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Grupos de Encontro Carl AR. Rogers Martins Fontes A pessoa em mudanga Os “grupos de encontra” constitvem talver o acontecimenta de mols rapide expansdo @ a mais poderose invancde social dos timos 100 anos. Pianairo da desenvolvimento des “grupos de encontre”, Carl Rogers traca a histéria da movimente, narranda em seguide a sual longa experiéncia de porticipagce nesses grupos; com numerasos exemplos que ojudam o lettor a compreender a fundamental importancia deste métode de peicoterapia coletive. 1 rico Aen thot horn fifo Phd ern GRUPOS DE ENCONTRO Titulo original; CARL ROGERS ON ENCOUNTER GROUPS. Copyright © by Carl Rogers, 1970 Copyright © 1978, Livvaria Martins Fontes Editora Lida., Sao Paulo, pare a presente edigao 8 edigio Jitnho de 2002 ‘Tradugao JOAQUIM L, PROENCA Revisio grafica Ligéa Sitea ligne Rodrigues de Abrew Producao grafica Geratdo Alves Paginacaio/Fotolitos Studio 3 Desenvolvimento Editorial Dados Internacionais de Catalogagio na Publicagio (CIP) a Brasiteira do Livro, SP, Brasil) Rogers, Carl R., 1902-1987, Grupos de encontro / Carl R, Rogers : tradugo Joaquim L Proengs. ~ 8 ed, ~ Sao Paulo : Martins Fontes, 2002, — (Psicologia ‘¢ pedagogia) ‘Titulo original: Carl Rogers on encounter grouns ISBN 85-336-1 588-4 1, Psicoterapia de grupo 2. Relagdes interpessaais 1. Titulo, TL Série 2.03 cop-188.2 Indices para catalogo sistema 1 Relugeainerpstous: Psicologia aplleada 1582 Todas os direitos desta edigio para o Brasil reservados a Livraria Martins Fontes Editora Ltda. Rua Consetheiro Ramatho, 3301340 01325-000 Sao Paulo SP Brasil Tel, (11) 32413677 Fax (11) 31056867 e-niail: info@martingfontes.com.br. luip:liwww.martinsfontes.com br Indice sfiwio IX 1, Origem e objetivos do movimento de grupos Origem 3 Modalidades e formas diferentes 5 Linhas comuns 7 O processo de grupo 10 Por que a rapida difusio? 17 Medo criado pelomovimento 13 Conclusdo 16 2. O processo do grupo de encontra 17 Fracassos, desvantagens, riscos 43 ] Conclusdo 49 3, Posso ser facilitador num grupo? 51 Contexto filos6fico e atitudes 52 Fungao da criagdo de ambiente 55 A aceitagado do grupo 57 Aceitagao do individuo 59 Compreensio empatica 60 Atuando segundo aquilo que sinto. 67 Conlrontagao e feedback 64 Expressdo dos meus préprios problemas 65 Evitar o planejamento e os “exercicios” 66 Evitar os comentarios interpretativos ou do processo 67 A potencialidade terapéutica do grupo 68 Movimento e contato fisico 69 Um ponto de vista de trés geragdes 69 Algumas falhas de que estou consciente 75 Um problema especial 76 Comportamento que creio nao facilitar o andamento deum grupo 77 Conclusdo 80 4. A mudanga depois dos grupos de encontro: nas pessoas, nas relagées, nas organizagoes 81 A mudanga individual 82 A mudanga na relagao 83 A mudanga na organizagao 84 Bases para estas conclusées empiricas 85 Um exemplo de mudanga individual 87 Exemplos de mudanga nas relagdes 92 Um exemplo de mudanga nas organizagdes 94 5. A pessoa em mudanga: como é expertenciado o processo 10T Ogrupo—e Ellen 107 As mudangas interiores 103 Amie bicho-papio 105 Ellen pensa na separagao 105 Coragem para falar—e escolher 107 Perturbagao 108 As profundidades 110 Declaracao de independéncia [12 O prego da independéncia 113 Medo da independéncia 115 Consegue afrontar o problema e sente-se grata 116 Outro golpe 118 Valera a pena o sofrimento do crescimento? 119 Alguns pensamentos como conclusio 1/9 Seis anos mais tarde 12] ConclusGo 124 6. A pessoa isolada e as suas experiéncias num grupo deencontro 125 A solidao interior 128 “O que eu realmente sou nao se pode amar” 131 Arriscando-se a ser 0 proprio eu interior 133 Conclusdo 136 N O que sabemos através da investigagdo 137 O processo do grupo de encontro 142 Resultados 146 Um estudo fenomenologico das conseqtiéncias 147 Comentarios 151 Consideragdes globais 151 O meu comentario 156 Conclusaio 157 8. Campos de aplicagao 159 Industria 159 Igrejas 162 Governo 162 Relagées raciais 163 Tens6es internacionais 164 Familias 165 O fosso entre geragdes 166 Instituigdes de educagdo 166 Projeto de transigao 170 9. Construindo capacidades facilitadoras 175 O programa de La Jolla 175 Filosofia e politica 176 Selegio 178 Preficio Elementos do programa 179 Relagées no regresso (Back-Home Relationships) 1 84 Conclusdo 184 10. Qual o futuro? 187 Algumas possibilidades 187 Implicagdes para o individuo 197 Significado para a nossa cultura 193 O desafio 4 ciéncia 195 Valores filosoficos 197 Conclusdo 198 Durante mais de trinta ¢ cinco anos, o aconselhamento individual e a psicoterapia foram o nucleo principal da minha vida profissional. Mas, desde ha aproximadamente trinta e cin- co anos, tenho experimentado, também, a forca das mudangas em atitudes e comportamentos que podem ser conseguidos num grupo. Desde entao, isto se constituiu um interesse para mim. Contudo, s6 nos ultimos sete ou oito anos se tornou num dos dois nucleos principais do meu trabalho — sendo 0 outro a necessidade crucial de maior liberdade nas nossas instituic¢des de educagao. Durante este ultimo periodo, escrevi artigos e fiz confe- rancias sobre as varias facetas do movimento crescente dos grupos de encontro. Fazem-me constantemente pergumtas So- bre o que acontece nos grupos, qual a minha maneira de traba- lhar, as implicagdes da totalidade do movimento. Assim, deci- di reunir para publicagao as conferéncias e artigos que fiz, juntamente com material novo escrito para este livro, na espe- ranga de que estimulem uma analise atenta e uma clarificagao das controvérsias relativas a esta inacreditavel corrente em expansao. Como todos os meus livros recentes, este ¢, claramente, um documento pessoal, Nao pretende ser uma analise didatica = Grupos de encontro do assunto, nem um profundo exame psicoldgico ou sociolé- gico dos grupos de encontro, Nao se entrega nem sequer a muita especulacdo sobre 0 futuro dos grupos de encontro, os quais, penso eu, sao uma for¢a suficientemente poderosa para dese- nharem as suas proprias ramificagdes futuras. Este livro foi escrito a partir da experiéncia viva pessoal, e aqueles cujas vidas se descrevem e cujas afirmagées se citam sao pessoas vi- vas e lutadoras. Espero que ele consiga transmitir a minha per- cepgao de uma das mais apaixonantes pesquisas do nosso tempo: a experiéncia intensiva de grupo. E espero que thes yenha a ajudar a familiarizar-se com o que é um grupo de encontro e o que ele pode significar. 1. Origem e objetivos do movimento de grupos O titulo pode parecer estranho. E evidente que houve e hayerd sempre grupos, enquanto o homem sobreviver neste planeta. Mas estou empregando a palavra num sentido particu- lar, o da experiéneia de grupo planejada e intensiva. E, em minha opinido, a invengao social do século que mais rapida- mente se difunde, e provavelmente a mais forte — uma inven- ) que tem varios nomes. Entre os mais freqiientes, -group (“grupo-T”), “grupo de encontro” e “treino de sensibilidade”', Por vezes tais grupos sao conhecidos como laboratérios de relagdes humanas, ou workshops de lideranga, educagdo ou aconselhamento”. Quando se trata de dependentes da droga, 0 grupo é freqiientemente designado por synanon, derivado da organizagao Synanon e dos métodos por ela utilizados. |. Conserva-se a expressio inglesa 7-group, usada correntemente em varias linguas, equivalente ao portugués grupo-T. Traduziu-se sensitivity trai- ning por treino de sensibilidade. (N. do T.) 2. Workshop & uma modalidade de grupo intensivo em que 0 objetivo ¢ geralmente expresso no titulo. Por exemplo: Body awareness and sense of being — weekend workshop. A tradugao literal de workshop seria oficina, mas as conotagdes dessa palavra nao parecem aconselha-lo, pelo que indiferente- mente mantemos a palavra inglesa ou a traduzimos genericamente por “grupo”. (N. do T.) ____ Grupos de encontro Um elemento que torna este fendmeno digno de estudo psicologico é o fato de ter crescido completamente 4 margem do establishment, do oficial. A maioria das universidades ain- da olha para ele com menosprezo. Até ha dois ou trés anos, as fundagdes e agéncias governamentais nao estavam dispostas a subsidiar programas de investigagao neste campo; as profis- sdes oficializadas de psicologia clinica e psiquiatria mantive- ram-se a parte, enquanto a facgao politica da direita esta con- vencida de que ele representa uma firme conspiragaéo comu- nista. Conhe¢o muito poucos movimentos que expressem tao claramente a necessidade e desejo das pessoas, mais do que os das instituigdes. Apesar das press6es contrarias, o movimento brotou e cresceu até infiltrar-se em todo 0 pais e em quase to- das as organizagdes modernas. Como é€ ébvio, ele tem implicagées sociais importantes. Uma parte do objetivo deste capitulo sera examinar algumas das razdes do seu crescimento surpreendentemente rapido e espontaneo, Estes grupos intensivos tém funcionado em intimeras situa- ges diversas. Tém sido realizados nas industrias, universida- des, instituicgées religiosas, nas agéncias governamentais, insti- tuigdes educacionais e penitencidrias. Uma espantosa quantida- de de individuos participou nesta experiéncia de grupo, Tém-se realizado grupos para presidentes de grandes corporagées ¢ grupos para jovens delingiientes e pré-delingiientes. Ha gru- pos compostos de estudantes e professores de universidades, de “conselheiros’’ e psicoterapeutas; de estudantes com dificul- dades escolares, casais, familias, incluindo pais e filhos; de dro- gados identificados, criminosos em cumprimento de penas; de enfermeiras, educadores, professores, diretores escolares, ge- rentes industriais, embaixadores do Departamento de Estado, e mesmo membros do servigo de impostos! A rea geografica atingida por este movimento em rapida expansado estende-se desde Bethel, Maine, até San Diego, na California, e desde Seattle até Palm Beach. Grupos intensivos Origem ¢ objetivos do movimento de grupos =: foram também conduzidos em outros paises, incluindo a In- glaterra, a Franga, a Holanda, a Australia e o Japao. Origem Anteriormente a 1947, Kurt Lewin, um famoso psicélogo do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, trabalhando com a sua equipe e com estudantes, desenvolveu a idéia de que 0 treino das capacidades em relagdes humanas era um importante mas esque- cido tipo de educagao na sociedade moderna. O primeiro, entao chamado F-group (T significando training, treino) foi realizado em Bethel, Maine, em 1947, pouco depois da morte de Lewin. Aque- les que trabalharam com ele continuaram a desenvolver os trai- ning groups, Os grupos de treino, nao so enquanto estiveram no MIT*, mas também, mais tarde, na Universidade de Michigan. Os grupos de verao em Bethel tornaram-se famosos. Formou-se uma organizagao, os National Training Laboratories, com escri- torios em Washington, e que desde entao e durante mais de duas décadas se tem constantemente desenvolvido. A primeira ten- tativa dos grupos NTL foi no campo industrial, atingindo admi- nistradores e diretores. Esta orientag4o foi a primeira a desen- volver-se porque a industria podia suportar as despesas desta experiéncia de grupo para o seu pessoal dirigente. j Inicialmente, os grupos adotaram como nome a designa- cio de/Fgroup. Eram grupos de treino das capacidades das relagd¢s-humanas, nos quais se ensinayam os individuos a obser- var a natureza das suas interagdes reciprocas e do processo de grupo. A partir daqui, sentia-se, eles seriam mais capazes de compreender a sua propria maneira de funcionar num grupo e no trabalho, bem como o impacto que teriam sobre os outros, © tornar-se-iam mais competentes para lidar com situagdes interpessoais dificeis. * Massachusetts Institute of Technology. eG GDA Nos FEgroups organizados pelos NTL para a indistria, e gradualmente para muitos campos fora da industria, verificou- se que os individuos viviam freqiientemente experiéncias pes- soais muito profundas de mudanga através da relagao de con- fianga e de interesse que se desenvolvia entre os participantes. Outra fase do movimento da experiéncia intensiva de gru- po desenvolvia-se pela mesma altura na Universidade de Chi- cago. Em 1946 ¢ 1947, imediatamente apés a Segunda Guerra Mundial, eu e os meus colaboradores no Centro de Aconse- Ihamento da Universidade de Chicago estavamos empenhados no treino de conselheiros pessoais para a Administragao dos Ve- teranos. Pediram-nos para criar um curso de treino, curto po- rém intensivo, que prepararia esses homens — todos com o grau de professor, pelo menos — para serem conselheiros pessoais eficazes no tratamento de problemas dos GI regressados. A nossa equipe sentiu que nenhum treino intelectual poderia pre- pard-los, por isso tentamos uma experiéncia de grupo intensi- va na qual os participantes se reuniam durante varias horas por dia, a fim de se compreenderem melhor a si proprios, de se tornarem conscientes das atitudes que poderiam ser causas de fracasso na relagao de aconselhamento, e de se relacionarem uns com 0s outros por formas que pudessem vir a ser de ajuda e que se pudessem transpor para o trabalho de aconselhamen- to. Era uma tentativa para ligar a aprendizagem experiencial com a cognitiva, num processo que tinha valor terapéutico para os individuos. Forneceu muitas experiéncias profundas e signi- ficativas aos participantes, e foi tao bem sucedida na seqiiéncia de grupos de “conselheiros” pessoais que, desde entao, a nossa equipe diretiva continuou a usar 0 processo nos grupos de verao. O nosso grupo de Chicago nao fez nenhuma tentativa para desenvolver esta direcdo, e merece ser mencionado tio-s6 porque as formas, de certo modo diferentes, representadas na experién- cia de Chicago se integraram gradualmente em todo o movimen- to que implicava a experiéncia intensiva de grupo. Os grupos de Chicago orientaram-se, fundamentalmente, para o crescimento Origem e objetivos do movimento de grupos — pessoal) desenvolvimento e aperfeigoamento da comunicagao e relagdes interpessoais, em vez de serem estes os seus objeti- vos secundarios. Tinham também uma orientagao experiencial e terapéutica maior do que a dos grupos originados em Bethel. Através dos anos, esta orientacdo para o crescimento pessoal e ierapéutico fundiu-se com o processo do treino de capacidades em relagdes humanas e ambos em conjunto formam o nucleo do movimento que se espalha hoje rapidamente por todo 0 pais. Os alicerces conceptuais de todo este movimento foram inicialmente, por um lado, o pensamento lewiniano e a psicolo- gia gestaltista e, por outro, a terapia centrada no cliente. Recen- temente, muitas outras teorias e influéncias tém desempenha- do o seu papel. Modalidades e formas diferentes A medida que o interesse pela experiéncia intensiva de grupo e pela sua utilizagio cresceu, se disseminou e multipli- cou, desenvolveu-se uma vasta gama de modalidades. A lista que se segue, com as suas breves frases descritivas, simplifica certamente demasiado a situacdo, mas pode fornecer alguma idéia da grande diversidade de aspectos que envolve. E-groups (grupos-T) — Como acima indicamos, tendia origi- nalmente a acentuar as capacidades de relagdes humanas, porém tornou-se de perspectivas muito mais vastas. Grupo de encontro (ou grupo de encontro basico) — Este pre- tende acentuar o crescimento pessoal e o desenvolvimen- to e aperfeigoamento da comunicagao e relagdes interpes- soais, através de um processo experiencial. Sensitivity training group (grupo de treino de sensibilidade) — Pode assemelhar-se a qualquer dos que estado acima. Task oriented group (grupo centrado na tarefa) — Largamente aplicado na industria, Centra-se na tarefa de grupo e no seu contexto interpessoal. 6 Grupos de encontro Sensory awareness groups, body awareness groups, body .2* movement groups (grupos de percepgdo sensorial, grupos de percep¢ao corporal, grupos de movimento corporal)’ — Como 0s respectivos nomes indicam, estes tendem a acen- tuar a percepgao fisica ¢ a expresso, através do movimen- to, danga esponténea e outras formas semelhantes. Creativity workshops (grupos de criatividade) — Aqui 0 nicleo é freqiientemente constituido pela expressao criadora, atra- vés dos varios meios da arte, sendo o objetivo a esponta- neidade individual e a liberdade de expressao. Organizational development group (grupo de desenvolvimento da organizagdo) — O objetivo principal é desenvolver a ca- pacidade de lideranga. Team building group (grupo de formacao de equipe) — Usado na industria para desenvolver maiores lagos de uniao e equipes de trabalho eficazes. Gestalt group (grupo gestaltico) — Baseia-se numa perspectiva terapéutica gestaltista, em que um terapeuta experiente se centra num individuo de cada vez, porém sob um ponto de vista diagndstico e terapéutico’. Grupo synanon ou “game” — Desenvolvido pela organizagao Synanon para o tratamento de drogados. Tende a utilizar um ataque quase violento as defesas dos participantes. Como complemento desta lista parcial, poder-se-iam men- cionar algumas das diferentes formas que se podem encontrar. Existem “grupos de estranhos” (stranger groups), compostos por indiyiduos desconhecidos uns dos outros. Ha grupos de ipo de experiéncias de grupo tem sido principalmente ensaiado e difundido pele Eoalen Institutesde lg Sur, Culifseniadindoi) 4. O grupo gestiltico e a terapia gestaltica foram introduzidos por Frederick Perl, Em Gestalt Therapy now (org. por Joen Fagan e Irma L, Shepherd), Science and Behavior Books. inc., Palo Alto, California, 1970, pode encontrar-se uma 05, téenicas ¢ aplicagdes da terapia ges- apresentagao recente dos aspectos ted taltica. (N. do T.) Origem e abjetivos do movimento de grupos membros diretivos de uma organizagao, pessoas associadas na vida diaria na industria, na educagdo, ou em tudo o que possa ser o seu local de trabalho. Ha grandes workshops ou labs (la- boratérios) nos quais alguns pequenos grupos podem ser con- duzidos simultaneamente, cada qual mantendo a sua propria continuidade, enquanto, freqiientemente, todo 0 workshop se junta para alguma experiéncia comum, tal como uma conferén- cia ou outra sessao tedrica. Ha também grupos de casais, nos quais os casais se retinem com a esperanga de se ajudarem uns aos outros a melhorar as relagdes conjugais. Um progresso re- cente é 0 “grupo de familia” (family group) em que varias fa- milias se juntam num grupo, aprendendo os pais com os pro- prios filhos e com os filhos dos outros e vice-versa. Depois, ha diferencas no elemento tempo. A maior parte dos grupos encontra-se intensivamente durante um fim de se- mana, uma semana ou varias semanas, Em alguns casos, as ses- ses de grupo realizam-se uma ou duas vezes por semana. Ha também grupos “maratona”, que se reinem continuamente du- rante vinte e quatro horas ou mais*. Linhas comuns O fato de se descrever simplesmente a diversidade neste campo leyanta, e muito a proposito, a questio de saber por que razio devem ser estes varios processos considerados como per- tencentes a um todo, Existe alguma linha comum a todas estas atividades e aspectos amplamente divergentes? A mim parece- ine que esto realmente ligados e podem considerar-se todos como convergindo na experiéncia intensiva de grupo. Tendem 5. Menciona-se de passagem que as nude marathons (maratonas nuas), nas (uuis as pessoas podem despir-se, tem tido uma enorme publicidade, embora vonstituam certamente menos de um décimo de um por cento das experiéncias intensivas de grupo. Bo Grupos de enconiro todos a ter certas caracteristicas externas semelhantes. Em qua- se todos os casos, 0 grupo é pequeno (de oito a dezoito mem- bros), relativamente nao estr' do, escolhendo os préprios objetivos e diregdes pessoais. Ainda que nem sempre, a expe- riéncia inclui freqiientemente alguma informacdo tedorica — qual- quer assunto concreto que é apresentado ao grupo. Em quase to- dos os casos a responsabilidade do lider é, em primeiro lugar, " a facilitagio da expressao. dos sentimentos ¢ pensamentos por parte dos membros do grupo. Tanto no lider como nos mem- bros, existe uma concentrag&o no processo e na dinamica das interagdes pessoais imediatas. Sao estas, segundo creio, algumas das caracteristicas de identificagao mais facilmente reconheciveis. Ha também certas hipoteses praticas que tendem a ser co- muns a todos estes grupos, e que se podem formular de varias maneiras. Eis uma formulacao: Um facilitador* pode desenvolver, num grupo que se reine intensivamente, um clima psicologico de seguranga no qual a liberdade de expressio e a redugao de defesas progressiva- mente se verifiquem. Em tal clima psicolégico, muitas das reagdes imediatas de cada membro em relagao aos outros, e de cada membro em re- lagao a si proprio, tendem a expressar-se. Desenvolve-se, a partir desta liberdade mutua de expres- © sar os sentimentos reais, positivos e negativos, um clima de con- fianca mtitua. Cada membro caminha para uma maior aceitagdo do seu ser global — emotivo, intelectual e fisico — tal como ele é, incluindo as suas potencialidades. Com individuos menos inibidos por rigidez defensiva, a possibilidade de mudanga em atitudes e comportamentos pes- * Por vezes chamado lider, animador ou treinador (trainer), Rogers designa- o geralmente por facilitador. Por isso se manteve a tradugdo “facilitador”, pouco corrente na nossa lingua, mas que é para Rogers a pessoa que cria condigées para que s¢ desencadeiem ¢ se desenvolyam os processos de crescimento da pessoa, do grupo ou das organizagées. (N, do T.) Origem e objetivos do movimento de gnipos Bes soais, em métodos profissionais ou em processos e relagdes administrativos, torna-se menos ameagadora. Com a redugao da rigidez defensiva, os individuos podem ouvir-se uns aos outros e aprender uns dos outros, em maior escala. Ha um movimento de feedback* de uma pessoa para a outra, de tal modo que cada individuo aprende de que maneira € visto pelos outros e que efeito tem nas relagdes interpessoais. Coma maior liberdade e 0 aumento de comunicagao, emer- gem novas idéias, novos conceitos, novas diregdes. A inova- cao pode tornar-se desejavel, em vez de ser uma possibilidade ameagadora. Esta aprendizagem da experiéncia de grupo tende a trans- por-se, temporaria ou mais duradouramente, para as relagoes. com cOnjuges, criangas, estudantes, subordinados, colegas ¢ Embora esta descrigao dos aspectos basicos da experién- cia se adapte provavelmente 4 maioria dos grupos, aplica-se menos em situagdes como a terapia gestaltica, e noutros gru- pos em que o lider é mais ativo e mais manipulador. Deve notar-se que 0 estilo do lider e os seus proprios con- ceitos do processo de grupo tém grande importancia na condu- gao da experiéncia de grupo. Contudo, tem-se verificado que, hos grupos sem lider em que os individuos simplesmente se en- contram intensivamente, sem ninguém a quem se chame facili- tador ou lider, o processo que ocorre é semelhante 4 descricao dada. Por isso, deve dizer-se que as suas variagdes dependem, a maior parte das vezes, do estilo ou ponto de vista do facilita- dor ou lider. * A palavra feedback é geralmente utilizada neste sentido para significar lo que uma pessoa provoca nos outros, Fornecer feedback ¢ exprimir a outro a maneira como o estou percebendo e sendo afetado por ele. O termo é usado em cibernética e tem sido incorporado pelas ciéncias humanas ¢ biolé- jricas. (N. do T.) wo i aes Grupos de encontro O pracesso de grupo No capitulo seguinte tentarei dar uma imagem um tanto pormenorizada do processo de grupo, mas aqui sera mais apro- priada uma visao breve e geral. Devido a natureza nao estruturada do grupo, o maior pro- blema que se apresenta aos participantes € a maneira como vao passar o tempo juntos — quer sejam dezoito horas de um fim de semana, quer quarenta ou mais horas num grupo de uma semana. Freqiientemente existem, a principio, surpresa, ansie- dade e irritagao sobretudo devidas a falta de estrutura. Somente aos poucos se torna evidente que o objetivo principal de qua- se tode membro é encontrar caminhos para a relagao com os outros membros do grupo e consigo proprio. Depois, a medida que, gradualmente, por tentativas e timidamente, exploram os sentimentos e atitudes de uns para com os outros e para consi- go préprios, torna-se cada vez mais evidente que 0 que mostra- ram a principio eram fachadas, mascaras. Somente com muita cautela emergem sentimentos verdadeiros e verdadeiras pes- soas. O contraste entre a concha exterior e a pessoa interior tor- na-se cada vez mais claro 4 medida que as horas passam. Pou- co a pouco, constrdi-se uma sensagdo de comunicagio auténti- ca, e a pessoa que até entao esteve isolada dos outros mostra um pouco dos seus verdadeiros sentimentos reais. Habitual- mente, a sua atitude é a de que aquilo que verdadeiramente sen- te deve ser completamente inaceitavel pelos outros membros do grupo. Para seu espanto, descobre que é tanto mais aceita quanto mais verdadeira se torna. Freqiientemente, receiam-se os sentimentos negativos em especial, quando cada individuo jul- ga que a cOlera ou o citime nao podem, provavelmente, ser acei- tos pelo outro. Assim, uma das evolugdes mais freqiientes ¢ 0 sentimento de confianga, que comega lentamente a construir- se, € também um sentimento de calor humano e simpatia pelos outros membros do grupo. Diz por exemplo uma mulher no do- mingo a tarde: “Se alguém me dissesse, na sexta-feira 4 noite, Origem e objetivos do movimento de grupos — W que hoje eu gostaria de cada um dos membros deste grupo, ter- lhe-ia dito que nao devia estar bom da cabega.” Os participan- tes sentem uma aproximagao e intimidade que nunca sentiram, nem mesmo com os respectivos cénjuges ou membros da fami- lia, porque se revelaram aqui de um modo muito mais fundo e completo do que com as pessoas do seu circulo familiar. Assim, num grupo destes, o individuo acaba por se conhe- cer a si proprio e a cada um dos outros mais completamente do que o que lhe é possivel nas relagdes habituais ou de trabalho. Toma conhecimento profundo dos outros membros e do seu eu interior, o eu que, de outro modo, tende a esconder-se por detras da fachada. A partir daqui, relaciona-se melhor com outros, nao s6 no grupo mas também mais tarde, nas diferentes situagdes da vida de todos os dias. Por que a rapida difuséo? Atualmente, seria dificil encontrar um meio nas grandes cidades do nosso pais onde nao fosse possivel alguma forma de experiéncia intensiva de grupo. Tem sido inacreditavel a rapi- dez da difusao do interesse por ela. HA mais ou menos um ano, quando falei a um grande auditério numa cidade do oeste, per- guntei ao responsavel pela organizagao da sessdo qual a pro- porgao da assisténcia que poderia ter tido qualquer experiéncia num grupo de encontro ou coisa semelhante. Deu-me como resposta: “Menos do que um tergo.” Depois de fazer uma breve descrigao de um grupo e das suas varias designagdes, pedi para que aqueles que tivessem experimentado um grupo levantassem a mao. Aproximadamente trés quartos do auditério de mil e duzen- las pessoas levantaram a mao. Tenho a certeza de que, ha dez anos, dificilmente cinqiienta pessoas teriam respondido assim. Um fator que torna a rapidez da difusdo ainda mais notd- vel é a sua espontaneidade total e nao organizada. Contraria- mente as estridentes yozes das direitas (que iret mencionar mais 2 _ Grupos de encontro abaixo), isto nao foi uma “conspiragao”. Muito pelo contrario. Nenhum grupo ou organizagao promoveu 0 desenvolvimento dos grupos de encontro. Nao houve nenhum financiamento pa- ra esta expansao, quer de findagdes quer de governos. Muitos psi- célogos e psiquiatras ortodoxos desaprovaram este desenvol- vimento. Contudo, apesar disto, em igrejas, colégios, growth centers (centros de desenvolvimento) e na indistria, o ntimero de grupos floresceu. Foi um pedido espontaneo, de pessoas que estavam claramente a procura de qualquer coisa. Como exem- plo, alguns dos membros da diregao do nosso Center for Studies of the Person (Centro de Estudos da Pessoa) conduziram um programa de verao para treino de facilitadores de grupo ou li- deres. Numa parte do programa deram a oportunidade a pares de participantes de “co-liderarem” dois grupos em fins de se- mana sucessivos. Para conseguirem participantes para estes gru- pos enviaram anuncios pelo correio a uma pequena lista de pessoas, quase todas na area de San Diego. A este respeito nao houve nenhuma publicidade paga nem sequer noticias nos jor- nais. O unico incentivo nao usual era o fato de os participantes terem de pagar apenas a inscrigdo, a alimentagdo e 0 quarto. Nao havia o encargo de gorjeta, dado que se declarava aberta- mente que os animadores eram pessoas ainda em formagao. Inicialmente calculei que, com tao pouca publicidade, nao con- seguiriam inscrever um numero adequado de pessoas. Para meu espanto, inscreveram-se seiscentas pessoas para o primeiro fim de semana e oitocentas para o segundo, Isto indica uma necessi- dade espontanea enraizada, de forga e proporgdes inacreditaveis. O que explica a rapida difusdo dos grupos? A enorme ne- cessidade deles? Creio que o terreno de onde brota esta necessi- dade possui dois elementos: 0 primeiro é a crescente desumani- zacao da nossa cultura, onde a pessoa nado conta — apenas 0 seu holerite ou o numero do Seguro Social. O tom impessoal per- corre todas as instituigdes da nossa terra. O segundo elemento é que somos suficientemente ricos para dar atengao as nossas ne- cessidades psicoldgicas. Enquanto estou interessado na renda 13 Origem e objetivos do movimento de grupos do proximo més, nao tenho consciéncia aguda da minha soli- dao. Isto nasceu da minha experiéncia, devido ao fato de o inte- resse nos grupos de encontro e similares nao ser nem por som- bra tao intenso nas zonas de gueto como nos extratos da popu- lagdio menos preocupada com as necessidades materiais da vida. Mas qual a necessidade psicologica que atrai as pessoas para os grupos de encontro? Creio que seja uma fome de qual- quer coisa que a pessoa nao encontra no seu ambiente de tra- balho, na sua igreja, e com certeza também nao na sua escola ou universidade, nem mesmo, infelizmente, na moderna vida de familia. E uma fome de relagdes proximas e verdadeiras, em que sentimentos e emogées se possam manifestar esponta- neamente, sem primeiro serem cuidadosamente censurados ou dominados; em que experiéncias profundas — decepgoes e ale- grias — se possam mostrar; em que se arrisquem novas formas de comportamento e se levem até ao fim; em que, numa pala- vra, a pessoa atinja a situagao em que tudo é conhecido e aceito, sim se torne possivel uma maior evolugao. Parece ser esta a fome poderosa que se espera satisfazer através das experién- cias num grupo de encontro. e Medo criado pelo movimento Todos os tipos de experiéncia intensiva de grupo foram su- jeitos aos mais virulentos ataques das direitas e dos grupos rea- ciondrios. Para eles, é uma forma de “lavagem cerebral” e de “controle do pensamento”. Simultaneamente uma conspiragao comunista e uma manobra nazista. As declaragGes que se fize- ram sao totalmente absurdas e freqtientemente contraditérias. Deve dizer-se que 0 movimento é muitas vezes apontado como sendo um dos maiores perigos que ameagam 0 nosso pais. Como é€ normal nestes ataques, ha uma pequena parte de afirmagOes verdadeiras aliadas a conclusées assustadoras e com insinuagées. Assim, o Congressista Rarick leu, no Congressio- “4 Grips de enconiro nal Record, de 19 de janeiro de 1970, um ataque de Ed Dieck- mann, Jr,, intitulado, “Sensibilidade Internacional — uma Rede para o Controle Mundial”. Uma das partes mais moderadas, ilustrativa da técnica, é a seguinte: Em 23 de setembro de 1968, a entao presidente do NEA, Elizabeth D. Koontz (...) disse (...) “O NEA tem um programa multifacetado dirigido ja para 0 problema escolar urbano, abrangendo todas as fases, desde o programa Headstart até o treo de sensibilidade para adultos — professores e pais.” Ela revelou, assim, o verdadeiro objetivo: envolvimento de toda a comunidade num gigantesco laboratério de grupos, exata- mente como no Vietna do Norte, Russia e China Comunista. E esclarecedor saber que a mesma Elizabeth Koontz, a pri- meira presidenta negra do NEA, é um conhecido membro da administragaéo do SIECUS, o infame “Sex Information & Edu- cation Council of the U. S.”, nomeada pelo Presidente Nixon, no principio deste ano, Diretora da Divisio Feminina do Depar- tamento de Trabalho! Simultaneamente com o ataque daquilo que temos de consi- derar “persuasao coerciva ou lavagem cerebral”, foi anunciado em fevereiro ultimo, pela Universidade de Nova York, um diplo- ma de professor em treino de sensibilidade; seguida pela Uni- versidade de Redlands, na California, em maio, com a declaragao™ retumbante de que também comega um ST neste verfio — e que sera obrigatorio! Faz-se aqui uma citacao de boa fé - bastante significativa — para servir de base a afirmagGes absolutamente infundadas e a uma insinuagao vagamente arrepiante. Outro articulista das direitas, Alan Stang, em Review of the News de 9 de abril de 1969 (p. 16), pergunta aos seus leitores 0 seguinte: “Ao submeter os nossos professores ao “treino de sen- sibilidade’, nao estaremos preparando-os para o controle dita- torial que é a esséncia do nazismo e do socialismo?” Um outro artigo, de Gary Allen, em American Opinion, orgao oficial da IS. Origem e objetives do movimento de grupos Sociedade John Birch (janeiro, 1968, p. 73), contém a sua mensagem no titulo: “Terapia do Odio: Treino de Sensibilidade para a mudanga planejada”. Afirma que o treino de sensil dade esta “(...) agora sendo promovido em todo o pais pelas forgas habituais da conspiragao da esquerda”. Poderiamos continuar citando declaragSes muito mais extre- mistas, que surgem em profusao da extrema direita. E bem cla- ro que os grupos de sensibilidade, os grupos de encontro e qual- quer outra forma de experiéncia intensiva de grupo sao para cles o pesadelo da sociedade americana. Num estudo cuidadosamente documentado, James Harmon conclui que é claramente evidente que nas direitas ha uma gran- de proporgao de personalidades autoritarias*. Tendem a acreditar que o homem €, por natureza, essencialmente mau. Cercados, como todos nds estamos, pela grandeza das forgas impessoais que parecem fugir ao nosso controle, procuram o “inimigo”, podendo assim odia-lo, Em diversas é¢pocas da histéria, “ini- migo” foi a bruxa, o deménio, o comunista (lembram-se de Joe McCarthy?) e é agora a educacao sexual, treino de sensibilida- de, “humanismo nao-religioso” e outros deménios correntes. A minha explicagao esta mais na linha da segunda conclu- sio de Harmon. Expondo-a com palayras minhas, os grupos de encontro conduzem a uma maior independéncia pessoal, a me- ntimentos escondidos, maior interesse em inovar, maior oposicao a rigidez institucional. Por isso, se uma pessoa receia, sob qualquer forma, a mudanga, receia justamente os grupos de encontro. Eles produzem a mudanga construtiva, tal como sera evidente nos capitulos que se seguem. Por isso, todos os que se opéem 4 mudanga serao tenaz e até violentamente contrarios 4 experiéncia intensiva de grupo. nos 6, James E, Harmon, “Ideological Aspects of Right-Wing Critics of the Intensive Group Experience”. Artigo nao publicado, escrito para um seminirio, 16 Grp de encontr Conclusao Esforcei-me por colocar numa perspectiva histérica 0 agi- tado desenvolvimento ¢ uso da experiéncia intensiva de grupo, esbocando resumidamente algumas das formas e modalidades que correntemente se observam. Tentei indicar os elementos humanizantes que tendem a caracterizar os grupos, sugeri uma possivel explicagao para o rapido crescimento desta corrente ¢ por que é ela tao receada por aqueles que se opdem a mudanga. Estamos prontos para examinar agora, a uma distancia mais proxima, o que tende a acontecer num grupo destes. 2. O processo do grupo de encontro' O que se passa realmente num grupo de encontro? Eis uma pergunta freqtiente em pessoas que admitem a hipétese de par- ticipar de um ou que se sentem confusas com as afirmagées de quem jd passou por essa experiéncia. Também para mim tem Muito interesse a questao, ja que tenho tentado aperceber-me de (juais sao os elementos comuns na experiéncia de grupo. Conse- gui distinguir, obscuramente pelo menos, alguns dos modelos c fases que um grupo parece atravessar, e descrevé-los-ei 0 me- Ihor que puder. A minha formulagdo é simples e naturalista. Nao vou ten- lar construir uma teoria abstrata de alto nivel’, nem desenvol- 1, Muito do material deste capitulo foi publicado de forma abreviada num capitulo de Challenges of Humanistic Psychology, organizado por J. F. T. Bugental (Nova York: McGraw Hill Book Company, 1967), ¢ também em Pyvehology Today, vol. 3, n° 7 (dezembro, 1969). 2. Jack ¢ Lorraine Gibb trabalharam bastante tempo numa andlise de de- senvolvimento da confianga como a teoria essencial do proceso de grupo. Ou- {ros que contribuiram de modo significativo para a teoria do processo de grupo foram Chris Argyris, Kenneth Benne, Warren Bennis, Robert Blake, Dorwin Cartwright, Mathew Miles. Amostras do pensamento destes ¢ outros podem ehcontrar-se nos seguintes livro: coup Theory and Laboratory Method, edi- gio organizada por Bradford, Gibb ¢ Benne (Nova York: John Wiley and Sons, 1964); The Planning of Change, edigao organizada por Bennis, Benne and Chin 1 __ Grupos de encontro ver interpretagdes profundas sobre os motivos do inconsciente ou sobre a psicologia de um grupo em desenvolvimento, Nao me ouvirao falar de mitos de grupo, nem mesmo de dependén- cia e contradependéncia. Nao me sinto a vontade com tais in- feréncias, por corretas que possam ser. Neste nivel de conhe- cimento, quero apenas descreyer os fatos observaveis € 0 mo- do como, para mim, eles parecem agrupar-se. Fazendo-o, estou apoiando-me na minha experiéncia pessoal e na de outras pes- soas com quem trabalhei, em material escrito sobre este tema, nas reagoes escritas de individuos que participaram de tais gru- pos e, até certo ponto, em gravagdes de sessdes de grupo que s6 agora come¢am a ser interpretadas ¢ analisadas. Quando considero as interagdes extremamente complexas que surgem no decorrer de vinte, quarenta, sessenta ou mais horas de sessdes intens , creio descobrir certas linhas que se entrecruzam no conjunto. Algumas destas correntes ou tendén- cias costumam revelar-se cedo, outras mais tarde, nas sessoes de grupo, porém nao ha uma seqiiéncia perfeitamente defini- da, na qual termina uma e comeca outra. Imagina-se melhor a interacao, ereio, como uma rica & variada tapegaria, di ferindo de grupo para grupo. embora com certas espécies de tendén- cias evidentes na maior parte destes encontros intensivos e com certas estruturas que tendem a preceder outras. Eis algumas das formas do processo que vejo desenvolver-se, sumariamen- te descritas em palavras simples, ilustradas com gravagdes ¢ descrigdes pessoais, apresentadas numa ordem de seqiiéncia pouco elaborada: (Nova York: Holt, Rinehart and Winston, 1961); ¢ Interpersonal Dynamics, edi- cio organizada por Bennis, Schein, Berlew ¢ Steele (Homewood, III: The Dorsey Press, 1964). Assim, existem muitas correntes promissoras para @ construgo teo- rica que envolve um consideravel grau de abstracao, Este capitulo tem uma fina- lidade mais elementar: uma descrigio naturalista do process. O processe do grupo de encontro |. Fase de hesitagao, de andar a volta (milling around)* Quando o lider ou facilitador esclarece, logo de inicio, que se trata de um grupo com liberdade invulgar, e nao um daque- Jos em que ele tomara a responsabilidade de dirigir, ha tendéncia para seguir-se um periodo inicial de confusao, de siléncio em- baragoso, de comunicagao cerimoniosa e superficial, “conver- sa de sala”, frustrac’io e grande descontinuidade. Os individuos apercebem-se de que “nao ha aqui nenhuma estrutura, a nado er que organizarmos. Nao sabemos os objetivos, nem mes- mo nos conhecemos, ¢ teremos de permanecer juntos durante bastante tempo”. Nesta situagao, so naturais a confusio ea frus- trago. Para o observador, sao dbyios os hiatos nas expressOes jnuividuais, A apresentara uma proposta ou assunto, esperando obyiumente por uma resposta do grupo. B certamente permane- cou A espera da sua vez e langa-se num assunto completamen- le diferente, como se nunca tivesse ouvido A, Alguém faz uma supestio simples, por exemplo: “Penso que deviamos apresen- lwynos”, e isto pode originar horas de discussao muito compli- cada, em que as questdes subjacentes parecem ser: “Quem nos dir 0 que hayemos de fazer? Quem é responsavel por nds? Qual 0 objetivo deste grupo?” ). Resistencia a expressdo ou exploragao pessoais Durante o periodo de hesitagao, alguns individuos revela- ilo, provavelmente, atitudes bastante pessoais. Isto tende a pro- vocar uma reagio muito ambigua entre os outros membros do grupo. Mais tarde, um deles ira escrever a respeito da sua ex- periéncia: “Ha em mim um ‘eu’ que revelo ao mundo, e outro que conhego mais intimamente, Com outros, procuro most me competente, sabedor, descontraido, despreocupado. Para 4, Milling around & uma expressio muito utilizada nos grupos de encontro, na fase inicial, Traduziv-se indiferentemente por hesitar, andar 4 volta. (N. doT.) ee Grupos de encontro concretizar esta imagem, agirei de um modo que, mais tarde ou mais cedo, ira soar falso e artificial, ou ‘ao meu nao-verda- deiro eu’. Ou guardarei para mim pensamentos que, revelados, denunciariam um eu imperfeito. “OQ meu eu interior, contrastando com a imagem que apre- sento ao mundo, é muito inseguro. O valor que atribuo ao meu eu interior esta sujeito a muitas flutuagdes & depende muito do modo como os outros reagem 4 minha pessoa. Por vezes, este meu eu intimo sente-se inutil.” E 0 eu exterior que os membros tém tendéncia para mos- trar, e sO gradual, timida e ambiguamente vao revelando algo do eu intimo. Num workshop intensivo, pediu-se logo no inicio, aos mem- bros, que descrevessem, anonimamente, um sentimento ou sen- timentos que tivessem e nado estivessem dispostos a revelar ao grupo. Um dos homens escreveu: “Nao me abro facilmente com as pessoas. Tenho uma fa- chada quase impenetravel. Nada consegue ferir-me, mas nada sai, também. Reprimi tantas emogdes que estou a beira da este- rilidade emocional. Esta situagao nao me torna feliz, mas nao sei o que fazer.” Este individuo vive, nitidamente, numa cela isolada, mas, a nao ser desta forma disfargada, nem mesmo ousa procurar auxilio. Num grupo recente, quando um participante, um homem, comegou a expressar a preocupagao que sentia devido a uma dificil situag’o em que se encontrava com a mulher, logo outro © interrompeu, dizendo apenas: “Tem a certeza de que quer con- tinuar a contar isto, ou nao estara sendo levado pelo grupo a dizer mais do que pretende? Como sabe que o grupo merece confianca? Como se sentira quando chegar em casa € disser 4 sua mulher o que revelou, ou quando resolver ocultar-Iho? E que niio é seguro ir mais longe.” Era claro que, com este aviso, o segundo membro manifestava 0 seu proprio receio de se re- velar, e a sua falta de confianga no grupo. 21 O proceso do grupo de encontro 3. Descrigéo de sentimentos passados A despeito da ambivaléncia quanto a confianga no grupo e ao risco de se abrir, a expressaio de sentimentos comega efetiva- mente por abranger uma parte cada vez maior da discussao. O diretor conta como se sente frustrado com certas situa- cdes na sua industria; a dona de casa fala dos problemas que tem com os filhos. Um didlogo gravado com uma freira catéli- ca romana, no inicio de um grupo de fim de semana, quando a conversa se transformou numa discussao bastante intelectuali- zada sobre a célera: Bill: — Que acontece quando se enfurece, Irma, ou isso nunca acontece? Irma: — Sim... acontece. E, quando acontece, cu quase me transformo, bem, o tipo de pessoa que me irrita é aquela que parece ser insensivel &s pessoas — considero a nossa superiora desse tipo porque é uma mulher muito agressiva e tem as suas proprias idéias sobre o que deviam ser os regulamentos num colégio; e essa mulher pode por-me fora de mim; pode fazer-me perder a cabega. E exatamente isto. Mas entao acho, eu... Faeilitador*; — Mas 0 qué, 0 que vocé faz? Irma: — Acho que, em situagdes assim, reajo num tom cor- tante, ou me recuso a responder — “Pronto, ¢ esta a maneira de ser dela” — Penso que nunca fiquei furiosa. Joe: — Voce mete-se para dentro — nao adianta discutir. Facilitador: — Disse que fala num tom aspero. Com ela ou com outras pessoas com quem mantém contato? Irma: — Oh, nao! Com ela. Este é um exemplo tipico de uma descrigdo de sentimentos que, de certo modo, sao evidentemente freqtientes nela, mas que cla situa no passado ¢ descreve como exteriores ao grupo, no lempo e no espago. E um exemplo de sentimentos “entao e ali”. 4, Ver nota ap. 8 ts Grupos de encontro 4. Expressado de sentimentos negativos Curiosamente, a primeira expressio de sentimentos de ideiro significado “aqui e agora” tem tendéncia para surgir em atitudes negativas em relagao a outros membros do grupo ou ao lider. Num grupo em que, ao fim de algum tempo, os membros se apresentavam uns aos outros, uma mulher recu- sou-se a fazé-lo, alegando que preferia ser conhecida pelo que era no grupo, a sé-lo em termos da sua classificagao no exte- rior. Pouco depois, um homem do grupo atacou-a vigorosa e severamente por esta atitude, acusando-a de nao conseguir coo- perar, de se manter afastada, de ser irracional. Foi o primeiro sentimento pessoal atual que se manifestou nesse grupo. Freqiientemente, o lider é atacado por nao conseguir im- primir uma orientagao conveniente. Exemplo nitido disto se en- contra numa gravacdo de uma das primeiras sessdes com um grupo de delingiientes, em que um dos membros grita para o li- der: “Vocé vai ver-se aflito se nao nos dominar mesmo desde o principio. Deve manter a ordem aqui porque ¢ mais velho, E isso © que se espera de um professor. Se nao o fizer, criaremos pro- blemas e nao conseguira fazer nada (e, referindo-se a dois ra- pazes do grupo que discutiam violentamente, continuou): Po- nha-os na rua, expulse-os! Vocé tem mesmo que nos manter em ordem! Um adulto manifesta 0 seu desagrado por pessoas que fa- lam demais, mas dirige a sua irritagdo contra o lider. “Apenas nado consigo entender por que é que nao ha ninguém que os mande calar, Eu ja teria agarrado Gerald e 0 atirado pela janela. Sou um autoritario. Ja lhe teria dito que fala demais e que teria de abandonar a sala. Na minha opiniao, uma discussio de grupo deve ser orientada por uma pessoa que jamais admita que haja pessoas Como essas, que interrompam mais de oito vezes.”” ve 5, 1, Gordon, Group-Centered Leadership (Boston: Houghton Mifflin & o,, 1955), p. 214 6, Ibid, p. 210. O proceso da grupo de encontro 23 Por que serao as expressOes negativas os primeiros senti- mentos atuais a manifestar-se? Poder-se-iam dar algumas res: postas especulativas. E uma das melhores maneiras de avaliar a liberdade e a confianga do grupo. Sera o grupo realmente um lugar em que posso ser eu proprio e exprimir-me positiva ¢ nega- tivamente? Sera um lugar realmente seguro, ou me arrependerei? Outra razao, diferente, é que os sentimentos profundos positivos do muito mais dificeis e perigosos de exprimir do que os negati- vos. Se digo que te amo fico vulnerdvel ¢ exposto 4 mais terrivel rejeicio. Mas, se digo que te detesto, fico quando muito sujeito a um ataque de que posso defender-me. Sejam quais forem as razOes, estes sentimentos negativos tendem a ser o primeiro mate- rial “aqui e agora” a aparecer. dio e exploragéo de material com significado pessoal J. Expr Pode parecer estranho que, depois de tais experiéncias ne- gativas, como a confusdo inicial, a resisténcia 4 expressao pes- soal, a insisténcia em acontecimentos exteriores e a manifesta- ciio de sentimentos de critica ou irritagdo, muito provavelmente se siga a revelagao de um individuo ao grupo de modo signifi- cativo. A justificagao disto esta, sem dtiv ida, no fato de o indivi- duo ter chegado a conclusao de que se trata, de certo modo, do seu grupo. Ele pode ajudar a fazer dele o que deseja. Ja yeri- ficou que os sentimentos negativos foram expressos € aceitos ou assimilados sem resultados catastrdficos. Compreende que ha uma liberdade aqui, embora uma liberdade arriscada. Co- mega a desenvolver-se um clima de confianga. Assim, ele principia a arriscar e a apostar em deixar que o grupo conhega algumas das suas facetas mais intimas. Um conta a situagao dificil em que se encontra, sentindo que é impossivel qualquer comunicagio entre ele e a mulher. Um padre fala da zanga que reprimiu pelo tratamento injusto de um dos seus superiores, O que deveria ter feito? O que podera fazer agora’? Um cientista, diri- gente de um grande departamento de investigagao, encontra cora- 2. a: ee a Grupos de encontro gem para falar do seu doloroso isolamento, para contar ao grupo que nunca na vida teve um unico amigo. Ao terminar, deixa cair algumas lagrimas de autocompaixao que, estou certo, contive- ra por muitos anos. Um psiquiatra conta o sentimento de culpa que sente pelo suicidio de um dos seus doentes. Um homem de quarenta anos confessa-se completamente incapaz de se liber- tar da influéncia da mae, extremamente po iva, Comecou um processo a que um membro do workshop chamou “viagem ao centro do eu”, processo freqiientemente muito doloroso. Encontra-se um exemplo gravado de uma analise dessas numa declaracaéio de Sam, membro de um grupo de fim de se- mana. Alguém falara da sua forga. Sam: — Talvez eu nao me aperceba ou o sinta desse modo, como forga (pausa). Creio que, quando estava falando com vo- cé, Tom, julgo que no primeiro dia, manifestei entao a verda- deira surpresa que tivera da primeira vez que percebi que podia atemorizar alguém —na verdade, era uma descoberta que eu co- mo que tinha de encarar, sentir e aprender, vé bem, era de fato algo totalmente novo para mim. Estava tio habituado 4 sensa- cao de me sentir atemorizado pelos eurros, que jamais me pas- sara pela cabega que alguém pudesse — creio que munca me ocorreu —, que alguém pudesse sentir-se constrangido por mim. E suponho que isto talvez tenha que ver com 0 modo como me sinto a mim proprio, Uma analise deste tipo nem sempre ¢ um processo facil, nem 0 grupo é, na sua totalidade, receptivo a tais confidéncias. Num grupo de adolescentes de determinada instituigdo, em que todos tinham passado por alguma espécie de dificuldade, um rapaz revela um aspecto importante de si proprio e imedia- tamente encontra aceitagdo e rejeigdo severa por parte dos outros membros. 0 que se passa. Tenho problemas demais em sabem por que estou George: — E. casa... bem... creio que alguns de vocé: aqui, do que me acusam. i] a O processo do grupo de encontro_ Ma Eu nao Facilitador: — Quer contar-nos? George: — Bem... ch... ¢ embaragoso, Carol: — Anda 1a, nao deve ser assim tao mau. George: — Bem, eu violei minha irma. E 0 tnico problema que tenho em casa, e parece-me que 0 venci (siléncio prolongado). Freda: — Oh, que horror! Mar) Sabe que as pessoas tém problemas, Freda, quer . sabe. Freda: — Sim, sei, mas que HORROR!!! Facilitador: — (para Freda) Vocé conhece esses problemas eno entanto ainda lhe parecem anormais. George: — Véem 0 que eu queria dizer: é dificil falar nisto. Mary: — Sim, mas esta bem. George: — Doi falar nisso, mas sei que devo fazé-lo para nao ser perseguido por um complexo de culpa toda a minha vida. E evidente que Freda o esta repelindo psicologicamente, enquanto Mary, em particular, manifesta uma aceitagao pro- funda. George esta decididamente disposto a correr o risco. 6. Expressdo de sentimentos interpessoais imediatos no grupo Faz parte do processo, mais cedo ou mais tarde, a expressio clara de sentimentos experienciados no momento imediato por um membro em relagao a outro. Por vezes sdo positivos, outras negativos. Os exemplos seriam: “Sinto-me ameagado pelo seu siléncio.” “Vocé me faz lembrar minha mae, com quem passei maus bocados.” “Vocé me desagradou a primeira vista.” “Para mim vocé é como uma lufada de ar puro no grupo.” “Agradam- me seu entusiasmo e o seu sorriso.” “Quanto mais fala, menos gosto de vocé.” Cada uma destas atitudes pode ser, e geralmen- te o 6, analisada no crescente clima de confianga, 7. O desenvolvimento de uma capacidade terapéutica no grupo Um dos mais fascinantes aspectos de qualquer experién- cia intensiva de grupo € a observagao de como certos mem- 26 i Grupos de encontro bros mostram uma capacidade natural e espontanea para tratar, de um modo util, simples e terapéutico, a dor e o sofrimento dos outros. Como exemplo um tanto extremo, recordo-me de um homem encarregado da manutengao de uma grande insta- lagao, que era um dos subalternos de um grupo de chefes da industria, Como nos contou, nao “tinha sido contaminado pela educagao”. Inicialmente, o grupo tinha tendéncia para olha-lo com desprezo. A medida que os membros se examinavam mais profundamente e comecavam a manifestar de modo mais com- pleto as suas prdprias atitudes, esse homem revelou-se, sem du- vida alguma, 0 mais sensivel do grupo. Instintiyamente, sabia ser compreensivo e receptivo. Estava atento a coisas que ainda nao tinham sido expressa: avam subjacentes. En- quanto prestavamos atengao a um membro que falava, ele es tava, as mais das vezes, a observar outro individuo que sofria em siléncio e necessitava de ajuda. Tinha uma atitude profunda- mente receptiva e aberta. Esta espécie de faculdade manifesta- se tao freqiientemente em grupos, que me leva a considerar que a capacidade de tratamento ou terapéutica ¢ muito mais fre- qiiente do que supomos na vida humana. Muitas vezes, para se manifestar, apenas necessita da licenga concedida = ou da li- berdade tornada possivel — pelo clima de uma experiéncia de grupo em liberdade. Eis o caso caracteristico de um lider e varios membros de um grupo, tentando auxiliar Joe, que revelara a quase total au- séncia de comunicacgao com sua mulher. Justifica-se a apresen- tagdo de um longo extrato da sessio gravada, por mostrar os di- ferentes processos através dos quais os membros se esforgam por ajudar. John insiste em salientar os sentimentos que a mu- lher muito provavelmente experimenta. O facilitador continua a desafiar a sua fachada de precaucdo. Marie procura ajuda-lo a descobrir 0 que sente no momento. Fred aponta-lhe a escolha de comportamentos alternativos que ele pode assumir. Tudo isto feito num claro espirito de interesse, como se percebe me- thor pela gravaciio. Nao se fazem milagres, mas, para o fim, mas que e: O processo do grupo de encontra 27 Joe comega efetivamente a compreender que a tinica coisa que poderia ajudar seria expressar 4 mulher os seus verdadeiros sentimentos. Joe: — Sou forgado a ser extremamente cuidadoso quando vou a qualquer lado, se conhego muita gente, se fago coisas a fim de que minha mulher nao se sinta posta de lado; ¢, claro, cu... as coisas tem mudado tanto no ultimo ano que tenho esperanga, mas durante algum tempo ndo tive. Nao sei se conseguiremos vencer tudo isto ou nao (pausa). John: — Cada vez estou mais convencido de que ela quer dominar— domina-lo. Joe: —E verdade. John: — Nao quero dizer que seja de propésito, isto é.. Joe: — . (Pausa.) O problema é como fazé-lo. E, pala- vra, devo deix: mas, por Deus, devo ter tanto cuidado, e as oportunidades nao sao freqiientes. Facilitador: — Acha que consegue alguma coisa deste grupo, com todas essas suas precaugdes? (Pausa.) Joe: — Nao, pelo contrario. Quero dizer, par nao temos sido absolutamente nada cuidadoso: ce-me que aqui Facilitador: — Estou de acordo. Creio que se tem arriscado bastante. Joe: — Com ter cuidado quero dizer que devo medir bem 0 modo como falo para néo baralhar tudo. Facilitador: — Se... bem, tenho de ser mais brusco, Se 4 tomando precau- pensa que ela nao percebe quando vocé goes, é maluco. Joe: —Concordo. Facilitador: — Se alguém vem ter comigo... e eu pressinto que andam escrupulosamente ¢ com muitos cuidados, entéo pen- tao tentando levar-me. ja tentei fazer de outro modo.,, 0 pior é que... do muito brusco inicialmente. Foi entao que ussdes. so que Joe: — Bem. talyez eu tenha caimos nas di Facilitador: — Sim, mas parece = realmente, avalio 0 risco que corre, ou a prova de confianga que nos uma situagéo destas. No entanto, vocé fala de elementos exte- riores a yocé. 4 ao contar-nos ____ Grupos de encantro John: — Mantenho a pergunta: — vocé pode sentir os senti- mentos dela? Joe: — Bem — ah — ora —... sentimentos, sim, cheguei a um ponto em que sinto os sentimentos dela muito mais ¢ ~ ah... eu... ah... 0 que me preocupava era lembrar-me, era a sensagao de ela querer aproximar-se € nessa altura eu a repeli. Foi entéo que me senti afastado. E... mas consigo perceber logo quando ela esta transtornada e entao... bem, nao sei... vé bem, entio eu... Facilitador: — Qual é a sua reagao? Suponha que chega em casa e que ela esta calada porque vocé esteve fora e ela descon- fia do que se podera estar passando e esta bastante aborrecida. O que € que isso 0 faz sentir? Joe: — Hum... um impulso para me afastar. Marie: — O que é que sentiria —afastamento? Ou sentir-se- ia transtornado, ou talvez mesmo irritado? Joe: — Ja 0 senti — agora nao tanto — consigo dominar-me bastante bem, Tenho-o tentado com bastante cuidado. Marie: — Sim, mas nao foi isso o que perguntei, Joe Joe: — Esta bem. Marie: — Nao lhe pergunto se pode controlar-se ou passar por cima, O que é que sentiria nessa ocasiao? Joe: — Bem. Agora estou numa situagaéo em que estou mes- mo fechado em mim e a espera; e sei que, se conseguir me con- trolar esta noite, amanha sera diferente. Fred: — Acha que isso pode ser uma defesa, e manifesta-a afastando-se porque... Joe: — Bem, ela nao gosta disso. Fred: — Mas vocé gosta menos deste processo do que se enyolver numa questo ou discussao? Joe: — Sim... porque a tinica coisa que poderia dar resulta~ do seria... seria se eu exprimisse simplesmente o que sinto. E espero que seja diferente de stou ressentido pelo que acaba de dizer” ou qualquer coisa do tipo, porque, antes, ja lhe teria pondido, homem, acabou-se! /sso ndo resultava e ela diria sem- pre que eu é que comegava — mas, estando eu agora tao cons- ciente de quando ela esta mais transtornada — quer dizer —, per- cebo-o perfeitamente, mas ainda nao consegui saber como agir. 29 OQ processo do grupo de encontro 29 Cada um destes individuos esta, obviamente, tentando, a sua maneira, ajudar, tratar, constituir uma relagio de amizade Util para Joe, como que para habilita-lo a entrar em contato com a mulher de um modo mais construtivo, mais real. 8. Aceitagao do eu e comego da mudanga Muitas pessoas créem que a auto-aceitagao deve estar na origem da mudanga. Na verdade, nestas experiéncias de gru- po, tal como em psicoterapia, ela é 0 comego da mudanga. Alguns exemplos dos tipos de atitudes manifestadas uma pessoa dominadora que gosta de mandar nos outros. O que quero é moldar as pessoas na forma adequada.” “Na yer- dade, ha dentro de mim um rapazinho, ferido e oprimido, com muita pena de si préprio! Sow esse rapazinho, além de ser um diretor competente e responsavel.” Lembro-me de um dirigente do governo, um homem com grandes responsabilidades e excelente experiéncia técnica co- mo engenheiro. No primeiro encontro do grupo, impressionou- me, e creio que aos outros também, como uma pessoa fria, dis- tante, um pouco azeda, reservada, cinica. Quando falava do modo como dirigia o seu gabinete, parecia fazé-lo a risca, sem participar com o minimo de calor ou sentimentos humanos, Nu- ma das primeiras sessoes, quando falava da mulher, houve um membro que lhe perguntou: “Gosta da sua mulher?” Ele ficou calado durante muito tempo, e o que perguntava disse: “Esta bem, para resposta basta-me.” O dirigente disse: “Nao, um mi- nuto! Nao respondi porque duvido que alguma vez tenha ama- do alguém. Creio que nunca amei realmente ninguém.” Parecia- nos dramaticamente claro, dentro do grupo, que ele acabara por aceitar-se como uma pe soa sem amor. Alguns dias mais tarde, ele escutava atentamente um mem- bro do grupo que exprimia profundos sentimentos pessoais de isolamento, solidao, dor e até que ponto vivia por detras de uma ara, de uma fachada. Grupos de encontra a manha seguinte, o engenheiro disse: “A noite passa- da pensei e repensei naquilo que Bill nos contou. Cheguei mes- moa chorar um bocado, sozinho. Nao lembro ja ha quanto tempo nao chorava, e senti realmente qualquer coisa. Creio que talvez seja amor © que senti.” Nao é de admirar que, antes de terminar essa semana, ele tivesse refletido sobre novos métodos de orientar o filho adoles- cente, com o qual era rigorosamente exigente. Comecava tam- bém a apreciar, de fato, o amor da mulher, que achaya poder re- tribuir até certo ponto. Um outro extrato gravado, de um grupo de adolescentes, evidencia um misto de aceitagao e de analise do eu. Art tem es- tado falando da sua “concha” e comega agora a encarar 0 pro- blema da auto-aceitagao e da fachada que geralmente exibe. Art: — Quando essa concha se fecha, ah.. Lois: — Resiste! Art: — Sim, é dura. Susan: — Vocé ¢ sempre assim tao fechado quando esta na sua concha? Art: — Nao, estou tao estupidamente habituado a viver com a concha que ela ja nem me incomoda. Nem conhego o meu verdadeiro eu. Creio que, bem, aqui pus a concha mais de lado, Fora da minha concha — s6 aconteceu duas vezes — uma ha pre- cisamente alguns minutos — sou realmente cu, suponho. Como que puxo uma corda atras de mim, quando estou na concha, e isso é quase todo o tempo. E mantenho a fachada exteriormen- te, quando regresso 4 minha concha. Facilitador: — Nao leva ninguém com vocé? Art chorando: — Nao ha ninguém comigo, s6 eu. Meto tudo na coneha, embrulho-a e enfio-a no bolso. Agarro a concha e o meu verdadeiro eu e meto-os no bolso em seguranga. Creio que é assim mesmo que fago... meto-me na minha concha e desligo- me do mundo real. E aqui... 6 0 que quero fazer neste grupo, sabem — sair da concha e até joga-la fora. Lois: — Ja esta progredindo, Pelo menos consegue falar disso. Facilitador: — Bem, 0 mais dificil sera ficar fora da concha. Oiprocessordé grupo deanconita 31 Art: (chorando ainda): — Bem, sim, se posso falar disso, posso também sair e manter-me do lado de fora, mas sabem, te- de proteger-me. Dodi. Custa-me neste momento falar nisso. Vé-se aqui claramente a profunda aceitagio deste ser es- condido como sendo ele proprio. Mas é também evidente 0 co- mego de uma mudanga. Ainda outra personagem prestando declaragdes, pouco de- pois de uma experiéncia, diz: “Voltei do workshop com uma sen- sagao muito mais profunda de que esta certo eu ser eu proprio, com todas as minhas forcas e fraquezas. A minha mulher di: se-me que parego mais auténtico, mais real, mais verdadeiro. E muito freqiiente esta sensagdo de maior verdade e auten- ticidade. E como se o individuo aprendesse a aceitar-se € a ser ele préprio, langando assim as bases para uma mudanga. Esta mais perto dos seus proprios sentimentos que, por isso, ja nao so tao rigidamente organizados e estéo mais abertos 4 mudanga. Uma mulher escreve narrando como o pai morreu pouco depois do grupo de encontro, e da longa e dificil viagem que fez para se juntar 4 mae: —“‘.,, uma yiagem que parecia intermi- navel, com as suas confusas ligagdes, o meu desnorteamento e desgosto profundo, falta de sono e grande preocupacgdo com a pouca satide de minha mae no futuro. Tudo quanto sabi longo dos cinco dias que 1a passei era que queria ser exatamen- te o que sentia — que nao queria nenhum ‘anestésico’, nenhum anteparo convencional entre mim e os meus sentimentos, e que © unico meio de consegui-lo eta aceitar completamente a ex- periéncia, entregando-me ao choque e a dor. Esta sensagaio de aceitagdo e entrega permaneceu em mim, desde entao. Penso, francamente, que o trabalho de grupo teve muito a ver com a minha capacidade para aceitar esta experiéncia™. 9. O estalar das fachadas Com a continuagao das sess6es, costumam acontecer tan- tas coisas juntas que é dificil saber qual deserever primeiro, 2 $2 Grupos de encontra Deve, uma vez mais, acentuar-se que estas diversas seqiiénc e fases se entrelagam e sobrepGem. Uma das seqiiéncias é a im- paciéncia crescente para as defesas. Com o decurso do tempo, 0 grupo considera intoleravel que algum membro viva por detras de uma mascara ou fachada, Palavras polidas, compreensdo intelectual uns dos outros e das relacdes, 0 delicado intercambio de tato e encobrimento bastante satisfatérios nos contatos de fora — deixam agora de servir. A expressao pessoal de alguns membros do grupo tor- nou evidente que é possivel um encontro mais profundo e es- sencial, € 0 grupo parece procurar intuitiva e inconsciente- mente esse objetivo. Umas vezes com suavidade, outras quase brutalmente, 0 grupo exige que o individuo seja ele préprio, que nao esconda os seus sentimentos comuns, que retire a mas- cara do convivio social. Apareceu num grupo um homem mui- to inteligente e culto, que se mostrava bastante receptivo aos outros, mas que nao revelou absolutamente nada de si proprio. A atitude do grupo acabou por ser manifestada com severidade por um membro, ao dizer: “Saia da sua catedra, doutor. Pare com o discurso. Tire os 6culos escuros. Queremos conhecé-/o.” Em Synanon, no fascinante grupo que se empenhou com tanto éxito em tornar os dependentes da droga pessoas, é, mui- tas vezes, dramatico este derrubar de fachadas. Um extrato de um dos synanons, ou sessdes de grupo, demonstra-o: Joe (falando para Gina): — Pergunto a mim mesmo quando é que vai parar de procurar fazer boa figura nos synanons. Em todos os synanons em que estive com vocé, fazem-lhe uma per- gunta e vocé consegue fazer um belo livro. Tudo bem prepara- do sobre o que a afundou, e como se enganava, ¢ como desco- briu que estava errada, todo tipo de trapagas. Quando ¢ que vai deixar disso? Que pensa do Art? Gina: — Nao tenho nada contra o Art. Will; — Esta doida, Art nio tem uma ponta de senso Esteve berrande com vocé e com o Moe, e vocé agiientou tudo friamente. 33; O proceso do grupo de encontro Gina: — Nao, acho-o muito inseguro em variados aspectos, mas nao tenho nada a yer com isso... Joe: ~ Reage como se fosse tremendamente compreensiva. Gina: — Disseram-me para reagir como se compreendesse. Joe: — Sim, porém agora esta num syranen. Ninguém es- pera que proceda como se fosse extremamente saudavel. Ou sente-se muito bem assim? Gina; — Nao. : ~ Bem, entio por que diabo nao para de agir como se of Isto demonstra como 0 grupo é, por vezes, violento, ao rasgar uma fachada ou defesa. Por outro lado, pode também ser sensiyel e delicado, O homem que fora acusado de se manter na catedra ficou magoado com este ataque e, a hora do almo- ¢0, parecia perturbado, como se fosse desatar a chorar de um momento para 0 outro. Quando o grupo se reuniu de novo, os membros aperceberam-se disso e trataram-no delicadamente, encorajando-o a contar-nos a sua tragica historia pessoal, que explicou o seu isolamento e 0 seu modo intelectual e académi- co de encarar a vida 10. O individuo é objeto de reagdo (feedback) por parte dos outros No processo desta interagao de expressao livre, o indivi- duo adquire rapidamente uma série de dados sobre 0 modo co- mo é visto pelos outros. O companheiro exuberante descobre que Os outros nao apreciam as suas exageradas manifestagdes de amizade. O dirigente que mede as palavras com cuidado e fala com rigorosa precisdo percebe, pela primeira vez, que o consideram enfatuado. A mulher que manifesta um desejo de certo modo excessivo de ajudar os outros, dizem-lhe 4 mente que alguns membros do grupo nao a:querem para mae- 7. D. Castiel, So Fair a House (Englewood Cliffs, N.J.: Prentice-Hall, 1963), p. 81.

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