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2 Leitura, sistemas de conhecimentos € processamento textual Na atividade de leitura e producto de sentido, colocamos em agio varias estratégias socio- eae tena instrugao. cognitivas. Essas estratégias por meio das quais se | eee ve cs us realiza 0 processamento textual mobilizam varios | aeao (soe, 2002: 50) tipos de conhecimento que temos armazenados na meméria, como veremos neste capitulo. Dizer que o processamento textual € estratégico significa que os leitores, diante de um texto, realizam simultineamente varios passos ntados, efetivos, eficientes, flexiveis amente ori interpretativos finalist extremamente ripidos. Para termos uma idéia de como ocorre o processamento textual, basta pensar que, na leitura de um texto, fazemos pequenos corte que funcionam como entradas a partir dos quais elaboramos hipéteses de interpretagao. Koc (2002) afirma que, para o processamento textual, recorremos a trés grandes sistemas de conhecimento: a Vilage Koch * Vanda Mara Eas 40 + conhecimento lingiifsticos + conhecimento enciclopédico; + conhecimento interacional. Conhecimento lingtistico Abrange © conhecimento gramatical ¢ lexical. Baseados nesse tipo de conhecimento, podemos compreender: a organizaciio do material lingitistico na superficie textual; 0 uso dos meios coesivos para efetuar a remissio ou seqtienciacao textual; a selecao lexical adequada ao tema ou aos modelos cognitives ativados. A titulo de exemplicacao, vejamos a importincia do conhecimento lingiistico para a compreensio dos textos a seguir: Texto 1 Fonte: 0 Estado de Paulo, 17 set. 2004, Para a compreensio dessa tirinha, € necessdrio considerar a liga¢lo enire a idéia 1 MAGNGHIG) c a idéia 2 ARGU ReeRRAHaMeRIe TANCE estabelecida pelo elemento coesivo ~ iii -, conjuncao que expresst eposicio em relacio ao esperado, ao. Pressuposto. No caso, se é mio Sinica, espera-se que seja a cera. © que 0 uso do Bf expresst, no exemplo, € justamente a oposigio a idéia pressuposta, Certamente, Poderemos realizar leituras ¢ leituras em relagio a tirinha, porém, nessa atividade de producao do sentido, 0 HS 6 el ‘lemento relevante. iu is on the able. 4 ‘ena América do Norte, desde (05 anos 80, J4 fax nto tempo Wwe # cachaga pernambueana ue am 8 perma @ conheclds no exterior 4 Ms fora, 0 nome dam confunde-se com 0 nome da bebida, Muita gente pede Pad to inves de pedir cachaga E assim flea com uma dune referéncla dessa bebida ‘genulnamente brasileira No texto, o enunciado PHOS MRIGBIE nos chama a atengio por presentamon: dois motives, ndlo necessarlamente na ordem em que primeiro porque esta escrito em letras garrafitis; segundo, porque contém 42. egedore vilaca Koch © Vanda M ‘0 sintitica de predicado — nao em lingua uma expresso — com at funk portuguesa, mas em lingua ingles ‘ A compreensio da mensagem €xige do leitor resposta 2 questio: 6 que significa a expresso em inglés? A expresso i OAMEABIE, crjo significado & ESUISSBREDMES, pode ser entendida por alguém que inglesa. Esse conhecimento da lingua ¢ ssuposto para a compreensio que mo de expresso é pre conhega um mi do significado d mais completa se 0 leitor ‘a “brincadeira” Feita a partir de uma frase basica que os book is on the table”; * perceber iniciantes em inglés aprendem: “The « Jevar em conta que 0 uso do inglés € nao de uma outra lingua é dicadora do prestigio ¢ abrangéncia da lingua inglesa no cendrio « considerar nao sé a mensagem produzida, mas também o meio de circulacao © 0 objetivo pretendido: veiculado em revista brasileira de grande tiragem, 0 antincio objetiva atingir novos consumidores com base na idéia da apreciac&o/aceitagao da aca brasileira (leia-se Pit) em varios lugares do mundo. ca Além disso, contudo, necessario se faz que 0 leitor leve em conta ispectos relacionados a0 conhecimento ¢ uso da lingua, 2 organizaca do material lingiistico na superficie textual, a0 uso do meios coesivos para introduzir € retomar um referente. No texto, a referenciagio (ver capitulo 6) a Pitti é construida por meio das expressdes nominais: f cachaca pernambucana, 0 home da bebida, bebida genuinamente brasileira, destacando-se a selecao lexical adequada ao tema ou a0s modelos cognitivos ativados. Conhecimento enciclopédico ou conhecimento de mundo Refere-se a conhecimentos gerais sobre 0 mundo — uma espécie de thesaurus mental ~ bem como a conhecimentos alusivos a vivéncias Pessoais ¢ eventos espacio-temporalmente situados, permitindo a producao de sentidos. Vejamos os textos a seguir; ter ecompreender 43 Texto 1 Ea CUE is ADVERSARIOS VENDO ESTRELAS. SEIS, DE PREFERENCIA. Cee ee ore Fonte: Flha de 5 Paulo, 5 set. 2005, Se nao levarmos em conta conhecimentos de mundo, como, entio, compreender © enunciado: [Seisy/dé jpreferencia Para a compreensao do texto, é preciso saber que o Brasil foi classificado para a Copa do Mundo de Futebol em 2006, a ser realizada na Alemanha, ¢ © esperado por todos nés, torcedores brasileitos, € que © pais seja campeao e, dessa forma, seja 0 tinico a obter 0 titulo de hexacampeao mundial, Ainda sobre 0 conhecimento enciclopédico, vejamos que, nos textos a seguir, esse conhecimento € essencial para a producao de sentido. Caso contritio, como rekicionar, no texto 2, 0 enunciado G6MGT6S peisonagens de tirinhas fazem a barba com o liquide corret6r? Ou ainda como felacionar, no texto 3, os enunciados quebrouy pagow com Jet (Gano LeitURA AiNAMIeAD /pagOU? Como vemos, é preciso num e noutro caso ativar conhecimentos das coisas do mundo para produzir sentido a partir do lingiiistico materialmente constituido. TWRINWAS BAZEA A BARBA Fonte: 0 Estado de S Paulo, 16 et. 2004, Na leitura do texto, entendemos 0 enunciado 666 OS Pesonageny dW tisinhas faze a arba, quando levamos em conta que: ao criagdes resultantes do trabalho + as personagens de tirinh: do autor; + esse trabalho, geralmente, & publicado em jornais ou revistas; * 0 liquido corretor € um produto utilizado para corregao da producao em papel; + os homens, no mundo real, usam aparelho de barbear para fazer a barba e, assim, alterar (“corrigir”) seu visual; * 0s personagens, seres do mundo ficcional criados em papel, também podem alterar (corrigir) seu visual, porém, para tanto, recorem a outro instrumento: o liquido corretor. Assim, a compreensio do texto ocorre, de modo satisfat6rio, quando © leitor ativa esses conhecimentos na sua interago com o texto, 0 autor. Texto 3 QUEBROU, a tau ae ANDO LEITURA DIN posen PAGOU Fonte: © Estado de 5 Poul, 6 set. 2004, ce comoreender 45 De que conhecimentos de mundo necessitamos para entender a tirinha anterior? Bom, € prec © considerar, quanto ao primeiro enunciado, que, geralmente, em lojas de artigos finos ou em feiras de antiguidades, nos deparamos com o enunciado: Favor Had tet. O enunciado do texto QUebFEU) Pago" seria uma versio nao polida daquele enunciado que poderia ser mais ou menos assim traduzido: *é bom nao tocar nos objetos, porque, se o fizer € quebrar algo, teri de pagar”. Quanto ao enunciado 2 Lew (usando Téitura dinaimica)) pagou, nos chama a atengao: * © paralelismo sintatico construido em relagio ao enunciado 1 Quebrou, pagou; Let... pagou; ea informacio entre parénteses Usanide Leituind Ginamica. Segundo nosso conhecimento de mundo, sabemos que leitura dinamica é um método caracterizado por técnicas que propiciam uma leitura com muita rapidez. Também pelo nosso conhecimento de mundo, sabemos que sempre ha quem recorra a esse método para justificar “uma olhadinha” (e claro, sem pagar) em livros, revistas jornais expostos em bancas de jornais, livrarias ou lugares afins. Pois bem, no caso do enunciado 2, a pressuposta desculpa dada por leitores — que funciona como justificativa para “ler sem pagar” - é usada na tirinha como justificativa para o pagamento. Como vemos, se os leitores no ativarem esses conhecimentos de mundo, a compreensio do texto estari comprometida Conhecimento interacional Refere-se as formas de interagio por meio da linguagem e engloba os conhecimentos: locucional; * comunicacional; © metacomunicativo; * superestrutural. es Fre 4B. Ingedore Vilaca Koch + Vanda Mera has Conhecimento ilocucional ie Permite-nos reconhecer os objetivos ou propésitos pretendidos pelo produtor do texto, em uma dada situacto interacional No trecho a seguir, extraido do livro A maior flor do mundo, escrito por José Saramago, reconhecemos 0 propésito do autor: desculpar-se grade ao publico infantil (os virtuais antecipadamente, caso 0 livro nao a leitores), uma vez que se trata de sua primeira obra enderecada a criancas, Trata-se de um exemplo muito bom de conhecimento ilocucional, Vejamos ok com palavras muito simples, porque as eriancas, tendo pequenas, sabem poucas palavras e nao gostam de usS-tascomplicadas, ‘Quem me dera saber escrever casas histias, was nunca fu capaz de aprender, e tenho pena. Além de ser precio saber escolher as palavras, fez falta um certo feito de contr, Juma maneita muito certa€ muito explicada, lama pacigneia muito grande — e a mim falta-me pelo menos « pacitncia, do que peso desculpa Forte: Suvco, A mar fr do manda Wst.de 10 Caetano, Sio Paulo: Companhia ds Letinhss, 2001, pp. 2:3 Por sua vez, no texto a seguir, o autor propoe que consideremos, Para a produgao de sentido, a “falta” de conhecimento ilocucional, revelada no balto do Gltimo quadrinho referente a fala do garoto em Fesposta 2 “bronca/critica” do pai. Vejamos: Ler ecompreender 47 TsxLmmor] fu s.quenoouns Pane se set ETZERAM Ua i rt \aEST-seuvew o| ESTORTAS QUE SeIam | uta vez um FIZERAM Y Treat) OP Paricremns] Pasartersaais | detente Ptr ‘ oraweee | “ssc Giese ott an r BECOMENDOL? Fonte: © Estado de S Paulo, 6 set. 2008 Também o texto de Ignacio de Loyola Brandao, que vamos ler a seguir, constitui-se de modo a focalizar a “falta” de conhecimento ilocucional e é justamente esse “desconhecimento” que provoca o efeito de riso no leitor, além de chamar a atengao, € claro, para o principio segundo © qual 0 sentido nao esta no texto, se considerarmos que nem tudo esté dito no dito ou, ainda, que nem tudo o que esté dito é 0 que estd dito. Passemos ao texto: Para quem nao dorme de touca \Na infancia, ele era diferente. Acreditava nos outros, acreditava nas coisas. Quando alguém dizia — Por que no vai ver se estou na esquina? Ele corria até a esquina, olhava, esperava um pouco, recontirmava e voltava: = Nao tem ninguém na esquina. — Quer dizer que voltei ~ Por que ndo me avisou que voltou? = Voltei por outro caminho. = Que outro caminho? = 0 caminho das pedras. Néo conhece 0 caminho das pedras? ~ Nao. ~ Entao nao vai ser nada na vida Outra vez, numa discussio, alguém foi imperioso: ~ Quer saber? Vi plantar batatas och © Vanda Mara 0185 um quilo de batatas e foi até 0 quintay u Ele correu no armazém, compro' ‘germinaram? Houve também aquele dis plantou tudo, Nao é que as batatas ‘em que um amigo convidou: = Vamos matar 0 bicho? ~ Onde o bicho ests? ~ Ali no bar. Se: ~ Que bicho? & perigoso? Me dé um minuto, paso 2, PEQO a espingarda do meu pai = Espingarda? Venha com a sede. — Nao estou com sede. — Matar 0 bicho, meu caro, é beber uma pinga. Em outra ocasido, um primo perguntou: ~ Vocé fez alguma coisa para a Mercedes? — Nao. Por qué? — Ela passou por mim, esté com a cara amarrada. — Amarrada com barbante, com corda, com arame? Por que uma pessoa ‘amarra a cara da outra? — Nada, esquece! Vocé ficou com cara de maméo macho, me deixou com cara de tacho. £ um cara-de-pau e ainda fica ai me olhando com a mesma cara. Outra vez, uma menina, que ele queria namorar, se encheu: ~ Para! Nao me amole! Por que ndo vai pentear macaco? ‘Naquela tarde ele foi surpreendido no minizoolégico do bairro, com um pente na méo e tentando agarrar um macaco, a quem procurava seduzir com ‘bananas. Uma noite, combinaram de jogar baralho e um dos parceiros propés: ~ Vai ser a dinheiro ou a leite de pato? ~ Leite de pato, propuseram os jogadores. Ele se levantou: = Entdo, esperem um pouco. Trouxe dinheiro, mas ndo leite de pato. Vou providenciar. ~ E onde vai buscar leite de pato? ~ A Mirela, ali da esquina, tem um galinheiro enorme, estd cheio de patos. Vou ver 0 que arranjo. Yoltou meia hora depois: moreerder 49 ~ No vou poder jogar, Os patos, me disse a Mirela, nao est3o dando leite faz uma semana ira e mandaram ele sentar e jogar. Em certo mamento, um jogador se iritou, [porque 0 adversirio, apesar de ingénuo e inocente, tinha muita sorte, ~ Vou parar Voce esté jogando com cartas marcadas. = Claro que tem marca! & Copag, a melhor fébrica de baralhos. Boa marca, rndo conheco outra ~ Estd se fazendo de bobo, mas ai tem dente de coelho ~ Juro que nao! Por que haveria de ter dente de coelho? Quem tirou 0 dente do coelho? ~ Além do mais, voce mente com quantos dentes tem na boca. A gente precisa ficar de orelha em pé. ~ Néo estou fazendo nada. Estou na minha, com meu joguinho, voces é que implicam. = Desculpa de mau pagador. = Néo devo nada a ninguém aqui ~ Deve 05 olhios da cara, = Devo? Nao comprei meus olhos. Nasceram comigo. Sé se os meus pais compraram e no pagaram, Todos provocaram, pagavam para ver = Nao venha com conversa mole, pensa que dormimos de botina? = Nio penso nada. Allis, nunca vi nenhum de voces de botina, = Melhor enrolar a lingua, se nao se enrosca todo. = Nao venha nos fazer a boca doce, que bem te conhecemos! As conversas eram sempre assim. Pelo menos foram até os meus 20 anos, quando deixei a cidade. A essa altura, vocés podem estar pensando que ele era sonso, imbecilizado. Garanto que no. Tanto que, hoje, é um empresdrio bem-sucedido, fabrica lencis, fronhas e edredons, é dono de uma marca conhecida, a Ber Querer & Bem-Estar. Nao sei se um de vocés j4 comprou. Se nao, recomendo. Claro, recomendo a quem nao dorme de touca, quem no tem conversa mole para boi dormir, quem nao dorme no ponto, quem rndo dorme na pontaria, para aqueles que ndo dormem sobre os louros. Enfim, para quem dorme com um olho aberto e o outro fechado. Fete Buwoso, nico de Loyola 0 Estado dS Paulo, 8 A. 2005. Cadeno 2. p.D14 50 do Mona € Ingedore vita Koch * Yard Conhecimento comunicacional Diz respeito : : quantidade de informagao necessa numa situacao comunicativa oA 6 parceito seja capaz de reconstruir 0 objetivg concreta, para que da produgao do texto; selecio da variante lingitistica adequad: interacao; + adequagao do género textual a situagio comunicativa, O trecho a seguir, extraido do livro Harry Potter ¢ 0 cilice de fogo, apresenta, no tocante 2 reflexao da personagem sobre 0 que e como escrever para seus interlocutores, um excelente exemplo do que vem a se © conhecimento comunicacional. Vamos ao texto: Harty tornou a examinar 0 quarto desanimado, e seus olhos pousaram nos cartdes de aniversério que seus dois melhores amigos tinham the mandado no fim de julho. Que seré que diriam se lhes escrevesse para contar que a cicatriz estava doendo? ‘Na mesma hora a voz de Hermione Granger penetrou sua cabeca, aguda e ccheia de pénico. Sua cicatriz esté doendo? Harry, isso é realmente sério... Escreve a0 Prof. Dumbledore! Vou verificar no meu livro Aflicées e males comuns na magia... Quem sabe tem alguma coisa la sobre cicatrizes produzidas por feiticos. E este seria 0 conselho de Hermione: vai procurar o diretor de Hogwarts, @, enquanto iss0, vai consultando um livro. Harry contemplou pela janela 0 céu azul, quase negro. Duvidava muito que um livro pudesse ajudé-lo. Que ele soubesse, era a dnica pessoa que tinha sobrevivido a um feitico como o do Voldemort; portanto, era pouco provavel que encontrasse os seus sintomas

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