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Rita Margarida Toler Russo NEUROPSICOPEDAGOGIA » CLINICA Introdugao, \.« Conceitos, Teoria e Pratica SJURUA EDITORA PSICOLOGIA Editora da Jurua Psicologia: Ana Carolina de Carvalho Pacheco ISBN: 978-85-362-5263-6 = Brasil — Av. Munhoz da Rocha, 143 — Juvevé — Fone: (41) 4009-3900 JURU! Fax: (41) 3252-1311 ~ CEP: 80,030-475 — Curitiba ~ Parand ~ Brasil PITOPA europa —Rua General Tortes, 1.220 ~Lojas 15 ¢ 16 — Fone: (351) 223 710 600 — ‘Centro Comercial D’Ouro ~ 4400-096 — Vila Nova de Gaia/Porto — Portugal Editor: José Emani de Carvalho Pacheco R969n Russo, Rita Margarida Toler. Neuropsicopedagogia clinica : introdug4o, conceitos, teoria e pratica / Rita Margarida Toler Russo. — Curitiba: Jurua, 2015. 146p.; 22 cm. — 3° impressdo (ano 2020) Inclui bibliografia e indice. ISBN 978-85-362-5263-6 1. Neuropsicopedagogia clinica. 2. Neurociéncias — Educagiio. 3. Aprendizagem. 4. Distirbios da aprendiza- gem. 5. Avaliac&o neuropsicopedagégica. I. Titulo. CDD 37.013.82 CDU 370.15 (Bibliotecaria responsavel: Sabrina Leal Araujo — CRB 10/1507) Visite nossos sites na internet: www. juruapsicologia.com.br e www.editorialjurua.com e-mail: psicologia@jurua.com.br AGRADECIMENTOS Agradego ao Diretor-presidente do Grupo Educacional CEN- SUPEG e da Faculdade Sao Fidélis, representado pelo Msc. Sandro Albino Albano e Carlos Alexandre da Silva Rodrigues, Coordenador de Projetos Institucionais, por terem me escolhido para escrever este primeiro estudo sobre Neuropsicopedagogia Clinica. As colegas Aline Carolina Rausis, Secretaria Executiva da So- ciedade Brasileira de Neuropsicopedagogia - SBNPp e Patricia Cardoso, responsavel Administrativa da entidade, por todas as orientagdes de apro- vacdo e contatos no sentido da publicagao deste livro. Quero agradecer, ainda, a toda a equipe do Grupo Educacional CENSUPEG e Faculdade Sao Fidélis, em especial aos colegas Patricia Ferreira Thives Uzinski, Laiz Menegazzo, Angelita Fiille, Weliton Rodrigues, Andreia Schley, Denilson Luiz Uzinski e a equipe técnica e administrativa que auxiliaram no processo de publicacdio da obra. Também é necessario agradecer aos membros da SBNPp, inte- grantes dos Conselhos de Etica e do Técnico-profissional, pelas avaliagdes € por terem contribuido com sugestdes bastante precisas, em especial aos colegas: Fabricio Bruno Cardoso, Cristiano Pedroso, Joselma Gomes da Silva, Vera Lucia Mietto; e a Presidéncia através do Prof. Dr. Luiz Antonio Corréa, pelo respaldo e confianga a mim delegados. E, acima de tudo, quero agradecer ao meu esposo, Clovis Pires Russo, pelo companheirismo e compreensio durante minha auséncia do convivio semanal; ao meu filho Alexandre Toler Russo, por ter sido o primeiro a ler a obra completa e me ajudar a tornar os contetdos mais claros; ¢ aos meus outros dois filhos, Marcos Toler Russo e Adriana To- ler Russo, que sempre me incentivaram no percurso académico. APRESENTAGAO Com o crescimento da Neuropsicopedagogia no Brasil e tam- bém do reconhecimento da sua importancia e aplicabilidade em varios contextos, sentiu-se a necessidade de se lancar um livro inédito de Neu- topsicopedagogia Clinica. Esse livro abordar as bases tedricas e praticas para sustentagdo da formagao dos profissionais da Neuropsicopedagogia Clinica. Bases essas que sao: Neurociéncias e Educagio. O estudo das Neurociéncias ajudara o neuropsicopedagogo cli- nico a entender sobre a complexidade do funcionamento cerebral e as articulagdes entre cérebro e comportamento humano. Iré trazer informa- g6es sobre neurofisiologia, divisio do sistema nervoso, neurotransmisso- tes, neuromoduladores, plasticidade cerebral e demais elementos que fundamentarao todo esse aprendizado. Ja o estudo da Educagéo trara intmeras contribuigdes para compreender 0 processamento do ensino-aprendizagem. Mencionaraé o desenvolvimento e a aprendizagem da crianga e as dificuldades de apren- dizagem existentes. A obra relataré sobre atuacao do Neuropsicopedagogo Clinico, que trabalha com sujeitos portadores ou nao de transtornos e dificuldades de aprendizagem, atuando na avaliagdo, intervenc’o, acompanhamento, orientagao de estudos e no ensino de estratégias de aprendizagem, além de manter dialogo permanente com a familia, escola e com outros profis- sionais envolvidos no caso. Citara os Principios da Avaliacio Neuropsicopedagogica, nos quais os estudos mostram que a abordagem quantitativa é fortemente baseada em normas, anilises fatoriais e estudos de validade. Os testes formais sio métodos estruturados aplicados com instrugdes especificas e normas derivadas de uma populagao representativa. Os resultados sao descritos a partir de média e desvio-padrao, que permitem a utilizagao de calculos para comparagao, e, embora permitam uma avaliagao quantitati- va, 0S testes formais podem ser interpretados qualitativamente. 10 Rita Margarida Toler Russo E por fim enfatizara os Instrumentos de Avaliagao ¢ a Interven- g&io Neuropsicopedagdgica, destacando os testes que podem ser aplicados por psicélogos, neuropsicélogos, pedagogos, psicopedagogos, fonoaudis- logos e profissionais afins das areas de saiide ¢ educagio. Prof. Dr. Luiz Antonio Corréa Doutor em Psicologia -- Presidente da SBNPp — Sociedade Brasileira de Neuropsicopedagogia. PREFACIO E surpreendente como cada vez mais nds, seres humanos, nos tornamos necessitados de nos entendermos e, assim, compreendermos os outros, para que no estabelecimento das relagdes possamos melhorar, nos superar e aprender para enfrentar as demandas que a vida impGe de forma constante e sempre diferente. Existe uma evolucao na complexidade das relagdes que estabe- lecemos, nas formas como aprendemos e eniendemos o mundo, na ma- neira como vivemos, experimentamos 0 novo; tudo isso gera muitas du- vidas, muitas afligdes e, consequentemente, nos envolve em uma trama em que estar atento aos encontros possibilitados diante de nossas escolhas € fundamental. Dessa forma, profissionais que trabalham em um contato inten- so e constante com o ser humano, como professores, pedagogos, psicdlo- gos, médicos, fonoaudidlogos, terapeutas ocupacionais e muitos outros, se sentem desafiados diante dessa complexidade a se aventurar em novas buscas para compreender 0 SER HUMANO, através do exercicio do olhar atento e miltiplo. Este olhar se depara com dificuldades, questdes fisicas, patolo- gias, transtomos, comportamentos, atitudes e formas de ser, agir e pensar muito variadas, eminentemente ainda mais complexos, que se distribuem nos mais diferentes espacos e tempos. A coragem de se aventurar nessas buscas resultou na sistemati- zacao e registro em torno de uma nova proposta, na qual a multiplicidade do olhar diante do ser humano nos propde uma nova pratica, uma nova possibilidade de conduta e atitude diante do auxilio e tratamentg das dife- rengas ¢ dificuldades que abarcam a complexidade humana, que pode ser tratada também como uma nova ¢ futura ciéncia: falamos da Neuropsico- pedagogia. Seja no contexto educacional, clinico, terapéutico, familiar ou qualquer outro, pois todos sio adaptaveis as diferengas abarcadas pela complexidade humana, um olhar construido em bases das Neurociéncias, 12 Rita Margarida Toler Russo da Psicologia e da Pedagogia oportunizam uma sensibilizagdo e aprofun- damento maior das necessidades do ser humano para que ele possa aprender sempre, melhorando suas condigdes de vida, comportamentos e atitudes de envolvimento com o mundo e com seus pares. As reflexdes e conhecimentos sistematizados nesta obra oportu: nizam que diferentes profissionais que trabalham em instituigées de ensi- no, hospitais, consultérios, empresas e tantos outros locais conhecam este novo campo de conhecimento e atuagdo profissional, com indicagdes tedricas ¢ praticas, constituindo um movimento de didlogo, aprendizagem e superagdo de estagios e dificuldades. Fica um convite ao exercicio da hermenéutica diante desta obra construida por muito conhecimento cientifico, larga experiéncia profissional e de vida, Ela é uma partilha corajosa ¢ configura um novo principio para trabalharmos com a esséncia do movimento da vida: O SER HUMANO, Sandro Albino Albano Diretor-presidente do Grupo Educacional CENSUPEG e da Faculdade Sao Fidelis. SUMARIO Capitulo I- A NEUROPSICOPEDAGOGIA CLINICA 1.1 Neuropsicopedagogia: Bases Teoricas.... 1.1.1 Neurociéncia e educagao. 1.1.2. Componentes celulares do sistema nervaso 1.1.3 Divisdo do sistema nervoso... 1.1.4 Neurofisiologia ... 1.1.4.1 Neuromoduladores e neurotransmissore: 1.1.5 Modelo de Luria... 1.1.6 Desenvolvimento ¢ plasticidade do sistema nervoso central 1.1.7 Cognigao e cértex cerebral 1.1.7.1 Fungdes cognitiva: 1.1.7.2 Atengao .. 1.1.7.3. Inteliggnci 174 1.1.7.5 Fungdes executivas. 1.1.7.6 Linguagem 1.1.7.7 Praxia e visuoconstrucio 1.1.7.7.1 Fungées visuoconstrutivas..........seeesseeee 1,1.7.7.2 Praxia e visuoconstrugao 1.1.7.8 Habilidades sociai Capitulo I! - DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM. Capitulo III — DIFICULDADE DE APRENDIZAGEM... 14 Rita Margarida Toler Russo Capitulo IV - PRINCIPIOS DA AVALIACAO NEUROPSICOPEDA- GOGICA. 4.1 Instrumentos de Avaliacdo... 4.1.1 Sondagem das habilidades para alfabetizagio 4.1.2 Atengao e fung6es executivas..... 4.1.3. Linguagem ... 4.1.4 Leitura de palavras 4.1.5 Leitura e escrit 4.1.6 Leitura, escrita e aritmética .. 4.1.7 Material de intervengéio Capitulo V - INTERVENCAO NEUROPSICOPEDAGOGICA.. 5.1 Linguagem. 5.2. Exemplo de Atividades . 5.3. Expressiio Plistica 5.4 Matematica 5.5 Exemplo: Atividade de Conservagio de Quantidades 5.6 Esquema Corporal, Lateralidade, Ritmo 5.7 Coordenagio Visomotora... 5.8 Grafismo.... REFERENCIAS .... INDICE ALFABETICO.. Capitulo | A NEUROPSICOPEDAGOGIA CLINICA As bases teéricas e praticas que sustentam a formacao dos pro- fissionais da Neuropsicopedagogia Clinica vém das Neurociéncias e da Educagio. Segundo a Sociedad ira de Neuropsicopedagogia — SBNPp (Cap. II — art. 10), ia é A formagdo do Neuropsicopedagogo se dé através do curso de pés- -graduagao (especializacaio lato sensu) com a titulago minima certifi- cada de Neuropsicopedagogia. (Capitulo V — art. 68 - SBNPp) @ieANCMMIEA. Para tanto, devera seguir as normativas estabelecidas pela SBNPp que diz: Art. 29. Ao Neuropsicopedagogo com formagao na area Institucional, conforme deserito no Capitulo V, fica delimitada sua atuagio com atendimentos neuropsicopedagégicos exclusivamente cm ambientes escolares e/ou instituigdes de atendimento coletivo. 16 Rita Margarida Toler Russo § 1°, Entende-se que sua atuagiio na area Institucional, ou de educagéio especial, de educaco inclusiva escolar deve contemplar: a) Observacao, identificagdo ¢ analise do ambiente escolar nas ques- tées relacionadas ao desenvolvimento humano do aluno nas areas mo- toras, cognitivas e comportamentais; b) Criagtio de estratégias que viabilizem o desenvolvimento do pro- cesso ensino-aprendizagem do aluno; c) Encaminhamento do aluno a outros profissionais quando o caso for de outra area de atuacdo/especializacao. Art. 30, AliNetrepsicopedazopolcomlformagaolelinica, conforme descrito no Capitulo V, dicalcielinitadal sta attia cao comatendimentos ” adequado, como (GEA0s atendimentos § 1°. Entende-se que sua atuagio na drea clinica ou de atendimento multiprofissional deve contemplar: a) Observacao, identificagdo e andlise do ambiente escolar nas ques- tes relacionadas ao desenvolvimento humano do aluno nas areas mo- (RCT EDIE ECE b) Avaliagiio, intervengao & acompanhamento do individtio com difi- culdades de aprendizagem, transtornos, sindromes ou altas habilidades que causam prejuizos na aprendizagem escolar e social; ¢) Utilizagao de protocols ¢ instrumentos de avaliagao ¢ reabilitagao deyidamentewalidados, respcitando sua formagao de graduagao; ©) Flaboracdo de relatérios e pareceres técnicos profissionais: {) Encaminhamento a outros profissionais quando 0 caso for de outra rea de atuagdo/especializagao. Neste livro abordaremos a atuagio do Neuropsicopedagogo Clinico, que trabalha com sujeitos portadores ou nado de transtornos e Neuropsicopedagogia Clinica 7 dificuldades de aprendizagem, atuandomasayaliaciosnasintervengaoyno acompanhamento, na orientagao de estudos e no ensino de estratégias de aprendizagem, além de manter didlogo permanente com a familia, com a escola e com outros profissionais envolvidos no caso. Para o trabalho de intervengao ¢ estimulagao cognitiva, o neu- ropsicopedagogoflinico utiliza, desenyolye ou crialjogos nao competiti- vos e competitivos; brincadeiras variadas, verbais ou néio verbais, propor- cionando aos individuos com dificuldades de aprendizagem outras formas de aprender e apreender Em fung&o de sua base tedrica e de sua atuagdo pratica vislum- bra-se um maior envolvimento deste profissional no ensino e pesquisa vol- tados para as quest6es relacionadas 4 aprendizagem e suas dificuldades. Para que possamos entender o trabalho do neuropsicopedagogo clinico, faz-se necessdrio descrever a definig&o e 0 campo de atuagao da Neuropsicologia e da Psicopedagogia no @SfitidldeleeelarecengquelaINel> ropsicopedagogia Clinica nao é uma especializagaio dessas duas areas. A Neuropsicopedagogia Clinica, embora estude o funcionamento do cére- bro e o comportamento humano, tem os alicerces de sua pratica nas teo- tias de aprendizagem e nas estratégias para o ensino-aprendizagem. A Neuropsicologia, enquanto ciéncia, foi oficialmente reconhe- cida no Brasil, em 1988, com a fundagio da Sociedade Brasileira de Neu- ropsicologia (Ortiz et al., 2008); enquanto profissionalizagao, surgiu em 2004 com a publicagao da Resolug&o 002/04 do Conselho Federal de Psicologia, que regulamentou a pratica da Neuropsicologia como especia- lidade para Psicdlogos (Andrade & Santos, 2004; Conselho Federal de Psicologia, 2004). Segundo a ResolugSo CFP 002/04, @INGUROpSIeSl6gia “Atialno diagndstico no tratamento e na pesquisa da cognig&o, das emogdes, da pSRSORALACENNAOICOMPOHAMEHLS sob oGHfSGue da relacio entre estes agpectosyeyoufuncionamentoycerebral”. Utiliza, para isso, conhecimentos (@6ricos angariados pelas geurociéneiasye pela praticayelinica com fiet- dologia estabelecida experimental ou clinicamente. A Neuropsicologia faz uso de instrumentos especificamente pa- dronizados para a avaliacdo das WGGESMEUFOpSICOlOBiGas, envolvendo principalmente Habilidadestdetatenca ofipercepeao Winguagem@raciocinin, abstragdo, memoria, aprendizagem, habilidades académicas, processa- mento da informagcao, visuoconstrucao, afeto, funcdes motoras e executi- WaSPNa sua atuagao, estabelece pardmetros para a emissao de laudos com fins clinicos, juridicos ou de pericia, assim como complementa o diagnés- tico na area do desenvolvimento e da aprendizagem. 18 Rita Margarida Toler Russo Além do diagnéstico, a Neuropsicologia ¢ sua area interligada de Reabilitaco Neuropsicoldgica visam realizar as intervengdes necessé- tias junto aos pacientes, para que possam melhorar, compensar, contornar ou se adaptar as dificuldades; junto aos familiares, para que atuem como coparticipantes do processo reabilitativo; junto a equipes multiprofissio- nais € instituigdes académicas e profissionais, promovendo a cooperagao na inser¢ao ou reinser¢ao de tais individuos na comunidade, quando pos- sivel, ou ainda, na adaptagao individual e familiar quando as mudangas nas capacidades do paciente forem mais permanentes ou a longo prazo. E da pratica do neuropsicélogo enfatizar que o exame neuropsi- cologico é inseparavel do exame neuroldgico e do exame geral. Eles nao se substituem e sim se complementam. A Psicopedagogia surgiu na Franga e posteriormente na Argen- tina, introduzindo-se no Brasil na década de 70, para atender 4 grande demanda de criangas com dificuldades de aprendizagem. Segundo a defi- nigao descrita no Codigo de Etica da Psicopedagogia, da ABPp-SP — Associagao Brasileira de Psicopedagogia — ela é definida como “um campo de atuacdo em Educaco e Saude que se ocupa do processo de aprendizagem considerando 0 sujeito, a familia, a escola, a sociedade e 0 contexto sdcio-hist6rico utilizando processos prdprios, fundamentados em diferentes referenciais tedricos”. A Psicopedagogia é de natureza inter e transdisciplinar e utiliza métodos, instrumentos e recursos proprios para a compreensio do proces- So devaprendizagemycabiveisinajintervenGao (art. 2, do Cédigo de Btica). A interveng’o psicopedagégica é sempre da ordem do conheci- mento, relacionada com a aprendizagem, considerando o carter indisso- cidvel entre os processos de aprendizagem e as suas dificuldades (Para- grafo 1 — Cédigo de Etica). Ag intervengao psicopedagdgica na Educacao ena Saude da-se em diferentes ambitos da aprendizagem, considerando 0 caratenindissociaveleWrClinicd (Paragrafo 2 — Cédigo de Etica). A atividade psicopedagégica tem como objetivos: promover a aprendizagem, contribuindo para os processos de inclusao escolar e social; compreender e propor ages frente as dificuldades de aprendizagem: rea- lizar pesquisas cientificas no campo da Psicopedagogia: mediar conflitos relacionados aos processos de aprendizagem. As semelhangas que a Neuropsicopedagogia Clinica guarda com a Neuropsicologia e a Psicopedagogia sao: a natureza multiprofissio- nal, inter e transdisciplinar e 0 estudo do desenvolvimento humano e dos processos do ensino e aprendizagem (em condigdes normais ou nao). Neuropsicopedagogia Clinica 19 11 NEUROPSICOPEDAGOGIA: BASES TEORICAS 144 Neurociéncia e Educagao Os estudos apontam que, enquanto a Neurociéncia constitui-se como a ciéncia do cérebro, a Educagiio configura-se como a ciéneia do ensino e aprendizagem. Apresentam relagdio de proximidade na medida em que 0 cérebro tem significdncia no processo de aprendizagem do individuo. Segundo Cosenza e Guerra (2011): Os avangos das neurociéncias possibilitam uma abordagem mais cientifica do processo ensino-aprendizagem, fundamentada na compreen- sdo dos processos cognitivos envolvidos, explicitam ainda os autores. Os pesquisadores da Neurociéncia, da Educagéo e de sua inter- face Neuroeducagao tém se debrugado ao estudo do cérebro e do compor- tamento humano, dos fatores que interferem na aprendizagem e das técni- cas de reabilitagao cognitiva. A base que permeia a aco desses estudos é a interdisciplinaridade. 11.2 Componentes Celulares do Sistema Nervoso vdluas por sre exetavels eles operam por mei@(deqinnipulsostelétti- i com Gitf6SHHEURGHDs por sinais~quimices (Gazsaniga & Heather eatherton, 2005). O sistema nervoso (SN) recebe uma variedade de informagdes do ambiente externo, avalia-as e depois produz comportamentos ou faz ajustes corporais para se adaptar ao ambiente. Existem dois tipos distintos de células no SN: os neurénios e as células gliais. 20 Rita Margarida Toler Russo isso de impulsos nervo- Gosieitém coi A estrutura dessas células é formada por corpo celular, dendritos (expan- ses do corpo celular), axdnio e botdes terminais. Para Machado (2006), 0 corpo celular é 0 centro metabélico do neur6nio responsavel pela sintese de todas as proteinas neuronais, bem como pela maioria dos processos de degradagao e renovacio de consti- tuintes celulares, inclusive de membranas. O corpo celular refere-se a regido onde a informacdo de milha- res de outros neurénios é coletada e integrada. Uma vez integradas, im- pulsos elétricos sao transmitidos por um prolongamento estreito e longo chamado axénio. E 0 centro metabélico do neurénio, responsavel pela sintese de todas as proteinas neuronais, bem como pela maioria dos Pprocessos de degradagao ¢ renovagao de constituintes celulares, inclusive de membra- nas. O corpo celular ¢ como os dendritos, local de recepcao de estimulos, através de contatos sinapticos. Os dendritos (do grego dendron, arvores) so extensdes de neu- ronios semelhantes a ramos, que conduzem os estimulos captados do ambiente ou de outras células em dire¢%o ao corpo celular. Sao especiali- zados em receber estimulos, traduzindo-os em alteragdes do potencial de repouso da membrana. O ax6nio, principal unidade condutora do neurénio, é capaz de conduzir sinais elétricos por distancias tanto curtas quanto longas. Muitos ax6nios dividem-se em varios ramos, conduzindo, assim, informagdes para diferentes alvos. E especializado em gerar e conduzir o potencial de agdo e tem como fungao transmitir para as outras células os impulsos nervosos provenientes do corpo celular. Nas extremidades dos axénios estdo localizados pequenos nédulos chamados botées terminais. Um potencial de agao, também chamado de descarga neuronal, € uma onda de descarga elétrica que percorre a membrana de uma célula e ¢ desencadeado por diversos eventos fisicos no ambiente que incidem sobre nossos corpos. Sao gerados no cone axénico e conduzidos a0 longo do axénio, sem falha e sem distorgdo, com velocidade entre 1 e 100 me- ttos por segundo ¢ amplitude de 100 milevolts (mV). Para assegurar a condugdo com alta velocidade dos potenciais de agao, os axénios mais calibrosos so circundados Por bainha isolante, chamada de miclina. Essa bainha é interrompida a intervalos regulares, Neuropsicapedagogia Clinica a pelos nédulos de Ranvier, e é nesses segmentos desprovidos de isolamen- to elétrico, ao longo do axénio, que o potencial de agio é regenerado. Préximo 4 sua terminaco. 0 axénio se divide em ramos mais finos que fazem contato com outros neurénios. O ponto de contato entre duas células neuronais é chamado de sinapse. A célula transmissora de um sinal é designada como célula pré-sinaptica, enquanto a célula que recebe o sinal é a célula pés-sindptica. Dilatagdes especializadas nas ex- tremidades das ramificagdes ax6nicas atuam como locais de transmissao nas células pré-sindpticas. As duas células sao separadas, na sinapse, por um espago, cha- mado de fenda sindptica. A maioria dos axénios termina proximo aos dendritos de uma célula pds-sinaptica, mas também pode ocorrer comu- nicagao ao nivel do corpo celular, ou, menos frequente, no segmento inicial ou na regido terminal do axénio da célula pés-sinaptica. Krebs et al. (2013) apresentam os trés tipos de sinapses: ses axodendriticas, axossomaticas e axoaxOnicas, definindo-os: ap- Os contatos sindpticos mais comuns no SNC ocorrem entre um axénio eum dendrito, as chamadas sinapses axodentriticas [...]. Um axénio também pode contatar outro neurénio diretamente na soma da célula, © que ¢ chamado de sinapses axossomitica. Este tipo de sinapse é muito menos comum no SNC e é um poderoso sinal muito mais pro- ximo do cone axonal, no qual um novo poiencial de ago pode se ori- ginar. Sinapses axoaxdnicas é quando um axénio contata outro, Essas sinapses muitas vezes acontecem no cone axonal ou proximo a ele, onde podem causar efeitos muito poderosos, inclusive produzir um potencial de agdio ou inibir um que, de outra forma, teria sido desenca- deado. (p. 5) Os neur6nios podem ser classificados, em termos de sua fungao, em trés grupos: sensoriais, motores e interneur6nios. Os neurénios senso- riais ou aferentes absorvem informagdes do meio ambiente e as transmi- tem para 0 cérebro, geralmente via medula espinhal. O neurénio motor ou eferente conduz a informagao do SNC em diregao 4 periferia. Encontra- mos neur6nios sensitivos tanto no SNC quanto no SNP. Os neur6nios motores dirigem os musculos para contrair ou rela- xar, produzindo assim 0 movimento. Sao neurGnios eferentes, pois sinais do cérebro sao transmitidos para 0 corpo (Gazzaniga & Heatherton, 2005). Os interneur6nios (neurénios de associacao) estado presentes em toda a medula espinhal, mais precisamente no H medular (substancia cinzenta), ¢ recebem a informagao dos neurénios sensoriais, processam- 22 Rita Margarida Toler Russo sha ¢ transferem um comando para as células nervosas seguintes do cir- cuito. Sao responsaveis pelo processamento dos sinais desde a fase que entram na medula, pelo como posterior, até sua saida pelo neurénio mo- tor anterior. Também recebem sinais do tronco e cértex cerebral (centros superiores), recebendo diretamente a influéncia do trato corticoespinhal Ha diversos tipos de neurénios no SNC, sendo classificados quanto ao tamanho, a morfologia ou conforme os neurotransmissores que utilizam. Sao eles: neurénios multipolares, pseudounipolares e bipolares. Os neurénios multipolares sio encontrados no encéfalo e na medula espinhal, sendo o tipo mais abundante no SNC. Possuem um cor- po celular, varios dendritos e um axénio. Constituem a maioria dos neu- ronios do tecido nervoso. Os neurénios pseudounipolares possuem um corpo celular e somente um prolongamento, que se comporta como dendrito em uma de suas porgdes € como axénio na outra. Retransmitem a informagao senso- rial de um receptor periférico ao SNC sem modificar o sinal. S40 encon- trados, sobretudo, nos génglios sensitivos da medula espinhal, que sao responsaveis pela condugao de impulsos nervosos de teto, da pressio etc. Os neur6nios bipolares possuem um dendrito, um. corpo celular © um axénio. Muitos neurdnios bipolares sdo sensoriais, como as células bipolares da retina e do epitélio olfativo. Longe de ser apenas a “cola dos neurénios”, as células gliais so um componente essencial da fungaio do SNC (Krebs et al., 2013). As células gliais compreendem células que ocupam os espagos entre os neurénios ¢ sao consideradas células auxiliares, que dao suporte ao funcionamento do SNC. Sao consideradas como tendo diversas fun- gées vitais. Tém como fungdes a sustentagdo, o revestimento ou isola- mento, a modulag%o da atividade neuronal e a defesa. Compreendem: astrécitos, oligodendrécitos, microgliécitos e células ependimarias, Os astrécitos sio células com formato estrelado, possuem cor- pos celulares irregulares ¢, muitas vezes, prolongamento relativamente longo. Sao encarregados de sustentagio e nutrigdo dos neurénios. Reco- nhecem-se dois tipos: astrécitos protoplasmiticos e astrécitos fibrosos. O primeiro esta localizado na substancia cinzenta e apresenta prolongamen- to mais espesso e curto, que se ramifica profusamente. O segundo é en- contrado na substancia branca, possui prolongamento fino e longo e rami- fica-se relativamente pouco. Os oligodendrécitos sAo células pequenas, com numero relati- vamente pequeno de prolongamentos e apresentam nticleo menor e mais condensado que o dos astrécitos. Sao as células mielinizantes do SNC. Neuropsicopedagogia Clinica 23 Sua fungao principal é envolver os axénios dos neurénios de maneira a isola-los do microambiente do tecido nervoso. Tanto os oligodendrécitos como as células de Schwann exercem a importante fungao de isolar ele- tricamente os ax6nios, enrolando seus processos membranosos de forma concéntrica em toro do axénio, em espiral apertada, formando a bainha de mielina. Temos dois tipos de oligodendrécito: oligodendrécito satélite e oligodendrocito fascicular. O oligodendrécito satélite esta localizado junto ao pericario e dendritos e o oligodendrécito fascicular é encontrado junto as fibras ner- vosas. Este iiltimo € responsavel pela bainha de mielina em axdnios do sistema nervoso central (SNC). Segundo Machado (2006): A bainha de mielina é composta basicamente de lipides e proteinas, sa- lientando-se a riqueza em fosfolipides. Por ser isolante, a bainha de mie- lina permite condugio mais rapida do impulso nervoso. Ao longo dos axénios mielinicos, os canais de sédio € potdssio sensiveis 4 voltagem encontram-se apenas ao nivel dos nédulos de Ranvier. A condugao do impulso nervoso ¢ saltatéria, ou seja, potenciais de aio s6 ocorrem nos nédulos de Ranvier, isto é possivel dado o carter isolante da bainha de mielina, que permite a corrente eletrot6nica provocada por cada poten- cial de ago percorrer todo o intenédulo sem extinguir-se. (pp. 30-31) O comprimento do internédulo e a espessura de bainha de mie- lina, embora constantes para cada tipo de fibra, podem variar de acordo com a espessura do ax6nio. Quanto maiores 0 internddulo e as espessuras do axGnio e da mielina, mais répida é a conducao, afirma ainda a autora. Os microglidcitos s&o células pequenas e alongadas com micleo denso também alongado e de contorno irregular; possuem poucos prolon- gamentos, que partem de suas extremidades. Quando ativadas, as micro- glias sio recrutadas para as areas de lesao neuronal, onde fagocitam os dendritos celulares e esto envolvidas na apresentaco do antigeno, no- vamente de modo semelhante aos macrofagos de sangue (Machado, 2006, p. 28; Krebs, et al., 2013, p. 7). Os microgliécitos estéo presentes tanto na substancia branca como na substancia cinzenta e possuem fungdo relacionada ao sistema imunitario. Células ependimarias sio células cuboidais que forram, como epitélio de revestimento simples, as paredes dos ventriculos cerebrais, do aqueducto cerebral e do canal central da medula espinhal. Algumas células ependimarias tém uma fungao especializada dentro dos ventriculos como parte do plexo caroide (Machado, 2006, p. 29; Krebs, et al., 2013, p. 7). 24 Rita Margarida Toler Russo A neuroglia compreende células que ocupam os espagos entre os neurénios, com fungdes de sustentagao, revestimento ou isolamento, modulagao da atividade neuronal e defesa, A neuroglia periférica compreende as células satélites ¢ as célu- las de Schwann, derivadas da crista neural. As células satélites envolvem pericarios dos neurénios dos ganglios sensitivos e do sistema nervoso auténomo, ja as células de Schwann circundam os axénios, formando a bainha de mielina. Esto relacionados a regeneragiio de fibras nervosas. Uma fibra nervosa compreende um ax6nio e, quando presentes, seus envoltorios, de origem glial. O principal envoltério de fibras nervo- sas € a bainha de mielina, que funciona como isolante elétrico. Quando envolvides por bainha de mielina, os ax6nios sio denominados fibras nervosas mielinicas. Na auséncia de mielina denominam-se fibras nervo- sas amielinicas. Ambos os tipos ocorrem tanto no SNP como no SNC, sendo a bainha de mielina formada por células de Schwann, no periférico, e por oligodendrécitos, no central. 1.1.3 isdo do Sistema Nervoso O sistema nervoso divide-se em sistema nervoso central (SNC) e sistema nervoso periférico (SNP). O primeiro esta localizado dentro do esqueleto axial (cavidade craniana e canal vertebral) ¢ & composto pelo encéfalo e pela medula espinhal. No encéfalo temos cérebro, cerebelo e tronco encefalico (mesencéfalo, ponte e bulbo). O segundo localiza-se no esqueleto apendicular, mas para fazer conexo com 0 SNC penetra no cranio ¢ também no canal vertebral. E constituido por nervos (espinhais e cranianos), ginglios e suas terminagées nervosas. Segundo Caixeta e Ferreira (2012): A fung3o do SNP é conduzir informagio de receptores distribuidos a0 longo do corpo para 0 SNC, ¢ conduzir informagao de volta para os efetores. Por este sistema, sensagdes leves de toque, dor e temperatura sao detectados na pele; pressao, dor e percepgdio de posi¢do sao trans- mitidos do subcuténeo e tecidos profundos; e a dor é transmitida da viscera. (p. 15) A informagao pode fluir da periferia para o SNC (aferente) ou do SNC para a periferia (eferente). As informagGes aferentes ou senso- riais incluem inputs de orgaos sensoriais, bem como da pele, dos miiscu- los, das articulagdes ¢ das visceras. As eferentes ou motoras tem origem no SNC e vio em diregio as gléndulas, ao miisculo liso e ao musculo esquelético (Krebs, et al., 2013). Neuropsicopedagogia Clinica 25 O encéfalo, regiao do SNC localizado dentro do cranio neural, ccupa-se das fungées corticais superiores exclusivas, incluindo 0 pensa- mento, a linguagem, a imaginagao, a criatividade, a atengiio, a aprendiza- gem, a meméria ¢ a experiéncia emocional. Também ¢ ele que regula ou modula as fungdes endécrinas, viscerais ¢ somaticas. O encéfalo é constituido pelo cérebro, tronco encefalico e cere- belo. O cérebro, considerado a parte mais desenvolvida e mais importante do encéfalo, ocupa a maior parte da cavidade craniana, cerca de 80% deste. Formam 0 cérebro 0 telencéfalo e o diencéfalo, que correspondem a0 prosencéfalo O telencéfalo ¢ composto de um cérebro macigo dividido em dois hemisférios cerebrais: direito e esquerdo. Os hemisférios cerebrais consistem em uma cobertura de subs- tincia cinzenta (cértex cerebral); estruturas profundas dentro do cérebro, incluindo os ganglios da base e duas grandes estruturas do sistema limbi- co (0 hipocampo e a amigdala); e a substancia branca subjacente (Krebs, et al., 2013, p. 27). Os ganglios da base participam na regulagio do desempenho motor, 0 hipocampo participa em diversos aspectos do armazenamento das memérias e 0 nticleo amigdaloide coordena as respostas autonémicas e endécrinas, em conjunto com os estados emocionais. Os ginglios basais também podem desempenhar um papel na produgfio de agées nao verbais € na compreensdo dos comportamentos nao verbais das outras pessoas (Kandel et al., 2000; Lieberman, 2000). A amigdala permite que 0 organismo domine respostas instintivas, ao conectar as lembrangas que 0 cértex tem das coisas com as emogdes que elas despertam. Ela também intensifica a memoria durante momentos de excitacdo emocional, além de desempenhar um papel especial nas respostas aos estimulos que eliciam medo. Também esta envolvida na importancia emocional das expressdes faciais (Gazzaniga & Heatherton, 2005). O cortex cerebral refere-se 4 camada mais extema dos hemisfé- tios. Os dois hemisférios estéo conectados por uma ponte macica de mi- IhGes de ax6nios, chamada corpo caloso (Gazzaniga & Heatherton, 2005). Cada hemisfério tem quatro lobos: occipital, parietal, temporal e frontal. O lobo frontal esta relacionado ao planejamento das acées futuras ecom 0 controle do movimento. O lobo parietal, 4 sensacfo tatil e a ima- gem corporal. O lobo occipital, 4 viso, e 0 lobo temporal, 4 audigao, além de aspectos do aprendizado, meméria e emogéo (Kandel, et al., 2000). O lobo frontal, composto pelo sulco central superior, inferior e pré-central, contém a area motora, a area de Broca, a area relacionada ao 2% ; Rita Margarida Toler Russo comportamento € a memoria de trabalho. A parte da frente do lobo fron- tal, o cértex pré-frontal, esté relacionada ao planejamento e a analise das consequéncias de agdes futuras, relativos ao comportamento; ao pensa- mento abstrato e criativo; a fluéncia do pensamento e da linguagem; a emocio; ao julgamento social; & atengdo scletiva; ¢ a vontade e determi- nac¢o para agao. Segundo Krebs et al. (2013): O lobo frontal é separado do lobo parietal pelo sulco central e do tem- poral pelo sulco lateral. O giro pré-central, localizado anteriormente ao sulco central, contém as areas motoras primérias. As dreas nas su- perficies laterais e mediais sio essenciais nao s6 para regular a ativi- dade motora ou comportamento voluntario, mas também para inicili- zar o comportamento motor, ou seja, quais movimentos devem ser tealizados. (p. 28) As autoras ainda postulam que aspectos expressivos ou motores da linguagem também sio processados na superficie lateral do lobo fron- tal, sobretudo no hemisfério dominante (normalmente o esquerdo) na 4rea motora da fala (area de Broca). Segundo Gazzaniga e Heatherton (2005): © cortex pré-frontal [...] é indispensavel para a atividade racional e di- tigida. Partes do c6rtex pré-frontal sdo responsaveis por dirigir e man- ter a atengdo, mantendo as ideias na mente enquanto as distragdes nos bombardeiam do mundo externo, descnvolvendo planos € os colocan- do em pratica. O cértex pré-frontal é critico para interpretar deixas so- ciais e se comportar de maneira apropriada. As superficies ventral ¢ medial do cértex pré-frontal governam muitos comportamentos inter- pessoais e emocionais. (p. 134) Pacientes com lesdes pré-frontais apresentam deficiéncias na formulagao e/ou na execugao de planos e no desempenho de tarefas que impéem um intervalo entre sua idealizagao e execugao. Podem ocasionar, também, transtornos de humor, conduta, cardter, atividade (lentidio) e transtornos de atengdo. As grandes lesdes da parte posterior dos lobos frontais costu- mam causar apatia, desatengdio, indiferenga. Se tais lesdes estiverem mais proximas da parte anterior ou lateral dos lobos frontais, o sujeito facil- mente se distrair4, podera se sentir euforico sem motivo aparente e podera argumentar excessivamente, tornando-se vulgar e rude. O sujeito podera nao ter consciéncia das consequéncias de suas atitudes e comportamento. Neuropsicopedagogia Clinica 27 Os lobos parietais, regio do cértex cerebral que fica em frente aos lobos occipitais e atras dos lobos frontais, é importante para o sentido do tato e para a configuracio espacial em um ambiente. Os aspectos re- ceptivos ou sensoriais da linguagem também sdo processados nesse lobo, sobretudo no hemisfério dominante (normalmente 0 esquerdo), na area de Wernicke (Gazzaniga & Heatherton, 2005; Krebs et al., 2013, p. 29). Os pacientes com lesao dos lobos parictais com frequéncia apresentam anormalidades da imagem corporal e da percepodo das rela- g6es espaciais. A lesdo do lobo parietal dominante tende a produzir afasia (disturbio da linguagem) e agnosia (incapacidade de perceber objetos apesar de as vias sensoriais funcionarem normalmente). Ainda encontra- mos a incapacidade para nomear um objeto (anomia), para recordar as palavras para a escrita (agrafia), problemas com leitura (alexia), dificul- dades de coordenacao mao-olho, problemas com foco de atencio visual e problemas com discernimento entre esquerda e direita. Os estudos sobre os lobos parietais mostram que as dreas adja- centes aos lobos temporais estao relacionadas as habilidades matematicas e da linguagem. Pessoas com lesdes maiores nos Jobos parietais podem perder a capacidade de realizar tarefas sequenciais, apresentar problemas de consciéncia do sentido direita~esquerda, deixar de reconhecer partes do corpo ou do espago, perder a capacidade de vestir-se, deixar de reali- zar tarefas comuns e apresentar confusao mental ou delirios. A anestesia cortical refere-se a uma lesio da area somatossenso- rial primaria caracterizada pela perda da sensibilidade tatil, térmica ¢ de dor. Jé a agnosia somatossensorial refere-se a uma les4o somatossensorial secundaria, caracterizada pela incapacidade de reconhecer objetos pelo tato, de discriminar pesos, de localizar sensagées tateis e térmicas. Os lobos temporais esto localizados nas partes laterais de cada hemisfério e sua estrutura central é responsavel pelo gerenciamento da memoria. Sua fungdo principal é processar os estimulos auditivos. Nas zonas que convergem lobos occipitais, temporais e parietais encontramos a area de Wernicke, que é responsavel pela compreensio da linguagem. O lobo possui 0 sulco temporal superior e inferior. Contém 0 cen- tro cortical da audio, da estrutura emocional e da memoria. Para Krebs, et al. (2013, p. 30), as areas anteriores e mediais do lobo temporal siio im- portantes em aspectos complexos da aprendizagem, memoria ¢ emocao. Segundo Gazzaniga ¢ Heatherton (2005), os lobos temporais contém: © cortex auditivo primério, uma area de audigaio andloga aos cortices visual primério © somatossensorial, ¢ areas auditivas secundarias que 2B Rita Margarida Toler Russo Processam melhor aquilo que escutamos, incluindo, no hemisfério ¢s- querdo, a decodificagao de palavras e frases. Também contém areas visuais mais especializadas para reconhecer objetos detalhados como 0s rostos. Os lobos temporais sao criticos para a meméria, contendo a formagao hipocampal e a amigdala. (p. 134) Lesées no lobo temporal provocam perda de meméria de curto prazo, interferéncia na meméria de longo prazo, dificuldade em reconhe- cer rostos (prosopagnosia), em compreender as palavras faladas (afasia de Wericke), em identificar e verbalizar sobre um objeto, na alengao seleti- va € no comportamento, aumentando a agressividade ¢ clevando ou dimi- nuindo 0 comportamento sexual. Lesio do lobo temporal dircito tende a afetar a meméria dos sons e das formas; no lobo temporal esquerdo, ocorre interferéncia na compreensio da linguagem. Lesio do lobo temporal direito nio dominan- te pode causar alteragées da personalidade (falta de humor, obsessées, perda de libido, graus incomuns de religiosidade). A surdez cortical ¢ uma les&o da area auditiva primaria caracte- rizada pela perda da audigao. Jé a surdez verbal, lestio da drea de Wernicke, caracteriza-se pela incapacidade de atribuir significado ao discurso oral: as palavras ouvidas nao tém sentido. Os lobos occipitais esto localizados na parte inferior do cére- bro ¢ sio responsaveis pela visio. Dividem-se em 4rea visual primaria ¢ secundéria. A primeira, a drea visual primaria, fanciona como um recep- tor de imagens que passam para a segunda, a area visual secundaria, onde 0s objetos sio compreendidos. Ha areas especializadas em processar a visio da cor, do movimento, da distancia, da profundidade, entre outras. Paciente com lesao no lobo occipital apresenta problemas em seus campos visuais, em localizar objetos, em reconhecer objetos dese- nhados ou palavras e em reconhecer 0 movimento de um objeto. Alucina- gGes e dificuldades de ver as coisas sio também sintomas. Em relagao as lesdes dos lobos occipitais, temos a cegueira corti- cal (area visual primaria), que é a perda bilateral da visio com resposta pupilar normal e com exame ocular sem anormalidades. A causa mais co- mum desta lesao é a falta de oxigénio (hipoxia), mas também pode ocorrer por trauma, epilepsia, infecgao, drogas e lesdes nos lobos occipitais. A alexia (area visual secundaria) é um outro tipo de les%o da area occipital. Refere-se a uma disfuncfio em que © sujeito perde a capa- cidade de ler. Geralmente vem acompanhada com a perda de habilidade da escrita, mesmo com a pessoa entendendo a lingua falada. Neuropsicopedagogia Clinica 29 A agnosia visual e auditiva (lesdes nos lobos temporais e occi- pitais) consiste na perda da capacidade de reconhecer pessoas, objetos, sons, formas. Est associada a lesdes nas Areas secundarias do lobo tem- poral (agnosia auditiva) ou no lobo occipital (agnosia visual). O lobo occipital esté relacionado quase que exclusivamente ao sentido da visio. Divide-se em multiplas areas visuais diferentes, sendo a maior o cértex visual primario. Cercando o cértex visual primario esta uma colcha de retalhos de areas visuais secundérias que processam varios atributos da imagem visual, tais como sua cor, movimento e formas (Gazzaniga & Heatherton, 2005). O diencéfalo é tnico e mediano, sendo encoberto pelo telencé- falo (Adoni et al., 2008). E dividido em talamo, hipotalamo, epitdlamo e subtdlamo. Os talamos so duas massas volumosas de substancia cinzenta, de forma ovoide, dispostas uma de cada lado, na poredo latero-dorsal do diencéfalo, Exceto o sentido do olfato, o talamo recebe quase todas as in- formagées sensoriais antes que elas cheguem ao cortex. Ele desempenha um papel fundamental no processamento de informagées motoras, na inte- gracdo de informagdes cognitivas e emocionais Superiores e na regulagao da atividade cortical. O talamo parece desempenhar papel na atengdo tam- bém (Machado, 2006; Krebs et al., 2013; Gazzaniga & Heatherton, 2005). Uma lesio por isquemia, infecgdes ou traumas, no nicleo ven- tral péstero-lateral do talamo, que é a conexao talamica para as vias que conduzem sensibilidade tatil, térmica e dolorosa e profunda consciente, produz uma série de sinais e sintomas interpretados como sindrome tala- mica Déjerine-Roussy. Esta sindrome manifesta-se como uma anestesia para todas as formas de sensibilidade no hemicorpo contralateral a area lesada. Ocorte dor talamica (intensa — dificil controle: pode perder a ca- pacidade de conhecer, pela Percepeao tatil, a natureza, forma e propriedade fisica dos objetos ~ estereognosia), ataxia e tremor contralateral, hemia- nopsia homénima (lesio que compromete os mitcleos do talamo) e hemi- plegia contralateral com déficit motor discreto O hipotalamo, rea relativamente pequena do diencéfalo, locali- zada abaixo do talamo, é responsdvel por fungdes relacionadas principal- mente com 0 controle da atividade visceral (Machado, 2006). O hipotdlamo desempenha um papel fundamental na coordenagio e integra fungdes en- décrinas, autonémicas e homeostaticas (Krebs et al., 2013). O hipotalamo é responsavel por regular as fungées vitais — temperatura corporal, ritmos circadianos, pressdo sanguinea e nivel de glicose —e, para esses fins, impe- le © organismo por meio de impulsos fundamentais como sede, fome, agress&o e sensualidade (Gazzaniga & Heatherton, 2005). 30 Rita Margorida Toler Russo Lesdes bilaterais do hipotélamo lateral conduzem a afagia (im- possibilidade de deglutir/inanigao do apetite) e a lesdes bilaterais das areas ventromediais do hipotalamo medial, provocando a hiperfagia (in- gestio excessiva de alimentos). O hipotalamo lateral corresponde ao cen- tro da fome e o medial ao da saciedade. O epitdlamo limita posteriormente o IIT ventriculo, acima do sulco hipotalimico, ja na transi¢ao com o mesencéfalo (Machado, 2006). E formado pelo trigono da habénula, corpo pineal e comissura posterior. Com excepao desta ultima, todas as formagGes nao endécrinas do epita- lamo pertencem ao sistema limbico, estando assim relacionadas com a regulagao do comportamento emocional. O subtalamo compreende a zona de transigao entre 0 diencéfalo e © tegmento do mesencéfalo (Machado, 2006). O subtélamo faz parte dos ganglios de base e desempenha um papel importante na modulagao e inte- gragio da motricidade voluntaria e do tonus muscular (Krebs et al., 2013). Lesdes no niicleo subtalamico provocam o hemibalismo, que séo movimentos involuntarios abruptos, que envolvem mais a musculatu- ra proximal do que a distal (predominando nos membros superiores). Os movimentos sfio violentos ¢ muitas vezes nao desaparecem com o sono, levando 0 paciente a exaustao. O tronco encefilico ou tronco cerebral localiza-se entre a medu- la e o diencéfalo, ventralmente ao cerebelo. Participa do SNC segmentar, enele fazem conexdo de 10 a 12 pares de nervos cranianos. Esta relacio- nado aos sentidos espaciais, aos processos vitais e a outras fungdes visce- rais e somaticas, podendo ser modificadas por impulsos recebidos pelos nervos cranianos e abaixo do cerebelo ou do prosencéfalo (Adoni, et al., 2008; Caixeta & Ferreira, 2012). Alguns aspectos da fungio auténoma sio organizados no tronco encefilico, de modo que salivagao, controle da pressio sanguinea, respira- ¢4o e movimentos no canal alimentar so influenciados pelo sistema nervo- so auténomo através dessa regido. Essas influéncias partem do controle do vomito (Caixeta & Ferreira, 2012, p. 19). E constituido por trés partes: mesencéfalo (superiormente), bulbo (inferiormente) e ponte (entre ambos). O mesencéfalo localiza-se entre a ponte e o diencéfalo, do qual € separado por um plano que liga os corpos mamilares 4 comissura Poste- rior (Adoni, et al., 2008). E ele que controla muitas fungdes sensoriais e motoras, incluindo os movimentos oculares e a coordenacdo dos reflexos visuais € auditivos. O bulbo ou medula oblonga tem a forma de um tronco de cone, cuja extremidade menor continua caudalmente com a medula espinhal Neuropsicopedagogia Clinica vw (Machado, 2006). Possui diversos centros responsaveis por fungdes auto- némicas vitais como a digestdo, a respiragio e 0 controle da frequéncia cardiaca. A ponte é a parte do tronco encefalico interposta entre 0 bulbo e © mesencéfalo (Machado, 2006). Apresenta um papel fundamental na tegulacao do padrao e ritmo respiratério. 0 cerebelo liga-se 4 medula ¢ ao bulbo pelo pedinculo cerebe- lar inferior e 4 ponte e ao mesencéfalo pclos pedinculos cerebelares mé- dio e superior, respectivamente. E um érgio essencialmente relacionado as fungdes motoras como o equilibrio, a coordenagéio dos movimentos e o ténus muscular. O papel mais dbvio do cerebelo é na aprendizagem mo- tora. Ele parece ser treinado pelo restante do SN ¢ opera de modo inde- pendente e inconsciente (Machado, 2006; Adonis, et al., 2008; Gazzaniga & Heatherton, 2005). A medula espinhal transporta toda a informagéo motora que abastece os misculos voluntarios; assim, participa diretamente do contro- le do movimento corporal, Desempenha um papel dircto na regulagao das fungées viscerais e atua como um condutor para o fluxo longitudinal de informagao do/para o encéfalo (Krebs, ct al., 2013, p. 23). A medula espinhal é a parte mais caudal do sistema nervoso central. Estende-se desde a base do cranio até a primeira vértebra lombar. Em um corte transversal, podemos ver que a medula é constituida por dois tipos de tecido: a substincia cinzenta, que ¢ dominada pelos corpos celulares dos neurénios, e a substdncia branca, que consiste principalmen- te em ax6nios € nos revestimentos gordurosos que os cercam (Kandel, et al., 2000; Gazzaniga & Heatherton, 2005). Segundo Krebs, et al. (2013): A medula espinal recebe informagdes sensoriais dos membros, do tronco e de muitos rgdos internos. Desempenha um papel importante no processamento inicial dessas informagdes. Também contém os tra- tos somaticos motores que suprem os musculos esqueléticos, bem co- mo eferéncias viscerais para as visceras, os misculos lisos e as glan- dulas. (pp. 34-35) Ainda para as autoras: A medula espinal tem uma clara organizaciio segmentar, correspon- dente as raizes nervosas ligadas a ela. Uma série continua de radiculas posteriores (sensoriais, corpos celulares dos génglios espinhais) aden- tra 0 aspecto posterior da medula espinal; uma série continua de radi- 32 Rita Margarida Toler Russo culas anteriores (motoras) emerge do aspecto anterior da medula espi- nal. As raizes sensoriais e motoras se fundem, formando os nervos es- pinais, que sdo parte do sistema nervoso periférico. (p. 43) Os 6rgaos do SNC sao protegidos por trés membranas formadas por tecido conjuntivo, as meninges, pelos ossos do cranio e da coluna vertebral. Sao clas: dura-mater, aracnoide e pia-mater. A dura-mater é a meninge mais externa e forte. Esta ligada ao cranio e contém os seios venosos. A aracnoide (semelhante a uma teia de aranha) é a membrana do meio, que reveste a dura-mater € se estende sobre os sulcos na superficie cerebral. A pia-miter, camada interna, apresenta uma fina camada de tecido ligada diretamente ao parénquima cerebral ¢ que acompanha todos os giros e sulcos. Entre a aracnoide ¢ a pia-mater, no interior das cavida- des do SNC, circula o liquido cefalorraquidiano, que funciona como pro- tecdio complementar do encéfalo e da medula. O sistema nervoso periférico (SNP) é formado por nervos cra- nianos e espinhais. Os primeiros cmergem do cérebro e do tronco encefa- lico; os segundos, da medula espinhal. O SNP é composto por fibras que ligam 0 SNC ao receptor, no caso da transmissiio de impulsos sensitivos, ou ao efetor, quando 0 impulso ¢ motor. Os nervos sdo cordées esbranquigados que unem 0 SNC aos 6r- fos periféricos. Se a unido ocorre com o encéfalo, temos os nervos cra- nianos; se com a medula, os nervos espinhais. O conjunto de nervos cra- nianos e espinhais (raquidianos) forma 0 SNP. Os nervos periféricos transportam inputs sensoriais a0 SNC, onde s&o processados. Este, por sua vez, envia estimulos motores aos musculos para a resposta motora apropriada. Os nervos que levam as informagées da periferia do corpo para 0 SNC sao chamados de nervos sensoriais, aferentes ou sensitivos, Sao formados por prolongamentos de neurénios sensoriais. Os nervos motores ou aferentes, feixe de axdnios de neurénios motores (centrifugos), s40 aqueles que transmitem impulsos do SNC para os musculos ou glandulas. Temos, ainda, os nervos mistos, formados por ax6nios de neurénios sen- soriais e por neurénios motores, Para Krebs, et al. (2013 As informagées recebidas dos nervos periféticos entram pela parte dor- sal sensorial da medula espinal, enquanto as informagées enviadas para os nervos periféricos, as quais irdo estimular as respostas motoras ao in- put sensorial, emergem da por¢do ventral da medula espinal. (p. 47) Neuropsicopedagogia Clinica 33 Segundo Kandel, et al. (2000), 0 SNP tem as divisdes somatica ¢ autondmica: A primeira abastece 0 SNC com informagées sensitivas a res- peito da posig&o dos musculos e membros e acerca do ambiente fora do corpo. A divisao autondmica é 0 sistema motor das visceras, dos muscu- los lisos do corpo e das glandulas exécrinas, e é comumente chamada de sistema motor autondmico. Constituido por trés subdivisdes espacialmen- te segregadas: o sistema nervoso simpatico, 0 parassimpatico e o sistema nervoso entérico. O simpatico participa da resposta do corpo ao estresse, © parassimpatico atua para conservar os recursos do corpo e restaurar 0 equilibrio do estado de repouso ¢ 0 entérico controla a fungao dos muscu- los lisos ¢ intestino (pp. 63-64). Os ganglios so agregagdes de corpos de células nervosas fora do SNC (em contraste com aquelas dentro do SNC, chamadas de nt- cleos). Todos os nervos sensoriais, tanto somaticos como viscerais, tem seus corpos celulares no ganglio espinhal. Além disso, 0 nervo visceral motor ou autondmico faz sinapse em um ganglio periférico (Krebs, et al., 2013, p. 47). O SNP pode ainda dividir-se em sistema nervoso somatico ou voluntario ¢ sistema nervoso auténomo ou visceral. O primeiro tem por fungao reagir a estimulos provenientes do ambiente externo. E constitui- do por fibras motoras que conduzem impulsos do SNC aos misculos esqueléticos (corpo celular de uma fibra motora do SNP voluntario loca- liza-se dentro do SNC, ¢ 0 axénio vai diretamente do encéfalo ou da me- dula até 0 érgio que inerva). O sistema nervoso auténomo visceral funciona independente- mente de nossa vontade, com a fungao de regular 0 ambiente interno do corpo, controlando a atividade dos sistemas da digestdo, cardiovascular, excretor ¢ endécrino. Contém fibras nervosas que conduzem impulsos do SNC aos misculos lisos das visceras e 4 musculatura do coragao. Contém dois tipos de neurénio, um pré-ganglionar ¢ outro pos-ganglionar. O cor- po celular do primeiro localiza-se dentro do SNC, e seu axdnio vai até um ganglio, onde o impulso é transmitido sinapticamente ao neurdnio pos- -ganglionar. O do segundo localiza-se no interior do ganglio nervoso, ¢ seu ax6nio conduz o estimulo nervoso até o érgio efetuador, que pode ser um misculo liso ou cardiaco. O SNA divide-se em sistema nervoso simpatico e sistema ner- voso parassimpitico. Esses sistemas tém fungdes antagénicas. Um corri- ge os excessos do outro. Geralmente, o SNP auténomo simpatico estimu- la acHiec ana mal — - 34 Rita Margarida Toler Russo eventos de estresse. J4 0 SNP auténomo parassimpatico estimula princi- palmente atividades relaxantes, como exemplos as reduces do ritmo cardiaco e da pressdo arterial. Normalmente, as fibras pés-ganglionares dos dois sistemas se- cretam diferentes horménios. O horménio secretado pelos neurénios pos~ -ganglionares do SN parassimpatico é a acetilcolina (neurénios colinérgi- cos), enquanto a noradrenalina (adrenérgicos) é 0 horménio secretado pelo SN simpatico. Nas jungdes neuromusculares, tanto nos ganglios do SNPA simpatico como nos do parasimpatico, ocorrem sinapses quimicas entre os neur6nios pré-gangliares e pos-gangliares. Nos dois casos temos a substncia neurotransmissora acetilcolina. 1.4.4 Neurofisiologia A neurofisiologia é 0 estudo dos movimentos de ions através de uma membrana. Esses movimentos podem iniciar a transdugfio de sinal ¢ a geragao de potencial de ago. O estudo da neurofisiologia também in- clui a agao dos neurotransmissores (Krebs et al., 2013, p. 8). Um neurénio é rodeado por uma membrana bicamada fosfolipi- dica, que mantém concentragées diferenciais de fons entre 0 espago intra e extracelular. O movimento de fons através dessa membrana gera um gradiente elétrico pata cada ion. A soma de todos esses gradientes é 0 potencial de membrana, também chamado potencial elétrico. O potencial de membrana diz respeito a diferenga de potencial elétrico entre as partes externa e interna de um neurénio. O potencial de Tepouso corresponde a esse valor em um neurénio que nao est transmi- tindo nenhum impulso nervoso. O que gera o potencial de repouso é a diferenga de concentragao de ions sédio (Nat) e potassio (K+) dentro e fora da célula. Em fungdo dessa diferenca dizemos que a membrana esta polarizada. O que mantém esta diferenga ¢ 0 mecanismo de bombeamen- to de ions (transporte ativo), forcando o sédio a sair eo potdssio a entrar, com gasto de energia. Gragas ao bombeamento, os fons K+ ficam mais concentrados do lado interno ¢ os fons Na+, do lado externo da célula. Como a membrana é mais permeavel ao potassio do que ao s6- dio, a quantidade de ions K+ que sai por permeabilidade é maior do que a de fons Na+ que entram pelo bombeamento. Como resultado, a célula perde cargas positivas e as negativas ficam em excesso, deixando o inte- rior da membrana negativo em relagdo ao lado externo (ha 30 vezes mais potissio dentro da célula do que fora desta). Neuropsicopedagogia Clinica 35 O valor do potencial de repouso é de —70mV. O potencial de repouso deixa o neurénio preparado para receber um estimulo e, conse- quentemente, transmitir 0 impulso nervoso. A bomba de sédio potdssio mantém a membrana polarizada (no potencial de repouso) O meio de comunicagio entre os neurénios é 0 potencial de aco, fendmeno de natureza eletro (propaga um sinal dentro de um neu- rénio) — quimica (transmite 0 sinal de um neurénio a outro ou a uma célu- la muscular), que acontece devido a modificacées na permeabilidade da membrana do neurénio. Tais modificagdes permitem a passagem de ions de um lado para o outro da membrana, e, como os ions sio particulas carregadas eletricamente, também acontecem modificagdes no campo elétrico gerado por essas cargas. Os neur6nios se comunicam uns com os outros por sinapses, ¢ a transmissdo sindptica pode ocorrer tanto por sinapses elétricas quanto quimicas. Nas sinapses elétricas, dois neurénios podem estar acoplados eletricamente um ao outro por meio de jungdes comunicantes. Uma jun- ¢4o comunicante é um complexo de poro e proteina (conexina) que per- mite que os ions e outras moléculas pequenas se movam entre as células (Krebs et al., 2013, p. 13). Na sinapse elétrica a neurotransmissao é estabelecida por meio da passagem direta de ions através das juncées abertas. A transmissio da informagao € rapida e com quase nenhuma versatilidade quanto ao con- trole da neurotransmissao. Uma sinapse quimica é composta por um terminal pré-sinap- tico, uma fenda sinaptica e um terminal pés-sindptico. As cargas ¢ os ions n§o se movem diretamente entre as células. A comunicagao se da por neurotransmissores (Krebs, et al., 2013, p. 13). 1.1.4.1 Neuromoduladores e neurotransmissores Os impulsos nervosos sao transmitidos nas sinapses a partir da liberacdo de substéncias quimicas chamadas de neurotransmissores. Os neuromoduladores so substancias que produzem efeitos mais prolonga- dos sobre a excitabilidade da membrana neuronal e tém a capacidade de modificar a fungao dos neurotransmissores. Os neurotransmissores sao sintetizados pelos préprios neuré- nios e armazenados dentro das vesiculas. Essas vesiculas concentram-se no terminal axénico, e, com a chegada dos impulsos nervosos nesses terminais, os neurotransmissores sao liberados através de exocitose. 36 Rita Margarida Toler Russo A membrana do terminal que libera os neurotransmissores cha- ma-se membrana pré-sindptica e a imediatamente vizinha, pés-sinaptica. Entre elas ha a fenda sinaptica. A interago dos neurotransmissores com a membrana pds-sinaptica realiza-se através de receptores proteicos, alta- mente especificos. Além dos neurotransmissores, os neurénios sintetizam mediadores conhecidos como neuromoduladores, que controlam e regu- lam a transmissao sinaptica. ‘Trés categorias abrigam a maior parte dos neurotransmissores: aminoacidos, aminas e peptideos. Aminoacidos e aminas sio moléculas orginicas minusculas — que apresentam, no minimo, um atomo de nitro- génio — que sao armazenadas e secretadas nas vesiculas sinapticas. Certos aminoacidos que funcionam como neurotransmissores estdo presentes em todas as células do nosso organismo. Sao exemplos deles: glicina e glutamato. A glicina € 0 principal neutrotransmissor do tronco cerebral e da medula espinhal. Apresenta também propriedades excitatérias, uma vez que, ligando-se ao receptor NMDA, aumenta a sua sensibilidade para o GLT. A glicina é considerada 0 aminodcido mais simples, pois s6 tém um Atomo de hidrogénio em sua cadeia lateral e é 0 tnico aminoacido que nao é opticamente ativo. Possui propriedades similares as do acido glu- tamico e do GABA ~ acido gama (g) — aminobutirico — no que se refere a inibi¢ao de sinais neurotransmissores do SN. Um déficit de glicina pro- voca um aumento de rigidez muscular e morte por paralisia dos misculos respirat6rios. O GABA também é um neurotransmissor inibitério importante do SNC. Est presente em quase todas as regides do cérebro, embora sua concentragio varie de acordo com a regido. O GABA 6¢ sintetizado do glutamato no cérebro. Nao entra no sistema de proteinas ¢ sé esta presen- te nos neurénios gabaégicos. O GABA induz a inibigéio do SNC, causan- do a sedacdo. Isto ocorre porque as células neuronais possuem receptores especificos para o GABA. Quando este se liga aos receptores, abre-se um canal por onde entra jon cloreto na célula neuronal, fazendo com que a célula fique hiperpolarizada, dificultando a despolarizagao, tendo como consequéncia a diminuic&o da condugio neuronal, provocando a inibicSo do SNC. A inibigao da sintese do GABA ou o bloqueio de seus neuro- transmissores no SNC resultam em estimulacao intensa, manifestada por meio de convulsdes generalizadas. O GABA também esta envolvido com 0s processos de ansiedade. Temos dois subtipos: os GABAA ionotépicos, que abrem canais de Cl- e hiperpolarizam a membrana, e os GABAB me- tabolpicos, que estao acoplados a proteina G e aumentam a condutancia para os ions K+, hiperbolarizando a membrana. Neuropsicopedagogia Clinica a O glutamato é o principal neurotransmissor excitatério SNC. E sintetizado a partir de glutamina, por aciio da enzima glutaminase, e tam- bém pode ser sintetizado a partir do a-cetoglutarato, um intermediario do ciclo de Krebs, por agao da enzima GABA transaminase, que o converte em glutamato. O glutamato é amplamente distribuido no cérebro e demais regides do SNC, sendo armazenado em vesiculas nas sinapses. Ele pode se ligar a receptores ionotrdpicos de glutamato, que incluem os receptores NMDA (N-metil-D-aspartato), receptores de AMPA (a-amino-3-hidroxi- 5-metil-4-isoxazol propiénico) e receptores de cainato, Os receptores cainato e AMPA permeiam a despolarizacao rapida na maioria das sinap- ses no cérebro e na medula espinhal, geralmente associados a canais de influxo de ions sédio. Os receptores NMDA relacionam-se a entrada de ions calcio na célula, sendo controlados pelo glutamato e também por voltagem. Também sio encontrados receptores metabotropicos de gluta- mato (MGluRs), que iniciam a sinalizagAo intracelular capaz de modular os canais iénicos pés-sinapticos indiretamente, aumentando a excitabili- dade dos neur6nios pés-sinépticos. Acetilcolina (Ach) é um neurotransmissor que atua como media- dor de varias sinapses nervosas centrais e periféricas. Os neurénios coli: nérgicos possuem a acetilcolina transferase, que transfere um grupo acetil do acetil-CoA a colina. O neurénio também sintetiza a enzima acetilcoli- nesterase (AchE) que é secretada para a fenda sinaptica e degrada o neu- rotransmissor em colina e dcido acético. A colina é recaptada e reutiliza- da para a sintese de novos neurotransmissores. No momento em que um potencial de agao atinge o botio ter- minal de um neur6nio pré-sindptico, um canal de calcio controlado pela voltagem é aberto. A entrada de ions calcio, Ca”*, estimula a exocitose de vesiculas pré-sinapticas que possui ACh, que por sua vez é consequente- mente liberada na fenda sinaptica. Uma vez liberada, a ACh deve ser removida rapidamente para permitir a ocorréncia de repolarizagio. A acetilcolina esta envolvida na transmissio de impulsos de cé- lulas nervosas, de musculos cardiacos a algumas glandulas e de células motoras para os musculos do esqueleto. Ajuda no controle do ténus mus- cular, no aprendizado e nas emogées, além de controlar a liberagao do horménio da pituitaria, que estd envolvida no aprendizado e na regulagao da producio de urina. As animas sao todas sintetizadas no terminal, sendo que a acetil- colina ¢ sintetizada a partir da colina, a serotonina, a partir do triptofano, € as catecolaminas (dopamina, adrenalina e noradrenalina), a partir da tirosina. B Rita Margarida Toler Russo As animas sao compostos organicos nitrogenados, ¢ a palavra biogénico quer dizer produzido pela acdo de organismos vivos ou essen- ciais a vida e a sua manutengao. Entre os neurotransmissores do SNC ha algumas monoaminas importantes como as aminas biogénicas. Um grupo delas é constituido por uma parte alifatica, a amina, e uma parte aromati- ca, 0 catecol. Outro grupo de monoaminas contém o radical, o indol. Em fungao da presenga desses dois tipos de radicais nas monoaminas neuro- transmissoras, temos as catecolat e indolaminas. Compreendem as catecolaminas: dopamina, noradrenalina (norepinefrina) e a adrenalina (epineftina), © as indolaminas neurotransmissoras: a serotonina (5- hidroxitriptamina) e a histamina. O aminoacido tirosina ¢ 0 precursor de trés neurotransmissores que compreendem o grupo catecol: noradrenalina, adrenalina e dopamina, conhecidas como catecolaminas. Sofrem recaptagio na membrana pré- -sinaptica e so enzimaticamente degradadas pelo MAO — monoaminoo- xidades — no terminal pré-sinptico. A dopamina, neurotransmissor inibitério derivado da tirosina, classifica-se no grupo das aminas. Esta relacionado as sensag6es de satis- fac3o e prazer. Podemos dividir os neurénios dopaminérgicos em trés subgrupos. O primeiro regula os movimentos, e uma deficiéncia de do- pamina neste sistema provoca a doenca de Parkinson. O segundo, o me- solimbico, funciona na regulagao do comportamento emocional. O tercei- TO, © mesocortical, esta relacionado ao cértex pré-frontal, area esta envol- vida em varias fungdes cognitivas e emocionais. A dopamina atua em receptores acoplados a vitamina G: sua ago pode ser tanto excitatoria quanto inibitoria (Krebs, et al., 2013, p. 18). A noradrenalina (norepinefrina), neurotransmissor encontrado no SNC, tronco cerebral e hipotalamo, possui acéo depressora sobre a atividade neuronal do cortex cerebral. A noradrenalina do SNC origina-se da metabolizagdo da dopamina pela agdo da enzima dopamina beta- -hidroxilase, que metaboliza, também, 0 5-hidroxiptofano em 5-hidroxi- triptamina ou, entao, origina-se da recaptura do neurotransmissor da fen- da sinaptica. A adrenalina (epinefrina) é um neurotransmissor do SNC. A adrenalina tem efeito sobre o sistema nervoso simpatico (SNS): coragio, pulmées, vasos sanguineos, drgaos genitais etc. Este neurotransmissor é liberado em resposta ao estresse fisico e mental. Liga-se a um grupo es- pecial de proteinas — os receptores adrenérgicos. A enzima que converte a noradrenalina em adrenalina é a N-metiltransferase. A noradrenalina, a dopamina e a serotonina sao capazes de des- polarizar e repolarizar a membrana pés-sinaptica. Neuropsicopedagogia Clinica x A serotonina pode ter tanto efeitos excitatérios quanto inibité- tios. Encontra-se no SNC, notadamente no tronco cerebral, amigdala, mesencéfalo, nticleos talamicos ¢ no hipotalamo. Esta envolvida em uma infinidade de vias que regulam o humor, a emogio e varias vias homeos- taticas. A maioria dos receptores de serotonina é do tipo metabotrépica. Existe apenas um receptor ionotrépico, que € um canal de cations nao seletivo, sendo, portanto, excitatdrio. A fungao do sistema de serotonina tem sido associada a depres- sio, 4 ansiedade, a0 comportamento agressivo, 4 disfuncio sexual etc. Através de sua influéncia no hipotdlamo, a serotonina governa também a alimentagao, 0 sono e muitas fungdes vegetativas. Os distirbios na sinte- se de serotonina e noradrenalina causam quadros de depressao profunda. Histamina se liga a um receptor metabotrépico excitatério. No SNC esta envolvida na vigilia (Krebs, et al., 2013, p. 18). A histamina pertence a classe das aminas biogénicas e é sinteti- zada a partir do aminoacido histidina, sob agio L-histidina decarboxilase (HDC), a qual contém piridoxal fosfato (vitamina B6). A histamina é um potente mediador de numerosas reagdes fisiolégicas. E encontrada em quantidades relativamente grandes em varios 6rgdos. E um potente vaso- dilatador, ¢ sua presenga é verificada no pulmo, na pele e no aparelho gastrintestinal (uma de suas principais fungdes é regular a secre¢fio do suco gastrico) O ATP é também liberado pelos neurénios pré-sinapticos como um neurotransmissor. Por ser muitas vezes liberado junto com outros neurotransmissores, é chamado de cotransmissor. Na fenda sinaptica, 0 ATP pode ser quebrado em adenosina, uma purina que se liga e ativa os mesmos receptores que o ATP. Esses receptores purinérgicos podem ser tanto ionotrépicos (P2x) como metabotrépicos (P2Y). Os ionotrépicos sio acoplados a canais catiénicos nfo especificos e so excitatérios, e os metabotrépicos agem em vias de sinalizagao acopladas a proteina G. O ATP eas purinas sio neuromoduladores. Uma vez que sio li- berados junto com outros neurotransmissores, 0 grau de ativacao do P2X ou P2Y modulara a resposta ao outro neurotransmissor secretado, aumen- tando sua agdo ou inibindo-o (Krebs, et al., 2013, p. 18). Os neurotransmissores peptideos sao produzidos no reticulo en- doplasmatico rugoso do corpo celular das células nervosas. S40 compos- tos por grandes moléculas guardadas e liberadas em granulos secretores. Apos serem sintetizados, sao clivados no complexo de Golgi, transfor- mando-se em neurotransmissores ativos, que sao secretados em granulos secretores e transportados ao terminal axonal para serem liberados na 40 Rita Margarida Toler Russo fenda sinaptica. Atuam como modulador no SNC e em outras reas do organismo, exercendo agdes especificas. Os neuropeptideos so respon- saveis pela mediacao de respostas sensoriais e emocionais. Neuropeptideos sio um grupo de peptideos envolvidos na neu- rotransmissao. Incluem as moléculas envolvidas na percep¢do e modula- Go da dor, como a substancia P, as metencefalinas e os opioides. Outros neuropeptideos esto envolvidos na resposta neural ao estresse, como o horménio liberador da corticotrofina e os horménios adrenocorticotrofi- cos (Krebs, et al., 2013, p. 18). 1415 Modelo de Luria Os estudos de Luria (1984) apontam que os processos mentais humanos sao sistemas funcionais complexos, que ocorrem por meio da participacdo de grupos de estruturas cerebrais operando em concerto, cada uma das quais concorrendo com a sua prépria contribuigdo particu- lar para a organizagdo desse sistema funcional. As les6es cerebrais podem ocasionar a desorganizagio de todo o sistema funcional, porém, 0 trabalho integrado de todas as Areas possi- bilita rearranjos neurofuncionais, assegurando o restabelecimento ou a reorganizacao das fungdes comprometidas, 0 que chamamos de plastici- dade neuronal. Segundo Damasceno (1990), “o modelo luriano de funciona- mento neuropsicolégico pressupde um sistema dindmico, plastico, produ- to de evolug’o sécio-histérica e da experiéncia social do individuo, inter- nalizada, sedimentada no cérebro” (p. 149). Para Luria, 0 cérebro é organizado em cinco regides: subcorti- cais, frontais, parietais, occipitais e temporais, organizadas em trés unida- des funcionais e cada uma dessas unidades exibe ela propria uma estrutu- ra hierarquizada, consistindo em pelo menos trés zonas corticais. Em relagao as zonas corticais, destacamos: as dreas primarias (de projegao), que recebem impulsos da periferia ou os enviam para ela; as secundarias (de projegéio-associagaio), onde informagdes que chegam sao processadas ou programas siio preparados; e, finalmente, as tercidrias (Zonas de superposi¢ao), os ultimos sistemas dos hemisférios cerebrais a se desenvolverem —, responsaveis, no homem, pelas formas mais com- plexas de atividade mental que requerem a participagio em concerto de muitas areas corticais. A primeira unidade funcional é composta por estruturas que se localizam no subcértex e no tronco cerebral e tem como funcao regular 0 Neuropsicopedagogia Clinica 4 t6nus cortical, a vigilia e a selecdo dos estimulos. Esta unidade est rela- cionada 4 manutengao do ténus do cortex, estado indispensavel para o correto processamento do recebimento e elaboragio da informacio, bem como dos processos de formacao de programas e controle de execugio. O funcionamento integro desta unidade é prerrequisito para o trabalho cere- bral ou mental, aumentando ou diminuindo o nivel do ténus, dependendo da atividade exercida pelo sujeito. Também esto sujeitas 4 sua propria influéncia integradora. Segundo Sanvito (1991), é fundamental para a primeira unidade funcional, a que chama de primeiro bloco, a intervencdo do sistema reti- cular ativador ascendente, localizado nas porgdes superiores do tronco encefalico, que assegura o tonus geral do cérebro ou estado de vigilia e aten¢ao do cortex. E 0 sistema reticular que mantém 0 individuo em vigilia e até em estado de alerta, tanto para o recebimento de informagdes como para a formagao de programas. A essa vertente se incorpora o sistema limbico, cujo papel € importante na regulagao dos processos vegetativos, na vida afetiva ¢ na conservagao dos vestigios de memoria. Para Luria, o funcionamento desta unidade nao estd relacionado especialmente aos outros Orgaos dos sentidos e tem um carater modal nao especifico, assegurando 0 ténus geral do cértex. Segundo Luria, as estruturas da segunda unidade “sio respon- saveis pelo funcionamento coordenado dos varios analisadores e pela produgao de esquemas supramodais (simbélicos), a base de formas com- plexas de atividade gndstica” (Luria, 1984, p. 60). Esta segunda unidade é composta por areas situadas nas regides posteriores do c6rtex cerebral: areas parietal, temporal e occipital e estrei- ta relac&o com os 6rgiios dos sentidos e sua atuagdo tem carater modal- -especifico. A fungao desta unidade consiste na recep¢do, sintese e regis- tro das informagées advindas do ambiente extemo. Essas percepgdes envolvem informagées das varias modalidades sensoriais, possibilitando a construcéo de concepgées sobre cenas, situagdes que se desenvolvem no tempo e no espago. Todas essas informa¢ées so armazenas na mem6- ria ¢ podem ser utilizadas pelo sujeito em situagdes posteriores. A organizagao dessa segunda unidade ocorre em trés areas: 1) primarias (de projegao), que tém como fungdo distinguir os estimulos visuais, auditivos e tateis; 2) secundarias (de projegdo-associagao), que tém funcao de sintese da informagao sensorial recebida da drea primaria; e 3) tercidrias (zonas de superposigao), localizadas na fronteira entre os cértices occipital, temporal e pds-central, que representam o nivel mais 2 Rita Margarida Toler Russo complexo desta unidade funcional, responsvel pela sintese intermodal, 0 que possibilita que informacdes qualitativamente diferentes sejam simul- taneamente integradas. O comprometimento das reas tercidrias implica dificuldade pa- ra realizar a codificagao complexa de uma informagio recebida, particu- larmente quanto a unificar em esquemas espaciais simulténeos as estimu- laces sucessivas que chegam ao cérebro. Os sujeitos com les&o nessas areas apresentam dificuldades de orientacao no espago, de estruturago de figuras geométricas, de localiza- ao de paises no mapa geografico, de esquematizagio corporal, de confu- sio dos lados esquerdo e direito e de realizacdo de operagdes matematicas A terceira unidade funcional & responsavel pela programacao, pela regulagao e pelo controle do desempenho do individuo. O funciona- mento desta unidade depende das areas anteriores do cérebro, particular- mente dos lobos frontais. Esta unidade também esta dividida em trés areas: primarias, se- cundarias e tercidrias. Aqui os processos iniciam-se nas dreas tercidrias, que planejam as informagdes necessarias para a execucio da agio e veri- ficam sua eficacia. Trata-se do mecanismo regulador:mais complexo do cérebro, essencial para a atividade reflexiva, pois possui um rico sistema de conexées diretas com a primeira unidade e demais regides corticais. A area secundaria prepara programas de acdo, tendo como base as informa- goes recebidas da area terciaria. A area primaria (projetiva) recebe infor- magoes das areas secundarias ¢ as envia para 0 mecanismo neuromuscu- lar, para a realizagao do movimento. Em relagdo a terceira unidade funcional, Luria destaca que: © homem nao somente reage passivamente a informagées que chegam a ele, como também cria intengdes, forma planos e programas para as suas ages, inspeciona a sua realizagéio ¢ regula o seu comportamento de modo a que ele se conforme a esses planos e programas; finalmen- te, o homem verifica a sua atividade consciente, comparando os efei- tos de suas agdes com as intengdes originais ¢ corrigindo quaisquer er- Tos que ele tenha cometido, (Luria, 1984, p. 60) Embora cada unidade tenha sua fungio especifica, a cognigaio depende da colaborago entre as trés unidades. Para Oliveira e Rego (2010), as trés unidades funcionais operam em conjunto ao longo de toda a vida individual, e as relagdes entre elas se transformam no processo de desenvolvimento, sempre em interago com 0 contexto historico-cultural em que o sujeito se encontra. Neuropsicopedagogia Clinica 43 Em relag&o a aprendizagem, Luria (1984) abordou em sua obra Os processos mentais de atengdo, percepcio e memoria, relacionando-os ao processo de aprendizagem e a compreensio das suas dificuldades no contexto universal. Estes processos mentais sio tidos como as bases neu- ropsicoldgicas da aprendizagem, pois permitem a realizagdo de fungdes como selegao de elementos para atividade mental, manutengdo do orga- nismo sob estado de alerta e vigilancia, distingZo de aspectos essenciais de objetos, comparacao de objetos, formulagdo e comparagiio de hipote- ses ¢ a fixagdo da informagao, levando em consideragao a quantidade e a duracao de seu armazenamento. Enfatizou que esses processos mentais envolvem o funciona- mento coordenado em série e em paralelo, de diversas zonas cerebrais, tendo a linguagem como aspecto mediador. Para Luria, a atengdo é responsavel pela escolha dos elementos essenciais para a atividade mental e mantém uma severa vigilancia sobre 0 curso organizado dessa atividade. A ateng&o possui um grau de direcao e seletividade. Outra base neuropsicolégica da aprendizagem abordada nos es- tudos lurianos é a percepgao. Ele a define como um processo mental complexo e ativo que envolve a procura das informagdes corresponden- tes, a distin¢o dos aspectos essenciais de um objeto, a comparagio des- Ses aspectos uns aos outros, a formulagdo de hipéteses apropriadas e a compara¢io com os dados originais. A funcdo neuropsicolégica da memoria consiste em uma série de estégios sucessivos que diferem em sua estrutura psicologica, no vo- lume de tragos passiveis de fixagdo ¢ na durago de seu armazenamento, € que se estendem por certo periodo. Para Luria, a memorizagao inicia-se com a estampagem de pis- tas sensoriais, como os sons da fala. A recordagio constitui o elo princi- pal na transigdo da memoria de curta duragao ou trabalho para a de longa duragdo. O esquecimento é um regulador de agGes irrelevantes e interfe- rentes, inibindo a lembranga normal de tracos previamente estampados. A aprendizagem é considerada uma fun¢do neural complexa, na medida em que envolve o funcionamento de diversos processos mentais que correspondem 4 ativacao e inibic&o de diversas areas cerebrais con- comitantemente. 44 Rita Margarida Toler Russo 1.1.6 Desenvolvimento e Plasticidade do Sistema Nervoso Central Os estudos de neurociéncias mostram que 0 cérebro humano é capaz de gerar novas células e que existe um sincronismo entre 0 cérebro em desenvolvimento e 0 que modela seu crescimento e maturagao. O sistema nervoso humano inicia seu desenvolvimento nas pri- meiras semanas de vida embrionaria até a vida adulta. Segundo Cosenza e Guerra (2011): © sistema nervoso é extremamente plastico nos primeiros anos de vi- da. A capacidade de formagio de novas sinapses ¢ muito grande, 0 que é explicavel pelo longo periodo de maturagio do eérebro, que se estende até os anos da adolescéncia. (p. 35) Plasticidade cerebral, ou neuroplasticidade, é a habilidade vita- licia de 0 oérebro reorganizar suas vias neurais com base em novas expe- riéncias (Cruz & Fernandes, 2007). Essa capacidade estd presente ao longo de toda a vida do sujeito, mas para certas habilidades ela é mais suscetivel no inicio do desenvolvimento. Durante muito tempo acreditou-se que a capacidade de aprendi- zagem era pequena nos adultos e quase nula na velhice. O conhecimento atual do cérebro e de seu funcionamento permite afirmar que a plasticida- de nervosa, ainda que diminuida, permanece pela vida inteira; logo, a capacidade de aprendizagem é mantida. Joenk (2002) destaca a aco da plasticidade cerebral: diante das imensas possibilidades de realizagao do ser humano, essa plasticidade ¢ essencial: 0 cérebro pode servir a novas fungdes criadas pela cultura na histéria do ser humano, sem que sejam necessérias transformagdes na estrutura do érgao fisico. O funcionamento cerebral & moldado tanto ao longo da historia da espécie como no desenvolvi- mento individual, isto ¢, a estrutura e o funcionamento do cérebro naio sdo inatos, fixos e imutaveis, mas passam por mudangas no decorrer do desenvolvimento do individuo devido 4 interagaio do ser humano com 0 meio fisico e social. (p. 03) Para Cosenza e Guerra (2011), a grande plasticidade no fazer e no desfazer as associagGes existentes entre as células nervosas é a base da aprendizagem e permanece, felizmente, ao longo da vida. Ela apenas diminui com o passar dos anos, exigindo mais tempo para ocorrer e de- mandando um esforgo maior para que o aprendizado ocorta de fato. Neuropsicopedagogia Clinica 45 Desta forma, podemos dizer que a plasticidade ou neuroplasti- cidade é uma habilidade vitalicia de o cérebro reorganizar suas vias neu- rais com base em novas experiéncias. Costumamos classificar 0 processo plastico em trés estagios 1) Desenvolvimento, 2) Aprendizagem/Memoria; 3) P6s-processo lesional. Durante o desenvolvimento, a plasticidade é mareada na capa- cidade intrinseca do neur6énio em direcionar suas vias de conex4io aos sitios “corretos” (Oliveira et al., 2001). E fato que a maturagao do sistema nervoso central inicia-se no periodo embrionario e que seu término ocorrera somente alguns anos apés 0 nascimento. Durante esse processo, 0 sistema nervoso central so- fre influéncias ndo sé genéticas, mas também do ambiente, sendo que o deste ultimo tem grande relevancia. O segundo estagio, aprendizagem/meméria, pode ocorrer em qualquer fase do desenvolvimento, na medida em que aprendemos algo novo e alteramos algum comportamento frente a essa informagao. Para Kandel e colaboradores (2000), a aprendizagem é o pro- cesso pelo qual se adquire conhecimento, enquanto a memoria é a reten- gao desse conhecimento. Ha dois tipos diferentes de aprendizagem/meméria: (1) explicita ¢ (2) implicita. A primeira envolve os processos empregados para lembrar informagées especificas. A informacSo recuperada, conhecida como me- moria declarativa, refere-se 4 informagao cognitiva que pode ser trazida a mente, ou seja, 0 conhecimento que pode ser declarado. Usamos a memé- ria explicita quanto tentamos lembrar 0 que comemos no jantar na noite anterior. Pode envolver palavras ou conceitos, imagens visuais ou ambos. A memoria explicita é dependente de processos cognitivos co- mo avaliagao, comparacio e interferéncia. Por ato voluntario de recorda- go é que se dard a sua recuperagdo. Ja a sua expressio normalmente ocorrera por meio de frases declarativas. Atribui-se 4 regido do lobo tem- poral, principalmente 0 hipocampo, a aquisigao e retengao desse tipo de aprendizagem/memoria. A memoria implicita refere-se a intensificagdo da memoria sem esfor¢o ou consciéncia. Automatica e reflexiva, necessita de repetigdes para que seja adquirida e retida, sendo detectada por meio da melhora no desempenho em atividades especificas como atividades motoras, regras e procedimentos. Nao ha relato verbal e esté presente em todas as expe- 46 Rita Margarida Toler Russo riéncias cotidianas, como, por exemplo, escovar os dentes, A meméria de procedimento é um exemplo da memoria implicita, que envolve habilida- des motoras, habitos e outros comportamentos que vocé usa para atingir objetivos, como seguir as regras de transito ao dirigir. O aprimoramento de repetigao (“priming”) também é um exemplo de meméria implicita. Analisando a memoria quanto ao tempo de armazenamento das informagées, podemos classifica-la em memoria de trabalho, meméria de curto prazo e memoria de longo prazo. A meméria de trabalho ou operacional atua no momento em que a informagao esta sendo adquirida, retendo essa informag&o por alguns segundos e destinando-a ao armazenamento por periodos mais longos ou ao descarte. Os trés componentes da memoria de trabalho so a executiva central, a alga fonoldgica e 0 bloco de notas visuoespacial. A executiva central codifica informagdes dos sistemas senso- tiais, filtra as informagées para serem armazenadas na memoria de longo prazo e recupera, quando necessério, as informagdes de longo prazo. A executiva central depende de dois subcomponentes que retém temporaria- mente informagées auditivas ou visuais. A alga fonoldgica codifica in- formagoes auditivas. Esta ativa sempre que lemos, falamos ou repetimos palavras para nés mesmos a fim de nao esquecé-las. O bloco de notas visuoespacial € usado para processar informacGes visuais, como as carac- teristicas de um objeto e onde estao localizados. A mem6ria de curio prazo ou memoria imediata tem capacidade limitada, que engloba a andlise da informagio sensorial e a sua reprodu- ao imediata, num tempo de permanéncia breve. A memoria de longo prazo refere-se ao armazenamento relati- vamente permanente de informacées, permitindo sua recuperagao ou evocagao. Podemos dizer que sua capacidade é ilimitada. Em relaco ao estagio trés, pés-processo lesional, destacamos que o sistema nervoso central, quando é lesado por traumas, disfungdes circulatérias ou interveng6es cirtrgicas, esta sujeito a perdas neuronais e distirbios funcionais. Com a lesao, as bombas de cations falham e ocorre a despolarizagao celular, gerando aumento da concentragao de neuro- transmissores - principalmente do glutamato - na fenda sinaptica. Segun- do Da Silva (1995), este acimulo induz ao influxo de ions calcio para o interior da célula, levando a uma grande liberagao de neurotransmissores e criando uma cascata excitatoria toxica. Sao destacados dois tipos de alteragdes funcionais apés lesao. O primeiro & causado pela morte dos neurdnios ¢ o segundo por uma inibi- Go dos neurénios preservados, também denominada diasquise. Esta pode Neuropsicopedagogia Clinica 47 explicar os comprometimentos funcionais transitérios apés leséo. Na visio de Cerutti et al. (1997), as alteragdes de fungao ocorrem nao apenas nas reas diretamente afetadas, mas também em outros sitios neurais dire- ta ou indiretamente conectados a elas, resultando em prejuizos compor- tamentais e cognitivos. A recuperagao das lesées do sistema nervoso envolve diversos estagios, iniciando-se, na maioria das vezes, imediatamente apés a lesdo. Os mecanismos de reparagao e reorganizagao do sistema nervo- So surgem apds a lesdo e podem durar meses e anos (Nelles et al., 1999). A capacidade que o Sistema Nervoso Central (SNC) tem de modificar algumas de suas propriedades morfolégicas e funcionais em resposta a alieragdes do ambiente pode ser determinada como Plasticida- de do Sistema Nervoso Central. Na presenga de les6es, 0 SNC utiliza-se dessa capacidade na tentativa de recuperar fungées perdidas e/ou, princi- palmente, fortalecer fungées similares relacionadas as originais (Oliveira et al., 2001). O potencial de reabilitagiio dependera do adequado restabeleci- mento dos diversos estimulos sensoriais, como visuais, auditivos, proprio- ceptivos e exteroceptivos, os quais so captados e conduzidos ao SNC para serem identificados, analisados, programados e, assim, fixarem cir- cuitos neurais que permitam a adequada emiss%o do comportamento. F de extrema relevancia que os estudiosos da plasticidade aprofundem seus estudos nos mecanismos de reparagio e reorganizagio do SNC como: a recuperagio da eficdcia sindptica (Villar, 1997), a ati- vacéo de sinapses latentes (Brasil Neto, 1992), a supersensitividade de desnervacio (Trendelenburg, 1996), a potencializagio sinaptica e o brotamento regenerative (Annunciato,1994), 0 brotamento colateral (Cotman et al., 1994; Stichel et al.,1998; Menei et al., 1998; Schnell, 1994) e os fatores epigenéticos que influenciam o SNC. Dentre outros fatores epigenéticos considera-se as caracteristicas da lesio (extensao, local); idade do sujeito; estado emocional (motivagdo x depressio); condigées fisicas e nivel cognitivo. Ao analisarmos plasticidade e aprendizagem deparamo-nos com estudos que apontam que, durante 0 processo de aprendizagem, existem modificagées nas estruturas e funcionamento das células neurais ¢ de suas conex6es. O aprendizado promove modificagdes plasticas, como cresci- mento de novas terminagées e botdes sinapticos, crescimento de espiculas dendriticas, aumento das reas sindpticas funcionais (Kleim, et al., 1997), estreitamento da fenda sinaptica, mudangas de conformagao de proteinas receptoras e incremento de neurotransmissores (Amstein, 1997). 48 Rita Margarida Toler Russo 4.1.7 Cognigao e Cortex Cerebral O cérebro é moldavel pelos estimulos advindos do proprio orga- nismo, da programagao genética e do ambiente extemo, além de coordenar suas fungdes internas. A porgao externa do cérebro é constituida por uma camada de substancia cinzenta conhecida como cértex cerebral. Este rece- be conexées relacionadas com as diferentes modalidades sensoriais. Kandel, Schwartz e Jessel (2000) postulam que a localizagao das fungGes cognitivas nao significa que uma fungao especifica seja me- diada exclusivamente por uma regido do cérebro, mas sim que certas areas estéo mais envolvidas com um tipo de fungéo do que com outras e que a maioria das fungdes requer a ago integrada de neuronios em dife- rentes regides. Para os autores, algumas das evidéncias mais convincentes entre a natureza e a localizagao das fungdes cognitivas vieram dos estudos das areas de associacao do cortex cerebral. Cada area de associagao parece ser especializada quanto a fun¢ao, apesar de todas as trés areas — pré-frontal, paricto-temporal-occipital e as areas de associagao limbicas — participarem de mais de uma fungao cognitiva, inclusive do movimento voluntario, per- cepgao sensor omportamento emocional e da linguagem. Evidéncias modemas mostram que as fungdes cognitivas nao estao restritas aos cortices de associagao, mas envolvem uma variedade de areas corticais. Algumas areas que se pensava que fossem cortex de associagao provaram ser centros de processamento de ordem superior para informagGes sensoriais ou motoras. Atualmente, as técnicas de neu- roimagem cerebral tém fornecido informagdes adicionais sobre a fungao desses cértices em pessoas normais. O cértex de associagao pré-frontal é uma de duas areas no lobo frontal que fica anterior 4 drea motora primaria. A outra é 0 cértex pré- -motor, area motora de ordem superior que inclui a area motora suple- mentar € a area pré-motora. As areas pré-frontal e pré-motora recebem entradas de varios cér- tices sensoriais de ordem superior. Regides sensoriais de ordem superior que estao intimamente conectadas com areas sensoriais primarias projetam- -se para 0 C6rtex pré-motor, que, por sua vez, projeta-se para o cortex mo- tor primario. Jé as que so conectadas menos diretamente com areas senso- riais primarias projetam-se para o cértex de associagao pré-frontal. Estes padrdes de conexGes permitem que as informagdes senso- riais influenciem a execugado dos movimentos (por meio de projegdes sucessivas para o cortex pré-motor e depois para o cortex motor). Ao Neuropsicopedagogia Clinica 49 mesmo tempo as informagées sensoriais podem influenciar o planejamen- to dos movimentos por meio de projegdes sucessivas para 0 cértex pré- -frontal, 0 cortex pré-motor e depois o cortex motor. O cortex pré-frontal relaciona-se funcionalmente ao arquiva- mento e & manipulagdo tempordrios de informagio, 4 manipulagio de estimulos perceptuais, assim como ao arquivamento e resgate de infor- macées arquivadas nos sistemas de longa duragdo, durante processos em que a solucao de problemas é essencial (Helene & Xavier, 2007). O cortex de associacao parietal-temporal-occipital é constituido por varias areas funcionais que estao intercaladas entre as areas somatica, visual e auditiva de ordem superior e destas recebem projegdes. Acredita- -se que este cortex de associagio fornega ligacdes que sfo importantes no processamento de informagées sensoriais para a percepgdo e a linguagem. O cértex de associagao limbico é formado por varias subareas principais localizadas em diferentes lobos: 0 cértex drbito-frontal, o giro cingulado e porgdes do lobo temporal, Recebe projecdes de areas sensoriais de ordem superior e manda projegées para outras regides corticais, inclu- sive 0 cortex pré-frontal. Esta via permite que as emogées afetem o plane- jamento motor. 1.1.7.1 Fungées cognitivas As fungGes cognitivas estao distribuidas no cortex cerebral, que é dividido em quatro regides: 0 lobo frontal, que esta envolvido com o planejamento e com o movimento voluntario; 0 lobo parietal, com as sensagdes da superficie corporal e percepgdo espacial; 0 lobo occipital, com a visio; e o lobo temporal, com a audigdo, a percepgaio visual e a mem6ria. Os processos mentais constituem os fundamentos da percepeao, da atengdo, da motivagao, da ado, do planejamento e do pensamento, além do préprio aprendizado e memoria (Squire & Kandel, 2003). Segundo Moss e Killiany (1994), as areas do cértex cerebral, implicadas no processamento da atengao, incluem o cortex pré-frontal, aspectos posteriores do cortex parietal direito e a area transicional, entre 0 lobo occipital e o temporal. A atencao, a aprendizagem e a meméria so trés aspectos da cogni¢éo definidas por Torres e Desfilis (1997) como processos mediante 08 quais somos capazes de codificar, armazenar e recuperar a informacao. A meméria é considerada como um dos processos centrais da cogni¢ao, na medida em que ela é a responsavel pela retencdo e recupera- gao da informagao.

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