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| sOUHO a do Rio ce Jane MAURICIO DE a. ABREL SUMARIO Prefici 1. INTRODUCAO.. 2. SOCIEDADE, ESPACO URBANO E ESTADO: TEORICA ...... 2.1, CONSIDERACOES INICIAIS: MODELOS PRONTOS & SUA CRITICA. 2.2 A FORMACAO SOCIAL COMO PONTO DE PARTIDA. 2.3 FORMACAO SOCIAL E ESPACO: A AREA METROPO! JANEIRO... 2.3.1 O modelo metropolitano. 2.3.2. Aestrutura metropolitana, 23.3 Como se compée a estrutura metropolitana, 24 ESTRUTURA URBANA E MOMENTOS DE ORGANIZACAO SOCIAL. 30 REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS... 33 3. O RIO DE JANEIRO NO SECULO XIX: DA CIDADE COLONIAL A CIDADE CAPITALISTA 3.1 INTRODUGAO. 3.2 O PERIODO ANTE) DE POUCCS.... 35 35 MOBILIDADE ESPACIAL E PRIVILEGIO : 37 3.3 BONDES E TRENS: A CIDADE CRESCE EM DIRECOES QUALITATIVAMENTE DISTINTAS. ; _ 3.3.1 O papel dos bondes. 44 3.3.2. O papel dos trens sssnernes 50 3.4 A INDUSTRIALIZACAO CARIOCA NO FINAL DO SECULO XIX E AEMERGENCIA DA QUESTAO HABITACIONAL. 54 3.5_ ENFIM O ESPAGO CAPITALISTA: A REFORMA 59 REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS.. 68 4. ORIO DE JANEIRO NO INICIO DO SECULO X: CONTRADICOES DO ESPACO 4.1 INTRODUCAO.... 4.2: AEVOLUGAO DA CIDADE COMO REFLEX ESTRUTURAIS DA EPOCA... 4.3 AFORMA URBANA E 0 PAPEL DO ESTADO. 4.3.1 0 Periodo Carlos Sampaio... - 4.4 OCRESCIMENTO INDUSTRIAL E A FORMAGAO DA AREA METROPOLITANA. 4.5 O PLANO AGACHE REFERENCIAS BIBLIOGRAFICA: ; 91 5. O ESPACO EM MOVIMENTO: DO URBANO AO METROPOLITANO 93 S.1 INTRODUCAO. econ oe . 5.2. REVERTENDO TENDENCIAS? AS CONTRADICO! FORMA URBANA... 5.3. O PERIODO 1930-195 5.3.1 O papel da Indastri 5.3.2 O crescimento dos Subirbios.. 5.3.3. A expansio das Favelas.. 5.3.4 Dos Subirbios 4 Periferic 5.3.5 O crescimento da Zona Sul e a estagn: 5.4 OPERIODO 1950-1964... _ 106 107 112 ado relativa da Area Central i a an 11s Digitalizado com CamScanner 1 AExplosiio Metropolitana. 412A Favela cm 1960... 3.4.3 A verticalizagao da Zona ‘3, VOLTANDO AS ORIGENS.. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICA: 6. RESUMO E CONCLUSOES. FOTOS- 1900-1960. PREFACIO A TERCEIRA EDIGAO © Rio pelo Rio, A cidade que jé inspirou contonas de artistas, escritores, pesquisadores, poetas ¢ intelectuais dispensa apresentagdes Sua poesia, seu glamour, aoa pelos cenarios e suas excentticidades jé serviram de enredo para multat obras. "Nao tem sido diferente com os diversos profissionais especialistas em cidades, onde se destaca 0 professor Mauricio de A. Abreu. Ao comegar, em 1978-08 ‘estudos que Sariam origem a este livro, Mauricio integrava a equipe do Centro de Pesquisa! Urbanas Go Instituto Brasileiro de Administragdo Municipal (BAM). O_ objetivo inicial de pesquisar a influéncia das politicas piblicas referentes, @ distribuigdo espacial da populagio de baixa renda da cidade se desdobrou na tarefa de escrever sobre A "Evolucio aoe do Rio de Janeiro". A riqueza de informagdes que conseguiu reunir ¢ analisar aeeane wo tempucse referencia para diferentes segmentos que estudam 0 Rio e sua regio ou que, simplesmente, tém vontade de conhecer sua dinmica historia. A abordagem do tema foi de tal sucesso que a IPLANRIO reedita o livro, ciente de estar preenchendo uma facuna que vai atender & grande demanda que fez com que as primeiras edges fossem rapidamente esgotadas. ‘Com esta iniciativa, a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro contribui, mais uma vez, para a ampliagao do conhecimento sobre aquela que ficou conhecida como a cidade maravithosa. Hélia Nacif Xavier Secretaria Municipal de Urbanismo Novembro de 1997 Quase uma década apés 0 seu langamento, vem a piiblico uma nova edigao do 'Evolugdo Urbana", jé um classico da nossa literatura especializada em urbanismo. Nesses anos, a obra de Mauricio Abreu conquistou um lugar de destaque entre professores e alunos de arquitetura e urbanismo, profissionais do setor junto ao piiblico interessado na historia e na atualidade de nossa cidade. £ um trabalho conciso, esclarecido ¢ inspirado na medida certa para cativar o leitor com o romance da vida real. Ocorre que o livro de Mauricio Abreu, para desespero do publico, havia se transformado em raridade bibliogréfica. A pequena tiragem das duas primeiras odigoes vinha sendo disputada avidamente cm scbos ¢ livrarias especializadas. Um grave contratempo impedia a reimpressio: durante uma mudanga da IPLANRIO, agéncia municipal de planejamento encarregada da edigio, os fotolitos se extraviaram e foram a a as tentativas de encontré-los. gora, premida it pata rfze o flit. agen etets fram eudadosaantedgalizade com . s foram cuidadosamente digitalizados com Digitalizado com CamScanner i . écnica de técnica de scanner, obtendo um resultado superior ao que s¢ podia obter com técn facsimile. O “Evolucdo Urbana" merece o investimento. E 0 piblico volta a ter acesso a uma das mais importantes contribuigdes & histéria urbanistica da cidade do Rio de Janeiro. Verena Andreatta Diretora-Presidente da IPLANRIO. Novembro de 1997 PREFACIO A PRIMEIRA EDICAO Este trabalho ¢, antes de tudo, um trabalho de época, dai porque é necessdrio contar um pouco de sua histéria, Foi escrito cm 1978 c integrava, naquela ocasiao, 0 programa de estudos do Centro de Pesquisas Urbanas do Instituto Brasileiro de Administragio Municipal (IBAM), contando com o patrocinio do International Development Research Centre (Instituigao canadense) e da entao Comissio Nacional de Regides Metropolitanas e Politica Urbana (CNPU, hoje CNDU). O objetivo inicial da pesquisa era o estado da influéncia das politicas pablicas sobre a distribuigdo espacial da populagao de baixa renda na Area Metropolitana do Rio de Janeiro. E foi nessa diregdo que eu e Olga Bronstein, responsaveis por sua elaboragao, encaminhamos inicialmente 0 estudo. Na divisao de trabalho que se seguiu, a mim foi Confiada a tarefa de buscar elementos historicos que servissem de ponto de partida paraa discussao da estrutura urbana atual da metrépole carioca. A partir dai, o estudo tal como © haviamos imaginado, comegou a mudar de diregao. A consulta a bibliografia entio existente logo revelou a riqueza das informagées disponiveis. Com efeito, os livros, relatérios, artigos, crénicas ¢ dados estatisticos encontrados tratavam dos mais variados aspectos da evolugaio urbana do Rio de Janeiro, despertando em nds uma curiosidade cientifica crescente. Cada nova informagiio obtida fumentava, por sua vez, 0 fascinio pelo tema em estudo, impelindo-nos & exploracao de horizontes ainda mais distantes. tratasse do processo de construcao/ transformagio do espago metropolitano carioca de forma integrada, ou seja, que analisasse as agdes dos agentes modeladores do Rio de Janeiro no conjunto de suas interrelagGes, conflitos e contradigdes, Era preciso, pois, realizar esta tarefa, ou seja, integrar as informagdes obtidas em fontes secundarias num texto dnico, Este deveria ter, entretanto, unidade tedrica ¢ metodolégica proprias, consoantes com os objetivos do trabalho proposto, 1 medida do possivel, ¢ lutando contra a escassez Digitalizado com CamScanner texto aqui apresentado contém os capitulos de minha autoria constantes desse documento. A vontade de publicé-los é antiga, mas a decisio de realizé-la foi fruto de um longo e dificil processo de reflexio. s cinco anos de pesquisa investidos posteriormente no estudo do mesmo tema - e dedicados agora andlise das fontes primarias, ausentes do trabalho anterior - representaram, nesse proceso, uma barreira poderosa, que precisou scr vencida. A tentago de alterar o trabalho original era grande, ¢ aumentava mais ainda a cada novo cédice consultado no Arquivo da Cidade, a cada novo mapa original encontrado no Ar- quivo Nacional, a cada nova Ieitura de documento antigo na Biblioteca Nacional ou no Instituto Hist6rico ¢ Geogrifico Brasilciro, E 0 que falar de todas aquelas tematicas, importantes para o estado da evolugio urbana da cidade do Rio de Janeiro, e que nem eram tratadas no estudo jé realizado? Era preciso incorporé-las ao trabalho ja feito!!! A conscientizagio de que qualquer modificagdio estrutural realizada no texto anterior resultaria na sua total reformulagdo e, por conseguinte, num outro estudo, demorou a chegar. Mas veio! E, com ela, a decisao de manter o trabalho tal qual ele havia sido elaborado em 1978. O texto aqui apresentado reflete, pois, um pensamento de época. Os que conhecem a versio original notardo diversas modificagdes estilisticas ¢ a Supressio e/ou alteragao de varios paragrafos e subtitulos. Pretenden-se, com isso, corrigir certas imprecisdes do texto original e eliminar seu formato de relatério de pesquisa. O contetido, entretanto, pouco foi alterado. A oportunidade de publicagao deste trabalho traz inevitavelmente 4 meméria todos aqueles que contribuiram, das mais diversas maneiras, para que isto acontecesse. O agradecimento inicial é ao IBAM. Sem a confianga em mim depositada, ¢ sem ambiente amigo ¢ intelectualmente desafiante que I encontrei, quando a essa instituigio estive formalmente ligado, este trabalho no teria sido realizado. Ao Professor Diogo Lordelio de Mello e a Cleuler de Barros Loyola, o meu profundo reconhecimento. A Carlos Nelson Ferreira dos Santos, a amizade e 0 agradecimento pela autonomia concedida ao desenvolvimento deste estudo. A Edgar Gongalves da Rocha, Paulo Fernando Cavallieri, Alete Ramos de Oliveira, Maria Lais Pereira da Silva, Olga Bronstein e Ana Maria Brasileiro, a minha amizade, construida ainda nos tempos do IBAM. A Paulo Luis de Freitas c Gladis Brum, a alegria de poder di realizagao de um desejo antigo, para a qual muito contribuiram, A Professora Maria Therezinha de Segadas Soares, que orientou meus primeiros passos como pesquisador, ¢ que despertou em toda uma geragio de estudantes a vontade de desvendar os mistérios da geografia urbana carioca, a alegria de poder retribuir 0 incentivo recebido. A Leila Christina Duarte Dias e Lia Osorio Machado, a satisfagdo de poder provar, ainda que com bastante atraso, que suas "prelegdes" surtiram efeito. A. Milton Santos, Afonso Carlos Marques dos Santos, Olga Becker, Lysia Bernardes, Maria Adélia A. de Souza, Licia Valladares, Marta Bebianno Costa, Carlos José Mascarenhas Fernandes, Manoel Seabra, Ney Paiva Chaves, Ménica Vertis, Ivan Viana, Yelda Saraiva, Mario Aizen, Consolagio Morcira Lima ¢ Alberto Strozemberg a gratidao pelo apoio recebido, em momentos diversos. Aos meus alunos de graduagao e pés-graduagio do Departamento de Geografia da UFRJ, © obrigado pela constante troca de idéias, realizada sobretudo com Nina Maria C. Elias Rabha, Nelson da Nobrega Fernandes ¢ Susana Mara Miranda Pacheco. A minha equipe de pesquisa, ¢ ao CNPq, FINEP e CEPG/UFRJ, que viabilizaram a formagio do grupo, todo reconhecimento é pouco. Sem o apoio e dedicagiio recebidos com vocés a Digitalizado com CamScanner de todos, ¢ sem o suporte dos érgios financiadores, teria sido impossivel avangar nesse campo do conhecimento e reconhecer o valor de um trabalho pioneiro. O agradecimento é coletivo, mas seria injusto no citar aqui o estimulo constante recebido de Ménica Marques Leto, Maria Cristina Siqueira dos Santos, Angela Nunes Damasceno ¢ Elizabeth De-zouzart Cardoso. A Valéria Naslausky, Ana Tereza Redig de Campos Barrocas, Patricia Ribeiro Carvalho, Bruno Speranza, Jorge Enrique Janna Herrera e Luzia Cardoso Repinaldo agradeco 0 esforco empreendido na preparaco final desta publicagao, a qual dedicaram no apenas sua cficiéncia profissional, como também um carinho todo especial. Sou grato também ao Dr. Gilberto Ferrez que autorizou a publicagdo de algumas fotos de seu livro "O Rio Antigo do Fotégrafo Marc Ferrez.” e aos amigos do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro (Sega de Documentaco Cartografica, Ieonogrifica e Audiovisual) ¢ da Biblioteca Nacional (Segio de Obras Raras ¢ Segdo de Microfilmagem), que facilitaram ao maximo o trabalho de selegdo de diversas ilustragdes aqui apresentadas. Finalmente, devo a IPLANRIO o maior agradecimento, pela oportunidade de tornar piiblico um trabalho que, embora bastante citado, muitos ja consideravam como fadado a ser eternamente "inédito”. Mauricio de A. Abreu Junho de 1987 Este trabalho é dedicado a MURILO GODOY que ainda continua vivo na lembranga de todos nés. 1. INTRODUCAO Este trabalho pretende explicar o presente através do processo historico que Ihe deu forma ¢ contetido. Mais especificamente, scu objetivo é demonstrar que o alto grau de estratificagio social do espaco metropolitano do Rio de Janeiro, na atualidade, é apenas a expressio mais acabada e um processo de segregacao das classes populares que vem se desenvolvendo no Rio ha bastante tempo. Pretende-se, com esta pesquisa recuperar esse processo historico, teérica ¢ empiricamente. Digitalizado com CamScanner Um trabalho que vise analisar 0 proceso de evolugio de qualquer cidade a partir de sua organizagio atual é, por definigao, um estudo dindmico de estrutura urbana, Para que evite cair no empirismo da mera descrigo geogrifica, ¢ necessério, entretanto, que ele relacione - a cada momento = a organizacio interna da cidade com 0 processo de evolugdo da formagao social. 6 assim sera possivel integrar padriio ¢ proceso, forma ¢ fungdo, espago ¢ tempo. Tentando atingir este objetivo, o estudo aqui apresentado descreve ¢ analisa a estrutura urbana do Rio de Janeiro, desde o inicio do Século XIX até © momento atual, procurando perceber, paralelamente, suas interagdes com os processos ccondmicos, sociais ¢ politicos que impulsionaram o pais nesse mesmo periodo. Viirios sio 0s responsiveis pela evolugao da estrutura urbana no tempo, Analisi- los todos, e de forma detalhada, seria tarefa por demais complexa para os objetivos deste trabalho, Por esta raziio, e sem descuidar da ago exercida por outros agentes modeladores do espago, resolvemos dar atengio especial ao papel descmpenhado pelo Estado, Partimos da premissa que, se a estrutura atual da Area Metropolitana do Rio de Janciro se caracteriza pela tendéncia a um modelo dicotémico do tipo nicleo-periferia, onde a cidade dos ricos se contrapie aquela dos pobres, isto nio se deve apenas as forgas de mercado. Tal estrutura, também seria fungio do papel desempenhado pelo Estado no decorrer do tempo, seja através da criago de condigées materiais que favoreceram 0 aparecimento desse modelo dicotdmico, seja mediante o estabelecimento de politicas que, embora objetivando muitas vezes regular conflitos entre o capital ¢ 0 trabalho, sempre acabaram sendo benéficas aquele ¢ em detrimento deste. Dois pressupostos bisicos aparecem, implicita ou explicitamente, ao longo de © estudo. O primeiro diz respeito & natureza do Este, longe de ser um a neutro, atuando em beneficio da sociedade como um todo, como prega o pensamento liberal, ter-se-ia aliado, através do tempo, a diferentes unidades do capital, expressando 68 scus interesses ¢ legitimando suas agdes precursoras. Por conseguinte, 0 modelo segregador do espago carioca teria sido estruturado principalmente a partir dos interesses do capital, sendo legitimado ¢ consolidado indiretamente pelo Estado. O segundo pressuposto é 0 de que haveria também uma relagdo direta entre a erescente estratificagdo social do espago, no que hoje se denomina Area Metropolitana do Rio de Janeiro, ¢ o estabelecimento de determinadas politicas piblicas. Isso quer dizer que os padrdes de distribuigdo espacial das classes sociais no Rio teriam sido altamente influenciados pelo Estado através do tempo, tanto por suas ages como por suas omissdes. politicas (ou nio-politicas) seriam, por sua vez, bastante representativas dos momentos de organizagio social em que foram formuladas. Atualmente (periodo pés-1964), sabe-se que 0 objetivo principal do modelo em 1 alcangar eficiéncia econémica em todos os setores de atuagdo, mesmo que a altos custos politicos ¢ sociais, Em consonincia com esta filosofia, a atuagio do Estado tem tomado um cunho altamente empresarial, evidenciando uma preocupagdo maxima com 0 retomo de seus investimentas. Mesmo sctores sociais basicos, relacionados a reprodugdo da forga de trabalho (transporte ¢ habitagio, por exemplo), no apresentam importincia em si mesmos, sendo usados apenas como estratégia, para a resolugio de objetivos mais amplos, sempre referentes a eficigneia do modelo de crescimento econdmico adotado, Como reflexo dessa postura, as politicas ¢ investimentos pilblicos, associados ou nao a0 capital privado, 1m privilegiado apenas os locais que asseguram retomo financeiro a0 capital investido, ou seja, as areas mais ricas da cidade. Resulta dai 4 acentuagdo das disparidades intra-metropolitanas e, por conseguinte, do modelo espacial dicotémico, no qual um nucleo hipertrofiado e rico (em termos de renda ¢ de oferta de meios de consumo coletivo) & cereado por periferias cada vez mais pobres ¢ carentes desses servigos, a medida que se distanciam dele. Digitalizado com CamScanner cll E tomando como ponto de partida essas reflexes que se desenvolve este trabalho. Presume-se que, ainda que variando em forma e contetido, a atuagiio do Estado sobre a estrutura urbana do Rio de Janeiro através do tempo pouco tenha diferido daquela que é verificada hoje. Em outras palavras, o Estado teria contribuido, de forma constante, para a criago do modelo espacial dicotémico que hoje caracteriza a metrépole carioca. A metodologia utilizada no trabalho foi basicamente a anlise critica de documentos secundarios: bibliografia especializada, planos e programas oficiais, censos, e estudos de entidades governamentais. Os limites de tempo e de recursos nao permitiram cobrir 0 vasto manancial de fontes primarias encontrado nas bibliotecas ¢ arquivos piiblicos, objetivo que ficard para trabalhos posteriores. Cabe observar ainda que 0 cmbasamento te6rico adotado, a nivel apenas da articulagdo de categorias e de conceitos, revela-se ainda bastante incompleto. Acredita-se, entretanto, que tenha sido adequado para uma primeira tentativa de andlise do processo de estruturagao urbana do espago carioca através do tempo, andllise essa que deve ser encarada apenas como preliminar. 2. SOCIEDADE, ESPACO URBANO E ESTADO: EM BUSCA DE UMA BASE TEORICA 2.1 consideragies iniciais: modelos prontos e sua critica Dada a realidade concreta que se nos antepde, que ¢ 0 estudo do processo de estruturago do espago urbano carioca, o primeiro passo empreendido nesta pesquisa foi, sem divida, a procura de uma base tedrica que permitisse, de antemao, orientar o desenvolvimento do trabalho. Neste sentido, a tarefa inicial seria consultar a literatura especializada, objetivando encontrar nela um modelo ou teoria, de estruturagiio urbana que pudesse servir de ponto de partida para a andlise. Isso, entretanto, no aconteceu. Os poucos modelos ¢ "teorias" encontrados ou se estruturavam a partir de um processo de Digitalizado com CamScanner desenvolvimento urbano diferente daquele que se objetivava estudar; ou cram estiticos, hao se prestando a uma andlise dindmica do espago, como a que se pretende aqui; ov ‘pinda, se limitavam a descrever a estrutura urbana através de pressupostos irreais, que privilegiavam a ago apenas dos agentes ‘econdmicos, enquanto a agio de outros, dentre cles 0 Estado, era ignorada ou mantida constante. ‘As teorias ¢ modelos emanados da escola de ecologia humana de Chicago’, por exemplo, véem a cidade como um complexo ecol6gico estruturado a partir de processos Smaturais" de adaptacao social, especializagao fancional e competicao por espago processos esses que SC desenvolvem dentro de uma determinada ordem moral, segundo “yma forma culturalmente definida de solidaricdade social”. Objetivam, outrossim, explicar, ndo um processo geral de crescimento ‘urbano aplicdvel a todas as sociedades, mas um processo evolutivo condicionado por variéveis bem definidas, ou seja, a evolugao de uma aglomeragdo em répido crescimento demografico ¢ industrial, dominada por uma gconomia capitalista com poucas imperfeigBes de mercado, Pressupoem, ademais, um determinado grau de heterogeneidade étnica € social, um sistema de transportes eficaz homogeneamente distribuido no espago, € a existéncia de um nicleo ‘urbano inicial, ocalizado no centro da cidade, com pequeno valor simbélico ¢ fracamente constituido social e arquitetonicamente. (O caso da Area Metropolitana do Rio de Janeiro, como © da maioria das cidades capitalistas dependentes, nao se ‘enquadra nesse contexto. ‘A drea central ndo sé tem nessas Gidades um valor simbélico importante, como essa importancia é decorrente do fato de ser nessa area, e nas suas proximidades, que tradicionalmente se concentram as fungdes de diregdo e de residéncia das classes dominantes. Ademais, a0 contrario das cidades americanas, a area central € suas proximidades, quando vistas temporalmente, tendem a adquirir valores monetirio ¢ simbélico, ainda maiores, solidificando ainda mais as caracteristicas descritas acima. Para isso contribuem tanto a inexisténcia de um bom sistema de transportes, como a oferta restrita de servigos publicos, que fazem com que a populacdo abastada resida em dreas densamente povoadas (como € 0 caso do Rio) ¢ nao ém suburbs bucélicos, como pressupde o modelo ecolégico. Tabela 2.1 pagina 14 —Niimero absoluto e participagao relativa dos residentes no nucleo, periferia imediata e periferia intermediaria da drea metropolitana do Rio de Janeiro ‘Nao muito diferente dos estudos classicos de ecologia humana, as contribuigdes de Alonso, Wingo e Muth analisam 0 processo de estruturagao urbana das cidades norte- americanas segundo os postulados da teoria econdmica neoclassica. Pressupondo con- corréncia perfeita e custos de transporte crescentes com o aumento da distancia ao centro, esses estudos enfocam o processo de estruturagio residencial urbana como resultante de um trade-off entre o quantum de habitagao desejada (geralmente visto em termos de area), a acessibilidade de um lugar em relagao ao centro (onde todo o emprego se concentra ¢ onde o solo urbano & mais caro) ¢ 0 limite de despesas representado pelo orgamento familiar, O uso do solo urbano é entio determinado pela simples competicao entre os diversos setores econémicos ou classes sociais por cada segmento do espago. Dado que as classes de baixa renda precisam minimizar os custos de transporte entre local de emprego ¢ local de moradia, 0 processo de competigao descrito acima faz com que, paradoxalmente, elas acabem ocupando, em altas densidades, justamente as areas onde o solo é mais valorizado. ___ Aaplicabilidade desse tipo de modelo as cidades dos paises subdesenvolvidos nao é discutivel apenas em fungio do arranjo espacial dele resultante, ou seja, pobres n0 Digitalizado com CamScanner centro e ricos na periferia. Se este fosse o tinico problema, bastaria modificar algumas das premissas comportamentais do modelo para que se obtivesse a forma urbana inversa, caracteristica das cidades do Terceiro Mundo. Ao contrario, a sua aplicabilidade é contestada principalmente devido & adogdo do pressuposto de que 0 processo de estruturagao urbana é comandado exclusivamente pela insténcia econdmica, servindo 0 Estado apenas de mediador de conflitos potenciais entre os agentes privados. iso liberal do Estado, a ago publica decorre da necessidade de iduais de uma forma que seja socialmente “dtima", tanto do ponto de vista da eficiéncia como da equidade. O Estado seria, assim, o grande mediador dos conflitos existentes no espago, ¢ sua fungao principal scria resolvé-los de tal forma que a sociedade como um todo nao fosse prejudicada. A ago do Estado se daria, ademais, num ambiente onde nao haveria dominagao de classe, onde todos seriam "iguais". Varias testrigdes devem ser feitas a esse tipo de pensamento. Em primeiro lugar, a dependéncia da anélise liberal de conceitos paretianos de otimizagio, que nao levam em conta padrdes ja existentes de distribuigao (de renda, por exemplo), poe sérias dividas quanto 4 capacidade do Estado vir a atingir 0 objetivo de equidade. Em segundo lugar, Estado € visto muitas vezes como se fosse constituido de elementos desvinculados de toda e qualquer classe ou grupo social. Seria, por assim dizer, uma entidade superior, & qual caberia resolver conflitos que sé existiriam em escalas inferiores. Em terceiro, os diversos atores que geram conflitos, sejam eles o proprio Estado, as diversas unidades do capital, ou os habitantes da cidade, sio considerados como se fossem entidades auténomas, verdadciros atores-concretos cuja acao seria determinada apenas por scus interesses individuais. Finalmente, a ago desses atores-concretos raramente é analisada dentro de um esquema mais amplo, historicamente determinado, que permita nao s6 relaciona-la com o momento de organizagao social em que se pritica, como inseri-la num contexto mais geral dos processos sociais que acontecem no urbano, Isto é tio mais sério quanto mais se verifica que, na anélise do espago, s6 se levando em conta as caracteristicas histéricas da formagao social naquele momento é que se pode encontrar essa autonomia dos atores-concretos, ou seja, sua determinagao num segundo nivel, que combine suas praticas especificas com o estado atual da conjuntura. A estrutura espacial de uma cidade capitalista nao pode ser dissociada das priticas sociais e dos conflitos existentes entre as classes urbanas. Com efeito, a luta de classes também reflete-se na luta pelo dominio do espago, marcando a forma de ocupagio do solo urbano. Por outro lado, a reciproca & verdadeira: nas cidades capitalistas, a forma de organizagao do espago tende a condicionar e assegurar a concentrago de renda e de poder na mao de poucos, realimentando assim os , conflitos de classe. Nesse contexto, o Estado tem tradicionalmente apoiado os interesses e privilégios das classes e grupos sociais dominantes, via a adogao de politicas, controles e mecanismos reguladores altamente, discriminatérios ¢ eitistas. No caso brasileiro atual (periodo pés- 1964), esse comportamento, associado a uma pritica politica concentradora e anti- distributiva, tem se refletido na acentuagao das disparidades intra-metropolitanas, isto & na crescente elitizago dos espagos urbanos centrais € na conseqiiente periferizagao das classes de baixa renda, Entende-se por "periferizagao" mais do que a localizagao distante do centro metropolitano. O conceito inclui também a nio acessibilidade ao consumo de bens ¢ servigos que, . embora produzidos socialmente pelo Estado, localizam-se apenas nas areas mais privilegiadas da metr6pole, beneficiando, portanto, principalmente aqueles que ai residem. O Estado nao tem, Pois, uma participagio neutra no contexto urbano, como pretendem os modelos neoclassico-liberais. Embora ele também no deva ser concebido apenas como mero instrumento politico, ou como uma institui¢ao estabelecida pelo Digitalizado com CamScanner 1, como querem certas teorias marxistas ortodoxas, nao ha duvida que, no cenario capitalista, cle expressa 0 seu interesse. Dai é de se esperar que a ago piiblica venha a cae poit’ efetivamente para a construgao diferenciada do espaco, provendo as reas de peteresee ido capital e das classes dominantes de beneficios que so negados as demais aareses e setores da socicdade. A experiéncia recente do Brasil fortalece esta afirmaco plenamente. Com efeito, apesar de se constituir em agente distinto do capital, o papel do Estado no campo econdmico tem sido o de garantir a0 maximo a reprodugio do capital, farendo concessdes apenas quando estas se evidenciam necessérias, ou seja, para, assegurar as condigdes minimas, de reprodugao da forga de trabalho (estabilidade social) ‘Concluindo esta parte, pode-se afirmar que a literatura especializada revela grandes lacunas quanto a teorizagio do processo de estruturago do espago urbano, no tempo. Nota-se, particularmente, a auséncia de um arcabougo teérico que permita relacionar a forma como 0 espaco urbano se estratifica socialmente com os processos econdmicos, politicos e sociais que ai tém lugar. Ademais, dada a importincia do Estado no Hesenvolvimento desses processos, verifica-se um vazio muito grande no que se refere a0 seu real papel na estruturago do espago. © processo de estruturago urbana precisa ser estudado de maneira mais abrangente. E necessirio que se examine, a cada momento, a interago que se estabelece entre os processos econémicos, sociais e politicos que se desenvolvem na cidade, ¢ a forma pela qual 0 espaco se estrutura, Espago e sociedade precisam ser analisados conjuntamente para que a complementaridade entre processo ¢ forma fique evidente. Isso implica, de um lado, estudar como, numa sociedade historicamente determinada, 0 espago urbano é elaborado, ou seja, como os processos que tém lugar nas cidades determinam uma forma espacial. Por outro lado, implica também estudar a esséncia das formas, ou seja, 0 papel por elas desempenhado nos diversos momentos por que passa a sociedade no tempo. 2.2 A FORMAGAO SOCIAL COMO PONTO DE PARTIDA. Quando se pretende estudar a evolucao da sociedade no tempo, a categoria modo de produgio logo se revela ao pesquisador como ponto de partida fundamental, Entretanto, quando o objetivo da investigagdo passa a ser mais particularizado, referindo- se a um espaco de tempo relativamente curto e a uma area geografica especifica, faz-se necessério usar uma categoria que se refira, ndo a realidade pura e abstrata do modo de produco, mas a uma realidade conereta, impura, caracterizada pela existéncia de virios tipos de relagdo de produgio. Esta categoria tedrica é a formacao social. Formagao social pode ser definida como “uma totalidade social concreta historicamente determinada". £ a maneira pela qual os processos que, juntos, formam o modo de produgio (produgao propriamente dita. circulagao, distribuigdo ¢ consumo) séo histérica e espacialmente determinados. Segundo Milton Santos, a formagdo social se diferencia do modo de produgio "pois estes escrevem a historia no tempo, enquanto que as formages sociais escrevem-na no espaco". Toda formagao social, como todo modo de produgao, compée-se de uma estrutura econémica, uma estrutura juridico - politica (ou institucional) e uma estrutura ideolégica. Entretanto, devido a realidade concreta e impura que caracteriza a formagio social, essas estruturas tém, nesse nivel, um cardter bem mais complexo do que a nivel do modo de produgao. Ademais, o seu desenvolvimento raramente € sincronizado, ou seja, nem sempre elas evoluem na mesma diregao ou 4 mesma velocidade. Digitalizado com CamScanner A evolugio nao sincronizada das estruturas que compdem a formagio social tem papel importante né seu desenvolvimento. E exatamente essa a responsavel por alteracdes importantes na organizagio social, por transformagées na divisio social do trabalho. A evolugdo mais répida de uma das estruturas, por exemplo, pode levar ao aparecimento de novas fungées a serem desempenhadas pela sociedade sem que haja, de inicio, grandes modificagdes nas demais estruturas. Com o-tempo,,entretanto, as contradicdes iro se acumular, é esse grau de defasagem teré que ser ajustado, Passa-se, entio, de um momento de organizago social para outro. A cada novo momento de organizagio social, determinado pelo processo de cevolugao diferenciada das estruturas que a compdem, a sociedade conhece entio um movimento importante. E 0 mesmo acontece com o espago. Novas fungdes aparecem, novos atores entram no cendrio, novas formas so criadas, e formas, ant transformadas. Como diz Santos, a formagao social se exprime, a cada momento, "através de processos que, por sua vez, se desdobram através de funcdes, enquanto estas se realizam mediante formas". Assim, a categoria formacao social ¢, nao sé abrangente, j& que trata da totalidade de processos sociais, econémicos e politicos que atuam numa sociedade, como fundamentalmente empirica. 23 FORMAGAO SOCIAL E ESPAGO: A AREA METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO As areas metropolitanas brasileiras so, na atualidade, uma das expresses espaciais mais acabadas da formacao social brasileira, refletindo a cocréncia e as contradigdes dos sistemas econémico, institucional ¢ ideolégico prevalecentes no pais. O caso do Rio, en- tio, parece ser ainda mais significativo, pois, além de ter sido ai que se localizou a capital do Brasil de 1763 a 1960, a cidade foi a mais populosa do pais durante quase todo esse periodo, s6 perdendo essa posicao privilegiada para Sio Paulo na década de 1950. Devido a isso, o Rio de Janeiro foi, durante muito tempo, um modelo urbano para as demais cidades brasileiras, E esta fungao de servir de modelo e de refletir, por conseguinte, as caracteristicas da formagio social num determinado momento, parece ser ainda um monopélio seu. De fato, apesar de ser relativamente compardvel em tamanho a Sio Paulo, © Rio se assemelha hoje, muito mais do que Sdo Paulo, as outras metrépoles brasileiras em termos de recursos, de produto gerado e de composicéo sécio-econémica da populacdo. Em suma, apesar de ser hierarquicamente inferior a So Paulo, o Rio ainda dita-a moda metropolitana brasileira."° E qual é essa moda? Uma compilago de trabalhos recentes sobre o tema nos fornece informagdes precisas a esse respeito. 2.3.1 O Modelo Metropolitano* Seria arriscado pensar em modelo pronto: mais sensato, talvez, seria falar de tendéncias. O modelo do Rio tende a ser o de uma metrépole de nucleo hipertrofiado, concentrador da maioria da renda e dos recursos urbanisticos disponiveis, cercado por estratos urbanos periféricos cada vez mais carentes de servicos e de infra-estrutura 4 Digitalizado com CamScanner medida em que se afastam do nticleo, ¢ servindo de moradia e de local de exercicio de algumas outras atividades iis grandes massas de populagao de baixa renda Apesar de serem menci nadas apenas tendéncias, 0 mciocinio nio € embasado em teorizagdes abstraias. Ha dados que comprovam a situagio descrita, alguns dos quais serio utilizados mais adiante, Nio é demais insistir em que nao se deve estranhar tal identificago de rea metropolitana, que s6 é assim por refletir, de forma extrema, toda a estratificagdo inerente ao atual sistema politico-econémico brasileiro. A descricZo serve, ainda que com adaptages as especificidades locais, a Belo Horizonte, Porto Alegre, Re~ cife ou qualquer outra de nossas drcas metropolitanas, com excegdo talvez da de Sio Paulo. ‘A rea Metropolitana do Rio sofre de um paradoxo bisico: por ter de ser igual as metrépoles externas das quais depende, 0 Rio esté tomando configuragao exatamente oposta a delas. De fato, enquanto nas reas metropolitanas americanas, por exemplo, as camadas de maior poder aquisitivo - para que possam gozar das amenidades da urbanizagao modema buscam as periferias em solugdes de baixa densidade de ocupagao do solo, pelo mesmo motivo, as classes mais altas no Rio se concentram no nitcleo, em solucdes de clevadas densidades. Por outro lado, 0 niicleo ¢ sua periferia imediata nas cidades americanas sfio abandonados pelos mais ricos, que os deixam como local de moradia para os pobres, obrigados a suportar todos os Gnus da urbanizagao, tais como degradagao edilicia, poluigo, falta de seguranga. No Rio, a localizacao no niicleo é mais valorizada que esses dnus, que afinal sio prefcriveis a outros, advindos da escassez de recursos para aplicago urbana (infra-estrutura urbanistica, sistema de transportes, equipamento social). Como conseqiiéncia, os pobres so obrigados a ir para as periferias ea morar em condigdes precarias. Afirmar que a situaco é igual, ainda que se configure de forma oposta, ¢ dizer que a origem de ambos os modelos é a mesma: privilégio urbano das camadas mais ricas da populagao, em detrimento das camadas mais pobres. A diferenga é apenas formal e se baseia na enorme afluéncia das populagées ricas das cidades norte-americanas, 0 que permite alocar recursos de infra-estrutura ¢ de equipamento urbanistico em locais dispersos e pouco densos, fazendo com que se "destrua" a cidade pela fuga dos ricos. Isso condiciona a transferéncia da renda e deixa os terrenos de maior valor (os do nucleo) abandonados aos pobres que nao tém condigées de manté-los, nem a dispendiosa infra- estrutura correlata. E assim que os ntcleos metropolitanos americanos estao cm estado de insolvéncia (veja-se 0 caso recente de Nova York, em que q termo pode ser tomado ao pé da letra) e cada vez se toma mais dificil sustenta-los e as suas populagdes, que ja nfio usufiuem nem as vantagens da localizagio, pois os empregos esto acompanhando o deslocamento das classes altas para os subirbios. No Rio nao ocorre a mesma afluéncia, e os recursos aplicaveis em bens urbanisticos sdo raros: em varios casos, a infra-estrutura nao se renova ha trinta ou cingiienta anos. A solugao foi amontoar os ricos em torno destes bens para que pudessem desfruté-los a0 maximo, e impedir a entrada dos pobres no niicleo (do que se encarregou a empresa privada, através da especulacao imobiliéria, ou expuls4-los para fora dele (do que se encarregam certos planos ¢ instituigdes de governo), sem preocupagdo pela sua necessidade de acesso facil ao mercado de trabalho, que cm sua maioria permancecu localizado no centro ou em suas cercanias. A antiga situagZo, em que o nicleo se via separado de suas periferias ¢ do sev territério coma divisio da Regidio Metropolitana em dois estados**, contribuiu ainda para reforgar sobremaneira a dicotomia nucleo/ periferia. A cidade do Rio de Janeiro, ¢ mais especificamente 0 seu nucleo, concentrou todos os recursos, muitas vezes aplicando em obras suntuosas e de prestigio, sem reinvestir nada numa regitio onde nao tinha Digitalizado com CamScanner Ico forte, cercado por uma periferia ss para o antigo Estado do Rio. .. Os reflexos dessa distorgio ‘mo no atual Estado do ‘ainda persistirao por responsabilidades politicas. © resuliado foi um ni Pobre e, superpovoakta, onde eram deinados todos os énu Fhquanto a Guanabara auferia todas a6 vantagens disponivei SPiizem sentir tanto na drca ampla de influéneia metropolitana, cor Rio c. pela experiéncia jé vivida apds a fusio dos dois estados, bastante tempo. Observagio *Este item transcreve, em grande parte e com autorizagao dos autores, trecho do artigo de SANTOS, Carlos Nelson F. e BRONSTEIN, Olga. ‘Metaurbanizagao - Caso do Rio de Janeiro. Revista de Administragio Municipal 25 (140), out-dez. 1978. **Em 1974, foi promulgada a Lei Complementar n” 20, que além de criar a Regiao Metropolitana do Rio de Janciro, unificou os Estados do Rio de Janciro da Guanabara, até entio unidades isoladas da Federa¢ao. Pouca importancia i ] tem sido dada a andlise dos fend ocr, i se dos fendmenos d énci especiieamente me sua tradugdo no interior de sistemas urbanos ¢ pea ne cas do Ro pode fazer ua leitura direta a partir das préprias informa panes aue si = supe fisico facilitou o desenvolvimento de ur “ eis jo, onde esto conereti " ae biter mcretizadas as cstratificagd i a (espagos econdmico ¢ social See de outs nivel spa social). O resultado & uma Regia fitana “an a0 i ;puragio", com os grupos sociais arrumados em Gaiee aA) , @ partir de suas possibilidades de aces: vantagens urbanas, de qualquer natureza (de soe desfrute das s S_vantagen! Produgdo ou de consumo). Quanto mais se pode. : ' Digitalizado com CamScanner Timites do suportivel) © progressiva deterioragio das periferias, abrigando diferentes es de atividades ¢ de usos do espaco informais, tanto mais precarios quanto mais se padres do micleo, até chegar a variagées sutis em cima do nada urbanistico (auséncia de vedes de infra-estrutura, de equipamentos bisicos, de transportes, etc.). 2,3.2.A Estrutura Metropolitana* ‘A Regio Metropolitana do Rio de Janeiro € constituida de 14 municipios (Rio de Janciro, Niteroi, S30 Gongalo, Itaboraf, Marica, Magé, Petropolis, Paracambi, Mangaratiba, Itaguai, Nilopolis, So Jodo de Meriti, Nova Iguacu ¢ Duque de Caxias) Para fins puramente metodolégicos, ela pode ser dividida em quatro faixas de limites imprecisos mas que, pelas caracteristicas fisicas do espago metropolitano © face a0 desenho da estrutura vidria condicionante da expansio, so mais ou menos circulares € concéntricas (ver Mapas 2.1 ¢ 2.2). © primeiro circulo, que chamamos de niicleo, ¢ constituido pela rea comercial e financeira central (0 antigo core histérico da cidade) e por suas expans6es em diregao & orla oceanica (a zona sul) ¢ ao interior (cujos limites seriam os bairros da Tijuca, de Vila Isabel, de Sao Cristévao, e do Caju), mais o centro ea zona sul de Niterdi. O segundo circulo abrange os subiirbios mais antigos do Rio de Janeiro, que se formaram ao longo das linhas das estradas de ferro (0s limites vao de Benfica, Riachuelo ¢ Méier até a Penha, Irajé e Madurcira) ¢ a zona norte de Niterdi. Também se inclui nesta faixa a Barra da Tijuca c a parte de Jacarepagua onde deveré ser construido 0 novo centro administrativo do Rio. A todo o conjunto da-se o nome (Mapa 2.3). Apesar de constituir bairro periférico, a Barra da Tijuca est, entretanto, sendo ocupada por classes de alta renda, o que leva a crer que, em futuro proximo, sera parte integrante do niicleo metropoli- tano. O terceiro circulo abrange o restante do tecido urbano carioca situado além dos limites da periferia imediata, mais a conurbaciio do Grande Rio, que se constitui por Nildpolis, Sao Joao de Meriti, grande parte de Duque de Caxias, Sao Gongalo e Nova Iguagu, e parte de Magé. Esta seria a periferia intermedidria (Ver Mapa 2.2). Finalmente, 0 quarto circulo engloba o restante da Regido Metropolitana. Trata-se da periferia distante que faz parte da Regiao Metropolitana, tal como definida em lei, mas nao da Area Metropolitana, tal como esta denominagao sera empregada neste trabalho, ou seja, como sinénimo de Area conurbada, definida esta ultima como a area contiguamente urbanizada da metr6pole (Mapa 2.4). A definigo de Area Metropolitana adotada nesta pesquisa baseou-se em critérios puramente operacionais. Dado o carater histérico/espacial do trabalho, foi necessario obter uma base geogrdfica relativamente constante no tempo, o que foi obtido através da decisio de se trabalhar a nivel de distrito municipal, base dos dados censitarios a serem bastante utilizados neste estudo. A decisdo de recorrer ao distrito municipal como area minima de comparagao pretendeu, ainda, eliminar da discussio aqueles distritos que seriam, em 1970, tipicamente rurais, ou que, embora sendo predominantemente urbanos, nao estariam ligados ao tecido construido continuo da metrépole. A representagao espacial obtida é apresentada no Mapa 2.5. Cabe mencionar que a definigao de Area Metropolitana aqui empregada revelou-se algumas vezes bastante problematica, dada a impossibilidade de desagregar alguns dados distritais do total municipal. © mesmo aconteceu com 0 municipio do Rio de Janeiro, para aval utiizousse a divisio atual em Regides Administrativas (Mapa 2.6). Ocorre que a la Tijuca esteve até pouco tempo agregada 4 Regiio Administrativa de Digitalizado com CamScanner Jacarepagui, tendo sido muitas vezes impossivel singularizar os dados referentes 4 essa area da cidade. "Apesar desses problemas, resolveu-se utilizar os dados e mapas, mesmo do modo nao uniforme em que eles se apresentam, pela importdncia que adquirem ao comprovar certas afirmagdes do trabalho. Scmpre que necessério, as tabelas e mapas contém informagées explicativas sobre a base territorial utilizada. OBS * Esta parte do trabalho é bascada cm BRASIL. Instituto de Planejamento Econémico e Social. Comissio Nacional de Regides Metropolitanas e Politica Urbana. Regio Metropolitana do Grande Rio: Servigos de Interesse Comum. Brasilia, IPEA; IBAM, 1976. Hey 2.1 Pagina 19 —Estado do Rio de Janeiro: localizagao da regiao metropolitana MAPA 2.1. — ESTADO DO RIO DE JANEIRO: LOCALIZACAO DA REGIAO METROPOLITANA (1978) Mapa 2.2 Pagina 20 — Regiao metropolitana do Rio de Janeiro (1978) Digitalizado com CamScanner ree Se eee SSeS MAPA 2.2 —REGIKO METROPOUTANA DO RIO DE JANEIRO (1978) Mapa 2.3 Pagina 21 —Nucleo ¢ periferia imediata da A.M.R.J. no municipio do Rio de Janeiro (1978) MAPA 2.3 — NUCLEO E PERIFERIA IMEDIATA DA A.M.RJ NO MUNICIPIO DO RIO DE JANEIRO (1978) Digitalizado com CamScanner Mapa 2.4 Pagina 22 —Regitio Metropolitana do Rio de Janciro: Delimitagao da area conurbada (1978) ‘MAPA 2.4 — REGIAO METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO: DEUMITACAO DA AREA CONURBADA (1978) o> , Mapa 2.5 Pagina 23 — Area mapa 2.1 — Estado do Rio de Janeiro: localizagdo da Tegiao metropolitana MAPA 2.5 — AREA MAPA 2.1 — ESTADO DO RIO DE JANEIRO: LOCALIZACAO DA REGIAO METROPOLITANA Digitalizado com CamScanner : sTIVAS (1978) cP 0 10: DIVISAO EM REGIOES ADMINISTRAT spi DO RIO DE JANEIR« = MAPA2.6 — MUR 2.3.3 Como se compée a Estrutura Metropolitana* As principais caracteristicas do nucleo ¢ das periferias podem ser qualificadas como quase opostas. O niicleo contém 0 core hist6rico inicial da cidade do Rio de Janeiro. E a drea que sofreu o maior nimero de transformagées na Regiaio Metropolitana (apresenta, em alguns pontos, terceiras geragdes de edificagdes em menos de 50 anos) e de modificagdes na estrutura viaria, visando a adapta-la ao uso cada vez maior do automével particular, resultado direto do aumento do poder aquisitivo de sua populagio residente. O nticleo concentra as fungdes centrais (econdmicas, administrativas, financeiras e culturais) da Area Metropolitana. Apresenta os melhores padrées de infra-estrutura urbanistica e de equipamento social urbano, ainda que com tendéncia ao superuso, além de ter como residentes principalmente representantes das classes média e alta da Metropole que, em grande parte, pertencem a grupos ocupacionais hierarquicamente superiores como, por exemplo, as profiss6es liberais (Tabela 2.1, apresentada na pag. 14). Quanto 4 concentragiio da renda, os habitantes do nucleo detém 54% da renda total. Dentro do nicleo, a densidade é muito maior na zona sul, onde os 14% da populagao metropolitana residentes possuem mais ou menos 30% da renda. Em compensacao, na periferia intermedidria s6 esto 21% dos ingressos. As desproporgdes s6 no sio maiores Porque no niicleo ainda vivem muitas familias em favelas, que tém constituido até agora alternativa de peso para a moradia nas periferias." Feat aes ae residencial da area central do niicleo foi gradativamente sendo Metrépole, pain lugar implantaram-se as zonas comercial e financeira centrais da ehovaco urbana las por areas decadentes que sofrem, no momento, processo de por parte do Governo. O porto é contiguo ao centro e, proximas a cle, Digitalizado com CamScanner astrias s i a 0 niicleo que esté a maioria localizam-se as indistrias mais antigas da cidade. E também no nic! dos empregos da Area Metropolitana, conforme demonstra a Tabela 2.2. TABELA 2.2 - POPULACAO ATIVA RESIDENTE E EMPREGOS EXISTENTES NA AREA METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO, Pi LOCALIZACAO (1970) A periferia imediata é, principalmente, 0 local de residéncia da baixa classe média. Nela estio os prolongamentos das zonas industriais mais antigas, que sc irradiaram a partir do micleo. Apresenta centros de prestagao de servigos de importancia regional, com _ hierarquia imediatamente inferior aos do nucleo. A infra-estrutura urbanistica, extensdo daquela do niiclco, é bastante adequada frente aos padrées predominantes na Arca ‘Metropolitana, Sua ocupagao se fez. através dos primitivos pélos residenciais ao redor das paradas de trem suburbano, que hoje se apresentam interligados, configurando uma densa malha urbana. O valor da terra é alto, so superado por aquele do niicleo, 0 que se |justifica devido & localizagao préxima aos centros de trabalho ¢ servigos (ver Tabela 2.3); Deve-se notar, no entanto, a grande diferenga nas condigdes de moradia entre 0 niicleo e a periferia imediata. O micleo é privilegiado por melhores condigdes ambientais, infra-estrutura superior (ver tabela 2.4), sistema de transporte mais eficiente ¢ equipamentos sociais de melhor qualidade. TABELA 2.3 - VALOR MEDIO DA TERRA (Cr$/m2) NAS TRANSAGOES NO. MERCADO; SEGUNDO AS REGIOES ADMINISTRATIVAS DO MUNICIPIO DO RIO DE JANEIRO — 1975 oBs ** Esta parte do trabalho transcreve, com algumas modificagdes e com a autorizagdo dos autores, trecho da pesquisa publicada cm BRASIL. Instituto de Planejamento Econémico e Social. Comissio Nacional de Regides Metropolitanas e Politica Urbana. Regiao Metropolitana do Grande Rio: Servigos de Interesse Comum. Brasilia, IPEA/IBAM 1976. Varias tabelas aqui apresentadas so, entretanto, originais deste trabalho. TABELA 2.4 DOMICILIOS PARTICULARES PERMANENTES POR INSTALAGOES E UTILIDADES. MUNICIPIO DO RIO DE JANEIRO 1970 Finalmente, a periferia intermedidria é a area através da qual a metropole so expande. Ai, as taxas de crescimento populacional sio muito clevadas. Segundo 0 Censo Demogréfico de 1970, o crescimento da periferia intermedidria na década de 60 foi de 69%, mais ou menos 1.200.000 pessoas em niimeros absolutos, o que representa mais da metade do crescimento da populagao de toda a Area Metropolitana do Rio de Janeiro (Ver Tabela 2.5). Vale a pena lembrar que a periferia intermediéria esta crescendo através de fluxos migratorios duplamente induzidos: através da expulsio das populagdes mais Digitalizado com CamScanner ee imediata (migrago intra-metropolitana) © por Vivendo fora da Arca Metropolitana, ra a cidade do Rio de Janeiro i se localizar, acabam pobres residentes no niicleo ou na periferia i Pome do. deslocamento, de pessoas, ac prineipalmente no proprio Bstado do Rio, mudam-se pat Prides pelas possibilidades de emprego ¢ Ue, POF nfio poderem ai ge radicando nas suas cereantias. ; ima pode dar-se por processos informais, como os ‘A expulsio dos pobres citada aci , dda empresa privada que age fazendo com de Subam os precos de terrenos € iméveis no da cm pode dar-se também por agao diteta do Gavernes quando este, por exemplo, pratica a renovagao urbana numa drea central degradada, sem sc importar como ¢ onde ee oraras pessoas ai residentes, que até entio estava pagando aluguéis muito baratos nv ificagdes antigas (cortigas, casas de cOmodos, habitages degradadas). Finalmente, § expulsio pode acontecer como consequiéncia indireta da ago governamental, como no oe conjuntos habitacionais ¢ os centros de triagem, ‘aso das favelas, em que as "vilas", para onde os favelados sio transferidos, funcionam path muitos como etapa provisoria, ve onde eles saem para a periferia, expulsos por jinadimpléncia de pagamentos ou Simplesmente fugidos por conta propria. Independentements da procedéncia desses habitantes, o importante a ressaltar é que trata-se de uma populagdo pobre que, em quase sua totalidade recebia, em 1970, nao mais que 3 salarios minimos (Mapa 2.7). Os centros se onvigos existentes na periferia intermediéria, apesar de dinémices © de possuirem alguma expressividade, sao de baixo padrao, adaptados as possibilidades de consumo de eas usuarios. O crescimento industrial ¢ restrito a algumas areas, especialmente no municipio de Duque de Caxias, que participa com 12,5% da populagdo industrial metropolitana. TABELA 2.5 - CRESCIMENTO DEMOGRAFICO DA AREA METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO (1960 — 1970), SEGUNDO. AS REGIOES ‘ADMINISTRATIVAS E MUNICIPIOS. TABELA 2.6 -_ POPULAGAO URBANA, DENSIDADE E TAXAS DE (CRESCIMENTOS DA AREA CONURBADA DA RMRJ, POR MUNICIPIOS 1970 TABELA 2.7 — PARTICIPACAO DA POPULAGAO DOS MUNICIOIOS EM RELAGAO A AREA CONURBADA E A REGIAO METROPOLITANA DO RIO DE. JANEIRO. ‘A densidade de ocupagao do solo é muito irregular: alta em algumas areas e baixa em outras (Tabelas 2.6 e 2.7). A infra-estrutura urbanistica inexiste ou € muito precaria. O mesmo acontece com o equipamento social, ocorrendo uma tendéncia para a busca daqueles do niicleo ou da periferia imediata. (0 controle progressivo do uso da terra no nicleo e nas suas proximidades, além de expulsar as populagdes pobres para a periferia, obrigou-a a desenvolver um mercado de emprego informal local. Nota-se, também, grande informalidade no uso do solo ¢ nos tipos de construga« den . conurba¢do da periferia intermediéria com a imediata sacralizou-se it ivamente a partir do inicio da década de sessenta quando houve @ mudanga da nite Rio parsou a cidade - Estado. Ea partir dessa época também, ¢ especialmente le , que o micleo metropolitano passa a scr 0 palco preferido de grandes Digitalizado com CamScanner melhoramentos urbanos, realizados tanto pelo Governo Federal como Estadual. Com efei- to, as grandes obras, como tiincis, viadutos ¢ autopistas, ficaram no niicleo em sua maioria, reforgando © contraste entre este e as periferias metropolitanas. O mesmo ocorreucom 0s maiores investimentos, como a construgio de grandes sistemas abastecedores de agua ou do interceptor ocednico (Tabela 2.8). Mas o melhor exemplo ¢ ‘0 mais recente (jé durante 0 processo de fusio dos Estados da Guanabara ¢ do Rio de Janeiro) é 0 do Metro -_obra que, servindo exclusivamente ao niicleo, € a de orgamento mais elevado de todas, e a de aleance mais restrito, enquanto o verdadeio transporte de massa, o trom suburbano, ficou em completo abandono. Mapa 2.7 Pagina 29 — Area metropolitana (area conurbada) do Rio de Janeiro: percentagem da populagio ativa com renda inferior a 3 salérios minimos [MAPA 2.7 — AREA METROPOLITANA (AREA CONURBADA) DO RIO DE JANEIRO: PERCENTAGEM DA POPULACAO ATIVA COM RENDA INFERIOR A 3 SALARIOS MINIMOS sew parce ee A escolha nao foi aleatéria nem atipica. Ao contrario, cla parece ser apenas um exemplo a mais no longo processo de construgio diferenciada do espago carioca em beneficio dos mais ricos, conforme seré demonstrado adiante. Antes disso, entretanto, & necessario que se explicite a forma como essa demonstracao sera realizada. 2.4 ESTRUTURA URBANA E MOMENTOS DE ORGANIZACAO SOCIAL O objetivo desta parte é apresentar uma articulagao de conceitos que possibilite teorizar sobre a evolugio da estrutura urbana do Rio de Janeiro. As segdes anteriores mostraram claramente o estagio atual dessa estrutura, ressaltando o alto grau de Digitalizado com CamScanner estratificagdo social do espago. Mostraram também que a intensificacao deste processo cereeratifcagio & uma caracteristica do momento brasileiro pos-64, um momento te catamente determinado da evolugao da formagao social brasileira. eaetige do momento atual €, pois, ponto de partida do estudo da estrutura urbana. Mas ela s6 nao basta. E preciso ir além, ¢ demonstrar que momentos atuais sio angi influenciados por momentos anteriores, que Tegaram ao espago atual forma ¢ contetido, Ha que se discutir, entio, 0 que isto significa ; ‘Quaiquer cidade pode ser vista como uma colegao de formas geograficas. Essas formas, sejam clas bairros ou edificios, por exemplo, podem ser analisadas em termos de forma-aparéncia e forma-contetido. ‘Quando analisada apenas sob o critério de forma-aparéncia, a cidade seria composta, a qualquer momento, de formas antigas, testemunhos de periodos anteriores de organizacao social, ¢ de formas novas, caracteristicas de momentos mais recentes de organizagdo social. No presente momento, por exemplo, a cidade do Rio de Janeiro possui bairros onde predominam antigos sobrados e casas geminadas, ¢ bairros onde a predominincia é de grandes edificios de apartamentos em condominios fechados, reflexos de dois periodos distintos de organizagao social pelos quais passou a cidade. As formas-aparéncia, ou formas morfolégicas, representa entdo uma acumulagao 3c tempo, e sua compreensio, desse ponto de vista, depende do conhecimento do que foram os diversos momentos de organizagao social pelos quais passou um determinado espago. ‘As formas, cntretanto, nao tém apenas uma aparéncia externa, mas também possuem um contetdo, isto é, realizam uma fungao. E esta fungio ¢ determinada exclusivamente pelo periodo atual de organizagao social. Formas morfolégicas antigas podem, pois, ser chamadas a realizar fung6es totalmente distintas daquelas para as quais foram criadas; podem, inclusive, desaparecer, se assim o determinar a dinamica da organizagao social. ___TABELA 2.8 — DISTRIBUIGAO PERCENTUAL DOS INVESTIMENTOS EM AGUA E ESGOTO SEGUNDO AS REGIOES ADMINISTRATIVAS DO MUNICIPIO DO RIO DE JANEIRO. Digitalizado com CamScanner Figura Para exemplificar, o Rio de Janeiro possuia, até a década de sessenta, uma série de bairros (como Catumbi, Esticio e Lapa) que serviam de local de residéncia para classes de baixa renda ou abrigavam fungdes de apoio ao comércio ¢ a industria. Alguns desses bairros tinham sido, outrora, local de residéncia de classes mais abastadas, ¢ 0 fato de nio mais o serem refletia uma mudanga j4 ocorrida na sua forma-contetido, ou seja, refletia a perda dessa fungao original. Hoje, esses bairros praticamente desapareceram do cenario residencial carioca, por exigéncia de forgas poderosas de estruturagdo urbana que, presentes ja hd muito na cidade, s6 vieram a se materializar plenamente a partir da década de 1950. Destacam-se ai as exigéncias vidrias do transporte individual, fruto, por sua vez, da intensificagao do processo de concentragao de renda no pais. Visto sob uma ética mais abrangente, o momento atual diz respeito, entio, a forma como sc estruturam os sistemas econémico, juridico-politico e ideolégico de uma sociedade num dado periodo de tempo. E ele o responsivel pelo valor atribuido as formas antigas. E ele também que leva a criagiio de novas formas. A evolugao de um momento de organizagio social para outro, por sua vez, é fungao de modificagdes ocorridas nesses sistemas que compdem a sociedade. Essas modificacdes podem decorrer do fato de a evolugio diferenciada desses sistemas ter chegado a um grau de contradi¢o insustentavel, ou podem ainda refletir um reajuste ou recomposigao da estrutura anterior. Tanto num caso como no outro, as caracteristicas do nove momento de organizagao social dependerao, obviamente, do grau de resolugio das contradigdes exis- tentes, e de que classe ou grupo passa a ser dominante. Dado que 0 espago reflete, a cada momento, as caracteristicas da organizagio de uma sociedade, a ordem espacial de uma cidade, ou seja, sua estrutura urbana, refletira também 0 resultado do confronto, reajuste ou recomposi¢ao dos sistemas que constituem a sociedade, Por essa razio, 0 estudo da estruturagio da cidade no pode ser feito separadamente do estudo do processo de evolugio da sociedade, Como diz Castells, 0 eae a soci , isto sim, a expresso concreta de cada x iedade se especifica. A afirmagao de Castells nao deve, entretanto, levar a suposigao de que 0 espaco & tima matria inerte, “um simples pano de fundo no qual so inscritas as agdes de classes Digitalizado com CamScanner « instituigdes através do tempo". Com efeito, se os processos sociais dio a0 espago uma, eoeceeye fungo, uma significagso social, este tnnabénm influencia 0 desenvolvimento forma, Mumos processos no decorrer do tempo, institueionalizando-os ou modificando~ os. Esta influéncia do espago é determinada, principalmente, pela permanéncia de formas ameriores. que tanto podem se constituir em barreira ao desenvolvimento de sette processes, como podem faclité-os. Tudo depende da atribui¢do que essas formas woven’ adguirem a cada momento de organizagao social de sua eapacidade de adaptar- aan sistir dg novas cxigéncias ¢ finalmente, do papel exereido pelo Estado (a cada se mente, as vezes impondo os descjos da classe ou grupo dominante, as vezes monivendo os conflitos existentes ou potenciais de maneira menos evidente, mas geralmente em beneficio dessa mesma classe ou grupo. Os capitulos seguintes procuram analisar a evolucao da forma urbana da Metropole carioca segundo os diversos momentos de organizagao social pelos quais ela passou. A Geterminagao desses momentos, obviamente, esti sujeita a criticas, ja que toda classificagio é arbitréria. Acredita-se, entretanto, que a periodizagio aqui estabelecida revela os grandes marcos de desenvolvimento da formagao social brasileira, e seu conseqiiente rebatimento no espago urbano carioca. Focaliza-se, em primeiro lugar, o século XIX, dando destaque ao papel exercido pelos meios de transporte coletivo na expansio fisica da cidade. A Reforma Passos, no inicio do século XX, marca 0 inicio de outro momento importante de desenvolvimento da cidade, um momento de resolugio de contradigées antigas ¢ de aparecimento de novas. O fim da Repiiblica Velha estabelece, finalmente, o inicio de outro momento, que vai durar até 1964. Figura sgfaras morolgicas anges podem ser charade rela (ungdusttaiente stints daqulas Bare 1s quois foram iades. Antipe residéncie senhorial transformada em depésitu (Catumbil Fonte: CPU/IBAM ~ 1380 Digitalizado com CamScanner REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS | 01.0 exemplo mais tipico dessa escola esta consubstanciado na teoria de Burgess sobre 0 crescimento das cidades. Ver BURGESS, E. & MACKENZIE, R. The City. Chicago, Univer-sity of Chicago Press, 1925, pp. 47-62. 02. HARVEY, David. Social Justice and the City. Baltimore, The Johns Hopkins University “\ Press, 1973, p. 131. - 03. /CASTELLS, Manuel. La Cuestién Urbana. Ma-' dri, Siglo Veintiuno Editores, 1974, p. 143. 04. ALONSO, Wiliam. Location and Land Use. Cambridge, Mass, Harvard University Press, 1964; WINGO JR. Lowdon. Transportation and Urban Land. Washington, D. C., Resources for the Future, 1 96 1 - MUTH, Richard F. Cities and Housing. Chicago, The University of Chicago Press, 1969. 0S. CASTELLS, Manuel. Op. cit., p. 298. 06. Ver ALTVATER, E. Notas sobre alguns Proble- mas do Intervencionismo de Estado, 1977, (mimeo.) p. 3. 07. HARNECKER, Marta. Conceitos Elementais do Materialismo Historico. México, Siglo Veintiuno Editores, 1972. 08. SANTOS, Milton. Sociedade e Espago: A Forma- ¢&o Social como Teoria e como Método. Boletim Paulista de Geografia, 54, junho 1977, p. 88. 09. SANTOS, Milton. A Divisio do Trabalho Social ‘como uma Nova Pista para o Estudo da Organizagao Espacial e da Urbanizagao nos Paises Subdesenvolvidos, in 3° Encontro Nacional de Geografos, Fortaleza, 19-27 de julho de 1978, Sessdes Dirigidas. Fortaleza, Universidade Federal do Cearé/Associagio dos Gedgrafos Brasileiros, p. 39. Reproduzido também em SANTOS, Milton. Espaco e Sociedade. Petropolis, Vozes, 1979, pp. 36-54. 10. SANTOS, Carlos Nelson Ferreira dos e BRONS- TEIN, Olga. Metaurbanizagao - caso do Rio de Janeiro. Revista de Administragio Municipal 25 (149), out-dez, 1978. IL. Ver VETTER, David. The Distribution ofmonetary and real income in Grande Rio's Metropolitan system. Los Angeles, University of California. 1975 12. Censo Industrial de 1970 - IBGE. 13. Quanto as razées da escolha alternativa de inves- timentos em transportes de massa, consultar 0 artigo de SANTOS, Carlos Nelson F. Transportes de massa- condicionadores on condicionados? Revista de Administragio Municipal, 24 (144): 13-32, set/out. 1977; ef. também o documento de ASSMANN. Plinio Osvvaldo. O lugar dos diferentes modos de transporte co-letivo. Sao Paulo, 1976. Documento apresentado no I Simpésio Internacional de Transportes Pablicos, : 14, SANTOS, Milton. A Divisio do Trabalho Social como uma Nova Pista para o Estudo da Organizagio Espacial eda Urbanizagio nos Paiscs Subdesenvolvidos. Op. cit., p. 41 15. CASTELLS, Manuel. Op. ci 16. Ibid. Digitalizado com CamScanner 3, O RIO DE JANEIRO NO SECULO XIX: DA CIDADE COLONIAL A CIDADE CAPITALISTA Figura 3.1 INTRODUGAO $6 a partir do século-XIX é que a cidade do Rio de Janeiro comega a transformar radicalmente a sua forma urbana ¢ apresentar verdadeiramente uma estrutura espacial estratificada em termos de classes sociais. Até entdo, 0 Rio era uma cidade apertada, limitada pelos Morros do Castelo, de Sao Bento, de Santo Anténio e da Conceigio. Ocupava, entretanto, um chao duramente conquistado natureza, através de um processo de dissecamento de brejos ¢ mangues que j4 durava mais de trés séculos. Além dos morros havia apenas alguns tentaculos, que se dirigiam aos "sert6es" do sul, do oeste e do norte) (ver Mapa 3.1). Era também uma cidade em que a maioria da populaco era escrava, Quase que uma cidade de mercadorias. Poucos eram os trabalhadores livres, ¢ reduzidissima a elite administradora/militar/mercantil que lhe dirigia politica e economicamente. A falta de meios de transporte coletivo e as necessidades de defesa faziam com que todos morassem relativamente proximos uns aos outros, a elite local diferenciando-se do restante da populacdo mais pela forma - aparéncia de suas residéncias do que pela localizagio das mesmas. No decorrer do século XIX assiste-se, entretanto, a modificagdes substanciais tanto na aparéncia como no contetido da cidade. A vinda da familia real impde ao Rio uma classe social até entio praticamente inexistente. Impde também novas necessidades materiais que atendam nao sé aos anscios dessa classe, como facilitem 0 desempenho das Digitalizado com CamScanner atividades econdmicas, politicas e ideolégicas que a cidade passa a exercer. "A independéncia politica ¢ o inicio do reinado do café geram, por sua vez, uma nova fase de expansiio econdmica, resultando dai a atragio - no decorrer do século e em progressio crescente — de grande nimero de trabalhadores livres, nacionais e estrangeiros. A partir de meados do século a cidade passa a atrair também numerosos capitais internacionais, cada vez mais disponiveis ¢ a procura de novas fontes de reprodugo. Grande parte deles é utilizada no setor de servigos publicos (transports, esgoto, gas, etc.), via concesses obtidas do Estado, Mapa 3.1 — Pagina 36 — A cidade do Rio de Janeiro no inicio do século XIX Maon 3.1 — & DADE DO HO B€ JANEIRO No GO BO sECULO HK arcaicas, de base escravista, a formago social brasileira ainda conviveria algum tempo com esses novos elementos, essencialmente capitalistas, que aqui se introduziam. As contradigdcs dai decorrentes nao tardaram, entretanto, a aparecer. (Com efeito, pouco a pouco, a cidade passa a ser movida por duas logicas distintas (escravista e capitalista), e os conflitos gerados por esse movimento iro se refletir claramente né scu espago urbano. As contradigdes da cidade s6 serdo resolvidas no inicio do século XX. Tal resolugio, entretanto, 6 sera possivel porque, no decorrer do século XIX, so langados no espago os elementos que a possibilitam, dentre eles a separagiio, gradual a principio, ¢ acelerada depois. dos usos e classes sociais que se amontoavam no antigo espaco colonial. Essa separago s6 foi possivel, entretanto, devido a introdugiio do bonde de burro ¢ do trem a vapor que, a partir de 1870, constituiram-se grandes impulsionadores do crescimento fisico da cidade. Um crescimento que segue a direc das "frentes pioneiras urbanas" ja esbogadas desde o Século XVIII, mas que é agora qualitativamente diferente, J4 que os usos ¢ classes "nobres" tomam a dirego dos bairros servidos por bondes (em especial aqueles da zona sul), enquanto que para o subiirbio passam a se deslocar os usos "sujos" e as classes, menos privilegiadas. Dada a importincia dos transportes coletivos na expansio da cidade © na conseqiiente transformagao de sua forma urbana, é necessario, pois, que se analise a evolucio urbana do Rio de Janeiro no século XIX em dois periodos distintos, ou seja, a fase anterior ao aparecimento dos bondes ¢ trens, ¢ o periodo que Ihe é posterior. Digitalizado com CamScanner er cg gee Ee par da Av, Presidente Vargas), que ligava 0 centro a Quinta da Boa Vista. Resolvido 0 problema da acessibilidade, 0 bairro rapidamente viv multiplicadas as moradias ricas, aooermeno que se estendev, embora em grau mais modesto, até a ponta do Caju. Local de reeidéncia imperial, foi em diregio a Sio Cristévaio que se dirigiram as primeiras diligéncias de que se tem noticia na cidade, E quando, em 1838, circularam os primeiros nibus de tragdo animal, as chamadas “g6ndolas", uma das linhas também demandava esse bairro. § Jé no final da primeira metade do século, 0 Rio de Janeiro apresentava, entao, uma forma diferente daqucla que tinha prevalecido até o século XVIII. Beneficiadas pela ago do poder piblico, que abria e conservava as cstradas e caminhos que demandavam os arrabaldes da cidade, as classes de renda mais alta, as Gnicas com poder de mobilidade, puderam se deslocar do antigo e congestionado centro urbano em direso Lapa, Catete © Gloria (freguesia da Gloria), Botafogo, (freguesia da Lagoa), Sao Crist6vao (freguesia do Engenho Velho). Com efeito, 0 crescimento dessas freguesias é notavel no periodo 1821 -I 838, como demonstra a Tabela .3.1. Note-se também o aumento populacional da freguesia de Santana que, junto com a de Santa Rita, abrigava populagdes urbanas de baixa renda. Trata-sc de area ainda disponivel a uma populagao sem poder de mobilidade, trabalhadores livres e escravos de ganho que precisavam estar proximos ao centro, onde © trabalho era buscado diariamente. Mapa 3.2 — Pagina 38 — Municipio do Rio de Janeiro: a freguesias do Rio de Janeiro no século XIX ‘MAPA 2.2 — MUNICIPIO DO RIO DE JANEIRO; AS FREGUESIAS DO RIO DE JANERO NO SECULO XIK Digitalizado com CamScanner O ano de 1870 é, neste sentido, um marco divisério bastante adequado. A nivel da forma-aparéncia da cidade, é neste ano (dois anos depois da entrada em funcionamento da primeira linha de carris da cidade), que a Estrada de Ferro D. Pedro, I aumenta 0 niimero dos seus trens urbanos. Trata-se, pois, do ano em que os dois elementos impulsionadores da expansio da cidade (bondes ¢ trens) passam a atuar sincronicamente. Anivel da forma-contetido, ¢ a partir dessa década que o sistema escravista, mola mestra da produgio nacional, entra definitivamente em colapso, caminhando celeremente para a sua superacdo, mas detonando, ao mesmo tempo, forgas importantes de estruturagio urbana, que marcariam profundamente a cidade. 3.2 O PERIODO ANTERIOR A 1870: A MOBILIDADE ESPACIAL E PRIVILEGIO DE POUCOS Treze anos apés a chegada da familia real, ¢ a um ano da independéncia do pais, © Rio de Janeiro ainda é, em 1821, uma cidade bastante modesta. Restringia-se basicamente as freguesias da Candelaria, Sao José, Sacramento, Santa Rita e Santana, que correspondem grosso modo, ds atuais regides administrativas do Centro e Portudria (Mapa 3.2). As demais freguesias existentes eram, entdo, predominantemente rurais. Ja nesta data podia-se notar, entretanto, uma ténue diferenciagao social entre as cinco freguesias urbanas. Abrigando agora o Pago Real, na atual Praga XV, c as Tepartigdes mais importantes do Reino, as freguesias da Candelaria e Sio José transformaram-se gradativamente em local de residéncia preferencial das classes dirigentes, que ocupavam os sobrados das ruas estreitas da Freguesia da Candelaria, ou dirigiam-se as ruas recém-abertas do Pantanal de Pedro Dias (ruas dos Invalidos, do Lavradio e do Resende, no atual bairro da Lapa). Tinham como opcio, também, as chaca- tas recentemente retalhadas em terras situadas ao sul da cidade (nos atuais bairros da Gloria ¢ Catete), seguindo assim os passos da rainha Carlota, que morava em Botafogo. As demais classes, por outro lado, com reduzido ou nenhum poder de mobilidade, € ndo podendo ocupar os terrenos situados a oeste da cidade devido a existéncia das dreas de mangue do Saco de S40 Diogo (Cidade Nova), adensavam cada vez mais as outras freguesias urbanas, especialmente as de Santa Rita c Santana, dando origem aos atuais bairros da Satide, Santo Cristo e Gamboa. * Também entre as dreas rurais havia diferenciagio. Enquanto as freguesias situadas a grandes distancias do centro mantinham-se exclusivamente rurais, e fornecedoras de géneros alimenticios a Corte, aquelas areas mais préximas das freguesias urbanas pouco 4 pouco viam suas fazendas retalhadas em chacaras que, de inicio reservadas as atividades de fim-de-semana das classes dirigentes, foram aos poucos transformando-se em local de residéncia permanente, justificando inclusive a criagao de novas freguesias. Assim, 0 apa- recimento cada vez maior de chécaras no atual bairro de Laranjeiras e o adensamento fae eae ee Seale 4 criagdo da freguesia da Gléria em ; 1 . go, arrabalde da freguesia da Lagoa, também Passa nessa Epoca por um surto de criag&io de chacaras, situadas Principalmente na praia ee otafono ha ua de Sdo Clemente e na de Sao Joaquim da Lagoa (atual Voluntirios da Favorecido pelo Sao Cristévao passou privilégio de abrigar a residéncia da familia real, o velho arraia! de também a ser procurado pelos que tinham i vao passou també 1 poder de mobilidade. Iso, Calretanto, 86 foi possivel depois que a Camara Municipal mandou aterrar a parte lo Saco de So Diogo vizinha ao Caminho do Aterrado, ou das Lanternas (no atual lado Digitalizado com CamScanner TABELA 3.1 — POPULAGAO RESIDENTE E TAXA DE CRESCIMENTO. DEMOGRAFICO DAS FREGUESIAS DO RIO DE JANEIRO A partir de 1850 a cidade conhece um novo e importante periodo de expansio, caractcrizado nio s6 pela incorporagao de novos sitios arca urbana, como também pela intensificagao da ocupagdo das freguesias pcriféricas, notadamente a da Lagoa. No que diz respeito a incorporagdo de novos sitios, teve grande importancia a decisio da Camara, em 1850, de intensificar os trabalhos de aterro do Saco de Sao Diogo. Para isso foi levantada, em 1851, a planta de todo o mangue, o que permitiu o posterior aterro e construgao de um canal de escoamento, obra de Maus. criando-se assim a Cidade Nova (que inclui nio s6 a Cidade Nova dos dias atuais, como também os bairtos de Esticio, Catumbi, 0 que sobrou do Mangue ¢ parte do Rio Comprido). Os trabalhos de drenagem do Saco de Séo Diogo permitiram, por sua vez, a ocupagio de grande parte dos terrenos situados no antigo Caminho de Mata Porcos (Esticio), e justificaram a criagio da freguesia de Santo Antonio cm 1854, desmembrada das de Sio José, Santana ¢ Sacramento. Essa freguesia tinha jurisdigdo sobre parte da Lapa e sobre os atuais bairros de Catumbi, Esticio ¢ Santa Teresa, que s6 a partir da conclusao das obras de drenagem pudcram ser efetivamente ocupados, cmbora ja fossem habitados desde 0 inicio do século, estando inclusive localizada ai a nova Casa de Detengio, inaugurada em 1840 ¢ no mesmo local até hoje. ‘A respeito da ocupagiio dessa area, cita Noronha Santos: "Em 25/01/1812 foi comprada por Francisco Xavier Pires a Joaquim Viegas a bela chécara dos Coqueiros, em Catumbi, por 8:000S000. Anos depois foram retalhados os terrenos dessa chécura para a abertura de ruas. Autorizada pelo Governo, abriu a Camara, em 1850, uma estrada de comunicacéo com o Rio Comprido e ... . em 1852, comecou a Camara a mandar aterrar 0 mangue da Cidade Nova, entre o lugar denominado Aterrado e a Casa de Corregéo (rua Frei Caneca) ... A porgdo da rua Haddock Lobo, que fica entre 0 Largo Estado de Si, antigo de Mata Porcos, ¢ 0 Rio Comprido, foi por muito tempo extenso atoleiro, com o qual despendeu a Camara avultadas quantias, até que, em 1850 foi também aterrado convenientemente, tornando- se entdo excelente logradouro piiblico. Figura pagina 40 Digitalizado com CamScanner © aterro dos mangues ¢ atoleiros que cercavam Santa Teresa ¢ Rio Comprido Permitiu, Por sua ver, a intensificagdo da ocupagao desses baitros, principalmenteo de Ranta Teresa, que jd se havia ligado & planicie desde 1844 através da ladeita de Pree Mattos. A rapidez da ocupacio dessa "Cidade Nova" foi tio intensa que, a partir de 1865, a Freguesia do Espirito Santo, que tinha jurisdiglo sobre os atvais bairtes chy tavio, Rio Comprido e parte de Santa Teresa, tendo sido desmembrace da Crrenos Pertencentes ds freguesias de Santo Anténio, Engenho Velho, Santang e Sao Cristévao (esta criada, por sua vez, em 1856). Os vestigios desse tipo de ocupagiio sfo Uisivels até hoje nas areas que conseguiram sobreviver as cirurgias urbanas Se prédios Sstteitos e muito profundos, “onde a iluminagéio é feita através de elanbone © fireas Digitalizado com CamScanner intemas, sempre de frente da rua ¢ colados uns aos outros"8, em tudo revelando a preo- cupagio de aproveitar intensamente 0 espaco proximo 20 centro, numa época em que, saree thontaténcia de transportes coletivos répidos, a cidade praticamente andava a pé, Enquanto 0 processo de urbanizagio se espraiava pela Cidade Nova, deixando enirctante, em locais ainda nao totalmente drenados, alguns claros importantes, a freguesia do Engenho Velho comegava a sofrer 0 proceso de retalhamento das antigas faendas ¢ sitios ai existentes, A esse respeito, Bemardes, citando Noronha Santos, Aeecreve a existencia nessa época de numerosos solares na Tijuea, no Engenho Velho, no ‘Andarai, e mesmo no Engenho Novo*, locais que, entretanto, ainda nao haviam adquirido fungdo residencial urbana, apesar de ja serem servidos pelos Onibus de tragdo animal9 desde 1838. Lobo, por sua ve7, descreve a freguesia de Engenho Velho nessa época como ‘Constituida de casas de recreio de campo, com inimeras fazendolas e sitios", ou seja, uma Grea afastada da cidade, que possuia inclusive locais propicios localizagao de "usos sujos", como 0 matadouro da cidade, transferido finalmente da rua de Santa Luzia, no Centro, para as proximidades da atual Praga da Bandeira em 1853. Enquanto se processava o retalhamento das fazendas e sitios do Engenho Velho e se ocupava a Cidade Nova, 0 vetor de expanso rumo a zona sul ja identificado no periodo anterior a 1838, passava a tomar caracteristicas diferentes, as antigas chacaras de fim-de- semana da aristocracia transformando-se gradualmente em locais de residéncia permanente. Com efeito, os bairros de Botafogo, Gléria e Catete, passavam entio a ser procurados “pelas familias de mais altas rendas do segundo reinado . . . (multiplicando- se ai a construgio)... de mansdes suntuosas", algumas pertencentes aos grandes fazendeiros de café que, tendo multiplicado os seus lucros durante a fase de expansao da rubicea pelos planaltos mineiro e fluminense, aplicavam parte deles na construgao de residéncias na Corte. E 0 caso, por exemplo, do atual Palicio do Catete, construido em 1862 para servir de residéncia urbana aos Bardes de Nova Friburgo, ¢ de tantas outras construgdes urbanas da nobreza que viriam a desaparecer no século seguinte, substituidas por prédios de apartamentos. ‘A ocupagio permanente de Botafogo pela aristocracia jé era de tal monta nos meados do século XIX que, em 1843, era inaugurada uma carreira de barcos a vapor ligando o bairro ao Saco do Alferes (no atual bairro de Santo Cristo). Em 1844, outra companhia ligava a praia de Botafogo a Ponta do Caju, perto da Quinta da Boa Vistal3. Nas palavras de Noronha Santos, tudo fazia acreditar "que se tornava rendoso esse transporte, pois em 1846 a barca a vapor Venus se empregava exclusivamente nesse servico, fazendo todos os dias cinco viagens, do cais do Brito, perto do Pharoux, até a praia de Botafogo ". E prossegue Noronha Santos: "Em 1852 a Companhia Nictheroy-Inhomirim estabelece uma linha para Botafogo... O aristocratico bairro foi (depois) em 1867 contemplado pela Companhia de Barcas Ferry com uma carreira das suas elegantes e velozes embarcacdes que atraca- vam em duas pontes ali existentes, uma das quais em frente d rua Sao Clemente". Tal dinamismo do bairro de Botafogo logo atraiu também populagdes nao aristocréticas, principalmente imigrantes portugueses, que passaram a se dedicar a0 comércio e a se instalar nos terrenos menos valorizados, situados principalmente nas proximidades do Cemitério de Sao Joao Batista (que havia sido inaugurado em 1852), € Digitalizado com CamScanner cujas atividades contribuiram, também, para o incremento da navegagao entre 0 bairto ¢ ‘centro da cidade. ‘As freguesias centrais, por sua vez, embora pouco tivessem modificado a sua forma-aparéncia durante o periodo, passaram, a partir de 1850, a sofrer intmeras transformagées. Para isso contribuiram tanto o Estado como o capital estrangciro, que pouco a pouco obtinha concessées do Governo Imperial para a proviso de servigos piblicos. As atividades produtivas ai localizadas foram, assim, as primeiras a se benefi- ciar das benesses urbanisticas modernas. OBS * O Engenho Novo é descrito por Noronha Santos como sendo, em | 860, um povoado da cidade do Rio de Janeiro sem importancia, retalhado de fazendolas e sitios de austeros senhores de escravos. Figura - Pagina 42 ANTES bEPOIS Fomte: Seman Mustiada 1479-1 2/1868, Pg. 3765 Com efcito, ja em 1854 muitas das ruas da freguesia da Candelaria (0 verdadeiro centro da cidade, onde se localizava grande parte do comércio importador e exportador, as grandes casas comerciais, virios consulados, bancos e companhias de navegagio) passam a ser calgadas com paralelepipedos, Nesse mesmo ano, através da iniciativa de Maud, a iluminacao a gas ¢ inaugurada no centro*, que passa a se beneficiar também 1862, do servigo de esgotos sanitirios concedidos 4 empresa inglesa Rio de Janeiro City Improvements Company Limited, inta ci , passando o Rio a ser a quinta cide possuir esse tipo de servigo'6. eepeeeea aes Sede agora de modernidades urbanisticas, o centro, também a sua condigao de local de residéncia das populag stas, sem nenhum poder de mobilidade, dependiam d contraditoriamente, mantinha ‘Ses mais miseraveis da cidade, le uma localizacio central, ou Digitalizado com CamScanner para sobreviver. Com efeito, para muitos, livres ou escravos, a ii snas encontrado na rea central. rocura de trabalho era diaria, ¢ este era apena ; Procur Golucao era entio 0 cortico, habitago coletiva e insalubre e palco de atuagio preferencial das epidemias de febre amarela, que passam a grassar quase que anualmente na cidade a partir de 1850. ee | A importancia do cortigo na cidade nessa época ja nao é nada desprezivel. A Tabela 3.2 demonstra claramente este fato e ressalta a sua concentracao nas freguesias periféricas ao centro de negocios, especialmente nas de Santana, Santo Anténio, Sa0 José e Santa Rita, Note-se também que este tipo de habitagdo coletiva ja adquire importéncia em freguesias mais afastadas, notadamente na de Espirito Santo (freguesia de criagdo recente, sujeita a inundagdes periédicas e ainda em fase de ocupagio) ¢ Gloria (principalmente em sua parte mais préxima ao centro). : Resta falar, para concluir a andlise deste periodo, da integragio efetiva das povoagdes da "banda dalém" A Capital do Império. Este processo ja vinha se de~ senvolvendo desde 1835, quando 0 servigo regular de barcas a vapor entre Rio e Niterdi foi inaugurado pela Sociedade Navegacao de Nictheroy. De inicio, dedicava-se a incrementar 0 comércio entre as duas margens da bata, ja que 0 litoral oriental era constituido de muitas chécaras e fazendolas que supriam, em parte, as necessidades de abastecimento da Corte.** periférica a0 centro, oBs * A produgio.e distribuigio de gis na cidade do Rio de Janciro, em ambito industrial, s6 foi iniciada, entretanto, com a criagio da Rio de Janeiro Gas Company Limited, que foi autorizada a funcionar em 27/4/1865. Essa companhia foi sucedida pela Societé Anonyme du Gaz de Rio de Janeiro, empresa belga que foi concessionaria do servigo até 1969. ** Niter6i possuia, em 1834, 29.500 habitantes, sendo 22.000 escravos. A introdugao da navegagao a vapor contribuiu, entretanto, para tornar Niterdi, no s6 em aprazivel estancia balnearia, como em local de residéncia alternativo para quem desejassc (c pudessc) sc transfcrir do congestionado centro urbano. A Sociedade de Na- vegagio de Nictheroy possuia, entdo, "trés barcas para 250 pessoas, que trafegavam de hora em hora, das 6 da manha as 6 da tarde", O crescente fluxo de passageiros e mercadorias entre os dois lados da baia logo atraiu, entretanto, a atengao do capital internacional que, abundante nessa época, buscava novas ¢ seguras fontes de reproducio. Em 1862, foi inaugurado entio o servigo de barcas a vapor do sistema ferry, financiado por capitais americanos, ¢ que, devido a maior rapidez ¢ melhor adequagao ao transporte de veiculos, levou a faléncia a companhia nacional até entio responsavel pelo servigo. Iniciava-se assim o processo de controle dos servigos piblicos da cidade pelo capital intermacional (a Cia. City Improvements, como visto anteriormente, j detinha 0 monopdlio do servigo de esgotos), um processo que se intensificaria sobremaneira a partir de 1870. _Finalmente, as demais freguesias da cidade pouco modificaram a sua forma- aparéncia no periodo de 1838 a 1870, continuando a ter um cardter exclusivamente rural. Pouco cresceram também em populagao, conforme ja demonstrou a Tabela 3.1. Muitas delas, entretanto, apresentavam intensa atividade econémica, como atestam a instalago de olarias ¢ curtumes na freguesia de Inhaima, e 0 crescimento dos pequenos portos de transbordo de mercadorias destinadas a Area urbana (Inhaiima, Maria Angu, Bris de Pina, Digitalizado com CamScanner Pavuna). O mesmo acontecia, ¢ em maior escala, nos portos da Baixada Fluminense, notadamente Piedade de Magé, Inhomirim, Estrela, Iguagu, Maud e Porto das Caixas, que tiveram nessa época a sua fase durea de desenvolvimento como entrepostos comerciais. Tabela 3.2 — Distribuigao absoluta ¢ relativa da populagio residente em corticos, segundo as freguesias urbanas do Rio de Janciro (1868) 3.3 BONDES E TRENS: A CIDADE CRESCE EM DIRECOES QUALITATIVAMENTE DISTINTAS O periodo que se estende de 1870 a 1902 representa, para a historia do Rio de Janeiro, nao s6 a primeira fase de expansio acelerada da malha urbana, como também a etapa inicial de um processo em que esta expansio passa a ser determinada, principalmente, pelas necessidades de reprodugdo de certas unidades do capital, tanto nacional como estrangeiro. Este periodo comega, na realidade, em 1858, com a inauguragao do primeiro trecho da Estrada de Ferro Dom Pedro I (atual Central do Brasil) que permitiu, a partir de 1861, @ ocupacio acelerada das freguesias suburbanas por ela atravessadas. A partir de 1868, com a implantaco das primeiras linhas de bondes de burro, outro meio de transporte veio facilitar a expansio da cidade, neste caso em diregdo aos Bairros das atuais zona sul ¢ norte. Controlados em grande parte pelo capital estrangeiro, trens e bondes tiveram um Papel indutor diferente no que toca a expansio fisica da cidade. Os primeiros passaram a servir dreas ainda fracamente integradas a cidade, que se abriram ento aqueles que podiam se dar ao Iuxo de morar fora da area central mas nao podiam arcar com 0s custos, JA elevados, dos terrenos da Gloria, Botafogo ou Tijuca; os bondes permitiram o éxodo cada vez maior dos que podiam arcar com esse Gnus, mas mantinham-se no centro por falta de meio de transporte répido ¢ regular. E importante ressaltar que 0s bondes no sé vieram a atender uma demanda ja existente como, em atendendo a essa demanda, passaram a ter influéncia direta, nao apenas sobre 0 padrao de ocupagio de grande parte da cidade, como também sobre 0 padréo de acumulacao do capital que ai circulava, tanto nacional como estrangeirado capital nacional, proveniente de grande parte dos lucros da aristocracia cafeeira, dos comerciantes e financistas, passou cada vez mais a ser aplicado em propriedades imveis nas direas servidas pelas linhas de bonde. O capital estrangeiro, por sua vez, teve condicdes de se multiplicar, pois controlava as decisdes sobre as areas que seriam servidas por bondes, além de ser responsavel pela provisio de infra-estrutura urbana. Os dois, entretanto, nem sempre atuavam separadamente, aliando seus esforgos em muitas instancias, quando esta associagao era desojada, ou mesmo inevitével, como no caso da criagio de novos bairros. Bondes e trens possibilitaram, assim, a expansio da cidade © permitiram a solidificagio de uma dicotomia niicleo-periferia que ji se esbogava, como visto, antes de 1870. Nas palavras de Ferreira dos Santos: "Trem e bondes foram, sem diwvida, indutores do desenvolvimento urbano do Rio. Mas 0 carater de massa destes meios de transporte tem de ser relativizado, como também devem ser relativizados os seus papéis frente ao ambiente urbano. E que trem, bondes e, mais tarde, Snibus (¢ os sistemas vidrios correspondentes) sb vieram "coisificar "um sistema urbano preexistente, ou pelo menos um sistema de organizagéo do espaco Digitalizado com CamScanner i " representacao ideolgica do jas premissas je vam prontas em termos de represent urbano, cujas premissas jd estavam pr mos d espago e aa eee ‘esperavam os meios de concretizacdo. Em outras palawras, ° eae _fez a zona sul, porque as razées de ocupagdo seletiva da area jd eram "realidade" ... Jé ‘o trem veio responder a uma necessidade de localizagao de pessoas de baixa renda e de atividades menos nobres (indistrias, por exemplo) ". ida de ambos os meios de transporte, decidiu- Dada a importincia e a agao diferencia t P i se analisar separadamente 0 seu papel no desenvolvimento da forma urbana do Rio de Janciro até a virada do século. Esta é a época em que as necessidades crescentes de ‘concentracao ¢ acumulagao do capital passardo a requerer, mais do que a incorporagao de novos sitios a area urbanizada, uma modificagio drastica da forma-aparéncia (¢ também da forma-contetido) dos locais de decisio politica e econémica da cidade e do pais, ou ja, das antigas freguesias centrais. 3.1 O papel dos bondes Embora j4 em 1859 tivesse sido implantada a primeira linha de veiculos sobre trilhos a tragio animal, ligando a atual Praga Tiradentes com o alto da Tijuca, e seu desaparecimento em 1866, por motivo de insolvéncia financeira, faz com que seja geralmente atribuido ao ano de 1868 0 inicio do servigo de carris no Rio de Janeiro. ‘A primeira concessio para o servico de bondes de burro* a ser efetivamente levada a efeito na cidade foi aquela outorgada a Botanical Garden Railroad Company (posteriormente Companhia Ferro Carril do Jardim Botanico), empresa americana que em 9/10/1868 inaugurou a sua primeira linha, ligando a rua Goncalves Dias ao Largo do Machado. Servia, assim a freguesia da Gloria que, como ja foi visto, . havia se transformado em importante drea residencial das classes abastadas. Logo depois, em 1/1/1871 a companhia estendeu suas linhas até o Jardim Botanico, passando a beneficiar, entao, ao aristocratico bairro de Botafogo e permitindo, pela primeira vez, a ligacdo rapida do praticamente desabitado Largo das Trés Vendas (atual Praga Santos Dumont), onde tinha ponto final, com o centro da cidade, numa extensio de 13 km. Nesse mesmo ano foi inaugurado o ramal de Laranjeiras e a companhia ja transportava mais de 3.000.000 passageiros anuais em suas linhas.23 © sucesso da Companhia do Jardim Botanico logo levou a criago de empresas similares, que obtiveram concessdes para atuar em outras partes da cidade. Assim, em margo de 1870, inaugurado o servigo da Rio de Janeiro Street Railway Company (posteriormente Companhia Sao Cristévio), servindo aos bairros de Sao Cristovao, Andarai Pequeno (Tijuca), Satide, Santo Cristo, Gamboa, Caju, Catumbi e Rio Comprido. Wa nesse ano os bondes dessa companhia também transportavam mais de 3.000.000 passageiros, notadamente nas linhas de Sio Cristévao e Tijuca.24 Dois anos depois, a 17/ 12/1872, a Companhia Jardim Botanico inaugurava, por sua vez, 0 ramal da Gavea, que Passaria a ser freguesia a partir do ano seguinte. Nesse mesmo ano, o governo concedia ermiasto a dodo Baptista Vianna de Drummond (Bardo de Drummond) para estabelecer Suma linha de rihos 7 anos entre a cidade e os bairros do Andarahy Grande (Andarai, Posen a i © Maracaa), Se Francisco Xavier ¢ Engenho Novo". Nascia assim aves eon i i label, que entretanto s6 péde inaugurar a sua primeira de sterroe construct’ a Vila Isabel, em fins de 1873, devido aos numerosos trabalhos eo a a Ponte que se faziam necessarios na area do Mangue, junto a foz ano seguinte sagy A demais linhas somente foram inauguradas em 1875, sendo que, no . mpanhia ja transportava mais de 1.500.000 passageiros. Digitalizado com CamScanner ‘A associagao bonde/loteamento é bem exemplificada em Vila Isabel, onde o bonde demandava o bairro do mesmo nome, criado em 1873 pela Companhia Arquiteténica, também de propriedade de Drummond, em terrenos outrora pertencentes 4 familia imperial (Fazenda do Macaco). Esse loteamento se destacava dos demais que se faziam na cidade por suas ruas largas, a exemplo das cidades européias, dentre as quais se destacava o Boulevard Vinte ¢ Oito de Setembro. os ‘A popularizagio pelos cariocas da palavra "bonde" para designar estes veiculos decorreu dos cupons (bonds) que a empresa concessionaria_vendia a0 piblico para contornar problemas de falta de troco. A empresa passou, ent, a ser conhecida como "Companhia dos bonds”. Ver DUNLOP, Charles. Os Meios de Transporte do Rio Antigo. Rio de Janeiro, Grupo de Planejamento Gritico Editores, 1973, pp. 36-37. Figuras Pagina 45 ue lovay 3 folncia 0s antigos mietos de ramsporte da Caucesen de Compantio Jo Jardim Betdrice fatal... Fore: Vida Fluminense n* «2 17/10/1868, nig. $08 Digitalizado com CamScanner

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