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A.J. Meadows Department of Information and Library Seudies Loughborough University Loughborough, Leicestershire (ino Unido) A comunicacao cientifica ‘Tradugio de Antonio Agenor Briquet de Lemos Copysight © 1998 by A, Meadows right © 1999 by Lemos Informagio e Comunicagio Leda, All ightseeserved O (sees a tradugo © 1999 Lemos Informagio ¢ Comunicagto Leda, “Todos os dtctos revervados “Titulo originals Communicating research (Academic Press, 1998) De acordo com a lei n.°9 610, de 19/2/1998, senhuma parte deste livro pode ser fotocopiada, gravads, reproduzida ou armazenada fur sistema de recuperagio ‘de informagGes ou tranemitida sob qualquer forma ou por qualquer meio ‘letrOnico ow mecinico sem o prévio consentimento do ‘detentor dos dieitos autoras, do tradutore do editor. Sugest editorial: Sly Costa Revista: Maria Lucia Vilar de Lemos CCapas Formatos Design e Informatica Lid. io ma Publica (cP) (CimataBraslcra do Liven io Palo? Bras) Meadows, Arthur Jack ‘A comanizacdo cenifca/ A. Meadows taduto de Antonio AgenorBriquet eLemon Bras, DE: Brique de temo Leos, 1998 Tiulooiginal Cominicsting researh Biblograt, 1 Comnicasie na aca 2, Conmmnicagons tecnologia 3 Pesquisa Siemas de comanicagie Tilo 99.3168 cpp 001.4014 ISBN 85-85657-153, Indices para catslogo rtemico 1. Pegs = Comunicaao cientfea 0014014 1999 Briquet de Lemos! Livros Lemos Informagio e Conunicagio Ltda SRTS ~ Quadra 701 ~ Blo:o K~ Sala 831 Eulficio Embassy Tower Brasilia, DE 7030-000 “Telefones (061) 322 98 06 / 322 24 20 (ramal 1831) Fax (061) 323 17 25 email. briquet@zzt com br hupdiwwesbriquee cone Sumario Preficio ‘Mudanga e crescimento Os primérdios da comunicagéo © advento da revista cientifica papel das sociedades O feitio da revista A acumulagto das pesquisas Crescimento rapido e suas implicagées Especializagio e pesquisa A profissionalizagio da pesquisa Amadores ¢ outros O crescimento da informagio e o pesquisador © novo mundo eletrénico Tradigdes da pesquisa © desenvolvimento das divis6es entre as disciplinas O desenvolvimento das matérias A base conceitual da ciéncia A ciéncia e outras disciplinas Divisdes do conhecimento Examinando as diferencas entre matérias Diferencas entre matérias e comunicagio Comunicagao com um piblico maior ‘Tecnologia da informagio e diferencas entre matér.as ‘Quem pesquisa ¢ com quais resultados? © motivo por qué Fatores psicolégicos Produtividade Qualidade Pesquisadores principais Idade A comunidade cientifica Colaboracio © impacto da nova tecnologia Canais da comunicagao cientifica projeto grafico para leitara Legibilidade do texto Oato de ler Editoras Bibliotecas Comunicacto oral Congressos ¢ conferéncias, Redes humanas Fluxos de informacéo Canais eletrénicos As redes eletrOnicas ¢ os leitores ‘Tornando piblicas as pesquisas Tipos de publicagées Canais diferentes de publicagio Escrevendo para publicacio Editores e avaliadores Avaliadores e autores, Problemas peculiares Controle de qualidade de livros Giéncia e midia Edigio eletrOnica Pesquisando sobre pesquisas A procura de informagées cientificas Requisitos necessérios da informagio Organizando a informagio pessoal A dispersio da informagao ‘A distribuigio etéria da informagao Implicagées do uso da literatura Recuperagio eletrénica.de informay6es Comunicagio eletrdnica ‘Amidia Pés-escrito Referéncias {indice sustéRo 116 116 121 124 126 131 135 139 141 145 151 156 161 162 166 173, 180 186 192 199 203 205 209 209 214 219 222 224 229 232, 237 242, 245 249 262 Prefacio _A sortie situase no pepo coragto da cuca B para ela tio vital quanto a prépria pesquisa, pois a esta nao cabe reivindicar com legitimidade este nome enquanto nao houver sido analisada e aceita pelos pares. Isso exige, necessariamente, que seja comunicada, Ademais, 0 apoio As atividades cientificas € dispendioso, e os recursos financeiros que lhes sio alocados sero desperdicados a menos que os resultades das pesquisas sejam mostrados aos piblicos pertinentes. Qualquer que sea 0 Angulo pelo qual a examinemos, a comunicagao eficiente ¢ eficaz. constitui parte essen- ial do processo de investigacao cientifica, Foi pelos idos da década de 1960 que comecei a me interessar pela na- tureza da comunicagio. As atividades de pesquisa, sobretado na ciéncia, estavam em processo de répida expansio nos paises desenvolvidos. Foi inevitavel que entio aflorasse esta dtivida: quanto tempo duraria essa ex- pansio? Algumas extrapolagoes aventavam que, perto do final deste sécu- lo, onde agora estamos, algo teria de acontecer. O aumento do volume de recursos financeiros e, por conseguinte, do niimero de pesguisadores, teria de desacelerar. A pergunta que se impunha, embora formulada com menor freqiiéncia na época, era: supondo-se que os financiamentos venham a ser atingidos, como se poder aplicar o dinheiro disponivel a fim de produzit a quantidade méxima de pesquisas de alto nivel? Nessa época, eu trabalha- va no Department of Printed Books and Manuscripts do British Museum (hoje incorporado a British Library), em Londres. Preoctipava-me um as- pecto especifico do problema: como poderia a comunicagio cientifica ser conduzida de modo mais eficiente & medida que os recursos financeitos fossem minguando? A resposta de novo parecia dbvia. O computador jé era empregado no processamento de informagoes na década de 1960. Sua evolugio por certo iria permitir 0 tratamento rapido de uma grande quan- tidade de informagées, ransformando-o em ferramenta cada vez mais eft az para a comunicagao cientifica. Depois do British Museum, retornei a vida académica, rabalhando em astronomia, hist6ria da ciéncia e, por fim, em biblioteconomia estudos de informagao. Os dois primeiros campos ofereciam um contraste interessan te sobre como os pesquisadores de ciéncias e de humanidades lidam com a informacao. Os pesquisadores destas éreas véem o mundo de angulos dis- tintoss suas idéias divergem quanto 4 natureza do que seja conhecimento aceitivel, ¢ as respectivas comunidades de pesquisa se organizam de modo diverso. Por isso, diverge o modo como lidamcom a informagio. As mudan- «gas que afetam 0 mundo cientifico cofi6 ti’ fSdo nao causam necessaria- ‘mente impactos idénticos na comunicagio ¢e pesquisas em ciéncias e hu- manidades. Esse processo diferenciado de mudangasinfluieé influenciado pelas atividades exercidas pelos intermedirios da cadeia de comunicacao — editoras, bibliotecérios, cientistas da info-macio, etc. — que procuram estabelecer ligagao entre autores ¢ leitores. Sio eles quem, mais do que nin- guém, precisam estar a par de novos meios para melhorar a eficiéncia da comunicacao entre os pesquisadores € seus tespectivos pitblicos. O estudo deste tema — mudancas ao longo do tempo que atuam de modo diferenciado nos campos de pesquisa — constitui a principal moti- vagio para ter escrito este livro. Chegamos quase ao fim do século xx, As expectativas surgidas na década de 1960 estio se concretizando, e crescem cada vez. mais as pressOes sobre a pesquisa e sua comunicagio. A questio cessencial a exigir resposta passou a ser: como € possivel atender melhor as atividades de comnnicacio dos pesquisadores num ambiente tecnoldgico ‘que passa por rapidas alterag6es? As paginas que se seguem delineiam al- {guns dos principais temas da comunicacio cientifica: qual a posigao que hoje ocupa e como foi alcancada, quais os fatores em jogo € coifio podem eles interagir coma tecnologia da informagaoem desenvolvimento de modo atornar melhor o futuro da comunicagio de pesquisas. A principal preocu- pacio, ao longo do texto, & com pesquisas que se realizam em ambiente universitario, Esse viés resulta em parte de minha propria formacio, que tem, porém, sua justificativa. Em primeiro lugar, € somente no ambiente universitério que todos os ramos do conhecimento avancam juntos, 0 que permite que se facam comparagées adequadas. Em segundo lugar, 0 mer- cado universitirio € no s6 mais aberto, mas também mais complexo do {que outros em termos de comunicacao de pesquisas. Por isso mesmo tem sido objeto de estudos mais intensivos, varios dos quais so mencionados neste livro, Saliente-se, porém, que sio citados essencialmente como exem- plos. Nao esteve em minhas cogitagées realizar um levantamento exausti- vo de uma bibliografia que hoje se apresenta enorme e muito dispersa. Atravessamos nos dias que correm um perfodo de transicao, 0 que tal- vex seja interessante, mas que, para as pessoas envolvidas, raramente chega aser de todo agradavel. As decisdes ora tomadas poderio facilitar ou difi- cultar a transigio para um processamento mais eficaz da informagao cien- tifica. Tomar decisoes titeis depende da compreensio dos fatores interve- nientes. A finalidade deste livro é oferecer alguns dos conhecimentos ne- cessarios a essa compreensio. AJ. Meadows Mudanga e crescimento naneira como o cientista transmite informagées depende do veicu: fo empregado, da natureza das informagées e do piblico-alvo. Da mesma forma que, com o passar do tempo, isso sofre mudangas, também sofrem alteragdes a formnlacio ¢o acondicionamento das in‘ormagées. Por exemplo, a conferéncia € uma forma tradicional de transmitir informa- g6es: sobre isso parece nao pairar divida alguma. No entanto, a conferén- Gia que se ministra hoje em dia nao € idéntica, quanto & forma, & sua equiva- lente de dois séculos atrés. Quanto ao veiculo ou meio empregado, os con- ferencistas contam com recursos modernos, como retroprojetores, micto~ fones e, agora, cada vez mais, as projecdes feitas por computador. Quanto 0 paiblico, é cada vez maior a probabilidade de os ouvintes serem especia- listas, de modo que o conferencista poderd levantar hipéteses sobre a edu- casio que receberam, O meio empregado, as informacdes e a platéia in- teragem para produzir 0 pacote a que chamamos ‘conferénia’. Os ouvin- tes de dois séculos atrés, que assistissem a uma conferéncia atual, precisa- iam de algum tempo para se adaptarem a esse pacote novo. Até se adapta- em, teriam dificuldade para assimilar as informagées ali expostas, Aceitamos que ha dois caminhos de fundamental importincia para exa- minarmos essas tendéncias: a natureza do meio empregado para transmitit informagées ¢ as necessidades dos. membros da comunidade cientifica, tanto como produgores quanto como receptores de informacio. Uina ques- tio ébvia relativa ao meio diz respeito ao que acontece quando surge um novo meio, Sera que podemos imaginar qual foi o impacto da imprensa na comunicacio cientifica ao longo dos iiltimos séculos? Qual o tipo de im- ppacto que comegam a provocar os novos meios eletrénicos? A informacéo cientifica em forma impressa existe h4 muitos anos, mas uma andlise dos Produtos tisicos — especialmente revistas¢ livros cientificos — mostra que 2 1, MUDANGA E CRESCIMENTO sua aparéncia passou, com o tempo, por notaveis transformacoes. Como veremos, as.mndancas técnicas muitas vezes tém sido um fator menos importante nessas transformagoes do que as necessidades cambiantes da comunidade cientifica. A compreensio das fercas que atuam quando os Gientistas se valem da imprensa para se comunicar entre si talvez propor: cione alguma idéia sobre como a comunidade cientifica reagird 4 mudan para um meio eletrénico de comunicagio. Este sers um dos temas sempre presentes neste livro. (O meio dispontvel ea natureza da comunidade cientifica afetam no 56 a forma como a informacao € apresentada, mas também a quantidade de informagées em circulagéo. Um pequeno grupo de pesquisadores que mo- rem na mesma cidade pode, naturalmente, empregar métodos de comuni- cago diferentes dos métodos adorados por uma comunidade de milhares de cientistas espalhiados pelo mundo inteiro. Construir uma imagem coe- rente da comunieagio cientifica nos dias de hoje, incluindo algumas idéias sobre como chegou a presente situagéo e aonde chegaré no futuro, implica aanalise de uma série de fatores, como os mencionados. W.H. Auden certa feita referiu-se & hist6ria como “a operadora, a organizadora”. Podemos reformular esta frase, para servir a nossos propésitos, da seguinte forma: como foi que se organizou a comunicacio cientifica de modo a auxiliar nas atividades da comunidade cientifica? Responder essa pergunta exige que se tenha uma idéia do que é que motiva os pesquisadores. Por exemplo, por que pesquisas? Bis a resposta de Sir Francis Bacon, escrita por volta do comego do século-xvn:", Armente éo homem, ¢0 conhecimento, a mente. O homem apenas aquilo que eleconhece [..] A verdade de serea verdade de saber sio uma s6[..] Sera estéril a verdacle? Nao conseguiremos desse modo produzir efeitos meritOrios e dotar, 1 vide do homem com infinitas comodidades?! Com efeito, ele esté afirmando que vale a pera conquistar novos conhe- cimentos devido a duas raz6es: pelo que isso representa em si mesmo e por causa de suas aplicagoes. Estas, sem diivids, seriam as principais raz6es ‘apréséntadas hoje em dia, Bacon, porém, continua, acrescentando que 0 aumento do conhecimento esta inextricavelmente ligado & sua comuni- cago, nao exclusivamente com as gerag6es contemporineas, mas também ‘com as geracdes subseqiientes. [1] as imagens do espirto e do conhecimente do homem conservam-se nos livros, isentas dos danos do tempo e capazes de perpétua renovacio, Tam- pouco podem, de modo proprio, ser chamadas de imagens, porque ainda ‘geram e langam suas sementes nas mentes de cutros, provocando e eausando agGes e opiniGes infinitas em eras subseqientes? O interesse deste livro é pela comunicacio cientifica. Isso, porém, nao est (5 PRIMORDIOS DA. COMUNICAGKO 3 totalmente desvinculado do porqué ¢ do como da realizagio de pesquisas. Estas questdes, portanto, serdo éxaminadas & medida que for necessério. A questio da motivacao ser4 vista especificamente no capitulo 3. Os primérdios da comunicacio Ninguém pode afirmar quando foi que se comecou a fazer pesquisa tifica e, por conseguinte, quando, pela primeira vez, houve comunica- io cientfica. A respostaa isso depende principalmente da defniso que se tenha do que seja ‘pesquisa’. Mas as atividades mais remoras que tiveram impacto na comunicacao cieniifica tioderna foram inquestionavelmente as dos gregos antigos. A pesquisa cientifica pode ser comunicada de varias Tormias, sendo que as duas mais importantes sio a fala ca escrita. Os gregos valiam-se de ambas. Assim, nossas discuss6es ‘académicas’ remontam a Academia, o lugar na periferia de Atenas onde as pessoas se reuniam nos Sills ve W aC para debater quest6esfilosdticas.Igualmente, o'simp6sio’ ‘riginal_era uma festa dos gregos em que debates ¢ bebidas circulavam li- ‘¥iemente (ha coisas que pouco mudam). No que tange a tradicio da pesquisa comunicada em forma escrita, sio ainda as obras dos gregos, tendo a frente Aristételes, que mais tiveram a contribuit. Seus debates, em geral precariamente conservados em manus- ctitos copiados repetidas vezes, influenciaram primeiro a cultura arabe € depois a Europa ocidental. Na Europa, 2 anilise e interpretagac das novas idéias levaram Aquele reavivamento do saber ocortido entre 0 sééul6 xiv € © $EEIIG XVI a que denominamos ‘Renascimento’, O docenie da uni- Véisidade de Oxford nos tempos de Chaucer, que almejava ter 4 sta cabe- ceira “vinte livros, encadernados de preto ou vermelho, de Aristételes e sua filosofia", estava longe de ser 0 tnico. A introducio da imprensa na Euro- pa, no século xy, facilitou ainda mais a concretizagao desse sonho. A dispo- nibilidade de textos impressos aumentou rapidamente. Estim-se que a produgio média de livros por ano no mundo aumentou de 420, no perio~ do 1436-1536, para $ 750 durante os cem anos seguintes (1526-1636).’ Tal mudanga num prazo relativamente curto causow grande impacto na difusdo das informagées. Conforme salientou um autor em 1613 Um dos males destes tempos € a multiplicidade de livros; eles, de fat, sobre- carregam de tal modo a gente que nao conseguimos digerir a abundancia de matéria intl que, todos os dias, é gerada e despejada no mundo.’ A maior parte desses livros, naturalmente, nada tinha a ver com ciéncia, ‘masa importincia do livro impresso, a partir do momento de seu apareci- ‘mento, na transmissao dos resultados das pesquisas cientificas no pode set posta em questio, O ano de 1543, por exemplo, assistiu & publicagio tanto da obra que fundou a astronomia moderna — De revolutionibus orbisrs 4 11. MUDANGA E CRESCIMENTO, coelestium [Das revolugées dos corpos celestes}, de Copérnico—quanto da primeira obra moderna sobre anatomia humana — De humans corporis fabrica (Da esteutuea do corpo humano}, de Vesélio. Esta, em particular, representou um passo avante na apresentacdo das pesquisas, pois ineluia ilustragées acuradas ¢ minuciosas. Trabalhos desse tipo eram em geral impressos sob a supervisio direta do autor ou de um colega cientista. Essas pessoas, geralmente, estavam ligadas a universidades, de modo que, por isso, algumas dessas instituicbes acabaram por estabelecer seus proprios servigos de impressio e edigio. Um exemplo disso é a Oxford University Press, cuja origem remonta & segunda metade do século xv. ‘A capacidade de multiplicar os exemplares de um livro representou um _passo importante rumo a uma difuséo melhor e mais répida das pesquisas. ‘Aisso correspondeu um transporte melhor do material escrito e impresso, pelo menos na Europa. Exemplares do livro de Copérnico, por exemplo, Jogo estavam presentes nas principais bibliotecas em todos os lugares. De ha ‘ito existiam correios oficiais que percorriam caminhos regulares, em viagens a servigo do Estado, e geralmente levavam correspondéncia parti- cular junto com correspondéncia oficial. No século xvi, porém, esse trans- porte de correio néo-governamental assumiu ura cardter cada vez mais for- imal, e comegaram a surgir, no sentido como hoje os entendemos, os siste- ‘mas postais. De inicio sew impacto na ciéncia foi modesto, embora, para alguém como o astrénomo dinamarqués Tycho Brahe, que, na segunda me- tade do século xvi, procurava montar umia rede de correspondentes em as- ‘tronomia, fossem importantes bons servigos de comunicagio (© que esses servicos estimularam, em especial, foi a difusio de noticias. Na realidade, pode-se afirmar que os sistemas rostais ¢ 0s jornais surgiram juntos, Logo depois de a tipografia ter surgido ra Europa, comecaram a set produzidas folhas noticiosas, de carater oficial ow nao-oficial, que descre- viam acontecimentos de particular interesse. Tratava-se, principalmente, de produtos locais que focalizavam um tnico acontecimento, porém logose imbricaram com esquemas j4 existentes de transmissio de noticias ma- nuscritas pela Europa. Virios sistemas de difusio de noticias interligavam 6s principais centros de comércio. Uma importante familia de banqueiros, como os Fuggers, por exemplo, fornecia regularmente a seus clientes amigos boletins de noticias que continham informagées recolhidas por seus contatos comerciais em toda a Europa. No inicio do século xyu,ademanda por esse tipo de informacio alcancara tal nfvel que muitas vezes era mais barato e mais facil, para a difusio de noticias, valer-se de textos impressos ao invés de manuscritos. Ao mesmo tempo, adistribuigio geralmente espo- radica dé folhas noticiosas tornou-se mais regular. A publicagao resultante dessas iniciativas foi evidentemente o ancestral do jornal modern, gue tambem serviu de modelo para o surgimento da revista cientfica, (© ADVENTO DA REVISTA CIENTIFICA 3 A transigio da forma manuscrita para a forma impressa nose deu ins: tantaneamente, Noticidrios manuscritos, principalmente quando se desti- navam a.um pablico reduzido, continuaram a ser produzidos ducante todo © século xvi até o século xvni. Até mesmo livros continuavam circulando Fit fornia manuscrita, emboraisso agora se devesse, obviamente, ao fato de que as idéias que pregavam eram suscetiveis de censura. De fatc, do ponto de vista da pesquisa, era razoavel que as idéias inicialmente circulassem por meio de cartas manuscritas entre um pequeno cieculo de amigos que pode- riam analisé-las e, quando conveniente, testé-las e depois enviara resposta, Se, porém, as idéias se destinassem a alcancar um grupo maior, era muito mais facil imprimir a carta do que escrevé-la & mao. Assim surgiram, na segunda metade do século xvm, as primeiras revistas cientificas. O advento da revista cientifica A Londres do século xvit nos proporciona um exemplo esclarecedor de como € porque surgiu_a revista cientifica, em seu. sentido moderno. A restauracio da monarquia em 1660 fez.com que se pusesse fim a quase 20 anos de guetta civil e governo parlamentar. Durante esse periodo, peque 1nos grupos, cujos membros eram geralmente os mesmos, reuniam-se para debater questdes filoséficas, tomando cuidado para deixar de lado te altamente polémicos como os de natureza politica e teoldgica. Depois da Restauracdo, decidiu-se organizar reuniGes em Londres, de forma mais regular e oficial. Isso levou em 1662.3 formagio da Royal Society, assim denominada porque Carlos Il concordara em conceder-Ihe seu 3atrOtinio. Desde seu inicio, a Royal Society interessou-se pela comunicacio. Seus fun- dadores haviam sido influenciados pelos trabalhos de Francis Bacon, que, no tiltimo de seus livros, descrevera as atividades possiveis de uma insti tuigdo de pesquisa. Segundo uma de suas sugestdes, um dos requisitos seria que se concedesse alta prioridade & coleta e anilise de informagies impor- tantes, Alguns dos membros dessa instituigao deveriam passar algum tempo no estrangeiro coletando dados por intermédio de conversas e observacées direras, enquanto outros ficariam na sede, lendo e fazendo resurnos da lte- ratura publicada no mundo inteio. Alguns dos membros da Royal Society realmente viajavam para obter informacées, porém na maioria dos casos foram adotados outros métodos que demandavam menos tempo para manterem-se a par do que acontecia em outros lugares. Um desses métodos consistia em eleger como membros da sociedade pessoas do estrangeiro, que entio comunicatiam a entidade relatérios sobre progtessos ocorridos em sen pais. O primeiro desses mem- bros estrangeiros foi John Winthrop, governador de Connecticut, impor- tante pesquisador por seus proprios méritos. O meio mais importante de 6 1, MUDANGA CRESCIMENTO coligit informagdes era, porém, a correspondéncia mantida pelo secretario da nova sociedade, Henry Oldenburg. Ele era um infatigavel escritor de cartas destinadas a correspondentes tanto do pais quanto do exterior: nas- sido na Alemanha, era um poliglota consumado, Oldenburg atuava como tum centro de difusio de informacdes sobre novas idéias e pesquisas, muito parecido com o que antes faziam os Fuggers em matéria de coleta e difusio de noticias comerciais e politicas. O volume dessa correspondéncia logo passou a ser um Onus enorme: a soluglo cada vez mais ébvia seria fazer uma publicagio impressa, com as cartas mais importantes, e distribu‘-la Em Paris, entrementes, existiasituagZo bestante parecida. Aliy Marin Mersenne desempenhava papel equivalente 20 de Oldenburg. Em 1665, outro parisiense envolvido na coleta de informacées, Denis de Sallo come- our um periddico dedicado a publicar noticias sobre 0 que acontecia na Europa na ‘repiiblica das letras’. Esse Journal des Seavans (grafia atualizada para Journal des Savants no comeco do século xix) tem boas raz6cs para ser chamado a primeira revista em sentido moderno. Seu primeira niimero foi publicado em 5 de janeiro de 1665, ¢ Oldenburg leu parte de seu contetido perante uma reunido da Royal Society realizada no dia 11 de janeiro, 0 que nos dé uma boa indicagao da velocidade da comunicagio entre centros importantes naquela época, Parece que isso consolidou suas idéias prOprias acerca da publicagio de uma revista, pois, em marco de 1665, 0 conselho da Royal Society determinava ue as Philosophical Transactions, a serem preparadas pelo Sr. Oldenburg, scjam impressas na primeira segunda-feira de cada més, caso haja matéria, suficiente para isso, e que 0 texto seja aprovado pelo Conselho, sendo antes revisto por alguns de seus membros. © primeito némero das Phil. Trans. (como seu titulo faz muito tempo é abreviado) seguiu-se imediatamente a essa autorizacio. Embora as revistas francesa e inglesa surgissem no cenirio ao mesmo tempo, havia nitidas diferencas de contetido ¢ intengées, No preficio do primeiro fasciculo do Journal des Scavans, Deris de Sallo explicava que seu periddico destinava-se a realizar imimeras coisas diferentes: catalogar € resumir 0s livros mais importantes publicados na Europa, publicar necro- logios de petsonalides eminentes, descrever os progressos cientficos técnicos, registrar as principais decisoes juridicas e em geral cobrir todos os tépicos de interesse dos homens letrados. O titulo completo do periddico da Royal Society — Philosophical Transactions giving some Accompt of the present Undertakings, Studies and Labours of the Ingenious in many considerable parts of the World — sugere cobertura igualmente ampla. No entgnto, continuavam prevalecendo as limitagbes anteriores acerca do es- tudo de certos temas, como os de natureza politica e religiosa: a Royal So- iety alegava que somente se intcxessava por estudos ‘experimentais’. As (© ADVENTO DA REVISTA CIENTIFICA 7 Philosophical Transactions foram assim o precursor do modemno periédico cientifico. Journal des Scavans, por fim, verificou que era impossivel manter o amplo leque de temas com que havia comegado e passou a se con- centrar basicamente em temas nio-cientificos. Pode-se considerd-lo 0 pre- Gitsor do periddico moderno de humanidades Os peridicos cientificos surgiram na segunda metade do século xvi devido a varias raz6es. Algumas eram especificas (como a expectativa de seus editores de que teriam luero); algumas, gerais (como a erenca de que pata fazer novos descobrimentos era preciso que houvesse um debate cole- tivo). O motivo principal, contudo, encontra-se nessa necessidade de co- municagdo, do modo mais eficiente posstvel, com uma cliemela crescente iaveressada‘ em novas realizagées. Ainda que a introdugio do periédico fosse um passo l6gico, suscitava implicagées notveis para a comunicacio cientifica. Em particular, significava uma formalizagio do process de comunicacio. Para se perceber 0 que isso implica é preciso tragar uma dis- tingio entre comunicagio ‘informal’ ¢ ‘formal’. Uma comunicagao infor ‘mal é em geral efémera, sendo posta a disposigao apenas de um pablico limitado. A maior parte da informagio falada é, portanto, informal, do mesmo modo que @ maioria das cartas pessoais. Ao contrério, uma comu- nicagdo formal encontra-se disponivel por longos perfodos de tempo pata tum paiblico amplo. Qs periddicos e os livros so publicados {isto 6, torna- dos piiblicos) e em seguida armazenados por longos periodos em bibliote- cas, de modo que sio exemplos arquetipicos de comunicacbes formais. O que sucedeu no século xvi foi que os canais existentes para a comunicagio Gientifica — principalmente a comunicagio oral, a correspondéncia pes- soal ¢ 0s livros — foram complementados, ampliados e, em erta medida, substituidos por um novo canal formal constituido por periddicos. wra evista (journal, em inglés] é empregada neste livro como uma tbreviada de nos referirmos a uma coletinea de artigos cientficos escritos por diferentes autores. Conjuntos desses artigos séo reunidos a intervalos, impressos, encadernados € distribuidos sob um titulo tinico. ‘Outros termos genéricos imbricam-se com essa definigo. Em inglés, trans- actions atas), na forma empregada pela Royal Society, refere-se eviden- ‘temente a uma publicagao relacionada as atividades de um grupo. No sécu- lo xx, a Royal Society também comegou a produzir uma série de proceed- ings [também atas, em portugues}, outro vocabulo relativo asatividades de uum grupo. O desenvolvimento da revista [journal] também levou a mudan- ¢¢a8 no significado desta palavra. Originalmente, o vocabulo inglés journal significava algo parecido com um jornal [ewspaper, em inglés), mas, con- forme vimos, passou a ser aplicado, na segunda metade do século Xvi, & publicacSo periédica que contivesse uma série de artigos. Mais ou menos na mesma época, a palavra magazine [magazine, em portugués] também pas- 8 11, MUDANGA E CRESCIMENTO soua ser usada para descrever uma publicagio que continha diversos arti- gos. No curso dos dois séculos seguintes, journal passou a significar cada vex mais uma publicacfo séria, que continha idéias originais, enquanto que magazine atualmente suscita a imagem de uma publicacio de cunho popu- lar do tipo vendido em baneas de jornais. No entanto, os significados anti- 160s desses termos as vezes ainda sobrevivem, Algumas publicagGes popu- lares ainda se chamam josrnal, enquanto 0 Philosophical Magazine, funda- doem fins do século xvi, é hoje um dos periddicos de pesquisa importantes no campo da fisica. O termo periodical {periédico] foi empregado anteriormente. Entrou em uso comum na segunda metade do século xvii e se refere a qualquer publicacio que apareca a intervalos determinados e contenha diversos arti- sg0s de diferentes autores. Para tornar ainda mais confusa a questao, a pala- vra serial [seriado ou publicacio seriada] apareceu no século xix para de- signar qualquer publicagao editada em partes sucessivas e conexas. Em sera, journals (e magazines) sao peribdicos, mas principalmente em huma- nidades ha publicagdes seriadas que desempenham muitas das fung6es de tum journal. Essas flutuagées dos significados das palavras nio sio exclu- sivas da lingua inglesa. Em alemao, por exemplo, os primeiros journals eram muitas vezes designados pela palavra Zeitung. Esta veio posterior- mente a ser mais associada com jornais e, a partir do século xix, a palavra Zeitschrift passou a ser preferida nos titulos de revistas cientificas papel das sociedades ‘Muito jf se escreveu sobre a questio de porque os esforgos visando & expansio do conhecimento assumiram lugar to importante no mundo ocidental durante o século xvn. Algumas das respostas sugeridas guardam implicagées importantes para a comunicacio dos resultados de pesquisas Por exemplo, havia entao a suposicio, que se fortalecia rapidamente, se- sgundo a qual © mundo antigo nao detivera o monopélio da criagao de co- nhecimentos novos importantes, conforme se admitira anteriormente. O conhecimento, alegava-se, pelo menos em algumas areas do esforgo huma- “no, era cumulativo. Podiam ser acrescentadasnovas observacdes e idéias a0 que jé se conhecia de modo a criar um nivel mais elevado de conhecimento. Eoi com esse sentido que Isaac Newton apropriou-se de uma metéfora ‘entdo_existente para proclamar: “Se enxergcei mais longe foi porque me apoiei nos ombros de gigantes.” ‘A imagem de Newton implicava duas coisas acerca da comunicagio. Primeiro, o proceso de acumulagio envolvie.o fornecimento de informa- es sobre o prdprio trabalho a outras pessoas e, em troca, o recebimento de informagdes dessas pessoas. Em segundo Ingar, tendo em vista que 0 (© PAPEL DAS SOCIEDADES 9 processo de acumulagéo estendia-se no tempo, asinformacées deveriam ser divalgadas numa forma duravel e prontamente acessivel. O éxito dessa estratégia dependia da existéncia de grupos de pessoas envolvidas na co- ‘municagao cientifica tanto formal quanto informal. Por conseguinte, o vet culo principal dessa comunicacio passou a ser a sociedade cientifica. As so- ciedades normalmente realizavam reunides a intervalos regulares (0s s6- cios podiam, portanto, planejar o comparecimento com antecipacio), on de se verificava uma difusio informal de informagées de intimeras man as, Os membros da sociedade relatavam suas proprias pesquisas, organi= zayam demonstrag6es ou exposi¢Ges, mantinham contatos e intercambia- vam mexericos profissionais (sempre uma forma importante de consolidar © quadro de s6cios). Muitas sociedades estabeleceram paralelamente um programa editorial, Assim, satisfaziam aos anseios dos sécios que alme- javam tornar pablico seu trabalho, permitiam a nao-s6cios terem acesso 20s trabalhos desenvolvidos pela sociedade e proporcionavam ur registro que podia ser transmitido as gerag6es futuras. Logo se fundaram sociedades que abrangiam todas as principais reas do saber. Na Franca, um organismo semelhante & Royal Society — a Aca- ‘démie Royale des Sciences — foi instituido em 1666. Nessa época, Paris jé Contava com trés academias dedicadas a outras areas, com excegio das cigncias: 2 Académie Francaise (fundada em 1635), a Académie Royale de Peinture et de Sculpture (1648) ¢ a Académie Royale des Inscriptions et Belles-Lettres (1663). No inicio a criagao de novas sociedades se deu lenta- mente, mas, no século xvi, esse processo acelerou-se bastante, S6 na cigncia, estabeleceram-se nesse século umas 70 academias ou sociedades oficialmente consagradas, a0 lado de um niimero expressive de empreen- dimentos privados.' A opgio de usar a palavra academia ou sociedade no nome refletia em geral diferentes enfoques organizacionais. Era mais pro- vvavel que uma academia recebesse do Estado apoio financeiro e de outro tipo, estivesse mais sujeita ao controle do governo e contasse com menos membros diletantes do que as sociedades. Na América do Norte, Paises Baixos e Reino Unido, a opgio por sociedade era mais comum; em outros lugares da Europa, preferia-se 0 enfoque da academia, pelo menos para or- ¢ganismos nacionais. Vé-se uma diferenga no fato de os membros da Acadé- mie Royale des Sciences serem remunerados como servidores piiblicos en- {uaiifo 05 da Royal Society eram instados a pagar uma taxa de s6cio. Essas diferencas organizacionais trouxeram algumas conseqiténcias para a comunicagao, Assim, a freqléncia média as reunides da Académie era em geral expressivamente menor do que as reunides da Royal Society, onde havia um nimero consideravel de membros diletantes. Do mesmo modo, havia diferengas no acesso as publicagSes. A Académie editava um volume anual no qual colaboravam somente seus membros. As Philosophical Trans- 10 1, MUDANGA CRESCIMENTO actions exam editadas vérias vezes por ano (0 nimero de fasciculos variava, mas normalmente eram de cinco por ano) ¢ rodiam incluir matéria apre- sentada por nao-s6cios. Uma vez que a publicagio de volumes anuais estava sujeita a atrasos considerdveis, que de fato ocozriam, a publicacio mais fre- giiente feita pela Royal Society tinha melhor condicio de oferecer informa- bes razoavelmente atualizadas. No entanto, tas diferencas nfo podem ser superestimadas. Aos olhos contemporaneos, zcademias e sociedades esta- vam todas comprometidas com a mesma missfo. Em 1766, um membro da Société Royale de Montpellier comentava: Em geral se reconhece hoje em dia a utilidade dss academias. Nao se € mais tentado em nosso século a colocar isso em questio, e se pode afirmar com sinceridade que 0 répido progresso que 0 conhecimento humano alcangou nestes dias deve-se em grande parte ao zelo infaigavel de um mimero consi derivel de homens cultos, que, reunindo-se em diversas sociedades ¢ unindo, seus esforgos¢ talentos, tm tido como tnico objetivo instrur seus contempo- rneos e transmit descobrimentos tes 4 posteridade.” As profiss6es mais antigas, especialmente direito ¢ medicina, cedo fun- daram associag6es oficialmente reconhecidas, mas que estavam interessa- das principalmente em controlar o ingresso ra carreirae fiscalizar os pa- des de conduta profissional. Durante os séculos xvi xvit, aumentou o interesse por novos conhecimentos (principalmente em medicina) ¢ as so- ciedades profissionais comecaram a incluir esse interesse entre as ativida- des que jf desenvolviam. No século xix, surgiram novas profissdes que criaram também seus organismos profissiona's. Estes normalmente mani- festavam desde o inicio seu interesse por pesquisas e inovagées (e, por con- seguinte, por questées de comunicago). Na segunda metade do séeulo sur- giram novas indiistrias bascadas nos progressos do conhecimento que agora haviam sido alcangados. Isso levou A maior expansio das sociedades ¢ de suas atividades de comunicagio, embora as vezes causando tensio no processo. Os avangos em quimica, por exemplo, levaram ao crescimento da quimica aplicada ¢ da engenharia quimica junto com a quimica ‘pura’. Ao ‘mesmo tempo, os quimicos ligados ao ensino e & pesquisa nao estavam necessariamente interessados nos problemas dos profissionais da ind\is- ttia, e isso suscitou algumas dificuldades de comunicacéo. No Reino Uni do, 0s quimicos da quimica aplicada abandonaram a sociedade de quimica entio existente, dominada pelos cientistas da quimica pura, ¢ estabelece- ram sua prépria sociedade com suas publicagées. No século xx, as circuns- tincias levaram os quimicos praticos a se interessarem mais pelas ativida- des dos quimicos puros, ¢ estes, por sua vez, mais interessados nas aplica- ges priticas de seu trabalho. Em anos recentes, as duas sociedades de qui mica britanicas (¢ mais algumas outras) se refundiram, com a conseqiiente reordenagio de suas comunicagées formais e informais. Como aconteceu (© FEITIO Da REVISTA u ‘em muitas outras sociedades, seus s6cios agora podem selecionar dentre uma gama de publicagées e reuni6es que abrangem todo o espectro da qui ‘mica pura e da quimica aplicada. Esses vaivéns da historia t&m um interesse que nao é apenas de antiqua- Ihas. A forma como se organiza atualmente a comunicagio cientifica em geral reflete decisGes tomadas no passado, Por exemplo, muizas das socie- dades cientificas mais antigas formaram bibliotecas, a fim de ajudar seus sécios, pois, antigamente, a aquisicio de livros e revistas especializados era nao 36 dificil como dispendiosa. Hoje em dia, a maioria des s6cios tem acessoa acervos adequados, aoalcance da mao, gracas 3s bibliotecas de suas instituigées. Embora a ranio original da criagio de biblictecas de so- ciedades haja, portanto, deixado em grande parte de existir, essas insti g6es tém dificuldade em abrir mao de um patriménio tio rico. & provavel iie 8s tsiirios recorram a elas atualmente tanto por causa de materiais histéricos quanto por causa de materiais de pesquisa corrente. Entretanto, apesar de alguma resisténcia dos s6cios, as bibliotecas continsam em geral recebendo recursos financeiros. feitio da revista Oexemplo arquetipico dessas préticas fossilizadas 6 a prépria revista. A forma como as revistas apresentam a informacio evoluiu gradualmente durante os trésiltimos séculos em resposta tanto as transformac6es tecno- logicas quanto As exigencias cambiantes da comunidade cientifica. As re- vistas atuais trazem embutidos nelas reflexos dessas pressées. ‘Tomemos um fasciculo de uma revista, por exemplo, de cigncias, ¢ exa- ‘minemos os artigos que contém. Logo se tornari evidente que esto orga- nizados segundo 0 mesmo padrao bisico. Em primeiro lugar vem o titulo, seguido pelo nome do autor e seu enderego. A‘ ou em outre lugar € pro vvavel que se encontre uma data que mostra quando o artigo foi recebido pela revista, talvez junto.com uma segunda data que informa quando foi apresentada uma versio corrigida do texto. Em seguida, vem um resumo que descreve sucintamente o contetido do artigo. O corpo principal do ar- tigo vem depois, apresentando-se em geral conforme um modclo-padrio (por exemplo, introdusio, metodologia, resultados do experimento, con- clusio), © artigo termina com uma lista de referéncias de outras publica- ‘G6es citadas no texto. Para qualquer pessoa que seja leitor regular de artigos cientificos essa dlescrigao parecer nao apenas familiar, mas ébvia. E como seria possivel organiza um artigo de outra maneira? Porém cada um desses elementos sofreu mudancas com o passar do tempo, que refletem, em parte, mudan- gas na comunidade cientifica e na forma como ela se comunica. Os ele- 2 1. MUDANGA E-CRESCIMENTO rmentos iniciais — titulo e autor —sio os mesmos tanto no caso de revistas quanto de livros: formam os itens basicos empregados para diferencar um. livro ow artigo de outro livro ou artigo. Os titulos de artigos, porém, con- tém normalmente informagées mais detalhadas do que os titulos de livros €, por iss0, so mais extensos. Nos primérdios das revistas, os titulos dos artigos eram mais parecidos com os dos livos modernos: transmitiam informagio de modo muito menos eficiente do que os titulos de hoje em dia, (Curiosamente, o contrério acontecia comos livros: os titulos de livros antigos costumavam ser mais informativos do que os de hoje.) Ainda per- sistem diferencas entre disciplinas. Os artigos de alguns campos das huma- nidades costumam possuir titulos com muito menos contetido informativo do que & comum na maioria das ciéncias. A maneira de apresentar os auto- res também sofreu mudancas, nfo s6 na forme como o name € registrado, mas também no tratamento dado a artigos ée autoria miltipla. Ha um século, a maioria dos artigos das ciéncias posswia um tinico autor, enquan- to hoje em dia muitos artigos possuem dois ou mais autores. Surgiram entio convengdes. quanto a ordem em que os nomes dos autores devem ser enunciados. A proporcio de artigos de autoria miltipla e a natureza das ‘onvengdes relativas & ordem dos nomes podem, também, variar segundo a disciplina, conforme se ver em capitulo posterior. © aparecimento da data de recebimento do original no artigo reflete 0 anseio da comunidade cientifica de poder tomar uma decisio quanto a ale gages de prioridade. Os cientstas,€ claro, esperam que lhes seja dado cxé- dito por seu trabalho. Esse crédito € dado noumalmence a quem primieigo analisou determinado tema, Em virtude de a comunicaco dos resultados de uma pesquisa por meio de um artigo publicado demandar tempo, osautores precisam da garantia de que suas reivindicagdesde originalidade serio reco- nhecidas. Ao inchair a data em que o artigo foi recebido paca publicagio, os petiddicos contribuem para esclarecer a questio de quem foi o primeiro a publicar sobre determinado t6pico, Do mesmo modo, a ocorréncia de arti g0s reapresentados para publicacio reflete a importancia que a comunidade cientifica atribui ao controle de qualidade. O sistema bastante complexo de avaliagio editorial ¢ pareceres exarados por consultores externos, que atualmente controla a quatidade do material publicado nos principais pe- riédicos, foi sendo gradualmente construido com o passar do tempo. Assim como cresceu a comunidade cientfica também eresceu a necessidade de garantir que somente se publique material aceitavel. Também hé diferen- «as de atitude tanto em relacdo a reivindicagées de prioridade quanto a con- twole de qualidade dependendo da disciplina, Os editores” de humanidades tendem a encarar essas coisas de modo diferente dos editores de ciéncias. Sobre a uadugao de editor e publisher ver nota de racapé na pagina 91. (8.7) © FEITIO Da REVISTA, 13 Os resumos também passaram por mudancas. Primeiro apareciam nao ‘como parte do artigo, mas como condensag6es publicadas em outras revis- tas. Aos poucos, 0s resumos comecaram a aparecer junto com 03 pr6prios artigos, Podiam, eno, ser usados como base de resumos em outras publi- eagGes. No século xrx, comegaram a surgir periédicos dedicados exclusiva- mente & reprodugio de resumos. Mais uma vez, encontram-se diferencas entre disciplinas. Quase todos os artigos cientificos atuais trazem resumos, ‘mas €I€s sao muito mais raros nas humanidades. De modo mais genético, 0 feitio caracteristicamente desestruturado dos primeiros artigos passow a se tornar mais formalizado com 0 passar do tempo. Essa estruturagio interna também depende da disciplina. Assim, um subtitulo de seco que diz resultados do experinrento é comumn na ciéncias naturais, masnio se aplica a grande parte das cigncias sociais. Nao obstante, a idéia de apresentar as informagSes segundo uma seqiténcia prescrita é comum em todas as disci- plinas, ainda gue seja aplicada de modo mais estrito nas ciéncias. A lista de referéncias no final do artigo é outro exemplo de um compo- nente que sofrew mudancas com o tempo. Originalmente, as eferéncias a trabalhos alheios eram feitas no texto principal, em geral de uma forma bibliograficamente desestruturada. Posteriormente, as referéncias migra- ram para notas de rodapé e depois para o final dos artigos. Simultanea- mente a essa transformacio, a forma como as referéncias eram citadas tormou-se cada vez mais estruturada: hoje em dia, em geral aplicam-se nor- ‘mas bibliogeéficas bastante estritas. A estrutura exata adotada para as refe- réncias varia segundo a disciplina. Os especialistas das humanidades, por exemplo, costumam inchuir comentarios nas referéncias, enquanto os cien- tistas raramente registram algo mais além dos meros dados bibliogréficos. Nos capitulos subseqiientes serdo examinados, mais detidamente, os di- ferentes elementos de um artigo cientifico. O aspecto a ser aqui ressaltado € que muitas das mudangas por que tém passado estiveram relacionadas com o crescente atiménto e comiplexidade da comunicade cientifica e com ‘FCo;eGiiente necessidade de melhorar a eficigncia de suas atividades de colriunicacio, Por exemplo, as referéncias funcionam como um vinculo entre trabalhos novos ¢ antigos: representam a argamassa que une os tijolos novos aos anteriores & medida que o edificio sobe. Sua crescente nocmali- zagio representa uma tentativa de manter vinculos eficientes num universo de conhecimentos em expansio. O mesmo se pode dizer das transforma- 62s por que passaram os titulos e resumos. Essas transformagées estiveram voltadas pata o objetivo de tomar mais eficientes as informag6es fornecidas sobre cada artigo, melhorando assim as chances de os pesquisadores recu- perarem rapidamente artigos relevantes, apesar de 0 nimero de artigos apresentar um crescimento constante. A methoria da estruturagio interna dos artigos pode ser também vista como um nrse qne ania na répida 4 LL MUDANCA E CRESCIMENTO recuperagio de informacées de dentro de cada artigo. Desse ponto de vista, a evolugio do contetido do periédico constitui simplesmente uma resposta A necessidade de manter o fluxo de informacSes quando 0 volume da comunicacio cresce constantemente, A acumulagio das pesquisas Em que medida, entdo, a informagio cientffica tem crescido de volume ao longo do tempo? Vejamos primeiro o que aconteceria se a comunidade cientifica permanecesse sempre do mesmo tamanho. A comunicagio infor- mal provavelmente permaneceria flutuando sempre no mesmo nivel, mais fou menos, pois a quantidade de contatos entre as pessoas continuaria a mesma. O volume de informagées geradas por intermédio dos canais for- mais pela comunidade cientifica, em gerac6es sucessivas, também certa- ‘mente ficaria constante. A informacio informal, por sua prépria natureza, Jogo se perde, porém os livros e revistas que conitituem os eanais de comu- nicacto formal sio duradouros ¢ se acumulariam linearmente com o passar do tempo. Cada geracao contribuiria com uma cuota idéntica de tijolos de informagio para o edificio da cigncia, e assim o volume de comunicagses de pesquisas cresceria em velocidade constante. Esse quadro dificilmente retrata a situacao real, pois o volume da comu- nidade cientifica certamente nao permanecen 0 mesmo ao longo do tem- po. Em primeiro lugar, a populagao mundial expandiu-se rapidamente du- rante os dois tiltimos séculos. Pode-se considerar 0 meado do séeulo xvi como o ponto em que tem origem a comunidade cientifica da forma como hoje a conhecemos. A populagio mundial estimada para aquela época é algo acima de 500 milhées de habitantes, talvez 0 dobro do que teria sido no ano 1 dC. Em outras palavras, foram precisos 1 650 anos para que a po- pulagso mundial dobrasse de tamanho. Trezentos anos mais tarde, em meados do século xx, a populagio mundial aproximava-se dos trés bilhoes tempo para dobrar de tamanho cafra para 40-50 anos, de modo que a populacio era o dobro da do comego do século# Esse crescimento ripido continua ainda hoje. Supondo-se que a comunidade cientifica se expanda junto com a popu- lagao geral, sto significa que suas atividades e, analogamente, suas comu- nicagées deverdo estar crescendo mais rapidamente com o passar do tem- po. Cada geragio adiciona uma quantidade crescente de tijolos 20 edificio da ciéncia, o qual, portanto, cresce cada vex mais rapidamente. A historia, porém, nao acaba aqui. O nivel da educagao tem se elevado de modo signi- ficativamente mais rapido do que o erescimento da populacio durante 0 <imo século (embora obviamente com velocidades diferentes nos dife- rentes paises), Por exemplo, as matriculas no ensino superior, em cursos de A ACUMULAGAO DAS PESQUISAS 15 tempo integral, no periodo 1900-1960 dobraram a cada 15 anos, em mé- ia, nos Estados Unidos, e a cada 17 anos no Reino Unido.’ Dentro dessa 10 global, o niimero de estudantes de doutorado cresceu de modo jcalarmente rapido durante os filtimos 50 anos. Considerando que si0 Soas com GoUGFAUS qiie certamente formario a préxima geracio de pesquisadores, esse crescimento reveste-se de importancia para a comu cagio cientifica. Durante a década de 1960 — periodo caracterizado por r4pida expansio do ensino superior no Ocidente — 0 niimero de estu- dantes norte-americanos que faziam doutorado dobrou entre ocomego€ 0 fim da década."® A essa velocidade de producio de pesquisadores, 0 edificio da ciéncia eleva-se de uma casa para um arranha-céu diante de n9ssos olhos. Para um membro da comunidade cientifica a conseqiiéncia imediata dessa expansio é que a maior parte dos pesquisadores é formada por contempo- rneos. As cifras exatas dependem do indice de crescimento provavel, mas trés quartas partes de todos os pesquisadores registrados durante toda a hist6ria escrita talvez estejam hoje & nossa disposicao para um bate-papo. Como foi assinalado hé alguns anos: “Temos hoje o privilégio de sentarmos a0 lado dos gigantes sobre cujos ombros nos apoiamos”."! tamanho crescente da comunidade cientifica tem implicagSes (que serio examinadas mais adiante) para a comunicagio informal, porém os problemas para a comunicagio formal tendem a agigantar-se devido & ma- neira como estas informagées se acumulam. Nos pardgrafos anteriores tive- ‘mos uma idéia do indice de crescimento da comunidade cientifica. Si pondlo-se que outros fatores, como a produtividade, permarecam cons- tantes a0 longo do tempo (outro aspecto a ser examinado mais tarde), serd natural que ocorram indices de crescimento similares no que concerne & literatura cientifiea. De fato, determinar a taxa de expansio da literatura 1njo é uma operacio facil. Em primeiro lugar, € preciso ter em conta a eterna davida sobre 0 que constitui um ‘periédico cientifico’. Per exemplo, devem-se incluir nessa categoria periddicos que publicam apenas artigos de revisio bibliografica? De qualquer modo, que proporgao de pesquisas originais uma revista deve conter para que seja computada como periédico cientifico? Se for possvel responder satisfatoriamente perguntas desse ti- po, poder-se- medir a taxa de crescimento em termos da diferenca entre 0 niimero de titulos novos que surgem ¢ 0 nimero de titulos antigos que desaparecem durante determinado perfodo de tempo. Nao é muito dificil identificar a revistas novas que estdo sendo publicadas: em geral sio anun- ciadas pelas editoras e registradas nos catélogos da inctstria editorial. Ha, €-claro, sempre alguns problemas de percurso. Por exemplo, se um peri6di- co se divide em dois ou mais de dois periédicos separados, cada um dos quais constitui uma se¢ao do titulo original, continuard sendo um peri6di- co ouseré mais de um? Essa ndo € uma situacio fora do comum:;4 no século 16 1. MUDANGA B-CRESCIMENTO xix, as Philosophical Transactions da Royal Society dividiram-se em duas partes: Phil. Trans. A, que abrange as ciéncias fisicas, e Phil. Trans. B, que barca as ciéncias biol6gicas. Esses so aborrecimentos estatisticos de somenos. Problema maior con- siste em reunir dados confisveis sobre a taxa de mortalidade dos periédi- cos. Em alguns casos, como, por exemplo, quando dois titalos fundem-se ‘num tinico, as editoras talvez divulguem informacio sobre o fato, mas em geral o desaparecimento de um periGdico nao ¢anunciado amplamente. No «caso de periédicos publicados sem regularidade definida ou em intervalos muito longos,é possfvel que decorra um exterso periodo antes que se tenha certeza de que nao aparecera um novo fasciculo. A tabela 1, que procura levar em conta esses problemas, contém algumas cifras globais do nimero de titulos de periddicos existentes em diferentes épocas.” A tabela 2 apre- senta dados similares para determinada disciplina (biomedicina)."* Esta altima tabela mostra que pode ocorrer um répido crescimento em éreas especfficas da pesquisa durante longos perfodos, bem como em todos os campos da pesquisa somados. Esses ¢ outros afimeros sugerem que a quan- tidade de periddicos tende a dobrar a cada 15 anos ou perto disso. Existe outro tipo de crescimento que precisa ser levado em considera- ao. Mesmo que a quantidade de titulos permanecesse constante a0 longo do tempo, o volume de informagées contidasnos periddicos ainda poderia cerescer, s¢ cada titulo aumentasse de tamanho. Isso pode acontecer de vé- tas formas: mais fasciculos podem ser editados por ano, e/ou cada fascicu- ‘Tabela 1 [Niimero estimado de ttaos de peiadicos no mundo Ano Naimero de titlos 1951 10 000 1959 45 000 1970 40.000 1980 62000 1987 71.000 Tabela 2 Naimero de periddicosbiomédicos publicados Década encorrada em Nmera de peribdicos 1799 s 1849 45 3899 +26 1349 3937 1977 19316 ‘A ACUMULACAO Das PEsQUISAS 7 lo pode conter maior niimero de paginas, e/ou mais informacées podem ser atochadas em cada pagina. Vejamos, por exemplo, 0 Journal ofthe Geologi- cal Society, do Reino Unido, que adotou todos esses métodos de expansio em décadas recentes. A quantidade de paginas publicadas anualmente na revista passou de 200 para 1 000 nos 40 anos p6s-1950. Ao mesmo tempo, a quantidade de palavras por pagina aumentava de 900 para 1300.%* Os au tores contam com pouco espaco para se derramarem nos periddicos cienti- ficos atuais, de modo que os aumentos dos totais de palavras correspondem razoavelmente bem aos aumentos de contetido informativo. Iso significa que as informagées veiculadas por esse Ginico titulo a cada ano correspon- dem atualmente a sete vezes o que eram em 1950. Atabela 3 mostra 0 aumento do niimero de péginas publicadas anual- mente por uma amostra significativa de periédicos de varias disciplinas durante o perfodo de répida expansio das pesquisas que caracterizou a dé- cada de 1960." Ela deixa claro que foram os periédicos de citncia, tecno- logia e medicina que engordaram. Na outra ponta da escala, os periédicos de humanidades permaneceram quase do mesmo tamanho. A informacio cientifica nao é, obviamente, veiculada apenas por perié- dicos. Nas humanidades ¢, em certa medida, nas cigncias socias, os livros especializadios so em geral um canal de difuséo miais importante do.que os periédicos. (Isso também acontecia antigamente no caso das ciéncias — basta'iinaginar o impacto de A origem das espécies, de Darwin, publicado em meados do s€cilo xix — porém a maioria dos livros cientficos de hoje estina-se principalmente & apresentacao de matéria jé publicada em perid- dicos.) A importancia dos livros em alguns campos cientificos sugere uma questio ébvia: 0 ntimero de livros que contém material cientifico também se expandiu grandemente, durante um extenso periodo de tempo, do mes- mo modo que os titulos de periédicos? Assim como acontece com 0s perié- dicos, a coleta de dados ¢ dificultada pela necessidade de definir quais os livros serem inclufdos na contagem quais os que devem ser exclufdos. As escatisticas da inddstria editorial nao separam os titulos de livros segundo os que contém material cientifico de valor académico e os que nio.contém, Na ealidade, isso é muitas veves dificil de afirmar. Na hist6ria, por exemplo, ‘uma biografia comprada pelo péblico em geral também pode trazer uma Tabla 3 [Niimeco mécio de pginas pubicadas por periédicos de diferentes diiplinas Area 1960 1970 Giéacia tecnologia 02 3060 Gnciassocais 352 08 Hlomanidades ae 39 —_——____* 18 11, MUDANGA E CRESCIMENTO. contribuigio para a especialidade. Mesmo quando ha estatisticas, nem sempre existe clareza sobre o que deve ser computado. Por exemplo, deve- se ou no considerar como obra novaa edi¢ao revista de um livro cientifico jf existemte? Uma maneira de contornar esses problemas ¢ conseguir elaborar um quadro geral do que aconteceu consiste em examinar como o acervo de bi- Dliotecas dedicadas ao apoio a pesquisa sofreu transformagées com o tem- po. A tabela 4 registra a quantidade média de livros encontrados em 10 bibliotecas universitérias norte-americanas, de longa existéncia, no perio- do 1831-1938." Os dados indicam um tempo de cerca de 15 anos para que © acervo dobrasse de tamanho durante o periodo estudado. Compare-se {sso com um conjunto totalmente diferente de estatisticas: a quantidade de livros sobre temas cientificos, universitérios e profissionais produzidos por editoras do Reino Unido no periodo 1988-1993 (tabela 5)."7 Esses mir meros sugerem que a cada 10 anos eles dobram de tamanho. Assim, 0 pe- rfodo verificado como necessario para que os titulos de periédicos dobras- sem de ntimero também aparece quando se exarnina o aumento da quanti- dade de livros cientificos. ‘Uma comparagio da taxa de crescimento éa comunidade cientifica com a taxa de erescimento da informacio por ela produzida sugere que as cifras so aproximadamente comparaveis. De qualquer modo, o volume de in- formacio cientifica em circulacao parece ter zumentado, na segunda meta- de do século xx, muito mais rapidamente do que o tamanho da comunidade cientifica respectiva. As poucas tentativas feitas visandoa produzir estimati- vas diretas das taxas relativas tendem a correborar isso. Por exemplo, um estudo sobre informagio médica nos Estados Unidos cobrindo o periodo Tabla 4 Acervos de livos de ua amostca de biblioteca vnvestiias norte-americanas “ano ire aa7e—«1900~=~=«SDS CS Quanidade smédiadeliveos 11764 28779 59380 187082744114 1182974 Tabla 5 Livros cientficos publicados anualmerse no Reino Unido ‘Namo de telos produsides Categoria 1988 1995 Gientfcos, téenicos © médicos 10220 16931 Universiitios e profisionais 1736 27264 CCRESCIMENTO RAPIDO E SUAS IMPLICAGOES 19 1960-1975 constatou que o mimero de titulos de periédicos médicos quase dobrou."" Ao mesmo tempo, o tamanho da comunidade médica norte- americana cresceu significativamente. Comparando a taxa de crescimento dos periédicos com a da comunidade verifica-se que a primeira expandiu- se mais rapidamente, mas que a diferenca foi relativamente modesta. A quantidade de titulos de periddicos médicos para cada mil membros da comunidade médica dos tux subiu de 15,5 em 1960 para 17,3 em 1975. O quadro geral, portanto, é de que o mimero de pessoas envolvidas em pes- uisas € 0 niimero de publicagdes que elas produziram aumentaram com crescente velocidade, partindo de uma base pequena hé cerca de trés séculos até alcancar a impressionante estrutara e produgio bibliogréfica dos dias Crescimento rapido e suas implicagoes Na anilise anterior, medimos a taxa de crescimento em termos de ‘tem- po para dobrar’. Vale a pena examinar o que essa forma de medida impli- ca. Existe uma antiga histéria de um homem a quem certo rei oferecera uma recompensa, © homem pegou um tabuleiro de xadrez e pediu que fosse posto um grio de trigo na primeira casa, dois na segunda, quatro na terceira, oito na quarta ¢ assim sucessivamente até que todas as 64 casas estivessem ocupadas. O rei concordou, sem perceber grande diferenga en- tte isso ¢ pedir um gro na primeira casa, dois na segunda, trés na terceira, quatro na quarta, etc. Infelizmente para 0 rei, pois embara atiltima hipé= tese fosse exeqiiive, a primeira evidentemente no o era. A segunda forma de crescimento foi mencionada anteriormente como ‘linear’; a primeita forma é muitas vezes denominada ‘exponencial’. Sua caractecistica, como no caso dos gros de trigo, é que o desenvolvimento inicial é lento ¢ modes- {o, mas os niimeros em seguida disparam e logo se tornam muito grandes Ja vimos isso no crescimento do mtimero de periddicose livros. Até 0 século XX, esses ndimeros nao eram particularmente alarmantes. Durante os Gilt ‘mos 50 anos iss0 mudou: os ntimeros se elevaram ¢ os pesquisadores cada ‘vez mais sio afetados pela ‘explosio da informacio’. Com um crescimento genuinamente exponencial, o tempo para dupli- ‘car permanece quase 0 mesmo, Isso nao corresponde estritamente a verda- de no caso dos dados sobre a quantidade de pesquisadores ow o volume da literatura: 0 tempo para dobrar nestes casos mostra alguma variacio. Em parte, isso depende de problemas com a selecio e reduio de dados, mas algumas diferencas so reais. Por exemplo, as duas guerras mundiais do século xx afetaram durante alguns anos o niimero de publicasées cientifi- cas editadas. No entanto, aidéia de mudanga exponencial proporciona uma base Gti para a anslise do crescimento e seu impacto na comunicacio. Em 20 1. MUDANGA E CRESCIMENTO particular, suscita a questio relativa a como os cientistas dio conta do volume sempre crescente de informag6es. Os pesquisadores de hoje talvez olhem para tras com inveja de seus predecessores, vendo o pequeno mundo da pesquisa em que eles atuavam. © importante € que seus predecessores no viam as coisas dessa forma. Crescimento exponencial significa que a quantidade de literatura expandia-se na mesma velocidade tanto para as antigas geragdes de pesquisadores quanto para nés. Considerando-se um tempo para duplicar de 10-15 anos, entio, como hoje, os cientistas veriam 5 canais formais ¢ informais de comunicacéo pelo menos teiplicando durante suas carreiras cientifcas. Por consegainte, a sensacio de estar afo~ gado em informagées ja era lugar-comum hé muitos anos. Vejamos como Faraday se queixava em 1826: com certeza impossivel para qualquer pessoa ansiosa por devotar uma par- cela de seu tempo a experiéncias quimicas le: todos os livros e artigos que se publicam acerca de seu mister; seu niimero £ imenso, ¢ tal 0 esforco para jocicar as poucas verdades experiments teéricas gue em muitos deles sao estorvadas por uma proporcfo muito grande de matéria desinteressante, de fantasias erros que a maioria das pessoas que fazem experigncias sio logo induzidas a fazer uma selegSo de sua leiturs, ¢ assim, inadvertidamente, 38 vere, deixam escapar o que realmente prest.® Essa queixa soa bizarra aos ouvidos modemnos: afinal, existe atualmente uma quantidade imensamente maior de informagao quimica a ser enfren- tada do que no tempo de Faraday. Conseqiientemente, recuperar ¢ assi- ilar todos 0s tipos de informagéo deve ser provavelmente um problema ‘muito mais formidavel hoje em dia. A resposta € que a comunidade cienti- fica desenvolveu ao longo dos anos sen préprio mecanismo de defesa con- tao insumo de informacdes em excesso. Os quimicos nao se esforgam mais para dominar a mesma ampla gama de temascomo o fazia Faraday. Eles se concentram em temas muito mais restritos. A medida que a cigncia se expandin, os pesquisadores restringiram sua atengéo a partes selecionadas, de tal modo que a informagio que precisam absorver continua a situar-se dentro de limites accitaveis. Pode-se imaginar a ciéncia como um balio em expansio. A pelicula do aldo a frente de pesquisa, onde novas informagbes estio sendo produ- zidas. O interior do balao representa o volume de informacées que jé foram reunidas. Se a érea na superficie do balio que 0 pesquisador pode abarcar permanecer constante com o tempo, entéo 2 proporcio da superficie que pode ser abrangida necessariamente cai, Embora a analogia seja obviamen- terudimentar, ela aponta para uma conseqiténcia importante do crescimen- t0 exponencial. Os pesquisadores devem tornar-se mais especializados em seus interesses & medida que o tempo passa © crescimento da especializagao na pesquisa esta evidente em todas as CCRESCIMENTO RAPIDO E SUAS IMPLICAGOES 21 formas de comunicagio. Os titulos das revistas refletem bem essa tendén- ia, em que os titulos antigos muitas vezes implicam uma cobertura maior do que as dos tftulos de periddicos fundados mais recentemente. As Philo- sophical Transactions, a0 serem fundadas, abrangiam a maior parte das ati- vidades de pesquisa. Os periédicos surgidos depois da Segunda Guerra Mundial nem mesmo tentam cobrir todo um tinico campo (for exemplo, fisica, psicologia), mas ao contrério se concentram em especiaizagoes den- tro desses campos maiores, o que se reflete em seus titulos. Em alguns ca- sos, esta tendéncia rumo & especializacdo pode ser observada 20 desenvol- vimento de um tnico periddico. O Philosophical Magazine foi fandado em Londres ha cerca de 200 anos, com uma missio ampla, algo assim como as Phil. Trans. Ao findar o século xix, adquirira reputagio como um periddico basicamente dedicado a artigos de fisica, Depois da Segunda Guerra Mun- dial, ocorreu mais uma reducio, ¢ 0 Phil. Mag. passou a ser uma das revis- tas importantes em fisica da matéria condensada, Subseqiientemente, 0 periddico dividiu-se em secGes publicadas separadamente que tratavam de diferentes subespecialidades na érea da matéria condensada. Tendéncia algo parecida pode ser vista nas associacdes cientificas e pro- fissionais, Vimos queas academias ou sociedades cientificas aumentaram de ‘néimero durante 0 século xvii. Embora algumas dessas organizacées abrangessem tanto as humanidades quanto as ciéncias sociais enaturais (no Reino Unido, por exemplo, vé-se surgir a denominacio ‘Sociedade Literé- tia ¢ Filosotica’,jé havia uma tendéncia de separar essas atividades. Cam- pos como medicina e agricultura também se consideravam independentes ¢ contavam com suas préprias sociedades. No entanto, a verdadeira diversifi- cago dessas sociedades se deu no sécalo xtx, quando organizagées nacio- nis de geologia, quimica e outras especialidades surgiram na Europa e na América do Norte. Embora essa tendéncia fosse mais evidente nas ciéncias, encontram-se paralelos nas cincias sociais e nas humanidades. Por exem- plo, 0 século x0x assistiu a um aumento considerdvel do niimero de socie dades dedicadas a determinados aspectos da literatura e da lingua. No século xx, a especializagao continuou se ampliando; com o surgi ‘mento de novas sociedades 3 medida que surgiam novas 4reas de pesquisa. Exemplo dbvio é a proliferacio de sociedades de informatica a partir da Segunda Guerra Mundial e a forma como novos grupos agora se formam «em torno de especialidades no seio da ciéncia da computagio. Com efeito, as sociedades que se baseiam em disciplinas amplas acabaram por perceber que scus membros normalmente se interessam apenas por um segmento do respectivo campo. As vezes isso se reflete na divisio da revista da sociedade em secdes separadas, como aconteceu hé mais de um século com as Phil. Trans, Essa divisio percebe-se de modo mais nitido em geral quando de apresentacdes orais (reunides, semindrios, etc.). Com excegio de grandes 22 1, MUDANGA E CRESCIMENTO eventos destinados A associacao inteira, as reunides com freqhéncia versam sobre um tema razoavelmente limitado, que se destina a atrair determi- nado segmento dos sécios da entidade. A exzectativa € de que, a0 realizar uma série de eventos sobre diferentes temas, cada s6cio encontraré algo de seu interesse ao longo da programagio anual da entidade. Especializacao e pesquisa A especializagio nfo podte ser a tinica resposta a expansao do saber. Lan- gando mao mais uma vez da analogia do balio, absorver 0 cone de infor- ™magées que se alonga sem cessar abaixo de determinada érea da superficie do balao constitui um problema que se avoluma com o passar do tempo. O significado disso € que a pessoa que € nedfita numa especialidade exige mais tempo e assisténcia para alcancar a frente de pesquisa a medida que o tempo passa. Do mesmo modo, a formagio de pesquisadores tornou-se mais com- plexa com 0 pasar dos anos. Os cursos de graduacao sofreram mudangas ndo apenas no que tange A gama de informagGes com que se tem de lidar, ‘mas também no que se refere & maneira como as informagées sio estru- turadas, Os conhecimentos, a medida que se expandiam, foram desenvol- vendo uma estrutura te6rica cada ver mais complexa. Em geral, é somente depois de uma longa exposi¢io a conhecimentos especializados que os pesquisadores potenciais chegam a formar uma idéia sobre como dar inicio ‘um trabalho que seja novo. Para a execucio efetiva de um projeto de pes- 4quisa cles precisam de uma capacitagio adicional, que vem se tornando cada vez mais formalizada ao longo dos anos. Hoje em dia, exige-se geral- mente quea pessoa que pretende ser pesquisador estude para obter um titu- Jo de pos-graduacao (normalmente um doutorado) sob a supervisio de um orientador, que se presume seja possuidor de experiencia nos mistérios do processo de pesquisa. A supervisio da pesquisa constitui fandamentalmente uma atividade de ‘orientagio. No comeco deste século um observador canadense comentou sobre a dificuldade de se determinar como ccorre de fato.a capacitacio, Deduzo que aquilo que {um orientador] fax é reunir um pequeno grupo de estudantes © fumar na cara deles. Homens que sistematicamente reeeberam fumaga na cara durante quatro anos transformam-se em cientistas maduros.”” Receber fumaca na cara hoje em dia provavelmente menos comum ¢ hé muito mais mulheres que fazem pesquisa, porém a relacio continua sendo uma relacio de osmose. Isso é especialmente verdadeiro nos intimeros ‘campos de pesquisa onde 0 conhecimento a ser transmitido nao é exclusi- vamente verbal ow gréfico, mas inclui um elemento de destreza. Este ele- sento.tem sida tradicionalmente transmitido pelo orientador tabalhando lado a lado com o estudante sobre rim répica de pesquisa espectfico. ESPECIALIZAGAO E PESQUISA 23 Exisce aqui uma conexo com a especializagao, pois seu cresemento tem se igualado com o crescimento da pesquisa em grupo. O trabalho pratico em geral implica o uso de um depésito central de instrumentos ou ma- teriais. Nas ciéncias, por exemplo, o laborat6rio é um centzo importante de atividades de pesquisa. A idéia de estudantes de pesquisa trabalhando juntos sob a supervisio de um orientador parece que surgi com a criagto do laboratério quimico de Liebig, na universidade de Giessen, ra primeira metade do século xix. Na quimica, aos estudantes podiam ser entregues projetos que eram inter-relacionados, permitindo assim o estudo simul- titieo de todo um t6pico. A medida que as pesquisas em grupo tornavam- se mais importantes, em geral se alterava a divisio do trabalho. Agora cada aluno de pesquisa pode contribuir com determinado tipo de atividade den- tro de um Gnico projeto. Encontramos apoteose dlesse métodona fisica de alta energia, onde equipes de 50 ou mais pesquisadores, alunos de dou- torado e técnicos podem estar engajados numa mesma experincia. Deter- minado estudante estara envolvido numa atividade muito especifica, como © processamento em computador dos dados obtidos na experigncia. No entanto, a experiéncia varia segundo o tema: ser uma pega pequena de uma grande engrenagem € algo que ocorre em enormes e dispendiosos projetos de pesquisa. Em outros lugares, ainda é comum 0 modelo em que todo aluno de doutorado aprende uma mesma gama de habilidades, embora cada um estejatrabalhando em projetos paralelos. Exemplo interessante de como a especializacio pode desenvolver-se & oferecido pelas universidades alemas do século xix. A expectasiva, entio, era de que cada universidade teria apenas uma tinica cétedra de professor titular por disciplina. Por isso, a quantidade de cargos académicos disponi- ‘eis numa disciplina s6 podia expandir-se até o ponto em que todas as uni- versidades houvessem criado as respectivas cétedras. Uma expansio acima disso dependia de a disciplina tornar-se mais diferenciada até que produ- zisse um subcampo reconhecidamente independente que merecesse suas proprias nomeagGes de professor titular. Assim, a fisiologia fazia parte originalmente da anatomia. No entanto, i medida que as pesquisas em fisio- logia iam se ampliando no século x1x, nem todos os catedréticas de anato- mia sentiam-se aptos a ensinar ambas as matérias. Algumas cétedras de fi- siologia foram portanto criadas para complementar as de anatomia. A exis- téncia desses cargos tornava compensador para os professores potenciais estudar fisiologia, e assim cresceu o interesse por esta matéria. Logo 0s co- hecimentos basicos exigidos pela anatomia e pela fisiologia se tornaram bastante diferentes de modo que passaram a ser tidas como mavérias inde- pendentes. De fato, é possivel discernir ondas de novas especializagées & medida que 6 século x1x avanca. A prépria anatomia s6 se tornow um ramo indeperidente da cirurgia na primeira metade do século xix. O nimero de 24 1. MUDANGA & CRESCIMENTO cétedras de fisiologia aumentou apés meados do século, mas a disciplina deixara de expandir-se por volta de 1880. Igualmente, novas especialidades ‘em temas afins (como higiene e psiquiatria) surgiram e comecaram a exigit suas prOprias catedras. Esses surtos de crescin:ento em termos de cargos podem estar relacionados com o crescimento em termos de pesquisase stia comunicagao. Assim, um estudo sobre progressos importantes na fisiologia publicados por cientistasalemaes no século xix sugere que houve 168 avan- gos durante o periodo 1835-1854, 321 em 1855-1874, e 232 nos 20 anos posterioresa 1875." Isso corresponde bem de perto & taxa de expansio da- quela disciplina em universidades alemas, medida pelo ntimero de cargos universitérios, Conforme o exemplo sugere, o aumento quase exponencial de pesquisas publicadas, que vimos antes, aplica-se realmente publicagéo de pesquisas como um todo. Ainda que certas especialidades possam expan dir-se da mesma forma (como a bioquimica na tabela 2), em geral tém seus altos e baixos: este fendmeno sera examinado em capitulo posterior. Unia quantidade crescente de pesquisadores implica nao apenas um grau imaior-de especializagio, mas também mais financiamento para sustenté- fos. Uma parte desse aumento do financiamento correspondeu a recursos pblicos, ¢ outra parte a fontes privadas. No mundo académico, isso tem sido previsfvel devido a demanda sempre cresceate por uma forca de traba- Iho bem-qualificada. Isso, por sua vez, tem sido uma conseqiiéncia inevi- tével da expansao da industriaizagao nos sécules xix e xx. No caso de uma profissio como a engenharia, essa relagio € direta ¢ ébvia. O contetido nuclear original da engenharia civil dividiu-se durante o século xix A medida que se desenvolveram novas especialidades — engenharia mecinica, eng. aria quimica ¢ engenharia elétrica — que passatam a exigir scus respec tivos cursos. © governo, a indiistria e 0 comércio tém demandado, desde 6 séeulo xix, cada vez mais especialistas com grauuniversitirio. Masa indus- ializacio também afetava indiretamente a especializagio. Exigia, em to- dos os niveis, uma forga de trabalho mais instrutda, o que significava melhor ensino nas escolas para toda a populacio. Isso levou a uma demanda por escolas maiores e mais professores. Nessas escolas, passou a ser mais efi- ciente cada professor concentrar-se numa variedade limitada de matérias. Isso, por sta vez, viabilizou a criagdo de cursos universitarios mais espe- cializados destinados a esses professores. A tendéncia de cursos univer- sitétios especializados e a conseqiiente designacio de docentes especiali- zados para ministrar fais cursos afetou, portanto, nio s6 as matérias passi- veis de aplicagio, como a cincia e a tecnologia, mas também as huma- nidades. O ensino de histéria nas universidades, por exemplo, tornou-se cada vex mais segmentado: por perfodo, por regio geogrifica ou enfoque (cconémico, social, etc.) Essa especializacio doensino encontrou paralelo na natureza cada vez. mais especializada da pesquisa hist6rica. A PROFISIONALIZAGKO DA PESQUISA 2s A profissionalizagao da pesquisa A-complexidade e especializacio crescentes da pesquisa uniram-se a um desenvolvimento ulterioz — a profissionalizacao da pesquisa. Hé muitas rmaneiras de definir uma ‘profissio’. Todos hio de concordar que ela deve constituira principal ocupa¢io remunerada de alguém, que envolve um alto nivel de conheciinénto especializado e que deve exigir a obediéncia a pa- ‘drbes apropriados de competéncia tanto por parte dos individuos quanto 46 gRupo profissional como um todo. A aceitacio universal de que a pes- ‘quisa déva satisfazer a esses requisitos somente se dew nas décadas prOxi- mas de 1800. Isso ndo quer dizer que nao hajam existido antes de 1800 pes- quisadores reconhecidamente profissionais. A medicina é 0 exemplo carac- teristico do qué seja uma profissio, ¢ alguns de seus praticantes chegaram a ser pesquisadores renomados muito antes dessa época. Do mesmomodo, a agrimensura era uma profissao que gozava de boa reputacao na América do Norte desde o inicio da colonizacio européia, e alguns de seus membros contribuiram para a pesquisa norte-americana em seu comeco. No entanto, em praticamente todos esses casos, a pesquisa era vista como algo secund: rio no como um componente essencial de seu trabalho. Mesmo no mun- do académico, embora intimeros catedriticos ou docentes de faculdades contribuissem para a pesquisa, o ensino era a principal justficativa para que ‘ocupassem esses cargos. A opiniao de que os cargos docenses deveriam exigir competéncia tanto para ensinar quanto pesquisar desenvolveu-se gradativamente ao lengo do século xix. De.novo, a Alemanha foi pioneira. Os diferentes estados ale- ‘mies competiam entre si para obter 0 pessoal mais excelente para suas universidades. Essa exceléncia era avaliada sem mais delongas com ase no ue haviam publicado. Os catedréticos conseguiam estudantes de pesquisa que os ajudavam a executar seus programas de investigacio. Esses estu- dantes precisavam de algum certificado que comprovasse suas aptidGes co- ‘mo pesquisadores, ¢ assim surgiu 0 processo de concessao do grau de dou- tor. A reputagio das universidades alemas em matéria de pesquisa e a disponibilidade de doutorados atrairam tanto estudantes alemées quanto ‘outros de patses estrangeiros (nao poucos dos Estados Unidos e do Reino Unido). Na segunda metade do século xix, possuir um doutorado alemao era prova reconhecida de um cientista profissional. Embora a Alemanha atraisse especialmente candidatos a pesquisador nas areas de base cienti- fica, sua importéncia na capacitagio em pesquisa estendeu-se a outros cam- pos, como, por exemplo, a teologia e a filosofia. éxito da Alemanha a0 implantar programas de formacdo.de pesqui- sadores profissionais foi aos poucos copiado em outros paises. Nos Estados Unidos, isso levou a criacio de escolas de pés-graduacio a partir da década 26 1. MUDANGA CRESCIMENTO de 1870. E interessante que um aumento continuo do quantitativo de pes- soal cientifico na Alemanha e nos Estados Unidos se inicie quase na mesma ‘ocasiio em que 0 mundo académico de ambos os pafses criava cursos de pés-graduacio (na primeira e segunda metade do século xix, respectiva- mente). Na Franga e no Reino Unido, onde a introdugio da capacitagio sistemiética em pesquisa tardou a surgir, 6 ocorrendo no século xx, 0 mes- ‘mo sucedeu com 0 aumento continuo do niimero de pessoal cientifico. No século xx, a natureza mais diversificada da organizacio universitéria dos Estados Unidos, comparada com a da Alemanba, permitiu que as escolas de pés-graduacio se desenvolvessem chegando a um sistema flexivel de capa- citagio em pesquisa de todos os tipos. Em termos dessa capacitacio, a posi- 40 dos Estados Unidos neste século tem sido, de certo modo, equivalente da Alemanha no século pasado como ponto de convergéncia de pesquisa dores profissionais. £ natural que os principais paises e as instituigées pioneiras na oferta de capacitagio em pesquisa — Alemanha, Estados Unidos ou qualquer outro — hajam também, de modo caracteristico, assumido a lideranca na produgao e difusio de resultados de pesquisas. Embora o mundo académico haja absorvido muitos dos aspirantes.a pesquisador, o desenvolvimento da industrializagio gerou uma necessida- de crescente de pesquisadores em outros lugares. A etapa inicial da indus- ttializacio— no carvao e aco, por exemplo —nao exigia muitos emprega- dos com boa formago nos aspectos fundamentais da questio e com orien- taco para a pesquisa. As indiistrias que vierama ser importantes postetior- mente no século xix, em especial as indiistrias quimica e elétrica, de fato exigiam alguns empregados dese tipo, De novo tendo infcio na Alemanha, comegou a aumentar 0 mimero de pesquisadores cientificos profissionais {que trabalhavam em setores industriais. ‘Um terceiro grupo de pesquisadores refere-se aos que so apoiados dire tamente com financiamento concedido por algum dos niveis de governo. A partir do século x1x (e As vezes antes), as atividades em ampla gama de questes — de normas técnicas& inovagio agricola — passaram a ser vistas em geral como merecedoras do apoio do Estado para que tivessem conti- nuidade e (em geral) imparcialidade. As atividades de governo abrangem um leque maior de assuntos do que 0 mundo das indhistrias. Os cientistas sociais encontram algumas oportunidades de atividades relacionadas com pesquisa no mundo da indiistria ¢ do comércio, mas nao tao variadas quan- toas que se encontram na esfera governamental. Tampouco a indistria ou © governo sio empregadores importantes de pessoas formadas em huma- nidades que estejam interessadas em pesquisa, embora haja alguns empre- gos em certos campos, como hist6ria e arqueologia. Uma tabela com a classificagio das oportunidades de pesquisa fora da academia seria, por- tanto, assim: éreas relacionadas com a ciéncia, ciéncias sociais e humani- AMADORES E OUTROS 7 dades. Em comparagio, a contribuigio dos amadores a pesquisa nesses campos corre em direcio oposta. Amadores e outros A palavra amador significava originalmente que, ao conttério de um profissional, a pessoa nao era remunerada por sua participacéo na ativida- de em causa. No entanto, 2 definiciorde profissional sugerida anterior- ‘mente neste capitulo envolve mais do que ium cargo remunerado. Ela res- salta 6 Conhecimento especializado ¢ também a obediéncia a padres. O Problema no que concerne aos pesquisadores amadores no século xx tem sido 0 de atender ao requisito de conhecimento especializado. Naose trata simplesmente do volume de informagées a serem absorvidas, A estrutura tedrica cada ver mais complexa de grande parte das pesquisas, muitas vezes acompanhada do requisito de dispendiosas instalacées, exige uma forma- ‘io prolongada em instituigées bem-equipadas. Isso, normalinente, imp. de que os amadores adquiram a mesma formacio que os profissionais tém em matéria de pesquisa, 0 que, por sua vez, tem levado os profissionais a davidarem da possibilidade de osamadores obedecerem aos padr6es que se esperam de uma pesquisa ‘aceitivel’ ‘A amplitude da linha divis6ria entre amador e profissional varia consi- deravelmente segundo a disciplina. Numa das extremidades da escala, e contram-se poucos neurocirurgides amadores: na outra extremidade, ha indimeros historiadores amadores que se ocupam com histéria local. Em- bora os fatores que favorecem a participagio exclusiva de profissionais ocorram mais comumente nas cincias do que nas humanidades, essa dis- tingio ndo é nitida, Asciéncias podem ser divididas, grosso modo, em duas categorias:_as.ciéncias experimentais e.as cigncias de observacio. A pri- meira categoria inclu grandes éreas da fisica, quimica e ciéncias biomédi- «as, que hoje exigem equipamentos caros e técnicas complexas centrados num laboratério. A segunda categoria inclui algumas reas como astrono- mia, meteorologia, geologia e biologia, que dependem da observagdo dire ta dos fendmenos que a natureza oferece. Embora o trabalho profissional nesses filtimos campos possa ser custoso (como na compra e operagio de equipamentos astronémicos ou meteorolégicos), € possivel realizar algu- ‘mas observagées a um custo relativamente baixo. Ademais, as atividades de observagio nesses campos em geral requerem apenas um nivel razoavel- mente baixo de apoio te6rico. Por exemplo, a contagem de populacdes de animais ou vegetais, embora possa contribuir para estudos teéricos, em eral no exige muito em termos de estrutura te6rica pata ser realizad: Essa iltima afirmativa aplica-se ainda de modo mais amploa temas situa- dos fora das ciéncias, da arqueologia aos estudos histéricos eliteratios. Hs, 28 1. MUDANGA E CRESCIMENTO porém, importantes diferencas entre pesquisas feitas poramadores em cién- ciase humanidades. Os cientistas amadores ¢ profissionais tendem a se con- centrar em diferentes tipos de assuntos em suas pesquisas, enquanto as pes- quisas amadoristicas e profissionais em humaridades coincidem mais em termos de interesse de pesquisa. Os assuntos de humanidades também tém a virtude de as respectivas téenicas de pesquisa poderem ser em geral apren- dlidas de forma autodidata, ao contrério das técnicas cientificas. As diferen- ‘cas entre os assuntos que atraem € os que nao atraem os amadores refletem- se na composicio do quadro social das associagdes de amadores. Assuntos como arqueologia, hist6ria natural ou literatura traem 0 maior némero de adeptos. Na verdade, os amadores nessas 4reastalvez sejam mais numero- sos do que os profissionais. dliferencas de atitudes de amadores e profissionais em face dla pes- -se naturalmente refletidas em. suas atividades. de. com comeco do século x1x, amadores e profissionais coabitavam ale- ifemente nas mesmas sociedades, Ao terminar 9 século, comegavam a su- gir sociedades que atendiam especificamente a amadores, nisso se asse- melhando as atividades profissionais. Essas asscciag6es contavam com suas proprias reunides e publicagées. As pesquisas apresentadas mostravam crescentes diferencas entre si, muitas vezes devido a falta de acordo sobre 0 que constitui uma pesquisa ‘aceitavel”. Em geologia, por exemplo, estudos sobre a estrutura geolégica de uma localidade constitufam pesquisa aceité- vel para qualquer pessoa no século xix. No século xx, esses estudos ainda silo aceitveis para amadores, mas para os ge6logos profissionais.o normal € que os dados de uma localidade se apresenter: sempre relacionados a te- ‘as mais amplos € contribuam para seu conhecimento, Do mesmo modo, em arqueologia, os padr6es profissionais de apresentago de informacées estavam sendo identificados em fins do século xix e comegavam a ser rela- cionados com a utilidade da prépria pesquisa, Um trabalho lido perante uma sociedade de arqueologia em 1899 assim {oi eritieado: [Ele] ousou questionara utilidade de comunicagées como a precedente, em que nao foram apresentados & reunio quaisquer planos das escavag6es ou mesmo do distrito [.. Ele censurou enfaticamente [as escavagées] feitas por qualquer ‘um, exceto exploradores competentes. A ineompeténcia destruia os testemu- anhos.2 as revist adores profissionais, da prética da av pares [refereeing], que serve pata impor as nornias de pesG nnidade ao material aceito para publicacao, Embora al amadores hajam também introduzido o sistema de avaliacio, muitas vezes hi diferengas naquilo que os avaliadores sio solicitados a procurar. Ama- dores ¢ profissionais continuam a interagir facimente e continua havendo AMADORES E OUTROS 29 razodvel coincidéncia de interesses, mas diferencas de enfoque podem tar significativamente a comunicacao entre eles, ‘Além da linha divis6ria amador-profissional encontra-se a divisio entre (os que fazem pesquisa em qualquer de suas formas e os membros do piblico em geral que se intetessam por conhecer os resultados das pesquisas. As inks a 8 diversos grupos slo permedveis. Alguns amadores tornam-se prol 3 io pablico ém geral tornam-se amadores, Na verdade, uma mesma pessoa pode ser profissional nam assunto, amador em outro e um membro interessado do piiblico geral em varios outros assuntos. Em Ambito local, os amadores muzas vezes intera- gem mais do que os profissionais com-o-pablico de sua localidade. No en- {GhEG, © Contato direto € muito menos importante como fonte de infor- magio do que os meios de comunicacio de massa. Quanto a verculoslocais Gomnais, ridio, et.), os amadores muitas vezes colaboram tanto quanto os profissionais, mas normalmente os profissionais predominam nas apresen- tages em ambito nacional. Q interesse pablico tende a refletir.o dos. ama- dores ao preferir, por exemplo, temas que podem ser entendidos sem exi- gir grandes conhecimentos teGricos. O tipo de pesquisa que merece desta- ue mostra Variago segundo 0 veiculo de informacio empregado: a :elevi- Sho, 0 que é previstvel, favorece temas visualmente atraentes, sendo, de Jonge, 0 vefculo mais popular para o consumo de ciéncia pelo piblico, mas isso merece restrigGes no que tange a certos grupos do grande piblico. Por exemplo, 0s politicos em geral usam os jornais relativamente mais como fontes de informagio sobre ciéncia porque podem consulté-los enquanto Viajam. Conforme isso indica, nao ha realmente um piblico tinico para as pesquisas comunicadas pela midia, mas vérios pablicos que se superpOem, No século xtx, 05 cientistas em geral apresentavam os resultados de suas pesquisas diretamente ao piblico, Na realidade, amide havia uma compe- ticdo pelos seus servicos. T.H. Huxley escreveu para o editor de uma revis- ta popular —a Fortnightly Review — nos seguintes termos: Muito obrigado por seu cheque mais do que suliciente, sem drivida excessive, acho, por um artigo que jé havia sido pilhado pelo jornal Sinto-me sempre contente ao ter algo de minha autoria publicado na Fort nightly, pois existe a certeza de estar em boa companhia; mas esto ficando tio :mimado quanto uma donzela com muitos cortejadores. No entanto, no que diz respeito & Fortnightly, que é amor antigo, e& Contemporary, que €amor novo, espero continuar tio constante quanto se pode dizer de um bigamo renitente.™ Mesmo assim, a profissionalizacdo cada vez. mais acelerada da pesquisa levava a comunidade cientifica como um todo a encarar com crescente sus- peita todo aquele qué despendesse muito tempo escrevendo para o g-ande piiblice,-Um desses profissionais fez. um comentario cfustico acerca de Tyndal, amigo de Huxley: 30 1. MUDANGA E CRESCIMENTO. Dr. Tyndall, de ato, tem sacrificado sua autoridade cientfica 20 conquistar merecidamente distingko no campo popular, Emuito tarde que se aprende que rio se pode “ter 0 melhor dos dois mundos””™ Embora persistissem diferengas acentuadss entre as disciplinas acerca dessa questio, a linha divis6ria entre o profissional e o piblico tornou:se, mais marcante na primeira metade do século xx. Ao mesmo tempo, 0 ctes- ‘imento dos meios de comunicacio de massa inevitavelmente levou a de- mandas por mais informacées sobre as atividades de pesquisa que interes- sariam ao piblico em geral. Depois da Segunca Guerra Mundial, passaram aser cada vez mais comuns os repérteres cientficos especializados. Em es- séncia, formavam uma espécie de filtro de informacao entre o pesquisador € 0 piblico, e proporcionavam um meio para manter o acesso publico & informacio cientifica apesar das dificuldades erescentes causadas pela es- pecializagao e a profissionalizacio. O crescimento da informacio ¢ o pesquisador Hoje em dia, os membros do piiblico em geral nao sio os dnicos que sentem dificuldade em ter acesso a informacées cientificas. Estava claro, ‘mesmo antes, por volta do fim do século xix, que os pesquisadores careci- am de mais asisténcia para identificar, na massa de toda a literatura dispo- nivel, o material de que precisavam. Parte de problema era a falta de nor- malizagio bibliogréfica na elaboracio dos relatos de pesquisas (¢ a corres pondente omissio de dados relevantes). Esse aspecto destaca-se na seguin- te queixa de um quimico na década de 1890, Certo autor me remete aum artigo de Schmidt, nos Bericht da sociedade alema de quimica, vol. xx. Como no possuo ests revista, nutro a esperanca de conseguir encontrar um resumo do artigo em questio no fowmal da Chetnical Society, ce que sou assinante, porém, como nao tenho nogio alguma do ano em {que foi publicado o vol. xx dos Berichte, tenho de pesquisar em inGmeros ini- «2s a fim de encontrar o resumo.* Seus comentarios também indicam o método mais importante que estava sendo desenvolvido para superar o problema do acesso—o uso de resumnos indices. No século x1x, era comum os periéicos anunciarem o conteddo de fasciculos recentes de outros periédicos, principalmente do estrangeiro, que apresentassem coincidéncia de interesses. Durance algum tempo, isso contribuiu para superar as dificuldades causadas pelo acesso ineficiente as préprias publicagées, masa quantidade crescente de periddicos ¢ a pressio or espaco comecaram a tornar impossfvel cualquer espécie de cobertura abrangente feita dessa forma. A resposta foi evidentemente publicar peri6- dicos separados ou sec6es separadas de periédicos existentes, que conti- nnham apenas resumos. Em virtude de o protlema nao ser simplesmente 0 (0 CRESCIMENTO DA INFORMACAO E © PESQUISADOR 31 de identificar material pertinente, mas também de ter acesso a ele, 0s pri- 1meiros resumos em geral pretendiam servir de substitutos dos artigos tanto quanto ser guias para eles. Quando, no Reino Unido, a Chemical Society introduziu seu sistema de resumos, a intengio era que: Oleitorassim teré nfo s6 uma boa nogio geral da extensio das pesquisas feitas por um autor, mas também poderé repetir qualquer um dos experimentos oa preparar qualquer uma das substdncis a partir da instrugées fornecidas.* Em drea de importancia industrial como a quimica, os resumos eram produzidos em mais de um pais, com duplicagio de esforcos. Na década de 1890, os quimicos norte-americanos estavam tio insatisfeitos coma cober- tura de seu trabalho pelos europens que decidiram fundar a Reviewof Ame- rican Chemical Research. Como 0 titulo indica, também nao pretendia fax zer uma cobertura universal da quimica. Mas, em 1907, a American Che- ical Society decidiu substitu(-la pelo Chemical Abstracts, publicagio de maior alcance. Pela abreviatura familiar de Chem. Abs., tornou-se a biblia dos quimicos no mundo inteiro e eliminou a maioria dos concorrentes. 0 éxito do Chemical Abstracts reflete simplesmente o aumento dla patti- cipacdo dos 1a na produgio de revistas de resumos, acompanhazido o cres- cente impacto mundial da cincia norte-americana. Na segunda matade do século x1x, a produgao de revistas de resumos por pais obedecia & seguinte ordem: Alemanha, Franga, Reino Unido, Estados Unidos. No infcio deste século, os Estados Unidos ultrapassaram o Reino Unido, ¢ depois da Pri- meira Guerra Mundial superaram a Franca. O declinio da Alemanha apés «Segunda Guetta Mundial deixou os Estados Unidos em posicio dominan- te na produgio de resumos. Importantes séries de resumos foram editadas em outros paises — por exemplo, o Referativnii Zhurnal na ex-uRss—, mas as revistas de resumos importantes em inglés que sobreviveram foram as ue fazia tempo haviam conquistado um modus vivendi com os leitores nor- te-americanos. Por exemplo, o Physics Abstracts, que é a principal fonte de fisica e que ainda se publica no Reino Unido, estabeleceu vinculos com as sociedades pertinentes dos Eva ja em 1903 Asxevistas de resumos trazem versbes condensadas de artigos publicados em revistas cientificas, Assim como estas representam parte da literatura ;riméia (junto com os livros, etc.) a8 revistas de resumos fazem parte da literatura secundétia (junto com os indices, etc.), tendo sido criadas no sé- cculo x1x, a fim de facilitar a tarefa de recuperar informagdes publicadas na literatura primaria. E natural, portanto, que, 4 medida que 0 niimero de periédicos primrios erescia rapidamente durante o século passado, tam- bem crescia o niimero de petiddicos de resumos. De fato, seo crescimento dos primeiros aproxima-se de uma curva exponencial, também os ilkimos se aproximam dela. Por isso, surgiu nos iltimos anos um novo problema: qual a nellior muaneira de localizar informagoes em periddicos de resumos. 32 | MUDANGA E CRESCIMENTO Se é dificil acompanhar até mesmo os guias da literatura priméria, como entdo resolver 0 problema da sobrecarga de informagées? Um dos princi- pais obstéculos para superar isso é acelera¢iodo crescimento da informa- Gio. E claro que isso nao poders continuar eternamente. Ja se observava na década de 1960 que algo ocorreria em meadosdo século xx. Do contrario, por essa época, ndo 56 todos os adultos e todas as criancas do mundo esta- riam envolvidos na realizacéo de pesquisas, mas também todos os cies ¢ gatos, De que modo isso afeta a comunicacio no final do século xx? ‘Na natureza € comum um periodo inicial ée erescimento exponencial. Em geral o que acontece & que, assim que o crescimento se torna realmente rapido, entra em acio uma tendéncia oposta, de modo que o crescimento diminui gradualmente quase como uma imagem invertida do aumento ini- cial. A curva de crescimento, portanto, parece bastante com uma letra S alongada. Esse crescimento ‘logistico’ (como é em geral denominado) € caracteristico, por exemplo, da forma como muitas plantas erescem em al- tura. Se esse tipo de tendéncia for vido para informagio cientifica, esta- ria ocorrendo agora um sinal desse achatamento da curva, pois nio sio muitos os perfodos de ocorréncia de duplicagio que nos separam do ponto em que se dard o acontecimento decisivo de meados do século xx. Vimos antes 05 periédicos como uma das formas de se medi o crescimento da Comunicacio de resultados de pesquisas. O cue eles sugerem acerca das tendéncias aruais de crescimento? Um exame dos novos periddicos cienti ficos surgidos anualmente durante 0 perfodo 1945-1988 indica que o nt mero de tftulos novos chegou a seu pico no inicio da década de 1970 vem caindo desde entdo” A queda no mimero de periédicos novos nao parece ter sido compensada por novos aumentos no tamanho dos periédicos exis- tentes. Por isso, parece razodvel supor que a taxa de aumento do volume de informacao contida nos periédicos cientificos é atualmente declinante. Isso parece uma forma cautelosa de dizer qu, tomando por base a publi- cacao de periédicos, estamos ingressando no ramo superior da curva em forma de S sugerida para o crescimento da informacio. H4 bons motivo: para cautela, pois a questo real que agora se discute no quantos perié: dicos cientificos existem, nem quantos livros ¢ relat6rios de pesquisas so publicados. A questo fundamental é quanta informacio cientifica entra em circulagio a cada ano. Uma resposta abraiigente exige um estudo de todos 08 veiculos de comunicagao. Nas iltimas décadas, cada vez mais os pesqii- sadores participam do processamento de informagées por computador, a0 ponto de o armazenamento ea comunicacio de informagées cientificas por meios eletrOnicos ser hoje coisa corriqueira. Em geral se supe que os fatos atuais prenunciam uma transferéncia em grande escala da comunicagio cientifica dos meios impressos para os meios eletrénicos. Se assim for, essa serd uma importante revolugio, pois a comunidade cientifica, desde a in- fancia, depende da imprensa. Como se chegou a esse ponto? (© NOVO MUNDO ELETRONICO 33 O novo mundo eletrénico Embora os primeiros computadores fossem considerados, fundamental- mente, como ‘devoradores de niimeros’, era dbvio que também poderiam ser empregados no tratamento de informacio alfabética. Os primeiros computadores eletrénicos surgiram na década de 1940. Na década de 1960, jé eram empregados no processamento de informagées bibliogré- ficas. Como vimos, o crescimento das pesquisas aleancara entéo uma etapa fem que os cientistas encontravam dificuldade para se manterem 1 par da literatura priméria relevante. Mesmo sua localizacéo com a ajude da lite- ratura secundaria comecava a ser uma tarefa penosa em algumas éreas. Os computadores eletronicos ofereciam duas vantagens. Podiam armazenar enorme quantidade de informagées ¢ também ordené-las rapidamente. A questio consistia em sonar usar essas vantagens coma ona fall have, (Umi palavea-chave € a palavea ou frase que sitva pars iettifiar © “ido do item respectivo; isto é, exclui voesbulos como o, de, etc.) Desde a década de 1960, os computadores tornaram-se um canal cada ‘vez mais aceito para publicagées secundirias. Os resumos eletrdnicos ¢ém sido essencialmente moldados & imagem dos resumos impressos e, em mui- 105 casos, tanto as formas impressas quanto cletrdnicas estio a disposicéo dos pesquisadores. Nas verses eletronicas iniciais, os titulos dos resumos eram examinados em busca de palavras-chave especificadas pelo pesqui- sador (em geral com a cooperacio de um especialista em informacio devi- damente capacitado que, de fato, era quem comandavaa entrada esaida de dados no computador). Registravam-se os casos em que as palavras-chave coincidiam com os ttalos e se forneciam os resumos correspondentes, se 0 usudrio quisesse. A velocidade com que uma busca podia ser feita — em princfpio, se bem que nem sempre na prética —era uma das vantagens. Para nao falar da abrangéncia da busca. © computador examinava um leque da literatura secundaria de modo muito mais amplo do que 6 ser humano al. ia com facilidade, inclusive fontes que talvez néo estivessem disponf- veis para 0 pesquisador em formato impresso. Os computadores eletrOnicos eram, naturalmente, equipamentos caros até os microcomputadores se tornarem comuns na década de 1980. Gran- de parte das atividades iniciais que envolviam o processamento de infor- ‘macio com computadores contou com 0 financiamento de fontes mi res. Os resumos assim tratados eram, portanto, relativos principalmente & literatura ciemtifica e técnica. Uma parte do material de ciéncias sociais foi tratada dessa forma, mas a disponibilidade em computadores de uma grande quantidade de literatura secundaria de ciéncias sociais e humani-

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