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1 Leitura, texto e sentido Concepcao de leitura Freqiientemente ouvimos falar — e também falamos — sobre a importincia dla leitura na nossa vida, sobre a necessidade de se cultivar © habito de leitura entre criancas ¢ jovens, sobre o papel da escola na formacao de leitores competentes, com 0 que concordamos prontamente. Mas, no bojo dessa discussao, destacam-se questoes como: © que € ler? Para que ler? Como ler? Evidentemente, as perguntas poderio ser respondidas de diferentes modos, os quais revelarao uma concep¢ao de leitura decorrente da concepgio de sujeito, de lingua, de texto ¢ de sentido que se adote. Foco no autor Sobre essa questo, Kocx (2002) afirma que & concepgao de lingua como representacao do pensamento corresponde 2 de sujeito psicol6gico, individual, dono de sua vontade e de suas agdes. Trata- se de um sujeito visto como um ego que constréi uma representagio mental e deseja que esta seja “captada” pelo interlocutor da maneira como foi mentalizada. Nessa concepcao de lingua como representacto do pensamento de sujeito como senhor absoluto de suas acées e de seu dizer, 0 texto 10 Ingedore vilace Koch + Vanda Mana Elias é visto como um produto — l6gico - do pensamento (representacao 1) do autor, nada mais cabendo ao leitor sendo “captar” essa representac’io mental, juntamente com as intencdes (psicolégicas) do produtor, exercendo, pois, um papel passivo. Aleitura, assim, ¢ entendida como a atividade de captagao das idéias do autor, sem se levar em conta as experiéncias e os conhecimentos do leitor, a interaciio autor-texto-leitor com propésitos constituides socio- cognitivo-interacionalmente. O foco de atengao é, pois, 0 autor € suas intengdes, € 0 sentido est centrado no autor, bastando téo-somente ao leitor captar essas intengdes. Foco no texto Por sua vez, 4 concepgio de lingua como estrutura coresponde a de sujeito determinado, “assujeitado” pelo sistema, caracterizado por uma espécie de “nao consciéncia”. O principio explicativo de todo e qualquer fenémeno e de todo e qualquer comportamento individual repousa sobre a consideragao do sistema, quer lingiiistico, quer social. Nessa concep¢io de lingua como cédigo - portanto, como mero instrumento de comunicagao ~ e de sujeito como (pre)determinado pelo sistema, texto é visto como simples produto da codificacao de um emissor a ser decodificado pelo leitor/ouvinte, bastando a este, Para tanto, 0 conhecimento do c6digo utilizado. Conseqiientemente, a leitura é uma atividade que exige do leitor 0 foco no texto, em sua linearidade, uma vez que “tudo esté dito no dito”. Se, na concepeao anterior, ao leitor cabia o reconhecimento das intengdes do autor, nesta concepeao, cabe-lhe o reconhecimento do sentido das Palavras € estruturas do texto, Em ambas, porém, o leitor é caracterizado Por realizar uma atividade de reconhecimento, de reproducio. Foco na interacao autor-texto-leitor Diferentemente das concepgdes anteriores, na concepcao interacional (dial6gica) da lingua, os sujeitos so vistos como atores/ construtores sociais, sujeitos ativos que — dialogicamente - se censtroem € sAo construidos no texto, considerado 0 proprio lugar Lerecompreender 11 da interagao e da constituigao dos interlocutores. Desse modo, ha lugar, no texto, para toda uma gama de implicitos, dos mais variados tipos, somente detectiveis quando se tem, como pano de fundo, 0 context sociocognitivo (ver capitulo 3) dos participantes da interagao. Nessa perspectiva, o sentido de um texto é construido na interacio texto-sujeitos ¢ no algo que preexista a essa interacio, A leitura pois, uma atividade interativa altamente complexa de producio de sentidos, que se realiza evidentemente com base nos elementos lingiiisticos presentes na superficie textual e na sua forma de organizacao, mas requer a mobilizagio de um vasto conjunto de saberes no interior do evento comunicativo. A titulo de exemplificagio do que acabamos de afirmar, vejamos a tirinha a seguir: Fonte: Flho de Pou, 13 ab. 2006. Na tirinha, Garfield representa bem o papel do leitor que, em interacio com 0 texto, constrGi-lhe 0 sentido, considerando nao s6 as informacdes explicitamente constituid sugerido, numa clara demonstragio de que , como também o que € implicitamente + a leitura € uma atividade na qual se leva em conta as experiéncias € os conhecimentos do leitor; + a leitura de um texto exige do leitor bem mais que o conhecimento do cédigo lingiistico, uma vez que 0 texto nao € simples produto da codificagao de um emissor a ser decodificado por um receptor passivo. 12. Ingedorevilaca Koch * Vanda Maria Elias Fundamentamo-nos, pois, em uma concep¢io sociocognitivo- interacional de lingua que privilegia os sujeitos € seus conhe- cimentos em processos de interagao. © lugar mesmo de interagao ~ como ji dissemos ~ € 0 texto cujo sentido “nao esta 4", mas € construido, considerando-se, para tanto, as “sinalizagdes” textuais dadas pelo autor e os conhecimentos do leitor, que, durante todo o proceso issumir uma atitude “responsiva ativa”. Em outras do é de leitura, deve palavras, espera-se que 0 leitor, concorde ou nao com as idéi autor, complete-as, adapte-as etc., uma vez que “toda compreent prenhe de respostas €, de uma forma ou de outra, forgosamente, a produz” (Baxi, 1992:290). A interacao: autor-texto-leitor Nas consideracdes anteriores, explicitamos a concepcao de leitura como uma atividade de produgao de sentido. Pela consondncia com nossa posicio aqui assumida, merece destaque o trecho a seguir sobre leitura, extraido dos Parametros Curriculares de Lingua Portuguesa: A leitura € © processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de compreensio e interpretaclo do texto, a partir de seus objetivos, de seu conhecimento sobre 0 assunto, sobre © autor, de tudo o que sabe sobre a linguagem etc. Nao se trata de extrair informacao, decodificando letra or letra, palavra por palavra, Trata-se de uma atividade que implica estratégias de selecio, antecipacaio, inferéncia e verificaclo, sem as quais ndo € possivel proficiéncia. f 0 uso desses procedimentos que possibilita controlar 0 que vai sendo lido, permitindo tomar decisbes diante de dificuldades de compreensio, avancar na busca de esclarecimentos, validar no texto suposigdes feitas, In; Parimettos Curriculares Nacion: in terceiro e quarto ciclos de ensino fundamental lingua portuguesa/Secretaria de Educaglio Fundamental. ~ Brasilia: oec/str, 1998, pp. 69-70, Lerecompreender 13 Como vemos nesse trecho, encontra-se reforcado, na atividade de leitura, o papel do leitor enquanto construtor de sentido, utilizando- se, para tanto, de estratégias, tais como selegao, antecipacao, inferéncia e verificacio, Estratégias de leitura Desse leitor, espera-se que processe, critique, contradiga ou avalie a informacio que tem diante de si, que a desfrute ou a rechace, que dé sentido e significado ao que Ié (ef. Sout, 2003:21). Essa concepgio de leitura, que poe em foco o leitor € seus conhecimentos em interago com o autor € 0 texto para a construc de sentido, vem merecendo a atengao de estudiosos do texto e alimentando muitas pesquisas e discussdes sobre a sua importincia para © ensino da leitura. A titulo de exemplificagao, tentemos uma ‘simula leitores, recorremos a uma série de estratégias no trabalho de construcio de sentido, Para 0 nosso propésito, selecionames o miniconto intitulado (© FtOHIO|GS|PALAHO|FeIS, de Marcelo Coelho, publicado na Folhinha da Folba de $.Paulo. Nossa atividade de leitores ativos em interaco com 6 autor € 0 texto comeca com antecipagdes ¢ hipéteses elaboradas com base em nossos conhecimentos sobre: * 0 autor do texto: Marcelo Coelho * 0 meio de veiculagio do texto: Folha de $.Paulo ” de como nés, * 0 género textual: miniconto 6 titulo: elemento constitutive do texto cuja fungao é, geralmente, chamar a atengio do leitor ¢ orienti-lo na produgio de sentido * a distribuigio € configuragao de informagées no texto. Especificamente, a0 nos depararmos com o titulo OURStOROIS PAtinhO|FEO, fazemos antecipacdes, levantamos hipdteses que, no Neste tiltimo caso, decorrer da leitura, serio confirmadas ou rejeitada as hipoteses sero reformuladas e novamente testadas em um movimento que destaca a nossa atividade de leitor, respaldada em conhecimentos arquivados na meméria (sobre a lingua, as coisas do mundo, outros 14 ngedore vila Koch * Vanda Mata Els textos, outros géneros textuais, como veremos no capitulo 2) e ativados no processo de interagdo com o texto. Focalizando © titulo, atentamos para a palavra “retorno” e significado — regresso, volta — ¢ situamos @ hist6ria no mundo das s infantis, resgatando em nossa meméria a hist6ria do Patinho u narrati Feio com a qual este conto dialoga de perto. Com “previses” motivadas pelo titulo, “adentramos” o texto, atividade de leitura e producio de sentido: prosseguindo em no Alfonso era 0 mais belo cisne do lago Principe de Astdrias. Todos os dias, ele contemplava sua imagem refietida nas aguas daquele chiquérrimo e exclusive condominio para aves milionérias. Mas Alfonso nao se esquecia de sua origem humilde. ~ Pensar que, no faz muito tempo, eu era conhecido como o Patinho Feio. Um dia, ele sentiu saudades da mée, dos irméos e dos amiguinhos da escola A leitura desse trecho apresenta-nos uma personagem — que julgamos se da principal, uma vez que é citada no titulo e aparece em posicao de destaque no inicio da historia. Também nossos olhos de leitores atentos apontam para uma opos marcante no trecho em torno dos nomes Alfonso x Patinho Feio, 4 qual subjazem outras oposi¢Ges: presente x passado; riqueza x pobreza. No quadro abaixo, destacamos essa oposi¢ao: =O mais belo cisne 809.0 Patinho'Felo’ wata O mais belo cisne 0 Patinho Feio fago Principe de Asturias : chiquérrimo e exclusive . Condominio para aves miliondrias aigaio de © quadro chama a nossa atengio para a forte caracte Alfonso, composta pelas adjetivagdes referentes & personagem € & Sua morada, em frente & fraca caracterizaciio no que concere a sua vida quando era conhecido como Patinho Feio, fato esse que pode servir dle estimulo & formulagao de novas antecipacées do leitor ativo. No trecho em destaque, ainda nos salta aos olhos a expressio — GHAI - introdutéria de uma situagdo-problema, conforme conhecimento empiricamente constituido como ouvintes ¢/ou leitores desse género textual Continuando o processo de efetiva interagio com o texto, levantamos hipdteses sobre o passado de Alfonso (Onde morava? Como era esse lugar?), bem como sobre as provaveis agdes do “mais belo cisne do lago Principe das Astirias’, motivadas pelo sentimento de saudade expresso no enunciado: Unit Wiay/6le Sentiu Saleades da mae, dos irmaos €/dos amiguinhos da escola, Ento, 0 que fara Alfonso? Voltaré ao lugar de origem? Reencontrara a mie, os irmaos e amiguinhos de escola? Prossigamos a leitura para a verificagao € confirmagio (ou nao) de nossas hipdteses: Voou até a lagoa do Quaquenha. O pequeno e barrento local de sua Infancia, A pata Quitéria conversava com as amigas chocando sua quadragésima ninhada. Alfonso abriu suas largas asas brancas. = Mame! Mamde! Vocé se lembra de mim? E... se antecipamos que Alfonso voltaria & sua origem, acertamos. A leitura do trecho ainda nos propde um avango na caracterizacto do lugar de origem do Patinho Feio, em contraposicdo ¢ complementagao a0 contetido do primeiro trecho da hist6ria. Vejamos a representagio das novas informagdes (em negrito) no quadro: © mais belo cisne (0 Patinho Feio Tago Principe de Asturias Tagoa do Quaquenha chiquérrimo e exclusivo condominio (0 pequeno e barrento local para aves milionérias de sua infancia O trecho se encerra com uma pergunta: = Mamie! Mamie! Yocé se lembra de mifh?, cuja resposta — positiva ou negativa? — tentamos al 16 ingedorevilace Koch * Vanda Maria Els ‘ar na continuidade da interagao com 0 texto, antecipar ¢ vamos veri ‘Vejamos: Quitéria levantou-se muito espantada. ~ Se-se-senhor cisne.... quanta honra... mas creio que 0 senhor se confunde. — Mamée...? — Como poderia eu ser mae de to belo e nobre animal? ‘No adiantou explicar. Dona Quitéria balancava a cabeca. ~ Esse cisne & mesmo lindo... mas doido de peda, coitado, © texto também nos desperta sentimentos, emogdes. Envoltos na atmosfera de emogdes sugerida pela leitura, que efeito o “esquecimento” da pata Quitéria provocaré no Alfonso? Depois disso, 0 que pode acontecer? O que faré o pobre Alfonso? Voltar para 0 seu luxuoso condominio? Hipétese ntimero um. Persistira no seu intento de ser reconhecido € novamente aceito na comunidade? Hipétese némero dois E verdad que outras hipsteses poderao ser formuladas, tantas quantas permitirem os conhecimentos e a criatividade dos leitores. Mas como nossa pretensio é a de uma mera simulaco de como o leitor interage com 0 texto, fiquemos naquelas duas apontadas e vamos confirmé-las (ou no) na leitura do trecho a seguir: Alfonso foi entéo procurar a Bianca. Uma patinha linda do pré-primario. Que vivia chamando Alfonso de feio. ~ Lembra de mim, Bianca? Gostaria de me namorar agora? He, he, he. E, agora, 0 que nés, leitores, prevemos: Bianca responderd afirmativa ou negativamente 4s perguntas do Alfonso? Estamos torcendo para que sim ou para que nao? ~ Deus me livre! Estd louco? Uma pata namorando um cisne! Aberragao da natureza... Como vemos, até o mor Mento, a situagio nao est nada boa part Alfor nso. Diante da negativa da pata Quitéria e da patinha Bianca, 0 que Lerecompreender 17 Alfonso poder fazer? Voltar para o lago Principe das Astrias e esquecer de vez seu passado humilde? £ uma (outra) hipétese... Alfonso respirou fundo, Nada mais fazia sentido por ali. Resolveu procurar um famoso bruxo da regiso. ‘Temos de confessar que por essa no esperavamos, nao € mesmo? © que acontecerd, entio? Resolver o bruxo © problema do Alfonso? Ou insistimos na hipotese de que nenhuma tentativa dard certo, devendo Alfonso retornar ao seu luxuoso condominio € esquecer de vez seu passado humilde? Terd a hist6ria um final (in)feliz? E s6 ler para ver: Com alguns passes magicos, 0 feiticeiro e astrélogo Omar Rhekko resolveu 0 problema. Em poucos dias, Alfonso transformou-se num pato adulto. Gorducho e bastante sem graca. Dona Quitéria capricha fazendo lasanhas para ele. = Cuidado para néo engordar demais, filhinho. Bianca faz um cafuné na cabeca de Alfonso. ~ Gordo... pescocudo... bicudo... Mas sabe que eu acho vocé uma gracinha? Viveram felizes para sempre. Chegamos ao final da leitura do texto OFSSRS/OUPAGSKONRES, apresentado em fragmentos, para atender a nosso propésito. A seguir, o texto serd apresentado de forma ininterrupta, para propiciar a sua reeleitura. O Retorno do Patinho Feio ~ Alfonso era 0 mais belo cisne do lago principe de Asturias. Todos os dias, ‘ele contemplava sua imagem refletida nas aguas.daquele chiquérrimo e exclusive condominio para aves miliondrias. Mas (se esquecia de sua origem humilde. = Pensar que, néo faz muito tempo, eu era conhecide Patinho Feio. Um dia, ele sentiu saudades da mée, dos irméos elds amiguiohios da escola. Voou até a lagoa do Quaquenha. O pequeno e barrento local de sua inféncia, = . 18 Ingedore vilaga Koch * Vanda Mano Eas A pata Quitéria conversava com as amigas chacando sua quadragésima rrinhada. Alfonso abriu suas largas asas brancas. = Mamae! Mame! Vocé se lembra de mim? Quitéria levantou-se muito espantada. = Se-se-senhor cise... quanta honra... mas creio que o senhor se confunde. ~ Mamie...? ~ Como poderia eu ser mae de to belo e nobre animal? Nao adiantou explicar. Dona Quitéria balancava a cabeca. ~ Esse cisne & mesmo lindo... mas doido de peda, coitado, Alfonso foi entéo procurar a Bianca. Uma patinha linda do pré-primério. Que vivia chamando Alfonso de feo. — Lembra de mim, Bianca? Gostaria de me namorar agora? He, he, he. = Deus me live! Estd louco? Uma pata namorando um cisne! Aberracao da natureza. Alfonso respirou fundo. Nada mais fazia sentido por ali. Resolveu procurar um famoso bruxo da regio. Com alguns passes magicos, 0 feiticeiro e astrélogo Omar Rhekko resolveu 0 problema. Em poucos dias, Alfonso transformou-se num pato adulto. Gorducho e bastante sem graca. Dona Quitéria capricha ‘fazendo lasanhas para ele. ~ Cuidado para no engordar demais, flhinho. Bianca faz um cafuné na cabeca de Alfonso. = Gordo... pescocudo... bicudo... Mas sabe que eu acho vocé uma gracinha? Viveram felizes para sempre. Forte: Cono, Marcelo. “O Retomno do Patnho Feio",Foha de S Paulo, 19 mar. 2006. Flhinha,p. 8 Na atividade de leitores ativos, estabelecemos relacdes entre nossos conhecimentos anteriormente constitufdos e as novas informagées contidas no texto, fazemos inferéncias, comparagdes, formulamos perguntas relacionadas com 0 seu contetido. Mais ainda: processamos, criticamos, contrastamos € ava jamos as informacdes que nos sao apresentadas, produzindo sentido para o que lemos. Em outras palavras, agimos estrategicamente, o que nos permite dirigir e auto-regular nosso préprio processo de leitura. ere compreender 19 Objetivos de leitura E claro que no devemos nos esquecer de que a constante interacao entre 0 contetido do texto € o leitor é regulada também pela intencdo com que lemos © texto, pelos objetivos da leitura. De modo geral, podemos dizer que ha textos que lemos porque queremos nos manter informados Gornais, revistas); ha outros textos que lemos para realizar trabalhos académicos (dissertacoes, teses, livros, periddicos cientificos); ha, ainda, outros textos cuja leitura é realizada Por prazer, puro deleite (poemas, contos, romances); e, nessa lista, no podemos nos esquecer dos textos que lemos para consulta (diciondrios, catdlogos), dos que somos “obrigados” a ler de vez em quando (manuais, bulas), dos que nos caem em maos (panfletos) ou nos sao apresentados aos olhos (outdoors, cartazes, faixas). lo, pois, os objetivos do leitor que nortearzio 0 modo de leitura, em. mais tempo ou em menos tempo; com mais atengio ou com menos atencao; com maior interacio ou com menor interagao, enfim. Leitura e producao de sentido Anteriormente, des camos a concepcao de leitura como uma atividade lerago autor-texto-leitor. Se, por um lado, nesse proceso, necessirio se faz considerara materialidade lingiistica do texto, elemento sobre 0 qual © @ partir do qual se constitui a interagio, por outro lado, baseada na € preciso também levar em conta os conhecimentos do leitor, condi¢ao fundamental para o estabelecimento da interagio, com maior ou menor intensidade, durabilidade, qualidade. Leitura e ativacao de conhecimento E por essa razio que falamos de um sentido para 0 texto, nao do sentido, ¢ justificamos essa posicio, visto que, na atividade de leitura, ativamos: lu is, relagdes com 0 outro, valores da Comunidade, conhecimentos textuais (cf, Pavuno et al. 2001), conforme nos revela a leitura do texto a segui ar social, vivencia 20 tngedorévilaga Koch * Vanda Maria Es NOS TONUS MUSCULAR, MENOS BRILHO NO CABELO, m MENOS PELTO, MENOS BUNDA... A MEDIDA QUE ENVELHECE, A GENTE VAL FLCANDO CADA VEZ MENOS..! SEJA MAIS POSITIVA, LAURINHA, PENSA EMTUDO O QUE TEM AGORA ENAOTINHA HA 20 ANOS..! E,TEMRAZAO, MALS OLHETRAS, MALS RUGAS, MAIS PAPADA, MAIS MANCHAS| MALS BARRIGA, MATS CELULITE.. ore Coleco Subindo nas Tamancas 1. Sleconado por Maitena, ta. Ayla Vinagre,p. 21 : Na letura da charge, dentre outros conhecimentos, ativamos valores “coca € da comunidade em que vivemos, conforme verificamos na relagio de ca ronseqtiénci i ‘ao de causa © conseqtiéncia sugerida na materialidade lingifstica do texto: * a velhi * a velhice Lerecompreender 21 Quer encabecada pelo menos, quer pelo mals, no texto se destaca uma avaliagao negativa sobre a velhice, atualmente compartilhada por muitos. Sabemos — é verdade - que nem sempre foi assim, nem sao todos 0s que assim pensam sobre essa fase da vida. A leitura ea producao de sentido sio atividades orientadas por nossa bagagem sociocognitiva: conhecimentos da lingua ¢ das coisas do mundo (lugares sociais, crengas, valores, vivéncias). Pluralidade de leituras e sentidos Considerar o leitor e seus conhecimentos que esses conhecimentos sio diferentes de um leitor para outro implica aceitar uma pluralidade de leituras e de sentidos em relagio a um mesmo texto. A titulo de exemplificagio do que acabamos de afirmar, a proposta de Galhardo, expressa na tirinha abaixo - embora caricaturizada -, é excelente, AGE Eno) KURA Bo |* TiW EAS TA [BS [DONA-dE-CASA| Fonte: Folha de Paulo, 11 ago. 1997 A trinha — que parte da proposta maior expressa verticalmente & esquerda como mote — apresenta trés leituras para o mesmo fato: 0 esmagamento do mosquito na parede. Sobre esse fato, as leituras — num total de 36, segundo a proposta do autor — vao se constituindo diferentemente dependendo do leitor ~ seu lugar social, seus conhecimentos, seus valores, suas vivéncias. E claro que com isso nao preconizamos que o leitor possa ler qualquer coisa em um texto, pois, como jé afirmamos, o sentido nao esta apenas no leitor, nem no texto, mas na interagdo autor-texto-leitor. Por isso, é de fundamental importincia que o leitor considere na e para a produgao de sentido as “sinalizagées” do texto, além dos conhecimentos que possui. 22. Ingedore Vilage Koch * Vanda Mana Eas A pluralidade de leituras e de sentidos pode ser maior ou menor dependendo do texto, do modo como foi constituide, do que foi explicitamente revelado e do que foi implicitamente sugerido, por um lado; da ativagio, por parte do leitor, de conhecimentos de natureza diversa, como veremos no capitulo a seguir, ¢ de sua atitude cooperativa perante o texto, por outro lado. Se vimos, anteriormente, em relac3o a tirinha do Galhardo, que a leitura pode variar de um leitor para outro, podemos verificar também que a leitura pode variar em se tratando do mesmo leitor. E 0 que evidenciaremos com 0 texto a seguir: Fonte: Revita Veja, Sao Paul: Abi, ed. 1.874, ano 37, n, 40, 6 out. 2004, a Em relagao ao texto, o mesmo leitor poderd realizar duas leituras liametralmente opostas e, nesta atividade, a orientagao do autor tem ee =. tere compreender 23 peso significativo: ler © poema de cima para baixo implica uma leitura orientada pelo fio condutor Hi6/t@ m6! MAIS; ler de baixo para cima, uma leitura baseada no fio condutor 6 te amd, No exemplo, destacamos a orientagao do autor para a realizacao da leitura: de cima para baixo ou de baixo para sempre essa orientagdo se constitui explic Um 6timo exemplo disso é 0 texto a s ima. No entanto, nem mente. eguir: Fui 4 Aqua Doce Cachacaria e tomei uma cachaca da boa, mas tao boa que resolv levar dez garrafas para casa, mas Dona Patroa me obrigou a jogar tudo fora. Peguei a primeira garrafa, bebi um copo e joguei o resto na pia. Peguei a segunda garrafa, bebi outro copo e joguel 0 resto na pia. Peguei a terceira garrata, bebi o resto e jaguel 0 copo na pia. Peguei a quarta garrafa, bebi na pia e joguei 0 resto no copo. Peguei 0 quinto copo, joquei a rolha na pia e bebi a garrata. Peguel a sexta pia, bebi a garrafa e joguei 0 copo no resto. A sétima garrafa eu peguei no resto e bebi a pia. Peguei no copo, bebi no resto e joguei a pia na oitava garrafa Joguei a nona pia no cope, pequel na garrafa e bebio resto. 0 décimo copo, eu peguei a garrafa no resto e me joguei na pia. N30 me lembro do que fiz com a Patroal ‘aol!! Como leitores competentes, sabemos que agora no se trata de ler 0 texto de baixo para cima ou da direita para esquerda, A orientacao do autor € de outra natureza. Observemos: até a quinta linha o texto progride sem “estranhamento”. Da sexta linha em diante, 4 disposicao dos termos na oracao nos chama a ateng’o por ser semanticamente inaceitavel, segundo o nosso conhecimento de mundo, Isso € uma pista importante para a produgio do sentido do texto, aladora da relagio de proporcionalidade: quanto mais © sujeito bebe, mais se embriaga; quanto mais se embriaga, mais comete “incoeréncias sintatico-semanticas 24 Ingedore Vila Koch * Vanda Maria Eas No texto, a acentuagio do grau de embriaguez esta correlacionada as construgoes sintitico-semanticamente comprometidas: quanto mais incoerentes os enunciados, mais acentuado o grau de embriaguez (afinal, bébado nao fala coisa com coisa mesmo, nao é?). Como vemos, © texto pressupde do leitor que leve em conta a “incoeréncia® ~ estilisticamente constituida - como uma indicacdo relevante para a produgio de sentido. Fatores de compreensdo da leitura Ja € do nosso conhecimento que a compreensao de um texto varia segundo as circunstncias de leitura e depende de varios fatores, complexos € inter-relacionados entre si (AtuENDE & ConpemariN, 2002). Embora defendamos a correlagao de fatores implicados na compreensio da leitura, queremos chamar a aten¢ao para as vezes em que fatores relativos ao autor/leitor, por um lado, ou ao texto, por outro lado, podem interferir nesse processo, de modo a dificulté-lo ou facilité-lo. Autor/leitor Esses fatores referem-se a conhecimento dos elementos lingiiisticos (uso de determinadas expressdes, léxico antigo etc.), esquemas Cognitivos, bagagem cultural, circunstancias em que o texto foi produzido. A fim de exemplificar 0 que afirmamos, vamos ler o texto a segui Vide Bula Ceete ae 19 ans publique’ este artigo no Joma de Cajur, num momento ‘fecal para0 pais quando o esquema colorido havia sido desmantelado, © rege Sandes expectatves quanto ao futuro poltico do Bras Certamente tard nee etcelo, como prévia para 0 vide Bula I, due paciente. Ua coisa conta ements, para quem sabe, desta ved, curr ° eral est oan cat tj no esté mals na UT. Concorde? fr ; saber disso. O diabo é: dcr Todo mundo esté cansado ° Ler e compreender ‘Muito se tem tentado com drogas tradicionais, ou novidades, porém até egora nenhuma eve 0 tao almejadi efelto de curar este pobre enfermo. Ha bem pouco tempo foi tentada uma droga novissima, quase nao testada, ‘mas que prometia sucesso total, 2 “Collorcaina’, que, infelizmente, na pratica de nada serviu, seus efeitos colaterais extremamente deletérios (como 2 liberacdo da “Pecelidona”) quase acaba com 0 doente. Porém, para o ano que vem, novos.medicamentos poderso ser usados. Enquanto isso néo acontece, doente consegue s€ manter com doses de “Itamarina” que & uma.espécie de emplastro que, se nao cura, também no mata, ‘Mas, voltando 20 ano, que vem, se ¢ que podemos voltar ao futuro, vamos estudar os possiveis medicamentos que teremas & disposicéo do monbundo. A primeira-droga a ser-discutida jé uma antiga qué estava em desuso € voltou com nova embalagem e novas indicagées, podendo ser eficaz no’ momento Trata-se da “Paumalusfina’, extraida do pau-brasif com @ propriedsde de promover perda das gorduras, principalmente-estatais, atentuando a livre iniciativa, Tery como efeito colateral a crise aguda de autoritarismo e também de perdularismo, sendo contra-indicada para as democracias. A segunda droga, também ja testada, ¢ derivada da *Pemedebona‘, a “Orestequercina”, que atiza em praticamente todos 0s 6190s, que passarn 9 funcionar somente as\custas da “Desoxidopropinainterférase”, que promove um desempenho muito mais fisialégico. Esta droga tem como'efeité colateral uma grande deplecdo das reservas, deplecéo esta que pode ser fatal a0 organismo: ‘Mais recentemente foi criada a “L.A. Fleurizind”-Derivada da “Oréstequercina", age de maneira muito semelhante 4 mesma, sendo, entretanto, muito mais contundente e agressiva. £ formalmente contra-indicada para Carandirus e professores. A terceira droga do nosso tratado & Uima ainda néo testada, mas j com fama de eficiéncia, Trata-se do “Cloridrato de-Lulals”, derivada da “Estrelapetina’, ©, como efeito, promete revitalizar as células periféricas, tornando-as ta importantes quanto as do SNC ( Sistema Nervoso Central) importante lembrar que a mesma pode causar imobilismo com liberacio de seitas e dissidéncias. Tais efeitos colaterais podem ser evitados com injecéo fa veia de “antisectarina" e cépsulas de “Bonsensol”. Ainda é bom lembrar que 0 uso de tal substéncia provoca uma cor avermelhada em todos os érgacs. A quarta droga que discutiremos é a “Tucanina Cacicéide", na verdade, um complexo de inumeros componentes, como a “FH.Cardozina”, a 25 26 Ingedore Vilaga Koch * Vanda Maria Elas “Zesserrinitrina’, a “Mariocovase” e muitas outras mais que 40 muito eficientes “In Vitro”, porém sem comprovacdo de efeito “In Vivo". ‘Seu maior efeito colateral é a interacdo de seus components que compete entre si, causando uma sindrome chamada "encimamurismo”, sindrome esta extremamente deletéria e que pode invibializar 0 uso de tal medicamento. Existem ainda drogas menores como a “Brizolonina” que, quando aplicada, provoca intensa verborragia e manias perseguit6rias. 1H ainda a A.C. Malvadezina, uma droga extremamente toxica que causa nnduseas até em quem aplica. Terminando nosso estudo, esperamos que, desta vez, os médicos saibam o remédio certo para salvar 0 doente. ‘Autor Lia Fernando Els @cardiologstae, nas horas vagas, cronista © que nos chama a atengio no texto? Que conhecimentos sao necessirios da parte do leitor para compreender 0 texto? Respondendo a primeira pergunta, podemos dizer que nos chama a atengio a criagio de um “cédigo especifico” Colloreaina, Pecelidona, Itimatina, Paumalufina, Pemedeboria| Orestequercina, Desoxidopropinainterferase, L.A. Fleurizina, Orestequercina, Cloridrto de Lulald, Estrelapetina, antisectarinal Bonsensol, Tucanina Caciedide, FH.Cardozina, Zesserrinitrina, Mariocovase, encimamurismo, Brizolonina, A.C. Malvadezina resultante da conjugaco do conhecimento do autor sobr * politica ¢ medi cina; * clementos formadores € processos de formacao de palavras, 0 Ue the possibilita claborar um “diagnéstico” sobre a politica brasileira Além des “c6édigo inventado”, destacamos as partes do texto referentes a informagdes sobre as “drogas”, composicao, efeito colateral, contra-indicagao, Em outras palavras, 0 autor, em sua Producto, também evidencia 0 conhecimento que possui sobre © género bula. E 0 que podemos vei i icar se compararmos 0 contesdo de uma bula qualquer com © contetido do texto apresentado 10 quadro a seguir: Lerecompreerder 27 exttemamente deleteios (como a lberaca0 08 Pecelidona) rincpalmene extras, acentuando a hire iniclava ss ra eptce de anptsve lina Esaki do avast com 9 |» ce age de utr | ara os GenocaCas propriedade de promover @ também de perdularismo & taco gots, (Sistema Nervos0 Conta) cobras podem sr entados com necdo na veia de Jantsectarna e capslas de Banzensol | provoca uma cor avermefneda fm todos os egos esteauerca | dervadb da [ue at em rat ctamente | oe grande dopo ds Paresstore | foros Sto a psa [rune depo wt funconsr sent css do | pode ser fata 0 canino Desoxidopropinainterterase, pe promoveu deepen ri inor feoiagco Fears | Beata de | age de mane ro fe jaan retequercna | semahante mesma send, contanseads pore tetas mato mos Sirona ® Contd ¢ ages professes ead do | rometerevalar as ciins— |p mar bina com Esvepetne | pefaneas tmandos tbo. | Roeraco de sotase rooms quanta a do SNC | didnot eftoe ina | um complero de scoide | numercs com: ponentes, como a FH Cardasina, @ Zesserniteina, 8 Manocovase € ue $30 muto fcientes “Vitro” 2 nterarbo de seus Componentes que competem entre st cawsando uma SIrdrome chameda encimamurse, sncrome est fentemamente deletra © ue pode iuatzar 0 uso de tal Imedicamento| provoca intense verboragia@ ‘manias persequitls ‘uma droge exremamante toa que causa nduseas até fem quer apica Como vemo que considere esses conhecim Em outras palavras, conhecimentos para a producio do texto, selecionados pelo autor na € para a cons mundo) no processo de leitura € construcao de sentido, podemos dizer que os conhecimentos ico do texto “criam” um se, do lado do autor, foi mobilizaclo um conjunto de espera-se, da parte do leitor, entos (de lingua, de género textual € de 28. ingedore vilaca Koch + Vanda Mara Eas leitor-modelo. Desse modo, 0 texto, pela forma como € produzido, pode exigir mais ou exigir menos conhecimento prévio de seus leitores, © texto anterior é um exemplo de que um texto nao se destina a todos € a quaisquer leitores, mas pressupde um determinado tipo de leitor, Em nosso dia-a-dia, deparamo-nos com intimeros textos veiculados ‘em meios diversos (jornais, revistas, rédio, 1v, internet, cinema, teatro) cuja produgio é “orientada” para um determinado tipo de leitor (um pUblico especifico), 0 que, aliés, vem evidenciar o principio interacional constitutivo do texto, do uso da lingua Texto Além dos fatores da compreensao da leitura derivados do autor e do leitor, ha os derivados do texto que dizem respeito a sua legibilidade, podendo ser materiais, lingiiisticos ou de contetido (cf. AuueNDE & Conpemarix, 2002). Dentre os aspectos materiais que podem comprometer a compreensio, os autores citam: 0 tamanho e a clareza das letras, a cor € a textura do papel, © comprimento das linhas, a fonte empregada, a variedade tipografica, a constituigo de paragrafos muito longos; e, em se tratando da escrita digital, a qualidade da tela e uso apenas de maidisculas ou de mintisculas ou excesso de abreviacdes. Além dos fatores materiais, ha fatores lingiiisticos que podem dificultar a compreensio, tais como: o léxico; estruturas sintiticas complexas caracterizadas pela abundancia de elementos subordinados; oragoes super-simplficadas, marcadas pela auséncia de nexos para indicar relacdes de causa/efeito, espaciais, temporais; auséncia de sinais de Pontuacdo ou inadequac2o no uso desses Vejamos, a seguir, inais. um clssico exem no qual a conjugacao de compreensao leitora. plo de um género textual (bula) ‘atores materiais e lingtiisticos compromete 4 all tere compreender 29 NOMS ToT ET eae ee inn sien Aventis: Fomus RUAcEUTICAS EAPRESENTAGBES ‘Sener: 860m enbanere cam 90 624 conpns, Sa0p0 aa ga) toes Son S003 Ente cr ecs con 100m acsnprbin de mea pac (25 L-S1n-78mLe 1m Uso ADULTO ePeDLATRICO courosicio Soren no ool gt) came ‘Syren cate Inromancio 49 pacer Ie tepresn 9 mez: NOVALONAR ohne ea un dear i Seesagne Soon ive re mes as mats oi {BES mae ess aricept som srounsener shone ‘Boats Nowea Use MeDEAMET ebm PRaso Os vALOADE VENOIOG PoOK sen meio SUA sabe.” ran ncuge: rome es meses eoreca te mvc uu 2 atari oy is 9s tec 2 st ‘SSIS Wasnt ton sac) eo ore crzns Goan pumas sat anes pae aes ‘Sete i Ay) il ii fa ‘ Toomsnfis en case ae por marian drew vn te 4 88 rs 9 wrormacho teow cee ene tect nea com feos rl anptes ‘sey mace Ge po to a ana crea son. ge dao ndcam gu pron sen #6 Eres Renseignements oan cme! pnece cmos 30 tngedorevilaga Koch + Vanda Maria Elias Pigetnca a en 0 lov, ore a eat oma Fea ca «de ene mtiios nto et compianerts Ives, i a, Nenetinncentpine (AA, tint ca a runes vers S68 Aonnadamane fat eueuen monn coma 7S Aa oi 7 ah st 9b ea Si st A mm mE re ci pic, a eh 4 Fea int eee scare te ane SO woeacaes SSS er iio solnas (ot naan ete tia ata memtat (sc S ndo deere 6 por) © sions fowtuasropars ace Se nonaion a ae meng csonmone Sree cian des necuteonon fenen onagun testes saute const rote com HOVALSINAD aptana sods ea or dee natives 8 pens Sle poem apreenar um sco ns sate ® oe wceagosene (en COMTRMEICAG BES! ae earenae ee ‘Sanaa ere compreender 31 ‘Como vemos, nao € 3 toa que a bula é conhecida como um texto de dificil leitura por seus aspectos materiais, lingiiisticos e de contetido. Tamanha € a dificuldade da leitura e compreensio do género, que ja existe em andamento uma proposta para resolver 0 problema. E o que nos informa o texto a seguir is, NOVAS BULAS ‘Na linguagem popular, a expresso “como bula de remédio” jé se tornou sinénima de texto dificil de le, seja pelas letras pequenas seja pela linguagem obscura. £ especialmente cruel o fato de que as letras minimas causam especial embarago as pessoas de maior idade, justamente as que mais tendem a precisar de medicamentos. E,portanto, mais do que bem-vinda a iniciativa da Anvisa (Agéncia Nacional de Vigiiincia Sanitaria) de modificar as regras para a confeccao de bulas, visando a facilitar a vida do consumidor. A oportunidade do empreendimento née 0 torna, porém, mais simples ou mesmo factivel, Dentro em breve, a pessoa que comprar um medicamento na farmécia receberd apenas a bula que contém explicagées destinadas ao paciente. As informacoes técnicas — dlrigidas a médicos - constargo de um bulério on-line da Anvisa e de farmacos utllizados em hospitais, além, é claro, dos diversos diciondrios de remédios j8 no mercado. Atualmente, as bulas trazem tanto informacées a0 ppaciente Como as destinadas a profissionais de satide. Comas novas regras, sera possivel aproveitar melhor o espaco para aumentar © tamanho da letra. A separacéo dos textas também evitard a duplicacdo de informacoes, que freqiientemente gera diividas. A principal dificuldade é encontrar a linguagem ideal para a bula ao paciente. Tomam remédios e deveriam ser capazes de entender suas instrusées desde 0 semi-analfabeto até pessoas com formacao superior. se, para os segundos, um termo como “crise epiléptica” nao oferece maiores problemas de compreensso, ele pode ser impenetrével para o publico com menor formacao. E como substitut-lo sem sacrificar em demasia a preciso técnica? No hd resposta pronta, Sabe-se apenas que ela passa pelo bom senso. Infelizmente, apesar do que certa vez proclamou um sabio, 0 bom senso no foi muito bem repartido entre todos os seres humanos. Fonte: Fo de SPeulo, 25 mar. 2004, ‘32 Ingedore Vila Koch * Vanda Maria Elas Escrita e leitura: contexto de producao e contexto de uso Depois de escrito, o texto tem uma existéncia independente do autor. Entre a produgao do texto escrito e a sua leitura, pode passar muito tempo, as circunstancias da escrita (contexto de produg%o) podem ser absolutamente diferentes das circunstancias da leitura (contexto de uso), fato esse que interfere na producdo de sentido, como bem exemplifica a tirinha a seguir: Fonte: Folha de S Paulo, 8 malo 2005, Pode acontecer também que o texto venha a ser lido num lugar de muitas formas, mudando cot 3 nsideravelmente o modo de constituicio da escrita, como nos exe: mplificam os textos a seguir: Texto 1 Capitulo | ‘QUE TRATA DA conp & FAMOSO FIDALGO px See eeno pe. OM QUIXOTE DE La MANCHA, Num lugar a ' (eae fa jane {Fe cujo nome nao quero lembrer-me, vivia, N80 ” dos de lanca em cabido, adarga antiga, rocim fraco, & ode referi-se a um dos se erde 1, Quintanar de La 28 Sete povoados: Miguel Esteban, Vilaverde> ‘is leans com fore tedisio cenating YMA de Calatrava, Agassi Je Ler ecompreender galgo corredor. Passadio, olha seu tanto mais de vaca do que de carneiro,? as ‘mais das celas restos da carne picados com sua cebola e vinagre, aos sébados ‘outros sobejos ainda somenos, lentihas as sextas-feiras, algum pombito de crescenga aos domingos, consumiam trés quartos do seu haver. O remanescente, levavarm-no saio de velarte,? calcas de veludo para as festas, com seus pantufos do mesmo; e para os dias de semana o seu vellori# do ‘mais fino. Tinha em casa uma ama que passava dos quarenta, uma sobrinha que nao chegava aos vinte, e um moco da poisada e de porta afora, tanto para o trato do rocim, como para o da fazenda. Orcava na idade 0 10550 fidalgo pelos cinquenta anos. Era rijo de compleicéo, seco de carnes, enxuto de rosto, madrugador, e amigo da caga. Querem dizer que tinha o sobrenome de Quijada ou Quesada, que nisto discrepam algum tanto os autores que tratam na matéria; ainda que por conjeturas verossimels se deixa entender que se chamava Quijana. Isto, porém, pouco faz para a nossa hist6ria; basta que, no que tivermos de conta, no nos desviemos da verdade nem um til E pois de saber que este fidalgo, nos intervalos que tinha de dcio (que eram os mais do ano), se dava a ler livros de cavalarias, com tanta afeicéo e gosto, que ‘se esqueceu quase de todo do exercicio da caca, e até da administracéo dos seus bens; e a tanto chegou a sua curiosidade e desatino neste ponto, que vendeu muitos trechos de terra de semeadlura para comprar livros de cavalarias que ler, com 0 que juntou em casa quantos péde apanhar daquele género. Dentre todos eles, nenhum ihe pareciam téo bem como os compostos pelo famoso Feliciano de Siva,® porque a clareza da sua prosa e aquelas intrincadas raz6es suas Ihe pareciam de pérolas, e mais, quando chegava a ler aqueles requebros e cartas de desafio, onde em muitas partes achava escrito: “A razéo da sem-razao que a minha razdo se faz, de tal maneira a minha razao enfraquece, que com razéo me queixo de vossa formosura”. E também quando lla: “..0s altos céus que de vossa divindade divinamente com as estrelas vos fortifica, vos fazem merecedora do merecimento que merece a vossa grandeza".® Fonte quarts Sancons, Miguel de. Bom Qukote des Mancha. So Pele: Nova Cultura, 2002, 31 TW Gane Te Galo Gra mais apreciada que a de vaca. Em toda essa passagem pinta Cervantes a vida pacifica e mediocre do Hidalgo. Pano negro € lustroso, usado como agasalho, «Pano de expessura média, da cor da Ia, embora inferior ao velar, + puro dls Sepunda comedia de Calxtoc de varios livros de cavalaria, entre os quals déswarte Ge Crécia, Amadis de Grécia, Flortsel de Niquéia e Roget de Grecia. «fe trecho € um exemplo das degeneracoes ds linguagem cavaleiresca 33 34. Ingedore vilaca Koch + Vanda Maria Eas Texto 2 Dom Quixote sonhador, om Quite era um hemem mult sonhado. Via magnando _wendes ventures em que sempre fia o papel de herd Moma nue pequena asia ne Provicia de Manca, na Espanta, onde Faia nasio. Come ta poucoo que fz, s- vere tempo para sonar © lr mut Ives. Costa dos las Ge senuras, prncpamene os que contaam as nce isis os covtos andantes, so dense muto empolgdo, Form, de tanto ler € fantasia, seu ofrebeo comega 205 poveos 2 confndise.O passada eo presente ve mistuavem. — 0 nceans roptadas por ies, ‘Vescuhando um ascuro sé chelo de cosa nites, bn ‘uote encontou uma antiga armada de elm de sss wc Como estave toda detmortlada, dev um jo de amare, pres rompies com Was de COU @ aero a pray {ors toes. Lmpou- dopes muito bom, a fer biarta, ‘estuaestran roup, armou-se de ura aha eae joc e de wma lenga hs muto al eequecds sents ta qat lum de seus hers. ‘Satefelte, montow em sou mage estopido cat, tt ‘egado 2 hora de sai em busca ce svete cum mt fad olgo dl orem dos caveles andartes! ra um expethulo ver o magissmo Dom Quite ws avon ermadura th oda e mntado rum pagar exaia ‘ocname,arastando-se pele esvade fe, S87. O texto 1, extraido de Dom Quixote, classico de Miguel de Cervantes, € 0 texto 2, extraido de Dom Quixote, adaptagio da obra de Cervantes voltada para o pUblico infantil, s80 exemplos muito bons de qui * um texto pode ser lido num lugar e tempo muito d em que foi produzido; tes daquele * um texto pode ser reescrito de muitas formas, objetivando atender a tipos diferentes de leitor, tere compreender 35 Texto e leitura Neste nosso percurso, destacamos que a leitura € uma atividade que solicita intensa participagio do leitor, pois, se o autor apresenta um texto incompleto, por pressupor a inserc’io do que foi dito em esquemas cognitivos compartilhados, € preciso que o leitor 0 complete, por meio de uma série de contribuicdes. Assim, no processo de leitura, 0 leitor aplica ao texto um modelo cognitive, ou esquema, baseado em conhecimentos armazenados na memoria. © esquema inicial pode, no decorrer da leitura, se confirmar € se fazer mais preciso, ou pode se alterar rapidamente, como podemos verificar na leitura do texto a seguir Almas Gémeas | = Oi! Tudo bem? = Tudo tranquilo, @ al? ~ Eu estava fouca para conversar com voce de novo, ontem nasso papo foi muito bom. ~E verdade, ha um més eu entrei no bate-papo meio por entrar e de repente... = De repente? — De repente, encontro uma Maria, com a qual sonhei a vida inteira. = Verdade mesmo? Voc® esté falando sério? ~ Falando sério? Voce nem imagina quanto! Nas nossas conversas répidas, eu ‘senti assim uma premonicao de que all estava, finalmente, a minha alma gémea. — Agora voce me deixou emocionada.... Mas, na verdade, eu também senti uma coisa meio diferente e hoje mais ainda, neste nosso inicio de bate-papo. sabe de uma coisa, Jodo? Até parece que eu te conheco de uma vida inteira ~ Feu, Maria? Desde outras vidas, tamanha & a afinidade que eu sinto por vocé. ~ Que bonito, Jodo. Assim é covardia, esta batalha vocé ganhou. — Ganhei nada, sou desde ja refém da sua simpatia, seu jeito, sua forma de expressar. ~ Obrigada, Joa. — Nem agradeca, Maria. Vamos conversar mais, quero saber tudo de vocé. Quem é vocé? 36. Ingedore vila Koch * Vanda Maxis Eas — Adivinha, se gostas de mim.. = Quem é vocé, minha misteriosa? = Eu sou Colombina. — Eu sou Pierrot. Mas nem é carnaval, nem meu tempo passou. Bom, pelo ‘menos depois de vocé — E verdade, Jo5o. Deixando a misica de lado, eu que jé ndo sou téo menina, ‘apesar de estar me sentindo assim, quero que voce saiba que a minha vids festava muito chata, muito mondtona até que 0 destino te colocou neste didlogo meio louco, meio magico. ~ Vamos fazer 0 jogo da verdad, Maria? Eu sou Joo, ou outro nome qualquer, tenho 45 anos, casado hé muito tempo, sem filhos. Meu casamento entrou ‘numa rotina ~ Eu também, Jodo, estou casada hé muito tempo, também sem filhos, achando que era feliz, até te descobrir,e, principalmente, descobrir que estou viva. Apesar de também ter passado dos quarenta, estou me sentindo uma colegial,diante das primeiras emocées. ~ A minha esposa é boazinha, mas néo tem a minima imaginacdo, nem a tua sensiblidede. Jamais seria capaz de um didlogo deste nivel. = 0 meu marido é honesto, trabalhador, mas & um tremendo cretino, 56 pensa em futebol, ~ Eu até gosto de futebol, mas ndo sou muito fandtico, A minha mulher sO quer saber daquelas novelas chatas, sempre do mesmo jeito. ~ Fu quase que nem assisto novelas, prefiro ler e conversar. Com pessoas como voce, & claro! z ‘se «este papo de internauta é gostaso, mas jd ndo me satisfaz plenamente. ae te conhecer pessoalmente, tocar no teu corpo. E quem sabe.. ~ Eu fico meio envergonhada... Mas, dane-se o pudor, estou louca para fazet com voce as coisas mais loucas que puder. = Que tal Q neste fim de semana, a tarde... a gente ‘poderia ir a um barzinho. ~ Eu topoti) ~Me deixa o numero do seu celular, ~ Ah! E 9899, ~ 9899... Mas este & o ‘ oe Celular da minha esposall! £ voce, Joana??? ‘Avior Lue Fernand Eh a5 € cardoogista e, nas ho nas horas vag, cronista, tere compreender 37 Como leitores, a0 iniciarmos a interagdo com 0 autor por meio do texto, situa mos a hist6ria no seguinte quadro: um homem ¢ uma mulher esto em um bate-papo de internet e, geralmente, como € esperado nessa situagio, comportam-se como dois

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