colhidos em colaboragéo premiada nao é prova por si so eficaz, tanto que descabe
condenacao lastreada exclusivamente neles, nos termos do art. 4°, § 16, da Lei 12.850/2013.
6. A fase processual do recebimento da dentincia ¢ juizo de delibagao, jamais de cognigao
exauriente. Nao se pode, portanto, confundir os requisitos para 0 recebimento da
dentincia, delineados no art. 41 do Cédigo de Processo Penal, com 0 juizo de procedéncia da
imputacao criminal. Precedentes.
7. Deniincia que contém a adequada indicagao das condutas delituosas imputadas, a partir
de elementos aptos a tornar plausivel a acusacao, 0 que permite o pleno exercicio do
direito de defesa.
8. Presenga de substrato probatério minimo em relacdo a materialidade e autoria. A
existéncia de outros indicios reforca as declaragGes prestadas por colaboradores, tais como
registros telefdnicos, depoimentos, informacées policiais e documentos apreendidos, o que
basta neste momento de cognicao sumdria, em que nao se exige juizo de certeza acerca de
culpa.
9. Dentincia recebida.
COMENTARIO
1, Sintese dos principais pontos debatidos na decisao judicial
Trata-se de decisio da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal que, por
unanimidade, recebeu nos termos do art. 7° da Lei 8.038/1990 dentincia do Ministério
Publico Federal contra a Senadora Gleisi Hoffmann, Paulo Bernardo Silva e Ernesto Kugler
Rodrigues. Participaram do julgamento os ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello,
Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Teori Zavascki (relator).
Em sintese, 0 relatério do Ministro Teori Zavascki expde que os sujeitos investigados foram
denunciados pelo Procurador-Geral da Reptiblica como incursos nas penas dos crimes de
corrup¢ao passiva majorada (art. 317, § 1°, c/c art. 327, § 2°, do CP) e de lavagem de
dinheiro (art. 1°, caput e § 4°, da Lei 9.613/1998). Em relagao a outros envolvidos nao
detentores de foro por prerrogativa de funcao, houve o desmembramento com remessa de
cépia do procedimento ao juizo de primeiro grau para adocao das providéncias cabiveis.
Quanto aos denunciados supramencionados, a apuracao foi mantida no STF sob a
justificativa de indissociabilidade dos fatos apurados e da imprescindibilidade da produgao
una das provas no curso do processo e sua anélise ao final.
Apés notificacao, os denunciados arguiram as seguintes preliminares: a) nulidade da ago
penal, a partir do oferecimento da dentincia, em razao da quebra de paridade de armas; b)
nulidade dos atos relacionados a usurpacdo da competéncia exclusiva do Supremo
Tribunal Federal e da atribuicao privativa do Procurador-Geral da Repiiblica em virtude de
diligéncias investigativas realizadas pela Policia Judicidria representada pelo delegado de
Policia Federal; c) nulidade da denuncia por ofensa ao principio da indivisibilidade da agdo
penal publica; d) nulidade do afastamento do sigilo telefonico de individuos alheios a
investigacgéo ou em decorréncia de violacdo a clausula de reserva de jurisdicao; e e)
ilegalidade dos acordos de colaboracao premiada. No mérito, requereram a rejeicao da
dentincia por consideré-la inepta.
De acordo com 0 relatério do Ministro Teori Zavascki, nao houve violagao aos prineipios do
contraditério, da ampla defesa e do devido processo legal. Na fase de inquérito, “nao ha
propriamente contraditério, j4 que se trata de mera colheita de elementos necessarios para
formacdo da opinio delicti do titular da acao penal” (HC 83.233/2004 e RE 626.600/2010-AgR)
(STF, Ing. 3.979/2016 DF). A notificagdo, com cépia integral dos autos, realizada apés 0oferecimento da dentincia, somada ao acesso que os investigados tiveram ao inquérito
policial, viabilizou o direito ao contraditério e 4 ampla defesa. O fato de a defesa nao ter
acesso imediato a todos os elementos de prova nao configura quebra de paridade de
armas. Conforme entendimento da Simula Vinculante 14, na fase investigatoria, a defesa
tem direito ao imediato conhecimento, de ordindrio, apenas dos elementos j4 encartados
no inquérito.
“(...) o enunciado sumular vinculante 14 foi editado para assegurar ao defensor legalmente
constituido ‘0 direito de pleno acesso ao inquérito (parlamentar, policial ou
administrativo), mesmo que sujeito a regime de sigilo (sempre excepcional), desde que se
trate de provas ja produzidas e formalmente incorporadas ao procedimento investigatério,
excluidas, consequentemente, as informagdes e providéncias investigatérias ainda em
curso de execugao e, por isso mesmo, nao documentados no préprio inquérito ou processo
judicial’ (HC 93.767, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, Dje 01.04.2014)".
O relator destacou que a participagao do Poder Judiciario, na fase investigatéria, deve estar
limitada ao controle de legitimidade dos atos e procedimentos de coleta de provas,
autorizando ou nao as medidas persecutérias sujeitas 4 reserva de jurisdicao. Salientou 0
juizo de conveniéncia e oportunidade inerente as atribuicdes do Ministério Publico no
sentido de que, instaurado o inquérito policial, nao cabe ao STF interferir na formagao da
opinio delicti . Por tais razdes, rejeitou a preliminar de usurpacdo da competéncia do STF e
da atribuicao privativa do Procurador-Geral da Republica. Ademais, o interesse puiblico
impée um trabalho harménico entre as atribuigdes do Ministério Publico e da Policia
Judiciaria. Nessa direcdo, as diligéncias executadas pela Policia Judicidria envolvendo o
caso em anilise, além de terem sido delegadas pelo Relator no Supremo Tribunal Federal,
foram acompanhadas pelo Ministério Publico. De acordo com o art. 230-C do RISTF tem-se
que: “Instaurado o inquérito, a autoridade policial devera em sessenta dias reunir os
elementos necessarios & conclusao das investigacdes, efetuando as inquirigdes e realizando
as demais diligéncias necessdrias 4 elucidacao dos fatos, apresentando, ao final, peca
informativa”.
Com espeque nas alegagdes do Procurador-Geral da Republica, o relator pontuou que as
diligéncias realizadas pelo delegado nao esto limitadas a manifestacio do Ministério
Publico. No caso analisado, houve a regularidade nas prorrogacées dos prazos para
conclusao das diligéncias que também foram acompanhadas pelo Ministério Publico e pelo
Supremo Tribunal Federal. Em relacao ao afastamento do sigilo telefdnico, tem-se que a
medida cautelar foi precedida de representagdo do Delegado de Policia, ratificagao e
requerimento auténomo do Procurador-Geral da Reptiblica e respectiva decisao judicial
fundamentada.
A alegacao de nulidade por ofensa ao principio da indivisibilidade da agao penal foi
rejeitada nos termos do art. 48 do Cédigo de Processo Penal especificamente dirigido & agao
penal privada (STF, RHC 111.211/2012 e HC 104.356/2015).
Os dados dos individuos alheios a investigagdo inicial foram colhidos a partir da
confrontagao de informagoes obtidas com o afastamento do sigilo telefonico judicialmente
autorizado. Igualmente, a arguicdo de nulidade restou infrutifera.
Destacou que os relatérios e comunicagdes oriundos da Policia Judicidria ofertaram
elementos indicidrios suficientes ao recebimento da dentincia, afastando teses defensivas
de auséncia de descrigéo das condutas e o modo como teria ocorrido o delito. “A
materialidade e os indicios de autoria, elementos basicos para 0 recebimento da denuncia,
encontram-se presentes diante do substrato exposto com o caderno indiciario” (STF, Inq.
3.979/2016 DF).Na mesma diregao, pelo recebimento da dentincia, seguiram os votos dos demais ministros
integrantes da Segunda Turma do STF. O Ministro Ricardo Lewandowski rejeitou as
preliminares arguidas e recebeu a dentincia em consonancia com os argumentos do
relator. Igualmente, 0 Ministro Celso de Mello entendeu presentes os requisitos do art. 41
do CPP; destacou a existéncia de elementos de convicgado minimos, ainda que em sede de
cognigao incompleta, autorizadores da inauguracao da fase judicial da persecucao penal;
advertiu a importancia e 0 cuidado necessario & formacao da justa causa necessdria ao
processo penal, ressaltando que “o exame a que procedeu o eminente Relator convence-me
da viabilidade da dentincia ora em anidlise, considerados, para tanto, os elementos
probatérios minimos produzidos ao longo da investigagao penal” (STF, Inq. 3.979/2016 DF).
Por fim, observou que o Ministério Publico individualizou, na dentincia, a vinculagdo
causal entre 0 comportamento imputado a cada denunciado e o evento delituoso dele
resultante; por sua vez, 0 Ministro Gilmar Mendes chamou atengao para o fato de que
eventuais questdes contraditérias envolvendo delagées devem ser analisadas com maior
profundidade quando do julgamento do mérito, mas, assim como 0 relator, entendeu pelo
prosseguimento da demanda judicial, recebendo a inicial acusat6
2. Breves anotacées com enfoque na legitimidade da Policia Judicidria diante de
investigacao criminal envolvendo autoridade com foro por prerrogativa de funcao
A presente abordagem nao tem a intengao, nem condigdes, de avaliar 0 objeto da
investigacao criminal e/ou da respectiva aco processual. Pretende-se um rapido estudo da
decisao que recebeu a deniincia referente ao Inquérito 3.979/DF, em especial demonstrar a
inexisténcia de usurpacao de competéncia e/ou atribuicao diante da possibilidade legal do
detentor de foro por prerrogativa de funcao ser investigado pela Policia Judiciaria (no caso,
Policia Federal), bem como pontos relevantes acerca da matéria e da investigacao
conduzida pelo Delegado de Policia.
Da analise dos votos dos ministros integrantes da Segunda Turma do STF, em especial 0
relator, verifica-se que, sem entrar no mérito, rejeitaram as preliminares arguidas pela
defesa e receberam a inicial acusatdria. Dos pontos levantados pela defesa tém-se, de
forma substancial, argumentos no sentido de inutilizarem, com irradiagao de efeitos da
nulidade no préprio processo judicial, elementos probatérios de materialidade e autoria
colhidos na seara do inquérito policial, especialmente sob o argumento do foro por
prerrogativa de funcao no STF (inclusive, no que diz respeito a investigagao).
Indistintamente, a persecucdo penal deve ser compreendida como a atividade estatal que
busca a repressdo dos fatos criminosos. Como titular do direito de punir, o Estado deve
exercé-lo mediante 0 devido processo legal. E necessario identificar provavel autor do
crime e submeté-lo a um processo. Nesse aspecto, a doutrina divide a persecucao penal em
trés momentos: investigacao criminal (evantamento de autoria e materialidade); acao
penal e execucao penal. O caso analisado demanda algumas observacdes acerca da
investigagdo criminal, do conjunto de atos estatais dirigidos @ apuracao da autoria e da
materialidade delitiva, geralmente exercida pela Policia Judicidria por meio do inquérito
policial (NICOLITT, 2017). Entretanto, nao se discute que a investigacao criminal sofre
reflexos do foro por prerrogativa de fun¢ao como ocorre, obviamente, com os senadores da
Republica que sao julgados originariamente perante o STF.
A CRFB concede foro por prerrogativa de funcaio aos Chefes do Poder Executivo, membros
do Poder Legislativo federal e estadual, do Poder Judicidrio, do Ministério Publico, dos
Tribunais de Contas, Ministros de Estado, Comandantes das Forcas Armadas e chefes de
missdo diplomatica de cardter permanente. As Constituices Estaduais também podem
criar essa prerrogativa (STF, ADI 2587/GO). A tematica acerca da investigacao dessas
autoridades merece melhor desenvolvimento no campo legislativo. Entretanto, a
possibilidade de investigacao criminal conduzida por Delegado de Policia contra Senadorda Republica foi ratificada pelo STF no Inquérito 1.504/DF (SILVA, 2017). Nessa ocasiao, 0
Ministro Celso de Mello esclareceu que membro do Congresso Nacional pode ser
investigado por meio de inquérito policial perante o STF, independentemente de prévia
licenga da respectiva casa legislativa. Isso porque a garantia constitucional da imunidade
parlamentar em sentido formal nao impede a instauracao de inquérito policial contra
membro do Poder Legislativo. Essa garantia somente tem incidéncia em juizo, apds 0
oferecimento da inicial acusatéria. Nessa linha, tem-se a validade dos atos investigativos
realizados pela Policia Judicidria desde que ocorram no ambito de procedimento em curso
perante juizo competente a exemplo do STF no caso dos membros do Poder Legislativo
Federal (art. 102, I, b , CRFB).
0 Delegado de Policia, 0 Promotor de Justica e 0 Juiz de Direito expressam formalmente,
em harmonia com o sistema acusatério, suas convicges acerca do evento criminoso
através, respectivamente, do indiciamento, da deniincia e da sentenca. Com o advento da
Lei 12.830/2013, 0 ato de indiciamento passou a ser expressamente disciplinado, ndo
obstante entendimento doutrinario e jurisprudencial ja existente sobre o tema (ANSELMO;
CARDOSO, 2017). Tem-se previsao legal expressa de que o indiciamento ¢ ato privativo do
delegado, no curso do inquérito, mediante ato juridicamente fundamentado, devendo
indicar autoria, materialidade e circunstancias do fato. Igualmente, o STF ja se posicionou
no sentido de que o indiciamento ¢ atribuicao exclusiva do delegado, nao podendo ser
requisitado pelo magistrado em razdo da garantia do principio acusatério (HC
115.015/2013). Nessa linha, o indiciamento de autoridades com prerrogativa de foro deve
se adequar ao atual modelo constitucional acusatério de persecugao penal, inclusive com
os contornos garantistas ja assegurados.
Além das disposigdes gerais ofertadas pelo CPP, as questdes processuais do caso analisado,
por envolver investigacao e processo de membro do Senado Federal, sdo regulamentadas
por diplomas especiais ~ Lei 8.038/1990 e Regimento Interno do STF. Destarte, os arts. 230-C
e 231 do RISTF disciplinam a regularidade da investigacao criminal pela Policia Judiciaria,
tratando, inclusive, da figura do indiciado, nos moldes como ofertado na elucidacao do fato
envolvendo os denunciados descritos na inicial acusatoria recebida pela Suprema Corte.
Assim, 0 indiciamento nos inquéritos originarios devem seguir a regra geral, “em
conformidade com os ditames do modelo acusatério, do CPP e da Lei 12.830/2013, ja que
tanto a Lei 8.038/90 quanto o Regimento Interno se mostram silentes a respeito deste e de
grande parte dos temas pertinentes a investigacao criminal” (ANSELMO; CARDOSO, 2017).
Ordinariamente, qualquer pessoa pode ser indiciada. Em relagdo aos membros do
Ministério Puiblico, no exercicio de sua funcao, o delegado deve remeter os autos da
investigacaio ao Procurador-Geral de Justica (art. 41, II e paragrafo tinico, da Lei 8.625/93).
De forma semelhante, tratando-se de magistrado, os respectivos autos devem ser remetidos
ao Tribunal ou 6rgao especial competente para o julgamento, a fim de que prossiga na
investigacao (LC 35/79, art. 33, pardgrafo unico) (LIMA, 2015). Portanto, ressalvadas as
previsdes legais que nao permitem aplicacdo analdgica, a inexisténcia de dispositivo
normativo sobre investigacao criminal contra autoridade com foro por prerrogativa de
funcao denota a aplicacéo da regra geral da investigacdo conduzida pelo delegado,
devendo observar os prazos legais para remessa do procedimento investigativo ao tribunal
competente para julgar o investigado, bem como as hipéteses de reserva de jurisdicao.
Em raz&o da auséncia de competéncia para valorar a notitia criminis, a instauracao do
inquérito policial prescinde de autorizacao do tribunal (SILVA, 2017). Sendo assim, 0
indiciamento nos inquéritos originarios independe de prévia autorizacdo ou de requisigao
judicial, o que nao impede nem prejudica a supervisio judicial no zelo pela garantia dos
direitos fundamentais e da legalidade da investigado (ANSELMO; CARDOSO, 2017).
Eventual investigacao criminal dirigida diretamente pelo Judicidrio violaria o sistema
acusatorio inerente ao modelo processual constitucional brasileiro. A fungao instrumentaldo processo penal como filtro domador dos excessos do jus puniendi estatal, considerando-
se a existéncia de um Estado-juiz, de um Estado-acusador, de um Estado-defensor e de um
Estado-investigador no exercicio das fungdes essenciais 4 promogao da justica e dos valores
democraticos, indica a conexdo e a necessidade de se efetivar os principios do Juiz, do
Promotor, do Defensor e do Delegado natural (RANGEL, 2016).
Quanto ao rigido controle legal, além do poder requisitério do Ministério Publico, a
atividade policial é passivel de controle interno (6rgao corregedor), controle externo
(Ministério Publico) e futuro controle de legalidade pelo Poder Judiciario. Ademais, em
virtude da repercussao no ambito da dignidade humana, aplica-se a garantia da duragdo
razoavel do processo ao inquérito, cabendo ao magistrado essa fiscalizagao. Nesse ponto, 0
julgado em andlise aponta regularidade nas prorrogagées dos prazos relacionados as
diligéncias e o acompanhamento por parte do Ministério Publico e do STF, conforme os
votos analisados.
A alegacao de usurpacao de competéncia do STF em razao de inquérito instaurado por
Delegado de Policia contra congressista foi igualmente rejeitada no julgamento do HC
80.592/PR e do HC 82.507/SE (SILVA, 2016). Assim, estabelecida a inexisténcia de usurpacao
de competéncia e/ou atribuigdo em relagdo a investigacao que culminou na colheita de
elementos probatérios aptos a formarem a opinio delicti do 6rgio acusador, cumpre
analisar o papel da Policia Judicidria (tecnicamente, funcao de policia judicidria exercida
pelas policias federal e civil) na manutengdo do Estado Democratico de Direito,
especialmente no que diz respeito a atuacdo na primeira fase da persecucao penal
envolvendo suspeito com garantia de julgamento origindrio por tribunal.
A Policia Judicidria, organizada pelo Constituinte de 1988 no titulo destacado a Defesa do
Estado e das Instituigdes Democraticas com relevante papel na seguranca ptiblica e na
garantia de direitos fundamentais, integra o sistema de justica penal exercendo, como
protagonista da investigacao criminal, funcao essencial a justica implicitamente garantida
no texto constitucional (NICOLITT, 2017). Em relagao a investigacao de crime nao militar,
ha as atribuicdes das policias federal e civil, dirigidas por delegado de policia, para
exercerem as fungdes de policia investigativa e de policia judiciaria, respectivamente §§ 1°
e 4° do art. 144 da CREB. Nesse mesmo caminho seguiu o legislador infraconstitucional
estabelecendo que, “as fungdes de policia judiciaria e a apuragao de infracdes penais
exercidas pelo delegado de policia séo de natureza juridica, essenciais e exclusivas do
Estado. Ao delegado de policia, na qualidade de autoridade policial, cabe a conducao da
investigacao criminal por meio do inquérito policial ou outro procedimento previsto em
lei, que tem como objetivo a apuracao das circunstncias, da materialidade e da autoria
das infragdes penais. Durante a investigacdo criminal, cabe ao delegado de policia a
requisicao de pericia, informagées, documentos e dados que interessem & apuracao dos
fatos” (art. 2°, §§ 1° e 2°, da Lei 12.830/2013).
A decisao judicial em andlise demonstra que, dentro dos limites inerentes a investigacaio
criminal, os direitos fundamentais dos denunciados, especialmente aqueles relacionados
ao exercicio da defesa, foram cumpridos. Nao se trata de direito ilimitado e irrestrito aos
elementos indicidrios. Mas as diligéncias concluidas e documentadas devem ser
oportunizadas. O caso em tela evidencia que a prépria notificagao trouxe cépia de todos os
elementos, além dos que foram disponibilizados no curso das investigagdes, permitindo o
exercicio do contraditério e da ampla defesa, ainda que em parte diferido, como ocorreu
nas alegagdes de nulidade ora comentada.
0 inquérito policial, mecanismo de investigacao constitucionalmente salvaguardado (art.
144, § 1°, IV, e § 4°, CE), visa colher elementos a justificar eventual aco penal. Os direitos
penal e processual penal, como os demais ramos juridicos, devem alcangar o Estado
Democratic de Direito por meio da efetivagao da dignidade da pessoa humana (NUCCI,2014). Na elucidagao do fato, objetivando demonstrar a viabilidade ou nao de eventual
ago penal, a Policia Judicidria cabe o papel de representar, com o Poder Judicidrio, pelas
medidas restritivas de direitos fundamentais. Além de motivar tais medidas, o inquérito
tem o condao de definir os elementos justificadores do processo ou do nao processo (LOPES
JR., 2001). Assim, de acordo com o material analisado, tem-se que as medidas restritivas de
direitos fundamentais, como interceptagao telefonica, obedeceram A reserva de jurisdigéo
tanto de forma preliminar em relacao aos investigados iniciais quanto em decisao judicial
de ratificagao em relagao aos dados que surgiram no decorrer das atividades investigativas
judicialmente autorizadas.
E certo que direitos fundamentais como a ampla defesa e 0 contraditério devem ser
observados também na primeira fase da persecucao penal, mas dentro dos limites das
peculiaridades da investigacao, o que, muitas vezes, ensejara no pleno exercicio de tais
direitos somente apés a conclusao das diligéncias em andamento. O préprio Estatuto da
OAB, em consonancia com entendimento fixado pelo STF na Simula Vinculante 14, ao
positivar a prerrogativa do advogado em relacao ao acesso aos autos de procedimento
investigativo, com a consciéncia de nao comprometer a eficiéncia, eficacia ou finalidade
dos atos investigatérios, ressalta que a autoridade competente poder delimitar 0 acesso do
advogado aos elementos de prova relacionados a diligéncias em andamento e ainda nao
documentados nos autos (art. 7°, § 11, da Lei 8.906/94).
De acordo com a jurisprudéncia do STF acerca da compatibilizagao entre a publicidade
necessdria ao exercicio do direito de defesa e o sigilo imprescindivel a investigacao
criminal, tem-se que, a partir da formalizacao documental do resultado da diligéncia
investigatéria que corria em sigilo para garantir 0 sucesso da medida, vislumbra-se 0
marco em que 0 sigilo nao é mais justificdvel em relagdo ao indiciado e ao seu defensor
(STF, HC 88.190). A citada stimula nao garante acesso ao advogado as diligéncias em
andamento. Havendo risco de comprometer as investigacoes, 0 delegado poder limitar 0
acesso do advogado (STF, RCL 22.062).
O exercicio do direito de defesa deve ser efetivado dentro das especificidades inerentes ao
inquérito policial. Nao se pode falar em exercicio pleno do contraditério e ampla defesa
nos mesmos moldes desenhados a segunda fase da persecucao penal (processo judicial).
Entretanto, a investigacao preliminar nao pode ser dbice a concretizagao do devido
processo (procedimento) legal préprio da fase administrativa (de finalidade judicial).
Assim, nao é possivel falar em contraditério absoluto, havera hipsteses em que a
participacaio da defesa deverd ocorrer em momento oportuno, mas devera sempre ser
assegurada, ainda que de forma postergada (STF, Ing. 2.266/2012).
3. Referéncias
ANSELMO, Marcio Adriano; BARBOSA, Ruchester Marreiros; GOMES, Rodrigo Carneiro;
HOFFMANN, Henrique; MACHADO, Leonardo Marcondes. Investigagao criminal pela
policia judiciaria. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016.
ANSELMO, Marcio Adriano; CARDOSO, Duilio Mocelin. Prerrogativa de foro nao impede
indiciamento pela policia judicidria. Disponivel em: [www.conjur.com.br/2016-abr-
05/prerrogativa-foro-nao-impede-indiciamento-policia-judiciaria]. Acesso em: 11.04.2017.
LOPES JR., Aury. Sistemas de investigacao preliminar no processo penal. Rio de Janeiro:
Lumen Jures, 2001.
NICOLITT, André. Manual de processo penal. 6. ed. rev., atual. e amp. Rio de Janeiro:
Revista dos Tribunais, 2017.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execucio penal. 11. ed. rev. eatual. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
RANGEL, Carlos Eduardo de Aratijo . 0 principio do delegado natural no Estado de Direito :
matrizes dogmaticas no sistema de investigagao criminal brasileiro. Disponivel em:
[www.escolasuperiorpoliciacivil.pr.gov.br/arquivos/File/Noticias1sem2016/Delegado__1.pdf].
Acesso em: 27.09.2016.
SILVA, Eduardo Pereira. Investigacdo de autoridades deve ser conduzida pela policia.
Disponivel em: — [www.conjur.com.br/2006-jul-23/investigacao_autoridades_conduzida_
policia?pagina="3]." Acesso em: 11.04.2017.
Eujecio Coutrim Lima Filho
Doutorando em Direito pela Universidade Estécio de Sa (RJ). Mestre em Direito pela
Universidade Estécio de $4 (RJ). Especialista em Direito do Estado pela Universidade
Federal do Estado da Bahia (BA). Graduado em Direito pela Faculdade Unyahna (BA).
Professor de Processo Penal (FG). Delegado de Policia Civil do Estado de Minas Gerais.
eujeciocoutrim@hotmail.com
ACORDAO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal
Federal, em Segunda Turma, sob a Presidéncia do Senhor Ministro GILMAR MENDES, em
conformidade com a ata de julgamento e as notas taquigrdficas, por unanimidade e nos
termos do voto do Relator, em receber a dentincia. Falaram, pelo Ministério Publico
Federal, 0 Dr. Paulo Gustavo Gonet Branco; pela denunciada Gleisi Helena Hoffmann, o Dr.
Rodrigo Bittencourt Mudrovitsch; pelo denunciado Paulo Bernardo Silva, a Dra. Veronica
Abdalla Sterman; e, pelo denunciado Ernesto Kugler Rodrigues, o Dr. José Carlos Cal Garcia
Filho.
Brasilia, 27 de setembro de 2016.
Ministro TEORI ZAVASCKI
Relator
RELATORIO
O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI (RELATOR): 1. Em 6 maio de 2016, 0 Procurador-
Geral da Repiiblica denunciou a Senadora da Reptiblica Gleisi Hoffmann, Paulo Bernardo
Silva e Ernesto Kugler Rodrigues, imputando-lhes a pratica do delito de corrupgao passiva
majorada (art. 317, § 1°, c/c art. 327, § 2°, ambos do Cédigo Penal), bem como do crime de
lavagem de dinheiro (art. 1°, caput e § 4°, da Lei 9.613/1998), na forma dos arts. 29 e 69 da
Lei Penal (fls. 784-930).
‘A acusacao alega, em sintese, que, no ano de 2010, os denunciados, em unidade de
designios e conjugagdo de esforcos, solicitaram e receberam vantagem indevida, no
importe de R$ 1.000.000,00 (um milhao de reais), soma destinada 4 campanha eleitoral da
acusada Gleisi Helena Hoffmann ao Senado Federal. Referido “ montante era oriundo do
esquema de corrupgdo e lavagem de dinheiro estabelecido na Diretoria de Abastecimento da
Petrobras, na época ocupada por Paulo Roberto Costa” (fl. 785), sendo que “ parte dessas
quantias ilicitas era repassada a agentes politicos [...] com auxilio de seu operador Alberto
Youssef, a fim de assegurar a sua permanéncia no cargo e a manutengdo do esquema
criminoso” (fl. 785).