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Préxinetagamenio lebates iS cinema 6 Discuss Engerhono Roti Jo Sarata e © cinema é ou nko uma linguagem’ Pando seri now nos ant al ‘azn, Hise tornou tradicional, sem que o tema este totalmente esgo- thd. Mo ao contrgn. Mas do qe munca, compe sivlo, quer pelo vat das novas * ‘rites herfigce dos hens sucttdos pels disascdo Por mesmo, este liro de Christian Metz, um dos debatedores que tem contribuido notavelmente para o enfoque do_problems, sme sentido e valor especiis. Trata-sc, em seu contexto, alo ‘penss de mostrar que a significagio cinematogrifica nio pode ser convenientemente analisada se nos prendermos 4 defini de linguagem como sistem de signos destinados 4 comunicagio, sue ine tna conn otc edn eat So's nocdes mais precisas e'a sux rensercdo no quadro Smplo das pesqusassemioigias stony: ese, poy ae Lite Suagern e Cinema proporciona dois tipos de relevantes substdlos fara a teria do cinema e seu estado: de um lado, procarnexpect- Ficar, com rigor, os elementos da. inagacao media em que evidencin nio sero cinema Um ino fico mas varios, ultrapassando, no seu easo, 0 domink Ficacdo o dominio do signo, questions posies firmaé novas perspectias para-o entendimento da naturcza gem clnematografica. christian metz LINGUAGEM * “INEMA N.Cham. 791,43.01 MS96L =690 ‘Autor: Metz, Christian Titulo: Linguagem e cinema iin xa 1022676 A, x10 BCE j (ole Ctsy Linguagem e Cinema Coleco Debates Ditigida por J. Guinsburg o. Christian metz LINGUAGEM E CINEMA« Ww) l Equipe de realizago:— Tradugio: Marilda Pereira; Revisio: Plinio FB Z EDITORA PERSPECTIVA as Sane Toa ae re: ie é Pa A= r Dercdo cle LAW “Titulo do original francés Langage et cinéma 4 9 1 6 ” 9 - 19 3B 30 | 33 Copyright © Librairie Larousse, 1971. ea 38 . 8 : aT suMario 47 2 1. Dentro do Cinema, o Fato Filmico .. 7 2. Dentro do Fato Fil 23 2.1. “Cinema” num Outro Sentido .. 22... 23 2.2. Da Homogencidade Material 8 Homoge- FG neidade Cédica: Inferéncias Precoces.. 26 65 2.3. Um Mesmo Cédigo em Vérias “Lingua u gens”, Varios Cédigos em Uma Unica 186 “Linguagem” eee. sees Ble Dicetos em lingua portuguesa reservados 3 2.4, Especificidade Cinematogrética, Lingua- ef EDITORA PERSPECTIVA S.A. ‘gem Cinematografica (Primeira Aproxi- eiro Luis AntSnio, 3025 : aT io Paulo — Brasil macdo) 5 2.5. “Fid 3.1 3.2 Cinematogréfico-Filmico, Cinematogréti- co-Nao-Filmico, Filmico-Nio-Cinemato- grafico ime” no Sentido Absoluto . “O Filme"/“O Cinema” Zona Comum 20 Filme ¢ ao Cinema, Seus Limites . Pluralidade dos Cédigos Cinematograficos . 41 4.2 43. Do Sere 6.1 6.2 6.3 6.4. ‘Textualidade e “Singularidade” ale aa 2 2. Ea 14, 1.5. 7.6. 11 78. Parac Sti ‘Cédigos Gerais e Cédigos Particulates Pluralidade Segundo Dois Eixos . “Linguagem Cinematogréfica” (Revisio, (Codigo ao Sistema, da Mensagem ao Texto “Estudar os Filmes”: Dois Caminhos Di- ferentes Cédigo/Sistema Singular |... Cédigos Gerais e Cédigos Particulares (Revisao) Aspectos de Vocabulario . Esruura da Mensagem" ou Esteutura do Texto? - Os Sistemas Textuais Filme como Totalidade Singular . O Sistema do Filme como Deslocamento Cinematogréfico e Extracinematogra co: de uma Dualidade a uma Mescla As Leituras: Varios Sistemas Textuais para um s6 Texto Textos Filmicos Maiores ou Menores do que um Filme .... Grupo de Filmes ¢ Classe de Filmes . Do “Cédigo Particular” a0 Subcédigo (Segunda Revisio) . ‘Tendéncia Pansémica de Certas Figuras Céigo/Sabescigo (Terctira Revisi) © Sistemético © o Textual Textualidade © Generalidade “Filme” em Sentido Absolato (Revisio) radigmético Sintagmético .. O Sintagmatico e o Textual 145 154 157 164 171 180 186 191 191 10, 8.2. 8.3 8.4. 8.5 Sintagmatico ¢ o Paradigmatico, a Sin- tagmatica ¢ a Paradigmética . Graus de Preexisténcia do “Objeto Estu- dado” Circularidade da Paradigmética e da Sin- tagmitica ..... Sintagmético eo Consecativo Paradigméica ¢ Sitagmatica nos Site mas Textuais . ceeeees © Problema das Unidades Pertinentes ... 9.2 9.3. 9.4, 9.5. 9.6. 9.7. “Especifico/Nao-Especifico’ 10.1. 10.2. 10.3. + Varios Tipos de Unidades Minimais num Mesmo Texto .... Varios Tipos de Unidades Cinemato- graficas no Filme... Determinagdo das Unidades Minimais e Estudo de Conjunto da Gramética . ‘Varios Tipos de Unidades Extracinema- togréficas no Filme . Unidades Pertinentes: Diversidade “ae Tamanho .. Unidades Pertinentes: Forma. Critica da ‘Nogio de fico” Diversidade "de “Signo Cinematogré- Relatividade de ‘uma Divisio Mantida a “Forma /Matéria / Substincia” para Hielmslev Intedferéaces,Seaiolégicas eatre Lia~ guagens ‘Os ‘Tragos Peitinentes da "“Matér Significante ag 10.4. A Superposicio das Especificidades: Es- 10.5. pecteidade Mihipla, Graus de Expei ide, Formas de Especificidade .. Greme’¢ Televisa 10.6. Linguagem como Combinagio de Cédi- 10.7. 10.8. Retorno a Hjelmslev: gos Os Cédigos Nao-Especificos. Cédigos do Contetido e Cédigos da Expresso a “Substincia” 194 199 201 206 207 219 219 223 230 233, 236 238 243 247 247 252 260 265 278 284 290 297 11, Cinema ¢ Bscrita a 11.1. Cinema e Escrita enquanto Registros 11.2. Cinema e Escrita como Substituicio 11:3. Cinema e Escrita como “Imprensas” 11.4. Cinema e Escrita como “Composigoes” 11/5) © Cinema face as “Escritas” do Degré Zéro de L’Ecriture . . Cinema e Tdeogratia Linguagem Cinematogrifica ¢ Escrita Filmica ao 301 301 305 310 314 316 321 337 1, DENTRO DO CINEMA, 0 FATO FILMICO © que globalmente denominamos “o cinema” (¢ num grau menor o que denominamos “o filme”) se nos oferece, na verdade, como um vasto e complexo fendmeno sécio- cultural, uma espécie de fato social total no sentido de Marcel Mauss, compreendendo, como sabemos, importan- tes aspectos econdmicos e financeiros: trata-se de um con- junto “multidimensional” que, se tomado em conjunto, no se presta a nenhum estudo rigoroso ¢ unitério, mas apenas a um amontoado heteréclito de observagdes que implicam pontos de vista miitiplos e diversos (= pluralidade das pertinéncias). “O cinema” como tal (ou “o filme” como tal) nio 6 um objeto de conhecimento; a seu respeito, poderiamos repetir, mutatis mutandis, 0 que Saussure dizia sobre a “linguagem” em sua mais ampla extensio, € que levava a dissociar dela a lingua como sistema de signifi- -omo um sistema de significagao) . Foi assim que tica pode progredir. Gracas a esse progresso é que a vemos, hoje, redescobrir a linguagem, dar sua con- tribuigio 20 estudo de diversos fatos de linguagem dife- rentes das linguas em si (andlises literdrias, “si modeladores secundérios” da escola soviética, de performance” dos chomskianos, socio, psico, etno ¢ neurolingiistica, etc.). Mas em matéria de cinema, as coi- sas nao esto tio adiantadas. O cinema é um fato dos mais recentes: 0 ano de 1895 (primeira projecio publica organizada pelos irmaos Lu- migre) representa, na perspectiva antropolégica em que aqui nos colocamos, uma data muito tardia da aventura humana. E por esquecé-la, em demasia, que se cai em uma espécie de fanatismo ou de profetismo “audiovisual” razoa~ velmente difundido e que, para constituir um outro fato social digno de interesse, ‘nem por isso deixa de tornar ificil uma calma reflexdo sobte os problemas do filme. Inversamente, € também porque o cinema € coisa recente que se pode julgar normal, até certo ponto, o estado atual, tio decepcionante, das pesquisas a seu res- peito. O que, na majoria das vezes, se denominou um “te6rico do cinema”, 6 uma espécie de maestro idealmente ligado a um saber enciclopédico ¢ a uma formacdo meto- dolégica quase universal: considera-se que ele conhece os principais filmes realizados em todo o mundo desde 1895, assim como o essencial quanto as suas filiagdes (sendo, portanto, um historiador); e assim também, evidentemen- te, ele & obrigado a reunir um minimo de nogdes quanto 8s circunstancias econdmicas de sua produgdo (sendo, en- to, um economista) ; esforca-se igualmente por precisar em que e de que maneira um filme 6 uma obra de arte (ei-lo agora como esteta), sem abster-se de encaré-lo como uma espécic de discurso (desta vez, ele ¢ semiGlogo); muitas vvezes prende-se, além do mais, a copiosas observacées so- bre 0s fatos psicol6gicos, psicanaliticos, sociais, politicos, ideolégicos aos quais fazem alusdo filmes particulares ¢ nos quais destacam seu préprio contetido: para tanto, nada menos do que um saber antropolégico total 6 vir- tualmente requerido. 8 © que pode surpreender, nestas condigées, nao é tanto © aspecto ainda embrionério dos estudos cinematogréticos, mas sobretudo a existéncia jé adquirida de um certo nd. mero de contribuigdes precisas necessdrias 4 compreensio do filme. Tais foram as regras de trabalho, até agora, que seria de esperar que 0 balanco estivesse por volta de zero. Ora, néo € exatamente assim; nos textos teéricos de um Balazs, de um Arnheim, de um Bazin, de um Laffay, de alguns outros. .., nos escritos de Fisenstein e dos forma- listas russos ou ainda de um Morin e de um Cohen-Séat (onde a escolha da pertinéncia j4 € mais consciente), en- Contramos muitas observacoes e andlises acuradas, &s quais nos referimos mais de uma vez e que uma teoria rigorosa do cinema no tem nenhum interesse em pér de Jado. Hi toda uma época de reflexio sobre o filme, que encontra seu resultado © sua sintese na imponente Esthétique et Bsicholosie de cinéma de Sean Mitty (1963-1965). _ Epoca que atualmente no poderia prolongar-se sem prejulzos, Extrafa sua jsificagto e sua razio de ser (eua relativa e real fecundidade, também) do fato de o cinema ser algo inteiramente novo e ainda surpreendente: livros inteiros dedicavam-se a comentar exclusivamente a sua existéncia, sem outra preciso de ponto de vista. O cinema, hoje (fendmeno recente, dissemos), entrou, contudo, para 08 costumes: no basta mais surpreender-se com ele como com uma maravilha em estado de emergéncia, & preciso comegar a compreendé-lo em seus diferentes aspectos, ¢ Para tanto fazer alguma idéia dos diferentes pontos ‘de vista sob os quais o seu estudo pode ser abordado. Deixaremos de Jado, como estranha, desde o principio, 0 propésito almejado, uma outra espécie de “teoria do cinema”, Na linguagem corrente dos profissionais (cine- astas, criticos, historiadores do cinema), o termo “te6rico” designa freqlientemente um autor cujos escritos so antes de mais nada normativos ¢ cujo objetivo principal 6 exer cer uma influéncia sobre os filmes futuros, e mesmo pres erever a esses filmes a escolha preferencial de certos as- suntos (assuntos de caréter “‘social”, por exemplo), Neste sentido, existem grandes teéricos do cinema, cuja convic~ so € inspiracio séo inestimaveis; muitos sao italianos e se 9 consideram marxistas. Em tais casos, sua influéncia real so- bre a producdo dos filmes foi maior do que se poderia acre~ ditar: lembremos a génese de certas escolas ou de certas correntes do cinema, como o n¢o-realismo italiano, a escola documentarista inglesa, 0 expressionismo e o “Kammes- spiel” na Alemanha, diversos grupos atuais do “cinema novo”; na grande época do cinema soviético, a inspiragao marxista era mais aprofundada e abstinha-se de opor 0 “conteido” & “forma”, ou de lancar esta viltima na futili- dade a-hist6rica. ‘Se bem que os casos-limite, aqui como em outras si- tuacGes, sejam bastante numerosos, nao € nos te6ricos di- retamente prescritivos que pensamos, ao falar de uma “pri- meira época” da teoria do filme, mas em autores que, como 05 acima citados, dedicaram o total ou uma parte notdvel de seus esforgos cinematogréficos & anélise dos fil- mes tal como existem, e que por isso aparecem como pre- cursores de uma descricao do filme, no sentido que esta palavra tem nas ciéncias humanas e notadamente em lin- giiistica. Fsta escolha nfo implica nenhum julgamento quanto 10 principio de uma teoria normativa — visto que 6 semidlogo, como qualquer espectador, depara com filmes de que gosta e outros de que nao gosta —, mas simples- mente a necesséria distingdo entre dois tipos de “teorias”: ‘a que se coloca ao lado da obra futura, que se imagina em termos de influéncia, que nio hesita diante do conselho ou do preceito, que quer responder diretamente aos problemas de trabalho do “artista criador” e s6 tem sentido nesta perspectiva, e a que se coloca ao lado dos discursos filmi- 0s jd expostos e procura analisé-los como fatos. Os este- tas encontram um problema anlogo: ha as estéticas de autores (estéticas cujos autores, a vezes, nfo sf autores de “obras”, mas isso ndo muda nada, no fundo, quanto a divisio), ¢ as estéticas de analistas: no € no mesmo sen tido da palavra que 0 preffécio de Cromwell ¢ os esctitos de Francastel tratam de “estética”. Para voltar a teoria descritiva do cinema, neste mo- mento termina o seu primeiro perfodo, marcado pela au- séncia do principio de pertinéncia, e deve, a partir deste instante, prolongar-se em estudos, cada um assumindo claramente 0 ponto de vista que guiou a descri¢ao. 10 » Brasilia BIBLIOTECA Unuversid A esse respeito, a primeira distincdo que se aptesentz 6a que Gilbert Cohen-Séat estabelecia em 1946, e que per- manece inteiramente atual, entre o cinema e o film cinematogréfico e fato flmico'. Ela pode ser resumida da seguinte maneira: o filme é apenas uma pequena parte do cinema, pois este apresenta um vasto conjunto de fatos, alguns dos quais intervém antes do filme (infra-estrutura econdmica da producdo, esttidios, financiamento bancério ou de outro tipo, legislagGes nacionais, sociologia dos meios de deciséo, estado tecnol6gico dos aparelhos e emulsdes, biografia dos cineastas, etc.), outros, depois do filme (in- fluéncia social, politica e ideolégica do filme sobre os dife- rentes piiblicos, patterns de comportamento ou de senti mento induzidos pela visio dos filmes, reagGes dos espec- tadores, enquetes de-audiéncia, mitologia dos “astros”, etc.), outros, enfim, durante o filme mas ao lado ¢ fora dele: ritual social da sesso de cinema (menos pesado que no teatro cléssico, mas que extrai dessa propria sobriedade seu status no cotidiano sécio-cultural), equipamento das salas, modalidades téenicas do trabalho do operador de projegio, papel do lanterninha (isto é, sua fungao em di- vversos mecanismos econémicos ou simbélicos, que sua inu- tilidade prética ndo engendratia), etc. Essa distingdo entre fato cinematogréfico ¢ fato fil- mico tem 0 grande métito de propor com o filme um ob- jeto mais limitado, menos incontrolével, consistindo, prin- cipalmente, em contraste com o resto, de um discurso sig- nificante localizdvel —, face ao cinema que, assim defi- nnido, constitui um “complexo” mais vasto dentro do qual, centretanto, trés aspectos predominam mais fortemente: as- ecto tecnoldgico, aspecto econdmico, aspecto sociol6gico. B claro que a semiologia dita do cinema se estabelece essencialmente do lado do “fato filmico”. A despeito das inevitaveis interferéncias, zonas de superposicao e outros ricochetes metodolégicos, ela nfo poderia aspirar a escla- recer utilmente 0 estudo do “fato cinematogrético”, a menos de maneira frontal e no atual estado das pesquisas. A semiologia, seja ela do filme ou de outra coisa, ¢ um estudo dos discursos e dos “textos”. (Note-se entretanto que a dimensio sociolégica do fato cinematogréfico ache- 1. Heeah sur tes principes dune philoophie du cinéma. Pars BU Reto aote Cishor ibs Puasagem stages p- 6 ul se, por defini, menos afastada do estudo do filme co- mo linguagem do que as dimensdes econdmicas ¢ tecno- 6gica Existe uma outra dificuldade, aliés, mais aparente que real. A palavra “filme”, em alguns de seus empregos facil- mente atestaveis, designa algo diferente de um discurso sig- nificante, Pode denotar, por exemplo, um objeto fisico: a pelicula enrolada em sua caixa metélica; trata-se enléo de um item para a tecnologia. Em outros contextos, desig nard um fato econémico: 0 conjunto ideal constituido pe- las apresentacdes comerciais sucessivas ¢/ou simulténeas de varias cépias de uma mesma fita original (ver frases como Este filme rendeu quatro milhdes s6 na regiio bor- delense) Entender-se- que a anilise semiol6gica nfo esté die retamente relacionada com o “filme” nesses dois sentidos, nem em varios outros do mesmo tipo (e séo numerosos) ue nio mencionaremos. Se a dificuldade nos parece negli- gencidvel € porque ela se atém as palavras ¢ nio as coisas — entenda-se: a metalinguagem usual ¢ nao linguagem- objeto —, e porque nosso objetivo nao € estudar 0 Iéxico francés do cinematégrafo, que € igualmente um conjunto- significante, mas um outro (ver trabalhos de Jean Giraud © de Ginette Jacquinot): os aspectos da experiéncia social que a palavra “filme” visa nessas acepgdes dependem, com evidéncia, do que Cohen-Séat denomina “fato cinemato- grafico”, € nfo do que ele denomina “fato filmico"; aqui a lingua comum é que é caprichosa, ndo a conceitualiza- gio incerta, Bastard convir que batizaremos de “filme”, salvo preciso especial, o filme enquanto discurso signifi- ante (texto), ou ainda enquanto objeto de linguagem: fato filmico para Cohen-Séat. : . A “Tilmologia”, sob a influéncia de Etienne Souriau, ji se havia dedicado a isolar e a circunscrever este aspecto do filme que para nés é pertinente, ¢ Ihe havia dado 0 nome de filmofania? (ou nivel filmotanico), que designa © filme foncionando como objeto percebido por especta- dores, durante o tempo de sua projecdo. Digamos, entio, que € 0 filme “filmofinico”, e apenas ele, que denomina- remos “filme”. 2, Luntversfimiane, Pari, Puammerion, 1858, p, ® (Colethnen coictiva sobs eofgho' Ge Bemie Souras) 12 Contudo, @ nogio de fato filmico, no“ sentido que acabamos de precisar, é ainda muito ampla para definir por si s6 um principio de pertinéncia que convenha a se- miologia do filme. Pois o préprio filme ¢ ainda um fenémeno “multidi- mensional”. Em certos aspectos, interessa muito de perto psicologia. Psicologia da percepcio: o filme como Gestalt perceptiva e espaco-temporal, 0 relevo binocular ou monocular, @ complementacio mental das cores no filme em preto e branco, a persisténcia retiniana, 0 “efeito fi", a “estimulacdo luminosa intermitente”, o papel das carac. terizagbes e dos movimentos, os estudos filmolégicos por eletroencefalogramas, o “efeito-tela”, etc. Psicologia da in- telecedo: experiéncias sobre a compreensio do filme pelas criancas, pelas populagdes nao habituadas ao cinema, pe- los individuos diferentemente patolégicos; o filme como teste de nivel; o papel da meméria imediata e das reestru- turagdes répidas do campo perceptual na compreensio de uma seqiiéncia, etc, Psicologia das fungdes afetivas: o filme como teste projetivo, projecdo e identificacio, participacio afetiva no desenvolvimento filmico, etc. Psicologia dia me- méria: como nos lembramos dos filmes, por quanto tem- PO, © que retemos deles...? E certamente psicologia da fungdo criadora de imagens*: o filme entre o real ¢ o ima- gindrio, entre 0 sonho € o espetdculo, entre 0 sonho no- fumno € 0 devaneio acordado; 0 problema da “impressio de realidade” no cinema, e, de mancira mais geral, da “ima- ginacdo” no sentido sattriano, etc. E necessério lembrar que alguns estudos, por vezes ‘mumerosos, dedicaram-se a cada um dos pontos dessa enumeracéo (apesar de incom- pleta), ¢ que a disciplina denominada filmologia empenha- vya-se, em grande parte, em analisar o filme de acordo com (os métodos préprios da psicologia: psicologia experimen. tal ¢ psicologia social, em particular. Alids, foi neste cam- Po que ela alcancou os resultados mais precisos 3, Por outro lado, o filme, em alguns de seus aspectos mais evidentes, refere-se diretamente & pesquisa sociolé- gica, Se as pesquisas de audiéncia, de influéncia ou de acolhida (e também, no outro extremo da cadeia, a descri- , Rm trancts: “peyehoteste deta fonction imageante”. (X, do 7) de Bint Speemimeate ce prt Tames ah matte fnttafonnie 13, fo social dos meios de decislo) sio da algada do fato Sinematogréfico mais do que do fato filmico, a sociologia, por outto lado, néo deve conhecer menos a respeito deste Titimo. Ela se interessa notadamente, no atual estado de coisas, pelo contetdo dos filmes, cujos campos socials con Fmantes (representagdes coletivas, esteredtipos de dife- rentes.niveis, ideologias, propagandas, “imagens” © “pa- péis” propostos, etc.) sio mais imediatamente aparentes So que quando se trata, nesses mesmos filmes, do que se Genomina forma, A “andlise do conteédo” (content ana- iysis) é uma das tarefas da sociologia da comunicacio (communication research) e notadamente, de acordo com ‘oe presentes habitos de repartigio, da sociologia das co- Snunicagses ditas “de massa” (pelo menos quando 0 con- tetido analisado é 0 de um filme). Fica igualmente claro que 0 estudo do filme interessa, com todo 0 direito, & estética; 0 filme é uma “obra de Gite” eo € sempre, quer seja por sua qualidade © seu sueesso (os “bons filmes”), ou simplesmente por sua na- fureza: o “mau” filme s6 pode ser declarado como tal porque se supde uma intengdo estética ¢ exiativa do autor, aeveing se estivesse pouco consciente de si propria e me gulhada na fabricaglo artesanal ou na “receita” comercial Brém do mais, ele so pode aparccer como mau com relacdo a eritérins estéticos mais ou menos claramente preseates no tapirito daquele que o julga mau. A esse respeito, tudo 0 {que se pode dizer das artes oficiais aplica-se também a0 Gxema. A disciptina denominada “histéria do cinema” (que iteqientemente nao passa da histria da sucesso dos principals filmes) & um ramo da hist6ria da arte, ou pelo Frenos mereceria sé-10, e 6 € impedida, s vezes, por pre- conceitos irracionais de legitimidade cultural, relativos Gesigual “nobreza” dos diversos meios de expresso, e que foram convenientemente analisados por sociGlogos da edu- cagio como Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron. Falar de uma dimensio estética a respeito do cinema ndo significa afirmar que as nogdes de uma certa estética, como “gbra”, “riagdo” ou “autor” (pelo menos quando esses termos séo tomados em seu sentido sacralizante), devam Se revelar mauito operantes para 0 estudo do filme; mas elas Se revelaram mais na andlise das outras artes. O que se Guer justamente indicar 6 que o filme, com relagio a esté~ sone de qualquer modo que seja concebida —, encon- 14 tra-se na mesma posicio que o livro, a pega musi quadro. (B verdade que 0s encargos sociolgcos, rate (GGes externas, se fazem sentir mais forte e mais diretamente que em todos os outros casos; mas é apenas uma dife- renga de grau: grau muito pequeno e de imediaticidade; depois, sempre se esquecem dos romances baratos, das marchas militares, dos maus quadros. . .) O filme, por outro lado, oferece um rico material para estudos inspirados direta ou indiretamente nos métodos psicanaliticos. Neste plano, como em outros, pesquisas par- Ciais j4 esto disponiveis ou iniciadas, as quais obedecem a “pertinéncias” claramente assumidas*. Poderiamos ser tentados, em virtude de uma espécie de analogia com o que foi dito acima quanto a distingSo do cinema e do filme, a considerar que no proprio interior do fato filmico destacam-se bem claraments dois ou trés tipos de fatos — por exemplo: psicolégicr, sociolégicos, estéticos — que nfo interessam diretamente so trabalho se- miolégico, ¢ que este deve dedicar-se a0 estudo do filme “considerado como uma linguagem”. ___Proposta que, apesar do seu ar de evidéncia, nfo sig- nificaria muita coisa. Pois o filme, “como liguagem”, € 0 filme inteiro, Néo se concebe o que poderia ser uma se- rmiologia do filme indiferente aos caracteres essenciais da ‘matéria da expressao (a0 sentido hjelmsleviano *); 0 dis- curso cinematografico inscreve suas configiragdes’ signi cantes em suportes sensoriais de cinco espécies: a imagem, © som musical, o som fonético das “falas”, 0 rufdo, 0 tragado grafico ‘das mengoes escritas. A anilise estrutural, Se arsenate ela Egat, oto por tr exports material; mas aquela deve a este alguns de seus caracte- 4, naaminamos este ponto expeciamente enum artigo do 1 ug ia eho ening tee eae viaiszabiaiien, Communications, Paris, ‘.° i), Teapresentado em nosos Biseis sur Seether stints Covi, Whestieee i. Cired Sonfge ‘no Siam 865 Psi. Demet in ier saa pee east s y Ea Rateas Wertman, Koos, a nucnbpisatmbiy (lente, US, 4, tno, re Frew ce, Toei eta Pelabonnes dune tore Gu meat ot ginal dioamarqués, 1983, trad. fr. 1068, Paris, Bd de Bonwit, (7 au dean, PEE A Rete ae ame ERED Riera mcs ett sh ote pose, er 8, 15 ambos s6 so separiveis até certo ponto, (A lin- ica encontra dificuldades semelhantes: por exemplo, © problema das relagdes entre a fonética ¢ a fonologia.) Nao saberfamos, em todo 0 caso, definir o filme como fato 4de Hinguagem se nos recusdssemos a levar em conta 0 fato de que ele “mexe” com cinco matérias significantes, ¢ com aquelas cinco: nessa medida, a semiologia do filme imiscui-se inextrincavelmente em consideragoes “psicol6- gicas” (mecanismos perceptuais, caracteres préprios da imagem, etc.), reempregadas em uma outra perspectiva "Também nao vemos de que maneira uma abordagem semiol6gica poderia negligenciar a forma do conteiido dos diferentes filmes (este termo é ainda tomado no sentido de Hielmslev): arranjo do que chamamos os temas do filme (e gue, mesmo analisado de outra forma, permanece de natureza “temética” 7), organizago interna do sentido dentro deste filme, ete.; neste caminho, a anélise semiol6- gica encontra inevitavelmente a sociologia, a histéria das culturas, a estética, a psicandlise. .. Enfim, como ¢ que um estudo de significagio pode- ria omitir que o filme, por isso diferente da lingua, seja um meio de expresso no qual a linguagem ¢ a arte man- tém relagdes quase consubstanciais, onde a prépria lingua gem é um produto ou um aspecto da invencio artistica?® Existem o6digos cinematograficos, mas eles nfo tém a consisténcia e a estabilidade das linguas; o cineasta, como © locutor, tem diante de si formas jé constituidas, anterio- res ao seu préprio trabalho, mas nfo no mesmo grau, nem do mesmo modo. Portanto, a anilise semiol6gica aparece estreitamente associada & ” do filme. ‘Foram apenas trés exemplos; os principais, talvez, mas certamente nio os ‘inicos. Todos eles sugerem a mesma conclusio: 0 filme, porque constitui (contrariamente a0 cinema) um espago delimitével, um objeto inteiramente voltado para a significacéo, um discurso fechado, s6 per- mite ser encarado “‘como uma linguagem” em seu todo, ou, entio, nfo pode absolutamente ser encarado como tal. 14. Sotre este ponto preclamento, ver nosso artigo “Propostions methodoigelquer baur Fanniyse au Aisa” (ny "fur fen sconces ‘Pony, 8. OO, 3068, VIL-S p. HOT-L19); partieular= Certamente no se deveria atribuir um valor por de- mais absoluto & distingo, que, as vezes, & proposta entre as reparticdes de campo operadas segundo os objetos estu- dados e as que se fundamentam nos métodos empregados, Do objeto a0 método, a relagio é sempre bilateral. O que se denomina um campo de pesquisa é uma zona cujo prin- cipio de delimitagdo, em ultima andlise, aparece sempre como um misto indistingufvel de “objeto” e de “método”. Mas permanece o fato de que a importincia relativa desses dois critérios de diviséo € suscetfvel de variacio conforme os casos coneretos e que, em um mesmo “es- tado” da hist6ria das pesquisas (assim como de sua geo- grafia, que dela decorre), certas divisies se impSem com mais forca que outras. Distinguir 0 “cinema” do “filme” cera coisa relativamente facil, pois a demarcacio se atinha sobretudo aos objetos; entenda-se: a0 que, hoje, aparece predominantemente como do lado do objeto: o objeto ci- nematogréfico, com efeito, é imenso e heterdclito, suficien- temente imenso para que alguns de seus aspectos — como © aspecto tecnol6gico ou econdmico — cheguem a se ex- cluir por si s6s da abordagem semiolégica. Contudo, nao 6 duvidoso que este carter aparentemente intrinseco do ob- jeto faca voltar, por sua vez, se se interrogar um pouco mais, a situagdo de conjunto do campo metodolégico: seria absurdo querer isolar, dentro do cinema, uma espécie de Objeto absoluto como 0 cinema-como-fato-econémico, pois 08 prdptios economistas esto incertos quanto a existéncia intrinsecamente separada dos fatos econdmicos. Mas esto muito menos incertos quanto aos métodos a empregar em um estudo econdmico: cria-se uma situagio na qual o estudo econémico do cinema pode utilmente ser “objeto” de uma disciplina auténoma (ver, por exemplo, os traba- thos de Henri Mercillon) . Mesmo se se considerar, como © fazemos, que se dé 0 nome de objeto ao que nfo é senéo ‘uma transformacdo mais profunda do método, as conse- qiiéncias quanto a uma divisio razodvel das tarefas nfo ficam modificadas, pois também é préprio dos métodos ‘mais cocrentes ¢ mais seguros criar com sua existéncia os “objetos” mais claramente delimitaveis, Visto sob esta perspectiva, o fendmeno-cinema, com sua vasta extensio, compreende um campo onde algumas rregides coincidem com os objetos de diversas disciplinas razoavelmente firmadas e razoavelmente afastadas umas Wy das outras (tecnologia, sociologia do piiblico, economia, etc.): é nesta medida — bem relativa aos olhos de um his- toriador das epistemologias, mas provisoriamente absoluta para o pesquisador de “campo” — que o cinema néo & ‘um objeto unitério; é também nesta medida que o empre- endimento semiol6gico, hoje, nfo saberia, sem algum exa- gero, estabelecer como objetivo o estudo total do fato cinematogréico, ‘Mas esses mesmos critérios, a0 mesmo tempo rela- tivos e absolutos, fornecem resultados bem diferentes ‘quando sio aplicados & nogo de filme. Néo s6 porque @ Psicologia, a sociologia, a estética, a semiologia, etc., con- sideradas em si mesmas e fora de qualquer estudo filmico, apresen:am projetos imperfeitamente distintos e eterna- ‘mente misturados em suas fronteiras (so testemunhas @ psicologia social, a estética experimental, a sociologia da arte, etc.) —, mas ainda mais porque o estudo de textos fechados (e 0 filme € um deles) representa, por excelén- ia, o lugar onde a implicagio reefproca dessas disciplinas atinge o méximo de inextricével: um texto fechado — conto, mito, pega teatral, romance, etc. — 6 sempre, © sempre ao mesmo tempo, um objeto cultural total © um objeto de certo modo pequeno aos olhos da producto geral de uma sociedade: por ambas razdes, traca 0 tipo de espago no qual, mais que em qualquer outro, as diferentes “ciéncias humanas” se aproximam, ¢ se aproximam visto que se trata de uma pequena érea, B quase certo que esta situacdo néo seré eterna, ¢ que a atual geografia das ciéncias sociais — tao manifestamente incerta e provis6ria — deveré se modifi- car, Mes enquanto esperamos que uma grande ¢ nova luz venha em nosso auxilio, no vemos como seria possivel, hoje, distinguir, no interior do filme, varios “objetos” do- tados de um minimo de realidade, qualquer que seja a ‘maneira pela qual essa realidade se defina, O paralelo com 6s fatos literdrios (justificado quanto a outros aspectos, jé issemes) seria aqui enganoso: nfo se trata mais do di- reito mas do fato, ¢ os estudos literdrios demonstram um considerivel avanco, aflesar de suas proprias aporias. En tais condig6es, a tinica diviséo de tarefas que se pode imaginar por enguanto no campo da anilise filmica € uma dessas divisoes denominadas “fundadas nos méto- dos”, e que na verdade se fundam em suas insuficiéncias. 18 ‘Uma repartic&o, como acabamos de ver, é sempre funda- da no método, ¢ 6 simplesmente onde esta iiltima se afir- ma mais, que um objeto é criado. Isto, mais uma vez, ndo modifica’ os problemas de trabalho. Portanto é necessério considerar como normal que a “semiologia” do filme se apdia em dados (mas néo em métodos) tirados da psicologia do filme, da sociologia, d= sua estética, de sua historia, etc.: as interferéncias sero necessariamente mumerosas, e no deveremos tentar sec ais claros que 0s fatos, isto 6, que nosso conhecimento dos fatos. Entretanto nenhuma das disciplinas mencionadas hi pouco foi capaz, até o momento, de dominar o filme co- mo objeto-significante total, quando este objetivo € pre- cisamente aquele que uma anilise “semiolégica” do filme pode e deve estabelecer. Do mesmo modo, a semiologia fem seu conjunto, fato algumas vezes observado &, s6 tem sentido como um estudo geral das configuragies © das l6gicas culturais, muito mais do que como uma extensio mecinica dos métodos linglifsticos que iriam aproximar cada vez mais diversos “objetos” (dentre os quais o filme) tomados um a um. Por sua prpria natureza, 0 projeto semiol6gico esta condenado a ter forga ou a desaparecer, enquanto que outras disciplinas humanas (como certos estudos behavioristas ou experimentais) se prestam a um regime mais seguro de sobrevivencia, visto que alcancam, em todo caso, resultados parciais que nunca sio inéteis. Nesta medida, pode-se — deve-se — considerar, co- ‘mo objetivo da semiologia do filme, 0 estudo total do iscurso filmico considerado como um ponto integralmente significante (= forma e substincia do contetido, forma ¢ substincia da expresso). No plano das perspectivas Ion- ginquas (¢ € necessério), & a fnica definigdo que nos pa- rece possivel para esta jovem disciplina. Nao seria mais “semiologia”, no sentido um pouco restrito © provis6rio que © termo tem, as vezes, atualmente (= periferia da lingiistica), mas antes a andlise estrutural do filme e dos filmes (a inspiracdo linglifstica, nesta ampla perspectiva, conservando um papel importante). 9 Por explo Terstn,Tosgno cin “Beepetines simiogiast (Communications, Paris, 1966, n.° 1, p. 129-145). i 19 Entretanto, nifo se poderia confundir 0 objetivo final °c as tarefas mais ou menos rapidamente realizAveis. Atual- mente, a semiologia nio dominou o filme como estrutura total mais do que o fizeram a sociologia, a psicologia ow a estética, Podemos estar convencidos de que ela esté em melhor posigdo para fazé-lo, com 0 auxilio das tiltimas, mais do que 0 estio elas préprias, mas as conviegSes deste género nfo poderiam tornar-se contagiantes pela simples multiplicagdo das declaragées de principio: o que é impor- tante é iniciar as andlises, que s40 sempre parciais, Este livro nao teria sido iniciado sem a idéia de que a inspirago dita semiol6gica € a tinica capaz de fomecer 0 guadro completo de um saber coerente e unitério sobre 0 objeto filmico; no dia em que a coisa estiver em vias de realizago, a semiologia do filme tera apenas que conser var esse nome: cla sera realmente (ou mais realmente) 0 que € hoje em forma de programa: uma teoria do fato filmico, e nao especialmente uma abordagem inspirada na lingiistica, mesmo se precisar passar pela segunda para aleangar a primeira, Paralelamente, e pelas mesmas razdes, disciplinas como a psicologia do filme, a sociologia do filme (no confun- dir com a do cinema, isto é, dos péblicos), etc., conser vario uma espécie de autonomia de fato — autonomia igualmente fundada no método, no sentido definido acima — por tanto tempo quanto a teoria unitéria do filme per- manecer em estado de projeto. Acrescente-se mesmo que é precisamente quando se almeja a superacio dessa situagdo dividida (¢ téo fecunda em psicodramas, se eles esti- vessem disfargados em discuss6es interdisciplinares) que se deve levar mais em conta a sua proviséria, mas bem real, existéncia: os métodos #f0 coisas que no se permu- tam (e que nao se “misturam” sem o perigo de dar ori- gem a monstros), mas os dados ¢ os conhecimentos, os Ambitos da aguisicio, podem e devem circular. Aquele que no conhece o cinema nunca faré semiologia. ‘Uma primeira época da reflexio geral sobre o filme, conforme dissemos, atualmente esti acabada, e qualquer cestudo filmico deve escolher claramente 0 seu principio de pertinéncia. Nessa primeira fase, o que se chamou teoria do filme (ou teoria do cinema, pois quase no se diferen- 20 ciavam ainda) consistia em um ato global de atenco, even- tualmente elevado ¢ preciso, concemente a0 fato filmico ‘ou a0 fato cinematogrifico: estudo eclético e sincrético, em alguns casos muito esclarecedor, que apelava para vi- rios métodos sem aplicar qualquer um deles de maneira persistente, e, as vezes, sem o saber. Em uma terceira fase com a qual poderemos contar algum dia, esses diversos mé- todos deverdo ser reconciliados em profundidade (0 que pode implicar o comum desaparecimento de suas formas atuais), € a teoria do filme serd, entao, uma verdadeira sin- tese, nao sincrética, capaz de determinar exatamente o campo de validade de diversas abordagens, a articulacio de diversos niveis. Atualmente, parece que nos encontr: ‘mos nos primérdios da segunda fase, que um provisério ‘mas necessério pluralismo metodolégico pode definir, um indispensdvel tratamento da fragmentagao. A psicologia do filme, a semiologia do filme, etc., nao existiam ontem, talvez nao existam mais amanha, mas, hoje, € necessério deixar viver, as unificagoes verdadeiras nunca se realizando por imposicao, mas somente ao cabo de numerosas pes- quisas. Por todas essas razies, 0 tinico principio de pertinéncia atualmente capaz de definir a semiologia do filme — além de sua aplicagao ao fato filmico mais do que ao fato cine- matografico — € a vontade de tratar os filmes como textos, como unidades de discurso, obrigando-se assim a pesquisar 0s diferentes sistemas (quer sejam cédigos ou no) que venham informar esses textos ¢ tornar-se implicitos neles. Se se declarar que a semiologia estuda a forma dos filmes, isso deve ser feito sem esquecer que a forma nio € 0 que se opée ao conteddo, e que existe uma forma do contetido, to importante quanto a forma do significante, a

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