Articulancia
espacgo para ebuligao de ideias
“Salvem as professorinhas”
Je 2019 por sergiosoaresblogge
Saudagies ¢ reveréncias faco, a todos aqueles que ancestralmente me precederam: Tenente Joao
Ricardo de Oliveira, av e autodidata, inspiracao e referéncia moral; Professor Waltinho de Geografia,
que me ensinou a “viajar” sem sair da carteira; Professor Walter Rossignoli, que nunca se eximiu da
fala verndcula, mas ainda assim ensinava portugués como nenhum outro; Professor Mario Roberto
Lobiiglio Zaggari, Mestre da Lingua que me ensinou que as palavras tém histéria; Professora Ilma de
Castro Barros Salgado, eterna Madrinha das Letras, a qual me apresentou a Pedro Nava; Professora
Francis Paulina Lopes da Silva, amiga e orientadora, que me ajudou a nascer para a Literatura e a
grande Mestra, escritora e amiga, Professora Maria de Lourdes Abreu de Oliveira, exemplo e
inspiragao na trilha das Letras. E “Salvem as professorinhas!!!”
Assim comego essa narrativa, de maneira emblemdtica, para lembrar o quao marcante pode, e deve
ser a figura do professor na vida de qualquer pessoa. Nao que sé existam lembrancas suaves, ou
melodiosas, mas aqui quero salientar o lado bom dessa carreira, que me parece estar cada dia mais se
aproximando do descrédito e de uma desvalorizagao sem medidas, e ai sempre vai parecer que da
escola sé sobraram as mas recordagdes. Mas sera que ¢ isso mesmo? Ou melhor, sera que tem que
ser? E possivel encontrar culpados, ou responséveis, por tamanho desvio de percepgio?
Penso que nao precisa ser assim, como na verdade nao 0 era, pelo menos nas minhas reminiscéncias
infanto-juvenis, isso porque para mim (naquela época) pai, professor e padre eram autoridades
maximas (ndo no sentido de autoritarismo, mas de exemplo a ser seguido). E voltando o olhar mais
para tras ainda, antes de eu ser inventado nesse mundo, vejo a imagem romantica das professorinhas,
normalistas, que cram as responsaveis pelo be-a-ba das criangas ¢ pela tabuada, todas sorridentes ¢
felizes, e olha, até onde ja consegui pesquisar, ndo encontrei relatos de que naquela época fosse mais
facil dar aulas, ou que os alunos fossem menos “arteiros” do que os de hoje.
Entao, o que ocorre ¢ que a sociedade em que vivemos evoluiu, nao que esse processo tenha sido
retilineo, sem sobressaltos, nunca o é. As vezes, a melhor forma de remexer o fundo do rio enlameado
& com uma “cabeca d’Agua”, que sai revirando tudo que encontra pela frente, e com a humanidade
nao foi, e nem seria diferente
O grande problema est em saber entender e acompanhar esses saltos evolutivos, sem que isso se
torne uma celeuma em nossas vidas. No caso da escola, por exemplo a publica, hoje o que mais se
discute é a permanéncia dos alunos em sala-de-aula (como se fosse possivel amarré-los carteira), osindicadores oficiais cada dia mais assustadores (vivemos a era dos indices, mas esquece-se que esses
nuimeros nao so absolutos, ¢ sua relativizacao esta justamente nas andlises que deles podem
advirem), os problemas de inclusao (dos géneros hoje cada vez mais mutantes, até a insergio de
alunos com altas potencialidades dentro de um contexto escolar que s6 se preparou para atender
alunos com déficit) e a grande, e talvez maior crise, a do professor - acuado, agredido, desiludido e
desmotivado a ser tal qual as normalistas, ou como os professores das histérias de romance.
Aqui tenho que tentar entender quem ¢ esse professor em questao, de que perfil profissional se esta
falando: como ele chegou (ou escolheu) nessa carreira, e como ele foi formado, para poder ai sim,
construir um sentido e encontrar uma resposta para esse mar de queixumes e chorumelas.
Primeiro lugar, a escolha: ocorreu no Brasil um fenémeno interessante, com a expansio das vagas nas
Universidades Piiblicas Brasileiras, que foi o da popularizagao do acesso aos cursos de baixa
demanda, e isso se deu, principalmente, através do aumento das vagas noturnas. Nessa época os
cursos de Licenciatura (em especial), receberam um incremento numérico de alunos consideravel, e
isso, em tese, seria a solucdo para a formacao de professores, ja que “o problema da educago no
Brasil, era falta de mao-de-obra”, entdo, “fabrique-se” mais professores ¢ o problema solucionado
estara, Nao se resolveu & época, como ainda hoje nao se resolve. Fato,
Nesse perfodo (¢ ainda hoje ¢ assim) existia uma clara diferenciacao entre o perfil de um aluno, por
exemplo (falando da minha area), que cursava Letras, & noite, e daquele outro que o fazia no turno
integral. Primeira diferenca - a faixa etria, o do noturno, via de regra, era adulto com faixa etaria
acima dos trinta anos, pai ou mae de familia, trabalhador que tentava, depois de muito tempo
afastado, retomar seus estudos, e encontrava nessa abertura de vagas as chances ~ baixa concorréncia
e facilidade no cursar. Porém, esse mesmo aluno, apesar do leque de opgdes que o curso oferecia, sé
conseguiria se formar em Lingua Portuguesa.
‘Ao passo que, 0 aluno do tumo integral, mais jovem, recém-saido do ensino médio, que nao tinha
obrigacGes familiares a cumprir, tinha & sua disposicao as formagdes em Lingua Portuguesa, Linguas
Estrangeiras e Latim, além do maior beneficio, poder integrar-se aos intimeros grupos de pesquisa e
projetos de extensao da Universidade, e assim, quase que, assegurar seu ingresso em um Lato ou
Strictu Senso, pés-formado.
E quais eram as perspectivas para um e outro? Para o primeiro, considerando que ele teria cumprido
toda a creditacao exigida pelo curso, seria o de buscar um novo caminho como professor tempordrio
na educagao ptiblica, ou prestar concurso como efetivo para alguma das redes. JA para 0 outro, como
bem dito, na maioria das vezes seguiria o caminho ja pronto a sua frente, que era o da formacao
continuada (o que é bom), ¢ dela sé sairia Mestre ou Doutor para prestar concurso puiblico em uma
IFE, ou dar aula em uma escola ou faculdade particular.
E olha que interessante situacao esta construida: o sistema se retroalimenta, pois o mesmo professor
que se formou no turno integral, em Letras, dai a seis ou sete anos estar dentro de uma
Universidade dando aulas para esses alunos do turno noturmo que, teoricamente, nao tiveram a
mesma oportunidade. E qual o problema nisso? A vivéncia, a experiéncia e a maturidade que sé a
pratica em sala-de-aula pode oferecer, e que nenhuma Tese de Doutoramento pode dar conta de
superar,
E esse é 0 segundo ponto em que preciso me deter agora. A Academia (em especial na area de
formagao de professores) parou no tempo, tanto no quesito técnica contetidista, quanto no que diz
respeito aos métodos de ensino, o que leva, automaticamente, a um produto final, ou seja, um
professor formado para formar sem preparagao para enfrentar os desafios que aquela “cabeca
d’agua” trouxe para nossa sociedade - familias desestruturadas, governos que nao souberam investir
corretamente na Educagao Basica, geracao Z com muita informacao e pouca, ou nenhuma, nogio derespeito (independente da classe social) e, talvez o maior desafio, o de transformar a escola em uma
referéncia positiva na vida desses jovens, onde eles queiram ficar, e ndo onde seja preciso “manté-
los"
O resultado disso tudo ¢ justamente o descrédito da profissdo, a ma valorizagao e remuneracao da
carreira, ¢ os constantes conflitos dentro das escolas, que mais parecem campos de batalha, muitas
vezes. Ao mesmo tempo, criou-se uma geracao de professores insatisfeitos, desanimados e que
perderam a nogao de que dar aulas tem que ser, antes de tudo, um ato de entrega, uma troca, ¢ hoje,
mais do que nunca, de mediacao, onde aquela imagem que a Academia reforca de Magister, ainda
preso a uma bancada ou um puilpito, ndo mais representa o mundo real.
Para “Salvarmos nossas Professorinhas” preciso é resgatar os principios formadores dessa profissdo —
paixao, entrega e dedicacao — sem tesdo nao h4 solucao (seja em qual carreira for), nao da para ser
meio professor (ou dar meia-aula) e a dedicagao (que deve ser perene), nao apenas nas preparagdes
de aula, mas também na sua formagao continuada, que deve ser igualmente constante.
Além disso, penso que os érgaos reguladores da Educago deveriam mudar as regras para ingresso
no Magistério Superior, pois, se para um Advogado virar Juiz ele deve ter um tempo minimo de
experiéncia como causidico (discernimento para julgar, e ndo apenas conhecer as Leis) eo Médico
deve cursar bons anos de Residéncia Médica para aprender a cuidar de gente, o professor também
deveria ter vivido um ciclo minimo, ao menos, da Educacao Basica para poder dividir essa
experiéncia com os futuros novos professores.
Olhando a historia desses que marcaram a minha histéria, vejo que (se nao todos) a maioria construiu
suas carreiras 14 na Educacao Basica, como professores e Diretores de Escola nas redes, para sé depois
adentrarem os auspiciosos portées da Universidade Publica, na condigao de Mestres, de fato e de
direito, Sem essa mudanga, de postura e de comprometimento, continuaremos repetindo receitas de
bolo, que a cada dia se tornam mais solados e indigestos.
Professor Sérgio Soares
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