You are on page 1of 8
10. Art nouveau" A estética nao existe no vario, sobretudo nao a estética de movimento — ou, se preferitem, de uma familia de moviment — to profundamente dedicado arte como parte da vida di quanto 0 art nouveau, movimento que quase por definigao nao tinha um estilo mas se destinava a um estilo de vida.“O tinico pot de partida possivel para nossa criagao artistica’, escrevew o gra arquiteto da Viena fin-de-siécle Otto Wagner em seu didatico Angi tetura moderna, de 1895,6 a vida moderna.” Esta tarde, quero i vestigar 0 que era essa “vida moderna” no sentido literal —o biente que gerou o art nouveau, e as necessidades sociais movimentos artisticos aos quais ele pertencia — aos quais se. hava em servir. Mais especificamente, a cidade no fim do s 1x1x.Pois, como observou Rosemary Hill numa das mais perspi noticias da presente exposicao: “Se existe uma verdade quase uni= versal sobre o art nouveau € que era urbano e metropolitano”! * Primeira publicagto, Originariamente uma palestra no Victoria and Al “Museum, em 25 de juno de 2000, ua cos Era urbano e metropolitano em virios sentidos Sbvios. Era — basta dar uma olhada nesta exposigaio — a arquitetura das es- tagoes de metro: o Métro de Paris, a Stadtbahn de Viena. “Seus ti- pos de edificagao” (se me permitem citar mais uma vez a dra. Hill) cram os edificios de apartamento, as salas de concerto eas grandes piscinas puiblicas (imagino que ela se referisse & grande piscina do Hotel Gellert em Budapeste). Era um estilo quase completamente secular, salvo para o grande e, por qualquer critério, inimitavel arquiteto catalio Gaudi. E por volta da virada do século era, sem diivida alguma, “a opgao mais avangada para as instituigoes da Vida urbana moderna, para 0s escrit6rios do Glasgow Herald e do Die Zeit, para estidios fotograticos em Munique e Budapeste, para hotéis, para o metré de Paris e para lojas de departamento [como Galéries Lafayette e Samaritaine em Paris)". A rigor, na Itélia 0 es- Ailo foi batizado com o nome de uma loja de departamentos,asa- ber Liberty. Estou informado de que até hoje se percebe a influen- cia art nouveau nos ferros ornamentais da Harrods, cuja fachada moderna data de 1900-05, Nao devemos esquecer outra parte da moderna infraestrutura urbana produzida nessa época (neste caso, por Philip Webb, velho colaborador de William Morris), a nova Scotland Yard londrina de 1891. Isso nao chega a surpreender. Pelo fim do século x1x as me- tropoles da Europa Ocidental e Central — as cidades de mais de 1 milhao de habitantes — tinham quase alcangado as dimensoes que teriam no século xx, ¢ portanto requeriam as instituigdes de servigo que agora associamos a essas cidades, sobretudo um répi- do sistema de trinsito urbano. £ por isso que, salvo algumas a va~ por que estreavam em Londres, as ferrovias elétricas subterraneas de superficie foram construidas naquela época: na propria Lon- dres, em Berlin, em Paris, em Viena, até mesmo —a primeira no continente — em Budapeste. Digo “instituigdes de servigo” deli- beradamente, pois aquilo que faziam era mais importante do que wy qualquer aparéncia imponente que tivessem. Diferentemente das {grandes estruturas simbolicas da modernidade burguesa do sécu- lo xix (terminais ferroviarios, casas de pera, parlamentos, of mesmo esses grandes palicios substitutos, os teatros populares), monumentalidade — quer dizer, a inspiragao recebida de algum estilo hist6rico aceito como de alta classe — nao fazia parte de suas atribuicoes. Isso, na pritica, deixava mais espago para estilos no tradicionais em edificios utilitarios como estagoes de trans- porte piblico, lojas de departamento e bancos de poupanga. No entanto, ha outra contribuigao importante do art nouveau paraa paisagem urbana: é0 poster que achava o estilo geral to agradavel compativel Mas, mesmo que a monumentalidade nao fosse especialida- de do art nouveau, ele, sem duivida, dava bastante atengio & sua aparéncia pablica externa, Nao ha como deixar de reconhecer @ impacto do art nouveau nas cidades a ele mais estreitamente ligae das: Helsinque, Glasgow, Barcelona, Munique, Chicago, Praga Sua taxa de crescimento, ¢ claro, era tao alta que um grande setor dde moradias de classe média foi construido no periodo em que @ estilo estava na moda, como ¢ dbvio no caso de Helsinque. (E lembre-se que, deixando de lado as novas instituigdes de servigoe uma ou outra casa de milionério em Bruxelas ou Barcelona, cdificio art nouveau era essencialmente a construgdo que servia de alojamento residencial para classe média.) Mas nao é 6a taxa de crescimento que explica por que o art nouveau pertence muito mais A face publica de algumas cidades que de outras: muito mais de Glasgow que de Londres, de Munique que de Berlim, e mesmo — embora isso nao aparega na presente exposigao — do Meio- Oeste de Sullivan e Frank Lloyd Wright que de Nova York. Em xgeral — Viena e a planejada mostra global da Exposigao de 1900 ‘em Paris sao as grandes excegdes — 0 art nouveau niio é caracte- ristico de metrépoles nacionais, mas das burguesias conscientese 4 confiantes de metr6poles provinciais ou regionais. Talvez seja por {sso que, apesar das Gbvias ligagdes de familia entre todas as suas variantes, nao existe um estilo art nouveau tinico, assim como nao existe um nome exclusivo para designé-lo. Em certo sentido, € ‘como a musica de rock. Grupos pertencem & mesma familia, mas cada um, ou ao menos cada um que seja interessante, busca seu proprio “som” especifico. Voltarei ao assunto mais tarde, ‘Qual era a novidade da cidade fin-de-siéclé Era, tinha de ser, uma cidade baseada no transporte de massa — quer dizer, um Iu- gar em que as pessoas nao mais podiam caminhar entre os locais ‘onde moravam, trabalhavam e se divertiam. O transporte pablico barato tornou-se disponivel a partir do comeco dos anos 1880 — em Nova York, a partir do fim dos anos 1870 —¢ 0 morador da metropole de repente se tornou o que hoje chamarfamos de usua~ rio de transporte publico. Para que se tenha ideia da velocidade dessa mudanga: doze anos depois que @ Lei dos ‘Trens Baratos de 1883 obrigow as empresas ferrovidrias a oferecer passagens baratas cm larga escala, o ntimero de tiquetes usados por operarios no sul de Londres subiu de cerca de 26 mil por ano para aproximadamen- te 7 milhdes.* Antes disso, ao menos de acordo com as regras dos sindicatos de Londres, o operério que morasse num raio de 6,4 quilémetros do local de trabalho deveria ir ¢ voltar a pé, ¢ 0 que trabalhasse mais longe tinha direito a ajuda de custo, Mas isso im- plicava uma inovacao considersvel: uma preocupasio sistematica com a ecologia e os problemas sociais da cidade ou — para usar ‘um termo que apareceu rapidamente no inicio do novo século, re- sistrado pela primeira vez em 1904 —“planejamento da cidade”, Dois avangos tornaram necessério 0 transporte de massa, assim como foram por ele acelerado: a segregagio residencial, ou suburbanizagioge o desenvolvimento de éreas altamente especi lizadas dentro da metrépole, como centros especiais para com- pras, para diversdes e para varios tipos de atividade econdmica, 45 Veja-se 0 surgimento do que costumava ser chamado de “tea= trolindia’, como parte especializada do West End de Londres & por conseguinte, pouco depois, do Soho como area de restauran= tes. A ampla maioria dos teatros do West End foi construida, ou reconstrufda, entre meados dos anos 1880 e a Primeira Guerra ‘Mundial. © mesmo se aplica as novas salas de concerto de Lon= dres, como Palladium, Holborn Empire Vietoria Palace, que Vieram complementar os imensamente florescentes cafés-concer= to dos bairros operirios. Mas mesmo isso implicava certo grau de planejamento urbano, quer dizer, uma reflexao sobre a metr6pole como um todo, Nao havia nenhum teatro na avenida Shaftesbury antes de 1888, e nao poderia haver muito antes disso, porque a avenida Shaftesbury — o proprio nome sugere um elemento de reforma social — era uma obra nova, um primeiro exemplo de planejamento urbano. A propésito, o termo “planejamento da ci= dade” entrou em uso no comego dos anos 1900 e se estabeleceu ‘quase de imediato. Em suma, ja nao era possivel deixar de pensar nos problemas sociais da metrépole como um todo, ‘Comparem-se 0s avangos no transporte de meados da era. vitoriana com os do fin-de-siécle. E quase certo que a construgio de ferrovias provocoua mais maciga perturbagao do tecido urba~ no de Londres desde o Grande Incéndio de 1666, ¢ 0 dois aconte= cimentos assemelhavam-se no fato de terem tido um impacto no deliberado sobre a cidade: simplesmente destruiram grandes partes dela de forma descoordenada. De outro lado, 0s novos sis= temas de transporte de massa ndo s6 eram planejados para aten~ der viajantes jos, como eram conscientemente concebidos ‘como agentes de suburbanizagio — on seja, como meios de redis- tribuir a populagio pela area de expansio da metr6pole, incluindo aqueles individuos que nao podiam, ou nao queriam mais, morar nas freas agora especializadas dentro da cidade, Lembre-se que estamos nos referindo a era em que o velho nticleo metropolitano 46 se expandiu, quase sempre sistematicamente, numa “Grande Ber- lim’ ou Grande Viena, ou Grande Nova York, ocupando comuni- dades até entao independentes, como 0 Brooklyn ou Steglitz ‘Apenas algumas metrépoles —notavelmente Paris — resist rama essa tendéncia. E isso, por sua ver, significava mais que coor denar o governo do que antes fora um amontoado de comunida~ des, Em 1889, Londres conseguiu ter uma camara municipal pela primeira ver na historia Isso também significava fornecer as estru- turas para os cada vez mais especializados distritos da cidade, talvez até moradia einfraestrutura para os moradores redistribuidos. Pois lembremo-nos também — éde grande relevancia parao novo urbanismo — da ascensao dos movimentos trabalhistas, que sugeria a necessidade de tomar alguma providéncia a respeito das ‘condigdes estarrecedoras nas quais vivia uma parte tao grande da classe operaria urbana. Veja-se a oferta de uma coisa que um dia foi a gloria da Gra- -Bretanha, ¢ nao é mais, a saber o sistema de bibliotecas pablicas. ‘Uma olhada em Pevsner mostrara que em varias partes de Londres las foram construidas principalmente nos anos 1890, como tam- bém as piscinas pablicas locais — ¢, 0 que nao é de surpreender, na estética do estilo artes e oficios que na Gra-Bretanha corres ponde ao art nouveau continental. Assim é porque a inspiragao era a0 mesmo tempo social e estética. Nem é de surpreender que 6s planejadores urbanos ¢ construtores comunitarios tivessem fortes convicgdes sociais. Vinham do ambiente social-progressista britanico, Estética e idealismo social andavam juntos. ‘Mas aqui nos deparamos com uma contradigao peculiar no 10 do art nouveau e da familia de vanguardas fin-de-sidcle dda qual ele faz parte. Estou sugerindo que era em grande parte 0 estilo de certo mémento na evolugao das classes médias europeias, porém nao projetado para elas, Pelo contrario, pertencia a uma vyanguarda antiburguesa ¢ até anticapitalista em suas origens, 47 assim como as simpatias de seus praticantes. A rigor, se essa van= ‘guarda tivesse qualquer afinidade sociopolitica era com os novos ‘movimentos trabalhistas, quase sempre socialistas, que surgiram de repente nos anos 1880 ¢ comego dos 1890. 0 melhor arquiteto do novo estilo, Berlage, construiu a sede do mais poderoso sindi= ‘ato de Amsterdam, 0 dos Trabalhadores de Diamantes. O préprio Horta projetou a sede do Partido Trabalhista Belga em Bruxelas,a Maison du Peuple, que foi destruida nos anos 1960, década mais ‘desastrosa da histéria da urbanizagao moderna. E projetou-a espe cificamente —e aqui eu cito suas palavras — como prédio com “0 uso dear eluz ha tanto tempo ausente das casas pobres dos bairros operitios’? A rigor, os lideres socialists belgas eram partidériog apaixonados da vanguarda artistica da época, que significava sim= bolismo na poesia ena pintura, realismo socialista ou “naturalismo” ‘na escultura, e art nouveau na arquitetura. £ por isso que seu estilo {a preferéncia por fluidas formas orginicas, que ainda admiramos nos desenhos de William Morris), sua critica social e seu ideal de arte como parte integrante de um ambiente vivo ¢ comunal para «© povo (quer dizer, as pessoas comuns) foram tao profundamente inspirados pelo movimento das artes eoficios britinico. Pois a Gri-Bretanha foi o primeiro pais europeu a ser trans= formado pelo capitalismo industrial e, por consequéncia, produ= zitu, com Ruskin e Morris, a mais poderosa dentincia nacional ‘mente oriunda de suas consequéncias sociais ¢ culturais, ¢ nde ‘menos de seus efeitos na produgdo das artes e no ambiente huma= no, ¢ na busca de uma alternativa estético-social. Morris, em pat ticular, foi recebido no continente como o proponente de um cevangelho socialmente e, portanto, esteticamente revolucionstio, sobretudo em dois outros paises industriais: Bélgica, onde o termo “art nouveau’ foi, de fato, cunhado, ¢ Alemanha. Curiosamente, o art nouveau fez impacto nao tanto através da politica, mesmo via movimento socialista, mas mais direta~ ah mente por intermédio de praticantes das artes, esenhistas, plane- jadores de cidades e até mesmo organizadores de museus eescolas de arte dotados de aguda conscincia social, E por isso que a ideologia estética do mindsculo e insignificante movimento so- cialista britinico dos anos 1880 se tornou uma importante pre~ senga europeia. A iconografia socialista de Walter Crane erigiu-se em modelo para os movimentos socialistas continentais bem maiores. £ porisso também que Pioneiros do desenko modern, de Ni- keolaus Pevsner, tinha razio a0 ver Mortis e artes ¢ oficios como ancestrais diretos do movimento moderno em ara sonho duradouro do modernismo do século xx, @ arquitetura ‘como construgao de utopia social. Para esse fim, a “Guilda de Ar- tesiios”, de Ashbee, foi estabelecida no Bast End de Londres em 1888, Ebenezer Howard, inspirado numa leitura do ut6pico Looking Backward, do socialista americano Edward Bellamy, texto muito influente nos anos 1880 ¢ 1890, empenhou-se em construir asuutopias urbanas/rurais sem classes de suas “cidades-jardins’,ou, melhor dizendo, comunidades urbanas verdes de dimensto hu- mana, Dame Henrietta Barnett, vitva do fundador de Toynbee Hall no East End, desejava apaixonadamente que seu novo Subtir- bio-Jardim de Hampstead fosse uma comunidade onde a classe édia ¢0s pobres vivessem juntos num clima de beleza e conforto — embora, a0 que tudo indica, sem pubs. Ela nao o visualizava ‘como a dea residencial exclusiva de uma classe, a dos profissionais présperos, em que acabou se transformando. Eos planejadores ¢ arquitetos dessas comunidades — Patrick Geddess Raymond Unwin, que eonstruiu a Cidade Jardim de Letchworth ¢ boa parte «do Subtiriog William Lethaby, que organizou a nova Escola Cen- tral de Artes ¢ Offcios do Consetho do Condado de Londres, estes ois iltimos fabianos — vinham do meio social daqueles que ti- nnham trabalhado com William Mortis. 149 E, apesar disso, artes ¢ oficios nao foi apenas um desenho para utopias, mas também uma produgéo de pecas de equipa- mento e decoracao domésticos, elaboradas e inevitavelmente ca- as, Era uma maneira de mobiliar e decorar o espago para um novo tipo de vida de classe média — e, no que dizia respeito as mulheres, para as pessoas que nele habitavam. A rigor, uma das inovagies britinicas que empolgaram a imaginagao do continen- te foi essa parte essencial da tradigao de Ruskin-Morris, que con- sistia em construir para 0 conforto de alto padrao, mais do que construir bem como ostentagio de prestigio. Idedlogos continen= tais como Muthesius e Van de Velde logo se apresentaram como porta-vores desse modelo, embora de modos bem diferentes. Na realidade, em paises com forte e viva tradigao de objetos de luxo, como Franga e Austria, o artes e oficios britinico foi recebido sem a parte politica, como em Viena,‘ ou mesmo com uma politica diferente, como na Franga.’ Ed uma distancia Sbvia,talvez uma contradigao, entre o Morris que sonhava com uma arte dee parao povo e a firma que produria produtos caros para a minoria que tinha condigdes de pagar. Isso me leva ao segundo dos meus dois temas principais: a sransformagio da classe média nas décadas imediatamente ante- rior e posterior a 1900. Discuti isso, com alguma profundidade, no terceiro volume de minha histéria do século x1x, A era dos impé- +ios,e num capitulo anterior, mas vou tentar, brevemente, sumari~ zar tum argumento que ainda me parece convincente. Comego com um curioso paradoxo, [No século da burguesia vitoriosa (tomo esse titulo emprestado de ‘um historiador francés) membros das classes médias bem-sueedi- das tinham certeza de sua civilizagdo, eram em geral confiantes € ‘nem sempre viviam em dificuldades financeiras, mas s6 tarde no século viriam a se sentir fisicamente confortdveis |...] 0 paradoxo ati do mais burgués dos séculos € que seu estilo de vida s6 se tornow burgués tardiamente [...] e que, como um modo e estilo de vida cespecificamente de uma classe, 6 triunfou momentaneamente Eo momento em que essa mudanga ficou Gbvia foi também ‘0 momento do art nouveau, o primeiro estilo triunfante em toda a linha, e consciente ¢ programaticamente“moderno”. Nao é toa {que um livro recente fala do “conforto despudoradamente bur- gués do art nouveau”? Houve quatro razées para essa mudanga no jeito de viver das classes médias. A primeira foi que a democratizagao da politica cenfraqueceu a influéncia pablica ¢ politica de todos, exceto dos individuos mais estupendos ¢ formidéveis. De um jeito de viver em que “nao se podia distinguir a vida privada da apresentacio piiblica de status e pretensbes sociais’ eles passaram a adotar um ‘estilo de vida menos formal, mais genuinamente privado. Victor Horta, 0 grande arquiteto belga do art nouveau, descreve seus clientes, provenientes em grande parte dos confortaveis profissio- nais da loja macbnica Les Amis Philanthropes, como “pessoas cuja profissio as impede de agir publicamente ¢ demonstrar qualquer interesse por questoes politicas e cujo carater direto as conduz mais a privacidade ea beleza do que as massas ¢ a vulgaridade ge~ ral” Nao que isso os impedisse de ser anticlericaise politicamente progressistas. ‘A segunda foi certo afrouxamento dos vinculos entre a bur- uesia triunfante eos valores puritanos que tinham sido tao dteis para acumular capital no passado. O dinheirojé fora ganho, ou jé nto requeria abstengdo, Em suma, gastartornou-se tao importan- te quanto ganhar, ¢ mesmo aqueles que nao podiam competir ‘com os ultrarricos aprenderam a gastar para seu conforto e frui- so. isso inevitavelmente significava dar mais alta prioridade a Consideragdes estéticas, sobretudo nos gastos ds mulheres. Pois 131 no eram, como escreveu a Revue des Arts Decoratifs,o papel € missio da mulher na sociedade personificar 0 “frescor da nature= 2a” em seus adornos fisicos e ambientes interiores que muday com as estagies? Surpreende que a Exposigao de 1900 tenha to= mado “A Mulher Parisiense” como seu simbolo monumental? A terceira foi o afrouxamento das estruturas da familia triarcal. De um lado, houve um grau substancial de emanej das mulheres burguesas; de outro, a ascensio daquelas que achavam entre a adolescéncia ¢ 0 casamento como categoria inde= pendente de “juventude”, Lembre-se que a palavra alema para art nouveau é“Jugendstil’, ou seja,“o estilo da juventude”. Se me per= ‘item repetir-me: “As palavras juventude’ e modernidade’ as ve= ze se tornavam quase intercambiives, ¢, se modernidade’ signi= ficava alguma coisa, era mudanga de gosto, décor e estilo [... [Isso] nao s6 afetou a forma de lazer [...] mas expandiu bastantea fungio do lar como ambiente [e criagio] de suas mulheres’ Em certo sentido, esse novo estilo de vida tornou-se tao obrigatério {quanto o antigo o fora. Deixem-me lembra-los daquela casa bur= guesa, em tudo o mais extremamente andmala, estabelecida nos anos 1890 — a do grande casal fabiano Beatrice e Sidney Webb, Sua casa (que dependia de uma renda imerecida de mil libras es= terlinas por ano, soma bastante folgada naqueles dias) pretendia ser essencialmente um espago para contatos politicos e sede de campanha pela reforma social. Estética, descanso doméstico —na realidade, familia etarefas domésticas — eram a tltima preocupa~ ‘do de Beatrice Webb, eas festas dos Webb eram espetacularmente indiferentes a conforto, comida e bebida. E, apesar disso, mesmo Beatrice — como ela propria registrou em seu didrio — tirava folga das coisas importantes da vida para ir Heal’s comprar papel de parede e cortinas de William Morris. Mas houve uma quarta razao. Foi 0 crescimento substan= cial daqueles que pertenciam, diziam pertencer ou desejavam 32 apaixonadamente pertencer & “classe média” como um todo. Uma das coisas que mantinham todos os seus membros unidos, sem ‘ivida alguma, era it as compras.“Fles mergulham nisso como se mergulha numa carreira’, escreveu H. G, Wells nesta obra-prima ‘quintessencialmente eduardiana: Tono-Bungay; “como classe, falam, pensam e sonham em haveres.” Os haveres apresentados nesta exposigio sio da ponta milionéria do mercado, mas nao devemos esquecer que artefatos art nouveau ou coisas com as ‘marcas registradas do movimento — formas organicas, curvas sugestivas de plantas e gavinhas, lembrando plantas, corpos femi- ninos com cabeleiras esvoagantes e drapejamentos —achavam-se disponiveis em todas as faixas de prego, ou estavam, na realidade, dlisponiveis para todos. Da préxima ver que estiverem na Franga, colhem bem para a moeda de um franco. Foi desenhada em 1895 especificamente para dar o tom de modernidade, tanto estética como moral. Nao foi redesenhada desde entao. E, enquanto es- ‘revia sobre art nouveau para meu A era dos impérios no fim dos anos 1980, me vi mexendo o cha com uma colher barata, feita na Coreia, cujos motivos decorativos visivelmente ainda provinham do art nouveau. Mas outro elemento, ¢ este ainda mais importante, de cons- ciéncia de classe média — pois as finangas de tantos aspirantes a0 status de classe média eram limitadas demais para permitir com- pras por lazer — era um confortavel estilo de vida doméstico, com prescrigdo especial para lazer dentro de casa num lugar caracteris~ samente chamado“sala de estar”, Essa vida seria vivida, de prefe- réncia, longe das ordens inferiores, entre familias “como nés” — ‘ow seja, nos baitros ou subsirbios de classe média —, que compravam nas novas lojas de departamento, construidas, ent grande mimere, exatamente nessa época pelos novos arquitetos. Fra paraa camada inferior desses grupos sociais que alguma coisa parecida com produgao fabril tornava mais baratos os produtos 153, do art nouveau. O subiirbio era parte essencial da nova metrspole, Fora do mundo anglo-saxao, € claro, ele ainda nao chegara aos niveis mais baixos da classe média, Morar numa “vila” ou “chalé™ centro-europeu indicava uma renda ¢ um status social considera= velmente mais altos do que morar no Upper Tooting, de cujos in= teriores em “Liberty” de imitagao Punch zombou em 1894." queo tornava uma arte ainda mais “burguesa” era que, de uma forma ou de outra (sobretudo como expressio de orgulho regional ou afirmagio nacional), foi adotado pelas elites burgue= sas que de fato mandavam nas cidades e cuidaram de sua moder- nizagio nessa época. Ali a possibilidade de cruzar modernismo ‘com um estilo nacional apropriado, fosse real ou imaginério, cra tentadora — asidtico em Budapeste, nérdico em Helsingue, ¢slavo na Boémia. Barcelona ¢ um maravilhoso exemplo em que planejamento urbano coincide com 0 estilo“modernista” através do qual a burguesia catala local se gabava da propria ascensio € riqueza, e se distanciava de seus antiquados e rabugentos go- vernantes em Madri. A eletrificagao ¢ 0 art nouveau local, carac= teristicamente conhecido como “modernisme’, andavam juntos, tentando transformar uma capital de provincia numa cidade mundial, para criar 0 que seus idedlogos chamavam de “essa im= perial Barcelona, que impulsiona a riqueza e a cultura de toda a Catalunha, a rigor de todo 0 povo hispinico da triunfante Ibéria de amanha”” E, a propésit, foi o estilo no qual os jovens casas burgueses optaram por mobiliar seus novos apartamentos nos novos bairros burgueses.!” Dito de outra forma: por volta de 1900, uma versao qualquer do art nouveau fai a idioma em que segundas e terceiras cidades tentaram estabelecer uma modernidade propria superior & das capitais imperiais, Pepsi-Colas urbanas contra as Coca-Colas do- minantes, embora a maioria delas nao tivesse ambigdes tao impe~ riais como Barcelona. Nao que isso se aplicasse a0 art nouveau de 154 patrocinio estatal de Viena ¢ Paris, mas as circunstancias politicas especiais dos governos da Franga ¢ dos Habsburgo nao nos inte- ressam aqui. Seja como for, oart nouveau nao foi o tinico estilo da burguesia fin-de-siécle; nem o inico no qual o mobiliério urbano {oi renovado por volta de 1900. Para citar um exemplo dbvio, mal

You might also like