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Jesus – Terapeuta e Cabalista – Parte 6

Geburah-Força

Geburah, a Força, procede do hemisfério esquerdo do cérebro, e se


manifesta na Arvore Sefirótica ao longo do braço e da mão direita.
Alguns cabalistas a chamam também de Pájad, "rigor", "temor", ou
"receio", porque toda manifestação poderosa do sagrado é digna de
reverência e atemoriza.
A esse último nome se junta, além disso, o de Tzédek, Justiça, cujo
exercício comporta, segundo sabemos, certo grau de inflexibilidade:
podemos esperar perdão da benevolência, da misericórdia; porém da justiça
somente podemos receber uma exigência em direção ao justo, ao equilíbrio.
Ao analisar mais objetivamente a palavra ‘geburah’, notamos que a mesma
postula uma idéia parecida com a latina ‘vir-virtus’: o máximo vigor é,
também, a virtude máxima.
Um ‘geber’ é um "homem", porém um ‘gibborim’ é um "herói", que se
caracteriza por cumprir ações de risco, por conquistar, por dominar.
A gematria comparada da quarta e quinta sephiroth prova, sem dúvida, que
numericamente se equilibram: chesed totaliza (jet = 8 + sámaj = 60 +
dálet = 4 = 72 = 9), o mesmo que geburah (guímel = 3 + bet = 2 + vav =
6 + reish = 200 + hei = 5 = 216 = 9).
A soma de ambas dá a conhecida cifra 18, jai, "o que vive".
Nossos braços, nossas mãos, têm assim conciliação especular em sua
simetria bilateral irregular.

O Bahir, ou Livro da Claridade, compara Misericórdia e Rigor ao leite e ao


vinho: "Qual é a relação que existe entre ambos? O vinho é o temor, e o
leite, a misericórdia. E por que a escritura menciona antes o vinho? Porque
o vinho está mais próximo".
Novamente temos à frente a heráldica do vermelho e do branco, do ígneo e
do luminoso.
É evidente que pela assimilação do vinho ao sangue, Geburah é o caminho
do sacrifício, inclusive violento, enquanto que Chesed é o da doação sempre
suave, quase indefesa.
Segundo o citado livro, o patriarca que possui o atributo do "temor" é
Isaac: é ele quem se oferece ou é oferecido para o sacrifício.
Abraão, por sua vez, recebe a "misericórdia" assim como seu neto Jacó
herdará a "fidelidade".
Posto que o leite é atributo natural da mãe, e todo ato de piedade nutritiva
é a ela atribuído, é lógico que se associe o vinho ao masculino.
Para os cabalistas, tanto o vinho como o leite podem ser bebidos nas fontes
secretas da Torá.
Baseiam essa idéia na passagem de Isaías 55,1: "Os que não têm dinheiro,
vinde. Comprai e comei. Vinde, comprai sem dinheiro e sem preço, vinho e
leite".
Enquanto que no "vinho", ‘iain’, como vimos, podemos detectar o duplo yod
que alude ao Criador, no "leite", ‘jalab’, encontramos a partícula ‘leb’,
"coração", resumo dos 32 Caminhos da Sabedoria.
Em 1 Pedro 2,2 está dito: "Desejai, como crianças recém-nascidas, o leite
espiritual, sem engano, que vos fará crescer para a salvação (sotirían)".
Como a Misericórdia ajuda a crescer para o alto, assim a Força nos expande
para baixo.
O vinho, que tem como efeito elevar nosso ânimo, é um produto vegetal; o
leite, de efeitos fixadores, é animal.
O vinho é rico em ferro, o leite em cálcio, e ambos são suportes
indispensáveis de nossa complexa estrutura orgânica.
Ao unir Geburah e Chesed, o vermelho e o branco, obtemos a cor "rosa",
‘véred’ em hebraico, raiz ligada com ‘varid’, ‘vridim’, "veias", "artérias".
Semelhante às sutis estrias e nervuras das rosas, ficamos admirados,
quando contemplamos um diagrama dos sistemas venoso e linfático, que
sejam as veias pulmonares, por exceção, as que levam sangue arterial, e as
artérias pulmonares as que transportam sangue venoso; cruzamento
singular que lembra, agora sob o peito, o que se dava no quiasma ótico, na
cabeça.
Porém a união do vermelho e do branco somente se concretizará em
Tiferet, a sexta sephira, pois é a coluna central da Árvore da Vida que
harmoniza os efeitos do rigor e da graça.
Entretanto, com a quarta e quinta sephiroth nos encontramos no mundo do
noturno (o vinho) e do diurno (o leite).
Para o pseudo Dionísio Areopagita, o leite é um alimento espiritual, um
produto.
Limpo e puro.
O vinho seria o produzir-se, já que pressupõe fermentação.
"Enquanto alimento líquido (o leite), escreve, simboliza essa maré
superabundante que se estende progressivamente a todos os seres; e que,
além disso, através de todos os vários, múltiplos e diversificados objetos
conduz generosamente aqueles a que alimenta, segundo suas aptidões, em
direção ao conhecimento simples e constante de Deus. Por essa razão, as
palavras ininteligíveis de Deus comparam-se ao orvalho, à água, ao leite, ao
vinho, ao mel; como a água, têm o poder de fazer nascer a vida; como o
leite, o de alimentar os seres vivos; como o vinho, de reanimá-los; e como
o mel, o de curá-los e conservá-los".

Não há fogo no leite, e sim luz; ‘gala’, "leite", em grego — que soa quase
como seu correspondente hebraico, ‘jalab’! — torna-se, em linguagem
teológica, ‘galaktós’, os "alicerces da fé", "luz clara, espiritual".
Fogo é o que acendemos na escuridão, a faísca irracional, perigosa,
sacrificial, enquanto que o leite, que brota por si mesmo, não surge de uma
ferida mas de um orifício.
Por isso, a Misericórdia, Chesed, ligada a essa bebida, se apóia na lógica
inflexível do parentesco, já que — diz Dionísio — "estende-se a todos os
seres" como a aurora, enquanto a Força, Geburah, é tributária da espada
que promove o corte, a divisão e também a cicatriz.

A "espada", em hebraico ‘jéreb’, aparece sempre associada à balança, à


justiça.
Um dos nomes que se confere à quinta sephira é precisamente ‘din’, o
"juízo".
Daí que o iniciado, o que goza da amizade do querubim que protege o
acesso à Árvore da Vida, possa dizer: "Não penseis que vim trazer paz à
Terra. Vim trazer não a paz, mas a espada".
A versão grega a denomina ‘májairan’, porém a hebraica insiste em ‘jéreb’.
Este último vocábulo encerra um sósia: ‘jaber’, "camarada", "amigo", o "que
une", palavra que possui as mesmas letras.
Na citada passagem de Mateus 10,34 Jesus opta por escolher o espiritual e
recusar o genealógico.
Sua espada era uma espada de dissensão familiar.
Surpreende que os "inimigos do homem" sejam os de sua casa?
Não, não muito.
Um dos evangelhos gnósticos mais conhecidos diz: "Um médico não cura
familiares e amigos" e explicita isto no lógio 31 do Evangelho de Tomé, na
mesma seqüência que afirma que nenhum profeta é ouvido em sua terra.
Do dito podemos inferir que a dissensão tem correspondência com o solve
alquímico, com a dissolução de um vínculo que nos priva de liberdade.
O amigo, o camarada, "une-se" a nós no trabalho de "expansão", ‘rajab’,
que surge do empunhar idêntica raiz verbal, parecida à espada.
Quando a benevolência é excessiva, corremos o perigo de dissimular o fator
tenebroso mas também estelar da vida: a pluralidade de mundos que o
vinho da noite oferece está, de certo modo, em luta com o singular e diurno
do gesto piedoso, lácteo, da misericórdia.
Se através da concórdia o mundo realiza sua coerência e revela sua
paciência, por meio da discórdia dispara seus esporos fecundos, impele à
frente, transfigura os laços de sangue em ligações de alma.
Fomenta distanciamentos, conquistas individuais.

Em mais de uma ocasião o discípulo percebe, no nome da sephira sobre a


qual trabalha ou medita, a chave de seu desenvolvimento posterior.
Em chesed estava a raiz ‘jas’, que indicava "proteção" e "resguardo".
Em geburah, complementarmente, encontramos também ‘bagar’, que indica
"amadurecer", "crescer", "dilatar-se".
De quanta força carece o fruto para desprender-se, primeiro, do ramo, em
seguida do seu próprio destino!
A tal ponto geburah tem relação com o corte, com a separação, que desde a
agudeza de seu gume compreendemos sua capacidade de dilaceração, mas
também de penetração: "Porque a palavra de Deus é viva, eficaz, mais
penetrante do que uma espada (májairan dístomon) de dois gumes",
Hebreus 4,12.
O versículo prossegue dizendo que por intermédio dessa palavra/espada se
pode separar a alma do espírito, as junturas e as medulas: para discernir há
que afastar-se, provocar uma distância, um hiato entre o sujeito e o objeto.
"Os genuflexórios — anota Fílon em seu citado texto Vida Contemplativa,
que fala dos terapeutas — estão distribuídos de tal modo que os homens
ficam separados das mulheres; os primeiros à direita, e as segundas à
esquerda".
O alimento, a oração, o verbo está no meio, porém sua manifestação ativa
nas costas.
É comum associar-se o esquerdo ao feminino e o direito ao masculino por
pura convenção, sabendo a todo instante que por dentro essa disposição se
inverte.
Porém, essa tendência giratória, espiralada no ser que vive, é também um
fato bioquímico inato: na ADN ou ácido desoxirribonucléico do código
genético, a hélice de macromoléculas pode girar para a esquerda ou para a
direita e como, além disso, é dupla, os giros estão contrapostos e
enlaçados.
Tais ácidos nucléicos inscrevem-se em cadeias de açúcares ligados por
átomos de fósforo: a doçura e a ignição apoiando-se nas pontes de
hidrogênio.

A bivalência do humano, discernível nos sexos, é percebida lambem no


valor elétrico do homem e no valor magnético da mulher: um suscita, a
outra atrai.
A ereção fálica é uma espada; a expansão da vagina um cálice, um cadinho,
uma vasilha.
A Misericórdia contém, circunscreve, alimenta.
O Juízo ou a Força que dela emana — transborda, quebra, conquista.
Nesse jogo ou dança que se manifesta entre a quarta e quinta sephiroth
desenha-se um relâmpago que une o céú à Terra e constantemente
percorre a Árvore da Vida.
A "vinda do reino", quer dizer, a ascensão de malkut a keter e, para Lucas
17,2: "Como o relâmpago (‘astrapí’ em grego e ‘barak’ em hebraico) que ao
reluzir resplandece de um extremo do céu ao outro. Assim também será o
Filho do Homem em seu dia".
O acima e o abaixo, o direito e o esquerdo unem-se mediante esse fulgor
que é tão reverenciado pelos cabalistas devido à sua graça iluminativa e a
seu poder de cauterização.
‘Barak’ dá, em gematria, a cifra (bet = 2 + reish = 200 + kuf = 100 = 302)
que, por coincidência singular, se retiramos o zero, assemelha-se ao 32 dos
caminhos da sabedoria.
Por outro lado, ao converter o valor do relâmpago novamente em letras,
obtemos a palavra ‘shab’, que, entre outras, implica "converter", "retorno",
"devolução".
Ou seja, que o relâmpago vai e vem, oscila perpetuamente entre os pólos
de nosso ser, tal como nitidamente o representa a Árvore da Vida no
comprimento e na largura de seus canais.
É pura coincidência que os cordões enlaçados da ADN delimitem sua
estrutura sob a forma de uma espécie de escada em caracol, e o fato de
que este seja duro por fora porém macio por dentro?
Símbolo lunar, o caracol indica a regeneração periódica, a morte e o
renascimento, do mesmo modo que as células, em seu núcleo, rompem seu
passado e realizam seu futuro.
Por sua contigüidade com o orvalho, o caracol alude à ressurreição dos
mortos, à fertilidade dos campos, e sendo o próprio estudante "um campo"
— como adverte o Zohar — ao interiorizar sua experiência, aprende a
carregar sua própria casa, seu próprio templo.
A lentidão do caracol é a face oposta e complementar do veloz relâmpago.
Ao mesmo tempo, um e outro obtêm disso vantagens para interpretar o
sentido oculto das tormentas: pela umidade, o crescimento; pelo fogo, a
iluminação.
Em Jó, 38,1 lemos: "Então o Criador respondeu a Jó num redemoinho
(sahará)".
Quando o furacão, a violência da tormenta vital abre suas nuvens, na flor
das águas o discípulo é arrebatado pela compreensão do sagrado sacrifício:
sua "luta" (krab) interna para ligar as polaridades que contribuirão para seu
desenvolvimento é o único método de "aproximação" (kereb) à luz.
E, todavia, inclusive essa luta é uma ilusão porque o fim de toda conquista
é a paz, a redenção de si mesmo.
Quando compreendemos que cada um deve aprender a ser seu próprio
terapeuta, entendemos também que o estado ótimo de saúde é o de
"devolução".
Nesse sentido, geburah e chesed valem por sua flexibilidade, pelo que
fazem circular mais do que pelo que retêm.
Como o vivo é assimétrico e ilusoriamente dual, devemos a essa assimetria
o desejo do simétrico, desde as leis éticas à geometria; do mesmo modo,
devemos à dualidade a vontade de unir.
A impressão é que o par é sempre assimétrico e que por isso busca-se uma
"parelha".
Não desejamos, no amor, acompanhar o ritmo ascendente e descendente
no ADN helicoidal e, lutando com o anjo, como Jacó, subir pela escada do
sonho à "porta dos céus"?
O chamado ao nível da Benevolência deve ser interpretado como piedade
para com o ser vivente, ternura para com o criado, de modo que a voz da
Justiça se faça ouvir a fim de que cada indivíduo receba o que lhe pertence,
o alimento físico e espiritual que lhe corresponde.
Entre a Benevolência e a Justiça de cada braço encontra-se o cotovelo, cujo
significado profundo tem a ver com a ordem e a verdade.
No Egito, esta era a responsabilidade de Toth, o escriba hermético que,
através do conhecimento dos hieróglifos — a Cabala original — discernia
entre o fértil e o infecundo.
Escrever e crivar eram para esse deus operações simultâneas, já que o
emprego da peneira, do crivo, escolhia o bom grão, e separava o trigo da
palha.
Como as mãos nos guiam nos atos cada vez mais meditados, mais
conscientes de nossa aprendizagem, do mesmo modo as malhas cada vez
mais estreitas das peneiras dividem as exigências nossas para conosco
mesmos das exigências que temos com relação aos demais.
O Sepher Yetzirah compara as dez sephiroth com o "número dos dez dedos,
dos quais cinco estão à frente de cinco" (I, II).
Quer dizer que, enquanto as palavras estão em relação com a boca e a
cabeça, os números — seu limite, divisão e multiplicação — o estão com os
dedos de nossas mãos.
"E a pessoa do Único — continua o famoso texto — está exatamente no
meio, pelo pacto do verbo e pela circuncisão da pele".
Esse Único é quem organiza o ‘brit iajid’, o "pacto unificador".
Estar "no meio", ‘ba-emtza’, remete a um encontrar-se na "árvore", ‘ba-
etz’, que co-ordena o "pai", ‘ab’, com a "mãe", ‘em’.
A coluna central é o lugar da união, porém o templo do corpo apóia-se em
sua dualidade aparente, entre o rigor e a moderação, o duro e o macio.
Os braços helicoidais das galáxias giram sob o influxo de suas potências
estelares, porém é seu núcleo que sustenta o eixo ardente desse giro, desse
baile.

Para os egípcios, ‘ka’, a "energia vital", era representada por um glifo que
mostrava os dois braços clamando ao céu ou mesmo recebendo dele seu
poder.
Ka era também a "força de conservação" que animava Maat, a "ordem
universal", que passa ao mundo ‘hegraico’ através do eco fonético da
Verdade.

Já vimos que emet, "verdade", aparece, no Salmo 25,10, associada à


Misericórdia, ou seja, à quarta sephira, o que nos conduz à cerimônia
egípcia da psicostasia ou peso do coração do morto, que costumava
realizar-se sob a tutela de Thot, o três-vezes-mestre.
A cena que se desenvolvia no interior das Pirâmides era a seguinte: o
coração do defunto, símbolo de sua consciência, era colocado num pequeno
prato fechado numa urna; num outro prato era colocada uma pluma de
avestruz, símbolo da deusa Maat, divindade justiceira e reta.
À direita postava-se o deus Thot com cabeça de íbis, preparado para
registrar a sentença; à esquerda, o deus Anúbis, com cabeça de chacal,
sustendo o defunto pela mão e encaminhando-o para a balança.
É também Anúbis que sustenta a "crux ansata" — sinal da vida eterna que o
defunto espera alcançar — e que vigia o fiel da balança.
Se a pluma pesa mais, então o morto se salva; porém se o seu coração
pesa mais, está condenado.
Segundo Horapolo, citado por Portal: "O homem que fazia justiça era
representado pela pluma de avestruz, porque este pássaro, diferente dos
outros, tem todas as plumas iguais".
A observação, prossegue Portal, afeta o mundo hebraico, já que se há
relação fonética entre a deusa Maat ou Thme e a noção judaica de verdade,
‘emet’, para esse erudito também haveria relação entre ‘iaen’, "avestruz" e
‘ané’, "responder", ou "proferir sentença" em hebraico.
Que as três letras que compõem a palavra hebraica "verdade" sejam ‘álef’,
primeira do alfabeto, ‘mem’, letra do meio, e ‘tau’, final, é um fato que
levou os cabalistas a pensar que a verdadeira justiça é sempre um fator de
equilíbrio entre a gravidade e a graça.
Um metabolismo correto entre nossas idéias e nossos atos.
Numericamente, "verdade" dá 441, ou seja, 9, cifra que transformada em
letra é ‘tet’, o "umbigo", o "embrião".
É casual, então, que o umbigo se encontre na metade geográfica de nosso
templo corporal?
Nascer à verdade que não é de esquerda nem de direita ou de centro, mas
das três posições ao mesmo tempo, pois "a pessoa sábia — diz o capítulo
4,4 do gnóstico Livro de Tomás —, será nutrida pela verdade e será como
uma árvore que cresce junto a um rio"; nascer e surgir diante da luz da
verdade, sem vergonha nem culpa, indicaria então que o discípulo faz sua
própria psicostasia mediante o exame diário, assegurando assim o ritmo
higiênico de sua saúde, pois toda meditação profunda é metabolismo para a
psique.
Que o coração deve ser leve é indispensável, visto que, diz Mateus 5,8,
"bem-aventurados os limpos de coração (katharoi ti kardia) porque verão a
Deus".
Somente o que está vazio pode encher-se; somente o espelho recolhe e fixa
o orvalho.
Aquele que descobre a surpreendente reversibilidade da verdade, sua
oscilação perfeita entre as omoplatas, pode vê-la também como ‘toem’:
"coordenação" e "harmonia".
A palavra hebraica para "concórdia" é ‘hatamá’ e procede da mesma raiz
que ‘emet’.

Sendo ‘din’, o "juízo", outro dos nomes que a Cabala emprega para a quinta
sephira, entende-se por que, para encontrar a verdade, necessitamos tanto
da força do caráter como da delicadeza do temperamento.
Esse sábio que é como uma árvore que cresce junto a um rio, e tanto
lembra o ‘etz ha-jaím’ vislumbrado no texto do Apocalipse 22,2, atribui a
mesma importância ao que sobe e ao que desce.
Não julga para não ser julgado.
Deseja amar os demais como ama a si mesmo.
Vê que os seres superiores, como diz o Livro do Tomás 32,9: "derivam sua
vida de sua própria raiz", e, compreendendo-o, aceita que a luz habite na
luz.
No Bahir está dito que a raiz está na letra shin e que essa letra, segundo a
Cabala, simboliza o fogo.
De modo que viver "da própria raiz" significa auto iluminar-se, não
depender do mundo exterior mas somente do fogo intracelular.
Para esse equilíbrio entro o superior e o inferior contribuem, na árvore real,
o ‘floema e o ‘xilema’, a função condutora de substâncias nutritivas
pertencentes ao sistema vascular, e a função condutora de águas e sais
minerais que formam a seiva bruta.
No templo de nosso corpo, o floema corresponde, grosso modo, às artérias,
e o xilema, às veias.
O sangue arterial leva luz, e o venoso, sombra.
Porém o fogo que brilha sobre as folhas no verão também amorna no
inverno o húmus e o tecido da terra debaixo dela.
O sentido oculto da frase de Tomás relativa à raiz refere-se também à
origem iniciática.
Com efeito, "raiz", ‘shoresh’ em hebraico e ‘riza’ em grego, é o mesmo
vocábulo empregado pelo Apocalipse 5,5 para comentar que a "raiz de Davi
venceu e pode abrir o livro e desatar seus sete selos".
Entre os cabalistas provençais do século XII a expressão "raiz de raízés"
referia-se ao que está acima da Coroa, ao Ain Sof.
O total numérico desse Infinito (álef = 1 + yod = 10 + nun = 50 = 61 +
sámaj = 60 + vav = 6 + pé = 80 = 146 + 61 = 207) corresponde ao da
"luz", or (álef = 1 + vav = 6 + reish = 200 = 207).
Sendo, como somos para o Zohar, uma árvore invertida, bastará detectar a
raiz de nossa própria cabeça para encontrar o equilíbrio através do alimento
vibratório, maná do som.

Em razão de uma profunda afinidade fisiológica, a palavra hebraica


"equilíbrio", ‘izun’, possui as mesmas letras que "ouvido", ‘ozen’.
Enquanto a polaridade céu/terra rege o acima e o abaixo, o arterial e o
venoso, a dos ouvidos se apóia nos braços.
No fragmento 139 do Bahir, lemos: "Seus discípulos lhe perguntaram: a
que elevamos as mãos? E o mestre respondeu: Até a altura dos céus. E
como o sabemos? Pelo versículo de Habacuc 3,10: ‘O abismo deu sua voz,
ao alto elevou suas mãos'”.
Por essa passagem podemos inferir que as mãos se elevam ao céu.
Se há em Israel homens que conhecem o mistério do Nome glorificado,
basta-lhes elevar as mãos para que suas preces sejam ouvidas, como está
dito em Isaías 58,9: "Então invocarás e o Criador te ouvirá. Se invocas az
("então"), Ele te responderá agora".
Az, sem dúvida, é a metade da palavra ‘ozen’, "ouvido".

A reflexão do Livro da Claridade alude à conhecida passagem do Êxodo em


que Moisés e os filhos de Israel entoam um cântico de agradecimento,
canção que passa a ser um modelo de transmissão, quer dizer, de Cabala
oral.
Quanto à relação do ouvido com o equilíbrio, há outro ponto chave:
"balança" em hebraico é ‘moznaim’, e ‘oznaim’ é o plural de "ouvido",
‘ozen’.
A balança, por sua vez, é o símbolo mais conhecido da justiça; e uma das
acepções de geburah, a quinta sephira, é precisamente essa.
Existe uma notável seqüência em Isaías 51,4-5 que amplia a estreita
correlação entre ouvido-braço-e-justiça.
Diz assim: "... ouve-me (hezinu), nação minha, porque de mim sairá o
ensinamento e a justiça para luz dos povos. Minha justiça está próxima,
minha salvação saiu, e meus braços (zroí) julgarão os povos".
Sabemos por Atos 8,18 que o "Espírito Santo era dado pela imposição das
mãos".
O conceito grego de ‘elámbonon’, "recebiam", aplicado à transmissão do
espírito, é em hebraico ‘ikablú’, palavra que procede de Cabala, "recibo",
"tradição".
De modo que aquele que tinha esse dom o empregava para curar por meio
da mente, pelo poder que lhe era conferido.
Se considerarmos que a maior parte das doenças da época de Jesus, como
diz Joseph Klausner, eram psicossomáticas, causadas primeiro por
desequilíbrios sociais, e depois individuais, a figura terapêutica de Jesus
aparece ainda mais claramente como a de alguém que equilibra, alguém
que abre os olhos fechados e os ouvidos tapados, que corrige posturas
corporais e libera de fantasmas: "Por causa das guerras e tumultos
prolongados e da terrível opressão de Herodes e dos romanos, em especial
na Galiléia, o país se encheu de doentes e sofredores e de tipos patológicos
que podemos rotular de neurastênicos e psicastênicos. Os distúrbios haviam
multiplicado os pobres e os desocupados, com o resultado de que na
Palestina e (mais uma vez) especialmente na Galiléia (que estava longe do
centro do governo civil e das influências espirituais mais saudáveis) eram
numerosos os 'casos nervosos': epiléticos, imbecis, semiloucos e
especialmente mulheres histéricas. Nessa época, inclusive os indivíduos
educados e embebidos da cultura grega (como, por exemplo, Flávio Josefo)
entendiam que tais casos nervosos e de demência significavam `possessão'
por algum diabo, demônio ou espírito imundo; acreditavam em 'curas' e em
que certos homens podiam realizar milagres".
Porém, o pré-requisito de todo terapeuta era, como vimos, o de curar
primeiro a si mesmo, tal como estabelece Lucas 4,23: "Médico, cura-te a ti
mesmo" (iatré, therapeuson saftón).

De certo modo é possível supor que o curador assumia para si, por
transferência, os males de sua época e tornava a reciclar as energias a
partir de certo tipo de conhecimento secreto de que os nazarenos eram, em
grande parte, depositários, tanto por sua separação deliberada e
conseqüente objetividade, quanto pela força e misericórdia que haviam
acumulado para, cumpridos os votos, poderem agir imediatamente a partir
do centro dos centros, a partir do foco radiante que "vigia enquanto o eu
dorme": o coração, ‘leb’, morada para onde confluem e de onde surgem os
32 canais, fonte de vida e ressurreição.
"A que corresponde o lulab? (o coração da palmeira, o palmito, mas
também, lembremos, "Seu coração") — pergunta-se o Bahir no fragmento
CLVI e responde: À coluna vertebral".
E antes: "O Santo, Bendito seja, reservou para si o corpo da árvore assim
como seu coração. Do mesmo modo que o coração constitui o mais
esplêndido fruto do corpo, assim tomou Israel o fruto da árvore do
esplendor. Como a palmeira está rodeada de ramos e em seu centro está o
‘lulab’, assim fez Israel com o corpo dessa árvore que é seu coração".

Continua

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