im- possivel satisfizer qualquer padrio razodvel de conhecimento. Como pode Protdgoras ensinar algo se o relativismo significa que ele nao sabe mais do que seus pupilos? Como pode Gérgias ensinar se tem razdo em seu ensaio Sobre o ndo-ser? Para serem coerentes em pensamento € a¢ao, devem crer que podem ser professores sem ter conhecimento. Uma resposta & maneira de Gorgias Gorgias alega ensinar apenas retdrica e, se Plato tem razdo a esse respeito, Gorgias ensina a arte de falar em total abstragiéo de qualquer assunto. Sobre 0 ndo-ser suscita dificuldades para 0 conhecimento € a comunicagao de como as coisas so, mas nao implica nada diretamente relacionado & maestria ¢ & transmissio de habilidades. Assim, por exem- plo, Gérgias ensina carpintaria, e concordamos que, se pode fazé-lo sem pretender conhecer ou dizer 0 que a madeira ou os méveis realmente so, estéa salvo de seus préprios argumentos (se néo dos de Sécrates). Gérgias, no entanto, ensina retérica, 0 que é vulnerével como nada mais, © terceiro argumento do ensaio Sobre 0 ndo-ser conclui: “se algo é cognoscivel, ninguém o pode tornar evidente a um outro tanto por- que as coisas nao sio palavras quanto porque ninguém tem em mente a mesma coisa que 0 outro”. Se 0 objetivo da retérica fosse por nas mentes de uma audiéncia 0 que 0 orador pretende, a ret6rica eficaz seria impossivel, segundo esse argumento, Nao obstante, Gérgias ensina retérica. Talvez ele assuma 2 Gagarin/Woodruf [429] 209. Scanned with CamScanner ReTORICAE ne rt Poem tan 387 a concepsao diferente, segundo um gundo a qual um ora se consegue 0S Votos que pretende, gt eka nie nas mentes de sua audiéncia ~ isto & seo seu objetivo fe que ocorre ‘0 for puramenti e comportamental. Se assim for, o argumento de Gorgias nao vai 40 vai contra o ‘40 constitui : = ui uma a contra a sua carreira. O objetivo da retérica serd o de influence - 1 4 nada mais.” cat a agéo, Uma resposta it maneira de Proségoras © homem-medida de Protégoras implica que, jd que meus julzos sio verdadeiros para mim eos seus, para vocé, nenhum de nés tem nada agankar de um professor ~ nao, ao menos, no que diga respeito a verdade (Plato, Tht. 161c-162c). Todos temos, gracas a nossos recursos privados, 0 conhe- cimento que podemos ter, ¢ ninguém pode conhecer mais do que qualquer outro qualquer assunto que s¢j Se 0 objetivo do ensino fosse a transmissio do conhecimento, o ensino seria imposstvel para Protagoras. Nao obstante, Protégoras ensina. Talvez porque separe o ensino do conhecimento. O principal assunto que ele ale- gaensinar é a faculdade de bem deliberar em assuntos priticos, a euboulla, juntamente & habilidade de se pronunciar de ambos os lados de uma ques- to — habilidade essa que Aristételes conecta a0 uso de eikés (Rhet. 11.24), A faculdade de bem deliberar na drea das expectativas razodveis depende nio de se ter um conhecimento da verdade maior do que os demais, mas de se ter 0 bom senso de fazer quest6es pertinentes ¢ reconhecer qual a in- formacio mais relevante. O eifds é um parasita conceitual da verdade, mas © rumo até o eifds (diferentemente do rumo até a verdade) néo requer um ; F i dos conhecimento especial do assunto em discussio, visto que ambos 05 la partem das mesmas informasbes. em uma disputa acerca do que é eikés ; : iy professor, nio hé necessidade Portanto, para que Prot4goras possa ser um ® Mourelatos [465]. Scanned with CamScanner Prusténp10s pa Fitosora RecA de mais informagées ou informagGes melhor fundamentadas do que aque. las que seus pupilos detém. Pode-se, em ver disso, ensinar com base apenas nesta vantagem: o bom jufzo. Gérgias ¢ Protégoras dariam respostas semelhantes porque ambos s¢ afastam do fascinio dos primeiros filésofos pelo conhecimento da natureza abscéndita das coisas. Contudo, néo climinam a natureza. E a natureza que estabelece as condiges da sobrevivéncia humana torna previstves 0s efeitos das palavras ¢ das paixdes sobre as nossas ages. Nao é, porém, essa a Natureza buscada por cientistas e metafisicos por baixo da superficie das aparéncias conflitantes. A natureza, para os sofistas, €a realidade com. plexa que demarca a experiéncia humana € nos capacita a ter expectativas razodveis um em relagio a0 outro, Embora jamais seja estvel o suficiente para ser objeto de um conhecimento de estirpe platOnica, essa realidade & acessivel & opinio de cada um através da honestidade ¢ do bom jutzo. E muito embora a arte das palavras nao seja apropriada para provar uma opi- nigo ou outra além de qualquer diivida razodvel, pode nos levar a ver quais as opinides mais razodveis que podemos sustentar em vista do que de fato conhecemos. Na arena da agéo ¢ da deciséo humanas, em que o conheci- mento nao consegue se sustentar, ensinar a faculdade de bem deliberar ¢ a arte das palavras assume o mais elevado valor prético. Esse é o principal ensinamento dos sofistas. Seu inesperado legado é 0 desafio perene que oferece aos fildsofos. 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