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CARDEAL JOSEPH RATZINGER HANS URS VON BALTHASAR Este iva sobre Maria fol publeado pela prielta ver na ‘Alemanha em 1980. A presente tragueso portuguesa dé} stampa, pela primeira vex entra née 2 quarta edie wien, a : 1997, substanciaimente aumentada com noves artigos do ci f y amiges, o chrdeal Joseph Ratinger © Hans Urs von Bslhaaay = tedlogos fecundes que enciqueceram o pensemento do Ire A % segunda metade do séc. X%, Hans Urs von Balthos 1988) nd passou o limi do sé. 24, poke more antes de ser elevado 8 dgnidade cardinalca pelo Papa Jose Paulo Il, que admrava aquele que foi consieraco como 9 hhomem “mais eulto" do sé. XX e eertamente um dos meiores tedlegos do sau tempo. Quante ao cardest Ratzinger, ¢ também lum notebiissino teslega, nascio em 1927 e como. do onhecimento garal, 0 Preelta para a Congregacio do da Fe, em Roma, palavea de amos sobre Mara ¢ uma palavra utorizadae os seus escrito eo incontorévels pare quem quet pensar haje a gure da Virgem Hie de Deus ‘io que a fgfela € e deve ser, & por ela aprendidn na ‘conternplocio de Maria. Esta é 0 Seu espeto, 9 verdadera medida da sua natureze, poraue existe 8 medida de Cristo ede "por ale para que exist 0 Lares sno pare fe Deus no mundo? Deus no. age com coisas IGREJA sbstractas Ee 6 Pessoa, 23 Iara ¢ pessoa. Quant ms nds © ‘cada um de nds nos tomarmes pessoa, pessoa no sentido 3a inabtario de Deus em nds, ha de Sio, tanto mais seremos um tanto mais seremos igre, e tanto mals 2 igeja seré lo oréria ee Cy rsten do Coimbra 2 CARDEAL JOSEPH RATZINGER HANS URS VON BALTHASAR MARIA, Primeira Igreja fg © Imes Ve Ei, eg iy anita o SUMARIO CARDEAL JOSEPH RATZINGER 1A igloo ota im sem treatm sont eta: bf 35.1011 - vaneos Mates 6718 1. Conder sae ugar da mien de pila mariana otade dete duselog (sia do mater Eni eto cok “Rederpars Sater : 1 Aspe mca 1. Quo ems pine WV. “Tusa chen de pg Elements bios pede marona Nar fia de Sis Mae dos cess Marc mi ci do Rese "Bence de Spit Sasa os Mra Vie HANS URS VON BALTHASAR 1 Marin doutinn ema pte gc Tore, " 1 Area de Maa coma Pesos da Gee Fo 1 Mars pede dee » o 2 Ser pao plano dc Ser roma pla dag: Ci. Avie re I Coeetidn do Epi Sama, mci Virgen Masia 1 CARDEAL JOSEPH RATZINGER © 150 IW. A xtc ds ge an 16 Catide atepalipics 163 Cutie eritlapen : 155 1 - 66 1 0 Fostes © “A MINHA PALAVRA NAO VOLTA A MIM SEM TER REALIZADO A MINHA VONTADE!” Leitura: Isaias 58,10-11 Bvangelho: Mateus 6,7-15 Queridos irmios no episcopado! (Queridos irmios e irms no Senhor! “A minha palavra no volta a mim sem ter realizado ‘4 minha vontade!" Quando 0 profeta Isafas disse estas palavras, elas de modo algum representavam 2 verifca- go de uma evidencia, antes eram 0 contrrio do que se fsperaria, Pois as frases desta leitura estio ligadas 2 his- tia dolorosa de Isrzel, na qual os apelos de Deus a0 seu ovo fracassam incessantemente, na qual a sua palavra fica sempre infrutifera, na qual Deus ~ sem ter vencido ~ permanece no paleo da histdria. Pois tndo 0 que aconte- cera como sinal ~ 0 milagre no Mar Vermelho, o princi- pio da monarquia, o regresso de Israel do exfio ~ tudo oma um rumo desfavordvel; a semente de Deus parece info penetrar no mundo. Assim, esta palavra de Deus, en- volta numa nuvem de obscuridade, € encorijamente para todos os que, todavia, aereditam no poder de Deus: para aqueles que créem que o mundo, na sua totalidade, ndo € s6 calhas onde # semente divina nBo encontra espago para ereseer: que créem que este mundo nao & 56 terra 8 superficie onde os pardais do quosidiano logo comem a sombnte que nela cai (ef. Me 41-9). Pata n6s, eristios, estas frases So ume promessa de Jesus Cristo, no qual enfim a palavra de Deas realmente pPenetrou na terra € se tornou plo para todos nds: semente que produz frutos através dos séculos; resposta fecunda na qual a linguagem de Deus se enraiza neste mundo, Nao ha praticamente outra passagem onde o mistério de Cristo seja Wo tungivel e to ligado ao mistério de Maria como a Petspectiva desta promessa: pois quando se diz que a palavra, como semente, produz fruto, isto quer dizer que cla nfo cai na terra como uma bola que bate no eho e de novo sata, mas sim que ela se enterta na terra, que ela incorpora as torgas da tera, que elas transforma em sie, assim, realiza algo de verdadeiramente novo, assumindo em si terra e produzindo fruto. O grda da semente néo permanece 56, 40 grio da semente pertence o mistério ma: femal da tere ~ a Cristo pertence Maria, a tera sagrada da Igreja como os Padres da Igreja Ihe chamavam de forma to hela. O mistério de Maria significa precisamente ist: ‘que a palavra de Deus no permaneceu sozinha mas, pelo ‘contrério, assumiu © outro - a tera —, que se tomnou set hhumano na “terrane” e entlo, novamente, intimamente ligada & terra de toda @ humanidade, pide voltar a Deus ‘© Evangelho, pelo contrrio, parece falar de algo totalmente diferente. Nele se fala da nossa forma de ora, dda maneira comecta, dos conteidos conectos, do compor. tamento correcta ¢ da interioidade correcta: isto €, éaguilo jque nao € Deus 2 fazer, mas daguilo que n6s, seres huma- hos, fazemos em relagio a ele. Mas, na realidad, as dus coisas esto intimamente ligadas, pode mesmo dizer-se {que no Evangelho apenas se expe como os seres hums- fas se podem tornat terra fecunda para a palavra de Deus. E podem-no na medida em que, por assim dizer, apresen- tam os elementos orginicos nos quais a vida pode crescer ¢ aimadurecer. Fazem-no na medida em que eles préprios vivem a partir desse meio orginico, deixando-se invadit por essa palavra e tomando-se eles préprios palavra, transferindo 2 sua vida para a oragdo e, assim, para Deus ‘Desta forma, este Evangelho vai a0 encontro da intro- dugio a0 mistério mariano que sio Lucas nos dé so refer fem vérias passagens, a propésito de Maria, que cla “guar- dava" as palavras. no seu coragdo (2,19; 2,51; cf. 1,29). Por assim dizer, Maria congregou em si as diversas cor rentes de Israel; orante, assumiu em si o sofrimento © a grandeza dessa histria, fazendo-a assim tomar-se terra fecunda para o Deus vivo, Indubitavelmente, como 0 Evangelho o di, orar quer dizer muito mais do que palrar, ‘que mascar palavras. Ser terra para a Palavra quer dizer {que essa terra se deixa assumir pela semente, que se deixa ‘ssimilar pela semente, que se entrega a si propria a fim de {que essa semente se torne vida. A materidade de Maria ‘quer dizer que ela faculta @ substncia de si propria, compo fe alma, a fim de que uma nova vida possa crescer, A frase de Simefo sobre & espada que respassaré a sua alma (Le 2,35) remete para muito mais do que un qualquer safri- ‘mento, para algo de muito mais profundo ¢ maior: Maria oferece-se inteiramente a si propria como terra, plese 2 isposigdo, deixa-se usar e consumir para ser transfor mada naquele que precisa de nés para se tomnar fruto da Na oragio da Igreja de hoje diz-se que nds devemes tomat-nos desejo de Deus. Os Padres da lereja dizem que forar nfo é senio tomar-se desejo de Deus, Em Maria cunt- prise esta oragdo: ela €, por assim dizer. @ eoncha aberta do désejo, na qual a vida se tora omaglo e a orasio, vida. Sio Joio indicia maravilhosamente este proceso, 0 nun. ca tratar Maria pelo nome. Fla & apenas a mie de Jesus. Por assim dizer, la abdicou de tudo 0 que & pessoal para no estar senio & disposigdo de Jesus e foi precisamente assim que se tomou pessoa, Eu creio que esta relagdo entre 0 mistéio de Cristo € 0 de Maria, que as leituras de hoje nos sugerem, € muito importante neste nosso tempo de activismo, no qual @ nos. sa mentalidade ocidental se manifestou de forma expo- nencial. Pois no mundo actual do espirita afirmese exclusivamente o principio masculino: o fazer, o produzit 8 actividade que pode ela propria projectar © produzie mundo, recusando esperar algo de que ficaria em seguida ependente © apostando exclusivamente na capacidade propria. Nao , ereio eu, puro acaso que 16s, na nossa ‘mentalidade ocidental e tascolina, teahamos ido sempre separando cada vez mais Cristo de'sua mie, sem compre: ender que Maria, como Mie, poderia significar algo do Ponto de vista teol6gico e para a fs, Toda a nossa forma de abordar a Igreja ests marcada por isto. Enceramo-ta quase como tum produto téenico que, com incrvel sagacidade © dispendio de energias, queremos planear e produzi, es "Cr 1 oe ta Porn. © Le mire de Mss.» in Marlanam 40 (4978) SE 9, exept p. #3, name 10%, enti, quando acontce 0 que so Lis Ma- Fer arignon de Mofo ntou, usando a pals do pre fe Agee! “Seteascs muito is tecolhestes poco” (1,6! ‘Quando o "zee" se Toma aut6nomo, as eoies que no poser ser “ess, porque so vivas © tm que amadre- ato poem subst E, assim, indispensdvel sair destas perspectivas unila- tis dp eto ove ae mi pra oe ffato qe sen cago © proiio now. Alga to € um prodto “feito” mas sim a semente viva de Deas ge que ctescer¢amadurocer. Por ins a Ij precin do triste marian, por ito ela prpria miter marlano 2 feeunidade 6 pode acontecer nels quando a Teej te Coloca sob et sigh, quand se tra tea sgrada pa a Falavi. Temos que acl o solo da tea fends, temos que torarnos de novo sees humans expectates, inteorzados, seres humanos que, na profendidade da rag, do deseo eda 1, ram expgo a0 crescent ‘Nesta santa Missa fzemos memes do cardsal Tose Frings que, to pasado Avent, parti para Deis, © fo longo tpo presidente da Conerncia Episcopal lem Morr no tenpo do Advent, que desde sempre € speci fiamenteo tempo maral da Ire. Parsoeme que pode- mos ver af uma expressio do curso e da dieecto da sua ida, © cadeal Frings confiou a les de Deus na Alem nha a0 cuidedo maternal de Meri, consagroa-a Maria No meio do activismo erscene, queria calockla wb ai 4 ciate fem eat Pr, No Con lic, quando © movimento litgico, risbl6pco,ecuné 0 6 confontava com o movie marino © amb 8 rts ameagavam trma-salleativas inconiivels, Sign um epeo supa aos Paes, pare que encom trassem um centr comum. Opds.se expressamente & uma altemativa mfope e precipiada como se a Igreja tivesse ‘que deci entte ser moderna, bblica, litigiea © ecumé nica ou permanecer “fora de moda ¢ mariana. O sew em- peahamento pessoal consistiu em relacionar os dois aspectos, © dar & liturgia a profundidade de coragao da piedide mariana, abrindo a esta o grande sopeo da tradi so litirgica. Este foi um dos apelos mais pessoais que dirigiu no coneflio aos Padres, partir da sua propria pai xfo pela f€. Este apelo mantéin-se ~ sobretudo nesta Hora = como um painel indicador do camninho, a fim de que reconlegamos e acolhamos de nove o mistério da terra © ‘que, assim, a Palavra possa dar fruto em nds. Ax, 1 CONSIDERAGOES SOBRE O LUGAR DA MARIOLOGIA E DA PIEDADE MARIANA NO TODO DA FEE DA TEOLOGIA 1. Pano de fundo ¢ significado da declaragio mariolé- gica do Coneslio Vaticano TI A questo do significado da mariologia © da piedade ‘mariana nfo pode ser separada da siuagio histories da Teja em que esta questdo surge. A profunda crise 2 que ‘chegou o pensamento ¢ © discurso sobre e com Maria nos tos pés-conciliares s6 pade ser compreendida e corrects mente equacionada se for encarada no contexto da evolu (elo mais ampla a que pertence. Assim, pode verificar-se {que 0 periode iniciado ao fim da primeira grande guetra © que se prolonga até ao Conetio Vaticano I foi marcado, no interior da lgreja, por dois grandes movimentos espiri tuais e que ambos em certo sentida ~ embora de formas ‘muito diferentes apresentavam iragos “carismaticos”: jé desde as primeiras aparigSes marianas na segunda metade do séc. XIX se havia desenvolvido um movimento maria- no cada vez mais free, cujas raizes carisméticas reconhe- cia em La Selette, Lurdes ¢ Fatima, ¢ que aleangou 0 seu ‘momento mais alto, atingindo toda a Igreja, no pontficado de Pio XL Por outro lado, desenvolveu-se entre as duas ‘guerras mundials, especialmente na Alemanha, 0 Movi mento Litétgco, cujas origens se podem achar na renova- (¢8o monéstica beneditina a partir de Solesmes, e também ‘ho pensamento eucaristico de Pio X. Tendo camo pano de fundo © movimento juvenil, ele amplificou-se - pelo me- nos ifa Europa central ~ mais ¢ mais no povo eclesial Manifestamente a ele se ligavam 0 movimento ecuménico 0 movimento biblico, formando uma grande corrente nica, O seu objectivo bisico, a renovagéo da Tgreja a partir das fontes da Escrtura e da forma primitiva da ort- ‘0 colesial, encontrou, iguslmente sob Pio XII, nas enci- clicas sobre a Tgreja'e sobre a liturgia, uma primeira aprovagio oficial ‘Quanto mais estes movimentos ganhavam peso et ‘oda a Tereja, tanto mais se tornava perceptive o problema dla sua relagdo reciproca. Frequentemente surgiram mesmo ‘como contrtios, tanto a partir das suas posigées funda- mentais como em virtude da sua orientagdo teoldgica. © Movimento Liuirgica preferia apresentar a sua piedade como “objectivamente” sacramental; face a ele, tornava- -se evidente a forte acentuagdo subjectiva e pessoal do ‘movimento mariano. O Movimento Litirgico acentuava 0 carécter teooéntrico da oragdo cristi, que se ditige “por Cristo 20 Pai"; © movimento mariano, com a sus fGemula per Mariam ad Jesum, parecia caracterizado por uma ou- tra ideia da mediago, por uma vontade de_permanecer Junto de Jesus e Maria, que deixava em segundo plano a 2 Cf, a ee sept J. Fanos, Das Koni und dle maderne Ge nkenvy, Cosa, 192.3137 _— referencia trinitéria cissica. O Movimento Litirgico pro: ccurava uma piedade que se orientava estritamente segun- {do 0s textos bfblicos ou, quando muito, segundo a Tsreja fantiga; @ piedade mariana, intepelada pelas aparides da Mie de Deus nessa época, era muito mais enformada pela tradigio da Idade Mea e dos tempos modernos, seguindo lim outro estilo de pensamento e de sensibilidade.® Sem ‘vida havia af perigos que punham em causa © ceme saudivel ¢ a Faziam surgir como questiondvel para os de: fensores apaixonados da outra direcgd0 'Em todo © cas, tinha que fazer parte das tarefas de tum coneilio realizado nesse tempo determinar a relagao cortesta ene estes dois movimentos divergentes, levan- ddo-os & uma unidade fecunda, sem pura e simplesmente climinar a tensfo. Com efeito,o esforgo da primeira mets- ‘de do conctlio ~ a disputa em tomo da constiuigao litirg- * Maca pt nino ts ee Ps a he sao dno facie, problems do ie ge A Sine Aton, Die reboachaft wd ce Clube tindgung Reena {Dae aay apnea aes sb te es Hee a ies os de iid oma un manent» tego. CE ay ‘eens de Jngnann paste vecio cn 19 is Paced Nien (es, J tugmann, fin Leber fr Line und Keone. Timck 1975 (2.18 "TCL a eaponig vca em inocngiesde R Lain, La qu , in Maron 4 (1978) 41-90, sobe tudo p48 8% 4, Mariologia ~ antropologia ~ fé na eriagio Pensando isto até as suas dtimas consequencias, tor- na-se claro que a mariologia, por um lado, exprime 0 nb: cleo do que é a “Histéria da salvagio” mas, por outro lado, trangeende © que € mero pensamento hist6rio-salviico Se € reconhecida como parte essencial de uma hermenéu- tica da Hist6ria da salvagdo, isto quer dizer que, face a um solus Christus mal entendido, se perila a verdadcira gran- deza da cristologia, que tem de falar de um Cristo que é *Cabeca e corpo”, isto €, que abarca em si eriagao red ‘ida, na sua relativa autonomia Mas isto amplifica o olhar sobre a Histria da salva Ho, pois frente a uma mal compreendida acgio s6 de Deus poe em evidéncia a realidade da cristra, @ qual & chamada © cepacitada por Deus para uma resposta livre. [Na mariologia toma-se Visivel que a doutrina da. graga no tende a uma rejeigio da criagio, mas é antes 0 “sim dei nity & eriagdo: @ mariologia toma-se, assim, a garania a autonomia da eriagdo, a caugio da {6 na ctiaglo e © selo de uma doutrina da criagdo comectamente penssda, residem questées ¢ tarefas que praticameate ainda nio Toram encaradas 1a) No seu face a face com 0 apelo de Deus, vivido na {, Maria surge como a imagem da criagao chamada a dar resposte, como a imagem da liberdade da criatura que se nao dissolve no amor, antes nele encontra o seu cumpri- mento. Ela é uma tal representagio do ser humano salvo © tomado livre mas, precisamente, como mulher, isto & na sua determinagio corporal, indissociével do ser humano: “Homnem ¢ mulher 0s erioa” (Gn 1.27). 0 “biol6gico” e 0 hhumano sto inseparéveis na sua forma, tal como o huma- 1 € 0 “Yeol6gico” sto inseparéveis. Por um lado, ado isto {oca intimamente movimentas determinantes do nosso tempo, mas, a0 mesmo tempo, contradi-los igualmente de forma medular. Pois quando o programa antropolsgico dx sctualidade gira a volta da “emancipagio” com uma radi- calidade que antes nao se conhecia, esti em busca de uma lberdade que visa “ser como Deus” (Gn 3,5). Desta repre- sentagio do “ser como Deus” faz parte todavia desligar-se fo humano da sua condicao biol6gice, do “homer ¢ mulher ‘0s criou”: esta diferenga, que pertence ao ser humano na sua natureza biol6gica de forma imevogével e o determina profundamente, fica remetida a uma insignificdncia total- mente inane, & um “papel a que se & obrigado”, que foi historicemente inventado e que € domiaio “meramente bi- ‘ol6gico", de modo nenhum dizendo especificamente tes- peito 20'ser humano. Isto quer dizer que este "meramente bioldgico” esté a disposigao do ser humano como ume coisa, esté estabelecide fora do humano e do espirtual {Gté ser possvel dispor livremente da vida em formagio), tuma tal coisificagio do “biolégico” aparece entio como libero, na qual © ser humano remete o bioligico para tum plano inferior a ele, o usa liveemente ais, inde- pendentemente dele, ser humano ~ no homem ou mulher, Mas, na realcdade, esta concepgio do humano fere 0 hu ‘mano no mais profurdo de si proprio e toma-o desprezt- vel a seus proprios olhos, pois na verdade ele & ser hhumano enquanto compo, € set bumano enguanto homem fou mulher. Se ele torna esta condigio fundamental de si préprio uma ninharia desprezivel, que se pode manipalar como uma coisa, entio & ele préprio que se toma ninharia coisa; a “ibertacio” toma-se um aviltaento, uma de- preciagio ao nivel do que pode set “fabricado™. Onde 0 biolégico ¢ retirado & humanidade, & a pr6pria humanida- dde que é negada. Assim, na questio sobre se pode haver 0 hhomem enguanto homem e @ mulher enquanto mulher, t= ta-se, em ima andlise, da questio da cristura, Como esta determinagdo biol6gice do humano tem na questao da ma- temidade a sua realidade superlativamente evidente, uma cemancipacia que negue o biol6gico é, consequentemente cde forma especial, uma agressao 4 mulher: a reeusa do seu direto a poder Ser mulher. De modo que, inversamen- te, a conservacio da criagio esti de forma especalissima Figada 2 questio da mulher, e € aqueta em que 0 “biol6gi- cco" & “teoldgico”, a saber, maternidade divina ~ ela 6, de forma especialissima, a encruzilhada em que os caminhos se divider. b) A virgindade de Maria €, da mesma forma que a maternidade, afirmagio da humaaidade do “biol6gico", da ‘otalidade do ser tumano perante Deus ¢ da inclusio da sa humanidade, enguanto homem e mulher, na aspitagso escatoldgica e na esperanga escatol6gica da fé. Nao € por acaso que a virgindade ~ embora como forma de vida tam- bbém possivel © prevista para o homem ~ foi formulada primeiro a propésito da mulher enquanto verdadeire gua did selo da criagio, ¢ nela tem a sua figura perfeita € rormativa que, por assim dizer, © homem no pode senio imita."* " Sobre a uid do bolico, do humano edo tlic, 1 Porm op lt CE amber sobre a mata. ovras, Mires et Instres dela forme, Auber Maize, 1976. A ele resp ver ‘mbm o belo comeniie de A. Lice hr ergebener, Mungo, 1873, 126 crf Hambloment ere qe sos enconto som mein de ncaa gue prteavar cota & pets psi inferior mule fm Iya Be most, conta st epaio, que Crs tem un mle 5, Piedade mariana [A parti das relagdes assim esquematizadas pode-se, cenfim, explicar a estrutura da piedade mariana, O seu Wu gr tradicional va Inturgia da Tereja € 0 Advento e, depois, fem geral, © dominio das festas ligadas ao ciclo do’ Natal: & Candeliria, a Anunciagao.” TNas nassas reflexdes anteriores considerdemos como cearacteristica do mariano 0 facto de ser personalizante (Ugreja nao como estrutara mas sim como pessoa e em pessoa), de ser incamacional (unidade do biol6gico, da pessoa ¢ da relacio com Deus, autonomia da eriago fren te 40 Criador, do “corpo” de’ Cristo ne sua ordenagio Cabesa) © de, a partir de ambas as coisas, inclu 0 dom rio do coraeio, © plano affective, fixando assim a f€ nas ‘mais profundas raizes da nossa humanidade. Estas carac tecizagSes remetem para 0 Advento como lugar litirgico 4o mariano e sio, por seu lado, esclarecidas por ele no seu sigificado, A piedade mariana ¢ caracterizada pelo tempo do Advento, da alegria da espera iminente, ondenada 0 (que hi de incarnacional na proximidade oferecida e que se oferece a si mesma do Senhor. Ulrich Wickert fala com grande beleza do facto de Lucas desenar Maria como faguela que representa um duplo Advento ~ no inicio do Evangelho, pois ela espera 0 nascimento do filho, © no rman sent tm up mano nem pod tra plea realiajao eras enqunto eatura cumese na ule, ao no Ramer. ke dt estan so de facto eyo cm 3 Tra ands ~ visas cm fest e Cito po novo rials ao peter pr 0 ‘for igure oven comeddo main, infeio dos Actos dos Apéstolos, pois ela espera 0 nas mento da Tgreja2” ‘Mas, no decurso da evolugdo, um segundo momento se junou de forma cada vez mais fore. Certamente, a pie- dade mariana € em primeiro lugar incarnacional,”virada para o Senhor que vem: procura aprender com Maria a Permanecer junto dele. Mas a festa da sua Assuncio 30 264, que tomou novo peso com o dogma de 1950, valoriza, também a superagio escatol6gica da incarnagio. Ao cart tho de Maria perience a experigncia de ser rejeitada (Me 331-35; Jo 2,4), 0 que, a0 ser dada a outro na cruz (lo 19,26), se toma participagio na rejeigio de que 0 pro prio Jesus fez a experiéncia no monte das Oliveiras (Me 14,34) e na cruz (Me 15,34), $6 nesta reeigio se pode dar ‘0 que é novo; s6 numa saida pode tomar-se acontecimento a verdadeira vinda (lo 16,7). Assim a piedade mariana & necessariamente também piedade de participagdo na Pai- xo; na profecia do velho Simeo acerca do coragio tes- passado por uma espada (Le 2,35), Lucas interliga antecipadamente & Incarnagio ¢ a Paixlo, os mistérios go- 7060s dolorosos. Na piedade da Igreja, "Maria surge, por assim dizer, como a imagem viva da Verénica, como 0 fone de Cristo, recebendo-o na actuaidade do coragao hhumano, traduzindo a sua imagem na visio do coragio hhumano’e tomando-o, assim, compreensivel. Tendo em perspectiva a Mater assumpia, a VitgemMie recebida no 64, 0 Advento ampliica-se ¢ adentrase no escatol6gico; a incamagZo toma-se um eaminho que, na eruz, no retira 4 assungfo da came mas antes a toma defintiva. Neste % U. Wows, "Maia ued ie Kicke™ i Theloge and Gaabe 5 4978) 38407, cago p42 sentido, a amplificagdo medieval da piedade mariana, para Hi do Advento, a todos os mistérios da salvagio corres- ponde perfeitamente i logica da f& biblica, ‘A partir disto € possivel, para acabar, delinear uma tripla tarefa da formagéo da piedade mariana 1) Trata-se de conservar o que € especificamente ma- riano precisamente da seguinte maneira: que o mariano se ‘cumpra constantemente na sua esta referencia 40 cristo [gico para que assim ambos sejam levados & sua figura perfeit 'b) A piedade mariana nlo deve isolar-se em aspectos parciais do facto cristio e, menos ainda, reduzir 0 facto Cristio a alguns dos seus aspectos parciis; ela tem que se brit a toda a amplitude do mistéro e tomar-se ela propria ‘camino para esta vastidao, (©) A piedacle mariana estar sempre em tensio entre a racionalidade teol6gica e a afectividade da f6. Isto faz parte da sua natureza. E trat-se na piedade mariana, pre- cisamente, de nio deixar estiolar nenhum destes dois as pectos, nfio esquecendo no afecto a medida sobria da fazio, mas também, na sobriedade de uma f8 que busca compreender, no calar 0 coragdo que, muitas veres, ve ais do que © mero entendimento, Nao & por acaso que os Padres tomaram Mr 5,8 como o ceme da sua doutrina teo- gica do conhecimento: “Bem-aventurados 0s puros de coragdo porque vero a Deus” ~ 0 érgio para ver Deus & tum corasio putificado, A piedade mariana poderia com- peti acardar’ © coracio ¢ operar a sua purificacio na f. ‘Quando a miséria do homem de hoje & cada vez mais is sociar-se no meramente biol6gico © na mera racionalida- de, ela poderia reagir contra uma tal “decomposigd0” do hhumano e ajudar a encontrar a unidade central partir do ‘coracio. m OSINAL DA MULHER, ENSAIO DE INTRODUCAO. AENCICLICA “REDEMPTORIS MATER” ‘Una enced sobre Maria um ano marano no ex contra eit ge grande entsiaxno no calico ale fngo. Tene-se ume dteriragso do clina ceumenio: tmree-se 0 perigo de uma piedade demasiado emaconal, oe obo est balun ds cicunspecia nonnaslolicas Eero que agor 0 despontar de lendEncias feminists frome ul elemento novo insperado a ese xadter, ele: trento que ameaga conn ui poco as fetes. Por um lado, a inagem que a lreja te de Maria €ape- SSntadh como a caoniagio dt dependencia de mulher © 2 ponies da sun oreo: com a exalgdo a Virgem @ Mie, sera, obedience humid, tesa fixado dan te silos o papel da uber ela ea sido exaltada para a Inter dina, Por oto Tad, como, «ira Se Mara sferece un pip pare ume nova imerpeagso fa Bi os tclogos da Libenago reerem-e 0 Magn fet suc sncia a destvigao dx Poros © ceva fio: dow humildes; 0 Magnifigs torna-se um texto Rovtador de uma teoogia que considera como tea sa iia subvert da dem exaelcia ‘A letura feninisa da Biblia vé em Maia » muther emancpada que se conftoni, com fous a Iiberade © consciente da sua missio, a uma cultura dominads pelos homens. A sua figura torna-se ~ conjuntamente com 04 laos indicios visiveis ~ uma chave hermenéutica que se diz remeter para um eristianismo primitivo completamente di ferente, cuja forga libertadora foi depois encoberta e ca- ‘mpflads pela estrutura masculina de poder. O aspecto tendencioso e forgado destas interpretag6es & facil de re- cconhecer, mas elas poderiam bem ter a vantagem de nos fazer apurar o ouvido para o que a Biblia eealmeate diz de Maria. Por isso, também, poderia ser esta a hora de escutar ‘com mais atengio do que de costume uma enciclica sobee Maria cuje preocupacdo primeira ¢ fazer falar os textos bibticos Para trazer 0 ensinamento papal mais préximo do nos- so entendimento ¢ faclitar a sua leturs, gostaria de come- ‘ar por algumas consideragées que ponham em evidéncia 8 especificidade deste texto quanto 20 seu método. Numa, segunda parte serio tratados quatro aspectos.essenciais ‘quanto a0 contetdo. I. Aspectos metédieos 1. Leitura global da Biblia A encfclica apresentase em longas passagens como uma meditagao bfblica, Ela pressupGe uma interpretagao histSrico-eritica mas, por seu lado, di 0 passo seguinte ~ 0 dle uma interpretagio propriamente tcolégica, Que quer isto dizer? Como se faz. isto? A sua regra fundamental ‘encontra-se no terceiro capitulo da Consituigdo sobre a Revelago do Coneflio Vaticano TI: “Como a Sagrada Es- M critura deve ser também lida e interpretada com o mesmo fspiito com que foi escrita, mio menos atengio se deve ddr & investigacio do sentido exacto des texios sagrados, ‘0 conteido ¢ 2 unidade de toda a Escritura, endo em conta a Tradicio viva de toda a Igreja e 2 analogia da f€" (Dei Verdun, 2° 12), ‘A condicao prévia fundamental da interpretagio teo- Iégica & pois, em primeiro lugar a conviegia de que [Bscrtura ~ apesar dos seus muitos autotes humanos c da Tonga histria da sua formagio - 6 contudo we livro, uma tunidade real interna através de todas as suas tensOes. Este ccondigao prévia repousa, por seu lado, no convencimento {de quo a Escritura em defiitivo ¢ obra de um sinico autor, {que tem um aspecto humano e-um aspecto divino: ela pro- ‘ém de um sujeito historico que € 0 povo de Deus que, em todas as vicissitudes da sua histria, nunca perdew real- mente a sua identidade interior. Quando nfo fala inciden- tal superficialmente, mas pelo contro a partir do ceme dda sua identidade, ele fala em fungdo das etapas diversas dda sua histéria, mas no entanto como um s6 e mesmo ovo, Com isto estamos perante o aspecto divino do cow junto da Escritura: esta identidade interna repousa na’ con: ‘luge pelo Ginico Espirito, Onde o cere desta identidade se exprime, jf mo fala simplesmente um homem, um povo = af fala Deus por palaveas humanas: 0 nico Espirito que € a forga imterior permanente conduzindo esse povo atta- vvés da sua histéia Interpretar 2 Escritura teologicamente quer, portanto, dizer: nio apenas escutar 0s autores histGricos justapostos fu opostos, mas sim procurar a Gnica vor. do conjunto, 2 identidade interna que suporta © une a totidade da Escri- ure, Enguanto um método meramente histrico procura, por assim dizer, desilar € destaar © momento histrico da formagio do texto, dlimitnd-o de todas os outros e fi- andro na sua conjuntura, a iterpretagio teol6gice no ara desl esforgo no seu lugar pr6prio mas transcen- de-o: 0 momento histrico nfo € um fim em si proprio: € pate de um todo ¢ ag, s6 € compreendide comectamente quando é compreendide partir do todo € com 0 todo ‘esta medida 0 método de que aguise wat € ao Fim e 20 cabo muito simples: a Escnitura ¢ interpeetala segundo a Escritura, A Eseriturainterprea-se asi propria, Esta escu- ta da intepretagdointema propia da Esrtura pela Escr- tura € muito caracersica da encice. Ela ndo procura explcaros texts bblicos nos seus momentos partculares ltavés das vores do exterior, que contbuer com muito ‘coloride histrco, mas que no podem abrir a0 seu sign- fieado profundo. Ela procura estté-los na sua polifoia e assim compreendé-os 2 parr da sua reciproca ondenss30 ‘Asim, ler a Eseritura como unidade implica, conse- aquentemente, um segundo prinepio: significa 1é-la no resente, na actualidade; nfo procurar nel spends infor- Tagio sobre 0 que foi e © que outfra foi pensado, mas ‘im informagio sobre que € verdade. Também isto néo pode ser objective imediato de uma interpretagio rigor Samente histrica: esta olha para 0 momento pretéito da formagao do texto ¢ i-0, assim, necessariamente, no seu passido, Dest leitura, como de toda hist, também se Pode aprender, mas apenas saltando por cima da distincia to passado,Pér a questo da verdade enguanto tl é com- Pletamenteestanho a cigncia moderna, em vine da sua paturea. Esta € uma questi ingénu n80 cintfica, Mas Ea questéo Fundamental da Biblia eaquanto Biblia: “Que & 4 verdade?” ~ para 0 homem esclarecido que era Pilates festa questio nfo era uma questio; colociasigificava pole de parte, ¢ conosco 0 caso no € diferente. A ques- tho 36 tem sentido se a Biblia € cla prépria scwalidade no presente, quando nela fala um sujeto actual e quando esse Sujeito se diferencia de todos os outs sujits vives da histria pelo facto de entrar em relagio com a verdade, proende anancié-la com uma Hinguager humana ‘Aereditar nto consi a natureza da excpese tcl ica. esta a posi do Papa ao falar com a Biblia, Ele toma as suas palavias como elas se Ihe apeesentam na glo- talidade do seu sentido, enguanto verdade, enquanto rensagem acerca da verdade sobre Deus e os homens ‘Asim a Biblia tem realmente ver conosco esim, sem uma aetulizago atl, ela & em si prépra “actual” em sentido eminent 2.A linha feminina na Biblia © denominado Evangetho dos Egfpcios, do sée. Il, atibui a Jesus esias palavras: “Vim abolir as obras da mulher" Nesta frase se exprime um dos motives funda- rmentais da interpretagio gndstica do crstianismo, © qual = com formulagio algo diferente ~ se encontra de novo no assim chamado Evangelho de Toms: "Se vos tomardes 0s dois num s6e... © superior como o inferior e se fizerdes do ChE, Howces! W. Scmemueicusn, Newestamentiohe ‘Apotryphon. I Evangation Tsing, 1989, 109-11, caso 109. Ine ‘sates a5 refleder de E. Kush a ete reset Die Standen ‘ommel vor eigen Brg Aho, Fat Ml, 1986, 2605. masculino ¢ do feminine um s6, a fim de que © masculino 4jf no seja masculino © o feminino néo seja feminino, ‘enlio entrareis no Reino”. Af se diz também, em clara ‘oposigio a Gl 4,4: “Quando virdes © que nfo nasceu da rmulher, langa-vos rosto por terra € venetal-o, Esse € 0 vvosso Pai." ‘A este respelto ¢ interessante que Romano Guardini, como sinal da ultrapassagem do esquema fundamental ndstico aos eseritos jodnicos, faz notar “que na constru- gio global do Apocalipse 0 feminino © © masculino se Encontram no mesmo plano de igualdade que Cristo the ddeu, E cert que na prostituta de Babilénia se encontram © ‘momento do mal, do sensual e do feminino; mas isto s6 seria uma marca’ do pensamento gnéstico se, por outro lado, 0 bem surgisse apenas sob figura masculina. Ora, na verdade, o bem adguite uma expresso radiosa na apati- ‘gio da mulher rodeada de estrelas. Mas se se quisesse ® Logon 22. Cit pla edigfo binge copnaleno, de A. Gu ununeny Cy Pus, Gov tal et) dda 3 estnga por Ball Lee, 1989. Enconransepuselas so lgion 22 numa sie de ‘tos, por exemplo, 3, 108. 46,31, ee. Sobre ws caaceiicas. © 8 (lzagdo do Evangtto de Toms, ver Hi-Cn, Ps in Hace! Scane= fateh op. it |, 109.273, Ato sclreceor Seb a mpordca estes tet & 9 conto de J.B. Baus, "Behe Jesuswane™ W.C, van Uso, Evangelion aus dem band, Frankl. M1960, 108.130, No arual debe scbeeo fens tera importante ter em ene © pana de fndo dn hia das Ls. viel estes tens, ‘hewn fovmasao do estan non amg,» Sm de compre fuer con no erstaniao da igeje e mx sun escalha dos escetos iniics se maateve # especie es ovidde de Jesus coma ‘sents mn qi est do tempo se assigravaeabsoltizva m9 pine resi Logie 1. falar de uma predomindneia, entio ela surgiia sobretudo do lado do feminino; pois a figura na qual o mundo redi- ‘ida por fim se manifesta, & 2 figura... ‘da noiva’”.* ‘Guardini, com esta reflex, ps o dedo sobre uma questio fundamental da interpretacdo correcta da Biblia. ‘A exegese gnéstica € caracterizada pelo facto de identifi car 0 feminino com s matéria, 0 negativo, o nada, @ que ‘io pode pertencer 3 mensagem salvifica da Biblia; sem divide tis posigées radicais podem transformar-se no seu contrério, na revolta contra tas juizos de valor © na sua total inversio. Na modernidade desenvolveu-se, a partir da mensa- ‘gem biblica, e por outros motives, uma exclusdo do femi- ‘ino menos radical mas no menos eficaz: uma hipertrofia o solus Christus obrigou a rejetar como traigio 2 gran- deza da graga qualquer colaboragio da criature, qualquer significado auténomo da sua resposta. Assim, de Eva a ‘Maria nada se passou de teologicamente significative na linka feminina: o que os Padres e a Idade Média disseram 4 este respeito foi estigmatizado implacavelmente como regresto ao paganismo, come traigio ao caricter tinicg do Salvador. Os feminismos radicais dos nossos dias s6 po- dem ser compreendides como um surto de indignacio, Jongamente reprimido, contra uma tal unilateralidade, sur- to que sem dvida se afoita a posigdes realmente pagis ou % R. Guar, Das Chrisasbild der pautschn und joka her Serer, Maina, 198, 208. Esa des de Guat, qe Sesperoo Increidament pouca steele, comm una see de powes de visa importantes, qe a gu no tram eo, amo sabre as guste nd ‘mantas di intrpreagentenigis da Bin camo sobre congress ‘est esoglapatin joi neognésticas: a recusa do Pai e do Filho, que af se efectua, latinge 0 coragdo do testemunho biblico." “Tanto mais importante € ler a propria Biblia ¢ é-a na sua globalidade. Entéo se tora evidente que, no Antigo ‘Testamento, a pat com a linha que vai de Adio 40s pariar- cease uo Servo de Deus, corre uma linha que vai de Eva is mulheres dos patriarcas até figuras como Debora, Ester, Rute e, Finalmente, a Sophia (Sabedoria) - um eaminho que teologicamente iio pode ser considerado indiferente, tembora ele sja tBo inacabado ¢, assim, tio aberto na sua lafirmagie, tio incempleto quanto todo 0 Antigo Testa- ment, que permancce na expectativa do Novo © da sua resposta, Mas, como a linha admica recebe o seu sentido & partir de Cristo, também o significado da linha feminina, a luz da figura de Maria e na atitude da Ecclesia, se tora claro no set entrelagamento indissociével com 0 mistério cristol6gico, O desaparecimento de Maria e da Ecclesia ‘numa corrente principal da teologia contemporinea aponta para a sua incapacidade de ler a Biblia na sua globalidade, (0 distanciamento da Ecclesia leva, em primeiro lugar, a0 desaparecimento do lugar onde se faz a experiéncia dessa tunidade e onde esta se toma visivel. Tudo o mais se segue raturalmente, Pelo conttitio, se se quer pereeber a estru- ‘ura do conjunt, a acetagio do lugar fundamental que é a Igteja 6 condigio prévia. Isto implica a recusa de uma ™ Sobre doug enna da imagem cts de Dens inset vo conta Cate FX Hi, Gnd Revelation and Author V, Word Bootes Waw Texas ode cere de 1986 sabe a interes fe nine do NT-é signiioato F Sanssi-Fcnta, In Memory of Her 1 Feninn Theaogiea! Reconstruction of Cron Origin, New Yee, toes, seleego historicizante do Novo Testamento, em que © que se supoe mais antigo € declarado como a tinica coisa que tem valor e, assim, Lucas tal como Joio sio desvalosiza- dos. Pois $6 na totaidade encontramos 0 todo.** (© significado actual da encfelica parece-me sesidir bastante no facto de ela nos conduzir a descobrir de nove ‘inka feminina na Bfblia, com o sea proprio contedido Salvifiea e a aprender que nem a cristologia elimina 0 fe minino ou o reduz & insignficdncia, nem, pelo contrrio, © reconhecimento do feminino atenua a cristologia. S6 na sun correlacao justa se manifesta a verdade sobre Deus sobre nés préprios. Os radicalsmos que dilaceram 0 nosso fempo, que deslocam a lua de classes para a raiz do que & ‘ser humano ~ na existneia um para 0 outzo do homem eda mulher ~, sio “heresia” no sentido literal do wero: é fama escolhe que rejella a globalidade. $6 a recuperacio da totalidade do que € biblico pode levar 0 ser humano a ‘esse onto central no qual se pode tomar ele préprio um todo. Assim, o drama actual poderia ser ajuda fecunda para compreender, melhor do que até ha powco parevia ossivel, o convite a uma Jeituea também mariana da Bi bliss inversamente, precisamos desta litura para respon- der ao desafio aniropol6gico dos nossos dias. 3. Uma mariologia histérica ¢ dindmica Para compreender a especificidade do pensamento rmariolégioo que encontramos na enciclica, uma observa- glo de ordem linguistca pode ser Gil. O pensamento ms- Tete esbogar ests cola no meu liwiabo Die Tockter Zon, Finely, 1977, Figo 1980 rioldgico do sée. XIX e do inicio do sé. XX visava, sobre- tudo, explicar 0s privilégios da Mie de Deus incluidos nos seus grandes tftulos de dignidade. Depois de o titulo de Assumpta tee sido assegurado pelo dogma da Assungio corporal de Maria a0 eéu, passou a primeira plano a ques- tiowdlos ttulos de “mediadora” (Mediatri) © “correnden- tora" (Corredemptrix). Na enciclica nao me apereebo de {que aparega o titulo de “corredentora”; @situlo de “media- dora” encontramo-lo s6 muito raramente, mais & margem & fem citaeées. Em contrapartida, todo 0 peso reside na pala vra “mediagio” (mediazione). © acento t6nico € posto na cgi, na mistdo histries; 0 ser de Maria torna-se visivel apenas através da missio, através da accio histérica.” [Nesta deslocagio linguistica & visivel 0 novo ponto de partida da mariologia escolhido pelo Papa: nio se trata de fstentar perante a nossa contemplagio assombrada mist ros repousando em si prOprios, mas sim de compreender a dinimica historca da salvagio, que nos inelui, nos indica ‘6 nosso lugar na histria, que Se nos oferece como dom € nos faz. avangar. Maria aio esté estabelecida apenas no passido ou apenas no alto do céu, na sua situagio de ex- epee junto de Deus; ela esti e permanece presente © activa na hora histrica presente; ela € pessoa em acgao faqui © agora. A sua vida aio se situa apenas atris de 16s, no passado, nem esti apenas acima de n6s; ela precede 2 Sob rte da nacologi om relego com a consi one a,c Re Lama, La queton mara Ps 1963 Hb La erg (a Conc, Pcs 1985. Um tem suo ds susp actual da guestio ‘toons. em: 8. ox Fons /'S. Mao (2s), Nuovo Diinario ed ‘Marlo, 4 Poon, 1985; of por exemplo om arg "Manolo Marlo Pres) 991-920, "Maan" (8, Mio) 920935 nos, como © Papa miltiplas vezes sublinha, Ela aponta- fos a. nossa hora histrica, nfo por meio de teorias, mas sim agindo, na medida em que aponta o camino para dian- te, Nesta textura da acco tors, naturalmente, visivel também quem ela é, quem n6s somos, mas apenas na medi- dda om que nos adentramos no sentido dinamico da sua figura. Ocupar-nos-emos, na segunda parte, com mis por- senor, de mostrar como, desta forma, a mariologia se tor ‘a teologia da historia e um apelo A ago, |. Bimilenarismo? 14 na primeira enciclica do Papa, Redemptor hominis (1979) se fazia ouvir um tema que surge mais fortemente na enciclica sobre o Espitito Santo, de 1986, e que agora, no ensinamento sobre a Mie de Deus, tem de novo um lugar importante: a perspectiva do ano 2000, da grande rememoragio do nascimento de Cristo na “plenitude dos tempos” (Gl 44), que devia ser precedida por um perfodo dde Advento da histria e da humanidade. Poder-se-ia dizer que o grande objectivo das duas utimas enciclicas ¢ intr dduzir a este Advento, O Advento na litucgia da Igreia é tempo mariano: o tempo durante 0 qual Maria deu espago rio seu seio a0 Salvador do mundo, trzendo em sia ex- pectativa e a esperanga da humanidade, Festejar 0 Adven- to significa tormar-se matiano, entrar em sintonia com 0 “sim de Maria que é sempre de novo o espago do nasci- mento de Deus, a “plenitude dos tempos”. ‘A force acentuagio do ano 2000 e © sentido do nosso momento histérico a partir desta consideragio suscita, compreensivelmente, também alguma critica. Surge & ‘questo de saber se esta no ser uma nova forma de mile- narismo, uma mistica dos mimeros que passaria a0 lado do, verdadeiro significado do acontecimento que € Crist, 0 ‘qual ¢ unico e irepetivel na sua dimensio histérica, © ‘qual & na sua forsa salvitics, desde entlo, contemporéineo de todos 0s tempos, sbrindo-0s a0 carécter permanente da ctgmidade. A verdadeira resposia a estas objecgbes j6 foi aflorada no que atris se disse: de facto Cristo, 0 Ressusei tado, € contemporineo de todos os tempos e, nessi med da, todos as tempos sao iguais para ele. Mas hi, contudo, ‘ccasides privilegiadas para a rememoragio: a esta. Tal como, apesar da omnipresenga de Deus ¢ apesar da. pre- senga sacramental de Cristo em cada sacrério do mundo, existe uma “geografia da f€", para a qual o Papa aponta ‘num pequeno excurso sobre os grandes lugares de pere- sgrinagfo, assim também hé articulagbes do tempo que, de forma especial, nos convidam & tomada de consciéncia, a ccaminhar 90 passo do tempo humano de Deus e, assim, a viver a sus contemporaneidade connoseo. Raniero Cantalamessa apontou a este respeito um pensamento itil que santo Agostinho desenvolveu na sua teologia da festa, O grande Doutor da Hgreja diz, numa das suas carta, que hi duas formas de celebrar a festa: aquela que diz apenas respeito & lemibranca anual, & repetigio de uma determinada data, ¢ aquela que ¢ festejada sob a for- sma de mistério. Na primeira, uma cera data esti em pri- meiro plano, despertando a lembranca; na segunda, nao se trata de uma data precisa, mas sim da entrada na realidad fnnima de um acontecimento exterior, tomando-se um com cess realidade™ > R CaweaLauesss, “Mata € Io Spito Sano” in HL U. wx Baan eral Verso tro mille rte acon dello Sprite, Per A partir dat poderiamos dizer: no jubileu do ano 2000, nio esti em primeiro plano esta data precisa, e, muito me: hos, como s¢ essa data enguanto ta tivesse que produzir eros efeitos, &semelhanga de um aulomatismo, compaté- vel a um rel6gio a que se desse cords. O que & decisivo € 4 referéncia interna que preside 2 nossa contagem do tempo nesta hora, deveria de novo ser trazida & consciéncia: a referencia Aquele que tem o tempo nas suas mios. Fle é “mistéro” que simultaneamente toca © tempo e 0 trans- cende; por isso & para nds a possbilidade, no tempo que se dissolve ¢ se esvai, de encontrar tera firme e de encon- tar na fugacidade a permanéncia. TL Quatro temas principais 1. Maria, a erente ‘A allude central partir da qual a figura de Maris é explicuda na encicliea chama-se 6, Enquanto Jesus € a Palavra incarmada e fala a partir da profuncidade do seu ser “um” com 0 Pai a natureza e © caminho de Maia, por seu lado, so determinados decisivamente pelo facto de see crente, “Bem-aventurada 6 tu que acrditaste” ~ te era dela “Domina et soar. Vaca, 1985, 49 “5, clan 55. Atousus Ep. 88,12, Corpus Seporam Ecclesiae ‘cru Latin 341, p. 170. "obs 9 coniccimento = cnsitaci desi de Cito & muito ctaseedor 0 dourent a Consso lntemacon! tog di 8 ‘stampa en 1986 pela Ed. Vatican, em latin ela, De Jeu to ‘inslntsguam see es ips ef desu misone abu OGL tebe FD, nu see qu'il a Die, Pais, 1988 este grita de Isabel go ver Maria (Le 1.45) torna-se pale vya-chave da matiologia. Maria é, assim, posta sob 0 signo do louvor dos grandes erentes da histéria, Iouvor com 0 {ual o capitulo 11 da cara aos Hebreus dew 0 seu lugar teol6gico & meméria das testemuntas da f€. Este lugar b- blico fundamental percore toda a encfcica ¢ tem que ser sempre tido em conta para a sua correcta. compreensi. A encielica tora-se, desta forma, também, uma catequese sobre a f, sobre a relacdo fundamental do ser bumano a Deus, © papa vé a atitude de Maria em relagio com a figura de Abrado: tal como a f6 de Abraio esteve no inicio dda Antiga Alianga, assim a f& de Maria iniia a Nova Ali- fanga na cena da Anunciacao, A (€ é nela, como em ‘Abmlo, confianga em Deus e obeditncia a Deus, embora por um caminho obscure. F um abandono, uma dadiva, ‘uma entrega & verdade, a Deus. Assim a fé, no claro-escu- 10 dos caminhios impenetriveis de Deus, se toma confor- rmagio com Ele (Redempioris Mater 14%), (0 Papa vé o “sim” de Maria, que € 0 seu acto de fé, & lz da passagem do salmo que a carta aos Hebreus inter preta como 0 “sit” do Filho & Incamagao e & cruz: “NAO Auiseste sacrficios nem oferenda, mas preparaste-me um. corpo... sim, eu venho... para fazer, 6 Deus, a tua vontade”” (eb 10,5-7, $1 40,6-8; RM 13), No seu longo “sim” a0 nascimento do Filho de Deus do seu seio, pela forga do Espirito Sante, Maria pe 0 seu compo, todo 0 seu ser disposigio de'Deus para abrigar @ sua presenga. Neste “sim”, a vontade de Maria identfica-e, pos, a vontade do Mie do Renton, Cats enctclce "Redenptoris Mater” tes Polis, isos 1957: raat Ra Filho. No unissono deste sim (*preparaste-me um compo”) torna:se possivel # Incamaeio, na qual ~ como santo ‘Agostino 0 disse ~ a concepedo no esprito de Maria pre- ‘cedeu a concepeio corporal. (© caricter crucificante da f€, que a Abrato fot dado cexperimentar de forms tlo radical, surge para Maria, pela primeira vez, no encontro com o velho Simeso e, em se- tpuida, de novo na perda e no reenconto de Jesus bos doze fnos. © Papa sublinha muito expressamente a palavra do fevangelista! "Eles no compreenderam as palavras. que thes disse” (Le 2,48-50; RM 17). Mesmo na mixima das intimidades com Jesus, 0 mistio permanece mistéio, 0 qual mesmo Maria nfo toca seno na f& Mas € preciss- mente assim que ela permanece de facto em contacto com esta nova aulo-revelagio de Deus que & a Incamacio. E precisamente a0 pertencer a esses “pequeninos” que acolbem a dimensao da f€, que ela se situa na promess "Pai.. escondeste estas coisas aos sdbios e aos entendidos ce revelaste-as aos pequeninos... Ninguém conhece o Fitho sendo o Pai” (Mt 1125.27; RM 17). 'A meditagio sobre a de Maris atinge 0 seu auge ¢ a sua condensagdo culminante na interpretagio da attude ‘de Matia em pé junto & cruz, Como crente ela guarda fiel mente no seu coragdo todas as palavras recebidas (Le 1,2; 219.51). Mas, sob a ervz, a palavra da promessa que Ihe foi dada: "O Senhor Deus’ vat dar-lhe © trono de seu pai David. e © seu reinado no teré fim (Le 1,32-35), 0 Paps no of 13 da soa ence, remete para unm sie de textos de santo Azostaho que sulimiam 0 rig mente guom ven, ‘ete les, pv explo, De sac ipinat I 3, Prolog ana 4, 5385 Sermo 2184, Patologia tina 38, 1076 parece definitivamente desmemtida, & fé chega 2 sua que- hose maxima, numa obscuridade total. Mas & previsemente assim que € perfita panicipacio no aniguilamento de Je- sus (FT 25-8), 0 clteulo fecha'se veltando ao incio: "Pre paraste-me um corpo, eis que venho” ~ € af que esta palavra de disponibilidade & aceite, e & precisamente na fbscuridade vivida por Maria que reside a plenitude dessa ‘unio de vontades da qual tinhamos partido, A fé ~¢ isto & visivel desde Abraio ~ & comunhio na entz, Por isso $6 esté completa na eruz. Assim, e ndo de outra maneia, ela & 6 lugar da bem-aventuranca que vem de Deus, “Revelaste- © 805 pequeninos..” 2 O sinal da mulher ‘A catequese da 18 engloba a reflexio sobre 2 eami- hada que se empreende e, portant, também sobre a his (ria. Por isso nao & surpreendente que, numa segunda linha de pensamento, a encilica aponte Maria como guia da histéria, como sinal dos tempos ~ de novo em estreita ligacdo com a palavra brblica. No ceptulo 12 do Apoca- lipse false do sinal da mulher, que & dado num momento determinado da histéria para determinar doravante & coo- poragio entre o céu e a tera. Este texto contém uma refe- Fencia incontomavel 2 representagéo biblica do inicio da histéria, @ esse texto misterioso que a Tradicio designa como proto-evangelho: "Faretreinar a inimizade entre tie ‘a mulher, entre a ua descendéncia e a dele. Esta esmagar- te-4 a cabega e tu tentarés mordé-la no caleanhar” (Ga 415) ‘Os Padres viram nesta maldigio da serpente apts a ‘queda original, uma primeira promessa do Redentor ~ uma referencia & descendéncia que esmagari a cabega da ser pente, Nio houve na historia um dinieo instante sem Evan felho, No momento da queda comega também a promesse. Para os Padres era também importante o facto de jf nesse momento inicial 0 tema cristoligico estar inseparavelmen- te ligado a0 tems mariano. A primeira promessa de Cristo, i setni-obscuridade, s6 decifrivel através de uma ilumi- ragdo posterior, & uma promessa 2 mulher, através da mu- ther. Precisamente na andlise deste texto torns-se claro, tambeim, que a Revelacio € um eaminho s6 fala a partir Ga sta tolulidade. © tema da bistéria futura apresenta-se fatrayés de tés protagonistas: a mulher, a sua descendén- cia, a serpente. A parti da descendéncia anuncia-se b&n- ‘glo, libertagio: essa descendéncia esmaga a cabega da ferpente. Mas a maldigfo e a servidio conservam 0 seu poder: sespente morde-Ihe o calcanhar. Béngo e maldi- ‘io contrabalangam-se, o resultado final permanece incet- fo. No Apocalipse os wés protagonistas surgem de novo. (© drama da histéria entrou na sua hora decisiva, Mas esta decisdo estd agora jd antecipada no que se passou em Na- ‘are: af 0 anjo havia dito a Maria “Ave, 6 cheia de grag € Maria surge agora como a mulher definiivamente aben- No sentido do principio segundo o qual « Escrtura se inerpreta a si propria, o Papa explicta 0 significado desta palavra de béngio a partir da férmula inrodut6ria da carta 05 Erésis, que usa 0 mesmo vocabulério ¢ por isso per mite deduzir 0 seu sentido: “Benito seja Deus, Pai de [Nosso Senor Jesus Cristo, que no alto do céu nos abea- {goou com toda a espécie de béngios esprituais em Cristo. Foi assim que Ele nos escolhen em Cristo antes da funda- ‘cio do mundo... predestinow-nos para sermos adoptados omo seus filhos por meio de Jesus Cristo... para que seja prestado lowvor 8 gloria da sua graga” (EE 13-6; RM 7-11) ‘A palavra “cheia de graga” aponta para esse cardeter dei nitive da béngio de que Se faa na carta aos Efésios,¢ af se toma também visfvel que © “Filho” decidiu definiivamente «6 drama da histéria a favor da beng3o. Por isso Maria, que (© deu a luz, é realmente “cheia de graga” ~ tomando-se sinal para a histéria. Na saudacdo do anjo toma-se claro ‘que a bngio é mais forte que a maldigao. O sinal da mu- ‘her tomou-se sinal da esperanca, a mulher toma-se a guia dda esperanga. A decisio de Deus a respeito dos seres hhumanos que af se divisa,“é mais forte do que toda a expe: riéncia do mal e do pecado, do que toda aquela ‘inimizade’ pela qual esté marcada a hstéria da. humanidade..” (RM 11), ‘© ano mariano significa, nesta perspectiva, que 0 Papa quer, no nosso momento histéico, apresentar 0 “ ral da mulher” como 0 “sinal dos tempos” essencial: se- guindo © wrilho mostrado por este sinal, seguindo este rasto de esperanga, aproximamo-nos de Cristo que conduz. ‘0 caminhos da histria através deste sinalindicador. 3.A mediagao de Maria © tereiro ponto de vista para que gostava de chamar a atengio ¢ 0 ensinamento da mediagio de Maria que © Papa nia sa eneicica desenvolve de fortna muito minuciosa. Este scm divide o ponto sobre o qual a discussio teoldgica e a ‘ecuménica mais se concentrardo, Na verdade, jf 0 conclio Vaticano II refere © situlo de “mediadora”™ e falou da ® Lamon gnton 2. fungao de mediagio de Maria," mas o tema munca até agora foi tratado em documento do Megistério de forma pormenorizada. Quanto ao conteddo a encicica no vai Him do que disse o Conclio, de eujaterminologia se ser ve, Mas aprofunds os seus prinepios e di-thes assim um ‘ovo peso pare a teologia © a piedade. Em primero lugar, gostaria de esclrecer os conceitos com que © Papa circunsereve teologicamente as ideas de mediagio, evitando os mal-entendidos; $6 depois pode iambém ser entendida a respectiva intengdo precisa (0 Santo Pade sublinha poderosamente @ mediagio de Jesus Cristo, mas este caricter Gnico da sua mediagio nio € ex- ‘lusivo mas sim inclusivo, ito €, essa mediagao possibili ta formas de partcipagio. Dito de outro modo: o carécter nico de Cristo no faz desaparecer, perante Deus, a exis: téneia dos seres humanos uns para os outtos € uns com os juts. Todos eles, de muitas maneiras, © em comunhio com Jesus Cristo, podem uns para os outros ser mediado- res em relagao a Deus. Isto € uma realidad de nossa expe- Féncia de todos os dias, pois ninguém tem fé sozinho, © também todos vivem a sua fé & panic das mediagdes hu- ‘mans. Sozinho, ninguém poderiasaltar sobre a ponte que leva a Deus, porque nenhum ser humano s6 por si pode assumir a garantia absoluta da existéacia de Deus ¢ da sua proximidade. Mas em comunhio com aquele que & Ele ‘rOprio essa proximidade diving, os sereshumanos podem Ser uns para 08 Outos mediadores e sfo-no de facto Com isto se circunsereve, em geral, a possibilidade © 0s limites da mediaga0, de forma coordenada a Crist. * id 0. A pattir dato Papa desenvolve a sua terminologia, A me- diagao de Maria repousa na participagao no ministério de rmediagio de Cristo, e €, comparada com este, um servigo subordinado (RM 39). Estes conceites provém do concilio, tal como a fiase seguinte: esta tarefa deriva “da supera™ Dugdincia dos méritos de Cristo, funda-se na suz me ‘glo e dela depende inteiramente, haurindo af toda a sua cficfcia" (RM 22; LG 60). A mediagio de Maria realiza-se ‘consequentemente sob a forma da intercessdo (RM 21), “Tudo o que até aqui se disse a este respeito vale para Maria tanto como para toda a partcipagio humana na me- diagio de Cristo. Em tudo isto, portanto, a mediagdo de Maria no se distingue da mediagéo dos outros seres hhumanos. Mas o Papa no fica por af. A mediagto de Ma- fia, mesmo ao permanecer na linha da paticipagio das criaturas na obra do Redentor, tem, contudo, 0 carécter do “extraordindsio”; para além da forma de mediagio funda rmentalmente possivel a cada ser humano na comunhso dos santos, a mediagao de Matia reveste-se de um aspecto tinico, Este pensamento é também desenvolvide na enct- clica em estritaligagdo com 0 texto bibico. ‘Uma primeira visso da forma especial da mediagao de Maria € intoduzida pelo Papa numa meditagso pormeno- rizada sobre © milagre de Cand, no qual a intervengio de ‘Maria faz, com que Cristo antecipe para a actualidade a sua hora futura nm sinal ~ tal como sucede nos sina da Treja, nos seus sacramentos. A verdadeira elaboragio ‘conceptual de especificidade da mediagéo mariana surge ‘depois, na tercera parte, de novo no eateetecer sublime de diversas passagens escrituristicas, que parecem afastadas ‘mas das outras, mas precisamente ao serem postas a par — 1 unidade da Biblia! ~ ieradiam uma forga esclarecedora, surpreendente, A tese fundamental do Papa é a seguine: & tespecificidade na mediagio de Matia ¢ 0 facto de ser me- diagio maternal, em ondem a um sempre novo nascimento de Cristo no mundo. Fla assegura a presenga da dimensio feminina no acontecimento da salvagdo, que tem nela um centro definitive. Sem ddvida que na Igreja compreendida apenas como realidade institucional, sob forma de deci ‘es masiortérias e acgles, nfo hé lugar para ela. Face a cesta sociologizacao do conceito de Tereja, que € posta em primeire plano, o Papa recorda uma passagem de Paulo, Sobre a qual pouco se tem meditado: “Sinto por vés de rove as dores do parto, até que Cristo seja formado em 16s" (GI 4,19). A vida ndo acomtece através do puro fazer, mas sim através do nascimento e exige portanto as dores do parte. A “conscigncia matemal da Igreja priitiva” que ‘0 Papa aponia, diz-nos respeito ands precisamente, hoje também (RM 43). ‘Mas pode agora perguntar-se: por que temos que ver cesta dimensao ferinina © maternal da Tgreja fxada para sempre em Maria? A enciclica liga a sua resposta a uma passagem da Escrtura que, 2 primeira vista, parece o con- trdrio de toda a veneragio de Maria. A mulher descoiheci- da gue, entusiasmada pela pregacio de Jesus, faz 0 louvor {do corpo que deu vida a este homem, o Senor responde ‘com estas palavras: “Bem-aventurados, antes, 0s que es- ‘cutam a palavra de Deus e a pem em priica” (Le 1128). (© Santo Padre liga com esta frase do Senhor uma outra frase que vai no mesmo sentido: "Mina mile e meus it- ros S80 agueles que ouvem & pelavra de Deus e a poem em pritica” (Le 8,208) 'S6 aparentemente estamos aqui perante declaragies antimarianas, Na realidade estes textos abrem a um impor tantissimo duplo reconhecimento, Primeiro: para além do nascimento fisico de Cristo, que aconteceu uma vez, hi uma outra dimensao da matemidade que pode e deve con- tinuar a existt, O segundo reconhecimento é: esta mater- nidade que continuadamente faz nascer Cristo, epousa na fescut, na conservagdo © na prética da palavia de Jesus (Ora precisamente Lucas, a cujo Evangelho estas duas pas- ssagens pertencer, apresenta Maria como 0 paradigma da escuta da palavra, aquela que € portadora da palavra, a conserva e a faz amadurecer. Isto quer dizer que Liveas, a0 ‘wansmitir-nos estas palavras do Senhor, no nega a vene= ragio de Maria, mas precisamente quer situé-la no sea verdadeiro fundamento. Lucas mostra que & materidade dle Maria nfo foi apenas um acontecimento biolégico que aconteceu uma $6 vez, mas sin que Maria foi e €, ¢ por isso também permanece, mde com a totalidade da sua pes- soa. No Pentecostes, no momento do nascimento da Igreja rages 20 Espfrito Santo, isto torna-se concreto: Maria estd_no centro da comunidade orante que, gracas & descida ddo Espiito, se tora Igreja. A correspondéacia entre a in- ‘camagio de Jesus em Nazaré pelo poder do Espirito Santo € 6 nascimento da Igreja no Pentecostes € iniludivel, “A pessoa que une estes dois momentos, 6 Maria” (RM 24). Nesta cena pentecostal 0 Papa gostaria de ver o icone ‘do nosso tempo, 0 fcone do ano mariano, o sinal da espe- ranga para a nossa hora actual ‘© que Lucas evidencia num tecido de alusdes, reco- nhece-o plenamente desenvolvido o Santo Padre no Evan- zgelio de Joto ~ nas palavras do crucificado a sua mie € 20 discipulo amado, Jodo. As palavras “Eis af a tua mie!" © "Maiher, eis af o teu filhoY” fecundaram desde sempre a meditagao dos exegetas sobre a missdo especial de Maria na Igrea ¢ para a Tere € de justiga que sejam o centro de ‘qualquer meditagio mariolégica, O Santo Padre entende-ss ‘como 0 festamento de Cristo na cruz, Aqui, no eoragso do ristério pascal, Maria & dada aos seres humanos como mie, Surge uma nova maternidade de Maria, que € fruto do novo amor, amadurecido aos pés da cruz (Rif 23) ‘A “simensio mariana na vida dos diseipulos de Cristo. tno 56 de Jodo... mas também de todas os demais discipu- las de Cristo e de todos os cistios” tomna-se desta forma visivel. "A maternidade de Maria, que se toma heranga do ser humano, € um dom que o proprio Cristo faz a cada ser hhumano pessoalmente” (RM 45). (© Santo Pade di aqui uma interpretagio muito subiil dda frase com a qual o Evangelho conclu esta cena: “Des- ide aquela hora o disefpulo acolheu-a como sua casa” o 19.27) ~ € esta a tradugio a que estamos habituados. Mas a profundidade do acontecimento ~ assim sublinha © Papa ~ s6 se toma aparente se traduzirmos a frase literal ‘mente, E lteralmente seria ele tomou-a “no que The € pr prio". Para o Santo Padre isto significa uma relacio profundamente pessoal entre o discipulo ~ todo 0 disefpulo =e Maria, uma apreensio de Maria no mais fntino da propria vida espritual e ecesial, uma entrege © uma entra- dda na sua existneia feminina maternal, uma total con- signagio um a0 outro, que € sempre caminho para 0 nascimento de Cristo, que opera sempre a formagio de Cristo no ser humano. Mas, asim, tarefe mariana ilumi- ‘naa figura da mulher em geral, a dimensio do feminino & a tarefa especial da mulher na lreja (RI 46) ‘Neste ponto se encadeiam todos os textos da Escrtura {que na enciclica formam um tecido tnico. Pois 0 evange- lista Jodo nem nas bodas de Cand nem no relato da crucifi- cagdo nomeia Maria pelo nome, ou como mile, mas sim sob o tiulo de “mulher”. A relagio entre Ga 3 © Apo 12, com © sinal da “mulher”, €, assim, interpretada a partir do texto. E sem davida que esta designagio de Joto tem por (Gs a intengao de elevar Maria como a “mule” em geral de fgrma universalmente vélida e simbdlice, O relato da crucificdo toma-se assim a0 mesmo tempo interpeetagso ‘a histGria e remete para o sinal da mulher que toma p de forma maternal, na luta contra os poderes do “naa” & Deus e assim & sinal de esperance (RM 24 ¢ 47). Tudo 0 ‘que se infere destes textos ¢ resumido pela enciclica numa frase do Credo de Paulo Vi: “Cremos que a santissima Mie de Deus, a nova Bva, mde da Igreja, continua no ou a sua tarefa maternal a favor dos membros de Cristo, na medida em que participa no nascimento e na formagio da vida divina nas almas dos redimidos” (RM 47). 4. Sentido do ano mariano ‘A partir de todos estes matericis, © Papa consti, 0 sentido que a seu ver tem novo ano mariano, Enguanto 0 ‘ano mariano de Pio XII remetia para os dois dogmas mari- ‘anos da Imaculada Conceigio ¢ da Assungao corporal 20 ‘éu, trates, desta vez, de apontar para a presenga especial dda Mae de Deus no mistério de Cristo e da sua Igreja (RBM 48), O novo ano mariano no quer spenas rememorar, mas ‘também perspectivar (RM 49); tem um impulso que imple dle forma dindmica para a frente. O Paps recorda a celebra- ‘fo do milésimo aniversério do baptismo de sio Viadimi- to, que pode ser vista como a celebragio dos mil anos da cconversio da Russia 4 f6 crise liga-a 2 celebracio do segundo milénio do nascimento de Cristo. Tais datas no pedem apenas que delas se faca meméria, mas muito mais pedem uma nova viragem para a nossa verdadeira ideni- dade histrica e humana, a qual se manifesta nestas datas, Esta renovada orientagio da nossa histria a partir do seu fundamento € 0 sentido mais profundo do Jubileu, e quem poderia pr em causa que, no nosso momento histrieo, fom novos conhecimentos que se sucedem em catadupa © {crise simaltinea de todos os valores espirituss, nds pre- cisamos urgenterente deste enraizamento da nossa exis- (© enquadramento que o Pape deu ao ano mariano su blinha com toda a evidéncia o seu sentido intimo. Comega no Pentecostes. O feone do Pentecostes, como jé foi dito, ddeveria tomar-se no fone da nossa identidade e, em con sequéncia, da nossa verdadeira esperanga. A Igreja tem ‘que reaprender com Maia seu ser-lgreja. S6 numa vira gem para o sinal da mulher, para a dimensio feminina da Tgreja bem compreendida acontece » nova abertura 40 po- der eriador do Espirito e, através dele, & formagio de Cris- to, formagio de Cristo cuja presenga, e 56 ela, pode dar 0 seu cenlxo e esperanca & histéria. O ano mariano ence se com a festa da Assuncio corporal 20 ou de Maia © aponta, assim, para o grande sinal da esperanga ~ para a hhumanidade que em Maria j6 esti salva e na qual se toma Visivel o lugar da salvagio, de toda a salvacto. 'Na conclusio da eneiclica, 0 Papa prope ainda uma concreizagio dramdtica da geografia da nossa actualida- de e, desta forma, a determinagio do objectivo do ano rmariano, Ele comenta, em relagfo com a sua compreensio dda nossa hora actual enquanto “Advento”, o antigo hino do Advento Alma redemproris mare, ¢ subliaha nele mui- to em especial as palavras “vem, socomre 0 teu povo que procura levantar-se do abismo da culpa”. O ano mariana ‘esti. como que localizado entre a queda € a elevacio, no ‘laro-escuro entre o esmagamento da cabega da serpente © © ser atingido no calcanhae vulnerdvel do ser humano, Neste ponto nos encontramos ainda e sempre. (© ano mariano quer ser um desafio a todas as cons- cithcias a seguir o camino da nio-queda - aprendendo com Maria qual é esse caminho, Deve ser como que um Uinico grande grito: “Socore, sim, socorte © teu povo, que cai” (RM 52). 0 ano mariano, como a eneielice © apresen- ta, estd muito longe de uma mera devogio sentimental E'um apelo suplicante & nossa geragéo para que reconhoca, 4 tarefa desta hora histérica e empreenda © camino da nfo-queda no meio de todas os riscos Vv “TUES A CHEIA DE GRACA ELEMENTOS BIBLICOS DA PIEDADE MARIANA “De hoje em diante me chamario bem-aventurada to- das as geragdes” ~ estas palavtas da mac de Jesus que nos so transmitidas por Lucas ([,48) so simultaneamente profecia © missao dads & Iareja de todos os tempos. Assim, esta frase do Magnificat, da oragio de louvor de Maria a0 Deus vivo, inspirada pelo Espiito Santo, & um dos funds- rmentos essenciais da veneracio cristi a Maria. A Tgreja rio inventou ela propria nada de novo quando comegou cenaltecer Maris; no desceu do cume da edoragdo co Deus ‘inico para um mero louvor humano. A Tereja fez 0 que deve fazer © 0 que lhe foi cometide deste 0 principio, ‘Quando Lucas escreveu este texto jd se estava na segunda ‘geraglo cristae & “estiepe" dos judeus jf se tinka juntado ‘2 dos pags, que se tinham tomado Igreje de Jesus Cris to. A expressio “todas as geragbes, todas as estirpes” ‘comesou a veriticar-se com realidade histrica. O evange- lista ceramente nao transmitiria a profecia de Maria, se cela the parecesse indiferente ou ultrapassads. No seu Evangelho pretendin registar “cuidadosamente” 0 que haviam transmitido “os que desde o principio foram test ‘unas oculares ¢ se tomaram ‘servidores da Palav (12-3), para assim dar &f& do crstianismo, que Fazia a sua entrada na historia mondial, uma orientagao s6lida> A profecia de Maria pertencia a estes elementos que ele hhavia reunido “cuidadosamente” ¢ considerava com im- Portincia suficiente para serem transmitides como parte do Bvangelho. Isto pressupée que esta frase allo deixava de ter expressio na realidad: os dois primeiros capitulos do Evangelho de Lucas tormam reconheetvel um circulo dds wadigio em que a meméria de Maria € recolhida, em {que & mie do Senhor € amada e lowvada, Eles pressupsem que & exclamagéo ainda um pouco ingéua da mulher des- conhecida “Bem-aventuradas as entranhas que te trouxe- ram" (Le 11,27) ndo havia emudecido, mas, pelo contrévio, numa compreensio mais profunda de Jesus, ha- via ao mestno tempo tomado uma forma mais pura ¢ vali dda, Pressupdem que & saudagao de Issbel: “Bendita és tu entre as mulheres” (1,42) que Lucas define como expres- Sho proferida no Espiito Santo (1,41) nfo tinka permane- ido como um episédio fortite. © louvor de Maria, conservado, pelo menos, num dos ramos. da tradigio do cristianismo mais antigo, € o fundamento do Evangelho da infineia de Lucas. O registo destas palavras no Evangelho eleva esta veneragio de Maria de um mero facto a uma tarefa da Tereja de todos os lugares de todos 0 tempos. A Igreja negligencia algo que Ihe € comandado se no Jouva Matia. Quando 0 louvor de Maria nela emudece, a Tareja afasta-se da palavra biblica. Quando isto acontece Ct F, Mutken, “Kalen i Lakaspobog” i: BE, Ev. Geass (eds), Jens nd Panda FS WG. Kose, Gitingen, 1975, 258-55, também no lowva a Deus de forma suficiene. Pois, por tum lado, conhecemos Deus através da sua eriagio: “O que 6 invisivel em Deus ~ 0 seu eterno poder e divindade ~ fomou-se visivel A intligéncia, desde a eriaga0 do mun- do, nas suas obras” (Rm 1,20), Por outro lado, cothece- mos Deus, de forma mais préxima, través da histria que cle fer com os homens. Tal como natureza de uma pes: soa se manifesta na histGeia da sua vida e nas relagies que testabelece, assim Deus se toma visivel numa histéria, em eres humanos através dos quais a sua verdadeira natureza twansparece, de tal maneira que ele pode ser nomeado atra- vvés dees e reconhecido através deles: 0 Deus de Abrazo, de Isaac e de Jacob, Manifestou-se através da relagio com pessoas, através do rosto de pessoas, e nelas revelou 0 seu rosto. Nio podemos procurar nests rostos 96 a ele, querer ‘@-lo apenas a ele de forma quimicamente pura. Isso seria ‘um Deus auto-imaginado, em vez do verdadeio Deus; um purismo orgulhoso, que considera mais importantes os ‘préprios pensamentos que os feitos de Deus. O verso do ‘Magnificat mosira-nos que Maria foi uma dessas. pessoas {que se inserem de forma muito especial no nome de Deus, tanto que nfo o louvamos suficientemente quando 4 po- ros de parte. Nesse caso, esquecemos algo acerca dele, algo que nio pode ser esquecido, Esquecemos 0 que, pre: cisamente? A sua maternidade, poderfamos responder hum primeiro momento, matemidade que se mostra na tie do Filho de forma mais pura ¢ directa que em qual ‘quer outra passagem. Mas isto € sem divida uma afirma- ‘glo demasiado geral. Para louvarmos Matia corrctamente @ assim darmos comectamente glsria a Deus, devemos es- cutar tudo © que a Escrtura © a Tradigio nos dizem acerca dda mie da Senhor e conservéclo no nosso coragio. A ri- (queza da perspectiva mariana tornou-se, entretanto, at ‘és do louvor "de todas as geragies", praticamente imensa, Bu gostaria, nesta cura reflexdo, de ajudar & pensar ape- nas alguns dos elementos que sio Lucas nos pos nas mios, Aeixando-nos o texto inesgotével do Evangelho da infan- cia Maria, filha de Sido —a Mae dos erentes ‘Comecemos com a saudagio do anjo a Maria. Para Leas, esta € aquela oélula primeira da mariologia, que Deus ele proprio nos quis transmit através do seu mensa- giro, 0 arcanjo Gabriel, Traduzida literalmente a sauda- ‘gio é assim: “Alegrate, 6 cheia de graga. O Senhor esti “contigo” (1,28), “Alegra-te"~ num primeiro momento isto parece nada mais ser do que uma fSrmula de saudagio lusual ao espago de lingua grega, e a Tradigdo ateve-se & twadugio “Saido-te". Mas, a partir do pano de fundo do Antigo Testamento, esta fOrmula de saudagdo adquire um. sentido mais profundo, se peasarmos que a mesma expres- ‘io desta passagem de Lucas surge quatro vezes na tradu- glo grega do AT © sempre como antincio da alegria messidnica (Sf 3,14; J 2.21; Ze 9.9; Lm 421)" Com esta satudagio comega realmente © Evangelho, a sua primeira © §, Lym chamoe past tango no ago xeupe tye pce, im Bilica 20 (1939) [31-4 Esa inccases fora s- Mudd e desuvalvies por R. Laine Srcures et Theo de angie de La Ll, Ps, T9S7- Sole 0 estado tual do debate em toro ot smudgio angen, ef 5. M-lousas, Lay evngeis dela ‘nfo My Machi, 1986, 19-160. palavra é “alegria” a nova alegria que provém de Deus © ‘que rompe o velo ¢ infindével luto do rmundo, Maria no € apenas saudada de uma maneica qualquer; 0 facto de Deus a saudar e, nela, saudar © povo expectante de Isracl, 1 humanidade inteira, € convite 2 alegria mais profunda. 0 fundamento da nossa tristeza € a eaducidade do nosso ‘amor, @ supremacia da finitude, da more, do softimento, ‘da maldade, da ments; & a nossa soliddo num mundo contradit6rio, no qual 0s misteriosos € luminosos sinais da bondade de Deus, ierompendo pelas frinchas do mundo, sio postos em causa pelo povler das trevas, o qual ou faz ‘com que se atribua © mal a Deus ou faz com que Deus parega ausente. “Alegrate” — por que hé-de Maria alegrarse num mundo assim? A resposta &: “O Senor esti contigo”, Para compreender 0 sentido deste Anunciagio, devemos de novo revorrer aos textos veterotestamentérios que esto ra sua base, especialmente os de Sofonias. Eles contém Sempre uma dupla promessa disigida a Israel, & filha de Sido: Deus viré como salvador, ¢ vied habitar nea. O did Jogo do anjo com Maria retoma esta promessa e, a0 ret mé-la, realiza uma dupia concretizagio. O que & dito na profecia da filha de Sido, vale agora para Maria: ela ‘quiparada a filha de Sito, 6 a filha de Sido em pessoa. Puralelamente, Jesus, que Maria dara & luz, € equiparedo a Jahv, o Deus vivo. A vinda de Jesus é a vinds do préprio Deus e a sua habitacao entre os homens, Ele € o Salvador ~ & esse 0 significado do nome Jesus, que assim se explica a pantr do coragio da promessa, René Laurentin mostrou, fuma andlise euidada, que Luces eprofundou 0 tema da habitagso de Deus entre os homens através de finas suges- t6es Hinguisticas: logo nos textos mais antigos surge a ba: bitagdo de Deus “no seio” de Israel ~ na area da Alianea, ‘Agora esta habitacio “no seio” de Israel tornase realida de em sentido literal na Virgem de Nazaré, que assim se toma 2 verdadeira arca da Allanga em Istacl, Attavés dela, ‘9 simbolo da atca ganha uma forca de realidade inaudita: Deus na came de uma pessoa, carne que se tora © seu habitéculo no meio da erisgo..° ‘A saudagéo do anjo ~ centro da mariologia no pensa do pelo homem- levon-nos ao seu fundamento teol6gic, Maria € idemtificada com a filha de Sido, com a Esposa que é 0 povo de Deus. Tudo o que & dito na Biblia da ecclesia vale para Maria, © vice-versa: 0 que a Igreja & © fdeve ser, € por ela aprendido na contemplagio de Maria, Esta €0 seu espelho, a verdadeira medida da sua natureza, porque existe A medida de Cristo e de Deus, “habitada” por ele. E para que existria a Tare sendo para see habita- f¢lo de Deus no mundo? Deus ao age com coisas absteac- las. Ele & Pessoa, ¢ a Tgreja € pessoa. Quanto mais nds ¢ cada um de n6s nos tomatmos pessoa, pessoa no sentido da inabitagio de Deus em nés, filha de Sifo, tanto mais seremos um e tanto. mais seremos Igreja, ¢ tanto mais a Tereja sera ela propia ‘Assim, a identiicasao tipoldgica entre Maria © Sifo conduz a uma grande profundidade. Esta forma de por em relagio o Antigo © 9 Novo Testamento € muito mais que uma construglo hist6rica interessante, através da qual 0 cevangelista liga promessa e cumprimento, reinterpretando a antiga Alienga & luz do acontecimento de Cristo. Maria & Sido em pessoa, © que significa o seguinte: Maria vive a CER. Lauer, op cit 7-82; M, Lass, op IS totalidade do que & significado por “Siio”. Ela io edifica ‘uma individuslidade fechada, interessada na originalidade do proprio “eu”. Ela no quer ser apenas essa pessoa que defende © acarinha 0 seu "ev". Ela nfo ¥@ a vida como um amontoado de coisas, de que se quer acumular 6 mais pos- sivel para 0 “eu” proprio. Ela vive de tal maneira que € permedvel a Deus, habivel por ele. Ela vive de tal manei- fa que se toma umn lugar para Deus. Ela vive 20 sitmo da imensio comunitévia da histéria santa de tal forma que nfo nos aparece nela o estreito © mesquinho “eu” de um individuo isolado, mas sim o todo do. verdadeiro Israel Esta “identificagdo tipol6gica” & realidade espiritval, vide vivida a partir do espirito da Sagrada Eseritua; & um estar radicada na 16 dos poriarcas e simultaneamente dilatada pela altura © a amplido das promessas vindouras. Com preende-se que a Biblia compare uma e outra vez 0 justo & frvore cujas raizes bebe as éguas vivas da eteridade e ceuja ramagem capta e absorve a luz do céu Voltemos de novo 3 saudagao do anjo. Maria é cha- mada a “cieia de graga". A palavra grega para grace (cha- vis) tem @ mesma raiz que as palavras alegri alegray-se (chara, chairein)." Assim, de novo emerge aqui a mesma relagio que encontrémos na comparagio com © Antigo ‘Testamento. A alegria provém da graga. Pode alegrar-se com uma alegria profunda e duradoura quem esti em gra- ca. B vice-versa: a graca é 2 alegria. Que & a graca? ~ esta pergunta emerge do nosso texto. No nosso. pensemento religioso este conceito foi demasiado coisificado, a graga EH. Cownsuon, an. Xapig KA, in Theolgisches Worer bch des Nenen Testaments EX, 363-36, foi vista como algo de sobrenaturl que trazemos nal F eam pouco ou nada setimon dela, cla tomou'se para nos pulatinamente algo de ielevam, a palavra vaza do vocabulino evista, que dixon de ter relagio com x relidde viva do nosso quotiiano. Na realidad, «gra Gr é um conceito de relago: do nos diz nada acer do tina propiedae do eu, mas sim algo acerca a coordena- io ents cu e ene Deus e a pessoa. “Es cheia de rast” podera, pois, sr taduido como: esis eheia do Eepisto Santo, vives em comunidad vida com Deas Petro Lombardo, autor de wm manual de Teologia univer Salmenteutlizado na Kade Média darante crea de te- anos anos, dfendeu a tse de que a raga € 0 ator so 8 mnesin coisa, mas que o amor o Espino Sana”. A gre {i no sent proprio e mais profundo da palavr, no & Sina eoise proveniene de Deus, mas sim 0 propo Deus" verms womtatoue, Senomiae fy is 17.1 Esta idetiiagto inca eum, gage © Esp Sant oto ean depois ~ © com ‘aio rejetada por todo oy grandes estes da escola ct por ‘cpio Bowens, Comet dat Sentogas ya 17 a6 qT: Tonks fe Aan, 8 Te Ill, q 23-22, Com efeto 4 dea de uma grova ‘ids inisponsval:una rego -sobrtudo qantas tt da rea {fo Deu-borton no dis inuivel quem nels se pica O face de Ela se dar ro omen, ese tena earciersiea do seu ser, qulficaa fone verlag. Aso que se a tet texto oo deve se tendido ‘como un rpreso # Pedro Lanburds alto por cima de "Tomas ¢ Bosvenrs, net como wn aquecenla plenice 6s ‘Rfomadores conta raga cri, mah sim como un subir do ‘Sister exsecisimente raion da aga. Sobre o exdo actual dt “Teologia coca sobre esa queso cf.) Auts, Dar Evangelion der Grade, (ERD V), Rasooa 1970, 16-159 1 Sowur, MJ. Sate, ‘De iabaione Spins Sue la AAVY, MC Schecter. eooge tee dlspvasione omit, Vaan, 1988, 257-289; lets be ‘eo tambsin na aor dig faneest & Somme dholoigue dest roma, Vl, Cs, 1985, 135. AA redengdo significa que, no seu agir propriamente divino fem relagio a nds, Deus ndo dé menos do que ele proprio. © dom de Deus € Deus, que, enquanto Espirito Santo, € ccomunho connosco. “Es cheia de graga” ~ isto significa portanto também que Maria é uma pessoa totalmente aber- ta, que se dilatou completamente, que se entregou auda- ciost ¢ ilimitadamente, sem temor quanto a0 seu préprio destino, nas mios de Deus. Signiica que vive intiramen- te a pair da relacdo com Deus e no interior desse relacao. Maria € uma pessoa 2 eseuta e em oraglo, cujo sentido caja alma esto despertas para os mdltiplos apelos sussut- rados pelo Deus vivo, E um ser orante, cotalmente tenso para Deus e, por isso, um set amnte com a amplitude © a ‘generosidade do verdadeiro amor, mas também com a sua ‘apacidade infalivel de discernimento e com a disponibili- dade para 0 sofrimento que existe no amor. [Lucas também iluminou esta realidade a partir de mo- tivos de um outro cireulo: com a sua finura caracterstica, esbooa, na historia de Maria, com uma série de pinceladas, um paralelo entre Abraio, 0 pai dos crentes, © Maria, mic dos crentes.” Estar em graga significa: ser crente. A ff inclui os elementos da fortaleza, da contianga, da ‘edicagio, mas também o da obscuridade, Quando a rela- ‘elo do ser humano com Deus, a abertura da alma a cle 6 Aesignada com a palavra “Ié" isso implica dizer que na relagdo do “eu” humano com 0 “tu” divino nao 6 abolida a distancia infinita entre 0 Criador e a criatura. Significa que 0 modelo da “pareeria” que se nos tomou to querido, 6 inaplcavel em relagaa a Deus, pois nso pode exprimir 4 > GER. Lai, opt 98 soberania de Deus ¢ © mistério da sun acgio. O paralelo entre Maria © Abraio comesa com a alegria da promessa do fitho, mas continua até 2 hora sombria da subida a0 monte Morid, iso €, até & crucifixto de Cristo e, natural mente, até a0 milagre da salvagio de Iseae ~ até 2 reseur- reigio de Jesus Cristo, Abraio, pai dos crentes ~ com este titulo & deserita a posigio excepcional deste patriarca na piedade de Israel ¢ na fé ds Igreja. Mas nio ¢ maravithoso {que ~ sem suprimir a posigao de Abra ~ se situe agor, no inicio do nove povo, uma "mae dos erentes” € que & nossa f€ receha sempre de novo a sua medida © 0 seu ceaminho dessa sua imagem pura e alta? Maria, profetisa Com este comentirio meditativo da saudacio do anjo 44 Maria chegsmos & verificagio, por assim dizer, do lugar teol6gico da mariologia: respondemos a questio: que sig- nifica a figura de Maria na estrutura da f€ e da piedade? Gostaria agora de explictar esta ideia fundamental ainda através de dois aspectos da figura de Maria que vem a0 nosso encontro também no Evangelho de Lucas. O prime ro aspecto diz respeito & oracio de Maria, ao seu cardcter meditativo; poderiamos também dizet: a0 elemento mis co na sux natureza, © qual os Padres aproximam esteita mente do elemento profético. Penso aqui em trés textos era que este ponto de vista se torna claramente evident, © primeiro encontra-e em relagio com a cena da Anun- ciagio: Maria assustase com 2 saudagio do anjo - € 0 temor sagrado que invade 0 ser humano quando 0 toca proximidade de Deus, 0 totalmente outro. Assustou-se © “inguitia de si prépria 0 que significaya tal saudagto” (1.25). A palavra que o Evangelista ust para “inguiie™ consi-se a partir da raiz grege "dilogo", quer dizer: Mara ena inteiormente em cilogo com a Palavea, Ena fem didlogo feximo com a Palavra que Ihe é dads, respon: {ethee deixa-se interpelar po ela, a fim de deciiar ose sentido. O segundo texto em questio enconta-se apés 0 relto da adoragio de Jesus pelos pastores. AF € dito que Maria “conservava”e “ponderava no seu coragio” codes estas palavras (= acontecimentos) (2,19). O evangelista stribui aqui a Maria aquela memeria reflexiva € meditati va. que, depois, no Evangelho de Jodo, tert um papel do grande no tempo da Igreja para 0 desenvolvimento, accio ado pelo Espirito, da mensagem de Jesus. Maia vé nos Acontecimentos “palavras”, um evento cheio de sentido pois provém da vontade de Deus, que imprime sentido, Ela teadus 0s acontecimentos em paisras e peneira nas pal ‘as, na media em que as aceita no seu “corago™ ~ nese tspago interior da compreensio em que sentido e expt, tnlendimento sentiment, oh exterior e interior se in- terpenetam e assim, para slém do epsbdico, a toaidude se fora visivel e a sua mensagem se toma compreenstvl Maria “associa” e “une” ~ articula cada elemento au todo, compara, © contemp-o, e conserva, A pala tomma-se semente em boa tra. Nao & assmilada de imed- ato, encerrada numa primeira compreensio superficial © depois esqueciéa mas, pelo contro, 0 que se passa exte- Tormente-aquire no coragio 0 espago de conservaga0 & pple assim desvendar a par © pasto a sus profundidade, sem que 0 catécter nico do sucedido seja obliterado. (0 mesmo dito mais uma vez, em relagio com a cena de Jesus no Templo, a0s dove anos. Primeito afrmasse: “Els

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