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BORGES 70 a neon ese on nenennnnnnnn ne SOLES NIELS IIS Os conceitos s4o0 sempre definidos dentro de um quadro tedrico, Assim, dependendo do quadro tedrico que assumimos, vamos ter significados diferentes para o termo lingua. O estruturalista, por exemplo, nao vai ter di | ficuldade nenhuma em dar uma resposta, O termo dizendo como Bloomfield, que a lingua é 0 eee conjunto de enunciados que pode ser oe produzido por uma comunidade de fala. Esta apenas uma resolvido 0 problema. O gerativista, por abreviagao atil | outro lado — Chomsky, partieularmente —, vai dizer que a lingua do estruturalista (a lingua externalizada) é um epifendmeno, nao de um conjunlo | tem existéncia por si s6, a tunica coisa que de idicletos, tem existéncia 6 a gramatica (a lingua Ie al internalizada). Essa lingua é alguma coisa que. de aguma | ue vai ser definida em outro nivel que néo forma. achamos | o estritamente linguistico. Enfim, nao 3 interessa ao linguista. Eu, basicamente con. —— cordo com Chomsky neste ponto, embora nao ‘acionam por" ‘seja um gerativista e nao concorde semelhanca. totalmente com Chomsky em muitos outros pws alarmos pontos. Para mim, o termo lingua é apenas uma abreviagao util para falarmos de um conjunto de idioletos, que, de alguma forma, achamos que se relacionam por semelhanga. O que tem existéncia € 0 idioleto. Idioleto como manifestacao do conhecimento que cada um de ns tem sobre essa forma de organizacao mental de contetidos, de comunicacao e de a¢ao sobre os outros, de representacao de situagdes etc., que se convencionou chamar de linguagem. 0 conhecimento pode ser chamado de gramatica, como quer Chomsky, ou nao. Em principio, no estou interessado nessa discussdo. 0 que importa, a meu ver, que todos nés temos um conhecimento, conhecimento singular, embora semelhante em maior ou menor grau ao conhecimento de muitos outros falantes, e que esse conhecimento posto em agao na fala vai determinar um conjunto de elocucdes que é praticamente tinico. E isso que estou chamando de idioleto. Pois bem, 0 que tem existéncia 6 0 idioleto (a “lingua de cada um”). Mas os idioletos, na medida em que so adquiridos nas relagdes sociais SNE TON a em que 0 individuo se envolve desde o nascimento — relacoes com a mae, pai, irmaos, familia, vizinhos ete. — vo apresentar semelhancas maiores ou menores com outros idioletos. O idioleto de dois irmaos, na medida em que as relagdes séo hasicamente com as mesmas pessoas, nos mesmos lugares, sobre as mesmas questdes, nas mesmas horas de refei¢ao ou coisa parecida, vao ser muito mais pareeidos do que os idioletos de individuos que nao tém as mesmas relagdes. Entao, esses idioletos vao apresentar maiores ou menores semelhangas com vs outros. Posso falar até num continuo que vai ao infinito. Os conceitos tradicionais de lingua, como o estruturalista, por exemplo, vao supor que existe algo abstrato que, de certo modo, ordena esses idioletos semelhantes, ou que determina a seme- thanga desses idioletos, e é isso que vao chamar de lingua. Nao hé nada que ordene os idioletos, além das relagées sociais. ois idioletos vao ser mais préximos quanto mais experiéncias comum os falantes tiverem. 0 fato de assistirmos aos \esmos programas de TV, de radio, de lermos os mesmos jor- is € de assistirmos aos mesmos filmes, frequentarmos as mesmas escolas ete., vai determinar que 0s nossos idioletos se aproximem, sem que necessariamente tornem-se iguais. A variagao linguistica é a regra. Variagdo em todos os niveis; na fonologia, na morfologia, na sintaxe e particularmente, dado 0 meu interesse, na semantica. A consideracao de que falamos 4 mesma lingua, 0 portugués, nao tem nada de especificamen- te linguistico, a questéo ¢ fundamentalmente ideoldgica. Nés nos consideramos falantes de uma mesma lingua, e ineluimos Ai os portugueses, os timorenses, os angolanos, os portugueses do século XV, do século XVII, os plantadores de cana do interior de Sao Paulo, os catadores de ouro do século XVII em Minas, seringueiros do Amazonas de hoje, no século XIX, Machado de Assis, Camoes, Padre Vieira, Fernando Pessoa ete, ete. Consideramos que todos eles falam portugués, porque nos interessa de alguma forma fazer isso, nos considerar parte de um mesmo grupo, de uma mesma familia. Quer dizer, me enriquece considerar que Camées e que Fernando Pessoa fulem a mesma lingua que eu, embora se me encontrasse com Cumées hoje em dia, provavelmente nés nao conseguissemos vonversar, Entao, me parece uma tarefa indtil tentar achar ulgumas propriedades linguisticas gerais, necessarias e sufici- a ‘CONVERSAS COM LINGUISTAS: VIRTUDES E CONTR tee ee entes que delimitassem 0 conjunto de falantes do portugués. 0 conjunto dos falantes do portugués nao é um conjunto claro, ou nao é um conjunto bem definido, nao pode ser. Assim, a nocao de lingua, se quisermos manter essa nogao, nao vai pertencer aos aspectos da fala humana que interessam particu- larmente ao linguista, mas aos aspectos da fala humana que interessam ao sociolinguista, ou ao tedrico da variagao, que esteja preocupado com questées de identidade, identidade de grupo de falantes ete. Por exemplo, no tempo que eu passei em Portugal. eu ouvi muitas vezes a questio de por que nés ja nao nos con- sideravamos falantes da lingua brasileira e nao da lingua portuguesa. Essa pergunta comecou a ser tao recorrente que eu fiquei pensando que diabo estaria envolvido ai. Por que interessa aos portugueses que nés, brasileiros, digamos que nao falamos mais portugués e sim outra lingua? E me ocorreu o que eventualmente poderia ser uma razao para isso. Se nés todos falamos uma mesma lingua, eles falam um dialeto de portugués que nao é igual ao que falamos no Brasil, e obviamente um dialeto minoritario: sao dez milhdes de portugueses aproxima- damente, ou seja, caberiam todos na cidade de Sao Paulo. Eo dialeto brasileiro é macigamente majoritério. Bom, entre ser falante de um dialeto minoritario, ou ser falante de uma lingua que s6 tem dez milhdes de falantes, acho que a escolha dos portugueses € clara, ela é ideolégica e é axiolégica, tem valor envolvido ai, Obviamente essa questéo nao é uma questao para nés, 6 uma questao para os portugueses. Para o Brasil tanto faz, nao nos deixa nem piores nem melhores dizer que falamos portugués ou falamos brasileiro. Com relagao a isso recordo que Jogo que Saramago recebeu 0 prémio Nobel, foi entrevistado por uma série de jornalistas, e um jornalista brasileiro, a certo momento, refez uma pergunta e ele disse que jé tinha respondido, e 0 brasileiro disse “é que eu nao entendi a sua resposta por causa do sotaque”. E Saramago subiu nas tamanquinhas e disse “quem tem sotaque € 0 senhor. Sou o dono da lingua”. Isso revela exatamente essa questao. Os portugueses sao donos da lingua portuguesa, e por isso 0 fato de nos falarmos portugués os incomoda. Se nds falassemos brasileiro, eles ficariam muito mais livres, os donos da lingua de verdade. Enfim, nao tem uma res- posta muito clara para a questao, o que é lingua, porque vai depender do tipo de enfoque que se dé. Eu pessoalmente, acho que essa 6 uma nogdo que a gente poderia perfeitamente dis- pensar ou trazé-la so quando nés estivermos trabalhando com questdes que envolvam identidade de grupos. (QUM A RELAGAO ENTRE LINGUA, LINGUAGEM E soctEDADE? De certa forma, essa questao é muito préxima da questao anterior, Tudo vai depender do quadro tedrico em que nos inserimos. Por exemplo, a distingdo entre lingua e linguagem © oriunda do estruturalismo e tinha nesse quadro te6rico em particular um papel bem definido: a articulagao do particular com 0 universal. Explico. A linguagem seria a capacidade de comunicacao humana oral, e as linguas seriam as formas particulares por meio das quais cada comunidade, cada socie- dade ou grupo social realiza a linguagem. A questao do social, portanto, esta diretamente ligada a nocao de lingua, porque é 1 nogao de sociedade que vai permitir a delimitacéo desse particular que é a lingua, a vista do universal que é a nguagem. Ora, na medida em que dispensamos a nogao de lingua, como jé fizemos antes, toda essa construcdo desmoro- ha. Obviamente, a nogio de sociedade, com todas as modalizagdes que a gente tenha que fazer, continua importante, na medida em que a aquisicao do idioleto (para ser fiel ao que cu disse anteriormente) € resultado direto das relacoes mantidas pelo individuo com outras pessoas do seu grupo social. Assim, falamos porque somos seres sociais e falamos desta ou daquela maneira porque mantemos, mantivemos € manteremos estas ou aquelas relacdes sociais especificas. Em resumo, todos temos potencialmente a capacidade da linguagem, mas sao as relagées sociais que mantemos, além das relagdes que mantemos com os objetos da cultura ou nao, com tudo 0 que nascemos, que determinam que nossa capaci- dade de linguagem venha a se constituir dessa ou daquela forma, Em outras palavras, é 0 conjunto das relagdes sociais mantidas pelo individuo no decorrer de sua existéncia desde © nascimento, conjunto de relagdes sociais absolutamente linico, na medida em que duas pessoas jamais podem ter exatamente as mesmas experiéncias. E esse conjunto que determina 0 idioleto desse individuo, logo a relacao do social com o linguistico nao pode ser, de jeito nenhum, ignorado. IIA VINCULOS NECESSARIOS ENTRE LINGUA, PENSAMENTO CULTURA? Essa questo é um pouquinho mais facil, porque a resposta é nenhum. Acho que nao ha vineulos necessarios entre lingua, pensamento e cultura, Marcelo Daseal, num texto ja bastante antigo publicado no México, “Duas tribos e muitos circulos”, mostra que a relagao linguagem e pensamento logicamente pode ter quatro possibilidades: as duas nocdes, linguagem e pensa- mento, podem ser independentes; as duas nogdes podem ser absolutamente interdependentes, ou seja, nao ha linguagem sem pensamento e nem pensamento sem linguagem; e pode haver uma relacdo de dependéncia unilateral do tipo a linguagem de- pende do pensamento, no sentido de que ha pensamento sem que haja necessariamente linguagem, mas nao hé linguagem sem que haja pensamento. E a quarta forma, ha uma dependéncia do pensamento com relagao a linguagem, ou seja, hé linguagem sem que haja necessariamente pensamento, mas nao ha pensamento sem que haja necessariamente linguagem. Bom, dessas quatro possibilidades légicas, Marcelo Daseal mostra que todas elas, em algum momento, s4o defendidas na literatura. Ou seja, encontramos quem defenda a completa interdependéncia e quem defenda a completa independéncia entre linguagem e pensamento. Logo, se é assim, vinculos necessérios entre lingua € pensamento nao hé nenhum. Mas é possivel estabelecer vineulos entre lingua e pensamento? Acho que sim. Algumas coisas a gente pode apontar, por exemplo, entre linguagem e A respoda meméria. Me parece mais ou menos claro que nao temos lembraneas do tempo em que nao falavamos. De modo geral, todas as nao, nao sei, nossas lembraneas sio do periodo em que ja tinhamos linguagem, linguagem mais ou menos bem elaborada, Algo do tipo 3 trés anos, por ai, O que pode significar que os nossos pensamentos sao linguisticamente eee talves... 1. M. Daseal, “Duas tribos e muitos efreulos”, in Critica, vol. XIV, n. 40, Mexico, abril de 1982. codificados, de algum jeito eles sao guardados linguisticamente ou precisam ser linguisticamente traduzidos para que possam ser guardados. Isso poderia significar uma relacao de dependéncia do pensamento com relacao & linguagem. Agora, ¢ possivel afirmar alguma coisa nesse sentido? Eu tenho impres- sao que ndo. E possivel defender fortemente uma posi¢do como essa? Eu certamente nao teria nenhuma possibilidade de fazer isso. Entao, nao hé vineulos necessarios. Acho que a lingua é um lugar culturalmente importante com certeza. K possivel nos ter mos a linguagem como meio de construgao de cultura, como modificagao de cultura, de transmissao de cultura. Agora, ha um vineulo necessario? Sera que um grupo que nao tivesse lin- guagem teria cultura? Nao sei. Quer dizer, seria possivel um grupo linguistico, ndo tendo linguagem, ter cultura? Eu nao sei, essa questéo nao ¢ clara para mim como as outras questoes que também dependem exatamente de que nés definamos 0 que seja lingua, o que seja linguagem, o que seja cultura. Ou seja, o quadro {c6rico em que a questao vai se inserir é fundamental para que a xente possa dar uma resposta um pouco mais concreta para uma questao como essa. NGUAGEM TEM. SUJEITO? Bom, de novo, eu nao sei. “A linguagem tem sujeito” pode significar um monte de coisa, porque depende do que nés consideramos sujeito, depende do que nés consideramos linguagem. Se eu considerar que a linguagem é a capacidade humana de falar, ow seja, ela esta distribuida, ela parte das propriedades da espécie, quer dizer, a capacidade de falar, a capacidade de organizar os pensamentos oralmente de algum Jeito, de agir sobre os outros usando expressdes, enunciados orais, se a linguagem é essa capacidade, ela em si ndo tem sujeito. Nao tem sujeito como os bracos nao tém sujeito, ou o andar nao tem sujeito. Na medida em que ela € socialmente adquirida e socialmente constituida, a gente pode dizer que ao mesmo tempo «ue adquirimos linguagem, adquirimos também uma identidade como cidadaos, uma identidade como individuos mesmo. E é hesse sentido que a gente poderia pensar que essa identifica- (a0, que essa earacterizagao do individuo falando como um ser de linguagem, definiria uma nogdo de sujeito junto, alguma coisa tulvez como a nogdo de sujeito psicanalitico. Agora, tudo vai depender do tipo de abordagem teériea em que a gente esteja inserido. A resposta pode ser sim, nao, nao sei, talvez. Que & uNvistiea? Essa questao € extremamente complicada, porque, de certo modo, é uma questdo normativa, como Marcelo Daseal e eu j colocamos num texto, que se chama “De que trata a linguistica, afinal?”, tentando estabelecer o objeto da linguistica. Essa questa de 0 que € a linguistica é uma questao que envolve de novo um posicionamento te6rico, um posicionamento ideolégi- co, axiolégico com relagao A linguagem e ao mundo ete Dependendo da posig%o que eu assumo, a linguistica vai ser uma coisa ou vai ser outra. Sempre me chama a atencao o fato de que a gente encontra na fala de alguns analistas do discurso a afirmacao de que a andlise do discurso nao é linguistica. Bom, eles devem ter uma posi¢o normativa clara, que eu ndo sei qual é e, por ignorancia, nao sei se concordo com ela. Et pessoalmente acho que é meio dificil dizer o que é linguistica € 0 que nao é linguistica. Eu lembro de ter participado de uma mesa-redonda com Rajan em que ele dizia que linguistica 6 uma paixao pela linguagem. Qualquer pessoa que seja apaixonada pela linguagem, e que fale sobre a linguagem, e que comente sobre a linguagem, e que observe a linguagem estara fazendo linguistica. Isso é uma posi¢éo normativa extremamente frouxa. Também nao sei se eu concordo com ela. Acho que 6 possivel que alguém pense assim e que se oponha a outras posigdes. Quer dizer, de novo, essa questao é uma questéo normativa. A minha posigdo diante da questao é de alguma tolerancia, mas sem 0 exagero de Rajan. A uncuistica & crivcta? Essa questao envolve dois problemas e duas questoes normativas também. A primeira 6 0 que é linguistica e a segunda 0 que é uma ciéncia. B bastante complicada essa questao na medida em que é muito dificil saber hoje o que é uma ciéncia. Se eu estivesse nos anos 1920, acho que teria muito clara a 2. M, Daseal, J. Borges Neto, “De que trata a linguistiea, afinal?", in Histoire, Epistémologie, Langage, 13 (1): 13-50. aeeeeneee ao ideia do que é uma ciéncia: um repositério de conhecimentos Seguros, justificados. Agora, a gente sabe hoje, depois de ter lido Thomas Kuhn, Paul Feyerabend, e os “pés-modernos” como Richard Rorty, que é muito dificil a gente sustentar uma nocao de ciéncia como contetidos justificados. Jé uma posicao popperiana vai dizer que a ciéneia é um conjunto de afirmagdes verossimeis e feitas de tal modo que a verificagao seja possivel, o que eu também acho que nao «la para sustentar hoje. J4 nos anos 1960 Bla serve para © 1970, Lakatos nos mostrava que a que eu consign hipétese das testagens cientificas é feita | fer um pelos cientistas na medida ou no momento em que nao ha outra possibili- | C™PFEg: para. dade. Tanto quanto possivel, 0 cientista | que eu consiga vai tentar defender # sua ideia, as suas | gustentar leorias sobre 0 mundo independente- mente da verificacao, de ter correspon. | minha casa, «iencia no mundo, de ser “verdadeira” ou | criar os meus nao. O cientista, na medida em que inves- te tempo, conheeimento, prestigio numa | Hhas Pelo tcoria cientifica, mesmo diante das | menos para refutagdes mais sérias, nao vai abrir mao de sua teoria, Entao, o que é uma ciéneia? | pro’ fu nao sei exatamente o que é uma cién- Possivel que cia hoje. E para a linguistica ser cientifica | haja utilidade. dependemos de como nés definimos ciéneia, Estamos diante de um efreulo: iw cla serve. mas ao mesmo dependendo de como definimos ciéneia, | tempo nao é 4 linguistica sera ou nao seré ciénciae | preciso que dlependendo de como definimos tinguts- | J. tica, ela sera ciéncia ou nao. Enfim, 6 | ume tuma questdo sem resposta. Acho que é | _ulilidade para uma questao interessante. E no fundo nés vamos ter respostas muito indivi. | T° "™* diuais ¢ todas elas extremamente discu- | elerminada tiveis, certamente polémicas. Eu pessoal- | rea de mente acho que uma linguistica como a | (ob ecimento feita no quadro da gramatica gerativa 6 ciéneia para um dado tipo definicao do | se desenvolva. ue 6 ciéneia, Outro tipo de linguistica sna linha de andlise do discurso, jado um tipo de definicéo de éneias duras. Mas, se eu definisse ci lor define ciéncia — eu nao estou quere humanas, mas no fundo é isso —a andilise considerada uma ciéneia. A semantica fo assume métodos e procedimentos da 16x pode ser considerada uma ciéneia formal. E resposta a essa questao é extremamente comp que éa » um historia: m ciéneias yo passa ser * exemplo, jematica, @ a Para que seve a LINGUISTIC? Acho que nao serve para nada e serve para tudo. Para mim, ela serve para que eu consiga ter um emprego, para que eu consiga sustentar minha casa, criar os meus filhos. Pelo menos para isso ela serve, Agora, 0 que é perguntar da utilidade de uma teoria ou de uma area do conhecimento? E muito complicado. Essa visdo utilitarista é muito complicada. Acho, por exemplo, que uma determinada linguistica teve um papel muito importante no desenvolvimento de metodologias mais adequadas de ensino de linguas. A reflexao linguistica feita pelos linguistas, a partir das teorias linguisticas, alterou substancialmente o modo de encarar © ensino de lingua materna e de linguas estrangeiras. Estudos linguisticos de fonética’e fonologia tiveram muita utilidade no desenvolvimento de aparelhos telefonicos. Uma boa analise do discurso ¢ extremamente util para determinadas reas, como a psicandlise, como a histéria, como o jornalismo ete. Enfim, tudo tem utilidade e ao mesmo tempo nada tem utilidade quando nés estamos falando de eiéneia. Para que serve a teoria da relatividade de Einstein? Bom, em principio nao serve para nada, embora a partir dela possa ser feita uma série de coisas e dela dependa 0 desenvolvimento de Areas importantes da fi sica, Ou a fisica quantica nas suas relages com a quimica. Quer dizer, é possivel que haja utilidade, mas ao mesmo tempo nao 6 preciso que haja uma utilidade para que uma determinada Area de conhecimento se desenvolva. Talvez mais sério seria perguntar: para que serve a filosofia? E os filésofos vao gastar paginas e paginas tentando justificar, sem convencer, as pessoas a respeito da necessidade da filosofia. E todos nés sabemos como a filosofia é importante para cada um de nds, Entao, tudo tem utilidade e tudo nao tem utilidade. Para que serve a linguistica? Para tudo e para nada. A ANGUISTICA TERIA ALGUM COMPROMISSO NECESSARIO COM A EDUCACAO? Nao. Eu, por exemplo, trabalho numa relagdo da Linguistica com uma Area completamente distante e descolada da educagao. Eu tenho trabalhado muito na relaeao com a légica, com a computagao. Nesse sentido, a linguistica que eu fago tem um compromisso necessério com a educacio? Nao. Al: guns aspectos da linguistica tem esse compromisso com a educacdo ¢ 6 étimo que tenham. Eu acho, inclusive, que a linguistica tem permitido avancos muito grandes na area educagao, como eu jé falei, na érea de ensino de linguas, por exemplo, materna e estrangeira, eventualmente alguns outros. A gente tem visto reclamagao de professores de [nd matematica, por exemplo, de que o cae sae problema da matematiea na escola de ensino fundamental e médio muitas vezes no esta no fato de o aluno saber ou nao resolver as questdes de matemé- tica, mas esta em saber ler correta- mente, adequadamente, as questoes, os enunciados das questdes formuladas. Isso significa que nés temos um certo compromisso em pensar a aquisicao de escrita, 0 processo de leitura, A linguis- tica, num sentido amplo, tem esse com promisso, embora nao seja um compro misso da linguistica como tal, num sen: tido estrito. Porque se eu achar que ha um compromisso necessario da lin- guistica com a edueacao, teria que dizer para todo mundo, quem esta fazendo fonética, deixa de fazer fonética, quem esta fazendo morfologia, deixa de fazer morfologia, sintaticistas e semanticistas devem encerrar suas andlises, e vamos todo mundo trabalhar com educacao!, 0 que é uma grande bobagem, Nao hé um compromisso necessério, acho que ha um compromisso interessante, um com- promisso que resulta de ser a educagao desalios do séeulo XXI para a linguistica é esse desafio da tolerancia e da tolerincia critica... E preciso que o linguista entenda que sempre que um trabalho esta sendo crilicado, 0 que esta sendo crilicado é 0 trabalho e nito 0 individuo que © escreveu. uma 4rea em que temos o que dizer. Eu acho inclusive que precisariamos ser até mais escutados pelos educadores. Como 4 LINGUISTICN SHE INSERE NA POS-MODERNIDADE? Olha, ndo sei o que responder com relagao a isso. Eu nao sei exatamente 0 que 6 essa pés-modernidade. Se é esse momento em que a gente vive de contestacao de uma perspectiva cartesia- na, de que ha algum tipo de posigéo segura com relacao a0 mundo, Se ha algum tipo de seguranga, de afirmacao que possa ser sustentada como ponto de partida. Enfim, dessa seguranca, dessa ciéncia do pensamento. Se ¢ isso, a linguistica se da muito bem. A linguistica nao teve nenhum problema em ter as suas posigdes relativizadas. Agora, 0 que realmente se entende como p6s-modernismo, confesso que eu ndo sei como responder. QuaIS 08 DESAFIOS PARA A LINGUISTICA No sécULO XXI? Vou puxar um pouco a brasa para minha sardinha. Acho que um dos grandes desafios da lingufstica do século XXI é desenvolver algum tipo de andlise linguistica, 0 mais completa possivel, o mais adequada, o mais rigorosa possivel, de forma que a gente possa contribuir com a informatizacao da sociedade moderna. Acho que esse é um desafio jé do final do século XX, mas que vai permanecer durante algum tempo ainda como um grande desafio. Na medida em que as teorias da computa- cao sto desenvolvidas, na medida em que cada vez ha uma solicitagao na area de computacdo para que demos respostas compativeis na érea de computacao para 0 processamento da Tingua natural nos computadores. Temos ai um desafio. E muito fécil desenvolver uma regra linguistica, seja no nivel que for: morfoldgico, fonoldgico, sintatico, semantico ete. $6 que sao regras para seres humanos ¢ ¢ muito dificil explicitar essas regras de forma suficientemente adequada e rigorosa, para que uma maquina entenda e consiga processar. Pessoalmente, acho que somos essencialmente diferentes dos computadores no processamento, e muitas das coisas que fazemos com a lin- guagem talvez no possam mesmo ser processadas pelo computador. Mas acho que boa parte da linguagem pode ser tratada pelo meio automatico. E 0 desenvolvimento dos estu- dos de Processamento de Lingua Natural (PLN) mostra que avangos interessantes so possiveis. E preciso que os linguistas dleixem de lado uma certa posigao cética de que a linguagem humana é complexa demais para a m4quina e passem a desen- volver suas teorias com muito mais detalhes, com muito mais rigor, de forma que a maquina possa processar. Tenho traba- Ihado um pouquinho nessa rea e acho que os avancos sio interessantes. Eu estava num congresso de processamento de lingua portuguesa, quando uma professora disse que 0 grupo de que ela participava, e ela ¢ da area de computacao, tentou contato com os linguistas, mas os linguistas eram muito sonha- dores e nao sabiam muito bem do que estavam falando e ela resolveu 0 problema de forma muito simples. Ela pegou a gramatica do Celso Pedro Luft e passou a utiliza-la como in- formante linguistico de seu grupo. E isso resolveu o problema completamente. Que nada! Desse jeito, vai avancar de fato. Celso Pedro Luft... tenha dé! Acho que esse 6 um desafio muito sério, Nao é mais da minha experiéneia direta, mas eu vejo, por exemplo, na minha universidade uma linha de trabalho muito interessante que é a de aquisigao de escrita por criancas com problemas do tipo sindrome de down, surdos, portadores de necessidades especiais diversas, enfim. Acho que também essa drea da neurolinguistica, da linguagem nas patologias ete. é uma area que merece bastante a nossa aten¢ao e acho que é um grande desafio descobrir como é 0 funcionamento da linguagem humana, como se dao as relacdes entre a linguagem e 0 cérebro. Descobrir, de fato, exatamente quais sdo as questdes que estdo impedindo 0 uso adequado da linguagem por parte das criangas com sindrome de down, das pessoas com deméncias diversas, de afasicos. Acho que essa é também uma area que merece bastante a nossa atencdo. Talvez fosse também um dos nossos desafios para o século XXI. Outro desafio para o século XXI, acho que € um desafio aos linguistas. Acho que é preciso que os linguistas deixem de se preocupar com 0 que os outros fazem. E passem um pouco mais a se preocupar a fazer alguma coisa com os outros. Existe muito essa posicdo: “a minha concepcao de linguagem é a correta, os outros todos estao errados”. Entéo, quem trabalha deste ou daquele modo esta fazendo uma coisa errada. Por exemplo, a discuss4o, que é no fundo uma diseussio boba, entre formalistas e funcionalistas. Para os formalistas 0 que os funcionalistas estao fazendo é bobagem, e para os funcionalistas 0 que os formalistas fazem é trabalhar com a linguagem de um modo que 0 que é mais préprio da linguagem, mais interessante, nao é sequer visto. Ficam perdendo tempo numa Gnica regra, trabalhando com “each other” o tempo todo. ou com 0s eliti¢os nao sei de que lingua e, na realidade, nao fazem nada que interesse. E preciso que as pessoas se leiam mais, que compreendam o ponto de vista do outro. Nao tem ninguém burro fazendo linguistica, nao tem nenhum idiota envolvido com funcionalismo ou com formalismo, e se alguém acha interessante trabalhar com determinado assunto, a gente tem que respeitar 0 quanto possivel, ler e entender, compre ender 0 ponto de vista do outro. E preciso que os linguistas sejam mais tolerantes com os outros. Acho que esse é um desafio sério. E é um desafio tao mais sério na medida em que 6 preciso tolerar 0 que o outro diz, eompreender o que o outro diz, aceitar 0 que 0 outro diz, mas criticar 0 que o outro diz, porque uma area de conhecimento qualquer s6 vai se desen- volver coletivamente na medida em que todos os pontos de vista forem debatidos, em que todos os pontos de vista forem criticados, em que todos os pontos de vista receberem a apre ciacao de fora, nao simplesmente o desprezo: ignoro solene- mente o que se faz la. Nao. De repente o que se faz la é muito interessante. Até pode ser ruim do ponto de vista do que eu faco, mas mesmo assim eu you entender mais sobre a lingua gem. Enfim, acho que um dos desafios do século XXI para a linguistica é esse desafio da tolerancia e da tolerancia critica E preciso também que se compreenda que € um desafio que para mim é muito caro. E preciso que o linguista entenda que sempre que um trabalho esta sendo criticado, o que esta sendo criticado ¢ 0 trabalho e nao 0 individuo que o escreveu. 0 trabalho pode ser muito ruim, mas 0 individuo pode nao ser. Ninguém escreve s6 maravilhas a vida inteira, todo mundo tem momentos em que escreve coisas que so porearias e 6 bom que alguém chegue e diga: 0 que vocé escreveu é uma porcaria, embora eu nao esteja dizendo que vocé é uma porearia. Entdo, a tolerneia com relacdo a outros pontos de vista excludentes, a tolerancia a reagao que os outros possam ter com relagao ao meu trabalho 6 um dos grandes desafios para os linguistas. 0-0 Bras Prof. cree ada USP Pn Entre ensai Renee a um dicionério na estante e mostrei que “feira livre” tinha hifen, dando a entender que esse era um simples problema de consulta. Nao era, 0 mew concorrente pegou outro dicionario, mostrou que entre “feira” e “livre” havia um espaco em bran. 0, que no momento me pareceu tao grande e tao desolado quanto 0 deserto de Mojave. Ai ele perguntou: “Pois é, aqui no tem, como é que faco?”. problema, evidentemente, nao era a grafia da palavra, era desmoralizar um possivel concor- rente, e nisso ele tinha tido pleno sucesso. Eu estava irremedia- velmente desmoralizado diante de todos aqueles revisores, para os quais um hifen era uma coisa importante, porque afinal passavam a vida pondo e tirando hifens nos textos. Até hoje nao sei se tem hifen ou nao tem hifen em “feira livre”. Acho porém que eu fiz algumas coisas mais importantes na vida do que responder a essa pergunta. Por exemplo, tentei ser um bom profissional em minha atuacao na Unicamp e sei engraxar sa- pato sem sujar de graxa as mos e a roupa, Acho que isso tem mais valor do que um hifen a mais ou a menos. E aprendi que quando se discutem questdes gramaticais além de um certo nivel de minticia, ha sempre alguém que quer se promover perante 0 grande ptiblico a custa dos outros. A questao é alguém consegue engraxar um sapato com isso Peg rere ess de aes Soon tes, 1996; et aot ie eee eee eee cise eT ODES ISLES Na verdade, eu tenho duas visdes de lingua. Uma visao de lingua que ¢ a visio chomskiana (lingua-D, que € 0 conhecimento que 0 individuo tem da lingua e & qual subjaz também 0 conceito de gramatica universal, que aquele conhecimento que todas as Qualquer coisa. | criancas trazem como um dom genético. Vamos dizer que essa abordagem ¢ biolégica, que tenho pois quer saber 0 que diferencia o homem alguma dos animais. E 0 segundo conceito de lingua estrutura, 6a lingua externalizada (lingua-E), que voce es vé no corpus da fala, a lingua que voce vé are nos jornais. Vocé detecta essa lingua externa informacio 6 em tudo aquilo que o homem produz, Entéo, linguagem. esse € 0 outro tipo. O objeto da linguistica sto as duas coisas: tanto a lingua interna, que é essa lingua do conhecimento que nés desenvolvemos a partir da gramatica univer sal, que é biolégica, como também aquilo que nés produzimos em contexto e que tem outro tipo de funcionamento, resultando nao apenas desse conhecimento estrito como de outros médulos da mente. INGUAGEM. F SOCTEDADE? Qu LA RELACAO ENIRE LINGLA, Bom, obviamente esse segundo conceito de lingua tem muito a ver com 0 uso social da lingua. A sociedade imprime certas restri¢des que sao independentes daquelas restricdes que Chomsky impos, limites biolégicos. A sociedade imprime ou- tros, Entao, por exemplo, a lingua muda, muitas vezes por motives sociais, mas a mudanga se faz dentro do que a grama tica universal permite, como um organismo vivo. A fala revela anu essas mudangas, mas, na escrita, ¢ a sociedade que deter- mina 0 que da lingua anterior, quer dizer, do estagio anterior, vai se preservar. Por exemplo, a prescri¢do gramatical dita regras muitas vezes contrarias as mudaneas. Vocé sabe que até hoje nés usamos a énclise, por exemplo, quando a énclise na fala deixou de existir, porque ela contraria a prépria prosédia da lingua. Entao, na fala, nés usamos pouquissimo, e, quando alguém usa, a gente sente que soa meio pernéstico. Por qué? ees ihe Porque a énclise vai realmente contra a estrutura e 0 ritmo da lingua, nao é parte da nossa gramatica, Mas por causa da preseri- ¢4o gramatical, nés preservamos seu uso. Outro ponto é 0 “cujo”. Nés usamos na escrita, ninguém usa na fala. Mas a sociedade, vamos dizer, que conserva essas formas para, de certa maneira, definir lingua eserita e lingua formal, Mas é diferente do que a crianga desenvolve na aquisicao natural. Se ela nao estivesse na escola, nunca aprenderia essas formas. Entao, se vocé comparar uma crianga analfabeta com uma crianga alfabetizada, vai ver que a crianca alfabetizada, além do conhecimento que adqui re, igual ao da crianca nao alfabetizada, vai ter outras coisas que sao coisas externas impostas pela sociedade. Agora o ter- mo linguagem vai depender muito de como vocé define. Lin- guagem ¢ um termo muito mais genérico, Vocé fala em lingua- gem artistica, linguagem matematiea, quer dizer, qualquer coisa que tenha alguma estrutura, alguma informagao, é linguagem, Falamos até mesmo em linguagem culta, linguagem falada, nos referindo a tipos de lingua externa, Agora, o termo “lingua”, a gente reserva para diferenciar linguas humanas: que diferencia portugués do inglés, chinés do japonés ete. HA vine INGUA, PENSAMENTO 1 CULTURA? Bom, na verdade, a relagao de lingua com cultura voeé encon- tra explorada naquele meu livro: No mundo da eserita', porque ele justamente vai tratar a lingua no contexto de uso. Isso tudo esta ligado aquilo que falei da parte social. Agora, 0 pensamento outra coisa: vocé pode se perguntar para que serve a lingua. Serve para pensar? Ou vocé pode se perguntar se o desenvolvimento linguistico da crianga acontece em para- elo a seu desenvolvimento cognitivo, Ou um depende do outro? Hoje existe toda uma controvérsia sobre isso. A cogni¢ao limita a lingua ou a lingua limita a cogniedo? Este é um assunto muito grande. E outras pessoas podem falar sobre isso com mais competéncia. Vamos dizer que meu objeto é uma coisa muito modesta, muito pequena, que é a lingua stricto sensu, 0 que tem muito poueo a ver com o contexto ou com outros médulos da mente. 1, Mary Kato, No mundo da eserita, Sao Paulo, Atica, 1008, eo aaa ee a cnnnne ne ES ANGUAGEM TEM SUJEITO? Voce esta fazendo perguntas que s4o muito mais apropriadas para serem respondidas pelo pessoal de analise do discurso. Quer dizer, eu dei a minha visdo de lingua (nao de linguagem), porque é uma visao bioldgica e obviamente entra o social na medida em que voeé interage com o ambiente para adquirir a lingua. Mas na visio chomskiana nao existe esse tipo de preocupacdo com o sujeito (s6 com 0 sujeito da oracao!). Acho que essa 6 uma discussdo interna a quem faz andlise do dis- curso. Entdo, nao tem lugar para discutir dentro da teoria e da abordagem que eu uso, Que # Linevistrea? A linguistica é uma grande rea. A linguistica é um termo genérico para muitas subciéncias, até bastante contraditéri as. Se vocé pegar “gramatica”, ou quem estuda gramética, vai ter varios tipos de gramaticos. Gramatico que trabalha for malmente, que trabalha funcionalmente, quer dizer, é 0 funcionalista versus o formalista. E se pegar o que trabalha com a gramatica dentro do contexto, vocé ja vai ter gramatico textual ou Linguistica do discurso. Entéo é muito dificil definir lin- guistiea. Voce pode dizer que a linguistica é a ciéncia que estuda as linguas humanas, as linguas naturais. Agora, a abordagem, 0 Angulo € que diferem. Como é que vocé aborda um elefante? Segurando pelo rabo, pela tromba, pela orelha. Quer dizer, cada um tem uma perspectiva. E um objeto muito complexo, 0 que eu diria é que o pessoal pensa que a abordagem chomskiana € uma coisa muito complexa, muito grande. Para Chomsky, 0 objeto é 0 menor, é 0 médulo que trata exclusivamente da parte formal da linguistica. Todo 0 resto séo os outros que fazem. Tem gente para cuidar de um monte de coisa. A lingua realmente é uma coisa muito complexa e precisa de muitas cabecas para nela trabalhar, A LINGUISTICA E CIENCIA? Depende da definigao de ciéncia. E uma ciéncia empirica. Ela teve uma influéncia muito grande nas outras ciéncias humanas ao se tornar uma ciéncia descritiva a partir do estruturalismo. A partir do estruturalismo, o estudo da lingua comecou a se EAE RTO MZ configurar como um trabalho que envolve observacdo, inducao, generalizacao, fugindo da visio meramente normativa, Se vocé pensar que ciéncia hoje deve envolver mais do que descri¢ao, 6 alguma coisa que depende de testagem, de hipéteses de confirmacao ou refutacao, entao, hoje praticamente todas as ciéneias humanas, e a linguistica em particular, trabalham com essa metodologia. Nesse sentido a linguistica, de certa maneira, alavancou isso tudo. Logo, a gente nao pode dizer que linguis- tica nao 6 ciéncia. PARA QUE SERVE A LINGUISTICA? A primeira utilidade é de fazer entender o que é lingua. Entéo, descrever linguas. Se vocé quiser trabalhar em qualquer ni- vel da lingua, seja na fonologia, no léxico, seja na morfologia, na sintaxe, na semantica, no seu uso pragmatico, em todos esses niveis, vocé pode descobrir como é a natureza de uma lingua para fins de comparacao. 0 mais facil é vocé pensar em léxico. Léxico, vocé tem 0 diciondrio e isso é trabalho linguistico. 0 dicionario pode ser bilingue, envolvendo compa- ra¢ao, vocé pode fazer uma sintaxe comparada. Vocé pode também fazer uma trajetéria da lingua em termos da histéria, para saber como € que o portugués, a partir do latim, virou 0 portugués brasileiro; por que o portugués brasileiro é dife- rente do portugués europeu; por que as linguas romanicas so diferentes umas das outras; quais s4o as linguas mais proxi- mas. Hoje se fala muito que o portugués brasileiro é uma lingua orientada para o discurso, mas é isso que definiu as linguas asiaticas como japonés, chinés e coreano. Quer dizer, no que o portugués brasileiro e as linguas asiaticas se pare- cem. Por que ainda o portugués brasileiro pode ser compara do a uma lingua romanica. Tudo isso a linguistica pode res- ponder. Esse, eu diria, para minha area, é 0 objetivo mais importante. Agora, se vocé pega a sociolinguistica, que estuda toda a variagao que existe dentro de uma lingua, vocé vai ver que a comparacao ¢ intralinguistica. Também se pode fazer isso nao s6 entre as linguas ja registradas, mas também com linguas nao registradas, como as linguas indigenas. Entdo, um trabalho importantissimo é o de registrar as linguas indige- nas, que sao linguas, a maioria delas, em extinedo. J4 nos usos que se faz da lingua é que comegam a entrar disciplinas como M18 (CONVERSAS COM LINGUISTAS: VIRTUDES: ‘a analise do discurso e uma série de outras disciplinas. Para entender a perda linguistica, vocé trabalha na neurolingufstica. No caso da afasia e dos tipos de afésicos, vocé tem que entender de linguistica para _—________ | saber diagnosticar e tratar os pacientes. 0s Quer dizer, além da parte deseritiva das Jovens vio | Jinguas, vocé pode também pensar em ter que ler essa termos de uma aplicacéo desse conhecimen- capacidade de | to. A partir desse conhecimento, pode-se comecar a entender aquilo que é patolégi- trabalhar com — | co" Voes pode também entender como ¢ que varias coisas ao | se da a aquisiedo da lingua. Como 6 que uma criancinha nasce num Lugar, e apren- mesmo lempo. = de portugués, nasce noutro lugar, e apren- porque toda de chinés ete. Vocé tem tudo isso. Agora, as esa quantidade | aplicacdes que se faz da linguistica de- f penderao muito da sociedade. Tem socie- de informacies | SeGes que usam muito Linguistica para a leva justamente | cducagdo, outras néo usam nada. Nos Bsta aum edudo dos Unidos, esté se usando linguistica na | Area da computagao, tanto que no mercado 14, 0 pessoal das universidades esté com inlerdisciplinar. edo que daqui a pouco nao vai ter professor, porque os melhores estéo sendo | roubados para a rea de computagao. Tem um mereado de trabalho bom af. Toda essa parte médica, de lesdo, hoje jé se conhece muito mais do que se conhecia antes a partir da lingufstica também. Antes a base era um conhecimento mais médico. Mas hoje se diagnostica usando o comportamento lingufstico: por que alguns falam de um jeito e outros de outro? E papel da linguistica explicar. Entao, a linguistica serve para muita coisa, tem muita aplicacao. muilo mais A LINGUISTIC TERIA ALGUM COMPROMISSO NECESSARIO COM A EDUCACAO? Eu acho que existe. Tanto que j4 dei minha contribuicao, continuo dando e acho que se ha alguém que pode contribuir para a area de linguas, nao so lingua materna, mas para lingua estrangeira, sao os linguistas... Nos temos condicao de fazer isso. Agora, obviamente as pessoas se especializam, porque como a linguistica é uma area muito grande, ndo da para todo mundo fazer tudo. Entao, 0 pessoal que estuda lingua indigena, s6 faz isso, até porque é um trabalhao: ir para 0 campo, colher dados e tal. O pessoal que trabalha com lesao vem se dedicando a isso. E as pessoas que trabalham com educagdo também se especializam. Entao, existe a linguistiea aplicada que se especializa nisso. Nem todo mundo tem esse compromisso direto, de todo dia, Em- bora todo mundo, no fundo, no fundo, tenha sempre um compromisso. Eu nunca deixei de atender a um pedido de alguém que pega alguma coisa, alguma assessoria na area de edueacao. Eu sempre dei assessoria, embora no momento nao esteja trabalhando com linguistica aplicada. Mas é uma funcao do linguista sim. Como A LNGUISTICA SE INSERE NA. POS-MODERNIDADE? Vou falar mais de minha area, porque realmente nao posso falar das outras, porque eu ndo tenho muito conhecimento. A visdo chomskiana é uma visdo que tem um instrumento, uma nica metalinguagem para vocé deserever qualquer lingua de uma forma muito explicita. Porque uma coisa é voce ter uma desericdo de um gramético brasileiro e de um gramatico japo- nés e outra é tentar comparar, Vocé vai ver que nao tem condiedes de comparar. Mas, se todo mundo faz a descrig¢ao dentro dessa mesma metalinguagem, com os mesmos tipos de princ{pios, os mesmos tipos de parémetros etc., vocé tem con- digdes de comparar. E hoje nds temos um banco de dados extremamente rico, de praticamente todas as linguas do mun- do dentro desse formalismo chomskiano. E uma coisa que as pessoas em geral no pensam, mas ¢ incrivel! No momento em que n6s temos informatizagao, isso tudo vai logo ficar acessivel para muita gente. Nds teremos bancos de dados de linguas no mundo inteiro, Entao, se voce esta estudando, sei 14, 0 artigo, como € que a crianca usa 0 artigo, vocé vai, entra na internet, vocé pode consultar o francés, 0 alemao, 0 japonés, tudo. Vocé tem esse instrumento hoje que realmente facilitou muito o trabalho da gente. Facilitou e ao mesmo tempo esté dando muito trabalho para os linguistas, porque todos os linguistas hoje estéo preocupados com bancos de dados. Por que nao é 86 vocé explorar 0 que os outros fazem, é dar também uma contribuicdo. Devemos todos contribuir. Temos j4, inelusive, eM SS IIIS III IIIS IS bancos de dados muito ricos do portugués. Tenho um projeto grande de comparacao do portugués europeu com 0 portugués brasileiro, com portugueses e brasileiros trabalhando na sintaxe. E nés temos usado bancos de dados na internet muito bons, com dados muito bons. Antes a gente nao tinha esse acesso. A gente usava os livrinhos do NURC. Mas, hoje j4 demos um passo enorme, nao s6 nas areas em que eu trabalho, mas em outras areas também, A professora Charlotte Galvez esta organizando um banco de dados da histéria do portugués desde 0 século XVII, com um grupo trabalhando, transcrevendo, um baneo de dados todo etiquetado. Isso é uma riqueza de dados que quando se quiser trabalhar com linguistica histérica, vocé tem um banco ai. O inglés j4 tem um banco imenso desde 0 século XIII, XIV. 0 pesquisador americano que construiu o banco de dados do inglés esta assessorando 0 grupo da profes- sora Charlotte. E nés logo, logo vamos ter um banco de dados enorme e isso muito importante. As pessoas hoje estao muito mais preocupadas com a interdisciplinaridade, quer dizer, elas nao estao confinadas numa disciplina e tentam saber 0 que se passa em outra. E claro que é muito mais dificil, vocé tem que estudar muito mais. Os jovens vao ter que ter essa capacidade de trabalhar com varias coisas a0 mesmo tempo, porque toda essa quantidade de informagdes leva justamente a um estudo muito mais interdisciplinar. Isso é 0 que esta acontecendo, pelo menos em termos do que eu estou fazendo. Eu sinto que a grande diferenga é isso. O fato de vocé estar conectado com todo o mundo, Os pesquisadores estarem dominando 0 uso do computador faz com que, por exemplo, editora passe a ser uma coisa meio ultrapassada. Entao, aqui no Brasil a gente ainda tem esse mundo de editoras fazendo livro. Mas eu aca bei de fazer um livro publicado na Alemanha e eu fiz tudo, a formatacao inteira, até os milimetros, paginacao, aquele indi- ce que tem no fim, Tudo, tudo, tudo. Eu e a minha colabora dora tivemos que fazer tudo. Entregar em ponto de fotografia para eles simplesmente fotografarem. Eles nao fazem nada, eles ndo tém nem assim uma firma, s6 um escritoriozinho. Trabalham com alguns computadores e a gente manda os materiais e tudo sai pronto, Quer dizer, até essa parte de livro esta comecando a ter outro tipo de enfoque. No fim o que vocé tem que fazer é trabalhar muito mais. A gente pensa que 0 MARY KATO. 121 2 computador facilitou, mas nds temos que trabalhar muito mais, © € por isso que esta todo mundo sobrecarregado de trabalho. Porque antes vocé fazia 0 seu trabalho de pesquisa, a secretaria batia, a editora publicava, Era uma coisa assim muito mais, sei 14, num ritmo muito mais devagar. Hoje a pressao é muito maior, AIS OS DESAFIOS PARA A LINGUISTICA No sicuLo XT? Nao sei. Tenho a impressao de que em minha area a teoria chomskiana esta se tornando cada vez mais abstrata. Entéo, num certo sentido, no primeiro modelo dele a gente estudava regras, as linguas tinham regras. Como numa gramatica tradi- cional em que a gente estuda regras. Depois passamos para um estagio em que nao existiam mais regras, nés tinhamos prineipios. Entao, o prine{pio ja é um outro nivel de abstracdo. Hoje a gente poderia dizer que em vez de principios nés te- mos leis. As coisas sao cada vez mais abstratas, Vocé tenta explicar através de leis, voeé tem que explicar uma série de fendmenos. Como na fisica. Assim, de um nivel de observacéio voce vai para um nivel mais explicativo. Do nivel explicativo, vocé ji comeca a pensar que: se vocé tem duas explicacdes plausiveis, vocé j4 omega a pensar mais na estética, qual das duas explicagdes € mais bonita, esteticamente mais superior, entendeu? E muito mais facil para um linguista aprender regras, observar as regras do que abstrair para chegar a esse tipo de nivel ja quase estético que aproxima a ciéncia da arte. Entao, Chomsky esté nesse nivel. Quer dizer, hoje esta muito preocupado com a estética da teoria, além do nivel explicativo. Até agora estava preocupado com um nivel observacional, de- pois passou para um nivel explicativo, agora esté mais préo- cupado com 0 nivel estético. Para 0 aluno que comeca a estu- dar, a coisa é muita mais dificil... Exige muito mais inteligén- cia, para conseguir ler esse tipo de texto. Mas os jovens sio muito mais inteligentes do que a gente. Eu vejo assim pelos meus filhos, os meus alunos. Existe realmente assim uma capacidade, porque desde pequeninhos comegam a mexer em computador. Automével entao... A linguistica e as outras cién. cias podem esperar mais dos jovens. ‘ee cane SO NSE Que £ Lincua? Olha, essa pergunta é muito dificil de responder, porque eu vejo a lingua simultaneamente como um sistema e como uma prética social. Eu nao consigo dissociar essas duas coisas. A lingua ¢ sistema, ela é um conjunto de ele- mentos inter-relacionados em varios niveis, a “> | no nivel morfolégico, no nivel fonolégico- Sem sociedade | morfoldgico, sintatico. Mas ela s6 se realiza enquanto pratica social, quer dizer, os seres humanos nas suas préticas sociais usam a lingua ¢ a lingua sé se configura nessas praticas e 6 constituida nessas praticas nao ha lingua. QUAL A RELACAO ENTRE INGUAGEM F, SOCIEDADE? Nava, Eu jé falei para vocé o que eu entendo por lingua. Agora lingua- gem eu acho algo mais amplo. Linguagem ¢ para mim a capacidade do ser humano de se expressar através de um conjunto de signos, de qualquer conjunto de signos. Entdo, eu acredito numa lin- guagem pictérica, numa linguagem sonora, numa linguagem verbal ete. Entao, linguagem é todo meio de expressao do ser humano através de simbolos. E a sociedade nessa relacio é ssencial, Sem sociedade nao ha lingua. A lingua se configura através das praticas sociais de uma sociedade, de uma comuni- dade. Entao, a lingua se configura dentro do meio social, como expressdo do meio social, lugar de interagao entre os membros de uma sociedade e nesse lugar de interacao é que se constitu em as formas linguisticas e todas as maneiras de falar que existem numa determinada época, numa determinada sincronia. HA ViNCULOS NECESEARIOS ENTRE LINGUA, PENSAMENTO CULTURA? Eu acho que fica um pouco dificil distinguir sociedade e cultu- ra, quer dizer, para mim sociedade e cultura se imbricam ne cessariamente. Entao, quando eu digo que a lingua € o lugar de interacao dos membros de uma coletividade, so os membros de determinada cultura. Entao, ¢ claro que lingua, sociedade e cultura sao intimamente ligados. Quanto a relagao linguagem pensamento, ela tem ocupado a mente dos estudiosos desde a Antiguidade e as posi¢des quanto a isso so as mais diversas. ENE NN ISOS 125 Na minha opiniao, linguagem e pensamento séo mutuamente constitutivos. E 0 pensamento humano é construido no interior da cultura em que se vive. Os referentes onceitos, significados) das varias linguas so Tabricados’ no interior das préticas soci- = ais, quer dizer, da forma como sio vistos um sujeilo através dos nossos ‘culos sociais’ social, mas no um sujeito A LINGUAGEM TEM sUgETTO? veil assujeitado. Para mim tem, mas néo é aquele sujeito individualista, adamico, criador de tudo, como disse o Bakhtin, e também nao é aquele sujeito da ilusdo do sujeito. Para mim, 0 sujeito é esse sujeito social que evidentemente esta sujeito as determinacdes do meio social em que vive. E claro que ele nao pode dizer 0 que quer, da maneira como quer. Mas ele trabatha com a lingua- gem, opera escolhas significativas entre toda a gama de meios linguisticos que tem a disposico e vai dar uma configuraedo determinada ao seu discurso, tendo em vista 0 outro nessa interlocueao constante com o outro. Entao, é um sujeito social, mas nao um sujeito assujeitado. Que & NGuisties? Bom, para mim a linguistica é exatamente isso, é a teoria da linguagem verbal. E a ciéncia da linguagem verbal. Entao, a linguistica para mim estuda esse sistema de que eu falei antes, © sistema linguistico, como dizia Saussure na metafora do jogo de xadrez, 0 tabuleiro, as pecas, as regras de combinagao em todos os niveis. Mas a linguistica estuda também a maneira como essa lingua é posta em pratica no seio da sociedade. Entao, ¢ importante haver sempre essa focalizagao muito grande na pré- tica social. A uncuisticn & ciENeI Com certeza. E quanto a isso, acho que hoje em dia nao ha mais divida. Houve um momento em que havia, tanto que naquela época, a linguistica precisou se despir de tudo o que nao fosse estritamente linguistico, para poder provar que era he eee seen eee ces ee NN ES ESL uma ciéncia. Entao, foi a época do inicio do estruturalismo, quando a linguistica tinha que provar que tinha objeto pré: prio, metodologia propria, terminologia prépria, foi preciso depuré-la do que nao fosse essencialmente linguistico e pas- sou-se a estudar s6 a estrutura, sé 0 sistema ete. Mas hoje em dia, cla acabou se tornando ciéncia piloto das ciéncias huma- nas e ninguém mais discute se ela é uma ciéncia. 0 que se discute ainda em certos cireulos mais fechados é se ela tem o direito de se abrir para 0 discurso, para as praticas sociais ete, Isso ainda se discute, quer dizer, existe aquele nticleo duro da linguistica, que é a fonologia, a morfologia, a sintaxe e alguns abrem uma excecao para algum tipo de semAntica. Eo resto, que seria assim 0 mais ‘afastado’ do centro, do cora- Jo da linguistica, ainda nao seria um Porque entender eae estudo muito cientifico, Mas cada vez mais iE se confirma que este estudo ¢ tao cientifico nana quanto 0 estudo do niieleo duro, e inclusive alravés da est havendo um intercdmbio muito grande lingua & nos dois sentidos: do centro para as mar. ens e das margens para o centro. E ai a entender e a gente pode dizer que as margens 6 que | pralicamente abaream tudo, tudo. PARA QUE SERVE A LINGDISTICA? Os leigos vivem perguntando isso: para que ‘0 que vocés fazem? Eles acham que 6 uma inutilidade. Mas nés, linguistas, achamos que fazemos algo que é muito importante, porque entender a interacao humana através da lingua ¢ entender praticamente tudo. Como que o ser humano se comporta em sociedade, como é que ele age, interage, argumenta, contra-argumenta, persuade ete. Tudo isso entra. E também volto a dizer, a importancia de se ter a descri¢do das varias-linguas em todos os niveis. Entao, para certas profissées, para certos aspectos, é extremamente im: portante vocé conhecer a fonologia de uma lingua, por exemplo, no trato das linguas indigenas desconhecidas. Vocé tem que saber a fonologia, vocé tem que reconhecer os fonemas da lingua, tem que saber trabalhar com os elementos fonol6gicos serve i da lingua, Para outro tipo de abordagem, é importante a mor- fologia, por exemplo, em termos de estrutura, formagéo de vocabulos, neologismos ete., para outro tipo de abordagem é a sintaxe, 0 uso das estruturas da lingua, quais sao as estrutu- ras aceitas, quais sao as estruturas que causam problemas, por que uma determinada estrutura pertence a uma determi- nada lingua ou nao pertence, por que uma série de estruturas diferentes pode ser atribuida a um mesmo conjunto ou podem ser unificadas através do significado basico e assim por diante. Entao, voeé pode enfocar do jeito que voce) Ela vai ler quiser. Todos os pontos de vista sao im- | que portantes. A linguistica vai ter sempre o har que dizer: na comparacao entre linguas, | “™P™" na tradugao, no estudo do texto, sem | @ prépria divida nenhuma, no estudo da linguagem | evolugio da propaganda, da publicidade. Enfim, em todos os géneros, no conhecimento de todos os géneros que permeiam as praticas sociais. Quem esta fazendo este estudo ¢ 0 linguista. Entao a linguistica tem muito a dizer. ALLINGUISTICA TERIA ALGUM COMPROMISSO NECESSARIO COM A EDUCAGAO? Com certeza. Ha um vineulo muito importante entre linguistica e educaedo. Posso falar do ponto de vista que adoto, que ¢ 0 ponto de vista do texto. Se nds, ao educarmos nossos alunos, estivermos fazendo aquilo que os parémetros curriculares nacionais recomendam: que nés sejamos capazes de fazer com que nossos alunos tenham a possibilidade de produzir textos dos mais variados géneros, dotados de coesao, que facam sen- tido ete., de desenvolver essa capacidade nos alunos, estare: mos educando cidadaos conscientes, quer dizer, competentes tanto em termos de produedo, como de leitura de texto, de compreensao de texto, porque a leitura nao é mera codificagao de sinais graficos. Entao, essas habilidades sao desenvolvi- das, sem dtivida, através dos conhecimentos que a linguistica proporeiona. Como a ISTICA SH INSERE NA POS-MODERNIDADE’ A Linguistica tem que acompanhar sempre todas as mudancas sociais justamente por essa questao dos | géneros. A medida que novos géneros vao surgindo, ela vai ter que mostrar a cons- Descobrir tituigao desses géneros, como ¢ que se es- tabelecem etc. Vai ter que acompanhar mu- como é que 0 dangas, como 0 que esta acontecendo agora ser humano com © computador. Entao, 0 hipertexto, constroi novas maneiras de produgao de linguagem, sentidos... os e-mails, quer dizer, todos os géneros midiaticos ... ela vai ter que acompanhar a prépria evolucao humana. H4 um linguista alemao, Gerd Anthos, que diz que a linguistiea, a linguistica textual, tem que acompanhar a evolu- cdo humana, porque o texto é como um ponto de partida e um ponto de chegada de toda a evolugao humana. Porque 0 texto € como uma teoria que contém todos 0s conhecimentos huma- nos, é 0 ponto em que se concentram os conhecimento huma- nos’. E com isso ela vai ter que acompanhar todas as mudancas em todos os espacos em que o homem estiver atuando, E 0 que tenho a dizer sobre a Linguistica nesta pés-modernidade. culo XI? QUAIS 08 DESAFIOS PARA. A LINGUISTICA NO Eu acho que ja falei na resposta anterior, quer dizer, continu- ar deserevendo as varias linguas, 0 sistema das varias linguas, porque sem conhecer uma lingua ninguém fala. Porque o ci- dadao_comum fala intuitivamente e, af eu concorde com Chomsky)constréi a gramatica de sua lingua e tem essa compe- \tencia,para ser eapaz de construir os enunciados de sua lin gua ete, Entao, descrever isso é tarefa do linguista. Mas é também tarefa do linguista acompanhar todas as evolucées sociais, ver como 6 que esse sistema de cada lingua se insere nas praticas sociais e se modifica através das praticas sociais, 1. G, Anthos, “Texte als Konstitutionsformen von Wissen, Thesen zur einer evolutionstheoretischen Begriindgung der Textlinguistik”, in G. Anthos & 1. Tietz, Die Zukunft der Teztlinguistik. Traditionen, Transformationen, Trends, ‘Tubingen, Niemeyer, 1997. ted como é que aparecem esses novos géneros, como é que a lin- guagem vai ser usada nesses novos géneros, que tipo de ex- pressao linguistica vai ser a mais adequada e inclusive que alteracées, em termos da propria interagao, vao acontecer em funcao dessas alteragdes. Bom, entao, em primeiro lugar ex- plicar as novas formas de utilizacdo da linguagem que vao surgindo. Entao, evidentemente 0 uso do computador e a de- mocratizacéo do computador vém trazer uma série de desafi- 0s novos para a linguistica, para explicar essa nova lingua- gem, Mas também acompanhar a prépria evolugao humana nas sociedades, da cultura e abrir caminhos também para o conhecimento do que se passa na mente das pessoas. Entao, todos os estudos de cognicéo tém uma relagao muito forte com a linguistica. Eu tenho um trabalho em que eu cito este mesmo autor, Anthos, em que ele pergunta: quo vadis Textlinguistik?’ Eu digo nao s6 a linguistiea textual, mas a linguistica em geral tem um futuro j4 predeterminado no sentido de que ela vai ter que explicar muitas coisas que ainda estéo por acontecer e explicar melhor as que esto acontecendo. E 0 ponto basico dessa tentativa de explicagao € descobrir como o ser humano constréi sentidos. E isso acon- tece quando interage face a face ou através de textos escritos. Como nés somos capazes de construir sentidos e como é pos- sivel também aos nossos interlocutores construir sentido a partir do que nés dizemos ou eserevemos. Entdo, essa é uma tarefa que nao se esgota, porque vai haver sempre nossas facetas para se pensar nisso. 2.1, V. G. Koch, “Linguistica textual: quo vadis?”, in Desvendando os segredas to texto, Sao Paulo, Cortez, 2002

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