You are on page 1of 17

Luiz Gonzaga de Carvalho Neto | 02

Sobre o Sexo e a Modéstia

Compilado:
San

Editado:
San

Revisado:
San

Sumário

Introdução 3
Que é sexo? 4
Ninguém Deseja o que já Possui 6
A Perspectiva Espiritual da Sexualidade 8
Sobre a Guerra dos Sexos 10
Sobre a Verdadeira Modéstia 12
Considerações Mais ou Menos Históricas: 16
Sobre o Sexo e a Modéstia | 03

Introdução

Quando o assunto é sexo o que há de mais comum hoje em dia é a mente ser
empurrada pelo doutrinarismo opaco dos religiosos, que nos dizem: “homossexualismo é
contra a natureza”, “o matrimônio é indissolúvel”, “adultério é pecado” ou pelo
experimentalismo1 vale tudo da modernidade, que reza: “sexo é um produto da evolução”
“tudo tem uma motivação sexual inconsciente” “o importante é não se reprimir”. Se, por
um lado, os religiosos não são capazes de nos oferecer mais do que vagas referências à
tradição como explicação para suas teses tão impopulares em nossos tempos, as atitudes
modernas em relação a sexo, por outro, têm consequências evidentemente corruptoras e
tenebrosas. Se sexo é mero produto da evolução, os machos nascem para espalhar sua
semente e as fêmeas, para escolher os parceiros mais fortes. Em termos humanos isso
simplesmente quer dizer que os homens nascem para ser adúlteros contumazes e as
mulheres para ser vadias de bandidos. Se tudo é sexo, como querem certas correntes da
psicologia moderna, quem morde um lápis ou fuma um charuto já cometeu adultério em
seu coração. Há também a vertente “mística nova era” segundo a qual sua espiritualidade é
medida de maneira mais ou menos direta pelo número e qualidade dos seus orgasmos.
No plano concreto das escolhas reais, é preciso lembrar que a verdade é necessária
mesmo quando não a compreendemos. Antes de encarar a questão teoricamente, considere
que se a posição religiosa parece opaca isso pode ser devido mais aos defeitos intelectuais
particulares dos fiéis e sacerdotes que a ensinam e à nossa própria indiferença e estupidez ao
ouvi-la do que ao conteúdo direto das doutrinas em questão. É possível termos perdido de
vista os dados fundamentais capazes de tornar essa doutrina clara. Considere também que
as doutrinas religiosas trouxeram para a humanidade a companhia de multidões de santos e
santas, enquanto o experimentalismo moderno só teve por efeito nos obrigar a conviver
com multidões de viciados e viciadas em pornografia, pílulas, brinquedos e dietas. Isso devia
bastar escolher um lado. Dize-me com quem queres andar e te direi quem és.

1
Experimentalismo é a atitude de explorar novos conceitos e representações de mundo, rompendo com as convenções
estabelecidas na tradição artística e literária.
Luiz Gonzaga de Carvalho Neto | 04

Que é sexo?
Para responder essa questão o primeiro que é necessário é recuperar a inocência. Falo
antes de inocência intelectual que de inocência moral, pois o telhado protetivo da moral
desaba fácil quando sobrecarregado de dúvidas. Inocência intelectual é um tipo de
abandono das noções em favor da percepção. É algo aparentado com a ignorância socrática,
com o unknowing2 do monge anônimo, com a não-mente do zen3 e a pobreza de espírito do
Evangelho. Não digo que essas atitudes são todas equivalentes perfeitas, mas que todas elas
guardam algo em comum e, de certo modo, apontam para a mesma direção. No caso de que
tratamos, é tentar olhar para as coisas que têm sexo antes de criar um pseudo debate de
explicações que só existe em nossa cabeca. Para quem faz esse esforço na direção da inocência
é evidente que sexo é em primeiro lugar a divisão de papéis em relação à reprodução. É
também evidente que meu próprio sexo é facilmente verificável com um breve olhar para o
conjunto de órgãos que tenho entre as pernas.

“Façamos o homem à Nossa Imagem e semelhança”4 e “macho e fêmea Ele os criou”5

É interessante notar que uma das primeiras coisas que Deus quis nos informar acerca
da condição humana depois da queda foi a vergonha de ter o sexo exposto. A nudez real e
direta – não a da arte, que é meramente representada – é capaz de causar diversos tipos de
reação, desejo, aversão, desdém e indiferença. Com o pecado original a semelhança com
Deus foi quebrada e a Imagem Divina no coração foi enterrada sob os fragmentos
desordenados da semelhança perdida. De todos os motivos para se envergonhar, porque
sentir vergonha da nudez? Creio que o sexo revela no corpo algo dessa semelhança perdida.
Homo representa a Imagem Divina, enquanto macho e fêmea indicam modos fundamentais
de semelhança. Talvez muitos dos elementos “culturais” de masculinidade e feminilidade

2
desconhecido · ignorante · ignorância · desconhecedor · sem saber · desavisado · inconsciente · involuntário.
3
Wu Wei pode ser traduzido de modos imprecisos como Não-Mente, como pode também ser traduzido como
Não-Ação. o Wu Wei visa superar o estado ou condição mental que gera ou causa o sofrimento.
4
Gênesis 1 26
5
Gênesis 1 27
Sobre o Sexo e a Modéstia | 05

resultem de esforços para reconstituir uma semelhança divina. O sexo então indica algo que
é simultaneamente menos que eu – essa é sua dimensão puramente biológica, e algo que é
mais que eu – na sua dimensão simbólica, o sexo é como um indício de um potencial na
direção de uma Virilidade Perfeita ou de uma Feminilidade Perfeita. Nossos primeiros pais
então sentiram vergonha de exibir uma promessa que eles já não podiam cumprir e alguma
apreensão ou mesmo medo do que sua nudez podia causar ou deixar de causar. Vergonha de
uma semelhança da qual o sexo (como mero fato biológico) é só uma dolorosa lembrança.
Toda discussão sobre se a identidade sexual é “natural” ou “cultural” parece fazer de
conta que não somos animais racionais. Não somos uma sobreposição lógica dos conceitos
“animal” e “racional”, nem tampouco uma junção ou mistura de dois elementos
provenientes de mundos diferentes (material + imaterial), somos todos instâncias reais de
uma espécie em que animalidade e racionalidade constituem uma só realidade vital. Mas é
preciso ir muito além desse pseudo-dualismo e lembrar que há ainda um terceiro elemento
em nossa constituição. Homo, seja Vir6 ou Femina7, é corpo, alma e espírito. E na
sexualidade humana, como em tudo o mais que é humano, cada um desses componentes
tem que deixar sua marca. No corpo, basta olhar o que tenho entre as pernas para saber qual
é o meu sexo. A isso se acrescenta uma identidade sexual anímica, parte natural, parte
aprendida ou cultural (para quem não conhece as cosmologias tradicionais da humanidade,
a alma é o elemento intermediário, parte semelhante ao espírito, parte semelhante ao corpo).
Mas também sou espírito, e isso quer dizer que, para ser humano, o sexo também tem que
permitir a contemplação e assimilação de qualidades espirituais que transcendem tanto a
natureza quanto a sociedade, tanto o corpo quanto a alma.

6
Homem.
7
Mulher.
Luiz Gonzaga de Carvalho Neto | 06

Ninguém Deseja o que já Possui

Ninguém deseja o que já possui. Isso não é uma ordem, é simples bom uso da
linguagem. Se acontecer de alguns homens desejarem outros homens e de algumas mulheres
desejarem outras mulheres, é simplesmente porque sentem que o desejado possui algo que
ao desejante faz falta. Nenhum homem é completamente masculino, nenhuma mulher é
completamente feminina. Em todos nos falta algo. Creio que essa é a razão que leva alguns
homossexuais a crer que somos todos homossexuais no fundo. Também entendo que
romper com as formas sociais – às vezes bem artificiais – de masculinidade e feminilidade
pode ser bastante libertador e até um ato que envolve coragem e sinceridade.
Mas discordo das conclusões que normalmente se tiram dessas ideias. Se é verdade
que nenhum homem é perfeitamente masculino e nenhuma mulher é perfeitamente
feminina, não se conclui que são todos masculino/feminina. Muito menos se conclui que o
mero contato erótico com outros indivíduos, sejam eles do mesmo ou de outro sexo, possa
fazer algo para curar essas deficiências.
Me parece que os homens são parte masculinos, parte fragmentos desordenados de
uma semelhança divina perdida e que o mesmo vale para as mulheres. Até onde vejo, a
relação entre este homem concreto e “Vir Perfeito” ou entre esta mulher concreta e
“Femina Perfeita” é a relação entre um fragmento de símbolo e a perfeição simbolizada.
Acredito que o sexo é ao mesmo tempo sinal de um dom corporal e de uma dívida
espiritual. A quem foi dado nascer de um sexo cabe agradecer ao dom corporal de ser
homem ou mulher como Homo, isto é, completando o dom corporal com uma
Masculinidade ou Feminilidade espiritual.
Esse completar o dom corporal com um aperfeiçoamento espiritual não depende
necessariamente de atividade sexual. Depende de uma compreensão do que é a Imago Dei
que foi soterrada e da reconstituição da semelhança a partir do dado físico que nos resta.
Isso é possível na virgindade consagrada e na sexualidade consagrada. A mera atividade
sexual não pode conduzir ninguém a nenhuma perfeição espiritual. É necessário usar o sexo
num quadro simbolicamente adequado e com a graça de Deus ou renunciar a seu uso num
quadro equivalente. Tanto a virgindade quanto a sexualidade envolve elementos de amor e
sacrifício. A virgindade consagrada se baseia no fato de que a Imago Dei está dentro de nós e
é portanto possível recuperá-la contando somente com a ajuda do próprio Deus, sem
Sobre o Sexo e a Modéstia | 07

nenhum auxílio humano. A virgindade consagrada vai direto ao essencial: “Uma só coisa é
necessária”, “escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada” e “buscai somente o reino dos
céus e sua justiça e tudo o mais vos será dado por acréscimo”. A virgindade é um renunciar a
um apoio no próximo (num cônjuge) e contar com o apoio direto de Deus. Ora, o apoio
direto de Deus é mais perfeito do que o apoio mediado pela criatura, pois Deus é mais
perfeito que a criatura. A renúncia ao uso do sexo cria na alma do consagrado um espaço
preenchido pelo Espírito Santo pelo Dom do Amor que Deus sente pelo Homo, Vir e
Femina, e resulta na expansão quase indefinida do potencial real de amor do consagrado ao
próximo. Para quem escolheu a virgindade, todos os seres humanos são sua própria família.
Esse amor é bem fácil de notar nos bons sacerdotes, frades, monges e monjas. Quando
conversamos com eles sentimos claramente que eles são realmente nossos pais e mães,
nossos irmãos e irmãs. Sua renúncia é uma morte espiritual que se repete continuamente,
por todos os dias de suas vidas. Quem não sente profunda reverência ao conhecê-los e ao
refletir sobre isso está espiritualmente morto.
Luiz Gonzaga de Carvalho Neto | 08

A Perspectiva Espiritual da Sexualidade


A perspectiva espiritual da sexualidade consagrada é um pouco diferente, mas visa o
mesmo propósito. Ela se baseia no fato de que, juntos, homem e mulher constituem eles
mesmos uma imagem da Imago Dei8 e esse é um poderoso símbolo para quem o
compreende. O elemento de disciplina não se baseia diretamente na renúncia, mas no
perdão e na misericórdia. Por todos os dias de suas vidas, esposo e esposa terão que perdoar
um ao outro por ser somente “este homem” e “esta mulher” e não “Vir Perfeito” e “Femina
Perfeita”. E este perdoar as deficiências pessoais em razão do Dom Universal é um
importante componente da alquimia espiritual do matrimônio. “Com a mesma medida
com que julgardes sereis julgados” e “quem recebe um profeta na qualidade de profeta, terá
recompensa de profeta”. Ou ainda, “bem-aventurados os misericordiosos, porque
alcançarão misericórdia”. Perdoar a esposa quando ela é “só esta mulher aqui” em razão do
amor pelo dom de Femina Perfeita que ela porta em si e concede a ti cria na alma do homem
um espaço que o Espírito Santo preenche com virilidade espiritual e o mesmo vale para a
esposa que perdoa o marido pelo motivo correspondente. Na vida em família o amor ao
próximo se vê na prática relativamente restringido a um círculo menor de pessoas, mas isso é
compensado pelo fato desse amor cumprir a função sagrada de perpetuar a presença da
Imago Dei neste mundo.
Não escrevo estas linhas para dizer aos outros o que eles devem fazer (mais uma vez,
faço minhas as palavras do meu pai Olavo de Carvalho: “Quase nunca sei o que os outros
devem fazer”), mas simplesmente para informar meus amigos das possibilidades que a
virgindade consagrada e a sexualidade consagrada podem oferecer e para lembrar que essas
formas de consagração são as reais “opções” sexuais e espirituais para o ser humano que quer
ser perfeito.
É tão fácil e lugar comum nos nossos tempos denunciar os que consagraram sua
virgindade a Deus por não serem sempre fiéis a seus votos. Mas ninguém fala da culpa dos
casais que fazem pouco ou nenhum uso espiritual do matrimônio. A maior parte dos casais
sequer concebe o que é sexualidade consagrada.

8
“À imagem de Deus”.
Sobre o Sexo e a Modéstia | 09

Entre o iconoclasmo da ideologia de gênero – que quer abolir a ideia de identidade


sexual natural (como fazer isso sem destruir o que temos entre as pernas?) e a idolatria das
“medidas perfeitas”, que com sua dietas e ginásticas quer fazer de nossos corpos perfeitas
fábricas de “sex appeal”, já não sobra nenhum espaço para uma verdadeira iconodulia9 do
sexo.

9
Iconodulismo designa o serviço religioso aos ícones. O termo vem do grego neoclássico εἰκονόδουλος, que
significa “aquele que serve imagens”.
Luiz Gonzaga de Carvalho Neto | 10

Sobre a Guerra dos Sexos

O desejo mais comum nos homens é o de dormir com o maior número possível de
mulheres atraentes. Já o desejo mais comum das mulheres é estar entronizada no coração do
mais poderoso dos homens.
Para satisfazer o desejo dos homens, seria necessário criar uma sociedade em que a
sexualidade feminina estivesse totalmente “socializada”, uma sociedade em que todos os
homens pudessem dormir com todas as mulheres e nenhuma mulher pudesse se negar
sexualmente a nenhum homem.
Para satisfazer o desejo das mulheres, seria preciso criar uma sociedade em que os
homens estivessem permanentemente em guerra com outros homens. Assim seriam
selecionados somente os mais bravos e fortes e todos os homens seriam potencialmente
atraentes para as mulheres. O excedente populacional feminino faria da poligamia a norma
geral e todas as mulheres poderiam estar fortemente ligadas a homens poderosos.
Vamos chamar a primeira sociedade de “modelo masculino”, pois nela são os desejos
masculinos que subordinam os desejos femininos. E a segunda vamos chamar de “modelo
feminino”, pois aqui são os desejos femininos que se sobrepõem aos desejos masculinos e
determinam a forma da sociedade.

Como tem por finalidade satisfazer os homens, o “modelo


masculino” se destaca pela gentileza, pela sociabilidade e pelo desapego,
enfim, é uma sociedade bem “feminina”. Já a sociedade moldada pelos
desejos das mulheres, essa se diferencia pela bravura, pela força e pelo
heroísmo. É uma sociedade bem “masculina”. Sociedades dos dois tipos já
existiram em modo tribal. Nenhuma jamais existirá que possa corresponder
aos dois tipos ao mesmo tempo.

Assim, a “guerra dos sexos” é uma guerra entre dois modelos subconscientes de
sociedade absolutamente incompatíveis. A sociedade que se propõe a total “liberação
sexual” vai criar e alimentar dentro de si os dois modelos sociais antagônicos. Nessa
sociedade, a única maneira real de diminuir a tensão entre os dois modelos é tentar limitar o
desejo sexual. Isso se faz em nossa civilização por três meios:
Sobre o Sexo e a Modéstia | 11

1. Pelo uso de meios químicos capazes de reduzir ou alterar os desejos.


2. Pela superexposição ao sexo “maquiado”, que resulta em dessensibilização ao
sexo real.
3. Pela redução das diferenças entre os sexos.

Agora, o problema dessa civilização vai ser que essa alteração e diminuição geral do
desejo natural terá dois efeitos colaterais: o surgimento de inúmeras taras sexuais
compensatórias, e uma inevitável redução da taxa de natalidade. Talvez ela possa compensar
o primeiro efeito com a aceitação e normalização de todas as taras; e o segundo, com grandes
volumes de imigração. Pessoalmente, não acredito que vai dar certo.
Se a gente pensar bem, acaba percebendo que em nenhuma sociedade justa é possível
a plena satisfação dos desejos sexuais por meio da liberação sexual. A “liberação” vai tender
sempre, ou na direção do modelo masculino – que é bom para os homens e ruim para as
mulheres, ou na direção do modelo feminino – que é bom para as mulheres e ruim para os
homens. Ou pela criação da “terceira via”, que é ruim para todo mundo.
Outra alternativa bem diferente é condenar moralmente a “liberação sexual” e limitar a
prática do sexo sem tentar alterar a natureza do desejo sexual. E a verdade é que até muito
recentemente, todas as soluções razoáveis para esse dilema envolveram a recriminação
pública do sexo, sua limitação à esfera privada e formalizada do casamento, e a criação do
pátrio poder na esfera doméstica.
Dentre as melhores soluções que aplicam essas restrições estão a da odiosíssima
cristandade tradicional (proibição do sexo fora do casamento, ocultação pública dos
atributos sexuais pela vestimenta, casamento estritamente monogâmico e em princípio
indissolúvel, e tolerância ao adultério – desde que não cause escândalo público), e a do
odiosíssimo mundo islâmico (proibição do sexo fora do casamento, ocultação pública dos
atributos sexuais pela vestimenta, casamento majoritariamente monogâmico, poligamia e
divórcio bem controlados e limitados, e máxima intolerância ao adultério).
Alguém pode argumentar que nenhuma dessas soluções é “ideal”. Mas quem disse
que este mundo é ideal? Por que diabos toda vez que tentamos descrever o mundo como ele
é, a reação é sempre nos pedir para descrever como acreditamos que ele deveria ser?
Luiz Gonzaga de Carvalho Neto | 12

Sobre a Verdadeira Modéstia


A modéstia – ou pudor – não consiste em se vestir como uma mãe de família de
propaganda de margarina dos anos 50, embora não haja nada de mal nisso e também não se
deva cair no exagero contrário (mini saia, shorts na missa etc.). A modéstia consiste em uma
atitude de não exibicionismo (provocativo) em relação ao sexo oposto salvo interesse
honesto explícito. Quem, por exemplo, não pode ver uma roda de conversas composta por
pessoas do sexo oposto sem se atirar no meio e ser o centro das atenções, é uma pessoa
imodesta. Afinal, o que é isto que estamos realmente tentando esconder e ao mesmo tempo
mostrar com as vestes?
Avisos:
1. As notas a seguir têm como pressuposto o dirigir-se a alguém já
familiarizado com as minhas aulas. Não vou explicar aqui o que é
alma vegetativa10, estimativa, símbolo, plano imaginal e etc.
2. Considerem essas notas como meros apontamentos para uma possível
aula sobre o assunto.
3. As notas a seguir também podem fornecer um exemplo do tipo de
especulação que se passa na minha cabeça quando alguém fala de
modéstia.

Antes de fazer qualquer especulação sobre modéstia ou imodéstia no vestir, me


parece conveniente fazer um breve exame introdutório. Afinal, o que é isto que estamos
realmente tentando esconder e ao mesmo tempo mostrar com as vestes?

“E macho e fêmea Ele os criou”,


“E abriram-se lhes os olhos, e conheceram que estavam nus”11

As passagens acima indicam que o Gênesis dá como propósito original das vestes o
esconder a nudez. Como eu tenho o costume de acreditar no Gênesis, minha investigação
vai girar em torno das questões:

10
Alma vegetativa: a alma vegetativa é responsável pela geração, nutrição, pelo crescimento e pela reprodução dos seres
vivos. A tese de Aristóteles: a natureza – o corpo apenas – não é suficiente para explicar todas essas atividades; Livro II,
Capítulo 4, 415 a 22 – 415 b 21. c.
11
Gênesis 3:7.
Sobre o Sexo e a Modéstia | 13

1. “O que é a nudez?”
2. “Porque ela deve ser coberta por vestes?”
3. “Qual é o modo adequado de cobri-la?”

Vamos ver se podemos dar alguns passos na direção da resposta à primeira pergunta.
Independente de outros possíveis significados, a nudez do Gênesis evidentemente se refere
aos genitais. E os genitais explicitam o sexo (macho ou fêmea). Então me parece que não é
possível responder o que é a nudez do Gênesis sem tentar entender as diferenças sexuais na
espécie humana.
O primeiro plano em que é podemos tratar a diferença entre macho e fêmea é o
vegetativo. Macho e fêmea são funções reprodutivas, estão ligadas à função principal da
alma vegetativa, que é a reprodução. Que macho e fêmea são diferentes no domínio
vegetativo não é preciso argumentar e as implicações disso para a vida humana vão ser
discutidas mais adiante.
O segundo plano é o sensitivo. Somos animais, isto é, somos dotados de sentidos.
Macho e fêmea são sensivelmente diferentes.
Como as faculdades sensitivas não estão restritas aos sentidos particulares, mas
compreendem em seu conjunto a estimativa, a percepção de características físicas
masculinas e femininas indica que tipo me é agradável e desejável num outro ser humano e
ao mesmo tempo põe em ação a avaliação estimativa de qual tipo me é possível realizar.
Todo ente tende para a sua própria perfeição como a um fim, e essa tendência se torna
inclinação psicológica no animal (e em nós) por meio da avaliação do conjunto das
faculdades sensitivas. A estimativa se destaca dos sentidos particulares por sua ação dupla,
uma ligada à superação de dificuldades e obstáculos que impedem a satisfação dos sentidos
externos e outra que é superior aos sentidos externos, pois se refere ao potencial do animal
para sua tipicidade própria tal como percebida pelos sentidos internos.
O terceiro plano é o do imaginal. Como somos seres humanos, i.e., animais
racionais, as diferenças sensitivas não são meros dados brutos, mas carregam sempre valores
estéticos. Neste plano somos capazes de pressentir nas qualidades sensíveis que diferenciam
macho e fêmea indicações de tipos máximos. Enquanto a quantidade é medida por um
mínimo (unidade), a qualidade é medida por um máximo, por sua tipicidade. É
principalmente neste plano que começamos a nos diferenciar claramente dos outros
Luiz Gonzaga de Carvalho Neto | 14

animais. Sem a formação imaginal de tipos esteticamente ideais de masculinidade e


feminilidade a atividade da inteligência será profundamente prejudicada. Se a arte sem
ciência é nada, a ciência sem arte é mais ignorância do que ciência.
No plano mais propriamente humano, que é o plano do racional e intelectual, a
captação estética dos tipos máximos fornece material para a inteligência apreender neles
símbolos metafísicos, perfeições humanas e conceitos adequados.
A partir dos tipos ideais estéticos podemos extrair modelos morais, entendidos estes
tanto no sentido de perfeição moral intrínseca, quanto no sentido de moral social extrínseca
e acidental. Em outras palavras, é dessa apreensão estética no plano imaginal que extraímos
ideias acerca dos comportamentos reais que se harmonizam efetivamente com os tipos
ideais masculinos ou femininos (aspecto moral intrínseco) na sociedade real e concreta em
que vivemos (aspecto moral extrínseco). Dos mesmos tipos estéticos podemos também
extrair símbolos, podemos aprender algo acerca de Deus a partir de Homem e Mulher, suas
imagens ao mesmo tempo naturais e sagradas.
A apreensão intelectual, por sua vez, fornece à vontade algo para amar. Esse amor
encontra vazão tanto num sentido transcendente, na direção de Deus, agora mais conhecido
por meio de suas imagens Homem e Mulher, quanto no sentido imanente, pois
conhecemos homem e mulher como modelos de conduta humana. Essa ascensão cognitiva
de macho e fêmea como funções reprodutivas -> aparências sensíveis -> tipos estéticos ->
modelos intrínsecos e extrínsecos de conduta -> símbolos teológicos e metafísicos NÃO é
espontânea, nem muito menos reflete uma ordem sucessiva em que apreendemos os
fenômenos.
Ela foi indicada aqui somente para dar uma breve indicação da imensidão de
conteúdo oferecida à alma humana na simples percepção de que existem homens e
mulheres. Ainda que não tenha sido examinado e discernido, todo esse conteúdo é
despejado de uma só vez em nossas almas por simples percepção direta. Ainda que a
ascensão cognitiva não seja natural e espontânea, ela pelo menos não é realmente muito
problemática para quem esteja acostumado a uma atitude verdadeiramente intelectual ou
contemplativa. Mas a descida de volta à caverna será com certeza muito mais acidentada.
Se todo o conteúdo cognitivo do fato da masculinidade ou feminilidade descrito no
post acima pode se despejar sobre uma alma humana subitamente e pode ser pressentido
integralmente numa única curva dum corpo, num único olhar, num único sorriso,
podemos prever que o impacto que esse momento singular exerce sobre a alma individual é
Sobre o Sexo e a Modéstia | 15

incomparavelmente estonteante e quase sempre invencível. A exposição repentina, ainda


que fugaz, mas real, a um por cento do que é ser homem ou mulher é suficiente para causar
paixões avassaladoras praticamente irresistíveis num indivíduo perfeitamente normal e
mesmo em um acima do normal.
É certo que hoje todos são muito cínicos e bem pouco contemplativos, então a força
avassaladora de que falei no parágrafo anterior provavelmente tem algo de inverossímil e de
irreal para quase todos. Para vencer o cinismo e a força avassaladora do fato sexual humano
deixar de ser inverossímil, o único recurso da maioria é reduzir o conteúdo indicado no post
ao que seja facilmente concebível. O que tem por consequência reduzir o fato do sexo
somente aos planos cognitivos mais familiares, mutilando de maneira fatal o objeto em
questão e tornando impossível avançar no assunto de maneira inteligente.
Fazendo uso de chavões determinados, seja pelo ambiente social mais imediato, seja
pela arte, seja pela religião, seja pela falta de religião, o sujeito imediatamente trava o
intelecto contemplativo e se conforta com o retorno à familiaridade psicológica de sua
própria cosmovisão. Em outras palavras, a nudez de que fala o Gênesis é um objeto
cognitivamente tão imenso que é praticamente impossível de ser exposta integralmente.
Pode não ser a única, mas a primeira razão para cobrir a nudez é que ela já está efetivamente
coberta e é mais ou menos impossível de ser descoberta realmente sem violar as condições
práticas da vida terrestre.
A primeira razão para cobrir a nudez é como a razão para a ausência de naturalismo
nos ícones. É simplesmente impossível desenhar a santidade dos santos tal como ela existe
no santo tridimensional de carne e osso.
Luiz Gonzaga de Carvalho Neto | 16

Considerações Mais ou Menos Históricas:

(Estou simplificando a história, não foi exatamente assim como


vou falar aqui. Mas enfatizei os aspectos que são relevantes para
o assunto de que estamos tratando.)

Nas origens mais ou menos remotas dos costumes tardios de uma civilização estão os
diversos grupos sociais que lhe deram identidade histórica. Cada grupo tem seu próprio
ethos12, seu próprio senso de certo e errado, de bem e mal. Nas origens da civilização
ocidental somente dois grupos tinham um ethos bem definido acerca do sexo, o clero e a
nobreza.
O clero tinha um ethos fortemente monástico, de celibato total, que é naturalmente
acompanhado por um sentimento de pureza da abstinência. Não é que reprovavam
moralmente o sexo enquanto tal, mas sim que, estando o sentimento de pureza associado à
abstinência total, e ele necessariamente o está no ethos monástico, toda e qualquer
manifestação de sexualidade corresponde à impureza, ao menos no modo de sentir. Já a
nobreza, que era ainda constituída principalmente de pessoas ativamente engajadas em
guerras e combate corpo a corpo, tinha um ethos bastante diferente. De um modo geral, os
guerreiros têm a tendência natural a considerar coisa miúda os adultérios e as fornicações.
Quem tem que passar meses arriscando a vida longe de casa e da esposa acaba desenvolvendo
algum grau de indiferença pelo que aconteceu na cama do castelo quando estava matando
vikings e tentando não ser morto por eles. Correspondentemente, as esposas dos guerreiros
também acabavam aprendendo a não perguntar se, entre uma batalha e outra, seu marido
não tinha dado uns chamegos numa pobre aldeã qualquer. Foi só num tempo posterior que
o ethos de artesãos e comerciantes, gente muito urbana, começou a contar alguma coisa.
Gente urbana tende a ser incrivelmente inclinada ao amor das aparências e a ter um ethos
que quase sempre se define somente por tentar se diferenciar da “ralé”, isto é, da gente
menos capaz, geralmente muito pobre, que é naturalmente atraída pelas migalhas de

12
Ethos significa um conjunto dos costumes e hábitos fundamentais, no âmbito do comportamento (instituições,
afazeres etc.) e da cultura (valores, ideias ou crenças), característicos de uma determinada coletividade, época ou
região.
Sobre o Sexo e a Modéstia | 17

prosperidade que pode mendigar nas cidades. Essa gente muito pobre costuma ter muito
pouco de ethos no sentido próprio, ela geralmente aceita como mais ou menos normal tudo
que se possa resolver com brigas, “barracos” e, em último caso, facadas.
Sendo realmente incapaz de emular o clero ou a nobreza, a gente urbana mais
próspera é a grande mãe dos moralismos ocos e da famigerada "mentalidade burguesa", da
gente de bem, da “família estruturada” – família na qual existe adultério, formicação,
incesto, estupro, alcoolismo e tudo o que a gente de bem publicamente despreza, desde que
se possa manter as aparências.
O mesmo ethos de gente de bem existe igualmente entre os nobres quando estes
deixam de ser gente da guerra para se tornar gente da corte, habitantes dessa cidadezinha de
luxo que vive dentro da cidade vulgar. Também acontece o mesmo com o clero, quando se
afasta de suas raízes ascéticas e começa a ser somente membro da corte do bispo.
De modo geral, nos dias de hoje só tem existência social real o ethos de aparências da
gente de bem e o tudo se resolve com barraco dos miseráveis. Essa é uma das razões de
parecer que o dilema das questões sexuais é uma mera questão de moralismo versus
libertinagem.

Luiz Gonzaga De Carvalho Neto

You might also like