10° CAPITULO
A “Camara de Reflexao”
INTRODUCAO:
ra “Camara de Reflexao”, nestas tiltimas décadas,
nao vem sendo vista com todo 0 valor simbélico que ela possui. Ela
tem sido tratada, apenas, como um passo a ser cumprido no cerimonial
de Iniciacao e, mais especialmente, no Rito Escocés Antigo e Aceito.
Nés estamos esquecendo que a passagem por essa cerim6nia inicial €
de vital importancia para tudo o que se seguir depois. Como ensinam
nossos Rituais, essa é a primeira prova, a da “Terra” e, portanto, ela
deve ser cumprida com perfeigao, visando preparar o Candidato para
acontinuidade da Ceriménia de Iniciagao. Trata-se do primeiro con-
tato que o Candidato terd com a Ordem e como diz o velho ditado: “A
primeira impressao é a que fica”,
Desde o momento em que o Irmo Terrivel recebe 0 Candida-
to, a porta do Templo, ele jé o deve ir preparando para 0 que iré acon-
tecer. A introducgao na “Camara de Reflexao” tera que ser cercada de
toda a seriedade que o ato merece e o Candidato deverd ser alertado
para tudo o que estiver presente dentro da Camara. Os motivos do
alerta serao detalhados adiante.
Durante o cerimonial de Iniciagao 0 Candidato seré inquirido
Maconaria ~ Origens ~ Teoria ~ Pratica | 85arespeito daquilo que ele pode observar dentro da Camara. Aqui, eu
yejo o periodo mais crucial para a realizacao de uma boa Iniciagao.
Ora, se 0 Candidato nao for alertado para o contido na Camara, ele
poucaatencao ird dara ela e este fato fara com que suas respostas sejam
vagas e confusas quando de sua inquirigdo ou, entao, que nem respon-
da as quest6es propostas.
Na verdade, a inquiricao nao é importante para nossos conhe-
cimentos sobre o Candidato. Sua visao e suas atitudes, em relagao a0
mundo que 0 cerca, ja devem, obrigatoriamente, ter sido vistas €
esclarecidas pelas Sindicancias.
No entanto, a inquirigao ¢ de fundamental importancia para o
cerimonial de Iniciagao. Naquele momento, 0 fato de estarmos pers-
crutando no Candidato todas as suas idéias, posturas e conviccoes,
simbolicamente significa que, diante de suas respostas, poderemos
decidir se ele terd ou nao condigoes de ser admitido a Ordem.
Nao estou sozinho nesta postura. Um dos mais respeitados es-
critores da Maconaria francesa, 0 Irmao Alec ‘Mellor, nos ensina: “E
permitido e até recomendavel que um Irmao mais experientelhe dirija
algumas palavras destinadas a acalmar, se for necessario, as suas aPre-
ensbes, ea adverti-lo de que a ceriménia que o aguarda ser de uma
gravidade solene”, Esse mesmo Irmfo conclui dizendo: “No Rito Es-
cocés Antigo e Aceito, pode-se dizer que a Iniciagao, propriamente
dita, comeca no estdio da Camara de Reflexdo, pois a estada do Can-
didato nesse dltimo nao passa da provacao da ‘Terra’, isto é, a da pri-
meira purificagdo pelos elementos”.
Para nés, bastam as assertivas acima para nos mostrar 0 extre-
mo valor que deve ser dado a “Camara de Reflexao”, durante 0 proces-
so de uma Iniciacao.
A CAMARA DE REFLEXAO:
. A “Ciara de Reflexao” deve ser um pequeno comodo, locali-
zado nas proxi : ; rs
‘8 proximidades do Templo, muitas vezes subterraneo, tendo
86 | Jonge Roberto Pino Comtexsuas paredes revestidas ou pintadas de preto. Hoje em dia, essas pare-
des podem ser revestidas por pedras pretas, mesmo porque Nicola
Aslan nos diz: “Deve imitar uma gruta ou caverna sombria”. Esta
Ppequena cela nao deve receber luz externa e sua iluminagao, antiga-
mente, era feita por uma vela ou uma pequena tocha. Nos dias atuais,
a iluminagao nos ¢ dada por uma limpada com uma luz muito ténue.
E imprescindivel a presenca de uma pequena mesa e uma ca-
deira ou banco e, légico, de uma caneta. Aqui, o Candidato dever4
responder a um questionério e assinar seu Testamento. O questionario
apresentaré algumas questoes que exigirao muito de sua reflexdo, para
o fornecimento das respostas. Na verdade, tratam-se de questoes pura-
mente simbélicas e filoséficas e 0 teor das respostas tera que ser com-
pativel com o carter do Candidato, j4 revelado pelas Sindicancias.
No entanto, para o Candidato essa prova sera uma surpresa que
o obrigar4 a refletir sobre muitas condicoes de sua prépria vida, sobre
sua fungao dentro do Mundo e da Humanidade e, também, sobre suas
convicgGes morais e religiosas. Aqui no Brasil essas quest6es, de ma-
neira geral, sao as seguintes: “Quais sao os deveres do Homem para
com Deus?” — “Quais sao os deveres do Homem para com a Humani-
dade?” — “Quais sao os deveres do Homem para com a Patria?” —
“Quais sao os deveres do Homem para com a Familia?” — Quais sao os
deveres do Homem para consigo mesmo?”.
Fica bem claro que as respostas a estas questes serao de funda-
mental importancia para a continuidade do cerimonial de Iniciagao,
mesmo que, pretensamente, elas devam ser as ja esperadas. Apesar
disso, qualquer divergéncia apresentada em relagdo as conclus6es
efetuadas através do trabalho de Sindicancias, poderd servir de moti-
vo, desde que relevante, para a suspensao do cerimonial de Iniciagao.
Todo um conjunto de objetos, de significado simbélico, devera
decorar o interior da Camara. Inicialmente, vamos ver aexisténcia de
simbolos mortudrios que pretendem mostrar a efemeridade de nossa
vida. Deverd haver, de preferéncia, um Esqueleto completo ou, pelo
menos, um Cranio colocado em cima da mesa. Pintada em uma das
Maconaria — Origens ~ Teoria ~ Prética | 87paredes, deverd estar a figura da Morte acompanhada de seu. Alfanjee,
segundo as tradigées, trazendo a seguinte adverténcia: “Lembra-te
Homem, que és pé eao pé retornaras”. Aliado a essas imagens, devere-
mos ter a presenca de uma Ampulheta que serve para nos mostrar
répida passagem do Tempo. Esse conjunto forma um ‘Simbolo alta-
mente sugestivo.
‘Ainda, em cima da mesa deverd haver um pedaco de Pao uma
jarra contendo Agua. Apesar da existéncia de diversas interpretacdes
simbélicas relativas a isso, vamos ficar com um aspecto bastante sim-
ples ¢ claro, 0 pio feito de trigo, desde a mais remota antigitidade, foi
sempre um alimento para 0 Homem e, portanto, vamos entendé-lo
como 0 alimento do corpo. A agua, considerada como um simbolo de
purificago, pode ser entendida como o alimento daalma.
Deveremos ter, também, a presenca do Sal, do Enxofre e do Mer-
chrio, trés principios herdados da antiga alquimia e que parecem repre
sentar o sentido evolutivo que o Homem deveré buscar em sua vida.
Teremos, pintada, a figura de um galo, em posicao de canto ¢
encimado por uma bandeirola com a seguinte inscricao: “Vigilanciae
se nds 0 considerarmos como 0 arauto do novo
Perseveranca”. O galo,
dia, pois € o primeiro a anunciar o raiar do Sol, simboliza, perfeita-
mente, ofato deestar sempre vigilante para bem poder cumprir 0 seu
dever. Este éum simbolo que se explica por si s6, sendo desnecessario
procurarmos outras simbologias para ele. Veremos, ainda, a presenca
de duas Tacas contendo os liquidos amargo € doce, de uma simbologia
altamente variada e expressiva, principalmente tomando como ponto
de partida a oposicao aqui representada. Essas tacas foram levadas
pelo Rito Escocés para o seu cerimonial de Iniciacao, constituindo-se
na passagem da Taga Sagrada.
Deveremos ter a inscricao V.ILT-R.I.O.L., cujo significado e
simbologia sao altamente divergentes € confusos que nao iremos en-
trar em detalhes. O Irm.. José Castellani nos ensina que esta inscrigao
€ dispensavel. Ora, sendo dispensavel, podemos concluir que ela nao
teria nenhum significado.
88 | Joaquim Roberto Pinto CortezPor fim, ¢ isto é extremamente importante, deverdo estar escri-
tas nas paredes, algumas frases, altamente sugestivas e significativas e
de adverténcia aos Candidatos, tais como: “Se a curiosidade aqui te
conduz, retira-te” — “Se tens medo nao vas adiante” - “Se queres bem
empregar a tua vida pensai na morte” ~ “Se fores dissimulado serés
descoberto” — “Se temes que teus defeitos sejam descobertos nao esta-
rds bem entre nés” — “Se tens apego as distingdes mundanas, vai-te,
pois nés nao as reconhecemos”. Essas adverténcias sao extremamen-
te simbélicas e importantes na formacio de um Macom, motivo pelo
qual acredito que todos os Candidatos devam ser alertados para, quan-
do submetidos a essa prova, meditarem sobre os seus significados.
Em linhas gerais, aqui est a forma pela qual uma “Camara de
Reflexao” deveria ser constituida e, também, um pouco da simbologia
de seus elementos constitutivos, alertando, ainda, para o fato de quea
interpretacao simbélica é, unicamente, pessoal.
CONCLUSAO:
Considerando-se este, como 0 primeiro contato do Candidato
coma Ordem e, também, considerando a continuidade de todo 0 ceri-
monial da Iniciacao, quando ele ser inquirido sobre os pensamentos
que lhe ocorreram quando estava na “Camara de Reflexao” elhe serao
ensinados alguns significados dos Simbolos ali existentes, nao pode-
mos acreditar que esta Camara possa ter, unicamente como fungao, 0
fato de ser um local para se responder ao questionério e assinar 0
Testamento ou de ser um local para se infundir temor ao Candidato. Se
seu sentido for apenas este, para que serviriam todos os ensinamentos
relativos a prova da “Terra”, contidos em nossos Rituais?
Por outro lado, como perguntariamos ou ensinariamos alguma
coisa, sobre a qual o Candidato nao teve nenhuma percepgao enquan-
to esteve sendo submetido a prova? Dai vem, no meu entender, a
necessidade de se alertar 0 Candidato quando introduzido nesta “Ca-
mara de Reflexao”, para os Simbolos que 0 irao cercar. Assim, 0
Maconaria — Origens - Teoria ~ Pritica | 89Candidato estaré muito mais habilitado a responder e entender as
explicagdes que lhe irao ser dadas durante o transcorrer de sua Inicia-
cao. E claro que existem as opinides de alguns autores, especialmente
os mais antigos, dizendo que se deve falar apenas 0 indispensdvel ao
Candidato. Todavia, 0 conceito de indispensavel é muito vago.
Alguns autores sustentam ser esta Camara a representacao das
antigas masmorras. Os calabougos nos lembram, especialmente, a cé-
lebre prisao francesa da Bastilha. Nossos Rituais nos dizem que, pela
sua aparéncia, realmente poderia lembrar esta representagao, mesmo
porque foram elas o principal instrumento da tirania e do despotismo,
cerceando a liberdade individual do Ser Humano. De fato, esta pode
ser uma das interpretagdes dadas a este simbolo, representado por um
lugar que deveria ser subterraneo e, portanto, frio, imido e sombrio,
causando panico, doengas e, freqiientemente, a morte daqueles que
nele eram encarcerados.
No entanto, acreditamos que um significado muito maior é
aquele de entendermos este Simbolo como um timulo, onde o Candi-
dato enfrenta a propria morte, renascendo para uma nova vida. Este é
um dos ensinamentos mais profundos que constam em nossos Rituais.
Lembramos ao Candidato, logo apés sua passagem por esta prova, que
ele deveria, primeiro, morrer para os Vicios e Erros, para, depois,
renascer para a Virtude, a Honra e a Sabedoria. Esta formula, morte e
ressurreicao, faz parte das mais antigas tradicdes e crencas do Homem
no decorrer de sua Hist6ria e, aqui, com este entendimento, ela fica
muito bem representada. Ainda mais, para corroborar este pensamen-
to, temos o fato de que, neste momento, o Candidato esta, também,
assinando o seu Testamento. Ora, este me parece ser um claro simbolo
da prépria morte.
Eevidente que muitos outros significados podem ser encontra-
dos para toda a simbologia da “Camara de Reflexao” e, apesar de ser
este tema largamente batido em nossa literatura magOnica, espero ha-
ver contribuido, com mais algumas poucas luzes, para o entendimen-
to do significado da “Camara de Reflexao”.
90 | Joaquim Roberto Pinto Cortez