You are on page 1of 168
eS SONS n: ene: NOS GOVERNOS DO PT Este livro, resultado de pes- quisa original desenvolvida ao longo dos Ultimos anos, examina 0 proceso politico brosileiro no periodo dos go- vernos liderados pelo PT e da crise politica do impeachment. autor sustenta que os con- flites partidérios, ideoldgicos ¢ institucionais estao vincula- dos aos conflitos distributivos de classe presentes na socie- dade brasileira. O livro mos- tra que a politica neodesen- volvimentista dos governos do PT priorizou os interesses da burguesia interna brasileira e se apoiou numa frente ampla e heterogénea que abarcou a baixa classe média, a classe operdria, © campesinato e os trabalhadores da massa mar- ginal. A oposigéo, encabega- da pelo PSDB e orientada por uma plataforma neoliberal extremada, € caracterizada coro representante do capi- tal financeiro e produtivo in- ternacional e da fragéo da burguesia brasileira integra- da a esse capital. A base de apoio desses segmentos bur- gueses foi, acima de tudo, a carada superior da classe média. Quando esse campo neoliberal iniciou uma ofensi- va politica restauradora, teve © seu sucesso facilitado pelas contradigbes e defeccoes da frente politica que apoiava governo. Os conflitos de clas- se intensificaram-se, origi- rondo embates insfitucionais € ideolégicos que polariza- ram, de modo inusual, a so- ciedode brasileira, abalando a democracie consagrada na Constituigéo de 1988 Armando Boito Jr. é profes- sor titular de Ciéncia Politica de Unicamp, editor da revista Critica Marxista ¢ autor de va~ rios livros e artigos publicados no Brasil e no exterior. A pes- quisa que originou este livro resutiou de um projeto temé- tico coordenado pelo autor e patrocinado pela Fundagéo de Amparo & Pesquisa do Es- tado de Séo Paulo (Fapesp). Para entender a crise politica que redun- dou no impeachment de Dilma Rousseff é Pee enthchican une eeceltac re Proce eerie treucuer Poe ren ine crer Coen ce lises disponiveis. As facetas mais visiveis da Cee ro rarceccr cnr te Easton tp ole inclol sl PA ec raotol CoB so Veter tO ae ent niece neoliberalismo, as grandes mobilizagoes de ier oe echt uae Nae eked sic Caen Creme ecto ram ou que ainda marcam c¢ cena politica Reco eee eee a nGo s6 aos valores e 4 organizacéo desses Mace ai cet mete eget RCICCoe incon eric bree et Cook elke Me CCLICCN cero een se l(c ert ee solu ATUL elt cele [oMe (cd Ciscoe ecu en Pema eletrate Ure liele mone leh relate Maree Cone ae mcm er cieeaia tic Cer aur een a ollie eB i olrssssalspra6t ‘wumedtoraunes.cam br Hi Bes 26th \winvectorasnicamo.com be & [Univensipape ESTADUAL DE CAMPINAS Resor Mancrio Kops. (Coordenadars Gerda Unive ‘Tunssa Dip Zannon ATvaRs Cen 1 Eaicsial Presidente MAncia Anan Bucirpss nk Mssqurta Nsv0 = Tara Lis Fano SCHTAVINATTO ‘Maina Rocita Macttabo ~ Mania ists Pernvcct Ror Osvatbo Novats DE Outvinea Ja. ~ RINATO HvUDA DE LUNA PEDROSA ‘RODRIGO LANNGA FRANCO DA HLVETRA ~ VERA NISAKA SOLFERINL editors ness Funpagto Eprrona pa UNESP Presidente do Conztho Curador Minto Sincro Vascoxcatos Dineror Presidente Jeo Hismeant Bonen Gurtenne ‘Supetinendente Administrative ¢ Rnancleo ‘Winirai pr Souza AcosrvKo Conse Editorial Acadévico Dantto Rornaxs ~ Joxo Luis Cannoso Taras Cxccanrins ‘Lor FERNANDO AYERBE ~ MARCELO TARESHT YAMASHTA Masta Cristina Penarna Lina ~ Miro Traustrsy Socant Newrow La Seaza JUmion ~ Prono Anosto Pacrt ixatA JUNQUEERA DESOUZA ~ ROSA MARIA FRITRIRO CAVALARI Bairores Adjntes AxpensonNOsARa Lanono Ronmowrs ARMANDO Bolro Jr. Reforma e crise politica no Brasil Os conflitos de classe nos governos do PT Grafs stualzad segundo o Acordo Ortogfco da Lingua Portuguesa de 196. Bi igor no Braap de 209, CHA CATALOGRAPICA FLABORADA P5LO. DIRETORIA DE-TRATAMENTO DA INFORAIAGAO ‘Biblioteca: Mara Lica Nery Datra de Castro = CRD-€*/ 1724 G7 Boot, Attando, Reform ecrse politica no Eras os conltos de case nos governs do Pr Armando Bit je ~ Campinas, SP Editor da Uniamp/Sko Paulo, SP: ators Unesp, 2018. 1. Chases soca ~ Brasil 2. Movimentos sons ~ Bes. 3, Partido dos veabthedere Bras, 4 Bras Pola egoerno 1. Til con 2055096 03480981 rent 978-85-266-1486-1 Batra da Unio C4981 tani 97845:95-0741 Bao Usp 88981 Copyright© by Armando Boito Je Copyright © 201sby Balora da Uneamp Copyighs © 2018 by tora Usp Direliosresevadoscprotegidos pela i 8 10 de 192.198, Epeibia a reprodagi totaly pascal sem atorzaco, por esto, dos detentoes dos diretos reine, 2018 Painted in ral Foifetoo depési legal Dinos eservadas¢ Boca da Ualeamp Pundagi Bator da Unesp (FEC) ‘Rua Caio Graco Prado, 50 Campus Uaicamp Praga da 108 ‘CEP 1382-49 —Campinse~sP—Brasil (CBP 0191-900 = So Palo - 5 “TJFar (19) 3521-77817 ‘aks (10) 200-710 Foe (11) 324-7072 womeeditorsunicampcombr swviediteraunespco.be ‘endudedtorausicamp.br vewwlinariaunes.com. = euedtoraanespr Para Paula Marcelino, Em membria de Rimiza Sedch Boito, minha mae. SUMARIO APRESENTAGAO. PARTE I REFORMA E CLASSES SOCIAIS NOS GOVERNOS DO PT 1, ESTADO, BURGUESIA E NEOLIBERALISMO NO GOVERNO LULA, 2. GOVERNOS LULA: 4 NOVA "BURGUESIA NACIONAL” NO PODER 3. AS BASES POLITICAS DO NEODESENVOLVIMENTISMO. 4.0 LULISMO, 0 POPULISMO E 0 BONAPARTISMO. 5. NEODESEN VOLVIMENTISMO, CLASSES SOCIAIS POLITICA EXTERNA NOS GOVERNOS DO PT. 6, © NEODESENVOLVIMENTISMO E A RECUPERAGAO DO MOVIMENTO SINDICAL BRASILEIRO PARTE I NATUREZA E DINAMICA DA CEISE POLITICA DO IMPEACHMENT 7. A CRISE POLITICA DO NEODESENVOLVIMENTISMO £ A INSTABILIDADE DA DEMOCRACIA. 35 99 283 ‘8, ESTADO, INSTITUIGOES ESTATAIS E PODER POLITICO NO BRASIL 9. LAVA JATO, CLASSE MEDIA F BUROCRACIA DE ESTADO. 20. A CRISE DO NEODESENVOLVIMENTISMO E DO ‘GOVERNO DILMA ROUSSEFF. 11, POR QUE FOI FRACA A RESISTENCIA AO GOLPE DE 20162 APENDICE ~ EXISTE UMA BURGUESIA INTERNA NO BRASIL? RESPOSTA A UM CRITICO.....~ 265 289 303 APRESENTAGAO Este livro esté dividido em duas partes. Na primeira, analisamos 105 governos do PT, as forgas politicas que apoiaram eas que combe. teram esses governos, suas ideologias e seus programas, as institui- <6es€0s contflitos institucionais que marcaram 0 periodo, bem como a insergdo dos movimentos socials nas sucessivas conjunturas. Na sua segunda parte, o livro trata da natureza e da dinamica da crise politica que redundou na deposicao de Dilma Rousseff em 2016. A espeito de os artigos tomarem por objeto “emas ou subtemas varia- dos e especificos, o conjunto forma uma unidade e oferece 20 leitor ‘um quadtro analitico geral, evidentemente sujeito A critica, da poli- tica brasileira dos anos recentes. Isso porque so as teses que desen- volvemos sobre a organizacto do poder politico no Brasil, isto & sobre o bloco no poder, que é 0 tema central dos trés primeiros arti- .g08 do livro, que servem de base para a andlise dos demais temas: os, confltos de classes que abalaram a politica brasileira contempora- nea, as relagdes de tais conflitos com as instituigdes do Estado, as rafzes sociais da luta entre o neoliberalismo ¢ o neodesenvolvimen- tismo, a crise politica do impeackment ~ ¢ também de temas mais especificos como o movimento sindical ¢ a politica externa durante 108 governos do PT. Os artigos que compdem o livto sto o resultado da pesquisa que desenvolvi, juntamente com outros colegas, no pro- jeto coletivo de pesquisa “Politica e classes sociais no capitalismo neo- liberal’, Esse projeto, por mim coordenada, obteve o financiamento ARMANDO BOITO IR da Fundagao de Apoio & Pesquisa do Estado de Séo Paulo (Fapesp) na rubrica Projeto Temitico e desenvolveu-se entre 200 € 2015." O enfoque tedrico adotado por nds vincula 0 processo politico ‘40s conflitos de classe, ou seja, vinculla a politica & economia e @ so- ciedade, Uso a palavra conflitos ¢ nfo luta de classes para designar a diferenca que existe entre, de um lado, a disputa pela redistribuicgdo da riqueza produzida, que nao coloca em questio a organizacao ca- pitalista da sociedade brasileira, ¢ que € 0 que temos presenciado em grande escala no Brasil, ¢, de outro lado, a disputa em torno do modo, capitalista ou socialista, de organizaco social, ou seja, a luta de classes propriamente dita, confronto que nao se desenvolven no Brasil atual, Avaliamos que sio os conflitos de classes, assim com- preendidos, queestio no centro da prolongada crise politica iniciada em 2015. Nao julgamos que sejam apenas esses 0s conflitos atives no Brasil. As lutas das mulheres, dos negros e dos movimentos LGBT tiveram presenga significativa nas disputas politicas durante os go- vernos do PT e na dinamica da crise politica aberta em 2015. O que entendemos é que os conflitos de classe foram 0 conflito principal de todo esse periodo, O lleitor pode se dar conta de que tafs conceitos e teses inserem 0 nosso trabalho na tradicao da teoria politica marxista ¢ o afastam do institucionalismo, que é em suas variadas tendéncias, a orientacéo dominante na ciéncia politica contemporanea. As correntes institu- Bese tipo de pesquisa nunca desapareceu completamente. Recordo, aesse titulo, ‘o trabalho de Perissinotto, 1994, €0 de Farias, 207. ARMANDO BOITO JR talistas brasileiros. So exemplos disso os trabalhos de Ary Minella, para 0 caso dos banqueiros, e de Bli Diniz e Renato Boschi, para 0 caso dos empresiirios industriais, e de Adriano Nervo Codato para citar apenas alguns dos mais conhecidos ¢ que sio, pela sua quali- dade, referéncias incontorndveis no estudo da burguesia brasileira.* (0 nosso trabalho de pesquisa sobre a burguesia brasileira pro- ‘cura retomar a tradi¢ao marxista que hoje esta quase esquecida nes- «sa rea de estudo, sem a pretensao de equiparar ~ convém dizé-lo ~a ‘qualidade do nosso trabalho a qualidade daqueles que citamos mais atrés. Concebemos 0 conjunto do empresariado ~ banqueires, in- dustriais, fazendeiros, comerciantes - como integrantes da classe capitalista, eo Estado brasileiro como uma entidade moldada, pelas suas instituigdes e pelo pessoal que as ocupa, para servir aos interes- ses fundamentais dessa classe social. Ademais, no campo da teoria ‘marxista das classes e do Estado, trabalhamos com 0 conceito espe- cifico de bioco no podes, desenvolvido por Nicos Poulantzas, para pensar a classe burguesa como a unidade (classe social) do diverso (eacies de classe) nas suas relagdes com o Estado e com o restante da sociedade (© emprego do conceito de bloco no poder exige, em primeiro lugar, que o pesquisador detecte as fragdes da classe dominante que agem como forga social distinta numa dada conjuntura, isto é os in- teresses econémicos setoriais burgueses que ensejam, diante da po- Iitica de Estado, a formagio de grupos diferenciados que perseguem, ‘no processo politico, objetivos préprios. Em segundo lugar, exige que 7 Relir-me aos inimetostrabalhos de Ei Diniz e Renato Boseht sobre o empre- sariado industrial eaos dversostabalhos de Ary Minellascbre os empresérios do setor bancésio. Penso também em trabalhos como os de Codeto, 997; € Costa, 198. 5 poulantzas, 371. Ver volume Il, Parte Il, Capitulo 4 ("Lat capitalist ot les classes dominantes’ pp. 2-78) e Parte IV, Capitulo 4 (LEtat capitaliste et Jes clatses dominantes’ pp. 125-137). Aviso o leitor que nfo hé engano sa cit ‘elora numeracio eo titulo dos dos captulos coincidem de fato. o pesquisador procure esclarecer quais interesses de fragio sto prio- rizados pela politica econdmica do Estade ¢ quais s4o relegados a ‘um plano secundétio. A localizagdo dos interesses efetivamente prio- rizados pela politica do Estado indica qual ¢a fragio hegeménica no interior do bloco no poder. Poulantzas segere que, regra geral, 0 bloco no poder no Bstado capitalista apresenta uma hierarquia mais ‘ou menos estével, configurando a existéncia de uma fragao hege- ménica no seu interior. Contudo, esse autor também contempla ¢ possibilidade de uma crise de hegemonia, que ¢ a situagdo de um loco no poder no qual nenhuma fragao burguesa logra impor seus interesses especificos como prioritarios para a politica de Estado. O conceito de bloco no poder, que recobre o cerreno das classes ¢ fra- bes de classe, permite também a Poulantzas realizar um enfoque novo e sofisticado dos regimes politicos nes Estados democréticos, remetendo as formas de governo (presidencialismo ou patlamen- tarismo), as disputas entre os ramos do aperelho de Estado (Execu- tivo e Legislativo), o jogo partidério (os variados tipos de pluripar: tidarismo ¢ bipartidarismo) as disputas por hegemonia no interior do bloco no poder’ A ideia é que a organizacto do Estado ¢ 0 sis- tema partidério encontram parte importante da sua explicagao nos conflitos entre as fragbes da classe dominante ¢ dessa dltima com. as classes trabalhadoras. H4 um forte preconceito contra a corrente marxista althusse- riana nos meios marxistas brasileitos. Porém, recorrendo a Poulant- 7a8, nao nos colocamos distantes, a0 contrério do que poderia pare- cer primeira vista, da tradicdo brasileira a qual fizemos referencia, Os estudiosos brasileiros operavam com nogies ¢ teses que aproxi- ‘mavam suas andlises daquelas que poderfamos obtet utilizando, ex- plicita e conscientemente, 0 conceito poulantziano de bloco no po- 5 dem. Volume I, Parte 1V, Capitulo 5 ("Le probltme dans les formes ePtat et ans les formes de regime: Le légisatf et Fexécut, pp. 138-25). 3 ARMANDO BOITO JR der eo tratamento que esse conceito sugere para o regime politico. A polémica de Boris Fausto com Nelson Werneck Sodré sobre a Re- volucio de 1930 nao dizia respeito 20 conflito entre diferentes fra- .96es no interior da classe capitalista? Sodré, numa breve passagem, talver exageradamente realgada por Fausto, apresentou a Revolugéo de 1930 como um golpe da burguesia ascendente contra a classe de- cadente dos proprietérios de terra, enquanto Fausto, para refuté-lo, tratou de apresentar 1930 como fruto de uma crise oligarquica, en- tendida essa como uma crise provocada pelas disputas entre as fra- ‘goes regionais da classe dominante, Ha um amplo terreno comum a cesses dois trabalhos, terreno comum que era, aids, o que permitia o tipo de discussdo que eles ensefaram. © processo politico expressa, em ambos, a aco e os interesses de classe; em ambos, 0 Estado é antes de 1930 € depois, o Estado da classe dominante. Qual é, entio, 1 diferenga? No trabalho de Sodré, muda a classe ou a fragio da classe dominante cujosiinteresses predominam no Estado ~ decadén- cia dos grandes proprietarios de terra, ascensao politica da burgue- sias no trabalho de Fausto, os conflitos entre os setores regionais {a classe dominante, as chamadas dissidéncias oligirquicas, teriam aberto um perfodo de crise de hegemonia, nogio expressamente utilizada por esse autor e que jé fora utilizada antes por Francisco Wefort nos seus estudos sobre 0 populismo nascido no pés-so. Quando Antonio Carlos Meirelles, em excelente e pouco conhecido texto, interveio no debate para fazer 2 critica da critica de Fausto, fot avinculagdo entre o regime politicg eo bloco no poder que serviu de referéncia.” Meirelles argumentou que, embora Fausto tivesse de- monstrado a auséncia da burguesia industrial no movimento que depés Washington Luis e a importancia da crise oligénquica para o desencadeamento do movimento politico-militar, permanecia o fato de que a centralizagao do regime politico alterara a relagao de forgas 7 Meirlles, 1973. 4 [REFORMA E CRISE POLFTICA N9 BRASIL no interior do bloco no poder, abrindo camninho para a politica de industrializag4o que se tornaria clara no final da década de 1930, Por isso, Meirelles ird utilizar a nogo gramsciana de revolugao (bur- _guesa) passiva para caracterizar 0 movimento de 1930. Algo semelhante se passa com as discusses sobre a burguesia nacional. Como € sabido de todos, Fernando Henrique Cardoso, nos seus estudos sobre o empresariado e sobrea dependéncia, esforgou- -se para refatar a tese, que ele atribuia genericamente aos intelectuais comunistas e ao PCB, segundo a qual haveria uma burguesia nacio- nal passivel de assumin, no Brasil, uma postura anti-imperialista’ Nos debates sobre o significado dos golpesde Estado de 1954 ¢ 1964, a questéo da existéncia ou nao de um prejeto de desenvolvimento capitalista autonomo e de uma burguesia racional marcow a ciéncia politica brasileira? 0 dectinio do prestigio da teoria marxista na universidade bra- sileira, 0 abandono das pesquisas sobre a burguesia como classe so- ial e tiltima onda de internacionalizacao da economia capitalista ~ ‘0 denominado processo de mundializacac ~ poderiam sugerir que esse enfoque e os debates que ele enseja estariam superados. Nos acreditamas que nao. Além de trabalharmos com 0 conceito de loco no poder, langamos mao de um outro conceito especifico, também produzido por Nicos Poulantzas, 0 conceito de burguesia interna, para entender boa parte do que ocorre com a burguesia bra- sileira hoje nas suas relagbes com 0 Estado e com 0 capitalismo in- ternacional.!" Nés entendemos que o denominado processo de mun- dializagéo nao logrou absorver, integralmente, a burguesia de um & Cardoso, 966. ® Jaoni 2972 © conceito de burguesia interna indica a fragic da burguesia que ocupa uma “posi intermediria’ entre a burguesia compradora, que € uma mera exten slo dos interesses imperalistas no interior dos paises colonais e dependentes, a burguesia nacional, que em alguns movimentos de ibertagdo nacional do stculo XX chegou a assumir posses anti-impeilistas. Ver Poulantzas, 1976. as ARMANDO BOFTO Tn. pais dependente da semiperiferia como o Brasil, o que significa que ‘0s conflitos entre ume burguesia compradora ou associada, que é 0 brago local da atual forme de dependéncia, e uma burguesia interna, ‘com base de acumulacéo e interesses especificos, explicam parte im- ortante do processo politico nacional, Com tais conceitos, elabora- mos duas hipéteses principais de trabalho, A primeira é que vigora- tia, no periodo neoliberal, iniciado sob o governo Collor e que se estende até 0 presente, a hegemonia do grande capital financeiro in. ternacional, junto ao qual os grandes bancos brasileiros funcionam, como burguesia compradora. A segunda hipdtese & que 0 governo Lula representa uma novidade: sem romper, até aqui, com a hege- monia do grande capital financeiro internacional, Lula promoveu a ascensdo politica da grande burguesia interna brasileira no interior do bloco no poder. Isto é, 0 governo Lula, pelo menos no tema que nos ocupa, que é 0 tema do empresariado ¢ de sua relagao com 0 Estado, nao seria, a despeito de manter 0 modelo capitalista neolibe- ral, uma mera continuidade do governo FHC. © BLOCO NO PODER NO PERIODO NEOLIBERAL A politica econdmica e social do Estado brasileiro a0 longo da década de 1990 e da primeira metade da década de 2000 conferiu 20 capitalismo brasileiro certas caracteristicas minimamente estaveis que permitem que falerios em um novo modelo de desenvolvimento capitalista. Esse modelo, que tem sido chamado neoliberal, pode ser definido por contraste com o madelo que o antecedeu, o desenvolvi- ‘mentista ~ tanto na sua fase nacional reformista (1930-1964), quanto 1na pré-monopolista da ditadura militar (1964-1985). Muitos elemen- tos evidenciam esse contraste entre modelo desenvolvimentista € modelo neoliberal: 0 ritmo do crescimento econdmico cai, 0 papel do Estado como empresitio e provedor de servigos declina, a prio- 26 | j | [REFORMA f CRISE POLITICA NO BRASIL ridade ao crescimento ¢ a0 desenvolvimento industrial desaparece, a desnacionalizagio da economia nacional amplia-se, os direitos so-

You might also like