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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA REITOR Jackson Proenca Testa VICE-REITORA Nitis Jacon de Aratijo Moreira CONSELHO EDITORIAL Leonardo Prota (Presidente) Aylton Barbier José Benedito Igle José Eduardo de José Vitor Jankevicius Lucia Sadayo Takahashi Mary Stela Miller Paulo Cesar Boni Raul Jorge Hernan Castro Gomez Ronaldo Baltar editora EL Editora da Universidade Estadual de Londrina Compo Editoriat Leonarda Prot (or-Chefe Isaac A. Camargo - Editor Ronaldo Baltar Gilmar Arruda FRUTOS DA TERRA: OS TRABALHADORES DA MATTE LARANGEIRA Editora UEL Londrina 1997 28 Gilmar Arruda territérios do Mato Grosso, foi a estreita vinculaglo.entre.a ‘Tal era a proximidade dos personagens envolvidos que ¢ diffcil estabeler os limites entre uma esfera e a outra, onde comecavam 08 interesses de um e terminava o do outro. Os contratos de arrendamento da Companhia Matte Larangeira deixavam isto evidente: “O contrato ajustado em Cuiabé, a 2 de agosto de 1894, levou as assinaturas do Dr, Manoel Murtinho, como Presidente do Estado; Dr. Francisco Murtinho, representante do Dr. Joaquim Murtinho, Presidente da Empresa arrendatatia, A transagdo processou-se entre os tés irmaos ‘que procediam sempre de harmonia"(Correa Fi1#o, 1969:591 €619). Esse contrato refere-se a um arrendamento de terrenos devolutos do Estado de Mato Grosso & Companhia Matte Larangeira no inicio dos anos 90 do século passado, Era-um.negécio.cntre.0, poder piiblico-e-umaempresa-privada ¢ 0 fato de que os assinantes do contrato serem irmios é significativo, pois revela a vinculagao entre a Companhia e 0 Governo do Estado, ff fécil deduzir 0 favorecimento da Companhia Matte Larangeira por parte dos ocupantes do poder pablico ¢ 0 atrelamento do poder piblico provocando 0 seu continuo esvaziamento através da concessao € transferéncia de suas prerrogativas e obrigagdes & esfera privada. Os cargos piiblicos passavam a ser usados como meio de fortalecimento-da:iniciativa privada. Esta era uma pritica corrente ita desde, pelo menos, a montagem do Estado nacion: -C, Franco (1983: 128): “Transformar aau snte ao cargo em instrumento usado diretamente em proveito proprio é tio da ordem das coisas quanto servir-se da I Je das principais caracteristicas da exploragio ervateira, nos 29 Gilmar Arruda FRUTOS DA TERRA superioridade garantida pela riqueza, pela posigio na sociedade ou na dominio politico regional da coligagéo Ponce e Murtinho é exemplo tipico-dessa “ordem de coisas”. Uma pequena cronologia esclarece esta fusdo de interesses no inicio Repiiblica em Mato Grosso: 20.07.1892 ~ Nova posse de José Manoel Murtinho, no governo de Grosso, apés a derrota do Gal. Antonio Maria Coelho; 03.11.1892 ~ Generoso Ponce apresenta parecer sobre a criagio da Repartigio de Terras; 11.11.1892 — Aberta concorréncia piblica para arrendamento de terrenos devolutos para exploragio ervateira, no sul do rio Tguatemi; 28.02.1893 - Concedido arrendamento ao Banco Rio Mato Grosso; 1894 ~ A Matte assume todos os arrendamentos de ervais existentes em Mato Grosso (Arruda, 1985). Para entender a origem desenvolvimento da vinculagio entre a emrpesa arrendatétia da exploragdo da erva mate e 0 governo estadual de Mato Grosso € necessério retornar ao surgimento dessa dade na regido em sua primeira versio legalizada, Os ervais nativos da regio estendiam-se de forma descontinua desde a foz do Rio Pardo no rio Parand, por este até Sete Quedas, dai percorrendo a linha da frontei até Ponta Port e, Rio Pardo até o Parand. Isto se considerarmos a fronteira politica, pois os ervais estendiam-se pelo Paraguai por uma vasta fea. Note- ‘se que 0 conceito de “fronteiras” era muito flufdo para os homens que trabalhavam ¢ viviam naquela regio naquele momento. Em 1882, Thomaz Larangeira tornou-se 0 primeira” 1° 8.799 de 09,12,1882: “E concedida a Thomaz Lat permissiio ppor 10 anos para colher herva-mate nos limites da Provincia de Matto Grosso com a Repiblica do Paraguay, entre os marcos do Rincdo de Julho e cabeceiras do Iguatemy e pela linha que desses f6r levada para o interior por uma extensao de 40 kilometros.” (ARRUDA, 1986). 30 _aqueles ervais por ocasido da demarcagao da fronteira Brasil-Paraguai,, no apds guetta, quando trabalhava como fornecedor. A Comissio chefiada pelo Coronel Enéas Galvao (futuro Bardo de Maracaju) e ‘inha como comandante militar o entiio capita Antonio Maria Coelho. ‘Ainda segundo Correa Filho, assim» que-o Bardo-da-Maracajufoi Larangeira conseguiu, entio, prorrogar por mais 10 anos a concessdo de 1882 ¢ aumentar consideravelmente a area do arrendamento, passando a ser: “...desde a foz. do Rio Dourados no Rio Brilhante ¢ por este atéa sua foz no Ivinhem: foz. no Iguatemi, fechando-se uma érea com um: ponto até a foz do Rio Dourados no Brithante”(ARxupa, 1986). decreto da concessio reconhecia apenas um beneficiério contratual para a exploragéo dos ervais. A exclusividade © a ia apesar de ser o primeiro concessionério legal niio era o \inico a explorar os ervais daquela regio. O préprio decreto de 1882, estabelecia 0 direito dos moradores que viviam da labora da erva na rea da concessio. ‘A extragio da erva-mate por outras pessoas, mesmo antes do decreto, era denunciada pelo presidente da provincia do Parand: “aventureiros aflufam a Concepcién ¢ dal jam empresas dé extragiio do mate nos ervais do Apa e Maracaju, em Mato Grosso..."(citado por Linares, 1969: 1969). O presidente da Provincia do Parana se mostrava preocupado pois, segundo ele, a cerva produzida em Mato Grosso fazia concorréncia com a paranaense través das suas relagdes pessoais com os ‘ocupantes do poder ptiblico, conseguiu do Estado 0 reconhecimento legal da exploragao de erva mate naquela regio. A legalizagio da 31 FRUTOS DA TERRA Gitmar Arruda - Atividade dle Larangeira permit aastar os concortentes uma vex que Sec aetna cae crater aan i 3"ei ao seu lado”. Sob qualquer ameaga, oconcewsioneay pessoueanserauma-caligagdo-entre-Gensrovo-Ponce-c-a-familie pote do Extado ‘uasinslniblanmlinabuemeiec ee earemence ‘Uma vez constituida a lei, toma-se graduslmente e cada rez Nisiachualichddanaallanh Musiabags: ¢m uma norma que deveria ser cumprida por ado no infcio deste capitulo. Com esse novo grupo no lagdes entre 0 ptiblico ¢ 0 privado estreitam-se ainda mais. Aguatemi, regio praticamente inacessivel naquela época, O Toaquim-Mustinho (ver Luz, 1980). Logo-ap6sy-constituiu-se-a~ See eae = Cate eee COMORES eT Os Murtinhos assumiram 0 controle da exploragao da erva_ do Estado”, sm Mato Grosso através da Matte Larangeira. Esta empresa \ vi ra na regio até a {A manutenglo do espago fsico dos ervas livre de intrusos manteria 0 control ase total de atividade re regi : a lo XX, Pela composigao aciondria da Companhia, foi um dos recursos utilizados, tanto por Larangeira como fcada da 40 do seca! Posteriormente pela Matte Larat ingeira, para manter o controle sobre a Thomaz Larange qinetando um pouco mais o piblico e o privado, como sev adiante, a ais, absoluto sobre os trabalhadores ¢ moradores da regio dos erv Estabeleceu um “Estado dentro do Estado”, onde “tudo era da Matte”, no dizer de um morador. “nlctramente em terrenos devolutos, através da concessao piblica ‘Com a criagio da Matte Larangeira, foram fundidas as 32 Estaduais. Note-se que a exploragio da erva mate on 33 eee Gitmar Arruda Ainda durante o governo de Manoel Murtinho, a extensio da étea foi aumentada novamente por um novo arrendamento, AVéres arrendada e , possivelment Odomfnio legal do espago fisico através dos arrendamentos completou-se neste momento. Estava praticamente eliminada a possibilidade legal de concorréncia ou de que “estranhos” se instalassem. em seu territério, Os quetentassem elaborar 6a nas “terras da Matte” Uma ver legalizado 0 monopslio do domfnio privado sobre oespago ervateiro, outrasestratégias foram utilizadas para asslimif, de’ fato,o controle sobre a regisio: Significativas e seguidas alteracSes nas principalmente, no que se relaciona com o objetivo de manter afastados ‘8 concorrentes ou posseiros que pudesssem ameagar os arrendamentos da empresa, Os contratos estabeleciam, entre outras coisas, condigdes sobre a manutengiio dos ervais, sua conservagéo, prazo de alterancia entre as colheitas, e total de quilos a serem colhidos, etc. Uma das cldusulas do contrato de 1890 regulamentava a instalagio de “estranhos” na étea do arrendamento. Dizia ela: E obrigado a zelar e fazer zelar por seus prepostos as matas € os hervaes de modo que sejam conservados no melhor estado posstvel, ndo permitindo que estranhos ali se estabelegam sem autorizagao legal ou de qualquer forma destrua as mattas e os hervaes vizinkos. Areferéncia a “autorizagio legal” remete diretamente a uma fungao publica, a lei, a autoridade de autorizar 0 estabelecimento de estranhos na regido. No periodo de dominio politico dos Murtinhos, em 1893, a mesma cléusula muda de redagio: 34 FRUTOS DA TERRA 0 arremantante € obrigado a zelar e fazer zelar por seus prepostos(..) as mattas e hervaes(...) ndo permitindo que estranhos ali se estabelegam sem autorizagdo do Mais expressamente ainda em 1894; A concessiondria fica obrigada a zelar estranhos ali se estabelegam sem a sua au las proprias autoridades, "A preocupagao com 0 as falas dos presidentes do Estado: contrabando na fronteira, evidenciam a atividade do: contraband apareceu em suces: que ndo dispoe 4 Bnpresa que monopoia essa ind de melas para evier¢ elaborapdo clandestine de heres aque sto em grande parte contrabandendas por diversot Pontos das noses datadas fronteiras com 0 Partguay. (Costa, 1910). afirmaram os habitantes de Ponta Pord que n’esta ‘fronteira(...) 0 contrabando s6 de herva matte(...) ainda ‘ascender a mais de 140.000 arrobas castethanas, ow sejam 1.400.000 kilogramas... (Manquss, 1913). 35 Gilmar Arruda FRUTOS DA TERRA registro oficial da produgo e exportagio em 1915 foi de 4.584.786 quilos. Portanto, no minimo outros 30% eram contrabandeados. importante ressaltar que o-significado do dominio Oespago controlado, a possibilidade de expulsaros intrusos cinconvenientes ¢ o controle sobre as exportagbes sto faces da mesma estratégia, cuja intengdo era néo deixar margem possivel para aga0 de concorrentes. trabalhadores “fujdes" e combater os “changa-ys”, para completar 0 “eonvencimento”. Controlar legalmente a regio ervateira nao bastava para garantir e impor a ordem da Matte. Era preciso controlar de fato aquele espago, Para a Companhia isso era tio importante como estratégia de poder, como forma: Pueblo”, de Assungao, publicou em margo de 1898, uma carta de moradores de Ponta Por ado paraguaio, dria 40 Ministro do Interior do Paraguai. A carta denunciava as presses que a Companhia vinha fazendo para que assinassem um contrato de aluguel do local que ocupavam ou que o desocupassem. Os moradores Julgavam-se com direitos sobre a érea pois ali moravam hé mais de quatro anos. Afirmavam que “Tendo instalado neste lugar nossos negécios ¢ sendo moradores deste embriondrio povoado hé mais de quatro anos...” Pela noticia publicada e segundo os moradores atingidos, a Matte Larangeira preter “arrendamento mensal por cada casa que ocupamos, sendo estas em maior parte; casas de negécio; além deste pagamento ficariamos sujeitos a es © que no nos parece justo nem aceitével.’ Os moradores tentando evitar e impedir a ago da Cia., solicitavam do Ministro: “a expropriagdo.do campo, que pertence a0 Senhor Jorge Casaccia(...) comprometendo-nos a compré-los em lotes separados ao prego que forem taxadlos”. A carta terminava manifestando ‘aesperanga dos moradores na agdo do Ministro: “caso contrétio nos veriamos na triste situagao de ter que abandonar nossos tarefa incessante que de tempos atrés nos tem tomado... to apresentado pela Companhia seguintes condigdes: “cercar todo o terreno; no deixar nenhum animal de nio provocar distirbios e prejudicar nenhum vizinho ou terceiro; de pagar a administragfo da Companhia em Capiivary, um aluguel de 20 pesos paraguayos mensais; se obrigava a desocupar imediatamente o terreno, sem nenhuma questo, em caso de falta de pagamento de aluguel; ¢ sujeitar-se a ordens gerais da administragéo da Companhia; o contrato valeria por 1898 e 1899, aap6s os contratantes ficariam sem nenhuma obrigagio.” Peloteordo “La Demoeracia”, de Assungdo, Escreviam que: “nio havia ainda resolugdo alguma a respeito da imposigdo que nos faz a ‘companhia Matte Larangeira’. A carta publicada descrevia com mais, detalhes 0 povoado em que moravam, procurando valorizar 0 que haviam construido: Ponta Pord é um centro onda hd anos moramos(..) com trinta e duas casas, eujo custo ndo batxa de 50 pesos fortes, sem cantar que hd casa de negécios que giram, sessenta, oitenta e cem mit pesos anuais(...) Hd carpintaria, olaria, ferraria, padaria, sapataria, plantagaes distin custo e nos ocupamos da fundagdo de uma escola. 37 Gilmar Arruda Pela descrigdo acima fica evidente que no se tratava de campos vazios, 0 que poderia justificar os propésitos da Matte. Os ‘moradores sentiam-se indignados com a possibilidade de terem de abandonar suas casas, campos e negécios: nos parece impossivel que tenhamos de desalojar ¢ abandonar tantos muitos anos atras, Estavam dispostos a “esgotar todos os meios legais” para defender seus interesses. Toda argumentagio é no sentido de afirmar 08 longos ¢ softidos anos qu it i no questionando a parte resses da Ci fazem declararam ser “necessidades nao justificad “arrendatério caprichoso”, expressao esclarecedora dos “desmandos” da Companhia © da necessidade de se controlar todo 0 espago fisico Possivel,-ou-que-estivesse nas Totas”dotréfegorda-ervascomo instrumento para impor a sua “lei”, a sua disciplina, Note-se que os moradores ficariam sujeitos as ordens da Matte, que no estavam previstas no contrato, Estes determinavam regras de conduta para os moradores como: “niio provocar disttirbios endo prejudicar nenhum vizinho ou terceiro”, A-empresa-tentava'o: “no Paraguai. ‘Na segunda publicaglo em julho, no “La Democracia”,o -niimero de assinantes foi de 22 pessoas, enquanto na primeira, em margo havia sido 08. Eram todos homens, 0 que podemos considerar como “chefes de familia”. Esta ampliago do ntimero de assinantes _deve-se, sem diivida; & imposigio do contrato de aluguel aos demais ‘moradores. O propésito da empresa era limpar a area, ‘Com relagio aos comerci havia um motivo especial 's da regitio, Este é 0 caso do Sr, José Tapia Ortiz, morador e comerciante da mesma regio que fora obrigado pela Matte, em 1898, a liquidar seu negécio. A ordem da Companhia, publicada 38 FRUTOS DA TERRA no “El Municipfo" de 05.0.18989, foi curta: “Em virtude de uma ordem recebida do Senhor Superintendente desta Companhia participo a Vossa Senhoria que de hoje em diante deveré tratar de realizar seus para poder desalojar o sftio que ocupa para o fim do corrente O Sr, Tapia Ortiz colocou sua casa em Ii protestou colocando em duivida as bases da ago da Mat mesma permissao para“... Somente depois saberemos com que di fo.” eee atest claramonte oie legais q alegando possuir sobre os referidos terrenos. Na cont argumentagdo revelou um dos motivos, possivelmente o i que a Matte quisesse se ver livre dos moradores daquel cera a elaboragao de erva mate nos terrenos pretendidos pela Cia: “Erva nunca mandei elaborar nem uma s6 libra, Bem certo que vendo erva, porem se querem que nao venda mais, primeiro venha a defesa de compré-la.”, " lago, mas Denominagio regional sobre 0 poder adquirido pelo uso da violéncia, caracterizado pelo revélver “Smith and Wes 44, Tinham como finalidade recuperar trabalhadores “fujées” das ranchadas ervateiras ¢ combater 0s “change-ys™. 39 Gilmar Arruda 0s meeanismos de controle mencionados parecem nfo ter esvaziamento do poder piblico enquanto responsével pelo cumprimento da lei ea manutengao da “ordem publica”. 1m os interesses da Matte. Argumentavam que Joaquim 0 pretendia: “... sob a capa do: fronteira de Mato Grosso com o da Rept de guardas aduaneiros, novo elemento de opressio ¢ tyrania que ia disposigio dos agentes da Companhia Matte acriagdo da guarda aduaneira, uma vez.que nem o Ministro da Fazenda € nem o Presidente da Repiblica tinham autoridade para tal sem consultar 0 Congresso e, afirmava, que o Ministro da Fazenda exorbitara: € exorbitou somente com a intengdo de depositar nas méos do presidente do Estado de Mato Grosso, um pode nna fronteira, que sirva, ndo para fazer a fiscalicagdo, naquela 40 FRUTOS DA TERRA Cruzam-se as varias faces que envolviam Matte Larangeira no sul do Estado, sua relagao coma pk le da regido para o p naquela dea, As dentincias da oposigdo confirmaram-se rapidamente. O em outubro de 1902 comentava alguns artigos lo Paraguai, da seguinte maneira: publicados em jomai: Continua a preocupar a atengdo publ @ conducta irregular suma gravidade, chamando a atengéo do governo paraguayo para as constantes e quase ininterrompida série de atentados |, mas também contra paraguayos, invadindo se para isso, a fronteira desta Repiiblica. (RC, 10/ 09/1902). A ligagdo entre a guarda aduaneira e empresa foi comprovada pelo fato de que a Mesa de Rendas de Porto Murtinho, responsdvel pelo seu funcionamento, nfo gastou um s6 “real” com a mesma. Entretanto a Matte havia fornecido mais de 100 contos de réis para as despesas da guarda, ‘Um poema satitico publicado pela “A Reacgio” de outubro de 1902, revela bem as ligagSes da empresa com a guarda, O poema foi assinado por “Salamandra” at Gilmar Arruda FRUTOS DA TERRA -.NGo hd mais gente no mundo, Exclamava 0 homem jocundo: com aquele orgulho sombrio: que Cezar* em Mato Grosso e Manoel Murtinho no Rio! ‘Mas 0 cantaro vai a bica tantas vezes até que fica Vendo todo este aparato que montava a Companhia 0 Felipe que é pacato para o Bento 6 sorria. renovagio dos arrendamentos deve-se a uma favordvel apés 1906, com a vit6ria da “Coligagdo”, (nova-unifio de Generoso Ponce-e Joaquim Murtinho), contra o usineiro Toté Paes, governador do Estado e ex-aliadlo de Murtinho. A Companhia tava, nesta ocasido, arrendamento de “Hervaes e campos de criaglo ¢ mattas(...) para a exploragdo e colheita de herva matte e Outros productos vegetaes, industriaes, past. da area arrendada para os “campos de criago e do prazo de 1916 até 1930; pagamento e colheita fixa; imposto fixo de 800rs. por arroba, ou imposto correspondente ao do estado do Parand; possibilidade de venda dos terrenos devolutos. no prazo de cinco anos, uma érea nfo inferior a2 milhdes de hectares ao prego de $ 1000 réis por hectare de ervais © $ 400 de campo e matta; isengio para importagdo de maquinarias; 50% do imposto de xarque do existente no Rio Grande do Sul pelos primeiros 5 anos; mesmo desconto para tanino, madeiras comparado com o Paraguai: isengio deimpostos municipais, ete. Desta vez.a empresa pretendia claramente a constituigo de A clusula n° 06 da proposta da Matte dizia: * Comandante da guarda aduancira em Mato Grosso, 42 0 governo do Estado criard a requisigdo da concessiondria ¢ ‘as expensas da mesma, a forca policial que ela julgar suficiente, para a manutengao da ordem, cumprimento da cldusula antecedente ¢ de outros interesses comuns as partes representadas pelo presente contract. ( MT, 0S/07/ 1912). A cléusula antecedente era a que tratava da possi concessionatia autorizar a instalagdo ou néo de estranhos em sua concessiio. A proposta encontrou oposicao na Assembiéia Legislativa A Comissaio encarregada de analisd-la op6s se a intengo da Matte, cconforme o parecer publicado no jornal “O Mato Grosso”. O parecer ‘da Comissio argumentando a necessidade de se manter a separagaio entre a esfera ptiblica e a privada, impedia a constituigdo legal de um “Estado dentro do Estado”, pois de fato aMatte;jé haviacriado oseu “estado” no sul de Mato Grosso. ‘que pensava um dos maiores interessados na Companhia, Manoel Murtinho, Ministro do Suptemo Tribunal Federal, irmio de Francisco Murtinho, sécio da entio Larangeira, Mendes & Cia, controlada pela empresa argentina Francisco Mendes Gongalves & Cia, O Banco Rio e Mato Grosso, acionista majoritario da Companhia Matte Larangeira, havia falido em 1902. O Patriménio da Matte foi comprado por Thomaz Larangeira e pela Francisco ‘Mendes Gongalves e Cia. que era a distribuidora na Argentina da ‘erva mate produzida pela Matte Larangeira, A razfio social passou entio para Larangeira, Mendes ¢ Cia. (Correa Fito, 1925: 41/44) Manoel Murtinho, em uma carta enviada a Generoso Ponce, reafirma sua argumentagdo demonstrando mais claramente @ desenvolvida até aqui, sobre a vinculagao entre a esfera pt privada e o tipo de organizagfo que a Matte impunha nos er ipal estratégia era esvaziar a regido de elementos indese} “Mas nfo era ass Gilmar Arruda Enquanto ndo tenha ainda recebido a carta que espero de V. Excia explicando 0 motive por que a Assembléia Estadual indeferiu o requerimento da empresa, sob a firma Larangeira, Mendes & Cia; que recomendei aos amigos que tem a sew cargo a direcao dos negécios do Estado... (Corsea Fitsto, 1925: 46). 10 caso literalmente, do governo. A estratégia de manutengio dos terrenos ervateiros livres de ocupantes ou de possiveis concorrentes aparece na continuagao da carta: ainda viria facitivar a solugdo de um temeroso problema, que nao pode deixar de preocupar a alta administragio do Estado, Alludo a imigragdo riograndense que, dia a dia vae se ‘trata logo de occupar terrenos devolutos pela facitidade que ‘encontra, 0 que faz parecer que dentro de mais alguns annos, essa colénia dominard pelo seu niimero e extenséio, toda aquela regido, constituido por assim dizer ~ Estado no Estado (idem). vale dizer, os ervais nativos. Os gatichos transformaram-se-em um -diferenciadas naregido. Um exemplo foio confronto entre Bento Xavier Felipe de Brum ca guarda aduaneira. Os gatichos realmente tornaram- se um grande problema para a empresa manter sua politica de “monopolizagao dos ervais”. Outro problema tio grande quanto este. ‘foram os préoprios trabalhiadores (como sera visto nos cap. 4 5) 44 FRUTOS DA TERRA ara impedira “perigosa expansio”, de migrantes no sul do Estado, Manoel Murtinho achava necessétio estabelecer, ‘aquella perigosa expansdo, 0 naturalmente e sem gerar suspeita, 0 estabelecimento de empresas que se propunha fundar a ia Matte Larangeira, e seriam exploradas por uma companhia successora, organizada com capitaes ingleses, pois as tervas devolutas cedidas por compra ou arrendamento passaria a ser occupadas pelo pessoal da sociedade anonyma assim ndo estariam d merce dos primetros occupantes na corrente imigratéria riograndense que teriam de respeitar a posse mantida por una companhia extrangeira (sic) poderosa, que, no caso de conflicto, poderia provocar por via diplomética, a intervengdio federal (idem). .certos centros de resi ” fchos. Talvez. fosse necesséria a intervengao do ‘governo federal para refrear os fmpetos daqueles “gatichos” ¢ impedit 0 “Estado dentro do Estado”, ‘Oconfronto que vinha se impondo pela “petigosa expansio” havia se tornado suficientemente grande para preocupar a empresa do confronto e,em la necessidade de xtrangeira poderosa”, Gilmar Arruda ‘A proposta da Matte recusada pela Assembléia Legistativa, ‘feitas:pelo-poder piiblicoa empresa. Mas-seré-em-1912-que-o- 4questionamento motivado pela presenga dos gatichos apareceré mais ‘laramente (como seré visto no Cap. 3). Embora, pela fala de Manoel Martinho, jem 1907 ficasse claro que para a Companhia os migrantes ram um fator de ameaga ao seu monopélio de exploragio ervateira e de controle dos ervais nativos. O que importa da descrigao sobre a vinculago da administrago publica e a iniciativa privada, na explorago da erva inate, € constatar que a-utlizagdo-do:poder-piblico"peltMatte atvidadese seus mecanismos de controle imposigio de sua “ordem” nos ervais. Também que faces que se somaram como estratégia de d trabalhadores © moradores dos ervais. Pret isténcia destes, seja legal ou ndo, melhor dizendo com ou sem a “lei do 44”, 46 C forma Pretendia-se evitar a possibilidade dos trabalhadores torarem-se produtores independentes e, para isso, a melhor estratégia foi ‘monopolizar legalmente 0s ervais. ‘A manutengio dos ervais vazios atendia a uma necessidade de vigilancia, de controle sobre as pessoas que viviam na regio. A transparéncia do espago a ser vigiado é de vital importdncia para 0 exercicio do controle, o exercicio do poder. s ervais tornaram-se entéio no “mundo da Matte”, uma organizago com estradas, portos, cidades ¢ locais de trabalho pertencentes a empresa. Bla estava presente em todos 0s recantos permitindo ou nfo, através da lei ou dos comitiveiros, a presenga de pessoas em seu espago. Entre os diversos estabel eleboragio ¢ acondicionamento da erva a Compan! S. Roque, onde funcionavam as oficinas de ferraria, carpintaria, ‘marcenaria e uma serraria movida & vapor; as de Margarida ¢ S. 2, aquele a 22 leguas e este a 65 leguas distantes de porto 10, nestes estabelecimentos também existem officinas para a construcgio de carretas. O Album Grdfico de Mato Grosso informava que a Empresa possuia 500 carretas, 30 chatas, lanchas a vapor ¢ 18 mil bois para caretas, A Mate tinha const propria empresa ’s margens do Rio Paraguai, ni do século passado, para a exportagdo da erva mate. No final da 1* década do século a exportagao passou a ser cefetuada por Guaira, onde a empresa construiu porto, armazéns, uma a

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