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EFICACIA E AUTORIDADE DA SENTENCA E OUTROS ESCRITOS SOBRE A COISA JULGADA fos a0 ai (Com aditamei ) Tradugao de ALFREDO BUZAID e BENVINDO AIRES EDIcxo REVISTA FORENSE 1945 PREFACIO Bste loro néo é monografia sobre a coisa julgada, mas uma contribuigéo para o estabelecimento de seu conceito. Aspectos importantes da teoria da coisa julgada néo se acham nele estudados ou s6 incidentemente sdo considerados, 0 passo que outros teem desenvolvimento exagerado, em relacdo @ economia do trabalho. A razdo disso é que éle foi pensado e escrito com o escopo de orientar o estudo do assun- to por um caminho diverso. Esta cireunstancia explica tam- bém a extensiio dada d discussdo das opinies dos outros escritores. O que ndo quer dizer que das idéias expostas neste volume nia decorram consequéncias préticas importantes; Para provd-lo, bastam os ezemplos aduzidos no capitulo final. Seriam elas, porém, ainda mais numerosas, se essas idéias fés- sem desenvolvidas numa exposicéo sistemdtica de teorta da coisa julgada. Sem excluir a possibilidade de fazer no futuro ésse tra- dalho, decidi, todavia, autorizer, por ora, a publicacto de uma traducéo em lingua portuguesa do livro em sua forma origindria, acompanhado de alguns outros escritos menores, dedicados ao mesmo assunte ou. a assuntos conezos. Duas so 4s consideragdes que me induziram a fazé-lo. Em primeiro lugar, pareceu-me dever aproveitar 0 cuidadoso trabalho de ‘meus amigos Aurrepo Buzam ¢ BeNvipo AMES, que espon- taneamente empreenderam a tarefa da iraduedo. Em segun- do lugar, as referéncias feitas ao meu estudo em alguns re- centes livros brasileiros ¢ principalmente no III volume do grande Comentario de Pxpro Barista Martins, me impuse- blico do pais que carinhosamente me hospé que as circunstdncias do momento 6 permitem dispor de um encontrar campo de ati- estendido ds doutrinas. O pen- fico, isto é, quando consegue ele- yese @ elaboracéo de conceitos gerais, ie trabalho que podem ser titeis ainda na interpretaco de direito positivo diferente daquele em relacdo ao qual foram ori concebidos. ‘uma doutrina juridica delas, ou interpretam uma sua efetiva tendéncia evolutiva, ou ainda quando refletem novas aspiracées da sociedade hu- Erteicta & Avrosrpape pa SereNca 1 ‘mana, em uma palavra, quando esclarecem ¢ revelam fend- meno juridico realmente ezistente no corpo social ao qual se pretendem aplicar. Os conceitos doutrindrios néo teem outra finalidade legitima sendo exprimir e condensar, em ordem logicamente coerente, a realidade fenoménica do di- reito. Mais do que nunca, ao utilizar conceitos elaborados iso lembrar a sdbia mézima fur, sed ex fure, quod , . Afinal, as regulae, ou sejam, os conceitos juridicos, nada mais so do que hipéteses de trabalho, cuja ezatiddo deve ser constantemente verifi- to positivo, 0 tinico que ministra os dados, para a construedo do sistema do direito. Neste momento, a doutrina do proceso civil deve, em Jace da reforma legistatina ¢ das transjormagées que vem sofrendo o mundo inteiro, renovar os sexs conceitos e 05 seus Principios ; por isso, pode ser mais perigosa e deve ser mais cuidadosa a aplicagdo de doutrinas estrangeiras. $6 0 conhe- ctmento claro e firme da propria individualidade do direito Processual civil brasileiro, conseguido pelo estudo de sua for- ‘macao histérica, permite fazer essa aplicacdo sem. corer 0 De- igo de desnaturar-ihe o espirito ou alterar-the o equilibrio alcancado em tantos séculos de trabalhosa evolueao. Ora, quem melhor do que o préprio autor do tivro es- trang Nao sei se logret estar 4 altura de minha tarefa, ao escrever estes aditamentos e, em geral, 0 que publiquei nestes tiltimos anos; em todo caso, ai véo consignadas as preocupa- es de ordem metodolégica presentes a meu espirito, ao dar ‘minha contribuicdo ao estudo do Cédigo de Processo Civil do Brasil. Por outro lado, voltando a considerar mais de perto o , Caso déste livro, havia uma circunstancia que tornava dificil a adaptacéo aludida na jorma de notas fragmentérias; desejo 8 ‘Ewico Tuutto Lremea por isso expor, @ guisa de premissa, algumas observaces ge- rais. 0 fato é que, no Brasil, a doutrina de Curovenna sobre a coisa julgada ndo foi até hoje plenamente desenvolvida em todo o seu alcance, ao passo que 0 meu tivro representa @ ten- tativa de um parcial superamento dessa doutrina. Dai 0 pe- rigo de certa confusdo na apreciacéo dessas vdrias correntes de idéias e dos respectivos resultados. A obra de CaIOVENDA, também neste ponto, quer como sintese do que de melhor nos deu a doutrina moderna, quer como contribuicdo pessoal, representa um passo de fundamental importdncia na evolugao do direito processual, e néo pode ser comparada — sobretudo — é de qualquer outro escritor contem- imir sua significacdo na distinedo entre preclusdo e coisa julgada. Esta distinedo que, desenvolwida coerentemente em tddas as suas consequéncias, serve para es- clarecer a diferenca entre duas coisas praticamente muito di- si, sente-se muito a vontade na tradigdo juridica soube, methor do que 0 direito de qual- servar a separacdo conceitual entre a sen- € os despachos interlocutérios. A meu ver, todavia, Cmrovenva joi, por ésse caminho, longe demais, a0 afirmar a substancial diferenca da natureza dos dois fend- ‘menos, quando se t ites do diverso significado que adguire um fenémeno juridico essencialmente tinico, em ra- 2G0 do diferente objeto sébre o qual opera. Isso implica, na- turalmente, um conceito diverso da coisa julgada e nele re- side 0 primeiro dos resultados a que cheguei neste livro. Ao que me parece, a teoria da coisa julgada, por um lado, € a classificagdo dos efeitos da sentenca, por outro — apesar de apresentarem problemas estreitamente conexos — foram estudadas em separado, recebendo solugdes que id niéo concor- davam entre si. Tornou-se necessdria uma revisdo désses pro- blemas. Ademais, tendo o proceso tomado definitivamente seu lugar entre os institutos do piiblico, era ‘preciso te) na categoria dos atos do poder piiblico e por em evidéncia Erredcta & AUTORIDADE DA SENTENGA ® 05 caracteres que, como tal, ela apresenta. Eis 0 que procuret fazer. O tempo decorrido apés a publicacéo de meu livro e as discusses que a acompanharam, deram-me a oportuni- dade para meditar longamente s6bre as suas conclusdes. Penso, porém, nao dever modificd-las. A diferente sistematizacdo do conceito da coisa julgada leva logicamente a outro resultado, cujas consequéncias prd- ticas siio relevantes : refiro-me é posic&o dos terceiros. este é um problema que, em todos os tempos, tem proporcionado grandes dificuldades tanto 4 teoria quanto a prética, porque @ grande variedade de relagdes que os terceiros podem ter com 0 objeto do litigio torna impossivel a fizagdo de uma regra satisfatéria em tédas as suas aplicagdes. Assim, o prin- cipio que limita as partes a autoridade da coisa julgada sem- pre comportou excecdes, que a doutrina procurou justificar com maior ou menor acérto. Nestes tiltimos tempos, impor- tantes correntes da doutrina esforcaram-se por alargar 0 mbito de extensdo da coisa julgada e, em alguns casos, até por quebrar 0 cléssico principio, invalidando praticamente os seus efeitos. Nao estaria talvez errado quem visse, nessas cor- rentes, um reflezo, provavelmente inconciente, da tendéncia sociatizadora e anti-individualistica do direito, que vem abrin- do caminho em téda parte. 0 homem jd néo vive isolado na sociedade. A atividade do individuo é de maneira crescente condicionada pelas atividades dos seus semelhantes; aumenta @ solidariedade e a responsabilidade de cada um e seus atos se projetam em esfera sempre maior. Contudo, as correntes extremistas, ao estudar a exten- sdo subjetiva da coisa julgada, chegaram a resultados inacei- tdveis, que importam o sacrificio irrestrito da posicéo dos terceiros, intolerdvel principalmente na hipétese de fraude organizada para prejudicd-los. O proceso tornar-se-ia md- quina perigosa, cujo uso constituiria grave ameaca para aque- les que dele néo partictparam. A elaboracéo do conceito da eficdcia natural da sentenca, como distinta ¢ menos intensa do que a da autoridade da 10 Exerco Toxtto Lassa coisa julgada, permite alcancar mais amplo aproveitamento dos resultados do processo e diminuir a possibitidade de jul- pério da doutrina tradicional, e deiza ao mesmo tempo lugar aos terceiros para defender seus direitos, quando lesados injustament mais justa e equilibrada. Também nesta parte permaneg do apresentada hé oito anos e que me parece, entre todas, a Sao Paulo, agésto de 1943. dé solu- INTRODUCAO § 1°, APRESENTACAO DO TEMA “Assistimos lenta e progressiva transformagio no modo de entender a eficécia, inerente a sentenca do juiz, que designamos sob o nome de autoridade da coisa julgada”.* ‘Com estas palavras, iniciava Curovenpa, ha trinta anos, sua obra de reviso da doutrina da coisa julgada.« Hoje, ao mesmo tempo que avaliamos téda a importancia das idéias * mores, Sulla cose giudlcats, em Sagpi di diritto procesuate eile, 1, m8 ADITAMENTOS AO § 1° © A importante contribuledo de Cmovenpa & doutrina da coisa julgada (v. as obras citadas em suas Instituigdes de Direito Proces- segs.) consistiu principalmente em depurar o conceito e 0 fendmeno 4a colsa julgada de conceltos e fendmenos afins, isto ¢, em separar 0 ‘seu contetido propriamente furidico de suas justificagdes politico -soolals; em distingulr, dai, a autoridade da coisa julgada da simples ‘preclusio, que é a impossibilidade de se tornar a discutic fim, ‘tdda a atividade puramente logica desenvolvida pelo julz no pprocesso, do campo de aco da colsa julgada, religando esta iiltima 20 ato de vontade ditado na sentenca pelo érgio judicidrio e acen- tuando energicamente a sua finalidade pratiea e o seu carter publi- cistico. 2 Bwarco Tutto Lasan que éle defendeu e, sem interrupedo, desenvolveu até os nos- sos dias, podemos também ouvir-lhe a adverténcia e retomar © caminho, pois é chegado 0 momento de tentar dar outro passo avante na evolueio desta doutrina. Na opinio e linguagem comuns, a coisa julgada é con- siderada, mais ou menos clara e explicitamente, como um dos efeitos da sentenca, ou como a sua eficdcia especitica, enten- dida ela quer como complexo das consequéneias que a lel faz derivar da sentenca, quer como conjunto dos requisitos exigidos, para que possa valer plenamente e considerar-se perfeita. As opinides correntes, ainda as mais autorizadas, osci- Jam entre os limites de tais formulas. Este modo de entender a coisa julgada inspira-se direta- mente em antiga e augusta tradigao, e mais propriamente na romanistica. Em direito romano classico, resumia-se 0 resultado do processo na res iudicata, que vel condemnatione vel absolutione contingit (Movestino, D. 42, 1, 1), 0 que néo teoria ce Carovexpa, combatendo a exagerada exten jana sob a influéncia desta, jontra em CARNELUTT, Sis- I, Padua, 1986, p. 210 e segs, ‘Evicicts = AUTORIDADE Da SeNTEGA B era senfio a res de qua agitur, depois que se julgou devida ou néo devida, * isto é, qual safa transformada da novacéo pro» cessual. A forea criadora da sentenga, por um lado, e, por outro, a consumacio da actio bastam por si s6s para configu- Tar em todos os seus aspectos a significagao da res iudicata, sem necessidade alguma de recorrer a qualquer carter seu especial. © iudicatum ou impunha, na verdade, ao réu uma obrigacdo, sancionada pela actio iudicati, que nao diferia, em nada, das outras obligationes, ou entdo 0 liberava do vinculo emergente da litis contestatio. E a impossibilidade de no- vamente propor a mesma acio era a consequéncia natural a consumagao processual. Assim, para os classicos era a res iudicata verdadeiramente 0 tinico e exclusivo efeito do iudicatum, * sem que, por 1sso, viesse a significar a atribuicdo duma eficdcia especial, visto como aquele nao exorbitava do campo das relages obrigatorias ;+ ao passo que a inexistén- cia de recursos nfo fazia surgir o problema de quando devia a sentenca produzir a res indicata. Nisso se reflete, alids, a concepedo, que tinham os roma- thos classicos, das relagdes entre direito e proceso : pois que ara éles apenas se levava em conta a actio e o direito se * Cmovexn, 0p. ei, p. 40, © Cota gtudieata e precusione, em Riv. tal dt Soi ‘nae Giuridiche, 10, p. 6; B. Brown, Appuntttntorno elle sentenad hel proceso oie romano, em Studs Bonfente, IV, p. 66. * Por to, nfo se deve relacioner com 0 Betto senko & primeirs paste da rubra Dig. ©, 1: de re tuticata (et de effect sententicram ef de tnterlocutioniousy, (tr, Lavat, Faictum perpetanm, 34 62. p. 40, ¢ Brown op. et, pe St? "6 aboundo "tatar dee fd edo do Caso Julgado, Lisboa, 1985, p. 221 © segs.; ANzoNI0 José Buanpfo, Caso Julgado e Preclusdo, em © Direito, ano 69, 1937, p. 200 © segs,, e ano 70, 1938, p. 98 ¢ segs. Na doutrina espanhola: Praza, Derecho procesal civil, Madri, 1942, p. 514 e segs. ; Pato Castno, Exposicién del derecho procesal civil, 1, Saragoca, 1941, p. 310 e segs. Na Argentina: Atsma, Tratado teérico-prdctico de derecho pro= cesal civil, vol. TE, Buenos Aires, 1942, p. 576 e segs. No Uruguai : Couruus, Fundamentos del derecho procesal civit, ‘Buenos Aires, 1942, ps. 98, 163 ¢ 258 ¢ segs. ro Bwaico Tuutto Lanssean considerava unicamente segundo as diversas fases do agere; e para éles, mais do que para quaisquer outros, seria erréneo falar a respeito da coisa julgada numa ficgao ou presungao de verdade, visto que era ela o que de mais concreto e real se podia dar, enquanto a sentenca nao declarava a existéncia ou inexisténcia dum direito, mas criava antes um direito novo.* ‘Téda esta matéria sofreu transformagées profundas com JusTINIANo, que comeca @ distinguir entre os efeitos da sen- tenga e a sua auctoritas; mas, como sempre, manifestaram- -ansformagées do modo mais discreto e menos apa- rente, e, em geral, ndo foram compreendidas em téda a sua significagéo, nem mesmo pelos modernos. tempo (posta de lado a sua imprecisao), inconvenientes gra- ves; enquanto se via na sentenca genericamente a declara- Jo do direito no caso concreto, o efeito desta aplicacao e le operava, podiam sem prejuizo con- esta concepeao da coisa julgada é mais is que (para expressé-lo com uma frase de anecem sem base depois que as circuns- nada no dia em que se fz a anélise do contetido e dos efeitos da sentenga ¢ se descobriu que elas podem, conforme 0 caso, ser de indole bem diversa.* Considerar a coisa julgada como efeito da sentenca e 20 mesmo tempo admitir que a sentenca Enicicta = AUTORIDADE pA SENTENCA 15 ora produz simples declaracdo, ora efeito constitutivo, assim Ge direito substantivo, como de direito processual, significa colocar frente a frente elementos inconcilidveis, grandezas incongruentes ¢ entre si incomensuraveis. Seria, pois, a coisa julgada um efeito que se pée ao lado deles e no mesmo nivel ou se sobrepoe a éles e 0s abrange? Ou é, pelo contrario, antes uma qualidade désses efeitos, um modo de ser deles, a intensidade com que se produzem ? As proprias palavras usadas correntemente indicam-nos © caminho que devemos seguir. Hoje no se fala de coisa jul- gada senao para usar uma forma elfptica, afim de designar a autoridade da coisa julgada (arts. 1.350 e 1.351 do Céd. Civil italiano). Ora, essa expresso, assaz abstrata, nao pode © nao de referir-se a um efeito auténomo que possa estar de qualquer modo sozinho ; indica pelo contrario a forca, a maneira com que certos efeitos se produzem, isto é, uma qua- * lidade ou modo de ser deles. © mesmo se pode dizer das di- versas palavras por que se procura explicar a formula legis- lativa tradicional : imutabilidade, definitividade, intangibili- dade, incontestabilidade, térmos que exprimeni todos éles Seasna Facupes, 0 Contréle dos Atos AdminiStrativos pelo Poder Judicidrio, Rio de Janeiro, 1941, p. 68; Tonauaro Castao, Aedo Decla~ Sentencas declaratérias e constitutivas naturalmente sempre existiram; basta pensar nas sentengas de nulidade e de anulacio do ato juridico. Mas apareciam como simples anomalia em con fronto com a figura mals frequente da sentenca condenatéria e nao eram objeto de estudo particular, ja que se costumava, até ha pouco tempo, estudar o proceso do ponto de vista exterior. A classificacao das sentencas nas trés categorias mencionadas, fé-la primetramente Wacu, Handbuch des deutschen Civitprozessrechts, Leipzig, 1885, BS. 11-12, Gracas ao estudo da disposiedo legal que introduziu como figura geral de tutela jurfdica a aciio meramente declaratérla, foi 20 depois mais eprofundada até tornar-se 0 principal critério para a classificacéo das acées. Esta andilise das varias flguras de senteneas demonstrou precisa- mente a variedade dos seus possivels efeitos. ‘Teem algumas efeito ‘meramente declaratério, outras teem também efeito constitutivo, 16 Ewntco Tonio Lisnuan uma propriedade, uma qualidade particular, um atributo do objeto a que se referem, porque sao, por si s6s, expressies vazias, privadas de contetido e de sentido. ‘A linguagem induziu-nos, portanto, inconcientemente, & descoberta desta verdade : que a autoridade da coisa julgada no 60 efeito da sentenca, mas uma qualidade, um modo de ser e de manifestar-se dos seus efeitos, quaisquer que sejam, varios ¢ diversos, consoante as diferentes categorias das sen- tencas. A andlise do contettdo da sentenga torna, pols, necesséria e urgente essa retificacdo, ou, talvez, essa mais exata tuagdo. A demonstré-la e desenvolvé-la em suas principais, dedica-se a primeira parte déste trabalho, cujo resultado ha-de ser 0 de recompor a unidade do conceito da autoridade da coisa julgada e restabelecer a harmonia entre ela e a moderna doutrina da sentenga. sse resultado de- vera, entdo, na segunda parte, servir para revelar algumas consequéneias importantes, em vista dos efeitos da autori- dade da sentenga fora dos limites da coisa julgada. ivo da situagio juridica existente entre as partes; , porque delxa sem a protecio da coisa nro © o constitutivo e desconhece por outro jeclaratério, que vem a ser absorvido na sada. Restabelece-se corretamente a unidade do ponto de 86 reeonhecendo que a coisa julgada nio é efelto das pelo contrario, uma qualidade (a imutabilidade) de que podem revestir-se os seus efeitos, ou, methor,-todos os seus efeitos: PRIMEIRA PARTE A AUTORIDADE DA COISA JULGADA $29. A COISA JULGADA E A VARIEDADE DE CONTEODO DAS SENTENCAS. as contongas constitutivas © aiepostivas. 7. Conaideragser 1. Desde que se deixou de conceber o direito’ unicamente como sistema de actiones, tal qual era na época cldssica da jurisprudéneia romana, para encarar-se como sistema de di- reitos cujo g6z0, somente, devia 0 processo garantir, vem-se solidamente firmando o principio do carater essencialmente declarativo da sentenca. ie permanecia, por outro lado, 0 hébito de ver na julgada o efeito proprio e especifico da decisio judicial. Encerrada entre essas duas barreiras, a teoria devia for- cosamente chegar a conclusao de que a coisa julgada consistia na imposi¢ao da verdade da declaracdo do direito, contida na sentenea; favorecida nisto, aliés, por aquele habito mental que tendia a jungir o instituto da colsa julgada ao elemento ogico do processo, sob a influéncia de um conjunto de fatores © de cireunsténcias que foram esplendidamente ilustrados por CitoVENDA.* $3.89. APLICACOES objeto do presente parigrafo. 4. Mullane, revoracto, realeto do i> juridie, 4 Aqdo do oprosco, 46. Agio de indenieagto : seguro. [Fr Obrigncoer solaris, 8 Planes 43, Sem reexaminar o fundamento juridico das varias teorias sobre extensio subjetiva da sentenea, pode ser interes- sante ver as suas aplicagdes em alguns casos mais controver- tidos, porque dai vira a confirmacao da superioridade pratica da solugao aqui proposta sobre tédas as outras. Interessam aqui, sobretudo, os casos de conexiio ou de dependéncia entre duas relagdes juridicas, ou de relagoes complexas com miiltiplos sujeitos. Para aquilatar das varia- das soluges propostas, convém, em primeiro lugar, ter pre- sente a demonstracio, dada a seu tempo, da inadmissibilida- de das principais teorias que se digladiam sobre éste tema. Limita a mais rigorosa, em todo caso, a coisa julgada as partes, e até aqui est com a razio, mas eré ter assim exau- sr, no que nao esté certa (v. acima, no texto, 33 e sogs.). A que esta dominando hoje in- dica, como critério principal para solucdo déstes varios casos, a remissio 4s normas do direito substantivo, as quais, s6s, Geveriam determinar se ha relagdes que no podem subsistir ou nao subsistir respectivamente também para os terceiros; e apéia nesse fundamento os casos de extensio da coisa jul- gada aos terceiros, aplicando 0 da e pouco coerente. Contudo, mulagdo do problema peca por petigéo de principio e careve de fundamento (acima, ns. 27 e 30). Por fim, a da eficdcia reflexa da coisa julgada perante todos j4 se repeliu como ricci x Avrormans na Suermnca 133 contraria as disposigdes do direito vigente italiano (acima, no texto, ns. 31 e 32). Sem voltar a ésse aspecto da questo, far-se-80 patentes agora os inconvenientes praticos dessas varias teorias. 44, A declaragio de nulidade ou a anulagao do ato juri- dico agem retroativamente e, em consequéncia, podem opor- -se aos terceiros que tenham auferido direitos & coisa aliena- da, ainda anteriormente & sentenga que pronuncia a nuli- dade ou a anulacio, com estrita aplicacdo da regra resoluto ture dantis, resolvitur ius accipientis; diga-se a mesma coisa, Para a revogacio, recisio ou resilicao (arts. 1.076, 1.096 1.520 do Céd. Civil italiano) *-* — ressalvados, todavia, os direitos adquiridos pelos terceiros sobre bens iméveis, ante- riormente a transcrigo da demanda judicial, ex-vi dos arts. 1,080, 1.088, 1.235, 1.308, 1.511, 1.853 e 1.787 do Cod. Civil italiano, efr. art. 1.933, n. 3, e ressalvada a aplicagdo even- ‘tual do art. 707 do Céd. Civil italiano para os bens méveis; — diga-se o mesmo, finalmente, para a simulagio, nos limites ‘em que se reputa opontvel aos terceiros.*-? ADITAMENTOS AO § 8° +¥.0 art 158 do Cod, Civil brasileiro. Admite-sepaciteamente ae a mulidade, a anes, a recto, te. ating tombe a tre celros que adquiriram os os Seat cir. Cuons Brmagva e Cavaco Sate zoe, nob respectives comentario ao att s6, ¢ Tb. ap. de Sto Paso, Ac. de 3 de every de 148, te. dos Prune, 16-16, * Bara o caso da smlasio,v. Eooame Barter, Céaigo Cit Drasteive (anual Paulo de Lacerda), vl, parte 1,28 ede Janeiro, 1929, p. 498 e segs. = peal 134 arco Tout1o Lrescay minante que no, com aplicacao tes subjetivos; ” distinguem outro: ereto as normas do dircito substantivo; a0 contrario, sem excegdo, seu conceito da eficdcia reflexa em relacdo aos terceiros.*-# So pouco satisfatorias todas essas solugdes : a primeira obriga o primeiro alienante, vencedor na causa de nulidade, , ete,, a demonstrar novamente o vicio on o motivo io ¢m relagao ao sub-adquirente, se no teve o cuidado (muitas vézes impossivel, porque pode éle estar ignorante das vicissitudes que tiveram os bens controvertidos) de cité-lo para o primelro processo; se se considerar que as provas ne- cessdrias podem no ser preconstituidas e exigir a audiéncia Be C (sub-ad- surge a segunda questo, que justa do caso jambém em relagdo a C, ou se pode le discutioa. e impugnada, f Confunde as duas questées Avnriaxo DE GusMio, op. cit, p. 61 fe segs. Em sentido conforme, Joo Monrsino, Processo Civil, nota 5. 4 245, Enrcicia © AvroRMADE BA SuNTENCA 135 de testemunhas, realizagio de perfeia, etc., vé-se a que onus © que perigo se sujeita o vencedor do primeiro proceso. A soluco oposta levanta objegdes ainda mais graves, visto como — posta de lado a sua contradi¢&o com o direito positivo — ¢ iniquo onerar o terceiro com as consequéncias da defesa quica insuficiente, talvez até dolosa, do primeiro adquirente. Quem distingue cada caso de per si cai ora em uns, ora em outros inconvenientes. Considera, entretanto, as razdes contrastantes das partes quem admite que a sentenca tenha seu efeito normal de de- claracéo ou de mudanca de situacio juridica, também em relacdo ao terceiro, mas que possa éste contestar-Ihe a pro- cedéncia” e, além do mais, repelir os meios de prova que, validos entre as partes, ndo teem valor contra éle (arts. 1.327 € 1.319 do Céd. Civil italiano), sem o que se daria as partes meio muito simples para elidir as disposicdes da lei de tutela dos terceiros. 45. Hé um grupo de casos em que se apresenta a questio em térmos semelhantes : tais so aqueles em que cabe ao vencido no processo a acdo de regresso contra terceiro. Ainda aqui h4 uma relagGo de dependéncia entre duas obrigacGes, mediante a qual da existéncia ou inexisténcia de uma delas depende 0 nascimento da outra. Como é do co- nhecimento de todos, 0 titular da ago de regresso (fiador réu para o pagamento, adquirente ameacado de eviccio) pode chamar em garantia ou, pelo menos, chamar & causa 0 garante (devedor principal, alienante), obtendo assim a ex- tensao da coisa julgada e, portanto, a declaracio indiscutivel, também em relagio a éle, do pressuposto da ago de regresso, Se, porém, nfo o faz, que efeito teré a sentenca em relacao a0 garante? Posto de lado 0 caso expressamente resolvido pelo art. 1.497 do Céd. Civil italiano (“cessa a garantia por “ causa da eviegGo quando o comprador se deixa condenar ' tose acolnida uor slgumas sentengac, embora com s inesata motivasto da 5 Prunoto ou de prove au sentence contra trent. Wain, 20 tea 136 ENRIoo Tuuiio Liemea * por sentenga passada em julgado, sem chamar “ vendedoryse provar éste que havia motivos sufici “ rejeitar a demanda”), solucao idéntica deve adotar- bém em todos os outros casos, se se quiser evitar os incon- venientes costumeiros.* 46, Nao muda o problema, quando couber ao vencido izacdo. Assim, se o segurado pela res- for condenado a ressarcir os danos por éle surgira para o segurador a obrigagao de Mas, ento, nao encontraré juiz disposto a exigir do segurado a prova do acidente por éle causado ao tereeiro e por culpa propria, que no juizo precedente éle na- turalmente negou com téda a energia possivel. Entretanto, tampouco é possivel (e seria iniquo) sujeitar o segurador a coisa julgada. Torna-se mais grave 0 caso, por isso que as apélices de seguro sdbre responsabilidade civil contcem normalmente a proibicio da citagio do segurador para a causa intentada pelo terceiro acidentado.* A equida- de da solucdo aqui apresentada (vale a sentenca também con- tra o segurador, se ndo provar éste que é injusta) impée-se tao manifestamente que ainda recentemente foi invocada .étese a aplicago analégica do art. 1.497 do Céd. iano,* tese que, porém, seria nesses térmos insus- , se Se devesse considerar, segundo a licéo comum, qué a norma tenha caréter excepcional. ‘9 juraprudéneia como véliss tal cléurula: Corte de Cass. de 23 de Mek, Foro Wallan, 2604, 1.p. 907. Contra: Lunas, Circlo piuridico, 80, rolae, 1908, Tp. 898 @4 solucdo diferente a0 caso da evicgio, 16 do Céd, Civil, para poder exereitar o di- reito que da evicedo lhe resulta, o adquirente deve notificar do litfgio © allenante, quando e como tho determinarem as lels do processo art, 95 e segs. do Céd. de Proc. Civil). Portanto, a autoridade da coisa Julgada se estende ao alienante notificado. 'Nos outros casos, em que falta uma disposicio equivalente, a cdo de regresso pode ser exercitada ainda que o garante nfo seja notifieado do processo, e nesta hipétese valem as observagées do texto. Breicta Avronmaps pa Sexrexca 1st 47, N&o muda o problema nos casos de co-ol Em primero lugar, nas obrigagdes solidérias, que ae one as mais tormentosas para a questdo que aqui nos interessa.? Que valor ter a sentenga que condena ou absolve um devedor em relacio com os co-devedores solidarios? Ou em relacio com 0s co-credores, se se trata de solidariedade ativa? Sus- tentam alguns a extensao da coisa julgada; / outros a negam, ¢ distinguem outros entre julgado favorivel ou desfavoravel? _ As complicagGes e os inconvenientes de tédas escas solu- @es so tantos que no se pode amainar a polémica, E pa- rece que a conclusio mais justa seré a de ampliar-se ao ter- oes ecaan a sentenca, mas sem a autoridade da coisa jeixando-Ihe, ic ce moins His integra a faculdade de contestar 48. Obtida pelo credor sentenca contra o devedor prin- cipal ou contra a sociedade em nome coletivo, estender-se-é a coisa julgada sobre a existéncia ou inexisténcia da obriga- do principal ao fiador e respectivamente ao séci - vel ilimitadamente ? ee A pergunta 6 tipica e j4 foi lembrada, mais aclma, no texto: tédas as respostas tiveram defensores, tanto a afir- mativa " como a negativa, bem como a que distingue entre julgado favordvel e desfavordvel, 2 -* " Nesse sentido, Pauta Barzsta, loe. cit. 138 ‘Bwer0o Tout rena E, entio, ou se obriga o credor a recomecar novamente a demonstraco da existéncia da obrigacdo principal, também na causa promovida contra o fiador, ou, vice-versa, se fazem nio caberé ao credor demonstrar a existéncia da obrigagao principal, mas eventualmente ao fiador a sua inexisténcia. “ OUTROS ENSAIOS SOBRE A COISA JULGADA

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