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HUM ANI DADE’S = 3 3 5 8 gO a = a 8 Q 5 Ww NOS ESTUDOS LITERARIOS Mice lay G TN eV vare ever aN EMG AL Um poco de método (nos estudos Titerérios em particular, com extensio 3s humanidades ‘em geral) teve seu embrigo no fim dos anos 1970, quando 0 professor Roberto Acizelo de Sow que ainda cursava a pos-graduagio, esereveu uma simula de procedimentos proprios a0 processo da pesquisa e sua editoragio. © objetivo era organizar um material para seu proprio uso, mas que também pudesse ser itil a seus alunos. © texto foi publicado em um periddico académico e, alguns anos depois, com pouquissimas alteragSes, em outro. niimero do mesmo periddico. A época teve boa receptividade, e alguns colegas Ihe sugeriram. que ampliasse 0 artigo o transformasse em. uum manual universtirio. © ritmo intenso de trabalho a agenda sempre tomada por iniimeros outros projetos fizeram que a ideia deste livro sempre fosse adiada, No entanto, a sensagio. de inadimplénc associada A certeza de que © manual poderia prestar bons servicos, 0 obrigaram a reservar alguns meses 4 conclusio desta obra, que tanto tem de singular qu: to de itil. HUMANIDADES UM POUCO DEMETODO HUMANIDADES RoneRto Acize10 DE Souza UM POUCO DEMETODO NOS ESTUDOS LITERARIOS EM PARTICULAR, COM EXTENSAO AS HUMANIDADES EM GERAL Copysight © 2016 by Roberto Aielo Quetta de Souza ‘Copyright desta ego © 2016 F Realzagies ator Tso Manoel de Oia tho Condenador da Bibteca Hamanidades Jodo Cezar de Castro Rocka Prado edna capa e projet sifice RealzagbesEltors Dingremagto ance Borate Galante Prparago de texto dns Adorno Revie Solange Gongales Guerra Martine Marta Almeida dS Reweraostodos ordi detache robs tod qaser repo dess lginpor quarrel fms eee ‘nie mec oc gato ov qualquer O80 ideo ser pes exes eo Sous Ret Acid de, 18 inp de mises eck em pr xen inten el Raber Aco de So. — 1.0 SloPain fear ‘upd om (lines amass) iaweresseon. 246 Fetes 2. sbngaa Meteo ees ‘Bea Bator Liar Psi Le, ‘ua Fanea Fn 98: Sio Pos? 4016-02 (ana tl 45210010970, Ten (851) 7 ‘Nendmenoderliacvercoh be wmecraacoscombt evi aan emptiness nee Ao professor Mario Camarinha da Silva, in memoriam, [..] sea razio feu] perdesse, juntamente ‘Com ela perderia o sentimento, SILVA, Anténlo Dini da Cut, Roe tomo T, que contm os tos Lisboa: Tipogras Laced, 107.237. SUMARIO Nota pteliminar | 13 1. QuusrOEs concErTUAIS -Metodologia cientifia: pequena histéria de uma lotimia | 27 A Tormagio do pesquisador em literatura: proposigio eum itineririo| 29 A questo do método nos estudos litertios | 56 2. INSTRUMENTOS OPERACIONAIS ‘Trabalhos universitiri Normas-e criatividade | ‘Modalidades | 74 Projeto de pesquisa | 76 Leitura: modalidades etéenicas Leituea exploratéria | 81 Leituraanalitica | 83 Leitura comparativa | 88 ‘Tecnica das fica efichétios Fichamento | 92 Fichitios | 100 ‘A monogratia Escolha do tema elevantamento Dibliogrifco | 105 ‘Os dacs: coleta, critica, ondenagio | 110 Posigio propria | 110 Redagio | 113 ‘Onganizagao do plano de exposigfo | 114 Forma final Elementos prétextuais | 115 ‘Texto principal | 124 Elementos pds-textuals | 147 Algumas ecomendagdes geras | 375 Relatério de pesquisa | 180 Glossirio | 83 Refers | 193 Indice temitco | 203 Indice onoméstico | 205 LSTA DE ILUSTRACOES Figura 1 ~ rojeto de pesquisa roteeo | 79 Aspecto de pigina sinalizada por leitara litica | 86 igura 3 Ficha | 93, igura 4 ~ Modelo de ficha bibliografca | 96 im 5.~ Modelo de fcha de conteida | 96 126 ~Fichitio | 101, Figura 7—Resumo: exemplo | 118 igura 8 ~ Abstract: exemplo | 119 Figura 9 Sumario: exemplo (1) | 120 Figura 10 - Sumario: exemplo (2) | 122 Figura 11 ~ Suméios exemplo (3) | 130 Figura 12 - Referéncias:exemplo | 172 ‘igura 13 ~Relatio:roteiro (1) | 181 Figura 14 ~Relatrio:roteiro (2) | 182 No remotissimo ano de 1978, quando ainda cur- sava a pés-graduagdo, resolvi escrever uma stimula tle procedimentos préprios ao processo da pesquisa © eaitoragio de seus resultados. Visava, principal- ‘neote, organizar um material para men proprio uso, que, a0 mesmo tempo, pudesse vir a ser itil aos ‘meus alunos. © texto foi publicado num periédico nico e, alguns anos depois, com um minimo de alteragdes, num outro niimero do mesmo periddico. Teve, na époce, boa receptividade, e alguns colegas tne sugerizam que eu ampliasseo artigo ilustrando-o com exemplificagdes, de modo a transformé-lo um manual universitério, ‘Me animei com a possibilidade, mas o tempo foi ppassando, prossegui na carrera docente, me dediquei imeros outros projetos,e, por mais quem alguns momentos me dispusesse retomar a ideia, tentando lizar mins leituras para enfim executé-la, o fato 6 que as oportunidades sempre fugiam, atropeladas por outros compromissos de trahalho que se impu- ‘nhamt na minha agenda, Como, no entanto, perma- nnecia eerta sensagdo de inadimpléncia, associada & conviogio de que o manual de que cogitava, tendo em vista © cenario que continuava observando em nossos cursos de graduagio e de pés-graduagio, ainda po- dria prestar bons servigos, resolvi finalmente abrir uum paréntese nas minhas atividades e reservar alguns meses i sta elaboragio, Confesso que foi um exercicio de paciéncia re ciclar um material tio antigo, e sobretudo encarar a aridez dos documentos normativos da Associacio Brasileira de Normas ‘Técnicas, a fim de me atualizar com novidades que perdera de vista, e ainda, pela pri 4 me instruir sobre sistemas de referéncia a :ateriais obtidos por meios eletronicos. Terd valido 4 pena, contudo, caso este humilde livrinho possa ser Ati colegas e alunos, Coma parto do principio de que a metodotogia comporta tanto uma dimensio especulativa como outta operacional, dispus a matéria em duas partes: na primeira ~ "Questdes conceituais” —retino trés en- saios publicadosa partir de 1990, que julguet adequa- «dos para sugerir o horizonte em que se devem situar ‘0s problemas priticos tratados na segunda parte “Instrumentos operacionais’-, horizonte na falta do a elaboragao de trabalhos académicos degenera numa intransitividade sem sentido. Dado que se tra ta de duas partes aut6nomas,¢ visto que na primeira cada ensaio por sua ver & ant6nomo, a ordem da lei tura fica por conta do leitor. Rio de Janeiro, 30 de dezembro de 2014 PS, Boa parte dos textos que compéem este volume {bi objeto de publicagdes anteriores. Embora eles aqui se apresentem reelaborados, quando nao quase inti ramente reescritos, convém fornecer as referéncias de suas versbes inicais, “Metodologia cientifica: pequena historia de uma ciclotomia” saiu num periédico académico: Cadernos de Letras da UFF, Niteréi, RJ: Universidade Federal Fluminense, Instituto de Letras, m.15,p. 7-14, !8sem. de 1990. “A formagao do pesquisador em literatura: propo- sigdo de um itinersrio” do em diversos eventos universit de Pesquisa e Criagio Literdria do Programa de Pés- Graduagio em Estudos Literdrios da Universi de Estadual de Montes Claros (2009); Seminario do Niicleo de Pés-Graduagao em Letras da Universidade Federal de Sergipe (2011); Aula Magna do Mestrado em Letras (campus Trés Lagoas) da Universidade Fe- eral de Mato Grosso do Sul (2011); VIII Encontro de Pesquisas em Andamento do Programa de Pés-* -Graduagéo em Estudos Literdtios da, Universidade Federal do Paré (2011); VI Seminario de Pesquisa em Literatura do Programa de Pés-Graduacio em Letras dda Universidade Federal de Ubertindia (2012); II Se- ‘minério dos Alunos de Pés-Graduagio.em Literatura dda Universidade Federal de Santa Catarina (2012);XI Semana de Letras do Instituto de Ciéncias Humanas i primeiramente apresenta- fos: I Seminario. « Sociais da Universidade Federal de Ouro Preto (2012); VIII Selesigno / IX Simpdsio de Literatura da Universidade Estadual de Londrina, Posteriormente, saiu em dois peridicos: Revista Guavira, és Lagoas, MS: Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, campus Tiés Lagoas, volume especial, 2011; Mara: revista dos Cursos de Pos-Graduagio em Letras da UFPA, Belém: Instituto de Letras e Comunicagao, Universidade Federal do Pard,n. 35, p. 319-340, jan jun. de2011. “A questdo do metodo nos estudos literdrios” foi apresentado no IMI Semindrio de Pesquisa Discen- te do Programa de Pés-Graduagio em Literatura da Universidade Federal de Minas Gerais (2013), ¢ posteriormente publicado em revista: Letras de Hoje, Porto Alegre: Programa de Pés-Graduagio em Letras da PUCRS, v.49, n. 4, p. 471-476, out/der, de 2014. ‘Toda a segunda parte - “Instrumentos operacio- nals” -, por sua ver, teve por base 0 texto “Para a efi- ciéncia no trabalho/estudo universitério: métodos e técnicas’, publicado anteriormente em dois niimeros da revista Legenda, da extinta Faculdade de Bduea- Gao, Ciencias e Letras Notre Dame, do Rio de Janeiro: on, 2(p.5-18), de 1978, e0 n.7 (p. 59-73), de 1983. 2 AAos amigos Jodo Cezar de Castro Rocha, José Carlos de Azeredo e Manoel Pinto Ribeiro, e minha filha, Leticia Chaves de Souza, que me ajudaram na claboracio deste trabalho, os meus agradecimentos, No infcio dos anos de 1970, implanta-se no Brasil ‘uma reforma universitéria que, entre outros princi-* pios, valorizava @ pesquisa, situando-a, no mesmo plano do ensino e da extensio, como um dos angulos da fancao triplce que passa entao a atribuir-se a uni- versidade. A concepgio de pesquisa, contudo, pelas ‘complexas razdes que mantiveram o Pais na condigio de satdlit, lnnge do compromisso com a produsfo de conhecimento com luz prépria, implicou a promogio do treinamento técnico, simploriamente confundido ‘cam formagio clentifica, Assim, como parte do pro- jeto de Brasil grande concebido pelos governos mi- litres, a6 instituisSes universitirias se propanham antes adestrar mo de obra eficiente para atender & diseiplina. ‘A segunda é que a concepcio monista - 0 método cientfico é um s6 para todas as disciplinas-, se parece slequada para as cigncias exatas eas da natureza, no (0 € para as humanas, em cujo Ambito seria d lumbraz, numa situagio concreta de pesquisa que se viesse a analisar a observineia sequencial das instén cias de observagio, experimentagio, quantificasio ledugio matematica, Pois como cumpris, numa inves- Ligugio filos6fica, por exemplo, o momento da quant ficagio? Convenhamos que, quando isso for possive, iaremos antes em face de excegio do que da regra. Por outro lado, em compensagao ~ e eis a tereeira inferéncia -, parece que as chamadas cigncias duras nao se revelam muito compativeis com a concepgio pluralista. Basta verificar, nesse sentido, como soam estranhas as expressoes método anatomico, método -gastroenterolgico, método odontoldgico, por nds wtili- vadas acima por necessidade argumentativa, as quas, como vinos, implicam postular especificagées disci- plinates do método; em contrapartida, método his- t8rico, método socioldgico, métado linguistico ete. sio locugdes que podemos empregar sem qualquer abalo nos sensores ultrassensiveis dos usos idiomticos. Fechemos agora, enfim, o foco sobre os estu- dos literrios B fato incontroverso que a teoria da literatura, a mais ipica representagdo disciplnar da drea no séct- lo XX, nasceu sob o signo da discussio metodoldg ‘Como sabemos,o tratado fundador da disciplina - 0 influent Teoria da literatura, de René Wellek e Austin ‘Warren, publicado em 1949 - se estruturou justamente tendo em vista a questio do método." Assim, propos ‘uma classificacio seminal, ao fazer distingio entre Assinale-se que como declan os stores no prefico&primeia ello da obra (1982 [1939], 7.9), o alo de gu coglaram nici, ‘mente par oleo fol Terk de eraturae modo do edo Merri, enim preterido pela formslgio mals sence Teva da trata, Ha dss tadugdes aca para porta portagues, Ae 1962, conserva o tial do original inglés a Baler, de 2003 recupers oto primciramentecogiado plo autores, apenas lie tuliando a enpressionele constant “literary study tad por “estado errs (© que chamaram os autores “métodos extrinsecos” « “estudo intrinseco da literatura, este voltado para « anélise critica da obra considerada em si mesma, ‘como artefato verbal autdnomo e de natureza estética, ‘© aqueles dirigidos aos seus aspectos tos por perifé- , € por sua vez divididos em quatro modalidades: étodos biogrifico, psicoldgico, socioligico e filos6~ fico, Essa constitu a tese defendida no tratado, bem «como 0 principio ordenador de suas partes ecapitulos, ‘que dé bem a medida da centralidade assumida pelo problema do método na sua concepcio. Duas décadas depois, o problema continuava na enda da érea, do que é indicio obra de alguma pre- ga internacional de autoria do professor argentino Fntigque Anderson Imbert." ‘Trata-se de Métodos de «ritica literéria (1969), em que o autor, nitidamente «coando a sistematizacao proposta por Wellek e War- ‘en, apresentava uma clasificagao bastante minuciosa «los métodos utiliziveis nos estudos literérios, porém io menos confisa,além de afetada por diversas in- consistencias, Em sintese, eno cabendo aqui discutir ‘ mérito da proposigio, ele parte da distinglo entre 0 «quechama “métodos auxiliares” ou da “critica externa” «que comportatiam os métodos histérico,sociolégi- «ove lingufstico, além de ontros que o autor contempla «om um “ete? ~ e “métodos da critica interna’, Estes, por sua ver, se diversificariam em virias modalidades, vena, modlzando um pouco a asses, psree rests & ola internacional a ob, ols, exert em espana ue sea oso conheeimenta slog ako pruo pots, Sevan vt tend sido profesor nas unlersidades Columbia «de han. eye por longs nos, de 1965 até se aposetar er 1980, sot de Mersturs Nepano-eerisana em Haran rad espe Inlet parade ‘ondenadas em trés categorias bsicas: métodos da “ati- Vidade criadora’, desdobrados nos métodos histérico, sociolégico e psicolégico; da “obra criada’, consttui- dos pelos métodos tematico, formalista ¢ estilistico; e métodos da “recriagio do leitor’ subdivididos nos étodos dogmitico, impressionista¢ revsionista, Pela mesma época, no ambito do estruturalismo neoformalista francés, Tzvetan Todorov dedica con- siderivel atengdo ao problema do método, num dos ensaios integrantes do volume O que é0 estruturalis- ‘mo? (1968), destinado a apresentar a nova fstonomia assumida por diversas disciplinas como decorréncia daadogio dos pressupostos estruturalistas. No referi- do ensaio, pubticado no Brasil num pequeno volume ‘uténomo intitulado Estruturaismo e poética (1970), a questio do método € tratada na seguinte passagem: [ua] 0 objeto da Podticaé a literatura, ox [J alite- sariedade; eseu método, as leis que Ihe governam 0 discurso, Mas se examinarmos de mais perto essas dduas nogies, a evidéncia cede lugar a uma incerteza. [toda obra de Poétia [..] trata de literatura, mas através dela trata sso a um nivel mais profundo, de seu proprio discurso, da imagem da literatura {que ele propse. O fim \iltimo de tal obra é sempre 4 construgio de uma torla seria mais exato e mais honesto dizer que o fim da obra centifica nio & 0 melhor conhecimento de seu objeto, mas aperfel- coamento do discurso clentifico, Tratase de uma consequéncia do cariterteético desse tipo de dis ‘curso, Mesmo que as obras concretas fossem 0 ob- jeto da Potics, na medida em que seu discurso & ‘e6rico, ela substtuiriaimperceptivelmente esse ob- {eto pelo seu prépria discurso, Mas como a Poética sb trata de virtusis,ndo de reais, e como esses v tuais existem precisamente pela forga de seu dis- ‘curso, parece incontestavel que seu objeto primeiro no 6 senio um meio de tratar do segundo, (..} 8 Ciencia ndo fla do seu objeto, mas fala de si coma ajuda desse objeto, Produz-se,portanto, uma curiosa inversio: 0 objeto dda Podtica & precisamente seu métodbos [..] as dis cussies metodologicas io sfo] uma parte limita ‘da do conjunto da Ciéncia, uma espécie de produto suplementar, mas Ihe sia] 0 pediprio centro. Quan- to literatura, ela & precsamente a linguagem que permite 8 Podtica voltar-se para si mesma, a medi dora de que esta se utiliza para conhecer-se asi ped pla [«] esse objeto aparente que é literatura nio passa [..] de um método particular escolhido por um discurso para tratar de si proprio. © método é0 objeto da Cigncia, seu objeto seu método (Todo. ro, 1970 [1968], p. 117-118). A citagdo decerto saiu mais longa do que o dese- ‘mas nao nos pareceu possivel submeter a pas sagem a cortes ou patafraseé-la, sem se perder © que tom ela de fundamental. Nao sendo aqui pertinente sliscutir 05 muitos problemas que suscita, basta por «an televo, considerando os objetivos que nos propu- somos, a habilidosa manobra argumentativa do autor, com a qual, ali, ele préprio parece deslumbrar-se, 1) definicla como “curiosa inversio”. Por meio da Imanobra referida, romper-se-ia 0 compromisso das ciéneias com o que nao passaria de um trambolho {3rosseito ~ seus objetos -, e, pela tal “curiosa inver- ‘io’ estes ~ 08 objetos ~ seriam substituidos pela fi- nara dos métodos, Com isso — belo resultado final ~a ‘operagio do conhecimento se transformaria numa espécie de trinsito livre por uma estrada desimpe- ida, que, de resto, numa circularidade confortivel, conduziria da cigncia & propria cigncia, No caso es- pecifico da poética, entio, 6 esquecer essa coisa infor- ime e fugidia ~ a literatura -, a fim de se lidar apenas ‘com o proprio método forjado para conhecé-la Estranha opeio por absoluta seguranga opera- ional, vale dizer, metodolégica: exorciza-se assim qualquer possibilidade de inconsisténcias, erros ou contradigGes, mas, como parece correto constatar, usta de uma estéril tautologia. No entanto, como a critica desses aspectos nos dispersaria de nosso tema, concentremo-nos no que por ora nos interes- sa: talvex tenhamos aqui a mais completa defesa do relevo que se deveria dar & metodologia no Ambito os estudos literdrios, cristalzada em verdadeira pro- clamagio: “|... as discusses metodolégicas nao s{0] ‘uma parte limitada do conjunto da Giéncia, uma espécie de produto suplementar, mas the s[40] 0 pré- prio centro” (Todorov, 1970 [1968], p. 117-118) Logo, contudo, a questéo como que refluria, num verdadeiro recesso. Indicio desse estado de coisas & © fato de que ela nao se faz presente, pelo menos de ‘modo explicito ¢ diteto, em obras-sintese de teoria da literatura que se projetaram em décadas mais re- centes, Para conferir, veja-se um titulo inglés, um francés e um norte-americano ~ Teoria da literatura: uma introdugio, de ‘Terry Eagleton (1983), O demé- nio da teoria: literatura e senso comum, de Antoine Compagnon (1998), ¢ Teoria literdria: uma intro- dugao, de Jonathan Culler (1999) -, manuais uni- vversitérios que resistem a tratar expressamente de problemas metodoldgicos. F hoje: que panorama se apresenta, nos estudos literdrios, quanto a reflexio metodol6gica? Dirfamos que, na atualidade, existem duas posi G0es a propédsito da questio: a uma delas, hegemdni- ca, chamemos metodofobia; & outra, metodofilia, © horror ao método, por sua vez, se manifesta sob \lois aspectos: ora se impugna 0 método como redit- cionismo incompativel com a grandeza incomensu- nivel da literatura, ora por seu compromisso com a compartimentalizagio do conhecimento, que deveria ser neutralizada pela adogao de perspectiva dita inter-, ulti- ou transdisciplinar. No primeiro caso, configu- vase a recusa humanistica, ao passo que, no segundo, lemos a recusa culturalista; por mais que a motivagéo Ja qual na aparéncia nfo se confunda com a ou- tra, 0 fato & que hé entre elas inesperadas coincidén- a, €, de resto, em ambas, a mesma metodlofobia, Quanto & metodofiia,trata-se de posigio de re- éncia, que reeita categoricamente formulas sense- ‘onalistas e inconsequentes, de que constitu inerivel ‘xemplo a seguinte recomendagio: “..] podemos dis- jor do antimétodo, onde a ignorincia, a incerteza e 1 confusio se tornam virtudes” (Morin, 1997-2005 [1977-2004], v. 1, p. 19). Em troca, a posigio de afei- ‘iw pelo metodo articula alguns principios-chave:reco- uliece @ necessidade incontornavel de enfrentamento ‘plicito da questo metodolégica, inclusive por nao jporder de vista que 0s estudos literérios constituem, \efinigo, drea particularmente sujeita aos chama- livos de gosto” (Kant, 1974 [1790]), que, fora de lun estrito controle conceitual ~¢, pois, mtodealégico ~ podem tornar-se élibi para interpretagGes arbitrivias e infensas a referendo intersubjetivo; considera pert nente ¢ legitima a demanda pelo “método prépric, ou o empenho por aproximagies graduais a métodos que se revelem crescentemente menos impréprios:e,ciente da correlatividade entre as nogdes de método e disci- plina, defende a disciplinaridade, contra a complacén-

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