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66 Nowaes & Anjos — um Es Em conseqiiéncia, podemos distinguir propriedades liga posi¢do definida sincronicamente e propriedades ligadas a futuro da posieaio. Assim, duas posigdes aparentemente idén ticas do ponto de vista da sincronia podem se revelar muit diferentes quando referidas apenas ao contexto real, isso, ao futuro histérico da estrutura social em conjunto e, tanto, ao futuro da posi¢ao. Ao contrario, individuos (po exemplo os que Jurgen Ruesch denomina climbers — indivi duos em vias dé ascensao — ou strainers — individuos qq aspiram em vio a ascensio — ou ainda os que Harold. Willensky ¢ Hugh Edwards chamam skidders — individuo ‘em declinio) ou grupos (classes ascendentes ou classes ¢f declinio) podem ter propriedades comuns na medida em que Ihes seja comum, sendo a trajet6ria social, ao menos { sentimento ascendente ou descendente de seu trajeto.” capiruco 2 O uso de toxicos ma vez tendo situado o que considero as principai: : t 01 principais facteristicas do estilo de vida, da escala de valores e do ethos se grupo, passo agora a examinar especificamente o tema 08 toxicos. | Parece-me, portanto, que ha uma experiéncia comum do E minha intengdo evitar julgamento de valor a respeito membros desse grupo que vai marcar fortemente suas visdes d se problema, procurando registrar com a maior fidelidade mundo e representagées. Na origem, praticamente todos est ivel o discurso do grupo. Mas, na medida em que trarei ligados a grupos em ascensao. Até que ponto certas familias s que foram obtidos através de minha observacao do com- de classe alta ou classe média poderia levar a uma discussao amento das pessoas, acho necessério chamar a atengdo para findavel. Minhas indicacdes e dados basicos partem do fato- o de que, sendo um tema altamente polémico e mobiliean- estarem todas, na época da pesquisa, em um momento de § ece-me impossivel afirmar minha total isencao e impar- trajetéria social que corresponde a um movimento ascenden de. Assim 6 que, certamente, muitas coisas que me pare ou, pelo menos, em certos casos, de manutengao de posi im importantes ¢ dignas de registro talves fossem considey nunca de descenso. banais ¢ mesmo risiveis por pessoas que tivessem tido Nos casos de manutengao de status através das geracd educacao menos puritana. No entanto, tenho a forte im- so justamente as familias de mais posses que conseguiram € @ de que minhas perplexidades e dividas nao foram bilizar suas rendas e posi¢do. De qualquer forma, na maioria © diferentes da maioria das pessoas do grupo investigado, magadora dos casos, a ascenstio mais marcada se deu na geri background nao é, em principio, muito diferente do meu, dos pais. Em principio, ja posso levantar a hipétese de que sempre a preocupagdo de fazer as distincdes necessai vias origem e essa experiéncia possam ter sido a base para a co meus bias e pontos de vista e os do grupo inyestigado, tuigdo de uma visto de mundo e de um ethos comuns. De avo ce-me crucial deixar claro que em muitos momentos | com as caracteristicas assinaladas, trata-se de um grupo confundem. £ evidente que estou consciente de que ualista, altamente competitive, hedonista até certo ter distorcido certos comportamentos ou fatos, mas al ve. com a problematica sexual e vivendo Geertz, ti Sieh 68 Nosaes & Anjos — um Estupo Soore Téxicos # Himeanquia’ subjetividade do investigador sempre interfere.” £ importante estar consciente dessa caracteristica nesse tipo de trabalho, pro- fosse casado, sua mulher podia ser vista com uma certa pena, curando 0 melhor rendimento possivel nessas condigSes. mnieraeio, "Nada pior do que viver com um alcodatra” era algo Primeiramente, acho importante fazer tm pequeno histori: constantemente veiculado entre as mulheres do grupo, enquan- co do uso de t6xicos nesse grupo. A primeira vez que se registrou to os homens tendiam a ser mais tolerantes, de um modo geral, a utilizagao de maconha por pessoas do grupo foi em 1969. Assim: Bm resumo, pode-se dizer que o alcool estabelecia uma fronteira: é que, no periodo de pesquisa propriamente, ja tinham se passa- entre os dois sexos. do trés anos desde a introdugdo da maconha. Nao quero entrar A partir de 1969, intensificando-se em 1970 ¢ rotinizando- em discussées a respeito do que é ou nao téxico, na medida em Be no ano seguinte, o uso da maconha passou a ser ura ativiaae que se trata de uma questao mais apropriada a outros especialis- de importante dentro do grupo, influenciando fortemente as nol tas.?° A categoria t6xico sera usada no sentido comum em que € mas de sociabilidade e interacdo. & importante notar que a utilizada na Zona Sul do Rio de Janeiro e se refere, basicamente, a Bikior parte dos casais do grupo constitui-se, em termog de eam maconha, cocaina, heroina, acido, épio, haxixe ¢ certos remédios ‘Mento, com residéncia estabelecida, nos anos 1968/69. Embora utilizados em doses especiais como Mandrix. Na medida em que: tthe todos ja s¢ conhecessem antes e se freqientassen, @apail este capitulo prosseguir, ficard mais clara a classificagao utilizad tia pcssibilidade del podercm'se reunir nas cunad Had aaa pelo grupo que é um dos objetos de minha investigacao. '€ nfo mais nas dos pais, que se pode entender certas caracteris- ‘Antes da introdugéio da maconha, a maioria das pessoas fu= ficas da evolucdo do grupo. Tratava-se entdo de uma série de pes- mava tabaco, ¢ todos os homens ¢ algumas mulheres consumiam ‘yoas, na maior parte recém-casadas, que passam a usufruir de regularmente bebidas alcodlicas. Dentro do grupo, duas peso privacidade. £ a partir dai que deixam de freqiientar muito especialmente eram consideradas bebedoras contumazes. A be: ires piiblicos, como bares, para preferirem reunir-se nas pré- i bida mais consumida e valorizada era o ufsque escocés, muit las casas. Paralelamente a esse processo, alguns comecam a ‘vezes obtido através de contrabandistas com quem eram adqui r maconha. Séo homens os que iniciam esse habito, obten- ridas caixas a pregos menores do que no comércio varejis maconha com conhecidos. Tratando-se de uma atividade Houve periodos em que, de acordo com 0 consenso do grupo, ibida pela lei, vai reforcar a tendéncia das pessoas de ficarem "bebia-se muito’. Era uma atividade basicamente masculina ) casa nos momentos e dias de lazer, reunindo varios amigos. mulheres bebiam em proporgdes e quantidades muito menores, se tratava de uma atividade considerada perigosa, 0 fato sendo muito rara a cena de uma mulher bébada, embora estal s certas pessoas fumarem maconha juntas reforgava os lagos de “de pilequinho" pudesse ser considerado até como algo gracioso lariedade, ao mesmo tempo que ia servindo para demarcar Agora, tomar uma "bebedeira", “ficar de porre" era um privil fronteiras entre os que fumavam ou aceitavam a maconha € masculino, Bra comum, em reunides ou festas, alguns homens fi gue a rejcitavam, E nessa época, portanto, que os limites carem bastantes alcoolizados, necessitando de auxilio para vo grupo ganham contornos mais nitidos. Pouco a pouco, tar para casa. O individuo que sempre ficava bébado e que e todos os homens e mulheres que permaneciam freqiien- comportava mal, ficando ‘chato", era malvisto. Podia ser consi ‘essas reunides experimentaram maconha. Uns passaram 4 ila regularmente, outros limitavam-se a “dar um tapa’?” derada uma situagdo “deprimente’. Nesses casos, s¢ 0 70 Nowres & Anjos — um Estupo Sosne Toxicos = Hienanqueal " t nro Veto quando se encontravam em grupo. § interessante notar que, pelo menos nessa fase inicial, o uso da maconha é uma atividade Srupal, sendo raro fumar quando se estava s6, Assim, os padr de consumo foram sendo claborados dentro do grupo, em con: junto. po88s, especificamente Acido. Embora a maioria das pe: masse que a crise nada tinha a ver com as drogas p J inte, alguns admitiam que o Acido podia facilitar a eclosao do Bresso. Nessa fase, também varias pessoas iniciam tratamen Peicanalitico, Muitas vezes aparecia o problema — andlise ou, ilo? Uma minoria afirmava a supremacia da eficacia dé M0, menosprezando a andlise como um “tratamento domesti- No entanto, de um modo geral a tendéncia foi, gradati- nie, a maioria das pessoas comecarem suas andlises. AfO Poderia surgir era a compatibilidade entre o tratamento € ° Hsumo de dcido. No caso da maconha, o problema pratica- le nao aparecia, na medida em que havia um forte consen- ile que ndo fazia mal, era um prazer inofensivo etc, Na hist6- Ho grupo 86 havia o registro de dois casos em que o uso de onha podia estar associado a uma situacao especialmente igradavel’. Em ambos os casos, mulheres que “nao esta- bem de cuca’ e que estavam comegando a fumar maconha Ham uma experiéncia ruim. A expressao é “pintou um bode 6” ou, simplesmente, “pintou um bode’.”® Nas duas situa- #8 Moras ficaram muito angustiadas com as sensagdes que tendo, passando a evitar qualquer tipo de téxico. Mas pse dizer que a maconha era a base comum, em termos de no dos chamados téxicos, apresentando 0 comportamen- BFupo, a partir daf, uma série de variagbes. Os que passa- sriodos no exterior tinham experimentado o haxixe, mais de ser obtido no Brasil. © acido, como foi visto, foi utili- por algumas pessoas com uma certa freqiiéncia durante poca, mas nunca chegou a ser utilizado de forma genera- Mais recentemente (a partir do fim de 1972), a cocaina Em 1970, varias pessoas foram para o exterior, pasando varios meses fora do Brasil. Em alguns casos, a auséncia foi de mais de um ano. Foi nesse periodo de 1970/71, durante a per= manéncia no estrangeiro, que, além da maconha, passaram a ser consumidos outros téxicos. Especificamente, o acido foi in cluido, tendo conseqiiéncias muito fortes para a visio de mundo das pessoas, como sera visto nos depoimentos. A med ram entre trés ¢ seis “viagens", sendo que atualmente (segundo semestre de 1974) parece ser pratica abandonada. As pesso que néo experimentaram dcido alegavam ter medo das conse: giténcias. Sabiam de casos em que "surtos esquizofrénicos" nham sido desencadeados, alegavam que era muito forte, contratio da maconha, ¢ pouco conhecido. Algumas “viagen de pessoas do grupo foram consideradas bad trips, e isso imps sionou a maioria. No entanto, especificamente dois membre do grupo pregavam a utilizacao do écido como sendo fundam tal em termos de descoberta de si mesmo e do mundo. Dent do tema da autenticidade, o acido, segundo cles, abria po que permitiam "reavaliar vocé mesmo e as coisas”. Eviden mente, isso causava forte fascinio em muitas pessoas, Todat nem todos se impressionaram e, pelo contrario, passaram # aparecer. Alguns tinham chegado a experimentar fazer criticas a essa pregagao dos dois, que muitas vezes fo ‘quantidade no exterior, mas nao tinham adquirido criticados como chatos ¢ insistentes. Além disso, meio j devido is dificuldades de acesso. Além dos problemas mente, podiam ser considerados como estando "meio pira er considerado um negécio mais complicado & perigoso, a O tema da loucura, nessa época, comega a ser mais veiculado, uso de dcido causa um certo receio, ¢ duas ou trés ximas ao gri n Nowres & Anjos — um Estupo Somre Toxicos e Hienanguia Gusset Verno cocaina, devido a essas razées, é uma droga muito cara.?? Para adquirir-se o habito é necessario dispor de condigSes financei- ras bem superiores as necessarias para consumir maconha. Assim, hd um certo consenso de que s6 pessoas de mais posses podem dar-se ao luxo de consumir regularmente cocaina sem cair num proceso de aviltamento que caracterizaria o "viciado* como é representado nos érgaos de comunicagao de massa. ft in- teressante chamar a aten¢do para esse ponto. O raciocinio € 0 se- Oe ick ae a guinte: uma pessoa com poucos recursos que adquire 0 habito Bruits plo ¢ elastico. Ja no caso da cocaina, o seu consumo. da cocaina vai ter que se privar de outras coisas essenciais, vai , mais estrito e controlado. Oferecer uma “fileira de deixar de comprar roupas, vai alimentar-se mal, vai depender hs «ra uma manifestagdo de extremo apreco e generosidade, €m ocasiées muito especiais podia-se ver cocaina circulando de favores, empréstimos, vai degradar-se. Jé 0 individuo com al- a guns recursos podera consumir cocaina sem grandes exageros, rodas maiores. Em principio, era uma atividade que envol- sem deixar de vestir-se bem, apresentar-se limpo, bem nutrido um niimero mais restrito de pessoas, havendo uma contabi- ete. Nao aborreceré os amigos ¢ nem ficar4 importunando as Hace bem mais rigorosa. Cheguei a presenciar uma vez. um pe- pessoas com suas necessidades e angistias. Nao ha diivida d mno incidente, em que duas pessoas se acusavam de forma que, nesse grupo, muitas pessoas evitam a cocaina, na medid: ® muito sutil de estarem abusando uma da outra em se tra- em que possa representar uma ameaca a uma série de itens. hdo de cocaina. Isso jamais tinha aparecido em relagdo a ma- tamente valorizados, como apresentar-se bem, de forma est hha. Soube que, em outros grupos ¢ circulos, jé amizades ti- camente agradavel, mantendo uma certa independéncia. Entre im sido desfeitas ¢ brigas sérias ocorrido devido ao problema alguns, poderia manifestar-se uma certa inquietagao quand fegras de uso do "po", surgiam sinais de que alguém estivesse excessivamente “ligado A freqiténcia de utilizagao de téxicos apresentou nao s6 va- A cocaina, especialmente se fosse uma pessoa que nao estives ® no tempo, como grandes diferencas dentro do grupo. De numa boa situaeao financeira. Por outro lado, 0 uso da coc » tim Pequeno grupo de homens comeca a fumar maco- introduz certo tipo de problemas antes nao existente. A mac Pouco a pouco, o habito se difunde entre os outros. Alguns nha, sendo em principio relativamente barata, era utilizada hi regularmente, todo dia. Outros, apenas no fim de sema- uma forma altamente “comunitaria". Ou seja, embora fo (Os primeiros passam, depois de algum tempo, a fumar comprada, era normal dar-se uma certa quantidade. Individ © quando s6s, enquanto os segundos limitam-se a fumar que tinham mais facilidade ofereciam, e nas reunides ipo. Uma pessoa podia fumar diariamente, dando uma ou uma circulagao generosa, As pessoas pareciam se compr: gadas, ou poderia consumir um cigarro médio no decor | em partilhar a maconha. A propria maneira de fumar indice © dia. A maioria podia passar varios dias sem fumar, en- isso. Uma vez que se preparava um cigarro, este circulava lis {ins poucos poderiam apresentar sinais de aflicdo ¢ an- mente pelo ambiente, indo de boca em boca, “fazendo a lepois de um certo tempo. B importante lembrar que mpr sé facil encontrar o téxico, mesmo a maconha. Exis- ; - ocas de grande escassez, : J 29 © prego das drogas evidentemente apresenta grandes variagSes. Na’ bude a dae astonish ¢ cimento. | Se acne dan eae W niio tém controle sobre 0 fo . Bm certos Uns fumavam mais do que outros. Certas pessoas limita a dar uma pequena tragada, outras poderiam “nao estar @ ndo fumando naquele dia, enquanto alguns poderiam fi bastante. Ja se sabia que existiam diferencas em termos {uantidade fumada e, aparentemente, isso nfo causava maiores Preocupagses. Sem diivida, no caso dos maiores fumantes, havia uma certa preocupacdo de reciprocidade, mas 0 tempo 74 Nooass & Amos — uM Estuno Sonne Toxicos € Hienanauta 2 St E i ss st Giivrxto Verwo vendem téxicos como uma de suas atividades basicas, S40 os chamados ‘transeiros". Dentro do grupo estudado, trés ou qua~ tro individuos conheciam ou tinham contato direto com algum *transeiro’. Comprando.a mercadoria dele, serviam de distribui- dores dentro do grupo, revendendo sem lucro ou, em certos casos, dando pura ¢ simplesmente. Esses “transeiros” aparente: mente eram pessoas de camadas médias que desempenhavam essa atividade como forma de aumentar seus rendimentos de as salariados, Por sua vez, aparentemente, adquiriam os téxicos de ‘outras pessoas que dispunham de mais capital. Nao tenho maio= res detalhes sobre a organizagiio do mercado de téxicos, desde gute este néo era 0 objetivo da pesquisa. Quero ainda chamar atencdo para o fato de que essa ndo era a tinica maneira através da qual se podia comprar t6xico, No caso da maconha, especifi camente, alguns poucos homens do grupo poderiam ocasio: mente adquiri-la com favelados em locais situados perto do morros cariocas, em geral da Zona Sul, Essas operagdes eran conduzidas sempre com uma certa tensao, Embora nunca guém do grupo tivesse sido surpreendido pela policia, isso ji tinha acontecido com pessoas conhecidas, gerando portanto un clima de acentuada inseguranga. $6 alguns homens do grup participavam diretamente desses contatos. Havia um consen de que s6 individuos calmos, com iniciativa e “que nao desst bandeira’ deveriam participar. Ser surpreendido com m« quilo de maconha, com cocaina ou acido poderia dar vai anos de cadeia. E interessante notar que houve uma ocasiao eI que carro em que viajavam trés pessoas do grupo foi parad aa numa batida policial, Levavam no carro varios tipos de t6xi Participando de uma reuniao, consumir em quantidade mas antes de comecar a revista, com a apresentagao dos la, outros, no entanto, quase todas as mulheres € boa mentos de identidade, o carro foi liberado porque uma das p dos homens, nunca “cheiraram po", Estes alegavam que, s0as foi identificada como filho de familia poderosa ¢ infl © a maconha era inofensiva, a cocaina gerava depen+ Nao chegou a haver revista. Em duas outras ocasides, lt, 0 dcido, de qualquer forma, nao era algo para utilizagaio foram parados mas a revista nada registrou. Esses fatos cr Mt Semanal, 86 podendo ser utilizado com intervalos mais um clima de ansiedade, Certas pessoas eram acusadas de Jongos. Contra a cocaina alegava-se que o seu uso con: Poderia haver uma certa tendéncia de encarar como prova @oragem © sangue-frio andar ou dirigir tendo t6xico em ‘f Pc ou eno, estando sob oefeito de algum. Passar por Ua Ditida na cidade ou por uma barreira na estrada, stand muito louco’, se por um lado poderia despertar acusagSes de fre Tesponsabilidade, poderia, dependendo do contexto, aumentar § Prestigio do individu em pauta, como controlado, que sabe transar’ com fumo ou pé ete * Voltando ao problema da freqiiéncia da utilizagao de toxi verifica-se que 0 dcido era usado com uma certa cautela, As ss0as que chegaram a utilizé-lo mais de uma vez sempre 6 fa- fim com um intervalo de alguns meses. Em apenas um aso pa- € ler havido uma utilizacio em intervalos menores, mas is60 litante um periodo de permanéncia no exterior. Fazia parte do Dhhecimento do grupo a nocao de que o acido, quando usado M incontinéncia, poderia provocar “lesdes e alteracSes cromos- icas". Tsso causava preocupacao, especificamente quanto a os filhos. Nenhuma mulher, estando gravida, tomou Acido, A cocaina, como jé foi visto, é bastante cara. S6 umas pes- Consumiam-na regularmente, fora de ocasides especiais Mio festas, reunides etc. Na realidade, a partir de uma deter- ida Epoca surgiu uma espécie de subgrupo em que meia Hit tornou-se consumidora habitual de "po". Dependendo das onibilidades financeiras e do prego em vigor, estes pode: *cheirar po" diariamente ou duas ou trés vezes por semana, Wanto mais alguns poderiam ocasionalmente, quando esti. lo feria as narinas, além de desestimular o apetite, fazen- ss0as emagrecessem, ficando mais fracas e su- 76 Nomars & Anjos — um Estuco Sowne Téxicos ¢ Hienanquia Guvexro Verno da a dependéncia, 4 ruina financeira e 4 destruigdo do estilo de vida téo valorizado pelo grupo. Fica claro, portanto, que en- quanto a maconha era um fator bastante integrador, gerando um habito de que praticamente todos participavam, a cocaina produzia uma certa descontinuidade, marcando diferencas de opinido consideraveis. O écido jé tinha provocado algumas dife- reneas, como foi narrado, mas, sendo um t6xico de utilizacao menos freqitente dentro desse grupo, nao chegou a correspon- der, como a cocaina, a uma divisdo significativa. Ou seja, usar ou ndo a cocaina era uma op¢do cotidiana, ao contrario do. Acido. Alem disso, depois de algum tempo, quase todos concor. davam que 0 acid tomado em pequenos intervalos fazia mal, enquanto em relacao ao "pé" havia maior conflito de opinides, A utilizacao de téxicos nao significou que houvesse um. abandono das bebidas alcodlicas, mas uma reavaliagao. Assim que se considerava que a maconha combinava com vinho gelad — rosé ou branco. A maioria preferia ndo misturar, fumar beber ao mesmo tempo. Mas numa noite podia-se comecar b bendo vinho, depois fumar maconha e voltar novamente vinho. A cocaina combinava com uisque, havendo aparentemen- te menor preocupacéo em nao misturar. Embora, em get jagiio agradavel. Ninguém foi explicitamente pressionado, tenha havido diminuigao do consumo de bebida alcoblica, its quem ndo participasse poderia ter uma certa sensac&o de no significou um abandono. Os bebedores inveterados de ante eonforto como sempre pode acontecer quando alguém esti continuavam a tomar suas bebedeiras, embora mais raramen| Bea Fits em de'quate totes extn intaraasadae oc aa Houve 0 caso de individuos que afirmavam ter aprendido a gos: algo em comum. Depois de algumas rodadas © passado tar de vinho depois que comegaram a fumar maconha. Alén lim tempo, em meio a conversas amenas, alguns iniclantes disso, os refrigerantes passaram a ser mais apreciados, especial necaram a dizer que estavam sentindo coisas diferentes — Mente \o.guarand. Havia consenso de-que fumar saan ia lt certa dorméncia, sensibilidade auditiva, relaxamento mus- mulava a yontade de comer e beber coisas doces. Passou a ser BER Ob eeserision contirmsayain ja soo-eguliadnaie bitual ter em casa, permanentemente, uma certa quantidade d Be iain satistacdo ho ambience, as penadse esteveuae ek doves, desde os mais sofisticados até goiabadas, bananadas e alegres. Logo depois, uma das iniclantes comevou a tit Pesquisa, estava delineada uma divisdo bem nitida entre midores regulares de "p6’ e as outras pessoas. Isso nao tinha le vado a nenhum rompimento, mas parecia estar concorrendo para a formacdo de uma fronteira interna antes inexistente. t A maneira de utilizar cada toxico era bem diferente, No aso da maconha, quase sempre as pessoas eram “iniciadas! Auma reunido do grupo. Elas nao se reuniam para esse objetivo declarado, mas, principalmente nos primeiros tempos de intro- Wugdo do “fumo’, as reunides pareciam ter esse carater. Tive ‘portunidade de presenciar uma que pareceu especialmente in- leressante, pois, das 15 pessoas presentes, cinco estavam fu- Mando maconha pela primeira vez. Os mais experimentados preparavam os cigarros, davam as primeiras tragadas e passa- adiante. Bram dadas explicagdes didaticas de como tragar, ‘omo prender a fumaca etc. Alguns presentes nao fumavam tabaco, tendo maior dificuldade, mas eram carinhosamen- ajudados pelos outros. Os iniciantes poderiam dar demons- Hragdes de nervosismo, revelando preocupagao com suas possi- is reacGes, mas os veteranos procuravam acalmé-los, } Mfatizando que nada de mal ocorreria e que se tratava de uma Bm geral dizia-se que a maconha aumentava o apetite. O rio acontecia com a cocaina, de acordo com 0 grupo. Desestin lava o apetite, além de tirar 0 sono, Considerava-se que se d mia melhor depois de fumar maconha, As pessoas rejeitavam a cocaina Nosnes & Assos — uw Estup0 Soane Téxicos Hienanavia senso de que tinha sido algo bom e agradvel. Algumas pessoas diziam ter tido sensagdes pouco nitidas, e outros achavam que 86 tinham relaxado, nao sentindo nada além disso, De qualquer forma, tinham gostado. Os mais experimentados explicavam que, na primeira vez, era dificil aproveitar plenamente, que era preciso tempo para ir aprendendo. Pessoas que tinham fumado ha noite anterior pela segunda ou terceira vez confirmavam. isso, dizendo que jé fazia uma diferenga enorme em relacdo a sua primeira experiéncia. Um yeterano afirmou que, embora pudesse variar, e certas pessoas pudessem aproveitar desde a primeira vez, de um modo geral levava tempo para realmente poder apreciar os efeitos agradaveis. Portanto, havia um certo consenso de que fumar maconha correspondia a um aprendiza- do, com a absorgio de técnicas, com a maior habilidade em dis- tinguir sensagdes sendo progressivamente desenvolvida etc. Sobre isso, Jock Young (1971; 36-7), ao discutir diferentes teo- rias sobre os efeitos fisiolégicos da maconha, expée 0 seguinte raciocinio "Os usuarios regulares aprendem a experimentar o “bara: to", ¢ esse proceso de aprendizagem teria conseqiiéncias fisiolégicas. Em outras palavras, os niveis subjetivo e fisio- logico esto estreitamente inter-relacionados, ¢ os us rigs, no processo de alcangar 0 “barato", produzem tran formagées no seu préprio metabolismo. Essa nogao est proxima da reacdo traumética classica no individuo, ond ele sofre subjetivamente medo, ¢ esse medo se traduz, nivel fisiolégico, em descarga de adrenalina no seu fl sanguineo. Medo é um processo socialmente defini onde 0 estado subjetivo do individuo afeta seu metabo mo e, mais ainda, 0 medo, como 0 “barato", é experi tado pelo individuo como um estado subjetivo que é a maticamente substanciado no nivel corpéreo. Mas i com certeza, 6 apenas metade do processo. As drogas, sua propria natureza, afetam o metabolismo do indi Guasero Vewno Ges subjetivas do que esté acontecendo com ele. estou afirmando € que ocorre, no uso de drogas, um cesso bidirecional: a droga altera o metabolismo do duo, ele interpreta essas mudancas organicas em Encias subjetivas, reage de acordo com essas experiénelat € transforma o metabolismo jé alterado. Em resumo, a periéncia de drogas s6 pode ser compreendida em termos de uma dialética constante entre o estado subjetivo do in- dividuo e os efeitos psicotrépicos objetivos da droga.” No caso estudado, encontra-se uma situagdo em que cer [pessoas comegam a ser socializadas no uso da maconha, den: iro de um grupo, com a orientagdo de individuos mais experi nentados que nao s6 so capazes de transmitir técnicas, mas de \terpretar as sensagées fisicas que os iniciantes estao sofrendo, Como foi descrito, nesse grupo ha uma forte énfase de que esas. \c5es siio agradaveis. Trata-se de um aprendizado controla- por uma escala de valores que define o uso da maconha nao como um prazer, mas como um enriquecimento. Howard S, Becker (1963: 48-50) descreve com detalhes 0 ocesso de aprendizagem: "Mesmo depois que ele aprende a técnica correta de fumar, ‘© novato pode nao atingir o "barato", assim nao conceben- do a droga como algo que pode ser usado para o prazer (..) © que significa isso? Sugere que atingir 0 "barato” depende de dois elementos: a presenca de sintomas provocados pelo uso da marihuana e o reconhecimento pelo usuario desses sintomas ¢ de sua relagao com 0 sew uso da droga. Nao _ basta que os efeitos estejam presentes; sozinhos nao produ gem automaticamente a experiéncia de entrar no “barato”. O usuario deve ser capaz de percebé-los € eae arpa mesmo antes de ele ter essa experiéncia, com 0 fato de famar marhuana (1, © novat, ansiogo para ) sensagées, 80 Nopaes & Anjos — um Estuvo Sommer Toxicos & Hieranquia Giiezrto Verne ci possivel que ele localize esses sintomas entre suas proprias Sensagdes ¢ assinale “algo diferente" nessa experiéncia que ele pode remeter ao uso da droga. $6 quando ele consegue fazer isso é que atinge o "barato’. S6 quando 0 novato torna- se capaz de ficar no “barato", nesse sentido, é que continua- r4.a usar marihuana por prazer. Em todos os casos em que 0 uso continua, 0 usuario adquiriu os conceitos necessarios Pata expressar para ele mesmo o fato de que est experi- mentando novas sensacdes causadas pela droga. Assim, para continuar 0 uso, € necessério ndo apenas usar a droga para produzir os efeitos, mas também aprender a identifi- car esses efeitos quando ocorrem. Desse modo, a marihua- na adquire significado para o usuario como um objeto de prazer. Com experiéncia crescente, 0 usuario desenvolve uma maior apreciagao dos efeitos da droga; ele continua aprendendo a entrar no “barato". Ele experimenta de perto” experiéncias que se sucedem, certificando-se de que as an- tigas ainda estao la. Dai desenvolve-se um conjunto estavel _ de categorias que permite ao usuério, experimentando os _ efeitos da droga, entrar no “barato" com facilidade (...]. 0 mais experiente pode também ensinar 0 novato a regular com cuidado a quantidade que fuma, para evitar sintomas altamente desconfortaveis, preservando os agradaveis. Fi- nalmente, ensina ao novo usuario que ele “aprender a gos- tar depois de algum tempo". Ensinara a encarar aquelas ex. periéncias ambiguas antes definidas como desagradaveis, como prazerosas (...). Assim, uma pessoa nao podera come- Ssido participando de uma atividade, como certos rituals em so. Ciedades tribais, em torno da qual existe consenso por parte dé toda a sociedade. Pelo contrério, no caso da maconha, na socié: lade brasileira contemporénea, ha uma violenta diferenga de Spinido. Esses individuos vém de familias e freqitentam parte do tempo ambientes em que 0 uso de drogas é condenado e te- tnido como possivel causador de loucura, Logo estardo espremi- ios entre pelo menos duas concepedes conflitantes a respeito io uso da maconha. Assim é que se pode entender que, embora iia situacdo que descrevi a experiéncia tenha sido definida por fodos como altamente positiva, isso nem sempre se tenha dado. Bude constatar dois casos de mulheres que viveram sua experi. incia com maconha como muito ameacadora, demonstrando Redo de enlouquecer. Mesmo em outras situagées, pessoas po- fiam dizer que estavam diminuindo o “fumo porque nao an- ilavam de “cuca boa’. Em linguagem psicanalitica, poder-se-ia de superego. Prefiro, no entanto, frisar que, em se tratan- de uma sociedade complexa, existem diferentes concepedes Yersdes sobre o uso de drogas, e que as pessoas estudadas lilo expostas a essa divergéncia de interpretagao, podendo ter pmentos de oscilacao entre uma e outra. Por outro lado, nao Mata de uma simples divergéncia, mas de um confronto entre na visdo do problema que tem a sustenté-la a lei, a policia, 0 tuto de Estado em geral, e uma outra em situagao de ilegal , clandestinidade, pelo menos parcial, e com as dificuld ‘le implementacao dai decorrentes. Assim, a utilizagao da i onha pode provocar fortes sentimentos persecutérios, ¢ Gar a fumar marihuana por prazer, ou continuar 0 seu uso ecia nesse grupo com nitidez quando algumas pesseas, Por prazer, a nfo ser que aprenda a definir seus efeitos eas de crise individual, poderiam apresentar sinais agu- | como agradaveis ¢ na medida em que esta se torne e per de inseguranca, expressos em medo da policia, de serem mane¢a um objeto que seja concebido como capaz de pro ndidas etc, O discurso psicanalitico, mais uma ver, po- duzir prazer." falar de culpas gerando comportamentos parandides, O- ae J Parece claro é que, mesmo que exista um sistema de va: E evidente, entéo, a importancia do papel do grupo. Ni 8rUpo que sancione € valorize 0 uso de téxicos, isso ndio medida em que ha uma definicao positiva da maconha, os sin vinda de outras dreas, grupos ¢ dominios. tomas serdo interpretados como agradaveis. entanto, r ct uma série de problemas no caso investigado, As pessoas 82 Nones & Anjos — um Fstun0 Souxe Toxicos © HteKaxauia eles participam e vivenciam em termos biograficos. Dessa forma, existencialmente, carregam essas contradigdes que acar- retam um inevitavel grau de tensdo e desgaste emocional. O grupo estudado esta longe de ser impermeavel. Isso se da nao s6 Porque seus membros tém networks mais ou menos extensas, tendo encontros ¢ atividades diversificados no trabalho, no con- tato com as familias etc., mas porque o grupo esta fortemente orientado para simbolos da cultura dominante. O estilo de vida descrito tem como uma das vertentes principais um certo tipo de consumo de Iuxo associado a um “aristocratismo’ que se ex: ptessa, por exemplo, na valorizagao das familias de origem. Nao se trata, portanto, de um grupo com fronteiras rigidas, receben-_ do o impacto de influéncias externas contrérias, mas sim da co- existéncia, dentro do préprio grupo, de concepgdes divergentes que se traduzem concretamente em contradiges que sio vivic das, pelos seus membros, em termos biogrdfico-existenciais, Nao ha ditvida de que internamente, durante o periodo da pes: quisa, a valorizagao dos t6xicos, especialmente da maconha, er um dos temas basicos. & preciso, no entanto, nao perceber i como monolitico e acabado. Isso fica claro quando se examin: as diferengas internas quanto ao uso do dcido e da cocaina, O discurso utilizado pelas pessoas que recusam 0 uso regular des ses téxicos se apropria de categorias do discurso da cultura minante, que condena o uso de t6xicos em geral, inclusive dé maconha. Assim é que aparece o medo da Joucura, o risco da aut todestruigdo etc. A utilizagio do dcido ¢ da cocaina oferecia caracteristic bem diferentes em relagéo da maconha. Em primeiro eram consumidos, quando em grupo, com menos pessoas reun das, O dcido, na medida em que era considerado como menos nhecido, exigia a presenga de uma pessoa com um minimo dee periéncia para ajudar em caso de necessidade. A ajuda co sistiria em conversar com a pessoa, procurando interpretar a sensages para evitar panico ou angiistia excessiva ou momento em que fosse necessério cortar a “viagem’ Saas Guero Verno dor € que, enquanto com a maconha as pessoas poderiam sar horas “sobre bobagens", tendo didlogos que eram dos engracados, divertidos ou mesmo iguais ao do cot caso do Acido, muitas vezes ou geralmente o individuo que va viajando falava pouco ou mesmo nao falava. B claro que, em termos de sociabilidade, isso tem conseqiiéncias. O uso do acido era mais individualizado, menos partilhado e participado. As pes soas poderiam ter sensacdes juntas, como ouvir misica ou mesmo relagdes sexuais, mas a comunicagao verbal era restrin- gida. Normalmente, duas ou trés pessoas tomavam écido juntas, podendo excepcionalmente, como no fim de semana que descre- vi, um grupo um pouco maior fazer a ‘viagem”, Mais uma vez, Jembro que o acido nao criava uma forma rotineira de sociabi dade, como a maconha, devido ao seu cardter considerado peri- oso. A maconha poderia ser uma atividade cotidiana, enquanto © Acido sempre se revestia de um cardter de excepcionalidade, ra um acontecimento. Enquanto a maconha, com 0 passar do tempo, de um modo geral,, era consumida com muito menos ten- flio, o uso do acido sempre criava uma atmosfera obviamente arregada, em que os participantes da viagem, pelo menos nas ares, € as outras pessoas que pudessem estar presentes nonstravam ansiedade e nervosismo. Enquanto durasse a gem, havia a possibilidade de alguma coisa nao dar certo. com dcido considerada particularmente ruim. A pes: comecou a apresentar sinais do que foi definido pelos amigos mo catatonia. As horas se passavam e o individuo em p do dcido foi ultrapassado de mui intes pareceram, de inicio, ndo fazer efeito, B de 48 horas o efeito pareceu comecar a diminuir. A Sens sonics ciicas ultrapassado ee Nownes & Ansos — um Estupo Sopne Toxicos 5 Hiranquia com caracteristicas esquizéides deveriam ter cuidado e evitar 0 Acido. Assim, a utilizagdo dessa droga foi sendo cada vez mais de- finida pelos membros desse grupo como perigosa e arriscada, Nao chegou a ser rejeitada, em principio, mas a maioria preferia evité-la, embora alguns continuem colocando a importéncia da experiéncia, que “valeria qualquer risco" que seria exagerado pelo “medo das pessoas" Como jé foi mostrado, o prego da cocaina colocava limites para a sua utilizacdo “comunitéria” como no caso da maconha, E interessante que nos primeiros tempos de utilizagao de "pé’ nesse grupo ainda houve quem tentasse utilizar 0 mesmo pa dréo da maconha em termos de doacées, reciprocidade m elastica etc. Isso no entanto foi rapidamente ultrapassado, A ¢o= caina normalmente era utilizada ou individualmente ou em pe quenos grupos, Era freqiiente, numa reuniao com uma diizia de amigos presentes, por exemplo, que dois ou trés se afastasse! para um outro cémodo, sem dizer nada, e la, possivelment com a porta fechada, preparassem e consumissem suas “filei de po". As conversas sobre cocaina, combinacées, compra venda, troca, planos de utilizagdo, eram feitas de forma mi restrita e exclusiva. Como a sua utilizacdo poderia ser bem mais regular do que a do Acido, quase cotidiana, poderia colocar até como alternativa, em certos casos, a maconha. Assim é qu se na maioria dos casos as duas eram consideradas como ol tos paralelos, em outros casos poderiam ser consideradas com excludentes. Certos membros do grupo, sem divida minoi passaram a trocar 0 “fumo" pelo "pé". Enquanto a maioria ut zava a maconha, basicamente, podendo ow néo vir a “c po’ com maior ou menor regularidade, trés ou quatro pessoas numa certa época, adotaram a cocaina como 0 “seu toxico". teressante que essa idéia poderia surgir — a de que cada pes: deveria descobrir o seu t6xico e que isso fazia parte essencial d processo de utilizagao de drogas.*” 5 tnteressante coraparar como ritual de uimbanda, descobrir 0 seu orixd. Ver Maggie, 1975, Giserro Verio Estou fazendo uma diferenciaggo em termos de t6xicos mais ou menos "comunitérios", acompanhando a preocupagio de Jock Young.*! £ preciso lemibrar que a maconha, embora fosse a mais “comunitéria’, mais partilhada, no deixava por isso de ser também consumida individualmente, como sera visto nos depoimentos. Em alguns casos, fumantes regulares de tabaco diminuiram muito o seu consumo tradicional e utiliza- yam maconha no dia-a-dia, s6s ou acompanhados. claro que, ‘¢m termos de ntimero de cigarros, havia grande diferenca. En- quanto, em termos de tabaco, uma pessoa em média podia ter 0 hibito de fumar pelo menos um maco de cigarros com ou sem filtro, dificilmente alguém fuma mais de um cigarro de maco- ‘Wha diariamente. Assim, quero frisar que a maconha, tendo for- #§ caracteristicas de experiéncia de grupo, passa também a ser ltilizada por parte dos individuos quando sés. No entanto, quan- lo 0 grupo se retine, *fumar juntos’ é uma das atividades, nao havendo equivalente tao geral em termos de outros téxicos, 10 “cheirar pé juntos". Enquanto 0 uso de maconha parec proximar as pessoas em geral, 0 dcido e a cocaina poderiam car fronteiras internas e descontinuidades. Quando indivi- 0s se juntam para utilizar cocaina, em principio estao excluin- i alguém com quem nao querem compartilhar. ‘Trata-se entZo uuma atividade mais reservada e fechada. Criava-se uma certa iréola de mistério e esoterismo em torno do “po” que era subli- ida pelo seu preco. Agora, para concluir este capitulo, pretendo mostrar, atra- iy da transcrigdo de trechos de entrevistas, como as pessoas e grlipo expressam sua vivéncia com t6xicos. Foram selecio- depoimentos de individuos que dentro do grupo desem- sem papéis bem diversificados em funcao de diferenca ), trabalho etc. _ 1. *Minha vida se transformou com o uso de t6xicos, espe- jente com © dcido, Ampliou os limites de minha cabega. 85 86 Nowass & Anjos — um Esrupo Sosme Toxicos © Hienanquial Agora sei até onde posso ir. Tomei dcido a primeira vez em Paris, h uns dois anos. Maconha, fumo ja hé trés anos. Foi um viagem muito séria em Paris, Fiquei oito horas viajando. Tomé com um amigo que ja tinha experiéncia. A conversa era uma loucura, dificil de reconstituir. As sensacdes também. De v em quando, tinha idéias muito fortes, violentas, como a de qui minha mulher estava no Rio. Fui ao cinema viajando, tive q sair no meio ¢ voltar para casa com outro amigo. No saguao dé cinema comecei a chorar. Chorei muito no taxi. Em casa, tomel dois calmantes para cortar, melhorando aos poucos. Depo disso, fiz outras viagens sem problemas, sem maiores grilos. muito bom porque dé clareza, dé um autoconhecimento. Pared anilise, pelo que sei, porque nao fago. Acho que uma certa época de minha vida fui um alco6lg tra. Agora estou de novo bebendo muito porque a minha vid esta complicada, a cuca anda ruim, Acho que o alcool divide, ef quanto o téxico, especialmente 0 Acido, é uma coisa integ Quando bebo, constantemente me esqueco do que fiz, enqt to com os t6xicos sempre me lembro de tudo, embora nao sej facil reconstituir verbalmente as sensagdes. Fumo (maconh todos os dias, em quantidade regular. As vezes ja acordo fumal do, *P6"é mais dificil porque € mais caro, uso irregularment assim como de tempos em tempos tomo um Acido." ‘A mesma pessoa, um ano depois dessa primeira entrev ta, dizia que: “Acho que sou a pessoa que conhego que mais consome t xico, Desde que voltei da Franga, ha uns trés anos, s6 deixei d fumar dois dias, quando fiz uma operacdo. Varios amigos n fumam mais, s6 cheiram "p6'. Acho em geral 0 pé mais fo ‘embora tenha gente que acha que 0 fumo enlouquece a cabeg enquanto o pé é uma coisa fisica forte, Nao concorde. Bu jé sentimentos persecut6rios tomando Acido, Agora, reg ‘mesmo, $6 transo pé e fumo. Ainda bebo muito, principalmen vinho rosé. ertura, Fumo sem grande regularidade, geralmente em | semana com amigos. Jé fumava quando sai do Brasil em 170, Experimentei acido na Europa. Nao quebra nada dentro” ‘yocé, pelo contrario. Acho ruim as pessoas que vivem em ma de fumo, no conseguindo conversar, perdendo o interes: em outras coisas. Acho péssimo, Eu fumo, mas isso é s6 uma isa de minha vida. Acho bom, é uma coisa boa que eu posso , Nunca usei ¢ ndo quero usar po. Nao vejo nenhuma. 3. ‘Fumo maconha ha uns trés anos, ja tomei pé, fiz algu- viagens com acido. Atualmente, fumo quase todo dia, soem casa, me fecho no escritério, ligo 0 ar-condicionado e sndo um charo. Parece anillise, ¢ mesmo doloroso as vezes, vocé fica menos dependente se compara com as pessoas * fazem anélise, Lembro de coisas incriveis de minha infan- | sensagSes, emocdes. Atualmente, fico a mil, agitadissimo, jssimo. Quando comecei a fumar, achava que embotava, lesiava, acho que depende do estado de espirito. Atualmen- me estimula. Se as pessoas que controlam o poder experi: \ssem t6xicos ndo poderiam continuar a repressdo, porque ram fascinadas pela experiéncia, pela sensagéo. E uma to incrivel 0 téxico que elas teriam que rever suas posi- |. Fico fazendo fantasias quando fumo, nao a respeito de pessoal propriamente, mas sobre o trabalho, os filmes. J bad trips com acido — uma vez foi muito violenta, era a pri- sira, a experiéncia foi muito forte, mas outra vez, em Cabo. foi pior. Era tudo intenso, demais mesmo, as cores, a sen- ‘de medo, de abandono, lembrancas intensas de infancia. p medo e fascinio, Nao me amarro muito em pé. O fumo é principalmente quando voce est em grupo, com amigos. ora gosto também de fumar sozinho. £ diferente, outra, 88 Novnss & Anios — um Estus0 Sose Toxtcos 2 Himnaxavia Giisero Vero sentidos mais desenvolvidos. Abandonei o emprego, que passei juda a reagir, a superar os preconceitos ¢ tabus que meteram a achar uma caretice. Com a indenizagao, vivi uns trés meses. ha tua cuca. No meu caso, foi mesmo uma revelagao. Foi tho Descobri 0 corpo, os sentidos. Ia tomar banho de mar a noite, forte que passei algum tempo sem conseguir definir 0 que esta podia passar a tarde deitado na grama do Parque da Cidade, to- va se passando, eu, que sempre fiz isso. Percebi aos poucos que cava bongé. Vivi os meus sentidos. Tive depois uma fase de estava entrando em outra, as coisas que antes me pareciam to. medo, achava que ia ser preso, vivia apavorado. Diminui 0 importantes ficaram meio vazias. importante era descobrir- ritmo, passei a fumar menos, mas fumo sempre regularmente, ie, sacar as pessoas e vocé mesmo. Vivi meio afastado durante embora em menor quantidade do que no comego. Fui entao algum tempo, viajei. Quando voltei para o Brasil, era como se para a Europa. La tomei acido com um amigo, Ja viajei ao todo. visse as coisas pela primeira vez. Refiz a minha vida em todos 08 quatro vezes. Ba sensagéo de fumo 20 mil vezes mais e com: fiveis — afetivo, profissional etc, Resolvi fazer anélise também sensagdes diferentes. B como comer misica, ver misica. Ex “@acho que as coisas se juntaram. Se o analista ndo é um precon- cerbagio de sentidos © associagdes. Grande capacidade de ceituoso vai aceitar a tua transa. No meu caso, as duas coisas sacar as coisas, perceber situagdes. Nao traz nenhuma revela- ‘sempre andaram juntas. O fumo ajudou a minha capacidade de 40, ao contrario do que esperava. Confirma as coisas. B uma “Introspeceao, ¢ 0 Acido foi mais forte ainda. Esse material eu le- experiéncia rica, confirma mas enriquece, Considero-me em 'Yava para a anilise. Era rico e cheio de intuigdes. Transei muito quecido com os t6xicos. Acho que tive uma fase de dependén- Acido. Agora, ha muito tempo que nao viajo. Nao é coisa para cia com o fumo, mas superei. Hoje, fumo quando quero e se ‘fazer sempre. Fumo sempre, mas nao na mesma quantidade de nao puder nao fico angustiado. Cheirei pé duas vezes, mas foi {im ano atrés. P6 é uma coisa que da muita lucidez, clareia a ca- muito ruim, tive down e ndo quero me envolver com pé, pois co» beca, mas te excita muito. Vocé pode ficar dias sem dormir, se nhego pessoas que vivem num esquema de dependéncia. De ilo controlar a quantidade. Eu ndo me considero viciado em qualquer forma, gostei de ter experimentado, mas nao me inte-_ jsa alguma. Faco 0 que gosto e se ndo puder naquela hora, na- resso muito. Acho que o meu down foi porque exagerei a quan ele dia, néo vou morrer por causa disso. Tem gente que se tidade, nao sabia ainda dosar. Devo ter exagerado. JA trepei lira em uisque, ser que é um viciado? E claro que nao. com fumo varias vezes. Quase sempre foi muito bom. Jé com “Agora, eu acho que o téxico é enriquecedor, te ajuda a descobrir 4cido nao deu, brochei. Acho que tem mais coisa a ser dita Is que 0 alcool nao da. Como eu disse, ajuda a te situar em sobre dcido. Tive uma fase em que achava nao ser possivel 108 de corpo, de sexo, de sentidos, Vocé se sente mais com- mais distinguir meus projetos de minhas fantasias. Com o fo, mais assumido, sem medo do teu préprio corpo. Ja tive Acido, voltei a ter nocao de que tinha um certo controle sobre Ipas de transar t6xicos, é aquela educa¢ao crista, militar que minha vida. Deu-me mais perspectivas sobre minhas possibili tive. Hoje superei isso ¢ vivo trangiiilo, sem maiores preocu- dades de atuacao. Antes, passei por um perfodo em que vit ges de ter que estar sempre provando coisas, que voce & sob a influéncia de leituras orientalistas, livros zen e Herm € competente ete.” Hesse. Acreditava num ritmo natural das coisas e me colocavi num papel passivo. O écido mudou tudo. Percebi que eu ti 6, "A maconha estica o tempo, Quando volto do trabalho, controle maior sobre as coisas." pois de um dia estafante, é muito dificil desligar e comegar a de. renents: Deveobss que, epee de ee Bicone Fe “0. sting fa dd = nogto de, adtoginiai ee ceb xo © me it sua androginia, & uma experiéneia: 90. Nownes & Anjos — um Estupo Sosae Toxicos © Hierangul tempo rende muito mais, os minutos demoram mais a pasar, claro que € a sensagao que passa. Ajuda meu trabalho. Isso quer dizer que 6 possa pintar depois de fumar, mas que o fu ajuda a relaxar, a perceber melhor as coisas, a me descontrair, me soltar.” 7. *Comecei a fumar com os amigos. Tinha alguma © sidade e, quando 0 pessoal comecou a fumar, ndo vi motit para nao experimentar também. No comego era uma coisa sem gtaca, era engracado ver os outros fumando, ver suas r des. Aos poucos fui aprendendo a fumar, a sentir melhor ai sensagées. Aprendi a gostar de fumar. E uma coisa boa, trangii lizadora, as vezes ajuda a perceber melhor as pessoas © as sas. Nunca fui de fumar desesperadamente. Sempre fumo €0 alguém, geralmente em grupo. Sozinha acho meio sem graj Eu dou muita bandeira. Fico logo com os olhos vermelhos, ¢ pessoas riem. Também nfo gosto de fumar muito porque fi com muito sono e escorno logo e acabo nao podendo convers ‘com as pessoas. Geralmente dou trés ou quatro tragadas, no mi ximo. P6 e Acido, nem pensar. Nao é a minha." Verifica-se que nao existe consenso, conforme ja sido dito, em termos do tipo de téxico ¢ da forma de utilizag No entanto, todos enfatizam o uso de téxico como uma form de conhecimento, inclusive de autoconhecimento, alguns { zendo analogia com a anélise. H4 uma razodvel énfase nas m dangas sofridas a partir da descoberta do toxico, falando-se clusive em alteragées de personalidade. A maconha é semj vista como altamente positiva, enquanto o acido e a c podem ser encarados com desconfianca ou mesmo com me Portanto, em torno da maconha constr uma unidade, aparecendo as diferengas nos outros t6xicos, certos depoimentos, ha uma grande insisténcia em torne reptidio vigoroso a categoria "“viciado’. Aparece com crenea de que o t6xico tem propriedades intrinseeas que Dunerro Veuno B interessante refletir um pouco mais sobre 0 prol iséncia de consenso existente dentro do grupo a respeito di \¢do de determinados téxicos. Durante um perfodo de iticamente todos os membros do grupo consumiam maconhi, bora em proporgdes e quantidades muito diferentes. O pro- 0 foi iniciado por alguns homens, difundindo-se depois para sto das pessoas, homens e mulheres. O uso de t6xico serviu estabelecer fronteiras. A categoria careta refere-se aos indi- luos que ndo utilizam, tém medo ou preconceito em relagao t6xicos. Tem implicagSes mais amplas, na medida em que jete a uma visio de mundo, a uma atitude diante da vida. A careta é enquadrada, presa a horarios, convencional, mo- ia. Mas sempre existiram diferengas internas as pessoas que ilizavam t6xico. © marginal poderia usar téxico, assim como a yrada, 0 conjunto de individuos que, embora usando t6xicos, ham um estilo de vida contrastante como 0 do grupo em |, na medida em que podiam ser sujos, ignorantes ou mesmo ‘camadas sociais mais baixas. Bxistiam outros grupos que m considerados mais préximos — pessoas finas, artistas, inte- is ¢ individuos de status social mais elevado, cuja escala de ores ¢ estilo de vida seriam, em principio, compartilhados. 4s © aparecimento de cocaina provoca alteragées dentro do Ho grupo. Aceita-se a experiéncia com o “pé", mas rejeita-se bilidade de sua rotinizacdo, principalmente depois de ex- jas menos bem-sucedidas por parte de membros do gue causaram uma forte apreensdo e temor na maior 'das pessoas. Os individuos que insistem na sua utilizagao € issam a “cheirar p6" diariamente vao ocupar uma posigao al dentro do grupo. Comecam a ser considerados “muito s', pode-se achar uma certa graca no seu comportament fii se diz que estio “obcecados pelo po" e chegam, fi 4 ser definidos como pessoas que *querem se des doente sung com toda a énfase, e inclusive pode sm comegar a incomodar, 0 sett >, de certa forma, cons» Nopnes & Anjos — um Estupo Sosre Toxicos + Hirnangui (1971: 82) j4 chamara atengao para esse problema quando, refe- rindo-se ao caso inglés, disse: “Assim, para o britanico adulto de classe média, o bebedor: social é 0 papel normal para tomar alcool, enquanto o al- coélatra é 0 papel desviante. Para seu filho boémio, por: outro lado, fumar marihuana pode ser a atividade psicotr6- pica normal, e o uso de heroina, o papel desviante. 0} seja, tanto a cultura “careta’ como a hippie tm um concei- to do usuario de drogas ‘doente’*. Ou seja, nesse grupo continua existindo uma série de pre= missas e valores da cultura dominante. O problema é saber se so acionados pelos mesmos motives. Continua presente umi nogdo de normalidade, de satide e de doenga que, por mais q tenha tido alterada a sua amplitude, marca 0 discurso do uni verso. Usar maconha é uma atividade aceita e definida cor normal, experimentar ou usar irregularmente cocaina € aceito € pode ser valorizado. Mas 0 uso intenso, cotidiano, incomoda pode aparecer como desvio. Isso, conforme ja foi analisado prende-se a alguns valores basicos do grupo. Tudo que poss por em cheque o ideal de uma vida voltada para o desfrute um consumo requintado, de um comportamento de "pes fina" pode ser pernicioso. Segundo a hipétese de certos auto como Jock Young (1971: 134-8), 0 uso de toxicos provoca rea discriminatéria na medida em que ameaca 0 ethos da produtis dade e do trabalho.*? Ou seja, s6 se pode ter prazer depois de te pago um preco, um tempo x, uma qualidade y de trabalho, suo# O prazer seria uma gratificago merecida através do esforgo, € que incomodaria, portanto, nfo seria 0 téxico em si, mas a tura do téxico, que seria essencialmente hedonista, No caso estudado, encontram-se caracteristicas espect cas, como nao poderia deixar de ser. Trata-se de um grupo d Giiwerro Verno viante em relacio aos padrdes oficiais legitimados pela lei e Bstado. A sua atitude em relagdo ao trabalho é, de um jeral, de um moderado desprezo, a no ser que esteja ligado a0 jesses termos, no participa da vida social como um grupo vol- (ado para o trabalho, para a acumulacao financeira. Todavia a solidamente vinculado a um determinado tipo de consumo ‘que exige uma certa disponibilidade financeira. Os itens de con- jumo, as atividades valorizadas, as fontes de prazer podem in- Juir, entre outras coisas, como foi visto, viagens ao exterior, fre- ijientar restaurantes de luxo, vestir-se com um certo requinte, 4 uma casa bem decorada etc. No entanto, nao se enquadram, jeitamente no que Jock Young chamou de “cultura jovem onformista’.°3 Na sua hist6ria de relacionamento com as fami- de origem, isso fica bem claro com os diversos incidentes idos ao problema de trabalho e atividades profissionais. Gran- parte dos membros do grupo contrariava as expectativas dos | parentes etc, ndo tendo uma atividade regular, no exer- do a profissdo para a qual tinham se preparado, tendo gastos lerados irracionais, ndo poupando, nao aproveitando unidades de ganhar mais dinheiro etc, & interessante que, em varios casos, surge a acusagdo de “gastar mais do ganha". Assim, est4o tendo um comportamento que rompe \tosamente com a expectativa das familias, nesse nivel. Mas, \ma série de outras atividades, voltam-se para objetivos que de acordo com os padrées dominantes. A diferenga jiste em que os meios que so acionados para realizar esses esto muito distantes de um “ethos da produtividade". um exemplo disso: a ambigitidade da relago com as fami- ‘mitia que, através de empréstimos, presentes e doagdes, pessoas obtivessem bens do tipo televisiio em cores, a , que normalmente no poderiam conseguir com a auferida em suas atividades. Evidentemente, o cardter 94 Noses & Anjos ~ um Estupo Sonar Téxicos & Hiranauial sumo de t6xicos, de um modo geral oculto das familias de ori gem, No entanto, em um ou dois casos houve situagdes em que parentes souberam do uso de téxicos, provocando incidentes € mal-estar. As relagdes afetivas, casamentos mais ou menos in taveis, com ocasionais separagées, vida sexual destoando do padrées familiares em geral, fortaleciam a imagem de vanguar- da, associada a um nao-conformismo. Basicamente, o que afasta esse grupo de um conformi do tipo voltado para a produtividade ¢ a forte conotagao he nista de seu estilo de vida. O uso de toxicos enquadra-se ness panorama, sendo mais uma fonte de prazer e gratificacdo, alén de marcar o grupo como inovador, vanguardista, moderno "pessoa fina” que tem outros valores importantes a realizar e1 termos de consumo, simbolos de prestigio, status etc. Nesse tido, ndo estariam rompendo globalmente com objetivos imp tantes da cultura dominante. De certa forma, reelaboram meios para realiz4-los, aristocratizando certos tipos de consum enfatizando, no seu discurso, o seu carter inovador, vang um controle social dentro do grupo capaz de identificar desvia tes, manipulando categorias da cultura dominante como lo doente e até viciado. caPituLo 3 Formagao cultural e visdéo da politica m dos objetivos basicos da pesquisa foi perceber 10 as pessoas do grupo definiam e representavam a vida po- fica do pafs, como se colocavam diante dela, quais eram suas liniGes e posicdes basicas. grupo como um todo representava-se como progressis- Jinovador. Mas a maneira de especificar isso variava bastan- ‘oferecendo contrastes evidentes. A grande maioria falava de um passado quando havia in- Se ¢ participacdo politica. Quase todos os homens e algu- mulheres, ou como estudantes secundarios universita- j, 0 como membros da “classe artistica”, tinham participado ilicamente. Ou seja, atuaram em diretérios estudantis, 6r ‘de classe, participaram de passeatas, principalmente em: assinaram manifestos de protesto e reivindicagdes ete. Dé do geral, segundo seus depoimentos, foram deixando de idades a partir de 1969. Com a possivel excegéio de jerda". & interessante perceber o tempo passado do s, como ser posteriormente examinado, alguns afir- hilo ser mais “de esquerda’, Mesmo as mulheres que ti ouca ou nenhuma participagdo em tais acontecimentos, se como sendo ou tendo sido “de esquerda", Nesse se todos ocasiiio, Sea

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