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| Desvendando a comunicagao | usada pelas pessoas com surdez Para Comeco de Conversa... Acteditamos que a historia sempre nos faz refletir e entender os fatos atuais, que o presente nio esta descolado do passado, que a trajetéria € importante para ser vista como um processo. Nessa tentativa, procuramos fazer uma sintese da histéria da educacio dos Surdos, com base em trés autores:” a fonoau- didloga Maria Cecilia Moura, a educadora Maria Aparecida Leite Soares ¢ 0 neurologista Oliver Sacks, que setvirio de base te6rica para termos uma visto geral da historia que queremos contat. Neste momento inicial, gostariamos de deixar claro qual a terminologia usada neste trabalho, Muitos termos € polémicas se fazem presentes quando falamos de deficiéncia e de Surdos. Usatemos 0 conccito de Sassaki (1997)? quando nos referirmos dis pessoas com deficiéncia. Muitas expressdes sao utilizadas indiscriminadamente: pessoas portadoras de necessidades especiais, pessoas com necessidades especiais, portadores de necessidades especiais, deficientes. © termo que consideramos mais adequado atualmente refere-se a pessoa com deficiéncia ou aluno com deficiéncia, termo que usaremos neste trabalho. Outro termo que usaremos é o que se refere 4 surdez. Quando usarmos termo “Surdo” (com ini- cial maiiiscula), trata-se de um grupo minoritério, portador de uma deficiéncia auditiva, usuario de uma mesma lingua (de sinais) ¢ de uma mesma cultura. Jé 0 termo “surdo” (com inicial mintiscula) refere-se & condigio audiolégica de aio ouvir, Essa terminologia foi usada primeiro por Woodward ¢ depois por Moura e sera adotada também neste trabalho Fazer um tetrospecto da histéria da educagio dos Surdos niio € uma tarefa das mais faceis, pois trata- -se de uma historia cheia de idas e vindas, de proibigdes e permissies. Gostarfamos ainda de esclarecer sobre as trés diferentes metodologias usadas na educacio dos Surdos que sctao citadas no decorter deste texto. Sio elas o Oralismo, a Comunicagio ‘Total ¢ 0 Bilinguismo. A primeira tendéncia que apareceu na edueagio dos Surdos foi o Oralismo, que tem como objetivo capaciti-los na compreensio e na produgao de uma lingua oral. Nesse método, a Iingua de sinais € vista como um impedimento para 0 desenvolvimento da fala, A segunda abordagem é a Comunicagio Total, que se desenvolven mais amplamente a partir de 1980 € traz como ptincipios que toda forma de conmnicacao é valida na tentativa de que a ctianca deficiente auditiva tenha uma lingua: fala, leitura orofacial, treinamento auditivo, expressio facial e corporal, mimi- a, leitura e escrita e sinais. O tetceito e mais atual dos métodos é 0 Bilingnismo, que nasceu na Suécia, ¢ teve como principio metodoligico fundamental que a lingua de sinais fosse vista como a primeira lingua (Lingua materna) da comunidade Surda, Nesse caso, a fala é vista como uma possibilidade e nio como uma obrigacio. MOURA, M, C. O Sudo — Caminbos para ama Nova Téentidade Rio de Janeivo: Eciora Revinte, 2000, SOARES, M. A. L. Al Batwapio do Surdo wo Bred Braganca Peulisex Editora Autores Associacios, 1998. SACKS, O. W. Vande Vages Une Jornada pelo Mande ds Saas, Rio de Jneito: Imago Editora, 1990. > SASSAKI, R. K. Indio: Consruindo una Soiedade para Todos. Rio de Janeiro: WVA, 1997. “ MOURA, M.C. Opa cit Historia da Educacao de Surdos no Mundo O Surdo na Antiguidade Na Antiguidade, a educacio dos Susdos variava de acordo com a concepeio que se tinha deles. Para 8 gregos ¢ romanos, em linhas gerais, o Surdo nao eta considerado humano, pois a fala era resultado do Pensamento, Logo, quem nio pensava nfio ern humano. Nio tinham diteito a testamentos, 4 escolatizacao € a frequentar os mesmos lugares que os ouvintes, Até 0 século XII, 08 Surdos eram privados até mesmo de se casarem, Certa ver, Aristoteles afirmou que considerava 0 ouvide como o Orgio mais importante para a edu- casio, 0 que conteibuis para que o Surdo fosse visto como incapacitado para receber qualquer instrugio naquela época. Na Idade Média, a Igzeja Catblica teve papel fundamental na discriminacio no que se refere as pessoas com deficiéncia, jé que para ela o homer foi criado a “imagem e semelhanga de Deus” ' Portanto, os que niio se encaixavam neste padrio eram postos a margem, nao sendo considerados humanos. Entretanto, isso incomodava a Igreja, principalmente em relaco as familias abastadas. Nesta época, a sociedade era dividida.cm feudos. Nos castelos, 08 nobres, para ndo dividir suas heran- 28 com outras familias, acabavam casando-se entre si, o que gerava grande mimero de Sutdos entre eles, Por nto terem uma lingua que se fizesse inteligivel, 0s Surdos nao iam se confessar. Suas almas passaram 4 set consideradas mortais, pois cles niio podiam falar os sacramentos. Foi entio que ocorreu a primeira fentativa de educé-los, inicialmente dle maneita preceptorial. Os monges que estavam em clausura, ¢ ha- viam feito © Voto do Siléncio para nao passat os conhecimentos adquiridos pelo contato com os livros sagrados, haviam criado uma linguagem gestual para que niio ficassem totalmente incomunicéveis, Esses ‘monges foram convidados pela Ipreja Catdlica a se tornarem preceptores® dos Surdos. A Tgteja Catélica tinha grande influéncia na vida de toda sociedade da época, mas nfo podia prescindic dos que detinham o poder econdmico, Portanto, passou a se preocupar em instruir os Sutdos nobres pata que 0 circulo niio fosse rompido. Possuindo uma lingua, eles poderiam patticipar dos ritos, dizer os sacen- mentos ¢, consequentemente, manter suas almas imortas, Além disso, nfo perderiam suas posigdes e pode- iam continuar ajudando a Santa Made Tgreja SMAZZOTA, MJ. Edscaste Eipacal no Brash Hiutria ¢Peticas Piblies Sto Paulo: Corter, 1996, “ Preceptor: que ou agucle que & encerregado da educagdo ¢/ou da instrugZo de unm exanga ou de um jovem, gralnente na casa dest. (tp: / Phousissssol. com bx/buseajhem) pil O Surdo na Idade Moderna E somente a partic do final da Idade Média que 08 dados com relagio a educagio e A vida do Sudo tornam-se mais dispontveis, E exatamente nesta época que comecam a surgir os ptimeiros trabalhos no sentido de educar a crianga surda e de fntegrdsla (ainda no é incluso) na sociedade. Até 0 século XV, os Surdos — bem como todos os outros deficientes ~ tornaram-se alvo da Medicina da religiio catélica. A primeita estava mais interessada em suas pesquisas ¢ a segunda, em promover a caridade com pessoas tio desafortunadas, pois para ela a doenca representava punigio, No ocidente, os primeiros educadores de Surdos de que se tem noticia, comecam a sutgit 2 partir do século XVI. Um deles foi o médico, matemético e astrdlogo italiano Gerolamo Catdano (1501-1576), cujo primeiro filo era Surdo, Cardano afirmava que a surdez nto impedia os Surdos de receberem ins. trugio. Ble fez tal afirmagio depois de pesquisar e descobrir que a escrita representava os sons da fala ou das ideias do pensamento, Outro foi Pedro Ponce de Leon (1510-1584), monge beneditino que viveu em um monastétio na Espanha, em 1570, ¢ usava sinais rudimentares para se comunicas, pois lé havia 0 Voto do Siléncio. Strnadové, uma autora checa Surda, nos conta em seu livro” que foi desta forma que se teve o tegisteo da primeira vez que sc fer. uso do alfabeto manual: “No comersanam entre si em vox alta, porém seus dedos tac Qrrelzvam. Eran nranges, mas nto era bobos". Acteditamos que a privacio de comunicagio que existia neste mosteiro possibilitou a criagio de outra forma de expresso, no muito diferente do que observamos na convivéncia com os Surdos. Hi registzos de que uma familia espanhola teve muitos descendentes Surdos por tet 0 costume, jé mencio- nado anteriormente, de se casarem entre si para niio dividirem os bens com estranhos. Dois membros dessa familia foram para o mosteiro de Ponce de Leon ¢ If, junto dele, deram otigem a Lingua de Sinais. Ponce de Leon foi tutor de muitos Surios e foi dado a ele o mérito de provar que a pessoa Surda eta capaz, contrariando a afirmago anterior de Arist6teles. Seus alunos foram pessoas importantes que dominavam Filosofia, Histéria, Maternitica e outras ciéneias, o que fez com que 0 trabalho de Leon fosse reconhecido cm toda a Europa, Pelo pouco que restou de registro de seu método, sabemos que seu trabalho iniciava com o ensino da escrita, por meio dos nomes dos objetos, ¢ em seguida o ensino da fala, comegando pelos fonemas. Os nobres, que tinham em sua familia um descendente Surdo, comecatam a educé-lo, pois os primoggnitos Surcios nfio tinbam direito & heranga se no aprendessem a falar, o que colocava em risco toda a riqueza da familia, Se falassem teriam garantidos sua posicZo e seu reconhecimento como cidadio. No século XVI, a gtande revolugio se deu pela concepgio de que a compreensio da ideia no de- pendia da audigio de palavras, Em 1620, o padre espanho! Juan Pablo Bonet (1579-1633), fildlogo e soldado a servigo secreto do rei, considerado um dos primeiros preceptores de Surdos, criou o primeito tratado de ensino de surdos- -mudos* que iniciava com a escrica sistematizada pelo alfabeto, que foi editado na Franca com 0 nome de Redagao das Letras e Artes de Ensinar os Mudos a Falar. Bonet foi quem primeito idealizou e desenhou o alfabeto manual, Ele, em seu livto, destaca como ideia principal que seria mais ficil para o Surdo apren- der a ler se cada som da fala fosse substituido por uma forma visivel ” STRNADOVA, V. Come E Ser Sun, Rio de Janeiro: Babel Editora, 2000. * Fique claro que sempre que esse termo aparecer, cefere-se 40 usedo na épocn e que atualmente cau em desuso. Alguns estudiosos da lingua também se dedicaram ao ensino dos Surdos ¢ um exemplo ¢ 0 holandés ‘Van Helmont (1614-1699) que propunha 2 oralizagio do Susdo por meio do alfabeto da lingua hebraica, pois, segundo ele, as letras hebraicas indicavam a posi¢io da latinge ¢ da lingua a0 reproduzir cada som. Helmont foi quem primeiro descreveu a leitura labial e 0 uso do espelho, que posteriormente foi aper- feigoado por Amman sobre quem mencionaremos a seguir. Jacob Rodrigues Pereira (1715-1780) foi um educador de Surdos portugués (emigrou para a Franca ainda crianga) que, embora usasse a Lingua de Sinzis com fluéncia, defendia a oralizacao dos Sutdos. Seu trabalho consistia na desmutizagio por meio da visio (usava um alfabeto digital especial manipula- vva.os Orgios da fala de seus alunos), Educou doze alunos, todos eles usuitios de linguagem oral. Existem tclatos que colocam em risco 0 seu método, ressaltando que ele eta professor somente de alunos que no eram completamente Surdos 0 que facilitava a oralizacao. ‘Temos alguns estudos que indicam que a escrita nao era vista como insergio do sujeito na sociedade, mas sim como uma tentativa de substituir 0 que lhe faltava, a fala, Johann Conrad Amman (1669-1724) foi um médico e edueador de Surdos suigo que aperfeigoou os procedimentos de leitura labial por meio de espelhos e tato, percebendo as vibragSes da laringe, método usado até hoje em terapias fonoaudidlégicas. Para Amman, 0 foco do seu trabalho era 0 Oralismo, pois acreditava que os Surdos eram pouco dife- rentes dos animais, devido a incapacidade de falar. Acreditava que “na voz residiria o sopro da vida, o espi- tito de Deus”. Era contra 0 uso da Lingua de Sinais, acreditando que seu uso atrofiava a mente, impossi- bilitando o Susdo de, no futuro, desenvolver a fala por meio do pensamento. O segredo de seu método s6 foi descoberto apés a sua morte. Relatos demonstram que usava 0 paladar para a aquisicio da fala, No século XVI, era percebido © grande interesse que os estudiosos tinham pela educagao dos Sur- dos, principalmente porque tinham descobetto que esse tipo de educagao possibilitava ganhos financei- 08, pois as familias abastadas que tinham descendentes Surdos pagavam grandes fortunas para que seus filhos aprendessem a falar ¢ escrever, Isso € observado em Thomas Braidwood (1715-1806), educador de Surdos inglés. Em 1760, fundou, em Edimburgo, a primeira escola na Gra-Bretanha como academia privada. Em 1783, transferiu-se para Londres ¢ recomendou 0 uso de um alfabeto onde se utilizassem as duas mios que ainda hoje esti em uso na Inglaterra." Seus alunos aprendiam palavras escritas, scu significado, sua prontincia ¢ a leitura orofacial, além do alfabeto digital. Outras escolas que usavam 0 mesmo método que Braidwood eram organizadas por sua familia e seu método era mantido em segredo para gatantit seu monopélio. Quando Kinaiburg (um de seus “discipulos”) aprenden o método com Braidwood, foi obrigado a manter segre- do e pagar sempre metade do que ganhava ao “dono” do método. Certa vez, Kinniburg foi procurado por Thomas Gallaudet (1787-1851), educador ouvinte americano, que quetia levat o método para os Estados Unidos, mas Kinniburg, nfo aceitou a proposta. O abade Charles-Michel de L'Epée (1712-1789) foi um educador filantrépico francés que ficou conhe- cide como “Pai dos Surdos”” e também um dos primeiros que defendeu o uso da Lingua de Sinais. “Re- "Testo do sir ep/ /ptvikipediaony/wiki/Jaccb_Rodigues_Persrs, consultado em 10 de Fevereiro de 2008, as 17130, MOURA, M,C. Opa cic "Texto do i htpy//wwwcasasonotone.com/doesurder, consukado em 10 de Fevereito de 2009, 3s 17h45, "Texto clo ate huep//puvikipedia.orp/wiki/Charles-Michel_de_1Y6C3¥489p%C3¥%6A9e, consultado ern 11 de Fevereico de 2008, 8 Ib. 24 conheceu que a ingua existia, descnvolvia-se ¢ servia de base comunicativa essencial entre os Surdos”. LEpée teve a disponibilidade de aprender a Lingua de Sinais para poder se comunicar com os Surdos. Criou a primeira escola publica no mundo para Surdos em Patis, o Instituto Nacional para Surdos-Mu- dos, em 1760. L’Epée fazia demonstragées de seus alunos em praga publica, assim arrecadava dinheiro ara continuat seu trabalho, Estas apresentages consistiam em perguntas feitas por escrito aos Surdos, confirmando que seu método era eficaz, L'Bpée tinha grande intcresse na educacio religiosa dos Surdos ¢ sabia que para isso era importante que fosse desenvolvida uma forma de comunicagao que fizesse os conhecimentos sagrados possfveis, L1Bpée referia-se & Lingua de Sinais com respeito e a obra mais importante dele foi publicada em 1776 com o titulo. Verdadeira Maneira de Insiruir os Surdes-Mudes. O século XVIII ¢ considerado por muitos o perfodo mais prospero da cducagio dos Surdos, Neste sé- culo, houve a fundagio de vatias escolas para Surdos. Além disso, qualitativamente, a educagio do Susdo também evolu, jé que, através da Lingua de Sinais, eles podiam aprender ¢ dominar diversos assuntos ¢ exercer diversas profissbes."* "MOURA, M. C. Opae ae "Texvo do site brtp/ /wwacadventstadapromesea.com:br/vilamediros/Depattamentos/LIBRAS, consulado em 10 de fevereico de 2009 as 1OhLS, O Surdo na Idade Contemporanea Os trabalhos realizados em instituigdes somente apareceram no final do século XVIII. Até esta época eram os preceptores (médicos, religiosos ou graméticos) quem realizavam essa tarefa. Sabemos que, antes de 1750, a maioria dos Surdos que nasciam nio era alfabetizada ou instrufda, Em 1790, no lugar de L'Epée, Abbé Sicard (1742-1822) foi nomeado diretor do Instituto Nacional de Surdos-Mudos. Ele publicou dois livros: uma gramitica geral e um relato detalhado de como havia treinado Jean Massieu (Surdo). Com a morte de Sicaed, foi nomeado como diretor do Instituto seu diseipulo Massicu, um dos primei- 08 professores Surdos do mundo. Esse fato fer. desencadear uma grande disputa pelo poder, envolvendo outros dois estudiosos da surdez, Itard e Gérando, ocasionando o afastamento de Massieu da directo do Instituto, Jean-Marc Itard (1775-1838) foi um médico-cirurgiio francés que se tornou médico residente do Ins- tituto Nacional de Surdos-Mudos de Paris, em 1814. Ele estudara com Philipe Pinel, pai da Psiquiatria, ¢ seguia os pensamentos do filésofo Condillac, para quem as sensacées eram a base para o conhecimento humano ¢ que reconhecia somente a experiéncia externa como fonte de conhecimento, Dentro desta concepeiio era exigida a erradicacio ou a “diminuigao” da surdez para que 0 surdo tivesse acesso a este conhecimento.® Itard iniciou um trabalho com 0 Garoto Selvagem, em 1799, descrito no filme francés de 1970, O Garo- 10 Selvager, de Frangois Truffaut, Trata-se de Victor, um menino encontrado nos bosques de Aveyron, por volta dos 12 anos de idade, deslocando-se de quatro, comendo bolotas de carvalho e levando uma vida de animal. Quando foi levado para Paris, em 1800, despertou um enorme interesse filosGfico e pedagégico: Como ele pensava? Podia ser instruido? Itard trabalhou com © Garoto Selvagem por cinco anos ¢ foi constatado que Vietor nunca adquiriu linguagem, foi somente forgado a falar. A histéria de Victor € tao interessante que serviu de inspiragio para um filme da Disney de nome Mag; O Menino Lobo Itard" dedicou grande parte de seu tempo tentando entender quais as causas da surdez. Sua primeira constatagio foi a de que a causa dela no era visivel. Seus préximos passos foram dissecar cadaveres de Sutdos, dar descargas elétricas em seus ouvidos, usar sanguessugas para provocar sangramentos e furar as membranas timpanicas de alunos, fazendo com que um deles fosse levado a morte € outros tivessem fraturas cranianas ¢ infeccdes devido as suas intervencdes. Itard sunca aprendeu a Lingua de Sinais. Seu trabalho era todo voltado para a discriminagao dos instrumentos musicais para posteriormente chegar disctiminacio de palavras ¢ criou o curso de articulagio para surdos-mudos apreveitiveis” Apés 16 anos de trabalho incessante para chegar A oralizacio, Itard rendeu-se ao fato de que o Surdo s6 pode ser edu- cado por meio da Lingua de Sinais. O bardo de Gérando era {il6sofo, administrador, histosiador ¢ filantropo. Ganhou a disputa pelo cargo de diretor do Instituto Nacional de Surdos-Mudos de Paris, mencionada anteriormente, Gérando acteditava na superioridade do povo curopen e sua intengao cra equiparar os selvagens 20s europeus. Pasa ele, os Sur- dos entravam na categoria de selvagens e sus lingua era vista como pobre quando comparada a lingua oral e nio deveria ser usada na educacio. Com esta concepeifo, os professores Surdos da escola foram substitui- dos pelos professores ouvintes ¢ a oralizagio era seu principal objetivo. “Os sinais deveriam ser banidos da educagio”."* Apés anos de trabalho, reconheceu, antes de morter, a importiincia do uso dos Sinais. Texto do site http. / Awww.surda.orgbe/informacao phpZinfo=Historiagly=pr, consultado em 11 de fevereim de 2008, 3s 10h. ™ MOURA, M.C. Opur cit "Termo uslizado pelo autor ctado. ™ MOURA, M.C Opie cit A educacio dos Surdos nos Estados Unidos aconteceu com mais dificuldade do que na Europa, visto que 0 acesso 4 metodologia inglesa sempre era negado, Assim aconteceu com Thomas Gallaudet quando foi visitar Braidwood ¢ Kinniburg, que nfo revelaram seu método. Gallaudet entéo procurou L'Epée no Instituto Nacional de Surdos-Mudos de Paris. Ele foi aceito para fazer um estigio conheceu Lau- rent Clerc (1785-1869), um professor Surdo da escola, Posteriormente, Gallaudet convidou Clerc para retomarem aos Estados Unidos em 1816 para fundarem a primeira escola publica para Surdos daquele pais. Abritam a escola em abril de 1817 (Hartford School) devido as doagdes que receberam. (Note uma diferenca de mais de 50 anos de atraso entre a mesma iniciativa na Europa) A Lingua de Sinais usada na escola era inicialmente a francesa ¢ gradualmente foi sendo modificada para se transformar na Lingua Americana de Sinais. © filho de ‘Thomas Gallaudet, Edward Gallaudet, fundou em 1864 a primeira faculdade para Surdos, localizaca ein Washington. Ap6s anos trabalhando com os Surdos, Edward resolveu fazer uma grande viagem, visitando outros paises ¢ outras instituigées pasa verificar se seu método estava adequado, Voltou desta viagem apoiando o trabalho de Oralismo e adoton ‘como papel da escola fornecer treinamento em articulagio ¢ em leitura orofacial para aqueles alunos que poderiam se beneficiar deste treinamento”.” No mesmo ano em que foi instituido o Oralismo, Clerc, que sempre defendeu o uso da Lingua de Sinais, faleceu (1869). © Oralismo foi a principal forma de educagao dos Suzdos nos 80 anos posteriores, ‘A Universidade Gallaudet, como é chamada atualmente, é ainda a tinica escola superior de artes liberais para estudantes Surdos do mundo, e a primeica lingua utilizada nas aulas da universidade foi a Lingua de Sinais. Outro defensor do Oralismo foi Alexander Graham Bell (1847-1922), cientista e inventor do telefo- ne, Ele eta filho de Surda e casado com Mabel, que perdera a audicio quando jovem. Oralizada, ela no gostava de estar na presenga dos Surdos. Para cle, a surdez era um desvio, O's Surdos deveriam se passat por ouvintes encaixados num mundo ouvinte ¢ um aluno Surdo ter como professor um instrutor Surdo 36 serviria como empecilho para sua integragio com a comunidade ouvinte. Bell acreditava que 0s Surdos deveriam estadar junto com os ouvintes, no como direito, mas para evitar que se unissem, que se casas- sem ¢ ctiassem congregacées. O fato de que os Surdos se casassem pata ele representava um perigo para a sociedade. Criow o telefone em 1876 tentando eriar um acessério para Surdos. ‘Veditz, ex-presidente da Associagio Nacional dos Surdos, ressalta que Bell foi considerado “o mais temido inimigo dos surdos americanos”.” As instituigdies de educacio de surdos se disseminaram pot toda Europa, e em 1878, em Paris, acon- teceu o I Congresso Internacional de Surdos-Mudos, instituindo que o melhor método para a educacio dos surdos consistia na articulagio com leitura labial e no uso de gestos nas séries iniciais. Esta determi- nagio somente durou dois anos, pois em 1880, em Milo, ocorreu o II Congresso Mundial de Surdos- -Mudos, que promoveu uma votagio para definir qual seria a melhor forma de educar uma pessoa Surda. ‘A partir desta votagio com os participantes do congresso, foi recomendado que o melhor método seria © otal puro, abolindo oficialmente o uso da Lingua de Sinais na educagio dos Surdos. Vale ressaltar que apenas um Surdo participou do congresso, mas nao teve dircito de voto, sendo convidado a se retirar da sala de votacio. * MOURA, MG pur at ® SACKS, O.W. Opus a. As determinacdes do Congreso foram: +a fala é incontestavelmente superior aos Sinais e deve ter preferéncia na educagio dos Surdos; * 0 método oral puro deve ser preferido 20 método combinado. A partir do II Congresso Internacional de Surdos-Mudos, o método oral foi adotado em virios paises da Europa, acteditando-se que esta eta a melhor maneira para o Surdo receber a instrucio no ambiente escolar, Acteditamos que esta foi uma fase de extrema importincia para entendermos o processo que se deu na educagio dos Surdos, Quando eles ja estavam em uma situagio diferenciada, sendo instruidos, edu- cados ¢ uswitios de uma lingua que lhes permitia conhecimento de mundo, uma determinagio mundial Ihes colocou de novo em uma posicio submissa, proibindo-os, a partir daquela data, de usarem a lingua que thes esa de direito. A partir da convivéncia que temos tido com as pessoas Surdas percebemos que se trata de uma co- munidade que costuma, em sua maioria, conviver em “guetos”, optar por casamentos entre si e estudar com os iguais. Muitos se mostram desconfiados quando os ouvintes se aproximam, pois se consideram incompreendidos. Podemos entender que este comportamento é resultado dessas ages de mais de dois séculos. Ainda colhemos frutos amargos delas. Nao podemos deixar de levar em conta que o pasado foi necessfrio para chegarmos a um presente mais adequado e naquela época hist6rica aquelas ages eram consistentes. Os Surdos, muitas vezes, foram usados, deslocados € colocados em situaglio de desconforto social que Ihes causou muito sofrimento € tudo isso muito mais por ndo serem usudrios de uma lingua oral do que por serem Surdos. © que obscrvamos fazendo esta retrospectiva hist6rica € que muitos estudiosos defensores do Ora- lismo, depois de uma vida de tentativas, resolveram aceitar 0 uso da Lingua de Sinais como possibilidade para o Surdo, al O Surdo no Século XX Durante os 80 anos de proibigio do uso de Sinais, os insucessos foram nowdos em todo o mundo. Os Surdos passavam pot oito anos de escolaridade com poucas aquisigdes ¢ salam das escolas como sapateiros e costurciros. Os Surdos que no se adaptavam a0 Oralismo eram considerados retardados, Nao era respeitada a dificuldade de alguns Surdos por causa de sua perda de audicio severa ¢ profunda. As pessoas somente estavam interessadas em fazer com que o Sutdo fosse “normalizado” e que desenvolvesse a fala para que assim ninguém precisasse mudar ou sair da sua situacio confortével. Quem deveria mudar era o Surdo, (© que nio se entendia é que, para a grande maioria deles, nio era organicamente possivel, Na primeira avaliacio sistematica do método oral, Binet e Simon (dois psicélogos criadores do teste de quociente de inteligéncia) concluiram que os Surdos nfo conseguiam realizar uma conversacio, s6 podiam ser entendidos e entender aqueles a quem estavam acostumados.” O uso de Sinais s6 voltou a ser aceito como manifestacio linguistica a partic de 1970, com a nova metodologia criada, a Comunicacio Total, que preconizava 0 uso de linguagem oral ¢ sinalizada ao mesmo tempo. Atualmente, o método mais usado em escolas que trabalham com alunos com surdez é o Bilinguismo, que usa como lingua materna a Lingua Brasileira de Sinais e como segunda lingua, a Lingua Portuguesa Escrita, MOURA, M. C. Opue ce Histéria da Educagio de Sutdos no Brasil No Brasil, a edueacio dos surdos teve inicio durante o Segundo Império, com a chegada do educador francés Hernest Huet, ex-aluno surdo do Instituto de Paris, que trouxe o alfabeto manual francés ¢ a fing Francesa de Sinais. Deu-se origem & Lingua Brasileira de Sinais, com grande influéncia da Lingua Francesa. Huet apresentou documentos importantes para educat 0s Surdos, mas ainda no havia escolas especiais. Solicitou, entio, 0 Imperador Dom Pedro II,” um prédio para fandat, em 26 de setembro?* de 1857, 0 Instituto dos Surdos-Mudos do Rio de Janeiro, atual Instituto Nacional de Educacio dos Surdos ~ INES. O Instituto inicialmente utilizava a Lingua dos Sinais, mas em 1911 passou a adotar o Oralismo Puro, seguindo a determinacio do Congreso Internacional de Surdos-Mudos de Milo, Dr. Menezes Vieita, que trabalhou no Instituto, defendia este método afirmando que nas relages sociais o individuo Surdo usaria a linguagemn oral e no a escrita, sendo esta secundéria para ele. Além disso, ee tinha como conviceio ser um desperdicio alfabetizar Surdos num pais de analfabetos. Pata cle, “a fala seria 0 nico meio de restituit 0 surdo-mudo na sociedade”™ © Instituto tinha vagas para 100 alunos do Brasil todo e somente 30 exam financiadas pelo governo, ‘tue oferecia educacao gratuita. Os alunos tinham de 9 a 14 anos e participavam de oficinas de sapatata, encadernagio, pautagio ¢ douracio, © quarto dizetor do Instituto, o médico Tobias Leite, apresentava um foco diferente do Dr. Menezes Vieira no que se xefere & educacio dos surdes, Para ele, 0 que era de primeita importincia era a ptofissio- nalizacao, afirmando que “nio tanto porque os sucdos aprendem facilmente, mas porque so fdelfssimos executores das instrugdes e ordens do pattio”.> Entre os anos 1930 1947, o Instituto esteve sob a gestio do Dr. Armando Paiva Lacerda e foi duran- fe esse periodo que foi desenvolvide por ele a Pedagogia Emendativa do Surdo-Mudo que mais uma vez destaca que o método oral seria a tiniea mancira do Surdo ser incluido na sociedade, Na gestio do Dr. Armando Paiva Lacerda, foi instituido também que os alunos do Instituto passas- sem por aplicagdes de testes para verificar a inteligéncia e a aptidio para a otalizacto, Apés estes testes, 08 alunos eram separados de acordo com suas capacidades. O objetivo era que as salas de aula fossem cada vez mais homogéneas, separadias dle acordo com a seguinte classificagio: surdos-mudos completos, surdos incompletos, semissurdos propriamente ditos, semissurdos. AA visio que este diretor tinha da educagio dos Surdos pode ser demonstrada por meio da seguinte afirmacio: “Stparades os anormais em classes bomgtnvas suas sebremaneira a tarefa aducatina que é muito mais Afcile ingrata ex relagio a estas rkangas”* Em 1951, assume a dirego do Instituto a Profa. Ana Rimoli de Faria Déria, O interessante é que aps quase 100 anos de existéncia, essa era a primeira vex que um profissional da educacdo estava na ditecio deste Instituto, A grande inovagio do periodo de sua gestio foi a implementagio do Curso Normal de Formaciio de Professores pata Sutdos, Sendo o Instituto uma referencia pata todo 0 Brasil, recebia pro- Fessores de todo o pais para fazer 0 cusso que tinha duracio de trés anos. A metodologia usada era toda voltada para 0 Oralismo. “Dom Pedro Tinh grande nteresse na elucgio do Suds pois nha um nero Sur fho da princes abe), que er asad como conde ‘D'Bs,pareiakoente Surdo, In: SOARES, M.A. L.A Eada do Seno wo Bra Braganga Palisa: Edtora Autores Associa, 1899, Por este mosvo, o Dia do Surco é comemonndo nesta data *SOARES, M, A. L. Opus ct idem, idem, Se emRTECA CAG |BRASILIA

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