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__ CLIMEPSI ” de = SICOSS@@ lologia coordenagao de : ok Barus-W Eugene Enriquez = André Lévy == 2 = e qualidade da ciéncia an ( Nina, " EDITORES PODER Jacqueline Barus-Michel, Eugene Enriquez Caracteristicas princeps do poder poder, como 0 amor ou o prazer, parece ser indefinivel apesar ou devido 4 utilizagio que cada um faz dele na vida do dia-a-dia. O mesmo termo engloba acepsées diferentes: 0 poder associado ao verbo infinitivo, possibilidade de exercer as suas faculdades (et posso andar, eu posso tocar nesta bola), no limite propriedade de um objecto (poder iluminante de uma lim- pada), de que nao falaremos aqui, e 0 poder que & uma das manifestac6es da vida colectiva, con- siderado entao como a capacidade de impor uma vontade a outros. As sittacdes, 0s actores implicados, as bases do poder e os seus modos de aplicagio podem variar infinitamente e levar a distinguir tipos de poder, ou até a elaborar teorias muito diferentes sobre ele. O poder € indissociavel da relagao ¢ da co- operagio. Esta associado & vida, mas esté inti mamente ligado & morte. E ao mesmo tempo cobigado ¢ sofrido, assimilado a repressdo ou a liberdade, objecto privilegiado de todas as am- bivaléncias, ‘Accita muiltiplos equivalentes cujos matizes exprimem todas as variveis implicadas: autori- dade, dominagio, dominio, influéncia, pode- rio... € 0 scu inverso: submissio, subordinasio, dependéncia, obediéncia, mas também rebelio, resisténcia... sinais que o poder mantém no re- lacionamento (entre pessoas, num modo infor- mal) nas relagdes sociais (entre actores em si tuagdes formalizadas). © poder afirma-se sempre em relagio. a uma inércia ou a uma resistencia presumida e, para se dobrar 4 sua ordem prépria, supée portanto dois termos opostos. Aparece entdo como uma energia aplicada a elementos a submeter, 0 que pode supor um confronto prévio em que a par- te que saiu vencedora conquistou o poder. No se diz. que 0 poder esmaga os fracos, que reduz escravatura? Contudo, esta nogéo de energia vem talver. de uma confusio com a fora: 0 po- der pode empregar a forca ou sentir’se desapos- sado porque as forgas sobre as quais se apoia (policia, exército) se furtam, mas nem por isso se deve confundi-lo com 0s meios que emprega. E por isso, alids, que o poder nao esta do lado da quantidade: um punhado de homens no poder pode governar multiddes. O poder utiliza mui- tos meios: a forsa, mas também a persuasio, @ seducio, a legislacio, o habito, sio aspectos que encontram um respondente naqueles que S20 seu objecto ¢ que, tanto quanto resistir-Ihe, podem submeter-se-lhe de bom grado ou contra a sua vontade. A necessidade de seguranga, de estabi- lidade, de amor, de directivas sio seguros aliados do poder, que corresponde a uma expectativa € a um pedido tanto quanto pode gerar frustra- Gio, édio e revolta, O que € 0 poder sem os meios que emprega, senio um potencial de intervengao eficiente s0- bre 0s outros (0s seus comportamentos, a suia experigncia e a sua cxisténcia), resultante do jogo das interacgées, mais ou menos historico e instituido, sempre susceptivel de ser posto em questio, derrubado ou abalado. O poder nao pode portanto conceber-se se- nao como uma dindmica relativamente instavel, tum «jogo de forcas», como escreve Michel Fou- cault, em que a insubmissio latente de uns € evitada por meio de uma afirmagao de intangi- bilidade para a qual o poder recorre, além dos meios jd evocados, a manipulagées insticuciona- lizadas e & sacralizacao. A instabilidade do poder, que faz. com que ele deva ser sempre conquistado, alargado ou con- servado, origina estratégias conduzidas incessan- temente pelos actores para assegurat pelo me- nos, como descreve M, Crozier (1963), zonas de tranquilidade. Como a detensio do poder cxalta 0 narcisismo e proporciona privilégios ¢ vantagens psicolégicas e materiais muito para além da necessidade funcional, faz parte da sua natureza evitar ser desapossado dele € conserv- -lo por todos os meios, O melhor para isso, & fazé-lo passar por um dom excepcional, clarivi- dencia, forca de caricter, ou mesmo sobrenatu- ral: convivencia com a divindade que confere por exemplo a baraka, Na histéria das socieda- des, 0 poder, ligado ao religioso, fer sempre par- te do sagrado. Ainda conserva algum resquicio 157 DICIONARIO DE PSICOSSOCIOLOGIA na consideragao de que os poderes contempori- neos mais profanos ¢ laicos sao rodeados, para além dos seus méritos reais. Por isso, o poder é uma necessidade ligada & praxis; no se pode conceber cooperagao, isto é, uma acco que compromete colectivamente, sem estabelecer prioridades, uma divisio do tra- balho, isto é, a atribuigao de rarefas interdepen- dentes mas subordinadas umas 3s outras numa ordem que nao ¢ indiferente. O poder é neces- sirio & acgio colectiva ¢ tal gera por sua vez po- der, Nao deixa de se por a questio de saber se- gundo que critérias o poder vai ser tomado, dis- tribuido, partilhado, conservado ou restituido, e quais serio os seus limites no tempo e no espa- 0 (zonas ou dominios). Esta questéo inaugura 0 politico: 0 debate dos lugares respectivos, a es- colha das regras que vao definir os direitos e os deveres, as margens de liberdade, para manter um funcionamento comum. ‘A problematica do poder encontra-se em to- dos os escalies, desde 0 grupo até & sociedade pasando pelas organizagées, esta presente ainda a escala internacional, As relacées entre indivi duos sao atravessadas pelo poder: quer sejam instituidas (relagao médico-doente) quer sejam espontineas ou fortuitas (relagoes amigiveis), nunca sio livres de referéncias aos estatutos ¢ as normas sociais. © poder inscreve-se no religioso € no politico mas também no econdmico, como Marx afir- mou; a detengao dos meios de produgio ¢ das ri- quezas, o controlo das redes de troca confere um poder que se auto-alimenta em detrimento dos desapossados, cuja pobreza aumenta. Este poder econdmico, mundializado, pode sobrepor-se aos poderes politicos nacionais, o seu carécter abs- tracto pode perverter as relag6es humanas, tor- nados pedes num jogo virtual. Os efeitos séo bem reais ¢ repercutem-se na vida quotidiana em termos de trabalho e de emprego. ‘A tealidade dos efeitos do poder nao deve mascarar a sua dimensio imagindria. De cerca forma, o poder assenta na crenga: a daqueles que vio submeter-se porque créem que os seus representantes detém as chaves da sua seguran- a ou da sua felicidade, Nao se apercebem de que é a forga do seu pedido que faz a forga de um poder que nio passa muitas vezes de um si- mulacro agitado diante dos seus olhos. Quantas veves o poder reclama uma confianga que nio passa de crenga mantida pelo discurso? O discurso é a ferramenta principal do poder: no s6 ordena, como decide como se deve fazer, mas € 0 discurso que 0 justifica, que realga as 188 suas supostas capacidades, que promete um fu- turo radioso ou, pelo menos, melhor. O discur- so, ao tracar figuras ideais, serve para manter 0 imaginario e para aumentar a esperanga, Pode, com no menos sucesso, aumentar a angiistia ou brandir a ameaga para aparecer como o tini- co recurso, Melhor, pode utilizar ambas. Prolixo ou lacénico, o discurso fixa o sentido, indica aquilo que deve ser retido de um suposto saber que detém. O saber é um poder na condigo de nfio ser entregue nessa conta: um «suposto sa- ber» basta. (Os submetidos muitas vezes s6 abrem os olhos quando se viram para um outro logro que lhes promete por sua vez libertagao ¢ dias melhores. A lucidez e 0 controlo dos poderes sio resul- tados dificcis de atingir e de manter, que depen- dem simultaneamente da maruridade politica e da maturidade psicoldgica. A vertente imagindria do poder é jé testemu- nho da sua dimensio psicolégica; o poder esta inscrito no psiquismo desde o nascimento. A ima- turidade prolongada da crianga vota-a durante muito tempo & dependéncia e deixa-a 4 mercé do poder dos seus educadores. Segundo as te0- rias psicanaliticas, 0 psiquismo da crianga estru- tura-se em relagio & triangulacio edipiana em que, ao poderio fantasmatico da mae, sucede a autoridade do pai, ameaga de castragio, figura da Lei. E dificil nao ver neste pai simbélico, her deiro de um Pai primitivo mitico, uma encarna-

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