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Química Geral Aplicada

à Biomedicina
Material Teórico
Fundamentos de Química Orgânica

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Dr. Fernando Perna

Revisão Textual:
Prof.ª Dr.ª Selma Aparecida Cesarin
Fundamentos de Química Orgânica

• Aspectos Gerais das Moléculas Orgânicas;


• Nomenclatura de Compostos Orgânicos;
• Funções Orgânicas;
• Reações em Sistemas Biológicos;
• Isomeria.

OBJETIVOS DE APRENDIZADO
• Conhecer conceitos básicos de Química Orgânica;
• Reconhecer as funções orgânicas e as suas características;
• Conhecer as estruturas das principais moléculas de importância biológica;
• Ter noções sobre como nomear compostos orgânicos;
• Familiarizar-se com alguns tipos de reações de compostos orgânicos;
• Compreender o fenômeno da Isomeria Óptica e suas características.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.

Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e de se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como seu “momento do estudo”;

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo;

No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos
e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você tam-
bém encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua
interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados;

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus-
são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o
contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e de
aprendizagem.
UNIDADE Fundamentos de Química Orgânica

Aspectos Gerais das Moléculas Orgânicas


Introdução
Química Orgânica é definida como a química dos compostos de carbono e hi-
drogênio. Não é uma definição muito rigorosa, pois CCl4 é considerado um com-
posto orgânico, enquanto H2CO3 não é.

Os átomos de carbono possuem a capacidade única de se ligarem indefinida-


mente entre si, formando cadeias. Disso resulta a enorme variedade de compostos
orgânicos (são conhecidas cerca de 10 milhões de moléculas orgânicas).

À exceção da água, quase todas as substâncias presentes nos organismos vivos


são compostos orgânicos. Isso é tão verdade que, antigamente, o termo “orgânico”
era associado a compostos que se considerava somente poderem ser produzidos
por organismos vivos.

Daí surgiu a teoria da força vital, segundo a qual haveria uma força misteriosa
responsável pela síntese de compostos orgânicos a partir dos organismos vivos.

Esse conceito mudou na primeira metade do século XIX, quando se descobriu


que compostos orgânicos podem ser obtidos em laboratório.

A teoria da força vital, também conhecida como vitalismo, muito em voga no início do
Explor

século XIX, foi refutada em 1828, pelo químico alemão Friedrich Whöler, ao produzir ureia
(NH2CONH2), subproduto do metabolismo de animais, eliminada pela urina, a partir do aque-
cimento de uma solução de cianato de amônio (NH4OCN).

Postulados de Kekulé
Entre os anos de 1857 e 1858, o químico alemão Friedrich August Kekulé von
Stradonitz enunciou os princípios básicos que governam a formação dos compostos
orgânicos, conhecidos como Postulados de Kekulé:
• O átomo de carbono é tetravalente:

H H
H C H H C F
H Cl

8
• As quatro valências do carbono são equivalentes:

Cl H Cl Cl
H C Cl Cl C Cl Cl C H Cl C Cl
Cl Cl Cl H

Existe apenas uma substância de fórmula CHCl3



As quatro estruturas são quivalentes.

Importante! Importante!

Essa afirmação não é totalmente válida nos dias de hoje. Aplica-se a casos em que o
carbono faz apenas ligações simples, mas não é verdadeira para moléculas em que o
carbono faz ligações duplas ou triplas.

• Os átomos de carbono podem ligar-se, formando cadeias:

CH3 CH3 H2
C CH3
CH3 CH2 CH CH CH2 C CH3 H2C CH
CH2 CH3 H2C CH2
C
CH3 H2

Você Sabia? Importante!

Em 1858, de forma independente, o químico escocês Archibald Scott Couper propôs uma
teoria estrutural muito semelhante à de Kekulé. Contudo, por haver proposto a tetrava-
lência do carbono no ano anterior, em 1857, Kekulé ficou com a primazia da descoberta.
Por isso, os postulados também são chamados de postulados de Kekulé-Couper.

• Apenas por ligações simples: C ;

• Por ligações duplas: C ou C ;

• Por ligação tripla: C .

Em qualquer caso, o número total de ligações do átomo de carbono é sempre


igual a quatro.

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UNIDADE Fundamentos de Química Orgânica

Classificação
Existem diferentes critérios que são aplicados à classificação de compostos orgâ-
nicos, apresentadas a seguir.

Classificação de átomos de carbono em uma cadeia carbônica


Dependendo de a quantos outros átomos de carbono estiver ligado, um átomo
de carbono pode ser classificado em:
• Primário: liga-se a 1 átomo de carbono;
• Secundário: liga-se a 2 átomos de carbono;
• Terciário: liga-se a 3 átomos de carbono;
• Quaternário: liga-se a 4 átomos de carbono:

2ário
CH3 CH3 1ário

CH3 C CH2 CH CH3


CH3
4ário 3ário

Essa classificação independe da forma como os átomos de carbono se ligam


(ligações simples, duplas ou triplas).

Essa classificação não se aplica quando um átomo de carbono não estiver ligado
a outros átomos de carbono; nesse caso, o átomo é chamado de carbono metílico:

CH3
C metílico CH3O CH2 CH CH3

Classificação de átomos de cadeias carbônicas


Apesar da enorme variedade de compostos orgânicos, as suas cadeias podem
ser classificadas por critérios simples:
• Existência de ramificações: cadeia normal (sem ramificações) ou cadeia ra-
mificada (com ramificações):

CH3CHCH3
CH3 CH2 CH2 CH3
CH3
Cadeia normal Cadeia ramificada

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• Fechamento da cadeia: cadeia acíclica (ou aberta) ou cadeia cíclica (ou fechada):

H2C CH2
CH3 CH2 CH2 CH3
H2C CH2
Cadeia aberta Cadeia fechada

• Tipo de ligação entre os átomos de carbono: cadeia saturada (apenas liga-


ções simples entre os átomos de carbono) ou cadeia insaturada (ligações duplas
ou triplas entre os átomos de carbono):

CH3 CH2 CH3 CH2 CHCH3 HC CCH3

Cadeia saturada Cadeia insaturadas

• Presença de heteroátomos: cadeia homogênea (não contém heteroátomos)


ou cadeia heterogênea (contém heteroátomos).

Heteroátomo é o átomo de um elemento químico que não seja o carbono (usu-


almente, nitrogênio, oxigênio e enxofre) posicionado entre os átomos de carbono
constituintes de uma cadeia:

O HC CH
CH3CH2OH CH3CH2OCH2CH3 HC CH
CH3CCH3 S

Cadeias homogêneas Cadeias heterogêneas

Observação
• Cadeia cíclica e homogênea também é denominada cadeia homocíclica;
• Cadeia cíclica e heterogênea também é denominada cadeia heterocíclica.

Essas diferentes formas de classificação são independentes, pois se baseiam em


critérios diferentes, podendo ser usadas simultaneamente.

Classificação de moléculas orgânicas


De acordo com o tipo de cadeia carbônica, as moléculas se classificam em:
• Aromáticas: possuem anéis aromáticos em sua estrutura. Entende-se por anel
aromático o benzeno e moléculas que partilham de semelhanças estruturais
com o benzeno:

ou

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Explor
Aromaticidade é um conceito estrutural que se encontra além dos objetivos desta Disciplina.
O benzeno é a mais importante molécula aromática, mas existem diversas outras moléculas
que também apresentam essa característica, como a piridina, o tiofeno e o cátion tropílio:

O
N

Piridina Furano Cátion tropílio


Figura 1

• Alifáticas: não possuem anel aromático:

CH3CH2CH= CH2CHCH3
CH3 Cl

Observação
Compostos cíclicos e alifáticos são denominados alicíclicos.

Nomenclatura de Compostos Orgânicos


A nomenclatura de compostos orgânicos segue um modelo sistemático, de acor-
do com as Normas estabelecidas pela IUPAC1.

Estrutura-se da seguinte forma:

nome da molécula = prefixo + meio + terminação

Prefixo
A primeira parte do nome de uma molécula orgânica indica o número de átomos
de carbono da cadeia:

1 C: met 5 C: pent 9 C: non 13 C: tridec


2 C: et 6 C: hex 10 C: dec ·
·
3 C: prop 7 C: hept 11 C: undec ·
4 C: but 8 C: oct 12 C: dodec 20 C: icos

1
abreviação em inglês para União Internacional da Química Pura e Aplicada. Trata-se de uma organização interna-
cional, que visa a estabelecer padrões normativos para a área da Química.

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Se a cadeia for cíclica, coloca-se a palavra ciclo antes dos prefixos.

Meio
A próxima parte do nome da molécula indica o tipo de ligação entre os átomos
de carbono:

cadeia saturada: an
cadeia insaturada por uma ligação dupla: en
cadeia insaturada por uma ligação dupla: in

Se a cadeia possuir duas ou mais insaturações iguais, usam-se os prefixos di, tri,
tetra, etc. para indicar as suas quantidades.

Terminação
A última parte do nome da molécula indica a função orgânica à qual a subs-
tância pertence:

hidrocarboneto: o ácido carboxílico: oico


álcool: ol amina: amina
enol: ol
aldeído: al amida: amida
cetona: ona nitrila: nitrila
A união das três partes forma o nome da molécula.

Exemplos:

Tabela 1 – Nomenclatura oficial de algumas moléculas


Molécula Análise da cadeia Nome oficial
4 átomos de carbono: but
CH3CH2CH2CH3 cadeia saturada: an butano
hidrocarboneto: o
2 átomos de carbono: et
CH3CH2OH cadeia saturada: an etanol
álcool: ol
3 átomos de carbono: prop
CH2=CHCO2H cadeia insaturada por uma ligação dupla: en ácido propanoico
aldeído: al
O cadeia cíclica: ciclo
5 átomos de carbono: pent
ciclopentanona
cadeia saturada: an
cetona: ona

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Ramificações
A nomenclatura de ramificações é muito semelhante à nomenclatura de cadeias
carbônicas:

nome da ramificação = prefixo + il

Os prefixos são os mesmos usados para cadeias carbônicas.

Exemplos:

Observação
Normalmente, o prefixo “n”, designador de cadeia normal, pode ser omitido.

De forma genérica, cadeias alifáticas são denominadas grupos alquila e são representadas
Explor

por “R”; cadeias aromáticas são denominadas grupos Arila, representadas por “Ar”.

Moléculas ramificadas
A nomenclatura de cadeias ramificadas é feita da seguinte forma:
• Procurar a cadeia principal: a cadeia principal é aquela com o maior número
de átomos de carbono;
• Numerar a cadeia principal: a numeração é feita de um extremo a outro da
cadeia, num sentido tal que se deem os menores números possíveis às ca-
deias laterais; grupos funcionais têm precedência na numeração sobre cadeias
laterais. Usam-se os prefixos multiplicativos di, tri, tetra, etc. para indicar quan-
tas vezes o substituinte aparece na molécula;

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• Designar os substituintes e as suas posições: os substituintes são designa-
dos em ordem alfabética, precedidos dos números dos átomos de carbono
em que estiverem. Prefixos multiplicativos não são considerados no estabele-
cimento da ordem alfabética;
• Indicar o nome da molécula, citando primeiro os substituintes e, depois, a ca-
deia principal.

Exemplos:

5 4 3 2 1 1 2 3 4 5 6
CH3CH2CH2CHCH3 CH3CH=CHCH=CHCH3
CH3

2-metilpentano hexadieno-2,4

Cl
1
2 CH2CH3 CH3CH2NO2

1-cloro-2-metilciclopentano nitroetano

4 3 2 1 O
CH3CHCH3
8 7 6 5 3 2 1 CH2=CCH2C
CH3CHCH2CH2CHCHCH2CH3 OH
4
CH3 CH3

4-isopropil-3,7-dimetiloctano ácido 2-fenil-3-butenóico

Funções Orgânicas
Introdução
À exceção da água, quase todas as substâncias presentes nos organismos vivos
são compostas de carbono e hidrogênio, classificados como compostos orgânicos.

Isso é tão verdade que, antigamente, o termo “orgânico” era associado a com-
postos que se considerava somente poderem ser produzidos por organismos vivos.
Entretanto, esse conceito mudou na primeira metade do século XIX, quando se
descobriu que compostos orgânicos podem ser obtidos em laboratório.

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UNIDADE Fundamentos de Química Orgânica

Compostos orgânicos têm grande variedade de aplicações, como combustíveis,


polímeros, medicamentos, cosméticos, detergentes, produtos de limpeza, papéis,
borrachas, tintas, produtos de higiene, pesticidas, fertilizantes agrícolas, fibras têx-
teis, etc.

Atualmente, são conhecidos quase 10 milhões desses compostos, que se apre-


sentam nas mais diferentes formas, com características das mais variadas.

O Beilsteins Handbuch Der Organischen Chemie, publicado pela primeira vez em 1881, é
Explor

uma base de dados que contém informações sobre ca. 9,8 milhões de compostos orgânicos,
cobrindo a literatura científica de 1771 até os dias de hoje. Essa base contém estruturas e
grande variedade de propriedades físicas e químicas de cada substância, com referências à
literatura original.

Apesar dessa enorme variedade de substâncias, é possível encontrar aquelas


com propriedades similares. Grupos de substâncias com propriedades semelhantes
são denominados funções (compostos orgânicos podem ser agrupados num gran-
de número de funções diferentes).

As semelhanças nas propriedades que caracterizam as funções originam-se de


semelhanças estruturais – substâncias pertencentes à mesma função possuem um
átomo ou um conjunto de átomos em comum, denominado grupo funcional, res-
ponsável pelas propriedades observadas.

Grupos funcionais orgânicos


Hidrocarboneto
São compostos orgânicos constituídos exclusivamente por átomos de carbono e
de hidrogênio.

Exemplos:

CH4 HC=CH
Metano Etino (acetileno)
(gás de rua) (gás de maçarico)

CH3

CH3C=CH2

Limoneno Naftaleno
(Óleo essencial de (Inseticida)
limão/laranja)

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Os hidrocarbonetos constituem a função fundamental da Química Orgânica.
É a partir deles que as outras funções são organizadas, podendo-se dizer que elas
têm origem neles.

Os hidrocarbonetos são divididos em três classes, de acordo com o tipo de liga-


ção entre os átomos de carbono:
• Alcanos: possuem apenas ligações simples;
• Alcenos: possuem uma ou mais ligações duplas;
• Alcinos: possuem uma ou mais ligações triplas

Propriedades físicas dos hidrocarbonetos


Hidrocarbonetos são moléculas apolares ou pouco polares, e as suas proprieda-
des físicas refletem essa característica. São insolúveis em água e solúveis em sol-
ventes apolares, como outros hidrocarbonetos, benzeno, éter etílico e clorofórmio.

De maneira geral, em condições ambiente, as moléculas de até 4 átomos de car-


bono são gases, moléculas de 5 a 17 átomos de carbono são líquidos e moléculas
maiores são sólidas.

A densidade aumenta com o aumento do tamanho da molécula, mas tende a


um limite máximo de 0,8 g/mL, ou seja, hidrocarbonetos são menos densos que a
água (Figura 2).

Figura 2 – Mancha de petróleo na costa do Rio de Janeiro.


Devido à menor densidade, hidrocarbonetos flutuam em água
Fonte: fsma.edu.br

Álcool
Função caracterizada pela presença do grupo hidroxila (–OH) ligado a um átomo
de carbono saturado.

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UNIDADE Fundamentos de Química Orgânica

Exemplos:

CH3

HOCH2CH2OH
OH
CH3CHCH3
etanodiol-1,2 Mentol
(Etilenoglicol) (Principal componente
(Anticongelante) do óleo de menta)

Os álcoois são divididos em três classes, de acordo com o tipo de átomo de car-
bono ao qual se liga a hidroxila:
• Álcool primário: possui a hidroxila ligada a um átomo de carbono primário;
• Álcool secundário: possui a hidroxila ligada a um átomo de carbono secundário;
• Álcool terciário: possui a hidroxila ligada a um átomo de carbono terciário.

Propriedades físicas dos álcoois


As propriedades físicas dos álcoois refletem a presença do seu grupo funcional.
A molécula de um álcool possui uma parte apolar, representada pela cadeia carbô-
nica, e uma parte altamente polar, constituída pela hidroxila.

Nos álcoois de cadeia pequena, o caráter polar da hidroxila confere elevada


solubilidade em água, enquanto a cadeia carbônica apolar promove a solubilidade
em solventes apolares. Conforme aumenta o tamanho da cadeia carbônica, a po-
laridade da molécula diminui, junto com a sua solubilidade em água (Tabela 2), já
o aumento do número de hidroxilas aumenta a solubilidade da molécula do álcool.

Tabela 2 – Solubilidade de alguns álcoois em água


Solubilidade
Fórmula
(g/100 g H2O)
CH3OH infinita
CH3CH2OH infinita
CH3CH2CH2OH infinita
CH3(CH2)2CH2OH 7,9
CH3(CH2)3CH2OH 2,3
CH3(CH2)4CH2OH 0,6
CH3(CH2)5CH2OH 0,2
CH3(CH2)6CH2OH 0,05
Fonte: Adaptado de MORRISON; BOYD, 1990, p. 563

Os pontos de ebulição dos álcoois são muito maiores que os dos hidrocarbonetos
correspondentes. Por exemplo, enquanto o metano (CH4) é um gás à temperatura

18
ambiente (PE = – 162 °C), o metanol (CH3OH) é um líquido de ponto de ebulição
razoavelmente alto (PE = 64,5 °C).

Enol
Função caracterizada pela presença do grupo hidroxila (–OH) ligado a um átomo
de carbono alifático insaturado por uma ligação dupla.

Exemplos:

H OH
CH2=C
OH

Etenol Ciclopentenol

A representação de uma molécula entre 〈 〉 indica tratar-se de uma substância instável, que
Explor

se decompõe rapidamente.

Os enóis são altamente instáveis, tendendo a se converter no composto carboní-


lico (aldeído ou cetona) correspondente.

Fenol
Função caracterizada pela presença do grupo hidroxila (–OH) ligado a um átomo
de carbono aromático (anel benzênico).

Exemplos:

OH HO OH
1,4-diidroxibenzeno (Hidroquinona)
Fenol (Desinfetante)
(Revelador Fotográfico)

Propriedades físicas dos fenóis


Os fenóis mais simples são líquidos ou sólidos de baixos pontos de fusão.
O grupo hidroxila lhes confere elevados pontos de ebulição. Apesar do anel aromá-
tico apolar, o grupo funcional polar proporciona alguma solubilidade em água, que
diminui com a presença de grupos alquílicos ligados ao anel.

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UNIDADE Fundamentos de Química Orgânica

O anel aromático torna a hidroxila dos fenóis levemente ácida. Essa acidez é
fortemente influenciada por substituintes no anel benzênico.

Aldeído
O
Função caracterizada pela presença do grupo formila C , que corresponde
H
O
ao grupo carbonila ligado a um átomo de hidrogênio.
C
Exemplos:

O O
HC C
H
H
Metanal (Formaldeído) Benzaldeído (Óleo
(Desinfetante) de amêndoas)

Propriedades físicas dos aldeídos


O grupo carbonila polar confere aos aldeídos pontos de ebulição mais altos que
compostos de massa molecular comparável, mas menores que os álcoois corres-
pondentes, que são mais polares.

Como nos álcoois, os aldeídos de cadeias mais curtas apresentam elevadas solu-
bilidades em água, que diminuem com o aumento do tamanho da cadeia carbônica;
são solúveis nos solventes orgânicos usuais.

Cetona
O
Função caracterizada pela presença do grupo carbonila ligado, pelos
C
dois lados, a cadeias carbônicas.

Exemplos:

O
O

CH3CCH3 CH3

Propanona (Acetona) Muscona (Almíscar)


(Solvente)

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Pelo fato de aldeídos e cetonas possuírem em comum o grupo carbonila como grupo funcional
Explor

(variando apenas a sua posição na cadeia), esses compostos apresentam comportamentos quí-
micos muito semelhantes, sendo chamados genericamente de compostos carbonílicos.

Propriedades físicas das cetonas


Por partilharem o grupo funcional, cetonas e aldeídos apresentam propriedades
físicas similares.

Ácido carboxílico
O
Função caracterizada pela presença do grupo carboxila C , formado pela
reunião da carbonila à hidroxila. OH

Exemplos:

CH3 O
O CHC
CH3C OH
OH CH3CHCH2
CH3
Ácido etanoico (Ácido acético) Ibuprofeno (Advil® –
(Componente do vinagre) Analgésico)

Ácidos carboxílicos de cadeia longa, como os ácidos caproico (C5H11CO2H – 6 átomos de car-
Explor

bono) e linoleico [CH3(CH2)4CH=CHCH2CH=CH(CH2)7CO2H – 18 átomos de carbono], são cha-


mados de ácidos graxos.

Propriedades físicas dos ácidos carboxílicos


O grupo funcional torna os ácidos carboxílicos polares, apresentando compor-
tamento similar ao dos álcoois: boa solubilidade em água, que diminui conforme
aumenta o tamanho da cadeia carbônica, e solúveis em solventes apolares.

Devido às suas características estruturais, os ácidos de até 4 átomos de carbono são solúveis
Explor

em água, o ácido de 5 carbonos é parcialmente solúvel, e os ácidos superiores são pratica-


mente insolúveis.

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UNIDADE Fundamentos de Química Orgânica

Os ácidos carboxílicos são moléculas fortemente ácidas para um composto orgâ-


nico, porém muito mais fracos que ácidos inorgânicos. A sua acidez é influenciada
por substituintes na cadeia carbônica, principalmente se localizados no átomo de
carbono diretamente ligado à carboxila.

Sal de ácido carboxílico


Função derivada de um ácido carboxílico pela abstração do átomo de hidrogênio
O
da carboxila, formando um carboxilato C .
O
Exemplos:

O O
C CH3CH2C Ca
ONa O 2

Benzoato de sódio Propanoato de cálcio


(Conservante – Inibe o crescimento (Conservante de queijos,
de fungos e bactérias) pães e bolos)

Propriedades físicas dos sais de ácidos carboxílicos


Os sais de ácidos carboxílicos são compostos iônicos, apresentando todas as
propriedades características desse tipo de substâncias: são sólidos cristalinos, de
elevado ponto de fusão, solúveis em água e insolúveis em solventes apolares.

Por se tratar de um composto orgânico, a solubilidade em água diminui com o


aumento da cadeia carbônica.

Éster
Função derivada de um ácido carboxílico pela substituição do átomo de hidrogê-
nio da carboxila por grupos alquila ou arila. Ésteres cíclicos são chamados lactonas.

Exemplos:

O O
HC CH3C CH3
OCH2CH3 OCH2CH2CHCH3

Metanoato de etila Acetato de isopentila


(Formiato de etila) (Aroma de banana)
(Aroma de rum)

22
Você Sabia? Importante!

A maioria dos ésteres possui odor de frutas e, por isso, muito são usados como aromati-
zantes artificiais.

Ésteres de ácidos carboxílicos graxos em que o grupo ligado ao átomo de oxigênio também
Explor

é de cadeia longa, como o cerotato de miricila (C25H51CO2C30H61, principal componente da cera


de carnaúba, com 56 átomos de carbono) e o palmitado de triacontanila (C15H31CO2C30H61,
principal componente da cera de abelha, com 46 átomos de carbono), são os constituintes
de ceras.

Propriedades físicas dos ésteres


A presença do grupo carbonila confere alguma polaridade aos ésteres. Os seus pon-
tos de ebulição são similares aos de aldeídos e cetonas de massas molares semelhantes.

São solúveis em solventes orgânicos, e moléculas de até 3-5 átomos de carbono


são solúveis em água.

Anidrido carboxílico
Também chamada apenas de anidrido, é uma função caracterizada pela presen-
O O
ça do grupo anidrido ligado a cadeias alifáticas e/ou aromáticas.
C O C
Normalmente, são moléculas simétricas devido à maior facilidade de obtenção.

Exemplos:

O O
CH3C
O O
CH3C
O O

Anidrido acético Anidrido ftálico


(Reagente em (Revestimento
síntese orgânica) entérico de drogas)

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UNIDADE Fundamentos de Química Orgânica

Propriedades físicas dos anidridos carboxílicos


Devido aos grupos carbonila, as moléculas dos anidridos são polares, mas os
seus pontos de fusão e de ebulição são mais baixos que os dos álcoois e ácidos
carboxílicos correspondentes.

São mais densos que a água e não são solúveis em água, pois reagem com ela,
mas dissolvem-se em solventes orgânicos (que devem estar rigorosamente anidros).

Éter
Função caracterizada pela presença do átomo de oxigênio ligado a cadeias alifá-
ticas e/ou aromáticas. Formalmente, podem ser pensados como derivados da água
pela substituição dos dois átomos de hidrogênio por cadeias carbônicas.

Exemplos:

CH3CH2OCH2CH3

O
Etoxietano Tetraidrofurano
(Éter comum) (THF)
(Anestésico) (Solvente)

Propriedades físicas dos éteres


A inserção de um átomo de oxigênio na cadeia carbônica implica uma pequena
polaridade aos éteres. Isso não afeta os pontos de ebulição de maneira apreciável,
que são similares aos dos hidrocarbonetos de massas moleculares equivalentes e
muito menores que dos álcoois correspondentes.

Os éteres apresentam alguma solubilidade em água e são solúveis em solventes


orgânicos comuns (benzeno, clorofórmio).

Haleto orgânico
Função caracterizada pela presença de um halogênio (F, Cl, Br, I) em substitui-
ção a um ou mais átomos de hidrogênio de um hidrocarboneto.

24
Exemplos:

CCI2F2 CH2=CHCL Cl Cl
Diclorodifluorometano Cloreto de vinila 1,4-diclorobenzeno
(freon-12 – Ataca a (Precursor do PVC) (Repelente de mariposas)
camada de ozônio)

Os compostos orgânicos halogenados podem ser de dois tipos:


• Haleto de alquila: possui cadeia carbônica alifática;
• Haleto de arila: possui cadeia carbônica aromática.

Por sua vez, os haletos de alquila são divididos em três classes, de acordo com o
tipo de átomo de carbono ao qual se liga o halogênio:
• Haleto primário: possui o halogênio ligado a um átomo de carbono primário;
• Haleto secundário: possui o halogênio ligado a um átomo de carbono secundário;
• Haleto terciário: possui o halogênio ligado a um átomo de carbono terciário.

Propriedades físicas dos haletos orgânicos


Devido à presença dos pesados átomos de halogênios, os haletos de alquila têm
pontos de ebulição mais altos que os dos hidrocarbonetos com os mesmos números
de átomos de carbono.

São fracamente polares, sendo insolúveis em água e solúveis em solventes orgâ-


nicos comuns, como benzeno, éter e clorofórmio.

Haleto de acila
Função derivada de um ácido carboxílico caracterizada pela presença de um
halogênio (F, Cl, Br, I) em substituição à hidroxila de um ácido carboxílico.

Exemplos:

O O
CH3C C
Cl Br
Cloreto de etanoíla Brometo de benzoíla
(Cloreto de acetila)

25
25
UNIDADE Fundamentos de Química Orgânica

Devido à sua grande facilidade de obtenção, o haleto de acila mais comum é, disparadamen-
Explor

te, o cloreto. Por isso, haletos de acila são usualmente chamados de cloretos de ácido.

Propriedades físicas dos haletos de acila


O grupo carbonila torna a molécula dos haletos de acila polares, apresen-
tando pontos de ebulição similares aos dos compostos carbonílicos de massas
molares semelhantes.

Não são solúveis em água, reagindo violentamente a ela, mas dissolvem-se em


solventes orgânicos, que devem estar rigorosamente anidros. Os cloretos de acila
têm odor forte e irritante de HCl.

Amina
Função caracterizada pela presença do átomo de nitrogênio ligado a uma ou
mais cadeias alifáticas ou aromáticas.

Formalmente, são considerados derivados da amônia pela substituição de um ou


mais átomos de hidrogênio por cadeias carbônicas.

Exemplos:

N NH2CH2CH2CH2CH2NH2

N CH3
Nicotina (tabaco) 1,4-diaminobutano (Putrescina)
(Produto de decomposição de
proteínas em animais mortos)

As aminas são divididas em três classes, de acordo com o número de grupos


orgânicos ligados ao átomo de nitrogênio:
• Amina primária: possui um grupo orgânico ligado ao átomo de nitrogênio;
• Amina secundária: possui dois grupos orgânicos ligados ao átomo de nitrogênio;
• Amina terciária: possui três grupos orgânicos ligados ao átomo de nitrogênio.

Devido à presença de um átomo de nitrogênio, as aminas apresentam propriedades básicas,


Explor

sendo a classe de substâncias que compõem os alcaloides.

26
Propriedades físicas das aminas
A exemplo de o que ocorre com os álcoois, o grupo funcional das aminas as
torna moléculas polares (porém menos polares que os álcoois).

Assim, os seus pontos de ebulição são mais elevados que os de compostos apola-
res de massa molecular similar, mas menores que os dos álcoois e ácidos carboxílicos.

São solúveis em solventes orgânicos, como álcoois, benzeno, éter e clorofórmio,


e moléculas de até 6 átomos de carbono são solúveis em água.

Aminas são moléculas com pronunciado caráter básico para um composto orgâ-
nico, porém mais fracas que bases inorgânicas.

As aminas de 1 ou 2 átomos de carbono têm odor muito semelhante ao do amo-


níaco, as demais aminas alifáticas voláteis têm odor de peixe.

Aminas aromáticas normalmente são muito tóxicas, sendo facilmente absorvidas


pela pele.

Amida
Função derivada de um ácido carboxílico caracterizada pela substituição da hi-
droxila pelo grupo amino (–NH2).

Amidas cíclicas são chamadas lactamas.

Exemplos:

O O O O
C NC(CH2)4CN(CH2)6NC
H2N NH2
H H H

Ureia nylon-6,6

Apesar de, a exemplo das aminas, as amidas também possuírem átomos de nitrogênio, a
Explor

presença do grupo carbonila inibe fortemente o seu caráter básico.

Propriedades físicas das amidas


O grupo funcional confere elevada polaridade às amidas que, como consequ-
ência, possuem elevado ponto de ebulição. São solúveis em solventes orgânicos e,
moléculas de 5-6 átomos de carbono, são solúveis em água.

27
27
UNIDADE Fundamentos de Química Orgânica

Nitrocomposto
Função caracterizada pela presença do grupo nitro (–NO2), proveniente do HNO3.

Exemplos:

CH3
O2N NO2
CH3NO2
NO2

Nitrometano 1-metil-2,4,6-trinitrobenzeno
(Componente de combustível) (2,4,6-trinitrotolueno – TNT)
(Explosivo)

Propriedades físicas dos nitrocompostos


Os nitrocompostos são moléculas altamente polares. Apesar da elevada pola-
ridade do grupo nitro, são apenas ligeiramente solúveis em água, solubilizando-se
facilmente em solvente orgânicos.

Devido à polaridade, os seus pontos de ebulição são marcadamente mais altos


em comparação a outros compostos de massas moleculares comparáveis.

Nitrocompostos alifáticos de cadeias menores são líquidos incolores com um


odor agradável, e moléculas maiores são sólidas.

Nitrila
Função caracterizada pela presença do grupo ciano (–CN), proveniente do HCN.

Exemplos:

CH2=CHCN CN
Propenonitrila (acrilonitrila) Benzonitrila
(Matéria prima de fibras sintéticas)

28
Propriedades físicas das nitrilas
Nitrilas são muito polares. Os seus pontos de ebulição são um pouco superiores
aos dos álcoois de massas moleculares semelhantes, e as moléculas de até 15 áto-
mos de carbono são líquidas.

As moléculas menores são solúveis em água, mas essa solubilidade diminui à


medida que a cadeia carbônica aumenta, e são solúveis em solventes orgânicos.

A maior parte das nitrilas exibe forte odor, semelhante ao cianeto de hidrogênio,
com toxidade de moderada a alta.

Ácido sulfônico
Função caracterizada pela presença do grupo sulfônico (–SO3H), proveniente do
H2SO4.

Exemplos:

CH3CH2SO3H n-C12H25 SO3H

Ácido Ácido p-dodecilbenzenossulfônico


etanossulfônico (Detergente)

Ácidos sulfônicos são fortemente ácidos, pois formalmente derivam do ácido sulfúrico, man-
Explor

tendo grande semelhança estrutural e, consequentemente, semelhanças no comportamen-


to químico.

Propriedades físicas dos ácidos sulfônicos


O seu grupo funcional torna as moléculas dos ácidos sulfônicos polares, com
caráter fortemente ácido. Por isso, exibem elevada solubilidade em água, que dimi-
nui conforme aumenta o tamanho da cadeia carbônica, e são solúveis em solventes
apolares, como éter e benzeno.

Tiocompostos
É um grupo de funções que podem ser consideradas derivadas de funções oxi-
genadas pela substituição do átomo de oxigênio pelo de enxofre.

29
29
UNIDADE Fundamentos de Química Orgânica

Exemplos:

S
CH2=CHCH2SH CH3CCH3
Alilmercaptana Tioacetona
(Um tioálcool ou mercaptana) (Uma tiocetona)
(Presente no alho)

O
CH3CH2SCH2CH3
CH3C
SCoA
Dietilsulfeto Acetilcoenzima A (Um tioéster)
(Um tioéter ou sulfeto (Importante intermediário do
orgânico) metabolismo celular)

Propriedades físicas dos tiocompostos


Devido à menor eletronegatividade do átomo de enxofre, tiocompostos são me-
nos polares que os compostos oxigenados correspondentes, com menores pontos
de ebulição e menores solubilidades em água.

Compostos organometálicos
São compostos orgânicos que possuem metais ligados a átomos de carbono.

Exemplos:

CH3CH2 CH2CH3
CH3CH2-Cd-CH2CH3 Pb
CH3CH2 CH2CH3
Dietilcádmio Tetraetilchumbo
(Reagente usado em sínteses) (Aditivo da gasolina)

30
Explor
São conhecidos compostos organometálicos de todos os metais da tabela periódica.

Entre os compostos organometálicos, têm especial importância os compostos de


Grignard, que possuem magnésio ligado a uma cadeia carbônica e a um halogênio.

Exemplos:

CH3MgCl MgBr

Cloreto de metilmagnésio Brometo de fenilmagnésio

Propriedades físicas dos compostos organometálicos


As propriedades dos compostos organometálicos dependem da natureza da li-
gação carbono-metal: em alguns compostos, ela é covalente (cobre, mercúrio, esta-
nho e chumbo), em outros, é iônica (metais alcalinos e alcalino-terrosos).

Essa característica depende da diferença de eletronegatividade entre o átomo de


carbono e o metal ligado a ele.

A ligação é considerada covalente se a diferença de eletronegatividade entre os átomos que


Explor

a compõem for menor que 1,7; se for maior, será iônica.

Devido às diferenças dos tipos de ligação, as propriedades dos compostos orga-


nometálicos variam muito. Na sua maioria, são sólidos, particularmente, aqueles
com cadeias cíclicas ou aromáticas, mas alguns são líquidos e outros poucos, gases.

Alguns organometálicos são muito estáveis, mas vários compostos dos metais
mais eletropositivos, como sódio e potássio, são pirofóricos (inflamam-se esponta-
neamente quando expostos ao ar) e reagem violentamente à água.

Por causa do seu caráter iônico, não são voláteis e não se dissolvem facilmente
em solventes não polares. Por outro lado, os compostos organometálicos mais co-
valentes, como o (CH3)2Hg, são muito menos reativos. Eles são estáveis ao ar, são
bastante voláteis e se dissolvem em solventes não polares.

Muitos desses compostos são altamente tóxicos, especialmente, os voláteis e os


de metais pesados (cádmio, mercúrio e chumbo).

Compostos de função mista


São compostos em que há mais de um grupo funcional.

31
31
UNIDADE Fundamentos de Química Orgânica

Exemplos:

O HO
HSCH2CHC
HO CHCH2NHCH3
NH2 OH
OH
Cisteína Adrenalina
(Aminoácido essencial) (Hormônio da glândula
Suprarrenal)
O OH O CH3 O
CCH2CCH2C NHCCH2N(CH2CH3)2
HO C OH
O OH CH3

Ácido cítrico Xilocaína (anestésico local)


I I
O CH2CNH S CH3
HO O CH2CHC O N CH3
I I NH2 OH O
CO2H
Tiroxina (hormônio da glândula tireoide) Penicilina G (antibiótico)
CH3 CH3 O
N
OH C
OCH3

CH3
O C5H11 OC
CH3
O
Tetraidrocanabinol (maconha)
Cocaína
RO HO OH

O O CHOH
O
N CH2OH
RO CH3 Ácido ascórbico (vitamina C)
R = H: morfina (anestésico)
R = CH3CO: heroína
O OH
C OCH2CHCH2NHCHCH3
OH O
OCCH3 CH3
CCH2
O NH2
Ácido acetilsalicílico
Ibuprofeno (Advil® – analgésico)
(Aspirina® – analgésico)

32
Moléculas de importância biológica
A grande versatilidade do átomo de carbono em formar cadeias reflete-se nas
biomoléculas. Diversas classes de moléculas estão presentes nos seres vivos, parti-
cipando da estrutura e dos processos bioquímicos.

Uma característica muito importante desse grupo de moléculas é que, pratica-


mente todas elas, com raríssimas exceções, são opticamente ativas.

Aminoácidos
São ácidos carboxílicos contendo o grupo amino ligado ao átomo de carbono,
em que também está ligada a carboxila, sendo por isso denominado carbono-a; por
extensão, os ácidos são chamados a-aminoácidos.

Exemplos:

CO2H

R H
NH2
Figura 3 – Estrutura básica de aminoácidos. A natureza dos grupos R pode variar entre hidrofóbicos
[p. e., –CH(CH3)2], hidrofílicos (p. e., –CH2OH), catiônicos [p. e., –(CH2)4NH3+] ou aniônicos (p. e., –CH2CO2–)

A grande maioria dos aminoácidos de importância biológica é opticamente ativa


e de configuração L.

Os D-aminoácidos ocorrem em abundância nas paredes celulares da maioria das bacté-


Explor

rias, em proteínas produzidas por organismos que vivem nas profundezas do mar e em
alguns antibióticos.

Proteínas
As proteínas são o produto da reação entre aminoácidos; por serem moléculas
bifuncionais, permitem a formação de longas cadeias.

Exemplos:

R O R O
N CH C N CH C
H H
Figura 4 – Estrutura geral de uma cadeia de proteína. A natureza dos grupos R depende do aminoácido usado

33
33
UNIDADE Fundamentos de Química Orgânica

Figura 5 – Estruturas das moléculas das proteínas tripsina (esquerda) e p53 (direita)
Fontes: Acervo do conteudista

Também chamadas de enzimas, as proteínas são catalisadoras dos processos


bioquímicos.

Carboidratos

Você Sabia? Importante!

Carboidratos são as biomoléculas mais abundantes da Natureza.

São compostos carbonílicos contendo grupos hidroxila nos demais átomos


da cadeia.

Os carboidratos são opticamente ativos e a sua maioria é de configuração D,


embora haja alguns exemplos de organismos que utilizam L-carboidratos.

Em solução aquosa, as moléculas individuais reagem intramolecularmente, for-


mando anéis.

CHO
H OH

HO H OH

HO O
H OH
HO OH
OH
H OH
CH2OH

Figura 6 – Estruturas aberta e cíclica da glicose

34
Exemplos:
CH2OH
CHO
O
H OH
HO H
H OH
H OH
H OH
H OH
CH2OH
CH2OH
Ribose Frutose
CH2OH CH2OH OH
CH2OH HO
O O O O
OH HO OH OH
O O OH
HO CH2OH
OH OH OH CH2OH

(glicose + frutose) Lactose (galactose + glicose)


Figura 7 – Estruturas de alguns carboidratos

Você Sabia? Importante!

A sucralose é um derivado clorado da sacarose, 600 vezes mais doce que ela.

CH2OH
CH2Cl
O O
OH HO
O
HO CH2Cl
OH OH

Figura 8 – Estrutura da sucralose

Carboidratos podem se ligar uns aos outros, formando estruturas mais comple-
xas, como o amido e a quitina.

Lipídeos
São moléculas com grandes cadeias hidrocarbônicas, solúveis em meios apola-
res. São utilizadas como meio de armazenamento de energia e na composição da
parede celular. Quando formadas a partir da glicerina, produzem os glicerídeos.

Exemplos:
O
CH2 OCCH2CH2CH2CH2CH2CH2CH2CH2CH2CH2CH2CH3
O
CH OCCH2CH2CH2CH2CH2CH2CH2CH2CH2CH2CH2CH2CH2CH2CH2CH3
O
CH2 OCCH2CH2CH2CH2CH2CH2CH2CH2CH2CH2CH2CH2CH2CH3

Figura 9 – Exemplo de um triacilglicerídeo

35
35
UNIDADE Fundamentos de Química Orgânica

Esteroides
São um grande grupo de lipídeos que têm uma estrutura formada por um con-
junto de anéis 4 fundidos e 17 átomos de carbono dispostos em uma ordem espe-
cífica (Figura 10):

Figura 10 – Esqueleto carbônico de esteroides

A partir dessa estrutura básica, são produzidas diferentes substâncias, com fun-
ções específicas no organismo. Por exemplo, atuam como componentes de mem-
branas celulares e como moléculas de sinalização.

Exemplos:

CH3
H3C CHCH2CH2CH2CHCH3
H3C H CH3

H H
HO
Colesterol
H3C OH H3C OH

H H

H H H H
HO HO
Estradiol Testosterona
(hormônio feminino) (hormônio masculino)
Figura 11 – Exemplos de moléculas de esteroides

Bases nitrogenadas
São componentes dos ácidos nucleicos. O seu caráter básico deve-se à presença
de átomos de nitrogênio na molécula.

36
Exemplos:

NH2 O O
N CH3
N NH NH
N N N O
H N O
H H
Adenina Timina Uracila

NH2 O
N HN N

N O NH2 N N
H H

Citosina Guanina
Figura 12 – Bases nitrogenadas formadoras dos ácidos nucleicos

Reações em Sistemas Biológicos


Compostos orgânicos exibem uma grande variedade de reações químicas – adi-
ções, eliminações, substituições, oxidações, etc., determinadas pelas características
dos seus grupos funcionais. Os mesmos tipos de reações também são observados
nos seres vivos.

É necessária a ocorrência de inúmeras reações químicas para que um organismo


se mantenha vivo. Compostos orgânicos exibem uma grande variedade de reações.
Alguns exemplos são mostrados a seguir.

Uma das etapas do ciclo de Krebs consiste na descarboxilação (perda de CO2) de


um carboxilato intermediário:

O isocitrato O
O O desidrogenase O O
+
CCCHCH2C + H CCCH2CH2C + CO2
O C O O O
O O -cetoglutarato
oxalossuccinato

Figura 13 – Reação de eliminação em etapa da respiração

37
37
UNIDADE Fundamentos de Química Orgânica

A biossíntese da adrenalina envolve uma etapa em que ocorre uma reação de


substituição:

NH2
OH CH3 N N
HO CHCH2NH2 + O2CCHCH2CH2SCH2 N N
NH3
HO
noradrenalina HO OH
S-adenosilmetionina

 H+

NH2
OH N N
HO CHCH2NHCH3 + O2CCHCH2CH2SCH2 N N
NH3
HO
adrenalina HO OH
S-adenosil-homocisteína

Figura 14 – Reação de substituição na biossíntese da adrenalina

Na síntese de proteínas, o encadeamento de cada aminoácido envolve outro


O
tipo de reação de substituição. Nesse caso, forma-se uma ligação denominada
C N
ligação peptídica:

O O enzima O
RCHC + R'CHC RCHC + H2O
NH3 O NH3 O NH3 NHCHCO2
R'

Figura 15 – Formação de uma ligação peptídica

Por causa da ampla utilização das drogas b-lactâmicas2, certas bactérias desen-
volveram mecanismos de defesa. Uma enzima chamada b-lactamase, presente em
muitos tipos de bactérias, é capaz de quebrar o anel b-lactâmico (em vermelho),
tornando o antibiótico inativo:

O O
RCNH RCNH
S CH3 -lactamase CH S CH
3
+ H2O
N CH3 HO2C HN CH3
O
CO2 CO2
inativo

Figura 16 – Reação de hidrólise. A abertura do anel β-lactâmico converte o antibiótico em uma forma inativa

2
antibióticos β-lactâmicos são uma classe de antibióticos contendo um anel lactâmico de quatro membros em sua
fórmula estrutural.

38
Isomeria
Conceitos gerais
Isomeria (do grego isos = igual e meros = parte) C2H6O
é o fenômeno pelo qual compostos com estruturas
diferentes e, consequentemente, com propriedades Gás Líquido
físicas e químicas distintas, apresentam as mesmas
fórmulas moleculares (Figura 17): Insolúvel Solúvel
em água em água
Existem três tipos de isomeria:
• Isomeria plana: os isômeros apresentam dife- não reage com
sódio metálico
reage com
sódio metálico
renças visíveis nas estruturas planas;
• Isomeria geométrica (isomeria cis-trans): os
CH3OCH3 CH3CH2OH
isômeros não podem ser interconvertidos pela
rotação ao redor de ligações devido à existência
de insaturações ou anéis; Existem duas substâncias com
a mesma fórmula molecular
• Isomeria óptica: a diferenciação dos isômeros re-
quer a análise de estruturas espaciais tridimensio- Figura 17 – Fenômeno da isomeria
nais.

Em conjunto, as isomerias geométrica e óptica compõem a isomeria espacial, em que


Explor

é necessária a utilização de fórmulas estruturais espaciais para distinguir as estruturas


dos isômeros.

Nesta Unidade, será estudada apenas a isomeria óptica, de maior importância


na área da saúde.

Isomeria óptica
Isômeros óticos são substâncias que apresentam atividade óptica, ou seja, têm a
propriedade de girar o plano de vibração da luz polarizada (Figura 18).

Diferentemente do que ocorre com a luz comum, a luz polarizada é uma forma de luz em que
Explor

os campos elétrico e magnético possuem apenas um pano de vibração.

39
39
UNIDADE Fundamentos de Química Orgânica

Figura 18 – Polarização da luz. Enquanto a luz normal vibra em


todas as direções, a luz polarizada vibra em apenas um plano
Fonte: Acervo do conteudista

Para entender melhor o processo de polarização de luz, assista ao vídeo Experimental


Explor

demonstration of Polarisation of light (em Inglês – É possível acionar legendas com tradu-
ção automática para o português). Disponível em: https://youtu.be/wTEIYtivVhM

A atividade óptica se manifesta quando a luz polarizada incide sobre a amostra


de uma substância opticamente ativa, que desvia o plano de vibração da luz pola-
rizada para um lado (direita ou esquerda) em um determinado ângulo (Figura 19).

Um aparelho denominado polarímetro (Figura 20) registra o desvio e mede o


seu ângulo.

Figura 19 – Atividade óptica


Fonte: Acervo do conteudista

40
Figura 20 – Polarímetros analógico (esquerda) e digital (direita)
Fontes: Adaptado de Wikimedia Commons

Para visualizar melhor os princípios básicos da atividade óptica, assista à animação Luz Po-
Explor

larizada. (narrada em espanhol, mas facilmente compreensível; é possível acionar legendas


com tradução automática para o português). Disponível em: https://youtu.be/Y4WChJwZNN4

Como nem sempre se têm amostras com o mesmo tamanho, a rotação ob-
servada é corrigida para compensar as variações na quantidade da amostra e no
comprimento da célula de medição.

É comum converter a rotação observada para uma rotação específica por meia
da fórmula:


c l

sendo:

[a] = rotação específica (°)3;

a = rotação observada (°);

c = concentração da solução (g/mL);

l = caminho óptico4 (dm).

Importante! Importante!

Por convenção, ângulos de desvio do plano de vibração da luz polarizada para a direita
são positivos e ângulos de desvio para a esquerda são negativos.

3
a unidade correta da rotação específica é °.mL/dm.g, mas, na grande maioria das vezes, é representada apenas por °.
4
distância percorrida pelo feixe de luz na solução contendo a amostra.

41
41
UNIDADE Fundamentos de Química Orgânica

O valor numérico da rotação específica depende das condições em que a medi-


ção foi feita.

Normalmente, a rotação específica é relatada indicando a temperatura, o com-


primento de onda da luz usada, o solvente e a concentração da amostra, pois é
sensível todos esses fatores.

Por exemplo, uma amostra de (–)-mentol (usado em alimentos), dissolvida em


etanol numa concentração de 10 g/100 mL a 20 °C tem uma rotação específica
de – 50° se medida usando uma radiação de comprimento de onda de 589 nm. Isso
é representado como [a]D20 = – 50 ° (c = 10, etanol)5.

O ângulo de rotação específica medido para um isômero óptico depende do comprimento


Explor

de onda da luz utilizada. Para padronizar os valores obtidos, adota-se a radiação da raia D do
espectro de emissão atômica do sódio, de coloração amarela e comprimento de onda 589,3
nm, de onde vem o índice “D” na representação da rotação específica.
A temperatura também afeta os resultados, mas o efeito difere para cada composto.
O valor do ângulo de rotação específica de um isômero é muito influenciado pelo solvente
utilizado no preparo da solução da amostra.

Figura 21 – Lâmpada de vapor de sódio com a sua característica luz amarela


Fonte: tabelaperiodica.org

Classificação dos isômeros ópticos


As substâncias opticamente ativas são classificadas em:
• Dextrógiras (do latim dexter = direita): giram o plano de vibração da luz
polarizada para a direita. São designadas escrevendo (+)- ou (d)- à frente do
nome ou da fórmula da substância;

5
quando a unidade de concentração não é especificada, considera-se g/100 mL

42
• Levógiras (do latim laevus = esquerda): giram o plano de vibração da luz
polarizada para a esquerda. São designadas escrevendo (–)- ou (l)- à frente do
nome ou da fórmula da substância.

Por exemplo, para amostras de ácido láctico (opticamente ativo):


• O ácido láctico formado no tecido muscular desvia o plano de vibração da
luz polarizada para a direita, sendo designado como ácido (+)-láctico ou ácido
(d)-láctico;
• O ácido láctico encontrado no leite azedo desvia o plano de vibração da luz
polarizada para a esquerda, sendo designado como ácido (–)-láctico ou ácido
(l)-láctico.

Importante! Importante!

Não é possível prever como um determinado isômero desviará o plano de vibração da luz
polarizada, isso só pode ser obtido experimentalmente.

Quiralidade
O átomo de carbono que origina a isomeria óptica é denominado quiral (do gre-
go kheir = mão, em referência ao mesmo tipo de assimetria observada nas mãos).

A quiralidade e, consequentemente, a existência de atividade óptica, pode ser observada


Explor

em outros átomos além do carbono, como silício, nitrogênio, fósforo e enxofre, e mesmo na
ausência de átomos quirais. Contudo, é mais importante no átomo de carbono.

Figura 22 – Quiralidade das mãos


Fonte: Acervo do conteudista

Na ausência de um centro quiral, a molécula torna-se simétrica e a atividade


óptica inexiste.

43
43
UNIDADE Fundamentos de Química Orgânica

Estruturalmente, a atividade óptica de uma substância relaciona-se à assimetria


molecular, originando isômeros ópticos.

Essa assimetria é observada ao redor de átomos de carbono saturados ligados a


quatro grupos diferentes.

Devido à geometria ao redor do átomo de carbono, denominada tetraédrica,


são possíveis dois arranjos espaciais distintos (Figura 23):

Figura 23 – Estruturas de isômeros ópticos. A geometria das ligações ao


redor do átomo de carbono origina dois arranjos espaciais diferentes
Fonte: chem.libretexts.org

A representação no plano de estruturas tridimensionais tetraédricas é feita como


mostrado na Figura 24:

ligações
no plano

ligação para
trás do plano

ligação para
frente do plano

Figura 24 – Simbologia para a representação de uma estrutura tetraédrica no plano

Quando necessário, o átomo de carbono quiral é explicitado numa estrutura


com um asterisco (Figura 25):

H
C* CH2CH3
Br
Figura 25 – Indicação do centro quiral na estrutura de uma molécula (destacado por *)

44
Enantiômeros
As duas estruturas possíveis comportam-se como se fossem a imagem no espe-
lho uma da outra, sendo denominadas enantiômeros (do grego enántios = oposto
e méros = parte, ou seja, moléculas formadas por partes em posições opostas).

A particularidade importante desse tipo de estrutura é que as duas formas não


são sobreponíveis (Figura 26):

Figura 26 – As moléculas de enantiômeros não são sobreponíveis

Se o átomo de carbono estiver ligado a pelo menos dois grupos iguais, a molécu-
la original e a sua imagem especular são sobreponíveis e a atividade ótica inexiste.

Projeção de Fischer
A projeção de Fischer, criada em 1891 pelo químico alemão Hermann Emil
Louis Fischer, é uma forma de representação no plano de moléculas tridimensio-
nais, muito usada para substâncias quirais.

Segundo essa representação (Figura 27), o observador deve visualizar a cadeia


principal na posição vertical, com as ligações horizontais orientadas em sua dire-
ção. Tais ligações são substituídas por linhas, com os átomos de carbono da cadeia
situados nas suas intersecções.

Figura 27 – Visualização de uma projeção de Fischer (estrutura da direita)


a partir da sua representação tridimensional (estrutura da esquerda)
Fontes: Adaptado Wikimedia Commons

45
45
UNIDADE Fundamentos de Química Orgânica

Por exemplo, para o ácido (+)-láctico, tem-se (Figura 28):

CO2H CO2H CO2H


HO H HO H
CH3 H
OH CH3 CH3

Estrutura Projeção de
tridimensional Fischer
Figura 28 – Processo de formação da projeção de Fischer para o ácido (+)-láctico

Nomenclatura D, L
Essa nomenclatura pode ser usada para diferenciar as estruturas de um isômero
óptico, chamada configuração absoluta.

O penúltimo carbono quiral de uma projeção de Fischer é designado D se o seu


grupo funcional estiver à direita do observador, e L, se estiver à esquerda (Figura 29).

Inicialmente aplicada a carboidratos, pode ser estendida a outras classes


de moléculas.

Importante! Importante!

As designações D e L não têm nenhuma correlação com o fato de a molécula ser dextró-
gira (d) ou levógira (l), mas podem coincidir em alguns casos.
Por se basearem em critérios diferentes, as duas formas podem ser usadas ao mesmo
tempo; por exemplo, L-(+)-arginina.

46
CO2H CO2H
H OH H OH
CH3 CH3

CO2H CO2H
H OH H OH
CH3 CH3

Forma L Forma D
Projeção de Fischer
Figura 29 – Isômeros D e L do ácido láctico

Você Sabia? Importante!

À exceção da glicina (NH2CH2CO2H), todos os demais aminoácidos e carboidratos de im-


portância biológica são opticamente ativos. Desses, a grande maioria é composta por
L-aminoácidos e D-carboidratos.

Isomeria óptica na presença de 1 átomo de carbono quiral


Todo composto com 1 carbono quiral possui 2 isômeros ópticos que são a ima-
gem especular um do outro: o dextrógiro (d) e o levógiro (l).

47
47
UNIDADE Fundamentos de Química Orgânica

CO2H CO2H

CH3 H H CH3
OH HO

Ácido (+)-láctico Ácido (–)-láctico


Ou Ou
Ácido (d)-láctico Ácido (l)-láctico
Enantiômeros par d,l
Figura 30 – Enantoiômeros do ácido láctico

Enantiômeros têm propriedades físicas e químicas iguais, a não ser o sentido da


rotação específica.

Os valores absolutos de rotação específica de enantiômeros são iguais, mudando


apenas os sinais dos ângulos para os isômeros dextrógiro e levógiro.

A Tabela 3 ilustra esses fatos com dados para o 2-bromobutano, que apresenta
atividade óptica:

Tabela 3 – Propriedades físicas de isômeros do 2-bromobutano (CH3CHBrCH2CH3)


grandeza (+)-2-bromobutano (–)-2-bromobutano
PF (°C) – 112,6 – 112,6
PE (°C) 91,3 91,3
d (g/cm )3
1,225 1,225
n 1,437 1,437
[α]D (°) + 23,1 – 23,1

* valores medidos a 20 °C

Por outro lado, as propriedades biológicas de isômeros ópticos são diferentes.

Por exemplo, o limoneno (Figura 31) é uma substância quiral que apresenta sa-
bores diferentes, dependendo do seu isômero:

CH3 CH3
CH3 * C CH3 * C
CH2 CH2
Figura 31 – O (–)-limoneno (esquerda) é responsável pelo odor de limão/pinho, enquanto o seu enantiômero, o
(+)-limoneno (direita), é responsável pelo odor de laranja (centros quirais destacados por *)

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Explor
As diferenças de atividades biológicas de isômeros ópticos se manifestam nas mais diver-
sas formas: existem isômeros com os mesmos efeitos, mas em intensidades diferentes. Em
outros casos, um isômero é biologicamente ativo, enquanto outro é inerte, e também há
exemplos de efeitos totalmente diferentes.

Um exemplo muito importante de diferenças de atividades biológicas entre isô-


meros ópticos é a talidomida (Figura 32).

Usada no final da década de 1950 e início da década de 1960, para combater


enjoos nas fases iniciais da gravidez, causou sérios defeitos de nascença.

Comercializada como uma mistura dos enantiômeros, mais tarde descobriu-se


que a (+)-talidomida tinha o efeito sedativo desejado, porém a (–)-talidomida era
teratogênica (do grego teras = monstro e gene = origem) em fetos.

O O O O
NH NH
N * O N * O

O O

Figura 32 – A (+)-talidomida (esquerda) tem ação sedativa, enquanto a (–)-talidomida (direita)


causa deformidades em fetos (centros quirais destacados por *)

Má-formação congênita causada pelo uso de talidomida durante a gestação:


Explor

http://bit.ly/2KWGGRJ

Uma solução contendo quantidades iguais de dois enantiômeros é denominada


mistura racêmica (do latim racemus = cacho de uva, por ter sido identificada pela
primeira vez no vinho). Como as rotações ópticas de ambos os enantiômeros se
cancelam (mesmos ângulos, mas lados opostos), uma mistura racêmica é optica-
mente inativa: o efeito de uma molécula sobre a luz polarizada é cancelado pela
ação de outra molécula isômera (compensação externa).

A mistura é designada escrevendo (±)-, (d,l)- ou, menos frequentemente, rac- à


frente do nome ou da fórmula da substância. Por exemplo, (±)-CH3CH(OH)C2H5
ou (d,l)-butanol-2.

Isomeria óptica na presença de 2 átomos de carbono quirais diferentes


Átomos de carbono quirais diferentes são aqueles em que pelo menos um dos
grupos substituintes não é comum aos átomos.

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UNIDADE Fundamentos de Química Orgânica

H H
HOCH2 C* C* CHO
OH OH
Figura 33 – Molécula com carbonos quirais (destacados por *) diferentes:
os átomos de carbono não estão ligados aos mesmos 4 grupos (têm em comum apenas H e OH)

A presença de 2 ou mais átomos de carbono quirais causa o aumento do número


de isômeros.

Com o aumento do número de isômeros, as correlações entre as estruturas são


mais complexas (Figura 34):

CHO CHO
H OH HO H
e

H OH HO H
CH2OH CH2OH
d
d d

CHO CHO
HO H HO H
e

H OH H OH
CH2OH CH2OH

Figura 34 – Correlações entre isômeros ópticos

Além da existência de enantiômeros, representados por (e) no esquema acima, o


aumento do número de centros quirais origina isômeros que não são enantiômeros.

Esses isômeros, representados por (d) no esquema acima, são chamados diaste-
reoisômeros ou diastereômeros (do grego diá = semelhante a).

Diastereoisômeros têm propriedades químicas (reatividade, acidez) semelhan-


tes, pois são membros da mesma família de moléculas, mas não idênticas. Porém,
as suas propriedades físicas (pontos de fusão e de ebulição, densidade, solubilidade,
etc.), inclusive a rotação específica, e biológicas são diferentes.

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Tabela 4 – Propriedades físicas de isômeros da efedrina [C6H5CH(OH)CH(CH3)NHCH3]
OH H OH H OH H OH H
N N N N
CH3 CH3 CH3 CH3
CH3 CH3 CH3 CH3
(+)-efedrina (–)-efedrina (+)-pseudoefedrina (–)-pseudoefedrina
[a]D = + 6,3 °* [a]D = – 6,3 °* [a]D = + 51,2 °* [a]D = – 51,2 °*
d = 1,124 g/mL †
d = 1,118 g/mL †

PF = 38 °C c
PF = 119 °Cd
solubilidade = 56,9 g/L† solubilidade = 106 g/L†
atividade broncodilatadora (atividade relativa)
33,3 100 20 2,78
cronotropismo (atividade relativa)

20 100 25 desprezível

* Valores medidos a 20 °C.



Valores medidos a 25 °C.

Efeito de uma substância sobre o ritmo cardíaco, acelerando-o (efeito posi-
tivo) ou o diminuindo (efeito negativo).

Quanto maior for o número de átomos de carbonos quirais diferentes, maior


será o número de isômeros ópticos possíveis. O número total de isômeros óp-
ticos e, por conseqüência, de misturas racêmicas, pode ser calculado pelas
seguintes expressões:
número total de isômeros: I = 2n
2n
número de misturas racêmicas: r = ou r = 2n – 1
2
sendo:

n: número de centros quirais diferentes

Por exemplo, para a molécula de glicose, que possui 4 centros quirais diferentes,
são possíveis 16 isômeros ópticos e 8 misturas racêmicas.

Isomeria óptica na presença de 2 átomos de carbono quirais iguais


Dois átomos de carbono quirais são ditos iguais se ambos possuírem os mesmos
grupos substituintes:

H H
HO2C C* C* CO2H
OH OH
Figura 35 – Molécula com carbonos quirais (destacados por *) iguais:
ambos os átomos de carbono estão ligados aos mesmos 4 grupos

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UNIDADE Fundamentos de Química Orgânica

Esse fato limita o número de isômeros que uma molécula possui (Figura 36).

CO 2H CO 2H
Não sobreponíveis
H OH HO H
e

HO H H OH Enantiômeros (par d,l)


CO 2H CO 2H
d
d d

CO 2H CO 2H Sobreponíveis
H OH HO H (mesma molécula)

H OH HO H
Isômero mesógiro
CO 2H CO 2H

Figura 36 – Correlações entre isômeros ópticos; e: enantiômero e d: diastereoisômero

A existência de centros quirais iguais leva a um isômero cuja imagem especular


é idêntica à molécula que a origina, denominada composto mesógiro.

Isso é possível porque a molécula possui plano de simetria interna, como mos-
trado no Figura 36. Salvo para estruturas mais complexas, isômeros meso não
possuem enantiômeros, sendo formas diastereoisoméricas dos outros isômeros op-
ticamente ativos.

O isômero é designado pelo prefixo meso- à frente do nome ou da fórmula da


substância; por exemplo, meso-butanodiol-2,3.

Devido à sua simetria, a atividade óptica de um centro quiral é anulada pela


atividade do outro centro de compensação interna, pois as suas configurações são
opostas, o que torna o isômero meso inativo.

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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Vídeos
Carbono e Vida
A animação mostra o papel do carbono na dinâmica da vida no planeta.
https://youtu.be/ZSiU6N8tBzI
Os perigos da Talidomida: Medicamento que Deforma o Feto.
Breve reportagem sobre a talidomida e os seus efeitos.
https://youtu.be/swgzot1F3ic

Leitura
Superação do Vitalismo e o Imparável Desenvolvimento da Síntese Orgânica
PAIXÃO, F. PEREIRA, M. M. Superação do Vitalismo e o Imparável Desenvolvimento
da Síntese Orgânica, Boletim da Sociedade Portuguesa de Química, v. 120, n. 39,
2011. O artigo discorre sobre a derrubada da teoria da força vital e a evolução de conceitos
em Química que levaram ao desenvolvimento de processos de síntese orgânica.
http://bit.ly/2Mu8mAG
Chemkeys – Liberdade para Aprender
RODRIGUES, J. A. R. Chemkeys – Liberdade para Aprender – Nomenclatura de
Compostos Orgânicos Segundo as Recomendações da IUPAC. Uma Breve Introdução.
jul. 2011. O artigo discute as principais recomendações da IUPAC para a nomenclatura
de compostos orgânicos.
http://bit.ly/2Ms7cFY
Evolução Biomolecular Homoquiral. A Origem e a Amplificação da Quiralidade nas Moléculas da Vida
RODRIGUES, J. A. R. Evolução Biomolecular Homoquiral. A Origem e a Amplificação
da Quiralidade nas Moléculas da Vida. Química Nova, v. 33, n. 5, 1175, 2010. O artigo
discute teorias que tentam explicar a origem da quiralidade seletiva em biomoléculas.
http://bit.ly/2Mt1TWK
Fármacos e Quiralidade
COELHO, F. A. S. Fármacos e Quiralidade. Química Nova na Escola, v. 3, n. 23,
2001. O artigo discute a relação entre a quiralidade de uma molécula com a sua
atividade farmacológica.
http://bit.ly/2MqKpKH

53
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UNIDADE Fundamentos de Química Orgânica

Referências
ALMEIDA, B. C. et al. Novos Triterpenos Damarano e Esteroides da Cera de
Carnaúba Tipo 1. In: 37ª. REUNIÃO ANUAL DA SOCIEDADE BRASILEIRA
DE QUÍMICA, 2014, Natal/RN. Resumos [...] São Paulo: SBQ, Painel QPN-113,
2014. Disponível em: <http://www.sbq.org.br/37ra/cdrom/resumos/T1619-1.
pdf>. Acesso em: 18 jun. 2019.

ENCYCLOPÆDIA BRITANNICA. Nitro Compound. Disponível em: <https://


www.britannica.com/science/nitro-compound>. Acesso em: 20 jun. 2019.

________. Organometallic Compound. Disponível em: <https://www.britannica.


com/science/organometallic-compound>. Acesso em: 20 jun. 2019.

MORRISON, R. T.; BOYD, R. N. Química Orgânica. Tradução de M. Alves da


Silva. 9. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 1990.

RUSSELL, J. B. Química Geral. Tradução de Márcia Guekezian. 2. ed. São Paulo:


Makron Books, 1994. 2v.

SMITH, M. B., MARCH, J. March’s Advanced Organic Chemistry. Reactions,


Mechanisms, and Structure. 5th.ed. New York: John Wiley & Sons, Inc., 2001.

SODERBERG, T. Organic Chemistry with a Biological Emphasis. University


of Minnesota Morris Digital Well, Chemistry Publications, 2016. v.1 (e-book).
Disponível em: <https://digitalcommons.morris.umn.edu/chem_facpubs/1>.
Acesso em: 26 jun. 2019.

Sites visitados
<https://pubchem.ncbi.nlm.nih.gov>

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