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ZUMBIDO E COMORBIDADES PSIQUIATRICAS INTRODUCAO O zumbido, a percepgao de um som “fantasma”, é relatado por até 20% da populagio em geral, mas a maioria das pessoas com zumbido nao é severamen- te afetada por ele. Entretanto, um grupo de individuos com zumbido sofre severamente e, em alguns casos, apresenta até mesmo tendéncias suicidas em razio do zumbido.*¢ Para o tratamento do paciente com zumbido, é importan- te definir as causas do incbmodo ¢ incapacidade relacionados com ele. Foi pre~ viamente dernonstrado que individuos com zumbido, apresentando incémodo severo ou discreto, nao diferem entre si com relagio as caracteristicas do zum- bido, como o pitch, intensidade ou variabilidade.*5? Entretanto, a diferenga entré estes dois grupos € a presenga de comorbidades psiquitricas. Pacientes com escores altos em questionarios para zumbido, como, por exemplo, o Tin- situs Handicap Inventory, sofrem com maior frequéncia de alteragdes psiquié- tricas do que aqueles com baixos escores nos mesmos.18:3348,66,74 Qs sintomas psiquidtricos mais frequentemente relatados neste grupo de pacientes sio os sintomas relacionados com depressiio e ansicdade,'21728,72Também a insonia é frequentemente relatada pelos pacientes com zumbido.?*% Estudos publi- cados concordam que existe um alto grau de-correlacao entre ozumbido severo ¢ sintomas de depressio ¢ ansiedade, mas os resultados variam entre si. Isto provavelmente € gracas a diferencas na amostragem entre os estudos (p. ex., pesquisa na populacao em geral x servicos de atengao priméria a satide x cen- tros altamente especializados em zumbido).* Diferengas nos critérios de diag- DA Zumbido e Comorbidades Psiquidtricas oT ERC aoe: Me ete Rerun cits tat ae aed Grau! Zumbido bem compensado, sem alteragées psicoldgicas Grau ll Zumbido pereebido somente no sil@ncio € se toma incSmode durante periodos de stress e pressdo Grau lll Zumbido interfere continuamente nas reas privada e profissional Disttirbios emacionais, cognitivos e fisicos ocorrem Grau IV Zumbido leva & completa descompensago na area privada; incapacidade trevista extensa para explorar especificamente todos os potenciais sintomas de depressio ou ansiedade. Além disso, sio necessirios treinamento ¢ experiéncia especificos para avaliar os sinais afetivos, o que deve ser feito por um psiquiatra ou psicdlogo. Entretanto, todos os profissionais que tratam de pacientes com zambido devem estar familiarizados com os instrumentos de triagem de dis- tirbios psiquidtricos frequentes, os quais se basciam em algumas poucas per- guntas-chave e siio de facil realizagao. Para a depressao, as duas perguntas a se- guir foram propostas: 1. Nos uiltimos 30 dias voc’ frequentemente ficou incomodado por se sentir para baixo, deprimido ou desesperangoso? 2, Nos Ultimes 30 dias vocé frequentemente ficou incomodado por de- monstrar pouco interesse ou prazer para fazer qualquer coisa? Caso 0 paciente responda “sim” para uma das questées, a depressio € pro- vivel, ¢ um encaminhamento para psiquiatra ou psicélogo deve ser feito. Questies de triagem semelhantes para ansiedade sio utilizadas em entrevistas iagndsticas padronizadas ¢ semiestruturadas, como a Entrevista Neuropsi- quitrica Internacional MINI (MLN L, International Neuropsychiatric Intervi- eww; (Quadro 9-2), podendo ser utilizada come triagem para distirbios ansio- 08,60 O que fazer quando se suspeita de depressdo ou ansiedade em um paciente com zumbido Um pac Nt com sintomas que levem a suspeigdo de depressfio, ansiedade ou qua alquer outro distirbio psiquiatrico deve ser encaminhado a um psi paraa diagnéstica ¢ terapéutica, Na pratica elfnica, He80 Nod tualmente diffeil, j cientes podem interpreta um psiquiatra como um sinal de que eles no est “loucos". ‘T aminhan nitor Levitclon sendo considerados que fiato pode wer facilmente Zumbido e Comorbidades Psiquidtricas 95 Chet oer eer c ot GE CEE eR Me aC ect Oa) RIN Eete eu tess eater Questao Escore-com o “Sim” Vecé acha que estaria melhor morto ou deseja estar marto? 1 Vecé gastaria de fazer mal a si mesmo? 2 \Vocé pensa em cometer suicidio? 6 ‘\Vocé tem umn plano para se suicidar? 10 Tentativa de suicidio 10 —m toda a sua vida: Vocé alguma vez ja tentou se suicidar? 4 Risco atual de suicidio: 1-5 pontes = baixo; 6-9 pentos = moderada; 10 ou mais pontes = alto. por uma explanacao cuidadosa de que o zumbido pode levar a um incdmodo significativo, e que 0 conceito terapéutico iré incluir abordagens para redugio do zumbido (p. ex., préteses auditivas, geradores de som ete.). Entretanto, 0 paciente deve ineluir que o softimento induzido pelo zumbido deve ser tratado por especialistas (p. ex., por alguma forma de terapia cognitiva comportamen- tal ou por tratamento farmacolégico). Além disso, uma colaboragao estreita com psiquiatras e psicélogos, com interesse em zumbido ¢ experiéncia no jagnéstico ¢ tratamento de pacientes com zumbido, tornaré mais facil para otorrinolaringologistas e audiologistas encaminhar seus pacientes para diag- héstico e terapéutica psiquidtricos. DEPRESSAO Diagnéstico diferencial da depressdo ‘waqueles que nfo sio psiquiatras, o diagnéstico diferencial da sintomatolo- j.la depressiva é obviamente dificil. Os sintomas depressivos podem ecorrer em doengas psiquidtricas. O diagnéstico diferencial exato ¢ importante, uma vez que ele leva a importantes consequéncias para a abordagem terapéuti- ca, Por exemplo, sintomas depressivos poder ocorrer em um contexto de dis- uirbio afetivo bipolar ou distirbio do stress pés-traumitico, os quais requerem jazem terapcutica completamente diferente da depressdo maior. Assim, viii m psiquiatra deve estar envolyide na abordagem diagndstica e cpu icagito diagndstica exata posterior podera Je classificagio 1 ‘allo on do Piaguostic and Statistical Manat of Mental Dison mente utilizad 96 Zumbido e Comer! lades Psiquidtricas ders da Associac¢io Americana de Psiquiatria (DSM-IV)? e o International Classification of Diseases do WHO (CID-10).1 Os critérios de classificagao para a depressio maior (DSM IV) distirbios depressivos (CID 10)! estado descritos nos Quadros 9-3 ¢ 9-4. A) Ginco (au mais) dos seguintes sintomas presentes durante o mesmo periodo de 2 semanas, representando uma mudanga com relagao as funcdes prévias; a0 menos um dos sintomas é humor deprimide ou perda de interesse ou prazer Nota: N&o incluir sintomas claramente causados par condigdes médicas gerals ou ilusdes ou alucinagdes humorincongruentes. 1, Humor deprimido na maior parte do dia, praticamente todos os dias, indicado: por relato subjetivo {p. ex., sente-se triste ou vazio) ou abservacao por terceirds (p. &x., parece choroso). Nota: Em criangas e adolescentes, pode ocorrer humor iffitavel 2. Interesse ou prazer marcadamente reduzides em todas (ou quase todas) 85 atividades na maior parte do dia, praticamente todos os dias {indicado por relato subjetivo ou ebservagées de terceiros} 3. Perda de peso significativa sem estar em dieta ou dieta de ganho de peso {p. ex... uma alterago superior a 5% do peso corporal em 1 més), Nota: Em crianeas, considerar falha em ganhar peso 4. Insnia ou hipersenia praticamente todas os dias 5. Agitacao ou retardo psicomotor praticamente todos os dias (abservade por terceiros, e ndo sentimentos meramente subjetives de hiper ou hipodinamia) 6. Fadiga ou perda de energia praticamente todos os dias, 7. Sentimentos de inutilidade ou culpa excessiva e inapropriada (que pode ser ilusdria) praticamente todos os dias (no meramente autorreprevacdo au culpa por estar doente) 8. Capacidade de raciocinio ou concentragae reduzida, cu indecisdo, praticamente todos os dias (por relato subjetivo ou observagao por terceiras) 9. Pensamentos recorrentes de morte (nao apenas medo da morte}, ideagdes suicidas recorrentes sem um plano espectiico, ou uma tentativa de suicidlia ou plano especifice para cometer suicidio 8) Os sintomas nao preenchem os critérios para um episéidio misto ©) Os sintomas causam incémode clinicamente significative ou p ocupacianal ou outras areas funcionais importantes cial, D} Os sintomas nao s4o-ccasionadas por efeitos fisiolégicas diretos de wma substéneia (p. ex., abuso de drogas, uma medicagao) au de uma candigho méciea geral (p. ex, hipatireoidisrno) E) Os sintomas nao $80 mais bem relacionados com ama perda (p, ex, apos a perc de uma pessoa qretida), 05 caracterizados por uma ¢ ideag stoners persister pot env nGaD Marcela, pre ius paicHlicos ou retard Zumbido e Comorbidades Psiquiétricas o7 Quadro 9-4. Critérios do CID 10 para episédio depr ‘A) Critérios gerais para episédio depressive: 1, Q episédio depressive deve durar, ao menos, 2 semanas 2, © episddio nao ¢ atribulvel a uma substdncia psicoativa ou a alguma alteragao organica e mental jt) Presenga de, 20 menos, dais dos seguintes sintomas: 1. Humor deprimido em um grat definitivamente anormal para o individuo, presente ha maior parte do dia € praticamente por todes os dias, claramente naa influenciado por circunstncias. ambientais e mantido por, ao menos, 2 semanas 2. Marcada perda de interesse ou capacidade de gostar de atividades previamente prazerosas 3, Perda de energia ou fatigabilidade aumentada ©) Ag menas quatro dos sintomas adicionais a seguir devem estar presente(s): 1. Perda de confianca ou autoestima e sentimentos de inferioridade 2. Sentimentos irracionais de autorreprovagao ou culpa excessiva ou inapropriada 3, Pensamentos recorrentes de morte ou suicidio ou qualquer comportamento suicida “4, Queixas ou evidéncias de redugao da capacidade de concentracao ou raciocinio, acompanhadas por indeciséo ou vaclagso 5, Alteragao na atividade psicomotora, com agitagao ou inibigao 6, DistUrbios do sono de qualquer tipo /, Alterag6es do apetite (redu¢so ou aumento), com alteragao ponderal correspondente Pode au ndo ser a sindrome somatica ‘Opcées de tratamento para a depresséo is razdes pelas quais pacientes com zumbido e depressfio devem c eficientemente tratados, O tratamento eficiente depende da exata :ia dos sintomas depressivos comérbidos ao zumbido. Caso a avaliagio stica revele uma depressio maior, as opcSes-padrao de tratamento ‘ncluem antidepressivos e psicoterapia. Existe uma grande variedade de anti- ivas disponivel, que diferem em seus mecanismos de agao e nos seus Aversos, Além disso, existem alguns antidepressivos especfficos para mas da depressio. Por exemplo, a amitriptilina e a mirtazapina io preferencialmente utilizadas em pacientes luloxetina ¢ a bupropiona exereem um de energia. Assim, vos & enquanto a venlat (ito de ativagiio, sendo prefe calla do melhor anticepressivo é complexa edepende da exper les COM per iéneia prévia 98 Zumbido e Comorbidades Psiquistricas do paciente com drogas especificas, do sintoma depressivo predominante e das comorbidades. Também foi demonstrado que a terapia cognitiva comporta- mental € eficiente no tratamento da depressio. Outras opgdes nfo farmacolé- gicas de tratamento incluem fototerapia, privagao do sono, estimulagio mag- nética transcraniana e exercicios aerébicos. Varios antidepressivos foram investigados para o tratamento do zumbi- do.10.5% Dois estudos randomizados duplos-cego controlados com placebo in- vestigaram os efeitos de antidepressivos em pacientes com zumbido e depres- sf, como comorbidade.6575 1. O triciclico nortriptilina reduziu significativamente os escores de depres- sio, escores de incdmodo relacionados com o zumbido e intensidade (loudness) do zumbido quando comparados ao placebo. 2. Além disso, o inibidor da recaptagao de serotonina sertralina foi signifi- cativamente mais efctivo do que o placebo em reduzir a severidade do zumbido. Em ambos os estudos, a redugo nos escores de incémodo do zumbido apresentou alta correlago com a reduce dos escores da depressio, su gerindo que os antidepressivos apresentam resultados benéficos nos pacientes com zumbido ¢ depressfio, mas que isso é gragas principalmente ao efeito antide- pressivo da droga, Entretanto, a inducao de piora do zumbido também tem sido relatada no contexto de tratamento com antidepressivos, como um efeito adverso de drogas, como a fenclzina, amitriptilina, protriptilina, doxepina, imipramina, fluoxetina, trazadone, bupropiona ¢ venlafaxina. A piora do zum- bido também tem sido associada a retirada de antidepressivos (venlafaxina e sertralina),¢0 ANSIEDADE Aansiedade é uma das emogGes fisioldgicas mais bésicas do ser humano, Ela tepresenta um sinal biossocial que contribui para o desenvolvimento de rela~ g6es interpessoais normais e uma interagio sensfvel 0 tisco com o ambiente. A ansiedade 6 um indicador de ameagas e aponta perigos em potencial. A per- cepeo subjetiva da ansiedade e suas amengas relacionadas, enti influenciada pelo aprendizado, que gradualmente lev das ¢ avaliagdes cognitivas dos peri deter nto, € muito ape oadifica- internos ¢ externo: vor sua vex, ina o nivel individual de ansiedade toler: Hamentais para recuperar a seguranga, é por: ‘importantes Zumbide e Comarbidades Psiquidtricas 99 lunges fisiolégicas, que siio essenciais para a sobrevivéncia. Nesse aspecto, a unsiedade ndo representa um sintoma patolégico. Entretanto, ela ganha rele- vincia clinica nos casos em que se vetifica excessiva ou muito pouca ansiedade. Sintomatologia e diagnéstico diferencial ‘\ ansiedade, enquanto sintoma, pode fazer parte de quase todas as doengas psiquidtricas. Caso a ansiedade atinja um nivel extraordinério, seja subjetiva- inente percebida como isreal, torne-se um grande fardo a ser carregado e com- prometa o comportamento social, ela poderd ser considerada uma doenga, e 0 méstico de uma alteracao ansiosa pode ser realizado. De modo geral, a ansiedade surge sempre em diferentes niveis,. ex,,niveis emocional, cognitivo (p. ex., crengas subjetivas relacionadas com o perigo), motor (p. ex., atitudes comportamentais, como lutar e fugir) e autondmico (p. ex., reagdes somaticas como taquicardia, secregéo de horménios do stress etc.). Na Classificagio Internacional de Doengas da WHO (CID-10), os critérios diagnésticos para ulteragSes ansiosas severas esto definidos. Trata-se de distirbios fébicos (CID-AO: F40; p. ex., agorafobia, fobias sociais ¢ fobias especificas) ¢ outras lteragSes ansiosas (CID-10: F41; distirbio do panico, distarbio da ansiedade yeneralizado, ansiedade e depressiio combinadas). Os distirbios fébicos sio caracterizados daquele modo, a ansiedade ocorrendo principalmente em situa- oes especificas ou em resposta a situagées e coisas que normalmente nio sio- perigosas para o individuo (p, ex., medo de lugares piblicos ou medos espectfi- os, como, por exemple, de aranhas). Em contraste, nas outras alteragdes an- stosas os sintomas ocorrem independentemente de gatilhos especificos \mbasas formas de alteragdes-ansiosas tém em comum o fato de que os indivé cluos tendem a evitar situagGes associadas 4 ansiedade. Isso, por sua vez, estabi- sintomas, uma vez que o comportamento de evitagio os impede de con- que o perigo antecipado nfo é real e interfere com o aprendizado de estra- ivas. Um comportamento de evitacao similar ¢ também encon- tradlo nos pacientes com zumbido, Especialmente nos pacientes que sofiem de hiperacusia, a fonofobia frequentemente se desenvolve, € ruidos so evitados, [ntretanto, o ate de evitar os sons ¢ contraproducente, uma vez que existe cluras evidéneias de que a redugio do som ambiental aumenta as percepgées tivas fantasma, como o zumbido.? Dessa forma, este comportamento de tagiio repr compartime 100 Zumbido e Comorbidades Psiquiétricas Prevaléncia das alteragGes ansiosas Estas alteragées so comuns. As taxas de prevaléncia ao longo da vida variam decerca de 1, 2% para distirbio do panico a 5% para fobias especificas, Em vir- tude de critérios diagnésticos divergentes, as taxas de prevaléncia variam subs- tancialmente entre os diversos estudos. A alteragio ansiosa mais frequente parece ser a fobia social, para a qual taxas de prevaléncia ao longo da vida de 13,3% foram descritas.“0 A prevaléncia global ao longo da vida de alteragées ansiosas como um todo é em torno de 10%.6? A ansiedade € ainda mais fre- quente em individuos com zumbido, Varios estudos relataram ansiedade entre 19-¢ 459%.11,49,71 Sua releviincia clinica ¢ ainda mais reforcada pelo fato de: quea severidade eo incémodo causado pelo zumbido estio relacionados com a an- siedade € depressio como comorbidades,’3 sendo a depressio também fre- quentemente uma condicao de comorbidade em alteragées ansiosas. Assim, a detecgo 0 diagnéstico de sintomas ansiosos nos pacientes com zumbido Tepresentam uma tarefa importante para qualquer professional de sade envol- vido com pacientes com zumbido. Especialmente nas formas scveras, com detrimento substancial da qualidade de vida, a probabilidade de um distirbio psiquiatrico comérbido, como a ansiedade ea depressiio, estd aumentada. Nes- tes casos, uma exploragao detalhada quanto a sintomas ansiosos deve ser reali- zada, Etiopatogenia das alteragdes ansiosas A etiopatogenia dos sintomas ansiosos é multifatorial. Os pacientes ansiosos frequentemente se caracterizam por alguns tragos acentuados de personalida~ de (p. ex,, introversio e neuroticismo). Outros fatores relevantes sio processos cognitivos disfuncionais, sensibilidade ansiosa ¢ vieses de ateng&o. Uma conse- quéncia comportamental destas disfungdes cognitivas é a percepgfo enviesada de potenciais perigos, interpretagao equivocada de sinais fisiolégicos (como as batidas do coragiio) como sinais de perigoe a sensagao de incapacidade de con~ trolar esses sintomas. Muitos aspectos destas disfungdes cognitivas sao tam- bém frequentemente encontrados em pacientes com zumbido, mesmo quando eles nao softem de sintomas ansiosos. Por exemplo, sentir-se ineapaz de con- trolar o zumbido ¢ medo de que o zumbido possa piorar so muito frequente: mente mencionados por pacientes com zumbido como umit procura pele atendimento médieo, IS importante notar qu¢ drontad Lior para at ame lem ¢ depe da interay omiinieagio entree paciente ¢ os profissionais de satile, Ao exagerar o rinco de doengan grave Zumbido ¢ Comorbidedes Psiquidtricas 101 quais podem ser a causa do zumbido (p. ex., tumores cerebrais), 0s médicos po- «lem causar ansiedade, podendo também fazé-lo ao informar ao paciente que nio ha possibilidades de ajudé-lo com o zumbido e que eles terio de conviver com ele. Assim, a forma com que a informago sobre o zumbide — suas bases lisiopatolégicas e potenciais opgGes terapéuticas — € oferecida pode ser critica para o modo que um paciente venha a encarar 0 zumbido, Informar o paciente ile forma enfatica e oferecer esperanga sao fatores importantes para a preven- yo do desenvolvimento de ansiedade. Isto é ainda mais importante, uma vez «ue existem evidéncias de que processos antecipatérios e ativacao disfuncional «le uma rede cortical do incémodo (“distress network”) parecem apresentar um papel na fisiopatologia do 2umbido.*3 As estratégias cognitivas comporta-~ mentais para os pacientes com zumbido enfocam estes processos disfuncionais vognitivos ¢ antecipatérios, tendo sido demonstrado serem elas capazes de me- Ihorar a qualidade de vida nos pacientes com zumbido.5° Hiperacusias, fonofobia ¢ ansiedade \ hiperacusia ¢ a fonofobia, as quais frequentemente ocorrem em conjunto com o zumbido, podem complicar o tratamento do zumbido em alguns paci- ites, A hiperacusia é definida como uma tolerincia reduzida a sons ambien- (is comuns, ou uma fesposta consistentemente exagerada®S ou inapropriada a (ons que nao sao ameacadores ou desconfortavelmente altos para uma pessoa normal.4t Na fonofobia, sons especificos evocam emogoes negativas, como ansicda- ile c medo. A fonofobia representa uma forma de fobia especifica. A hiperacu- ii pode ocorrer no contexto de algumas condigées somiticas subjacentes, Se subconsciente = Gotan tnted a? 1 TI Audio: pentérica Sistema nervoso auténomo Fig. 10-1. eas pi entee-virias Lemas e mecanismos neurais envolvides na misofonia 01 neirAMeNte responsévers pela misofonia. Setas pontilharl ‘i Hos som cinga indicam indicarn anterag Intolerdncia a Sons V7 O LDL dos pacientes com misofonia ou fonofobia pode ser totalmente (iscrepante com a queixa. Um paciente que nao suporta o miado de um gato pode ter LDL superior a 100 dB, por exemplo. As questdes 5 ¢ 6 da entrevista cstruturada para investigagao das intolerdncias a sons (Quadro 10-2) sao fun- damentais para o diagnéstico diferencial da misofonia ¢ da fonofobia com relago 4 hiperacusia. Recrutamento O reerutamento pode ser considerado um transtorno da codificacao de inten- vidade, mas nao tem qualquer ligacao com a hiperacusia. No recrutamento a laixa dindmica da audigio est reduzida, mas nao por diminuigiio do LDL, e sim em raz&o de uma perda auditiva de origem coclear. Nos individuos recru- luntes a sensacao de intensidades progressivamente crescentes € muito rapida, 0 que provoca desconforto.126 QUadro 10 | Lateralidade de intolerdncia a sons:{ ) Direita ( ) Esquerda ( ) Ambas > instalag3o: Quando surgiu? Gradual au repentina? Coincident com algum problema de satide, stress ou trauma? Anterior ou posterior aa aparecimenta do zumbido (quando existente}? |. Periodos de melhora ou piora? € possivel relacioné:los com algo? Quais sens pravacam ineémodo? situagGes de exposicao que aparecem tém relagao com o gral de incOmedo com os sons? (0 Reagbes aos sons: medo? dor? inritagio? angUstia? outras? Alividades impossibiltadas ou afetadas pela intolerdincia a sons? ancertos Sociais Ginerna trabalho Restaurantes Eventos esportivos birigir Cuidar de criangas Compras: igreja Domeésticos Outras Usa protetores auditivos? % do tempo No siléncio? ‘aul do problema 1224567 89 10 {pior vaaosom 123 4567 89 10 (pior) 123456789 10 (pior) Harentos 14 realigados 118 Intoleréncio @ Sons Sindrome da “cabega explodindo” Hi descrigao de casos de pacientes que deserevem ouvir sons intensos, tomo o de exploses quando esto transitando do estado de vigilia para o primeiro es- tigio de sono. Apesar de ter natureza benigna, é um sintoma bastante incémo- do ¢ que pode gerar uma série de reagdes negativas.427.2% Choque actistico Pacientes com esse problema relatam que sons intensos e repentinos provocam dor ou queimagao nos ouvidos, zumbido, hiperacusia/fonofobia, dor de cabeca ¢ vertigem e reagées emocionais intensas que incluem ansiedade e depressio. O choque actistico é uma reag&o patolégica (neurofisiolégica e psicolégica) que ocorre por exposicao a sons intensos € repentinos.2? EF especialmente co- mum em operadores de telemarketing, j4 que a probabilidade de exposi¢ao a ruidos muito préximos aos ouvides é maior entre esses profissionais. West- cott?? propds um modelo neurofisiolégico para explicar o mecanismo do cho- que actistico. A autora considera a Sindrome Ténica do Tensor do Timpano (condigiio em que o miisculo tensor do timpano esta continuamente em atividade espontinea) em conjunto com altos niveis de ansiedade ¢ de estresse pds-traumatico. AVALIAGAO DE PACIENTES COM INTOLERANCIA A SONS Anamnese Com certeza, instrumento mais importante na avaliagéo de pacientes com queixas de intolerancia a sons. Como em qualquer anamnese auditiva, de vern-se obter dados pessoais, de satide geral ¢ da satide auditiva a partir do raciocinio clinico em funcao das causas relacionadas com as intolerdncias i sons. Além da caracterizagao da intolerancia a som, ¢ importante que o m¢ dico pesquise exaustivamente a causa do sintoma para possivel tratamento etioldgico. O Quadro 10-2 oferece uma sugestio de entrevista especffica estrutu rada, elaborada pela autora a partir das propostas de Jastrebofl rebofl ¢ le Baguley e McFerran.1 A situagio em que os sons aparecem tem relagiio com o grau de do? (p. ex, miisica alta de rituais religions). ‘omo neomoda con) tit aciente diz niio suportar mitisie Intolerdncia a Sons 119 Avaliagaéo audiolégica Deve constar, no minimo, de audiometrias tonal e vocal, medidas da imitancia actistica e pesquisa dos Limiares de Desconforto para a Sensagio de Intensida- ile (LDL) e, se possfvel, dos testes da supressiio das emissdes otoactisticas. E importante ressaltar que esses pacientes tém intolerancia a sons ¢, por isso, merecem alguns cuidados extras nos testes que usam sons superiores a 80 «B, como na avaliacao do reflexo aciistico e da audiometria de tronco cerebral (ABR). Esses testes devem ser iniciados com intensidades moderadas, eo pa- ciente deve ser orientado a avisar caso o som seja desconfortavelmente inten- so, Caso o paciente relate incémodo durante a testagem, esta deve ser imedia~ (umente interrompida, O mesmo cuidado deve ser tomado para o indice de teconhecimento de fala (usar sempre a intensidade correspondente ao nivel de inaior conforto para o paciente) e para o LDL. O LDL é reconhecido como o principal teste para a avaliagao dos pacien- (es com intolerincia a sons.4457.131931-34 A pesquisa do LDL deve ser feita com tons puros pulsateis nas frequéncias de 500, 1.000, 2.000, 3.000, 4.000, 6.000 e 8.000 Hz e com sons da fala encadeada, espontinea a viva voz. Os eutimulos devem ser apresentados a partir da intensidade de 50 dB NA, de ‘odo aseendente, em passos de 5 dB até que o sujeito refira desconforto ini- jal com a sensagio de intensidade. A duracae da apresentago dos estimulos Jove ser de, aproximadamente, 2 segundos, com intervalo aproximado de 1 suundo entre uma apresentagio e a seguinte.5:1332. \ instrugtio é de funda~ | importincia ¢ deve ser sempre a mesma, A instrugio apresentada a vuir foi adaptada por Knobel e Sanchez:32 “Vocé vai ouvir apitos que vao ficando cada vez mais fortes. Por favor, levante a m4o quando a som estiver numa intensidade tal que vocé ndo queira mais ouvi-lo, e 0 som cessard imediatamente, O objetivo deste teste & saber qual intensidade sonora proveca incd- inodo, @ n&o Saber se o som esta forte ou fraco. Pode ser que o som forte e ndo provoque desconforto auditivo, par exemplo.” Quando o paciente demonstrar medo de sofrer uma lesio auditiva em ‘jncdo de estimulos sonoros intensos, outra informagio deve ser adicionada: “Este teste naa oferece risco nenhum a sua audigéo, mesmo que voce ouge um som na intensidade maxima emitida por este equipa unento” 120 Intoleréncia a Sons O valor do LDL varia entre 90 e 100 dB NA para todas as frequéncias em criangas ¢ adultos com audig&o normal, 3-32 Qs autores alertaram para agran- de variabilidade de resultados deste teste quando comparado entre individuos. Portanto, tais valores devern ser considerados apenas uma referéncia para a normalidade e precisam ser cuidadosamente analisados juntamente com uma anamnese detalhada. Como o LDL tem stima reprodutibilidade,3? é um ex- celente instrumento para acompanhamento do paciente através da compara- go de seus valores pré ¢ pdés-tratamento.145,20.34 A pesquisa do efeito de supresséo pode ser pesquisada com emissées oto- aciisticas por produto de distorgdo (2F1-F2) na razio de F2/F1 = 1,22, apre- sentadas na intensidade de 70 dB NPS ou com emissdes otoactisticas transi- torias. com cdicks nas frequéncias de 1.000 a 4.000 Hz em intensidade de 80 dB NPS, com duracio aproximada de 19 segundos.” Para avaliar a presenca do efeito supressor das EOAs, elas devem ser captadas normalmente ¢ depois com a presenga de rufdo branco, gerado por um audiémetro e apresentado ao paciente via fone de ouvido na orelha contralateral A captagao das EOAs.20;35 Outros instrumentos de mensuragéo das intolerancias a sons © Quociente Johnson (JHQ) € 0 cilculo da média da faixa dinamica (LDL subtraido dos limiares audiométricos) para cada frequéncia de cada orelha. De acordo com o JHQ, resultados de 75 a 90 dB indicam hiperacusia leve, de 50 a 74 dB, hiperacusia de grau moderado, de 30 2 49 dB, hiperacusia severac de 0a 29 dB, hiperacusia profunda5! Existe um questiondrio para a avaliagao das intolerancias a sons, o Questi- onnaire on Hypersensitivity to Sound®637 mas, pelo menos até o momento, elc nio foi traduzido e validado para o portugués. ‘Como muitos sujeitos com intolerfncia a sons apresentam também ansic~ dade e comportamente de isolamento, 58 muitas vezes uma avaliagio psicolé~ gica se faz necessdria para melhor compreensfo do caso e também para que 0 paciente receba tratamento psicolégico sempre que for o caso. TRATAMENTOS E TERAPIAS Como ocorre com qualquer sintoma, também com as intolerancias a sons 0 tratamento da doenga de base é sempre o primeiro caminho ase tomar. Infeliz mente, em muitos casos a etiologia é indefinida ou irr yuns estudos sugerem tratamento da hiperace na,®” litio,! inibidore: vel ona carbamazepi 1 conte paroxetina, Muoxe: Intolerancia a Sons 121 tina e sertralina, agonistas do Acido gama-aminobutirico (GABA) como ben- zodiazepinicos ou drogas que facilitem o transporte do GABA, como a gaba- pentina e a pregabalina* Dentre as terapias possiveis, as terapiss com base no enriquecimento so- noro ¢ orientagfio s4o recomendadas por diversos autores.*525042 Q enri- «juecimento sonoro tem por objetivo dessensibilizar as vias auditivas centrais através da estimulagdo auditiva e é realizado com sons ambientais ¢/ou com yeradores de som de banda larga adaptados nas duas orelhas. De um modo eral, a intensidade e o tempo de uso dos geradores de som sfo aumentados pradualmente, e © tempo entre as sessdes de acompanhamento ¢ realizado vam maior frequéncia. O paciente é desencorajado a ficar no siléncio ou a usar pratetores auditivos, a no ser quando exposto a nfveis de pressio sonora po- icncialmente lesivos ao sisterna auditivo. Existem instrumentos desenvolvidos especificamente para o tratamento clas intolerancias a sons (por enquanto néo disponivel no Brasil), Os supresso- res ou atenuadores sonoros controlam a entrada sonora através do sistema WDRE (wide dynamic range compression), alivianda as queixas de pacientes com hiperacusia, fonofobia ¢ sindrome ténica do tensor do timpano sem levar ‘vsuperprotegio auditiva,2942 Vernon e# al 29 sugeritam.o uso de supressores de sons associado a urn trei- »ento auditivo que consiste em escutar um ruido rosa diariamente por 2 para o restabelecimento dos niveis normais de tolerincia a sons. Os au- tores defendem que o uso de um atenuadorsonoro dé ao paciente a seguranga ‘le niio correrem 0 risco de softerem exposig4o a sons intensos ou inesperados \ mesmo tempo em que néo incorre noerro da superprotegia, mas nio ofe~ 1ecem dados a respeito do tempo de tratamento ¢ indice de sucesso do trata- mento, O sucesso do tratamento escolhido para o paciente, medicagio, entiqueci- inento sonore ou aparelhos atenuadores de sons estd sempre associado a ses- Hes de ofientagio ou aconselhamento#$15,19,25,33,404! ¢, em alguns casos, \erapia cognitiva-comportamental para redugio da bipervigilancia auditiva.2° 5 sess6cs de orientagdo ou aconselhamento tém por abjetive desmistifi- intomas auditivos por meio da explanagio do funcionamento da via jo uditiva no sistema nervoso central sias a sons. 4451441 Também & mento da informa m explieadas no paciente, Isso y muita mais won tinnnte «yt a jjudirit na adesitio: & terapra e colo 122 Inteleréncia a Sons ativa no processo terapéutico. A linguagem usada deve ser simples ¢ adequads ao nivel de compreensae do paciente, mas nao superficial. O uso de exemplos ilustrativos e comparases com a vida didtia, assimn como de figuras, graficos ¢ modelos ¢ altamente recomendavel.+ As sessdes de orientagio interferem no mede como o paciente entende seu zumbido e seu sistema auditive, mas nfo atua diretamente nos aspectos psicolégicos do paciente.*8 Individuos ansiesos, deprimidos ou com outros comprometimentos emocionais devem ser encaminhados para terapia psico~ logica, pois tais transtornos afetam diretamente o aproveitamento das sessdes de orientagao, limitando ou retardando os resultados da TRT29*3 COMENTARIOS FINAIS As intolerancias a sons so prevalentes em todas as idades ¢ podem impactar muito negativamente nas vidas social, familiar e laborativa do individuo. Ape- sar de limitado, o conhecimento que temos hoje com relagdo a esses sintomas ¢ suficiente para que médicos ¢ fonoaudidlogos possam oferecer ajuda aos paci- entes incomodados com aquilo que deveria ser prazeroso: ouvir. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS 1. Baguley DM, McFerran DJ. Hyperacusis and disorders of loudness perception. In: Moeller MP, Langguth B, Ridder DD ef al. (Eds.). Textbook of tinnitus. New York: Springer, 2011. p. 13-23. 2. Perlman HB, Hyperacusis. Ann Otol Rhinol Laringol 1938;47:974-53. 3, Katzanell U, Segal S. Hyperacusis: review and clinical guidelines. Orol Neurotol 2001;22:321-27. 4, Herrdiz C, Diges 1. Tinnitus and hyperacusis/phonophobia. In: Moeller MP, Langguth B, Ridder DD et al. (Eds.), Teeaboak of tinnitus. New Yorke: Springer, 2011. p. 455-61 5. Jastreboff PJ, Jastreboff MM, Decreased sound tolerance. In: Snow JB, (Ed.). Tinnitus: theory and management. Hamilton: BC Decker, 2004, p. 8-15. 6. Herraiz C, Calvin JH, Plaza G. Estudio de la hiperacusia en una unidad de actifenos. Acta Oforrinolaringal Esp 2003;54(9):617-22. 7. Anari M, Axelsson A, Eliasson A ef al. Hypersensit to sound: questionnaire data, audiometry and classification. Scand Audiola 1999(28):219-30. 8, Fabijanka A, Rogowskei M, Bartinik G ef al (Eds). Epidemiology of tinnitus and Ayperacusis in Poland. Sixth Ynternational ‘Tinnitus Seminar; Cambrige (UK). 5-9 Sept. 1999. 9, Andersson G, Lindvall N, Hursti T etai, Hypersensitivity to sound (hyperacusis): a prevalence study conducted via the internet and post. Int J Audio! 2002;41(8):545-54. TRATAMENTO E REABILITACAO DO PACIENTE COM ZUMBIDO INTRODUGAO A preserigio de medicamentos ainda é — ao que nos parece o tratamento pre- ferido para muitos dos pacientes com queixa de zumbido. A possibilidade de ter o alivio para os sintomas que incomodam e restringem as atividades cotidi- anas num comprimido ou cépsula seduz por diversos motives. Devemos levar em consideracao nao apenas a possibilidade de cura, mas também a praticida- de, comodidade, tempo dispendido para o tratamento (cada vez mais escasso), custo € até mesmo o aspecto fisico, concreto do medicamento em si. Por outro lado, os resultados dos ensaios clinicos de diversos tratamentos medicamentosos disponiveis no mercado sdo muitas vezes desapontadores na pritica clinica. O paciente com zumbido costuma trazer A consulta trés uérias: 1. Varias dividas. 2. Varios exames jé realizados. 3. Varias receitas de medicamentos utilizados sem o sucesso esperado. Esta lacuna tornou-se motivo de pesquisas nas areas basicas, a revisao de conceitos e a retomada de estudos da complexa anatomofisiologia das vias auditivas periféricas ¢ centrais em busca de justificativas aos inimeros questio- namentos que ainda existem sobre o tema. Também tem sido necesséria ¢ oportuna a assaciagao a outros profissionais (fonoaudidlogos, fisioterapeutas, psicdlogos, psiquiatras, neurologistas, neurofisiologistas, odontélogos etc.), um exereicio multi ¢ interprofissional com objetivo em comum que permitiu incorporar ideias e quebrar paradigmas, resultando num modo diferente de 126 Hatamento e Reobilitayée do Pacsente cone Zumibaclo, abordar o zumbido, Alguns conceitos egrar o vocabulirio de otorrinolaringologistas, como habitu: posta do Si Nervoso Central a estimulo repetitive, nio relacionado com adaptagio, fi ‘ou resposta condicionada) e neuroplasticidade (capacidade do eérebro en adaptar a novas situagGes), que sao fundamentais para o entendimento da { opatologia do zumbido crénico. A associagao entre zumbido e perda auditiva é muito frequente. Cerea de 80 a 90% dos pacientes em atendimento no Ambulatério de Zumbido da UNIFESP apresentam algum grau de perda auditiva, sendo esta a principal causa de zumbido. Assim, restabelecer a audigdo aos niveis normais seria o tra tamento ideal destes individuos. Os estudos com células-tronco multipotentes na reposi¢ao das frageis ¢ especializadas células ciliadas sao uma grande espe- ranga, mas ainda muito distantes da realidade dos consultérios e até mesmo dos centros de pesquisa. Por outro lado, as préteses auditivas convencionais, as implantéveis ¢ os implantes cocleares jd esto incorporados ao nosso cotidiano devem ser indicados na reabilitagao auditiva destes pacientes, sempre que possivel. Estes apontamentos nos levam a pensar de um modo diferente sobre o tratamento do zumbido, no sentido de considerar a “reabilitagao” como possi-~ bilidade desejivel. No nosso ponto de vista, o tratamento dos pacientes deve ter como meta principal atuar sobre o grau de incémedo e o impacto do zum- bido na vida do paciente, fatores estes relacionados com os fenémenos de neu- roplasticidade e habituagio. Dar condicdes para que o fendmeno da habitua- do ocorra passou a ser o objetivo principal nas novas terapias. Atuar sobre o sistema nervoso central é o fator em comum dos novos tratamentos. Como 0 uso de medicaments sera abordado no Capitulo 14— Tratamento Farmacolégico, apresentaremos a seguir outras alternativas. liga ACUPUNTURA A acupuntura faz parte do arsenal terapéutico da denominada Medicina Tra- dicional Chinesa, cuja origem remonta ha cerca de 5.000 anos, e que contaain- da com técnicas, como a moxabustio (aplicagdo de calor em pontos do corpo— Fig. 11-1), fitoterapia, exercicios (Tai Chi Chuan, Chi Kung), massagens (Tui Nd) meditagio. Num primeiro contato, ¢ muito dificil ao médico ocidental — cuja formacio é mais objetiva e cartesiana — entender como tais priticas pos- sam ser efetivas na promogio da satide. De fato, sio conceitos, ideias e pensa- mentos fundamentados na observagao-dos fenémenos que ocorrem na nature fotamento.e Boabelitagco da Paciente con: fumbicde: V2 Fig. 11-1. Bastdo de Artemisia vulgaris para aplicagao de moxabustao. nahi séculos, transpostos ¢ aplicados ao proceso de adoecimento e muito dis- {antes do pensamento linear e segmentado da escola ocidental. A capacidade de observagao detalhista dos chineses reuniu sinais ¢ sintomas em padrées de \lestrmonia que traduzem uma visto global da satide, sem se limitar a 6rgios doentes, mas considerando o individuo como um todo. Ainda assim, estes pontos de vista — oriental e ocidental — nfo sfo contra~ \litdtios, mas complementares entre si, confirmado pelo Conselho Federal de Medicina que reconheceu a Acupuntura como especialidade médica (Resolu- gio CEM 1455, 11 de agosto de 1995). Devemos ressaltar que por se tratar de técnica milenar que sofreu muito pouca influéncia da ciéncia ocidental, utili- va-se de uma linguagem que inclui conceitos como “energia’, “canais de ener- tsa’, “desequilibric” ou “desarmonia energética”, entre outros, para explicar a intincada rede de interagio entre homem ¢ natureza. Outros elementos tam- bém presentes, como “vente”, “calor”, “frio”, reforgam a associagao. Esta lin- guagem nao tem conotaco mistica, esotérica ou simplesmente elétrica dos 140 Talamento o Reabilitace conceitos da l"fsiea. Trata-se de terminologia secul zar a fisiologia, o estado funcional do érgie ou orgy ser entendida como prépria da época. Li para caraeter smo em questiio ¢ deve Os pontos de acupuntura sio mintsculas areas bem delimitadas, deseritas ¢ distribufdas pela superficie corporal com caracteristicas singulares, Estudos prévios evidenciaram que nestes pontos existe uma concentragio maior de terminagdes netvosas livres ¢ também apresentam menor impedancia (resis téncia) elétrica.4 O estimulo destes pontos provoca ativacio de areas espect{i cas do sistema nervoso central.13 Pode ser feito por meio da simples manipu lagio das agulhas, por meio de estimulos elétricos, calor ou daser de diodo. A efetividade da acupuntura em pacientes com dores em geral esta bem estabelecida ¢ pode ser explicada pelo seu mecanismo de agio, modulada por fibras nervosas aferentes AS c C.'* Podemos comparar pacientes com dores cr6nicas ou dores em membros-fantasmas aos pacientes com zumbido,35 Ambos apresentam uma queixa subjetiva e dificil de ser mensurada que envol vem respostas do sistema nervoso central (sistema limbico e sistema nervoso auténomo), podendo ser consideradas como sensagées-fantasmas. Esta simi- laridade justificou os primeiros protocolos de tratamento dos pacientes com gambido por meio da acupuntura na UNIFESP? Apesar de encontrarmos muitos pontos em comum, hd algumas diferen- gas entre estas duas abordagens que podemos chamar de ocidental e oriental, quanto & semilogia e propedéutica do paciente, O diagndstico pela Medicina ‘Tradicional Chinesa é com base na hist6ria clinica e identificagio de sinais ¢ sintomas agrupados em sfndromes energéticas, ¢ no exame fisico do pulso ra- dial e caracteristicas da lingua, O pulso radial é utilizado como um dos parimetros de avaliagio dos indi~ viduos, levando-se em consideragio a frequéncia cardfaca (ritmo) ¢ outras ca~ racteristicas relacionadas com sua forga. A pulsologia da medicina tradicional chinesa preconiza o exame do pulso bilatcralmente, sendo que cada segmento avaliade corresponde a um érgiéo ener- gético. O pulso radial direito comresponde, de distal a proximal, aos érgaos/vis- ceras energéticas coracio/intestino delgado, figado/vesicula biliar e rim/bexi- ga. O esquerdo, ao pulmio/intestino grosso, bago pancreas/estémago e triplo aquecedor/pericdrdio. As caracteristicas em cada ponto da tomada do pulso trazem subsidios para o diagnéstico energético, segundo estes critérios mile- nares, _ Tolamento e Reabilitagdo de Paciente corm Zumbido. Ili dois tipos principais de zumbide na Medi AATEC), segundo Ross:!! 1. Zumbide por excesso, + Zumbido por deficigncia energética. © tipo excesso est relacionado com desequilibrio energético do érgio uo ou da viscera vesicula bilias, e o tipo deficiéncia estd relacionado com 0 Wuillbrio do Segio rim, I li ainda critérios outros para auxiliar na caracterizagao do zumbido e de- tern o do disttirbio energético e que geralmente nfo sao valorizados pe- ina ocidental: fi med Surgimento Vin surgimento tepentino sugere uma condigao de plenitude, que pode ser interna (fogo-figado) ow externa (calor no meridiano Shao Yang - TA/VB). Uin surgimento gradual sugere uma condigao de Vazio, que pode ser ocasiona- ilo por uma deficiéncia dos rins, pulmao ou coragio. fom Um tom alto, agudo, semelhante a um apito indica uma condigao de plenitude (stbida de Yang do figado, fogo ou vento). Uin tom baixo, semelhante 20 correr ila dua indica uma condicao de vazio (deficiéncia do rim), Duragéo Zumbido de curta duragio sugere uma condigao de plenitude, normalmente jirtgas 2 invasio de vento-calor afetando o meridiano Shao Yang (TA/VB). Zambido crénico de longa duragéo pode indicar condigéo de plenitude ou vazio. Pode se dever tanto a uma deficiéncia do rim ou a uma patologia do figa- do (Subida de Yang do figado, fogo ou vento), Pressdo Se for agravada ao pressionar as orelhas com as mios, sugere uma condigio de plenitude. Se for aliviada, sugere uma condigiia de Vazio. Depois de se determinar se existe um vazio ou uma plenitude ou um vazio que leva a uma condicao de plenitude ou vice-versa, teremos de identificar quais os érgos ou meridianos envolvidos na patologia. Isso requer uma anéli- se mais especifica de outros sintomas. 130 Tratamento 6 Reabilitagda do Paciente com Zumbide ule: Em seguida listaremos alguns pontos de acupuntura mais ut pritica, suas localizagées ¢ fungées, segundo Yamamura.!* Notem que ¢ tem pontos localizados préximos & orelha ¢ pontos distantes com fungée' melhantes sobre a audigio. «Intestino delgado 2 ([D2—- Qiangu):situa-se na margem ulnar do dedo mi- nimo, distal a articulagio metacarpofalangiana. Ponto Jong do canal do intestino delgado, Funges: melhora o Qi da orelha, dispersa o vento- ca~ lors © Intestino. delgado 19 (ID19 — Tinggong):o “palicio da audigao” situa-se em uma depressio na regido anterior ao trago. Ponto de intersecgio com os canais do triplo aquecedor ¢ da vesieula biliar, Fung6es: harmoniza o Qida audigio, acalma o Shen eremove a obstrug&o de Qie Xue dos vasos sangui- neos (Fig. 11-2). © Triple aquecedor 2 (TA2— Yemen)-entre as cabecas do 4° e 5° ossas do meta- carpo, na face dorsal da méo. Ponto Jong do canal do triplo aquecedor. Fungdo: harmoniza o Qi, regulariza.a audigao, dispersa o vento ¢ 0 calor do triplo aquecedor. Fig. 11-2. Localizagao dos pontos de acupuntura Tripla Aquecedor 21, Intestino Delgado 19 ¢ Vesicula Biliar 2. sal Tralamanto @ ReabilMagdo do Pacienta cam Zumbido 131 Triple aqueceader Wiguan): sitwa-se, aproximadamente, a 4 em proximais da prega dorsal do punho, entre os ossos tidio e ulna, Ponto Luo do'Triplo Aquecedor, ponto de abertura do Canal Curioso Yang armoniza 0 Qi do triple aquecedor e do Yang Qiao Mai, ilita a circulagéo de Qi nos bloqueios nos canais de energia. Triple aguecedor 17 (TAL? ~ Yifeng): situa-se posteriormente ao Isbulo da orelha, entre 0 processo mastéideo ¢ o ramo da mandibula, Ponto de reu- nitio do canal do triple aquecedor com o canal da vesicula biliat, promove energizagio da orelha. Fungées: harmoniza.¢ fortalece o triplo aquecedot, fortalece o Qi da audigao e da visio, dispersa oventto ¢ o calor (Fig. 11-3). Fig. 11-3. Lacalizagao dos pontos de acupuntura Triplo Aquecedor 17 Vesicula Biliar 20. Triple aguecedor 21 (TA21 ~ Brmen): localizado antetiormente ao trago € acima do processo condilar da mandibula. Fung6es: tonificao triplo aque- cedor, fortalece a audicao, dispersa o vento ¢ o calor (Fig. 11-2). Vaso concepedo 23 (VC23 - Fianguan): na linha mediana anterior do pesco- 0, acima da margem superior do hioide. Ponto de concentragio de ener- gia do canal do rim. Fungées: melhora a estagnagio da mucosidade, impa 0 fogo ¢ 0 calor. 132 Trolamen| @ Reabilitagao do Pociante can Zumibido abaixo do pra 2. o Jing, fo 0 espinhoe alece 0 Qi do © Vaso governador 4 (VG4— Mingmen):si so da 2* vértebra lombar (L2). Fungées: tor tim, harmoniza o Qi, Xue ¢ a via das aguas. « — Vesicula biliar 2 (VB2 — Tinghui): situa-se na depressiio interdssea que se forma quando se abre a boca, adiante ¢ abaixo do trago. Fungées: ativa a circulagio de Xue, fortalece a audicao, remove a obstrucio de Qi doscanais, dispersa a umidade-calor do figado e da vesicula biliar (Fig. 11-2). + Vesteula biliar 8 (VB8 - Shuaigu): situa-se na face lateral do crinio, cerca de 3 cmdo vértice da orelha. Recebe um canal secundério do ponto B7 (Bexi- ga 7), emite ramo intemo para o aparelho vestibulococleas, Fungées: har- moniza o aquecedor médio, dispersa o vento e o calor perverso. ° — Vesicula biliar 20 (VB20 — Fengobi): situa-se numa reentrancia dssea entre a protuberincia occipital externa ¢ 0 processo mastéideo. Ponto comum entre o canal da vesicula biliar e do canal Yang Wei. Fungées: clareia a visio ¢ nutre oencéfalo, harmoniza o excesso de Yang Qi, dispersa o vento do figado (Fig. 11-3). * Vesteula biliar 43 (VB43 — Xiaxi); na face dorsolateral do pé, entre as cabe~ gas do 4° ¢ 5° ossos do metatarso. Ponto Jong do canal da vesicula biliar. Fungdes: harmoniza.o Qi da vestcula biliar, dispersa o calor eo vento, dissi~ pao Yang excessivo do figado, Outros pontos de acupuntura so acrescentados de acordo com o diagnés- tico etiolégico do zumbido, nao se limitando aos apresentados aqui. Recomendamos de 10 a 15 sess6es, semanais, para o tratamento dos paci- entes com zumbido. Apés este perfodo, o paciente refere melhora do grau de incémodo e outros sintomas gerais, como melhor qualidade do sono, disposi- gfo, dores da coluna, cefaleia etc, Em alguns casos ha diminuigéo da intensi- dade do zumbido.210 A realizacéo de emissdes otoactisticas com a pesquisa de supressio con- tralateral nos pacientes com zumbido em estudos prévios indicou que um dos mecanismos de ago da acupuntura ¢ incrementando o funcionamento da via eferente olivococlear medial, via inibitéria responsavel pela modulacio da contragio rapida das células ciliadas externas.? Nos pacientes com zumbido € frequente encontrarmos a auséncia de supressio das emnissdes otoactisticas por estimulo contralateral. Tratamento 6 Reabiliagde do Paciente corn 2 133 TERAPIA SONORA lemos empregado o terme ‘Terapia Sonora para designar as técnicas que se valence ail de sons para a reabilitagio do paciente com zumbido. Nos \asen enn que he perda auditiva associada 20 2umbido, a adaptagao de aparelhos ile amnplificagio sonora individuais (A ASI), 0s aparelhos auditivos convencio- tutis, pode ser suficiente para.a redugo da percep cio do zumbido pelo pacien- Quando somente a adaptagéio nio é suficiente, em perdas auditivas de pe- qe grau ou ainda em pacientes com audigao normal, utiliza-se um som heutro como ruido de fundo com esta finalidade (Quadro 11-1), ‘As caracteristicas do som utilizado € 0 que define os diversos tipos de tera- pia disponiveis atualmente, Porém, em todas h4 um consenso quanto & intensi- side (volume), que deve ser sempre MENOR que a intensidade do zumbido ilo paciente, lembrando que o objetivo é induzir a habituago ao zumbido, Este dletalhe permite ao paciente ter contato com o estimulo ao qual deseja-se indu- zira habituago (zumbido), cuja percepgiio é menor por conta do som. A analo- wit mais utilizada didaticamente € o da luz de uma pequena vela de aniversario ces numa sala. Com as ltmpadas da sala acesas, a luz produzida pela vela é «uase imperceptivel. Por outro lado, ao se apagarem as limpadas da sala a mes- ma vela torna-se facilmente notada, apesar de sua intensidade ser a mesma. Ou jn, a percepgao do estimulo depende diretamente do ambiente em questio. Assim, ouvir um som com caracteristicas neutras, mas de intensidade menor que a do zumbido, permite ao paciente percebé-lo numa menor intensidade, como a vela acesa numa sala iluminada, Este artificio ¢ util pois s6 é possivel habituar-se a determinado estimulo, se houver exposigiio ao mesmo! Sd é possf- vel habituar-se ao zumbido se o paciente ouvir seu zumbido, ¢ é mais ficil ao sistema nervoso central se habituar a estimulos de menor intensidade, Major detalhamento ¢ dado no Capitulo sobre 0 Tinnitus Retraining ‘Therapy (TRT). CMEC cd) eieceeti ee cick tee Audicao Terapia sonora Normal Som neutro Perda auditiva leve (sem repercussio) Som neutra Perda auditiva com repercussio AASI (+ som neutro, se necessdrio) 134 Tratamento e Reabilitagao do Paciente com Zumbido Outras técnicas também procuram atuar diretamente sobre o sistema nervoso central, pois as estruturas periféricas, mesmo quando ha lesto detec- tivel, no sio importantes para a manutengio do grau de incdmodo e percep- ¢30 do aumento de intensidade. ESTIMULAGAO MAGNETICA TRANSCRANIANA ‘Técnica que consta de aplicaco de estimulo externo com bobina de indugao eletromagnética em determinadas dreas do ernio. Faz-se sua indicaco princi- pal em casos de depressao refrataria a tratamento clinico medicamentoso com eficdcia atestada em ensaios clinicos diversos. Indolor € nao invasive, o estimulo pode ser modificado para modular o funcionamento do cértex cerebral e modificar a atividade neural da area esti- mulada e suas conexées anatOmicas, Nos pacientes com zumbido, seria capaz de diminuir a excitabilidade dos neurénios do eértex auditivo”.? com respostas varidveis (cerca de 50% de me- Thora)’ ¢ seguro cronicamente.® ESTIMULACAO ELETRICA CORTICAL Hi alguns relatos de implante de eletrodos corticais com o objetivo de atuar diretamente sobre o cértex auditivo na tentativa de reduzir a atividade local, mas com resultados tempordrios.12 CONCLUSAO © papel do sistema nervoso central na determinagio do impacto do zumbido na vida do paciente tem sido cada vez mais reforgado, Por este motive, as op- ges de tratamento — medicamentoso ou nfo — tém focado atuar sobre a com- plexa fisiologia ¢ integragiio de centros corticais ¢ subcorticais relacionados com a audigao, sistema limbico e sistema nervoso auténomo. Este direciona- mento parece ser nfo apenas uma tendéncia momentanea, mas também o futuro de estudos e pesquisas que podem elucidar as chividas e mistérios que cercam 9 zumbido, TRATAMENTO DO ZUMBIDO PELA HABITUACAO — TRT INTRODUGAO H muitos modos dese ver os individuos, como ha muitas maneiras dese olhar o mundo, A geografia, a biologia, a fisica e a matemitica oferecem visbes dis- tintas sobre o mundo, todas titeis e nenhuma mais ou menos verdadeira que a outra. Assim também os individuos vém sendo estudados e definidos de varios modos pela psicologia, sociologia, bioqufmica, pela genética ¢ pelas mais diversas especialidades da medicina, Contude, em ambos os casos, nfo se pode jamais perder a nogao do todo, que compreende os varios niveis da existéncia. E, menos ainda, confundir as divisdes didaticas em sistemas, uteis para a com- preensio eestudo de organismos complexos, com a realidade que existe de for- ma ampla, paralela, integrada e sem reducionismos. Nesta parte do livro, vamos tratar do zumbido como a petcepsio de um som, ou de sons, na auséncia de uma fonte sonora fisica, excluindo assim os cha- mados somatosounds ou zumbido objetivo. O zumbido entendido como uma sensacio auditiva fantasma.® Assim, vale a pena, nesta altura, reforgar a ideia de que nfo falaremos sobre doenga, mas, sobre o sintoma de virias anormali- dades em que a neuroplasticidade se expressa.!3 No mundo moderno, sua incidéncia tem aumentado dramaticamente, principalmente & medida que aumenta a exposicio da populagao a niveis danosos de ruido.?.1820 Com fre- quéncia, causa insénia, ansiedade, depressio, irritabilidade e perda de coneen- trag4o, proporcionando danas individuais ¢ coletivos nos campos social ¢ eco- némico.412 Halamento de Zumbide pela Habilwagaa TRE los Vari hudlo e, sua causa, muitas vezes, s niveis de complexidade estio envolvidos na fisiopatologia do zum- io pode ser determinada. Diferentemente lox traumas, das infeegdes, do uso de drogas ototéxicas, a deterioragio gradual «le Lunges is com a perda de fibras nervosas funcionantes e mesmo sim~ ples alteragdes na velocidade de condugao dos estimulos nervosos no trato wuclitive, comuns com o avango da idade,!9 siio fatores que, a partir de um pronto critico, e em combinagao com outros eventos, nem sempre marcantes, podem gerar zumbido, o que torna dificil, muitas vezes, se estabelecer um suadro claro do problema, trazendo enormes dificuldades na escolha de um (ratumenta, quando a opgao terapéutica se baseia no uso racional de medica~ mentos, Assim, é dentro deste cendrio que pensaremos no tratamento nao medi- «umentoso do zumbido como forma muitfssimo interessante de agregar es- forgos para a solugio deste problema. TRT — TINNITUS RETRAINING THERAPY Dentre as terapias nfio medicamentosas, a chamada TRT (Tinnitus retrainig therapy) merece destaque.? Seu pressuposto principal, o modelo neurofisiolé- pico do zumbido, ¢ assume que, outros sistemas no cérebro, além do auditivo, estejam envolvidos na génese do zumbido clinicamente relevante (aquele que interfere na vida cotidiana do individuo), Dentre esses, principalmente, 0 siste- ‘at limbico e 0 sistema nervoso auténomo desempenhariam papel de grande importincia.® O segundo postulado no qual se baseia tal técnica assume o aumbido como uma percep¢io auditiva fantasma, algo accito pela maioria dos pesquisadores,15:14-17,22 Desse postulado decorre uma série de raciocinios fundamentais, quando se trabalha com terapias sonoras, Uma vez que nfo hi respondéncia da percepgao do zumbido com nenhum evento mecano- vibratério na céclea, também pode-se compreender que a supressio da percep- gio do mesmo relaciona-se com a supressao de atividade neuronal e nfo com mascaramento.’ Sabemos que, muitas vezes, mesmo utilizando-se altos niveis sonoros, é impossivel a supresstio da percepgiio de determinado zumbido, Muitos pacientes ainda, quando instados a comparar seu zumbido com sons cotriqueiros, nao séo capazes de encontrar nenhum paralelo razo‘tvel. As células do sistema nervoso siio dotadas de plasticidade. Quer dizer que os neurénios podem transformar de modo permanente ou prolongado sua fungio e sua forma, em resposta &s agGes do ambiente. A plasticidade é maior 138 trata ilo do Zumbide pela Habiluagao — TRI durante os anes de desenvolvimento, declinando gracativany mas, sem extinguir-se na vida adulta, Nos anos 1940, um psicélogo canadense de nome Donald Hebb publicou um livro no qual propés uma teoria para a meméria com base na plasticidade sindptica, antes mesmo que s¢ tivesse certeza da existéncia das proprias sinap- ses. Sua teoria permaneceu por mais de 30 anos sem grande repercussiio, que os neurocientistas comesaram a descobrir fenémenos que poderiam ser explicados por ela. Estudos em animais invertebrados, como a lesma marinha aplisia, foram muito utilizados nas pesquisas de plasticidade sindptica pelo grupo de Eric Kandell, prémio Nobel de medicina ¢ fisiologia em 2000.11 As mudangas morfoldgicas parecem ser uma assinatura dos processos a longo prazo, onde aprender pode levar a modificages estruturais no cércbro. Sabemos que a neuroplasticidade pode ter valor compensatério, mas, nem: sempre isso ocorre, porque as transformagécs ncuronais nem sempre restau- ram fungGes perdidas e, ao contrario, as vezes, produzem funges patolgicas, incluindo 0 zumbido.'5 Sao os chamados transtornos da plasticidade. Neuro- plasticidade é um conceito amplo que vai desde a resposta a lesdes traumaticas até as alterag6es resultantes dos processos de aprendizagem ¢ memoria. A plasticidade é uma carateristica constante da fungSo neural. Dois conceitos relacionados com a plasticidade precisam ser explicitados a esta altura: o de sensibilizagéo ¢ o de habituacio.'! No primeiro caso temos uma resposta que aumenta de intensidade quando precedida de um “aviso”, comumente de carater nocivo ou ameagador (sensibiliza¢io). Ja no segundo temos um fendmeno comum a todos os animais onde o individuo exposto a um estimulo nao nocivo e repetitivo deixa de, gradativamente, responder a ele (habituacao). Isso ocorre o tempo todo, mesmo agora durante a Jeitura deste Capitulo, quando ha com certeza 4 sua volta uma série de estimulos de nature- zas diversas se repetindo e, mesmo assim, sua atengAo permanece voltada a lei- tura (dculos em contato com seu rosto, ruidos da rua, uma miisica 20 longe, um cio. que late, o ar-condicionado barulhento etc.), ignorando aquilo que, corriqueiramente, classificamos como sem importincia. Um jogo constante de classificagio de estimulos e de como reagir a eles. O que priorizar e 0 que relevar ao segundo plano. Entio é isso. Agora podemos passat a falar mais da técnica e de como tais processos basicos se tornam viles ou mocinhos na cascata de eventos que cer- Tratamento de Zumbido pala Habilua TRI 139 to do un 0 surgin nbiclo ¢ das possibilidades de, a partir desses concei~ tos, mudar o rumo das coisas em prol da homeostasia. O SISTEMA LIMBICO No das ce no de 1878, Paul Broca observou um grupo de dreas corticais diferentes las do isocértex que o circundam. Chamou-o ento de lobo limbico (contorno), porque ele contorna areas subcorticais, formando um anel. Atual- mente, utiliza~se o termo Sistema L{mbico para designar tal cireuito neuronal que é composto por um grupo de estruturas que incluio talamo, o hipotélamo, « tonsila, o hipocampo, o septo, a area tegmental ventral, o tronco cerebral ¢ 0 giro do cingulo. Através do sistema nervoso auténomo, cle comanda certos comportamentos necessérios 4 sobrevivéncia de todos os mamiferos, interfe- tindo positiva ou negativamente no funcionamento visceral ¢ na regulacio metabdlica de todo o organismo. Controla o chamado comportamento emo- clonal ¢ 08 impulsos motivacionais. Pois bem, sabemos que existem virias formas pelas quais o sistema nervo- 50 central pode estar envolvido na causa e manutengio do zumbido. O meca- nismo mais comum ocorre através da ativagao da plasticidade neural, 0 que pode alterar a excitabilidade de sinapses ou ativar sinapses latentes promoven- ilo uma reorientago no transite de informagées. Um exemplo disso é a ativa- (lio da chamada via nfo cldssica ou via extra leminiscal da audicio. A via clés- sica é conhecida por responder de modos preciso e especifico, e a via nao clés sica (também chamada via difusa) possibilita conexées répidas com virias par- tes do cérebro.!3 A grande diferenga encontra-se no télame. Enquanto a via clissica utiliza o nucleo ventral do télamo, a via nao classica utiliza os niicleos talamicos dorsale medial. O mitcleo ventral do télamo projeta-se para o cértex sensorial primério, jd os neurénios do niicleo talamico dorsal projetam-se para cértices secundirios, “pulando” o edrtex primario. Células do micleo talamico dorsomedial também se projetam para outras regides do sistema nervoso cen- tral, como o macleo lateral da amigdala. Esta via subcortical para a tonsila é conhecida como fow roufe, em contrapartida, a via classica chamada high route, Tal conexio poderia assim justificar a associacio do zumbido a transtornos afetivos, como a depressio. Entio, sempre mantendo nossa visio do todo, compreendemos como a percepcao de um sinal auditivo pode afetar o funcionamento de “outro siste- ma”, Vimos também que o sistema Iimbico cuidaria das emogdes, mas, tente mos ser mais claros. Todas as vezes que nos deparamos com algum sinal, auto-

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