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Geografia e História da PB 1

GEOGRAFIA DA PARAÍBA........................................................................................................3
Mesorregiões da Paraíba ............................................................................................................3
Microrregiões da Paraíba............................................................................................................6
MEIO AMBIENTE....................................................................................................................7
MEIO AMBIENTE » UNIDADES ESTADUAIS DE CONSERVAÇÃO...............................7
Unidades de Conservação do Estado da Paraíba........................................................................8

Áreas com Potencias para criação de Novas Unidades de Conservação....................................9


MEIO AMBIENTE » ZONEAMENTO ECOLÓGICO ECONÔMICO DO ESTADO DA
PARAÍBA.................................................................................................................................10
Características do Estado da Paraíba .......................................................................................10
CARACTERÍSTICAS DA URBANIZAÇÃO NA PARAÍBA...............................................12
.....................................................................................................................................................12
.....................................................................................................................................................13
ESPAÇO URBANO E TERCIÁRIO: UM OLHAR GEOGRÁFICO.....................................15
.....................................................................................................................................................16
ZONA DA MATA PARAIBANA: REESTRUTURAÇÃO DO SETOR SUCRO-
ALCOOLEIRO, REFORMA AGRÁRIA E PAISAGEM RURAL ........................................29
.....................................................................................................................................................29
.....................................................................................................................................................29
TRABALHO, AMBIENTE E SAÚDE: um estudo da relação entre processos produtivos,
recursos hídricos e risco à saúde ..............................................................................................40
HISTÓRIA DA PARAÍBA 1.......................................................................................................47
HISTÓRIA DA PARAÍBA 2.......................................................................................................68
A PARAÍBA NO PERÍODO COLONIAL – 67......................................................................69
A PARAÍBA DURANTE O IMPÉRIO ..................................................................................69
A PARAÍBA E A PRIMEIRA REPÚBLICA..........................................................................69
A CONQUISTA DA PARAÍBA..............................................................................................69
A CONQUISTA DO SERTÃO PARAIBANO
..................................................................................................................................................69
AS NAÇÕES INDÍGENAS DA PARAÍBA
..................................................................................................................................................69
OS HOLANDESES NA PARAÍBA
..................................................................................................................................................69
A ESCRAVIDÃO NA PARAÍBA
..................................................................................................................................................69
AS LUTAS NATIVISTAS NA PARAÍBA
..................................................................................................................................................69
A REVOLUÇÃO DE 30 E A PARAÍBA
..................................................................................................................................................69
O MOVIMENTO DE 64 E A PARAÍBA
..................................................................................................................................................69
A IMPRENSA NA PARAÍBA
..................................................................................................................................................69
A IGREJA NA PARAÍBA
..................................................................................................................................................69
Geografia e História da PB 2

A INQUISIÇÃO NA PARAÍBA
..................................................................................................................................................69
A MAÇONARIA NA PARAÍBA
..................................................................................................................................................69
A PRODUÇÃO LITERÁRIA NA PARAÍBA
..................................................................................................................................................69
HISTORIOGRAFIA E HISTORIADORES PARAIBANOS
..................................................................................................................................................69
PRESENÇA PARAIBANA NA CONQUISTA DO RIO GRANDE
..................................................................................................................................................70
A PARAÍBA E A PRIMEIRA REPÚBLICA........................................................................101
Wilson Nóbrega Seixas:.........................................................................................................155
Humberto Cavalcanti de Mello:.............................................................................................156
A MÃO-DE-OBRA ESCRAVA NOS ENGENHOS.............................................................169
Expositor: Hélio Nóbrega Zenaide (Sócio do Instituto Histórico, pesquisador, jornalista):..274
...............................................................................................................................................274
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GEOGRAFIA DA PARAÍBA

Mesorregiões da Paraíba
A Paraíba é um diamante incrustado no Nordeste. A alusão a uma pedra preciosa reafirma a riqueza
natural que o Estado possui e as peculiaridades que caracterizam cada uma de suas quatro
mesorregiões:
Sertão Paraibano Borborema Agreste Paraibano Mata Paraibana

Mesorregião do Sertão Paraibano - é um prato cheio para quem procura aventura e mistério.
Religiosidade cultura e ciência se misturam em roteiros de grande beleza plástica. Achados
paleontológicos de mais de 130 milhões de anos fazem do Vale dos Dinossauros, em Sousa, um lugar
único no mundo. Ali, em meio ao solo rachado e transformado em pedra pelo tempo, centenas de
pegadas registram a época em que os gigantes disputavam territórios. Em Vierópolis, cidadezinha a
apenas 20 quilômetros de Sousa, sítios arqueológicos e trilhas pela Caatinga são boas dicas para quem
busca um pouco mais de aventura. Outras opções interessantes na região são as águas termais de
Brejo Das Freiras, as rochas que compõe a Serra de Teixeira – incluindo aí o ponto culminante do
Estado – e o belo artesanato local, a exemplo das famosas redes de São Bento. Destaques para a
Fazenda Acauã, localizada no município de Aparecida. A fazenda, recentemente restaurada, é uma das
mais antigas da Paraíba.
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Mesorregião da Borborema - Em cidades como Prata, Sumé, Serra Branca, Boqueirão e Cabaceiras,
a vida desafia a cinza vegetação da Caatinga e revela roteiros de extrema importância cientifica. No
Lajedo de Pai Mateus, município de Cabaceiras, os turistas podem apreciar de perto todo o capricho da
natureza. O lugar é hoje visitado por gente do mundo inteiro, todos curiosos em decifrar os enigmas
escondidos nas rochas. O Lajedo ficou famoso ao servir de cenário para o filme o Auto da
Compadecida, Pai Mateus na verdade foi o nome de um antigo ermitão que durante muitos anos residiu
sobre as pedras. Muitos séculos antes, no entanto, índios já haviam deixado suas marcas por ali.
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Mesorregião do Agreste Paraibano - Na medida que nos afastamos do Litoral em direção ao interior,
serras e vales férteis apresentam roteiros que unem história, natureza e diversão. Em Campina Grande,
no Alto da Serra da Borborema, o “Maior São João do Mundo” atrai milhares de turistas para 30 dias de
forró. Em Fagundes a famosa pedra de Santo Antonio, palco de peregrinações religiosas em
homenagens ao “santo casamenteiro”, é hoje uma das mais procuradas áreas para a prática de Treking.
Em Ingá encontraremos as Itacoatiara (pedras riscadas, em Tupi), a mais enigmática presença indígena
no Nordeste.

Mesorregião da Mata Paraibana - Sol e praia. Essa perfeita combinação parece ser a marca
registrada do turismo na Paraíba. Para quem busca agitação, as praias urbanas de João Pessoa são a
melhor opção. Além da estrutura de bares, restaurantes, e feiras de artesanato, o turismo encontra
ainda passeio de barco até os recifes que acompanham quase toda a extensão da cidade. Um dos
lugares mais visitados na capital é a Ponta do Seixas, o trecho de praia que mais se aproxima do
continente africano em toda a América do Sul. Em Lucena, Baía da Traição, Mataraca e Barra de
Mamanguape (litoral norte), aldeias indígenas cercadas por rios e mangues oferecem roteiros que
misturam natureza e história num doa mais preservados trechos do litoral nordestino. No sul, o
destaque é para Tambaba, primeira praia naturista do Nordeste.

esorregiões Microrregiões Relevo Climatologia


Geografia e História da PB 6

Microrregiões da Paraíba
O Litoral da Paraíba se estende por cerca de 133 quilômetros. Sua extensão vai da desembocadura
do rio Goiana - ao sul, onde se limita com o estado de Pernambuco - até o estuário do rio Guaju - ao
norte, na divisa com o Rio Grande do Norte.
Lucena, Rio Tinto, marcação, Mamanguape, Baia da Traição e Mataraca são os municípios que
englobam o Litoral Setentrional. O Litoral Sul abrange os territórios municipais de João Pessoa,
Cabedelo, Bayeux, Santa Rita, Conde, Alharanda e Pitimbu.
O relevo possui algumas características distintas: baixos planaltos sedimentares ou tabuleiros, com
falésias na fachada oceânica; a baixada litorânea é rica em dunas, restingas, lagoas e planícies aluviais,
fluvio-marinhas e estuarinas dos rios que deságuam no Atlântico.
O Litoral possui uma significativa diversidade de características econômicas:
· Agroindústria Sucro-alcooleira;
· Extração mineral - ilmenita, titanita, zirconita, cianita, calcário, granito;
· Pesca da lagosta, em Pitimbu;
· Agricultura e pecuária;
· Loteamentos para residências secundárias.
As potencialidades e belezas naturais do Litoral da Paraíba podem ser dimensionadas a partir de
aspectos ecológicos como: a Mata Atlântica, os Manguezais e as Falésias.
Onde estão as reservas de Mata Atlântica
· Santa Rita possui reservas de matas em 5,21% da área total de seu território. As mais
importantes são Pau-brasil, Pacatuba e Gargaú.
· João Pessoa possui 15,22 quilômetros de áreas recobertas pela Mata Atlântica, o que
corresponde a 7,21% de sua superfície de 210,8 Km quadrados. A Mata do Buraquinho, com uma área
de 515 hectares, que se localiza às margens do Rio Jaguaribe, é mais importante de todas.
· É na cidade de Mamanguape onde se encontra a maior área contínua de Mata Atlântica do Brasil,
na bacia do rio Grupiúna: a reserva de Guaribas, com 4.321 hectares.
· A Estação Ecológica do Pau-Brasil, também situada em Mamanguape, com 82 hectares, ganhou
essa denominação porque, nessa reserva de Mata Atlântica, predomina a espécie pau-brasil.
· Remanescentes de Mata Atlântica também estão localizados no município de Rio Tinto e
constituem a Mara do Rio Vermelho, com uma área de 1.500 hectares.
· Existem ainda reservas de crescimento secundário de Mata Atlântica distribuídas nos municípios
de Santa Rita, Mamanguape e Rio Tinto, numa área total de 147,02 quilômetros quadrados, localizadas
na Usina Monte Alegre.
· A Mata do Amém, que fica no município de Cabedelo é outra importante reserva de mata de
transição, onde se encontram espécies de Mata Atlântica e uma exuberante mancha de Floresta de
Restinga.
Onde se encontram os Manguezais
Na Paraíba os manguezais se associam aos estuários e planícies de maré, que ocupam a porção
terminal dos rios que deságuam no Atlântico. Pequenas ocorrências também se registram em torno das
lagoas lotirâneas e em desembocaduras de riachos barrados por cordões arenosos acumulados pela
ação do mar, denominadas, regionalmente, de maceiós.
Nos manguezais paraibanos se encontram espécies como mangue vermelho, mangue-de-botão ou
mangue cinzento, mangue siriúba, mangue manso ou branco.
Onde se encontram as Falésias
Vinte e seis, dos 133 quilômetros de extensão do litoral paraibano, são ocupados por falésias ativas
ou inativas.
As falésias emprestam deslumbrante beleza a extensas faixas do litoral paraibano. Elas adornam
planícies litorâneas de largura variável. Essas escarpas que resultam, principalmente, da erosão
marinha, têm maior ocorrência nas praias de Tambaú, Lucena, Baia da Traição e Pitimbu.
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Nas praias do Arraial, Coqueirinhos e Cabo Branco, ocorrem falésias ativas, que chegam a
desaparecer durante as marés cheias.
Aspectos do relevo paraibano
A maior parte do território paraibano é constituída por rochas resistentes, bastante antigas, que
remontam a era pré-cambriana com mais de 2,5 milhões de anos.
Elas formam um complexo cristalino que favorecem a ocorrência de minerais metálicos, não
metálicos e gemas. Os sítios arqueológicos e paleontológicos, também resultam da idade geológica
desses terrenos.
O Planalto da Borborema é o elemento mais marcante do relevo do Nordeste. Na Paraíba ele tem um
papel fundamental no conjunto do relevo, rede hidrográfica e nos climas. As serras e chapadas atingem
altitudes que variam de 300 a 750 metros.
A Serra de Teixieira é uma das mais conhecidas, com uma altitude média de 700 metros, onde se
encontra o ponto culminante da Paraíba, a saliência do Pico do Jabre, que tem uma altitude de 1.010
metros acima do nível do mar, e fica localizado no município de Matureia.
Climatologia paraibana
Os climas da Paraíba estão relacionados com a localização geográfica: quanto mais próximo do
litoral mais úmido e quanto mais distante mais seco.
- O clima tropical quente-úmido é característico do litoral, onde se registra uma temperatura média
anual de 26°C e umidade relativa do ar de 80%.
- Na depressão o clima adquire características de sub-umidade com temperatura média anual de
27°C.
- No brejo as temperaturas variam de 22°C a 15°C e umidade relativa do ar de 85%.
- Depois do Brejo o clima é semi-árido com temperaturas variáveis entre 26°C e 20°C e a umidade
relativa do ar não ultrapassa 75%.
- O clima quente e semi-úmido com temperatura média anual de 27°C e umidade relativa do ar de
70% predominam no pediplano sertanejo.

MEIO AMBIENTE
Situação do PNMAII na Paraíba
Em atendimento à dinâmica de implantação deste Programa, especificamente no
componente GESTÃO INTEGRADA DE ATIVOS AMBIENTAIS do PNMA II foram
realizadas diversas discussões com técnicos da SEMARH e da SUDEMA, em conjunto com
representantes do MMA e consultores contratados para este fim, com vistas a analisar as
prioridades ambientais e definir áreas potenciais (ver mapa) para os projetos estaduais de
gestão integrada do Estado da Paraíba, cujos resultados estão contidos no documento
"PRIORIDADES AMBIENTAIS DO ESTADO DA PARAÍBA".
Quanto ao Subcomponente Licenciamento Ambiental, foi desenvolvido projeto para o
fortalecimento do Sistema de Licenciamento Ambiental do Estado do Paraíba - SELAP,
envolvendo o desenvolvimento de instrumentos e mecanismo para organização e agilização
de procedimentos de gestão ambiental; aumento da sustentabilidade do SELAP;
implementação para desempenho mais eficiente das ações de fiscalização; concepção,
experimentação e implementação de estratégia de descentralização; organização de SIG
(Sistema de Informações Georeferenciadas) em interface com banco de dados abrangendo
informações de caráter técnico e gerencial. Foi escolhido como área piloto, os municípios
de Conde, Alhandra, Pedras de Fogo, Pitimbú e Caaporã.
Os Subcomponentes Monitoramento da Qualidade da Água e Gerenciamento Costeiro serão
objetos de estudos posteriores, conforme determinação da Unidade de Coordenação Geral.

MEIO AMBIENTE » UNIDADES ESTADUAIS DE CONSERVAÇÃO


As Unidades de Conservação são porções do território nacional, incluindo as águas
territoriais, com características naturais de relevante valor, de domínio público ou de
propriedade privada, legalmente instituídas pelo Poder Público com objetivos e limites
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definidos, sob regimes especiais de administração, os quais aplicam-se garantias de


proteção.
Cada Unidade de Conservação recebe o manejo ambiental adequado para assegurar suas
características naturais, ou seja: manter a diversidade natural, conservar os recursos
genéticos e hídricos, favorecer a pesquisa científica, manejar os recursos florestais,
promover a educação ambiental, o lazer, assegurar a qualidade ambiental e o crescimento
econômico regional.
A SEMARH através da SUDEMA vem ampliando a cada dia o seu trabalho nas Unidades de
Conservação. Isto significa a preservação do que temos de mais relevante em termos
paisagísticos, belezas cênicas e recursos naturais, almejando o desenvolvimento
sustentável. Atualmente a Paraíba conta com oito Unidades Estaduais de Conservação,
sendo quatro parques, duas reservas ecológicas, um monumento natural e um jardim
botânico.

Unidades de Conservação do Estado da Paraíba


Reserva Ecológica Mata do Pau-Ferro
607,0
Areia
Mata Atlântica
Reserva Ecológica Mata do Rio Vermelho
1.500,0
Decreto N.º 14.835
19/10/92
Rio Tinto
Mata Atlântica
Parque Pico do Jabre
500,0
Decreto N.º 14.834
19/10/92
Matureia e Mãe D'água
Mata Atlântica
Monumento Natural Vale dos Dinossauros
40,0
Decreto N.º 14.833
19/10/92
Souza
Caatinga
Parque Estadual Pedra da Boca
157,3
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Decreto N.º 14.889


07/02/00
Araruna
Caatinga
Parque Estadual Marinho de Areia Vermelha

Decreto N.º 21.263


07/02/00
Cabedelo

Jardim Botânico Benjamim Maranhão


329,4
Decreto N.º 21.264
07/02/00
João Pessoa
Mata Atlântica
Parque Estadual da Mata do Xém-Xém
182
Decreto N.º 21.262
07/02/00
Bayeux
Mata Atlântica

Áreas com Potencias para criação de Novas Unidades de


Conservação

A Paraíba possui uma grande diversidade de paisagens distribuídas entre áreas úmidas
(Manguezais, Cerrado, Mata da Restinga, Mata Atlântica, Brejos de Altitudes e Matas
Serranas) e áreas semi-áridas, com cobertura florestal de caatinga, apresentando uma
estratificação entre a caatinga arbórea fechada das serras à caatinga arbustiva aberta.
Após a conclusão do mapeamento e diagnóstico florestal a estado vem selecionando áreas
que apresentam potencialidades para a criação de novas Unidades de Conservação dentre
elas já em face de levantamentos de campo e estudos encontram-se selecionadas as
seguintes áreas
Parque do Cabo Branco - João Pessoa
Mata da Usina São João - Santa Rita
Mata do Triunfo - João Pessoa
Mata Engenho Socorro - Areia, Alagoa Grande
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Mata de Cabedelo - Cabedelo
Sítio Arqueológico de Pai Mateus - Boa Vista
Mata do Jacarapé - João Pessoa
Mata do Aratú - João Pessoa
Mata do Açude dos Reis - Santa Rita
Pedra do Ingá - Ingá
Fazenda Junco - Areia
Fazenda Lagoa da Cruz - Remígio
Mata da Jussara - Areia
Fazenda Craibeiras - B. de Santa Rosa
Fazenda Riacho da Cruz - B. de Santa Rosa
Mata de Monteiro - Monteiro
Serra do Jabitacá - Monteiro (nascente do rio Paraíba)
Serra dos Sucurus - Sumé
Serra Branca - Serra Branca
Serra do Caturité - Boqueirão
Serra Santo Antonio - Piancó
Mata Esc. Agrícola de Souza
Fazenda Pedra Cumprida - Sumé
Mata de Mangabeira - João Pessoa
Área de Proteção Ambiental Tambaba - Conde
Área de Proteção Ambiental das Onças - São João do Tigre
Reserva Ecológica Estadual de Goiamunduba - Bananeira

MEIO AMBIENTE » ZONEAMENTO ECOLÓGICO ECONÔMICO DO


ESTADO DA PARAÍBA
O Zoneamento Ecológico e Econômico do Estado da Paraíba objetiva nortear uma política
para desenvolver a região dos Cariris Paraibano, através da ordenação territorial e
preservação dos recursos naturais. Além dessas atividades, o ZEE também vai elaborar e
executar estudos integrados dos recursos naturais, visando o desenvolvimento sustentável,
e evitando o êxodo rural e o processo de desertificação que se instala na sub-região.

Características do Estado da Paraíba


O Estado da Paraíba possui 56.372 Km², distribuídos entre 223 municípios. Situa-se entre
as Coordenadas Geográficas de 6º 02' 12' e 8º 19' 18' Lat. Sul e 34º 45'45' de Long.
Oeste.

É um dos menores estados do Brasil, porém com uma notável variação de paisagem
natural.

Rios perenes e intermitentes; vegetação que varia desde a formações florestais até a
caatinga herbácea; relevo marcado por planícies, planaltos, serras e vales.
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Esta diversidade natural, excita a diferentes formas de uso, levando a uma convivência
nem sempre pacífica entre práticas convencionais e modernas.
O quadro sócio-econômico é marcado pela pobreza absoluta na maior parte da população
paraibana.

A área escolhida como prioritária para iniciar o ZEE, está inserida na região semi-árida do
estado, envolvendo duas microrregiões; o Cariri Oriental e Cariri Ocidental, totalizando 25
municípios.
Os Cariris Paraibanos
Os Cariris paraibanos ocupam uma área de 1.124.080 hectares, abrangendo 25 municípios.
Constitui-se de uma porção expressiva da Zona Semi-árida do Estado, podendo ser
chamada de uma sub-região, com clima, solos e vegetação típicos do Semi-árido,
tradicionalmente dedicada à produção de algodão, sisal, milho e feijão. Conta, por outro
lado, com uma produção pecuária, economicamente importante, especificamente, de
bovinos de leite e corte, caprinos e ovinos deslanados.

Local: Serra Branca.


Caatinga Antropizada. Cariris Paraibanos, região inserida para o zoneamento ecológico
econômico.

As atividades agrícolas, caracterizam-se no geral pelo baixo nível tecnológico, salvo alguns
pequenos projetos de irrigação onde são explorados hortaliças como o tomate e o
pimentão.

A rede hidrográfica, como em qualquer região, semi-árida, é carente de cursos d'água


permanentes. O principal curso d'água é o Rio Paraíba com a bacia do Rio Taperoá que
percorre quase toda a sub-região.
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Local: Serra Branca.


Relevo Residuais da área dos cariris.

Com relação aos recursos minerais, nesta porção existe a maior concentração das
ocorrências minerais do Estado de Caulim e Sheelita.

Devido a grande riqueza de recursos existentes nos Cariris Paraibanos, o projeto de


Zoneamento Econômico e Ecológico do Estado da Paraíba pretende conservar e preservar a
área e a relação homem-natureza.

Local: São João do Cariri.


Leito do Rio Paraíba, intermitente, no qual a população ainda utiliza-se de pequenas
cacimbas.

CARACTERÍSTICAS DA URBANIZAÇÃO NA PARAÍBA

Lígia Maria Tavares da Silva


Mestre em Geografia, Profa. do Departamento de Geociências/UFPB

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RESUMO: O processo de urbanização na Paraíba é aqui analisado em sua relação com a


dinâmica econômica regional e nacional, destacando as políticas públicas intervencionistas
enquanto principais agentes de promoção da modernização no Estado. O estudo revela, por
sua vez, que a modernização concentrou a riqueza em poucas cidades paraibanas, em
detrimento do grande número das pequenas e pobres cidades, que são a maioria no
Estado.

I. INTRODUÇÃO

A análise do processo histórico de urbanização na Paraíba, ou seja, a origem e a evolução das cidades, deve levar
em consideração não só a dinâmica econômica estadual mas também as dinâmicas regionais, nacionais e em alguns
casos, internacionais.
No Brasil, de uma maneira geral, até o final do século XIX, a evolução dos núcleos urbanos se dava em
conformidade com a atividade econômica estabelecida a partir dos interesses coloniais e imperialistas que, de
acordo com a Divisão Internacional do Trabalho, determinavam o que devia ou não ser produzido, cabendo à Igreja
a função reguladora da vida social.
Na Paraíba, o processo de ocupação do território se deu primeiramente em função da produção do açúcar, que
beneficiou especificamente as cidades que se encontravam próximas aos campos de cultivo da cana de açúcar, e
que tinham um porto para escoar a produção. Destacam-se durante os séculos XVI e XVII a cidade da Parahyba
(João Pessoa), com o porto do Capim e Mamanguape, que até o final do século XIX era um importante centro
comercial e cultural em função de seu porto.
Ao processo de ocupação do interior, corresponde o aparecimento de povoados que iriam, posteriormente, com a
atividade do gado e do algodão, se tornarem cidades. O sertão do Piancó agrupara as principais vilas do interior nos
séculos XVII e XVIII. Piancó foi a primeira localidade do sertão da Paraíba oficialmente com categoria de
povoação.
Do ponto de vista comercial, as feiras se constituem na forma de comércio mais tradicional do Estado e tiveram
uma importância histórica relevante na formação de povoados, sobretudo as feiras de gado. Muitas cidades do
interior tiveram sua origem como ponto de parada dos tangerinos que tangiam boiadas do sertão para o litoral.
Podemos citar Campina Grande, Areia, Itabaiana, Taperoá, Santa Luzia, Monteiro e outros centros de zona.
Campina Grande é a segunda cidade mais importante do Estado. Situada na região do Agreste, a sua ocupação está
relacionada ao declínio da agro-indústria canavieira a partir do século XVII. A feira de gado, inicialmente, e o
comércio do algodão conjugado com a ferrovia, posteriormente, deram um grande impulso econômico à esta cidade
que, até a década de sessenta era a mais importante do Estado.
Patos surge posteriormente e passa a ter importância, de fato, a partir do início do século XX, pela sua condição de
"passagem obrigatória" para quem vai para o sertão, sendo ainda hoje a função de entroncamento rodoviário
bastante significativa para a dinâmica urbana local. De acordo com a classificação urbana elaborada pelo IBGE,
Patos é a terceira mais importante cidade do Estado.
A partir do período republicano, no final do século XIX, a urbanização deixa de ser apenas um processo de
adensamento populacional em determinados núcleos, para se tornar um elemento de um processo mais amplo: a
modernização. Tal processo, entre outras coisas, acaba por ocasionar alterações nos costumes e hábitos das
populações locais, ao serem introduzidas novas ideologias, a partir dos meios de informação, cultura e lazer que
veiculavam práticas e costumes tidos como "civilizados", sendo suas origens, européias.
A urbanização, por sua vez, passa a ser um processo mais complexo, trazendo para as cidades a necessidade da
implantação de infra-estrutura urbana (serviços de iluminação pública, água, saneamento, vias e transporte
coletivo), sistema educacional (de base acadêmica européia) e os meios de informação por onde as influências
inovadoras penetram, como teatros, museus, bibliotecas, jornais, agremiações, partidos políticos e outros,
diversificando a vida urbana, antes centrada nas atividades religiosas.
A cidade se abre para as pessoas, surgindo as praças e os coretos. O modo de vida urbano na Paraíba se caracteriza
a partir deste período nas cidades onde a elite urbana comandava a política local. As cidades da Paraíba que se
destacaram entre o final do século XIX até a década de trinta foram: João Pessoa, Campina Grande, Itabaiana,
Geografia e História da PB
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Guarabira e Princesa Isabel. João Pessoa por ser sede administrativa e religiosa; Campina Grande pelo intenso
comércio com Recife, sendo centro comercial e industrial; Itabaiana pela feira de gado e por ter sido beneficiada
com um ramal da rede ferroviária, ligando-se à Recife, assim como Guarabira; e Princesa, por ter sido porta de
escoamento dos produtos do alto sertão para Pernambuco além de abrigar funcionários e engenheiros, a partir da
política de construção de açudes, beneficiando-se com uma dinamização nas atividades de serviços.
De uma maneira geral, o Sertão, apartado da sede administrativa estadual e das benesses da modernidade, resiste às
inovações. Cajazeiras, no entanto, merece um destaque especial pela sua importância cultural, cuja influência era
exercida por toda a região, sobretudo durante o século XIX, com a escola do mestre iluminista Padre Rolim.
Outro aspecto relativo à modernização no Estado da Paraíba foi a entrada de capital. Inicialmente o capital
estrangeiro, para a construção da rede ferroviária, e posteriormente o capital nacional, para a construção de açudes
nas áreas secas através do IFOCS (Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas). A construção da rede ferroviária,
por sua vez, não atendeu às necessidades de interligação do território paraibano, o que viria a favorecer o pequeno
produtor, mas acentuou o processo de espoliação dos recursos estaduais pelo Estado de Pernambuco, visto que as
linhas férreas convergiam para a capital pernambucana, pela importância comercial de seu porto.
Sendo assim, podemos concluir que o tipo de modernização introduzida no Estado não resultou em melhoria de
vida para a população local, sobretudo para os pequenos produtores. Os beneficiados foram os comerciantes das
cidades citadas, os fazendeiros de gado e algodão e principalmente os negociantes de Recife, caracterizando um
processo de ascensão da elite urbana ante a elite rural. Permaneceu, no entanto, a estrutura de poder oligárquico que
privilegia a parentela como prática política, em detrimento da maioria da população, e que persiste até os dias
atuais. Por outro lado, muitas cidades se beneficiaram com melhorias na infra-estrutura e nos serviços urbanos.
A desvantagem que a Paraíba sofria na comercialização com Pernambuco, o presidente João Pessoa quis combater,
no final dos anos 20, com o apoio da elite urbana, ao defender que a Paraíba deveria comercializar e exportar o que
produzia. As inimizades políticas decorrentes de suas ações determinariam a sua morte, que por sua vez serviria de
estopim para o movimento revolucionário de 1930.
A partir deste período, houve uma aceleração do desenvolvimento urbano das cidades da Paraíba, marcado
sobretudo pela maior participação e intervenção do Governo Federal e, sobretudo, pela influência dos políticos
locais junto ao Governo Federal. Podemos destacar o papel do DNOCS (Departamento Nacional de Obras Contra
as Secas), a partir do qual muitas cidades, sobretudo no sertão, receberam a instalação de açudes, rodovias e infra-
estrutura urbana, e posteriormente o da SUDENE (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste), cuja
influência intervencionista se deu sobretudo nas cidades de Campina Grande e de João Pessoa, através da
instalação de infra-estrutura rodoviária e dos respectivos Distritos Industriais.
Por volta de 1950 o ciclo do algodão se fez presente em 70% do território paraibano, levando à ampliação da malha
ferroviária, que logo entrou em decadência com a implantação das estradas de rodagem, conforme a orientação da
política centralizadora do governo de Getúlio Vargas, viabilizada intensamente no governo militar.
A meta do governo de Vargas era facilitar o escoamento da produção do parque industrial paulista, que nascia
conforme o modelo de substituição de importações, vindo a transformar o Brasil, de país agrário exportador, para
país industrial. Os impactos desta política ao nível estadual foram muitos. Foi a partir da década de cinquenta que
muitas pequenas indústrias locais começaram a falir por não suportarem a concorrência com os produtos do Centro-
Sul. As feiras, por outro lado, passam a introduzir produtos industrializados em detrimento dos artesanais,
perdendo as características culturais peculiares, tornando-se aos poucos grandes camelôs, até porque passam a
servir de "bicos" para os desempregados e os sem-terras. As feiras de gado deixam de existir na medida em que a
comercialização vai se dando das fazendas aos frigoríficos a partir da implantação das rodovias. A disparidade
regional acentua-se, ficando o Nordeste à margem do processo de desenvolvimento industrial do Sudeste.
As cidades mais importantes do Estado, na metade do século XX, eram as que beneficiavam e/ou comercializavam
algodão, como Cajazeiras, Souza, Campina Grande, Patos, Monteiro, Piancó, Itabaiana e João Pessoa. Rio Tinto,
no litoral, surgiria em 1924 como comunidade industrial a partir do estabelecimento da Companhia de Tecidos Rio
Tinto do Grupo Lundgren, uma família de origem sueca que ainda hoje possui grandes extensões de terras no litoral
nordestino. A cidade, por sua vez, entrou em decadência com o fechamento da fábrica.
Entre os anos 50 e 80, atividade canavieira passou a ser largamente introduzida na região do Brejo, destacando-se
as seguintes cidades: Areia, Bananeiras, Pirpirituba e Remígio, sendo Areia a mais importante por apresentar o
maior número de Engenhos e a Escola de Agronomia do Nordeste (UFPb – Campus Areia). No Litoral, Santa Rita
e Cruz do Espírito Santo vinham desempenhando a mesma função com a produção de açúcar, rapadura e
aguardente.
Em função da política urbana centralizada do Governo Federal, a partir dos anos 60, e num momento de elevada
aceleração da população urbana, através das migrações campo-cidade, a especulação imobiliária passou a ser a
Geografia e História da PB
15
mola propulsora dos investimentos e consequentemente das distorções na ocupação dos espaços urbanos, visíveis
na paisagem das principais cidades do Estado. Há pouco investimento em infra-estrutura urbana de saneamento e
pavimentação, originando uma organização espacial desigual caracterizando um acentuado contraste entre áreas
nobres e as favelas, entre os vazios urbanos e as áreas ocupadas.
João Pessoa, por exemplo, cresceu muito lentamente até 1960. Com a política urbana estabelecida pelo governo
militar de 1964, passou a receber investimentos para a ampliação da malha rodoviária e para construção de
conjuntos residenciais, incrementando assim os setores imobiliário e de construção civil. Além disso, foram
instalados o campus da Universidade Federal da Paraíba e o Distrito Industrial, ambos viabilizados com recursos
federais (MEC e SUDENE). As atividades terciárias foram muito dinamizadas neste processo de expansão da
cidade, que se deu nas direções sul (Cruz das Armas) e leste (praias). Com isso, Campina Grande que era, até a
década de sessenta, a principal cidade do Estado, vem perdendo posição para João Pessoa, que é atualmente a
principal cidade do Estado.
Por fim, o estudo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), que classifica as cidades paraibanas de
acordo com a população, a oferta de infra-estrutura urbana, de equipamentos, de serviços, do comércio e da
indústria, mostra que no Estado predominam os centros de menor nível e poucas são as cidades de nível médio.
Por outro lado, a população e a riqueza concentram-se nas duas maiores cidades do Estado: João Pessoa e Campina
Grande, evidenciando a má distribuição da riqueza e a pobreza generalizada, resultantes do processo histórico de
ocupação do território paraibano.

ESPAÇO URBANO E TERCIÁRIO: UM OLHAR GEOGRÁFICO

Emilia de Rodat Fernandes Moreira


Doutora em Geografia, Profa. do Departamento de Geociências e do PPGG/UFPB
E-mail: erodat@hotmail.com

Richarde Marques da Silva


Mestre em Engenharia Urbana pela UFPB e Pesquisador do LEPAN/DGEOC/UFPB
E-mail: richarde@lrh.ct.ufpb.br

Ricélia Maria Marinho da Silva


Mestre em Geografia pela UFRN

Ivan Targino
Doutor em Economia, Prof. do Departamento de Economia da UFPB

Luis Gustavo de L. Sales


Mestre em Ciências Sociais pela UFRN

Maria Gerlane de Oliveira Correia


Geógrafa e Pesquisadora do LOGEPA/DGEOC/UFPB

Wellington Rodrigues da Silva


Geógrafo e Pesquisador do LOGEPA/DGEOC/UFPB

RESUMO: Interessa a esse trabalho caracterizar o setor terciário numa cidade de médio
porte, a cidade de Bayeux, através do estudo do setor de serviços, buscando compreender
suas especificidades e verificar até que ponto esse setor atua como amortecedor para a
crise do desemprego na localidade estudada.
Geografia e História da PB
16

Por mais que variem os conceitos do que constitui uma cidade, a maioria deles concorda
em que se trata de um aglomerado de pessoas vivendo próximas uma das outras o que
permite níveis de interatividade econômica, social, política e cultural. Dessa forma, entre
outros aspectos, a cidade pode ser encarada como o locus privilegiado para a criação das
condições básicas para o desenvolvimento econômico dos setores comercial e de serviços.
Segundo Corrêa (1989), o espaço da cidade capitalista, particularmente da grande cidade
capitalista, é simultaneamente fragmentado e articulado uma vez que ele compreende uma
variedade de formas de uso da terra interligadas entre si as quais:

definem áreas, como o centro da cidade, local de concentração de


atividades comerciais, de serviços e de gestão, áreas industriais,
áreas residenciais distintas em termos de forma e conteúdo social,
de lazer e, entre outras, aquelas de reserva para futura expansão
(CORRÊA, 1989, p.7).

Estas áreas se relacionam, se articulam e se integram entre si tanto através de fluxos de


veículos e de pessoas associados às operações de carga e descarga de mercadorias, aos
deslocamentos cotidianos entre as áreas residenciais e os diversos locais de trabalho, aos
deslocamentos menos freqüentes, para compras no centro da cidade ou nas lojas do bairro,
às visitas aos parentes e amigos e às idas ao cinema, culto religioso, praia e parques, como
através das relações espaciais envolvendo a circulação de capital, salários, juros, rendas,
bem como a prática das relações de poder e ideológicas (CORRÊA, 1989). Nesse sentido,
para Corrêa (1989), o espaço urbano enquanto espaço simultaneamente fragmentado e
articulado constitui a expressão espacial de processos sociais, isto é, constitui-se num
reflexo da sociedade.
Esse espaço fragmentado e articulado é constituído por diferentes formas de uso da terra
cada uma delas podendo ser entendida como forma espacial (CORRÊA, 1989). Esta forma
espacial, porém,

não tem existência autônoma, existindo porque nela se realizam


uma ou mais funções, isto é, atividades como a produção e venda de
mercadorias, prestação de serviços diversos ou uma função
simbólica, que se acham vinculadas aos processos da sociedade.
Estes são, por sua vez, o movimento da própria sociedade, da
estrutura social, demandando funções urbanas que se materializam
nas formas espaciais (CORRÊA, 1989, p.10).

O espaço urbano tem sofrido, ultimamente, uma série de transformações decorrentes da


intensificação da globalização e da reestruturação produtiva dela decorrente. O acirramento
da competitividade tem determinado várias mudanças no cenário econômico com fortes
rebatimentos na organização espacial das cidades. Entre essas mudanças podem ser
lembradas: a realocação de unidades industriais, a terceirização da produção e o
fortalecimento do setor terciário. Além disso, observa-se o crescimento do desemprego
estrutural, de modo que o espaço urbano suporta a cada dia um número maior de
Geografia e História da PB
17
desempregados; mesmo aquelas cidades economicamente importantes também refletem
essa característica dos centros urbanos modernos, principalmente nos países
subdesenvolvidos.
No Brasil, assim como em outros países de industrialização tardia, o desenvolvimento
tecnológico refletido na automação e na robotização do processo produtivo da indústria e de
certos segmentos do setor terciário, agravou o problema do desemprego e o conseqüente
surgimento de variações das formas de ocupação no mercado de trabalho nas cidades.
Paralelamente, a modernização da agricultura e as mudanças no processo produtivo agrícola
agravaram o desemprego no campo e estimularam o êxodo rural. O resultado combinado desses
processos é expresso através do “inchaço populacional” dos centros urbanos e da sua
incapacidade de absorver o excedente populacional que já se configura como “populações
marginais”, na expressão de José Num (1978).
Desse modo, o aumento das aglomerações urbanas não coincide com a ampliação
proporcional da oferta de empregos. Ao contrário, o que se observa é a diminuição da
quantidade de postos de trabalhos no setor industrial em virtude não só da inovação
tecnológica, mas também das inovações no gerenciamento do trabalho. O setor industrial
não se constitui na matriz de dinamização do emprego urbano. Nesse cenário, o setor
terciário cresce em decorrência de pelo menos três fatores: a) pela absorção de postos de
trabalho que foram retirados das unidades fabris pela focalização nas suas atividades
essenciais, a exemplo dos serviços de limpeza, de segurança, de comunicação etc.; b) pelo
crescimento de determinadas atividades surgidas no bojo do progresso tecnológico e; c) pela
absorção dos trabalhadores desempregados que encontram nas atividades informais o escape de
sua sobrevivência. Isto sem falar que as cidades maiores estão continuamente assediadas pelos
fluxos migratórios procedentes seja da zona rural seja das cidades de menor porte. A esse
respeito Guimarães Neto lembra que “a evolução do emprego (no setor terciário) está
intimamente associada ao processo de urbanização e ao processo migratório” (1976, p.39).
Andrade (1980) chama a atenção para o notável crescimento das atividades terciárias
no Brasil, particularmente a partir da década de 50. Ele também concorda que este
fenômeno acha-se intrinsecamente interligado ao crescimento urbano-populacional que
impulsiona a disponibilização de serviços, sobretudo no que tange às áreas sanitárias,
bancárias, educacionais, de transportes, entre outras, para fazer face ao aumento do
consumo e do bem estar da coletividade.
Santos (1979) afirma que à medida que o país se industrializa, a urbanização torna-se cada
vez mais terciária. Segundo Dweck et al. (1992, p. 444) a terceirização da economia no Brasil
do ponto de vista do emprego, assim como nos outros países capitalistas do mundo, reflete a
principal mudança estrutural ocorrida nestas economias nas últimas décadas: em todos os
países ocidentais o emprego nos serviços expandiu-se extraordinariamente.
Ao contrário do que ocorre nos países do primeiro mundo, onde o mercado de trabalho
era praticamente formalizado, não sendo expressivo o segmento informal da economia,
o crescimento do setor de serviços no mundo subdesenvolvido não é um indicador
associado direta e perfeitamente ao desenvolvimento econômico, pois, uma grande parte da
sua mão-de-obra encontra-se ocupada em atividades informais ou desempregada.
Dweck et al. (1992), retratando as facetas do setor de serviços no Brasil, ressaltam que
a expansão da terceirização em países em via de desenvolvimento como o nosso,
denota uma expressão de atraso, pois o aumento desse setor está relacionado a dois
fatores: a) falta de uma política agrária eficaz, capaz de fixar o homem na zona rural,
atuando, sobretudo, na distribuição mais justa de propriedades agrícolas e; b) a
incapacidade na criação de novos postos de trabalho, principalmente no setor industrial,
visando a absorção de uma grande parcela da população “subempregada” no setor terciário.
Geografia e História da PB
18
Nessa perspectiva, grande parcela das atividades tradicionais de
serviços seria a única possibilidade de ocupação de amplos setores
da população, portadores de baixa qualificação, significando
conseqüentemente, subemprego e exclusão social. O setor serviços
assume, assim, uma função de colchão amortecedor, muitas de suas
atividades servindo como refúgio dos desempregados da
reestruturação industrial (DWECK et al., 1992, p. 446).

Interessa a esse trabalho caracterizar o setor terciário numa cidade de médio porte, a
cidade de Bayeux, através do estudo do setor de serviços, buscando compreender suas
especificidades e verificar até que ponto esse setor atua como amortecedor para a crise do
desemprego na localidade estudada.
O estudo faz parte de uma pesquisa mais ampla desenvolvida com o apoio da Prefeitura
Municipal de Bayeux, que teve por finalidade a realização de um diagnóstico dos setores da
economia municipal e sua relação com a organização do espaço urbano. Este artigo
restringe a discussão ao setor de serviços. Para sua realização, uma série de
procedimentos e técnicas de pesquisa foi utilizada: a) levantamento bibliográfico e
documental; b) levantamento de dados secundários junto ao IBGE (censos de serviços de
1970, 1980 e 1985) e ao IDEME (anuários estatísticos de 1995 e 2000); c) trabalho de
campo que consistiu: no levantamento dos estabelecimentos de serviços existentes na
cidade; na escolha da área e do número de estabelecimentos que constituiriam a amostra
para aplicação dos questionários e na aplicação dos questionários. A amostra foi composta
por 50 estabelecimentos de serviços distribuídos no Bairro do Centro. Para determinar o
porte do estabelecimento investigado utilizou-se a metodologia adotada pelo SEBRAE para
a classificação das empresas, a partir do número de pessoas ocupadas. A partir da
utilização de um SGBD, foi gerado um banco de dados o qual foi interligado a um SIG
permitindo a geração de mapas temáticos.

1. BAYEUX, UM MUNICÍPIO PEQUENO E ESSENCIALMENTE URBANO

O município de Bayeux, com uma área de 27,5 km2, é um dos menores do estado da
Paraíba. Ele situa-se na Microrregião de João Pessoa, localizada na porção central da
Mesorregião da Mata Paraibana (v. fig. 1), a apenas 4 quilômetros da capital do Estado à
qual se interliga através de dois eixos de circulação: a Br 230 e a Avenida Liberdade.

Figura 1 - Localização do Município de Bayeux


Geografia e História da PB
19

Fonte: IDEME, 1996.

Além de sua pequena dimensão territorial, o município acha-se limitado em sua expansão
pela presença ao norte de ampla área de mangue e ao sul, pela existência de uma
importante reserva de Mata Atlântica que constitui o parque ecológico da Mata do Xém-
Xém (v. figs. 2 e 3).

Figura 2 - Vista Parcial da vegetação de mangue encontrada na planície flúvio-


marinha (margem esquerda do Rio Sanhauá) ao norte da cidade de Bayeux.

Foto: Rejane Abreu.


Geografia e História da PB
20

Figura 3 - Vista Parcial da Mata do Xém-Xém, relíquia de Mata Atlântica ao sul de


Bayeux.

Foto: Arquivo de Tarcísio Valério.

Esses limites ecológicos somados à localização geográfica na porção imediatamente a oeste


da capital, e a localização da via férrea que liga o município à capital e ao interior, podem
ser apontados como alguns dos fatores responsáveis pela forma de corredor no sentido
leste-oeste que assumiu inicialmente a ocupação do seu espaço.
Mais recentemente observa-se um avanço do tecido urbano em direção ao sul, nas
adjacências do aeroporto Castro Pinto ali localizado, através da construção de conjuntos
habitacionais ocupados por populações de baixa renda e de loteamentos que originaram
bairros de classe média. Já na área residencial do Centro, a expansão urbana foi
praticamente nula, uma vez que este bairro limita-se com a área de mangue situada ao
norte, e nas demais direções é completamente circundado por outros bairros (a leste pelo
bairro do Sesi, ao sul pela área residencial denominada Imaculada e a oeste pela
comunidade de São Lourenço).
A malha urbana municipal (v. fig 4) é composta de 14 áreas residenciais sendo oito
situadas ao norte da Br 230 e seis ao sul. A Br-230 e as avenidas Liberdade e Eugênio de
Carvalho constituem importantes eixos de circulação ao longo dos quais concentra-se um
número significativo de estabelecimentos comerciais, industriais e de serviços.

Figura 4 - Malha urbana de Bayeux


Geografia e História da PB
21

A exigüidade do território e o domínio de dois geossistemas, o de


mata e o de mangue sobre o mesmo, poderiam ter se constituído em
elementos de impedimento ao processo de ocupação humana. Não
obstante essas limitações Bayeux cresceu, constituindo-se hoje num
dos mais populosos e povoados municípios do estado, com uma
população de quase 90.000 habitantes (MOREIRA e TARGINO,
1999).

De fato, o crescimento populacional de Bayeux é inconteste. Em 1960, residiam no


município, 16.880 pessoas. Entre 1960 e 1970 a população residente cresceu 110% a uma
taxa média anual da ordem de 7,7% (v. gráfico 1 e quadro 1), algo muito superior ao
verificado para João Pessoa e para o conjunto do estado no período (3,7% a.a. e 1,6% a.a.
respectivamente). Este crescimento persiste depois de 1970, com taxas sempre altas: de
66,1% entre 1970 e 1980; de 31,2% entre 1980 e 1991 e de 8,9% entre 1991 e 1996. O
crescimento médio da população municipal entre 1970 e 1996 foi de 137% o que significa
que o contingente populacional residente em Bayeux mais do que duplicou em 3 décadas
(v. gráfico 1). Entre 1996 e 2000 a população residente em Bayeux cresceu 3,7% (v.
gráfico 1).

Gráfico 1
Geografia e História da PB
22

Fonte: IBGE. Censos Demográficos de 1960, 1970, 1980, 1991, 2000. Contagem da População de 1996.

Esta população é dominantemente urbana e a taxa de urbanização vem crescendo


constantemente, tendo passado de 97,7% em 1970, para 99,7% em 1996 e 99,9% em
2000 (v. gráfico 2). Nesse período a população urbana aumentou 151,7%, passando de
34.636 habitantes em 1970, para 87.298 habitantes em 2000 (v. quadro 1 e gráfico 2).

Quadro 1 - BAYEUX -EVOLUÇÃO DA POPULAÇÃO RURAL E URBANA - 1960/1996

Fonte: FIBGE. Censos Demográficos de 1960, 1970, 1980, 1991, 2000; Contagem da População,1996.

Gráfico 2
Geografia e História da PB
23

Fonte: IBGE. Censos Demográficos de 1960, 1970, 1980, 1991, 2000. Contagem da População de 1996.

O crescimento da população urbana observado no período analisado pode ser em parte


explicado pela migração de pessoas vindas principalmente do interior do Estado,
predominantemente da área rural. Estudos como o realizado pela Fundação de Assistência
Comunitária do estado da Paraíba (FAC) (1996), junto à população residente nas
habitações subnormais existentes no município, confirmam tal assertiva. De acordo com a
mencionada pesquisa, 83,87% da população residente em habitações subnormais em
Bayeux são imigrantes oriundos de outros municípios do Estado da Paraíba (o que
representa a maior taxa de imigração verificada entre os municípios de João Pessoa,
Cabedelo, Bayeux e Santa Rita), sendo a maior parcela proveniente de municípios situados
na várzea do Rio Paraíba. São também encontrados migrantes oriundos de municípios
situados no Agreste e no Sertão, particularmente do Curimataú, do Brejo, do entorno de
Campina Grande, além de Patos, Pombal, Conceição e Catolé do Rocha. Na sua grande
maioria eles têm origem rural (63,08%).

3. PERFIL DO SETOR DE SERVIÇOS DE BAYEUX

De acordo com o censo demográfico de 1991, das 58.940 pessoas com idade superior a 10
anos residentes em Bayeux, 21.558 encontravam-se ocupadas, observando-se, portanto,
uma taxa de dependência específica da ordem de 2,7. Isto é, cada trabalhador era
responsável, em média, por 2,7 pessoas em idade ativa. O setor terciário absorvia 14.812
pessoas, representando 68,8% do total do emprego municipal. Esse número dá a dimensão
da importância do setor na economia municipal. Essas pessoas estavam distribuídas pelos
sub-setores da seguinte maneira: prestação de serviços – 4.641; comércio de mercadorias
– 4.288; atividades sociais – 2.222; administração pública – 1.826; transportes e
comunicações – 1.238; serviços auxiliares da atividade econômica – 305 e; outras
atividades – 292.
Diante da importância do setor terciário mostrada pelos dados censitários, a pesquisa de
campo procurou traçar um perfil mais detalhado do setor, como será visto a seguir.
Geografia e História da PB
24
Em 2001, a pesquisa por nós realizada identificou 1.151 estabelecimentos de serviços
distribuídos pela malha urbana de Bayeux segundo as seguintes categorias de serviços:
alojamento e alimentação (bares, lanchonetes, hotéis e motéis); diversão; prestação de
serviços em educação; prestação de serviços em saúde; prestação de serviços pessoais
(salão de beleza, manicure e pedicure, serviços religiosos, cabeleireiro(a) e barbearia.) e
serviços de reparação-manutenção e conservação (oficinas mecânicas, eletro-eletrônicas,
oficinas de bicicletas, borracharias, conserto de eletrodomésticos e serviços de costura) (v.
figura 5).
A distribuição das atividades de serviços no espaço urbano de Bayeux se dá de forma
diferenciada segundo os tipos de serviços e a estratificação social refletida no espaço
através da renda fundiária. Assim, a via de circulação compreendida pela articulação das Br
230/101 possui uma maior concentração de estabelecimentos de serviços de manutenção-
reparação e conservação.
A distribuição dos estabelecimentos de serviço de educação está concentrada na porção
norte da cidade, nas áreas de ocupação mais antiga (v. fig. 5). Os estabelecimentos de
serviços de saúde (hospitais, postos médicos, clínicas médicas e laboratórios de análise)
além de pouco numerosos concentram-se em apenas três bairros. Já os estabelecimentos
de serviços de alimentação (bares, lanchonetes, etc.) e de serviços pessoais têm uma
distribuição mais homogênea pelos diferentes bairros da cidade, não obstante
apresentarem um certo grau de diferenciação no tocante ao porte e à qualidade dos
serviços prestados (v. fig. 5).

Figura 5
Geografia e História da PB
25

Após o mapeamento dos estabelecimentos de serviço, o que permitiu a identificação de sua


distribuição espacial, a pesquisa procurou estabelecer uma configuração mais detalhada
dessa atividade a partir de uma investigação mais detalhada no bairro que apresenta a
maior representatividade de estabelecimentos de serviço presentes no espaço urbano
municipal, o Bairro do Centro. Os principais resultados são expostos a seguir.
Dos 162 estabelecimentos de serviço localizados no bairro do Centro foram investigados
50, ou seja, 30,9% do total. Constatou-se que predominam os serviços pessoais (36 % do
total), seguidos dos serviços de manutenção, conservação e recuperação (34% do total) e
os estabelecimentos de alojamento e alimentação (20% do total). Os serviços de diversão
e de educação são menos numerosos. Somados representam apenas 8% do total dos
estabelecimentos investigados. Dentre os empreendimentos de serviços pessoais
analisados, destacam-se os seguintes: cabeleireiro (26,3%); costura em geral (10,5%);
serviços de fotografia (10,5%); manicure e pedicure (10,5%). Dos estabelecimentos de
serviços de manutenção, conservação e recuperação sobressaem as oficinas mecânicas
(26,7%), consertos de bicicletas (13,3 %) e consertos de geladeiras (13,3 %).
São diversos os fatores que contribuíram para a instalação dos estabelecimentos de
serviços no município. Dentre os mais citados, pode-se relacionar em ordem decrescente
de importância os seguintes: a) necessidade de manutenção da família; b) habilitação
profissional do responsável pelo estabelecimento; c) falta de estabelecimentos ou de
profissionais do ramo no local; d) falta de emprego e; e) ampliação da renda familiar.
Geografia e História da PB
26
No que se refere ao pessoal ocupado nos estabelecimentos de serviço situados no Bairro do
Centro, tem-se que os estabelecimentos pesquisados ocupam 155 pessoas o que equivale
em média a 3,1 trabalhadores por estabelecimento. Com efeito, a quase totalidade dos
estabelecimentos (46) tem menos de nove empregados, podendo ser caracterizados como
micro unidades produtivas, segundo o critério do SEBRAE. Apenas um estabelecimento com
mais de 50 trabalhadores, a Viação Rio Tinto, insere-se entre os pequenos
estabelecimentos de serviço, segundo a metodologia citada anteriormente. Das 155
pessoas ocupadas 47 fazem parte da família dos proprietários (30,3%). Estas trabalham
em 22 dos 50 estabelecimentos pesquisados. Quando se levantou o grau de parentesco dos
familiares ocupados nos estabelecimentos verificou-se a predominância dos filhos, seguidos
dos cônjuges, irmãos, primos e sobrinhos.
Do total de trabalhadores ocupados nos estabelecimentos 48,2 % percebem de 2 a menos
de 3 salários mínimos (55 trabalhadores). Grande parte desse pessoal trabalha na empresa
de ônibus Rio Tinto. Chama porém a atenção, o número de trabalhadores que percebem
uma remuneração mensal inferior a 2 salários mínimos (42,9% do total do pessoal ocupado
que compôs a amostra). Desses, um percentual bastante significativo (de 36,8%), percebe
menos de 1 salário mínimo (42 trabalhadores). Apenas 5 estabelecimentos (10% do total)
concedem algum tipo de benefício aos trabalhadores quais sejam ticket alimentação, plano
de saúde e vale transporte.
O grande número de trabalhadores do setor de serviço que percebe menos de 1 salário
mínimo, caracteriza o que George (1970, p.224) chamou de:

desempregados parciais, multidões de biscateiros trabalhando


algumas horas por dias e alguns dias por mês para fugir à miséria,
trabalhadores ilusórios que vendem todos os dias, seja sua força de
trabalho ou até mesmo suas mercadorias.

É importante destacar que as pessoas ocupadas que percebem mais de 5 salários


coincidem com os proprietários dos estabelecimentos.
No que tange ao grau de escolaridade do pessoal ocupado a maioria dos trabalhadores
apresenta baixa escolaridade. É alto o índice de analfabetismo (22,8% das pessoas
ocupadas não sabem ler ou escrever e 27,8% não possuem o primeiro grau completo).
Apenas 1,3 % dos trabalhadores possuem o terceiro grau completo (2 trabalhadores). Esse
baixo nível de escolaridade pode estar relacionado, segundo Chahad (1992, p.511), à baixa
qualificação profissional que caracteriza a força de trabalho no setor informal. Ao se referir
ao circuito inferior da economia Santos também tece algumas considerações nesse sentido,
afirmando que

o circuito inferior constitui também uma estrutura de abrigo para os


citadinos antigos ou novos, desprovidos de capital e de qualificação
profissional [...] O ingresso nas atividades do circuito inferior
geralmente é fácil, na medida que, para isso, é mais necessário o
trabalho que o capital (1979, p.159-160).

Foi observado um elevado grau de informalidade nos estabelecimentos do setor de serviços


investigados. Dos 50 estabelecimentos objeto de pesquisa 34 (68%) declararam constituir-
Geografia e História da PB
27
se em serviço informal. Essa informalidade se expressa através de alguns indicadores tais
como: a) a forma desregulamentada do trabalho: 51,9 % dos trabalhadores não possuem
carteira assinada; b) a ausência de razão social dos estabelecimentos: 64% dos
estabelecimentos investigados declararam não possuir razão social; c) a falta de Cadastro
Geral do Comércio (CGC) junto à Prefeitura: 62% dos estabelecimentos pesquisados não
possuíam CGC nem recolhiam qualquer imposto junto ao estado ou ao município.
A maior parte dos trabalhadores residem no próprio município (140 trabalhadores) o que
representa 88,6 % do total analisado. Apenas 11,4 % não moram em Bayeux. Seus locais
de moradia ficam no entorno do município, nas cidades de Santa Rita, João Pessoa e
também em Rio Tinto. Apesar de residirem em sua maior parte na cidade de Bayeux, a
grande maioria dos entrevistados (89%) ou são naturais de outros municípios do estado ou
são filhos de migrantes, sobretudo oriundos da zona rural do Agreste e do semi-árido
paraibano.
O caráter de “estratégia de sobrevivência” da maior parte dos estabelecimentos é
evidenciado pela resposta dada ao quesito sobre o destino dos “ganhos”: 18 afirmaram que
os “ganhos são utilizados para reposição de mercadorias e manutenção da família (36 % do
total); 10 (20% do total) declararam que os ganhos destinam-se à manutenção da família,
aí incluídos gastos com pagamento de luz, água e gás; 4 (8% do total) afirmaram destinar
os ganhos tanto à reposição de mercadorias como à; 5 declararam destinar os “ganhos” só
para a reposição de mercadorias e 13 (26%), não quiseram informar.
A pesquisa confirma o que Santos (1978) já observara nos seus estudos, que os serviços
do setor terciário estão voltados para: "a sobrevivência e a garantia de satisfação das
necessidades da família no dia-a-dia a qual é a preocupação mais importante” (SANTOS,
1978, p.42).
Apenas 21 responsáveis pelos estabelecimentos mostraram interesse em capacitar o
pessoal ocupado. De acordo com a especificidade dos estabelecimentos os cursos de
capacitação para a mão-de-obra indicados variam desde curso de treinamento para garçom
a cursos de mecânica, de administração de empresa, de manicure e pedicure, de serviços
de beleza em geral, de química etc.
No que se refere à receita líquida dos estabelecimentos relativa ao ano de 2001, 26%
declararam uma receita inferior a R$ 1.000,00; 34% declararam uma receita entre R$
1.000,00 e menos de R$ 5.000,00; 8% declararam uma receita entre R$ 5.000,00 e
R$10.000,00 e 0,04% declararam uma receita acima de R$ 10.000,00; 28% dos
estabelecimentos não declararam sua receita.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base no exposto pode-se inferir que, o setor de serviços de Bayeux funciona como um
“amortecedor” e um “refúgio” para a massa de trabalhadores desocupada que não foi
incorporada aos outros segmentos do mercado de trabalho no município (o setor industrial
e comercial). Isso fica claro quando se percebe a presença significativa no seio da força-de-
trabalho, de trabalhadores com rendimentos inferiores a 1 salário mínimo e sem carteira de
trabalho assinada, bem como de proprietários dos negócios com receita líquida anual
abaixo de R$ 5.000,00 (60% dos responsáveis pelos estabelecimentos que declararam a
receita líquida de 2001). É como se não lhes restasse outra escolha para sobreviver
minimamente e aquela fonte de renda fosse indispensável para a manutenção da família.
No que tange a qualificação da mão-de-obra, o setor de serviço de Bayeux caracteriza-se
pela baixa qualificação profissional. Verificou-se com base nos dados obtidos, que os
trabalhadores não dispõem de cursos profissionalizantes e são poucos os estabelecimentos
que recebem ou receberam assessoria técnica. Essa baixa qualificação profissional está
Geografia e História da PB
28
sem dúvida relacionada ao baixo padrão de escolaridade e a baixa capacitação técnica, que
contribuem para impor limites à mobilidade social do trabalho e constituem impeditivos
para a incorporação da mão-de-obra em atividades que exigem melhor preparo. Isso
reforça a afirmativa de Cavalcanti (1983), quando diz que o setor terciário proporciona
ocupação para pessoas, que de outro modo, não teriam onde trabalhar. A literatura sobre
o setor terciário que aborda a composição do segmento informal refere-se também ao fato
dele ser formado predominantemente por trabalhadores sem sucesso, que são, na sua
maioria, pobremente educados e/ou fruto de migrações recentes do mercado de trabalho
formal (DOURADO e NEVES, 1998, p. 4). Desse modo, o segmento informal do setor
terciário se constituiria num receptáculo de pobres urbanos e da massa de migrantes
recém chegada à cidade que, sem perspectiva de obter um posto de trabalho assalariado,
refugia-se nesse setor (CACCIAMALI, 1983, p.40).
A expansão do setor terciário em um centro urbano de médio porte como Bayeux se
deve a fatores como a concentração da propriedade fundiária e a incapacidade do setor
industrial em absorver camadas consideráveis da população ativa da cidade,
principalmente aquela “expulsa” do campo. Esses fatores corroboram para tornar o setor
de serviços uma das saídas para a falta de postos de trabalho. Nessa perspectiva,
grande parcela das atividades tradicionais de serviços seria a única possibilidade de
ocupação de amplos setores da população, portadores de baixa qualificação,
significando, conseqüentemente, subemprego e exclusão social (DWECK, 2000, p. 2).
Assim, se a informalidade excessiva do setor de serviço gera, de um lado, problemas
quanto à qualidade dos postos de trabalho, por outro lado, proporciona oportunidades
de emprego para uma grande parcela da população que não consegue inserir-se no
mercado formal da economia urbana seja por falta de qualificação, seja pelo próprio
estreitamento desse mercado, cada vez mais excludente.
No que se refere aos circuitos da economia urbana, a maioria dos serviços de Bayeux
estão inseridos no circuito inferior. Para Santos (1979, p. 157), o circuito inferior é mais
comumente chamado de terciário na literatura referente à urbanização dos países
subdesenvolvidos: terciarização tornou-se a expressão consagrada para definir as
atividades e as situações de emprego resultantes de uma urbanização sem
industrialização.
É bem verdade que, segundo os dados levantados, a maioria dos serviços de Bayeux se
baseia no trabalho familiar, na baixa remuneração, no trabalho desregulamentado, no
trabalho autônomo, o que de fato configura uma situação típica do circuito inferior da
economia urbana definido por Santos (1979). Todavia, não podemos deixar de ressaltar
que além dos serviços estudados são encontrados também na cidade serviços médicos
privados, serviços de advocacia, de transporte, serviços bancários, educacionais
privados, entre outros que não podem ser inseridos de modo generalizado no circuito
inferior da economia urbana simplesmente porque fazem parte do setor terciário. Pode-
se mesmo afirmar que há uma integração dos dois circuitos, o superior e inferior
percebida através da análise das informações anteriormente explicitadas. O processo de
aquisição de equipamentos para as instalações dos serviços, o transporte de
equipamentos e produtos acaba por integrar os dois circuitos através do comércio e dos
transportes.
Faz-se mister ressaltar que a utilização da teoria dos circuitos criada por Milton Santos, em
virtude das mudanças que vêm tendo lugar na estrutura produtiva e das novas formas de
(re)produção do espaço urbano determinadas pelo desenvolvimento do capitalismo, deve
ser utilizada como ponto de partida nos estudos do terciário. A geografia como as demais
disciplinas que têm demonstrado interesse pelo tema devem retomar a discussão na busca
de novos paradigmas que consigam responder aos desafios da realidade atual.
Geografia e História da PB
29
ZONA DA MATA PARAIBANA: REESTRUTURAÇÃO DO SETOR
SUCRO-ALCOOLEIRO, REFORMA AGRÁRIA E PAISAGEM
RURAL
Emilia de Rodat Fernandes Moreira
Doutora, Profa. do Departamento de Geociências e do PPGG da UFPB
E-mail: erodat@hotmail.com

Ivan Targino
Doutor, Prof. do Departamento de Economia e do PPGE da UFPB

Richarde Marques da Silva


M.Sc. em Engenharia Urbana, Pesquisador do LOGEPA/DGEOC/UFPB
E-mail: richarde@lrh.ct.ufpb.br

Utaiguara da N. Borges
Mestrando em Engenharia Cartográfica da UFPE

Vamberto José F. de Medeiros


Bolsista Pibic/UFPB/CNPq e estagiário do LOGEPA/DGEOC/UFPB

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RESUMO: Esse trabalho faz parte do projeto “O ensino de Geografia da Paraíba: espaço agrário, uso
do solo e difusão da informação”. O recorte apresentado focaliza a reestruturação do setor sucro-
alcooleiro, o avanço da reforma agrária e seus impactos sobre a paisagem na Zona da Mata Paraibana.
Trata-se de um estudo analítico-descritivo baseado na pesquisa bibliográfica, na análise de dados
secundários e na pesquisa direta. A fonte estatística básica é o IBGE, através dos censos
agropecuários de 1985 e 1995 e das publicações da produção agrícola e da produção pecuária
municipal.

I. INTRODUÇÃO

Esse trabalho faz parte do projeto “O ensino de Geografia da Paraíba: espaço agrário,
uso do solo e difusão da informação”. O recorte apresentado focaliza a reestruturação
produtiva do setor sucro-alcooleiro e seus rebatimentos sobre a paisagem na Zona da
Mata paraibana. Trata-se de um estudo analítico-descritivo baseado na pesquisa
bibliográfica, na análise de dados secundários e no trabalho de campo. A fonte
estatística básica é o IBGE, através dos censos agropecuários de 1985 e 1995 e das
publicações da produção agrícola e da produção pecuária municipal.
Geografia e História da PB
30
O argumento principal do estudo é o de que a reestruturação produtiva do setor sucro-
alcooleiro paraibano acha-se intimamente relacionada às mudanças que tiveram lugar
na agricultura brasileira nas três últimas décadas, decorrentes do processo de
modernização da agricultura, da crise econômica vivenciada pelo país nos anos 80, da
implementação, a partir dos anos 90, de reformas neoliberais e do avanço sobre o
território da luta dos trabalhadores, que resultou na ampliação da fronteira da
agricultura familiar.

2. MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA, CRISE ECONÔMICA E POLÍTICA


NEOLIBERAL: SEUS REFLEXOS SOBRE O SETOR SUCRO-ALCOOLEIRO

A dominação do capital sobre a agricultura através da “industrialização ou modernização


agrícola”, pautada em transformações na base técnica da produção sem alteração do
regime de posse da terra, embora tenha se iniciado no Brasil na década de 50, com base
no processo de substituição de importação dos meios de produção, só irá consolidar-se
no país na década de 60, impulsionada pela política de desenvolvimento econômico
implantada pelo regime militar.

No início dos anos sessenta, que corresponde ao final da fase de


industrialização pesada no Brasil, instalam-se no país as fábricas de
máquinas e insumos agrícolas. Assim, por exemplo, são implantadas
indústrias de tratores e equipamentos agrícolas (arados, grades,
etc.), fertilizantes químicos, rações e medicamentos veterinários,
etc. Evidentemente, a indústria de fertilizantes e defensivos químicos
só poderia se instalar depois de constituída a indústria petroquímica;
a indústria de tratores e equipamentos agrícolas, depois de
implantada a siderúrgica; e assim por diante. O importante é que, a
partir da constituição desses ramos industriais no próprio país, a
agricultura brasileira iria ter que criar um mercado consumidor para
esses “novos” meios de produção. Para garantir a ampliação desse
mercado, o Estado implementou um conjunto de políticas agrícolas
destinadas a incentivar a aquisição dos produtos desses novos ramos
da indústria, acelerando o processo de incorporação de modernas
tecnologias pelos produtores rurais. A industrialização da agricultura
brasileira entrava assim numa outra etapa (SILVA, 1981, p. 27).

Três fatores concorreram para as mudanças que tiveram lugar no agro nacional, a partir de
então: o fortalecimento do Complexo Agro-industrial (CAI), a criação do Sistema Nacional
de Crédito Rural e a aceleração do processo de urbanização. Com isso, a agricultura
subordina-se cada vez mais ao capital industrial e financeiro. Ela passa a depender de
créditos bancários, articula-se como compradora e fornecedora da indústria, e ainda
encontra um mercado consumidor para seus produtos na cidade, em decorrência da
ampliação da urbanização (DELGADO, 1985). Não é mais a dinâmica do mercado interno e
externo que regula a agricultura, mas os parâmetros definidos pelo Estado para a
rentabilidade dos capitais empregados nos distintos ramos (SILVA, 1981, p.16)
Daí decorrem profundas mudanças na organização do espaço agrário com reflexos sobre a
paisagem rural. Destacam-se entre outras:
Geografia e História da PB
31

a) a intensificação da concentração da propriedade da terra;

b) as mudanças no uso do solo, a partir da expansão de culturas de exportação, como


trigo, soja, cana-de-açúcar, e da pecuária;

c) a introdução e/ou ampliação do uso de novos processos e técnicas; d) mudanças nas


relações de trabalho no sentido da ampliação do assalariamento da mão-de-obra.

Esse processo, embora tenha apresentado uma força e intensidade mais ou menos similar
em todas as regiões do país, diferenciou-se segundo as atividades desenvolvidas no
campo. Ele foi maior naquelas atividades onde a modernização incidiu de maneira mais
forte. É o caso por exemplo, da atividade canavieira.
O setor canavieiro do Brasil submetido a um longo processo de crise, com seu parque
industrial ocioso frente à escassez de mercado para o açúcar produzido, foi impulsionado
pela política de modernização agrícola implantada pelo governo militar e pela situação
crítica estabelecida no setor energético nacional com a crise do petróleo, devida à criação
da OPEP e a supervalorização conseqüente do produto no mercado internacional no início
dos anos 70. É nesse contexto que surge o Proalcool não só enquanto elemento viabilizador
da modernização agrícola do setor canavieiro, mas também como instrumento de sua
própria viabilidade.
A modernização do setor canavieiro, via Proalcool, concretizou-se através de uma forte
política governamental de incentivos fiscais e creditícios.
Com efeito,

os incentivos do Proalcool destinavam-se tanto à produção industrial


quanto à agrícola. Em relação ao segmento industrial, o Programa
financiava até 80% do valor do investimento fixo, no caso de
destilarias que utilizassem a cana-de-açúcar como matéria-prima. Os
encargos financeiros englobavam juros de 4% ao ano para as
destilarias anexas e de 3% para as autônomas na área da
SUDENE/SUDAM e uma correção monetária equivalente a 40% da
variação das Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional (ORTN).
Em relação ao setor agrícola, havia os financiamentos de
investimento para fundação ou ampliação de lavouras (preparo do
solo, plantio e tratos culturais até a primeira safra) e financiamento
de custeio para despesas relativas às socas ou às ressocas. O
programa financiou entre 80% e 100% do valor total do projeto,
cobrando juros que variavam entre 10% (custeio para o pequeno
produtor) e 26% (investimento para o grande produtor), sem
cláusula de correção monetária. Tais condições de financiamento em
uma economia sob processo inflacionário equivaliam, na verdade, a
juros negativos para a agro-indústria (MOREIRA e TARGINO, 1997,
p.105-106).
Geografia e História da PB
32
A partir de então, inicia-se uma nova fase de expansão da atividade canavieira
consubstanciada no aumento da área cultivada com a cana, no incremento da produção
do álcool e na ampliação do parque industrial com a instalação de novas destilarias de
álcool, anexas às antigas usinas, ou autônomas.
Na segunda metade da década de oitenta, observa-se uma lenta mas sistemática
desestruturação do Proalcool expressa através da redução da quantidade produzida e da
área cultivada com a cana, pela queda da produtividade e, em particular, pelo fechamento
sucessivo de usinas e destilarias. Para tanto contribuíram, de um lado, a atenuação da
crise energética que tinha sido o fator determinante para a concepção e implementação do
Programa, seja pelo aumento da produção interna de petróleo seja pela redução do poder
da OPEP e, de outro lado, os acordos do Brasil com o FMI, no bojo da crise externa
brasileira, que impunham uma revisão das políticas de subsídios do governo brasileiro,
assim como a crise financeira do estado brasileiro que o levaria a rever de forma vigorosa
os seus gastos.
À redução drástica do crédito subsidiado e abundante, elemento primordial da política
instituída pelo Proalcool, somou-se a crise financeira e fiscal, determinando a cobrança das
dívidas do setor para os cofres tanto da União como dos estados, o que representou um
abalo forte sobretudo no segmento arcaico da atividade sucro-alcooleira nordestina. Como
conseqüência, assiste-se à diminuição do nível do emprego gerado pelo setor e a
precarização das relações de trabalho.
Face ao desemprego e à precarização das relações de trabalho, a alternativa encontrada
por muitos trabalhadores canavieiros tem sido a ocupação de terras pertencentes a
fornecedores ou a usinas falidas. A luta dos trabalhadores por terra seguida da ação
fundiária do estado para solucionar os conflitos sociais emergentes é responsável pela
ampliação da fronteira da agricultura familiar em áreas tradicionalmente canavieiras.
Interessa a este trabalho analisar este processo na Paraíba, especificamente na Zona da
Mata.

2.1 - Reestruturação produtiva do setor sucro-alcooleiro da Zona da Mata


Paraibana

Não obstante os fortes benefícios concedidos pelo Estado à agroindústria açucareira da


Paraíba ao longo do tempo, este setor encontrava-se, no início da década de 70,
mergulhado numa forte crise, considerada crônica por muitos estudiosos. Entre os fatores
responsáveis por essa crise está a ociosidade e a obsolescência do parque industrial, o
baixo poder de competição com a produção do Sudeste, etc. A saída para esta crise surgiu
mais uma vez pela mediação do Estado, através da criação, Proalcool.
A partir de então, inicia-se uma nova fase de expansão da atividade canavieira no Estado
consubstanciada: no aumento da área cultivada com a incorporação de mais de 100.000
hectares de terra pela cana, entre 1970 e 1986; na elevação da quantidade de cana
produzida de 1,4 milhões em 1970 para 10,7 milhões em 1986; no incremento da
produção de álcool de 806 mil litros na safra de 1975/76 para 229 milhões de litros na
safra de 84/85; e na ampliação do parque industrial com a instalação de 10 novas
destilarias anexas e autônomas.
Na Zona da Mata, mais tradicional região canavieira do Estado, a área cultivada e a
quantidade produzida de cana-de-açúcar ampliaram-se significativamente entre 1970 e
1985: em 1970, a região produziu 936.276 toneladas de cana contra 4.576.485 toneladas
em 1985, o que representa um aumento de 388,8% no período; a área colhida, de 19.698
hectares em 1970, passou para 92.760 hectares em 1985, o que equivale a um
crescimento da ordem de 370,9%. Os dados relativos à participação da Zona da Mata no
total da cana produzida e da área colhida com essa lavoura são demonstrativos da sua
Geografia e História da PB
33
importância no conjunto do estado: em 1985 a região foi responsável por 82,0% do total
da cana produzida e por 77,5% da área colhida com cana na Paraíba.
Além da expansão da fronteira agrícola da cana o Proalcool foi responsável também pela
modernização do parque industrial sucro-alcooleiro na região. Às tradicionais usinas de
açúcar (Santa Rita, São João, Santana e Santa Helena), foram anexadas destilarias de
álcool. Destilarias autônomas também foram implantadas: Jacuípe, Japungu, Agican, Giasa,
Tabu, Xuá e Una.
Porém, a esta modernização da atividade não correspondeu nem uma redução no padrão
de exploração dos trabalhadores rurais, nem uma atenuação do padrão de concentração da
propriedade fundiária. Ao contrário, ao lado de um processo nunca visto de expulsão dos
trabalhadores moradores do campo, observa-se a intensificação da sua exploração através
do aumento das jornadas de trabalho, do aumento do ritmo de trabalho, da ampliação do
sistema de pagamento do trabalho por tarefa executada, da terceirização do trabalho que
implica na ampliação do trabalho clandestino (trabalhadores contratados por empreiteiros
sem nenhum direito trabalhista), da exploração do trabalho infantil e da criação do sistema
de trabalho sob vigilância através da implantação no interior das fazendas de galpões ou
alojamentos de trabalhadores (MOREIRA et alii, 1997; MOREIRA, E. e TARGINO, I., 1997).
A expansão da atividade canavieira vai sofrer solução de continuidade na segunda metade
dos anos 80 como resultado da crise econômica que provocou a redução do crédito
subsidiado e a cobrança das dívidas do setor por parte dos Governos federal e estadual.
Assiste-se, a partir de então, a redução da quantidade produzida de cana no estado (de
10,7 milhões em 1986, declina para 8,2 milhões em 1990), a queda da produtividade (de
60 ton/ha em 1986 para 52 ton/ha em 1990) bem como uma redução na demanda de
trabalho como conseqüência da retração da área cultivada, como também da sua
substituição por atividades com menor poder de absorção da força-de-trabalho, a exemplo
da pecuária.
Essa situação de crise persiste na Paraíba durante toda a década de 90, podendo ser
constatada a partir da análise dos dados relativos à produção e à área plantada com cana-
de-açúcar, particularmente nas regiões tradicionais produtoras. Entre 1990 e 2000 a
quantidade de cana produzida no estado reduziu-se em 51,7% caindo de 8,2 milhões para
3,9 milhões de toneladas e a área plantada apresentou uma retração equivalente a 49,1%
caindo de 160,3 mil hectares para 93,0 mil hectares no período.
Na Zona da Mata, onde ainda se concentrava, em 1990, 82% do total da cana produzida e
79% da área de cana plantada no estado, a redução da produção foi da ordem de 43,75%
(de 6,8 milhões em 1990 caiu para 3,8 milhões de toneladas em 2000) e da área plantada
foi de 31,1% (de 126,5 mil caiu para 87,1 mil hectares).
Esse comportamento declinante da cana-de-açúcar é observado em nível de todos os
municípios da região, inclusive naqueles onde estão localizadas as terras das destilarias
autônomas que foram menos afetadas pela crise a exemplo de Pedras de Fogo, Rio Tinto e
Lucena.
O trabalhador que embora expulso da terra durante a fase de expansão do Proalcool
continuara trabalhando na cana como assalariado, com a crise da atividade canavieira
passou à condição de desempregado. As relações de trabalho precarizam-se através do
crescimento do trabalho subcontratado, da maior seletividade da mão-de-obra (recusa-se
os mais fracos, os mais velhos e as mulheres).
Na esteira da crise observa-se que parcela dos trabalhadores rurais excluída do processo
produtivo organiza-se em torno do MST e da CPT, ocupa terras e leva o Governo a
desapropriar milhares de hectares de imóveis improdutivos dando origem a assentamentos
rurais. Deste modo, enquanto regredia a fronteira da cana, expandia-se a fronteira da
agricultura familiar reformada.
Geografia e História da PB
34
3. REFORMA AGRÁRIA E REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA NA ZONA DA MATA
PARAIBANA

Entre 1986 e 2000, foram incorporados ao processo de reforma agrária pelo Incra na
Paraíba, 148.269,97 hectares de terra (Incra, 2000) e foram criados pelo mesmo órgão
151 Projetos de Assentamentos Rurais (Incra, 2000). No mesmo período outros 23 imóveis
foram adquiridos pelo Governo estadual abrangendo 6.298,7 hectares e originando 23
novas áreas de assentamento (INTERPA, 2000).
No total, foram incorporados ao processo de reforma agrária pelos dois órgãos públicos no
período analisado, 154.568,67 hectares dos quais 38.509,92 hectares situam-se na Zona
da Mata (37.702,32 hectares constituem Projetos de Assentamento de responsabilidade do
Incra e 807,60 hectares compreendem as Áreas de Assentamento de responsabilidade do
Governo estadual, através do Interpa). Dos 151 Projetos de Assentamentos criados pelo
Incra no período, 55 localizam-se na Zona da Mata (36,4% do total). Dos 23
Assentamentos criados pelo Estado, apenas 4 localizam-se nessa região (v. tabela 1 e
mapa 1).
Foram assentadas através do Incra 9.604 famílias no estado, das quais 4.580 na Zona da
Mata Paraibana, o que representa em termos percentuais, 46,3 % do total das famílias
assentadas pelo Incra na Paraíba no período indicado (v. tabela 1).
Das 877 famílias assentadas pelo Interpa, entre 1986 e 2000, 98 (22,3%) estabeleceram-
se em Assentamentos situados na Zona da Mata (v. quadro 1).
A área reformada pelo Incra na Zona da Mata da Paraíba entre 1986 e 2000, representa
13,96% do total da área dos estabelecimentos agrícolas existentes na região em 1995 e
27,91% dos estabelecimentos agrícolas com 500 hectares e mais existentes na região no
mesmo ano (v. quadro 2).

Quadro 1
ÁREA REFORMADA DE RESPONSABILIDADE DO INCRA E DO GOVERNO ESTADUAL, FAMÍLIAS
ASSENTADAS E ASSENTAMENTOS CRIADOS NA PARAÍBA E NA ZONA DA MATA PARAIBANA -
1986/2000

MATA B/A
PARAÍBA PARAIBANA
DADOS x
(A)
(B) 100

Área reformada
de
responsabilidade
do Incra e do 154.568,6738.509,92 24,9
Governo
estadual
(hectares)

Nº de famílias
assentadas pelo 9.604 4.580 47,7
Incra

Nº de famílias
assentadas pelo
877 98 11,2
Governo
estadual
Geografia e História da PB
35
Nº de Projetos
de
Assentamentos 151 55 36,4
criados pelo
Incra

Nº de Áreas de
Assentamento
criadas pelo 23 4 17,4
Governo
estadual
Fonte: INCRA-PB. Demonstrativo das Áreas de Assentamento do Estado da Paraíba, 1986/2000. INTERPA: Relação das Áreas de
Assentamento vinculadas ao Governo do Estado.

Mapa 1
ZONA DA MATA PARAIBANA
ASSENTAMENTOS RURAIS CRIADOS ENTRE 1985 E 2000
Geografia e História da PB
36

Fonte: INCRA. Listagem dos Assentamentos Rurais criados entre 1985 e 2000.

A conquista de território pela agricultura familiar reformada repercute na organização da produção agrícola
regional na medida em que possibilita a ampliação da fronteira da produção de alimentos. Pesquisa de campo
realizada entre maio e julho de 2000 na Zona da Mata paraibana confirma a tendência de expansão e
diversificação das lavouras alimentares apresentada pelos dados da produção agrícola municipal publicados pelo
IBGE. Na base dessa diversificação destacou-se a fruticultura (acerola, melancia, graviola, limão, cajá, araçá,
pitanga, caju –cultivo irrigado) além do amendoim e de produtos da horticultura. Essa diversificação de culturas
foi fortemente influenciada pela assistência técnica, principalmente a prestada pelo Projeto Lumiar. São porém os
alimentos básicos quais sejam, a mandioca (principal produto), o feijão e o milho as principais lavouras
produzidas nas áreas de assentamento. De fato, na safra de 1998/1999 esses três produtos ocuparam mais de 50%
do total da área plantada pelos entrevistados nos Projetos de Assentamento que foram investigados na região. Em
alguns deles o peso da área plantada com essas lavouras em relação à área plantada total foi superior a 70% (PAs
Geografia e História da PB
37
Massangana I, Massangana II e Massangana III, em Cruz do Espírito Santo; Nova Aurora, em Pedras de Fogo;
Apasa, em Pitimbu; e Boa Vista e Vida Nova em Sapé) (MOREIRA et alii., 2000).

Quadro 2
ZONA DA MATA PARAIBANA
PARTICIPAÇÃO DAS ÁREAS DE ASSENTAMENTO CRIADAS
ENTRE 1986 E 2000 NA ÁREA DOS ESTABELECIMENTOS
AGRÍCOLAS EXISTENTES EM 1995

ÁREA DOS ESTABELECIMENTOS AGRÍCOLAS (ha)


275.681
(A)

ÁREA DOS ASSENTAMENTOS CRIADOS (1986-2000)


(ha) 38.509,92
(B)

B/A x 100 13,96

ÁREA DOS EST. AGRÍCOLAS COM 500 HECTARES E


MAIS (ha) 137.948
(C)

ÁREA DOS ASSENTA-MENTOS CRIADOS (1986-2000)


(ha) 38.509,92
(D)

D/C X 100 27,91

Fonte: FIBGE, Censo Agropecuário 1995/1996. João Pessoa, 2001; INCRA-PB. Demonstrativo das áreas de Assentamento do Estado da
Paraíba, 1986/2000.

É preciso chamar a atenção para o fato de que apesar do avanço da agricultura de


alimentos sobre áreas tradicionais produtoras de cana na região, propiciado pela criação de
áreas de assentamento, ele não foi suficiente para quebrar o monopólio da cana. Esta
ainda mantém-se como a forma de uso de recurso dominante na paisagem e só foi
substituída pela produção alimentar nas áreas de muito forte concentração de Projetos de
Assentamento.

4. IMPACTOS DA REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA DO SETOR SUCRO-


ALCOOLEIRO SOBRE A PAISAGEM RURAL

O processo de reestruturação produtiva do setor sucro-alcooleiro aqui apresentado tem


rebatimentos profundos sobre a paisagem regional. Essas repercussões, porém
apresentam-se diferenciadas segundo as fases de expansão e crise do setor.

4.1. fase de expansão do Proalcool


Geografia e História da PB
38

Na fase áurea do Proalcool os impactos sobre a paisagem se exprimiram através:


a) da ampliação da fronteira da monocultura canavieira, tanto pela incorporação de novas
terras dos tabuleiros costeiros em municípios tradicionais produtores de cana, como pela
incorporação de terras de outros municípios da região onde a cana não constituía a
principal forma de uso de recursos ou que não tinham tradição canavieira a exemplo de
Mataraca e Baía da Traição;

b) da substituição da vegetação de Mata Atlântica e dos cerrados de tabuleiros bem como


de culturas alimentares e de matérias-primas pela cana;

c) da modernização da base técnica da produção agrícola, com a incorporação de novas


máquinas e do aumento o número das já existentes, a intensificação do uso de fertilizantes
e agrotóxicos, a adoção de novos tipos de cana e de novos procedimento de tratamento
das mudas. Essas mudanças resultaram no aumento da produtividade por área cultivada
com cana;

d) da ampliação do parque industrial alcooleiro, com a criação/restauração de destilarias


de álcool anexas às antigas Usinas de Açúcar e a criação de destilarias autônomas;

e) da substituição do habitat disperso representativo do sistema de morada, pelo habitat


concentrado das agrovilas e de vilarejos de “beira de estrada”, resultado do processo de
expulsão maciça dos pequenos produtores moradores, posseiros e foreiros, promovido
pelo Proalcool;

f) da homogeneização da paisagem através da ampliação do verde dos canaviais;

g) da ampliação do trabalhador assalariado, presente na paisagem sobretudo nos períodos


de colheita;

h) da presença de galpões no interior das propriedades à semelhança das antigas


senzalas, para abrigar corpos esquálidos de trabalhadores migrantes de outras regiões,
submetidos à condição de assalariados, na maioria, clandestinos sem direitos;

i) da intensificação da concentração fundiária;

j) do crescimento das pontas de rua nas pequenas cidades da região, transformadas em


área de habitação subnormal que passaram a abrigar os trabalhadores expulsos do campo;

k) da redução da população residente no campo. Entre 1970 e 1980, houve redução da


população rural das principais microrregiões canavieiras, registrando-se taxas negativas de
crescimento (Litoral Norte, -0,51%; Litoral Sul, -0,40%; Sapé, -1,93%). Algumas
pesquisas realizadas mostram que parte da população expulsa do campo passou a residir
nas periferias das cidades da região, permanecendo porém vinculada à atividade agrícola
como mão-de-obra assalariada da cana (SEDUP, 1985; GESTAR, 1985).
Geografia e História da PB
39

l) da multiplicação dos conflitos de terra nas áreas onde os trabalhadores organizados pela
CPT resistiram a expulsão.

4.2. fase de crise do Proalcool

Nesta fase, são os seguintes os impactos observados na paisagem regional:


a) retração da área cultivada com cana-de-açúcar;

b) abandono de antigas Usinas falidas a exemplo da Usina Santa Rita e Santa Helena;

c) avanço da agricultura familiar reformada sobre as terras das usinas falidas e de


latifúndios improdutivos;

d) retorno, em algumas áreas, do habitat disperso caracterizando agora uma nova forma
de organização do espaço com base na pequena unidade de produção familiar reformada;

e) surgimento de agrovilas em áreas de assentamento configurando um espaço


diferenciado de vida e morada no campo;

f) expansão da área cultivada com alimentos;

g) mudanças na distribuição da propriedade da terra observada principalmente nos


municípios onde a ação desapropriatória foi maior, como no caso de Cruz do Espírito,
Santo, onde mais de 50% das terras agrícolas transformaram-se em áreas de
assentamento;

h) aumento e/ou melhoria das condições de infra-estruturas de caráter coletivo no campo a


exemplo de escolas, estradas, associações de produtores, silos, igrejas, poços artesianos,
energia elétrica, cisternas, postos de saúde, postos telefônicos ou “orelhões” etc.

Conclui-se do exposto que a fase áurea da modernização do setor sucro-alcooleiro através


do Proalcool contribuiu para modificar a paisagem tanto rural quanto urbana da Zona da
Mata pelo impacto que promoveu na organização da produção e do trabalho e pela
intensificação do processo de expropriação-expulsão do trabalhador do campo. Durante a
crise de acumulação vivenciada pelo setor, assiste-se a novas mudanças na paisagem
resultado do desmantelamento do setor arcaico da economia sucro-alcooleira, do avanço
da luta dos trabalhadores por terra e da ação fundiária do Estado. Verifica-se que a
persistência da crise na década de 90 e as conquistas de terra pela agricultura familiar
reformada não foi suficiente para por fim ao domínio da cana-de-açúcar sobre o sistema
de uso de recursos da região. Todavia, a instalação dos Projetos de Assentamento
contribuiu para quebrar o monopólio secular da cana sobre a paisagem da Zona da Mata.
Destaca-se, no entanto, que apesar do esforço para se introduzir novas culturas (em
particular a fruticultura), ainda prevalecem nas áreas de assentamento as lavouras
Geografia e História da PB
40
alimentares tradicionais. Por outro lado, apesar da intensificação da política fundiária, ela
ainda não foi suficiente para reverter o alto grau de concentração da propriedade fundiária
na Zona da Mata Paraibana onde o índice de Gini ainda permanece superior a 0,8.

SÉRIE TEXTO DIDÁTICO - ISSN 1677 - 1125 versão impressa

TRABALHO, AMBIENTE E SAÚDE: um estudo da relação entre


processos produtivos, recursos hídricos e risco à saúde

Emilia de Rodat Fernandes Moreira


Doutora, Profa. do Departamento de Geociências e do PPGG da UFPB
E-mail: erodat@hotmail.com

RESUMO: Um dos mais graves problemas que aflige o mundo atual está relacionado às reservas de
água doce em quantidade e qualidade para o consumo humano. Isto porque uma série de fatores
vem contribuindo para a degradação ambiental generalizada na nossa biosfera, com fortes impactos
sobre os mananciais aquáticos. Destaca-se sobremaneira a forma como os homens estão se
apropriando da natureza e transformando-a para atender suas necessidades através dos mais
diversos processos produtivos. Durante o período de desenvolvimento das sociedades primitivas,
estes processos eram rudimentares e reproduziam o atraso das forças produtivas do momento.
Naquela fase, a natureza natural ainda podia ser considerada como "ecossistema selvagem" ou
natureza preservada. Na medida em que se desenvolvem as forças produtivas, muda a forma de
apropriação da natureza até o limite imposto pela revolução técnico-científica informacional atual. A
segunda natureza, fruto desse processo, reproduz o descaso do homem com a sobrevivência dos
ecossistemas e testemunha a ação predatória dos processos produtivos sobre o meio, com destaque
para a flora, a fauna, os solos e os mananciais aquáticos, com rebatimentos profundos sobre a saúde
da população. A nós interessa neste trabalho estabelecer a relação entre processos produtivos,
recursos hídricos e riscos à saúde da população.

INTRODUÇÃO

A fase atual da história da humanidade é marcada pela revolução técnico-científica-


informacional, isto é, um processo onde a ciência, a técnica e a informação atuam de modo
interdependente em todos os aspectos da vida social, com destaque para as atividades
humanas. O espaço geográfico subordinado a esta lógica redefine-se. Estudá-lo pressupõe
levar em conta,
“novos dados revelados pela modernização e pelo capitalismo agrícola, pela especialização
regional das atividades, por novas formas e localizações da indústria e da extração
mineral, pelas novas modalidades de produção de energia, pela importância da circulação
Geografia e História da PB
41
no processo produtivo, pelas grandes migrações, pela terciarização e pela urbanização
extremamente hierárquicas" (SANTOS, 1991:9).
Neste sentido, ressalta-se a importância do estudo proposto na medida em que os recursos
hídricos, elemento fundamental da organização do espaço, acham-se diretamente
relacionados às mudanças impostas aos processos produtivos pelo progresso decorrente da
revolução técnico-científica-informacional.
Supõe-se, em princípio, que tais mudanças seriam incapazes de danificar o ambiente e
teriam como preocupação maior o bem estar social. Será esta a realidade com a qual nos
deparamos? Será este o verdadeiro legado do progresso?
Em termos dos processos produtivos, não resta dúvida que em nível mundial o nosso
século vivencia os mais profundos avanços nos processos e técnicas de produção e uma
revolução na organização do trabalho. Essas mudanças, porém, em lugar de minimizar ou
excluir possíveis impactos negativos sobre o ambiente, agravou-os. No caso específico dos
recursos hídricos, estes vêm sendo fortemente afetados seja em meio rural ou urbano.
1. MODERNIZAÇÃO TECNOLÓGICA DA AGRICULTURA E IMPACTOS SOBRE OS RECURSOS
HÍDRICOS
Em meio rural, a modernização tecnológica dos processos produtivos agrícola pautou-se na
incorporação de tecnologias tanto mecânicas como químicas. Estas últimas distinguem-se
como de maior disseminação, pelo mais fácil acesso a toda categoria de proprietários
(grandes, médios e pequenos).
Nos países desenvolvidos, essa incorporação de tecnologias químicas pela agricultura,
mesmo vinculada à orientação e ao acompanhamento técnico, tem sido responsabilizada
pela poluição de mananciais aquáticos, exigindo medidas de controle e monitoramento
adequado.
Nos países capitalistas subdesenvolvidos, onde nem a comercialização, nem a utilização de
tais tecnologias são controladas e onde não há monitoramento adequado dos mananciais
aquáticos, o que se pode esperar?
No Brasil, a agricultura moderna, normalmente vinculada ao Complexo Agro-industrial,
combina atividades agrícolas e industriais. Essa combinação que agride o ambiente de
forma conjunta tem nas usinas de açúcar e destilarias de álcool os melhores exemplos. Os
processos poluidores daí decorrentes já comprometeram, em diversos níveis, alguns rios,
lagos e reservatórios de represas ao longo das bacias hidrográficas do Sudeste, como as do
Tietê, do Paraíba do Sul, do rio Doce, do rio Grande etc.
Estudos realizados no Estado da Paraíba (EGLER e TAVARES, 1982; MOREIRA e TARGINO,
1997; MOREIRA e alii, 1998), demonstram que a modernização da atividade canavieira
promovida pelo Proalcool apoiou-se na expansão do uso dos adubos químicos, dos
corretivos de solo e dos defensivos agrícolas e foi responsável por enormes mudanças no
processo produtivo agrícola e na organização do trabalho. Áreas de tabuleiros recobertas
pela Mata Atlântica e por Cerrados, consideradas pouco aptas à atividade agrícola, foram
incorporadas pela cana. O processo de limpa, antes manual, foi substituído pelo uso de
herbicidas; os solos passaram a ser fertilizados artificialmente através do uso intensivo dos
adubos químicos; a utilização dos agrotóxicos no combate a pragas e doenças também
expandiu-se aceleradamente.
Essas mudanças no processo produtivo decorrentes da incorporação tecnológica propiciada
pelo Proalcool é extremamente preocupante no que tange aos seus efeitos sobre o
ambiente, em particular, sobre os mananciais aquáticos. Sabe-se que a grande maioria dos
adubos sintéticos utilizados na lavoura da cana contém uma gama de impurezas. No caso
dos superfosfatos, as mais freqüentes são: o Arsênio (1,2 a 2,2 mg/kg de adubo); o
Cádmio (50 a 170 mg/kg de adubo); o Cromo (66 a 243 mg/kg de adubo); o Cobalto (até
9 mg/kg de adubo); o Cobre (7 a 92 mg/kg de adubo), entre outros. A acumulação desses
metais nos lençóis freáticos, por longo tempo, pode não só contaminá-los como também
Geografia e História da PB
42
contaminar as ressurgências ou fontes utilizadas para abastecimento d'água pela população
(EGLER e TAVARES, 1984).
No combate às pragas e outras doenças que afetam os canaviais e na eliminação do mato
ou de ervas que dificultam o seu desenvolvimento, os agrotóxicos são utilizados de forma
crescente. Estes são classificados como inseticidas, fungicidas, herbicidas, acaricidas etc.
Dentre os pesticidas orgânicos (naturais e sintéticos) e os inorgânicos, os mais utilizados
são os compostos clorados e derivados e os compostos organofosforados. Os herbicidas
mais comumente aplicados na atividade canavieira são: Ametrina, Carbamato, Diuron,
Glyphosate ou Glifosato, Terbuthiuron, Terbacil, Ácido 2,4-Dicloro Fenoxiacético (2,4-D) e
Paraquat (IENO e MITSUNAGA, 1992). São aplicados também inseticidas fosforados
orgânicos, inseticidas carbamatos e fungicidas (Benomil e Captafol).
A aplicação intensiva e contínua desses produtos em áreas de solo com alta capacidade de
filtração como os tabuleiros costeiros é preocupante. Isso porque ela pode ser responsável
pela contaminação das águas subterrâneas, dos rios e estuários.
Análises realizadas por pesquisadores do Departamento de Sistemática e Ecologia e do
Núcleo de Estudos e Pesquisas de Recursos do Mar da UFPB detectaram alterações no teor
de nitratos e nitritos em alguns mananciais de água da zona canavieira da Paraíba, o que
constitui, segundo os pesquisadores responsáveis pelas análises, uma evidência indireta da
contaminação desses mananciais por fertilizantes químicos usados nas plantações de cana
que circundam essas áreas (WATANABE e alii., 1994). Isto sem falar nos efeitos do despejo
dos subprodutos das produções açucareiras e alcooleiras sobre os rios, pela elevada DBO
que os caracteriza e pelo grande volume em que foram lançados anos seguidos (hoje já
existe um controle maior que nos anos 70 e 80 quando do auge do Proalcool).
A periculosidade para os recursos hídricos dos processos produtivos agrícola e industrial
sucro-alcooleiro, cresce de importância quando se considera a dimensão da área de
domínio da atividade canavieira. No Nordeste, esta área estende-se do Rio Grande do Norte
até a Bahia, formando um quase contínuo que compreende a Zona da Mata dos Estados de
Sergipe, Alagoas, Pernambuco e Paraíba, e no Ceará, abrange o vale do Salamanca e as
regiões do Acarape (fonte de abastecimento d'água de Fortaleza), Ibiapina e Curu
(TAVARES, 1981). Ela abrange ainda os entornos das capitais e de grande número de
cidades de importância na malha urbana de cada um desses Estados, incorporando nesse
percurso áreas de cabeceiras de rios, várzeas de rios formadores de importantes bacias
hidrográficas, tabuleiros costeiros e até mesmo áreas estuarinas.
Os processos produtivos desenvolvidos em horticulturas realizadas em áreas de perímetro
irrigado também se caracterizam pela incorporação maciça de agrotóxicos nas diversas
etapas do processo de produção. Estudo realizado na localidade Maravilha, situada no
perímetro irrigado do Açude Epitácio Pessoa no município de Boqueirão-PB, identificou o
uso intensivo de agrotóxicos em lavouras de tomate e pimentão localizadas a menos de
100 metros de distância da barragem, configurando uma transgressão aos limites fixados
por lei, da distância entre as culturas irrigadas e os açudes que é de 100 metros (em
relação ao ponto médio que as águas do açude atingem).
Os agrotóxicos utilizados nas mencionadas lavouras pertencem aos seguintes grupos
químicos: piretróides, carbamatos, nitroguanidina, organofosforados, organofosforados +
piretróide, cúprico, enxofre, carboxilato, aciluréia, aladina-to+ditiocarbamato,
ditiocarbamato e abamectim com graus de toxidade variando de I a IV. Apesar da proibição
de uso para tomate e pimentão, se usa produtos como Polytrin (do grupo dos
Organofosforados + Piretróides) e Tamaron (do grupo dos Organofosforados), altamente
tóxicos.

"Os agrotóxicos são utilizados sem a requerida orientação técnica para o seu
manejo (transporte, armazenamento, preparação, aplicação, descarte de
embalagem etc.), com desinformação relativa à toxicidade dos produtos e
repercussão para a saúde, para a população próxima ao local de uso (outros
Geografia e História da PB
43
trabalhadores ou moradores), e para o meio ambiente" (MITSUNAGA e alii,
1999:88).

Essa realidade reproduz-se na maioria dos perímetros irrigados do Nordeste. A questão que
se coloca é até que ponto a qualidade da água das barragens que abastecem populações
urbanas e que simultaneamente constituem perímetros irrigados está comprometida por
processos produtivos como o exemplificado e quais as implicações desse fato para a saúde
da população que utiliza essas águas para os mais diversos fins?
Estes são apenas alguns exemplos dos riscos de contaminação a que os mananciais
aquáticos estão sujeitos como decorrência dos processos produtivos levados a efeito em
meio rural. Este fenômeno é tão ou mais presente também em meio urbano como será
visto a seguir.

2. PROCESSOS PRODUTIVOS INDUSTRIAIS E SEUS IMPACTOS SOBRE OS


RECURSOS HÍDRICOS

Em meio urbano, além da elevada concentração populacional, da proliferação de


subhabitações e de habitações coletivas, da insuficiência do saneamento básico com
despejo de esgotos não tratados em rios, lagos e no mar, da presença de lixões a céu
aberto localizados inclusive em ambientes estuarinos, em áreas de domínio dos
manguezais, merecem destaque os processos produtivos industriais.
Regra geral concentradas em áreas metropolitanas ou submetropolitanas, às margens de
rios, em áreas estuarinas ou próximas às praias, as indústrias e seus processos de
produção funcionam como fatores ou agentes de risco para o meio ambiente. Nem mesmo
as indústrias modernas são excluídas. Isto porque a modernização tecnológica levada a
efeito não tem como meta principal a preservação ambiental, mas o aumento da
produtividade e da lucratividade.
Estudos diversos confirmam que os mananciais hídricos estão sendo exauridos e
contaminados por indústrias com sistemas produtivos ineficientes e geradores de resíduos
tóxicos, metais pesados e outros poluentes perigosos (FRANCO, 1991; MATTOS, 1992;
VALIE, 1995). Algumas especialidades industriais destacam-se inclusive, pelo fato de seus
processos produtivos apresentarem maiores cargas e riscos para o ambiente, em
particular, para os recursos hídricos. É o caso, por exemplo, dos curtumes, das indústrias
químicas, das indústrias de papel e papelão que se constituem nos maiores emissores de
substâncias tóxicas nas águas. As fábricas de beneficiamento da borracha, de explosivos e
de reciclagem de papel e papelão, produzem material em suspensão durante o processo de
produção, resultante da desagregação de materiais diversos tais como madeira, papel,
borracha e plástico os quais são despejados ou carreados pela ação dos ventos para a
superfície das águas.

"Além de afetar seriamente o aspecto dos espelhos de água, o material em


suspensão assim como os óleos e graxas alteram a cor da água aumentando
a turbidez, o que impede a penetração natural da luz solar, encarecendo os
processos de potabilidade da água" (ALMEIDA e RIBEIRO, 1993:52).

As fábricas de alimentos, de bebidas, químicas, de papel e celulose são as principais


emissoras de cargas orgânicas compostas por bactérias consumidoras de oxigênio que
destroem o processo de oxigenação natural dos corpos de água, matando a fauna e a flora
aquáticas, principalmente dos rios e lagos de pequeno porte, isto é, sem muito volume e
Geografia e História da PB
44
vazão de água. São de rios desta natureza que depende o abastecimento d'água de cidades
como João Pessoa e adjacências. E é justamente no seu entorno que proliferam aqueles
tipos de indústria.
Em Pernambuco, as bacias dos rios Goiana, Capibaribe, Botafogo, Jaboatão, Igarassu e
Pirapama já apresentam forte comprometimento na qualidade da água e para a vida
aquática pela existência nas mesmas de indústrias altamente poluidoras nos ramos do
papel, soda cáustica, alumínio, fertilizantes, celulose entre outros (TAVARES, 1981).
É importante destacar aqui o papel da indústria mineral seja extrativa, seja de
transformação pelos sérios riscos de poluição hídrica nelas presentes. Não custa lembrar o
processo de exploração do ouro em forma de garimpagem e a contaminação por mercúrio
de mananciais aquáticos na Amazônia (CÂMARA e COREY, 1992).
Em Sergipe, a produção de amônia, potássio e uréia, de potencial poluidor apreciável,
constitui um fator de risco de poluição para os rios de vasta área imediatamente próxima a
Aracaju.
Em Alagoas, além das indústrias sucro-alcooleiras, destaca-se a de produção de Salgema
na área costeira dentro da própria capital.
Considerando-se que todos os processos produtivos desenvolvidos no âmbito dos diversos
setores industriais adotem medidas internas de segurança que contemplem tanto os
trabalhadores como o ambiente, mesmo assim elas não deixariam de comportar uma
elevada carga de riscos de acidentes.
Do exposto uma questão necessita ser respondida: quais os impactos dessa realidade
sobre a saúde das populações?
3. OS REBATIMENTOS SOBRE A SAÚDE.
O avanço da investigação científica no século XX pôs por terra a concepção naturalista do
processo saúde-doença. Já não é possível aceitar que o nascer, o viver e o morrer se
constituam um biológico puro, uma vez que são também socialmente
determinados pelas condições concretas quer de inserção do trabalhador no processo
produtivo e de suas articulações, quer da relação da população com o ambiente no qual
está circunscrita. Nesse sentido, os processos produtivos e o ambiente têm se destacado
como elementos primários e condicionantes do nível de saúde/doença das populações
humanas.
A participação dos fatores ambientais na causalidade das enfermidades é cada dia maior.
"Um percentual significativo das doenças denominadas crônico-degenerativas como o
câncer, as patologias pulmonares, cárdio-vasculares, neurológicas e renais de tipo não
canceroso, assim como mal-formações congênitas e os transtornos de conduta, têm um
substrato em fatores ambientais" (CÂMARA e COREY, 1992: 1).
Por sua vez, os processos produtivos além de geradores de riscos ambientais que rebatem
sobre a saúde da população também atuam como fatores de risco à saúde dos
trabalhadores diretamente a eles vinculados.
No caso dos processos produtivos agrícola destacam-se os agrotóxicos como fator de risco
à saúde tanto no processo produtivo em si, através do contato direto do trabalhador com
adubos químicos e defensivos agrícolas, como pela contaminação dos mananciais aquáticos
utilizados como fonte de abastecimento seja pelas populações circunvizinhas, seja pelas
populações residentes em centros urbanos.
Embora seja comum o relato de trabalhadores que ficaram "embebedados" durante a
aplicação de agrotóxicos e terem sido levados para hospitais ou centros de saúde,
dificilmente se encontra o registro de tais ocorrências como intoxicações. Há um sub-
registro das doenças e mortes provocadas pela manipulação de tais produtos. Isto é
devido, de um lado, ao despreparo dos agentes de saúde e dos serviços de saúde, e de
Geografia e História da PB
45
outro lado, às pressões do patronato sobre esses serviços, para que tais ocorrências sejam
descaracterizadas como acidentes de trabalho.
Os herbicidas Gramoxone e Gramoxil têm sido usados na cultura da cana-de-açúcar. Tais
produtos são altamente tóxicos, podendo levar à fibrose pulmonar, edema e hemorragia
pulmonar. Uma pesquisa do GESTAR/UFPB, realizada em 1989, com aplicadores de herbicidas,
detectou 26,3% dos trabalhadores com dosagem de colinesterase alterada.
Os efeitos nocivos dos defensivos agrícolas para os seres vivos em geral também não são
desconhecidos. Eles variam da simples cefaléia, irritação na pele, convulsão, diarréia, até a
ocorrência de doenças respiratórias, teratogênese, câncer e óbito.
Os herbicidas Paraquat e Paraquat + Diuron podem ser citados como altamente tóxicos,
algumas gotas podendo ser letais ao homem.
As alterações no teor de nitratos e nitritos em alguns mananciais de água da zona
canavieira da Paraíba detectados por pesquisadores do NEPREMAR é preocupante pela
possibilidade de crianças menores de 6 meses serem acometidas de anemia por formação
de metamoglobina e de formação de nitrosamina (agente cancerígeno) em adultos, a partir
da ingestão de água, legumes ou verduras ricas em nitratos e nitritos.
Os produtos dos grupos dos Organofosforados, Carbamatos, Cúprico, Enxofre, Piretróide e
Alanidato utilizados na horticultura realizada em áreas de perímetro irrigado de barragens
abastecedoras de centros urbanos também têm comprovadamente efeitos altamente
nocivos à saúde. Estes variam da tosse e dispnéia até o broncoespasmo, a diarréia, a
diminuição da força muscular, a hipertensão e a hipotensão arterial, a icterícia, lesão renal
podendo chegar à insuficiência renal, depressão respiratória, faringite, rinite, laringite,
traqueobronquite e conjuntivite, entre outros (MITSUNAGA e alii., 1999).
Muitos dos acidentes de trabalho e das doenças ocupacionais acham-se diretamente
relacionadas aos processos produtivos industriais e as tecnologias nele presentes e ainda
às condições precárias de muitos ambientes de trabalho. Em áreas de garimpo do ouro, por
exemplo, os efeitos do processo de trabalho sobre a saúde detectados variam desde a
surdez, a lesões traumáticas, intoxicações por mercúrio, dermatoses, queimaduras e
intoxicação por gases. Mortes por inalação de mercúrio também são constatadas (CÂMARA
e COREY, 1992: 1).
Contaminação por benzeno em fábricas de equipamento de plástico seguida de mortes por
aplasia de medula (BUSCINNELLI e NOVAES, 1994), casos de silicose detectados em
trabalhadores de indústrias de beneficiamento de minerais não metálicos, de fabricação de
materiais abrasivos, siderúrgicas, de material de cerâmica de fabricação de vidros
(AMÂNCIO, 1994) são alguns entre os infindáveis casos de doenças ocupacionais
resultantes de processos produtivos industriais nocivos à saúde.
Na outra ponta dos processos produtivos, os dejetos e efluentes industriais ao contaminar
o ambiente, em particular, os mananciais aquáticos, expõem a população a uma gama de
cargas e riscos que, como já foi demonstrado, refletem negativamente na saúde.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em suma, o que se apreende do exposto, é que urge priorizar ações eficientes, no tocante
a conservação dos nossos mananciais aquáticos. Essas ações pressupõem,
necessariamente, estudos profundos sobre os processos produtivos levados a efeito em
meio rural e urbano e sobre os impactos desses processos sobre as bacias hidrográficas, os
estuários, os lagos e barragens no que se refere aos padrões de poluição/contaminação e
seus possíveis rebatimentos sobre a saúde da população, estudos estes, em nível do
Nordeste ainda muito parcos.
Geografia e História da PB
46
A preocupação com os recursos hídricos dentro de uma percepção de desenvolvimento que
vise a minimização dos riscos, em particular dos riscos à saúde passa necessariamente pela
implementação de processos produtivos limpos tanto na atividade agrícola quanto
industrial. Isto implica numa percepção mais ampla do sentido de desenvolvimento que
coloque em primeiro plano o bem estar social e a preservação ambiental em lugar do lucro
desmedido e a qualquer preço, comum no mundo capitalista, particularmente, no mundo
capitalista subdesenvolvido. Neste sentido chama-se a atenção, para o compromisso dos
intelectuais e cientistas, particularmente dos geógrafos, responsáveis pelo estudo do
espaço produzido pelos homens, enquanto detentores de um peso importante na formação
de opiniões, pelo papel que eles podem desempenhar junto à sociedade civil na luta por
mudanças na organização da produção e do trabalho que beneficiem a classe trabalhadora
e na defesa da preservação dos nossos recursos hídricos.
Geografia e História da PB
47

HISTÓRIA DA PARAÍBA 1

1.1. Antecedentes da Conquista da Paraíba


1.2. A Conquista e Fundação da Paraíba
1.3. Primeiras Vilas da Paraíba na Época Colonial
2.1. Primeiros Capitães- Mores
2.2. As Ordens Religiosas da Capitania da PB e Seus Mosteiros
2.3. A População Indígena
3.1. Invasões Holandesas
3.2. Conquista para o interior da Paraíba
3.3. Análise política, econômica e social da capitânia nos séculos XVII e XVIII
4.1. Revoltas em que a PB participou
4.2. Governadores da PB após a revolução de 1930
4.3. Sítios Arqueológicos da PB

DIVISÃO GEOPOLÍTICA

5.1.1 Localização da Paraíba


5.1.2 Limites
5.1.3 Microregiões
5.1.4 Relevo
5.1.5 Clima
5.1.6 Hidrografia
5.1.7 População

PARAÍBA ATUAL

5.2.1 Aspectos políticos


5.2.2 Aspectos econômicos
5.2.3 Aspectos sociais
5.2.4 Aspectos religiosos
5.2.5 Aspectos culturais

O Autor

História da Paraíba
1.1 Antecedentes da Conquista da Paraíba
Geografia e História da PB
48
Demorou um certo tempo para que Portugal
começasse a explorar economicamente o Brasil,
uma vez que os interesses lusitanos estavam
voltados para o comércio de especiarias nas
Índias, e além disso, não havia nenhuma
riqueza na costa brasileira que chamasse tanta
atenção quanto o ouro, encontrado nas colônias
espanholas, minério este que tornara uma nação
muito poderosa na época.
Devido ao desinteresse lusitano, piratas e
corsários começaram a extrair o pau-brasil,
madeira muito encontrada no Brasil-colônia, e
especial devido a extração de um pigmento,
usado para tingir tecidos na Europa. Esses
invasores eram em sua maioria franceses, e
logo que chegaram no Brasil fizeram amizades
com os índios, possibilitando entre eles uma
relação comercial conhecida como "escambo",
na qual o trabalho indígena era trocado por
alguma manufatura sem valor.
Os portugueses, preocupados com o aumento do
comércio dos invasores da colônia, passaram a
enviar expedições para evitar o contrabando do
pau-brasil, porém, ao chegar no Brasil essas
expedições eram sempre repelidas pelos
franceses apoiados pelos índios. Com o fracasso
das expedições o rei de Portugal decidiu criar o
sistema de capitanias hereditárias.
Com o objetivo de povoá-la, a colônia
portuguesa foi dividida em 15 capitanias, para
doze donatários. Entre elas destacamos a
Capitania de Itamaracá, a qual se estendia do
rio Santa Cruz até a Baía da Traição.
Inicialmente essa capitania foi doada à Pedro
Lopes de Souza, que não pôde assumir, vindo
em seu lugar o administrador Francisco Braga, que devido a uma rivalidade com Duarte Coelho,
deixou a capitania em falência, dando lugar a João Gonçalves, que realizou algumas benfeitorias na
capitania como a fundação da Vila da Conceição e a construção de engenhos.
Após a morte de João Gonçalves, a capitania entrou em declínio, ficando a mercê de malfeitores e
propiciando a continuidade do contrabando de madeira.
Com a tragédia de Tacunhaém*, em 1534 o rei de Portugal desmembrou Itamaracá, dando
formação à Capitania do Rio Paraíba.
Existia uma grande preocupação por parte dos lusitanos em conquistar a capitania que atualmente
Geografia e História da PB
49
é a Paraíba, pois havia a garantia do progresso da capitania pernambucana, a quebrada aliança
entre Potiguaras e franceses, e ainda, estender sua colonização ao norte.
* Tragédia de Tacunhaém: Foi uma tragédia na qual índios mataram todos os moradores de um
engenho.
1.2. A Conquista e Fundação da Paraíba
Expedições para a Conquista
Quando o Governador Geral (D. Luís de Brito) recebeu a ordem para separar Itamaracá, recebeu
também do rei de Portugal a ordem de punir os índios responsáveis pelo massacre, expulsar o s
franceses e fundar uma cidade. Assim começaram as cinco expedições para a conquista da Paraíba.
Para isso o rei D. Sebastião mandou primeiramente o Ouvidor Geral D. Fernão da Silva.
I Expedição (1574): O comandante desta expedição foi o Ouvidor Geral D. Fernão da Silva. Ao
chegar no Brasil, Fernão tomou posse das terras em nome do rei sem que houvesse nenhuma
resistência, mas isso foi apenas uma armadilha. Sua tropa foi surpreendida por indígenas e teve
que recuar para Pernambuco.
II Expedição (1575): Quem comandou a segunda expedição foi o Governador Geral, D. Luís de
Brito. Sua expedição foi prejudicada por ventos desfavoráveis e eles nem chegaram sequer às
terras paraibanas. Três anos depois outro Governador Geral (Lourenço Veiga), tenta conquistar a o
Rio Paraíba, não obtendo êxito.
III Expedição (1579): Frutuoso Barbosa impôs a condição de que se ele conquistasse a paraíba,
a governaria por dez anos. Essa idéia só lhe trouxe prejuízos, uma vez que quando estava vindo à
Paraíba, caiu sobre sua frota uma forte tormenta e além de ter que recuar até Portugal, ele perdeu
sua esposa.
IV Expedição (1582): Com a mesma proposta imposta por ele na expedição anterior, Frutuoso
Barbosa volta decidido a conquistar a Paraíba, mas cai na armadilha dos índios e dos franceses.
Barbosa desiste após perder um filho em combate.
V Expedição (1584): Este teve a presença de Flores Valdez, Felipe de Moura e o insistente
Frutuoso Barbosa, que conseguiram finalmente expulsar os franceses e conquistar a Paraíba. Após
a conquista, eles construíram os fortes de São Tiago e São Felipe.
Conquista da Paraíba
Para as jornadas o Ouvidor Geral Martim Leitão formou uma tropa constituída por brancos, índios,
escravos e até religiosos. Quando aqui chegaram se depararam com índios que sem defesa, fogem
e são aprisionados. Ao saber que eram índios Tabajaras, Martim Leitão manda soltá-los, afirmando
que sua luta era contra os Potiguaras (rivais dos Tabajaras). Após o incidente, Leitão procurou
formar uma aliança com os Tabajaras, que por temerem outra traição, a rejeitaram.
Depois de um certo tempo Leitão e sua tropa finalmente chegaram aos fortes (São Felipe e São
Tiago), ambos em decadência e miséria devido as intrigas entre espanhóis e portugueses. Com isso
Martim Leitão nomeou outro português, conhecido como Castrejon, para o cargo de Frutuoso
Barbosa. A troca só fez piorar a situação. Ao saber que Castrejon havia abandonado, destruído o
Forte e jogado toda a sua artilharia ao mar, Leitão o prendeu e o enviou de volta à Espanha.
Quando ninguém esperava, os portugueses se unem aos Tabajaras, fazendo com que os Potiguaras
recuassem. Isto se deu no início de agosto de 1585.
A conquista da Paraíba se deu no final de tudo através da união de um português e um chefe
indígena chamado Piragibe, palavra que significa Braço de Peixe.
Geografia e História da PB
50
Fundação da Paraíba
Martim Leitão trouxe pedreiros, carpinteiros, engenheiros e outros para edificar a Cidade de Nossa
Senhora das Neves. Com o início das obras, Leitão foi a Baía da Traição expulsar o resto dos
franceses que permaneciam na Paraíba.
Leitão nomeou João Tavares para ser o capitão do Forte. Paraíba foi a terceira cidade a ser fundada
no Brasil e a última do século XVI.
1.3 Primeiras Vilas da Paraíba na Época Colonial
Com a colonização foram surgindo vilas na Paraíba. A seguir temos algumas informações sobre as
primeiras vilas da Paraíba.
Pilar: O início de seu povoamento aconteceu no final do século XVI, quando fazendas de gado
foram encontradas pelos holandeses. Hoje uma cidade sem muito destaque na Paraíba, foi elevada
à vila em 5 de janeiro de 1765. Pilar originou-se a partir da Missão do Padre Martim Nantes naquela
região. Pilar foi elevada à município em 1985, quando o cultivo da cana-de-açúcar se tornou na
principal atividade da região.
Sousa: Hoje a sexta cidade mais populosa do Estado e dona de um dos mais importantes sítios
arqueológicos do país (Vale dos Dinossauros), Sousa era um povoado conhecido por "Jardim do Rio
do Peixe". A terra da região era bastante fértil, o que acelerou rapidamente o processo de
povoamento e progresso do local. Em 1730, já viviam aproximadamente no vale 1468 pessoas.
Sousa foi elevada à vila com o nome atual em homenagem ao seu benfeitor, Bento Freire de Sousa,
em 22 de julho de 1766. Sua emancipação política se deu em 10 de julho de 1854.
Campina Grande:Sua colonização teve início em 1697. O capitão-mor Teodósio de Oliveira Ledo
instalou na região um povoado. Os indígenas formaram uma aldeia. Em volta dessa aldeia surgiu
uma feira nas ruas por onde passavam camponeses. Percebe-se então que as características
comerciais de Campina Grande nasceram desde sua origem.Campina foi elevada à freguesia em
1769, sob a invocação de Nossa Senhora da Conceição. Sua elevação à vila com o nome de Vila
Nova da Rainha se deu em 20 de abril de 1790. Hoje, Campina Grande é a maior cidade do interior
do Nordeste.
São João do Cariri: Tendo sida povoada em meados do século XVII pela enorme família Cariri que
povoava o sítio São João, entre outros, esta cidade que atualmente não se destaca muito à nível
estadual foi elevada à vila em 22 de março de 1800. Sua emancipação política é datada de 15 de
novembro de 1831.
Pombal: No final do século XVII, Teodósio de Oliveira Ledo realizou uma entrada através do rio
Piranhas. Nesta venceu o confronto com os índios Pegas e fundou ali uma aldeia que inicialmente
recebeu o nome do rio (Piranhas). Devido ao seucesso da entrada não demorou muito até que
passaram a chamar o local de Nossa Senhora do Bom Sucesso, em homenagem a uma santa.Em
1721 foi construída no local a Igreja do Rosário, em homenagem à padroeira da cidade considerada
uma relíquia história nos dias atuais.Sob força de uma Carta Régia datada de 22 de junho de 1766,
o município passou a se chamar Pombal, em homenagem ao famoso Marquês de Pombal. Foi
elevada à vila em 3/4 de maio de 1772, data hoje considerada como sendo também a da criação do
município.
Areia:Conhecida antigamente pelo nome de Bruxaxá, Areia foi elevada à freguesia com o nome de
Nossa Senhora da Conceição pelo Alvará Régio de 18 de maio de 1815. Esta data é considerada
também como a de sua elevação à vila.Sua emancipação política se deu em 18 de maio de 1846,
Geografia e História da PB
51
pela lei de criação número 2. Hoje, Areia se destaca como uma das principais cidades do interior da
Paraíba, principalmente por possuir um passado histórico muito atraente.
2.1 Primeiros Capitães- Mores
João Tavares
João Tavares foi o primeiro capitão-mor, ao qual governou de 1585 a 1588 a Capitania da Paraíba.
João Tavares foi encarregado pelo Ouvidor-Geral, Martim Leitão, de construir uma nova cidade.
Para edificação dessa cidade, vieram 25 cavaleiros, além de pedreiros e carpinteiros, entre outros
trabalhadores do gênero. Chegaram também jesuítas e outras pessoas para residir na cidade.
Foi fundado por João Tavares o primeiro engenho, o d’El-Rei, em Tibiri, e o forte de São Sebastião,
construído por Martim Leitão para a proteção do engenho.
Os jesuítas ficaram responsáveis pela catequização dos índios. Eles ainda fundaram um Centro de
Catequese e em Passeio Geral edificaram a capela de São Gonçalo.
O governo de João Tavares foi demasiadamente auxiliado por Duarte Gomes da Silveira, natural de
Olinda.
Silveira foi um senhor de engenho e uma grande figura da Capitania da Paraíba durante mais de 50
anos. Rico, ajudou financeiramente na ascensão da cidade. Em sua residência atualmente se
encontra o Colégio Nossa Senhora das Neves.
Apesar de ter se esforçado muito para o progresso da capitania, João Tavares foi posto para fora
em 1588, devido à política do Rei.
Frutuoso Barbosa
Devido à grande insistência perante a corte e por defender alguns direitos, Frutuoso Barbosa foi,
em 1588, nomeado o novo capitão-mor da Capitania da Paraíba, auxiliado por D. Pedro Cueva, ao
qual foi encarregado de controlar a parte militar da capitania.
Neste mesmo período, chegaram alguns Frades Fransciscanos, que fundaram várias aldeias e por
não serem tão rigorosos no ensino religioso como os Jesuítas, entraram em desentendimento com
estes últimos. Esse desentendimento prejudicou o governo de Barbosa, pois aproveitando-se de
alguns descuidos, os índios Potiguaras invadiram propriedades. Vieram em auxílio de Barbosa o
capitão-mor de Itamaracá, com João Tavares, Piragibe e seus índios. No caminho, João Tavares
faleceu de um mal súbito. Quando o restante do grupo chegou à Paraíba, desalojou e prendeu os
Potiguaras.
Com o objetivo de evitar a entrada dos franceses, Barbosa ordenou a construção de uma fortaleza
em Cabedelo.
Piragibe iniciou a construção do forte com os Tabajaras, porém, devido a interferência dos Jesuítas,
as obras foram concluídas pelos fransciscanos e seus homens.
Em homenagem a Felipe II, da Espanha, Barbosa mudou o nome da cidade de Nossa Senhora das
Neves para Felipéia de Nossa Senhora das Neves.
Devido às infinitas lutas entre o capitão Pedro Cueva e os Potiguaras e os desentendimentos com os
Jesuítas, houve a saída da Cueva e a decisão de Barbosa de encerrar o seu governo, em 1591.
André de Albuquerque Maranhão
André de Albuquerque governou apenas por um ano. Nele, expulsou os Potiguaras e realizou
algumas fortificações. Entre elas, a construção do Forte de Inhobin para defender alguns engenhos
próximos a este rio.
Ainda nesse governo os Potiguaras incendiaram o Forte de Cabedelo. O governo de Albuquerque se
Geografia e História da PB
52
finalizou em 1592.
Feliciano Coelho de Carvalho
Em seu governo realizou combates na Capaoba, houve paz com os índios, expandiu estradas e
expulsou os fransciscanos. Terminou seu governo em 1600.
2.2 As Ordens Religiosas da Capitania da PB e Seus Mosteiros
Os Jesuítas
Os jesuítas foram os primeiros missionários que chegaram à Capitania da Paraíba, acompanhando
todas as suas lutas de colonização.
Ao mando de Frutuoso Barbosa, os jesuítas se puseram a construir um colégio na Felipéia. Porém,
devido a desavenças com os fransciscanos, que não usavam métodos de educação tão rígidos como
os jesuítas, a idéia foi interrompida. Aproveitando esses desentendimentos, o rei que andava
descontente com os jesuítas pelo fato de estes não permitirem a escravização dos índios, culpou os
jesuítas pela rivalidade com os fransciscanos e expulsou-os da capitania.
Cento e quinze anos depois, os jesuítas voltaram à Paraíba fundando um colégio onde ensinavam
latim, filosofia e letras. Passado algum tempo, fundaram um Seminário junto à igreja de Nossa
Senhora da Conceição. Atualmente essa área corresponde ao jardim Palácio do Governo.
Em 1728, os jesuítas foram novamente expulsos. Em 1773, o Ouvidor-Geral passou aresidir no
seminário onde moravam os jesuítas, com a permissão do Papa Clementino XIV.
Os Franciscanos
Atendendo a Frutuoso Barbosa, chegaram os padres franciscanos, com o objetivo de catequizar os
índios.
O Frei Antônio do Campo Maior chegou com o objetivo de fundar o primeiro convento da capitania.
Seu trabalho se concentrou em várias aldeias, o que o tornou importante.
No governo de Feliciano Coelho, começaram alguns desentendimentos, pois os franciscanos, assim
como os jesuítas, não escravizavam os índios. Ocorreu que depois de certo desentendimentos entre
os franciscanos, Feliciano e o governador geral, Feliciano acabou se acomodando junto aos frades.
A igreja e o convento dos franciscanos foram construídos em um sítio muito grande, onde
atualmente se encontra a praça São Francisco.
Os Beneditinos
O superior geral dos beneditinos tinha interesse em fundar um convento na Capitania da Paraíba. O
governador da capitania recebeu o abade e conversou com o mesmo sobre a tal fundação. Resolveu
doar um sítio, que seria a ordem do superior geral dos beneditinos.
A condição imposta pelo governador era que o convento fosse construído em até 2 anos. O
mosteiro não foi construído em dois anos, mesmo assim, Feliciano manteve a doação do sítio.
A igreja de São Bento se encontra atualmente na rua nove, onde ainda há um cata-vento em
lâmina, construído em 1753.
Os Missionários Carmelitas
Os carmelitas vieram à Paraíba a pedido do cardeal D. Henrique, em 1580. Mas devido a um
incidente na chegada que colheu os missionários para diferentes direções, a vinda dos carmelitas
demorou oito anos.
Os carmelitas chegaram à Paraíba quando o Brasil estava sob domínio espanhol. Os carmelitas
chegaram, fundaram um convento e iniciaram trabalhos missionários. A história dos carmelitas aqui
é incompleta, uma vez que vários documentos históricos foram perdidos nas invasões holandesas.
Geografia e História da PB
53
Frei Manuel de Santa Teresa restaurou o convento depois da revolução francesa, mas logo depois
este foi demolido para servir de residência ao primeiro bispo da Paraíba, D. Adauto de Miranda
Henriques. Pelos carmelitas foi fundada a Igreja do Carmo.
2.3 A População Indígena
Na Paraíba haviam duas raças de índios, os Tupis e os Cariris (também chamados de Tapuias).
Os Tupis se dividiam em Tabajaras e Potiguaras, que eram inimigos.
Na época da fundação da Paraíba, os Tabajaras formavam um grupo de aproximadamente 5 mil
pessoas. Eles eram pacíficos e ocupavam o litoral, onde fundaram as aldeias de Alhanda e Taquara.
Já os Potiguaras eram mais numerosos que os Tabajaras e ocupavam uma pequena região entre o
rio Grande do Norte e a Paraíba.
Esses índios locomoviam-se constantemente, deixando aldeias para trás e formando outras. Com
esta constante locomoção os índios ocuparam áreas antes desabitadas.
Os índios Cariris se encontravam em maior número que os Tupis e ocupavam uma área que se
estendia desde o Planalto da Borborema até os limites do Ceará, Rio Grande do Norte e
Pernambuco.
Os Cariris eram índios que se diziam ter vindo de um grande lago. Estudiosos acreditam que eles
tenham vindo do Amazonas ou da Lagoa Maracaibo, na Venezuela.
Os Cariris velhos, que teriam sido civilizados antes dos cariris novos, se dividiam em muitas tribos;
sucuru, icós, ariu e pegas, e paiacú. Destas, os tapuias pegas ficaram conhecidos nas lutas contra
os bandeirantes.
O nível de civilização do índio paraibano era considerável. Muitos sabiam ler e conheciam ofícios
como a carpintaria. Esses índios tratavam bem os jesuítas e os missionários que lhes davam
atenção.
A maioria dos índios estavam de passagem do período paleolítico para o neolítico. A língua falada
por eles era o tupi-guarani, utilizada também pelos colonos na comunicação com os índios. O tupiguarani
mereceu até a criação de uma gramática, elaborada por Padre José de Anchieta.
Piragibe, que nos deu a paz na conquista da Paraíba; Tabira, que lutou contra os franceses e Poti,
que lutou contra os holandeses e foi herói na batalha dos Guararapes, são exemplos de índios que
se sobressaíram na Paraíba.
Ainda hoje, encontram-se tribos indígenas Potiguaras localizadas na Baía da Traição, mas em
apenas uma aldeia, a São Francisco, onde não há miscigenados, pois a tribo não aceita a presença
de caboclos, termo que eles utilizavam para com as pessoas que não pertencem a tribo.
O Cacique dessa aldeia chama-se Djalma Domingos, que também é o prefeito do município de Baía
da Traição. Aos poucos, a aldeia vai se civilizando; um exemplo disso é um posto telefônico
implantado na mesma há um mês.
Nessas aldeias existem cerca de 7.000 índios Potiguaras, que mantém as culturas antigas. Eles
possuem cerca de 1.800 alunos de 7 a 14 anos em primeiro grau menor.
No Brasil, só existem três tribos Potiguaras, sendo que no Nordeste a única é a da Baía da Traição.
Em 19 de Abril eles comemoraram seu dia fazendo pinturas no corpo e reunindo as aldeias locais na
aldeia S. Chico e realizaram danças, como o Toré.
A principal atividade econômica desses índios é a pesca e em menor escala, a agricultura.
3.1 Invasões Holandesas
Em 1578 o jovem rei de Portugal, D. Sebastião, foi morto na batalha de Alcácer-Quibir, na África,
Geografia e História da PB
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deixando o trono português para seu tio, o cardeal D. Henrique, o qual devido à sua avançada
idade acabou morrendo em 1579, sem deixar herdeiros. O Rei da Espanha, Felipe II, que se dizia
primo dos reis portugueses, com a colaboração da nobreza portuguesa e do seu exército, conseguiu
em 1580 o trono português.
A passagem do trono português à coroa espanhola prejudicou os interesses holandeses, pois eles
estavam travando uma luta contra a Espanha pela sua independência e a Holanda era responsável
pelo comércio do açúcar nas colônias portuguesas, o que lhes garantiam altos lucros. Dessa forma,
rivais dos espanhóis, os holandeses foram proibidos de aportarem em terras portuguesas, o que
lhes trouxe grande prejuízo.
Interessados em recuperar seus lucrativos negócios com as colônias portuguesas, o governo e
companhias privadas holandesas formaram a Companhia das Índias Ocidentais, para invadir as
colônias.
A primeira tentativa de invasão holandesa ocorreu em 1624, em Salvador. O governador da Bahia,
Diogo de Mendonça Furtado, havia se preparado para o combate, porém com o atraso da
esquadrilha holandesa, os brasileiros não mais acreditavam na invasão quando foram pegos de
surpresa.
Durante o ataque o governador foi preso. Mas orientadas por Marcos Teixeira, as forças brasileiras
mataram vários chefes batavos, enfraquecendo as tropas holandesas. Em maio de 1625, eles foram
expulsos da Bahia pela esquadra de D. Fradique de Toledo Osório.
Ao se retirarem de Salvador, os holandeses, comandados por Hendrikordoon, seguiram para Baía
da Traição, onde desembarcaram e se fortificaram. Tropas paraibanas, pernambucanas e índios se
uniram a mando do governador Antônio de Albuquerque e Francisco Carvalho para expulsar os
holandeses. A derrota batava veio em agosto de 1625.
Após esse conflito ao holandeses seguiram para Pernambuco, onde o governador Matias de
Albuquerque, objetivando deixá-los sem suprimentos, incendiou os armazéns do porto e
entrincheirou-se.
Na Paraíba, por terem ajudado os holandeses, os Potiguaras foram expulsos por Francisco Coelho.
Percebe-se nesse período a grande defesa da terra.
Temendo novos ataques, a Fortaleza de Santa Catarina, em Cabedelo, foi reconstruída e guarnecida
e a sua frente, na margem oposta do Rio Paraíba, foi construído o Forte de Santo Antônio.
Aos cinco dias de dezembro de 1632, comandados por Callenfels, 1600 batavos desembarcaram na
Paraíba. Ocorreu um tiroteio, os holandeses construíram uma trincheira em frente a fortaleza de
Santa Catarina, mas foram derrotados com a chegada de 600 homens vindos de Felipéia de Nossa
Senhora das Neves a mando do governador.
Após esse acontecimento os brasileiros tentam construir uma trincheira em frente a fortaleza. Os
holandeses tentam impedir, mas o forte resiste. Incapazes de vencer, os batavos se retiram para
Pernambuco.
Os holandeses decidem atacar o Rio Grande do Norte, mas Matias de Albuquerque, 200 índios e 3
companhias paraibanas os impediram de desembarcar.
Os holandeses voltam à Paraíba para atacar o Forte de Santo Antônio, mas ao desembarcarem
percebam a trincheira levantada pelos paraibanos, fazendo com que eles desistissem da invasão e
voltassem ao Cabo de Santo Agostinho.
Após um tempo os holandeses resolvem tentar invadir a Paraíba novamente, pois ela representava
Geografia e História da PB
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uma porta para a invasão batava em Pernambuco. Dessa forma, em 25 de novembro de 1634
partiu uma esquadra de 29 navios para a Paraíba.
Aos quatro dias de dezembro de 1634, bem preparados os soldados holandeses chegam ao Norte
do Jaguaribe, onde desembarcaram e aprisionaram três brasileiros, entre eles o governador, que
conseguiu fugir.
No dia seguinte o resto da tropa holandesa desembarcou aprisionando mais pessoas. No caminho
por terra para Cabedelo os batavos receberam mais reforços.
Antônio de Albuquerque Maranhão enviou à Paraíba tudo o que foi preciso para combater com os
chefes holandeses na região do forte. Enquanto isso, Callabar roubava as propriedades. Vieram
reforços do Rio Grande do Norte e de Pernambuco. O capitão Francisco Peres Souto assumiu o
comando da fortaleza de Cabedelo.
Apenas em 15 de novembro chegou à Paraíba o Conde Bagnuolo, para auxiliar os paraibanos. Como
os paraibanos já encontravam-se em situação irremediável, resolveram entregar o Forte de
Cabedelo e logo em seguida o Forte de Santo Antônio.
O Conde de Bagnuolo foi para Pernambuco; Antônio de Albuquerque e o resto da tropa, juntamente
com o resto do povo, tentou fundar o Arraial do Engenho Velho.
Os holandeses chegaram com seus exércitos na Felipéia de Nossa Senhora das Neves em 1634, e a
encontraram vazia. Foram então à procura de Antônio de Albuquerque no Engenho Velho, mas não
o encontraram.
O comandante das tropas holandesas entendeu-se com Duarte Gomes, que procurou a Antônio de
Albuquerque, que prendeu-o e mandou-o para o Arraial do Bom Jesus. Depois, os holandeses
mandaram libertar Duarte Gomes.
No Engenho Espírito Santo, os nossos guerreiros venceram os invasores, que eram chefiados por
André Vidal de Negreiros.
Os paraibanos continuavam com a idéia de querer expulsar os holandeses. Buscaram forças para
isso: arranjaram homens no Engenho São João e contaram com o apoio de André V. de Negreiros.
Quando os holandeses descobriram, também se prepararam para o combate. Os paraibanos
reuniram-se em Timbiri, e depois seguiram para o Engenho Santo André, onde foram atacados por
Paulo Linge e sua tropa.
Após várias lutas, morreram oitenta holandeses e a Paraíba perdeu o capitão Francisco Leitão.
Os combatentes, que estavam recolhidos no engenho Santo André, continuaram com as
provocações aos holandeses, tornando assim complicada a situação de Pernambuco.
A fortaleza de Pernambuco estavam entregue aos prisioneiros soltos por Hautyn. Francisco Figueroa
chegou para governar a capitania por um determinado tempo. Em 1655, chegou João Fernandes
Vieira para assumir a Capitania da Paraíba.
Jerônimo de Albuquerque conquistou o Maranhão com a ajuda de seu filho Antônio de Albuquerque
Maranhão. Em 1618, então este teve por herança o governo do Maranhão, que teria a assessoria de
duas pessoas escolhidas pelo povo. Antônio não gostou muito de seus auxiliares e os dispensou.
Seguindo os assessores seu próprio caminho, Antônio de Albuquerque abandonou o governo do
Maranhão e casou-se em Lisboa, tendo desse casamento dois filhos.
Antônio voltou ao Brasil em 1627, com a nomeação de Capitão-Mor da Paraíba.
A Capitania da Paraíba na época da invasão holandesa
Na época da invasão holandesa, a população era dividida em dois grupos: os homens livres
Geografia e História da PB
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(holandeses, portugueses e brasileiros) e os escravos (de procedência brasileira ou africana).
Durante muito tempo de domínio holandês no Brasil, não houve mistura de raças.
Política administrativa holandesa na Paraíba
Por uma década, a capitania da Paraíba teve como administradores alguns governadores
holandeses:
Servais Carpentier:Também governou o Rio Grande do Norte, e sua residência oficial foi no
Convento São Francisco.
Ippo Elyssens:Foi um administrador violento e desonesto. Apoderou-se dos melhores engenhos da
capitania.
Elias Herckmans:Governador holandês importante, que governou por cinco anos.
Sebastian Von Hogoveen:Governaria no lugar de Elias H., mas morreu antes de assumir o cargo.
Daniel Aberti:Substituto do anterior.
Gisberk de With:Foi o melhor governador holandês, pois era honesto, trabalhador e humano.
Paulo de Lince:Foi derrotado pelos "Libertadores da Insurreição", e retirou-se para Cabedelo.
3.2 Conquista para o Interior da Paraíba
Através de entradas, Missões de Catequese e bandeiras, o interior da Paraíba foi conquistado,
principalmente após as invasões holandesas.
Os missionários pregavam o cristianismo nas suas Missões, alfabetizavam e ensinavam ofícios aos
índios e construíam colégios para os colonos.
Os missionários encontraram um planalto com uma campina verde e um clima agradável. Um
aldeamento de índios cariris que se organizaram na região deram-lhe o nome de Campina Grande.
Entre os missionários, destacou-se o Padre Martim Nantes, cuja missão deu origem à vila de Pilar.
As Missões de Catequese foram as primeiras formas de conquista do interior da Paraíba. Após elas
foram executadas bandeiras com a finalidade de capturar índios.
O capitão-mor Teodósio de Oliveira Ledo foi o homem que comandou a primeira bandeira na
Paraíba. Esta bandeira se deu através do Rio Paraíba e teve como destaque a fundação de um
povoado chamado Boqueirão. Esta primeira bandeira, apesar de ter sido tumultuada, foi bem
sucedida, uma vez que Teodósio aprisionou vários índios. Teodósio é tido como o grande
responsável pela colonização do interior da Paraíba. Ele estabeleceu-se no interior e trouxe famílias
e índios para povoá-lo.
Os passos de Teodósio foram seguidos pelo capitão-mor Luís Soares, que também se destacou por
suas penetrações para o interior.
Um homem chamado Elias Herckman procurou minas e chegou à Serra da Borborama. Sua atitude
(a de procurar minas) foi seguida por Manuel Rodrigues.
O fundador da Casa da Torre, Francisco Dias D’ávila, foi outro bandeirante que se destacou na
colonização da Paraíba.
Entre as várias tribos (caicós, icós, janduis, etc.) que se destacaram no conflito contra conquista do
interior paraibano, os mais conhecidos são os sucurus, que habitavam Alagoas de Monteiro.
3.3 Análise política, econômica e social da capitânia nos séculos XVII e XVIII
Análise Política
Na administração colonial do Brasil, foram configurados três modalidades de estatutos políticos: o
das capitanias hereditárias, o do governo geral e o do Vice-reino.
Na Paraíba, tivemos a criação da Capitania Real em 1574.
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Em 1694, depois de mais de noventa anos de fundação, esta capitania se tornou independente.
Entretanto, passados mais de sessenta anos, a capitania da Paraíba foi anexada à de Pernambuco
em 1o de janeiro de 1756.
Houve prejuízo nesta fusão para a capitania paraibana, além de prejudicar o Real Serviço, em
virtude das complicações de ordem General de Pernambuco, do governador da Paraíba e do Rio
Grande do Norte.
Por isto, em 1797, o governador da capitania, Fernando Castilho dá um depoimento, descrevendo a
situação da Capitania Real da Paraíba à Rainha de Portugal. Em 11 de janeiro de 1799, pela Carta
Régia, a Capitania da Paraíba separou-se da de Pernambuco.
O interior da capitania foi devastado por bandeirantes, que penetravam até o Piauí. Entretanto a
conquista do Sertão foi realizada pela família Oliveira Ledo.
Outro fato político foram as constantes invasões de franceses a mando da própria coroa francesa.
A invasão holandesa e a Guerra dos Mascates, em que a Paraíba esteve sempre presente com
heroísmo de seus filhos, tiveram a sua conseqüência política, uma vez que estimulou o sentimento
nacionalista dos paraibanos.
Análise Econômica
Na época colonial, a Paraíba ofereceu no aspecto econômico um traço digno de registro. Entre os
principais produtos e fontes de riqueza, destacavam-se o pau-brasil, a cana-de-açúcar, o algodão e
o comércio de negros.
O pau-brasil, proveniente da Ásia, era conhecido como ibira-pitanga pelos índios. O seu valor como
matéria prima de tinturaria foi atestado na Europa e na Ásia. Daí a sua importância econômica.
Pernambuco e Paraíba figuravam entre os pontos do Brasil onde a ibira-pitanga era mais
encontrada.
A cana-de-açúcar, que foi a principal riqueza da Paraíba com os seus engenhos, veio do Cabo
Verde. Foi plantada inicialmente na Capitania de Ilhéus.
A cana não se aclimatou na Europa. Na idade média o açúcar era um produto raro de preço
exorbitante. Figurava em testamento no meio das jóias.
Isto provou bem a importância do açúcar, de que resultou o desenvolvimento e progresso das
colônias brasileiras. Na primeira década da fundação da Paraíba, já se encontravam dez engenhos
montados.
Desde 1532 que entrava na capitania este produto armazenado nos celeiros, na feitorias de
Iguarassú. Os franceses já traficavam com o algodão. Entretanto a economia do "ouro branco" só
se desenvolveu no século XVIII. Aqui na capitania o algodão teve uma suma importância na
balança da economia.
Na Paraíba o rebanho de gado vacum também teve importância econômica. Não foi ele somente
utilizado como fonte de subsistência entre nós. Entrou nos engenhos como impulsionador das
moendas.
Teve o gado a sua fase áurea durante a "idade do couro", quando tudo se fazia com o couro com
fins comerciais; móveis, portas, baús, etc.
O Tráfico de Escravos
No início da colonização, começaram a ser introduzidos no Brasil os escravos. A data é omissa, mas
presume-se que tenham vindo primeiro com Martim Afonso de Souza para a Capitania da São
Vicente.
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Na Paraíba, o empreendimento do comércio de negros iniciou-se logo após o Decreto Real de 1559,
da Regente Catarina permitindo aos engenhos comprar cada um doze (12) escravos.
O escravo era mercadoria cara. Seu valor médio oscilava entre 20 e 30 libras esterlinas.
Análise Social; Igrejas
Duarte Coelho Pereira fundou uma nova Lusitânia, composta apenas por nobres. Alguns nobres de
Pernambuco se refugiaram para a Paraíba, antes que ocorresse alguma invasão holandesa. Ao
chegarem, fizeram seus engenhos, onde viviam com muito luxo, desfrutando de tudo.
Ocorre que nem toda a população vivia tão bem como a nobreza, uma vez que haviam mulheres e
moças analfabetas, que só faziam os afazeres domésticos.
Havia também outras classes sociais, compostas por comerciantes e aventureiros, que enriqueciam
rapidamente, faziam parte da burguesia, querendo chegar a fazer parte da nobreza.
Os integrantes da máquina administrativa constituíam outra classe. Eles eram considerados os
homens bons, viviam uniformizados.
O fator mais importante para a sociedade foi a Igreja, devido à sua maneira de catequizar o povo.
As principais igrejas que acompanharam a Paraíba no tempo colonial foram:
A matriz de Nossa Senhora das Neves
Igreja da Misericórdia
Igreja das Mercês
Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos
Capela de Nossa Senhora da Mãe dos Homens
Igreja do Bom Jesus dos Martírios.
Topo

4.1 Revoltas em que a PB Participou


Guerra dos Mascates:A Guerra dos Mascates foi uma guerra civil, ocorrida em Pernambuco, no
século XVIII, mais propriamente em Olinda, sede do governo pernambucano na época.
Ocorreu que houve indignação contra a elevação de Recife à categoria de vila, a pedido da
população de Recife, composta por comerciantes portugueses chamados Mascates que aspiravam
por uma maior autonomia. Nesta época a economia nordestina entrava em declínio, pois os preços
do açúcar estavam baixando no mercado mundial e haviam descoberto as Minas Gerais.
Muitos senhores de engenho deviam dinheiro aos mascates. Em 1707 o povoado de Recife foi
elevado a vila, o que provocou revolta em Olinda. Alguns olindenses ocuparam Recife e elegeram
um novo governador a seu favor; Olinda ocupou Recife por três meses.
João da Mata, um mascate, adquiriu o apoio do governador da Paraíba, João da Maia Gama, para
desforrar-se dos senhores de engenho. Desta forma os mascates aprisionaram o governador
pernambucano. Após este fato entrou um novo governador no poder (Félix José Machado de
Mendonça), que a princípio foi imparcial, mas que em seguida ficou ao lado dos mascates, os quais
saíram vencedores desse conflito.
Revoluções Liberais: A passagem do século XVIII para o XIX foi marcada pelo surgimento de
idéias revolucionárias. No mundo surgia o estilo literário conhecido como Realismo/Naturalismo,
que procurava descrever as classes inferiores e mostrar os aspectos mais degradantes e cruéis da
sociedade. Na Paraíba as idéias revolucionárias foram estimuladas pela marçonaria.
O mundo todo se baseava no ponto de vista científico. Temos como exemplo o padre Manoel
Arruda, que começou a pesquisar a fauna e a flora nordestina.
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Todas estas idéias liberais provocaram um surto revolucionário, no qual podemos citar as
revoluções de 1817, 1824 e 1848, todas com tendências republicanas, federalistas e democráticas.
Revolução de 1817:Este movimento de caráter republicano e separatista, surgiu na Província de
Pernambuco e logo se espalhou pelas províncias de Alagoas, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará.
Influenciados pela Revolução Francesa e polo exemplo de República norte-americano, os revoltosos
queriam emancipar o Brasil. Quando a revolta estourou os revoltosos instalaram um governo
provisório republicano. Porém o Governo Geral não perdeu tempo. Quatro meses depois os líderes
da revolta foram condenados à morte e a revolução contida.
Como líderes da revolução podemos citar Domingos José da Silva (comerciante) e os paraibanos
militares Peregrino de Carvalho e Amaro Gomes.
Revolução Praieira:Esta revolta durou apenas cinco meses e ocorreu na província de Pernambuco
entre 1848/49. Ela foi influenciada pelo espírito de 1848 que dominava a Europa. Esta revolta
consiste não apenas em um movimento de protesto contra a política Imperial, mas num movimento
social que pretendia estabelecer reformas. Dentre outras exigências feitas pelos revoltosos,
podemos citar:
a divisão dos latifúndios;
a liberdade de imprensa;
democracia;
fim da importação de indústrias têxteis;
fim do domínio português sobre o comércio de Recife;
fim da oligarquia política, entre outros.
Os revoltosos eram os liberais adversativos dos conservadores (grandes latifundiários e
comerciantes portugueses). O principal jornal liberal em Recife tinha sua localização na Rua da
Praia. Por causa disto, os liberais ficaram conhecidos como praieiros.
A revolução iniciou-se com choques entre os liberais e conservadores de Olinda, ao sétimo dia do
mês de novembro de 1848. Em 1849 os revoltosos atacaram Recife, mas fracassaram. Depois de
ter sido derrotado pelas tropas do Brigadeiro Coelho, em Pernambuco, Borges da Fonseca
continuou a lutar na Paraíba. Outros líderes foram torturados ou assassinados. Este foi o último
movimento revolucionário do Império.
Confederação do Equador: Esta revolta surgiu com a atitude autoritária de D. Pedro I, o qual
dissolveu a Assembléia Constituinte. Esta situação agravou-se quando D. Pedro I quis substituir
Manoel Pais de Andrade, governador da província, ex-revolucionário, que gozava de grande
popularidade entre os pernambucanos, por uma apadrinhado seu (Francisco Reis Barreto). Desta
forma, as câmaras municipais de Olinda e Recife se declararam contrárias ao governo de Barreto.
Em 2 de julho de 1824, Pais de Andrade se empenhou na revolta, pedindo apoio às outras
províncias nordestinas. Seu objetivo era reunir as províncias do Nordeste em uma república,
denominada de Confederação do Equador.
Foram mandados emissários às províncias da Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. Porém a
repressão sobre esta revolta foi intensa. D. Pedro I enviou navios de guerra para derrotá-la. Após a
derrota das tropas republicanas de Pernambuco, as outras províncias se enfraqueceram e foram
derrotadas.
Seus líderes foram todos executados, entre eles Frei Caneca, que morreu fuzilado, pois ninguém
tinha coragem de enforcá-lo.
Geografia e História da PB
60
Revolta dos Quebra-Quilos:Ocorrida em 1874, ficou assim conhecida pela modificação que
provocou no sistema de pesos e medidas, fato este que provocou uma grande revolução na
Paraíba. Esta revolta causou muitas prisões, inclusive a do padre de Campina Grande (Calisto
Correia Nóbrega).
Ronco da Abelha:A revolta do ronco da abelha se deu nos sertões de Pernambuco, Alagoas, Ceará
e Paraíba, em 1851, com o intuito de fazer o controle sobre os trabalhadores, visto que, com a
queda do tráfego negreiro, os homens livres foram trabalhar.
Princesa Isabel>Frente de oposição ao presidente João Pessoa, na cidade de Princesa Isabel,
Paraíba. Teve como líder José Pereira, que possuía amizades influentes no Estado.
Coluna Prestes>Foi um movimento iniciado por alguns políticos que estavam descontentes com o
governo do presidente do Rio Grande do Sul, e velhos participantes da Revolta Federalista de 1893.
Seus principais líderes foram: Luís Carlos Prestes, Miguel Costa e Juarez Távola.
Os integrantes da Coluna, apesar de todas as dificuldades, conseguiram romper as barreiras do sul.
Ao final, a Coluna se retirou para a Bolívia, o Paraguai e a Argentina.
Revolução de 30:Representou o acontecimento mais importante em toda a história da Paraíba. A
liderança da Paraíba foi para frente a partir do memento em que João Pessoa recusou aceitar a
candidatura de Júlio Prestes à presidência da república.
Tudo piorou com o levante de Princesa, que contou com o apoio de todos os coronéis do açúcar e
do algodão, entre outros fatores que contribuíram para o agravamento da situação.
Logo após esse acontecimento, veio a morte do presidente da Paraíba,João Pessoa. A revolução se
espalhou por diversos lugares (Nordeste do Maranhão à Bahia).
4.2 Governadores da PB após a revolução de 1930
Após a Revolução de 30, explicada anteriormente, o Estado da Paraíba teve os seguintes
governadores:
Álvaro Pereira de Carvalho (ficou no poder até 4 de outubro de 1930);
José Américo de Almeida (04/10/1931-09/10/1930);
Antenor de França Navarro (10/11/1930-1931);
Gratuliano da Costa Brito (1932);
José Marquês da Silva Mariz (1934);
Argemiro de Figueiredo (1935);
Ruy Carneiro (1940-1945);
Samuel Duarte (1945);
Severino Montenegro (1945-1946);
Odon Bezerra Cavalcanti (1946);
José Gomes da Silva (1946-1947);
Oswaldo Trigueiro (1947-1950);
José Targino (1950-1951);
José Américo de Almeida (1951-1953, 1954-1956);
João Fernandes de Lima (1953-1954);
Flávio Ribeiro Coutinho (1956-1958);
José Fernandes de Lima (1960-1961);
Pedro Moreno Godim (1958-1960 e depois 1961-1966);
João Agripino Filho (1966-1971);
Geografia e História da PB
61
Ernani Sátyro (1971-1975);
Ivan Bichara Sobreira (1975-1979);
Dorgival Terceiro Neto (1979);
Tarcísio Burity (1979-1982);
Clóvis Bezerra (1982-1983);
Wilson Braga (1983-1986);
Riveldo Bezerra Cavalcante (1986);
Milton Cabral (1986-1987);
Tarcísio Burity (1987-1991);
Ronaldo Cunha Lima (1991-1994);
Cícero Lucena (1994-1995);
Antônio Mariz (1995);
José Maranhão (1995 - ....).
4.3 Sítios Arqueológicos da PB
Em se tratando de arqueologia, a Paraíba possui um potencial invejável.
No município de Ingá, encontra-se o sítio arqueológico mais visitado do Estado, conhecido como
Pedra do Ingá, onde estão gravadas, na dura rocha, no leito de um rio, dezenas e dezenas de
inscrições rupestres, formando fantásticos painéis com mensagens até hoje não decifradas.
Embora ainda fazendo parte do desconhecido, os achados da Pedra do Ingá estão já há bastante
tempo catalogados por notáveis arqueólogos como um dos mais importantes documentos líticos,
motivando permanente e incessantes pesquisas, que buscam informações mais nítidas sobre a vida
e os costumes de civilizações passadas.
Seriam as itacoatiaras do Ingá manifestações dos deuses? O que estes antepassados quiseram
transmitir, com suas inscrições sincronizadas, esculpidas na rocha? As respostas vêm sendo
tentadas por arqueólogos, antropólogos, astrônomos e ufólogos, que chegam de várias partes do
mundo, interessados em desvendar esses mistérios.
O destaque do Sítio Arqueológico são três painéis de riquíssima arte rupestre. Existem sulcos e
pontos capsulares seqüênciados, ordenados, que lembram constelações, serpentes, fetos e variados
animais, todas parecendo o modo que os indígenas ou os visitantes de outras latitudes tinham para
anunciar idéias ou registrar fatos e lendas. O bloco principal, de 24 metros de comprimento por
cerca de 4 metros de altura, divide o rio Ingá de Bacamerte em dois, durante o inverno. No verão,
o rio corre por trás das inscrições.
No sítio arqueológico de Ingá surgiu um Museu de História Natural, que acolhe cerca de duas
dezenas de fósseis de animais que aí viveram, retirados do sítio Maringá e em Riachão do
Bacamarte.
O sítio arqueológico de Ingá é ainda uma reserva ecológica da biosfera da caatinga, onde
encontram-se diversas espécies de árvores, entre elas uma velha baraúna, com mais de 100 anos
de vida. Curiosamente, a ingazeira, espécie de árvore que inspirou o nome da cidade, desapareceu
a mais de 40 anos. A prefeitura de Ingá está trazendo da cidade de Areia várias mudas de
ingazeira, a fim de restaurar um pouco da história local.
No alto sertão, mais propriamente no município de Sousa, encontra-se o Vale dos Dinossauros, uma
vasta área onde estão registradas inúmeras pegadas fossilizadas de animais pré-históricos,
transformadas em rochas pela ação do tempo.
Geografia e História da PB
62
5. DIVISÃO GEOPOLÍTICA
5.1.1 Localização
A Paraíba se encontra localizada no leste da região Nordeste. Com uma área de 56.584,6 Km², o
Estado se caracteriza como um dos menores do país.
Por ser cortado pelo Planalto da Borborema, a região sertaneja do Estado possui um clima
extremamente seco, característico do sertão nordestino. Isso ocorre porque o Planalto da
Borborema impede a passagem de massas de ar que iriam provocar chuvas no interior.
5.1.2 Limites
A Paraíba possui, entre seus extremos, a Ponta do Seixas , importante ponto turístico da capital do
Estado. Localizada na praia do Cabo Branco, a Ponta do Seixas é o local que marca o ponto mais
oriental das Américas. Este local marca o limite do Estado para o leste, onde o mesmo se encontra
com o Oceano Atlântico.
Já à oeste, a Paraíba se limita com o Estado do Ceará, cuja capital é Fortaleza. Ao norte, o Estado
se limita com o Rio Grande do Norte, que tem Natal como capital.
Finalmente, ao sul, a Paraíba se limita com o Estado de Pernambuco, cuja capital é Recife.
5.1.3 Microregiões
Microregiões Homogêneas
CIDADE KM
Catolé do Rocha 2.952 Km²
Seridó Paraibano 2.669 Km²
Curimataú 2.755 Km²
Piemente da Borborema 2.345 Km²
Litoral da Borborema 2.345 Km²
Sertão de Cajazeiras 5.567 Km²
Depressão do Alto Piranhas 12.409 Km²
Brejo Paraibano 1.105 Km²
Agro Pastoral do Alto Paraíba 1.698 Km²
Serra do Teixeira 3.043 Km²
5.1.4 Relevo
As terras que formam a Paraíba não apresentam a mesma forma em todo o Estado. A baixada
litorânea possui altitudes que variam entre 0 e 10 metros e tem as seguintes formas de relevo:
I - As praias: Depósitos arenosos ou terras de várzeas, que ficam junto às embocaduras dos rios
que lançam suas águas no Oceano Atlântico.
II - Restingas: Depósitos arenosos em forma de língua ou flecha.
III - Dunas: São montes de areia formados pela ação dos ventos.
IV- Mangues: São planícies de marés com vegetação formada por árvores e arbustos.
Os tabuleiros variam de altitude de 20 a 30 metros, havendo alguns com até 200 m. São formados
pelo acumulo de terras provenientes de lugares mais altos. São terras altamente férteis e próprias
para o cultivo da cana-de-açúcar.
As planícies aluviais correspondem aos grandes vales formados pelos rios Paraíba e Mamanguape,
que cortam os tabuleiros.
O Planalto da Borborema constitui a parte mais elevado do relevo paraibano, cruza a Paraíba de
Nordeste a Sudeste, com presença de várias serras, com altitude variando entre 500 e 650 metros.
Geografia e História da PB
63
Entre as principais serras, podemos destacar a da Araruna, Viração, Caturité, Teixeira, Comissária e
outras.
Na Serra de Teixeira fica o Pico do Jabre, o ponto mais elevado da Paraíba, com mais de 1.000
metros de altitude.
A depressão sertaneja se inicia em Patos, após a serra da viração. Constituem um conjunto de
terras baixas, ocupando uma área extensa entre a Borborema e as terras situadas nos estados
vizinhos.
5.1.5 Clima
A Paraíba situa-se à faixa tropical do hemisfério sul, pois está a uma latitude de 7° próximo ao
Equador, porém existem desvios significativos no sentido leste-oeste dos ventos, provocados pelas
regiões planálticas.
A região situada próximo ao Equador recebe uma alta radiação energética, que corresponde a
3.000 horas de insolação anual, determinando um clima quente e úmido, com temperatura média
anual de 26°C. Percebe-se também pequenas diferenças térmicas influenciadas pelo relevo.
A Paraíba situa-se dentro das faixas dos ventos do Sudeste (alísios), porém estes ventos sofrem
desvios relevantes devido à presença de áreas serranas, mais ou menos transversais à direção
destes ventos, o que evidenciam sobre a força e a continuidade da massa de ar. Este fato
determina uma zona de chuvas abundantes na parte oriental, no inverno; uma zona de chuvas
escassas na parte central, no verão e uma zona de chuvas menos escassas na parte ocidental no
verão e outono.
O total pluviométrico de 400 a 1.000 mm, juntamente com o período de seca, possuem grande
influência na atividade agropecuária da Paraíba.
Podemos concluir que as regiões mais próximas do mar estão sob o domínio do clima quente e
úmido. A partir que distanciam-se do litoral as regiões passam a ter o predomínio de climas
quentes e secos.
5.1.6 Hidrografia
A mais forte característica dos rios paraibanos é o fato de a maioria serem temporários, ou seja,
diminuem bastante de volume ou mesmo secam nos períodos de saca, principalmente no sertão, o
que complica a agricultura na região.
As principais bacias hidrográficas da Paraíba são a do rio Piranhas, a do Paraíba, a do Curimataú, a
do Camaratuba, a do Mamanguape, a do Miriri, a do Gramame e a do Abiaí.
A principal bacia de todas é a do rio Piranhas, que nasce na serra do Bongá, na fronteira com o
Estado do Ceará. Ele tem uma relevante importância para o Estado, uma vez que através da
barragem de Mãe D'Água, em Coremas, viabiliza a irrigação de muitas terras.
O Rio Paraíba, o mais famoso do Estado, nasce na serra de Jabitacá, em Monteiro, no Planalto da
Borborema.
5.1.7 População
No final da década de 70 e início de 80, a Paraíba possuía uma população de 2.770.176 habitantes.
Um novo recenseamento, realizado em 1996, revelou uma população total de 3.305.562
habitantes, sendo 1.598.372 homens e 1.707.190 mulheres.
A população descendo do elemento branco, que era o português colonizador, do negro, procedente
da África como escravo para trabalhar na agricultura, e o índio, de origem local.
A população é essencialmente mestiça, resultante da miscigenação dos três grupos étnicos:
Geografia e História da PB
64
Mulato: Mistura do branco com o negro. Predominante no litoral do Estado.
Caboclo: Mistura do branco com o índio, predominante no interior do Estado.
O cafuzo: Mistura do negro com o índio. Este é mais raro.
A Paraíba ocupa o 4° lugar no Nordeste em população absoluta, com uma densidade demográfica
de 58,63 hab/Km².
O litoral tem as maiores densidades do Estado, com 300 hab/Km², observados na grande João
Pessoa, por ser uma área mais urbanizada e polarizadora. O Agreste e o Brejo vêm depois com
densidades entre100 e 300 hab/Km², seguido do Sertão, com densidades entre 10 e 25 hab/Km²,
elevando-se para 50 hab/Km² em algumas regiões urbanas.
Em 1970, a população paraibana se encontrava, na sua maioria, no campo. Havia 58% de
habitantes no campo, contra 42% nas cidades. Em 1980, o quadro já havia se invertido (42% rural
e 58% urbana). Essa mudança, que ocorreu em todo o país nesse período e que tende a evoluir, é
proveniente do êxodo rural, onde famílias inteiras saem do campo e vão para as cidades a procura
de melhores condições de vida.
Entre os anos de 70 e 80, houve redução de pessoas no setor primário, de 64,83% para 49,99%, o
que só veio a confirmar a transferência da população do campo para as cidades. Durante este
período, verificou-se um crescimento do setor terciário, de 26,44% para 36,96%. Isto se justifica
pelo fato de as pessoas provenientes do campo trabalharem nas cidades justamente neste setor.
De acordo com o censo de 1980, 54,5% da população possuía entre 0 e 19 anos, 37,8% entre 20 e
59 anos e 7,7% com 60 anos ou mais.
Já o censo de 1989 mostrou um declínio da população jovem para 48,4%, o aumento da população
adulta para 42,2% e dos idosos para 9,4%.
5.2. PARAÍBA ATUAL
5.2.1 Aspectos Políticos:
Por toda parte, dentro da Paraíba, existem análogos problemas de seca, condições sociais e
similares. As razões de existência dos "chefes políticos" não diferem muito entre si, pelo menos
quando se toma a situação como um todo. Os fenômenos de independência constatados na Paraíba
correspondem à existência de aglomerações relativamente pequenas.
O problema das cidades ganha relevo na análise política. A síntese dos diferentes elementos, que
são as cidades e campo, os "chefes políticos" e os eleitores, afasta-se ainda mais do esquema
traçado para a Paraíba. Neste Estado, os partidos políticos são conseqüência de uma certa situação
de fato, histórica e contingente.
Os partidos políticos paraibanos são os seguintes:
PCB >Partido Comunista Brasileiro
PSB>Partido Socialista Brasileiro
PSD> Partido Social Democrático
UDN>União Democrática Nacional
PTB - >Partido Trabalhista Brasileiro
PSP - >Partido Social Progressista
PL>Partido Liberal
PTN>Partido Trabalhista Nacional
PRN>Partido da Reconstrução Nacional
PDS>Partido Democrático Social
Geografia e História da PB
65
PDT>Partido Democrático Trabalhista
PFL>Partido da Frente Liberal
PSC>Partido Social Comunista
PMN>Partido da Movimentação Nacional
PMDB>Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PT>Partido dos Trabalhadores
PC do B>Partido Comunista do Brasil
PSDB>Partido Socialista Democrático Brasileiro
PST>Partido Social Trabalhista
PDC>Partido Democrático Cristão
Os principais órgãos públicos que auxiliam o governo são:
Telpa:Telecomunicações da Paraíba, responsável pelos serviços telefônicos;
Paraiban:Banco do Estado da Paraíba S/A. Foi fechado pelo Banco central e reaberto no goveerno
de Ronaldo Cunha Lima;
Cagepa:Companhia de Água e Esgoto da Paraíba;
Ceasa:Centrais de Abastecimento Sociedade Anônima, responsável pelo abastecimento agrícola;
Saelpa:Sociedade Anônima de Eletrificação da Paraíba, responsável pelo abastecimento de energia
elétrica no Estado, com exceção de Campina Grande, onde o serviço é prestado pela Celb;
Ipep:Instituto de Previdência do Estado da Paraíba, responsável pela assistência médica, benefícios
e aposentadorias dos trabalhadores estaduais;
Cehap:Companhia Estadual de Habilitação Popular, responsável pela habilitação das pessoas mais
pobres;
Pbtran:Batalhão da Polícia de Trânsito;
ECT:Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos.
Para coordenar as atividades comerciais, agrícolas, sociais e políticas, a fim de melhorar as
condições de vida da população, o poder é dividido em três:
Poder Legislativo:Exercido pelos deputados estaduais, eleitos pelo povo como seus
representantes, durante um período de 4 anos.
Poder Judiciário:Exercido pelo Tribunal de Justiça, por meio dos desembargadores e juizes.
Poder Executivo: Exercido pelo governador do Estado, que atua por 4 anos.
5.2.2 Aspectos Econômicos
Sob o ponto de vista econômico, considerando a P.E.A. (população economicamente ativa)
correspondente aos setores econômicos, percebe-se que está ocorrendo uma redução no número
de pessoas ocupando o setor primário paraibano, o que confirma a saída da população do campo.
Enquanto isso, nas cidades, o setor terciário está sofrendo aumento gradativo, ao receber a
população proveniente do setor primário.
A debilidade da indústria no Estado mostrou uma redução nos percentuais da população
pertencente ao setor secundário entre as décadas de 70 e 80. A indústria, em 1995, teve uma
crescimento de 7,7% e sua produção de 2,6%, que por pouco não se nivelou ao crescimento líquido
demográfico.
Apesar da população paraibana continuar participando cada vez menos do setor primário, este
ainda representa a base da economia do Estado. Os principais produtos agrícolas paraibanos são:
Abacaxi: Sobre o qual a Paraíba se destaca como o maior produtor, tendo grande importância para
Geografia e História da PB
66
a exportação. O abacaxi é cultivado em Sapé, Mari e Mamanguape.
Sisal Nos anos 50 e 60 foi o principal produto agrícola paraibano. Hoje ocupa o terceiro lugar na
exportação estadual.
Cana-de-açúcar:Possui grande importância econômica, pois dela se fabrica o álcool usado como
combustível. As principais áreas de cultivo são os vales, os tabuleiros e o litoral.
Algodão: Na região sertaneja, ocupa lugar de destaque. Essa cultura já representou o principal
produto agrícola paraibano.
Mandioca, milho e feijão:São culturas de subsistência.
Na produção animal, destacamos os rebanhos:
Bovino:Sua produção se destina basicamente a alimentação local. Localiza-se mais intensamente
no Agreste e no Sertão.
Suíno:Com a melhoria das técnicas de criação, o rebanho vem apresentando um crescimento.
Localiza-se no Cariri e no Sertão.
Caprinos e Ouvinos: Fornece carne e leite. Localiza-se nos Cariris e no Sertão.
Eqüinos, Asininos e Muares: Destinados ao transporte.
Percebe-se que a pecuária é praticada de forma extensiva na Paraíba.
5.2.3 Aspectos Sociais
Nosso povo surgiu na mistura das raças branca, negra e índia. Esta última já habitava a região.
A população da Paraíba é essencialmente mestiça, o que resulta da união de três etnias: a mulata,
a cabocla e a cafuza.
A Paraíba é o Estado mais pobre do Brasil, mas atualmente o governo do estadual está com a
iniciativa de gerar empregos, trazendo indústrias do sul do país como, por exemplo, podemos citar
a Embratex (indústria têxtil implantada em Campina Grande há pouco tempo).
5.2.4 Aspectos Religiosos
Na Paraíba existem várias religiões, porém o Catolicismo é a predominante. O protestantismo vem
crescendo muito nos últimos tempos e cada vez mais atrai adeptos da Igreja Católica. Par evitar
isso, os carismáticos vêm se esforçando para buscar jovens, a fim de mostrar-lhes um catolicismo
mais atrativo e que possa chamar-lhes a atenção.
Existem Igrejas Protestantes, como por exemplo a Universal do Reino de Deus, que podem ser
consideradas como "comerciantes", pelo fato de exigirem dinheiro de seus fiéis. Este tipo de Igreja
tem obtido um sucesso e uma divulgação impressionantes, já que são bastante difundidas pelos
meios de comunicação.
Além da Igreja Universal do Reino de Deus, há outras Igrejas protestantes, também bastante
difundidas, como a Igreja Presbiteriana e a Assembléia de Deus.
Além dessas Igrejas citadas existem outras com um número menor de adeptos, e outras que são
consideradas seitas, tais como Umbanda, Igreja Messiânica e Borboleta Azul. Estão presentes
também a doutrina espírita, a Gnose (controle da mente), Igreja dos Mormos, bem como Escolas
Iniciáticas, como a Ordem Rosa Cruz e a Ordem Maçônica, além de uma série de outras intituições
menos significativas.
5.2.5 Aspectos Culturais
Folclore
As manifestações folclóricas e populares existem em grande quantidade na Paraíba. Tais
manifestações fazem parte da cultura do Estado paraibano.
Geografia e História da PB
67
Dentre estes acontecimentos, podemos citar:festas de padroeiro, festas natalinas,festas juninas,
casamentos, batizados, noivados, festas de ano novo, festas de caráter religioso, vaquejadas,
exposições agropecuárias, festas do calendário cívico, entre outras.
Artesanato
Literatura transmitida de pessoa a pessoa, que se conserva na memória do povo. Fazem parte
desta literatura: as anedotas, a cantoria de viola, a glosa, a parlenda, o folheto de cordel, o
provérbio, advinha, etc.
Anedota: Tipo de estória curta, que tem por finalidade provocar risos em alguém.
Cantoria:Atividade própria do poeta-cantador. A cantoria sofreu codificações desde o seu
surgimento até hoje, e atrai muitas pessoa para vê-la.
Parlenda:Poema feito em versos curtos, geralmente utilizados para distrais crianças.
Provérbio:Sentença breve, criada pelo povo. Tem por finalidade mostrar a experiência humana.
Advinha: Tipo de passatempo divertido.
Festas Populares
Na Paraíba, as festas cívicas e populares são comemoradas pela população com grande entusiasmo.
Os paraibanos aprenderam a festejar acontecimentos religiosos com os portugueses, tendo
influência também dos indígenas.
Os festejos populares realizados em homenagem aos padroeiros servem para reencontrar pessoas
que não se vinham a muito tempo, especialmente familiares que vêm de outras localidades para
fazer uma visita à sua terra natal. Esses festejos também servem para o divertimento da
população.
As principais festas populares são:
Festa de Nossa Senhora das Neves e Festa de Nossa Senhora da Penha, ambas comemoradas em
João Pessoa; e Micarande, festas populares comemoradas em Campina Grande, que atraem turistas
de todo o país;
Festa da Luz, em Guarabira;
Festa da Guia, em Patos;
Festa do Rosário, que ocorre em Pombal e Santa Luzia.
O autor
Leandro de Lima Lira nasceu no dia 11 de maio de 1981, em
Campina Grande. É graduando em Ciências da Computação (UFCG)
e Direito (UEPB), ambos com ingresso em 1999. Possui o Curso de
Formação de Alfabetizadores de Jovens e Adultos do Projeto
BBeducar, promovido pela Fundação Banco do Brasil, em Campina
Grande; Abril de 2001. Curso PCN em AÇÃO, promovido pela
Secretaria Municipal de Educação de Campina Grande; 2001 e
2002.
Em 1997, quando ainda estudava no 2º ano do Ensino Médio do
Colégio Imaculada Conceição (Damas), em Campina Grande, PB,
elaborou a monografia de História da Paraíba, juntamente com
Aluízio Jácome, Andréia Benari Oliveira, Camila Azevêdo e Érica
Samara.
• E-mail: peixecg@ig.com.br
Geografia e História da PB
68
• Home page: www.leandrolira.cjb.net

HISTÓRIA DA PARAÍBA 2
Geografia e História da PB
69
A PARAÍBA NO PERÍODO COLONIAL – 67

A PARAÍBA DURANTE O IMPÉRIO

A PARAÍBA E A PRIMEIRA REPÚBLICA

A CONQUISTA DA PARAÍBA

A CONQUISTA DO SERTÃO PARAIBANO

AS NAÇÕES INDÍGENAS DA PARAÍBA

OS HOLANDESES NA PARAÍBA

A ESCRAVIDÃO NA PARAÍBA

AS LUTAS NATIVISTAS NA PARAÍBA

A REVOLUÇÃO DE 30 E A PARAÍBA

O MOVIMENTO DE 64 E A PARAÍBA

A IMPRENSA NA PARAÍBA

A IGREJA NA PARAÍBA

A INQUISIÇÃO NA PARAÍBA

A MAÇONARIA NA PARAÍBA

A PRODUÇÃO LITERÁRIA NA PARAÍBA

HISTORIOGRAFIA E HISTORIADORES PARAIBANOS


Geografia e História da PB
70
PRESENÇA PARAIBANA NA CONQUISTA DO RIO GRANDE
Geografia e História da PB
71

A Paraíba nos 500 Anos do Brasil


SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO......................................................................................................
........ 05
A PARAÍBA NO PERÍODO COLONIAL
Expositora: Regina Célia Gonçalves
Debatedor: Wellington
Aguiar.............................................................................................. 11
A PARAÍBA DURANTE O IMPÉRIO
Expositora Rosa Maria Godoy Silveira
Debatedor: Marcus Odilon Ribeiro
Coutinho............................................................................ 31
A PARAÍBA E A PRIMEIRA REPÚBLICA
Expositor: Luiz Hugo Guimarães
Debatedor: Joacil de Britto
Pereira....................................................................................... 53
A CONQUISTA DA PARAÍBA
Expositora: Waldice Mendonça Porto
Debatedor: Guilherme d'Avila
Lins........................................................................................ 83
A CONQUISTA DO SERTÃO PARAIBANO
Expositor: Wilson Nóbrega
Seixas........................................................................................ 99
AS NAÇÕES INDÍGENAS DA PARAÍBA
Expositor: José Elias Borges Barbosa
Debatedora: Waldice Mendonça
Porto................................................................................. 125
OS HOLANDESES NA PARAÍBA
Expositor: Aécio Villar de Aquino
Debatedor: Luiz de Barros
Guimarães.................................................................................. 141
A ESCRAVIDÃO NA PARAÍBA
Expositora: Diana Soares de Galliza
Debatedora: Waldice Mendonça
Porto................................................................................. 155
AS LUTAS NATIVISTAS NA PARAÍBA
Expositor: José Octávio de Arruda Mello
Debatedora: Inês Caminha Lopes
Rodrigues......................................................................... 169
A REVOLUÇÃO DE 30 E A PARAÍBA
Expositor: Humberto Cavalcanti de Mello
Debatedor: Dorgival Terceiro
Neto..................................................................................... 191
O MOVIMENTO DE 64 E A PARAÍBA
Expositora: Martha Falcão
Debatedor: Luiz Hugo
Guimarães........................................................................................ 219
A IMPRENSA NA PARAÍBA
Expositora Fátima
Araújo.................................................................................................. 245
Geografia e História da PB
72
A IGREJA NA PARAÍBA
Expositor: Manuel Batista de Medeiros
Debatedor: Eurivaldo Caldas
Tavares.................................................................................. 261
A INQUISIÇÃO NA PARAÍBA
Expositor: Carlos André Macêdo Cavalcanti
Debatedora: Zilma Ferreira
Pinto........................................................................................ 283
A MAÇONARIA NA PARAÍBA
Expositor: Hélio Nóbrega Zenaide Filho
Debatedor: Edgard Bartolini
Filho........................................................................................ 311
A PRODUÇÃO LITERÁRIA NA PARAÍBA
Expositor: Joacil de Britto Pereira
Debatedor: Luiz Gonzaga
Rodrigues.................................................................................... 333
HISTORIOGRAFIA E HISTORIADORES PARAIBANOS
Expositor: Guilherme d'Avila Lins
Debatedor: Luiz Hugo
Guimarães........................................................................................ 355
PRESENÇA PARAIBANA NA CONQUISTA DO RIO GRANDE
Expositor: Olavo de Medeiros
Filho..................................................................................... 383

FLAGRANTES DO CICLO DE
DEBATES............................................................................... 399

Abertura dos trabalhos do Ciclo de Debates promovido


pelo Instituto
Histórico e Geográfico Paraibano sobre a participação da
Paraíba nos
500 anos da descoberta do Brasil.

A fala do presidente Luiz Hugo Guimarães:


Nosso Instituto neste momento está dando início a um Ciclo de Debates onde
trocaremos idéias sobre os principais episódios ocorridos na Paraíba desde o
Descobrimento do Brasil.

Para compor a mesa dos trabalhos convido o professor Francisco Sales Gaudêncio,
diretor do Instituto do Patrimônio Histórico e Artística da Paraíba e representando o
Governo do Estado; convido o professor Jáder Nunes de Oliveira, magnífico reitor da
Universidade Federal da Paraíba; convido o professor Francisco Pereira Júnior,
Subsecretário de Cultura do Estado; convido a professora Regina Célia Gonçalves, que será
a expositora do tema A PARAÍBA NO PERÍODO COLONIAL a ser hoje debatido; convido o
historiador Wellington Aguiar, que será o debatedor do referido tema; finalmente, convido
o escritor e confrade Joacil de Britto Pereira, presidente da Academia Paraibana de Letras.

O Instituto Histórico, dada sua importância na vida cultural da Paraíba, não poderia
deixar de organizar um ciclo de debates dessa natureza. Iremos aqui, a partir deste 15 de
setembro de 1999 até o dia 12 de novembro, duas vezes por semana, debater assuntos de
interesse da Paraíba sobre sua participação na formação da nacionalidade.
Geografia e História da PB
73
Hoje vamos iniciar abordando o período colonial da Paraíba.

Para expor esse tema de muita significação para nós, teremos a palestra da professora
Regina Célia Gonçalves, que é professora assistente do Departamento de História da
Universidade Federal da Paraíba na área de Teoria e Metodologia de História; é mestra em
Ciências Sociais, pela UFPB; é doutoranda em História Econômica, pela USP, cuja tese
aborda o DOMÍNIO HOLANDÊS NA PARAÍBA COLONIAL; ex-coordenadora do Núcleo de
Documentação e Informação Histórica Regional da UFPB; é pesquisadora do Projeto
História Local da Paraíba, sendo co-autora da História dos Municípios de Ingá, Pedras de
Fogo, Conde, Cabedelo e Areia.

Com esta apresentação, passamos a palavra à nossa primeira palestrante deste Ciclo
de Debates, a professora Regina Célia Gonçalves.

1º Tema:
A PARAÍBA NO PERÍODO COLONIAL
Expositora: Regina Célia Gonçalves
Debatedor: Wellington Aguiar.
Expositora: Regina Célia Gonçalves (Professora da UFPB, mestra pela UFPB,
doutoranda em História pela USP)

1. Introdução

Tendo em vista a amplitude do tema que nos cabe abordar neste ciclo de debates - A
PARAÍBA NO PERÍODO COLONIAL -, bem como a exigüidade do tempo que nos foi
destinado para esta apresentação, optamos por fazê-lo a partir de um recorte específico.
Pretendemos aproveitar esta oportunidade para discutirmos as perspectivas para a
pesquisa histórica e para produção historiográfica sobre a Paraíba neste período. A
amplitude acima mencionada refere-se não apenas aos mais de trezentos anos de domínio
colonial europeu no Brasil mas, principalmente, à sua importância para a construção da
nossa identidade. Por este motivo, e considerando que o público a quem nos dirigimos
hoje, sem dúvida alguma, conhece as linhas gerais (e muitos dos detalhes) da colonização
portuguesa na Paraíba, achamos por bem não fazer uma apresentação global (e superficial)
do período, mas lançar novas propostas de pesquisas. Por outro lado, consideramos que o
melhor caminho para discutir história é, sem dúvida, o adotado pela programação deste
ciclo de debates: a verticalização/aprofundamento temático que, no caso da história
colonial paraibana, se estenderá, nos próximos meses, por pelo menos outras oito sessões:
1) A conquista da Paraíba; 2) A conquista do sertão paraibano; 3) As nações indígenas na
Paraíba; 4) Os holandeses na Paraíba; 5) A Paraíba nas lutas nativistas; 6) A Escravatura
na Paraíba; 7) A Inquisição na Paraíba e 8) A Igreja na Paraíba.
2. Sobre as Comemorações dos 500 Anos do Brasil
Em tempos de "comemoração" do V Centenário do Descobrimento do Brasil, nada mais
pertinente do que iniciar pela discussão sobre a noção mesmo de "comemoração" que
embasa a nossa fala e que, necessariamente, não é a mesma presente em outras. Há
muitas possibilidades de discursos sobre o tema.

Um deles, talvez o mais disseminado, trabalha com a idéia de um Brasil fundado em


abril de 1500 por portugueses corajosos (e, de fato, o eram) que atravessaram o "mar sem
fim" à bordo de precárias caravelas (a tecnologia de navegação mais avançada de que os
europeus dispunham na época), trazendo a verdade da cruz para as populações canibais e
pagãs que aqui viviam (essa é a tônica, por exemplo, de peça veiculada pela TV Globo em
maio passado). Ou então, a de um país que parece nascer pronto nas areias douradas das
praias do sul do que hoje é a Bahia. BAHIA, o Brasil nasceu aqui! Conforme campanha
Geografia e História da PB
74
publicitária do governo baiano que, aliás, demonstra uma extrema competência para
aproveitar a memória histórica como estratégia de marketing. Um outro exemplo dessa
utilização é o slogan da camiseta que os jogadores dos times de futebol da Bahia usam por
baixo da oficial: "Salvador, 450 Anos!", e que é exibida a cada gol marcado.

A força dessa perspectiva, também observada em outras ocasiões históricas, a


exemplo das comemorações dos centenários da Abolição da Escravidão (1888) ou da
Proclamação da República (1889) é inquestionável. Principalmente quando, associados a
alguns eventos culturais (como seminários, congressos e ciclos de debates), realizam-se
torneios esportivos, sorteios e shows artísticos, pois é preciso festejar! E haja festa!

Mas, além desse discurso, há outros. Afinal, do que tratamos quando falamos em
"comemoração"? Para iniciar tal discussão, partimos da definição apresentada pelo mais
conhecido dos dicionários de língua portuguesa em circulação no Brasil, o de Aurélio
Buarque de Hollanda: "Comemorar: Trazer à memória; fazer recordar; lembrar". Certo.
Mas a memória é um trabalho, é uma atividade humana que comporta a lembrança mas
também o esquecimento. Não nos é possível viver só de lembranças. Esquecer é
imperativo para que possamos ter uma vida no presente, caso contrário estaríamos
imersos no poço sem fundo do passado. Somos nós, homens do presente, que lembramos
e que esquecemos.

Vivemos um momento em que a questão da memória emerge com extremo vigor.


Pode-se falar de um verdadeiro "boom" memorial a imiscuir-se nas sociedades ocidentais
contemporâneas. E o eixo principal desse "boom" tem sido a preocupação com a
preservação de acervos e arquivos, com a conservação do patrimônio histórico, cultural e
ecológico da humanidade, com a multiplicação de lugares da memória (galerias,
bibliotecas, museus, entre outros) e com o resgate da história dos excluídos. Revisita-se a
história com novos olhares, buscando, como fazem continuamente todas as gerações,
reescrever a história. Tal como já afirmava o grande historiador francês Marc Bloch, ainda
nos anos trinta.

E, ocasiões como essa, dos 500 Anos do Brasil, são extremamente propícias a essa
revisita, principalmente porque se trata de um momento importante da memória nacional.
Somos herdeiros da tradição moderna de comemoração fundada com a Revolução Francesa
e com a criação do calendário civil que se tornou seu marco emblemático. A comemoração
laicizada, tornada festa cívica. (embora fundamentada nos rituais das comemorações
religiosas) adquiriu contornos de patrocinadora de uma certa identidade: a identidade
nacional. E, ao saber histórico coube, a partir de então, um papel fundamental, pois
passará a contribuir decisivamente para a construção de uma nova identidade social,
sustentada pela criação dos lugares da memória e pela transformação, em monumento
comemorativo, dos fatos/datas e personagens selecionados como significativos da história.
O estado nacional, o nacionalismo, a identidade são os beneficiários diretos das
comemorações cívicas.1

Arruda, citando o historiador português Vitorino Magalhães Godinho, afirma: "A


História nada tem a ver com as comemorações, ela é somente esforço de compreensão.
Por isso, os centenários somente podem ser úteis desde que ensejem estudar problemas,
meditar diretrizes, criticar certezas dogmáticas, caso contrário, mumificam os vivos, sem
ressuscitar os mortos"2. Concordamos com ambos os autores, essa é a nossa perspectiva.
Trata-se de encarar mais este centenário como uma oportunidade de reflexão sobre o que
somos nós, quem somos nós, por que o somos e para onde vamos.

Ainda a propósito desta questão das comemorações, este mesmo autor, faz um exame
acurado sobre as perspectivas que animam a Comissão Nacional para as Comemorações
dos Descobrimentos Portugueses (Portugal) e a Comissão Nacional para as Comemorações
do V Centenário do Descobrimento do Brasil (Brasil). Para ele, a Comissão Portuguesa
opera uma relativização da idéia de "descobrimento", entendendo-o como confronto
Geografia e História da PB
75
intercultural, e acentua a dimensão científica das comemorações, fugindo ao excessivo
celebracionismo.
"Ao rigor da investigação científica é atribuída a responsabilidade pela
distinção entre propaganda e memória, daí a preferência pelas versões
completas de fontes e investigações, evitando-se as ações superficiais, os
produtos fáceis, de rápida divulgação e consumo. Não se exclui,
evidentemente, a dimensão comunitária e cívica, mas a ênfase deveria ser
carreada para difundir o conhecimento do passado português. Exorta o
rastreio, inventário, recolha, conservação, edição, do patrimônio documental
histórico e artístico dos portugueses ou relativo aos portugueses". 3

Em lugar da visão lusocêntrica e eurocêntrica emerge a qualificação de Portugal como


parceiro e interlocutor privilegiado das nações que foram ex-colônias em relação à União
Européia. A comemoração dos centenários (1498, 1500), em Portugal, transforma-se em
hino ao seu lugar no mundo da globalização.

Já a Comissão brasileira (criada em 1993, no MEC e, depois de recusada por vários


ministérios, encampada pelo Ministério das Relações Exteriores, começando a funcionar em
1996) define o objeto das comemorações como sendo "a chegada da esquadra de Pedro
Álvares Cabral às costas brasileiras". Ou seja, assume a perspectiva de que esse é o marco
inicial da nossa história. Perspectiva, aliás, ultrapassada pelo menos desde que Capistrano
de Abreu, em 1907, fez publicar a sua obra CAPÍTULOS DE HISTÓRIA COLONIAL, em que
apresenta, nos dois primeiros capítulos, o quadro humano e ambiental que antecede a
chegada dos europeus. No entanto, Arruda aponta, como o principal problema das
"comemorações" patrocinadas pela Comissão brasileira, justamente a falta de uma ênfase
maior na abordagem científica e, principalmente, na questão documental. Em nenhum
momento se estabeleceu uma reflexão sobre ela, muito pelo contrário, a mesma foi
encarada como mais uma celebração, tal qual a construção de réplicas das naus da
esquadra de Cabral ou a realização de regata que observe a rota do navegador português e
outros torneios esportivos. Ou seja, perde-se uma excelente oportunidade de refletir sobre
a nossa história e as condições de produção do pensamento histórico no Brasil.

Neste quadro, o PROJETO RESGATE DA DOCUMENTAÇÃO HISTÓRICA BARÃO DO RIO


BRANCO, coordenado por Esther Bertoletti, do Ministério da Cultura, (conhecido como
Projeto Resgate) é um exceção. O mesmo tem o objetivo de "organizar, microfilmar e
publicar em CD-ROM 250 mil peças documentais brasileiras existentes no AHU, que
correspondem a cerca de 80% dos documentos relativos à história do Brasil, existentes no
exterior..." 4 Voltaremos a falar sobre a Paraíba e o Projeto Resgate mais adiante.

__________________________________
1
Esta parte do texto está fundada na discussão apresentada pelo professor José Jobson de Arruda, em seu trabalho
recém-publicado. O TRÁGICO 5º CENTENÁRIO DO DESCOBRIMENTO DO BRASIL. COMEMORAR, CELEBRAR, REFLETIR.
Bauru, SP: EDUSC, 1999.
2
ARRUDA. Op.cit. (p.11).
3
ARRUDA, J.J. op.cit. (pp.18/19)
4
Arruda. Op.cit. (p.37)

3. O Lugar do Colonial na Historiografia Brasileira

O início dos estudos relativos ao período colonial da história do Brasil remonta ao ano
de 1838 quando foi fundado o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. A partir daí foram
estabelecidas as primeiras tentativas de organização sistemática da preservação da
memória histórica no Brasil. Nos cem primeiros anos de sua existência, cerca de 60% dos
títulos publicados referiam-se ao período colonial e os temas privilegiados, então, eram o
Descobrimento e a Independência5. Tal produção expressava, sem dúvida alguma, a ação
Geografia e História da PB
76
do IHGB que buscava o estabelecimento das origens/fundamentos da história nacional.

Após a fundação das primeiras universidades brasileiras, ainda nos anos 30, a
predileção pelo período colonial continuou. Indicador importante desta tendência é a
produção das primeiras teses universitárias, que começam a ser defendidas já nos anos 40.
A diferença, no entanto, em relação à produção do IHGB, é que o interesse pelos estudos
coloniais já não se prende exclusivamente ao estabelecimento dos marcos factuais
importantes (ou assim considerados) do período e, sim, ao vínculo entre o processo de
colonização e do sistema colonial e a expansão marítima e comercial européia. Já para o
período 1943-1973, José Roberto do Amaral Lapa chama a atenção para o fato de que,
entre as teses de doutorado defendidas na Universidade de São Paulo, por exemplo, a
preocupação com o período colonial ainda é bastante grande, embora já se anuncie um
deslocamento em direção aos estudos sobre Império. Ou seja, ainda nos inícios dos anos
70, as origens da nossa formação histórica continuavam a ser a motivação principal dos
estudos dos historiadores6.

No entanto, a partir da segunda metade da década de 70, a concentração dos


trabalhos por período histórico muda significativamente, deslocando-se fortemente para a
História do Brasil Republicano. Das 279 teses defendidas a partir de então, 140 referem-se
a este período. O mesmo ocorre com os livros publicados.

Esse deslocamento pode ser explicado, de um lado, pelo interesse dos historiadores (e
da sociedade brasileira de então) em compreender não mais as origens do Brasil
simplesmente, mas as do Estado autoritário no país, expresso, naquele momento, pela
existência da ditadura militar. O início da "abertura política" permitia aos estudiosos um
debruçar-se sobre as questões do Brasil contemporâneo, oportunidade rara depois de
quase duas décadas de repressão. Por outro lado, as inúmeras dificuldades para pesquisa
sobre o Brasil colônia não podiam e não podem ser negadas. Trata-se, quase sempre, da
tarefa de trabalhar com "documentos basicamente manuscritos, de leitura difícil, e que se
encontram muitas vezes dispersos e com problemas de conservação. (Esta dificuldade é
expressa também no) ... montante de publicações sobre a Colônia que, em sua maioria,
referem-se ao final do período, ficando as épocas mais recuadas - séculos XVI e XVII ainda
não analisados". 7

__________________________________
5
Arruda, J.J. e J.M. Tengarrinha. HISTORIOGRAFIA LUSO-BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA. Bauru, SP: EDUSC, 1999.
(p.36).
6
Os dados levantados por Lapa HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA. A HISTÓRIA EM QUESTÃO. Petrópolis:
Vozes, 1976 (pp 47, 48 e 49). sobre a produção acadêmica no Curso de Pós-Graduação da USP, período 1943-1973, são
os seguintes: Período Colonial = 43,5%; Período Imperial = 32,6%; Período Republicano = 15,2%; Colônia/Império =
6,5% e Império/República = 2,2% dos trabalhos defendidos.
7
Cf. SAMARA, Eni de Mesquita. A COLÔNIA NA BIBLIOGRAFIA RECENTE. São Paulo: Humanitas/FFLCH/USP e CEDHAL,
1999. (p.10).

4. A História Colonial da Paraíba

Apesar dos avanços da pesquisa histórica e da produção historiográfica no Brasil8 e na


Paraíba persistem lacunas temáticas sobre o período colonial. Lacunas essas, no caso da
Paraíba, que se situam para além do arrolamento de fatos dispostos cronologicamente.
Lacunas que estão a exigir uma produção científica na perspectiva da compreensão da sua
importância para a construção da nossa identidade. Por este motivo, e considerando que o
público a quem nos dirigimos hoje, sem dúvida alguma, conhece as linhas gerais (e muitos
dos detalhes) da colonização portuguesa na Paraíba, achamos por bem não tratar do
assunto por ter sido um dos "lugares" em que os historiadores têm se debruçado, com
vigor, sobre diversas temáticas relativas ao colonial. Entre estas pesquisas encontra-se o
PROJETO QUESTÃO AGRÁRIA NA PARAÍBA, coordenado pela Profª Irene Fernandes
(colaboradora do NDIHR e docente da UEPB) que tem, como um de seus objetivos
fundamentais, compreender a conformação da estrutura fundiária na Paraíba, a partir do
Geografia e História da PB
77
estudo do sistema sesmarial. Outro projeto importante é o de RESGATE DO PROCESSO
HISTÓRICO E CULTURAL DOS MUNICÍPIOS PARAIBANOS (mais conhecido como PROJETO
HISTÓRIA LOCAL) que objetiva a produção de materiais didáticos sobre os municípios da
Paraíba e que, para tanto, tem feito consulta sistemática em diversos arquivos (públicos e
privados) coletando dados sobre o período colonial (inclusive). Um outro importante
projeto em desenvolvimento é o FONTES PARA A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NA PARAÍBA,
executado por um grupo interinstitucional de pesquisadores da UEPB e da UFPB (lotados no
NDIHR e no Centro de Educação), que objetiva o levantamento sistemático de fontes, bem
como a realização de análises sobre a história da educação na Paraíba.

Por outro lado, e paralelamente às atividades de pesquisa em desenvolvimento, o


PROGRAMA DE MEMÓRIA E DOCUMENTAÇÃO do NDIHR tem se dedicado à organização de
vários acervos de importância para a nossa história, entre eles, o do próprio Instituto
Histórico e Geográfico Paraibano. Esta ação é urgente e indispensável uma vez que é de
conhecimento público a situação de absoluto descaso em que os arquivos paraibanos
vivem, especialmente os arquivos públicos. A partir de nossa experiência no PROJETO
HISTÓRIA LOCAL foi possível constatar que as Prefeituras, as Câmaras Municipais, outros
órgãos públicos, assim como vários cartórios e mesmo paróquias não têm a preocupação
com a preservação e conservação dos documentos. A maior parte dos "arquivos" ou está
despejada em locais absolutamente inadequados (como almoxarifados, banheiros
desativados, salas de depósito de "coisas velhas") ou simplesmente desapareceu
(documentação inutilizada pela ação do tempo, das goteiras, do fogo ou da mão humana).
Talvez a expressão mais cabal dessa situação seja o desaparecimento dos documentos dos
séculos XVI e XVII do Arquivo Público do Estado da Paraíba. Desaparecimento que, já em
1908, Irineu Ferreira Pinto (o Patrono desta Casa) anunciava ao chamar a atenção para a
deterioração, o estado lamentável, desses documentos que ainda, naquela época,
encontravam-se depositados no Arquivo Público.

Em meio a essa situação caótica, no entanto, algumas ações têm sido realizadas. Uma
iniciativa pioneira foi o trabalho de equipe do NDIHR, nos anos 1976/1977, sob
coordenação da Profª Diana Galliza, que desenvolveu pesquisa exploratória em cartórios de
alguns municípios paraibanos, identificando documentação valiosíssima para o estudo do
período colonial.9 Recentemente, um passo ainda mais importante nesta direção foi dado
com a inclusão da Paraíba no Projeto Resgate. Um antecedente do levantamento da
documentação paraibana no Arquivo Histórico Ultramarino de Portugal foi o trabalho
realizado, entre 1967 e 1969, pela Profª Elza Régis de Oliveira, que microfilmou cerca de
4.000 documentos daquele arquivo. Microfilmes que, hoje, fazem parte do acervo do
NDIHR. Este primeiro levantamento foi atualizado pela equipe paraibana que participou do
Projeto Resgate (MINC), entre setembro de 1998 e março de 1999. Os limites cronológicos
da documentação sobre a Paraíba remetem ao período 1593/1827. Trata-se de
aproximadamente 15.000 documentos de um total estimado de 250.000 sobre o Brasil.
(ofícios, cartas, cartas patentes, requerimentos, provisões, leis, decretos, alvarás, doações
e confirmações de sesmarias, mercês, mapas e iconografia), que demonstram a eficiência
da administração metropolitana no controle da colônia. É bom lembrar que, certamente, há
documentação importante sobre a Paraíba em outros acervos localizados em Portugal e em
outros países europeus (Espanha, Holanda, França), ainda pouco conhecida e pouco
disponibilizada entre nós.10

__________________________________
8
Em recente levantamento realizado pela ANPUH Nacional sobre teses e dissertações em História produzidas no Brasil,
chegou-se a um dado extremamente importante: apenas 10% daquilo que é produzido nos cursos de pós-graduação
acabam sendo publicados. Dado importante e preocupante porque revela que sequer a comunidade de historiadores tem
acesso sistemático à produção de seus pares. No caso da produção paraibana, o índice deve ser ainda menor.
9
Os municípios pesquisados e as datas-limite da documentação encontrada em cada um foram: Bananeiras (1790), São
João do Cariri (1816), Piancó, Pombal (1712), Guarabira (1806), João Pessoa, Mamanguape (1795), Pilar (1809). A partir
dos dados desses documentos a Profª Diana Galliza escreveu seu trabalho O DECLÍNIO DA ESCRAVIDÃO NA PB, obra de
fundamental importância para a historiografia paraibana. Outro exemplo da vitalidade da documentação cartorial é o
trabalho de Wilson Seixas, datado de 1962, sobre O VELHO ARRAIAL DE PIRANHAS (Pombal).
10
cf. indica José Antonio Gonsalves de Mello em vários dos seus trabalhos e, em especial, em A UNIVERSIDADE DO
Geografia e História da PB
78
RECIFE E A PESQUISA HISTÓRICA, 1959.

Entre as muitas áreas e temas da história da Paraíba ainda por investigar podemos
arrolar as seguintes:

* Paleontologia/Arqueologia (pré-histórica e histórica): Apesar dos esforços isolados de


alguns pesquisadores e de algumas iniciativas da Fundação Casa de José Américo sabemos
que praticamente tudo está por se realizar em termos da investigação paleontológica e
arqueológica da/na Paraíba. Tais estudos são fundamentais para compreendermos o
processo histórico local;

* História militar: A documentação do Arquivo Histórico Ultramarino permite investigações


importantes sobre as estratégias e táticas militares (a exemplo do que realizou Evaldo
Cabral de Mello em OLINDA RESTAURADA, sobre a guerra do açúcar); a origem e a
formação dos contingentes militares que atuaram na Capitania; a vida cotidiana desses
militares, marcada pela penúria, pela fome, pelos soldos atrasados; o problema da
manutenção das tropas, entre outros;

* História do meio-ambiente: Capítulo absolutamente fundamental da história da Paraíba,


ainda completamente desconhecido. Temas como a devastação das florestas, a degradação
das águas, as pragas, as cheias e as secas (de que a primeira notícia remonta ao final do
XVII) estão a exigir estudos;

* História urbana: A formação e a evolução da rede urbana na Paraíba durante o período


colonial precisa ser melhor compreendida. É preciso realizar esforços no sentido de buscar
uma sistematização do que já há escrito para tentar compreender o movimento geral.
Muitas monografias já realizadas sobre cidades paraibanas. Na plaqueta HISTORIOGRAFIA
MUNICIPAL DA PARAÍBA recentemente publicada pelo Dr. Luis Hugo Guimarães, presidente
deste Instituto, relaciona as obras existentes no acervo do IHGP (um dos mais importantes
de que dispomos para estudar a Paraíba) sobre cinqüenta e quatro dos atuais municípios
paraibanos. A existência de tão poucos trabalhos indica a necessidade de aprofundarmos os
estudos sobre história local, em especial no que diz respeito à evolução urbana.

* História Econômica: Vários temas sobre a história econômica paraibana ainda precisam
ser desenvolvidos, por exemplo: a) a produção para o mercado interno (alimentos,
artesanato, tabaco, etc); b) história do comércio (nos moldes do trabalho de Irene
Fernandes Rodrigues sobre a Primeira República na PB, ou de Ruston Lemos de Barros
sobre as embarcações e frotas portuguesas no Nordeste até 1720). A documentação do
Arquivo Histórico Ultramarino aponta para a dinâmica interna da colonização, tratando de
questões como: fluxo dos portos, evolução dos preços, questões do abastecimento, os
diferentes interesses das frações de classe envolvidas, entre outros. Sobre esse tema, no
período colonial, dispomos, para o século XVIII, da obra de Elza Régis. A PARAÍBA NA
CRISE DO SÉCULO XVIII: SUBORDINAÇÃO E AUTONOMIA. (originalmente, dissertação de
mestrado em História, junto a UFPE), e da tese de doutorado em História Econômica/USP,
do prof. Francisco Tadeu da Silva UMA COLÔNIA E DUAS METRÓPOLES, sobre a Cia. de
Comércio PE/PB e a sua presença na Paraíba.

* História Administrativa: Tema praticamente inexplorado pelos historiadores da Paraíba,


encontra importantes elementos de análise na documentação do AHU. Há inúmeros
documentos que tratam da administração fazendária, militar, judiciária e eclesiástica, com
especial atenção para a história tributária (tema, aliás, extremamente atual);

* História Social: Esta documentação também permite inúmeros estudos demográficos;


estudos da história da vida familiar, dos casamentos, das crianças; história da
criminalidade e da violência, história da saúde (a exemplo das teses de doutorado em
História dos professores Ariosvaldo Diniz/DCS/UFPB sobre o cólera e da Profª
Lenilde/Denfermagem/UFPB sobre a saúde pública na Paraíba, ambos versando sobre o
Geografia e História da PB
79
século XIX); história do cotidiano tanto das elites quanto dos homens livres e pobres e dos
escravos; história das idéias - imaginário da colonização, por ex.; história da educação e da
assistência social (para combate a doenças e a fome).

Ou seja, nós, historiadores, estamos frente a um desafio de amplas proporções. Trata-


se, em primeiro lugar, de lutar pela localização das fontes documentais que municiem
novas pesquisas e pela preservação e conservação daquelas fontes de que já dispomos e,
trata-se, de debruçarmo-nos sobre tais acervos, em busca de respostas a tantas questões
relevantes suscitadas pela história da Paraíba.
A fala do presidente dos trabalhos:

Iniciamos com chave de ouro nosso Ciclo de Debates sobre a participação da Paraíba
no 500 anos da descoberta do Brasil. A professora Regina Célia Gonçalves colocou de
forma nova, de forma diferente, um esquema para tratarmos das comemorações dos 500
anos do Brasil.

Seu registro sobre fases do nosso período colonial incentiva-nos a ocupar os vazios que
estão por preencher no estudo e na análise de importantes ocorrências na Paraíba dos
primeiros tempos. E ela destaca, com bastante ênfase, a necessidade de analisar em maior
profundidade a história comercial da Província, diante das numerosas fontes ainda pouco
exploradas.

Seu trabalho é um desafio aos historiadores paraibanos.

O Instituto Histórico se congratula com a participação da professora Regina Célia neste


Ciclo de Debates que se inicia.

Dando seqüência aos nossos trabalhos, convoco o confrade Wellington Aguiar para
iniciar os debates sobre este tema.

O professor Wellington Aguiar, além de sócio deste Instituto, do qual já foi vice-
presidente, é membro da Academia Paraibana de Letras, onde exerceu a Presidência
recentemente. Ex-professor da Universidade Federal da Paraíba, atualmente exerce o cargo
de Diretor do Arquivo Público do Estado e é membro do Conselho Estadual de Cultura.

Como historiador tem várias obras publicadas, dentre elas UM RADICAL REPUBLICANO
CONTRA AS OLIGARQUIAS; CIDADE DE JOÃO PESSOA - A MEMÓRIA DO TEMPO; UMA
CIDADE DE QUATRO SÉCULOS e CAPÍTULOS DE HISTÓRIA DA PARAÍBA, estes dois últimos
em parceria com o professor José Octávio de Arruda Mello. Brevemente lançará A PARAÍBA
NOS RECORTES DE JORNAIS.

Com a palavra o historiador Wellington Aguiar.

···
Debatedor: Wellington Aguiar (Historiador, sócio do IHGP, ex-presidente da Academia
Paraibana de Letras, membro do Conselho Estadual de Cultura)
Eu acho que se pode celebrar ou mesmo comemorar os 500 anos do Brasil, ou
qualquer outro evento, de modo crítico, sem louvaminhas, sem confetes, sem elogios.

Nosso Instituto está celebrando os 500 anos de modo crítico, pois nesse debate todo
mundo vai poder falar e expor as suas idéias, a começar por este debatedor.

Farei um retrospecto da Paraíba Colonial, uma visão apenas dentro do tema que foi
proposto.
Geografia e História da PB
80

A fundação da Paraíba começou em 1574, quando o rei D. Sebastião naturalmente


antes de sua derrota e de sua volta de Alcácer Quibir. Ele desmembrou a Capitania da
Paraíba, tirando-a de Itamaracá. Por que isso? Porque tinha havido o massacre de
Tracunhaém, aqui perto de Goiana, um episódio meio lendário, um episódio que os
cronistas antigos falaram. Mas, não há prova nenhuma que tenha ocorrido como assim se
conta. Havia o engenho de Diogo Dias, na rabeira do rio Tracunhaém, onde hoje está a
cidade de Goiana, que não existia na época. Diogo Dias escondeu uma cunhã, uma formosa
cunhã dos seus 15 ou 16 anos, que fora casada com um mameluco; o seu pai, Inhinguaçu,
chefe potiguara da Baía da Traição, mandou-a buscá-la em Olinda, para onde o mameluco
tinha fugido com ela. O governador do Brasil naquela época, Antônio Salema, estava de
passagem por Olinda e deu uma provisão a esses índios para que eles não fossem
obstaculados no seu caminho de retorno à taba. Chegou no engenho de Diogo Dias, eles
ficaram por lá, mas Diogo escondeu a cunhã. Ficou tergiversando com palavras vãs,
enganando os irmãos da moça. Eles foram embora e comunicaram a Inhinguaçu. Diz
Horácio de Almeida, o paraibano que escreveu, ao lado de José Octávio, as duas melhores
histórias da Paraíba, a meu ver, sem citar Irineu Pinto, porque Irineu Pinto é o bebedouro
da nossa História. Diz Horácio de Almeida, em sua HISTORIA DA PARAÍBA, que esse
acontecimento teria passado despercebido se não estivessem os franceses com Inhinguaçu.
Os franceses negociavam com os índios e insuflaram os índios contra o engenho de Diogo
Dias. E os índios planejaram um ataque com a orientação dos franceses e, para encurtar a
história, arrasaram e mataram o que puderam. Era um engenho fortificado. Os índios
atraíram o pessoal do engenho pra o campo raso, para o campo aberto, porque eles não
tinham condições de tomar o engenho por que lá tinha paliçada, tinha um fortim, era todo
bem defendido. Mas eles deram a entender que havia poucos índios, saindo os defensores
do engenho para o campo aberto. Quando o pessoal do engenho avançou surgiram os
índios e dizimaram todos. Diante disso, como diz Horácio de Almeida, os índios ficaram
soberbos e ameaçavam invadir até Igaraçu, cujo povo ficou com medo, assim como o povo
de Olinda. Então o rei D. Sebastião mandou estender a conquista para o Norte, iniciando
com o desmembramento da Capitania. Houve cinco tentativas de conquista da Paraíba, a
partir desse ano. A quinta, que foi a menor, com apenas 20 homens, num caravelão, foi a
que terminou dando certo. Os índios foram conversar com Martim Leitão para fazer as
pazes, Piragibe à frente, prevalecendo a proposta já anteriormente feita durante as lutas
entre tabajaras e potiguaras.

E eu aproveito para dizer que essa história de terra dos tabajaras, não é verdadeira. A
Paraíba não é a terra dos tabajaras. Já vi em vários livros, inclusive de professores da
Universidade, um até amigo meu. Dra. Eudésia Vieira publicou um livro, TERRA DOS
TABAJARAS. Não tem nada de tabajaras. Os tabajaras moravam entre a Bahia e
Pernambuco, nos limites do São Francisco, e vieram para cá. Saíram de lá porque fizeram
um massacre nos portugueses. Piragibe sempre colaborou com os portugueses, mas os
portugueses quiseram atraiçoá-lo e eles vieram para cá, entrando pelo rio Paraíba, em
Monteiro. Muita gente boa chama terra dos tabajaras. Como muita gente diz que Cajazeiras
ensinou a Paraíba a ler. Não é possível. Cajazeiras começou em 1800. Os jesuítas davam
aula aqui, em Latim, nos finais do século XVII e século XVIII, como é que Cajazeiras
ensinou a Paraíba a ler? Um dia desses uma pessoa respeitável intelectualmente escreveu
isso numa revista de Cajazeiras: "Cajazeiras ensinou a Paraíba a ler." Tudo por conta da
comemoração do Padre Rolim. Não é possível. Uma terra que nasceu em 1800, que antes
disso só tinha cobra, índio e carrascais. Quem ensinou a Paraíba a ler foi a capital. Não é
porque é melhor do que ninguém, é porque foi fundada primeiro.

Outra coisa que se diz é sobre Caramuru. Homem do fogo, filho do trovão. Mentira,
mentira histórica. A História está cheia de mentiras. Vi no Museu Nacional, há dois anos.
Caramuru no Museu Nacional, um belo museu, lá no Rio de Janeiro: homem do fogo, filho
do trovão. Como a gente aprendeu. Mas, não é. Havia lido Câmara Cascudo, o sábio do Rio
Grande do Norte, ensinar: moréia, moréia, aquela cobra escura. Passamos um fax para o
Ministro da Cultura e o Ministro encaminhou o fax para a diretora do Museu, que informou
Geografia e História da PB
81
que havia designado 10 PHD para estudarem o assunto. Se fosse um museu daqui estava a
maior gozação. Finalmente a comissão de PHD concluiu que era uma moréia. Quando voltei
lá, vi que o nome moréia estava lá. Mudaram o cartão. Outra coisa foi a data da morte de
Epitácio Pessoa, que fundou o Museu. A data que tinha era de 1947, debaixo do busto de
Epitácio, que tem lá no pátio do Museu. Foi em 42, não é? E eu botei isso num fax. O de
Epitácio apagaram, mas não botaram o ano. Depois vi dois outros erros. Está lá no
frontispício do Forte de Cabedelo, que diz assim: construído em 1580; antes, portanto da
fundação da Paraíba, quando se sabe que este forte foi construído depois, em 1585. E
outro: Aurélio de Figueiredo, tem um quadro dele no Museu, e tem lá: nascido em Areias.
A nossa Areia daqui ninguém sabe o nome.

Outro erro é quanto à data da fundação da cidade, que se considera 5 de agosto. Esta
data é o dia das pazes celebradas com os tabajaras, na pessoa de Piragibe e o escrivão da
Câmara de Olinda, João Tavares, mandado pelo Ouvidor Geral do Brasil, Martim Leitão, que
foi o verdadeiro patrono da conquista. Essas pazes dividiram os índios, ficando os tabajaras
com os portugueses, e os potiguaras contra. A paz com os potiguaras somente foi feita 14
anos depois. Não sou mudancista, mas sem essa paz com os tabajaras não teria sido
possível Martin Leitão vir com seus pedreiros e em 4 de novembro iniciar a construção da
cidade.

A noite colonial foi longa, triste, horrorosa. Portugal não permitiu aqui o funcionamento
de indústrias, isto no Brasil de modo geral; não permitiu nada. Houve a guerra holandesa.
A guerra holandesa é o capítulo mais importante da História colonial do Brasil; não é do
Nordeste e da Paraíba, é do Brasil; Não tem a fama toda porque é do Nordeste. Se isso
tivesse ocorrido em Minas Gerais, São Paulo, ou Rio de Janeiro ou Rio Grande do Sul, era o
capítulo mais importante da História colonial do país. Nessa luta o nosso povo foi de uma
bravura impressionante. A Paraíba deu um dos comandantes da guerra contra os
holandeses, que foi André Vidal de Negreiros. Esse homem era tão importante que o padre
Vieira, numa carta ao rei de Portugal, disse que André Vidal era um homem de tanto valor
que só tinha um defeito, não sabia fazer versos, como disse um tempo desse um ministro
de Vossa Majestade. Está no livro DATAS E NOTAS DA PARAÍBA.

A Paraíba terminou anexada a Pernambuco na segunda metade do século XVIII. Como


a professora conferencista falou, há um livro da professora Elza Régis, que levou dez anos
para fazer, com pesquisas.

Muito se conhece do que ocorria no Brasil Colônia nos livros dos visitantes estrangeiros
que estiveram por aqui. Henry Koster era um viajante, nascido em Portugal, na verdade
filho de inglês (o pai dele estava em Portugal nesse tempo), andou visitando a Paraíba em
1810. Está no livro VIAGENS AO NORDESTE DO BRASIL, traduzido pelo sábio Câmara
Cascudo. E o que disse Koster sobre a nossa cidade? Disse o seguinte: que a pobreza da
Paraíba era grande.

Nós temos no Arquivo Histórico um documento de José Bonifácio, ele assinando Jozê,
com z e circunflexo no e, dizendo que representou a Paraíba, antes da Independência. A
Paraíba não tinha dinheiro para mandar nenhum representante e pediu a José Bonifácio
para representar a Paraíba.
Vejamos o que Koster disse, para encerrar: Henry Koster (isso é um artigo meu,
publicado em 1991, no CORREIO DA PARAÍBA), o viajante inglês que visitou a nossa capital
em 1810, escreveu: "a principal rua é pavimentada com grandes pedras (rua General
Osório, hoje), mas deviam ser reparadas. As residências têm geralmente um andar,
servindo o térreo para loja. Algumas delas possuem janelas com vidros, melhoramento há
pouco introduzido no Recife. O convento dos jesuítas é utilizado como o Palácio do
Governador e o Ouvidor tem aí sua repartição e residência. A igreja do convento fica no
centro e tem duas alas. Os conventos das ordens franciscanas, carmelitas e beneditinas
são os únicos edifícios, quase desabitados. (Como se vê, naquele tempo já tinha pouco
frade, hoje não tem mais nenhum). O primeiro tem quatro ou cinco frades, o segundo, dois
Geografia e História da PB
82
e o terceiro, apenas um. Além destes, a cidade possui seis igrejas; as fontes públicas na
Paraíba foram as únicas obras deste gênero que encontrei em toda a extensão da costa por
mim visitada (é porque ele não foi ao Maranhão). Uma foi construída, creio, por Amaro
Joaquim, governador recente; tem várias bicas e é muito bonita. A outra que se está
fazendo é bem maior. A fiscalização das obras públicas era a melhor ocupação do
governador Amaro Joaquim. Fomos visitar esse cavalheiro no dia seguinte à nossa
chegada. Meu companheiro o conhecia desde Lisboa, quando ele era aspirante. Seus pais
são de família respeitável em uma província ao Norte de Portugal. Com o quisessem fazer
padre, puseram-no no Seminário, de onde fugiu e se alistou simples soldado em Lisboa.
Um dos oficiais do regimento a que pertencia notou sua educação e conhecendo sua
história fê-lo cadete, para agradar a família. (Esse Amaro Joaquim deu o golpe do baú.
Casou-se com uma moça da nobreza, uma portuguesa que estava no Rio de Janeiro, por
isso foi nomeado governador da Paraíba). Fomos depois a outra ala do prédio a fim de
pagar a visita do ouvidor, um velho muito amável e bem humorado; seu capelão, um
pequeno e jovial frade, era amigo do senhor Joaquim (companheiro de Koster nessa
viagem) e nos fez muitos obséquios durante minha estada. A paisagem vista dos fundos do
palácio é uma linda visão peculiar ao Brasil. Vastos e verdes bosques, bordados por uma
filha de colinas, irrigadas pelos vários canais que derivam do rio, com suas casinhas
brancas semeadas nas margens, outras nas eminências meio ocultas pelas árvores
soberbas. O vetusto convento dos frades jesuítas já era, desde a segunda metade do
século XVIII, a sede do governo da Paraíba. A igreja do dito convento foi derrubada no
início de 1930, quando se ampliou o palácio, chamou-se São Gonçalo e depois Nossa
Senhora da Conceição." Henry Koster viu com simpatia a capital e bem o demonstra no seu
famoso livro VIAGENS AO NORDESTE DO BRASIL, traduzido por Câmara Cascudo.

···
A fala do presidente Luiz Hugo Guimarães:

O Instituto se congratula com a atuação do confrade Wellington Aguiar, nosso ex-Vice-


presidente, e historiador renomado e com vários livros publicados sobre nossa história.

Sua participação valorosa trouxe à baila interessantes passagens da vida paraibana no


período colonial, mostrando alguns equívocos históricos que se perpetuam na nossa
historiografia por falta dum exame mais acurado sobre os fatos acontecidos.

Faço um destaque especial por sua contribuição apreciando o ponto de vista de


importantes visitantes estrangeiros à nossa província, um dos quais - Henry Koster -
mereceu destaque.

Daremos continuidade à sessão, concedendo a palavra aos participantes do Ciclo.

···

1º participante:

Rosa Maria Godoy Silveira (chefe do Departamento de História da UFPB):

Desejo fazer três observações. Na primeira, quero cumprimentar o Instituto Histórico,


em nome do Departamento de História da UFPB, por essa atividade, que é co-irmã da que
nós estamos realizando na Universidade, um Seminário extensivo, como este, até
dezembro, o que demonstra espaço para debate e reflexão crítica sobre a História; que
realizemos isso lá e cá, eu acho que mostra muito que a sociedade paraibana, em
particular a sociedade pessoense, é ávida da sua história, inclusive é um trabalho, que lá
como cá, é feito de parceria, com a presença de várias instituições presentes nesta Mesa.
Mais uma vez os nossos cumprimentos.
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E aproveitando essa presença interinstitucional na Mesa, o que eu tenho a falar são


duas reivindicações. Aliás, antes das reivindicações, um registro. Quando a professora
Regina Célia mencionou o PROJETO RESGATE, gostaria de dizer que esse projeto está
sendo feito pela Universidade e teve o financiamento do Ministério da Cultura e do Governo
do Estado da Paraíba, com trabalho encetado quando da gestão do professor Sales
Gaudêncio ainda na presidência da FUNESC.

E a primeira reivindicação vai para o Magnífico Reitor Jáder Nunes de Oliveira, da


UFPB, aqui presente. É exatamente sobre a volta dessa documentação que está sendo
microfilmada neste momento em Portugal; uma parte já está aqui, e já está sendo
catalogada. A reivindicação é a publicação do catálogo. No ano que vem nós vamos
precisar que a Universidade acolha isso e publique esse catálogo, que vai ser da mais alta
importância sobre esses quinze mil documentos. A par disso, nós temos pronto, e eu
gostaria de colocar tanto para a Universidade quanto para o IPHAEP e para a Subsecretaria
de Cultura, um segundo catálogo elaborado pela professora Irene Fernandes, decorrente do
processo da questão da formação da terra na Paraíba. É um catálogo de 500 páginas.
Naturalmente, os dois trabalhos não são de feitio comercial. Eles vão ser mais um trabalho
de importância histórica, historiográfica e de importância institucional. Até a própria
tiragem deles não é uma coisa extremamente ampla, mas cuja distribuição deve ser, com
certeza, primordialmente para as instituições culturais.

A terceira observação, aproveitando também a presença das instituições, é para nós


desenvolvermos um esforço no sentido da organização do Arquivo Público. Eu acho que
têm dois arquivos que precisam de um esforço conjunto. Lamentavelmente, em tempos
anteriores, a Universidade tentou fazer esse trabalho. Há três projetos de organização do
Arquivo Público, mas encontramos barreiras em governos anteriores. E eu gostaria de
reiterar o esforço conjunto no sentido da gente poder fazer isso e também organizar na
Paraíba um sistema estadual de arquivos, porque é um dos poucos Estados em que esse
sistema não está organizado. Há também um arquivo que nós vamos começar a examinar
em conjunto com o Departamento de Enfermagem da Universidade: é o Arquivo da Santa
Casa de Misericórdia. Nós temos nesse momento a felicidade de ter uma pessoa lá que fez
o curso de especialização em Arquivo. Isso já é um ponto positivo em nosso favor. Já
existe um convênio nesse sentido e, neste momento aqui, eu acho que a comemoração é
isso; é a reflexão de que a gente também tem que olhar o futuro, quer dizer, o que nós
podemos fazer no presente para o futuro, para a gente não perder nosso passado, não nos
desmemoriarmos.

2º participante

Paula Frassinete (Bióloga, representante da Associação dos Amigos da Natureza):

Estou mais ou menos encantada com o que vocês e o Departamento de História estão
fazendo conosco. Estou encantada pela História; estou fazendo o curso que a Universidade
está promovendo e quando soube desse Ciclo de Debates, que em boa hora o Instituto
Histórico começa a nos oferecer, imediatamente me dispus a vir. É muito importante a
gente ver dentro do Instituto o questionamento da autofagia. Quando se fala que de toda a
produção acadêmica apenas 10 porcento já foram publicados e está à nossa disposição,
então nós nos sentimos órfãos. Com uma universidade que há tanto tempo está aí,
notadamente a nossa Universidade Federal da Paraíba, importante para o Brasil, com
estudos muito interessantes que vêm sendo feitos em todas as áreas e não tem havido o
devido interesse do Ministério da Educação. A educação no nosso país está cada vez mais
sucatada exatamente para não se gestar uma sociedade crítica, porque é disto que nós
estamos precisando neste país, para transformá-lo. E eu acho que o papel dos
historiadores é fundamental, quando a gente vê que parece que os detratores do país, os
destruidores do país, do Império, da Colônia, parecem que se reencarnaram em alguns dos
que estão à frente do país hoje. E as práticas deste momento são as mesmas, inclusive
Geografia e História da PB
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num dos cursos de História se dizia que na época do Império o cidadão bom, para aquela
época, era o que tinha dinheiro. E hoje não é isto? Então a gente parece que está revendo
as práticas do império. E a história nos traz esta reflexão. Eu parabenizo o Instituto
Histórico e gostaria que a professora Regina informasse se há uma luz no fim do túnel, o
que a ANPUH, os historiadores, a universidade estão fazendo no sentido de garantir
recursos para que esta história venha para nós, para que o cidadão brasileiro possa rever
sua história e assim construir um novo país.

3º participante

Guilherme d'Avila Lins (Sócio do IHGP e presidente do Instituto Paraibano de Genealogia


e Heráldica):

É com muita alegria que vejo o início deste Ciclo de Debates, que corre paralelo com o
Curso de Extensão análogo que se processa também na Universidade Federal da Paraíba,
com o mesmo objetivo. Realmente estou me sentindo em estado de graça por estarmos
começando este Ciclo de Debates. Quero, em primeiro lugar, parabenizar a professora
Regina pela forma brilhante como enfocou um conceito, do qual eu também comungo, de
comemoração. Não se trata da comemoração do festejo, do ribombar, mas da a
comemoração da pesquisa e do resgate. Esta é a verdadeira comemoração que nós
devemos a estes 500 anos do Brasil. Quero parabenizar também professor Wellington
Aguiar pelo felicíssimo vol d'oiseaux em que vai de Tracunhaém até 1817, que só fez
enriquecer este primeiro encontro nosso.

Minha vinda a este microfone se prende a alguns fatos que dizem respeito àquele
resgate histórico de documentos que a Universidade em tão boa hora tem procurado fazer,
e está fazendo, e que começou com a professora Elza Régis e que, sem dúvida, vai
permitir, quiçá, uma releitura da nossa história colonial. Entre outras coisas a gente diz,
por exemplo, para pontuar um detalhe histórico, só um detalhe. A gente fala do
desmembramento da Capitania de Itamaracá, criando-se a Capitania da Paraíba. Tanto
quanto eu saiba, esse documento ainda não foi encontrado. Este é o nosso primeiro
documento. Não foi encontrado. E a gente fala com uma intimidade deste documento,
como se o tivéssemos visto. Ele não foi ainda encontrado.

Com relação à história administrativa, eu sei quantas horas de sono perdi tentando
recuperar um pouquinho da história administrativa, dos primeiros anos da Capitania da
Paraíba, pinçando aqui e acolá retalhos de fatos e datas, nomes e situações e até certo
ponto agradeço à ordem beneditina ser tão rica, porque graças a essa riqueza que ela
acumulou tantos dados no LIVRO DO TOMBO DO MOSTEIRO DE SÃO BENTO, o que me foi
de grande ajuda para pinçar tantas informações sobre a Paraíba. Este livro foi publicado de
forma esparsa na Revista do Arquivo Público de Pernambuco, em quatro tomos distintos,
entre 1946 e 1949, do qual existe uma tiragem em separata, em volume único. Este livro
trouxe algumas das maiores lições que aprendi em fontes primárias da Paraíba. Agradeço,
portanto, aos beneditinos terem sido uma ordem rica.

Também gostaria de trazer para aqui um outro fato que diz respeito ao nosso período
colonial e que é da mais alta importância. Já o Barão do Rio Branco falava da importância
da grande batalha naval de 1640, no período holandês, como sendo a mais importante
batalha que houve em águas brasileiras. E ela se deu no segundo e terceiro dia na frente
do Cabo Branco e na frente do Cabedelo. E fico pensando por que nós não vamos
comemorar nossos 500 anos articulando um sonho grande, mas um sonho de verdade de
fazer um grande projeto com empresas competentes, para realizar uma pesquisa
arqueológica submarina para resgatarmos tudo o que deve existir desta batalha aqui na
frente de Tambaú, a uma milha de distância do nosso litoral, segundo Barleus e segundo
Franz Post. Eu acho que esse é um projeto de grande alcance, dificílimo, mas que a
dificuldade seja um desafio, não um desencanto.
Geografia e História da PB
85
Gostaria de frisar, por último, um outro detalhe. Nós estamos de frente para a margem
esquerda do rio Paraíba, onde temos inúmeros itens do nosso acervo histórico-arquelógico
do período colonial da Paraíba. O lugar do Forte Velho, a Igreja da Guia, agora recuperada.
Mas existem outros locais importantíssimos como a Ilha da Restinga e o Forte do Gargaú,
que jamais é citado na historiografia paraibana. Ele foi feito pelos holandeses depois de
1634, e jamais foi citado por historiadores da Paraíba. Ele só tem sido registrado no ato da
rendição em que foi entregue aos luso-brasileiros. Como o holandês não fazia forte de
madeira, certamente, ruínas dele devem existir dentro dos canaviais perdidos.

A Atalaia de Forte Velho, que é talvez a última que resta neste país, também precisa
ser examinada. Enfim, eu estou projetando a idéia de um sítio histórico-arqueológico da
Paraíba ao longo da foz do rio Paraíba. Acho que estes são desafios que também temos de
examinar.

4º participante

Célia Camará Ribeiro (do Instituto Histórico e Geográfico de Niterói):

Quero dizer, para quem não me conhece, que nasci em João Pessoa, filha de
paraibanos, morando no Rio de Janeiro, mas de passagem neste momento por João
Pessoa. Quero parabenizar a ilustre conferencista; ela foi muito didática, mas sem diminui-
la, quero parabenizar também o debatedor, porque ele foi assim um historiador profícuo.
Quero cumprimentar o presidente do Instituto Histórico por esse Ciclo de Debates.

5º participante

Francisco Sales Gaudêncio (representante do Governador do Estado e presidente do


Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado):

Inicialmente desejo cumprimentar Regina Célia Gonçalves e Wellington Aguiar e


aproveitando as reivindicações da chefe do Departamento de História da UFPB, colega Rosa
Godoy, e dizer que o passo inicial foi dado com o PROJETO RESGATE. A Paraíba se inclui,
com mais dez Estados da Federação no projeto em nível nacional, na gestão do ano
passado à frente do Arquivo Histórico do professor Wellington Aguiar, o debatedor desta
tarde, e quando da minha estada à frente da Fundação Espaço Cultural. Esse apoio foi
dividido entre a Universidade, Ministério da Cultura e o Governo do Estado; a Universidade
pondo o seu material humano para trabalhar fora do país, por onde ficou lá por quase nove
meses e os recursos do Governo do Estado e do Ministério da Cultura. Esse foi o primeiro
passo.

Com relação às outras reivindicações da professora Rosa Godoy, o professor Carlos


Pereira, Secretário da Educação e Cultura, que me pediu para vir aqui em nome dele,
presente também Francisco Pereira, nosso subsecretário de Cultura, informo que com
Carlos Pereira tivemos uma reunião sobre a retomada da comissão de celebração de uma
revisão crítica da História do Brasil nos seus 500 anos. E, entre outros assuntos da pauta
desta comissão está exatamente o envolvimento de órgãos como o Instituto Histórico, a
Universidade Federal a Paraíba para que, através dessas instituições, possamos ter uma
comissão que venha apresentar à comissão constituída junto ao Conselho Estadual de
Cultura para um programa efetivo de publicações e que venha marcar a celebração dos
500 anos do Brasil. Através do Instituto, da Universidade, do IPHAEP, da própria Secretaria
de Estado e de outros órgãos da Paraíba, como a Universidade Estadual da Paraíba,
voltamos essas ações para a interiorização, não só do trabalho que se está fazendo através
do Conselho do Patrimônio, mas também através dessa comissão estará sendo publicado
em Decreto brevemente. Por isso quero antecipar o envolvimento do Conselho Estadual de
Cultura e do próprio Governo do Estado, através da Secretaria e da Subsecretaria de
Cultura, de uma programação consistente, no que diz respeito a essas celebrações, que
vêm exatamente atender às reivindicações do historiador Guilherme d'Avila Lins, que ouvi
Geografia e História da PB
86
atentamente, e como representante dessa comissão no IPHAEP, certamente os assuntos
ligados à política de preservação de patrimônio caberão ao IPHAEP. É com satisfação que,
em nome do Secretário Carlos Pereira, dou em primeira mão essas notícias que estão
sendo esboçadas pela Subsecretaria de Cultura e pela Secretaria de Educação.

E, por último, eu ouvi aqui as cobranças - no bom sentido - da nossa colega Regina
quanto aos temas ligados à Colônia, ao Império, enfim, à história inicial do Brasil, a partir
da Paraíba. Eu digo ao professor Wellington Aguiar que fui relator do seu trabalho no
Conselho Estadual de Cultura, que possibilitou a recomendação daquele colegiado para sua
publicação. Wellington Aguiar, dentro de mais algum tempo, estará lançando o livro
também quilométrico, de 540 páginas, que trata de assuntos da velha Paraíba através dos
jornais, cujo título é A VELHA PARAÍBA NAS PÁGINAS DE JORNAIS. É um levantamento, é
uma pesquisa rigorosa, metodologicamente cuidada, no que diz respeito a determinados
temas lembrados aqui pela colega Regina Gonçalves. Portanto, este envolvimento
institucional IPHAEP, Universidade, Instituto Histórico, Departamento de História, Academia
Paraibana de Letras, certamente resultará que a Paraíba não fique à margem das
celebrações dos 500 anos do Brasil.

Considerações finais pela professora Regina Célia Gonçalves:

Em atenção aos pontos de vista e pedidos de informação apresentados pelos


participantes Paula Frassinete, Guilherme d'Avila Lins e Rosa Godoy, esclareço o seguinte:

Segundo me parece, nós temos que pensar grande. Rosa Godoy sempre diz isso para o
Departamento de História, do qual é Chefe. Temos que planejar a médio e longo prazo.
Temos que pensar grandes projetos, grandes projetos não só no seu conteúdo, no seu
objetivo. Um tema é Arqueologia. Esse tema é muito bem lembrado pelo professor
Guilherme sobre a arqueologia submarina; o que isso nos vai revelar sobre a importância
desse território, do ponto de vista estratégico no século XVI, no século XVII. É
fundamental, e isso não foi realizado. É preciso pensar grande nesse sentido, e pensar
grande no sentido da operacionalização e aí eu acho que o caminho, sem dúvida alguma, é
a interdisciplinaridade e a interinstitucionalização. É pensar mega-projetos reunindo
diferentes organismos que trabalham com a pesquisa histórica, arqueológica e ambiental
na Paraíba e, se possível, de outros lugares, de outros Estados também. Se nós
conseguirmos nos reunir para pensar projetos de longo prazo, de largo fôlego, teremos
mais e melhores condições de superar as dificuldades que hoje são colocadas no dia-a-dia,
dificuldades como, conforme estava conversando com o professor Luiz Hugo Guimarães, a
de dar apoio logístico, pois apoio financeiro a gente não pode, porque a gente também não
tem. Às vezes falta papel, falta cartucho para a impressora, às vezes falta dinheiro para
fazer uma viagem ao Conde, são coisas do dia-a-dia que os pesquisadores têm que lutar
com uma grande dificuldade para dar conta dos seus trabalhos. Em tempos de
globalização, ou a gente pensa institucionalmente ou a gente não vai a lugar nenhum. O
trabalho individual sentado num tema específico e com recorte microscópico vai ter cada
vez menos chance nesse mercado. Então eu penso que essa é a única forma com que a
gente tem para superar as dificuldades, mais do que isso, de avançar com as nossas
pesquisas para o conhecimento desta terra, pois muitas questões ainda estão por serem
colocadas. Há muitas questões importantes a serem respondidas.

Com relação às publicações de 10 por cento dos trabalhos efetuados, o que hoje nós
podemos fazer é juntar um pedaço do salário para no fim do ano tentar a publicação, a
autopublicação. Esse tem sido o caminho em geral encontrado por nós que produzimos
pesquisa histórica aqui no Nordeste. Infelizmente, nós estamos também longe dos grandes
centros e o mercado editorial é cada vez mais complicado.

Senhor Presidente:

Agradeço a esse seleto auditório pela atenção dada à minha palestra. Muito obrigada.
Geografia e História da PB
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2º Tema
A PARAÍBA DURANTE O IMPÉRIO
Expositora: Rosa Maria Godoy Silveira
Debatedor: Marcus Odilon Ribeiro Coutinho
A fala do presidente Luiz Hugo Guimarães:
Dando continuidade ao nosso Ciclo de Debates iniciado com grande aproveitamento com a
palestra da professora Regina Célia Gonçalves, iniciaremos esta segunda sessão com a
apreciação do tema A PARAÍBA DURANTE O IMPÉRIO, que será enfocado pela professora
da UFPB, doutora Rosa Maria Godoy Silveira, que convido para participar da mesa dos
trabalhos.
Para compor a mesa, convido o consócio Marcus Odilon Ribeiro Coutinho, que será o
debatedor designado para tratar do tema; convido também o acadêmico e consócio Joacil
de Britto Pereira, presidente da Academia Paraibana de Letras; convido o vereador José
Bernardino, da Câmara Municipal de Santa Rita, para fazer parte da mesa; e, finalmente,
convido o acadêmico Odilon Ribeiro Coutinho, membro do Conselho Estadual de Cultura.
Temos a satisfação de apresentar aos presentes a professora Rosa Maria Godoy Silveira,
atual chefe do Departamento de História da UFPB; ex-pró-reitora da graduação, da UFPB;
ex-vice-presidente do Fórum Nacional de Pró-reitores de Graduação; é mestra e doutora
pela USP. Tem vários livros publicados e inúmeros artigos em revistas especializadas.
Tenho a satisfação de passar a palavra à nossa ilustre palestrante de hoje.
Expositora: Rosa Maria Godoy Silveira (Mestra e Doutora em História, chefe do
Departamento de História da UFPB)
Mais uma vez, em nome do Departamento de História da UFPB e em meu nome, agradeço
minha participação nesse Ciclo de Debates, que reafirma nossa parceria com o Instituto
Histórico, cujos frutos têm sido bastante positivos durante a administração do professor
Joacil Pereira e do professor Luiz Hugo Guimarães, quando concluímos a organização do
acervo do IHGP.
Sobre o tema que me foi proposto – A PARAÍBA DURANTE O IMPÉRIO – nós optamos para
fazer um pequeno texto, uma breve síntese tentando entender algumas questões
fundamentais do período imperial na Paraíba, questões estas que se abrem ao debate. É
vidente que não vou esgotá-las no limite do tempo que me foi dado e no limite deste texto.
Em recente balanço sobre a produção historiográfica relativa à Paraíba imperial, que foi um
balanço que nós próprios fizemos num curso que está sendo ministrado na Universidade
constatou-se que este período tem sido um dos menos pesquisados, senão o menos
pesquisado da nossa história. O Império tem sido sempre o pior período em matéria de
pesquisa histórica. E é, com certeza, o pior período da História do Brasil, em matéria de
ensino de História.
Deste levantamento entre os cerca de 118 títulos levantados no Índice do IHGP, sobre este
recorte temporal, dois temas avultam em número de artigos: a Revolução de 1817 (que
está na fase da transição) e a Escravidão/Abolição, enquanto, no gênero biográfico
predominam artigos sobre Pedro Américo.
Consideramos, no entanto, que a compreensão da História da Paraíba no Império passa por
alguns grandes temas basilares, sem desconsiderar a importância da micro-História. Tais
temas são: os movimentos liberais, a construção da ordem e a crise agrária.
Por movimentos liberais, entende-se o largo espectro entre a Revolução de 1817,
passando pela Confederação do Equador até a Revolução Praieira, em 1848, embora o
primeiro e os dois últimos movimentos se diferenciem pela própria mudança no conteúdo
do Estado no Brasil, decorrente do processo de nossa autonomia política. Mas, em comum,
todos esses três movimentos significam a luta contra um modelo político centralizador.
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O espaço paraibano, tendo integrado o território mais rico da Colônia, tendo vivenciado a
experiência do invasor holandês, tendo sido subordinado politicamente, durante 44 anos, a
Pernambuco, já havia sido profundamente espoliado de suas riquezas e de seus recursos
financeiros. E a espoliação continuava, com a chegada da Família Real, pois foi dos
recursos desta área geográfica, do depois Nordeste Oriental, que se pagava a indenização
portuguesa aos holandeses na sua expulsão dourada, que se sustentou a Corte do Rio de
Janeiro e que se custeou até mesmo o regresso de D. João VI a Portugal, após a eclosão da
Revolução do Porto.
Todo esse conjunto de processos em sua formação histórica explica a mentalidade
libertária presente na Paraíba, em articulação com o Rio Grande do Norte, sul do Ceará e, é
claro, Pernambuco. A ascendência econômica historicamente construída, da Capitania do
Sul sobre as suas vizinhas, que se expressara político-administrativamente pela anexação,
no século XVIII, fazia com que esse libertarismo assumisse feições regionais. A crise
açucareira posta desde o século XVII fazia com que essa configuração regional, sem deixar
de inserir-se no movimento mais amplo de contestação ao poder metropolitano, buscasse
um projeto político específico a suas necessidades e peculiaridades.
Ou seja: não era a fórmula política de transação com a Casa de Bragança que expressaria
a substância do liberalismo emergente no “Nordeste” Oriental. Se era um liberalismo à
brasileira, como bem o caracterizou a historiadora Emília Viotti da Costa, escravista e
católico, por contraste ao liberalismo burguês e anticlerical europeu; se era, pois um
liberalismo dos proprietários de terra, no projeto de 1817 já estão postos elementos
diferenciadores: o modelo republicano e a crítica à centralização, fosse da metrópole, fosse
da “metrópole interiorizada”, no Rio de Janeiro, para usar a expressão da historiadora
Maria Odila Silva Dias.
O período entre 1817 e 1822 não constituiu, no entanto, um processo pacífico na Paraíba.
A instituição das Juntas governativas e a deposição das autoridades metropolitanas, até
então constituídas, custou confrontos entre autonomistas e colonialistas, permeando os
corpos militares e espraiando-se pelo interior, alternando-se episódios favoráveis ora a um
lado ora a outro.
Mas a memória da repressão de 17 era muito recente. Paraibanos haviam sido imolados de
forma brutal. Famílias bem situadas na pirâmide social tinham sofrido seqüestro dos seus
bens. E a conjuntura fazia pender a balança para a autonomia seja pelos acontecimentos
próximos, em Pernambuco, com a instalação também da Junta de Goiana e da Junta do
Recife, sejam os mais longínquos, na Corte e em Portugal, com o movimento
constitucionalista no Porto, que ajudava a solapar uma monarquia absolutista já fissurada
neste lado do Atlântico.
Há acontecimentos, no processo paraibano, a merecer rememoração, esquecidos pelo
tempo, e o professor Aguiar se referiu a um deles, como a famosa delegação de poderes,
exarada pela Junta Governativa da Paraíba para que José Bonifácio a representasse junto
ao Conselho de Procuradores das Províncias do Brasil, convocado pelo Regente D. Pedro,
face às ameaças recolonizadoras de Lisboa; mais do que a representação de José Bonifácio,
o documento emanado da reunião conjunta do Senado da Câmara da capital paraibana e
da Junta Governativa, e comunicado em discurso de José Bonifácio a D. Pedro, em que a
Paraíba, em junho de 1822, declara reconhecer no Regente a única soberania à qual
prestar obediência. Também estão a merecer reflexões e estudos mais acurados fatos
como a adesão da área sertaneja, particularmente constelada em Sousa, adesão essa ao
partido da autonomia; e a participação de tropas paraibanas nas lutas contra as forças
metropolitanas do general Fidié, no Ceará e do general Madeira, na Bahia. Mas complexas
são as paixões políticas dos momentos históricos de rupturas, a produzirem, de um lado
um Manuel Clemente Cavalcanti de Albuquerque, representante eleito da Paraíba ao
Conselho de Procuradores, escolhido por D. Pedro para carregar sua espada, luvas e bastão
na cerimônia de sua coroação como imperador; e, de outro lado, um Joaquim Manuel
Carneiro da Cunha, republicano, que, já indicado à Assembléia Constituinte de 1823,
recusou-se, na mesma cerimônia, ao beija-mão a D. Pedro I.
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Nem bem se separa o Brasil de Portugal e a conjuntura novamente efervescia, com o
confronto entre o imperador e a Constituinte, reveladora das dificuldades em formatar o
novo Estado nacional brasileiro emergente de modo a conciliar a soberania do rei e a
soberania do povo, princípios de organização política conflitantes, inscritos em nossa
autonomia transacionada.
Na Paraíba, como em outras províncias, as desconfianças diante de um quadro político
ainda indefinido, pairavam nos corações e nas mentes. Medo da recolonização, que
perduraria longo tempo, até a morte de D. Pedro I, em 1834, mesmo tendo abdicado do
trono brasileiro em 1831.
A Confederação do Equador reitera o espírito libertário regional, mas dá-lhe novos
contornos. A luta contra o autoritarismo, embora o personagem oponente seja outro,
retoma a chama de 1817; o modelo republicano subjaz em 1824, mas o separatismo
confederado é um novo ingrediente, atemorizando os artífices da monarquia unitarista,
para os quais a fragmentação territorial brasileira se lhes afigurava como perigosa e
ameaçadora à manutenção da autonomia recém-acontecida.
A derrota da Confederação do Equador talvez tenha sido o grande abortamento da
virtualidade de um outro país nessa parte do Brasil. Melhor ou pior? Não sabemos.
Derrotaram os Confederados as forças políticas que, além do medo da divisão do Brasil,
tiveram medo da democracia no país. Pois, consumada a autonomia, a frente ampla
antimetropolitana, pré-22, composta de elementos díspares, se fragmentara diante do
grande desafio de construir o Estado nacional. A nossa Gironda escravocrata temeu a nossa
Montanha cabocla, ou seja, os radicais de Frei Caneca, que, no entanto, como os
“montanheses” franceses, não iam a ponto de incorporarem em seu projeto, o povo mais
desvalido, em nosso caso, os escravos.
Na Paraíba, invadida territorialmente por todos os lados, pelos liberais pernambucanos,
norte-rio-grandenses e cearenses, o governo e o Conselho provincial não extravasam a
legalidade e enviam tropas para auxiliar Francisco de Lima e Silva na repressão aos
confederados pernambucanos. Os liberais da província fazem de Areia um reduto,
liberalismo esse que a derrota parece não ter extirpado, pois que Areia se reedita na
Praieira.
A ordem monárquico-centralista, dirigida a Corte, vai-se instaurando.
A construção da ordem: eis o segundo grande tema da Paraíba imperial. Talvez, o mais
desconhecido na historiografia paraibana relativa ao Império.
Reprimido o inimigo fragmentário do momento, embora ainda não debelado o perigo da
fragmentação, o Estado nacional vai implantando a máquina político-administrativa na
província: A Presidência da Província, que significa a desconcentração do poder e não a sua
descentralização e era exercida em forma de rodízio; o Conselho Provincial, que não terá
poderes legislativos até o Ato Adicional de 1834, quando se converte em Assembléia
Legislativa; o aparato judiciário e policial. Novas vilas e cidades são criadas, nesse
momento, para ampliar a presença do poder público.
Através do voto censitário e indireto, instituído pela Carta outorgada de 1824, eram eleitos
os representantes da província na Assembléia Geral do Império. Apenas cinco deputados,
abarcando dois distritos eleitorais bastante amplos territorialmente: o da capital, incluindo
a própria capital, Alhandra, Mamanguape, Independência (Guarabira), Bananeiras, Areia,
Alagoa Nova, Pilar, Pedras de Fogo e Ingá, com três representantes; e o 2º Distrito, com
dois deputados, incluindo Campina Grande, Cabaceiras, São João do Cariri, Patos, Pombal,
Catolé do Rocha, Piancó e Sousa. Em nível de Império, uma representação modesta. Mais
grave do que isso, porém, era o conteúdo excludente do sistema eleitoral: apenas 6,4% da
população paraibana dele participavam; e menos ainda, somente 3,9% eram eleitores.
Representação estabelecida territorialmente diferenciada no Estado nacional e socialmente
hierarquizada, evidenciando que o Estado nacional brasileiro constituiu-se de uma
cidadania restrita.
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Cidadãos ativos, ou seja, aqueles que podiam votar e ser votados, e era a expressão da
época, eram, usualmente oriundos de elites agrárias estruturadas em grupos familiares, as
parentelas, que controlavam o poder local. Com a criação da Guarda Nacional, em 1831, o
localismo se reforça. Na Paraíba, contudo, esse processo, apesar da documentação
existente no Arquivo Público do Estado, praticamente não foi analisado. A documentação
existente sobre a Guarda Nacional é numerosa.
Mas, na década de 30, começam a evidenciar-se medidas de maior burocratização do
Estado, significa dizer, a institucionalização do poder público, com o preenchimento
sistemático dos cargos de juizes de fora, juizes de paz e juizes de direito. Criam-se corpos
policiais. Multiplica-se o número de cadeias públicas. Instala-se o Tribunal do Júri.
Se tais medidas podem ser interpretadas como tentativas de debelar a criminalidade, por
vezes referida nos Relatórios dos Presidentes de Província, outras notícias interessantes
ainda não foram alvo de maior investigação, como aquelas referentes a confrontos entre as
correntes políticas da primeira metade do período regencial: os recolonizadores caramurus,
os nacionalistas ou liberais moderados e os chamados radicais federalistas. Sabe-se que
existiu na capital paraibana uma Sociedade Federal da Parahyba do Norte, que iniciou
proselitismo no interior. Sabe-se que, neste início da Regência, Joaquim Pinto Madeira, na
região do Crato, em Jardim, liderava um levante de intuito restaurador, articulando-se com
os “Colunas” do Trono e do Altar, do Recife. Esse movimento teve ressonância nos sertões
do Rio Grande do Norte, Pernambuco e Paraíba: nesta província, atingiu Sousa, Piancó,
Patos, Catolé do Rocha, Cabaceiras, Bananeiras, Independência, Mamanguape e Ingá. São
fatos a demonstrarem que a ordem não estava estabilizada. Mas, se havia rusgas e
pequenos motins, envolvendo tropas e mesmo povo, como tão bem caracterizou essa fase
José Murilo de Carvalho, a historiografia paraibana praticamente não fala de movimentos
como os que aconteceram no Recife, tais quais a Setembrizada, Novembrada e Abrilada ou,
depois, no sul pernambucano com os cabanos, ou nem fala também de movimentos como
movimentos regenciais em províncias mais distantes, durante toda a década de trinta. O
que teria acontecido nesta parte do Brasil? A ausência de referências a tais movimentos é
indício da sua não ocorrência? Parece ter sido. Mas, então, o que aconteceu com essas
erupções políticas da época, na província? É uma interrogação à pesquisa, visto que temos
documentação também não compulsada a respeito da Paraíba e existente no Arquivo
Nacional do Rio de Janeiro.
Por outro lado, a Regência é um período em que se instalam várias cadeiras de instrução
pública na capital e em outras vilas; cria-se o Liceu Paraibano, em 1836, instituição que
seria, daí em diante, a primeira formadora das elites dirigentes provinciais; surgem
tipografias, editando os primeiros jornais paraibanos, entre os quais o de Borges da
Fonseca, que chegou a ir ao Tribunal do Júri por crime de opinião.
Embora o II Reinado pareça ter transcorrido sem maiores transtornos, com as famílias
políticas se abrigando no bipartidarismo surgido do Regresso, não era bem assim. Duas
questões apontam que a historiografia paraibana precisa debruçar-se muito mais sobre
todo o período imperial. A primeira questão concerne à Lei de Terras, a segunda, à
Revolução Praieira.
Sobre a Lei de Terras e suas decorrências, de um lado, temos a manifestação de um
paraibano, Joaquim Manuel Carneiro da Cunha, durante o processo de discussão do projeto
de lei na Câmara dos Deputados, dizendo-se representante da região e apontando as
dificuldades de regularização do quadro fundiário, devido à perda de títulos sesmariais
ocorridos durante a luta contra os holandeses; ou devido ao fato de que muitos
proprietários ou grandes posseiros não terem recebido títulos sesmariais; além de outros
embaraços para regularizar a questão fundiária. Por contraste, pesquisa que vimos
realizando a algum tempo, sobre os registros de terras decorrentes da Lei de 1850 e de
seu Regulamento de 1854, não parecem apontar os graves problemas invocados por
Carneiro da Cunha. Têm revelado que a província era território de fronteira fechada, com
poucas terras devolutas; apontam também a presença, em certas localidades, de um
número expressivo de mulheres proprietárias e o recebimento da terra por herança com
uma leve tendência de mercantilização, o que é uma tendência bastante inversa ao que
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está ocorrendo na região cafeeira nesse momento, no hoje Sudeste. Este nos parece ser
um tema central para a compreensão da História nordestina, se somado ao estudo das
famílias políticas através do recurso à genealogia.
Sobre a Praieira na província falarei pouco, mas chega a ser espantoso o silêncio da
historiografia. Tivemos o nosso Urbano Sabino, que é Maximiano Machado; falta-nos o
nosso Figueira de Melo, como em Pernambuco, que seria o depoimento do lado
conservador e vitorioso sobre o acontecimento. Foi o movimento em Areia algo sem
maior relevância ou a vitória dos conservadores apagou a memória sobre esse
acontecimento? Por que a cidade de Areia continuou a ser uma força de políticos
expressivos, ainda depois disso, alguns dos quais descendentes dos liberais praieiros, como
a família Santos Leal?
O terceiro tema significativo da Paraíba imperial é a sua crise agrária, em cujo âmbito se
pode compreender a eclosão de movimentos sociais como o Ronco da Abelha e o Quebra
Quilos bem como o processo de desagregação da ordem escravista e porque, talvez, o
abolicionismo não tenha sido tão forte como em outras províncias.
Por volta de 1860, a Paraíba tinha uma população de 300.000 pessoas, das quais 50%
eram elementos livres. Já no final do século XVIII, a população livre era relevante, como
apontam os quadros anexos ao trabalho da professora Elza Régis sobre a Paraíba do século
XVIII. Significa dizer que a situação crítica da agricultura de exportação, herdada do
período colonial, mesmo quando os escravos persistem em número expressivo no sertão
algodoeiro, como apontou o trabalho de Diana Galliza, estava gestando relações de
trabalho que constituiriam a “solução” das elites agrárias para o problema da mão-de-obra,
quando o fim do tráfico negreiro colocou, junto com ele, a perspectiva de um fim
relativamente próximo da escravidão. A dificuldade de concorrência nos mercados
internacionais, seja do açúcar seja do algodão (salvo este produto em alguns momentos
conjunturais breves, na década de 60), a conseqüente descapitalização dessas lavouras, a
dificuldade para uma modernização tecnológica, provocaram a segunda sangria de braços
que a Paraíba e a região, de um modo geral, sofreram – lembremo-nos da primeira sangria
para as Minas Gerais. Braços escravos são vendidos, muitas vezes burlando o fisco, para a
região cafeeira florescente nas províncias do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo. Os
homens pobres livres, cuja disponibilidade era grande, passam a ser encarados como uma
saída para a elite agrária, solução mais barata, dado que a crise agrária não permitia a
adoção do sistema imigrantista. As massas errantes de homens pobres livres começam a
ser submetidas à disciplinarização para o trabalho nas grandes propriedades. Na própria
seca de 1877, já é visível esse processo assim como nos discursos dos representantes
políticos da província, embora a participação desta tenha sido modesta no Congresso
Agrícola do Recife, em 1878, quando a questão ficou mais explícita.
Para a população pobre livre, acontecimentos que se inserem no processo mais abrangente
de modernização no país, tais como a abolição do tráfico negreiro, o recenseamento e a
obrigatoriedade do registro civil, decretados pelo Governo saquarema, no início dos anos
50, soavam como o seu próprio cativeiro. Camponeses do Agreste do Rio Grande do Norte,
Paraíba e Pernambuco fazem eclodir o Ronco da Abelha, que, na opinião de alguns
historiadores como Hamilton Monteiro e Marc Hoffnagel, este trabalhando sobre a Paraíba,
guardaria articulações com os remanescentes praieiros de Areia, somadas as motivações
próprias dos revoltosos, cuja exploração aumentara com a expansão algodoeira.
Pouco mais de duas décadas, novo movimento, basicamente na mesma área, como reação
à nova medida modernizadora adotada pelo gabinete Rio Branco, a instituição do sistema
métrico decimal, agregada ao aumento de impostos dos governos provinciais do Norte. A
“revolta dos matutos”, como disse Geraldo Joffily, era uma explosão contra a carestia, os
abusos dos governos e do que a massa chamava de “vampiros”, ou seja, os arrematantes
de impostos, coletores e atravessadores. Era revolta nas feiras do Agreste, irradiando-se
por cerca de 30 a 40 localidades paraibanas, igualmente nas duas províncias vizinhas,
atingindo até Alagoas. Várias outras motivações se imbricam neste movimento, tais como o
envolvimento da Igreja, então em confronto com o Governo imperial na chamada Questão
Religiosa; conflitos políticos locais no âmbito da elite, dívidas fiscais-financeiras e até
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mesmo antilusitanismo, forte ainda neste momento. A dura repressão ao movimento, com
os “coletes de couro” do capitão Longuinho, não impediria que, um mês depois, eclodissem
novas manifestações populares, desta vez, contra o recrutamento, em que a participação
de bando mulheres era significativa e precisa ser pesquisada.
Também desta época data a maior visibilidade dos bandos de cangaceiros, como o de
Jesuíno Brilhante. Era uma área em convulsão, que a seca só fez acirrar, despejando levas
de retirantes na capital, onde as epidemias grassavam, depois de já terem dizimado cerca
de 30 mil pessoas na década de 50.
Era num quadro crítico que a Paraíba encerra o seu período imperial. Asfixiada, ao longo do
regime, como as demais províncias, pela centralização política, empobrecida pela crise
agrária e desassistida pelo Governo.
···
A fala do presidente Luiz Hugo Guimarães:
Como era de se esperar, a brilhante exposição da professora Rosa Godoy nos oferece um
quadro expressivo da Paraíba durante o Império. Não obstante os limites do tempo
regulamentar estabelecido no Ciclo para os expositores (vinte minutos), a professora Rosa
Godoy pôde cobrir aquele período imperial mostrando suas principais fases, e mais do que
isso, apontando inúmeras ocorrências de vulto ainda pouco estudadas. O aprofundamento
sobre a Revolução Praieira na Paraíba, na interpretação dos conservadores vencedores; a
crise agrária e a Lei de Terras; a ausência de estudo aprofundado sobre a Paraíba e os
movimentos insurrecionais como a Abrilada, a Setembrizada, a Novembrada, que
ocorreram aqui perto, em Pernambuco; a importância da Guarda Nacional na Paraíba, cuja
documentação é copiosa no nosso Arquivo Público; foram temas levantados pela expositora
como itens importantes a desafiarem a curiosidade, estudo e análise dos nossos
historiadores.
Essa contribuição da professora é bastante valiosa para o futuro da nossa historiografia,
pelo que agradeço em nome dos organizadores deste evento.
Dando continuidade à sessão, teremos a participação, como debatedor, do nosso consócio
Marcus Odilon Ribeiro Coutinho. Historiador, pesquisador, jornalista atuante, autor de
vários trabalhos de cunho histórico, polemista conhecido, Marcus Odilon ocupará a tribuna
para se desincumbir de com brilho, tenho a certeza, de missão.
Com a palavra o historiador Marcus Odilon Ribeiro Coutinho.
···
Debatedor: Marcus Odilon Ribeiro Coutinho (Escritor, historiador, membro do Instituto
Histórico e Geográfico Paraibano)
Todos estamos gratificados pela palestra da professora Rosa Godoy. Não foi surpresa,
porque todo o auditório esperava exatamente o que ocorreu. Uma verdadeira aula, no
melhor sentido da palavra.
A minha palavra é apenas para fazer-me intérprete de todos e colaborar e exaltar, e talvez,
no máximo, preencher alguns espaços vazios sobre o que disse a expositora desse período
da história pátria, da qual a Paraíba é uma parte, mas é totalmente integrada.
A nossa expositora afirma que o período do império foi um período curto e um período
também menos pesquisado. Realmente o período imperial não completou um século,
enquanto que o período colonial excedeu a três séculos e o período republicano já excede
a um século.
Mas eu diria que foi um período muito brilhante, período brilhantíssimo, de fatos positivos..
Há poucos dias conversando com vários confrades, nós todos reforçávamos a tese de
Gilberto Freire, que dizia que o Brasil é um país que deu certo. Rigorosamente deu certo.
Ora, o período imperial foi um período de muitos desafios, eu não digo de crises, eu digo
de desafios, e a maioria deles vencidos pelo nosso povo, pela nossa civilização ibérica.
Geografia e História da PB
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O primeiro dos desafios era a fragmentação; fragmentação que ocorreu em todas as
Américas, as três Américas, sem nenhum exceção, inclusive na América inglesa, porque o
atual Estados Unidos não eram a única colônia inglesa. O Canadá está aí, além de algumas
outras possessões inglesas no Caribe, inclusive Jamaica. A América inglesa não conseguiu
ter esta unidade. Esta unidade nem sempre fora conquistada como uma afirmação de
cavalheirismo. Reconhecemos que houve exageros, houve repressões nesse período, como
há em qualquer parte do mundo.
Até há pouco tempo eu ouvia um ilustre conferencista dizer que o Brasil não tinha dado
certo, que havia repressão e seria o Brasil um modelo a não se adotar, um povo infelicitado
por muitos períodos de ditadura. Mas, qual o país que não teve isso? Essas nossas crises
foram crises mundiais da espécie humana. A nossa evolução também, afinal o homem é
um só. Em qualquer continente a alma humana se comporta de igual maneira,
evidentemente com algumas variações, até motivada pelo próprio clima onde ela habita.
O movimento de Quebra Quilos, por exemplo, que se apresentou na Paraíba, foi um
movimento liberal e foi um movimento que reafirma a disposição contestatória do povo
paraibano. Eu discuto isso e na minha opinião é exatamente o contrário. É rigorosamente
em contrário. Estou aqui com um trabalho, uma biografia escrita por um maranhense sobre
o também maranhense Gonçalves Dias, que é um nome nacional conhecido de todos os
presentes, e essa biografia diz que a idéia de adotar o sistema decimal foi uma sugestão de
Antônio Gonçalves Dias, que era um homem formado em Coimbra, conhecia a Europa, e
para lá fora enviado pela família, com grande sacrifício, pois não havia esse dinheiro fácil.
Quando Gonçalves Dias ia embarcar para Lisboa para fazer o curso em Coimbra, o pai dele
morreu. E foi quase com a contribuição dos amigos que ele foi levado a prosseguir seus
estudos e fazer um curso superior. Ele esteve na Paraíba, o que realmente pouca gente
sabe. Antes de ler esse livro eu não sabia, e soube em conversa com o historiador
Deusdedit Leitão, que é desta Casa, pesquisador de todas as horas. Então, Antônio
Gonçalves Dias esteve aqui na Paraíba, com uma missão do Barão de Capanema; esteve
em todo o Nordeste, esteve no Ceará e sugeriu ao imperador Pedro II a adoção do sistema
metodológico decimal, que era um avanço na época. Porque aqui no Brasil, é preciso que
se diga, no interior brasileiro mais ainda, cada região tinha um sistema: era a vara, era a
cuia, era o prato, era a lata nos mais diferentes locais. Ficava difícil, professora Rosa
Godoy, ficava extremamente difícil uma fiscalização por parte do governo imperial, por
parte do governo da província e se não fosse por parte do governo imperial, também por
parte do governo republicano. Afinal todos os sistemas políticos visam uma só coisa:
melhorar a qualidade de vida daqueles por que eles se responsabilizam. Então me parece
que a revolução de Quebra Quilos foi uma revolução muito clerical, fanática, contra a
maçonaria. Quando os revolucionários de Quebra Quilos estiveram em Areia danificaram o
teatro (e veja, Areia, na época já tinha um teatro) porque parecia uma loja maçônica. Se
houve reacionarismo, diga-se de passagem, o reacionarismo estava na parte dos que
promoviam o movimento do Quebra Quilos, que foi também um momento antimaçônico,
porque a maçonaria era muito mal vista pelo clero católico, pois há pouco tempo tinha
havido o grande conflito da questão religiosa, e dois dos bispos, D. Vital, paraibano e bispo
de Olinda e Recife e D. Antônio Macedo, um baiano bispo de Belém, tinham sido
reprimidos. É preciso que se diga, a Igreja era aliada do Estado, pela Constituição. Os
padres, os funcionários, os sacristãos eram pagos pelo governo imperial. Então a Igreja
tinha também que prestar alguma solidariedade e obediência ao Império. Estavam num
acordo que veio até a República. A República foi quem realmente separou a Igreja do
Estado. Infelizmente esses dois bispos se insubordinaram porque queriam excluir das lojas
maçônicas padres que, por sua livre e espontânea vontade, pertenciam a esse movimento.
Eu não sou maçom, mas reconheço o grande trabalho que foi feito pela maçonaria em prol
da independência, da abolição da escravatura e depois em prol da proclamação da
República, embora a maçonaria tenha perdido muito a sua força, neste século.
A expositora falou sobre a nossa atuação política, dizendo que a Paraíba tinha apenas cinco
deputados, situação que talvez fosse correta em face da nossa população. Cinco deputados
naquela época representavam muito mais do que 15 de hoje, quando a população dobrou
ou triplicou.
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Uma coisa que a professora Rosa Godoy falou era que havia dois distritos eleitorais, o da
capital e o do sertão. Ótimo. No Império, naquele período, se adotava o voto distrital. Isso
é um avanço. Essa idéia do voto proporcional, que veio com a República, é um verdadeiro
horror. Hoje os formadores de opinião pública são todos unânimes. Boris Casoy se esgoela
e chega até à radicalização de dizer, que uma das coisas que se precisa na reforma política
brasileira é exatamente nós evoluirmos para o voto distrital, que já havia no Império. Acho
que só nos temos de nos orgulhar da época do Império.
Naquela época a população era pequena e as mulheres não votavam. A mulher só veio
votar em 1928, no Rio Grande do Norte, porque a legislação eleitoral era estadual. Foi a
cidade de Lages a ter a primeira prefeita, Dona Adalgisa, e em 1930 houve duas santa-
ritenses; Dona Iracema Feijó requereu um mandado de segurança para ter o direito de
votar., conforme está no trabalho da confreira Martha Falcão. Mas, salvo engano, no
Império os analfabetos já votavam. Os analfabetos tinham direito a votar, coisa que
recentemente foi restabelecido. Agora, precisava ter uma renda mínima. Era a chamada a
lei da mandioca, isto é, quem tivesse uma renda equivalente a cinco alqueires, ou coisa
que o valha, de mandioca, poderia votar.
É preciso lembrar que foi o Império que, na Paraíba, construiu a primeira escola de nível
médio, que foi o Liceu. Antes disso existia o Seminário dos Jesuítas, mas tinha sido
suprimido pelo Marquês de Pombal. O Marquês de Pombal para a Paraíba foi um horror,
porque não só proibiu uma escola superior, como o Seminário, como anexou a Paraíba a
Pernambuco. E só depois que o Marquês de Pombal caiu, foi expulso do Palácio Imperial
pela princesa herdeira do trono, D. Maria I, é que a Paraíba teve restituída sua autonomia.
Infelizmente a Historia do Brasil vê muito mal a Rainha D. Maria I; não se pode nem
colocar uma rua com um nome de Maria I, porque a primeira lembrança que se tem dela é
que ela condenou a forca o herói maior, o nosso Tiradentes. Assim ficamos como que
proibidos de homenagear D. Maria I, que, por sinal, morreu no Brasil.
Quanto ainda ao movimento de Quebra Quilos, a sua repressão foi uma coisa horrorosa.
Houve o “colete de couro” e é preciso se lembrar que quem comandou as forças federais
que vieram do Rio de Janeiro contra o Quebra Quilos foi o irmão de Deodoro da Fonseca.
Era uma família horrorosa. E dizem que ele gargalhava, ria. José Severiano da Fonseca era
coronel, chegou a general e depois foi a Barão: Barão de Alagoas.
Uma coisa que eu quero ressaltar é atuação do maior pintor da Paraíba, que foi Pedro
Américo, que despontou exatamente nesse período. Parece-me que como artista plástico
ninguém superou Pedro Américo; pelo menos é a opinião de todos os paraibanos.
Penso que já excedi o tempo que me cabia neste debate, agradecendo a atenção de todos.
···
A fala do presidente Luiz Hugo Guimarães:
Tivemos a satisfação de ouvir as palavras do nosso debatedor, historiador Marcus Odilon,
que, como sempre, se empolga com entusiasmo ao defender seus pontos de vista. Ele
pede desculpas por ter excedido seu tempo, mas a presidência às vezes tem que ser
tolerante nesse particular, sobretudo quando a exposição do palestrante está agradando ao
plenário. Foi o que aconteceu com o confrade Marcus Odilon.
Coube a Marcus Odilon acrescentar à palestra da professora Rosa Godoy alguns episódios
do nosso período imperial, não aprofundados pela expositora. Na realidade, a função da
professora Rosa Godoy era fazer uma exposição generalizada, ordenada, cabendo ao
debatedor espicaçar, criar as condições para o debate com o público assistente. Foi o que
Marcus Odilon fez, abordando aspectos do nosso Império com alguns pontos de vista
pessoal.
Como ressaltou a professora Rosa Godoy, alguns aspectos do tema estão consignados no
programa do Ciclo de Debates para uma apreciação mais profunda.
Nem por isso, nosso debatedor, com muita propriedade, deixou de expor e comentar
alguns fatos ocorridos naquele período imperial.
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Dando continuidade à sessão, concederei a palavra aos participantes do Ciclo de Debates,
começando pelo consócio Guilherme d’Avila Lins, primeiro inscrito para ocupar a tribuna.
Com a palavra o historiador Guilherme d’Avila Lins.
1º participante
Guilherme d’Avila Lins (Sócio do IHGP e presidente do Instituto Paraibano de Genealogia
e Heráldica):
Gostaria de parabenizar a expositora, professora Rosa Godoy e o debatedor, nosso
confrade Marcus Odilon Ribeiro Coutinho, pelas abordagens muito lúcidas a propósito do
tema hoje abordado.
Gostaria apenas de lembrar um detalhe, eu sou sob muitos aspectos um detalhista; com
relação a este período e mais particularmente ao trabalho de Maximiano Lopes Machado,
cujo trabalho já foi mencionado como o ponta-pé inicial de sua vocação histórica, com o
QUADRO DA REVOLTA PRAIEIRA NA PROVÍNCIA DA PARAHYBA, que constitui nada mais
que um relato de um participante, portando de parte interessada, num trabalho
excepcional, cuja primeira edição só se conhece hoje quatro ou cinco exemplares.
Esse trabalho precisaria de uma releitura com interpretação crítica porque ele representa
uma descrição de um ator da História e como descrição de ator ele precisa de uma leitura
crítica interpretativa e penso que seria uma contribuição importante para este detalhe.
Além deste trabalho Maximiano Lopes Machado também tem A HISTÓRIA DA PROVÍNCIA
DA PARAÍBA e um outro sobre a Capitania de Itamaracá, além de outros trabalhos. Ele foi
secretário do Instituto Arqueológico Pernambucano e fez parte da comissão que estudou
arqueologicamente o jazigo e a ossada de João Fernandes Vieira. Aquele trabalho de ator
da História precisa de uma leitura crítica. O trabalho de Ambrósio Hischoffer também
precisava de uma leitura crítica, que Alfredo de Carvalho já fez, muito bem feita, mas
(quem sabe?) precisa hoje de uma nova leitura. São trabalhos apaixonados de quem
estava participando de um lado do movimento e tem, sem dúvida, a influência da própria
paixão e da própria cosmovisão do cenário histórico.
Era apenas isso que queria registrar.
2º participante
Professor Eduardo (Professor do Departamento de História da UFPB):
Como um apaixonado pelo Império, seria impossível para mim não intervir. O que eu
gostaria muito de salientar, e que ficou claro no debate aqui, é que tratar de Império
significa tratar da construção do Estado Nacional Brasileiro, e, portanto, significa
necessariamente a gente pôr a questão central da sociedade brasileira hoje, que é a
cidadania. E aí a gente vai ter que levantar estas questões que a professora Rosa levantou
e o debatedor também tocou, que é essa articulação entre a política, entre o Estado
Nacional, entre a idéia de nacionalidade e os movimentos sociais, a estrutura agrária e as
proposições e projetos políticos que estiveram em jogo durante o século XIX, no Brasil. E
dentro disso, é claro, os movimentos liberais de 17, 24, 49, entrando também os
movimentos sociais dos excluídos, como o Ronco da Abelha, como o Quebra Quilos, além
de outros.
É importante que a gente saliente que esse é um Império sobretudo elitista, sempre
baseado no voto censitário, cuja idéia é do esclarecimento, onde a elite sabe para onde vai,
o povo tem vergonha do povo que tem, e essa é uma marca que está na construção deste
país; realmente movimentos como o de 24 e 48 quiseram questionar um pouco isso, mas
foram sufocados. A repressão não bateu à toa. Na verdade isso faz parte de uma tradição
violenta e autoritária que a gente tem; é bom lembrar que esse é o período do cangaço, do
uso da polícia privada (aliás não há nem uma distinção muito clara entre o público e o
privado); são os jagunços, são os cabras dos grandes proprietários que funcionam como
justiça e polícia, na prática. Hoje estamos num país democrático, mas é esse passado, é
essa memória que a gente precisa remontar e que, no caso da Paraíba, existiram
experiências que questionaram; acho que está mais que na hora pensar o que foi 48; a
Geografia e História da PB
96
praieira foi um dos episódios mais importantes da história desta região e que precisa ser
revisto. E claro, os movimentos sociais como o Ronco da Abelha e está aí, até hoje, a
questão agrária, que a gente vive claramente, o êxodo rural. Nós vivemos um quadro
estrutural que tem suas bases montadas no Império.
3º participante
Paula Frassinete (Conselheira do IPHAEP):
Sou bióloga e a minha análise da História do Brasil vai mais como militante do que como
historiadora, porque a gente sabe muito bem como foi o ensino de História. Tenho 56 anos
e estudei História há bastante tempo. Parece-me que na minha época a gente não tinha
esse tipo de professora Rosa Godoy, que faz toda essa discussão crítica da História. O
professor Marcus Odilon coloca que a República já tem seis séculos, é o período que está se
demorando mais e anteriormente Rosa já coloca as crises do fim do Império. É a questão
agrária, é a desassistência do governo com o povo e eu perguntaria à professora Rosa: nós
estaríamos no fim da República também? Porque nós estamos com essa mesma crise. Ela
está aí repetida e acho que 64 pode até ser comparada com a praieira. Estaríamos
terminando este período, já começando, dando os primeiros passos para o próximo regime
que será o socialismo?
4º participante
Célia Camará Ribeiro (Sócia do IHG de Niterói):
Mais uma vez muito obrigada pela oportunidade, parabenizando o Sr. Presidente do
Instituto Histórico e componentes da Mesa, a professora Rosa Godoy e o historiador Marcus
Odilon. Aqui na Paraíba nós temos muitos pontos importantes do Império. D. Pedro II era
um mecenas, que se interessava pela cultura e prestigiou não só Pedro Américo e Carlos
Gomes, como outras figuras nacionais.
5º participante
Odilon Ribeiro Coutinho (Membro do Conselho Estadual de Cultura e sócio da Academia
Paraibana de Letras):
Quero felicitar a professora Rosa Godoy pela excelente palestra com que nos brindou esta
tarde. Realmente uma palestra de nível universitário, de bom nível universitário, que é
uma coisa que se faz hoje raramente neste país, não apenas na Paraíba, mas neste país.
Eu tenho contacto com outras cidades, cidades consideradas mais importantes do que a
Paraíba, com outras universidades, e posso dizer isso com absoluta segurança. O que não é
nenhuma novidade, pois todos nós que ouvimos uma vez Rosa Godoy passamos a admirá-
la e a admiração cresce a cada nova palestra que ela faz.
Sobre Marcus Odilon, eu sou suspeito para falar, é uma figura vibrante. Ele põe realmente
um fermento em tudo que diz e faz com que a coisa passe a apresentar um aspecto
ardente. O debate, a forma de comentar o trabalho de Rosa foi realmente uma forma, não
apenas cavalheiresca, e não poderia ser de outra forma em virtude do alto nível da palestra
de Rosa; foi cavalheiresca por que concordou com a exposição de Rosa, apenas
acrescentando alguns detalhes, segundo ele, para preencher pequenas lacunas que teriam
ocorrido. E num tema como esse, tão vasto, essas lacunas seriam inevitáveis.
Mas o que me trouxe aqui a este microfone foi a forma pela qual o professor Eduardo, da
UFPB, se identificou. Ele começou dizendo que era um apaixonado do Império e isso me
animou a vir aqui fazer alguns comentários. Porque a gente não tem, a gente que se
dedica ao estudo da História, a gente não tem a idéia exata da significação do Império para
a nossa vida e para a formação da nação brasileira.
O Império costurou a nossa unidade. Rosa e Marcus chamaram a atenção para a ameaça
de fragmentação que pairou sobre o nosso país durante o Império. E como isso foi
conjurado, como isso foi exorcizado? Rosa teve a oportunidade de referir-se a isso várias
vezes, lembrando José Bonifácio. José Bonifácio foi o gênio político de maior expressão que
as Américas produziram. E eu estou dizendo isso pensando exatamente nos pais
Geografia e História da PB
97
fundadores da nação americana, grandes figuras de estadistas. Washington era um homem
de bom senso, um intuitivo que soube conduzir a nação com mão segura. Os intelectuais
da revolução americana foram grandes figuras. Um Jefferson, que figura brilhante! Um
Benjamin Franklin, um Madison, um Webster, são figuras realmente extraordinárias, mas
nenhum pelo menos teve oportunidade de revelar a genialidade política de José Bonifácio.
Rapidamente eu queria chamar a atenção para o fato de que talvez nem todos nós aqui
presentes saibamos o que realizou José Bonifácio. Vou tentar isso rapidamente.
José Bonifácio saiu do Brasil com vinte anos e foi estudar em Coimbra; antes de terminar
os seus estudos já se tinha tornado professor. Aos trinta anos foi comissionado pelo
governo português para estudar onde quisesse com os professores que escolhesse. Na
França, estava lá exatamente por ocasião da Revolução Francesa e foi discípulo de
Lavoisier, que logo depois foi guilhotinado. Na Itália, foi discípulo de Volta, o primeiro
cientista que aplicou, de forma prática, a eletricidade. Na Alemanha, conviveu com
filósofos e convenceu Humboldt a vir estudar a América do Sul. Na Suécia, ele que era
geólogo (é uma coisa que pouca gente sabe, e dentre os cento e tantos metais conhecidos
ele identificou oito), foi convidado para, com o status de ministro assumir a coordenação de
todas as atividades de mineração da Suécia, que já tinha uma indústria de aço muito
desenvolvida. Volta para Portugal, assiste à diluição, ao esgarçamento da Revolução
Francesa, à ascensão de Napoleão, à invasão de Portugal pelo General Junot, que fez com
que a família real de Portugal viesse para o Brasil. Nessa ocasião ele assumiu o comando
do Batalhão Acadêmico e enfrentou as tropas francesas que invadiam Portugal. A família
real vem para cá com toda a corte; Portugal ficou sem quadros para a sua administração e
ele ocupou vários quadros da maior significação no plano administrativo de Portugal. Ele
supriu o grande vazio deixado pela fuga da corte portuguesa. Mas, sempre com o
pensamento voltado para o Brasil.
Há uma coisa muito interessante que nunca passa pela nossa cabeça porque realmente o
brasileiro aprende a história de modo errado. A Independência do Brasil não ocorreu em
22, mas em 1908, quando D. João VI criou o Reino de Portugal, Brasil e Algarves e aí nós
atingimos o mesmo nível da Metrópole. José Bonifácio está sempre atento ao desenrolar
dos acontecimentos e acompanha o desdobramento das lutas de emancipação da América
Latina, o estraçalhamento da América Latina. A América Espanhola estava fragmentada em
não sei quantas republiquetas. Em 1816, as cortes portuguesas começaram a reclamar e
cobrar a volta de D. João VI. Ele então achou que nessa ocasião devia voltar ao Brasil, para
construir a nossa independência. Chega aqui com 56 anos. D. João VI foi um rei de grande
sensatez, de muito bom senso. A biografia de Oliveira Lima sobre D. João VI, que acaba de
ser reeditada, segundo Gilberto Freyre, era a melhor biografia que se tinha escrito no
Brasil. Hoje talvez ele pudesse mudar de opinião, se fosse vivo. A biografia que Nabuco
escreveu a propósito do pai, o conselheiro Nabuco de Araújo, é a verdadeira história do
Império. A melhor história do Império é a biografia do conselheiro Nabuco Araújo. Mas essa
biografia revela o homem admirável, perspicaz, sagaz, que foi D. João VI. Voltou para
Portugal, mas deixou Pedro I aqui. José Bonifácio vem e concebe essa coisa extraordinária.
Mas ele concebeu isto porque ele era um homem do mundo, com uma visão muito larga da
história do seu tempo, da experiência da história de um tempo tumultuado. Ele então teve
essa saída genial. Percebeu que se o país se tornasse independente através do que eu
chamei um dia de heróis eqüestres, aqueles generais a cavalo, espadagão desafiando o
infinito, se o Brasil tivesse realizado a sua independência dessa maneira, através de um
herói eqüestre, dificilmente, e acho que Rosa e Marcus Odilon concordarão comigo, ele
teria evitado ou impedido a fragmentação. José Bonifácio partiu do princípio, e aí se revela
a genialidade do estadista, e sobretudo a sua falta de preconceito; não era o homem
rasteiro, que achava que amar o Brasil era arranjar um sargentão que fizesse a nossa
independência. Ele verificou que só havia uma maneira de impedir que o país se
fragmentasse. Era colocar à frente do país um homem, cuja autoridade não pudesse ser
contestada. A autoridade do rei não podia, porque era uma autoridade legítima. Ele então
concebeu nossa independência e, mirem que prodígio de concepção genial, a nossa
independência através de um príncipe português representante da Metrópole. E graças a
isso ele conseguiu manter a unidade nacional, que é um milagre. E tanto isso é verdadeiro
Geografia e História da PB
98
que, ao deixar o Brasil, abdicando o trono brasileiro, voltou para Portugal para disputar
com o irmão D. Miguel o trono português, que D. Miguel tinha usurpado de sua filha, D.
Maria da Glória. Voltou, mas deixou o filho no Brasil, Pedro II, com apenas cinco anos de
idade. E o Brasil entrou numa terrível convulsão, convulsão que levaria o Brasil certamente
à fragmentação se não tivessem sido conjuradas e exorcizadas a cabanada, a balaiada,
revolução aqui, revolução acolá, revolução farroupilha. Apesar do Regente do Império,
Diogo Antônio Feijó, homem de pulso férreo, nada foi possível fazer para dominar o
tumulto que se alastrara pelo país inteiro. E aí o que é que se faz? Põe-se no trono um
menino que ainda não tinha completado 15 anos – Pedro II. O resultado é que a
tempestade serenou, porque estava no trono uma autoridade legítima. E tão bem
costurada ficou a unidade nacional pelo Império, que a própria República, nos seus
desatinos, não conseguiu destruir o tratado de construção de nossa unidade realizada pelo
Império. O Império é a moldura natural de José Bonifácio.
Considerações finais pela professora Rosa Maria Godoy Silveira:
Acho que tudo foi muito bom.
Em primeiro lugar, eu começo agradecendo a escuta atenta do Dr. Marcus Odilon à minha
fala, mas confesso, antes de tudo, que faço parte do time das paixões pela História do
Império. Eu sempre gostei, eu acho que o Dr. Odilon colocou aí muitíssimo bem que no
Império estão colocadas as nossas grandes questões que estão abertas até hoje.
Sobre a questão da formação do nosso Estado Nacional, sobre como ocorreu a organização
do Poder, como foi construída, sobretudo no Segundo Reinado através dos conservadores
saquaremas, a relação com a plebe, não com o povo, o povo segundo entendemos era a
elite hoje, mas com aquilo que eles chamavam de plebe. Acho que são questões que
permanecem abertas na nossa história, principalmente no momento em que vivemos hoje.
A professora Paula, preocupada com o nosso futuro, pergunta para que lado estamos indo,
e eu acho que nós estamos passando por um momento bastante difícil no país, onde várias
dessas questões deveriam ser revisitadas, inclusive no Império. Eu diria que a principal
delas, hoje, é a do Estado. É complexa a questão do Estado, a relação do Estado Federal
com os Estados membros. A grande questão é que Modelo de Poder organizar. Acho que a
Federação há muito se esgarçou. E nós estamos assistindo aí uma tremenda crise dessa
relação com os Estados membros.
Como sou apaixonada pela história do Império, vejo que ela é a mais contemporânea
possível. Tem muito a ver uma coisa com a outra porque o Império nos elucida as grandes
questões do país. Nós temos que revisitá-la para ver essa costura.
Sobre a questão da unidade nacional, colocada aqui pelo Dr. Marcus e Dr. Odilon, eu acho
que foi uma obra portentosa, uma política portentosa. Não há dúvida. Portentosa foi
também a conquista portuguesa do Brasil e a manutenção desse território, porque foi uma
obra difícil, de grande engenharia política, para usar os termos da moda. E o Império fez
isso. O que eu tentei evidenciar, também, é que nesta parte do Brasil, que a gente é o
Nordeste Oriental, houve a perspectiva ou experiência de outros projetos políticos. Esses
projetos foram vencidos. Tanto 17, quanto 24, quanto 48. Mas, por outro lado, eu acho que
seriam projetos fragmentadores. Disso não tenho dúvida. O medo era tanto, em particular
com o Norte, com as províncias do Norte, como se dizia, e com o Rio Grande do Sul, por
causa da fronteira, mas no meio da Regência, num debate da Câmara dos Deputados, (a
área estava convulsionada com o movimento cabano no sul de Pernambuco, hoje território
alagoano) um deputado disse que a gente perca o Norte, mas conservemos o resto; aqui
era um foco de convulsão muito grande, pois havia a possibilidade de um outro projeto.
Esse é um lado da história. O outro lado é que houve evidências (é uma história que acho
que também é mal contada, mal pesquisada ainda para nós) que é a história da
recolonização. Nós precisamos estudar mais as tentativas concretas de recolonização.
Tanto a existência dessa sociedade dos colunas em Pernambuco, no final da década de 20,
aliada com Pinto Madeira na região do Crato. Quando aquela famosa história que o povo diz
que é fantasia, outros dizem que não, a história do retorno de D. Pedro I, que
Geografia e História da PB
99
desembarcaria exatamente por essa área, exatamente em Aracati, para reconquistar o
Brasil.
Acho que o Primeiro Reinado é outro buraco na História do Brasil, que a gente precisa
estudar muito. Nesse sentido acho que tem evidência da unidade e esse território teve
outros projetos alternativos, embora derrotados. Acho que deve ser revisitado, mas a
gente precisa pensar num novo modelo de construção política para este país. Estamos
sofrendo um processo de reforma do Estado, mas uma das maiores nebulosidades para
nós, porque não está definido ainda o papel dos Estados membros e dos municípios. A
gente sabe que a concentração de recursos financeiros na mão do Estado Federal tem
causado depauperamento para os Estados e municípios. Então a questão dessa
descentralização hoje precisa ser repensada, ela precisa ser construída pela sociedade
brasileira.
O Dr. Marcus Odilon lançou também a questão do Quebra Quilos, como movimento. O
Quebra Quilos, depois da análise que o professor Hermano Souto Maior fez com sua livre
docência, onde a Paraíba está aí incluída, porque ele fez uma análise global do Quebra
Quilos em todas as províncias onde aconteceu, a gente percebe a complexidade de
motivações desse movimento. Eu não diria ser um movimento reacionário progressista,
acho que não é por aí. A gente tem que entender as motivações dos atores da época e aí
tem muita gente envolvida. Há os camponeses, com seus motivos. Hoje há um novo ramo
da historiografia, ou um certo retorno sob nova metodologia, que é a história dos
costumes. Acho que Quebra Quilos dá um belo trabalho sobre o ângulo da história dos
costumes, como apontou o Dr. Marcus Odilon. Quer dizer, o confronto entre costumes
tradicionais de uma determinada sociedade com suas medidas das feiras, com litro, com a
cuia, enfim com as suas medidas usuais de origem portuguesa e o confronto com outro
sistema de medição que causou muito atrito, inclusive porque os comerciantes também
roubavam no peso. Essa era, no fundo, uma manifestação dessas camadas espoliadas.
Alguns falam que Quebra Quilos foi um movimento social; eu digo, foi; não podemos
esperar dele o grau de conscientização social dos camponeses, que viviam nas condições
em que viviam. Mas foi uma manifestação dessas camadas que sofreram essas alterações
nos seus costumes. Há outras coisas que se somam. Soma-se a questão da Igreja, como
Dr. Marcus Odilon apontou; o envolvimento dos padres era muito grande nesse
movimento, e mostra que a articulação deles ultrapassa o raio de ação desse território.
Somam-se as motivações de proprietários de terra endividados por causa da crise agrária,
com hipotecas, com dívidas de empréstimos, que aproveitaram o embalo para queimar.
Houve uma complexidade de motivações.
A questão da Paraíba na Assembléia Geral. A Paraíba era mesmo uma pequena província,
mas a Paraíba sempre foi muito enxerida (Não esqueçam que hoje sou cidadão paraibana,
apesar do sotaque). Ela podia ter uma representação pequena, mas ela era altiva. Nós não
fizemos ainda uma reconstituição da participação dos parlamentares paraibanos lá no
Império, sobre os pronunciamentos dos parlamentares. Quando eu citei a Lei de Terras,
Carneiro da Cunha foi um deles que se manifestou. Lembrei que só teve um paraibano que
se manifestou, dos 21 do conjunto que falaram. Alguns deles falaram várias vezes, como
Bernardo de Souza Franco, da província do Pará. Quando disse representação pequena,
não quis dizer inexpressiva.
Eu estou até fazendo um estudo mostrando deputado a deputado, quem falou sobre a Lei
de Terras e nós vamos divulgar brevemente esse trabalho. Acho que a gente precisa
recompor esse trabalho da Paraíba na Assembléia do Império, assim como hoje está sendo
feito um trabalho, em primeira etapa, na Assembléia Legislativa do Estado pela equipe do
NDHIR. Isso vai revelar também uma coisa que é lacunar na História do Império na
Paraíba, que é exatamente o embate na Assembléia Provincial. Quais eram as tendências,
quais eram as correntes, quais eram os grupos familiares. Já tem um trabalho do Celso
Mariz, mas esses debates precisam ser reconstituídos.
Sobre Pedro Américo, evidentemente a grande figura paraibana do Império, eu comecei
falando no primeiro parágrafo que ele é, no gênero biográfico, o que tem seis artigos entre
Geografia e História da PB
100
os 118 que levantei sobre o Império no índice da Revista do Instituto Histórico. É o maior
biografado desse conjunto. Os outros todos têm uma ou duas biografias.
Sobre a Praieira, o professor Guilherme falou sobre a obra de Maximiano mencionando sua
posição como ator e eu também acho que precisamos ver o outro lado. Eu disse que faltou
o Figueira de Melo, que foi o chefe de polícia da praieira, em Recife. A versão que ele
contou da praieira é uma e Urbano Sabino, que era praieiro, conta a outra. Mas esses dois
trabalhos foram publicados pelo Senado e são livros valiosíssimos, na Coleção Bernardo
Pereira de Vasconcelos, no tempo do Petrônio Portela. Falta um trabalho, a exemplo do
que foi feita pela professora Isabel Marçon, hoje na Unicamp, que ela devassou a praieira
em Pernambuco, analisando a imprensa, em seu trabalho de mestrado, depois
confrontando realmente as perspectivas dos vários envolvidos. Eu acho que a gente precisa
um trabalho desse aqui. Porque pouco depois tem a conciliação. Como é que foi a
conciliação aqui na Paraíba, entre os liberais e os conservadores? Como é que aconteceu?
Também é outro tema.
Quero agradecer as referências da Dra. Célia e os acréscimos e queria falar do José
Bonifácio, para encerrar.
Eu também sou admiradora do José Bonifácio, muito contraditoriamente da minha parte,
primeiro porque eu sou muito fã do federalismo. Eu acho que a gente construiu uma
sociedade democrática, nós precisamos construir um modelo político que tenha um grau de
descentralização e que tenha instâncias em escalas regionais, estaduais, municipais, cada
uma com suas atribuições políticas, como fizeram os Estados Unidos. Eu concordo com
Tavares Bastos, agora eu admiro esse modelo federalista porque eu vejo na construção de
um federalismo uma possibilidade de um modelo democrático. No entanto, não foi isso que
o Império fez. O Império construiu um modelo unitarista e nisso o grande artífice foi José
Bonifácio. Aí pensando no papel dele, não há dúvida do grande papel que ele jogou. Foram
editadas recentemente pela Companhia das Letras as obras dele.
Dr. Odilon Ribeiro deu um banho de erudição sobre José Bonifácio, como soe acontecer.
Aliás, eu vou contar um segredo, que ele não sabe. A gente estava fazendo um trabalho
para o Centro de Referência Cultural da Prefeitura e entrevistamos várias pessoas sobre a
cidade de João Pessoa e o Dr. Odilon foi uma delas. Ele contou como eram as praias de
Tambaú na década de 20. Ele falou 75 minutos e coube-me fazer a edição dessa fita. Eu
não fiz a entrevista, mas me coube a edição. Pois bem, a ordem que a gente tinha era que
as edições se reduziam a 15 minutos. Eu fui escutar a fita do Dr. Odilon, e não obedeci a
ordem. Ele precisa ir ver a edição, porque eu, quando muito, deixei nos 45 minutos. Eu não
vou cortar certas belezas, o Sr. contando os namoros na praia de Tambaú, com lances até
picantes. Linda a entrevista; vale a pena ver na FUNJOPE, em vídeo.
Mas, Dr. Odilon com seu banho de erudição, mostra o papel de José Bonifácio. José
Bonifácio foi o grande estadista da unidade do Império, com certeza. O maior fascínio que
eu mantenho por ele é porque ele costurou a unidade nacional entre três províncias bases,
São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Costurou através da região cafeeira, que estava
emergindo e costurou numa coisa que estava emergindo naquele momento e foi
começando a ser construída mais fortemente a partir da transferência da capital para o Rio
de Janeiro. Foi exatamente o mercado entre o sul de Minas Gerais e o Rio de Janeiro, que
se acentuou quando a família real chegou. Ali se criou até uma agricultura de subsistência
e isso começou a vincular interesses entre essas províncias. E em torno delas foi que José
Bonifácio arquitetou essa unidade. Eu tenho uma grande questão, e estou até escrevendo
um livro sobre o Império, e já estou no oitavo. São Paulo mesmo tinha pouca importância.
Mas São Paulo contou José Bonifácio. É impressionante a gente pensar que grupo ao qual
se aliava José Bonifácio, aqueles comerciantes da cidade de Santos, era um grupo que, de
repente, vai controlar a política de São Paulo. O que mais me fascina em José Bonifácio,
contraditoriamente, é que ele foi autoritário, porque ele levou com mão de ferro esse
projeto, percebendo que a centralização era a forma do Brasil não se dividir, se
fragmentar, e provavelmente ser recolonizado. De outro lado, ele é mais fascinante,
porque é ele mesmo que apresenta o projeto para a libertação dos escravos, já em 1830.
Ele tem um projeto de fazer uma reforma agrária neste país e distribuir terras para os
Geografia e História da PB
101
escravos. É uma fisionomia do José Bonifácio que aparece em menor escala do que a
fisionomia e a consagração dele na História do Brasil, que é o artífice da Independência.
Tentei responder às perguntas e agradeço pelos comentários e questões colocadas pelo Dr.
Marcus Odilon e demais participantes.
···
A fala do presidente Luiz Hugo Guimarães:
Extrapolamos o horário, mas foi bastante positivo para os presentes podermos ouvir esse
debate esclarecedor sobre o período imperial, dando-nos uma visão das principais
ocorrências na Paraíba assim como no país.
Cumpre-me agradecer a participação de tanta gente e especialmente da expositora,
professora Rosa Maria Godoy Silveira e do debatedor designado, confrade Marcus Odilon
Ribeiro Coutinho.
Nós estamos realizando um evento de grande importância, por isso que estamos filmando
e gravando todas as sessões, cujas fitas vão ser arquivadas na nossa Seção da Imagem e
do Som. Com esse acervo, pretende o Instituto editar os ANAIS desse Ciclo de Debates,
como nossa contribuição às celebrações do V Centenário da Descoberta do Brasil..
O Instituto está aproveitando esta oportunidade para oferecer aos interessados várias
publicações do Instituto e de seus associados sobre assuntos históricos. Trata-se de uma
promoção especial, com preços módicos e acessíveis.
Renovo o convite para a próxima sessão, quando debatermos o tema A PARAÍBA E A
PRIMEIRA REPÚBLICA.
3º Tema
A PARAÍBA E A PRIMEIRA REPÚBLICA
Expositor: Luiz Hugo Guimarães
Debatedor: Joacil de Britto Pereira
A fala do Presidente:
Estamos retornando para dar continuidade ao nosso Ciclo de Debates, hoje apreciando o
tema A PARAÍBA E A PRIMEIRA REPÚBLICA e convido as seguintes pessoas para
participarem da mesa dos trabalhos: acadêmico Joacil de Britto Pereira, ex-presidente
deste Instituto e atual presidente da Academia Paraibana de Letras; Dr. Guilherme
d’Avila Lins, presidente do Instituto Paraibano de Genealogia e Heráldica; e o acadêmico
Odilon Ribeiro Coutinho, membro do Conselho Estadual de Cultura.
A Comissão Organizadora deste evento designou-me para apreciar o tema de hoje, na
qualidade de expositor.
Só para não quebrar a praxe estabelecida, farei uma auto-apresentação.
Sou o atual presidente do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, tendo ingressado aqui
em 1991, por conta de um livro que lancei relatando alguns episódios do movimento de
1964 na Paraíba. Trata-se do trabalho já esgotado intitulado A ILHA MALDITA E OUTROS
REGISTROS. Ex-professor da UFPB, jornalista, pesquisador, tenho outros trabalhos
publicados. É o bastante.
Assim, podemos começar a exposição desta tarde.
···
Expositor: Luiz Hugo Guimarães (Historiador, atual presidente do Instituto Histórico e
Geográfico Paraibano)
O Império Brasileiro estava completando 67 anos quando foi atropelado por uma nova
forma de governo. Nesse longo período imperial aconteceram lentas modificações políticas
Geografia e História da PB
102
por conta das traumáticas sucessões e das alternâncias dos Gabinetes Ministeriais, ora
conservadores, ora liberais.
Muitas questões alimentaram as crises imperiais, dentre elas o problema da escravatura, a
ingerência da aristocracia, o aparecimento de novas oligarquias, a urbanização, o começo
da industrialização e do trabalho livre. A situação agravou-se com as chamadas Questão
Religiosa e Questão Militar.
Militares e civis uniram-se e trocaram idéias sobre os movimentos reformadores de
filósofos europeus, principalmente do positivista Augusto Comte. A influência dos Estados
Unidos despertou o espírito de federalização.
A posição do Brasil na América Latina era uma exceção. Hélio Silva e Maria Cecília Ribas
Carneiro, na Introdução de sua História da República Brasileira, volume 1, Editora 3, 1998,
p. 13, assinalam: “A República tinha de acontecer. Porque a Monarquia era um regime
artificial em nosso continente.” ( ...) “Era único Império nas Américas.”
Que era preciso mudar o regime, a elite intelectual da época bem o sabia. Foi preciso
cooptar os militares para que o assunto tivesse vez. Com a divulgação das idéias
republicanas foi possível conquistar o apoio de algumas camadas da classe média, ainda
muito rarefeita.
Quando se uniram definitivamente militares e republicanos, a queda do regime era
inevitável. Faltava o motivo, o qual surgiu com a formação do Gabinete Ouro Preto, hostil
ao Exército.
O famoso baile na Ilha Fiscal oferecido à oficialidade do couraçado chileno “Almirante
Cochrane”, demonstrativo da frivolidade da monarquia, também serviu para o
desencadeamento do movimento.
José Manoel Pereira Pacheco, sócio fundador do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano,
em 24 de fevereiro de 1906, fez uma conferência neste Instituto, onde revela que o velho
Ferreira Vianna assistiu aos festejos de uma janela defronte do salão daquele baile,
exclamando a frase que se tornou histórica: estou assistindo daqui as exéquias da
monarquia.
E prossegue Pereira Pacheco em seu discurso: Nessa memorável noite, oh! Recorda-me
bem! Sampaio Ferraz, Teixeira de Souza, Campos da Paz e outros trataram de preparar a
proclamação da república para a madrugada seguinte; tudo antes tinha sido combinado
entre os próceres republicanos de então Benjamin Constant, Deodoro e outros.

As lideranças civis e militares buscaram o Marechal Deodoro da Fonseca, que, mesmo


doente, se viu forçado a assumir o risco de encerrar o regime.
Está claro que a Proclamação da República foi um golpe, sem a participação popular. A
surpresa da proclamação alcançou a velha monarquia e os brasileiros, de modo geral. O
que houve foi a implantação dum governo provisório, Deodoro à frente, na manhã de 15 de
novembro de 1889, com o reforço da proclamação “pela Câmara dos Vereadores do Rio de
Janeiro, da existência de uma nova forma de Governo do Brasil (o grifo é nosso), a
República.”
Só mais tarde o Marechal Deodoro assinou o Manifesto e o Decreto n.º 1, publicado no dia
16, que depôs a dinastia imperial e instalou o Governo Provisório, resultando no exílio de
Pedro II, que embarcou para a Europa com a família, no dia seguinte, no navio “Alagoas”.
Teve destaque no movimento a atuação dos militares Benjamin Constant, considerado o
ideólogo e principal articulador do movimento, major Francisco Sólon Sampaio Ribeiro,
Floriano Peixoto, general José de Almeida Barreto (paraibano de Sousa). Entre os civis,
destacaram-se Quintino Bocaiúva, Rui Barbosa, Francisco Glicério, Maciel Pinheiro, Silva
Jardim, Coelho Lisboa, Aristides Lobo, Manoel Marques da Silva Acauã (estes cinco últimos
eram paraibanos) e outros mais.
Geografia e História da PB
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Como o País foi surpreendido com a mudança do regime é evidente que muitos Estados
não tomaram conhecimento dos planos e conspirações que resultaram no golpe de 89. A
maior participação era dos políticos residentes no Rio de Janeiro e em São Paulo; algumas
lideranças de Minas, Pernambuco e Rio Grande do Sul, opinavam à longa distância, sem,
porém, acreditarem num desenlace tão rápido. Em muitos Estados a preocupação maior
visava as próximas pugnas eleitorais entre conservadores e liberais.
Sobre a Paraíba a maioria dos autores registra o total desconhecimento do movimento.
Edgard Carone, em sua obra citada, escreve: “As notícias sobre a proclamação da
República chegam a Paraíba num clima de total indiferença, pois não existe no Estado
nenhum movimento republicano.”
Horácio de Almeida confirma: A República chegou à Paraíba sem ter quem a recebesse.
Sou de opinião que muitas figuras da nossa intelectualidade vivenciavam a necessidade da
mudança do regime, e a maioria dessas destacadas personalidades fazia parte do Partido
Liberal, o oponente natural dos monarquistas. A habilidade do governante conservador da
época, Silvino Elvídio Carneiro da Cunha – o Barão do Abiaí –, mantinha acomodados os
numerosos adeptos da idéia republicana, que advogavam a aglutinação das nossas
províncias em uma federação. Isto não quer dizer que na Paraíba não houvesse
republicanos ou conterrâneos que difundissem a idéia.
Os autores enaltecem a intensa participação de paraibanos no movimento republicano fora
do Estado: Maciel Pinheiro e Albino Meira, no Recife; Aristides Lobo e Coelho Lisboa, no Rio
de Janeiro.
Nosso passado republicano vem do sonho de 1817 (precursor da Independência), de 1824
(Confederação do Equador), de 1848/49 (Revolução Praieira), onde tantos paraibanos se
envolveram. Nosso ilustre jornalista Antônio Borges da Fonseca, no Recife, desenvolveu
intensa propaganda através do jornal que fundou sob o esclarecedor título O REPÚBLICO,
em 1832.
Dizer simplesmente que “não existe no Estado nenhum movimento republicano” não é bem
verdadeiro. O que faltou, naturalmente, foi um maior contato com as lideranças do
movimento no Sul, para acompanhar o desenvolvimento da campanha.
Celso Mariz conta que em 20 de junho de 1889, quando a monarquia dava sinais de
decadência, o Conde d’Eu, genro de Pedro II, em viagem de propaganda em favor do
regime passou na Paraíba. Logo depois esteve entre nós Silva Jardim, desfazendo toda a
lengalenga do Conde d’Eu, que era um dos beneficiários diretos da sucessão do imperador.
Se não houvesse um movimento republicano na Paraíba o Conde d’Eu não teria vindo à
província para defender a monarquia.
Cardoso Vieira, quando deputado representando a Paraíba (1878/80), foi um dos grandes
agitadores republicanos; Eugênio Toscano de Brito e Irineu Joffily, em 1888, fundaram A
GAZETA DA PARAÍBA e GAZETA DO SERTÃO, órgãos onde o movimento republicano
encontrou guarida. Celso Mariz revela a atuação de Irineu Joffily: Naquele mesmo ano,
Jófili, antecedendo um dos pontos do programa com que em julho de 89 subiria o Gabinete
Ouro Preto, requereu, como deputado, à Assembléia, que esta considerasse urgente,
perante o Parlamento Nacional, a Federação das províncias.
Em Mamanguape, por influência de Maciel Pinheiro, José Rodrigues de Carvalho e o
estudante Plácido Serrano difundiam a doutrina republicana; Albino Meira veio à Paraíba
fazer conferência republicana no teatro Santa Cruz, a 26 de julho de 1889; Artur Achiles
dos Santos, Geminiano Franca, Cordeiro Júnior, Rodolfo Galvão e outros jornalistas, no
jornal de Eugênio Toscano, escreviam sobre o movimento no Sul.
Na obra citada de Celso Mariz estão arrolados numerosos paraibanos participantes do
movimento republicano: João Coelho Gonçalves Lisboa, meetingava no sul; João Batista de
Sá Andrade, estudante na Bahia, era ferido nas festas republicanas a Silva Jardim;
Francisco Alves de Lima Filho, apesar de amigo aqui dos conservadores, decidiu-se pela
causa nova, filiou-se ao grêmio do Rio de Janeiro e fez propaganda pelo norte até o Pará.
Geografia e História da PB
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Depois das conferências de Albino, alguns estudantes do Liceu, Antônio Lira, Eulálio de
Aragão e Melo, Firmino Vidal, João dos Santos Coelho, Miguel Machado, Manuel Lordão
fundaram um clube, centralizando os adeptos da classe.
José Manoel Pereira Pacheco, sócio fundador do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano,
assistiu, como participante, o desenrolar do primeiro dia da Proclamação da República. Em
discurso pronunciado nas comemorações daquela data pelo Instituto, a 15 de novembro de
1906, Pereira Pacheco, como orador oficial do Instituto, na sessão que se realizou no salão
da Assembléia Legislativa Estadual, recorda aquela data emocionado: Concidadãos, se nos
fosse possível volver hoje, neste mesmo momento e dia, aos 17 anos passados, se
pudéssemos trazer para aqui as cenas que se desenrolaram aos nossos olhos naquele
imortal 15 de novembro de 1889, vos diria: que justamente a uma hora da tarde daquela
época, em lugar de vos ocupar em vossa atenção agora, relembrando datas e fatos da
república, desfilávamos pela Rua do Ouvidor em ordem de marcha para o antigo Largo do
Paço, onde se achava o velho e decrépito Imperador Pedro II, chegado então às pressas de
Petrópolis com toda a sua família.
E prossegue nosso consócio: Dar-vos uma idéia perfeita e nítida daquelas cenas de
entusiasmo, patriotismo e esperanças de republicanos, é tarefa quase impossível. Basta
que vos diga: que o Batalhão Acadêmico do qual fazíamos parte então, (grifo nosso)
marchava na retaguarda das tropas e na frente do da Escola Militar da Praia Vermelha,
sendo nós comandados pelo saudoso Dr. Campos da Paz e aquele pelo Major Marciano de
Magalhães, irmão de Benjamin Constant. O exército libertador compunha-se de pouco mais
de 7 mil homens das 3 armas e era guiado pelo General Deodoro da Fonseca com todo o
seu luzido estado maior, tendo à sua esquerda, a cavalo, o grande jornalista de então,
Quintino Bocaiúva.

Está aí um paraibano que participou diretamente do movimento; um republicano, sócio do


Instituto, que em 1906 deu essa declaração, num discurso que está transcrito na nossa
Revista oficial. Isso quer dizer que não estávamos tão afastados do movimento republicano
como a maioria dos autores insiste em dizer.
Aliás, conta uma história com o padre Meira, conforme me revelou o confrade Deusdedit
Leitão, nosso grande pesquisador que escava as velhas histórias dos bastidores. Contava-
me ele que o padre Meira morava onde hoje é a rua padre Meira, ali na descida do Ponto
de Cem Réis em direção da Lagoa. Dizia Deusdedit que logo quando se instalou a República
na Paraíba houve uma passeata com muita gente e quando essa multidão passou em
frente da residência do padre Meira, ele teria dito: e a Paraíba tem esses republicanos
todos? Padre Meira se surpreendeu com tante gente.
Outro paraibano que atuou diretamente no movimento foi o General José de Almeida
Barreto, conforme registra Celso Mariz: Na hora da proclamação, um soldado paraibano foi
elemento decisivo, o brigadeiro Almeida Barreto. Se a 15 de novembro esse general
obedecesse com seus 1096 soldados à ordem do Ministério contra Deodoro, talvez se não
mudara o regime naquele dia. Mas, ao ouvir do presidente do Conselho que cumprisse o
general o seu dever, “respondeu com singular expressão” disse o próprio Ouro Preto:
“Seguramente, hei de cumprir o meu dever”. E cumpriu passando às ordens do fundador
que vivava a República na praça, aos ouvidos do gabinete deposto.
Como se sabe, a Proclamação da República surpreendeu todas as províncias. A Paraíba
tomou conhecimento do fato no mesmo dia, mas outras províncias souberam da ocorrência
com atraso, dificultando a total implantação do novo regime. Basta dizer que no Mato
Grosso a notícia só chegou no dia 9 de dezembro de 1889.
A designação dos novos dirigentes das províncias não foi pacífica. Na maioria delas os
militares interessaram-se em ocupar o governo, convictos de que tinham preferência
porque o episódio fora tutelado pelo Exército e pela Marinha.
Na Paraíba a dificuldade se centrava na ausência do Partido Republicano, reconhecendo-se
apenas a existência de elementos republicanos infiltrados dispersamente nos partidos
Geografia e História da PB
105
existentes. O paraibano Aristides Lobo, que fazia parte da cúpula nacional como Ministro do
Interior e da Justiça do Governo Provisório, chegou a indicar o nome do nosso conterrâneo
Albino Meira para a presidência do Estado. Albino era um declarado republicano,
propagandista do movimento, que atuava no Recife, onde era professor da Faculdade de
Direito. Como os militares estavam com mais força na cúpula, deu-se a intervenção dos
conterrâneos generais Almeida Barreto, João e Tude Neiva. Saiu a nomeação de Venâncio
Augusto de Magalhães Neiva, então juiz de Direito de Catolé do Rocha, apesar dele ser
considerado conservador. Explica-se: ele era irmão do general Tude Neiva.
Era presidente da província Francisco Luis da Gama Rosa, que, bastante odiado pela
população, se amedrontou com a notícia, temendo sofrer um atentado; pediu garantias ao
coronel Honorato Caldas, comandante do 27º Batalhão de Infantaria.
Conta o historiador Horácio de Almeida que os primeiros movimentos para a instalação da
República na Paraíba foram de iniciativa de Eugênio Toscano de Brito, que promoveu
reuniões no Paço Municipal e na sede do Clube Astréa. Eugênio Toscano foi o primeiro
presidente do Clube Astréa, clube social fundado em 30 de maio de 1886, localizado na rua
Direita (hoje Duque de Caxias), próximo do Paço Municipal (hoje praça Barão do Rio
Branco). Aliás, essa antiga sede do Astréa durante oito anos foi a sede deste Instituto. Ali
sempre se reuniram os liberais de tendência republicana, embora muitos conservadores
pertencessem ao clube.
Dessas reuniões surgiu a primeira junta. Foram aclamados o coronel Honorato Caldas,
comandante do Batalhão do Exército, o 2º tenente da Armada Artur José dos Reis Lisboa, o
Barão do Abiaí – o primeiro adesista -, Dr. Lima Filho e Eugênio Toscano. O coronel Caldas
não participara das reuniões, pois tinha se comprometido com o presidente Gama Rosa de
dar-lhe garantias e aguardar o pronunciamento da cúpula do movimento, conforme
deliberação tomada com os seus comandados no quartel. No fundo, era seu desejo assumir
o governo da província, posto que era o representante das forças armadas que lideraram o
golpe.
No próprio quartel foi aclamada outra junta, constituída pelo próprio coronel Caldas,
capitão de engenheiros João Claudino de Oliveira Cruz, tenente Artur Lisboa, capitão
Manuel de Alcântara Couceiro, Drs. Manuel Carlos de Gouveia e Cordeiro Sênior e o
comendador Tomás Mindelo. Segundo consta, a aclamação dessa nova junta foi feita pelo
Dr. Antônio Massa de uma das salas do quartel do 27º.
O coronel Caldas não assimilou a indicação de Venâncio Neiva, tentando resistir à
designação do governo provisório. Não foi feliz no seu intento. Na tarde do dia 1 de
dezembro, o coronel Caldas programou um comício em praça pública, visando sua
aclamação para governar Paraíba. O comício foi dissolvido pelo chefe de polícia Dr. Pedro
Velho. À noite, aproveitando-se o coronel Caldas de um espetáculo que se realizava no
teatro Santa Roza, quis fazer-se aclamar governador, tendo novamente falhado seu
intento. Desesperado, foi para o quartel onde pretendia conquistar o apoio da tropa. Não
foi feliz, pois em 30 de novembro o Ministro da Guerra, Benjamin Constant, ordenara que o
coronel Caldas transferisse o comando do 27º para o major João Domingos Ramos e
entregasse o poder ao capitão Oliveira Cruz, seu imediato na junta. O coronel Caldas quis
resistir, mas não contou com o apoio dos seus comandados, sendo preso pelo capitão
Oliveira Cruz, que, em seguida, cumprindo instruções, embarcou-o no primeiro navio com
destino ao Rio de Janeiro.
O capitão João Claudino de Oliveira Cruz assumiu o governo de ordem do Ministro da
Guerra, permanecendo no poder até o dia 6 de dezembro, quando Venâncio Neiva chegou
de Catolé do Rocha para assumir o cargo.
Como em todas as províncias, a nomeação dos seus dirigentes não lhes dava liberdade
para escolher seus auxiliares. Assim, para os postos chaves da Paraíba, foram designados
pelo governo central os nomes de Epitácio Pessoa, para Secretário Geral, e João Coelho
Gonçalves Lisboa, para Chefe de Polícia, o qual depois foi substituído por Cunha Lima.
Começou a aparecer aí Epitácio Pessoa.
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Grande parte dos auxiliares de Venâncio Neiva era de origem conservadora, o que era
natural, posto que os quadros republicanos e liberais eram pequenos. O jornal de oposição
– JORNAL DA PARAÍBA – panfletava contra essa situação. Tem sido assim em todas as
mudanças de governo na Paraíba e no Brasil, quando os novos governantes aproveitam
seus correligionários e procuram cooptar alguns adversários, visando uma pacificação
política. No princípio, Venâncio Neiva pôde manter certo equilíbrio político para evitar uma
oposição ferrenha, que, de certo modo, partia dos liberais, já que grande parte dos
conservadores tinha se aproximado do poder. Seu intuito era harmonizar a família
paraibana.
Para o Congresso foram eleitos general José de Almeida Barreto, coronel João Neiva e
Firmino Gomes da Silveira, como senadores. Para a Câmara dos Deputados foram eleitos
Antônio Joaquim do Couto Cartaxo, João Batista de Sá Andrade, Pedro Américo de
Figueiredo, 1º tenente João da Silva Retumba e Epitácio Pessoa.
Celso Mariz justifica essa composição: Barreto, João Neiva e Retumba eram candidatos
impostos pela situação militarista do momento, políticos feitos do dia para a noite de 15 de
novembro, por suas partes na grande jornada. Firmino da Silveira entra aí como antigo
liberal, fundador do jornal ESTADO e juiz íntegro e inteligente. E Pedro Américo, que desde
23 de novembro telegrafara candidatando-se sob o compromisso de sustentar o governo
da República é o gênio da arte que a política premia. Cartaxo dos antigos dissidentes
liberais de Cajazeiras, traz para o grupo esse prestígio de família e representação
sertaneja. Sá Andrade apresenta-se com as feridas que lhe abriram quando, ainda no
domínio monárquico, festeja Silva Jardim. Epitácio é o secretário competente, o espírito
novo, corajoso e ilustrado em quem Venâncio parecia adivinhar a glória maior do nosso
futuro republicano.

A chapa oposicionista, organizada sob a orientação do Barão do Abiaí, estava assim


constituída: Anísio Salatiel, Irineu Joffily e conselheiro Tertuliano Henrique, para
senadores; Apolônio Zenaide Peregrino de Albuquerque, Aprígio Carlos Pessoa de Melo,
Paula Cavalcante Pessoa de Lacerda, Diogo Velho Sobrinho e Felizardo Toscano Leite
Ferreira. A votação dessa chapa no interior não foi a esperada pelos candidatos, uma vez
que a maioria dos chefes eleitorais tinha aderido ao novo governo. O candidato mais
credenciado do governo era Epitácio Pessoa, que obteve 9.975 votos, enquanto Apolônio
Zenaide – o mais credenciado da oposição – obtivera apenas 2.730 votos.
Na votação para a Assembléia Constituinte Estadual, logo após a promulgação da
Constituição Federal de 24 de fevereiro de 1891, a participação oposicionista também foi
pequena, embora o critério adotado na indicação de candidatos por Venâncio Neiva tenha
se cingido em prestigiar nomes de destaque no serviço público e com méritos
reconhecidos.
A Assembléia era constituída de 30 deputados, os quais votaram a Constituição Estadual
que passou a vigorar a partir de 5 de agosto de 1891.
No início da sessão da constituinte de 25 de junho foi feita a eleição para governador,
sendo indicado Venâncio Neiva, que já era delegado do governo central, e para 1º, 2º 3º
vice-governadores foram eleitos Manoel da Fonseca Xavier de Andrade, Amaro Beltrão e
Inojosa Varejão.
Venâncio Neiva tomou posse no dia seguinte, mas seu governo constitucional teve pouca
duração, posto que esteve na chefia do governo até 31 de dezembro de 1891, quando se
licenciou perante o Supremo Tribunal de Justiça, para viajar à Capital Federal a fim de
tratar de assuntos administrativos. Passou a chefia do governo ao 1º vice-governador,
desembargador Manoel da Fonseca Xavier de Andrade e, no dia 1º de janeiro de 1892
viajou para o Rio de Janeiro.
Como se sabe, Deodoro da Fonseca dissolveu o Congresso em 3 de novembro de 91, onde
a oposição estava muito atuante e o marechal não se entrosava bem com seus ministros. O
golpe de Deodoro teve o apoio da maioria dos governadores. Venâncio apoiara Deodoro
Geografia e História da PB
107
discretamente. A dissolução do Congresso não teve repercussão favorável e ele teve que
renunciar o cargo, a 23 de novembro, ante a pressão dos quartéis e dos congressistas,
assumindo a chefia do governo seu vice-presidente, Floriano Peixoto.
Floriano, já demonstrando sua tendência ditatorial, depôs todos os governadores, exceto o
de Santa Catarina, Lauro Sodré, que não apoiara Deodoro na dissolução do Congresso, e
Júlio de Castilhos, do Rio Grande do Sul.
Na Paraíba, os acontecimentos foram precipitados pela iniciativa de Antônio Ferreira
Balthar, do coronel Alípio Ferreira Balthar (do Engenho Munguengue, de Cruz do Espírito
Santo) e do capitão Edmundo do Rêgo Barros (do Engenho Espírito Santo).
No domingo de 27 de dezembro de 1891, cerca de 150 pessoas comandadas por aqueles
senhores-de-engenho, desembarcaram de trem na ponte Sanhauá e seguiram para a
Intendência, aos gritos de que iam depor o governador Venâncio Neiva. No largo do Palácio
o grupo engrossou-se com a chegada de outro grupo vindo do Conde, chefiado pelo
tenente Manoel Paulino dos Santos Leal. Ali mesmo proclamaram a deposição do
governador Venâncio Neiva, o qual se encontrava na praia de Ponta de Mato, veraneando
com a família. Foi aclamada uma Junta Governativa constituída do coronel Cláudio do
Amaral Savaget, comandante do 27º Batalhão de Infantaria, do Dr. Eugênio Toscano de
Brito e do Dr. Joaquim Fernandes de Carvalho. Tudo havia sido premeditado, pois ali
mesmo fora lavrado em livro um termo explicativo, segundo anunciou o jornal do governo
ESTADO DA PARAÍBA.
Pela manhã, ao retornar da praia de Ponta de Mato, o governador Venâncio Neiva
conferenciou com o comandante Savaget, que lhe sugeriu a renúncia para evitar
derramamento de sangue. Venâncio recusou-se e afirmou que tinha sido eleito pelo povo e
por isso pedia o apoio da força militar, ou que a mesma ficasse neutra, pedido que também
foi negado.
Saindo do quartel do 27º B. I., Venâncio se dirigiu ao Palácio, onde foi cercado por um
grupo armado comandado pelo capitão Alípio Balthar e seus parentes, o qual apresentou ao
governador um ofício da Junta.
O Governador, com energia, refugou o ofício, sendo ameaçado de morte. Não se intimidou
com as ameaças. Em seguida, o coronel Savaget esteve em Palácio insistindo para que
Venâncio resignasse o cargo; a recusa de Venâncio foi mais veemente. Tranqüilamente, à
tarde, Venâncio Neiva retorna à praia de Ponta de Mato, acompanhado por amigos.
No dia 28 o coronel Savaget dirigiu-se, em carta, ao governador Venâncio Neiva,
comunicando que o Presidente da Republica o mantinha à frente do Governo, passando
Venâncio a receber telegramas de apoio de vários municípios e de outros Estados.
No dia 30 de dezembro, Venâncio Neiva, deixou o cargo ao pedir licença por três meses,
sem vencimentos, ao Supremo Tribunal de Justiça, para tratar de interesses
administrativos do Estado no Rio de Janeiro, passando o cargo ao seu substituto legal, o 1º
vice-governador Manoel da Fonseca Xavier de Andrade, no dia 31 de dezembro.
No dia 1º de janeiro de 1892, finalmente, com o apoio do governo central, a Junta liderada
pelo coronel Savaget depôs o governador em exercício, desembargador Manoel da Fonseca
Xavier de Andrade.
Esta Junta governou a Paraíba até o dia 18 de fevereiro daquele ano, quando foi
empossado o engenheiro militar paraibano Dr. Álvaro Lopes Machado, que fora designado
pelo Presidente Floriano Peixoto.
···
A fala do Presidente:
Numa exposição bastante sucinta delineamos o quadro da Paraíba nos albores da
instalação da primeira República na Paraíba, registrando minuciosamente as ocorrências
dos primeiros momentos da Paraíba republicana.
Geografia e História da PB
108
Um breve retrospecto foi feito sobre a Proclamação da República, para pontear a presença
de vários paraibanos no movimento vitorioso.
A novidade da exposição é apenas a discordância sobre a tese de que na Paraíba ninguém
se apercebia do advento do novo regime. Essa tese é defendida pela maioria dos
historiadores que apreciaram o tema, mas dela minha discordância vai, sem dúvida,
espicaçar o pronunciamento do nosso debatedor designado bem como dos participantes.
E para usar a palavra como debatedor convido o acadêmico Joacil de Britto Pereira.
Figura intelectual bastante conhecida do plenário, o professor Joacil Pereira foi presidente
deste Instituto por dois mandatos consecutivos, tendo eu a honra de tê-lo substituído.
Escritor, historiador, publicista, Joacil Pereira é o atual presidente da Academia Paraibana
de Letras.
···
Debatedor: Joacil de Britto Pereira (Historiador, sócio do IHGP e atual presidente da
Academia Paraibana de Letras)
O presidente no seu prudente arbítrio, extrapolou, sem nenhum protesto, o tempo que lhe
era reservado, e fez muito bem porque no final de contas ele disse tudo o que tinha de
dizer, tudo certo, tudo bem fundamentado nos historiadores conterrâneos e nos
historiadores nacionais. Em assim agindo ele me poupa de maiores comentários. No
entanto, para cumprimento do meu dever, eu tenho que agir como um debatedor o faz.
Antes, me permitam uma nota emocional. Na minha retentiva espiritual, quando Luiz Hugo
começou a falar com tanto descortino, eu recuei no tempo aos nossos debates, aos nossos
trabalhos intelectivos no Grêmio Cultural Augusto dos Anjos, que ele, comigo e outros
liceanos, fundamos. E eu recordo muito bem que um dos trabalhos elaborados por Luiz
Hugo Guimarães, aquele estudante curioso para os assuntos da História, desde aquela
época, foi esse: a influência de Benjamin Constant na Proclamação da República. O
Grêmio se reunia nos fundos da casa de Luiz Hugo Guimarães, situada à rua Irineu Joffily.
E ele hoje projetou a figura de Benjamin Constant como o homem que era apontado, ao
tempo, nas forças militares, dentro do Exército, como um verdadeiro ideólogo da República
e também adepto da filosofia positivista de Augusto Comte.
Feita essa reminiscência, essa evocação sentimental, que eu sei que também emociona o
caro Presidente, eu gostaria de dizer que os historiadores paraibanos não cometeram
excesso algum, quando disseram que não havia propriamente um movimento republicano,
na Paraíba, embora houvesse republicanos históricos convictos, pugnadores das grandes
idéias de República entre os nossos conterrâneos que moravam fora do Estado. O fato de
Albino Meira, que era professor no Recife da nossa tradicional Faculdade de Direito daquela
cidade, centro intelectual do Nordeste, ter vindo à Paraíba já nos momentos em que o
Império haveria de expirar, não significa que houvesse aqui um movimento, pois não
tínhamos sequer um clube nem um jornal republicano. Foi necessário que, às vésperas da
proclamação da República, Eugênio Toscano de Brito, que era um espírito vivo e tomava
conhecimento como homem bem informado, como soe acontecer com todo intelectual,
notadamente o jornalista, de que o eixo Rio - São Paulo agitava-se e o movimento
republicano se cingia apenas a dois Estados, ele reservou uma página do seu jornal como
se fosse uma premonição para ficar bem com republicanos, se porventura triunfassem
contra o Império, que todo mundo já sabia, desde a Abolição, que estava prestes a ruir.
Por isso Eugênio Toscano ofereceu seu matutino para a propaganda da República. Não
havia, porém, movimento republicano, na Paraíba. Havia, como o Presidente Luiz Hugo
disse, - e nós não podemos contestar, certos pruridos de estudantes, de alguns
intelectuais, mas uma “atuação tímida”. Basta dizer que Albino Meira candidatou-se pelo
Partido Republicano e teve 24 votos para deputado federal, no último pleito da Monarquia.
Só encontrou quem sufragasse o seu nome essas duas dúzias de eleitores. Então tem
razão, Horácio de Almeida quando diz que a República chegou à Paraíba sem ter quem a
recebesse. Como tem razão Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Melo, no seu livro A
PARAÍBA NA PRIMEIRA REPÚBLICA, quando afirma que o novo regime chegou à Paraíba
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por uma notícia telegráfica no final do dia; já à tardinha do dia 15 chegou à Paraíba esse
telegrama e a maioria dos que tomaram conhecimento do fato espalhou entre os
elementos mais importantes; a maioria não acreditava. Outros receberam a notícia com
indiferença. A tônica foi a incredulidade. Isso não significa que a Paraíba não tenha através
dos tempos, e muito mais recuada em época na história, pugnado pelos ideais
republicanos. É preciso considerar como uma idéia base, uma idéia central, que a República
continha, nos seus anseios, uma vinculação muito estreita com a liberdade e com a
Democracia. Por isso mesmo, um dos nossos escritores, o romancista Eudes Barros,
dissera no seu livro sobre 1817, um romance de fundo histórico, essa frase magnífica: Eles
sonharam com a liberdade. Esse era o velho sonho, inclusive de Borges da Fonseca, o
Repúblico, e de todos os que fizeram a revolução de 1817, e regaram o solo sagrado da
Paraíba com o seu sangue, também em 1824 e 1848. Então, não foi a Paraíba, como já
salientou o brilhante expositor, alheia aos anseios de República, apesar do desejo, com o
sonho republicano marchou pari passu com as idéias de liberdade, com as aspirações
libertárias.
No Brasil, a República chegou por um processo inteiramente errado, por uma quartelada
comandada por Deodoro, que foi ingrato, terrivelmente ingrato, com o Imperador, de quem
era amigo, e o Imperador foi seu benfeitor. Então ela começou errada até eticamente. Foi
um golpe terrível. E depois não se aperfeiçoou no exercício do poder; continuou errada no
processo de deposição dos presidentes das províncias e na escolha dos chefes de executivo
da nascente República. Vejam, na Paraíba, como o expositor já citou, foi escolhido para
presidente Venâncio Neiva, um homem que não era propriamente político, mas a sua
simpatia era toda para o Partido Conservador e amigo íntimo do governador Barão do
Abiaí, que aderiu, pressurosamente, à República, a ponto de ser incluído na primeira Junta
Governativa, que não prosperou; organizada em reuniões havidas na redação do jornal de
Eugênio Toscano de Brito e, depois, na Câmara Municipal. Era um homem muito hábil e
muito inteligente e queria conseguir de um colégio de expressão do poder político, que era
a Câmara Municipal, a aclamação daquela Junta Governativa.
Houve um militar ambicioso que “botou as unhas de fora”, o comandante de tropa de linha
e coronel Honorato Caldas, que achava que a vez era dos militares porque na esfera
federal a implantação da República fora um golpe dos militares. Esse homem também não
conseguiu investir-se no poder. Tentou de tudo. Aproveitou o ensejo de um espetáculo que
se realizava no Teatro Santa Roza e para lá foi com alguns cadetes, a fim de conseguir
uma aclamação do povo. Saiu, porém, apupado, vaiado, porque a Paraíba já começava a
repelir, por algumas manifestações, esses processos rebarbativos. Finalmente veio
Venâncio Neiva e, diga-se de passagem, fez um governo praticamente nulo, mas, ressalve-
se que procurou harmonizar a família paraibana. E conseguiu com habilidade de juiz.
Predominaram no seu esquema os elementos conservadores, mas também aproveitou, na
composição da chapa que depois se fez para a Assembléia Legislativa, elementos da
agremiação liberal. Se foi errado o processo de proclamação da República, foi erradíssima a
sua instalação, na Paraíba.
Depois, então, golpe sobre golpe. Nasceu o regime republicano de um golpe de Deodoro
contra o Imperador, contra a monarquia. Depois ele, o Marechal, fechou o Congresso
Nacional e sofreu também as conseqüências disso com outro golpe contra ele, chefiado
pela Marinha; mas por trás disso tudo estava Floriano Peixoto, o Vice-presidente. O grande
autor, artífice e intelectual do crime foi Floriano Peixoto. Homem terrível, que não
respeitou a Constituição que jurara, homem violento. Eu poderia até aqui contar uma
história de um certo juiz da Paraíba, que já morreu, muito inteligente, mas tinha prevenção
terrível com os alagoanos porque o pai dele foi assassinado por um alagoano. Então um
filho das Alagoas cometeu um crime. O processo foi instaurado na comarca de Guarabira e
o juiz processante, no julgamento, condenou o réu a uma pena muito alta de reclusão. E
justificava na sentença: “o acusado tem péssimos antecedentes; temperamento perigoso e
além de tudo alagoano.” Pois bem, eu digo agora: “Floriano, além de tudo, era alagoano.”
No final de contas, mandou muita gente para a ilha das Cobras, “pintou e bordou”, como se
diz na gíria; rasgou a Constituição e ficou à frente do Governo até o fim, quando não podia
fazê-lo se fosse um homem da legalidade.
Geografia e História da PB
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Então a República começou mal. Idéias nobres, anseios maravilhosos, grandes aspirações
as da República, porque a República surgiu para condenar o absolutismo dos reis. Agora
vejam os senhores, como são pragmáticas as idéias políticas e como elas pragmaticamente
se fortalecem ou se executam na prática. Não podemos dizer e concluir que todas as
Repúblicas são democráticas. Há Repúblicas oligárquicas, como não podemos dizer que
todas as Monarquias são tirânicas. Não. Nós temos o exemplo da Monarquia Inglesa, que é
um exemplo magnífico de democracia, de garantia dos direitos individuais. Então, na
prática, nós temos Repúblicas e Repúblicas. Temos Repúblicas oligárquicas, como foram as
implantadas na Paraíba após o advento do regime republicano. Eu terei que ser breve
porque tudo que deveria ser dito, como afirmei, já Luiz Hugo Guimarães disse com
proficiência.
Queria fazer apenas esses reparos e enaltecer, nesta hora em que estou finalizando a
minha participação, que houve alguns homens entre aqueles inúmeros adesistas, a
multidão de trânsfugas, mas dois, pelo menos, que eu me lembre, foram notáveis, neles
lealdade e fidelidade aos seus princípios. Sobre o último Chefe de Polícia Provincial, Sá e
Benevides, disse Oswaldo Trigueiro que ele, com os olhos rasos dágua, comunicou a
Eugênio Toscano de Brito: “A queda da monarquia, Dr. Eugênio, foi uma desgraça.” E não
aderiu de forma alguma. Essa figura deve ser lembrada, sobretudo numa época como esta,
em que se muda de partido a todo instante; os partidos são agremiações que não têm,
absolutamente, com raras exceções, uma ideologia a apresentar. E os homens públicos
cada vez mais, a cada dia que se passa, vão se tornando servos das suas ambições
personalíssimas.
E o outro grande paraibano, que deve ser recordado, é Gama e Melo – Antônio Alfredo da
Gama e Melo –, cujo sesquicentenário nós vamos comemorar a partir do próximo dia 1º de
outubro. Sou ocupante da cadeira de que ele é Patrono, a cadeira nº 17, na Academia
Paraibana de Letras. Conheço a sua vida e a sua obra. Grande jornalista, grande filósofo,
uma figura íntegra. Fez amizade com Floriano Peixoto quando Floriano esteve aqui na
Paraíba e quis fazê-lo Ministro da Justiça, mas ele não aceitou. Respondeu em carta ao
Presidente que se tivesse de ser Ministro da Justiça num governo ilegal iria contrariar sua
consciência, preferia ficar no seu canto. Não aderiu, só voltou à política muito tempo depois
para ser deputado federal, quando a República já estava mais do que consumada. Foi
senador eminentíssimo, representando o nosso Estado; foi Vice-presidente do Estado e
presidiu a Paraíba duas vezes, inclusive por eleição. Foi um homem notável sob todos os
títulos e um homem austero e leal. Eu bendigo essas duas figuras e as aponto, como
exemplo, na hora em que a lealdade cada vez mais vai rareando na vida pública nacional.
···
A fala do presidente:
Nosso debatedor oficial, professor Joacil de Britto Pereira, cumpriu, com brilhantismo, sua
função de provocar o debate. Começou logo divergindo, com muita lhaneza, de uma
referência do expositor sobre a chegada da República à Paraíba. Essa é a função do
debatedor, apontar os senões.
Realmente, o expositor apresentou uma tese discutível sobre esse aspecto. E parece ter
feito de propósito, para levantar, talvez pela primeira vez, uma questão que nunca foi
examinada dentro desse ângulo. Pois bem, nosso debatedor, o ilustre acadêmico Joacil
Pereira, botou lenha na fogueira.
Assim, vamos dar oportunidade a que os presentes se manifestem sobre o tema, e eu
passo a palavra ao primeiro participante do debate, que previamente se inscreveu, que é o
consócio e historiador Humberto Cavalcanti de Mello.
Com a palavra o professor Humberto Mello.
1º participante
Humberto Cavalcanti Mello (Historiador, sócio do IHGP e da APL, professor da UFPB):
Geografia e História da PB
111
Dr. Joacil Pereira, nos seus comentários, enfocou dois aspectos que eu tinha anotado para
falar aqui sobre a densidade do movimento republicano na Paraíba. O que eu iria dizer,
Joacil já disse melhor do que eu poderia ter feito. Quero lembrar, apenas, em termos de
observação que, quando o Conde d’Eu passou pela Paraíba, em junho de 1889, não foi
porque aqui localizasse um importante núcleo republicano. Essa viagem do Conde d’Eu ele
fez num navio de linha e foi parando em todas as províncias do Império; ele veio do Rio de
Janeiro e parou no Espírito Santo, parou na Bahia, Sergipe, Alagoas e por aí veio. Em cada
uma das províncias ele veio procurando levantar os ânimos monarquistas. E Silva Jardim
compra passagem no mesmo navio para vir fazer comícios paralelos, atanazando o que o
Conde d’Eu dizia. Não era como atualmente em que os dirigentes requisitam o seu
transporte próprio. Era um navio comum, um navio de linha. Nessa passagem do Conde
d’Eu pela Paraíba registrou-se a famosa frase do Barão do Abiaí, que citarei de memória:
“Ainda que todo o Brasil se transforme em República a Paraíba permanecerá fiel à
monarquia”. E como já foi bem salientado pelo expositor e debatedor, o Barão do Abiaí foi
o primeiro a aderir ao novo regime.
Entre os poucos republicanos da Paraíba houve um que depois se desencantou com a
República, que foi Irineu Joffily, como bem demonstra o seu neto José Joffily na biografia
ENTRE A MONARQUIA E A REPÚBLICA. E Irineu Joffily nos últimos anos de sua vida se
transformou num propagandista do regime monárquico.
Epitácio Pessoa, que, como bem salientou Luiz Hugo, começou a carreira como Secretário
Geral do Estado, Epitácio foi, antes de tudo, um homem de sorte (é verdade que a pessoa
tem que ter seus méritos, mas tem que ter sorte). Epitácio era promotor público na
Comarca do Cabo, em Pernambuco. Como disse José Américo, não tendo mais com quem
brigar, brigou com o juiz e foi forçado a se exonerar. Não tendo mais o que fazer em
Pernambuco, foi para o Rio. Chega no Rio entre o dia 5 e 10 de novembro de 1889 e se
hospeda na casa do seu irmão, o então tenente José Pessoa. O tenente José Pessoa já
estava envolvido com a conspiração republicana. À noite, o irmão vai para uma reunião e
Epitácio, não tendo para onde ir, vai com ele. Foi aí que surgiu o republicanismo de
Epitácio, quer dizer um republicano de vésperas, da véspera do 15 de novembro.
A antiga revista O CRUZEIRO, ao tempo em que era a revista de maior circulação do país,
publicou uma série de artigos sobre a República e trouxe um depoimento do marechal
Rondon, que era cadete, positivista e participou do movimento de 15 de novembro, onde
ele afirma que quando Deodoro sai a cavalo, com dificuldade, pois estava doente, Deodoro
tira o quepe e grita: “Viva o Imperador”. E os cadetes e tenentes positivistas abafaram o
grito com “Viva a República”, depois então Deodoro repetiu “Viva a República”. Ou seja, em
cinco minutos mudou de opinião.
Lembrou o debatedor Joacil Pereira que Eugênio Toscano de Brito, com sua sensibilidade
política, tentou conseguir uma legitimidade para a Junta que ele pretendeu instalar, dando-
lhe a posse na Câmara Municipal. Essa Junta não conseguiu prosperar. Então eu me
lembrei que foi a Câmara Municipal quem deu posse a Álvaro Machado. A Assembléia
estava dissolvida e Álvaro procurou dar legitimidade à sua posse, porque Álvaro Machado
foi designado, como disse o expositor Dr. Luiz Hugo, por um telegrama. Ele estava na
Bahia e Floriano passou um telegrama para ele dizendo que fosse assumir o governo da
Paraíba. Uma coisa sem nenhuma forma de legitimidade, e Álvaro Machado veio consegui-
la tomando posse na Câmara Municipal e daí partindo o seu domínio político no Estado pelo
prazo de vinte anos.
O expositor Luiz Hugo fixou-se no início da República, mas, o que a República velha teve
como seu grande marco político distintivo, período sobre o qual escreveram Oswaldo
Trigueiro de Albuquerque Melo, Apolônio Nóbrega, Inês Caminha entre outros que
publicaram livros específicos, foi o grande peso coronelista. No Império o coronelismo não
pesava tanto por conta do chamado lápis fatídico do imperador, como diziam os
desgostosos. Pedro II tinha a visão de perceber que se um partido demorasse muito no
poder não seria bom. Então, quando o partido passava um ou dois anos, ele mandava
dissolver e fazia eleição, havendo, assim, o revezamento dos partidos. Era a gangorra
entre liberais e conservadores. Quando a República foi proclamada quem estava no poder
Geografia e História da PB
112
era o partido liberal, pois o Visconde de Ouro Preto era liberal. Daí ter sido o governo
constituído, principalmente na Paraíba, de elementos conservadoras, porque estavam na
oposição e viram no movimento republicano uma maneira de subir. Mas, depois que veio a
República, não havia mais como manter essa alternância. O partido que se enquistava no
poder de lá não queria mais sair. A ponto de 12 anos depois de Álvaro Machado assumir o
governo, já havia uma série de desgostosos dentro do seu partido, inclusive Gama e Melo,
citado pelo debatedor Joacil Pereira, e José Peregrino, que tinha sido governador. Álvaro
Machado percebendo essa dificuldade, correu aos antigos oposicionistas, pessoal ligado a
Venâncio Neiva, que a essa altura já eram praticamente comandados por Epitácio, e faz um
acordo. Há até uma carta de Epitácio a um seu correligionário (eu não me recordo bem o
nome do destinatário, mas essa carta está nas obras dele e na obra de historiador Glauco
Ari Soares), dizendo que ele procure aderir ao governo, pois a única forma duma pessoa
sair da oposição para o governo é através da adesão, resguardadas, porém, as aparências.
O expositor Luiz Hugo registrou o primeiro movimento duma representatividade desse
coronelismo, que foi a série de repetidas revoltas coronelistas. Nós tínhamos tido na
Paraíba um ciclo de revoltas que inicialmente guardava um certo ideário, vindo de
Pernambuco, 17, 24 e 48. Depois tivemos o segundo ciclo que eram as revoltas populares
tipo Quebra Quilos, o Ronco da Abelha, a Serra do Apobá, que Geraldo Joffily, em livro e
debate ocorrido nesta Casa, disse que eram movimentos pré-políticos. E depois nós vamos
ter uma série de revoltas dos coronéis. Quase todas elas ligadas a problemas estaduais.
Tivemos esse movimento da família Balthar para depor Venâncio Neiva, mas sabemos
também que os amigos de Venâncio procuraram resistir e mandaram tropas que chegaram
atrasadas; tivemos depois, em 1900, quando houve aquela dualidade de governantes;
Cunha Lima lá em Areia procurou também levantar tropas para apoiar o candidato Antônio
Massa, na luta contra José Peregrino; em 1912 tivemos a revolta de Santa Cruz e Franklin
Dantas, de Monteiro e Teixeira, tentando depor o governo de Álvaro Machado, que
culminou em 30 com o movimento de José Pereira.. Quer dizer, esse predomínio
coronelista com essas exibições periódicas de força foi um fenômeno tipicamente
republicano, que teve começo com o alvorecer da República.
Era apenas isso que eu queria expor.
2º participante
Célia Camará Ribeiro (Sócia do Instituto Histórico e Geográfico de Niterói):
Mais uma vez estou aqui feliz em assistir essas aulas magníficas, onde foram feitas
referência a Venâncio Neiva e Albino Meira, meu parente. Sobre Floriano Peixoto acho que
não devia nem ter nome de rua, assim como de Moreira César, que era um carniceiro
naquela fase de Canudos. A única coisa que eu sei de Floriano que se pode aproveitar foi
quando perguntaram a ele se um navio estrangeiro viesse ao Brasil para invadir e ele disse
que o receberia a bala.
Falando em republicano, não posso esquecer meu pai que, naquela revolta do jornal O
COMBATE, que foi empastelado, foi um dos revoltados com aquele ato.
Pediria permissão para ler um soneto sobre 7 de setembro.
- O soneto foi lido, sob aplausos.
3º participante
Marcus Odilon Ribeiro Coutinho (Sócio do IHGP):
Parece-me que não tenho nenhum reparo a fazer porque as pessoas que ocuparam o
microfone o fizeram da melhor maneira possível, com o maior brilhantismo.
Quero apenas fazer uma ligeira lembrança sobre a atuação do general Almeida Barreto,
conterrâneo do consócio Deusdedit Leitão. O general Almeida Barreto era comandante das
tropas, era o chamado chefe de polícia do território neutro, e na hora o general teve um
ato de alta pusilanimidade. Tanto assim que não cumpriu com a função de que era
incumbido, que era manter a ordem pública, e Almeida Barreto, que queria porque queria
Geografia e História da PB
113
ser senador do Império (e não foi), vingou-se aderindo a uma República da qual ele não
fazia parte naquelas conversações entre os positivistas. Assis Cintra teve um livro muito
bom sobre esse episódio, chamado-o “o general que vendeu o Império”. Almeida Barreto
era um homem de origem duvidosa, ninguém sabe, é um caso muito raro, ninguém sabe
quem foi a mãe desse insigne e ilustre general do Exército. E outra coisa, ele tinha uma
cicatriz nos quadris, resultante da Guerra do Paraguai, quer dizer, possivelmente correndo,
numa posição muito pouco digna e muito pouco honrosa para um soldado brasileiro.
Posteriormente ele se desaveio com Floriano e, mesmo sendo senador, foi preso e teve o
justo castigo. Foi remetido para uma cadeia, salvo engano, nas margens do Rio Amazonas,
onde passou uma boa temporada.
Nosso presidente falou na primeira eleição da República na Paraíba, a primeira eleição que
elegeu três senadores e cinco deputados federais. Quero apenas registrar que essa eleição
não foi uma eleição digna, democrática, que tivesse uma rotulação de avanço social ou
ideológica, porque o voto não era secreto. O voto era descoberto. A fraude campeava;
justiça eleitoral não havia; os partidos eram estaduais. Cada Estado tinha a sua legislação,
tanto que alguns Estados permitiam a reeleição do presidente. Era o caso do Pará, era o
caso do Rio Grande do Sul. No Rio Grande do Sul foi eleito várias vezes presidente do
Estado o caudilho Borges de Medeiros. E para Borges de Medeiros deixar de ser presidente
houve a revolução de 1923, comandada por Assis Brasil, Batista Luzardo e outros; e houve
o acordo de Pedras Altas. Mas o principal era a falta de legitimidade, porque o voto não era
secreto. Ninguém era eleito deputado e o eleitor votava cinco vezes. Existia a chamada
chapa cerrada.
Joacil de Brito Pereira, em aparte concedido:
A lei do tempo era uma lei iníqua. Se o partido obtivesse 51 por cento dos votos, fazia a
chapa toda. Então somente vencia a chapa do governo.
Marcus Odilon Ribeiro Coutinho, continuando:
Agradeço a intervenção do confrade Joacil Pereira.
Pois é, essa foi a primeira eleição. Um presente de grego que a República deu às nossas
instituições políticas e cívicas.
O primeiro governador eleito na Paraíba pela oposição, em voto secreto, foi o governador
Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Melo, por sinal um homem muito digno, muito honrado,
democrata sincero. E a maioria dos presidentes não tinha nem opositores. Aconteceu isso
com o presidente João Pessoa, João Suassuna, Camilo de Holanda, com Venâncio Neiva
(que foi numa eleição indireta), Álvaro Machado (também numa eleição sem definição) e
como todos os outros presidentes. Houve eleição com oposição de João Tavares contra
José Peregrino, uma eleição que foi tão difícil saber-se quem ganhava, que os dois se
proclamaram eleitos. E a posse foi reconhecida pelo Vice-presidente da República em
exercício, Rosa e Silva, que disse que se mantivesse na posse quem estivesse ocupando o
Palácio do Governo. Não havia absolutamente Justiça Eleitoral. A República não trouxe
Justiça Eleitoral, não trouxe o voto feminino, é bom que se registre aqui; mulher nessa
primeira República foi tratada como cidadã de segunda ou terceira categoria, nem cidadã
era, como diz o Dr. Odilon Coutinho.
Eram as colocações que eu tinha a fazer nesta tarde de tanto brilho para nossa querida
instituição.
4º participante
Guilherme d’Avila Lins (Sócio do IHGP e do IPGH):
Em primeiro lugar quero parabenizar todos que aqui falaram, começando pelo presidente
Luiz Hugo Guimarães que, de uma forma muito detalhada, concatenada, bem cuidada
traçou o cenário do alvorecer da velha República; ao professor Joacil de Britto Pereira, que
de forma magnífica sintetizou alguns aspectos com os quais eu comungo plenamente
sobre o significado ético daquele movimento de quartel que representou a Proclamação da
República.
Geografia e História da PB
114
Acho que realmente faltou ética no movimento. O imperador estava precocemente
provecto, mas não decrépito e ele era uma figura profundamente respeitada, como pessoa.
Conta-se que Benjamin Constant chamava o marechal Deodoro de o “velho”, numa alusão
à sua utilidade pela representatividade que ele tinha no meio militar. Era apenas o velho
útil, que com febre de 40 graus proclamou a República. O major Sólon Ribeiro, sogro de
Euclides da Cunha, pai de Ana de Assis, quando foi entregar a notícia da deposição, conta-
se, não sabia se se perfilava, se juntava as botinas, se batia continência, se chamava
Vossa Majestade ou se chamava Vossa Excelência. E queria-se que a família imperial
partisse de madrugada para que ninguém visse. Sem dúvida que a monarquia estava no
final, mas seria bastante magnânimo daqueles que a queriam que esperassem a morte do
imperador, mesmo porque o seu sucessor era um estrangeiro. Mas podia-se esperar a
morte do imperador. Seria muito mais digno e nasceria essa democracia de forma muito
mais justa.
Ouso dizer que da mesma forma que os israelitas estão esperando o Messias, eu estou
ainda esperando uma República estável, respeitável e plena. Eu ainda estou esperando. Se
nós tivéssemos esperado mais um pouco ,esta República teria surgido de uma forma muito
mais respeitável. E um dos primeiros atos da República, no dia seguinte, salvo engano, foi
a extinção do nome Imperial Colégio D. Pedro II para Ginásio Nacional e a extinção da
cátedra de História do Brasil, porque estava terminantemente proibido rememorar a nossa
história. E então o Colégio Pedro II se encheu de cátedras das ciências matemáticas: de
trigonometria, de geometria analítica, de tudo que o positivismo acreditava como o seu
altar. Foi, então, um período que eu considero de obscurantismo para a instrução pública,
em particular, para a educação, em geral, no que diz respeito à cultura humanística.
Não tenho nenhum dado oficial, mas aqui foi citado o Clube Astréa pelo expositor Luiz Hugo
Guimarães, e eu quero registrar que cresci ouvindo a história de que o Clube Astréa
representou um dos focos das idéias republicanas na Paraíba.
5º participante
Silvana Alves de Souza (Estudante, participante inscrita):
Primeiro gostaria de parabenizar o Instituto pela excelente iniciativa em promover esse
Ciclo de Debates. Debater sobre a História do Brasil nunca é demais.
Quero direcionar minha colocação ao que falou o professor Joacil Pereira, que disse que a
República começou de forma errada, sobretudo por uma questão que o professor
Guilherme acabou de assegurar que houve uma falta de ética. Faltou aquela ética adotada
pelo senador Gama e Melo. Agora eu pergunto: essa República que começou de forma
errada e a gente está vendo hoje alguns resquícios, sentindo o peso da conseqüência desse
erro, o Sr. acha que há perspectivas de melhoras? Ou a gente está caminhando para o
caos? E outra pergunta: Se a República tivesse começado de forma diferente, por exemplo,
a partir de um movimento do povo, da revolução, do anseio do povo, da luta do povo, será
que a gente estaria vivendo um tempo de República diferente?
Joacil de Britto Pereira, em resposta à pergunta formulada:
A indagação que me foi direcionada, não é tão fácil responder. Há um livro de Sidney
Rooth, grande sociólogo americano, que fala sobre esse tema o SE na História. No entanto,
eu me atrevo a informar que o meu pensamento é que se a República tivesse sido feita
com apoio popular, com os líderes autênticos do movimento republicano, nós teríamos tido
um resultado diferente. Porque a República foi um arranjo de militares, embora esposando
boas idéias, belas idéias, os anseios republicanos, mas uma quartelada na verdade, um
golpe tramado às pressas e às carreiras. Se tivesse procurado um apoio popular, através
de uma pregação mais segura, o povo brasileiro não tivesse sido afastado, como disse um
grande republicano, que o povo assistiu bestificado a Proclamação da República, se não
tivesse sido assim, talvez (é o se na história), talvez fosse outra a situação deste país. No
entanto, o que é mais grave, daí por diante a República foi se corrompendo cada vez mais.
Todo o esforço, todo o sangue derramado pelos heróis nacionais em revoluções, em lutas,
todo o anseio da mocidade nas escolas, nas academias, desde o tempo de Joaquim
Geografia e História da PB
115
Nabuco, Rui Barbosa, Castro Alves, nas Faculdades de Direito do Recife e de São Paulo,
desde essa época, a mocidade sempre romântica e revolucionária não participou do
movimento republicano. E de lá para cá temos sido um povo sofrido, um povo escanteado;
infiltrou-se no poder oligarquia após oligarquia e aí está hoje o espetáculo mais triste de
uma república de piratas, de uma república de corrupção.
Considerações finais pelo expositor Luiz Hugo Guimarães:
Agradeço a contribuição do ilustre debatedor oficial, companheiro Joacil de Britto Pereira,
que foi bastante apreciada pela segurança dos seus conceitos e pelo levantamento de
alguns questionamentos sobre minha exposição, que as aceito, embora sem me convencer
de todo com sua argumentação.
Agradeço também aos participantes pelos pronunciamentos que fizeram, enriquecendo o
tema hoje apreciado
Os assuntos debatidos neste Ciclo são, não raro, conflitantes, e por isso mesmo
esclarecedores das dúvidas dos participantes. Cada participante não tem que ser,
necessariamente, cooptado por um ou por outro para alinhar-se ao seu ponto de vista. O
importante do debate é que cada um apresente sua idéia para que ela possa ser
examinada, apreciada e melhor interpretada.
É importante para nós o levantamento dessas questões sobre a participação da Paraíba
nesses 500 anos da descoberta do Brasil.
O comentário dos participantes Marcus Odilon Ribeiro Coutinho, Guilherme d’Avila Lins,
Humberto Cavalcanti de Mello, Célia Camará Ribeiro e Silvana Alves de Souza ilustraram o
debate, permitindo uma melhor apreciação sobre as dificuldades para implantação da
República, sobre a participação das figuras que influíram na sua proclamação e na sua
evolução.
Durante essa primeira República nós poderíamos ter debatido mais, falando sobre alguns
governos paraibanos, se o tempo do expositor pudesse ser mais elástico.
De qualquer forma, com a permissão do plenário, gostaria de nessas considerações finais
destacar, sucintamente, a passagem dos governos paraibanos desde a sua instalação na
Paraíba, com os seguintes breves comentários:
*

06-12-1989 a 31-12-1991:

Venâncio Augusto de Magalhães Neiva


Designado pelo presidente Deodoro da Fonseca, Venâncio Neiva foi confirmado no cargo de
Presidente da Paraíba pela Assembléia estadual constituinte, para o período 91/94. Em
conseqüência da renúncia de Deodoro da Fonseca, em 27 de novembro de 1991, Venâncio
Neiva foi deposto, assumindo o poder uma junta governativa. O governo central ordenou a
volta de Venâncio Neiva, tendo o mesmo pedido uma licença em 31.12.91, assumindo o
cargo o 1º Vice-Presidente, Manoel da Fonseca Xavier de Andrade, o qual foi deposto em
01.01.1992. Assumiu o governo uma junta governativa, a qual permaneceu em exercício
até 18 de fevereiro de 1892.
Não há grandes fatos a mencionar durante esse período de adaptação da República na
Paraíba, cujo governo foi de pouca expressão administrativa.
18-02-1892 a 1896
Álvaro Lopes Machado
Foi designado pelo presidente Floriano Peixoto, tendo sido eleito quando a 2ª Assembléia
Constituinte se reuniu para votar a Constituição do Estado.
Geografia e História da PB
116
Álvaro Machado criou a Imprensa Oficial (a atual A UNIÃO) ; reformou o ensino “em bases
mais adiantadas”, equiparando o Liceu Paraibano ao Ginásio Nacional, para ambos os
sexos; fundou o Partido Republicano da Paraíba; recuperou as finanças do Estado,
restaurando o crédito e atualizou os vencimentos dos funcionários, que estavam bastante
atrasados; restabeleceu a figura do Prefeito Municipal.
Em 14 de abril de 1892 passou o governo ao seu Vice-presidente Walfredo Leal, retornando
ao governo em 27 de junho do mesmo na. Em 17 de maio de 1896, passou o governo ao
seu Vice-presidente Monsenhor Walfredo Leal, por ter sido eleito Senador.

22-10-1896 – 22-10-1900:
Antônio Alfredo da Gama e Melo
Teve grandes dificuldades em seu governo, enfrentando a seca de 1898 e a inundação de
1899. Sua oposição ao Governo Federal aumentou suas dificuldades.
Deixou de ser Ministro de Floriano Peixoto porque não poderia ficar em paz com sua
consciência, conforme declarou em carta àquele mandatário.
Culto e honesto, foi eleito Senador, falecendo no mandato em 10.04.1908.
22-10-1900 – 1904:
José Peregrino de Araújo
Após sua eleição, houve por alguns momentos dualidade de governo, uma vez que a chapa
oposicionista, à frente Antônio Massa, também se considerava vencedora. O Vice-
presidente da República, Rosa e Silva, que se encontrava no exercício da Presidência,
declarou-o empossado.
Apesar das turbulências políticas, melhorou a situação financeira, baixando a dívida pública
do Estado em 50%. Restaurou o ensino e evitou que o Liceu Paraibano fosse fechado, com
apenas dois alunos inscritos. Na sua administração o Liceu chegou a ter 50 alunos.
O Governo do desembargador Peregrino teve grande oposição política, reagindo com a
ação truculenta do seu Chefe de Polícia, Antônio Semeão dos Santos Leal, que empastelou
os jornais O COMÉRCIO, dirigido por Artur Aquiles e O COMBATE, pertencente a um grupo
de jovens políticos.
22-10-1904 a 28-10-1905:
Álvaro Lopes Machado (segundo governo)
Diante da crise política que grassou no seu partido, Álvaro Machado se viu obrigado a
candidatar-se a um novo mandato de Presidente. Tentou unificar o partido. A 28-10-1905,
Álvaro renunciou ao cargo, para ser eleito senador, assumindo provisoriamente o Vice-
presidente Francisco Seráfico da Nóbrega, que logo passou o governo ao Monsenhor
Walfredo Leal, que terminou o quatriênio.
Sua atuação é meritória, uma vez que levou a “pequena açudagem ao interior e incentivou
a companhia de ferro-carris” na capital. No seu governo houve a implantação da fábrica de
cimento em Tiriri e uma de tecidos em Santa Rita.
Incentivou e fundou o Instituto Histórico e Geográfico Paraibano.
28-10-1905 a 28-11-1905
Francisco Seráfico da Nóbrega
Como 2º Vice-presidente assumiu a Presidência Francisco Seráfico da Nóbrega, enquanto
Monsenhor Walfredo Leal era eleito 1º Vice-presidente.
28-11-1905 a 28-10-1908
Monsenhor Walfredo dos Santos Leal
Geografia e História da PB
117
Como Vice-presidente recém-eleito, assumiu o mandato de Álvaro até seu final. Sob seu
governo foi criado o alistamento eleitoral, tendo revogado as incompatibilidades para
cargos eletivos e sancionado a Lei que concede habeas corpus.
28-10-1908 – 28-10-1912:
João Lopes Machado
Irmão de Álvaro Machado, médico sanitarista, João Machado foi eleito com apoio do
presidente Walfredo Leal. Seu governo é considerado pelos historiadores como o mais
operoso da primeira República.
Criou uma carteira de Crédito Agrícola para empréstimos sob penhor agrícola; fundou a
Escola Agro-Pecuaria de Puchi; ordenou a construção de açudes e poços artesianos;
reorganizou o Departamento de Saúde Pública, instalando a Diretoria Geral de Higiene;
reconstruiu a Escola Normal; promulgou o Código de Processo Criminal do Estado, de
autoria de Dr. Pedro da Cunha Pedrosa; assegurou água, luz e bondes elétricos na
capital; abriu a grande avenida em direção ao leste, que hoje tem o seu nome.
Seu governo também foi agitado politicamente, não contando com o apoio do Presidente
Hermes da Fonseca, que combatia a “política dos governadores” estabelecida por
Campos Sales. Para a sua sucessão foi proposto como candidato de oposição o coronel
do Exército José Joaquim do Rego Barros, que tinha o apoio do governador Dantas
Barreto, de Pernambuco. Dentre os inúmeros oposicionistas, Augusto Santa Cruz e
Franklin Dantas, de Monteiro e Teixeira, armaram uma grande coluna municiada para
invadir os sertões paraibanos, depredando e assaltando várias cidades sertanejas.
Com a interferência de Epitácio Pessoa foi decretada a intervenção federal, facilitando a
resistência do governo
Nesse clima, ainda com o apoio de Epitácio Pessoa, que era Ministro do Supremo
Tribunal, João Machado fez seu sucessor João Pereira de Castro Pinto.
28-10-1912 a 24-07-1915:
João Pereira de Castro Pinto
Iniciou o seu governo cercado de simpatia, graças ao seu prestígio intelectual.
Deu total apoio à cultura, facilitando a publicação das obras de escritores paraibanos
através da Imprensa Oficial. Enviou representante ao 1º Congresso de História Nacional
(João de Lyra Tavares e Ascendino Cunha); fundou a primeira Biblioteca da Paraíba;
melhorou o ensino, instituindo concurso para professores; fundou dois cursos
profissionalizantes: Comércio e Agricultura; fundou uma escola na Cadeia Pública; não
permitiu que o jornal do governo fizesse política; combateu o banditismo; retirou as
eleições do interior das igrejas.
Durante a sucessão ao assumir a posição de magistrado foi massacrado pelas duas
oligarquias: epitacistas e walfredistas. Magoou-se e renunciou, indo fixar residência no Rio
de Janeiro.
24-07-1915 a 24-07-1916:
Antônio da Silva Pessoa
Como 1º Vice-Presidente assumiu o governo, em substituição a Castro Pinto, que
renunciara o mandato. Antônio Pessoa era irmão de Epitácio.
Encontrou o Estado com uma dívida de Rs. 1.379:404$550 e um saldo em caixa de apenas
Rs 6.828$222 e o funcionalismo com um atraso de cinco meses.
Em pouco tempo, pagou o funcionalismo, equilibrou as finanças, saldou as dívidas
existentes; amortizou 50% dos compromissos do Estado e reduziu despesas, dispensando
funcionários sem utilidade urgente. Cortou gratificações graciosas e acumulações
indevidas. Promoveu um Congresso de Algodão (com a Paraíba obtendo o 1º lugar) e
codificação das leis municipais de autoria do deputado Ascendino da Cunha.
Geografia e História da PB
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Doente, bastante abatido, passou o governo ao presidente da Assembléia Legislativa, Dr.
Solon de Lucena.
24-07-1916 a 22-10-1916:
Solon Barbosa de Lucena
O deputado estadual Solon Barbosa de Lucena, como Presidente da Assembléia Legislativa,
assumiu o Governo, em face do estado de saúde de Antônio Pessoa.
Antônio Pessoa agrupara em torno de si uma mocidade nascente na vida política do Estado.
E Solon de Lucena, que liderava esse grupo constituído de João Suassuna, Álvaro de
Carvalho, Alcides Bezerra, Celso Mariz, Demócrito de Almeida, grupo esse conhecido pela
denominação de JOVENS TURCOS, foi considerado o continuador de Antônio Pessoa. Seria,
portanto, o candidato natural à sucessão. Era o candidato de Antônio Pessoa.
Novamente, coube a Epitácio Pessoa decidir a parada. Com o apoio dos convencionais do
Partido, Epitácio indicou o deputado federal Dr. Francisco Camilo de Holanda.
22-10-1916 – 22-10-1920:
Francisco Camilo de Holanda
Camilo de Holanda era general-médico. Homem de larga visão, iniciou uma série de
reformas administrativas. Anexou a Carteira de Crédito Agrícola existente ao Tesouro do
Estado e adquiriu “máquinas, arados, sulcadores, pulverizadores, seringas para vendas,
sem lucro e a pagamentos cômodos, aos agricultores menos abastados”.
Foi um reformador eficiente. Remodelou a cidade abrindo avenidas, construindo praças e
edifícios públicos. Também teve atuação idêntica no interior do Estado. Construiu grupos
escolares; criou o Serviço contra a lagarta rosada.
Não teve condições de indicar seu sucessor, pois batera de frente com os Pessoa de
Umbuzeiro e rompera com os filhos de Antônio Pessoa.
Eleito Epitácio Pessoa para a Presidência da República, este convidou Camilo de Holanda
para substitui-lo na sua vaga no Senado, mediante sua renúncia ao Governo do Estado,
quando seria substituído pelo Vice-presidente Antônio Massa. Camilo de Holanda não
aceitou a barganha, continuando no governo, deixando de apresentar candidato.
Em reunião no Palácio do Catete, o presidente Epitácio Pessoa e o senador Venâncio Neiva
indicaram Solon Barbosa de Lucena. Era assim, n aquele tempo.
28-10-1920 – 28-10-1924:
Solon Barbosa de Lucena
Com a posse de Solon de Lucena ascendeu ao cenário político seus companheiros do
chamado grupo JOVENS TURCOS: Álvaro Pereira de Carvalho, Secretário Geral; Demócrito
de Almeida, Chefe de Polícia; João Suassuna, Inspetor do Tesouro; Alcides Bezerra, Diretor
Geral da Instrução, entre outros.
Tendo recebido o governo com recursos razoáveis deixados por Camilo de Holanda, Solon
também pôde fazer uma boa administração. Preocupou-se em melhorar o abastecimento
dágua e implantar eficiente rede de esgotos na capital, não tendo concluído esse projeto
apesar dos vultosos gastos despendidos.
Uma de suas metas importantes, que também o decepcionou, foi a construção do porto da
capital, com o apoio total do presidente Epitácio Pessoa, que destinou grandes quantias de
dinheiro. São conhecidas, hoje, as famílias que se locupletaram dos desvios das verbas
vultosas enviadas pelo Presidente da República. Ainda hoje se vê no rio Sanhauá as estacas
fincadas naquela época. Consta do anedotário político que os encarregados da construção
do porto chegaram a enviar a Epitácio o retrato do porto em construção, só que o retrato
era de um porto que estava sendo construído na Europa.. Dizem também que Epitácio
Pessoa ficou tão chocado com a roubalheira que assegurou que jamais voltaria à Paraíba.
Quando suas cinzas foram trasladadas do Rio de Janeiro para o Panteon do Tribunal de
Geografia e História da PB
119
Justiça os comentaristas do Ponto de Cem Réis imaginaram que “as cinzas tremiam dentro
da arca que as conduziram”.
O café, cultura que estava tomando conta do Estado, sofreu grande revés com a praga que
dizimou os cafeeiros, abalando a economia do Estado apesar da alta do algodão.
As obras do seu prefeito, Walfredo Guedes Pereira, deram brilho à sua administração.
Walfredo abriu avenidas, construiu as Praças da Independência e Vidal de Negreiros, os
Parques Solon de Lucena e Arruda Câmara; criou o Hospital do Pronto Socorro e a
Policlínica Infantil; arborizou a cidade de tal forma que passou a ser denominada “Cidade
Jardim”.
Deu expansão ao movimento cultural, liderado por seu filho Severino de Lucena, que era
seu oficial de gabinete e foi um dos fundadores da revista ERA NOVA. Foram prestigiados
os valores culturais como José Américo de Almeida, Alcides Bezerra, Álvaro de Carvalho,
Américo Falcão, Carlos Dias Fernandes, Cônego Pedro Anísio, Coriolano de Medeiros, Celso
Mariz e outros.
Houve um acontecimento trágico que enodoou o governo de Solon de Lucena, que foi o
crime praticado por um guarda-civil na pessoa do estudante do Liceu Paraibano Sadi Castor
Correia Lima.
22-10-1924 – 22-10-1928:
João Suassuna
Eleito sem competidor, João Suassuna assume o governo enfrentando uma peste de varíola
e de febre amarela.. Os destaques de sua administração foram: a conclusão do Hospital
Juliano Moreira, de Psiquiatria; o combate à Coluna Prestes, que atravessou a Paraíba e,
em Piancó, o Padre Aristides foi morto; a continuidade das obras de saneamento e esgoto
do governo Solon de Lucena; o combate ao cangaceirismo; o planejamento do
abastecimento dágua de Campina Grande.
22-10-1928 - 26-07-1930:
João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque
Fora dos partidos políticos da terra, João Pessoa surgiu como Presidente do Estado com o
apoio de Epitácio Pessoa.
Iniciou seu governo dando atestado de austeridade e autoridade. Encontrou o Estado com
as finanças em caos, com dívidas e seu funcionalismo atrasado em seis meses. Para sanear
as finanças restabeleceu a escrita do Tesouro e criou um sistema tributário independente
dos outros Estados, principalmente de Pernambuco. Demitiu muitos funcionários,
desagradando correligionários e opositores. Deu vida ao Banco do Estado da Paraíba, que
já havia sido fundado, mas não funcionado; criou o Banco Hipotecário, para operar com o
comercio; organizou o Serviço de Classificação do Algodão; fundou campos de
demonstração de algodão nos municípios de Campina Grande, Ingá, Umbuzeiro, Picuí e
Monteiro; construiu as estradas de Pilar, Itabaiana e Surrão e as pontes de Mulungu,
Gurinhém e Batalha.
Na capital melhorou o Jardim Público e a Praça Venâncio Neiva; iniciou a reforma da Praça
Pedro Américo; abriu a avenida Epitácio Pessoa e a estrada de Gramame; retirou os
bondes elétricos que passavam em frente do Palácio do Governo e colocou eletrificação
subterrânea na Rua Duque de Caxias; remodelou o Liceu Paraibano e iniciou a reforma do
Palácio do Governo; construiu o Palácio das Secretarias e a Praça Antenor Navarro; alargou
a antiga Estrada do Carro, atual Rua Barão do Triunfo; reconstruiu o Quartel de Polícia;
iniciou a construção do Paraíba Hotel e do Pavilhão do Chá e as obras do Porto de
Cabedelo; instalou o Centro Educativo de Pindobal para a recuperação de menores
delinqüentes.
Foi um governo profícuo, apesar do pouco tempo em que esteve na Presidência do Estado
(um ano e nove meses).
Geografia e História da PB
120
Sua ação política desgostou muitos correligionários por ocasião da indicação dos nomes
para a eleição da bancada federal, aumentando a onda oposicionista.
Discordou da indicação do candidato do presidente Washington Luiz à sua sucessão (Júlio
Prestes) e formou com o Rio Grande do Sul e Minas Gerais na oposição ao governo central.
Participou da chapa oposicionista na campanha para a Presidência da República, formando
a chapa Getúlio Vargas para Presidente e João Pessoa para Vice-Presidente, tendo perdido
a eleição.
Enfrentou graves problemas políticos com a atitude do deputado José Pereira pondo seu
município – Princesa – em pé de guerra, com o apoio de vários “coronéis” das adjacências.
João Pessoa foi assassinado no dia 26 de julho de 1930, no Café Glória, no Recife, pelo
advogado João Dantas.
26-07-1930 a 04-10-1930:

Álvaro Pereira de Carvalho


Como Vice-presidente do Estado, Álvaro de Carvalho assumiu o governo, em substituição a
João Pessoa, que fora assassinado no Recife, pelo advogado João Duarte Dantas.
Durante o seu breve período de governo enfrentou grande turbulência política. A morte de
João Pessoa colocou o povo paraibano em ambiente de grande comoção e exaltação.
Houve incêndios, depredações e perseguições políticas aos adversários de João Pessoa – os
perrepistas.
No seu governo houve a mudança do nome da capital de Paraíba para João Pessoa e a
criação da Bandeira rubro-negra, com o nome NEGO.
Com a eclosão da Revolução, a 3 de outubro, o panorama político modificou-se totalmente,
sendo inevitável a saída de Álvaro de Carvalho
04-10-1930 a 09-11-1930:

José Américo de Almeida


José Américo assumiu o governo em razão da vitória da Revolução de 1930, com a
autorização do capitão Juarez Távora, havendo uma deposição branca do Vice-presidente
Álvaro de Carvalho. A Paraíba, nesse momento, passou a ser a sede do Governo
Revolucionário do Norte.
Com a saída de José Américo para o Ministério da Viação e Obras Públicas, foi nomeado
interventor do Estado Anthenor de França Navarro, indicado por Juarez Távora.
09-11-1930 – 26-04-1932:
Anthenor de França Navarro
Antenor, que era engenheiro-geógrafo, foi empossado pelo então capitão Juarez Távora,
chefe militar do Norte do Brasil. Ele assumiu o governo como interventor, preocupado,
inicialmente, em pacificar o Estado.
Seu intento foi concluir as obras iniciadas por João Pessoa: Palácio do Governo, Palácio das
Secretarias, Paraíba Palace Hotel, o Quartel da Polícia e o Hospital de Isolamento. Fundou a
Estação de Sericultura do Estado, que funcionava na Fazenda São Raphael.
Sua grande ação foi no setor educacional quando (...) “unificou o ensino público primário
do Estado, extinguiu as escolas municipais e passou para o Estado o ônus e a
responsabilidade do ensino. Assim, 220 escolas espalharam-se em toda a Paraíba”.
*
Geografia e História da PB
121
Reformou a Escola Normal, incluindo no seu programa o ensino de ginástica e música;
ampliou o grupo Thomaz Mindelo; reconheceu oficialmente os diplomas de datilografia e
taquigrafia conferidos pelos estabelecimentos particulares; instituiu fardamento para os
estudantes do Liceu; concedeu subvenções anuais a alguns colégios particulares.
Anthenor iniciou efetivamente as obras do Porto de Cabedelo em 17.11.31, quando fincou a
primeira estaca da cortina externa do cais do porto, que só foi inaugurado em 1935.
Passou a administração dos cemitérios para os municípios; deu aumento aos serventuários
da Justiça, prestigiando a magistratura do Estado.
Não obstante, houve um movimento armado contra o seu Governo, que ele combateu
criando a Guarda Cívica e punindo militares da força policial.
Foi um governo de grandes realizações.
Faleceu tragicamente em 26 de abril de 1932 quando (...) “vinha do Rio de Janeiro com o
Ministro José Américo de Almeida no avião da marinha – o “Savoia Marchetti n.º 3 – o qual,
ao amerissar na Baía de Todos os Santos, na Bahia, capotou, mergulhando na baía. No
acidente o Interventor sofreu rutura do coração e do fígado, falecendo.”
*

26.04.1932 - 12-1934:
Gratuliano de Brito
Gratuliano assumiu o Governo em caráter provisório como interventor para substituir
Anthenor Navarro, e em junho foi efetivado nas funções.
Seu governo foi atingido pela famosa seca de 32 e pela Revolução de São Paulo. Recebeu
do Ministro José Américo apoio no combate à seca e, para debelar o movimento de São
Paulo, enviou soldados da Polícia Militar e voluntários.
Enfrentou com austeridade e rigidez as dificuldades financeiras por que passou o Estado
nessa fase, conseguindo colocar o Tesouro em dia.
Continuou as obras do Porto de Cabedelo, as obras de saneamento da capital e a Fonte
de Brejo das Freiras. Criou mais escolas; reorganizou a Polícia Militar, a Saúde Pública e
a Escola de Agronomia do Nordeste.
Sua equipe de governo era constituída, em grande parte, de jovens e solteiros. Dela fez
parte o então 2º Tenente Ernesto Geisel, que era Secretário da Fazenda, Agricultura e
Obras Públicas.
Em 20 de julho de 1934, Getúlio Vargas é empossado pelo Congresso como Presidente
Constitucional do país.
Com a tolerância do plenário, fiz um breve resumo dos Governos paraibanos da primeira
República, estendendo-me até os interventores, pelo que peço desculpas aos presentes.
Adauto Ramos conta esse episódio, em detalhes, no seu trabalho Centenário da Queda do
Primeiro Governo Republicano da Paraíba, in Revista do IHGP n.º 25, João Pessoa, Editora Universitária/UFPB,
1991;28.

* Muitos dados do resumo da ação administrativa dos Presidentes e Governadores do


Estado foram coligidos nos trabalhos dos seguintes historiadores paraibanos: Carmen
Coelho de Miranda Freire (HISTÓRIA DA PARAÍBA – DO IMPÉRIO À REPÚLICA); Celso Mariz
(APANHADOS HISTÓRICOS DA PARAÍBA); José Octávio (HISTÓRIA DA PARAIBA – LUTAS E
RESISTÊNCIA); Teresinha de Jesus Ramalho Pordeus (HISTÓRIA DA PARAÍBA NA SALA DE
AULA).
Geografia e História da PB
122
* Glauce Maria Navarro Burity. ANTHENOR NAVARRO: CENTENÁRIO DE SEU NASCIMENTO, discurso no IHGP, em
31.08.99.

* Adauto Ramos. ANTHENOR NAVARRO (Centenário de Nascimento).

4º Tema
A CONQUISTA DA PARAÍBA
Expositora: Waldice Mendonça Porto
Debatedor: Guilherme d’Avila Lins
A fala do Presidente:
Hoje é a quarta sessão do programa do nosso Ciclo de Debates, quando será abordado o
tema A CONQUISTA DA PARAÍBA.
Comporei a mesa com as seguintes pessoas, que convido a tomar assento: Waldice
Mendonça Porto, que será a expositora do tema; Guilherme d’Avila Lins, debatedor do
tema; Joacil de Britto Pereira, presidente da Academia Paraibana de Letras.
Waldice Mendonça Porto, nossa palestrante, é bacharel em Direito pela UFPB; é formada
em Contabilidade pela Escola de Comércio “Epitácio Pessoa”, fez vários cursos de extensão
universitária, inclusive sobre História Colonial da Paraíba em nível de pós-graduação; foi
expositora no Curso de Historia da Paraíba (atualização Didática, História e Geografia) e no
Curso de História Afro-Brasileira; tem vários trabalhos publicados; é sócia do Instituto
Paraibano de Genealogia e Heráldica; é diplomada pela ADESG. É atual primeira Secretária
do Instituto.
Passo a palavra à nossa expositora, Waldice Porto.
Expositora: Waldice Mendonça Porto (Historiadora, 1ª secretária do IHGP)
Inicialmente gostaria que desse Ciclo de Debates saísse alguma coisa de positivo. Por isso
estou trazendo a seguinte proposta para o Instituto Histórico:
“Senhor Presidente:
Ao início deste Ciclo de Debates em torno das comemorações dos 500 anos de Brasil, na
condição de membro efetivo e ora primeira secretária, na gestão de Vossa Senhoria, que
tão bem tem administrado este Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, venho
apresentar-lhe esta minha proposta. Faço-a cheia de zelo, mui honrada de ser quem eu
sou, uma filha deste pedaço de chão glorioso, infelizmente ignorado pelas gerações
presentes, onde ainda repercutem nos meus ouvidos e através das fibras da minha
sensibilidade o fragor das batalhas aqui travadas, os passos sorrateiros dos nossos maiores
e daqueles que antes dos nossos aqui demoravam em nossas aldeias, vivendo em
liberdade na terra dos seus ancestrais. Os inigualáveis valorosos potiguara, representados
pelos seus remanescentes desaculturados e espoliados que ali se encontram na Baía da
Traição. Foi o que restou daquele gentio guerreiro, que ninguém podia conquistar nem
domar, senão por meio de intrigas. Eles, os esbulhados, nós os herdeiros à sua revelia,
deste chão abençoado, por força das armas.
Este é o teor da proposta, que esta Casa de Irineu Pinto, mais conhecida como a Casa da
Memória Paraibana e a Universidade da Paraíba, através do seu Departamento de História
e do NDIHR, repositório do mais rico documentário sobre a História da Paraíba, assumam o
compromisso de reescrever a nossa História o mais verdadeiramente identificada com os
fatos comprovados com prova documental, escoimando-a dos erros que se vêm
cometendo, tomando como fonte fidedigna os nossos autores, quando uma documentação
abundante se encontra à espera de ser manuseada.
Senhor Presidente:
Geografia e História da PB
123
Que seja uma moderna e aplicada História da Paraíba, nas palavras da minha amiga e
muito irmã, Rosilda Cartaxo, fiel aos fatos e acontecimentos, que a constituíram, acessível
também às redes estadual e municipal da educação. Estamos às vésperas do segundo
milênio, o século XXI, contando já com mais de quatro séculos de história sem que, até o
momento, tenha sido preenchida esta inominável lacuna. O homem sem História é um
homem sem memória e um homem sem memória é conquistável facilmente.”
Presidente – Recebo a proposta apresentada pela expositora, e comunico que a mesma
será objeto de apreciação pela Diretoria do Instituto.
Waldice Mendonça Porto, dando início à sua exposição:
Um ponto na história que sempre me impressionou foi dizer-se que Portugal não se
incomodou com a sua colônia durante os trinta anos depois de conquistada. Mas posso
afirmar que sempre houve um trabalho da diplomacia portuguesa, que exercia uma política
de sigilo.
O Brasil é considerado por João Ribeiro, citado por Costa Porto, “uma dádiva de sua
diplomacia” (de Portugal), primeiro, assegurando a pequena faixa litorânea da conquista
cabralina; segundo, garantindo-lhe o domínio do nosso atual território, em 1750, pelo
Tratado de Madri.
Esse tratado legaliza a situação de fato, erigindo em princípio jurídico a materialização ou
materialidade do “uti possidetis”, donde poder João Ribeiro dizer que o Brasil foi, para
Portugal, “uma dádiva de sua diplomacia” (Costa Porto – Estudo sobre o Sistema
Sesmarial).
Apesar de afirmarem os historiadores de forma generalizada não haver Portugal cuidado do
seu “gigantesco latifúndio”, usando da linguagem fundiária, não é verdade. A sua política
de sigilo, adotada pela sua diplomacia eficiente, não deixando “vasar” as “descobertas”,
pode ter dado essa impressão. Mas, se vamos aos fatos, seguindo-lhe os passos, vamos
constatar ter estado el-Rei mui atento à sua “dádiva”.
Em 30 anos de Brasil podemos constatar que desde 1501, havia expedições de
reconhecimento de suas costas; em 1502, havia arrendamentos de terra, tanto a
particulares, individualmente como a consórcios; o caso de Fernão de Loronha ou Noronha,
com contrato firmado e renovável de três em três anos, perdurando até 1515, com a
obrigação de descobrir ou percorrer 300 quilômetros de costa, dando de tudo conta a el-
Rei, já agora declarado, o Venturoso, fora os frutos colhidos e a licença concedida para o
corte do pau-brasil em nome da Coroa portuguesa, tornado este, seu monopólio exclusivo.
Em 1516, a Ilha de São João, hoje Fernando de Noronha, foi oferecida a Fernão de
Noronha.
Para interessar aos seus súditos a aceitação das Capitanias, el-rei oferecia, através de
alvarás vantagens majestáticas, quase todas, a quem se dispusesse fundar engenho de
açúcar no Brasil, para isso fornecendo-lhe todo o material necessário e instrumentos
agrícolas; as chamadas capitanias avulsas a quem quisesse povoar o Brasil e as capitanias
a termo, a que estavam obrigados súditos da Coroa, por três anos, terminados os quais era
substituído por um outro, e assim sucessivamente; construção de feitorias para
armazenamento do pau-brasil, depois também as conhecidas feitorias-fortins; posto
abastecedor de seus navios em direitura da Índia; lugar de Couto e homizio dos
degredados, criminosos comuns ou de lesa-majestade; logo em seguida, à “descoberta”,
cartografando o Brasil em nome de Portugal; expedições guarda-costas para expelir os
contrabandistas de diversas nacionalidades e de piratas reunidos pelos seus respectivos
soberanos de carta de corso, em represália ao ato cometido pelo Papa Alexandre VI, à
revelia das demais nações, entre estes, principalmente os franceses. E, finalmente, a
expedição colonizadora de Martim Afonso de Sousa “nomeado capitão da esquadra e
elevado a conselheiro da Coroa. Seus poderes, até então nunca conferidos, eram extensos:
além de capitão da armada, capitão de toda a terra que descobrisse, com plena jurisdição
sobre as pessoas que o acompanhassem, além das que encontrasse. Tinha o direito de
justiça, podendo, inclusive, a seu critério, aplicar a pena de morte.
Geografia e História da PB
124
Sua missão: colocar marcos indicativos de posse, doar as terras como melhor lhe
aprouvesse e nomear tabeliães e oficiais de justiça, instalando no Brasil a administração
portuguesa.”
As investidas dos povos fora da partilha do mundo, pelo Tratado de Tordesilhas, como os
franceses, ingleses, holandeses, infestaram os mares do Atlântico, representando
seriíssima ameaça à sua colônia brasileira.
O pau-brasil não permitia a fixação do homem à terra; o reino português encontrava-se
parco de recursos e de elemento humano. Para solucionar o caso, veio-lhe ao encontro a
sugestão de D. Diogo de Gouveia, Reitor da Universidade de Santa Bárbara, em Paris, que
em carta aconselhou o rei de Portugal a dividir a terra entre os seus súditos mais
abastados. Assim não despenderia dinheiro e contaria com o empenho dos mesmos na
defesa e preservação da terra. Seria um senhorio dentro do Senhorio da Coroa. Eles não
teriam a propriedade da terra, mas tão somente o poder político, “de imperium’.
Regime das Capitanias Hereditárias
D. João III, aceitando a sugestão do amigo D. Diogo de Gouveia, de dividir o Brasil em
Capitanias Hereditárias, decidiu, no entanto, antes de por em prática este Regime, esperar
a volta de Martim Afonso de Sousa, escrevendo-lhe porém comunicando o fato e que,
dentre os 15 lotes em que fora a sua colônia americana dividida, distribuídos por 12
donatários, reservava para ele, Martim Afonso e seu irmão Pero Lopes de Sousa,
respectivamente um de 100 léguas e outro, de 80 léguas, em porções separadas.
O que vai nos interessar de perto mesmo é a de Pero Lopes de Sousa, concedida em 1º de
setembro e o respectivo foral em 6 de outubro de 1534. Logo foi aumentada a sua doação,
em janeiro (1535), para 86 léguas.
Após cinco anos de fundada, a capitania de Itamaracá, de Pero Lopes de Sousa, vizinha à
de Pernambuco, perde o seu donatário, morto em naufrágio (1539), em Madagascar, para
uns, na ilha de São Lourenço, para outros. É bem verdade que Pero Lopes de Sousa pôs à
frente da sua capitania um loco-tenente João Gonçalves, que tomou as providências
necessárias, ocupando a ilha da Conceição, aí fundando a vila Marial, defronte do
continente, tendo em vista a impossibilidade de ali se manter, acossado que seria pelas
investidas belicosas constantes dos potiguara e francesas aliados.
É a localização de Itamaracá, vizinha à de Duarte Coelho, que é muito privilegiada, que vai
dar motivo ao desencadeamento de uma série de acontecimentos que redundarão, na
segunda metade do séc. XVI, numa das mais memoráveis epopéias vivenciadas pelos
nossos maiores, nesta parte do Nordeste brasileiro.
Com a morte de Pero Lopes de Sousa e não havendo cumprido a cláusula exigida pela Lei
das Sesmarias, para a sua colonização, a parte do continente, portanto, tornou-se
devoluta, ou seja, voltou à Coroa.
Abandonada, Itamaracá passou a ser um território perigoso, uma ameaça à segurança da
sua vizinha. Pois, o seu donatário se via impotente diante dos assaltos rotineiros e do
vandalismo provocados pelo gentio potiguara e seus aliados franceses. Olinda e Igaraçu e,
até mesmo Itamaracá, viviam em contínua intranqüilidade, pois este estado caótico
dificultava a aproximação de quem ali pretendesse povoar a terra e dinamizar a agricultura
da cana-de-açúcar, atraído pela fertilidade e pelos seus ares.
As cartas de Duarte Coelho a el-Rei são um testemunho irrefutável daquela situação. Nelas
ele demonstra a sua aflitiva preocupação com a segurança da sua capitania, vendo-se
impossibilitado de fazer alguma coisa, contra os importunos que atrevidamente se
vangloriavam de levarem a melhor e lhe fazerem ver se encontrarem em capitania de
Couto e homizio, não adiantando, portando, Duarte Coelho querer que fossem aceitas e
cumpridas as suas cartas precatórias, pelo Ouvidor de Itamaracá.
A ilha de Itamaracá “podia então considerar-se a atalaia da civilização brasileira avançando
para o Norte, da mesma forma que mais tarde (e ainda agora), pela bondade do seu porto,
Geografia e História da PB
125
e a excelência e abundância das suas águas e provisões, se considerou como posição de
muita valia, para a defesa contra um inimigo comum, o mar.
Itamaracá era porém, não só a atalaia, o posto avançado da civilização, mas ao mesmo
tempo, o seu abrigo em caso de algum desastre; e os empreendedores que se
estabeleciam pelos rios do continente vizinho, punham antes nela as esperanças de refúgio
do que em Igaraçu.” (Varnhagen).
As CARTAS DE DUARTE COELHO A EL-REY, publicação do historiador pernambucano José
Gonsalves de Mello e Cleonir Xavier de Albuquerque, entre 1540 e 1550, dão conta dessa
situação. É uma indicação que faço para os que se interessarem aprofundar-se no assunto.
Corria o ano de 1570 e os assaltos dos índios aos habitantes das capitanias de Itamaracá e
Olinda continuavam sem trégua. Providências foram tomadas em Conselho, concordando
que fossem as mesmas encampadas pela Coroa. El-Rei atendeu o pedido de socorro,
encarregando D. Luis de Vasconcelos, “governador e capitão general para o Brasil,
recomendando-lhe a expulsão dos franceses do rio Paraíba; mas, este tornando a ilha da
Madeira, ali deixou-se ficar com a esquadra de sete naus e uma caravela, esperando
monção a fim de evitar as calmarias da costa de Guiné, ou ,mais realmente, de escapar
dos famosos piratas Jacques de Soria e João Capdeville, huguenotes, saídos de Rochella, os
quais havia pressentido”.
Em 1574, apesar da instabilidade reinante e indo de encontro aos conselhos dos amigos,
Diogo Dias, um cristão-novo, de muitas posses, compra a D. Jerônima de Albuquerque
Sousa 10 mil braças de terra próximas a Goiana, aventurando-se a “estabelecer engenho
no Tracunhaém. Veio o gentio e deu cabo de tudo, e orgulhoso de sua obra ameaçava o
resto da Câmara”.
Este triste acontecimento entrou para a nossa História como a “Tragédia” ou “Morticínio de
Tracunhaém”.
A tragédia ali ocorrida tomou foros de internacionalidade, pois punha em risco o que
coubera à Sua Majestade, pelo Tratado de Tordesilhas
D. Sebastião, tomando a si a conquista, desmembrou uma faixa de terra da Capitania de
Itamaracá, criando, ou melhor dizendo, dando nascimento à Capitania Real do Paraíba do
Norte, cujos limites se circunscreviam da Baía da Traição ao Rio Popoca.
Horácio de Almeida, citando Varnhagen, declara: (...) a Paraíba era a passagem onde se ia
decidir se a civilização tinha de caminhar avante para o norte ou retirar-se, corrida, como
já começava a acontecer, do teatro fronteiro à ilha de Itamaracá!” E continua Horácio: “Ou
a metrópole conquistava a Paraíba ou desistia de continuar para o norte a obra de
colonização que empacara em Itamaracá.”
A capitania da Paraíba surgiu como “compensação do insucesso da Capitania de Itamaracá
e da necessidade de apoio ao povoamento já instalado na Capitania de Pernambuco.
A Guerra dos 25 anos
Entre 1574 (1580) 1585 – Nesse ínterim, num espaço de seis anos, o velho Portugal cai em
poder da Espanha, por conta do processo sucessório. Tem início o chamado período UNIÃO
IBÉRICA, com duração de sessenta anos.
O período compreendido entre 1574 a 1599 pode ser divido em dois: o 1º - o da conquista
do espaço físico para a implantação do núcleo populacional, abrangendo, de 1574 a 1585 –
as tentativas da conquista e a sua consumação; o 2º - o da consolidação definitiva daquela
conquista.
Vale lembrar que, com o estabelecimento da União Ibérica, a Linha de Tordesilhas
desapareceu, facilitando, no decorrer da saga gloriosa dos conquistadores, a ampliação do
nosso território pátrio.
Expedições Oficiais para a conquista da Paraíba
Foram cinco as expedições oficiais para a conquista da Paraíba:
Geografia e História da PB
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1ª tentativa: 1574 – Ao Governador Geral do Brasil, D. Luis de Brito, foi cometida a
incumbência, por ordem régia de D. Sebastião de Portugal, de providenciar, de imediato,
uma expedição para a conquista da Paraíba. Porém, devido a problemas administrativos da
Bahia, o governador delegou tal encargo ao Ouvidor Geral D. Fernão da Silva.
Este reuniu forças em Olinda, percorrendo, com homens a pé e a cavalo, o caminho para a
Paraíba, que estava infestado de índios. Na foz do rio Paraíba, onde se encontra hoje o
município de Cabedelo, sem ser incomodado pelos potiguares, tomou posse da terra em
nome do rei de Portugal, ordenando a lavratura oficial do feito. Um ataque de surpresa dos
índios obrigou-o, com a sua gente, a uma retirada rápida e desordenada para Itamaracá,
sem qualquer possibilidade de defesa da expedição.
2ª tentativa: 1575 – Com o malogro da primeira expedição, D. Luis de Brito resolve
cumprir pessoalmente as determinações emanadas da Coroa Portuguesa, partindo da Bahia
com uma frota numerosa e bem equipada. No entanto, as más condições de navegação
provocaram desvios de rota e de veleiros. Parte da expedição voltou ao porto de origem
com o próprio Governador Geral e a outra parte conseguiu ancorar em Pernambuco,
regressando à Bahia após alguns dias de espera.
3ª tentativa: 1582 – Em 1579, Frutuoso Barbosa, comerciante português, propõe ao então
rei Cardeal D. Henrique, elevado em decorrência da morte de D. Sebastião, em Alcácer-
Kibir, África, conquistar e colonizar a Paraíba, na condição de ser seu Governador por dez
anos, rendendo um ordenado de duzentos mil réis por ano. Posteriormente, foram-lhe
concedidas mercês nesse sentido, confirmadas por Felipe II da Espanha e I de Portugal.
Frutuoso Barbosa chega ao Brasil em 1581, aportando no Recife, porém um temporal
destroça-lhe a expedição, indo arribar na Ilha de Castela (Cuba), na América Central. Volta
Frutuoso a Portugal, conseguindo que os seus direitos sejam salvaguardados pelo novo
soberano. Retorna, pois, ao Brasil em 1582, como capitão de mar e terra, porém sem a
posse do referido título. Em Pernambuco conta com a ajuda provincial do Capitão-mor de
Olinda.
Frutuoso desloca-se para a Paraíba, com uma parte da expedição por mar sob seu
comando e outra por terra. Frutuoso chegou primeiro, sobe o rio Paraíba, atacando naus
francesas surtas próximas à Ilha da Camboa. Mas, de volta à foz do rio Paraíba, é atacado
por franco-indígenas, sofrendo séria derrota, até a chegada da parte da expedição que veio
por terra. Frutuoso pensou em construir um forte no local, mas não foi possível em vista da
assiduidade dos ataques pelos potiguara, vendo-se obrigado a retornar a Pernambuco. É de
ressaltar que nessas duas tentativas, Frutuoso perdeu esposa e filho, muitas vidas
humanas, além de recursos financeiros próprios.
4ª tentativa: 1584: - A partir de 1584, com a vinda do Ouvidor Geral do Brasil, Martim
Leitão, cognominado por Coriolano de Medeiros de “O César das Conquistas Paraibanas”, e
a vinda da esquadra de D. Diogo Flores de Valdiz, é que a conquista da Paraíba começa a
se delinear. A conquista se intensifica quando a esquadra vai a socorro do forte S. Felipe e
São Tiago (hoje Forte Velho).
Nos primeiros dias de fevereiro de 1585 chegam o cacique tabajara Braço de Peixe e o seu
irmão Assento de Pássaro com parte de sua gente, vindos das margens do rio São
Francisco, em reforço aos potiguara. Este cacique haveria de decidir os rumos da
conquista.
Surge a oportunidade quando os dois chefes indígenas dos tabajara e potiguara se
desentendem. Martim Leitão então ofereceu pazes aos tabajara, no momento em que o
cacique já se dispunha voltar para sua aldeia no São Francisco.
5ª tentativa: 1585 – As pazes foram então firmadas entre o cacique tabajara e o Juiz de
Órfãos e Escrivão da Câmara de Olinda, João Tavares. Tal honra caberia a Frutuoso
Barbosa por direito, porém este desgastado e desiludido por tudo o que aqui sofrera desde
1581 até aquele momento, declinou-a, sob protestos insistentes do Ouvidor Geral Martim
Leitão.
Geografia e História da PB
127
As pazes foram celebradas ali no Sanhauá, no dia 5 de agosto de 1585 e só no si 31 de
outubro de 1585 foi escolhido o local da nova povoação, onde hoje se encontra a Basílica
de Nossa Senhora das Neves, que sob esta invocação passou a ser denominada Cidade de
Nossa das Neves, de Sua Majestade – a 3ª cidade do Brasil.
Conquista da Paraíba sob a égide da União Ibérica
Governo de João Tavares: 1585 a 1588 – Após as pazes firmadas foram tomadas as
primeiras providências para a criação do núcleo populacional, tendo à frente o dinâmico e
incansável Ouvidor Geral Martim Leitão. Este, de imediato, tratou da construção do forte da
cidade, precavendo-se, então das ameaças e assaltos imprevisíveis dos naturais da terra,
pondo em expectativa constante e em polvorosa a população recém-chegada.
Martim Leitão neste mister chegou a empreender algumas surtidas sobre aldeias potiguara
com o objetivo de afastá-los das proximidades da cidade em construção.
De 1586 a 1587, este Ouvidor Geral do Brasil conseguiu se desdobrar entre a nascente
urbe e respectiva administração, organizando expedições de guerra contra o gentio,
constituídas pelo pessoal de governo, os “homens de qualidade” da terra, além de
mercenários, soldados e índios flecheiros, agora com o concurso dos tabajara.
Foram três os assaltos belicosos feitos por Martim Leitão e sua gente na Serra da Copaoba,
Mamanguape e Baía da Traição.
Volta Martim Leitão para Olinda nos primeiros dias de 1587. No ano anterior, fundara ele o
engenho real – o São Sebastião, em 20 de janeiro.
João Tavares é quem fica à frente do Governo da Cidade de Nossa Senhora das Neves, de
Sua Majestade, de 1585 a 1588, quando, no mês de setembro entrega o cargo a Frutuoso
Barbosa.
Cidade Felipéia de Nossa Senhora das Neves, de Sua Majestade
1588 a 1591 – Frutuoso Barbosa é quem fica à frente do Governo da Paraíba. Apesar de
bastante tumultuado, Frutuoso conseguiu realizar algumas obras significativas. Entre estas,
a mudança do nome da cidade para Cidade Felipéia de Nossa Senhora das Neves, de Sua
Majestade; o forte de Santa Catarina, em Cabedelo, como sempre fora a sua pretensão; o
forte de Inhobim, na várzea do Paraíba. Incrementou a agricultura da cana-de-açúcar,
tendo neste mister provocado a vinda de Duarte Gomes da Silveira de Pernambuco, com
toda a sua família.
Duarte da Silveira, aqui se radicando, incentivou a construção de residências, oferecendo
prêmios: para a construção de casas térreas, dez mil réis; se assobradada, vinte mil réis;
também foi o responsável pela Igreja da Misericórdia com o complexo constituído pelo
Hospital e o Cemitério, além de instituir o Morgado do Salvador do Mundo.
As Ordens Religiosas, é bom que se diga, atenderam à solicitação para aqui se
estabelecerem. Primeiro chegaram os jesuítas e os franciscanos para a catequese do gentio
e educação dos filhos dos colonos. Entre o governador Frutuoso Barbosa e as referidas
Ordens aconteceram as primeiras rixas, pertinentes à questão de jurisdição. Depois
chegaram os beneditinos e os carmelitas da Reforma. Durante todo esse período de quase
três anos de governo, os naturais da terra não lhe deram trégua, cometendo as suas
estripulias, a tal ponto de se atreverem a vir até à nascente cidade.
Governo de Feliciano Coelho de Carvalho
O período de Feliciano Coelho de Carvalho se estendeu de 1592 a 1600. No seu governo
houve a 1ª Visitação do Santo Ofício às partes do Brasil – 15 dias de graça na cidade de
Paraíba – “Era a Visitação uma inspeção periódica que por determinação do Conselho Geral
do Santo Ofício realizava um delegado seu para inquirir sobre o estado das consciências em
relação à pureza da fé e dos costumes” (...) Oferecia misericórdia aos confidentes e, ao
mesmo tempo, sob ameaças incitava os denunciantes. “Um levantamento geral do
momento dos espíritos”. Aqui foram feitas 16 denunciações, sem prisões durante os 15
dias de graça, iniciados no dia 8 de janeiro de 1595.
Geografia e História da PB
128
Em 1597 deu-se a expulsão definitiva dos franceses do nosso solo paraibano,
desassistindo, assim, os potiguara. Também houve a ajuda da Paraíba na conquista do Rio
Grande do Norte, neste mesmo ano de 1597.
Todavia, o fato mais importante do Governo de Feliciano Coelho de Carvalho foi a
Celebração das Pazes com os Potiguara, firmada na pessoa de Ibiratinin (Pau Seco) com a
autorização do seu irmão, o famoso Zorababé, em 11 de junho de 1599.
A consolidação da conquista por Feliciano Coelho de Carvalho é uma das páginas mais
emocionantes da nossa História, por ter sido consertada com o nosso colonizador, tendo
em vista a situação em que ficaram os potiguara, quase exterminados pelas guerras, pelas
guerras bacteriológicas – sarampo, gripe, varíola, febre amarela, tuberculose, etc.,
disseminadas essas epidemias pelos conquistadores; as baixas constantes, em virtude
mesmo de tais guerras, e perda do aliado francês, levando consigo navios, armas,
munições, além da estratégia de guerra e do seu incentivo permanente.
Ainda contribuiu a Paraíba – com a expedição de Pero Coelho de Sousa – para a conquista
do Ceará – 1603-1607.
As pazes definitivas para a consolidação da conquista da Paraíba foram firmadas no Forte
da Cidade de Nossa Senhora das Neves, bem ali no Varadouro.
Obras consultadas:
História da Conquista da Paraíba (Sumário das Armadas) – Col. Triênio do 4º Centenário da
Paraíba, FURNE/UFPB – Campus II, Campina Grande, 83
História Geral do Brasil – Francisco Adolfo de Varnhagen (Visconde de Porto Seguro), vol 5
História da Paraíba – Horácio de Almeida, Ed. Universitária/UFPB (2 vols.)
Brasil/Açúcar – Coleção Canavieira, nº 8, Rio de Janeiro, 72
História do Brasil – 1 vol. Comemorativo do Sesquicentenário da Independência do Brasil
(em fascículos) – Bloch Editores (4 vols.)
Grandes Personagens da nossa História (em fascículos) – Abril Cultural
A Conquista da Paraíba – J. F. de Almeida Prado, Brasiliana, vol. 321
Raízes da Formação Administrativa do Brasil – Marcos Carneiro de Mendonça (Coletânea de
Leis)
História da Civilização Portuguesa (Curso) – A .Martins Afonso – Lisboa
Formação Territorial do Brasil – Costa Porto, Curso de Direito Agrário – Col Petrônio
Portela, Brasília
Estudo do Sistema Sesmarial – Idem, UFPE
História Geral da Igreja na América Latina – Ed. Paulinas – Vozes
Cartas de Duarte Coelho a El-Rei – José Gonsalves de Mello (neto), Recife (Pe)
História da Província da Paraíba – Maximiano Lopes Machado, UFPB
Coletânea de jornais – Comemorativa da fundação da cidade de João Pessoa e do seu IV
Centenário.
···
A fala do Presidente:
Nossa expositora fez um relato sucinto, dentro do espaço de tempo que lhe foi destinado,
sobre a conquista da Paraíba. Relembrou todas as cinco tentativas de conquista da
província, contando todas as peripécias e fracassos das várias tentativas, numa das quais
Frutuoso Barbosa perdeu a esposa e um filho nas lutas contra os índio da tribo tabajara,
até que Martin Afonso de Sousa logrou, com a pacificação com os índios, implantar a
cidade.
Geografia e História da PB
129
A professora Waldice Porto considerou nossa conquista como tendo se realizado em duas
fases: a primeira, aquela das primeiras tentativas, e a segunda só alcançada quando foram
feitas as pazes com a tribo potiguara, habitantes da parte direita do rio Paraíba ao território
do Rio Grande do Norte.
Congratulo-me com a expositora pelo poder de síntese demonstrado em sua palestra, e
passarei agora a palavra ao debatedor designado, professor Guilherme d’Avila Lins.
Nosso debatedor é médico, professor da Universidade Federal da Paraíba na área de
Gastoenterologia, com um currículo bastante apreciado. Sócio do nosso Instituto, ele é o
atual presidente do Instituto Paraibano de Genealogia e Heráldica. É também um
historiador dedicado, pesquisador, e tem vários trabalhos sobre a História da Paraíba.
Com a palavra o consócio Guilherme d’Avila Lins.
···
Debatedor: GUILHERME GOMES DA SILVEIRA D’AVILA LINS (Sócio do IHGP e
presidente do IPGH)
Agradeço ao Presidente por ter me convidado para substituir a professora Rosilda Cartaxo,
que era a debatedora designada, a qual não pôde comparecer hoje a esta sessão, por
motivo justificado.
Parabenizo a consocia Waldice Porto pela análise, desde os primórdios, dos fatos que
determinaram a conquista da Paraíba. É uma tarefa bastante árdua debater esse tema,
mesmo porque sou de convicção que muitos pontos dessa conquista precisam ser revistos.
Alguns deles ainda estão inéditos.
A obra de base dessa fase é o opúsculo SUMÁRIO DAS ARMADAS, cuja autoria transitou ao
longo do tempo em torno de três nomes, mais particularmente dois, entre os quais o
padre Jerônimo Machado, inicialmente, e depois o padre Simão Travaços, defendido, diante
dessa dúvida, pelo padre Serafim Leite, um dos mais importantes historiadores da língua
portuguesa deste século, tanto para Portugal como para o Brasil. A conclusão a que ele
chegou então, segundo a qual o autor daquela crônica seria o padre Simão Travaços, foi
calcada na interpretação de uma frase do texto do SUMÁRIO DAS ARMADAS, a qual foi mal
entendida pelo padre Serafim Leite. Hoje eu não tenho dúvida que o autor do SUMÁRIO
DAS ARMADAS é o padre Jerônimo Machado.
Não resta dúvida, porém, que a obra principal sobre a conquista da Paraíba é o SUMÁRIO
DAS ARMADAS, embora ela não cubra toda a história da conquista, mas os eventos, as
situações factuais e marcantes do período decisivo da conquista estão ali.
Está fora do alcance cronológico da redação do SUMÁRIO DAS ARMADAS o Forte de
Cabedelo. Noutras palavras, o Forte de Cabedelo não existia na época em que o autor
escreveu o SUMÁRIO DAS ARMADAS. A data da redação do SUMÁRIO DAS ARMADAS é
outra incógnita muito importante porque ela cobre um período, dependendo do autor
pesquisado, que vai desde 1585 ou 87 até 1603, como quer Horácio de Almeida, embora
equivocadamente. Está hoje esclarecida esta data de redação diante de elementos de
crítica interna e externa, e esta crítica fui eu que pude desenvolvê-la. Na parte referente à
crítica externa, baseei-me em frei Vicente do Salvador, que me levou a considerar a data
da redação do SUMÁRIO DAS ARMADAS como sendo 1594.
Uma das frases mais lapidares que Varnhagen disse a respeito da Paraíba é exatamente
aquela que já foi lembrada aqui, acerca de quando Portugal teria que decidir se parava,
recuava ou avançava. A conquista da Paraíba teria que ser feita, porque daí dependeria a
conquista do Norte: Rio Grande, Ceará, Maranhão e toda a marcha para o Norte.
Desde 1574 fora criado um clima de beligerância, forçando a criação da Capitania da
Paraíba. Fala-se que foi D. Sebastião, quem produziu um documento nesse sentido, o qual
até agora não foi descoberto. Ninguém tem dúvida que houve essa criação e certamente
deve ter sido nesta mesma data (1574), como conseqüência do massacre de Tracunhaém
– nossa Guerra de Tróia, Tróia tupiniquim que ocorreu no início de 1574. Aquele
Geografia e História da PB
130
documento, entretanto, está ainda por se descobrir. A chance maior de se encontrar este
documento, ao meu ver, é na Torre do Tombo. Embora uma eficiente equipe de
professores da Universidade Federal da Paraíba tenha vasculhado, recentemente, o Arquivo
Ultramarino, não acredito que tenha encontrado por lá este documento.
Gostaria de prestar uma homenagem ao meu antecessor na cadeira que ora ocupo no
Instituto, o professor Octacílio Nóbrega de Queiroz. Foi ele quem levantou pela primeira
vez uma certa questão, com base em leitura paleográfica, argumentando que não existe o
chamado Porto da Casaria. Não havia razão para haver casaria ou casario na altura do
Varadouro das naus, no Sanhauá. É da Canária. É só ler o texto do SUMÁRIO DAS
ARMADAS. O que está escrito é Canária, e não casario ou casaria, como escreveu mal
Maximiano Lopes Machado, mas não é o autor do erro, porque ele nunca viu o texto
manuscrito do SUMÁRIO DAS ARMADAS. Quem viu esse texto manuscrito foi José Feliciano
de Castilho Barreto e Noronha, que trouxe uma cópia de Portugal para o Brasil e na revista
ÍRIS, de 1848, publicou este texto e leu erradamente casario em vez de canária. E o nome
de Porto da Canária se justifica porque era por lá que existiam umas canafístulas.
Estou trazendo para este Ciclo não realmente uma reconstituição do cenário da conquista
em si, mas trazendo fatos pertinentes ao momento da conquista e que são objetos de
investigação, os quais precisam ser submetidos à critica histórica para se reconstituir a
verdade histórica, sem o que não se pode interpretar o fenômeno histórico.
Diz-se, com freqüência, que Frutuoso Barbosa trouxe, por sua conta, quatro navios para a
conquista da Paraíba. Afirmo que o aprestamento desses navios não foi por sua conta. As
despesas iniciais foram por conta de el-Rei. O grande problema a respeito de Frutuoso
Barbosa é que ele se dispôs a fazer a conquista, como está muito claro no texto do
SUMÁRIO DAS ARMADAS, mas em nenhum momento o autor diz que foi às próprias custas
dele. Este é um erro comum que se vê nos livros de história. Basta lembrar que vinha com
ele o vigário dessa conquista com uma côngrua de 400 cruzados.
Também não foi no ano de 79, como diz o autor do SUMÁRIO DAS ARMADAS. Ele diz
textualmente: creio no ano de 79. O ano de 79 é do alvará que promete o cargo de capitão
da capitania a Frutuoso Barbosa, caso ele a conquistasse. Aquele era um momento muito
crítico para a História do Brasil e de Portugal, pois era o momento em que estava se
finando o cardeal rei naquela briga tremenda sem lança e sem bala, pelo menos no início,
para a sucessão do trono. O cardeal rei tinha um ódio tremendo a Antônio Prior do Crato,
não aceitando a Duquesa de Bragança e os candidatos externos, particularmente Felipe de
Espanha, que distribuía prodigamente, à larga mano, as suas compras de adesão aos
fidalgos que restavam de Portugal, pois os que escaparam na tragédia de Alcácer-Kibir,
porque quem não morreu, ficou falido. Diante disto, a conquista da Paraíba por mais
importante que fosse, era um fato de somenos valor no cenário da política do Reino de
Portugal. Foi por isso que Frutuoso Barbosa ficou muito tempo esperando que sua frota de
quatro navios fosse aprestada, frota essa que se compunha de um galeão e três caravelas
(uma das quais afundou na travessia).
Há outra questão a mencionar. Frutuoso Barbosa apesar de estar com o alvará desde 1579,
só saiu de Portugal em 1581, conforme deixa muito claro Joaquim Veríssimo Serrão; numa
análise perfeita ele diz que a frota saiu de Portugal na primavera de 1581, e que Frutuoso
Barbosa tinha ainda um encargo adicional além de conquistar a Paraíba. Ele também vinha
com o encargo de, de maneira persuasória, comunicar ao Governo Geral do Brasil que
deveriam o Governador Geral, todos os senhorios e todos os capitães da Coroa prestar
juramento ao novo rei de Portugal, Felipe de Espanha. Houve uma discussão muito grande
naquela época, sobre se a estratégia seria mandar uma pessoa de maior qualidade, se um
nobre, para dizer isto ao Governador Geral ou mandar uma pessoa de menor qualidade.
Estima-se que a qualidade de Frutuoso Barbosa seria sua abastança em dinheiro. Frutuoso
Barbosa nunca chegou a fazer isso por que arribou na barra do Recife e não quis entrar no
porto, ficando do lado de fora. Veio um vendaval e o levou às Índias de Castela, ou seja à
Cuba, onde, com um mastro quebrado aportou, e só não ficou preso porque as Índias de
Castela pertenciam à Espanha, assim como Portugal. Consertado o navio, ele voltou a
Portugal e no ano seguinte, 1982, veio pela segunda vez, e, pela primeira vez, entrou em
Geografia e História da PB
131
solo paraibano para a sua conquista. Aí teve uma grande decepção, com a perda de um
filho, salvando-se com a ajuda do reforço do contingente que veio por terra.
Outra questão importante é sobre o Forte do Varadouro, que é o marco inicial e definitivo
da nossa conquista. Diz-se que aquele forte é obra de um engenheiro chamado Cristóvão
Lins. Não é verdade. Quem fez o traçado do Forte foi o mestre das obras del-Rei Manoel
Fernandes. A expressão mestre das obras del-Rei corresponde a um cargo que somente o
Rei fazia a nomeação, geralmente dada a uma pessoa nobre especialista em construção
civil e militar; não se identificava, pois, com o que hoje chamamos mestre-de-obras ou
pedreiro. Este homem vinha na expedição especialmente para a construção do Forte do
Varadouro, no entanto foi registrado apenas como pedreiro.
Quem chamou Cristóvão Lins de engenheiro foi Cândido Mendes de Almeida, dando-lhe
uma conotação brasileira de dono de engenho. Cristóvão Lins foi senhor de sete engenhos,
do Cabo de Santo Agostinho até Porto Calvo, por isso que era denominado engenheiro, e
não porque fosse construtor de coisa nenhuma. Em nenhum documento histórico está
escrito que foi Cristóvão Lins que fez o traçado do Forte do Varadouro ou do Forte de
Cabedelo.
O que é mais grave é que a única vez que a palavra planta do forte é citada no SUMÁRIO
DAS ARMADAS o nome de Cristóvão Lins não está citado. Entretanto, a esse respeito existe
uma figura citada o tempo todo, que é chamado por uma série de autores como pedreiro
ou um mestre-de-obras: Manoel Fernandes. E este homem vinha, como já disse, na
expedição exclusivamente para a construção do Forte do Varadouro, e, no entanto, é
somente o “pedreiro”.
Esse assunto eu esclareço devidamente numa das notas do meu livro ainda inédito
GRAVETOS DE HISTÓRIA.
Há um vazio colonial importante no ano de 1586. O ano de 1586 foi terrível para a
colonização da Paraíba porque houve a chegada de Francisco Morales que vinha com carta
de el-Rei no sentido de ele ocupar a praça forte que haveria de se construir no lugar da que
havia sido queimada, ou seja Forte Velho (São Felipe e São Tiago). Quando ele chegou aqui
com essas cartas, chegou tarde porque o Forte do Varadouro já estava construído. Aliás a
ordem para a construção desse Forte deveria ser em Cabedelo, se as cartas tivessem
chegado a tempo a cidade começaria lá.
Morales, que era muito ganancioso, achando que seria o capitão do forte ser construído, e
como já havia um construído, resolveu ficar nele. E ficou, expulsando João Tavares, que
era capitão interino no Forte do Varadouro, nessa ocasião.
Examinemos essa situação: nenhum oficial espanhol, por conta própria e risco, iria
destituir, sob sua inteira responsabilidade, um capitão-mor e governador de um capitania
provido pelo Rei. João Tavares estava ali posto por Martim Leitão, em nome do Rei, mas
não pelo Rei. Isso também aconteceu no Forte de Cabedelo, em 1597, quando morreu o
capitão do forte, cujo nome durante muito tempo ficou desconhecido. Eu consegui levantar
esse nome: chama-se Antônio Gonçalves Manaya. Descobri esse nome através de uma
pista genealógica. Antônio Gonçalves Manaya era um preador de índios, um aventureiro,
plantava mandioca em Ipojuca. Ele veio para a Paraíba na época em que Feliciano estava
fazendo guerra aos potiguaras, a chamada Guerra Justa, e aqui ele ganhou um dinheirinho,
caindo nas graças de Feliciano Coelho de Carvalho, sendo indicado como capitão do Forte
de Cabedelo, que só foi fundado em 1589, e não em 1585 como dizem por aí. 1585 foi o
Forte do Varadouro.
Antônio Gonçalves Manaya morreu em 1597 num ataque da frota francesa com treze
navios. Ele tinha para defender o Forte de Cabedelo 20 homens e cinco canhões, conseguiu
repelir o ataque mas morreu. Como prova de reconhecimento, o governo português
concedeu o cargo de capitão de jure e herdade (cargo hereditário) à filha dele, D. Maria
Manaya, que recebeu o título Como ela não podia ser capitão, seu marido João de Matos
Cardoso assumiu o cargo, ficando como administrador do Forte de Cabedelo É o único caso
que conheço na História do Brasil de alguém passar tanto tempo (37 anos) no cargo de
Geografia e História da PB
132
capitão de um forte. Não passou mais tempo porque os holandeses entraram na Paraíba
em 1634.
Salientarei agora alguns aspectos de ganho da terra no processo da conquista. A margem
esquerda do rio Paraíba era a grande meta de Frutuoso Barbosa. Frutuoso tem sido
tachado por alguns como um mal administrador. Não creio que ela tenha sido mal
administrador. Ele previu a necessidade de expugnar a margem esquerda do rio Paraíba,
que vivia infestada de potiguaras, para poder explorar aquele lado com canaviais e com
engenhos. Até então havia pouquíssimos engenhos à margem direita do rio Paraíba. Os
dois primeiros foram Engenho Tibiri e Santo André. Entre os seus primeiros estão Tibiri de
Cima e Engenho das Barreiras. Mas o primeiro engenho que surgiu na margem esquerda só
foi possível por causa da visão de Frutuoso Barbosa em limpar a área da margem
esquerda. Para isso ele teve que construir um forte, em 1589. Era um forte de madeira,
pequeno, no estilo português da época, chamado Forte de Santa Margarida, que ficou mais
conhecido como Forte de Inhobi. Quem fala sobre esse forte, sobre o ponto de vista
documental, é Frei Manoel da Ilha, que cita o texto de uma provisão passada por Frutuoso
Barbosa aos frades franciscanos, dirigindo-se ao superior dos franciscanos da época, frei
Antônio do Campo Maior, que foi quem ajudou na construção daquele forte. Terminado
este forte, Frutuoso foi para a Ponta do Cabedelo, fazer o Forte do Cabedelo, que era o seu
grande sonho. Ele desativou previamente a Ilha da Restinga, que estava sendo ocupada e
colonizada por Manoel de Azevedo, que por conta disto perdeu a vida.
Para finalizar, quero dizer que nunca houve uma tentativa de colonização da Paraíba em
1578/1579 na Ilha da Restinga, primeiro porque seria uma falta de visão tremenda alguém
tentar fazer uma colonização numa ilha que tem uma grande parte de mangue, diminuta e
sem água; em segundo lugar, em 1578/79 nunca houve uma fortificação sequer ali. O que
aconteceu foi, quase dois séculos mais tarde, em 1700 e tantos, frei Jaboatão leu um
documento fidedigno dos franciscanos do tempo do capitão João Tavares falando da Ilha da
Restinga. Isso não significa obrigatoriamente a construção do tal forte. Quem colonizou a
Ilha da Restinga foi Manoel de Azevedo, que foi o primeiro ouvidor da capitania da Paraíba
(e só se sabe disso através das denunciações do Santo Ofício). Nesta ocasião ele já era
falecido, tendo morrido na Ilha da Restinga (por causa daquele desartilhamento) nas mãos
dos potiguaras. A Ilha da Restinga teve a princípio o nome de Ilha da Camboa, nome
devido por Manoel de Azevedo ter construído uma camboa ali, onde pescava para
abastecer a pequena Felipéia de Nossa Senhora das Neves. Quem povoou a Ilha da
Restinga foi Manoel de Azevedo e isto está muito claro na petição que sua viúva fez em
1596 a Feliciano Coelho de Carvalho, pedindo a Ilha da Restinga para oferecer como dote
de uma ou duas filhas, invocando os serviços prestados por seu marido à Coroa de
Portugal, tendo ele povoado a Ilha da Restinga. Ora, se foi ele que a povoou, como é que
houve uma povoação prévia? Aí fica claro um erro de interpretação de frei Jaboatão.
Há vários aspectos desses tempos que precisam ser revistos, mas meu tempo está
esgotado. Era isto o que eu tinha a dizer.
···
A fala do Presidente:
Na sessão de hoje tivemos focalizado um o tema A CONQUISTA DA PARAÍBA, onde a
expositora Waldice Porto e o debatedor Guilherme d’Avila Lins nos trouxeram algumas
novidades esquecidas sobre a conquista e a fundação da nossa cidade.
O historiador Guilherme d’Avila Lins demorou-se em considerações críticas sobre alguns
equívocos dos nossos historiadores a respeito de datas e fatos da sofrida e demorada
conquista da nossa província.
Ele alinhou cinco ou seis enganos históricos, muitos dos quais continuam se perpetuando
através da nossa historiografia, por falta de empenho dos estudiosos em aprofundarem
suas pesquisas em fontes primárias.
Reclamou ele não só a falta de interesse em aprofundar as pesquisas, como a dar uma
melhor interpretação aos fatos ocorridos durante nossa conquista.
Geografia e História da PB
133
Assim, considero bastante valiosa a contribuição dos participantes desta sessão, a qual dou
por encerrada, agradecendo a presença de todos.
5º Tema
A CONQUISTA DO SERTÃO PARAIBANO
Expositor: Wilson Nóbrega Seixas
A fala do Presidente:
Estamos retornando para reiniciar nosso Ciclo de Debates, e hoje apreciaremos o tema
A CONQUISTA DO SERTÃO PARAIBANO. Para compor a mesa convido o consócio
historiador Wilson Nóbrega Seixas, nosso expositor de hoje; historiador Guilherme d’Avila
Lins, presidente do Instituto Paraibano de Genealogia e Heráldica; acadêmico Joacil de
Britto Pereira, presidente da Academia Paraibana de Letras.
A pessoa indicada para tratar do tema é, sem dúvida, nosso consócio Wilson Seixas.
Apesar dele ser formado em Odontologia, dedicou-se à pesquisa histórica. É membro do
Instituto de Genealogia e Heráldica, recebeu um título de Menção Honrosa pelos relevantes
serviços prestados à cultura paraibana e nós do Instituto Histórico o consideramos o nosso
mais importante pesquisador. Entre seus trabalhos importantes vale citar O VELHO
ARRAIAL DE PIRANHAS, VIAGEM ATRAVÉS DA PROVÍNCIA DA PARAÍBA, OS PORDEUS DE
SÃO JOÃO DO RIO DO PEIXE, SANTA CASA DE MISERICÓRDIA, tudo isso elaborado em
cima de fontes primaríssimas.
Temos certeza que sua exposição de hoje nos trará novidades e a elucidação de alguns
pontos controvertidos da história da conquista do sertão paraibano.
Com a palavra o confrade Wilson Seixas.
Expositor: WILSON NÓBREGA SEIXAS (Historiador, sócio do IHGP do Instituto
Paraibano de Genealogia e Heráldica, com importantes trabalhos publicados)
Aos 21 de julho de 1962, na oportunidade em que se comemorava a passagem do
centenário da fundação da cidade de Pombal, não podíamos absolutamente deixar, na
condição de filho nascido e criado naquele tradicional burgo sertanejo, de levar a minha
modesta e espontânea contribuição ao transcurso de tão importante e significativo evento
histórico. E o fizemos, sem qualquer vaidade ou veleidade pessoal, com o lançamento do
livro O VELHO ARRAIAL DE PIRANHAS (POMBAL), no qual procuramos focalizar os
principais acontecimentos da história daquele legendário município e, aliás, o primeiro
núcleo populacional que se formou nos Sertões da Paraíba.
Para escrever aquele livro, tivemos naturalmente que nos louvar nos autores que
anteriormente trataram do assunto. Além disto, recorremos igualmente a outras fontes
primárias, inclusive aos livros de notas e do judicial, ainda existentes no Cartório “Coronel
João Queiroga”, da velha e tradicional comarca pombalense, nos quais colhemos os
elementos necessários à elaboração do trabalho em apreço.
Principiante, ainda, àquela época, nos estudos e pesquisas históricas, não podíamos
apresentar um trabalho melhor e mais aprofundado sobre as origens da comuna sertaneja,
pelo menos no que tange ao problema da conquista e colonização do interior da Paraíba,
tema sobre o qual fomos convidados a expor neste Ciclo de Debates, que, em tão boa
hora, promove a Diretoria do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, em comemoração
aos 500 anos do Descobrimento do Brasil.
A CONQUISTA DO SERTÃO
A história dos primitivos sertanistas baianos que devassaram e ocuparam os ínvios sertões
da Paraíba não está ainda convenientemente estudada. Talvez pela escassez de fontes
informativas, ou mesmo pela falta de um serviço de catalogação através do qual
pudéssemos estudar, discutir e decidir a respeito de alguns pontos duvidosos ou
desconhecidos para o estudo da historiografia regional, não possui ainda hoje – forçoso é
confessar – um trabalho completo no tocante às entradas que, em sua expansão
Geografia e História da PB
134
colonizadora, alargaram e fixaram as fronteiras de nosso Estado, desde a Capital até o
extremo oeste da Capitania da Paraíba.
Já dizia o eminente historiador cearense Capistrano de Abreu que “este fato não foi ainda
levado na devida consideração em nossa História e, entretanto, é um dos mais
interessantes de toda ela”. As entradas da Paraíba, não obstante os trabalhos de
Maximiano Lopes Machado, Irineu Jóffily, Coriolano de Medeiros, João de Lyra Tavares,
Celso Mariz, Irineu Ferreira Pinto, Horácio de Almeida, Elpídio de Almeida e tantos outros,
precisam ter a sua História. Uma História com os requisitos indispensáveis de
autenticidade, vazada nos moldes de uma segura orientação, com documentos próprios,
que, embora realmente escassos durante o período que medeia entre o final da guerra
holandesa (1654) e a Guerra dos Mascates (1710), não são todavia tão difíceis de
encontrar quanto parece ao investigador interessado na descoberta de novas
documentações, com vistas ao preenchimento de tais lacunas no conhecimento da nossa
História colonial.
Ocupado o vale do Paraíba, estreito e não muito extenso, era natural que a cultura da
cana-de-açúcar se desenvolvesse através de pequenos rios, às margens dos quais se
levantaram diversos engenhos. Ali, com efeito, se estabeleceram alguns colonos, ricos e
abastados, antes e depois das guerras holandesas.
A agricultura, aliás, começou pelo litoral, ninguém duvida, pela simples razão de que foi
nele que principiaram a conquista e o povoamento da Capitania da Paraíba.
Segundo Elias Herckmans, em sua DESCRIÇÃO GERAL DA CAPITANIA DA PARAÍBA, a
ocupação do território paraibano, na época do domínio holandês, iniciou-se no litoral e
chegou apenas a Cupaoba, região então considerada a mais afastada da zona litorânea.
Ainda de acordo com o autor, “os limites da Capitania, para o ocidente, estendia-se pelo
sertão adentro, até onde os moradores a quisessem povoar”.
Referindo-se ao assunto, Maximiano Lopes Machado, em sua HISTÓRIA DA PROVÍNCIA DA
PARAÍBA, assim escreveu:
A conquista holandesa satisfez-se com o que os portugueses tinham antes
explorado, não se animando a dar um passo mais para o Interior. Ficou onde
havíamos parado por força das circunstâncias.
Com a restauração do domínio português, na segunda metade do século XVII, é que, na
verdade, começou a penetração para o interior paraibano. E a figura de sertanista que se
impõe como o primeiro a pisar o semi-árido paraibano foi Antônio de Oliveira Ledo, o qual,
procedente da Bahia, atravessou o São Francisco e, seguindo o curso do Moxotó, um dos
principais afluentes desse rio da unidade nacional, entrou na Paraíba através do rio Sucuru
e prosseguiu pelo rio Paraíba até atingir a região do Boqueirão. Ali fundou uma aldeia que
recebeu este nome e se estabeleceu, dando os primeiros passos para o povoamento da
região do Cariri Velho.
Governava a Capitania da Paraíba Alexandre de Sousa Azevedo, que tomou posse em
1678. Ao inteirar-se das atividades colonizadoras do intrépido sertanista baiano, Azevedo
convidou Antônio de Oliveira Ledo para fazer uma entrada no sertão, em missão de
reconhecimento.
Afirma Elpídio de Almeida em sua HISTÓRIA DE CAMPINA GRANDE que
não se deixou Antônio de Oliveira Ledo estagnar-se na aldeia que acabara de
fundar. Espírito aventuroso, saiu marginando o Paraíba, passou-se para o
Taperoá, desceu a Borborema, estacionou no lugar onde se expande a
cidade de Patos.
Na verdade, foi essa a primeira entrada empreendida na Paraíba por inspiração
governamental. Fê-la o sertanista Antônio de Oliveira Ledo e, por isso, foi agraciado com o
posto de capitão de infantaria da Ordenança do sertão da Paraíba. A carta-patente foi
assinada pelo então governador geral do Brasil, Roque da Costa Barreto, a 6 de fevereiro
de 1682. Informa ainda Elpídio de Almeida:
Geografia e História da PB
135
Não há certeza quanto ao ano em que faleceu Antônio de Oliveira Ledo. É de
supor-se tenha sido em 1688, pois, nesse ano, foi criado novo posto, de
mais alta categoria, o de capitão-mor das fronteiras das Piranhas, Cariris e
Piancós dos sertões da Capitania da Paraíba, e nele provido Constantino de
Oliveira Ledo. Assinou a patente o governador geral do Brasil, Matias da
Cunha. No ano da nomeação, já haviam os tapuias se revoltado contra os
invasores de seus domínios, irrompendo a sublevação na Capitania do Rio
Grande do Norte. Passou ela à História como Guerra dos Bárbaros ou
Confederação dos Cariris.
Continua ainda Elpídio de Almeida:
Cerca de dez anos permaneceu Antônio de Oliveira Ledo no posto de capitão
das fronteiras de Piranhas e Piancó (sic). Em 1692, aparece investido no dito
posto o seu sobrinho Constantino de Oliveira Ledo.
No entanto, certidão datada de 20 de janeiro de 1710 e assinada pelo próprio capitão-mor
Teodósio de Oliveira Ledo, irmão de Constantino, documento este existente no Arquivo
Histórico e Ultramarino de Lisboa, e de cuja cópia dispomos, mostra taxativamente o
seguinte:
Certifico que, levantando-se o gentio em fevereiro de 87 (1687), em todos
estes sertões da Paraíba, e nos do Rio Grande do Norte e Ceará, matando
muita gente, e destruindo muitas fazendas de gados vacuns e cavalares, e
mais criações, queimando muitas casas, ficando senhor de todas as
fazendas, e para atalhar e castigar a Capitania que então a governava,
Antônio da Silva Barbosa, ao capitão-mor André Pereira de Moura, com um
troço de soldados a este sertão, incorporando-se com meu irmão
Constantino de Oliveira Ledo, que então ocupava o posto de capitão-mor
destes sertões, incorporados que foram, marcharam com trezentos homens
ao rio das Piranhas, onde, olhando o estrago que nas fazendas tinha feito o
gentio, se puseram a seguir uma grande trilha, e no fim de quatro dias lhe
deram alcance entre umas grandes serras, e fechadas caatingas, e
pendenciando com ele largo tempo lhe mataram sessenta e tantos homens,
com muitos feridos e algumas presas, e dos nossos também houve
bastantes feridos por cuja causa se resolveram os cabos a voltar para o
povoado, onde na volta, ao cabo de alguns dias de jornada, nos assaltou o
gentio com muito grande poder, e pendenciando com ele largo tempo nos
matou onze homens e feriu muitos, havendo nos seus também bastante
estrago em toda esta jornada que será de cento e tantas léguas;
acompanhou esta tropa o licenciado Francisco Ferreira, sacerdote do hábito
de São Pedro, assistindo aos enfermos, e aos valentes com os sacramentos
necessários, esforçando a uns com valor e animando a outros com a boa
doutrina, atalhando a muitas discórdias, o que tudo fez de seu bom zelo sem
ser obrigado de pessoa alguma, nem de interesse algum que da Real
Fazenda tivesse, com que o julgo digno de toda honra e mercê, que Sua Real
Majestade fosse servido fazer-lhe; faça todo o referido na verdade e o juro
aos Santos Evangelhos e, por me ser pedida a presente, passei por mim
assinada, e com o selo de minhas armas, de que uso. Sertão dos Cariris, 20
de janeiro de 710 anos. Teodósio de Oliveira Ledo.
Como se vê, este importantíssimo documento coevo põe por terra, de uma vez por todas,
as afirmativas daqueles dois ilustres historiadores paraibanos, que, no entanto, continuam
a merecer todo o nosso respeito e consideração, pelos relevantes serviços que prestaram à
Historiografia paraibana.
Sabemos que Constantino de Oliveira Ledo teve destacada e decisiva atuação na luta
contra os índios tapuias de todos os sertões da Paraíba. Numa das pelejas ia perdendo a
vida. Salvou-o do perigo o mestre de campo Domingos Jorge Velho, “que o achou metido
numa cerca, atacado por uma infinidade de tapuias, matando muitos deles”.
Geografia e História da PB
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Constantino de Oliveira Ledo faleceu em começos de 1694. Com sua morte, não foi o posto
de capitão-mor das fronteiras das Piranhas, Cariris e Piancó modificado ou abolido. Passou
a exercê-lo um irmão de Constantino, Teodósio de Oliveira Ledo, de cujos feitos e
personalidade trataremos mais adiante.
A pesquisa que realizamos anos atrás, nos arquivos do Departamento de História da antiga
Faculdade de Filosofia da Universidade Federal da Paraíba, a que tivemos acesso graças à
gentileza e prestimosidade do ilustre professor José Pedro Nicodemos, então chefe do
Departamento de História daquela conceituada escola do Ensino Superior da Paraíba, nos
permitiu proceder à leitura paleográfica de uma infinidade de documentos e cópias
xerográficas extraídas dos manuscritos do Arquivo Histórico Ultramarino, em Lisboa.
Nesses documentos, encontramos o registro de uma carta do capitão-mor Teodósio de
Oliveira Ledo, escrita de próprio punho, e datada de 06 de agosto de 1698, e dirigida ao
governador da Capitania da Paraíba, Manuel Soares de Albergaria. Nessa carta, Teodósio
relatava a sua viagem ao sertão da Paraíba e a vitória (e o bom sucesso) obtida na
campanha contra os índios tapuias, que ainda remanesciam no hinterland paraibano, e que
não se conformavam em ver suas terras invadidas e ocupadas por elementos estranhos
aos seus costumes e padrões de vida.
De quantos autores temos lido sobre o episódio da conquista e desbravamento do território
sertanejo paraibano, apenas em Irineu Jóffily, nas NOTAS SOBRE A PARAÍBA, encontramos
o registro de uma carta enviada ao rei de Portugal e datada de 14 de maio de 1699, na
qual o governador da Capitania da Paraíba, Manuel Soares de Albergaria, informou a Sua
Majestade ter mandado ao sertão uma entrada, a fim de promover o povoamento dos
sertões daquele distrito, “(...) despovoados das invasoens e de estrago que os annos
passados, fizerão nelles o gentio Tapuya (...)”. Coube o comando dessa entrada ao capitão-
mor Teodósio de Oliveira Ledo, a quem o mesmo governador incumbiu inclusive de fundar
no sertão das Piranhas um arraial, que servisse de segurança e tranqüilidade aos
moradores, em qualquer emergência.
Aquela carta a que se refere Irineu Jóffily, transcreveu-a Irineu Ferreira Pinto em seu livro
DATAS E NOTAS PARA A HISTÓRIA DA PARAÍBA, sem fazer qualquer comentário a
respeito, parecendo que o referido autor já tivesse conhecimento dessa carta a que
acrescentou outro documento, que não era nem mais nem menos do que a que escrevera
Teodósio de Oliveira Ledo. Carta, aliás, que escapou naturalmente na cópia de que se
serviu o consagrado historiador campinense.
Uma análise interpretativa nos permite esclarecer algumas dúvidas que ainda hoje pairam
a respeito das nossas entradas a que seguiu a permanência do intrépido sertanista, o
descobridor de nossas terras, que também procurava, nas longínquas paragens,
estabelecer os seus currais de gado, visando ao aumento dos dízimos à Fazenda Real, para
fazer face às despesas decorrentes com os gastos aplicados nos mais diversos pontos do
território da Capitania da Paraíba.
TEODÓSIO DE OLIVEIRA LEDO
Ao nosso ver, foi Teodósio de Oliveira Ledo o pioneiro do entradismo paraibano e, sem
dúvida alguma, também, o primeiro a estabelecer um elo de comunicação territorial,
ligando a nossa capital ao extremo oeste do nosso Estado.
Teodósio, procedente da Bahia ou das margens do São Francisco, não chegou sozinho aos
sertões da Paraíba. Veio nas últimas décadas do século XVII na companhia de Custódio de
Oliveira Ledo, seu pai, e na de Constantino de Oliveira Ledo, seu irmão, a quem viria
substituir em 1694, no posto de capitão-mor das Piranhas, Cariris e Piancós, conforme
carta-patente de 3 de novembro daquele ano, assinada pelo governador geral do Brasil,
dom João de Lencastre, que o fazia em consideração a seus merecimentos e qualidades
militares, além da experiência que tinha na guerra e nos sertões.
A carta-patente pela qual fora nomeado para o dito posto estava expressa nos seguintes
termos:
Geografia e História da PB
137
Porquanto pelo falecimento de Constantino de Oliveira (Ledo) ficou vago o
posto de capitão-mor das fronteiras das Piranhas, Cariris e Piancós, e
convém ao serviço de Sua Majestade a conservação dos moradores de todo
aquele Sertão e seus distritos provê-lo em pessoas de grande valor, prática
militar e experiência da guerra dos bárbaros e sertões, concorreram todas
essas qualidades e suposições na de Teodósio de Oliveira Ledo, irmão do
mesmo Constantino de Oliveira Ledo (...) hei por bem de o eleger e nomear
capitão-mor do dito sertão e distritos das Piranhas, Cariris e Piancós, de que
o hei por metido de posse e com ele haverá as honras, graças, franquesas,
privilégios e jurisdição que tinha o dito Constantino de Oliveira, seu irmão, e
costumam ter todos os capitães-mores fronteiros aos bárbaros. Pelo que
ordeno ao capitão-mor da Capitania da Paraíba o tenha assim entendido e
lhe faça dar o juramento na Câmara da cidade.
Saindo da Bahia, após receber sua carta-patente, naquele mesmo ano de 1694, Teodósio
de Oliveira Ledo dirigiu-se à cidade da Paraíba a fim de se apresentar ao governador da
Capitania e, ao mesmo tempo, registrar na Câmara a patente de capitão-mor das Piranhas,
Cariris e Piancós.
Depois de visitar o governador Manuel Nunes Leitão, a fim de apresentar e registrar esses
documentos, Teodósio foi aos sertões e regressou à Capital várias vezes, sendo que, em
1695, voltou à cidade da Paraíba a fim de entregar a esse mesmo governador as cartas de
dom João de Lencastre, governador geral do Brasil.
De acordo com Maximiano Lopes Machado, em sua HISTÓRIA DA PROVÍNCIA DA PARAÍBA,
em 1697, quando apenas inaugurava seu governo, Manuel Soares de Albergaria, apareceu-
lhe Teodósio de Oliveira Ledo (no princípio de dezembro daquele mesmo ano de 1697) e o
informava sobre a situação precária do sertão da Paraíba, principalmente na região do
Piancó, pedindo-lhe então providências contra a devastação que faziam os índios tapuias
nas propriedades e gados dos moradores. “E sendo preciso garanti-los e fomentar a
indústria pastoril já tão desenvolvida, requeria em nome deles que os auxiliasse com
alguma gente de guerra e munições, lembrando-lhe a necessidade da fundação de um
arraial em Piranhas, que o servisse de ponto de apoio nos moradores em qualquer
emergência”.
Podemos acrescentar que o governador Manuel Soares de Albergaria, atendendo ao pedido
de Teodósio, deu-lhe razoavelmente tudo aquilo de que necessitava para o
empreendimento, consistindo em 40 índios cariris, 16 índios mansos retirados das aldeias e
10 soldados. Além disto, o governador da Capitania lhe forneceu 4 arrobas de pólvora e
balas, 40 alqueires de farinha e carnes para a viagem.
Conforme divulgou o jornal O NORTE, em sua edição de 1º de outubro de 1997, através de
entrevista por nós concedida ao ilustre pesquisador, jornalista e editor Evandro Nóbrega, o
entradista Teodósio de Oliveira Ledo e seus comandados partiram da Capital rumo ao
interior “nos primeiros dias de janeiro do ano de 1698”, indo com ele também um religioso
de Santo Antônio, encarregado da conversão do gentio. Enfrentando muitas dificuldades,
ele chegou ao arraial de Pau Ferrado nos primeiros de abril daquele mesmo ano. Portanto,
da Capital até chegar ao arraial de Pau Ferrado, havia decorrido cerca de 90 dias. Após três
dias de sua chegada, veio-lhe um aviso de seus índios, no sentido de que, a três léguas do
arraial, encontravam-se 30 ou 40 tapuias bravos, os quais desejavam fazer as pazes,
pedindo-lhe também socorro contra outros inimigos.
Teodósio aceitou fazer as pazes com esses indígenas bravios, com a obrigação de que
deixassem conduzir suas mulheres para o arraial, debaixo de armas. E, daí a 23 dias,
chegaram esses índios, com todo o seu mulherio, ao arraial. Feito isto, Teodósio marchou
para novos combates, em companhia de todo o seu gentio e mais os índios com os quais
acabava de concertar a paz. Assim, depois de muitas horas de viagem, a pé e a cavalo, de
noite e de dia, alcançara essa aldeia de índios Coremas, os quais lhe disseram, através de
línguas, que queriam ser leais e amigos del-rei. Isto, como vimos, lhes foi concedido pelo
guerreiro branco.
Geografia e História da PB
138
Feitas as pazes com os Curemas, o incansável sertanista Teodósio seguiu com seu gentio e
alimárias, armas e tudo o mais, para novas investidas, contra os indígenas inimigos. Ao
cabo de 18 dias, chegou ele
a uma planta do inimigo, de onde se havia retirado, pondo-me em seu
seguimento. Dali a seis dias, me vieram novas dos descobridores (os
sapadores), isto é, aqueles que iam adiante para fazer o reconhecimento do
terreno) em como o inimigo tinha voltado do rumo em que ia a outro mais
vizinho a mim. Marchei com todo cuidado e o outro dia pelas oito horas da
tarde, estando alojado no rio chamado Apodi, me vieram novas dos
descobridores, tinha chegado a um rancho donde se havia levantado o
inimigo aquela manhã; na mesma hora, me pus em marcha e cheguei pelas
oito horas da noite ao dito rancho e dali, mandando descobrir coisa de légua
e meia, estando alojados, vizinhando mais a eles, deixei ficar as munições
com dez homens de sua guarda, e ao romper do dia dei sobre eles com toda
disposição possível, tendo-me ele o encontro com valor, porém quis Deus
que desse V. S. o quanto de alcançar a vitória, durando a peleja até as 9
horas do dia, e ela acabada se acharem, da parte do inimigo, 32 mortos e
72 presas, e muita quantidade de feridos e, da nossa parte, não perigou
nenhum, e se me feriram seis homens; e das presas mandei matar muitas,
por serem incapazes; e só digo que, em o dia de Santa Justa e Rufina, em
uma quinta-feira, vencem V. S. duas batalhas, esta de presente referida e as
pazes que aqui se confirmaram, pelos inimizar com as mais nações; e hoje
não lhe fica lugar buscarem por amigos, mais que aos brancos; e, ao depois
de toda a batalha, vindo-me retirando, com três dias de viagem, me vieram
seguindo os inimigos e andando o meu gentio à caça, pela necessidade em
que vinha apanhando, os fora do troféu me mataram quatro homens que
quis me por em seu seguimento, não foi possível por vir falto de
mantimentos e somente lhe dei uma avançada, em que lhe feri alguns
homens. E a 27 de julho cheguei a este arraial (Pinhancó, isto é, Piancó). Ao
ajudante Manoel da Câmara, entreguei os quintos de El-Rei meu Senhor e
ele fará a entrega a V. S. E aqui fico nesta campanha para o que V. S. me
ordenar, a quem Deus guarde. Pinhancó (Piancó) de agosto 6 de 698 anos.
Humilde soldado de V. S. Teodósio de Oliveira.
Portanto, muitos dias e léguas depois de Teodósio ter alcançado o interior, após deixar a
capital, seus descobridores toparam-se com a indiada raivosa e Teodósio deu sobre eles
com todo vigor. A vitória, como disse, demorou cerca de nove horas, tão renhido era o
combate. Mas, acalmada as coisas, mandou executar alguns dos 72 prisioneiros indígenas,
por considerá-los “inválidos”.
Esses e outros sucessos foram relatados por Teodósio ao governador Albergaria, através de
carta datada de 6 de agosto de 1698. E disto tudo o Conselho Ultramarino de Lisboa, órgão
político e administrativo da Coroa portuguesa, somente tomou conhecimento através da
carta que enviou ao rei de Portugal o governador Albergaria, em data de 14 de maio de
1699. O Conselho Ultramarino, sob a presidência do Conde Alvor, deu parecer, endereçado
ao rei, em 3 de setembro de 1699, sendo o despacho do rei no dia 11 de setembro do
mesmo ano. O despacho do Conselho inclusive censurou acerbamente o procedimento de
Teodósio por haver mandado executar os indígenas.
Ainda sobre tudo isto, pode-se dizer o seguinte. Não se limitara o governador Albergaria
apenas ao envio de sua carta a el-rei. Juntou a esta a carta que recebera do capitão-mor
Teodósio de Oliveira Ledo, na qual contava o bom sucesso que ele tivera na guerra contra
os tapuias que vinham hostilizando os moradores dos sertões das Piranhas e que em
nenhuma parte se davam seguros de seus ataques e perseguições. O Conselho
Ultramarino, na época, declarou que está Sua Majestade “muito grato ao bom sucesso que
teve na campanha contra os índios, nossos inimigos”, estranhando entretanto o modo pelo
qual o capitão-mor Teodósio de Oliveira Ledo tratou “os infelizes tapuias que tomou na
Geografia e História da PB
139
guerra, não tripudiando a matar muitos deles a sangue frio”, porque os julgara incapazes
do serviço de Sua Majestade.
Acrescentava ainda o Conselho Ultramarino que o mau exemplo que se dava na guerra
podia comprometer o problema da paz para o qual estava empenhado el-rei, a fim de que
os sertões se tornassem a povoar de moradores, no sentido de desenvolver a indústria
pastoril e a lavoura. Entendia o Conselho, outrossim, através da Carta Régia de 16 de
dezembro de 1699, que outro deveria ser o tratamento dispensado aos tapuias, de sorte
que o procedimento do capitão-mor Teodósio era digno de uma exemplar castigo. Com
relação ao novo arraial a ser fundado, era o Conselho de parecer que se deveria aprovar a
iniciativa, “o que nesta parte assentou, pois se entende que se escolheria o que tivesse por
mais conveniente”.
Outra coisa que devemos ressaltar nesse documento histórico assinado por Teodósio de
Oliveira Ledo é que se pode comprovar definitivamente aquilo de que já se desconfiava há
muito: o Piancó histórico não corresponde nem de longe ao município ou cidade de Piancó
atual. Piancó era toda a área que logo depois seria polarizada pela povoação que tinha o
mesmo nome e que mais tarde viria a ser a vila e, ainda depois, cidade de Pombal.
O topônimo Piancó, como se vê, não se refere apenas ao nome do rio. É também o nome
oficial da terra. Não se justifica a afirmativa do ilustre historiador Coriolano de Medeiros,
atribuindo ao coronel Manuel de Araújo Carvalho a fundação do atual município do Piancó.
No tempo da ocupação e povoamento do semi-árido paraibano, não foi o município que
tem hoje este nome o teatro das façanhas do capitão-mor Teodósio de Oliveira Ledo, bem
como do coronel Araújo, mas o antigo arraial cujo nome era Piancó, que depois se chamou
povoação de Nossa Senhora do Bom Sucesso de Piancó e, finalmente, vila e cidade de
Pombal.
O Piancó foi, na verdade, a primeira localidade batizada oficialmente com a categoria de
povoação. A jurisdição desta povoação abrangia todo o sertão das Piranhas, cujos limites
se estendiam desde o sertão do Cariri Velho, na Paraíba, até a vila do Icó e o sertão do
Jaguaribe, no Ceará; desde o sertão do Pajeú, em Pernambuco, até o vale do Jucurutu, no
Rio Grande do Norte. Era muito vasto o território da antiga povoação do Piancó, como se
vê do documento que abaixo transcrevemos, extraído do acervo do Arquivo Histórico
Ultramarino de Lisboa, o qual traz a divisão e limites da antiga povoação do Piancó, bem
como seus distritos, extremas e compreensão:
Esta povoação se divide, pela parte do nascente, com o sertão do Cariri, cuja
divisão lhe faz a serra chamada Borborema, e, da parte do poente, com o
sertão do Jaguaribe e vila do Icó, e tem de distância, de uma a outra
extrema, pouco mais ou menos cinqüenta léguas; ficando-lhe no meio, com
pouca diferença, a dita Povoação de que se trata, por detrás da qual, da
parte do poente, corre o rio chamado Piancó, que tem seu nascimento na
mesma serra da Borborema, e em distância de meia légua, abaixo da
povoação, se une com o rio Piranhas, o qual também nasce na serra da
Borborema, e corre buscando quase o nascente, e faz barra no mar, donde
lhe chama Açu, distrito do Rio Grande, cidade do Natal, cuja Capitania se
divide do distrito dessa povoação em uma fazenda de gados, à beira do rio
Piranhas, chamada Jucurutu, da qual a esta Povoação distam vinte e cinco
léguas, e da mesma Povoação, buscando o sul, pelo rio Piancó acima, até o
sertão do Pajeú, nessa mesma ribeira, em distância de trinta léguas,
extrema o distrito desta mesma Povoação, capitania da cidade da Paraíba,
com a capitania de Pernambuco. Na compreensão deste distrito, correm
vários riachos, abundantes de água pelo inverno, a saber: rio do Peixe,
Espinharas, Sabugi, Seridó e Riacho dos Porcos, que são os principais, e
nenhum destes é navegável, porque, pelo verão, secam tanto, que só
conservam poços em alguns lugares, e em outros apenas águas de
cacimbas. Nenhum desses riachos tem nascimento porque só se fertilizam,
para correr, com águas de chuvas, e correndo, vão todos desaguar no rio
acima dito, Piranhas.
Geografia e História da PB
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Crescia consideravelmente a povoação do Piancó. Novos colonos apareceram, vindos de
todos os quadrantes, adquirindo terras para a criação de gado. E, como sucede em tais
ocasiões, à terra conquistada afluía grande porção de gente desocupada e desordeira,
avultando o número de crimes e a corrupção de costumes, sendo por isto necessária a
instituição de um Julgado, com jurisdição civil e criminal em todo o território da povoação.
O então governador da Paraíba, João da Maia da Gama, em carta dirigida a Sua Majestade,
em 1710, informava que os sertões desta Capitania “achavão-se muito povoados de gente,
fazendas de gado, e entre muitos sítios se acha o das Piranhas, Pahó e Careris, com
povoação, capela e capelão, que lhe administra os sacramentos; distão esses logares
cincoenta, sessenta e oitenta légoas desta praça (...)”.
Pedia o governador então a el-rei que fossem criados dois Julgados nos sertões da Paraíba.
Para o Julgado do Piancó foi nomeado juiz, pelo governador da Paraíba já citado, João da
Maia da Gama (que tomou posse em 1708), o coronel Manuel de Araújo Carvalho,
empossado no cargo em 1711. O Cartório do 1º Ofício da Comarca de Pombal não possui o
primeiro Livro de Notas do Julgado de Piancó (1711). Tem o segundo, o de 1719, quando o
juiz ordinário não era mais o coronel Araújo.
O coronel Araújo era casado com a paraibana Ana da Fonseca Gondim. Deste casal
nasceram dois filhos, um dos quais, Manuel de Araújo de Carvalho Gondim, formou-se em
cânones pela Universidade de Coimbra, e, quando regressou ao Brasil, foi nomeado deão
da catedral de Olinda.
Não se sabe quanto tempo demorou o coronel Araújo nos sertões da Paraíba. Certo é que,
depois de concluída sua administração à frente do Julgado de Piancó, foi residir no rio do
Peixe, onde possuía duas propriedades, denominadas Olho d’Água e Brejo, adquiridas por
arrendamento à Casa da Torre da Bahia.
Como já tivemos oportunidade de comentar, noutro trabalho, podemos afirmar, sem medo
de contestação, que, antes de uma entrada genuinamente paraibana, partindo do litoral e
percorrendo a região que vai desde a foz do Paraíba aos contrafortes de Santa Cantarina e
Bongá (no extremo oeste do nosso território), os campos dos jenipapos, coremas, panatis,
pegas e icós pequenos já estavam devassados pela famosa Casa da Torre.
Foi ela sem dúvida quem primeiro abriu caminho nos descampados e acidentes da terra
ignorada e misteriosa. Foi ela a primeira também a ocupar as terras do Piancó, Piranhas de
Cima e Rio do Peixe, a partir de 1674, quando o coronel Francisco Dias d’Ávila, transpondo
o rio São Francisco, subiu o seu afluente Pajeú, daí se comunicando com a bacia do
Piranhas, na Paraíba.
Outra via de penetração da Casa da Torre teve como princípio a estrada de comunicação
ligando a Bahia à região do Piauí, e foi justamente aquela em que o coronel d’Ávila,
margeando o rio São Francisco, seguiu a direção norte até chegar ao distrito de Jacobina,
aliás uma das passagens mais freqüentadas por antigos sertanistas, que se comunicavam
com aqueles dois Estados. Por ali é que se abria entrada para a descida do gado dos
sertões piauienses para a Bahia, empresa que contou, além da Casa da Torre, com a ajuda
do sertanista Domingos Afonso Sertão, missionários e índios de Juazeiro e Pontal.
Partindo dos sertões do Piauí, tomou a Casa da Torre rumo oposto às suas primeiras
expedições e, imprimindo outro roteiro, atravessou a chapada do Araripe, descendo o rio
Salgado até chegar ao Icó, daí se comunicando com as Piranhas de Cima e Rio do Peixe.
Foi certamente uma das rotas de penetração da Casa da Torre, por onde, durante anos,
importante parte do território paraibano começou a receber as primeiras sementes de gado
com que se fundaram as primeiras fazendas e currais.
Foi a fazenda de gado que realmente fixou o homem no sertão da Paraíba, enquanto
determinava a política de desbravamento e penetração do progresso “ao coração da terra”,
afastando o colonizador da beira do mar, deixando de arranhar as praias feito caranguejo,
na pitoresca comparação de frei Vicente de Salvador.
O novo homem paraibano, surgido dos escombros das guerras holandesas, em 1654,
sentia-se “um povo e um povo de heróis”, mas estava economicamente acabado. Enquanto
Geografia e História da PB
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muitos recompunham, como antigos senhores de engenhos que eram, as suas fábricas de
açúcar e começaram a levantar os canaviais na várzea do Paraíba, outros, os mais
modestos, porém mais afoitos, optaram pela pecuária, levando o gado para o sertão,
estabelecendo aí a criação, embora que tivessem daí por diante de sustentar lutas terríveis
com os índios tapuias, que se julgavam, e eram de fato, os legítimos e possuidores das
ricas terras do sertão paraibano.
Segundo Nelson Werneck Sodré, “foi a criação de gado que nos deu a segunda dimensão
da terra brasileira”. E Tereza Patrone acrescenta que foi a pecuária que deu ao homem
colonial a noção do valor econômico das áreas que não apresentavam riquezas minerais e
que não se prestavam para outras atividades comerciais.
Havia no lado baiano do rio São Francisco a opulenta Casa da Torre, fundada por Garcia
d’Ávila, e que se tornou com o tempo o maior feudo do Nordeste, e tinha como principal
objetivo a criação de gado, de que possuía extensíssimas fazendas. A Casa da Torre, seu
imenso Castelo, “único em tipo inteiramente feudal, desde o espírito à construção, em
terras brasileiras, até hoje deixa ainda ver as suas ruínas, seus calabouços, suas ameias
destroçadas, como símbolo de um passado que ainda pesa”, no dizer de Pedro Calmon.
Capistrano de Abreu diz bem que as terras dos Dias d’Ávila cobriam mais de 70 léguas
entre São Francisco e Parnaíba. Todavia, carece de fundamento a afirmativa do grande
mestre de CAMINHOS ANTIGOS E POVOAMENTO DO BRASIL, quando assegurava que a
Casa da Torre, “para adquirir as imensas propriedades, gastara apenas papel e tinta em
requerimento de sesmarias”. Pedimos vênia para discordar do eminente historiador
brasileiro. Se realmente alguns dos representantes da Casa da Torre preferiam viver perto
de seus engenhos e no aconchego e comodismo do Recôncavo, outros, os mais destemidos
e afoitos, optaram pelo trabalho da conquista, varando os sertões desconhecidos e
misteriosos, com o objetivo de aumentar cada vez mais seus domínios territoriais.
Sobre o assunto, cremos que melhor informado andou o autor de BANDEIRANTES E
SERTANISTAS BAIANOS, Borges de Barros, que, referindo-se ao coronel Francisco Dias
d’Ávila, o segundo deste nome, disse que não foi este, como querem alguns historiadores,
“um inerte, que vivia na capital, a auferir as rendas dos bens deixados pelo avô”. E, ainda
em abono da verdade, tomemos o depoimento do padre Martim de Nantes, missionário
capuchinho e evangelizador dos índios cariris, quando, escrevendo sua preciosa obra
RÉLATION SUCCINTE, afirmou que o sertanista baiano Francisco Dias d’Ávila, durante um
encontro que com este mantivera no rio São Francisco, lhe declarou que se achava ausente
da Casa da Torre há mais de quatro anos. Ou, no original francês:
J’ai éte absent de ma Maison de la Torre près de quatre ans, vivant sur le
fleuve avec beaucoup d’incommodit.
O coronel Francisco Dias d’Ávila morrera em 1695, quando as suas terras, com gadaria, se
espalhavam até Jeremoabo, Inhanbupe, Itapicuru, Juazeiro, rio Salitre e Jacobina,
seguindo até as nascentes do rio Real. Um mundo que já começava penetrando os sertões
de Pernambuco, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba. No tempo da conquista dos
sertões paraibanos, era o coronel Francisco Dias d’Ávila a maior figura representativa da
Casa da Torre, não obstante o barão de Studart lhe ter deformado um pouco a
personalidade. Dele dizia Studart, preconceituosamente:
Era realmente pequeno de alma e de corpo. O interesse nele excedia ao
físico, que era de acanhadas proporções.
Era um homem riquíssimo para a época em que viveu. Com sua morte, sua esposa, dona
Leonor Pereira Marinho, é que assume a responsabilidade dos negócios da Casa da Torre.
Enquanto pôde, sustentou os ilimitados domínios territoriais pertencentes à instituição. Foi
ela quem obrigou, certa vez, ao governador geral do Brasil, dom Rodrigo da Costa, a
declarar ao cabo de guerra dos paulistas, Morais Navarro, que lhe pertenciam “os distritos
do Piancó, Piranhas, Rio do Peixe, Açu e Jaguaribe e seus sertões varejados e descobertos
à custa da Casa da Torre”.
Geografia e História da PB
142
A Casa da Torre, graças ao regime latifundiário que instituíra no Nordeste brasileiro,
detivera em suas mãos quase um terço das terras do sertão da Paraíba. Era sesmeira no
Piancó, Piranhas de Cima e Rio do Peixe. No Livro de Notas do Cartório de Pombal,
encontramos diversas escrituras públicas, relativas aos domínios territoriais da Casa da
Torre, também conhecida como Casa de Tatuapara. A escritura de arrendamento que
fizera, em 1702, o capitão-mor Teodósio de Oliveira Ledo, de 16 propriedades situadas no
rio do Peixe e pertencentes à Casa da Torre, prova o marco de sua expansão povoadora no
sertão da Paraíba.
Ainda a propósito do arrendamento de propriedades pertencentes à Casa da Torre,
propriedades espalhadas pelo rio do Peixe, somente Teodósio de Oliveira Ledo, um dos
primeiros colonos a pisar o solo da ribeira do Rio do Peixe, arrendou, de uma vez, em
1702, como se vê, cerca de 16 delas, como ele mesmo declara naquele documento
transcrito no mesmo Cartório:
Digo eu, capitão-mor Teodósio de Oliveira Ledo, que ocupo dezesseis
propriedades da senhora Leonor Pereira Marinho, no riacho do Peixe,
vertente do rio das Piranhas; por assim ser verdade e me ser pedido passei
esta por mim feita e assinada, de junho 26 de 1702.
Quatro anos depois, arrendava mais 12 propriedades, conforme o documento:
digo eu, capitão-mor Teodósio de Oliveira Ledo, que arrendei à senhora
Leonor Pereira Marinho, doze sítios de terra, sitos no rio do Peixe, com todos
seus logradouros e pertences, para neles criar meus gados e demais colonos,
dos quais sítios pagarei por cada um deles todos os anos um frango; este
arrendamento me concede a dita senhora, enquanto Deus me fizer mercê da
vida, e depois desta tornarão meus herdeiros a restituir à dita senhora ou a
seus herdeiros, sem contradição alguma.
Leonor Pereira Marinho, à época daqueles arrendamentos, já estava viúva do coronel
Francisco Dias d’Ávila, o segundo deste nome e o quarto senhor e morgado da Casa da
Torre. Era ele o mais intrépido sertanista, dentre os descendentes do velho Garcia d’Ávila,
fundador da Casa de Tatuapara. Foi ele, ainda, quem aumentou os imensos domínios da
Casa da Torre, com as sesmarias no estremo oeste da Paraíba.
Por outro lado, diz-se também que teria sido Teodósio o fundador de Campina Grande. A
carta do governador Albergaria a el-rei, no entanto, trouxe informes mais precisos sobre o
assunto. O governador, na missiva, refere-se ao pedido de Teodósio de marchar
novamente rumo ao interior, para criar um arraial mais seguro. Foi justamente nessa vinda
à capital da Paraíba que Teodósio lhe trouxe informes sobre o famoso troço ou
ajuntamento que tapuias chamados de “ariús”, aldeados, sob o chefe Cavalcanti, junto com
os cariris, numa “campina grande” que deu nome à atual cidade e município. Veja-se, a
propósito, o trecho da carta do governador Albergaria sobre este ponto:
Trouxe consigo, Senhor, uma nação de Tapuias chamados Arius, que estão
aldeados junto aos cariris, aonde chamam campina grande, e querem viver
como vassalos de V. Majde. E reduzirem-se à nossa Santa Fé Católica, dos
quais é principal um Tapuia de muito boa traça e muito fiel, segundo o que
até o presente tem mostrado, chamado Cavalcanti, os quais foram com o
dito capitão-mor e 40 cariris e 16 índios, que tirei das aldeias e dez soldados
desta praça.
A carta de Teodósio a Albergaria analisada demonstra que Teodósio tinha certos
conhecimentos, a qual passo a ler:
Sr. Governador:
A minha vontade era aquela de dar a V. S. do sucedido mais breve, o que não tenho feito
pelo tempo mo não permitir, como também pelo longo desta Campanha, o que de presente
faço de todo sucedido.
Geografia e História da PB
143
Em primeiro lugar para dessa cidade com o adjutório de V. S. vindo rompendo esta
Campanha com muita moléstia por causa das grandes investidas, passando muitas
necessidades e misérias de fomes; porém com o favor de Deus cheguei contudo a salvo e
em paz a este arraial de pau ferrado, nos primeiros de abril e dali há 9 dias de minha
chegada me veio um aviso do meu gentio, que distante do arraial três léguas estavam em
como com eles se haviam encontrado trinta ou quarenta tapuias brabos, que me vinham a
buscar de paz e que em toda caso os socorresse pelo receio que tinham de que lhe
sucedesse algum dano, o que fiz logo com a maior parte da gente ficando o arraial
guarnecido com dezesseis homens. Com um cabo e com todo o cuidado me pus em
viagem, pelas oito horas da noite e cheguei aonde estava o meu gentio, e outro dia pelas
dez horas do dia chegaram os brabos, que eram de uma aldeia chamada corema a pedir-
me pazes dizendo que queriam ser leais a El Rei meu senhor; e lhas concedi com ditames
de procederem contra os nossos inimigos e com obrigação de conduzirem o seu mulherio
para o arraial de baixo das armas; aceitaram o partido e com este pressuposto se foram; e
daí a 23 dias chegaram com todo o seu mulherio ao dito arraial e daí a mais breve que
pude dando tempo lugar me pus em marcha para a guerra com todo nosso índio também
os das pazes, rompendo a Campanha com muita moléstia pelos mais convenientes de dar
no inimigo sem ser sentido e acabo de 18 dias cheguei a uma planta do inimigo, de onde
se havia retirado pondo-me em seu segmento; daí há seis dias me vieram novas dos
descobridores em como o inimigo tinha voltado do rumo em que ia a outro mais vizinho a
mim. Marchei com todo cuidado e outro dia pelas cinco horas da tarde estando alojado em
o rio chamado Apodi me vieram novas dos descobridores, tinham chegado a um rancho
donde se havia levantado o inimigo naquela manhã. Na mesma hora me pus em marcha e
cheguei pelas 8 horas da noite ao dito rancho e daí mandando descobrir coisa de légua e
meia, estavam alojados vizinhando-me mais a ele deixei ficar as munições com dez
homens de sua guarda e ao romper do dia dei sobre ele, com toda a disposição possível
tendo-me ele o encontro com valor porém quis Deus que dessa a V. S. o quanto de
alcançar a vitória durante a peleja até às 9 horas do dia, e ela acabada se acharam da
parte do inimigo trinta e dois mortos e setenta e duas presas e muita quantidades de
feridos e da nossa parte não perigou nenhum e só me feriram seis homens; e das presas
mandei matar muitas por serem incapazes; e só digo que em o dia de Santa Justa e
Rufina, em uma quinta-feira, venceu V. S. duas batalhas. Esta de presente referida e as
pazes que aqui se confirmaram pelos inimizar com as mais nações; e hoje não lhe fica
lugar a buscarem por amigos mais que aos brancos; e ao depois de toda a batalha vindo-
me retirando com três dias de viagem me vieram seguindo os inimigos e andando o meu
gentio a caça pela necessidade em que vinha apanhado-os fora do troféu me mataram
quatro homens. Quis me por em seu segmento, não foi possível por vir falto de
mantimentos e somente lhe dei uma avançada, em que lhe feri alguns homens e a 27 de
julho cheguei a este arraial.
Ao ajudante Manoel da Câmara, entreguei os quintos de El Rei meu Senhor e ele fará a
entrega a V. S. E aqui fico nesta campanha para o que V. S. me ordenar, a quem Deus
guarde. Pinhancó (Piancó) de agosto 6 de 698 anos. Humilde soldado de V. S. Teodósio de
Oliveira
Com o apoio nesta carta e noutros documentos, redigiu o autor de NOTAS SOBRE A
PARAÍBA uma curiosa narrativa, abordando o itinerário de Teodósio em busca do sertão
paraibano. Diz Elpídio de Almeida, mais recentemente, em sua HISTÓRIA DE CAMPINA
GRANDE, que a descrição de Irineu Joffily “não está de acordo com a realidade histórica”.
A propósito, eis o trecho completo de Irineu Joffily, em suas NOTAS SOBRE A PARAÍBA,
trecho este censurado por Elpídio de Almeida:
“Com o auxílio do governo, formaram-se duas fortes bandeiras e partiram à
conquista do sertão. O capitão-mor Teodósio de Oliveira Ledo, comandante
de uma delas, chegando à missão do Pilar, teria seguido sua viagem
acompanhando o rio Paraíba, até o boqueirão da serra do Carnoíó, onde fez
demorado acampamento, fundamento da atual povoação de igual nome; se
ela já não estivesse fundada, como faremos notar adiante. Continuando a
Geografia e História da PB
144
sua descoberta, o capitão-mor achou-se na junção do rio Paraíba com o
Taperoá, e seguiu pela vale deste, ao norte, até que entre o riachão
Timbaúba e o de Santa Clara, encontrou as hostes cariris (provavelmente os
sucurus), embargando-lhe a passagem. A bandeira avançou sempre, desceu
a Borborema, ao poente, e chegou a Piranhas”.
Sobre isto, comenta Elpídio de Almeida que
“esse itinerário foi mais ou menos o que percorreu Antônio de Oliveira Ledo,
quando certamente Teodósio não havia ainda chegado à Paraíba. E foi
seguido várias vezes antes que este sertanista o tivesse palmilhado em
1694. Antônio de Oliveira voltou a perlustrá-lo em 1682, ao retornar da
Capital, onde fora apresentar-se ao governador e registrar na Câmara a
patente de capitão de Infantaria da Ordenança. O mesmo fez Constantino de
Oliveira Ledo, com igual fim, em 1688, depois de nomeado capitão-mor das
Piranhas, Cariris e Piancós”.
Ainda a propósito desse episódio da conquista dos sertões da Paraíba e reforçando conceito
emitido pelo historiador Capistrano de Abreu, outro autor, Horácio de Almeida, no segundo
volume de sua HISTÓRIA DA PARAÍBA, diz textualmente:
Entra-se agora na fase mais interessante da história, a conquista do sertão.
O obscuro período das entradas alguns historiadores tentaram esclarecer à
base de conjecturas, que documentos posteriores anularam. Irineu Jóffily,
com a visão que teve do fato histórico, acabou por considerar esse período
um desafio ao investigador do futuro. De fato, para elucidação de uma das
quadras mais dramáticas, cheia de aventuras e lutas heróicas, escasseiam
informes. Alguns acontecimentos, entretanto, poderão ser restabelecidos
para perenidade da verdade histórica.
O autor da mesma HISTÓRIA DA PARAÍBA assegura ainda que o levantamento para a
História do Sertão da Paraíba somente seria possível “através dos requerimentos e
concessões de sesmarias”. Realmente, a conquista e povoamento do interior paraibano
processou-se através do sistema de sesmarias.
A sesmaria era uma graça especial pela qual o soberano de Portugal concedia terras
“devolutas e desapropriadas” às pessoas que as queriam adquirir e explorar para as suas
atividades agrícolas e pastoris. Esse sistema, ao que se sabe, não deu bons resultados,
embora considerado excelente para a época de nossa conquista e colonização.
No entanto, tal experiência demonstrou, com o correr do tempo, que as sesmarias ou datas
de terras, como eram chamadas no interior do Nordeste, constituíram-se em verdadeiros
germes de discórdias e conflitos, no princípio entre sesmeiros e índios e, mais tarde, entre
aqueles e os colonos, que eram realmente os que trabalhavam e cultivavam as nossas
terras, “que aqui vieram, viram, ficaram e povoaram a terra, e estabeleceram cultura, e
tiveram o sentimento de a eleger para domicílio e trouxeram o seu rebanho”, como já
expresso por um autor.
Diz Maximiano Lopes Machado, na sua HISTÓRIA DA PROVÍNCIA DA PARAÍBA, que o
governador João da Maia da Gama tudo fez para desmascarar o feudalismo da Casa da
Torre. Ele, o governador, chegou até a denunciar a el-rei, pedindo inclusive que a
atenuasse, a tirania com que os representantes de tal instituição empresarial, secular e
administrativa afligiam os colonos que trabalhavam e cultivavam as terras.
Parece que foi João da Maia da Gama a primeira autoridade governamental de nossa região
a se insurgir, em favor dos colonos, contra os poderosos titulares das grandes sesmarias.
Na representação que encaminhara ao soberano português, dizia o então governador:
Confesso, Senhor, a Vossa Majestade, que, tendo eu corrido todos os
domínios de Vossa Majestade, em Portugal, Índia, Brasil, me parece que não
achei alguma aonde os vassalos de Vossa Majestade experimentassem de
outro vassalo mais violências; em matéria mais digna da real atenção de
Geografia e História da PB
145
Vossa Majestade; e poder falar nesta matéria, confesso e tomo Deus como
testemunha (...).
Esta representação não teve uma solução imediata, e continuou a desafiar a inteligência, a
argúcia e o patriotismo dos governantes daquela época colonial, até que, decorridos 36
anos daquela representação, foi em parte decidido o prélio, através da Carta Régia de 20
de outubro de 1753, que revogava as grandes sesmarias concedidas na Paraíba à Casa da
Torre e aos Oliveira Ledo, e ordenava que eles tirassem novas sesmarias, e igualmente
todos aqueles que possuíam terras daqueles dois senhorios, por qualquer título que fosse.
OS TITULARES DAS SESMARIAS
Titular de sesmaria, segundo Barbosa Lima Sobrinho, em seu livro O DEVASSAMENTO DO
PIAUÍ, afirma que “não era aquele que estava disposto a trabalhar e cultivar um pedaço de
terra, mas o homem da cidade, o homem influente e com prestígio bastante junto ao
Governo, e que sabia requerer as cartas de sesmarias, e cuja concessão não demoraria
muito a chegar, com a obtenção do deferimento e da confirmação. Os governos, por sua
vez, não conheciam a própria geografia do País; opinavam e decidiam em face de
alegações dos pleiteantes, que muitas vezes tinham interesse em reivindicar limites
imprecisos para as sesmarias, a fim de que pudessem ampliá-las, na realidade, até onde
chegasse a tolerância dos posseiros e do governo”.
Toda vez que a conquista avançava em busca do interior choviam as cartas de sesmarias.
Raras vezes se inscreviam nesse páreo os que estavam decididos e interessados a habitar
as terras conquistadas. Era comum ver os mesmos nomes, quase sempre de pessoas
poderosas, como titulares de sesmarias em todas as zonas desbravadas, por mais distantes
que ficassem umas das outras.
As sesmarias doadas ou concedidas na Capitania da Paraíba, como igualmente acontecia
com outras Capitanias do Brasil, eram quase sempre atribuídas a grupos ligados entre si
por laços familiares e que se reuniam para requerer concessões de terras, muitas vezes em
porções excessivas, muitas das quais não pertenciam ao grupo Oliveira Ledo, nem
tampouco ao da Casa da Torre.
Tais sesmeiros obtiveram datas de terras nos sertões paraibanos e concedidos pelo
Governo Geral do Brasil, com sede na Bahia. Por isso mesmo é que ficaram esses à
margem das sesmarias divulgadas por João de Lira Tavares e Irineu Jóffily, autores,
respectivamente, dos livros APONTAMENTOS PARA A HISTÓRIA TERRITORIAL DA PARAÍBA
e SINOPSIS DAS SESMARIAS DA PARAÍBA.
Não vamos mais alongar a nossa conversa. Antes, porém, nos obriga a dizer o seguinte:
enquanto não contamos com todo o acervo documental espalhado por vários pontos do
nosso país e do estrangeiro não é possível qualquer tentativa para se escrever a História da
Paraíba. Uma história, aliás, que sintetize a sua realidade profunda, objetiva e institucional.
Muitos fatos importantes de nossa história estão ainda nos arquivos, onde há muita luz
escondida, aguardando a mão libertadora. Se antes era tarefa difícil a realização de
qualquer pesquisa tanto no nosso país como no estrangeiro, hoje, entretanto, já não o é,
principalmente se levarmos em consideração o progresso técnico, científico e cultural dos
nossos dias.
Não procede o argumento do ilustre historiador Horácio de Almeida quando afirmou que
não era preciso ir a Portugal para obter informações acerca da História da Paraíba. Tudo
quanto já se disse a respeito, foi inventariado por Eduardo de Castro e Almeida e
divulgado, em catálogo, de sete grossos volumes.
Discordamos, data vênia, do ilustre autor de HISTÓRIA DA PARAÍBA. Podemos falar com
autoridade, porque fomos nós um dos primeiros a divulgar o acervo documental existente
no arquivo da antiga Faculdade de Filosofia da Universidade Federal da Paraíba, onde
estivemos pesquisando alguns anos atrás. Ali encontramos uma infinidade de documentos
e cópias xerográficas, que foram cedidos, segundo estamos informados, pelo ilustre
professor pernambucano José Antônio Gonsalves de Melo. Tratamos de ler toda aquela
Geografia e História da PB
146
documentação extraída do Arquivo Histórico Ultramarino, em Lisboa, cuja divulgação
permitiram o conhecimento de determinados fatos e cousas do nosso passado, além de
oferecer perspectivas para novas interpretações da história paraibana.
Não podemos mais nos alongar nestas considerações. Aproveitamos, pois, o ensejo para
apresentarmos os nossos votos de aplauso e congratulações à Diretoria do Instituto
Histórico e Geográfico Paraibano, na pessoa do seu ilustre presidente, Luiz Hugo
Guimarães, pela feliz e oportuna iniciativa que teve, promovendo este Ciclo de Debates,
em comemoração aos 500 anos do Descobrimento do Brasil.
···
A fala do Presidente:
Conforme previ ao anunciar a palestra do confrade Wilson Seixas, tivemos hoje o
esclarecimento definitivo de como se processou a conquista do nosso interior.
Baseado em documentos, em fontes de primeira qualidade, e escorado no seu passado de
atento pesquisador, freqüentador de velhos cartórios, Wilson Seixas nos traz a verdade
sobre a interiorização paraibana.
Com a responsabilidade com que tem tratado todos os temas dos seus trabalhos, ele chega
a contestar os mais destacados historiadores locais e nacionais. Discorda do ponto de vista
de historiadores do quilate de Capistrano de Abreu, de Horácio de Almeida, Coriolano de
Medeiros e Elpídio de Almeida. Mas, não discorda por discordar. Corrige os enganos
cometidos por eles, citando documentos incontestáveis. E esclarece, com segurança, a
posição do desbravador Teodósio de Oliveira Ledo na conquista do sertão paraibano de par
com os representantes da Casa da Torre.
Acho que este capítulo da nossa História, agora está definitivamente esclarecido, bem
como as dúvidas existentes sobre o Arraial do Piancó. Estamos de parabéns por esta
valiosa colaboração à nossa historiografia.
Não tendo a debatedora designada, confreira Terezinha de Jesus Ramalho Pordeus, podido
comparecer a esta sessão, por motivo justificado, concedo a palavra ao primeiro
participante inscrito, o consócio Guilherme d’Avila Lins.
1º participante
Guilherme d’Avila Lins (Sócio do IHGP e presidente do Instituto Paraibanos de
Genealogia e Heráldica):
O que ouvi aqui hoje foi uma belíssima, rara e completa história da conquista do sertão,
partindo de quem tem plena autoridade para fazê-lo, porque fundamentou o que disse em
fontes primárias. Wilson Nóbrega Seixas é uma pessoa por quem tenho o mais profundo
respeito e amizade, e quero dizer de público que foi em Wilson Nóbrega Seixas que eu me
inspirei para tentar fazer um estudo autodidata de paleografia, já que ele é um dos
grandes paleografistas deste Estado. Essa é a grande vantagem metodológica que ele tem,
pois escreve a partir das fontes que ele lê.
Vi aqui uma belíssima lição do linguajar do século XVI nas transcrições documentais que
ele fez, falando da ffé, com dois f, de Piancó, com nh e de trechos de frases inusitadas.
Uma lição de linguagem do final do século XVII e do início do século XVIII. Foi realmente
maravilhoso; fiquei transportado para essa época ao ouvir aquelas transcrições seguras,
em que Wilson fala do sistema sesmarial e remete implicitamente à necessidade do
conhecimento da história administrativa deste país, tão pouco ressaltado e tão necessário
para se fazer história. Wilson Seixas passeia com uma intimidade em cima da história que
causa a gente uma sensação de estar vendo um belíssimo filme com imagens muito
nítidas.
Fala de Garcia d’Avila, aquele antigo feitor da Alfândega do Governador Tomé de Souza,
que veio a construir um império e através dos séculos estendeu terras desde Tatuapara, a
14 léguas de Salvador, até o Maranhão, e que tem uma enorme importância nessa
conquista do nosso sertão. Fala no clã dos Oliveira Ledo. Enfim, não deixa escapar nem
Geografia e História da PB
147
Martim de Nantes com sua RÉLATION SUCCINTE que, se não fora uma tradução que foi
feita pela Brasiliana em pequeno formato, restaria apenas a raríssima edição primeira, da
qual poucas pessoas já viram o texto. Contesta Capistrano, Horácio de Almeida, Coriolano,
Barão de Studart, nem escapa frei Vicente do Salvador, com caranguejos que roçavam a
beira da praia. Eu estou embevecido, meu caro Wilson, com esta bela aula que ouvi aqui.
Humberto Cavalcanti de Mello (sócio do IHGP e membro da Academia Paraibana de
Letras):
Não foi surpresa, absolutamente, para quem conhece as qualidades de pesquisador de
Wilson Seixas, essa demonstração brilhante. Gostaria de fazer uma pergunta a Wilson
sobre um aspecto um tanto controvertido, porque temos historiadores paraibanos que
afirmam uma coisa e historiadores norte-riograndenses que afirmam o contrário. É sobre o
problema dessa conquista do sertão no que diz respeito ao problema do Seridó do Rio
Grande do Norte. Até que ponto ele esteve integrado na Paraíba, como foi que ele saiu. Se
a Vila do Príncipe, hoje Caicó, se realmente pertenceu ao território paraibano e foi
integrada por essas conquistas de Oliveira Ledo.
Wilson Nóbrega Seixas: Esta questão a que Você se refere tem mais um sentido
religioso. É preciso esclarecer que antes toda aquela região pertencia à Paraíba;
principalmente a região do Piancó, que ia até o Apodi, ia até o Rio Grande do Norte, tanto
que nossos historiadores, como Elpídio de Almeida, falam em Domingos Jorge Velho,
achando que ele não esteve no Piancó, porque todos os historiadores achavam que Piancó
era a atual cidade, mas Domingos Jorge esteve lá no Piancó, porque, na época, o Piancó
compreendia todo o Rio Grande do Norte. Quando ele disse que partiu de lá com mil e
tantos homens para Palmares, partiu do Piancó, porque o Piancó abrangia toda aquela
região. De modo que ele estava certo, embora muita gente condene Rocha Pita, autor de
AMÉRICA PORTUGUESA. Mas ele estava absolutamente certo, porque quando ele disse que
Domingos Jorge partiu do Piancó, ele estava se referindo ao Piancó que se estendia até o
Rio Grande do Norte. Quando fiz pesquisa no Cartório de Pombal localizei parentes de
Rocha Pita morando em Catolé do Rocha e Brejo do Cruz, onde tinha uma fazenda lá
denominada “Pitas”, que pertencia à família de Rocha Pita. Quando ele fez aquele livro, em
1732, o sertão todinho era Piancó. Depois veio o problema religioso, mas aí é uma questão
das freguesias. A freguesia de Pombal, por exemplo, pertencia exatamente àquela área
civil. Tudo aquilo pertencia ao curato do Piancó, cuja sede era Pombal. Pombal era a
principal freguesia, que tinha as capelas de Sousa, que era Nossa Senhora dos Remédios,
de Piancó, que era Santo Antônio, a capela de Patos e a capela de Santana, que era Rio
Grande do Norte. Tudo pertencia a Pombal. Quando o ouvidor geral da Paraíba visitou o
sertão todo passou em Pombal e depois foi para o Rio Grande do Norte e esteve em Açu,
criou a vila de Açu e instalou a vila de Caicó, voltando, depois, para a Paraíba. D. Adelino
falando sobre aquela região diz que foi questão religiosa. Havia uma fazenda perto de
Santa Luzia e Caicó, cujo proprietário queria ser devoto da igreja de Santana e não de Bom
Sucesso, que era Pombal. Então foi feita a divisão, ficando aquela parte todinha para o Rio
Grande do Norte, quando na verdade pertencia à Paraíba.
2ª participante
Maria do Socorro Xavier:
Parabenizo os debatedores anteriores. Notei que o expositor em seu trabalho até se
assemelha a Capistrano de Abreu em seu livro CAMINHOS ANTIGOS E POVOAMENTOS, pois
em sua exposição demonstra conhecer todos os caminhos, os percursos do sertão.
Sabemos que foi muito importante a conquista do interior paraibano. Era muito diferente
essa sociedade do interior da sociedade litorânea, aristocrática do açúcar, bastante elitista
e europeizante, enquanto a cultura do interior foi mais liberal, em que o vaqueiro –
aquela figura típica e humana dos sertões, foi muito peculiar, muito importante. A gente
nele vê uma ascensão social dentro daquela sociedade. Havia aqueles grandes
latifundiários e o vaqueiro, tirando a sorte do gado, com suas parcas economias, tinha
permissão para comprar pedaços de terras dentro daquele latifúndio e se tornar um
próximo fazendeiro e um próximo dono de currais. Ficou uma sociedade mais próxima, não
Geografia e História da PB
148
tão estanque como a sociedade aristocrática do açúcar, em que aqueles subalternos do
fazendeiro tinham mais acesso aos fazendeiros, permitindo o vaqueiro ascender
socialmente. Acho que a sociedade verdadeira brasileira foi a sociedade do interior, foi a
sociedade do gado, foi a sociedade do sertão.
Quanto aos primeiros desbravadores, foram registrados Teodósio de Oliveira Ledo, na
Paraíba; os Garcia d’Avila, da Casa da Torre, na Bahia; e os Manoel de Araújo Carvalho, lá
no Pajeú e também no vale do Rio do Peixe, como salientou muito bem o palestrante,
Wilson Seixas, profundo conhecedor do assunto.
Gostaria que fosse ressaltado nessas palestras o papel das mulheres na história da Paraíba.
Nós sabemos que nessa fase teve Adriana, filha de Teodósio de Oliveira Ledo, cujo
matriarcado exerceu em Barra de Santa Rosa. Gostaria de saber do expositor se a cidade
de Barra de Santa Rosa tem a ver com o matriarcado de Adriana, filha de Teodósio. Outra
também, Ana de Oliveira, filha de Custódio de Oliveira Ledo, irmão de Teodósio, pois
consta que existe até uma fazenda chamada “Ana de Oliveira”; gostaria de saber se ainda
existe esta fazenda e se a mesma pertence a algum membro dessa família. Consta também
uma Verônica, que foi uma mulher muito brava, tendo desbravado as primeiras matas,
subiu a ladeira da Serra de Teixeira e fixou um povoamento na Serra de Teixeira. Certo
que o nome de Teixeira não tem nada a ver com isso, que se originou de uma pousada
cujo proprietário se chamava Teixeira. Tem também a Mãe Aninha, de Cajazeiras, uma
mulher muito caridosa, muito carismática, corajosa, bondosa, que fez muito pela população
carente de Cajazeiras.
Parabenizo mais uma vez o Ciclo de Debates, que está cada dia cada vez melhor com seus
profundos conhecedores da História da Paraíba.
3º participante
Joacil de Britto Pereira (sócio do IHGP e presidente da Academia Paraibana de Letras):
Sobre o assunto daquela parte do território paraibano que foi tomada pelo Rio Grande do
Norte, eu gostaria de acrescentar algo além do aspecto religioso, da questão religiosa, que
vem até o tempo de D. Adauto, nosso arcebispo. Essa parte religiosa foi comandada pela
Paraíba. A tomada desse território da Paraíba, foi um abraço que o Rio Grande do Norte
deu na cintura do nosso Estado, que quase tora pelo meio, como se diz no baião. Pois bem,
Caicó, Jardim de Piranhas, Jardim de Seridó, Acari, até ali Santa Luzia, até São José de
Sabugi, tudo aquilo era da Paraíba. Não foi só a questão religiosa que levou a essa disputa,
mas a vitória do Rio Grande do Norte sobre a Paraíba, reduzindo o seu território. E eu digo
isso com desgosto, apesar de ser riograndense do norte de nascimento, mas sou paraibano
por adoção e de coração, se deveu ao prestígio político de um homem que era íntimo do
Imperador, um grande latinista, o senador Brito Guerra, por sinal meu parente pela
ancestralidade. O senador Guerra era padre, homem de muita cultura, grande latinista e
fundou a primeira escola de Latim no Rio Grande do Norte, em Caicó. Mas ele conseguiu
aquilo graças à sua amizade com o Imperador, graças à sua obstinação pela idéia de
ampliar o território do Rio Grande do Norte e, principalmente ao seu prestígio político. A
bancada da Paraíba não tinha muito prestígio, embora representada por 17 membros, que
nada fizeram. Isso é contado em prosa e verso no Rio Grande do Norte.
Era apenas esse adendo que queria fazer, mas, com a permissão do Sr. Presidente, quero
lembrar que hoje é a data do sesquicentenário do nascimento de um dos maiores
paraibanos de todos os tempos, que se chamou senador Gama e Melo. Esse homem foi um
exemplo de dignidade, de altivez, de cultura, pois era um filósofo. Era um tradicional
monarquista paraibano. Logo após o governo de Deodoro da Fonseca, Floriano Peixoto o
convidou para ser Ministro da Justiça, e ele recusou o convite dizendo, em carta, que
sempre foi monarquista e não podia aceitar aquele cargo tão honroso porque iria ficar mal
com sua consciência. E eu pergunto, então, qual dos homens públicos que neste país, hoje,
e no nosso Estado particularmente, teria um gesto semelhante. Há realmente homens que
possam ter gesto semelhante, mas são raros. Quero, com a aquiescência de todos que aqui
estão, render esse minuto de homenagem ao senador Gama e Melo, que foi desde
vereador a deputado geral, foi 25 vezes Vice-presidente do Estado, exercendo
Geografia e História da PB
149
interinamente a titularidade e foi eleito Presidente do Estado, e depois foi senador duas
vezes. Morreu no exercício do seu segundo mandato de senador. Era a homenagem que
queria prestar ao senador Gama e Melo, dizendo que nós hoje estamos abrindo as
comemorações do sesquicentenário deste vulto notável da Paraíba.
4º participante
Humberto Cavalcanti de Mello (Sócio do IHGP e membro da Academia Paraibana de
Letras):
A professora Socorro Xavier formulou algumas perguntas e antes mesmo que o expositor a
responda, passo a informar sobre dois aspectos levantados.
Primeiro: a cidade de Barra de Santa Rosa, um topônimo, não tem nada que ver com a
Casa de Santa Rosa. O livro de Antônio Pereira de Almeida, que levanta toda a genealogia,
mostra bem que a Casa de Santa Rosa era onde hoje é o atual município de Boa Vista.
Segundo: Ana de Oliveira, que realmente pertencia a essa família, não era uma fazenda;
era uma lagoa no município de Juazeirinho, uma lagoa antiga que foi soterrada e foi
escavada na década de 50, sob a supervisão do nosso saudoso confrade professor Clerot,
um dos homens mais cultos da Paraíba. A lagoa estava aterrada milenarmente e Clerot,
com muito cuidado, desenterrou ossos de fósseis ali existentes. Ainda hoje é conhecida
como a Lagoa Ana de Oliveira.
5º participante
Aécio Villar de Aquino (Sócio do IHGP):
Esse problema da fazenda ou lagoa Ana de Oliveira, ao que parece ainda hoje existem
fósseis a serem desenterrados. No fim do seu livro, Irineu Joffily fala nessa fazenda Ana de
Oliveira, descrevendo até umas ruínas que havia lá. Essas ruínas, porém, não existem
mais, não havendo mais nenhum vestígio delas. Por falar em vestígios antigos, em Olivedo,
mesmo no meio da rua, tem uma casa mais ou menos do século XVIII, começo do século
XVIII, que a gente vê justamente parecida com aquelas de Ouro Preto, que ainda está em
estado muito bom, sendo até habitada, embora deteriorada. Tudo parece que foi de uma
fazenda de Oliveira Ledo, sendo o nome do lugar, por conta disso. Consta que a casa
pertence a um dos descendentes dos Oliveira Ledo.
Considerações finais pelo expositor Wilson Nóbrega Seixas:
Teodósio de Oliveira Ledo casou-se duas vezes. Primeiro casou-se com Isabel Paz, de cujo
casamento nasceram Antônio, Francisco e Adriana. Antônio de Oliveira Ledo, o filho dele,
morou muito tempo em Rio do Peixe. Depois, já doente, foi embora para Olinda, onde
morreu. Francisco nasceu no Cariri. Foi ele quem substituiu Teodósio de Oliveira Ledo como
capitão-mor. Adriana casou-se com Agostinho Pereira, e era dona de uma fazenda
chamada Santa Rosa.
Do segundo casamento de Teodósio houve três filhos: Teodósio e dois menores, que a
história pouco registra porque eram doentes. Esse filho substituiu Teodósio lá no Cariri,
onde tinha uma fazenda “Timbaúba”.
Ana de Oliveira Leite era casada com Antônio Porto Carreiro, morava em Brejo do Cruz.
Antônio Carreiro era sergipano. Desse casal nasceram vários filhos, entre eles Manoel da
Cunha Loureiro, Francisco da Cunha e outros, tendo todos ido para o Cariri. Ana de Oliveira
era dona de Juazeirinho, que conseguiu como sesmaria.
É o que posso informar para atender a várias perguntas dos participantes.
6º Tema
AS NAÇÕES INDÍGENAS DA PARAÍBA
Expositor: José Elias Borges Barbosa
Debatedora: Waldice Mendonça Porto
A fala do Presidente:
Geografia e História da PB
150
Nesta sessão de hoje vamos debater um tema que sempre exerce muita curiosidade e
fascínio. O tema programado é AS NAÇÕES INDÍGENAS DA PARAÍBA. E como o assunto é
índio, hoje não vamos compor a tradicional mesa dirigente dos trabalhos. Nós dirigentes
vamos, à moda indígena, nos sentar fora do estrado e nos colocarmos em cadeiras, em
roda, para trocarmos idéias sobre os nativos da Paraíba, como se estivéssemos numa
aldeia dos nossos antepassados.
Apenas quero convidar nosso palestrante, o professor José Elias Borges Barbosa, para
começar sua exposição. Antes, porém, cumpre-me fazer sua apresentação, para aqueles
que ainda não o conhecem.
O professor José Elias é sócio do Instituto Histórico. É nosso etnólogo. É bacharel em letras
anglo-germânicas, falando fluentemente inglês, francês, alemão e até um pouco de russo.
Professor da UFPB, ele é mestre em Letras e doutor em Lingüística. São inúmeros os
trabalhos que tem publicado na matéria que hoje vamos abordar. Citemos os principais:
OS ARIÚS E A FUNDAÇÃO DE CAMPINA GRANDE; OS CARIRIS E A ORIGEM DO HOMEM
AMERICANO; ROTEIRO DRAMÁTICO DOS CARIRIS; O QUE RESTOU DA MITOLOGIA
CARIRI; O BODOCONGÓ – HISTÓRIA DE PALAVRA; O AFAMADO ÍNDIO PIRAGIBE:
SUBSÍDIOS PARA UMA BIOGRAFIA; INDÍGENAS DA PARAÍBA I – CLASSIFICAÇÃO
PRELIMINAR; PADZU: OS CARIRIS NA FELIPÉIAS DE NOSSA SENHORA AS NEVES;
INFLUÊNCIA DA LÍNGUA CARIRI NO PORTUGUÊS DO BRASIL.
É, portanto, a pessoa indicada para tratar do tema. Com a palavra o confrade José Elias
Borges Barbosa.
Expositor: José Elias Borges Barbosa (Sócio do IHGP e professor da UFPB):
É um prazer estar novamente no Instituto para apresentar a síntese de um trabalho sobre
os indígenas paraibanos. Na realidade, o meu interesse pelos indígenas começou em João
Pessoa, quando era rapazinho e ia a Biblioteca do Estado, que era excelente naquele
tempo, onde passei a ser um visitante diário. Foi lá onde despertei meus estudos pelos
indígenas. Comecei a estudar O Tupy, publicado pela Brasiliana. Em 1948 fui para
Campina Grande e lá fiquei preocupado com o nome Bodocongó. O nome era estranho,
porque não parecia uma palavra tupi. Então fui procurar alguma coisa a respeito de
Bodocongó. Quanto mais procurava, não encontrava nada. Alguns diziam que era uma
palavra cariri.
Resolvi fazer uma pesquisa profunda. Passei 30 anos juntando material sobre os indígenas
e particularmente sobre os cariris, principalmente os cariris da Paraíba. Pouquíssima coisa
encontrava nos historiadores. Fui encontrar alguma coisa em Irineu Joffily, que é o pai da
História da Paraíba, juntamente com Maximiano Lopes Machado. Irineu era mais sintético,
Maximiano era complicado, citando muito documento; apesar de sua seriedade, é
considerado como dos primeiros historiadores da Paraíba.
Depois dos trabalhos de Irineu Joffily passei para os trabalhos dos holandeses e terminei
chegando em Elias Herckmans. Foi aí que comecei a ver alguma coisa. Lá é exatamente
onde ele diz que a Paraíba é ocupada pelos índios tais e tais. Irineu Joffily tomou todos
esses índios citados por Elias Herckmans e os colocou como sendo cariris, fora os tupis do
litoral. Todos do interior, para ele, eram cariris. E isso vem sendo repetido desde o século
passado até os dias de hoje. É um erro gravíssimo que vem sendo cometido. Já tive
ocasião de fazer várias palestras sobre o assunto, mostrando esse engano.
Na Paraíba havia, no mínimo, três grupos indígenas diferentes. Os tupis, que habitavam o
litoral, e eram divididos em potiguaras, ao norte do Paraíba e os tabajaras, ao sul do
Paraíba. Os tabajaras vieram do São Francisco, da região de Sergipe. Mas havia um
terceiro grupo, que era tido como cariri. Era o grupo dos tarairiús, e como eles ficaram ao
lado dos holandeses e participaram da guerra contra os portugueses foram praticamente
execrados, considerados selvagens e foram desprezados. Esse grupo era muito pequeno.
Somente com a chegada dos holandeses é que vamos conhecer, com mais detalhes, os
tarairiús, que eram conhecidos pelo nome do principal, chamado Janduí. Janduí era o
cacique que, naquele tempo, comandava 22 grandes tribos no interior do Ceará, do Rio
Geografia e História da PB
151
Grande do Norte e da Paraíba. Janduí era tarairiú, conforme o nome anotado pelos
holandeses. Os tarairiús falavam uma língua diferente do tupi e do cariri.
Os índios cariris chegaram aqui oriundos do São Francisco, como já disse, se bem que
houvesse um pequeno grupo que estava junto com os tabajaras, os quais foram trazidos
da região pelo cacique tabajara Piragibe, mas esse grupo se dispersou. Isto está
documentado naquela briga entre os franciscanos e os jesuítas. Está lá a palavra padzu,
que é o nome de pai que os índios chamavam com os padres que o catequizavam.
Vejamos as fronteiras desses índios. Essas fronteiras são muito variáveis. As migrações
eram constantes, havendo um remanejamento muito grande. Na parte do litoral, estavam
os tupis: ao norte do rio Paraíba os potiguaras, e ao sul do rio Paraíba os tabajaras. Os
caetés, que foram os primeiros, já tinham sido exterminados. Os caetés deviam ter
chegado na parte de Itamaracá, tendo sido exterminados desde a morte do padre
Fernando Sardinha. A parte do interior era toda ocupada pelos tarairiús. A parte sul ao
longo do rio Paraíba era ocupada por poucas tribos cariris. Eram cariris os bultrins de
Alagoa Nova, os bultrins de Pilar, os fagundes, perto de Campina Grande, os carnoiós da
região próxima a Campina Grande. Esses bultrins chegaram até Pilar, centro principal dos
cariris e já tinham sido catequizados no São Francisco, donde vieram, e ficaram ao lado dos
portugueses.
Quando os portugueses começaram a entrar para o sertão começaram a lutar contra os
tarairiús, que tinham sido aliados dos holandeses. Mesmo depois da guerra dos holandeses,
quando foram feitas as pazes, o Tratado de Paz feito entre o Brasil e a Holanda não citava
o perdão aos índios tarairiús. E Janduí exigiu e os governos português e holandês tiveram
que aceitar, dando perdão a Janduí, que era o cacique tarairiú. O governador André
Fernandes Vieira não tolerava esses índios, que tinham sido combatidos por ele. Tanto que
aprisionou alguns deles aqui e mandou para Portugal e Portugal devolveu porque já tinha
feito as pazes.
Para a conquista do sertão, os portugueses foram entrando e até certo ponto foram
invadindo as terras ocupadas pelos tarairiús. A guerra contra os tarairiús começou nos anos
1630 e se estendeu até 1730, uma guerra de cem anos. Foi a maior guerra indígena do
Brasil. A dos tamoios não chega nem perto. Foi uma guerra de cem anos até quase dizimar
praticamente quase toda a população tarairiú. Existe apenas um remanescente tarairiú,
que está em Pernambuco, na serra de Ararobá, próximo a Pesqueira, com o nome de
sucurus. Existem lá cerca de 3.000 índios. Já perderam a língua e ainda têm algumas
palavras; eu consegui coletar algumas palavras e fazer uma comparação de termos,
mostrando o parentesco da língua tarairiú com o grupo jê. Por exemplo, em tarairiú água é
caeté e nos dialetos jês é incoul, mas no cariri é tzu, uma palavra totalmente diferente.
Cabeça é crecar em tarairiú, nos dialetos jês é cran e no cariri é tsanbu. E assim por
diante. Todas essas palavras fazem com que a gente aproxime os tarairiús dos jês. Isso
não somente já tinha sido feito pelos traços culturais, etnográficos e físicos, como também
pelos traços lingüísticos. Então não há dúvida, nossos cariris eram aparentados dos jês.
Mas isso só foi aceito recentemente, principalmente através dos trabalhos de Pompeu
Sobrinho, do Ceará, que estudou esse assunto e publicou um trabalho. Apesar disso, os
paraibanos insistiam em dizer: tupi no litoral e cariri no interior.
Vejamos as tribos tarairiús: os janduís (Janduí era o cacique principal); os canindés
(Canindé foi o rei que substituiu Janduí, quando Janduí morreu e continuou a guerra contra
os portugueses); os sucurus, que é um caso interessante (eles escaparam de ser dizimados
porque Sacramento, o primeiro bispo de Pernambuco foi catequizar esses índios logo
depois da saída dos holandeses e trouxe esses índios para Pernambuco, em Limoeiro, e
depois conseguiu com João Fernandes Vieira e outros as terras da serra de Ararobá, onde
estão até hoje. São os remanescentes dos sucurus da Paraíba e do Rio Grande do Norte).
Sobre esses índios já foram coletadas algumas palavras da língua deles por alguns
membros da Fundação do Índio; outras palavras já haviam sido coletadas por Nimiendaju e
eu pude coletar um vocabulário de mais ou menos 200 palavras para comparar com os
outros topônimos tarairiús das sesmarias, para verificar mais alguma coisa sobre a língua.
Geografia e História da PB
152
A minha tese de doutorado é sobre a língua cariri. Eu já conhecia a língua tupi, de modo
que eu posso perceber perfeitamente quando a palavra é tarairiú ou é cariri.
Eram tarairiús os ariús de Campina Grande, os sucurus, os canindés, os janduís, os pegas,
os ariús dos paiacús, os panatis, e alguns outros grupos menores.
Quanto aos cariris, havia os cariris do oeste da Paraíba porque eles tinham vindo da região
do São Francisco. O centro e o núcleo dos cariris é a Bahia e principalmente aquela parte de
Pernambuco que é exatamente a região de Cabrobó, da Cachoeira de Paulo Afonso mais
abaixo e a cidade de Petrolina. Os índios cariris tinham a sua capital ali, chamada Aracapá,
palavra tupi, que quer dizer “escudo redondo” ou rodela. De modo que aquela parte do
sertão de Pernambuco é conhecida por sertão de rodela. Isto tudo está relatado no livro que
vocês conhecem de Martim de Nantes, já traduzido para o português.
A vinda dos cariris é muito recente. Os cariris de Sergipe ficaram em João Pessoa e depois
os cariris do São Francisco foram para a região do interior. Eles vieram pelo rio Pajeú,
cruzaram a serra do Jabitacá, pegaram as nascentes do Paraíba e chegaram até aqui em
João Pessoa. Ficaram mais na região de Campina Grande, em Fagundes.
Elpídio de Almeida quando estava escrevendo a História de Campina Grande me perguntou
sobre os índios Fagundes, querendo saber porque os chamavam de índios fagundes. Os
índios fagundes estavam onde hoje é a cidade de Fagundes. E ele perguntou como os índios
podem ter um nome português. É que Fagundes era um dos elementos da Casa da Torre,
que tinha uma ilha no São Francisco. Essa ilha foi denominada de Fagundes e esses índios
vieram dessa ilha. Os cariris da Paraíba vieram da ilha de Fagundes.
Os cariris foram privilegiados porque Martim de Nantes esteve na Bahia, lá teve contato
com esses zubucuá cariri, do qual descendem nossos cariris; Martim de Nantes escreveu
um catecismo (eu tenho a cópia desse catecismo, que foi publicado em 1706) e noco
Sergipe, outro grande dialeto dos cariris foi estudado exatamente por Mamiami, um
missionário italiano, que chegou lá fez uma gramática e outro catecismo do outro dialeto.
São dois dialetos. O grande Martius, quando esteve aqui no século passado, fez um dos
maiores trabalhos sobre o Brasil, penetrando todo o interior do Brasil, estudando todas as
línguas indígenas. Ele publicou um livro Glossarium Linguarum Brasiliense, com 88 dialetos
indígenas que coletou no sertão durante mais de 10 anos (e passou 30 anos até fazer a
Botânica Brasiliense). O Glossário é um dicionário onde tem essas línguas todas em latim,
português e na língua indígena. Martius era um grande cientista. Na Bahia, ele descobriu
mais dois dialetos: o sabuja e o pedra branca. Isso chegou na França, e no século passado
foi publicado por Lucien Adam um estudo comparativo dos dialetos da família cariri. Tive
muito trabalho, mas consegui também esse livro.
Nesse mapa que agora exibo a vocês tem a região do oeste com a fronteira do Ceará,
exatamente a região dos curemas e icós. Os icós eu não sabia que eram cariris, mas pouco
a pouco consegui verificar isso. Quanto aos curemas, ainda tenho dúvida, embora os
curemas tenham sido transferidos para Pilar no período colonial, acho porque eram da
mesma língua. Mas, os icós foram transferidos para a região de Missão Velha, em Juazeiro e
em Crato, que é a região dos cariris novos do Ceará. Essa parte daqui foi colonizada pelo
pessoal dos cariris novos da Casa da Torre, que já vinham do São Francisco. Então há
topônimos na região de Sousa e de Cajazeiras, como pataputé, que era uma palavra cariri e
existe uma ilha e uma cidade Pataputé, lá na Bahia. Os índios cariris não são daqui. Os
índios daqui eram os tarairiús e os potiguaras. Os tabajaras também vieram de fora.
Na época do domínio holandês, o príncipe de Nassau trouxe cientistas, pintores e muita
gente para estudar a natureza das coisas do Brasil. Entre eles Max Grave e Eckhout são os
mais famosos. Zacarias Vagner também foi outro estudioso. Mas Nassau trouxe dois
pintores importantes; um foi Albert Eckhout e o outro foi Franz Post. Nos trabalhos de Franz
Post sobre João Pessoa (já tive ocasião de apresentar esses trabalhos) existem três
quadros, três telas, de João Pessoa, da Paraíba, que existem no Museu do Louvre, em Paris.
Eu consegui uma reprodução de uma. E há outras duas reproduções. Os quadros mais
antigos sobre João Pessoa são esses três. Os de Franz Post, Zacarias Vagner e Eckhout.
Aqui estão dois quadros de Eckhoutt, conhecidos internacionalmente. Eckhout era um
Geografia e História da PB
153
detalhista excelente para pintar coisas naturais. Ele era mais ligado à história natural,
enquanto Franz Post era mais paisagista. Eckhoutt mostra em seu quadro a dança dos
tapuias, e durante muito tempo ninguém sabia que tapuia era esse. Na realidade é a dança
dos tarairiús. Depois que foi publicado um trabalho sobre Eckhout, há cerca de 20 anos, foi
possível tirar essa dúvida.
No quadro nota-se claramente de um lado os tarairiús e os tupis e os cariris. Os tarairiús
usavam o próprio propulsor de dardo. O que é propulsor de dardo? É uma lança bem
grande com uma taboca de bambu rachada, tirada os seus nós. Quando eles iam lutar
colocavam a taboca para facilitar o arremesso, alcançando a flecha arremessada 200
metros. Os tarairiús e cariris só usavam arco e flecha. Também usavam uma espécie de
tacape. Um espécime desse tacape da Paraíba pode ser encontrado no Museu de Munique.
O tacape existente em Munique é cravejado com pedras.
Mais recentemente foi publicado o maior trabalho de Eckhout, com 800 pranchas, onde ele
desenhou os animais da Paraíba e Pernambuco. Eu consegui agora uma cópia desse
trabalho. A dificuldade em conseguir essa material se deveu à Segunda Grande Guerra.
Esse material estava no Museu de Berlim, que foi bombardeado. Mas ele foi encontrado na
Polônia, porque pouco antes da Alemanha ser invadida, os alemães levaram todas as caixas
de material para um convento de Cracóvia, na Polônia. Esse material está lá ainda,
tornando possível sua publicação com todos os animais desta região que os holandeses
anotaram, inclusive plantas, índios, constituindo-se num tratado importantíssimo.
As aldeias principais dos tupis eram a de Urutagui, que é a cidade de Alhandra, cujo nome
foi mudado por Miguel Pina Castelo Branco, juiz de fora de Olinda, que só queria dar nomes
portugueses; a aldeia de Jacoca, que é o Conde; a aldeia da Preguiça e Montemor, que é
Mamanguape; a de Acejutiberó, que é a Bahia da Traição; Piragibe e João Pessoa, Tibiri e
Santa Rita, Pindauna e Gramame. Eram as principais aldeias que haviam por aqui.
Localização principal das tribos cariris no interior, ao longo do rio do Peixe, rio Paraíba e
Piancó: chocós e paratiós, em Monteiro e Teixeira, na fronteira com Pernambuco; carnoiós
ou curinoóis, em Cabaceiras e Boqueirão; bodopitás ou fagundes, perto de Campina
Grande; bultrins, cariri de Pilar, em Alagoa Nova, e alguns próximos de Bananeiras.
Bultrins, por que esse nome? Parece até nome francês. Na realidade, os cariris quando
foram a Recife foram apresentados por Martim de Nantes a um francês chamado Jean
Boltrin, que era muito interessado pelos índios e tinha aderido aos portugueses na guerra
dos holandeses. Daí essa tribo passou a se chamar bultrins.
Os cariris eram agricultores e se tornaram amigos de Teodósio de Oliveira, pois faziam sua
farinha de guerra para lutar contra os tarairiús.
Continuando a localização dos índios: os icós, no rio do Peixe, Sousa e Conceição,
possivelmente os curemas; localização principal: Sertão, Seridó (seridó é palavra cariri),
Curimataú e parte da região dos Cariris Velhos, mais concentrados na fronteira com o Rio
Grande do Norte e o Ceará.
Tribos tarairiús: os janduís, localizados no Seridó, Piranhas, Sabugi, Santa Luzia, Patos e
Curimataú; os ariús, em rio Piranhas, Sabugi e Seridó (quase tudo na mesma região, com
pequenas separações); os panatis, em Pombal, rio Piranhas e Espinharas; os sucurus, em
Bananeiras, Cuité, rios do Curimataú e Trairi, posteriormente, em 1662, na região de
Monteiro; os paiacus, nas fronteiras do Rio Grande do Norte com o Ceará, na região do
Apodi e Ribeira do Patu; os canindés, nas fronteiras do Rio Grande do Norte e Ceará, na
região do Curimataú; os genipapis, nas fronteiras com o Rio Grande do Norte e Ceará; os
cavalcantis, em Campina Grande (era uma facção dos ariús). Os ariús, que foram trazidos
por Teodósio, já eram índios catequizados e batizados e foram localizados Campina Grande
pelo próprio Teodósio – foi o começo de Campina Grande. O cacique dos ariús chamava-se
Cavalcanti porque já era batizado, e os próprios índios de sua tribo passaram a se
denominar de cavalcantis. Os cavalcantis ficaram no centro de Campina Grande, enquanto
os cariris ficaram na região de Esperança.
Geografia e História da PB
154
Finalizando o assunto das primitivas localizações, temos os genipapis, na fronteira do Rio
Grande do Norte e Ceará e os vidais, na fronteira do Rio Grande do Norte com o Ceará.
Miguel Pina Castelo Branco, na época do Marquês de Pombal, começou a mudar essas
localizações, fazendo muitas transferências.
Para Alhandra, foram transferidos os paiacús do Apodi; para Bananeiras foram transferidos
os canindés, onde já estavam os sucurus; para Campina Grande, junto com os cariris,
foram transportados os ariús, posteriormente denominados cavalcantis; para Pilar, foram
transferidos os bodopitás de Fagundes; para Limoeiro e Simples; foram transportados os
sucurus do Rio Grande do Norte; para o Pilar, onde estavam os bultrins, foram transferidos
os curemas de Piancó; para o litoral do Rio Grande do Norte, foi transportado outro grupo
de curemas do Piancó; para o sertão foram transportados os cariris do Pilar e tupis de
Mamanguape; para São José de Mipibu, foram transportados os pegas, de Pombal e da
serra de João do Vale.
Essa serra de João do Vale tem uma história muito interessante. Houve uma briga lá e o
filho de Teodósio, que cuidava dos índios, quis ficar com a terra deles, então mandou os
índios para o Rio Grande do Norte. Houve um grande conflito, com processo e tudo, mas
terminou sendo esses índios transferidos. O gado foi arrematado. Os índios tinham o livro
de registro do gado, mas o gado foi vendido e foi com o dinheiro dos índios que foi
construída a parte principal de São José de Mipibu e da cidade Nísia Floresta (antiga
Papari), vizinha de São José de Mipibu. Foi instalada a Câmara com o dinheiro dos índios,
conseguido com a venda do gado que lhe pertencia.
Continuemos com as transferências indígenas: para o Crato, foram transportados os icós,
do rio do Peixe; Herckmans levou os tarairiús para Valdíria, no Chile (alguns tarairiús
chegaram a combater os espanhóis e os índios mapuchos e araucanos). Os índios da
Paraíba ajudaram os holandeses exatamente em Valdíria, no Chile, só que eles foram
derrotados lá e depois voltaram. E chegaram aqui vestidos com roupas dos araucanos.
Alguns comandantes holandeses levaram alguns tarairiús para combater os portugueses
nas colônias da África. Isso aconteceu em Angola. Os holandeses quando estacionaram na
Bahia da Traição, em 1625, levaram alguns tupis para a Holanda, entre eles Pedro Poty e
Gaspar Paraocaba. João Fernandes Vieira, quando foi governador da Paraíba enviou alguns
tarairiús para Portugal.
Estamos fazendo uma rápida síntese sobre os índios da Paraíba.
Aqui no Nordeste nós temos os únicos remanescentes cariris que existem no Brasil. Onde é
que eles estão situados? Estão na aldeia de Mirandela, em Ribeira do Pombal, lá na Bahia.
Eu até colaborei numa tese de mestrado que foi publicada sobre o assunto. Trouxe, para
mostrar aos senhores, algumas fotografias publicadas na tese. Também um estudioso
francês conseguiu coletar um vocabulário. Eu tenho um vocabulário do cariri atual falado
por esses índios, evidentemente com influência de outras línguas. O francês conseguiu
coletar um vocabulário de cerca de 300 palavras.
Pelas gravuras que agora exibo vêem-se os traços físicos dos cariris, diferentes dos tarairiús
e dos tupis; os cariris são mais aproximados dos tupis. Os tarairiús eram de estatura alta,
os cariris e tupis eram de estatura baixa, porque eles eram descendentes dos
protopolinésios. As três grandes migrações vieram pelo Estreito de Behring, mas as duas
últimas grandes migrações vieram por via transpacífica, eram protopolinésios. A América do
Norte e do Sul fazem uma barreira de Norte a Sul. Os índios da região da Polinésia
conheciam navegação, eram excelentes navegadores. Um polinésio é capaz de saber,
apenas pelo movimento das ondas, se há uma ilha a 40 quilômetros.
Vejamos agora o nosso índio desenhado por Eckhoult. Vemos na gravura o uso do arco e da
flecha e junto do índio a mandioca, que era o elemento principal. Os índios do Brasil,
principalmente os tupis, tinham conseguido extrair o ácido da mandioca e conseguiram
fazer a farinha. Era a farinha de guerra, como os portugueses chamavam, às vezes com
desprezo, porque eles já tinham a farinha do reino, que era a farinha de trigo. No começo
Geografia e História da PB
155
repudiavam essa farinha, mas depois viram que para fazer guerra precisavam do beiju
branco, que era a farinha de guerra.
Através dessas gravuras podemos verificar as diferenças entre as tribos indígenas da
Paraíba.
Infelizmente o tempo para esta exposição não dá para um trabalho mais particularizado
sobre cada nação indígena, o que ficará para outra ocasião.
Exibo agora, para vocês, a carta da fundação de Campina Grande. Esta carta está publicada
em artigo do nosso confrade Wilson Seixas, oferecendo uma excelente contribuição sobre a
posição dos tarairiús na formação de Campina Grande. Esta carta é um documento muito
importante porque ela mostra uma realidade. No texto da carta a gente vê que Irineu Joffily
cometeu um erro grande ao colocar os tarairiús como sendo cariris. Todos historiadores
paraibanos até 20 anos atrás seguiram essas pegadas.
A carta do governador Albergaria já foi comentada pelo confrade Wilson Seixas quando de
sua exposição sobre a conquista do sertão paraibano, razão por que deixo de comentá-la.
Gostaria de mostrar dois mapas importantes, um deles é de Kurt de Ninhengaju, um dos
grandes etnólogos alemães, que passou a vida todinha aqui no Brasil e aqui morreu. Ele
estudou todas essas tribos, as línguas indígenas. O nome dele era Kurt e outro nome
alemão, mas os índios lhe deram o sobrenome de Ninhengaju, que é uma palavra guarani.
Ele fez esse mapa procurando atender a distribuição geográfica das tribos e ao mesmo
tempo os movimentos de migração desses índios. Essa parte referente à Paraíba foi
reproduzida no Atlas Geográfico da Paraíba, publicado pelo Governo do Estado.
Tem também o mapa de Loukout, que é um dos grandes antropólogos do mundo, que
oferece excelente posição dos índios da Paraíba em suas localidades. (O expositor mostra o
mapa e faz comentários para o plenário)
Ponho-me agora à disposição dos participantes para qualquer informe.
···
Debatedora: Waldice Mendonça Porto (Sócia do IHGP e do Instituto Paraibano de
Genealogia e Heráldica):
Eventualmente, fui indicada como debatedora desse tema. Este, porém, não é meu campo,
mas como estamos fazendo um debate muito informal, eu gostaria que o expositor desse
uma informação sobre a guerra dos bárbaros. Quando foi que começou na verdade? Porque
no momento em que houve a penetração para oeste já estava havendo aquela confusão
toda com os índios, justamente no período em que estava ocorrendo a guerra dos bárbaros.
José Elias Borges Barbosa:
Segundo Serafim Leite começa a guerra com os tarairiús em 1608. A guerra dos bárbaros
só atinge sua parte nevrálgica mais importante a partir de 1687 até o primeiro tratado, em
1694, mas depois ela continuou; depois houve outro tratado, em 1697; depois foi feito mais
outro tratado, em 1730. Praticamente essa guerra começou antes dos holandeses e se
prolongou bastante. Foi uma guerra de cem anos. E foi a maior guerra indígena do Brasil.
Waldice Mendonça Porto:
Eu tinha muito interesse nesse aspecto por eu estou fazendo um trabalho sobre a
ocupação do território paraibano.
Wilson Nóbrega Seixas:
Para satisfazer à curiosidade da nossa colega Waldice Porto, eu tenho aqui uma certidão
extraída do Arquivo Ultramarino de Lisboa, de Teodósio de Oliveira Ledo, datada de 20 de
janeiro de 1710. Ela diz : “Certifico que levantando-se o gentio em primeiro de fevereiro de
87 em todos esses sertões da Paraíba e nos do Rio Grande do Norte e Ceará, matando
muita gente e destruindo muitas fazendas de gado vacum e cavalares e mais criações e
muitas casas, ficando senhor de muitas fazendas e para castigar maior parte de seu furor e
Geografia e História da PB
156
estrago, mandou o governador desta capitania, que a então governava, Antônio da Silva
Barbosa, ao capitão mor André Moreira de Moura com o meu irmão Constantino de Oliveira
Ledo”.
Ele então sai contando a história todinha. Aí ele declara a data e o ano: primeiro de
fevereiro de 1687. Anteriormente havia outros movimentos dos índios.
José Elias Borges Barbosa:
É preciso notar que não havia uma luta coordenada com todas as tribos marchando contra
os portugueses. Nessa fase nevrálgica o que acontecia era que cada dia as sesmarias iam
tomando as terras dos índios. Era a invasão portuguesa para a conquista dessa região. Os
índios tinham que resistir, e resistiram bravamente até o último homem. Escaparam
poucos, mas os que escaparam ficaram na raça. Podemos lembrar os cruzamentos,
resultando nos cabeças chatas do sertão. Os índios tinham cabeça redonda, mas no
cruzamento com o branco surgiram os cabeças chatas. Também surgiram as chamadas
manchas mongólicas no corpo dos descendentes, mais conhecidas por genipapo. Genipapo,
porque era da cor do genipapo, que os índios usavam para se pintar. As pessoas que eram
descendentes de índio com branco tinham genipapo, essa mancha mongólica que os índios
tinham, mas os portugueses não tinham.
Humberto Cavalcanti de Mello:
Tenho algumas perguntas a fazer. Primeiro, você falou que os tarairiús eram jês, e os
potiguaras eram tupis. Os cariris eram o que?
José Elias Borges Barbosa:
Pompeu Sobrinho, grande antropólogo em quem me baseio nos meus estudos, examinou
essa matéria com muito mais detalhes. Ele verificou que os cariris eram mais aparentados
dos tupis. Lingüisticamente, Batista Caetano e outros estudiosos do século passado,
comparando a gramática, acham que os cariris são mais aparentados dos tupis. Um grande
estudioso, Arion Darinha Rodrigues, de São Paulo, que agora está na Universidade de
Brasília, publicou um dos primeiros trabalhos sobre a língua cariri, e acha que, comparando
algumas palavras do grupo cariri, elas são semelhantes com algumas do grupo macro jê.
Penso que isso pode ser do contato passageiro entre algumas tribos vizinhas dos cariris.
Acho que a base da gramática e do vocabulário cariri é mais ligado ao grupo brasílico do
tupi, do aruaque, o caraíba, tucanos, que são da última leva dos que vieram pelo oceano
Pacífico.
Humberto Cavalcanti de Mello:
Há vários nomes que soam como tupis. Por exemplo, canindé parece um nome tupi. Os
tarairiús que foram para São José de Mipibu e Nísia Floresta (antiga Papari) são nomes
tupis?
José Elias:
Canindé é nome tupi.
Humberto Mello:
Por que esses nomes tupis em uma tribo tarairiú?
José Elias:
Os tupis eram quem mandavam e sua língua era uma língua de comunicação geral.. Era o
inglês daquele tempo. As diversas tribos tapuias usavam o tupi. O nome Canindé apareceu
quando? Os documentos holandeses dizem que surgiu o rei Canindé, que falava tupi, mas
era rei tarairiú. E a maior parte dos nomes de pessoas dos tarairiús era nomes do tupi.
Humberto Mello:
Antes que os tabajaras chegassem, quem ocupava essa região ao sul do rio Paraíba? Eram
os caetés?
Geografia e História da PB
157
José Elias:
Eram os caetés, que eram do grupo tupi, também.
Humberto Mello:
Existem registros, inscrições rupestres de índios muito antigos, inclusive com uma certa
diferenciação. Não sei se houve alguma datação dessas inscrições na Paraíba. No Rio
Grande do Norte houve e era entre 4.000 a 6.000 anos de antiguidade. Sobre cerâmica,
disse-me Balduíno Lélis que a cerâmica encontrada na região da serra do Teixeira até
Princesa era uma cerâmica de nível de elaboração superior, melhor do que a encontrada
em outras regiões e, segundo ele, essa cerâmica lembrava um pouco a dos aruaques. Se
havia esse povo muito antigo com esse conhecimento superior, como é que esse povo
desapareceu, como é que foi substituído por um povo de cultura inferior?
José Elias Borges Barbosa:
Essa cultura mais avançada de elementos de barro trabalhado, tipo marajoara, era das
últimas correntes que vieram por via transpacífica (a última que veio deu os Aztecas, Incas
e Maias). Mas eles chegaram no máximo a uns 3.000 anos aqui na Paraíba. O mais
provável é 1.500 anos.
Humberto Mello:
O pessoal que fez essas cerâmicas não é o mesmo que fez as inscrições rupestres?
José Elias:
Possivelmente, não. Há vários tipos de inscrições rupestres. Há inscrições mais simples e
há inscrições mais complicadas. Mas o homem deve estar aqui na América latina há cerca
de 30.000 anos, conforme os estudos mais recentes feitos na cidade de São Raimundo
Nonato, no Piauí. Os desenhos de lá e de cá são muito semelhantes. Os desenhos da Pedra
do Ingá não podem ter menos de 3.000 anos. Deve ser uns 5.000 anos, pois é um
documento mais antigo, que ainda não estão no registro do domínio histórico.
Humberto Mello:
Com esses elementos sem escrita, realmente ficava difícil chegar a uma conclusão, e a
tradução oral é falha.
Guilherme d’Avila Lins:
Em primeiro lugar, cumprimento o professor José Elias pela exposição que aqui fez. Farei
algumas observações. Uma delas diz respeito ao fato de se os caetés eram fronteiros dos
potiguara no início da nossa conquista. No começo da nossa conquista os caetés já haviam
sido dizimados ou escorraçados pelo filho de Duarte Coelho de Albuquerque, indo esses
indígenas do Porto do Calvo, os que sobreviveram. De modo que, no alvorecer da nossa
conquista, todo o território da Paraíba e de Itamaracá estava nas mãos dos potiguara.
Tanto é que quando houve a nossa guerra de Tróia índia o cacique Iniguaçu trilhava por
Itamaracá e chegou a Tracunhaém e ali quem dominava era a facção potiguara. Em janeiro
de 1585 chegam aqui os tabajaras. É hora de desfazer um equívoco, que já está
sedimentado na nossa historiografia, equívoco que foi criado, salvo engano, pelo nosso
grande historiador Horácio de Almeida, que, como ser humano, também pode se equivocar.
Horácio fala de um grande êxodo que aconteceu desde as margens do rio São Francisco,
quando os tabajara tiveram que vir pelo interior para chegarem aqui, depois de muitos
anos, em janeiro de 1585. Esse êxodo existiu, sem dúvida. O fato a que ele se refere, ele
colheu em Frei Vicente do Salvador, que não fala de data. Frei Vicente Salvador dificilmente
fala de data, e quando fala é preciso ter cuidado, porque ele fala muito de informação oral,
como os cronistas daquela época. Por exemplo, ele vai de boa fé em cima do autor do
Sumário das Armadas e diz que Frutuoso Barbosa chegou aqui a primeira vez em 1579,
quando em 1579 ele conseguiu o alvará de el-Rei, mas só saiu de Portugal em 81. E a
segunda vez, foi em 1582.
Geografia e História da PB
158
Mas, segundo Horácio de Almeida, com base nas informações sem data de Frei Vicente do
Salvador, a campanha de preação de índio foi levada a cabo por Gaspar Dias de Ataíde e
por Francisco de Caldas, este que fora ouvidor da capitania de Pernambuco (como está em
Frei Vicente). Realmente ele fora, porque não podia ser mais, pois como detentor de um
cargo público da Coroa ele não podia prear índio, mesmo que fosse em guerra justa. O
grande equívoco de Horácio é que ele diz que foi em 1573 e aqui chegaram em 1585, doze
anos depois. Existe um documento transcrito em português da época, textual, em 1578,
que dá Francisco de Caldas vivo em Olinda, ocupando o cargo de provedor da capitania de
Pernambuco. Isto em 1578. Portanto, esta campanha de preação de índio tem que ser, no
mínimo, contada a partir desta data. Supondo que tivesse sido ainda do ano de 1578 esta
grande preação de índio nas margens do rio São Francisco, a grande odisséia teria durado
apenas de 1578 até 1585, e não de 1573 a 1585. Esta é uma retificação que precisa ser
feita. Vale lembrar que uma filha de Francisco de Caldas denunciou no Santo Ofício, em
Itamaracá, dizendo-se filha de Francisco de Caldas, que era dos da governança da terra, já
falecido. Isso em 1594.
Embora a gente tenha alguns estudos do tupi na geografia da Paraíba – um tupi restrito
geograficamente – porque eles só dominaram uma pequena faixa do nosso território (a
faixa litorânea), podemos verificar que o predomínio da toponímia tupi é exatamente nessa
faixa litorânea. Saindo dessa faixa, já se perde o contato com o tupi, ou vai-se perdendo
gradativamente o contato com as palavras de origem tupi. É tempo de se fazer um estudo
da toponímia do tupi na geografia da Paraíba.
José Elias:
É o que eu estou fazendo. Não somente do tupi, mas de todas as línguas indígenas.
Guilherme d’Avila Lins:
Muito bem. Chegou até nós muito pouca coisa da cultura dos tarairiús, dos cariris, da
cultura dos “tapuias”. Elias Herckmans, se não me engano, foi o primeiro que deu uma
noção superficial, mas real desses índios. Os jesuítas deixaram muita coisa sobre a cultura
do tupi. Existe alguma coisa na cultura dos tarairiú que os aproxime da dos tupi como, por
exemplo, a saudação lacrimosa, a “couvade” ou “choco”, a ceva do prisioneiro de guerra
para poder ser ritualisticamente devorado? Existem coisas desse tipo? Há notícias sobre
esses costumes?
José Elias:
Sobre esses costumes com relação aos tupis e cariris, existe. Porque os cariris também
tinham o couvade, que é um costume mais tupi. No couvade o marido ficava de choco
enquanto a mulher dava a luz. Era o marido quem recebia as visitas, deitado numa rede.
Couvade é um nome francês
Waldice Porto:
O que Dra. Vilma dizia era que significava a certidão da criança e a prova de paternidade.
Guilherme d’Avila Lins:
Coisas curiosos do costume tupi. O índio quando saia com a índia carregando a carga, ele
tinha que estar livre para guerrear se fosse o caso. Ele saía à frente, quando saía da taba,
porque ela podia correr de volta enquanto ele enfrentava o perigo. Quando eles voltavam
era o contrário, o índio vinha atrás por ela poderia correr para a taba e ele cobriria a
retaguarda. Existe coisas desse tipo?
José Elias:
Há uma coisa comum entre os grupos jês. Por exemplo, aquela corrida do tronco, que era
cortado e passava de um índio para outro, como nossa corrida de revezamento. Isso é
testemunhado em Uris Barbman, quando descreve a visita que fez a Janduí. Eles tinham um
costume que era típico deles e de algumas poucas tribos do Brasil, que era o
endocanibalismo. Que é o endocanibalismo? Quando morria um parente, na guerra ou por
doença, os cariris assavam e comiam.
Geografia e História da PB
159
Guilherme d’Avila Lins:
Os tupis faziam isso com a criança defeituosa.
José Elias:
Dentro dos rituais, eles trituravam os ossos e cabelos e comiam tudo com mel de abelha.
Mel de abelha era uma coisa típica deles, o que vai diferenciar os tarairiús dos tupis e dos
cariris. Eles eram especialistas em mel de abelha. Eles eram ictiófagos. Os holandeses
descrevem a pesca na Lagoa de Piató. Esse conjunto de costumes os aproxima de uma
cultura mais antiga. Os tarairiús eram mais primitivos que os tupis, cuja organização era
mais valiosa. Eles tinham o sistema de lendas. O ritual que os cariris tinham é o ritual do
fumo, do tabaco. O fumo para eles era um deus, porque quando fumavam ficavam
inebriados, era como se tivessem contato com os deuses. Os cariris faziam a festa do fumo.
Jeová Mesquita:
A minha pergunta é a seguinte: Por que é que o mapa da Paraíba, no meio do Estado, tem
essa cintura?
José Elias:
Até o século passado o formato do mapa da Paraíba seguia a demarcação da capitania e
pouca gente conhecia a topografia. Irineu Joffily aborda esse assunto, vinculando ao
problema da influência dos rios e a zona do Seridó. Depois houve outras discrepâncias. O
Rio Grande do Norte e a Paraíba eram uma coisa só. O Rio Grande do Norte se aproveitou e
colocou a parte do Seridó como sendo dele. Esse estrangulamento se deve à influencia dos
rios. Ainda não temos um trabalho bem detalhado sobre as fronteiras da Paraíba.
Marcus Odilon Ribeiro Coutinho:
Estou encantado com sua exposição. Eu gostaria de saber a tradução dos topônimos
gargaú, tibiri, acajutibiró e gurinhém.
José Elias:
Quanto aos primeiros, são inegavelmente tupis. Há muitas tentativas de decodificar. Houve
uma época no Brasil que tudo era considerado de origem tupi. Era uma tupimania. O livro
básico para esclarecimentos dessa natureza é o livro de Teodósio Sampaio. Bodocongó tem
várias interpretações, bodopitá, também. Sobre Borborema, tenho a impressão que é uma
palavra cariri. Tibiri é palavra de origem tupi. Gurinhém, tenho dúvida se é uma palavra de
origem cariri ou tarairiú. Há muitas diversificações. Mas, há três grandes línguas: o tupi da
Amazônia, o tupi da costa e o guarani, e mais ou menos uns 300 dialetos, além das
variações que existem de tempo em tempo e de região para região. O tupi do Maranhão é
bem diferente do de cá. São três grandes grupos, divididos cada um de 40 a 50 dialetos.
Uma coisa é preciso salientar. Os índios não tinham essa idéia de Brasil, como nós temos
hoje. Nem tinham idéia desse tamanho todo. Eles viviam em tribos pequenas, agrupadas.
Algumas tribos tupis estavam subindo. Eles vinham descendo da região da Amazônia,
descendo para o Paraguai, Argentina, pegaram a costa e foram subindo por aqui, quando
chegaram os portugueses. As tribos não eram uma organização nacional, tipo estatal, como
se verifica hoje. Eram tribos isoladas, brigando umas com as outras. Da mesma raça, mas
brigando umas com as outras pelo domínio das terras.
Respondendo à pergunta de Marcus Odilon, eu afirmo que não existia índio Bruxaxá. Na
parte referente a índio constante do trabalho de Horácio de Almeida, nada é confiável. Ele
era muito teimoso e sobre isso cheguei a discutir com ele. A parte indígena está totalmente
errada., o que é lamentável, porque se trata de um livro muito bom. Bruxaxá não era índio.
Bru-há-há, em francês, significa confusão. Pedro Bruhaha está na fundação de Areia e é
possível que isso tenha gerado essa denominação.
Agradeço a atenção de todos, na certeza de que minha exposição aclarou a posição dos
indígenas da Paraíba nesses 500 anos da descoberta do Brasil.
7º Tema
Geografia e História da PB
160
OS HOLANDESES NA PARAÍBA
Expositor: Aécio Villar de Aquino
Debatedor: Luiz de Barros Guimarães
A fala do Presidente:
Hoje vamos debater o tema OS HOLANDESES NA PARAÍBA. Por motivos superiores tivemos
que remanejar a palestra que estava programada para esta tarde. Mas vamos em frente.
Para compor a mesa, convido o confrade Aécio Villar de Aquino, que será o expositor; o
acadêmico Joacil de Brito Pereira, presidente da Academia Paraibana de Letras; Guilherme
d’Ávila Lins, presidente do Instituto Paraibano de Genealogia e Heráldica.
O professor Aécio Villar de Aquino, nosso expositor, é formado em Ciências Jurídicas e
Sociais pela UFPB; possui diploma de Estudos Superiores em Economia Política e Direito
Internacional Público e de Espanhol, pela Universidade de Madrid; concluiu o Curso de
Reforma Agrária na OEA e Agricultural Marketing (Departamento de Estado dos EUA) e tem
outros cursos de extensão no Brasil e no exterior. Ex-conselheiro do Tribunal de Contas do
Estado e ex-professor de Antropologia da UFPB. Publicou vários trabalhos sobre nossa
história, valendo citar NORDESTE SÉCULO XIX; NORDESTE AGRÁRIO DO LITORAL NUMA
VISÃO HISTÓRICA; FELIPÉIA, FREDERICA, PARAÍBA – OS CEM PRIMEIROS ANOS DE VIDA
SOCIAL DE UMA CIDADE; e outros mais.
Passo a palavra ao consócio Aécio Villar de Aquino.
Expositor: Aécio Villar de Aquino (Ex-sócio do IHGP e ex-professor da UFPB;
historiador, ensaísta, sociólogo, falecido recentemente):
A minha palestra sobre o tema OS HOLANDESES NA PARAÍBA foi antecipada para substituir
outro tema, em virtude da impossibilidade do expositor designado comparecer a este Ciclo
de Debates.
Somente ontem fui solicitado para fazer essa substituição, razão por que peço relevar o
improviso desta palestra, uma vez que não houve tempo para preparar um trabalho mais
bem ordenado.
Abordarei essa fase dos holandeses na Paraíba examinando seu aspecto histórico e
antropológico.
Há várias coisas que nos chamam a atenção quanto às invasões holandesas na Paraíba.
Sabemos que a Paraíba foi a última cidade a ser conquistada pelos holandeses, três anos
após a conquista do Recife. Foram três tentativas frustradas dos holandeses para conquistar
a Paraíba. Vale, portanto, registrar o heroísmo dos paraibanos, do pessoal da cidade, o que
seria lógico, na defesa da sua terra. Tem até um ditado que diz que a defesa da casa é tão
importante que, para sair-se dela, até quando morto são precisas quatro pessoas para
carregá-lo.
Além desse heroísmo houve uma série de circunstâncias que influíram nas vitórias
sucessivas dos paraibanos e na frustração dos holandeses durante essas invasões. A
posição da Paraíba, à época, era de uma verdadeira fortaleza, era um lugar quase
inexpugnável, de acesso muito difícil. Essa defesa foi reforçada desde os ataques dos índios.
A melhor entrada para a cidade era a embocadura do rio Sanhauá. Naquela embocadura
havia dois fortes e a ilha da Restinga, que era utilizada com uma bateria, impediam o
acesso dos navios. Do lado sul da cidade havia uma série de alagados por conta dos rios
Mumbaba e Gramame. Também em torno do rio Sanhauá havia, como ainda hoje, uma
série de mangues. O acesso ao rio só era possível no porto do Jacaré. A própria lagoa do
centro da cidade também servia de empecilho. Havia também um sistema sonoro no forte
de Cabedelo. Em caso de perigo, era usado um canhão especial que disparava, sendo
ouvido na cidade. Por outro lado, na cidade também havia outro canhão que disparava para
ser ouvido nas cercanias de Santa Rita. Com esse sistema era fácil convocar as chamadas
milícias locais para lutar contra qualquer invasor, sob o comando dos “coronéis”, que eram
os senhores dos engenhos.
Geografia e História da PB
161
A propósito, o povoador era obrigado a ter uma arma em casa, assim como os suíços.
Desde o tempo de D. Sebastião que havia esse procedimento. Quem não tivesse uma arma
em casa era penalizado, pois a qualquer momento poderiam ser chamados para a defesa da
cidade. Essas condições retardaram a posse da cidade pelos holandeses.
Quando a cidade foi libertada o forte de Cabedelo ficou nas mãos dos holandeses quase dez
anos, pois eles recebiam abastecimento pelo mar.
Uma coisa interessante nos holandeses é que eles não assimilaram o sistema de guerrilhas
adotado pelos indígenas na defesa da cidade, o que contribuiu muito para os seus
insucessos. Como se sabe, os europeus combatiam em campo aberto. O uso da flecha
muitas vezes era superior ao uso do arcabuz, que demorava a ser recarregado. Enquanto a
arma era recarregada um índio desfechava seis flechas. Também durante o período de
chuvas a pólvora molhada falhava.
Há um aspecto da presença dos holandeses no Nordeste, que não tem explicação. Os
holandeses dominaram o Nordeste durante 24 anos e não há o mínimo vestígio da cultura
holandesa, apesar do grande relacionamento que houve no tempo de Nassau. Na época
chegou a existir a câmara de vereadores, funcionando com brasileiros e holandeses - os
escabinos, como eram chamados. Diz Câmara Cascudo, depois de uma pesquisa exaustiva,
que único traço da cultura holandesa no Nordeste era o brote, aquele pãozinho redondo,
cujo nome era derivado de brute, que era o pão holandês. É verdade que foi grande a
contribuição holandesa sob o ponto de vista artístico, com a presença de pintores como
Franz Post e Eckoutt; do ponto de vista científico, com o médico Dr. Piso. Até as
construções dos holandeses foram destruídas com sua saída. Na Paraíba não ficou nada, em
Recife parece ter ficado apenas as fortalezas de Cinco Pontas, do Brum e do Buraco.
Deixaram poucos traços.
É preciso registrar que existia a Companhia das Índias Ocidentais, financiada pela Holanda,
que recrutou a escória do que existia na Europa naquele tempo. Eram desocupados,
vagabundos e delinqüentes de uma Europa que estava em dificuldades.
Um aspecto curioso está no livro de José Antônio Gonsalves de Mello – NO TEMPO DOS
FLAMENGOS -, que é um livro interessante, em forma de romance, todo documentado.
Folheando esse livro, vi um documento que ele transcreve sobre o palácio de Nassau. A
idéia de palácio é coisa de conto de fadas, onde se tem de tudo e do melhor. Nesse
documento encontrado no arquivo de Haia, verifica-se que havia um racionamento de
comida no palácio de Nassau. Ninguém comia o que tinha vontade no palácio do príncipe.
Havia uma relação das quantidades a serem usadas. Só o príncipe tinha liberdade de
escolha. O Dr. Piso tinha direito a um copo de vinho, tantas gramas de pão, tantas de
carne; o pintor Eckout tinha direito a isso e isso. Assim, os próprios comensais do príncipe
tinham sua ração reduzida.
Ainda hoje se discute se seria melhor a presença do holandês ou do português na nossa
colonização. Há muitos autores que examinaram o assunto. Eu me lembro que Rocha
Pombo se pronunciou contra os holandeses, registrando o estado em que se encontrava
naquele tempo as colônias da Indonésia e da Guiana Holandesa, o Suriname. Gilberto
Freyre era muito favorável à colonização portuguesa, dizendo que havia uma tendência do
português para a miscigenização. Não considero importantes essas hipóteses, pois não sou
contra nem a favor.
O que foi ruim foi propriamente foi o sistema colonialista adotado. Hoje é o capitalismo, que
foi iniciado pelos holandeses e ingleses com o chamado capitalismo mercantilista.
Existem dois tipos de colonização: a colonização de povoamento e a colonização de
exploração. Na colonização de povoamento são povos que vêm de outro país para ocupar
outras terras porque não têm mais espaço naquele país, em razão de lutas religiosas ou
políticas. Os Estados Unidos é um exemplo de colônia de povoamento, resultante das lutas
religiosas da Inglaterra, que levaram os ingleses a emigrarem para a América do Norte e
fundarem outro país. Da mesma maneira ocorreu com a Austrália, para onde foi gente
inglesa da pior espécie. Na colonização desse tipo o povoador vai com toda a família: a
Geografia e História da PB
162
mulher, os filhos, os aderentes. Fundamenta-se, pois, numa propriedade familiar,
cultivando um pequeno pedaço de terra e não tem interesse no trabalho escravo, mantendo
afastamento dos nativos, com tendência para o racismo. Na África do Sul os nativos foram
até eliminados. A produção é para eles próprios, e não para a metrópole nem para qualquer
outro país. Na colônia de exploração acontece tudo em contrário. No início da colonização
do Brasil o povoamento se deu sem a presença da família, pois os navios aqui aportados
traziam principalmente homens, deixando em Portugal e Holanda os familiares. A
propriedade tinha características de latifúndio e a produção era para o consumo externo.
A colonização no Brasil e na maior parte da América Latina foi de exploração. A Holanda,
como Portugal, adotou, no Brasil, a colonização de exploração. Assim, não há como discutir
esse assunto, se um seria melhor do que outro para colonizar. Aliás, como acentua Celso
Furtado, o Nordeste na época do domínio holandês era a região mais rica do mundo. O
produto bruto do Nordeste brasileiro era cinco vezes maior do que o da Inglaterra.
Para finalizar, lembro outro aspecto interessante sobre as colônias de povoamento, uma vez
que todas, sem nenhuma exceção, são hoje países desenvolvidos. Ao mesmo tempo, todas
as colônias de exploração são países subdesenvolvidos. Era o que tinha a expor.
···
A fala do Presidente:
O expositor acaba de registrar alguns aspectos da ocupação holandesa da Paraíba,
examinando o tipo de colonização da época com as conseqüências do regime adotado,
destacando a colonização pelo povoamento.
Para debater o tema, convidamos o companheiro Luiz de Barros Guimarães, historiador,
membro do Instituto Paraibano de Genealogia e Heráldica, e possui vários cursos de
extensão de História. É de justiça destacar agora sua condição de precursor na Paraíba, do
debate sobre os 500 anos da descoberta do Brasil, quando, em outubro de 1997, iniciou no
jornal O NORTE uma seção domingueira sobre os 500 do Brasil. Foram 96 artigos sob sua
coordenação e assina vários artigos.
Vamos ouvi-lo.
Debatedor: Luiz de Barros Guimarães (Historiador e membro do Instituto Paraibano e
de Genealogia e Heráldica):
Acabei de ouvir a explanação do historiador Aécio Villar de Aquino. Gostei bastante.
A História é constituída de diversas versões. Não existe só uma linha reta; há várias
interpretações. Por esta razão é que estou aqui como debatedor.Tive o cuidado de anotar as
observações que Aécio fez durante sua palestra.
A respeito da cultura que nós não absorvemos dos neerlandeses, e não holandeses, que eu
prefiro dizer assim porque os Países Baixos eram constituídos de 17 províncias. Conheço a
notícia de que a aversão à cultura trazida por eles era uma cultura de hereges, cultura de
satanás. Havia um propósito religioso para evitar contato com esse povo. Essa é uma das
versões que conheço.
Só encontrei duas palavras de origem holandesa que se incorporaram ao vocabulário
brasileiro. Uma, foi escorbuto, que é uma palavra de origem holandesa; a outra, como
disse o professor Aquino, foi brote. Até o momento só encontrei essas duas.
Os holandeses, provavelmente, não deixaram em todas as suas ocupações a influência da
arquitetura, mas o bairro do Recife atesta que houve grande influência na arquitetura da
vida pernambucana. Aqueles sobrados altos, estreitos, de escadas, que nós vemos no bairro
do Recife na rua Madre de Deus, que antigamente chamava-se rua dos Judeus e
pejorativamente era chamada rua de bode, é uma característica da influência da arquitetura
dos Países Baixos, como eu gosto de dizer. Outro ponto importante foi o número de pontes
que os holandeses construíram. Não foram poucas pontes, embora a mais conhecida seja a
Ponte da Boa Vista, porque ali tinha um palácio donde se avistava um grande panorama.
Geografia e História da PB
163
Outras pontes foram construídas, como a de Afogados, a de Cinco Pontas (que liga os
bairros de Recife que atravessam os rios).
Outro ponto que gostaria de comentar é a respeito da comida controlada do palácio de
Nassau. A versão que tomei conhecimento foi a de que a Companhia das Índias Ocidentais,
querendo frear os gastos, querendo prejudicar Nassau e sua administração, cortou verbas,
inclusive na alimentação bem como no soldo que ele recebia. Essa é uma justificativa dada
por vários historiadores sobre porque havia grande economia no governo de Nassau. Isso
ocorreu durante toda a colonização dos Países Baixos.
A respeito da pendência se seria melhor a colonização dos portugueses ou dos holandeses,
da Coroa portuguesa ou da Companhia das Índias Ocidentais, quero dizer que é preciso
analisar com muito cuidado, porque são coisas completamente diferentes. A colonização dos
Países Baixos não pode se comparar com a colonização da Companhia das Índias
Ocidentais; uma só visava lucros imediatos, mercantilistas; a outra queria uma exploração
mais ampla.
Outro ponto de vista para o qual chamo a atenção é que muita gente fica impressionada
com o progresso do Recife, que Nassau conseguiu fazer somente em sete anos – de 1637 a
1644 -; foi um progresso formidável. Isso não quer dizer que esse progresso foi devido à
colonização dos Países Baixos ou da Companhia das Índias Ocidentais. Esse progresso se
deve unicamente a Maurício de Nassau. Essa é a minha versão, que pode não ser a
verdadeira.
Não podem ser comparadas a colonização portuguesa, a colonização dos Países Baixos, a
colonização da Companhia das Índias Ocidentais e a administração de Nassau, porque são
coisas diferentes.
A respeito da monocultura, Nassau teve o máximo de cuidado. Tem alvará de Nassau
obrigando a plantar tantos pés de mandioca, ou tantas covas de mandioca, conforme o
número de escravos ou empregados existentes. Nassau proibiu a derrubada de cajueiros e,
mais importante, alertou para a derrubada de pau-brasil, coisa talvez inédita na colonização
portuguesa. Ele recomendou, em alvará, que se tivesse o cuidado de só derrubar pau-brasil
com mais de quatro anos de idade, que dava maior rendimento do que estava sendo feito
pelos estrangeiros, que derrubavam árvores com dois ou três anos. É preciso estudar tudo
isso para se ver a diferença da colonização sábia de Nassau e a dos demais colonizadores,
inclusive dos portugueses no Brasil. Nassau foi o único a abrir escolas para os escravos.
O tema em debate nesta tarde é um dos menos pesquisados, entretanto julgo ser um dos
temas mais importantes para a nossa história.
Os fatos transcorridos somente nas duas décadas de 1624 a 1654 se situam num período
muito curto, mas muito importante para a nossa história. Com a expulsão dos holandeses,
ou melhor dizendo, dos Países Baixos, começou a rivalidade entre brasileiros e portugueses.
Os da terra começaram a entender que se tiveram forças para expulsar uma potência como
os Países Baixos, a maior potência naval da época, poderiam um dia caminhar para a sua
independência.
Jamais, depois da derrota das tropas invasoras, o relacionamento entre brasileiros e
portugueses foi o mesmo. Começou aí uma série de revoluções. Os brasileiros começaram a
entender que iriam conseguir sua independência. A semente da independência do Brasil
talvez esteja na restauração pernambucana.
Faço questão de usar a expressão neerlandesa em vez de holandesa. Baseio-me no
historiador Evaldo Cabral de Mello, quando em seu livro NEGÓCIOS DO BRASIL, procurou
diferenciar o termo Holanda. Escreve ele que é necessário fazer alguns esclarecimentos
tecnológicos. Já era então costumeiro designar-se a República das Províncias Unidas dos
Países Baixos por Holanda, o que era um erro. Isto é, a designação era feita pela mais
importante das seis províncias que formava a confederação. O ocorre é que a divergência
entre a Holanda e seus parceiros eram freqüentes, inclusive em matéria de política exterior.
Daí a opção, neste livro de Evaldo Cabral de Melo, pelo vocábulo Holanda e holandeses na
acepção das províncias da Holanda e seus habitantes; salvo no tocante à expressão
Geografia e História da PB
164
consagrada Brasil Holandês, a nação será e sempre foi designada por Países Baixos e seu
governo por Estados Gerais, de modo a distinguir dos Estados da Holanda. Ficou mais
conhecido como período holandês porque a Holanda possuía quarenta porcento da
população em todos os Países Baixos e contribuía com 58% do orçamento. O que vinha em
segundo lugar era a Frigia com apenas um quinto, ou seja 25% porcento; os demais pouco
representavam. Por isso que se refere sempre e unicamente à Holanda, mas eram sete
províncias, cuja descrição deixo de apresentar para não tomar o tempo dos presentes.
Retrocederei um pouco para falar sobre a Companhia das Índias Ocidentais para melhor se
compreender o domínio dela na Paraíba. O capital de sete milhões de florins para a
formação da Companhia das Índias Ocidentais originou-se da participação de investidores
privados e estatal. Os Países Baixos, isto é, o Estado, além de sua participação monetária,
se comprometiam a fornecer militares e naus. À Companhia caberia a manutenção e o
pagamento dos soldos desses militares. Dessa maneira, os negócios privados da Companhia
passaram a constituir, sobretudo, um negócio de estado. Por essa razão é que veremos,
mais adiante, a interferência dos Países Baixos na paz definitiva com Portugal, e não com o
Brasil. A batalha foi ganha aqui, mas a paz foi resolvida em Haia e em Londres. E tivemos
que pagar quatro milhões de cruzados de indenização, isto é, ganhamos a guerra e ainda
pagamos aos invasores.
A administração da Companhia das Índias Ocidentais era formada por cinco conselheiros
regionais, proporcionais ao número de acionistas, sendo os mais importantes zelandeses e
os holandeses. Havia também um Conselho composto de 19 diretores, denominado
Conselho dos XIX, representado por 18 conselheiros regionais e um representante dos
Estados Gerais, que se reuniam em Amsterdâ e Midelburg, alternativamente.
No Brasil holandês existia o Alto e Secreto Conselho (Hoog end Sevet Raden), com sede em
Recife, composto de três membros, cuja atribuição principal era assessorar o governo do
Brasil holandês, obrigado a apresentar, periodicamente, relatórios ao Conselho dos XIX, em
Haia. (Era uma espécie um SNI).
Retrocedo às razões econômicas que contribuíram para a criação da Companhia das Índias
Ocidentais. Os Países Baixos mantinham um fluxo comercial relativamente significativo com
Portugal. Altos investimentos, inclusive financiamentos, foram realizados no transporte
marítimo, sobretudo, em instalações de refinarias de açúcar em Amsterdã. Instalaram
refinarias de açúcar em Amsterdã, e não em Pernambuco. Distribuíam açúcar refinado para
todo o Norte da Europa, e por essa razão alguém escreveu que o açúcar é mais holandês do
que português. Tenho impressão que foi Celso Furtado quem disse que o açúcar era mais
holandês do que português. Os investidores neerlandeses eram proprietários de engenhos,
financiadores da cultura da cana-de-açúcar, transportadores marítimos, refinadores e
distribuidores. Pouca coisa restava aos portugueses. Portugal estava decadente. O
capitalismo português já não funcionava.
Além da indústria açucareira, os Países Baixos comercializavam com pau-brasil, algodão,
couro, peles e animais exóticos. Por volta de 1621, os armadores neerlandeses
transportavam grandes percentuais de cargas para a Europa, entretanto, com a União
Ibérica, entre 1580 a 1640, quando Portugal foi incorporado à Espanha, passando a ser
colônia da Espanha, o Brasil passou a ser uma subcolônia. Felipe II fechou os portos
lisboenses aos navios dos Países Baixos, sendo talvez a principal causa para a criação da
Companhia das Índias Ocidentais. Motivos religiosos também contribuíram para a formação
da Companhia.
A derrota militar neerlandesa deve-se a vários fatores.
No livro OLINDA RESTAURADA – GUERRA DO AÇÚCAR NO NORDESTE, 1630-1654, o
historiador Evaldo Cabral de Mello apresenta a situação da Companhia, tomando por base
os percentuais do valor das ações na Bolsa de Valores. Em abril de 1644 as ações da
Companhia caíram para 70%, logo 68% e 52%, devido aos boatos de ajuda militar
portuguesa a Angola. Com saída de Nassau as ações caíram para quase um terço do seu
valor. A Companhia das Índias Ocidentais estava economicamente derrotada. Não havia
mais condições de manter a resistência militar no Nordeste. Os soldados já não recebiam
Geografia e História da PB
165
seus soldos.. A fome era grande. Ratos e restos de passarinhos eram comidos pelos
soldados. A corrupção predominou nas tropas invasoras Sem capital, a Companhia não
possuía condições de sustentar suas possessões e manter altos investimentos na construção
e manutenção dos engenhos. Os empréstimos feitos aos luso-brasileiros não tiveram
retorno. A derrocada econômica refletiu diretamente na chamada insurreição pernambucana
de 1645. Os luso-brasileiros, que no início colaboraram, foram quinta-coluna com os
holandeses, e, em vista da incapacidade de saldarem seus débitos, viraram a casaca,
combatendo os holandeses unicamente por questão de interesse econômico. Comportaram-
se como se comportam os ruralistas de hoje.
Deixo, propositadamente, de me referir às batalhas militares.
Com a derrota militar neerlandesa foi assinado um tratado de paz condicional e provisório
em 26 de janeiro de 1654, na Campina da Taborda, pois o definitivo ficaria dependendo da
homologação dos governos dos Países Baixos e não de Portugal. O tratado de paz definitivo
foi assinado em Haia, em 6 de agosto de 1651, e foi lavrado em latim, com 16 artigos, que
estabeleciam uma indenização de quatro milhões de cruzados em ouro e restituição da
artilharia que aqui se encontrasse aqui, além de favores comerciais, notadamente sobre o
açúcar. Coube ao Brasil a cota de pagamento de um milhão e novecentos mil cruzados em
ouro, em 19 prestações, durante 16 anos. O Brasil, ou melhor, o Nordeste, Pernambuco,
ficava obrigado a pagar vinte mil cruzados de contribuição para o dote da infanta D.
Catarina de Bragança, filha de D. João IV, dada em casamento ao rei da Inglaterra. Era
uma operação de família para família. Por esta razão, afirmo que nós ganhamos a batalha
militar, mas perdemos a diplomata. Talvez seja um caso inédito na nossa história.
Ganhamos a batalha e tivemos que indenizar os invasores. Porque nova invasão viria não só
para o Nordeste, como Portugal seria invadido imediatamente pelos holandeses. O assunto
é palpitante.
···
A fala do Presidente:
Com muito brilho, o historiador Luiz de Barros Guimarães se desincumbiu de sua missão
como debatedor perspicaz. Referiu-se ao comportamento dos holandeses durante seu
domínio na Paraíba, destacou a atuação de Maurício de Nassau e profligou veementemente
o leonino tratado de paz firmado com os holandeses, mesmo depois de derrotados;
Sei que os apontamentos do nosso expositor Aécio Aquino e as provocações do ilustre
debatedor Luiz Guimarães vão estimular os participantes na continuação do nosso debate.
Assim, passo a palavra ao consócio Joacil de Britto Pereira, primeiro debatedor inscrito.
1º participante:
Joacil de Britto Pereira (Sócio do Instituto e presidente da Academia Paraibana de
Letras):
Expositor e debatedor focalizaram aspectos interessantes sobre o tema. Mas, gostaria de
salientar que aqui no Nordeste, e de modo especial na nossa Paraíba, heróica e gloriosa,
surgiram as guerras holandesas.
Fala-se muito na guerra de restauração pernambucana, mas a maior figura da reação
contra os holandeses, contra os invasores, foi um paraibano: André Vidal de Negreiros. Um
homem extraordinário pela sua bravura, pela sua estratégia, tornando-se um perito nas
guerras de guerrilha. Os índios já a praticavam, mas ele deu um sentido cada vez mais
aperfeiçoado a esse tipo de batalhas. E nós conseguimos, graças a ele, a Felipe Camarão, a
Henrique Dias, juntando as três raças que entraram na formação do Brasil, nós
conseguimos vencer uma nação poderosíssima, que tinha uma organização militar mais
progressista e moderna: a Holanda. Pouco importa dizer que vinha sob o disfarce da
Companhia das Ilhas Ocidentais. Mas o que ali estava era o predomínio militar dos Países
Baixos, dentre os quais o mais importante era a Holanda.
Geografia e História da PB
166
Eu gostaria de suprir as omissões desses aspectos que não foram ventilados, para que nós
realcemos a bravura do paraibano, dos nordestinos, das três raças que se irmanaram. Aqui
no Nordeste é que é o berço da nacionalidade. A gente lê todo dia e ouve na televisão que a
Bahia é o berço do Brasil, apenas por uma questão de ter sido a área descoberta, a área
primeira tocada, onde aportaram os portugueses. Mas, o grande berço da nacionalidade são
esses Estados de Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte. E o brasileiro, que nasceu
com o espírito de uma nação nova, dali surgiu com os seus anseios libertários. O grande
sentido dessa situação histórica foi o Brasil despertar para o seu valor próprio. A guerra
holandesa nos deu o sentimento de Pátria. Pela primeira vez na História do Brasil se falou,
se usou a palavra Pátria. Isso está escrito pelos historiadores. Foi uma carta dirigida a
André Vidal de Negreiros, que registrou o sentimento de Pátria e a palavra Pátria no seu
conceito mais alto. Esse é um aspecto que eu queria suprir.
O expositor e debatedor fizeram enfoques interessantíssimos, mas nós devíamos sempre
realçar a bravura do nosso povo, quando se falar sobre a guerra dos holandeses. Sobre a
Paraíba heróica, que reuniu essas três grandes figuras: André Vidal de Negreiros, Henrique
Dias e Felipe Camarão. A junção dessas três raças é que fizeram a Pátria brasileira. Foi
numa hora em que Portugal queria se ajustar com os invasores, celebrar uma paz bem
anterior, e nós resistimos. Nós os brasileiros, os índios, os negros e André Vidal de
Negreiros, que foi um homem tão notável como estadista, que governou terras daqui e de
além-mar. Como guerreiro, foi de uma bravura excepcional, como estrategista e também
como homem de espírito humanitário. Morreu, deixando antes de morrer, um testamento
que é uma preciosidade de humanismo. Distribuiu suas terras, seus engenhos com os seus
próprios escravos e moradores. Fez, portanto, a primeira manifestação de uma reforma
agrária no nosso Nordeste, no nosso Brasil.
2º participante:
Guilherme d’Avila Lins: (Membro do Instituto e presidente do Instituto Paraibano de
Genealogia e Heráldica)
Mais uma vez parabenizo a iniciativa deste Instituto pela realização destes debates e
particularmente pelas considerações que foram feitas pelo expositor, Dr. Aécio de Aquino,
pelo debatedor, historiador Luiz de Barros Guimarães e pelo professor Joacil de Britto
Pereira.
Ratificando o que já disse o debatedor Luiz de Barros Guimarães, eu digo que os luso-
brasileiros pagaram com sangue a vitória e a expugnação do solo pátrio pelo invasor
neerlandês. E concordo com sua observação: neerlandês e não holandês. E tivemos de
pagar de novo, como se já não tivéssemos pago com sangue, a ousadia de termos
expulsado os holandeses, mostrando, sem dúvida, os primeiros laivos de nacionalidade
deste país. O sentimento de brasilidade, como nação, nasce no período holandês. E é por
isso que ele é tão importante para a História do Brasil e, particularmente, para o Nordeste.
Sobre os vestígios dos holandeses na nossa cultura há uma linha interessante de
argumentação. O professor Aécio Aquino lembrou a palavra brote, originária de bloudes,
uma única palavra que se incorporou ao nosso vocabulário, entretanto há cerca de 400
palavras portuguesas que se incorporaram ao vocabulário holandês. O holandês estava aqui
não para morar nem para colonizar. Estava aqui para extrair, tanto é que ele não levantou
um só engenho, fosse na Bahia, no primeiro período, fosse em Pernambuco, fosse nas
Alagoas, fosse na Paraíba. Os engenhos da Paraíba, particularmente, continuaram existindo
apesar do abandono dos seus proprietários, que escaparam quando os holandeses aqui se
instalaram. Esses engenhos foram confiscados, e confiscados ficaram até 1637, quando
somente a partir daí Nassau ordenou a venda desses engenhos, que era um capital parado.
Vários holandeses adquiriram esses engenhos, mudaram-lhes os nomes mas não tocaram
neles. Apenas aproveitaram a mão-de-obra existente nos engenhos. Às vezes o antigo feitor
era o mesmo. O próprio Yppo Eissens, considerado por muitos como dono do engenho
Santo André, não era dono, pois ele morreu em 1636, quando Nassau ainda não tinha
chegado. Ele apenas usufruía indevidamente o engenho, com a aquiescência do governo
holandês em Pernambuco, por ele ser o diretor da Capitania da Paraíba. Contra Yppo
Geografia e História da PB
167
Eissens consta a existência de um processo acusando-o de sodomia, fato raríssimamente
citado. Aliás este inquérito sobre sodomia foi movido pelos próprios neerlandeses. Este é o
mesmo Yppo Eissens que queria casar com uma sobrinha-neta de Duarte Gomes da
Silveira, pensando no tradicional dote, como aconteceu com Luciano Brandão, em
Itamaracá, senhor de engenho abastado, cuja filha casou-se com um holandês.
Há muita linha de pesquisa a ser desenvolvida sobre o período holandês, apesar de muita
coisa já estar escrita. Mas há muita coisa ainda obscura, como, por exemplo, aqueles dez
anos em que os holandeses ficaram acuados no forte do Cabedelo recebendo suprimentos
por mar. Essa história está muito curta. Tem que haver mais coisa sobre este episódio,
porque dez anos dentro de um forte dá para as pessoas morrerem de tédio. Estão faltando
pesquisas nesse sentido. José Antônio Gonsalves de Mello vasculhou de forma maravilhosa
a documentação holandesa, particularmente as atas diárias do governo holandês, no que
diz respeito especialmente a Pernambuco. Ele só citou a Paraíba en passant, a reboque de
fatos de interesse de Pernambuco. Mas toda a documentação das chamadas “Nótulas
Diárias” está para ser vasculhada no Instituto Arqueológico Pernambucano.
Sobre a atuação dos holandeses, um fato interessante é que a primeira Câmara de
Escabinos que existiu no Brasil, no segundo ciclo, foi a da Paraíba, graças à visão e
clarividência administrativa de Elias Herckmans, que a estabeleceu dois ou três meses antes
da de Olinda. A participação dos luso-brasileiros era pequena e teoricamente os obrigariam
a entender o holandês. Por sua vez, poucos holandeses falavam português.
Se procurarmos as fontes principais do período temos do lado holandês exemplos como
Joannes de Laet, Barleus, entre outros; do lado luso-brasileiro temos Duarte de
Albuquerque Coelho, Manoel Calado Salvador, Diogo Lopes Santiago, Francisco de Brito
Freire, Frei Rafael de Jesus (este precisa ser lido com muito cuidado, pois ele consegue
transcrever entre aspas discursos de até quatro páginas sem nunca ter vindo ao Brasil).
Apesar de tudo isso, está faltando quem vasculhe a documentação holandesa concernente à
Paraíba. Para citar uma documentação portuguesa, que nunca foi vasculhada, e que
interessa primacialmente à Paraíba, eu citaria um opúsculo de Frei Paulo do Rosário,
editada em 1632, obra raríssima da qual só se conhecem quatro exemplares, sobre a qual
estou fazendo um estudo para uma reedição crítica. Esta obra é importante porque ele foi
testemunha presencial em 1631 da tentativa dos holandeses conquistarem a Paraíba. Ele
relatou tudo o que aconteceu e terminou colocando uma relação dos feridos e dos mortos
naquela tentativa. Brevemente eu apresentarei uma reedição crítica desta obra que jamais
foi consultada na historiografia brasileira., embora tenha sido citada na bibliografia
brasileira.
Outro trabalho de extrema importância, para mostrar o clima que antecedeu a entrada dos
holandeses na Paraíba, é a DESCRIÇÃO DA CIDADE E BARRA DA PARAHÍBA por Antônio
Gonçalves Páscoa. A Revista do Instituto Histórico tem duas publicações deste mesmo
relatório, onde o autor mostra nas entrelinhas como nós, na Paraíba, estávamos nos
preparando para o ataque que ainda iria acontecer fatalmente. A esta altura já existia o
reforço do forte da cidade e existia um reduto na ladeira de São Francisco. Ele também dá
informações importantes sobre a navegabilidade do rio Paraíba naquela ocasião, isso em
1630, documento este que foi descoberto por Varnhagen. Do lado holandês existe muita
coisa ainda para ser vista, inclusive a documentação administrativa que está por ser
vasculhada, analisada e criticada. É um trabalho de equipe e de longa duração.
3º participante
Maria do Socorro Xavier:
Parabenizo essa iniciativa deste Ciclo de Debates, fazendo com que o Instituto Histórico
seja, não apenas um arquivo de livros, mas um centro ativo de debates com a presença de
historiadores como Luiz Hugo Guimarães, Joacil de Britto Pereira e outros nomes
significativos da nossa cultura. Parabenizo também o nível dos debates, os quais tenho
assistido até agora, como o da professora Regina Célia Gonçalves, na questão das fontes de
pesquisa histórica; como a palestra da professora Rosa Godoy Silveira sobre o Império;
como o de Dr. Luiz Hugo Guimarães e Joacil de Britto Pereira, sobre a República na Paraíba.
Geografia e História da PB
168
Todos foram maravilhosos, oferecendo grandes subsídios para a cultura da história
paraibana.
Quero parabenizar o expositor e debatedor de hoje pelos aspectos interessantes que foram
colocados sobre o período holandês na Paraíba. Estava impaciente porque eles não tinham
tocado nos grandes heróis da luta contra os holandeses, brilhantemente mencionados pelo
professor Joacil Pereira.
Volto ao tema sobre se seria melhor a colonização holandesa ou portuguesa. Ainda lembrei
pelo paralelo feito pelo escritor Vianna Moog no seu livro BANDEIRANTES E PIONEIROS,
onde ele mostra a colonização dos Estados Unidos feita pelos ingleses e a das Américas,
feita pelos portugueses e espanhóis. Sabemos que ambos europeus estavam sob a
influência do mercantilismo. Todos queriam lucros, se fixar, povoar, explorar. Só que, se os
holandeses tivessem procedido a colonização da Paraíba talvez ela tivesse se assemelhado
àquela colonização procedida pelos ingleses nas colônias americanas. Eles foram com o
intuito de se fixar, trabalhar, lucrar, com a maior racionalidade possível, uma racionalidade
bem típica dos povos anglo-saxões, teutões, como foram os holandeses. Eles trouxeram
consigo também uma ideologia religiosa. A ideologia religiosa dos portugueses foi o
catolicismo, um catolicismo um pouco fluido, um pouco frouxo, embora tenhamos tido a
Inquisição. A racionalidade esteve mais presente nas colonizações dos povos anglo-saxões.
Já os portugueses eram mais flexíveis. Há uma análise muito boa feita pelo sociólogo Max
Weber abordando a ideologia influenciando a colonização portuguesa e espanhola nas
Américas e a colonização inglesa, à época protestante e com o espírito do capitalismo. O
que quis provar é que o protestantismo trouxe a época do trabalho de racionalidade, de
lucro, influenciando para que as colônias inglesas na América fossem mais prósperas do que
a colonização portuguesa. A meu ver, não importa muito se o Brasil fosse colonizado por
holandeses com essa índole capitalista, protestante, laica e lucrativa. Também os
portugueses exploraram o Brasil, com a mineração, levando ouro para Portugal, pau-brasil,
etc. Se tivéssemos sido colonizados pelos holandeses poderíamos ter uma colonização mais
racional, mais organizada.
4º participante
Célia Camará Ribeiro (Sócia do Instituto Histórico e Geográfico de Niterói):
Sou de opinião que nossa querida Frederica teria sido melhor em cultura com os
holandeses, porque não só palavras edificam uma cidade, porém as obras. E aqui eles
deixaram várias obras, como asseveraram os debatedores.
Agora eu pergunto: será um mito ou verdade porque os holandeses não se miscegenavam
com índios nem africanos e a questão do gado holandês?
5º participante
Marcus Odilon Ribeiro Coutinho (Sócio do IHGP):
Todos os participantes falaram com brilhantismo. Esse assunto, porém, é um assunto que
dá margem às mais diferentes avaliações. O problema da Companhia das Índias Ocidentais
é que o capital era judeu. Isso não é nada de mais, e acho até bom. Portugal ficou pobre
quando botou os judeus para fora de Portugal, com a Inquisição. Os judeus tinham que
aceitar a religião católica ou emigrarem. Eles foram embora e levaram o capital. Os que
ficaram foram depois colhidos pela Inquisição. Em Amsterdã tem uma sinagoga, sinagoga
israelita-portuguesa. Quando estive lá fui vê-la, mas estava fechada. Depois soube por
pessoas que estiveram lá que há nomes portugueses. Na verdade, os judeus expulsos de
Portugal foram se refugiar em Amsterdã, que é uma cidade que tem uma influência
portuguesa enorme. Possivelmente, esses vocábulos portugueses que estão incorporados ao
holandês sejam uma conseqüência dessa emigração de Portugal. Nosso presidente poderá
se corresponder com essa sinagoga ou com a embaixada da Holanda aqui no Brasil e
examinar se podemos obter mais algumas informações.
É preciso lembrar que uma família holandesa ficou aqui no Brasil. Foi a família Wanderley,
nome que em holandês se escrevia Wan der ley, com três nomes.e com o tempo houve a
Geografia e História da PB
169
junção. Parece-me que os holandeses, no primeiro acordo firmado, tiveram somente três
meses para deixarem o Brasil. Muitos deles deixaram o Nordeste e foram para os Estados
Unidos, onde fundaram a Nova Amsterdã, que depois passou a ser Nova York. Uma
observação importante a fazer é que havia muita liberdade religiosa no tempo de Nassau,
que, aliás, não era holandês: era alemão. Fala-se que na luta dos pernambucanos pela
liberdade, não era a liberdade que eles propunham. Na verdade, os nossos heróis não eram
tão a favor das liberdades porque eles não davam liberdade religiosa. No tempo de Nassau,
a sinagoga era aberta, reconheceu-se aos judeus o direito de praticarem sua religião; os
cultos protestantes eram abertos e as igrejas católicas continuaram abertas também.. Havia
muito mais liberdade no Brasil holandês. Salvo engano, os protestantes só vieram a ter
liberdade de culto por pressão e influência da embaixada inglesa, quando D. João VI estava
no Brasil.

8º Tema
A ESCRAVIDÃO NA PARAÍBA
Expositora: Diana Soares de Galliza
Debatedora: Waldice Mendonça Porto
A fala do Presidente:
O tema a ser debatido nesta sessão é A ESCRAVIDÃO NA PARAÍBA, e está a cargo nossa
confreira Diana Soares de Galliza, que é formada em História pela Universidade Federal da
Paraíba, onde lecionou por durante vários anos. É mestra e doutora em História pela UFPE
e doutora em Filosofia, Letras e Ciências Humanas pela USP. Nas universidades da Paraíba,
Pernambuco e Tocantins, a professora Galliza já ministrou aulas em Cursos de Graduação,
Pós-graduação, Especialização e Mestrado e Doutorado, de cujas bancas tem sempre
participado. Domina os idiomas francês, inglês e espanhol. É uma grande pesquisadora.
Seus trabalhos, sempre exaltados pela crítica, são numerosos, destacando-se HISTÓRIA
REPUBLICANA NA PARAÍBA, 1965; O DECLÍNIO DA ESCRAVIDÃO NA PARAÍBA (1850-
1888), 1979; PARAÍBA – 1890-1930 (modernização ou independência?), 1988; e outros
trabalhos.
Dentro do tema ESCRAVIDÃO NA PARAÍBA, a professora Diana Galliza falará sobre A
PARTICIPAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA ESCRAVA EM VÁRIAS ATIVIDADES ECONÔMICAS.
Passo a palavra à nossa expositora, professora Diana Soares de Galliza
Expositora: Diana de Soares Galliza (Mestra em História pela Universidade Federal de
Pernambuco, Doutora em História pela Universidade de São Paulo, Professora aposentada
de História da Universidade Federal da Paraíba, Membro do Colegiado do Programa de Pós-
Graduação de História da Universidade Federal de Pernambuco, Professora de História do
UNIPÊ, sócia do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano e pesquisadora da Escravidão na
Paraíba)
A MÃO-DE-OBRA ESCRAVA NOS ENGENHOS
A escravidão é um tema palpitante e abrangente pela multiplicidade de aspectos que
apresenta. Embora nossas pesquisas se tenham concentrado no declínio da escravidão na
Paraíba, vamos enfocar, hoje, a participação da mão-de-obra escrava nos vários ciclos da
economia paraibana.
A colonização da Paraíba, nos seus primórdios, constituiu uma expansão da agroindústria
do açúcar de Pernambuco. João Tavares, Martim Leitão, Ambrósio Fernandes Brandão,
Duarte Gomes da Silveira, o incentivador e financiador da colonização da Paraíba,
fundaram engenhos na Capitania e recorreram a mão-de-obra escrava. A escravidão
tornou-se o sustentáculo da economia açucareira, principalmente, na época colonial.
Primeiramente, tentou-se escravizar o índio, mas não deu certo. O nativo não era
incapacitado ao trabalho, como argumentaram os historiadores, que abraçaram a tese da
Geografia e História da PB
170
indolência do indígena. Fracassou a tentativa de escravizá-lo, porque o colonizador não
quis despender seu tempo preparando o índio para o trabalho metódico, organizado, que a
cultura da cana exigia, como o fizeram os jesuítas. No afã de obter lucro imediato, o
português procurou, de forma brusca, ceifar sua liberdade, tirá-lo do nomadismo em que
vivia e fixá-lo à terra, como escravo. O nativo revoltou-se. A solução encontrada foi a
utilização da mão-de-obra africana, encontrada , cujo tráfico iria proporcionar elevados
ganhos a Portugal.
O escravo nego foi imprescindível à expansão da atividade açucareira. Gilberto Freyre e
padre Antônio Vieira enfatizaram que a cultura da cana de açúcar só se tornou possível
devido à utilização da mão-de-obra africana. Na medida em que os engenhos proliferavam
na Paraíba, o tráfico negreiro aumentava. Entre os proprietários de engenho e detentores
de escravos citamos as ordens religiosas, aqui estabelecidas: os jesuítas, os franciscanos,
os carmelitas, os beneditinos.
Podemos acompanhar a formação do patrimônio rural dos beneditinos e de sua escravaria
através de Irineu Ferreira Pinto, em DATAS E NOTAS PARA A HISTÓRIA DA PARAÍBA. Aliás,
esses religiosos têm chamado a atenção dos historiadores, que estudam a escravidão no
Brasil, pela sua capacidade de manter ou de aumentar o número de crioulos em suas
propriedades. Robert Slenes e Stuart Schwartz pesquisaram a constituição da família
escrava e desmitificaram arraigadas concepções tradicionais, que haviam negado ao
escravo o gozo de uma organização familiar. Schwartz concentrou suas pesquisas na
escravaria dos beneditinos e constatou a preocupação e a habilidade que esses frades
tinham de incentivar o casamento entre seus cativos.
Por que eles agiam dessa maneira? Porque o casamento conferia estabilidade à família,
mantinha o equilíbrio sexual e acabava com a mancebia, tão comum no seio do elemento
servil. Além de elevar o nível moral dos cativos, havia razões para tal procedimento.
Enquanto os escravos se casavam e constituíam família, tornavam-se mais dóceis, mais
vinculados ao engenho ou à propriedade, onde trabalhavam. Assim, as tentativas de fuga
eram muito remotas. Comprovamos, na Paraíba, a existência da família escrava e a
proliferação de crioulos nos domínios beneditinos.
Antes da invasão holandesa, havia 20 engenhos de açúcar na Paraíba, sendo 18 em
atividade e dois de fogo morto. Mas a luta com os batavos desestruturou a economia
açucareira. Os engenhos foram saqueados, as culturas de cana de açúcar, queimadas e os
escravos, aproveitando-se da confusão, fugiram. Alguns registros mencionam que somente
os velhos e crianças permaneceram nas unidades açucareiras. Os engenhos ficaram
despovoados de negros e os cativos infestavam as ruas. A formação de quilombos
remonta àquela época, sendo Palmares o mais importante.
Não dispomos de dados sobre a formação de quilombos na Paraíba, durante a ocupação
holandesa. Não sabemos quantos redutos de escravos fugitivos surgiram, nem onde se
localizavam. Temos notícias de que, após a expulsão dos batavos, havia três quilombos na
Paraíba. Craúnas e Cumbe provocavam desordens e, segundo Irineu Pinto e Irineu Joffily,
os negros, que os integravam, invadiam e queimavam as casas, aliciavam escravos para
seu valhacouto.
Ainda, durante a dominação holandesa, ocorreram enchentes e epidemias, como a varíola
que, conforme Irineu Pinto, dizimou 1000 escravos na Paraíba. O historiador mencionado
informou que, posteriormente os beneditinos perderam metade de sua escravaria vítima de
epidemias. A crise afetou esses religiosos de tal forma que, durante dez meses, seus
cativos se alimentavam exclusivamente de ervas.
Os holandeses que, a princípio, fizeram sérias restrições a escravidão, mudaram de opinião
em relação à instituição. Perceberam a importância da força de trabalho negra nos
engenhos, adquiriram escravos e se envolveram com o tráfico negreiro. Amealharam
somas vultosas com o comércio de escravos a ponto dele se tornar uma das maiores fontes
de renda para a Companhia das Índias Ocidentais. E como eles procederam com os
escravos? Fica a questão em aberto.
Geografia e História da PB
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Se por um lado permitiram que os senhores castigassem seus cativos com açoites, chicotes
e que eles fossem colocados no tronco, por outro lado proibiram que os proprietários os
mutilassem. Somente a Justiça podia decretar a ferradura dos negros, a mutilação de seus
membros e puni-los com a pena de morte. No entanto, os holandeses não se
miscegenavam com os negros. Estabeleceram uma separação quase que profilática entre o
senhor e o escravo, diferentemente dos portugueses que se misturaram com o homem de
cor. Gilberto Freyre em CASA GRANDE & SENSALA sustenta que uma das razões do
sucesso da colonização portuguesa nos trópicos foi a miscibilidade que a caracterizou.
Desde a dominação batava a Paraíba ficou imersa numa grande crise. Expulsos os
invasores, houve tentativas de soerguimento da economia paraibana. Por exemplo, João
Fernandes Vieira, um dos governadores da Capitania, teria emprestado dinheiro de seu
bolso para restaurar os engenhos. Matias de Albuquerque, seu sucessor, também não
poupou esforços no sentido de restaurar a economia açucareira, assentada na mão-de-obra
escrava. Muitos cativos foram importados da África e, no século XIX o número de cativos
existentes na Paraíba era significante. Os dados estatísticos apresentados por Irineu Pinto
revelam que 15% da população paraibana eram de escravos negros. Todavia sua
participação não foi, apenas, na atividade açucareira; colaborou, também na pecuária.
O ESCRAVO NEGRO NO CRIATÓRIO
Depois da entrada de Teodósio de Oliveira Ledo começou o povoamento do sertão
paraibano fundamentado na atividade criatória. Os sertanistas requereram datas de terra e
implantaram currais nas suas propriedades. Inicialmente, recrutaram a mão-de-obra
nativa, que se adequou muito bem ao nomadismo do pastoreio. Mas o escravo negro não
foi omisso no criatório. Nas nossas pesquisas nos cartórios de Pombal, onde há farta
documentação, constatamos que, nos primórdios do século XVIII, quando a pecuária
iniciava a sua expansão pelo sertão, já era expressiva a participação do escravo negro na
economia sertaneja.
Contudo, os historiadores que enfocaram a economia do criatório desprezaram o
desempenho do cativo negro ou lhe atribuíram pouca importância. Capistrano de Abreu,
que percorreu os sertões do Ceará e da Paraíba e foi testemunha ocupar da escravidão
negra na área sertaneja, afirmou no seu livro CAPÍTULOS DE HISTÓRIA COLONIAL que a
presença do escravo negro no sertão representava magnificência e fausto. Conferia, pois,
status ao fazendeiro.
Irineu Joffily, cognominado o historiador do sertão pelos estudos que realizou sobre a zona
criatória, presenciou a escravidão. Mas não reconheceu sua importância para a economia
da região. Ponderou que para a atividade criatória a raça americana, ou seja o nativo, se
prestou melhor do que o africano. Entretanto, tendo em mãos os dados estatísticos
populacionais da Paraíba, do século passado, ficou surpreso com a quantidade de escravos
existentes em municípios sertanejos, particularmente, em Piancó e São João do Cariri. À
semelhança do historiador cearense afirmou que a presença significativa dos cativos
constituía uma ostentação do fazendeiro.
José Américo de Almeida também se admirava com a numerosa escravaria de Piancó e São
João do Rio do Cariri. Em relação ao primeiro asseverou que “é o município sertanejo onde
o melanismo é mais acentuado”. Quanto ao segundo tentou explicar o elevado número de
escravos pela transferência temporária dos negros dos engenhos do brejo para as fazendas
criatórias do sertão. Acrescentou que muitos senhores de engenho residentes em Alagoa
Novos tinham propriedades em São João do Cariri. Eles deslocavam os cativos das
unidades açucareiras para suas fazendas no sertão a fim de trabalharem durante o verão.
Clóvis Moura, ao fazer estudos étnico-cultural do nordestino, constatou indício do negro.
Todavia não o reconheceu engajado no trabalho produtivo, mas como um elemento
perturbador da ordem econômica, como quilombola.
Nossas pesquisas em documentação cartorial, mapas da população escrava,
recenseamento de 1872 e outros documentos comprovam estatisticamente que a presença
do escravo negro na área sertaneja não foi insignificante, nem apenas conferia status ao
Geografia e História da PB
172
fazendeiro. Ele esteve engajado na economia do criatório, desempenhando várias
atividades relacionadas a ela.
Tivemos em mãos um documento muito esclarecedor – o Mapa da população escrava de
Piancó do ano de 1876, com um total de 1 079 escravos, dos quais 912 tinham profissão
definida. A maior parte dos cativos era de cavouqueiros ou agricultores. Portanto,
realizavam trabalhos que possibilitavam a agricultura de subsistência e serviam de
sustentáculo à atividade criatória. Construíram cercas de pedras, cujos remanescentes
estão dispersos pelo sertão, cavaram poços e serviram de suporte à agricultura e à
pecuária. No manuscrito mencionado encontramos escravos como: vaqueiro, sapateiro,
alfaiate, ferreiro, cozinheiro, fiandeiro e executando serviços que visavam a auto-
sustentação das fazendas. Dado o isolamento em que o sertão vivia, as propriedades
tinham que se auto-abastecer.
A proposição de Irineo Joffily, que o indígena ou mameluco estava mais apto às funções de
vaqueiro, tem consistência. Todavia, o escravo negro não foi totalmente omisso nessa
atividade. No mapa da população escrava de Piancó, constam 20 vaqueiros. A nosso ver o
reduzido número de cativos negros no trato e condução de rebanhos se deveu mais a
razões econômicas do que étnicas. O escravo representava um investimento, que se tornou
mais elevado após 1850. Entregar-lhe uma boiada para cuidar constituía um risca de
perdê-lo. As chances de fuga eram bem maiores do que nos engenhos, onde os cativos
eram constantemente vigiados.
O fazendeiro entregava o rebanho a escravos nos quais depositava total confiança. Para
prendê-los à fazenda e evitar sua evasão concedia-lhes alguns benefícios. Por exemplo, há
evidências de que tenha estendido ao vaqueiro o sistema de quarta, tão peculiar à
pecuária, no período colonial e no século passado. Esse sistema consistia em o vaqueiro
receber um novilho em cada quatro que nascesse, após cinco anos de trabalho na fazenda.
Nas nossas pesquisas nos acervos cartoriais de municípios criatórios, como Pombal, Piancó,
São João do Cariri, encontramos alforrias compradas pelo escravo com cabeças de gado.
Não concordamos com o argumento de José Américo de Almeida ao explicar o elevado
número de escravos de São João do Cariri: a transferência provisória da mão-de-obra dos
engenhos do Brejo para as fazendas sertanejas. Os documentos cartoriais confirmam que
donos de unidades açucareiras no Brejo, bem como na zona da Mata tinham fazendas no
Sertão, no século passado. Porém constatamos que os escravos residiam nos municípios
criatórios. O fato de São João do Cariri ter recebido a segunda maior quota do Fundo de
Emancipação corrobora que os escravos moravam naquele município. Além do mais, a lei
de 28 de setembro de 1871, que obrigou os proprietários de escravos a registrá-los,
estabeleceu que o registro teria que ser feito onde os cativos residiam.
A tese de Clovis Moura não se aplica à Paraíba, já que os livros e documentos oficiais só
mencionaram três quilombos que provocaram desordens: Craúnas, Cumbe e o do Espírito
Santo. Deve ter havido outros quilombos na Paraíba, todavia eles não causaram
desassossego aos moradores das vizinhanças. Por exemplo, o jornalista Ivaldo Falcone,
quando esteve em Alagoa Grande, sugeriu que a comunidade de Caiana, lá existente, seria
remanescente de um quilombo. Talvez, devido ao relevo, ao seu isolamento e porque os
quilombolas viveram pacificamente, as tropas policiais não foram solicitadas para
desbaratá-los.
O ESCRAVO NEGRO NAS PROPRIEDADES ALGODOEIRA E CAFEEIRA
O algodão também contou com a colaboração do escravo negro. Fundamentada em
inventários podemos dizer que a presença do cativo negro foi significativa nas propriedades
algodoeiras. Irineo Joffily asseverou que os escravos nas fazendas de algodão chegaram a
rivalizar, em número, com os engenhos de açúcar. Mas, a partir de 1850, quando cessou o
tráfico negreiro, os inventários evidenciam o declínio dessa mão-de-obra nas fazendas
algodoeiras do Agreste. Percebemos que nos inventários, onde houve registro de uma
maior quantidade de escravos, o inventariado, além do cultivo do algodão, dedicou-se a
outras atividades econômicas, como a criatória ou a açucareira.
Geografia e História da PB
173
Nas fazendas cafeeiras da Paraíba o cativo foi prescindível, porque quando começou a
expansão do café em Bananeiras, nas últimas décadas do século XIX a escravidão estava
em pleno declínio. Documentos do século passado atestam que quando os cafeicultores
detinham escravos, eles, também, possuíam engenhos ou fazendas criatórias.
Concluindo, podemos afirmar que houve a participação do escravo negro nas diversas
atividades econômicas na Paraíba, até antes da segunda metade do século XIX. Embora a
escravaria estivesse concentrada nos engenhos, o negro foi peça importante na economia
do criatório. Foi, igualmente, significativo o número de cativos nas propriedades
algodoeiras até a cessação do tráfico africano.
A partir de 1850 teve início o declínio da escravidão na Paraíba.
···
A fala do Presidente:
Tivemos pela excelente exposição da historiadora Diana Galliza uma visão global sobre a
influência do escravo no desenvolvimento econômico da Paraíba, desde o período colonial
até a primeira metade do século XIX.
A professora Diana, com muita propriedade, nos deu o quadro da situação do escravo na
Paraíba e, corajosamente, porque baseada na sua pesquisa pessoal, fez contestações
sérias e importantes. Ela contestou Capistrano de Abreu, Irineu Joffily, José Américo de
Almeida. Na verdade, estamos alcançando os objetivos deste Ciclo. Precisamos mudar os
chavões consagrados estabelecidos por nossos historiadores, que hoje se chocam com as
fontes primárias a que eles não puderam consultar. Muitos apontamentos de alguns dos
nossos consagrados historiadores merecem reexame, por conta de suas interpretações
apressadas. As advertências que têm sido feitas pelos expositores e debatedores deste
Ciclo, quanto a essas falhas de interpretação, servirão para uma revisita à nossa
historiografia para uma retificação imediata, a fim de evitarmos sua repetição rotineira,
como vem acontecendo há anos.
A contribuição da professora Diana Galizza é da maior significação para o êxito do nosso
processo de debate que o Instituto Histórico está promovendo.
Será debatedora oficial nossa confreira Waldice Mendonça Porto, 1ª Secretária do Instituto.
Waldice é também expert em escravatura, sendo de ressaltar seu importante trabalho
bastante citado pelos estudiosos da matéria, que é A PARAÍBA EM PRETO E BRANCO.
Com a palavra a confreira Waldice Porto.
···
Debatedora: WALDICE MENDONÇA PORTO (1ª Secretária do IHGP e sócia do Instituto
Paraibano de Genealogia e Heráldica)
É uma alegria muito grande poder estar aqui como debatedora, principalmente ao lado de
Diana Galliza. Meu trabalho sobre a escravatura não diz respeito à economia; enfoca a
miscigenação. Baseei-me no comportamento do mestiço, principalmente porque os
escravos não puderam praticar a sua cultura, em face mesmo da sua escravização.
Esse magistral trabalho de Diana me traz saudade das minhas pesquisas sobre escravidão,
pois agora estou me dedicando mais à estrutura fundiária da Paraíba.
Durante certo tempo me dediquei a examinar a questão do fundo de emancipação dos
escravos. Foi a partir da lei do ventre livre que se iniciou a manumissão dos escravos e me
interessei pelos critérios adotados. Esse tema dá um livro ou mais.
O negro deu uma colaboração espetacular na música, na religião (que é o sincretismo
religioso), no mito, na culinária, na pecuária, na agricultura, na rebeldia contra o
sofrimento imposto pela escravidão. Aqueles que estavam bem na companhia dos seus
senhores – e havia alguns maravilhosos – permaneceram na companhia deles, mesmo
após a proclamação da abolição. E eram muito queridos pelos de casa.
Geografia e História da PB
174
Nas senzalas a situação era lamentável, pela disseminação das moléstias, pelo tratamento
das sinhazinhas, etc. A vida dos negros nas senzalas era aviltante, onde não constituíam
família, não tinham privacidade. O tratamento que lhes era dado era infame. O que é
lamentável é que todo nosso esforço de estudo e pesquisa nessa área fique sem
publicação, fique engavetado. Em conseqüência, pouco conhecimento se tem da história
paraibana, que é uma das mais belas. Por isso sou tão apaixonada pela História da Paraíba;
ela cheia de filigranas imensas.
A história oficial é muita falha. Por isso temos que fazer como Diana Galizza, que trabalha
em cima de documentos, pesquisando fontes primárias. Eu trabalhei muito sobre
documentos, sobre as cartas de alforria, sobre inventários e por isso o trabalho fica mais
sério, mais autêntico. O que lamento é que todo esse esforço nosso não chegue às escolas,
que fiquem engavetados. A gente assiste a uma aula dessas de Galizza com prazer, mas
fico triste porque o pessoal do 1º e 2º grau não sabe de coisa nenhuma. Não sabe nada
sobre a História da Paraíba e acha que não deve nem levar em consideração. Quando
sabemos que nossa História é uma das mais belas, mas permanecemos eternamente
ignorantes porque não temos acesso a esses documentos.
Num dos primeiros debates apresentei uma proposta ao presidente do Instituto no sentido
de nos ligarmos com a Universidade para fazermos uma História da Paraíba que seja
acessível e que seja moderna. Essa coleção que saiu com o patrocínio do Governo do
Estado foi vendida semanalmente contém tantos erros elementares, que é de estarrecer.
Temos o dever de passar uma história que seja verídica.
Fico muito grata por ter participado como debatedora por esse trabalho excelente que foi
apresentado por Diana Galizza.
···
A fala do Presidente:
Foi bom que nossa debatedora falasse nesses enganos, ou equívocos, que se viu naqueles
folhetins, naqueles fascículos. Aliás, encarreguei-a para anotar esses equívocos a fim de
que possamos esclarecer para evitar sua propagação para frente.
Outro aspecto importante o problema da divulgação. Nosso Instituto se preocupa muito
com a divulgação do acervo histórico paraibano. O Instituto não tem recursos para divulgar
os trabalhos que são feitos aqui, como também a Universidade não tem, resultando no
engavetamento de importantes trabalhos de pesquisa, que ficam mofando nas prateleiras
dos arquivos. As teses de mestrado e doutorado, confessou aqui a professora Regina Célia
Gonçalves, em sua palestra de abertura destes trabalhos, se apagam por falta de
divulgação. Cerca de 10% apenas é que são dados a lume. Àqueles que aqui fazem
pesquisa sempre cobro para trazerem seus trabalhos após sua conclusão, pelo menos para
que possamos expor ao interesse dos usuários deste Instituto.
Passo agora a palavra aos participantes que se inscreveram previamente, em primeiro
lugar a professora Paula Frassinete Duarte.
1º participante
Paula Frassinete Duarte (Bióloga)
Quero fazer minhas as palavras da debatedora Waldice Porto. Já disse no curso que está
ocorrendo na Universidade Federal da Paraíba sobre a enorme importância desse tipo de
debate e, infelizmente, há pouca presença e grande dificuldade na divulgação. Faço parte
do Conselho do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado e nossa luta lá, no
Conselho, é para que haja maior apoio do Governo do Estado no sentido de que o IPHAEP
possa imediatamente tombar e registrar o patrimônio histórico do nosso Estado em
cartórios. Não existe dinheiro para isto. E isso tem sido uma das desculpas para nós
perdermos verdadeiras pérolas da arquitetura do nosso país, do nosso Estado, por conta da
falta de dinheiro para o registro em cartório. As pessoas vão à Justiça e a Justiça dá ganho
de causa para a demolição. É o mesmo caso daqui. Acho que a história que a gente
aprende não é a verdadeira história.
Geografia e História da PB
175
Sobre as importantes informações apresentadas pela expositora Diana Galliza, gostaria de
um aprofundamento sobre a ação dos beneditinos que teriam estimulado o casamento
entre negros. Seria para poupar as mulheres brancas, uma espécie de concubinato branco
que, com certeza, acontecia, porque os negros sempre foram tidos e havidos, tanto
homens como mulheres, como muito fogosos, eroticamente muito quentes? Teria sido por
isto?
Em segundo lugar, queria saber se a miscibilidade era consentida no sentido de que os
portugueses tiveram a miscibilidade, os holandeses não, mas esses frutos desses coitos,
desse amor, seriam reconhecidos de alguma forma, esses filhos teriam algum privilégio?
Os pais deles dariam algum privilégio?
Por que os historiadores negaram essa parceria, essa presença engajada, efetiva dos
negros no criatório? Terá sido porque, como ainda hoje, não se dá o devido valor à
participação que o negro teve na formação da sociedade brasileira? Teria sido por isso que
Irineu Joffily teria diminuído tanto a participação nos negros no criatório (que você viu que
não era por aí)?
Também perguntaria qual a diferença entre cavouqueiro e agricultor; não entendi muito
bem, porque você disse que cavouqueiro estava com a enxada cavando, e o agricultor fazia
o que?
Por último, gostaria que aprofundasse mais sobre as perturbações econômicas que os
quilombos fizeram naquela sociedade. Que perturbações aconteceram com a saída dos
negros?
Diana Soares de Galliza:
Muitas questões foram levantadas. Vamos tentar respondê-las, observando a seqüência.
1. Quanto ao incentivo de casamento entre escravos conferido pelos beneditinos, nas suas
propriedades, começamos a pesquisar, recentemente. Estamos orientando a monografia de
uma aluna, do UNIPÊ, cujo título é OS BENEDITINOS E A ESCRAVIDÃO NA PARAÍBA.
Sugerimos que ela localizasse os relatórios semestrais da Ordem, na Paraíba, a fim de
colher maiores informações nesse sentido.
Em princípio podemos assegurar-lhe que a família escrava nos domínios beneditinos tem
sido estudada recentemente. Concepções tradicionais defendiam a inexistência de elos
familiares entre os cativos, no Brasil. Foram os brasilianistas norte-americanos Robert
Slenes e Stuart Schwartz que questionaram a ausência da família escrava e, baseados em
documentação cartorial, comprovaram que nas grandes e médias propriedades os cativos
constituíram famílias. Este último historiador, à medida que intensificou suas pesquisas,
surpreendeu-se com a grande quantidade de crioulos nas propriedades desses religiosos.
Concluiu, então, que eles não somente os matinha, mas também a população cativa
proliferava, através do incentivo dado ao casamento pelos beneditinos.
A política de estímulo ao casamento moralizava a vida no seio do elemento servil, uma vez
que suprimia a mancebia entre eles. Por outro lado, razões econômicas existiam no bojo
desse procedimento. O casamento daria mais estabilidade à família e prenderia o escravo à
propriedade, onde trabalhavam. Os elos sentimentais se tornariam mais sólidos e, assim,
as possibilidades de fuga seriam muito remotas.
2. Gilberto Freyre defendeu o caráter brando da escravidão no Brasil, porque ele não
enfocou o trabalho no eito, mas na vida do escravo na casa grande. O livro do sociólogo
pernambucano influenciou historiadores americanos e alguns deles, seguindo o
pensamento freyriano, sustentaram que, nas áreas de colonização ibérica, a escravidão
teria sido amena, enquanto que nos países de origem anglo-saxônica – como os Estados
Unidos – de formação protestante, ela teria sido rude, estúpida e desumana.
No âmbito da casa grande, objeto de estudo de Gilberto Freyre, houve miscigenação entre
o senhor de engenho e a mulher escrava, e vários senhores assumiram a paternidade dos
filhos negros. Na Paraíba, por exemplo, através do arrolamento que fizemos nos Livros de
Notas, constatamos que alguns senhores deram a conhecer sua condição de pai, nas cartas
Geografia e História da PB
176
de alforrias por eles passadas. Declararam conceder a liberdade porque “ele é meu filho”
ou porque “ele tem meu sangue”.
3. No século passado, viajantes estrangeiros percorreram o Nordeste, particularmente,
Pernambuco e Bahia. Visitaram alguns engenhos e suas impressões de viagem foram
generalizadas às demais unidades produtivas. Algo parecido deve ter acontecido a
Capistrano de Abreu e Irineo Joffily, que passaram por algumas fazendas e, viram muitos
escravos sem exercer atividades específicas. Eles não acompanharam a labuta do escravo
no dia-a-dia. Sua observação superficial levou-os a concluir que o expressivo número de
negros em todas as propriedades criatórias constituía ostentação, conferia status ao
fazendeiro.
4. Clovis Moura, estudioso de rebeliões de escravos, detectou a presença do negro na
formação étnica e cultural do sertanejo. Mas, o escravo negro, segundo ele, não se engajou
no trabalho produtivo do criatório, ele lá chegou como quilombola, como perturbador da
ordem.
A tese de Clovis Moura não se aplica à Paraíba, como comprovamos nas nossas pesquisas.
Alguns quilombos se formaram na Paraíba, todavia esses redutos de escravos fugitivos não
causaram embaraços à sociedade, nem à economia, exceto o de Craúnas, o de Cumbe e o
do Espírito Santo. Somente nos anos de seca, movidos pela fome, os escravos atacavam,
buscando alimentos. Em conformidade com documentos notariais, na seca de 1877, os
cativos assaltavam comboios, que transportavam farinha e feijão, para comer. Portanto,
eventualmente, eles perturbaram a ordem estabelecida.
5. A última pergunta feita pelo ilustre participante, diz respeito a diferença entre
“cavouqueiro” e agricultor. No mapa da população escrava de Piancó encontramos um
acentuado número de escravos cavouqueiros e de escravos agricultores. Ao nosso ver os
primeiros cavavam a terra para realizar obras de sustentação à atividade criatória,
enquanto que o segundo trabalhava a terra, plantando-a.

2º participante:
Silvana de Souza (participante):
De certo modo, a professora Diana respondeu a pergunta que eu iria fazer se esses três
quilombos ofereciam perigo para a ordem estabelecida. A professora falou que só
ofereceram perigo apenas nas épocas em que eles estavam em dificuldade. Outra questão
que gostaria de saber é por que os holandeses evitaram ter contato com as nativas.
Diana Galliza:
Segundo Irineo Joffily e Irineu Pinto, os quilombolas de Craúnas e de Cumbe não somente
invadiam as propriedades, bem como incendiava-nas, aliciavam os escravos que
encontravam e levavam-nos para seu reduto. Esses dois quilombos foram constituídos por
negros remanescentes de Palmares. Era, pois, escravos fugitivos e revoltados que lutaram,
contra as tropas policiais que foram destroçá-los e exterminá-los. Dominava-os um
sentimento de revolta e de vingança. Irineu Pinto narra que a destruição de Cumbe se
deveu à iniciativa particular. João Tavares de Castro reuniu seus negros, contratou alguns
soldados e conseguiu exterminar o quilombo de Cumbe.
Talvez fatores cultural e religioso fossem responsáveis pela não miscigenação dos
holandeses. Os anglo-saxões e os batavos de formação protestante, anglicana ou calvinista
não estavam predispostos a se cruzarem com os nativos ou os negros. Enquanto que os
colonizadores católicos eram menos preconceituosos e se misturavam com os nativos e
com os africanos. Ademais, a miscibilidade foi uma das características da colonização
portuguesa.
3º participante:
Guilherme d’Avila Lins: (Sócio do IHGP e do IPGH)
Geografia e História da PB
177
Quero parabenizar a professora Diana Galliza por sua exposição e gostaria de lhe fazer
uma pergunta. O fenômeno da imigração italiana não ocorreu na Paraíba, para substituir a
mão escrava, como ocorreu em São Paulo. Como a confreira vê essa diferença? Será que
nós estávamos num processo mais deteriorado por causa da economia açucareira no
Nordeste? Particularmente, a Paraíba estava sem força para tentar um resgate da
hegemonia da produção econômica do açúcar, sem força para fazer vir colonos
estrangeiros para substituir a mão de obra escrava? Como a expositora vê o processo que
aconteceu em São Paulo e o que aconteceu na Paraíba?
Quero fazer uma observação de minha parte. No período colonial o braço escravo índio foi
substituído pelo braço escravo negro, num processo gradativo. Como e quando isso
aconteceu? Na minha observação, quando a gente analisa as denunciações do Santo Ofício,
na primeira visitação, com as confissões a gente verifica que houve uma grande
predominância da citação do elemento índio sobre o elemento negro até aquela época de
1595. Existe o negro citado, mas com muito menos freqüência do que o negro brasil e a
negra brasila. A partir do século XVII há uma transformação gradativa e a população
escrava negra começa a sobrepujar a população índia, mesmo porque houve a
determinação de que o índio não devia ser feito escravo. O início da preponderância do
escravo negro, na Paraíba, se dá a partir do início do século XVII. Eu gostaria de ouvir sua
opinião a esse respeito.
Diana Galliza:
1. Uma das razões, pela qual não ocorreu a migração italiana para a Paraíba, foi porque
sua economia estava em crise, não atraindo esses europeus. Diferentemente do Sudeste,
particularmente São Paulo, cuja economia estava em franca expansão. Além disso o
Império subsidiou a vinda do colono italiano para São Paulo, que estava necessitando de
braços para a lavoura cafeeira. O Nordeste, inclusive a Paraíba, com o açúcar em
decadência, não oferecia um mercado de trabalho que motivasse uma migração subsidiada
pelo governo imperial. Também o clima quente do Nordeste não era convidativo ao italiano,
como o de São Paulo, semelhante ao clima temperado europeu.
2. Quando começou a colonização da Paraíba nas últimas décadas do século XVI, a
população nativa predominava. Os índios não aceitaram ser escravizados e os jesuítas se
posicionaram a seu favor. O português colonizador não quis desperdiçar seu tempo,
preparando a mão-de-obra indígena para o trabalho agrícola, como o fizeram os jesuítas.
Na ânsia pelo lucro imediato, o senhor de engenho recorreu à importação do africano que,
além de constituir força de trabalho nas unidades açucareiras, proporcionava elevados
ganhos aos traficantes negreiros. Com a expansão da empresa agrícola açucareira, com a
intensificação da importação de escravos africanos e com o genocídio praticado pelo
colonizador aos nativos a população negra superou a indígena, gradativamente.
4º participante:
Maria do Socorro Xavier (Escritora):
Quero registrar alguma coisa sobre os quilombos, por que a gente sempre discutia, no
Recife, com o professor Antônio Montenegro, que tem um livro sobre escravidão, onde
focaliza com persistência a questão da resistência. Os quilombos eram formados desde o
início quando os escravos chegaram aqui simplesmente por questão de resistência e não
como muita gente pensa que era porque estavam fugindo de alguma coisa. Eles não
aceitavam a escravidão.
Em contato com um amigo de Moçambique, que está nos visitando, houve um
questionamento sobre como os negros lá na África viram essa escravidão ocorrida no
Brasil. É questão que até então não tinha sido despertada. Gostaria de saber qual a
impressão dos africanos sobre o problema do tráfico escravo para o Brasil?
Diana Galliza:
Não apenas o quilombo foi uma forma de resistência, bem como o suicídio, tão comum
entre os escravos. Houve vários tipos de resistência negra, tanto que os estudos recentes
Geografia e História da PB
178
sobre a escravidão contestam que ela tivesse sido só coercitiva; fora, também, consensual.
Se houve coerção, houve, igualmente, reação do cativo. O senhor teve que ceder e
chegou-se a um consenso. Os negros conseguiram preservar sua cultura, hábitos e
religião.
Em relação a seu amigo africano, oriundo de Moçambique, interessado em saber como a
África vê o problema da escravidão no Brasil, isto é uma pesquisa que deverá ser
desenvolvida por ele, no continente africano. Concluído o trabalho, ele poderá escrever um
livro e dar uma grande contribuição ao estudo da escravidão no Brasil. Sei que escravos,
após obterem sua alforria, retornaram à África e alguns deles se tornaram prósperos
empresários. Manuela Carneiro da Cunha, no livro de sua autoria NEGROS,
ESTRANGEIROS. OS ESCRAVOS LIBERTOS E SUA VOLTA À ÁFRICA, aborda essa questão.
9º Tema
AS LUTAS NATIVISTAS NA PARAÍBA
Expositor: José Octávio de Arruda Mello
Debatedora: Inês Caminha Lopes Rodrigues
A fala do Presidente:
Inicio a sessão compondo a mesa com o confrade José Octávio de Arruda Mello, que será o
expositor desta sessão; com a professora Inês Caminha Lopes Rodrigues, que será a
debatedora; com o professor Aécio Villar de Aquino. O tema a ser debatido hoje é AS
LUTAS NATIVISTAS NA PARAÍBA.
Desnecessário fazer a apresentação do confrade José Octávio, que é figura bastante
conhecida de todos. Todavia, é bom recordar que ele é nosso sócio, é membro da
Academia Paraibana de Letras e do Conselho Estadual de Cultura.. Ex-professor de História
da Universidade Federal da Paraíba, atualmente ele leciona essa disciplina na UNIPÊ e na
Universidade Estadual da Paraíba. É formado em Direito, pela UFPB e tem curso de
especialização em Técnicas de Pesquisa História pela Universidade de Pernambuco, onde se
laureou como Mestre e é Doutor em História pela USP. Ele sempre diz que dessas posições
mencionadas, a que ele mais se orgulha é ser o coordenador do chamado Grupo José
Honório.
Feita esta apresentação, vamos ouvir o professor José Octávio, que exporá sobre o tema
AS LUTAS NATIVISTAS NA PARAÍBA.
···
Expositor: José Octávio de Arruda Mello (Sócio do IHGP e da Academia Paraibana de
Letras, professor de História na UNIPÊ e UEPB, Mestre e Doutor pela USP)
Darei uma feição um pouco diferente no sentido de torná-la mais coloquial, mais fraternal,
mais amiga. Não tenho a pretensão de dar uma aula, de fazer exposição tradicional para
pessoas como Wilson Seixas, que é o nosso Capistrano de Abreu, como Aécio Aquino, Luiz
Guimarães e tantas figuras que vejo aqui, todas da melhor qualificação.
Vamos trocar algumas idéias em torno do tema e para início de conversa quero chamar a
atenção para essas publicações (exibe as publicações) que propõem uma visão nova do
tema aqui programado, que são AS LUTAS NATIVISTAS NA PARAÍBA. No paper que
distribuí com os senhores aparece o título LIBERALISMO E SÉCULO XIX NA PARAÍBA, que é
a mesma coisa. Não importa a denominação, porque já ultrapassamos o nominalismo, que
foi uma característica da escolástica medieval na fase da sua decadência. Assim, tanto faz
AS LUTAS NATIVISTAS NA PARAÍBA como LIBERALISMO E SÉCULO XIX NA PARAÍBA. O
liberalismo vai ser exatamente o instrumento ideológico, o instrumental, o ferramental que
move essas lutas nativistas no século XIX.
Lutas nativistas, por que? Porque elas são impregnadas de um espírito nacionalista. Aí
quem realmente tematiza muito bem o assunto é Barbosa Lima Sobrinho num trabalho que
foi recolhido das livrarias, mas eu tenho, que está na coleção CADERNOS DO POVO, uma
coleção muito inflamada, mas de trabalhos muito bons. Barbosa Lima, no livro dele, DESDE
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QUANDO SOMOS NACIONALISTAS, chama a atenção para o fato de que o nacionalismo
resulta de uma contradição entre os interesses estrangeiros, que se fixaram inicialmente
nos portugueses, depois nos ingleses, depois nos americanos, e os interesses nacionais.
No caso dos portugueses essas contradições afloraram dentro da Colônia, por ocasião do
domínio holandês, quando a gente tem aquela Guerra dos Mascates (que, na interpretação
de Caio Prado Jr., é uma luta de classes, é uma luta entre a burguesia nativista rural de
Olinda e a burguesia de interesses externos de origem holandesa e vinculados ao comércio
português). Depois temos aquele movimento dos Emboabas, em Minas Gerais. À proporção
em que a riqueza vai se adensando os interesses em torno dessa riqueza vão se
concentrando e vão surgindo, evidentemente, duas correntes: a dos interesses alienígenas
e a dos interesses nativistas. Daí Lutas Nativistas, as lutas que visam expressar os
interesses nacionais para a preservação daquelas riquezas que estavam sendo arrecadadas
por grupos estrangeiros.
Isso teve um sentido antiflamengo, mas no período colonial as lutas são sempre contra os
portugueses, e Recife é uma das expressões mais vivas disso, quando surgiram os motins
chamados “mata, mata marinheiro” (marinheiros eram os comerciantes portugueses, pés-
de-chumbo, também chamados). Essas lutas fornecem o pano de fundo para o liberalismo
no Nordeste. Eu procurei tratar desse tema neste trabalho VIOLÊNCIA E REPRESSÃO NO
NORDESTE, onde mostrei que Recife significou o eixo da luta no Nordeste. Esses assuntos
também foram abordados nos fascículos publicados pela A UNIÃO. Também na Coletânea
do IV Centenário, que abrange 102 trabalhos publicados no jornal O NORTE, o assunto é
tratado.
Ao mostrar estes trabalhos eu estou seguindo uma linha do nosso grupo, que pretende
substituir os conceitos pelas indicações. Eu não tenho aqui a intenção de dizer isso é
aquilo. Acho tal uma visão autoritária da história. Precisamos dar ao ensino um caráter
democrático, um caráter aberto. O caráter aberto é esse, de fornecer as indicações, quer
dizer, as fontes, as leituras, os instrumentos para que os educandos, e no caso a
sociedade, componham a sua própria formulação. E é que me ocorre aqui a respeito dessa
questão do século XIX, sobre as rebeliões nativistas ou dessas lutas liberais do século XIX.
A respeito desses movimentos há uma visão tradicional que procura exaltar o heroísmo de
Peregrino de Carvalho, que aparece como mártir do canibalismo oficial, onde a gente vê no
quadro de Parreiras quando ele se rende ao pai e na igreja de N. S. de Lourdes, onde o
Instituto Histórico colocou uma placa no centenário de 1817; por conta disso, outros aqui
quiseram exaltar Felix Antônio, herói da Confederação do Equador; por conta disso foi
aposto seu retrato na nossa galeria, um barbudo que tem aqui, que ninguém sabe quem é.
É um sargento-mor, um caudilho de Areia, que proclamou a República por ocasião da
Confederação do Equador, de 1824. Ele não é a grande figura da Confederação do
Equador. A grande figura da Confederação do Equador é Frei Caneca, que é um ideólogo,
que é um pensador que ficou; não é um sargento-mor que veio de Areia e ficou
combatendo e guerreando. Frei Caneca estava com ele, também.
Os movimentos nativistas são muito focalizados através da trindade 1817, que é a
chamada Revolução Pernambucana, 1824, que é a Confederação do Equador e 1848/49,
que começou em 48 em Recife, final de novembro, com Nunes Machado, que foi o Frei
Caneca da Praia; Nunes Machado foi o grande líder da Praieira, que leva o povo para rua e
recebe um tiro na testa e cai ali mesmo. Por conta disso, Areia procura monopolizar esse
movimento. Uma coisa interessante é que as pessoas mais conservadoras de Areia exaltam
1848 e até dizem terem participado de 1817. Não participaram de 1817, mas, sim de 1824
e 1848, através de seus ancestrais. É o chamado areísmo.
Essa é a visão tradicional das lutas nativistas, visão a que pretendo fugir aqui. Eu não
subscrevo, como de resto a maioria que faz o Instituto Histórico, não subscrevo esse
conceito heróico, esse conceito tradicionalista, esse conceito apoteótico dos movimentos de
1817, 1824 e 1848, até porque esses movimentos não se resumem a essas três etapas. Há
muitos outros, inclusive 1801, a chamada Conspiração dos Suassunas.
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180
Para a gente substituir essa visão heróica, de ufanismo, de exaltação pessoal, faz-se mister
a gente substituir esse conceito por um entendimento do processo histórico; o que a gente
precisa é realmente inserir esses movimentos dentro do processo histórico para extrair o
seu significado, para alcançar a sua inserção dentro da seqüência, dentro do devenir da
história.
Para isso, o que é necessário? Partir do século XVIII. Se esses movimentos se verificam no
século XIX, se eles começam pela Conspiração dos Suassunas (aí não é uma revolução, é
uma conspiração porque é um movimento abortado no nascedouro). Essa conspiração é de
1801, aqui na fronteira, entre Goiana e Itambé, nessa área (incluindo o Areópago de
Itambé? - interfere um participante). Ai se toca numa questão importante que é objeto de
franco revisionismo. José Antônio Gonsalves de Mello, que é um homem muito
conservador, mas um pesquisador sério, fulminou na introdução que fez à obra de ARRUDA
CÂMARA – OBRAS REUNIDAS (1982) essa história do Areópago, que, aliás, foi inventada
por um historiador paraibano que é participante do movimento de 1848. Foi Maximiano
Machado que inventou isso. Maximiano gostava muito disso, um ótimo historiador; eu
gosto muito de Maximiano, combativo, radical, antiabsolutista, anticolonialista, mas desse
tipo que se deixa levar pela empolgação e então inventou essa história do Areópago e todo
mundo ficou repetindo isso. José Antônio foi verificar e primeiro verificou que Arruda
Câmara nunca morou em Itambé; depois que não havia loja com essa denominação;
depois verificou o principal, que Arruda Câmara, que é uma figura avançada em termos de
educação, naturalista, não era partidário do liberalismo, era quando muito um
representante do despotismo esclarecido. Aquela corrente entre o velho absolutismo e o
liberalismo.
Isso teve um impacto tão grande que eu estive num seminário em Pernambuco, com a
presença do alto comando da historiografia brasileira, falou-se nessa questão do Areópago
e, quando lembrei a pesquisa de José Gonsalves, ficou todo mundo calado. Até hoje não se
ofereceu uma resposta adequada a essa colocação.
O fato é que José Gonsalves fulminou essa tese tradicional de que os movimentos 1801,
1817, 1824 e 1848 eram produtos da ação do ideólogo do liberalismo que foi o padre
Arruda Câmara, naturalista, botânico, formado em Paris, que voltou para cá e espalhou
essas idéias pelo Nordeste, a partir de sua ação no Areópago. Esse entendimento está
sobrestado. Esse entendimento ninguém pode estar repetindo. Porque José Antônio
mostrou que não tem fundamentação. Ele analisou a obra de Arruda Câmara e não
encontrou elementos liberais lá, não encontrou liberalismo algum em Arruda Câmara.
Arruda Câmara que era uma figura avançada apenas no plano da educação.
Para entender-se essas lutas nativistas, o substrato desse liberalismo, a gente precisa
realmente retroagir até a segunda metade do século XVIII, que é exatamente o tema de
um dos fascículos que apresentei no início da exposição.
Eu acho o século XVIII o século mais importante da Paraíba. Porque em primeiro lugar é o
século em que se cristaliza a penetração, a integração territorial. A Paraíba não é o litoral.
O Brasil não é o litoral. Essa é a tese de Capistrano de Abreu. Pelo litoral a gente importa
os elementos estrangeiros, sobretudo a cultura estrangeira. O Brasil é um produto do
sertanismo. O Brasil não é uma criação de Portugal, como vão dizer agora durante o V
Centenário. O Brasil é um produto da sua gente, do seu povo. A miscigenização, a
integração territorial, a unidade da língua, isso não foi doação portuguesa, isso foi um
produto dos brasileiros. Isso foi formulado por gente como Domingos Jorge Velho, que nem
a nossa língua falava. Ele passa por aqui e fala com o Bispo de Olinda, que expede uma
carta para o rei dizendo que esteve aqui um selvagem que nem a nossa língua fala e se
encontra apartado de todos os princípios da civilização. O Brasil não é uma nação
portuguesa, bobagem que sempre se repete por aqui. Os Estados Unidos não vivem
trombeteando que são um produto da Inglaterra. A Holanda não vive dizendo que é
produto da Espanha. Só o Brasil que vive com esse colonialismo de exaltar Portugal.
O nativismo vai constituir uma formulação contra isso. Mas o que foi que aconteceu no
século XVIII? Além da integração territorial, da expansão territorial da Paraíba, que não é
Geografia e História da PB
181
exclusivamente do século XVIII, ela vem de trás, ela vem de depois das invasões
holandesas entre 1860/70. Ela se cristaliza no século XVIII, que é o século da expansão
territorial, da integração interiorana paraibana. Como é o século do sertanismo brasileiro.
Capistrano mostrou nos livros dele. Inclusive os municípios mais distantes da Paraíba vão
ser ocupados no finalzinho do século XVIII, já passando do século XVIII para o século XIX.
Princesa, em 1803, Monteiro em 1805.
Este século, que teve esse aspecto positivo, também comportou elemento negativo com o
profundo declínio da nossa economia e marca a presença da Companhia de Comércio de
Pernambuco e da Paraíba, uma forte afirmação do monopólio português, que organizou
uma companhia para melhor explorar a Capitania. Essa companhia é uma bomba de
sucção, como todo mecanismo de exploração colonial. Vendia caro e comprava barato.
Essa companhia é estudada por um historiador de São Paulo, José Ribeiro Júnior. Aqui, a
professora Elza Régis, saiu-se muito bem, com o livro que foi publicado durante o IV
Centenário da Paraíba. Essa companhia teve tanto prestígio que o beco onde estava
localizada, na rua Duque de Caxias, onde hoje funciona a ADESG, ficou conhecido como
Beco da Companhia. Sua atuação acarretou a perda da autonomia da Paraíba. De 1753 a
1799 a Paraíba declinou tanto no plano econômico que se refletiu no plano político,
deixando de ser uma capitania autônoma e se vinculou a Pernambuco. Elza Régis acha que
essa questão não teve nada a ver com a Companhia de Comércio, mas, data vênia, não
penso assim. Acho que uma coisa é ligada à outra.
O fato é que a Paraíba entrou numa situação desastrosa, no século XIX. E há um
documento que reflete isso, e é um dos sete principais documentos da História da Paraíba.
É o Relatório do governador da Paraíba Fernando Delgado Freire de Castilho, que se
tornou patrono de uma das cadeiras do Instituto por sugestão minha.
Aqui, quando foram escolher os patronos das cadeiras, o ambiente não era bom porque
todo mundo queria botar os elementos da família. Teve um que botou quatro, outro quis
votar seis. A gente resistiu, eu, Aécio e outros.
Fernando Delgado tem uma ruazinha com o nome dele, onde morava o historiador
Archimedes Cavalcanti, que fica entre o Astréa e a Bica.
O rei de Portugal perguntou a Fernando Delgado se a Paraíba tinha condições de retomar
sua autonomia. Tinha havido muitas pressões para acabar com essa dependência interna.
Ele não se limitou a responder sim ou não. Ele escreve um Relatório magistral de 9 a 10
páginas, que está no livro de Irineu Pinto DATAS E NOTAS PARA A HISTÓRIA DA PARAÍBA,
juntamente com outros três relatórios. Nesse relatório ele começa por descrever a situação
geográfica da Paraíba, depois as nossas costas, rios, as matas e depois entra na parte
econômica, atacando virulentamente as Companhias de Comercio, dizendo que são as
pestes que avaramente drenam a riqueza das capitanias. É uma linguagem assim.
O instrumento de luta contra essa decadência, contra essa submissão, contra a exploração,
é o liberalismo. O liberalismo estava em evidência a partir das grandes revoluções. Primeiro
as revoluções inglesas (1648 e 1688); depois vem a revolução norte-americana (1776) e a
francesa (1789). No conjunto formam o chamado liberalismo, o iluminismo, o pensamento
destinado a iluminar, pela razão, o mundo e desfazer as trevas do absolutismo.
É preciso distinguir uma coisa no liberalismo anglo-flanco-americano e outra no brasileiro.
Jaurès, grande historiador da Revolução Francesa, viu isso muito bem, dizendo que a
Revolução Francesa é uma revolução amplamente burguesa e, portanto, democrática,
enquanto as outras são restritamente burguesas e, portanto, conservadoras. Essa distinção
Caio Prado Jr. fez muito bem, naquela EVOLUÇÃO POLÍTICA DO BRASIL. Aliás, Alberto
Torres já tinha visto isso, no início do século.
É evidente que o liberalismo era o ferramental, era o geral, mas ele vai ganhando
particularidades. Uma coisa é o liberalismo francês, movido pelas massas parisienses, da
guarda nacional; a França tinha uma coisa que os Estados Unidos e a Inglaterra não
tinham, que era uma cidade com ares de metrópole, uma cidade profundamente
revolucionária, que era Paris, empurrando o movimento para frente e transmitindo esse
Geografia e História da PB
182
élan. O liberalismo norte-americano é um liberalismo mais bem comportado, é um
liberalismo mais jurídico. O francês é mais social, devido à participação das massas. O
inglês vai se completar em 1830 com aquelas revoluções chartristas. Ora, se na matriz do
liberalismo havia essas divergências, essas diferenças, imagine-se com relação à América
Latina; imagine com relação ao Brasil; imagine com relação à Paraíba.
Que liberalismo era o que nós tínhamos? Primeiramente o liberalismo dos senhores de
engenho. Um liberalismo excludente. É como outro mito que aparece. Estou até fazendo
um trabalho para apresentar em Recife sobre D. João VI e eu vou para lá dizer que D. João
VI era um rei covarde, inepto e fujão. Aparece uma história aqui dizendo que o Exército
brasileiro é um produto de três raças; é produto da fusão do negro, do índio com o branco.
Gerou-se uma democracia nas lutas holandesas. Não é possível! Os negros ali eram negros
forros; os índios eram índios aculturados. E tinha quer ser. Os brancos iam entregar armas
aos negros para se voltarem contra eles? Iam entregar armas aos quilombos? Iam entregar
armas aos índios? Se a nação brasileira surge em Guararapes, na luta contra os
holandeses, é uma nação excludente, é uma nação em que não há igualdade, é uma nação
de alguns, o que aliás permanece até hoje. A nação dos ricos, a nação dos poderosos, a
nação dos cidadãos e a massa inteiramente destituída de maiores possibilidades. Isso vai
se cristalizar no século XIX.
O nosso liberalismo aqui é um liberalismo formal, não é um liberalismo que pretenda
mudanças no plano econômico, mas apenas no plano político. Não se trata de mudar a
estrutura econômica, muito menos a situação social. Esse liberalismo que aparece aqui é
um liberalismo postiço, formal. Esse liberalismo permanece convivendo com a escravidão,
que trata os desiguais. Joaquim Nabuco tem um discurso forte contra isso. Isso vai se
refletir na Constituinte de 1823. Há um livro muito bom de José Honório Rodrigues sobre o
assunto, que é A ASSEMBLÉIA CONSTITUINTE DE 1823. Ali ele mostra que os deputados
perceberam que pertenciam à mesma nação, à mesma pátria, foi ali que se viram falando a
mesma língua, mas eles se perguntam logo se os índios são cidadãos brasileiros, se os
negros são cidadãos brasileiros. A idéia deles é uma idéia excludente. Depois consagrando
isso vai surgir o voto censitário, o chamado voto da mandioca, onde as pessoas para votar
tinham de demonstrar a propriedade de alguns alqueires de mandioca, alguma renda. Esse
é o nosso liberalismo, evidentemente distanciado do liberalismo francês. É um liberalismo
que cristaliza o poder da burguesia exportadora e dos grandes proprietários em detrimento
dos índios, dos negros e dos pobres, que ficam inteiramente marginalizados no processo
político, histórico e social.
Quem move esse liberalismo é a Maçonaria e a Igreja, aliás a Igreja não, o baixo clero. Na
Igreja há uma distinção muito clara, que começa a se verificar no século XVII, século XVIII,
entre suas camadas mais elevadas identificadas com o colonialismo e as camadas mais
ligadas ao povo. Padre Ibiapina, frei Martinho, são missionários mais ligados ao povo.
Aparece o Seminário de Olinda com a participação destacada do Bispo Azeredo Coutinho,
apesar de reacionário e escravocrata, como Cairu, que foi o responsável pela abertura dos
portos.
Esse liberalismo é impulsionado pelo baixo clero, daí 1817 ser conhecido como a revolução
dos padres. Esse termo é de Oliveira Lima, porque houve uma grande participação dos
padres, não somente pelos mais destacados que conhecemos, mas por aqueles outros do
Ceará, padre Mororó, padre Carapinima; na Bahia, o padre Roma, que foi sacrificado em
1817 e o filho Abreu e Lima, o general das massas, assistiu à agonia do pai.
Também a Maçonaria impulsionou esse liberalismo. Há uma distinção entre a Maçonaria
européia, dos jacobinos, e a nossa Maçonaria. A Maçonaria francesa é virulentamente
anticlerical, porque lá o trono está unido ao altar. A Maçonaria é uma força de
transformação na Europa, representando a corrente mais avançada da burguesia. Aqui a
Maçonaria se compõe com os grandes proprietários, e se compõe com a Igreja. Vão se
separar em 1874, por ocasião da Questão Religiosa.
Realmente, as idéias estão fora do lugar, como diria Ecléa Bosi.. Não é a mesma coisa que
o liberalismo europeu.
Geografia e História da PB
183
Aí começam a pipocar os movimentos liberais impregnados dessa dupla idéia: no plano
nacional, de romper com a tutela colonial; no plano da Paraíba, romper com a supremacia
de Pernambuco, mais particularmente do Recife.
É quando surge a Conspiração dos Suassunas, um movimento que apareceu nessa zona
canavieira, a mais impregnada desse ardor nativista porque o açúcar era a nossa principal
riqueza (o algodão estava ainda aparecendo) e estava sendo explorada pelas companhias
de comercio. São os senhores de engenho que assumem esse movimento. Os irmãos
Suassuna são senhores de engenho nessa zona de Goiana, Pedras de Fogo, Itambé. Há
uma série de documentos que são fundamentais para a compreensão desse movimento. É
a série DOCUMENTOS BRASILEIROS, que foi publicada pelo Arquivo Nacional na época de
José Honório Rodrigues.
Mais recentemente, deslocando essa questão do plano econômico para o social, quem
apareceu com um bom trabalho foi Maria do Socorro Ferraz – LIBERAIS E LIBERAIS.
Porque a questão que se põe em foco é a da independência. O liberalismo, que na Europa
significava a ascensão da burguesia, uma transformação social, que nos Estados Unidos
significava uma afirmação jurídica e que na Inglaterra possuía um dimensionamento
institucional, aqui ganha uma feição nacional. O liberalismo aqui é a doutrina da
emancipação, é a doutrina da independência. Mas, feita dentro dessas bases, uma
independência controlada pela categoria exportadora, colocando fora da cidadania os
negros, os índios e os que não adquiriam um determinado nível de renda.
Os constituintes de 1823 discutiram isso. Eles conheciam muito os autores franceses, os
autores norte-americanos, assim como os padres do movimento de 1817.
Socorro Ferraz, no trabalho dela, coloca que em termos da independência havia três linhas,
três fórmulas. Uma é a que vai prevalecer sob o comando do grande chefe das forças
nacionais, que é o maior estadista brasileiro de todos os tempos que foi José Bonifácio.
José Bonifácio articula a forma de independência com monarquia através da agregação das
províncias por meio do Conselho de Procuradores. Mas havia duas outras. Havia a fórmula
federalista, pela qual vai se bater Frei Caneca, que era uma forma de descentralização,
uma forma federativa ou confederada, em que as antigas capitanias não ficavam tão
amarradas ao centro. E por que essa preocupação?
Quando D. João VI chegou aqui (não teve nada de preparar a independência) o fez com
uma corriola para roubar o país, saquear o país, tirava dinheiro das províncias para
mandar para a Corte a fim de manter a corriola dele. As províncias estavam com muito
receio de que uma independência centralizada repetisse isso e assim apelavam para o
federalismo, cuja maior expressão era o Frei Caneca. Aliás, sempre revelei interesse em
saber o pensamento de Frei Caneca sobre a escravidão.Um colega já me disse que ele não
toca na questão da escravidão.
Havia uma terceira fórmula, que é de vincular o Brasil aos portugueses através da união
das coroas, fórmula que adotou Pedro I (Pedro I tem pouco a ver com a nossa
Independência).
Eu gosto muito do trabalho de Socorro Ferraz. Ela mostra que os movimentos têm em vista
a flutuação dessas formulações. Esse período aí, de 1801 até 1848, não só ocorre em
1817, 1824 e 1848. Como se sabe houve muitos movimentos populares que ocorreram em
Recife, que repercutem aqui na Paraíba e Itabaiana. Itabaiana é realmente a cidade que
representa o elemento de ligação entre Pernambuco e a Paraíba. Os movimentos são
intensos, havendo num período entre 1832 a 1838 os que ficam conhecidos como Abrilada,
Setembrizada, Novembrada e ocorrem vários motins de escravos. E a historiografia fica
somente em 1817, 24 e 48 porque são movimentos das camadas mais elevadas, o que
levou José Honório Rodrigues a considerar ser uma historiografia dos poderosos para os
poderosos. Esse assunto eu coloco num dos fascículos publicados pela A UNIÃO, sob o
título TENSÃO SOCIAL E MOTINS REGÊNCIA.
Assim, fiquei fiel ao nosso princípio de substituir os conceitos pelas indicações.. Por isso
estou indicando as fontes, os lugares onde passamos encontrar uma visão nova.
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Para encerrar, eu pergunto: por que esses movimentos são tão glorificados pela
historiografia oficial? Em primeiro lugar, eles foram muito glorificados no início da República
porque se voltam contra a Casa de Bragança, que só sai do Brasil em 1889, quando a
República fica no lugar da Monarquia. Aí se começa uma incrementação ideológica da
República, porque esses movimentos todos tiveram tendências republicanas, tanto 1817,
como 1824 e 1848. Quando a República se coloca no lugar da Monarquia, começa-se a
valorizar esses movimentos, o que explica aquela placa colocada na Igreja de Lourdes, por
ocasião do centenário de 1817. Em segundo lugar, porque são movimentos conservadores,
não são movimentos sociais. O que avançou um pouquinho foi 1817, aqui. Isso porque a
situação da Paraíba era muito ruim, deficiente, então os revolucionários que formam o
Governo – com a participação de Antônio Carlos Ribeiro de Andrada – elaboram a primeira
constituição brasileira, a de 1817, cujo mentor foi Antônio Carlos, que foi aqui
representante da Paraíba no Governo Provisório. Antônio Carlos era uma grande figura,
mas era muito soberbo, sobranceiro. Ele parece que tinha mais brilho que José Bonifácio.
Os três irmãos eram grandes. Martim Francisco era muito versátil em questões de finanças,
inclusive ele é contra aqueles empréstimos da Independência. Aqueles empréstimos são
contraídos depois que D. Pedro I afasta os Andradas. Isso Socorro não percebeu. No seu
trabalho ela procura mostrar essas três categorias: a forma da Independência que
prevalece, a Independência com a Monarquia, a segunda forma, a federativa e a terceira,
que é a portuguesa. Ela reclama muito da primeira, dizendo que nela residiam as sementes
do autoritarismo. Não é verdade porque o centralismo de José Bonifácio não era de fins,
era de meios. Ele queria se dotar de poderes para realizar transformações. Transformações
da situação agrária, da situação social, da situação educacional, da potencialização das
riquezas. Era isso que José Bonifácio queria fazer com plenos poderes. Não era para fazer
como Pedro I. Pedro I, sem José Bonifácio, vai usar os plenos poderes para esmagar as
províncias, como aconteceu em Pernambuco e depois no Ceará, em 1826. Acho o trabalho
de Socorro Ferraz excelente, mas entendo que ela não compreendeu o pensamento do
grande Andrada. Esse era um liberal. Era um liberal mais conseqüente, como aquele
pessoal que o cercava. Tinha até um paraibano, que era Manoel Carneiro da Cunha (que
José Honório ressalta, na bravura e no radicalismo). Havia Montezuma, o coronel Nóbrega.
Esse era o grupo de José Bonifácio, que foi todo preso na dissolução da assembléia
constituinte.
1817 tem, portanto, a participação de Antônio Carlos aqui no Governo da Paraíba (não sei
se chegou a vir até aqui), celebra-se a primeira constituinte e o movimento avança um
pouco porque pretende se voltar contra as taxas e impostos que incidiam sobre comércio
interprovincial. Pernambuco assustou-se com isso. Assustou-se por que? A Paraíba era
caudatária de Pernambuco, era satélite. Há uma carta no livro de Irineu Pinto DATAS E
NOTAS PARA A HISTÓRIA DA PARAÍBA, onde os pernambucanos pedem aos paraibanos
frearem um pouco o impulso do movimento de 1817.
Em 1824, já falei sobre Felix Antônio, aquele caudilho areense que proclamou uma
decantada república em Areia, e até botaram um retrato dele aqui no Instituto. A grande
figura a ser estudada é Frei Caneca, que aliás percorreu a Paraíba, depois. É o ideólogo de
1824. José Honório tem um capítulo bonito sobre ele num livro chamado HISTÓRIA CORPO
DO TEMPO. José Honório diz assim: Frei Caneca ou a luz gloriosa do martírio. Quem quiser
pense que a repressão é besta. A censura não permitiu que fosse publicado o artigo em
1972, porque José Honório estaria usando Frei Caneca contra o autoritarismo da época. Era
o General Médici. O pensamento de Frei Caneca era muito identificado com o do abade
francês Sièyes, que tem um trabalho QUE É O TERCEIRO ESTADO, que foi a corrente mais
avançada da Revolução Francesa. Esse livrinho começa assim: “Que é o Terceiro Estado?
Tudo. O que está sendo?. Nada. O que ambiciona ele? Todo o poder.” É a frase inicial desse
fascículo forte.
Como vocês sabem, a Constituição de 1824 foi outorgada. Fecharam a constituinte e
expulsaram os Andradas. Quando José Bonifácio volta vem muito pacificado. O exílio
parece que amortece muito esse impulso radical das pessoas. Vejam o exemplo de Brizola
e do pessoal de 64.
Geografia e História da PB
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Aécio Aquino está lembrando que quando ele voltou já estava bastante idoso, e eu
relembro que Portugal quis matá-lo, em 1823. Portugal não o matou por causa da
interferência dos ingleses, que confiavam muito nele e o admiravam.
Em 1824, como sabem, Frei Caneca esteve preso no extremo Oeste da Paraíba, voltou,
esteve em Campina Grande; era um homem ascético, consta que ali se contentou com
umas bolachas e um pouco de vinho. Felix Antônio conseguiu fugir. Felix Antônio era um
homem corajoso, bravo, tinha méritos, mas não tinha a dimensão ideológica de Frei
Caneca. Frei Caneca era um pensador. Socorro Ferraz diz no seu livro que Frei Caneca
possuía um projeto para a independência do Brasil, que era o projeto que o centralismo
esmaga, a princípio com Pedro I, depois com Feijó, depois com o regresso de 1840, sempre
centralizando para abafar os impulsos autonomistas das províncias.
Enfim, a Praieira torna-se muito importante para nós por causa de Maximiano Machado,
que se tornou na Paraíba uma figura de destaque. Ele era Delegado Municipal e Juiz de
Areia quando as tropas praieiras, derrotadas na Soledade, vieram para cá, enquanto a
outra coluna foi para Alagoas. Elas foram para Alagoa Grande, subiram aquela serra e se
fortificaram lá em cima. Maximiano, como Delegado e Juiz, recebeu instruções para fechar
a cidade aos praieiros. Mas ele era um liberal radical.
Que é liberal radical? Radical é quem vai à raiz. Liberal radical é liberal de esquerda, é
liberal mesmo, um liberal avançado. O liberalismo radical está nas fronteiras do socialismo.
Abreu e Lima era um. Era o chamado socialismo utópico. Maximiano Machado era um
liberal radical. Ele fez o contrário do que instruíram; abriu a cidade aos praieiros e
fortificou-a contra o Exército imperial, contra as forças da ordem. Os praieiros foram
desbaratados na cidade de Areia. E fugiram tomando diversos destinos. Maximiano
Machado estava entre eles e Ireneu Joffily, menino, presenciou esse episódio.
Refugiando-se em várias localidades, Maximiano escreveu um grande livro, que é o
QUADRO DA REVOLTA PRAIEIRA NA PROVÍNCIA DA PARAHYBA. Maximiano era
antiabsolutista, anticlerical, maçônico, avançado, tinha idéias muito conseqüentes. Pois
bem, escreveu esse livro, que foi reeditado nas celebrações do IV Centenário da Paraíba
por Francisco Pontes da Silva, quando eu era presidente da Comissão.
Com o Dr. Machado, que o nosso presidente Luiz Hugo acaba de biografar, exprime-se um
dos mais altos momentos das luta nativistas da Paraíba que aqui procurei sumariar.
···
A fala do Presidente:
A excelente exposição do confrade José Octávio oferece uma valiosa contribuição a este
Ciclo de Debates promovido pelo Instituto Histórico. No seu estilo próprio, José Octávio
fixou a importância das nossas lutas nativistas, mostrando sua forte vinculação com um
liberalismo que era nacional.
Detalhista, como sempre, registrou alguns fatos pouco enunciados pelos historiadores e fez
algumas contestações, como é de seu feito.
Para complementar sua exposição, teremos a professora Inês Caminha Lopes Rodrigues,
que é professora de História, que já lecionou na Universidade Federal da Paraíba, donde já
se aposentou, mas continua na ativa ensinando História na UNIPÊ e na Universidade de
Pernambuco. É doutora em História pela USP.
Passo a palavra à professora Inês Caminha.
Debatedora: Inês Caminha Lopes Rodrigues (Professora de História na UNIPÊ e UEPB,
leciona na Universidade de Pernambuco na área de Pós-graduação; é doutora em História
pela USP, ex-professora de História da UFPB)
Congratulo-me com os componentes da Mesa e demais participantes, ao dizer para todos
que esta não é minha área de estudo, mas um convite do professor e colega José Octávio
eu não poderia rejeitar. Então vou direto a algumas questões para deixar espaço para os
participantes.
Geografia e História da PB
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Eu me apoiei no fascículo nº 6 da Coleção de História da Paraíba – Independência e
Revoluções Liberais. O professor José Octávio já definiu com bastante lucidez, com
bastante critério, a diferenciação do liberalismo. Quando estudamos o liberalismo na
Europa, ele tem um significado; o liberalismo no Brasil tem outra característica. Inclusive
ele faz diferenças de formulações abstratas, exatamente porque em todos os projetos dos
revolucionários existia o desejo da aplicabilidade do liberalismo. Mas, na prática, ele vai
tendo diferenciações. Uma das coisas que me chamou a atenção, nesse seu fascículo é o
movimento de 1848. Porque quando nós estamos estudando a introdução ao liberalismo,
sempre apoiados na professora Emília Vioti – EMANCIPAÇÃO DA HISTÓRIA POLÍTICA DO
BRASIL – ela faz uma inferência e distingue bastante o liberalismo voltado para a proteção
ao trabalhador. Nesse fascículo, que o tomo como base, eu vejo o movimento de 1848,
quando faz uma inferência que alguns historiadores já caracterizaram nesse movimento;
essa preocupação com o socialismo utópico.
Eu gostaria de saber do professor José Octávio onde nós poderíamos nos apoiar nesse
livro.
José Octávio:
Quero me referir a Amaro Quintas, uma figura a que Pernambuco não prestou a
homenagem que merecia. Era um grande historiador; foi formador de toda essa geração de
novos historiadores da Paraíba e Pernambuco – Manoel Correia, Aécio, Armando, todo
mundo aluno dele. Foi Diretor da Fundação Joaquim Nabuco, morreu e não prestaram uma
homenagem digna a ele. Uma homenagem de avaliar a obra, de reeditar os trabalhos dele.
Morreu e foi enterrado em campa rasa. Ele tem um livro O SENTIDO SOCIAL DA
REVOLUÇÃO PRAIEIRA, onde sustenta a tese em que dentro da Praia havia duas correntes.
Uma corrente mais conservadora de senhores de engenho, que estavam identificados com
aquele espírito tradicional do liberalismo, que era um liberalismo formal do modelo
exportador. Mas ele acha que dentro da Praia havia, sobretudo em Recife, um grupo
avançado, que ele chama o grupo dos 5000 e transcreve o hino desse grupo, o hino dos
praieiros. Ele diz que esse grupo era mais avançado porque queria transformações
principalmente pela nacionalização do comércio de retalhos, porque Recife era a praça onde
o comércio português anquilosava e dominava muito o comércio local. Segundo Amaro
Quintas, esse grupo já estava nas fronteiras do socialismo utópico. E 1848, na Europa, é o
ano do Manifesto do Partido Comunista, cujas idéias chegaram aqui com atraso. Essas
coisas repercutiam aqui. Primeiro, em Pernambuco havia aquele caso de Vautier, que
Gilberto Freyre estudou muito bem.. Era um engenheiro francês que estava introduzindo
aquelas idéias aqui. Aliás, há um autor que diz que D. Pedro II estava no teatro quando
chegaram os jornais dando notícias dos acontecimentos de 1848. É um movimento que vai
terminar nas mãos de Napoleão Pequeno. Um movimento que tinha Gambetta e tinha um
caráter popular, radical, que depois a Comuna de Paris vai aprofundar, em 1871. Pois bem,
D. Pedro não quis mais prestar a atenção à peça e dizem que a peça terminou e ele ficou
lendo os jornais. De certo modo a Casa de Bragança havia se fundido com os Bourbons,
então ele estava preocupado com os acontecimentos, que forçosamente repercutiam aqui.
Então Amaro Quintas sustenta que havia um grupo na praia que queria transformações
sociais, mas isso não é pacífico. José Gláucio não se conformava com isso. José Gláucio
processava um marxismo muito esquemático. Parece que ele é sócio daqui, o pai dele era.
Parece que ele tinha uma rivalidade com Amaro. Agora, Amaro como professor é
historiador, coisa que José Gláucio não é. José Gláucio é um camarada que se mete a falar
sobre tudo, mas não é historiador. José Gláucio diz assim: Eu não sei onde Amaro foi tirar
essa idéia de socialismo utópico na praia. Como é que pode haver movimento socialista
num movimento dominado por senhores de engenho?
Humberto Mello, aparteando:
A propósito dessa afirmação de Amaro Quintas eu queria lembrar que em 1978, quando
houve aquele Seminário Paraibano de Cultura Brasileira, o tema João Pessoa e a Revolução
de 30, e Amaro foi um dos expositores, Amaro negou o caráter revolucionário de 30,
apesar de vitoriosa, enquanto a praieira foi derrotada, mas essa sim foi revolução.
Geografia e História da PB
187
José Octávio:
O livro de Amaro Quintas foi prefaciado por Paulo Francis, que na época estava na
esquerda.
Inês Caminha:
A outra questão que levanto diz respeito ao movimento de 1817. Seria interessante que o
professor José Octávio trouxesse não só para a mesa como para a platéia mais algumas
informações a respeito da Constituição de 1817, inclusive porque ele registra que é a
primeira. Nós, professores de História, enfatizamos muito a Constituição de 1823 e a de
1824, temos, portanto, poucos dados dessa primeira, que seria a partir da Revolução de
1817.
Outra questão da Revolução de 1817 é quando o expositor faz diferença nas duas obras do
professor Carlos Guilherme Mota NORDESTE – 1817 e IDÉIA DA REVOLUÇÃO NO BRASIL,
em que se faz inferência a respeito do caráter de classe dessa chamada Revolução
Pernambucana de 1817. Acho que nos reportaríamos para a questão anterior porque
quando fala no caráter de classe, perguntaria em que sentido seria. Se estaríamos voltados
para a preocupação da revolução industrial, que é uma outra realidade, diferente da nossa.
Nós estamos, nessa fase, em plena efervescência do processo da revolução industrial na
Europa.
A última questão, já citada aqui, que é sobre Joaquim Manoel Carneiro da Cunha, quando
no fascículo nº 6 da Coleção da Paraíba, você enfatizou a questão levantada pelo professor
José Honório Rodrigues de que ele foi uma figura de relevo na bravura e no radicalismo.
Gostaria que você declinasse como se constituía, na prática, esse radicalismo de Joaquim
Manoel Carneiro da Cunha.
José Octávio:
Essa questão da Constituição de 1817 foi levantada numa série de artigos por José Honório
na FOLHA DE SÃO PAULO, mais ou menos em 1983. Alguém escreveu uma carta e falava
na primeira constituição brasileira de 1824, procurando ressaltar Pedro I, que outorgou a
Carta de 1824. Então José Honório fez um artigo mostrando que não. Que a primeira
Constituição foi aqui, em 1817. Nunca vi essa Constituição, mas eu sei onde ela está.. Eu
tenho esse trabalho. Paulo Bonavides está publicando uma série de trabalhos que condensa
uns textos fundamentais para a História do Brasil. É um livro só, com cerca de 800
páginas. Agora virou 12 ou 15 volumes, publicados pelo Congresso. E lá tem a Constituição
de 1817, que ainda não tive tempo de ler.
Carlos Guilherme Mota quando esteve no Nordeste para pesquisar sobre 1817 e quando
escreveu aquele trabalho, era muito marxista. Ele suavisou-se mais. Mas sempre notei seu
pensamento bastante ortodoxo, não diria sectário, mas mecanicista. Aí ele entra um pouco
nessa linha de José de Gláucio, de achar que o movimento é um movimento de classe
exatamente porque era impulsionado por senhores de engenho. Carlos Guilherme avança
consideravelmente sobre José de Gláucio. Carlos Guilherme é historiador. Então ele usa a
documentação do período, sobretudo os folhetos, os boletins. É preciso lembrar que
estávamos ainda sob o governo de Portugal, que impedia a liberdade de imprensa. Não
tínhamos jornais aqui. Então esses movimentos se valeram muito de folhetins, de
panfletos. Esses panfletos são estudados, na Bahia, por Kátia Queiroz Matoso, que tem um
trabalho inteiramente sobre isso: PRESENÇA FRANCESA NA REVOLUÇÃO, de 1792. Alguns
desses panfletos foram escritos em francês. Kátia Matoso estuda a forma de comunicação
de todos esses movimentos. Carlos Guilherme Mota retoma isso com relação a
Pernambuco.
Com relação a Joaquim Manoel Carneiro da Cunha é bom lembrar que a corrente de José
Bonifácio estava tocando na questão da terra, na questão da escravidão e na questão que
mais inquietou Pedro e a camarilha dele, influenciada por Domitila, a questão da
disponibilidade dos bens portugueses. Porque os portugueses estavam voltando e levando
os capitais. José Bonifácio queria que esses capitais se tornassem indisponíveis. José
Geografia e História da PB
188
Honório acha que nisso aí é que reside a diferença de José Bonifácio com o grupo
português. Esses projetos todos têm o apoio de Carneiro da Cunha.
Certa vez me perguntaram quais eram os documentos mais importantes da História da
Paraíba. Eu botei o de Fernando Delgado no meio. Cada um significando um século. O
primeiro, reeditado por iniciativa de Francisco Pontes nas comemorações do IV Centenário,
foi o SUMÁRIO DAS ARMADAS, do século XVI. No século XVII, o documento que foi
reeditado por Marcus Odilon e Wellington Aguiar DESCRIÇÃO DA CAPITANIA DA PARAÍBA,
de Elias Herckmans. O de Van der Dunsches é mais profundo porque é mais econômico,
mas o de Herckmans é melhor escrito e mais amplo. Para o século XVIII, é Fernando
Delgado, que é um documento do final do século, 1799, quando ele faz uma avaliação da
Paraíba naquele momento. No século XIX, acho que o grande documento é o documento do
engenheiro Retumba, que foi retomado por Irene Rodrigues Fernandes. Retumba
participava do grupo de Irineu Joffily e Albino Meira, onde tem um relatório que fala na
rede ferroviária que liga João Pessoa a Pilar. E comenta: essa ferrovia liga o nada a coisa
nenhuma. O século XX, para mim, tem três documentos: O último relatório de João
Suassuna e o primeiro de João Pessoa. São relatórios perfeitos pela maneira como
estabelecem diferentes orientações e visão dum mesmo fenômeno. Eles estão na raiz da
transição da Paraíba ainda patriarcal, ainda agropecuária, para a Paraíba urbana, pelo
menos pré-urbana. O documento de Suassuna é muito bem escrito, Depois, Burity, que foi
Secretário, conhecia pouco a Paraíba, foi contemplado com uma capitania por influência de
José Américo, quando assumiu aqui juntou um grupo, um grupo quase todo economistas
do melhor nível, como Marcelo Lopes, Ronald de Queiroz, Inácio, José Costa e fez um
documento de primeira ordem. Agora tem um título muito anódino, chamado POLÍTICAS.
São dois fascículos. O primeiro tem a parte geral e o segundo é a parte de demonstração
de quadros. O primeiro é perfeito, cujo coordenador parece que foi Queiroz. Não é um
documento do Governo Burity, é um documento para o Governo Burity. Burity que ia
assumir.
Lembrei-me disso porque me pediram para colocar os cinco maiores paraibanos de todos
os tempos. Houve uma enquête de O NORTE nesse sentido. E eu comecei por Manoel
Carneiro da Cunha. Coloquei os nomes por áreas. Não botei João Pessoa, coloquei
Anthenor Navarro e Petrônio Castro Pinto fez um artigo dizendo que era minha nova mania.
Botei José Siqueira, Thomaz Santa Rosa. Coloquei Manoel Carneiro da Cunha, como
representante da Política, mas fiquei em dúvida entre ele e Diogo Velho, que também teve
uma visão econômica extraordinária da Paraíba e do Nordeste do século passado e era um
homem avançado para o seu tempo.
Inês Caminha:
Quero agradecer esta oportunidade de ouvir José Octávio, que abrange todos os aspectos
da história e repassar o debate ao público.
1º participante:
Humberto Mello: (Membro do IHGP e da APL)
Havia uma professora que estava fazendo um Mestrado de História na Universidade de
Pernambuco, procurando levantar uma tese sobre a posição paraibana em 1817.
José Octávio:
Foi Lourdinha Vasconcelos, que chegou a publicar um artigo naquela revista verde, espécie
de História da Paraíba do Departamento de História da UFPB, onde cita muitos documentos
brasileiros. Sua pesquisa estava em andamento, quando ela morreu. Ela levantou muito
material e eu pergunto: onde está esse material? É preciso procurar.
Humberto Mello:
Em Irineu Pinto nós vemos mensagens dos pernambucanos reclamando que a Paraíba
estava avançando muito e que em 1817 a Paraíba estava muito à frente de Pernambuco,
em termos de conquista. Esse é um ponto que seria desejável que fosse aprofundado,
estudado melhor.
Geografia e História da PB
189
Pelo que se vê na obra de Maximiano QUADRO DA REVOLTA PRAIEIRA NA PROVÍNCIA DA
PARAÍBA e no prefácio que ele fez na História da Revolução de 1817, do padre Muniz
Tavares, tem-se a impressão que a adesão da Paraíba à Praieira foi uma questão que
inicialmente brotou de um desacordo com o governo local, com o presidente da província,
tendo Maximiano adotado suas idéias para encaixar-se dentro do ideário da Praieira.
José Octávio:
A causa direta do que aconteceu em Pernambuco e que Maximiano levanta é a destituição
de Chichorro da Gama, como presidente liberal. Chichorro era baiano, era senador e não
tinha maiores vinculações com a oligarquia, entrando duro na oligarquia chamada “gabiru”,
botando a polícia nos engenhos, reprimiu grilagem de terras, retirou os cargos das mãos
dos conservadores. Quando ele é destituído os praieiros então se inquietam. A causa
imediata foi essa, lá, como a daqui foi a que Humberto Melo falou.
Humberto Melo:
Não me parece que o movimento Pastorinha, que você falou aí, se enquadre nesses
movimentos sociais; foi só um movimento militar cingido dentro do quartel, entre um
tenente e um comandante, que aliás teve como vítima uma negra que vendia quitutes.
José Octávio:
Esse período foi muito agitado. Pastorinha estava vinculado ao grupo mais conservador.
Havia três correntes, todas elas pegando em armas. Estavam pegando em armas os
liberais radicais, com Frei Caneca, os mais comportados, que derrubam Pedro I e estavam
pegando em armas, também, os reacionários caramurus, chamados “jurubas”. Estava todo
mundo pegando em armas naquele momento, que termina em 1849. De 1770/1780 a
1849 é raro o ano que não se verifica um movimento armado no Brasil.
2º participante
João Batista Barbosa:
É uma indagação que quero fazer a José Octávio, que não tem muito a ver com a tese
debatida. É mais uma curiosidade histórica, mas que está ligada à História da Paraíba. Não
sei se está ligada à repressão ao cangaceirismo na Paraíba, se está ligada às lutas políticas
paroquiais. São três episódios da História da Paraíba que eu não sei como estão situados
no seu contexto.
Primeiro é sobre a Campanha de Princesa, que quase todo mundo conhece, que é a mais
nova. Segundo, a chamada revolta de Santa Cruz, em Monteiro e a terceira, que muito
pouca gente conhece, é a revolta de Jesuíno Brilhante, essa no século passado, mas que foi
um acontecimento histórico.
Gostaria que, se fosse possível, o expositor dissesse alguma coisa.
José Octávio:
Eu sugiro que sejam distribuídas essas respostas com os participantes da Mesa. Temos
aqui a doutora Inês Caminha, que é especialista em Princesa, a tese de doutorado dela é
sobre as oligarquias na República Velha e a tese de mestrado é um livro publicado sobre
Princesa. Então ela falaria sobre Princesa. E Humberto Mello falaria sobre o movimento de
Santa Cruz, que ele estudou. E poderia começar pelo caso de Jesuíno, mais antigo.
Humberto Mello:
O caso de Jesuíno, não me parece que tenha sido exatamente uma revolta. Havia uma
implicação que havia uns presos que tinham sido detidos mais por se opor à situação
dominante do que por acusação de crimes. Imputaram algumas acusações, que não foram
comprovadas, e Jesuíno comandou uma invasão à cadeia de Pombal e libertou um irmão
dele e uma porção de gente que estava presa por essa farsa. Não sei se poderíamos
considerar isso como um movimento de revolta, no mesmo pé do que, na mesma época,
houve aqueles movimentos populares do Ronco da Abelha, do Quebra-Quilos, da Serra do
Lagomar, etc.
Geografia e História da PB
190
Agora, em 1912, aconteceu o seguinte. No tempo da Monarquia D. Pedro II tinha a visão
de quão perniciosa seria a perpetuação de uma faccão no poder. Então Pedro II promovia
periodicamente uma mudança. Apeava o liberal, subia o conservador, e vice-versa, ficando
a gangorra do poder, para usar a expressão da professora Inês Caminha.
Quando chega na República, isso desapareceu. No tempo do Império havia o que
chamavam o lápis fatídico do Imperador, que fazia essa alternância. Mas isso desapareceu.
Álvaro Machado assume o governo em 1892, passa 20 anos dominando a política da
Paraíba. Nesses 20 anos, em cinco quatriênios governamentais, ele foi Presidente do
Estado em dois, um dos irmãos – João Machado – foi Presidente no terceiro, e um outro
irmão Afonso, Vice-presidente. Quer dizer, era um domínio completo.
Com vinte e poucos anos da República aquilo já estava enfarando. Tinha havido na Paraíba
o grupo político de Venâncio Neiva e Epitácio Pessoa, que passou somente dois anos no
poder.
Apesar de Epitácio Pessoa ter tido um fôlego extra, quando foi ministro, não consegui o
domínio do Estado. Há uma carta de Epitácio a um correligionário quando Álvaro Machado
começa a enfrentar cisões dentro do Partido e recorre aos adversários. Essa carta de
Epitácio a um correligionário cujo nome não me recordo, essa carta está nas obras dele,
mas eu li o trecho importante que citarei de memória. Está no livro de Glauco Soares. Em
1904 houve um começo de semipacificação. Álvaro Machado recorre a Epitácio, que estava
como membro do Supremo Tribunal, e negocia entregando vários municípios aos
correligionários de Epitácio: Umbuzeiro, Campina Grande, Taperoá, Catolé do Rocha, etc.
Na carta que Epitácio faz àquele correligionário ele diz que naquela situação só há uma
maneira de atingir o poder, que é aderir, mas preservando a dignidade, etc., etc.
Mas, no começo da segunda década deste século, inicia-se o chamado movimento das
salvações. As salvações, principalmente no Norte e no Nordeste, eram patrocinadas por
Hermes da Fonseca. Aí cai a situação de Rosa e Silva em Pernambuco e entra Dantas
Barreto; caem os Malta em Alagoas e entra Clodoaldo da Fonseca, que era sobrinho de
Deodoro (tudo militar); os Malta vieram ressurgir com Fernando Color, cuja esposa é Malta.
Os Acioli, do Ceará, a oligarquia dos Albuquerque Maranhão, de Pedro Velho, no Rio Grande
do Norte; na Bahia, caem os Vianna; Antônio Lemos, no Pará. E assim por diante.
Então tentaram lançar aqui uma candidatura militar de oposição, que foi o Coronel José
Joaquim do Rêgo Barros. Rêgo Barros tinha sido político, tinha sido integrante da primeira
assembléia constituinte paraibana e teve seu nome lançado. Nesse último livro de Dorgival
Terceiro Neto aparece uma matéria sobre isso. Rêgo Barros ia fardado aos comícios e
levava a tropa fardada também. Ele não era muito simpático, tinha pavio curto, explosivo,
e chegou a ganhar um apelido de “coronel caga-raiva”. Isso foi desgastando a campanha.
Nessa época, como os partidos eram estaduais, foi criado o Partido Democrata da Paraíba,
comandado por Afonso Campos, Lima Filho, Assis Vidal (pai de Adhemar Vidal) que cooptou
os opositores que tinham sido ligados originariamente ao grupo de Álvaro Machado e foram
defenestrados para a entrada dos epitacistas. Foi o caso dos Dantas, em Teixeira; de Santa
Cruz, em Monteiro, etc.
Quando Álvaro Machado se viu apertado com o exemplo dos Estados vizinhos repercutindo
aqui, falou com Epitácio Pessoa, que era muito amigo de Hermes da Fonseca. Havia mesmo
ligações quase familiares, onde Epitácio era sobrinho do Barão de Lucena, compadre e
amicíssimo de Deodoro. Então Epitácio consegue junto a Hermes da Fonseca que o coronel
Rêgo Barros seja transferido para o Rio de Janeiro.
A República coincide com os movimentos de autoritarismo local; a deposição de Venâncio
Neiva, que foi um movimento de coronéis; articulou-se uma resistência favorável a
Venâncio, também com cabras que vieram lá do brejo; vem a república da Serra da
Estrela, que, segundo José Octávio, foi uma revolução que terminou com uma buchada de
confraternização.
Geografia e História da PB
191
Em 1900, quando Epitácio Pessoa está no Ministério, surgem duas chapas. Há uma disputa
aqui na Paraíba entre José Peregrino, candidato de Álvaro Machado, e João Tavares, que
era o Vice. Os dois grupos consideraram eleitos seus candidatos. O vice de João Tavares,
Antônio Massa, empossou-se no Teatro Santa Rosa e José Peregrino assumiu no Palácio do
Governo. A Paraíba estava com dois governos. Quem decidiu foi Rosa e Silva, oligarca de
Pernambuco, que estava no exercício da Presidência da República e reconheceu como
titular o que estivesse no Palácio do Governo. Quem estava lá era José Peregrino.
Então houve todos esses precedentes de movimentos de chefes políticos. Esse movimento
de 1912, em extensão territorial, foi o maior de todos. Maior mesmo que o de 1930. O de
Princesa ficou praticamente circunscrito a Princesa, com incursões para Conceição, para
Misericórdia. Mas foram só incursões.
O movimento que começou em Monteiro vai ao Cariri, Taperoá, Teixeira, Patos, volta,
passa em Soledade, São do Cariri; conflagrou aquela zona toda. Ocupou Patos. Conta-se
até que João Dantas, que era estudante ainda, furtou o chapéu de Pedro Firmino, que era o
pai do deputado José Gayoso. Isso são fuxicadas de política publicadas por Cristino
Pimentel, um jornalista campinense.
Recentemente foi lançado o livro O GUERREIRO TOGADO, de Pedro Nunes, sobre esse
movimento de Monteiro, onde ele faz uma biografia de Augusto Santa Cruz, líder do
movimento. Esse nome de Guerreiro Tocado vem porque depois Santa Cruz foi para
Pernambuco, onde se tornou juiz.
João Batista Barbosa:
Quero apartear o ilustre debatedor, para dizer que a chamada Campanha de Jesuíno
Brilhante não foi tão efêmera como falou. Tem até um caso curioso. Foi necessário que o
Governo enviasse três expedições ao sertão para abafar o movimento. A questão da cadeia
foi apenas o que deu motivo à explosão. Jesuíno Brilhante era um rico fazendeiro, possuía
muitos cabras, os cangaceiros de então, e foi preso o parente dele e ele foi lá, destruiu a
cadeia e soltou o parente e daí revoltou-se contra uma volante que foi prendê-lo. Eu conto
esta história porque o primeiro marido de minha primeira sogra era o capitão da Polícia e
foi comandante de uma dessas expedições, não sei se a primeira ou a última, e morreu na
campanha.
Humberto Mello:
Jesuíno era natural do Rio Grande. Ele transitava do Rio Grande do Norte para cá, veio para
Pombal, depois voltou e foi morto no Rio Grande do Norte. Realmente, como diz o
aparteante, a luta começou na Paraíba e terminou no Rio Grande do Norte.
Há vários livros sobre Jesuíno. Inclusive Jesuíno foi considerado um dos primeiros chefes
de cangaço, mas era extremamente popular, era como um Hobin Hood, que nos períodos
de seca tomava recursos alimentícios que estavam trancados nos armazéns e distribuía
com o povo.
Inês Caminha:
Em relação a Princesa, eu entendo o movimento de Princesa como o fim do estado
oligárquico. Porque nós estamos estudando a história da República e ela tem didaticamente
uma divisão em várias fases. De 1889 a 1930, chamamos República Velha, Primeira
República, República dos Coronéis e República Oligarca. De 1930 a 1945 é a chamada de
Ditadura Varguista; de 1945 a 1964 ela é caracterizada como a República Liberal e de 1964
em diante é o período autoritário, até 1985, e depois temos o processo de abertura.
Quando estamos estudando a Primeira República para contextualizar Princesa, eu entendo
o movimento de Princesa como um movimento armado, não uma revolução, no sentido de
que vai quebrar toda aquela estrutura do estado oligárquico. Porque o estado oligárquico
tem alguns fundamentos que são considerados básicos. E o mais importante deles é o
controle do processo eleitoral pelos coronéis. Todos nós sabemos que a Justiça Eleitoral
advém e é uma conquista do processo revolucionário de 1930. Há uma expressão muito
famosa na história que é a “do posso, do quero e mando” dos coronéis.
Geografia e História da PB
192
Entre outros fundamentos do estado oligárquico nós temos, por exemplo, a política
profissional, com pessoas que fazem da política uma profissão. Uma outra característica
que também é trabalhada nesse período é a predominância da esfera estadual em relação
à esfera municipal e à esfera federal. É tanto que com o Estado Novo, na Era Varguista,
com a formação do Estado Nacional, nós vamos ter o fortalecimento dos municípios. Outras
características importantes desse período são a submissão, a lealdade, a reciprocidade, o
nepotismo, a malversação do dinheiro público, todas essas questões envolvem os
fundamentos do estado oligárquico.
Há uma carta de Epitácio Pessoa cobrando de Camilo de Holanda até a louça que ele
compra para o Palácio. Inclusive Camilo de Holanda diz: eu quero ser ouvido e cheirado em
tudo. E todos nós sabemos qual foi o fim de Camilo de Holanda. Ele passou para a
oposição. Se nós acompanharmos toda a correspondência vamos ver que Epitácio dá quase
como um ultimato. Há um envolvimento depois da morte de Antônio Pessoa, que não
vamos abordar agora nessa discussão, Camilo de Holanda é forçado a deixar a política e é
quando começa a fazer oposição.
Humberto Mello, em aparte
A filha de Camilo de Holanda escreveu um livro onde conta que quando Camilo rompeu
com Epitácio pediu para passar para a reserva; ele era General-médico, porque ele na
ativa, se por acaso se encontrasse com Epitácio, teria que fazer continência.
Inês Caminha:
Ainda vendo essa questão do movimento de Princesa, o que é que nós temos? Temos que
definir os tipos dos coronéis. Nós temos o pequeno coronel, que é aquele que exerce
liderança só no município; temos o médio coronel, que ultrapassa a esfera municipal e a
esfera estadual e temos o grande coronel, que é aquele que abrange as três esferas:
municipal, estadual e nacional.
Então podemos caracterizar Epitácio Pessoa como um grande coronel, porque ele preenche
todas essas esferas. Voltando à questão dos fundamentos, que é importante para a gente
entender o processo revolucionário de 30, existe a solidariedade, que é chamada de
solidariedade horizontal e solidariedade vertical. Nós sabemos, por exemplo, que a força
dos coronéis ela está no voto.
De certa forma, assumindo a presidência do Estado, João Pessoa irá subverter essas
solidariedades. Ele, de um lado, recusa-se a nomear os parentes dos coronéis para as
funções públicas. Os que existiam foram transferidos para longe ou postos em avulsão.
Como muitos eram epitacistas, Pessoa estava minando as próprias bases de sustentação.
Por outro lado, ao realizar eleições razoavelmente limpas para a época, o presidente abria
espaço para novas lideranças – as mais das vezes urbanas – e confiscava a moeda de troca
dos coronéis.
A reação destes não tem nada de extraordinário. Extraordinário é que a luta de Princesa
fundiu-se com outras questões da época e desembocou na Revolução de 30.
Precedendo a esta, a Revolta de Princesa pode ser considerada o canto de sereia do
coronelismo.
Este ainda não acabou. Mas experimentou um golpe muito grande, com a Revolução de 30,
que quebrou muitos de seus vínculos.
Em face do adiantado da hora, termino aqui minhas considerações finais.
10º Tema
A REVOLUÇÃO DE 30 E A PARAÍBA
Expositor: Humberto Cavalcanti de Mello
Debatedor: Dorgival Terceiro Neto
A fala do Presidente:
Geografia e História da PB
193
Estamos reiniciando nosso Ciclo de Debates e hoje vamos apreciar o tema A REVOLUÇÃO
DE 30 E A PARAÍBA, que será examinado pelo historiador Humberto Cavalcanti de Mello, o
qual convido para participar da Mesa; será debatedor oficial o confrade Dorgival Terceiro
Neto, que também convido para tomar assento na mesa dos trabalhos; convido também o
acadêmico Joacil de Britto Pereira, presidente da Academia Paraibana de Letras.
Ninguém melhor do que os nossos associados Humberto e Dorgival do nosso Instituto,
convidados que já estão a postos, para apreciarem o tema de hoje.
Numa breve apresentação do expositor, posso lembrar que Humberto Cavalcante de Mello
é ex-presidente deste Instituto e membro da Academia Paraibana de Letras. Ex-professor
de Direito da Universidade Federal da Paraíba, da UNIPÊ e da Universidade Regional do
Nordeste, exerceu também a magistratura como Juiz de Direito.
Seus trabalhos justificam o convite que a Comissão Executiva do Instituto fez para atuar
neste Ciclo, citando entre eles A TRAJETÓRIA POLÍTICA DE EPITÁCIO PESSOA; JOÃO
PESSOA – PERFIL DE UM HOMEM; A ADMINISTRAÇÃO DE JOÃO PESSOA; e A PARAÍBA E A
REVOLUÇÃO DE 30, cujo título inspirou o tema que vamos debater. Além dessas obras,
escreveu INSTITUIÇÕES DA PARAÍBA COLONIAL. É um dos nossos historiadores mais
atualizados e atentos à realidade atual.
Passo a palavra ao confrade Humberto Mello.
Expositor: Humberto Cavalcanti de Mello (Sócio do Instituto e da Academia Paraibana
de Letras, professor da UFPB, URNE e UNIPÊ, com vários trabalhos sobre o tema)
Para tratar desse tema A REVOLUÇÃO DE 30 E A PARAÍBA, devo começar citando uma
intervenção aqui, há uma semana, da professora Inês Caminha. A Revolução de 30
significou o final da Primeira República no Brasil, também chamada República Velha,
República das oligarquias, República dos Coronéis, que se iniciou com o golpe militar
encabeçado por Deodoro da Fonseca, em 1889, e vai até 1930, durando, portanto, pouco
mais de 40 anos.
Essa chamada República Velha, em termos nacionais, apresentou um predomínio muito
grande das oligarquias. Começou a República com dois militares na direção do país:
Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto. Um, que esteve à frente do golpe de 1889 e o
outro, que deu um golpe constitucional em 1891, quando, como Vice-presidente, pela
Constituição da época devia fazer a eleição para Presidente, apossou-se do poder até o fim
do mandato do seu antecessor. E depois veio uma série de paulistas. O Partido Republicano
tinha sido fundado em São Paulo, quando houve a Convenção de Itu, em 1870, e por isso
São Paulo se achava no direito de comandar o Brasil. Então tivemos Prudente de Morais,
Campos Sales, Rodrigues Alves. Quando se preparava um quarto presidente paulista, que
seria Bernardino de Campos, houve uma reação dos outros Estados, principalmente Minas
Gerais. Minas, a esse tempo, era o mais importante Estado brasileiro, no sentido de ser o
mais populoso e ter a maior representação política. Minas Gerais não aceitou. Ainda no
Governo de Rodrigues Alves foi firmado o pacto de Ouro Fino, uma cidade mineira onde
houve o encontro da cúpula governamental brasileira, onde se iniciou o esquema que ficou
conhecido como “política do café-com-leite”. Café-com-leite porque São Paulo era o maior
produtor de café e Minas Gerais se destacava na criação do gado leiteiro. Essa política se
inicia com o Presidente mineiro Afonso Pena, que não chegou a concluir o mandato, pois
veio a falecer. Na sucessão de Afonso Pena começou a surgir uma série de disputas e
terminou se impondo a candidatura de Hermes da Fonseca, que era o Ministro da Guerra,
sobrinho de Deodoro da Fonseca, e contra a qual São Paulo se levantou, apoiando o nome
civil mais ilustre de então, que era Rui Barbosa. Veio a chamada “campanha civilista”. No
final de contas, Hermes da Fonseca venceu. Ainda hoje se discute se a eleição foi limpa ou
não, porque tudo indica que foi fraudada, e Hermes desempenhou o seu período
governamental.
Depois a política do café-com-leite voltou. Entra o presidente mineiro Venceslau Braz, em
1914, e depois veio o presidente paulista novamente, o ex-presidente Rodrigues Alves, que
deixou a fama de ter feito o melhor dos governos da República Velha. Ocorre que
Geografia e História da PB
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Rodrigues Alves, eleito em 1918, não chegou a assumir. Aconteceu com Rodrigues Alves o
mesmo que viria acontecer, quase setenta anos depois, com Tancredo Neves. Eleito,
adoeceu, não assumiu e morreu pouco depois do dia em que deveria tomar posse.
Rodrigues Alves foi vítima de uma pandemia, uma epidemia que cobriu o mundo todo, uma
epidemia chamada “gripe espanhola”. Assumiu o Vice-presidente Delfim Moreira, que era
mineiro. Deveria haver a eleição para o cargo de Presidente, a qual foi realizada e foi eleito
o paraibano Epitácio Pessoa, que estava chefiando a delegação brasileira à Conferência de
Paz de Versalhes, ao final da primeira guerra mundial. Antes da eleição de Epitácio Pessoa
surgiram especulações sobre a indicação de mineiros ou paulistas. Epitácio surgiu como um
tertius.
Afonso Arinos de Melo Franco, que escreveu uma biografia muito boa sobre Rodrigues
Alves, conclui essa biografia dizendo que a morte de Rodrigues Alves significou a morte da
República, na sua primeira fase. O regime já estava se mostrando cansativo, fatigado,
aquele domínio de trinta anos seguidos e então Afonso Arinos disse que, como o regime se
enfraquecia foram necessários presidentes fortes.
E foram três, Epitácio Pessoa, depois o mineiro Artur Bernardes e depois o paulista
Washington Luís. Nessa sucessão significava que a sucessão coubesse a um mineiro, e o
mineiro mais indicado era o presidente do Estado de Minas Gerais, Antônio Carlos,
pertencente à família mais ilustre da política brasileira, descendente direto de Martim
Francisco, que era irmão de José Bonifácio – Patriarca da Independência.
Mas Antônio Carlos tinha a fama de ser um político extremamente matreiro, muito esperto,
muito chegado a dar golpes e com isso criou um atrito forte, começando a surgir uma certa
resistência ao seu nome. O próprio Washington Luís não queria.
Há indícios de que Washington Luís tinha um nome em vista, que nem seria mineiro nem
paulista. Era um gaúcho. O Rio Grande do Sul ocupava uma situação interessante, era um
Estado todo diferente. A Constituição do Rio Grande do Sul permitia a reeleição. O
presidente do Estado tinha poderes absolutos, basta dizer que a Assembléia Legislativa do
Rio Grande do Sul, pela constituição do Estado, se reunia apenas dois meses por ano, para
aprovar o orçamento. Só. E o presidente podia ser reeleito. Antônio Borges de Medeiros era
reeleito continuadamente, embora para ser reeleito tivesse que ter 75 por cento dos votos.
A fraude eleitoral campeava.
Naquele tempo os Estados tinham um peso muito mais forte do que hoje. E a legislação
federal determinava que cada Estado escolhesse a maneira de votar. Então havia três
opções: o voto secreto, o voto chamado semi-secreto e o voto aberto, declarado. O voto
secreto nenhum Estado adotou. Dos vinte Estados de então, dezenove adotaram o voto
semi-secreto. Era chamado semi-secreto porque o eleitor quando chegava na cabine dizia
ao dirigente da mesa: quero votar em Fulano, ou do partido tal. Recebia a cédula e punha
na urna. Na apuração, as urnas eram misturadas e assim não se identificava de quem era o
voto. Mas no Rio Grande do Sul o voto era aberto, declarado. Havia uma cédula onde o
eleitor escrevia o nome do candidato e assinava em baixo.
Em 1980, estive em Porto Alegre, quando houve uma comemoração da Revolução de 30 e
vi um exemplar de uma dessas cédulas.
Mas as eleições de Borges de Medeiros foram cansando tanto que, em 1923, terminou
havendo uma guerra civil interna com a intervenção do Governo Federal, havendo a
modificação da Constituição Estadual, que estabeleceu que aquela seria a última reeleição.
E no período seguinte foi escolhido para governar o Rio Grande do Sul o ex-deputado
federal, Ministro da Fazenda de Washington Luís, Getúlio Vargas.
Há indícios de que Washington Luís via com bons olhos a candidatura de Getúlio Vargas
para evitar a de Antônio Carlos. Terminou Getúlio Vargas não saindo como candidato de
Washington Luís.
Washington Luís era um homem inteligente, culto, tinha várias obras importantes
publicadas, mas era de uma obstinação política tremenda. Era duro, muito autoritário.
Então fez a pior de todas as indicações: indicou o governador de São Paulo, um paulista
Geografia e História da PB
195
sucedendo ao outro. Recaiu sua escolha no nome de Júlio Prestes, que tinha a fama de ser
homem sem grande QI, segundo o relato de jornalistas da época.
Iniciou-se então um movimento muito sério, a oposição cresceu, Antônio Carlos se
articulou e lança Getúlio Vargas como candidato, em julho de 1929. A eleição seria
realizada a 1º de março de 1930, de forma que a campanha foi deflagrada muito cedo.
Essa era, mais ou menos, a situação política do Brasil. A década de 1920 foi uma década
muito conturbada. No ano de 1922, que foi o centenário da Independência, houve uma
série de eventos. Houve um ciclo de estudos muito interessante que deu lugar a um livro
intitulado À MARGEM DA HISTÓRIA DA REPÚBLICA, com estudos muito aprofundados,
diagnósticos críticos sérios sobre a situação do Brasil.
Mas no ano de 22 houve alguns fatos importantes. Logo no começo do ano houve uma
revolução literária e artística com a Semana de Arte Moderna; logo depois tivemos a
fundação do Partido Comunista do Brasil; em julho desse mesmo ano houve a primeira
das revoltas do chamado movimento tenentista. Eram oficiais jovens que não estavam
aceitando mais aquela situação. Houve a revolta do Forte de Copacabana, da qual um dos
participantes veio a ter uma demorada influência na política brasileira, o então tenente
Eduardo Gomes. Em julho de 1924, exatamente dois anos depois, o general Isidoro Dias
Lopes revoltou-se em São Paulo, ocupou toda a capital paulista; houve conflito armado,
violento, até que o Exército reocupou São Paulo. Mas uma coluna de revoltosos comandada
por Miguel Costa, um argentino naturalizado brasileiro, que era o comandante da Polícia
Militar de São Paulo, fugiu e essa coluna mista de elementos da Polícia Militar de São Paulo
e do Exército dirigiu-se ao Sul do país. Lá no Sul houve um encontro com revoltosos que
tinham se revoltado no Rio Grande do Sul, comandados por um capitão, que também veio
a ser um dos nomes fortes da História do Brasil, Luiz Carlos Prestes. Essa junção
transformou-se numa coluna que percorreu todo o Brasil, chamada Coluna Prestes. Ela era
formada pelas colunas de Prestes e Miguel Costa, mas ficou conhecida como Coluna
Prestes. Passou por grande de parte do país, subiu, foi ao Maranhão, desceu pelo Nordeste,
travou um combate aqui na Paraíba, em Piancó, voltou, passou pela Bahia, terminou se
internando na Bolívia.
De modo que, em 1929, havia um clima especial. Primeiro o cansaço da política
oligárquica; segundo, a revolta de uma parte da oligarquia contra a quebra das regras
estabelecidas do café-com-leite; e, terceiro todo esse movimento militar. Tudo isso veio
descambar em 1930.
E a Paraíba como é que estava? Algumas palestras realizadas neste Ciclo de Debate já nos
dão conta. Nós vivíamos também um ciclo oligárquico. Tivemos a República proclamada
aqui, como já foi frisado em debates anteriores, que não teve quem a recebesse. Foi
nomeado presidente do Estado, que depois tomou o nome de governador, um cidadão que
era juiz de direito de Catolé do Rocha: Venâncio Neiva, indicado simplesmente porque era
irmão de dois oficiais que tinham participado do golpe militar de 15 de novembro: João e
Tude Neiva. E o governo paraibano veio montado. Para completar o governo de Venâncio,
como governador do Estado, veio Epitácio Pessoa, para ser Secretário Geral, que também
tinha um contraparentesco com Venâncio (a mãe de Epitácio era irmã da esposa de um dos
irmãos de Venâncio Neiva) e o outro foi Coelho Lisboa, que era um propagandista
republicano, o qual em pouco tempo rompeu.
Quando Deodoro saiu da Presidência, forçado a renunciar, houve uma derrubada quase
geral nos governos estaduais O que aconteceu na Paraíba? Vem um oficial do Exército que
estava servindo na Bahia, o qual recebe um telegrama do Presidente da República dizendo
que viesse assumir o governo da Paraíba. Chamava-se Álvaro Machado. E para dar um
cunho de legalidade ele tomou posse perante a Câmara Municipal da capital do Estado.
Instalou um domínio político de vinte anos. Nesses vinte anos, cinco quatriênios, Álvaro foi
presidente do Estado duas vezes, um irmão – João Machado – exerceu outro quatriênio,
um outro irmão – Afonso – foi Vice-presidente do Estado em outro quatriênio.. Era um
domínio familiar completo.
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Aí já estava se concretizando um fenômeno tipicamente republicano na Paraíba. Vez por
outra nós tínhamos movimentos armados de chefes políticos, de proprietários rurais, que
se levantavam com jagunços, com cabras armados. Em 1912 houve um desses, cujo
episódio já foi objeto de debate neste Ciclo. Em 1912 morre Álvaro Machado, terminando
seu domínio. Houve uma tentativa de conciliação, que durou três anos; em 1915 há o
rompimento e se instala o domínio de Epitácio Pessoa.
O partido de Epitácio era muito grande, e como em todo partido grande que está no poder
todo mundo quer participar e começam as cisões. Epitácio tentou contemplar várias alas do
partido e foi fortalecido quando chegou à Presidência da República.
Em 1928, Epitácio Pessoa resolveu indicar um sobrinho para a sucessão paraibana – João
Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, um dos possíveis herdeiros políticos de Epitácio.
Epitácio Pessoa não tinha filhos, mas tinha três sobrinhos que eram considerados possíveis
herdeiros dele.
João Pessoa fez uma administração em que realmente modificou uma porção de coisas.
Em 1978, quando se comemorou aqui o centenário de nascimento de João Pessoa, foram
feitos debates a respeito e em 1980, quando se comemorou os 50 anos da Revolução de
30, eu participei de alguns debates e, de fato, o que se levantou mostrou que certas
inovações administrativas de João Pessoa tinham prenunciado aquilo que se instalou depois
de 30. Essa administração de João Pessoa ganhou um renome nacional.
Quando foi lançado o nome de Getúlio Vargas, procurou-se um Vice-presidente para
equilibrar a disputa. Com Minas no Centro e Getúlio no Sul, os oposicionistas procuraram
uma pessoa do Norte. Naquele tempo não havia Nordeste, da Bahia para cima tudo era o
Norte. O primeiro nome em que se fixaram os oposicionistas foi o governador de
Pernambuco, Estácio Coimbra. Estácio sofreu pressão, pois naquele tempo as pressões
governamentais eram muito fortes. Quando levantaram o nome de Estácio Coimbra o
gerente do Banco do Brasil do Recife chamou o presidente da Associação Comercial e disse
que se o Estado de Pernambuco ficasse contra o Governo Federal o Banco do Brasil ia
executar todos os devedores que tinha lá. Então a Associação Comercial pressiona Estácio
Coimbra, que recusa o convite.
Assim, é escolhido João Pessoa como candidato.
Naquele tempo nós tínhamos dois partidos políticos. Como se sabe, àquela época os
partidos eram estaduais. Os partidos mais importantes eram o PRP – Partido Republicano
Paulista; PRM – Partido Republicano Mineiro; e o PRR – Partido Republicano Riograndense.
Eram os partidos mais fortes nos Estados.
Na Paraíba tínhamos o Partido Republicano, comandado por Epitácio Pessoa e o Partido
Republicano Conservador, dirigido pelos adversários de Epitácio, tendo à frente um cidadão
que não exercia cargo político, mas que era um grande chefe político, que era o
desembargador Heráclito Cavalcanti. Em 1928 se funda um outro partido, que tinha uma
nova mensagem, que vinha de São Paulo com uma tentativa de renovação, chamado
Partido Democrático. Quando esse Partido Democrático se fundou aqui na Paraíba, veio
uma comitiva paulista; o partido recebeu o apoio de um dissidente do grupo de Epitácio, o
ex-deputado e ex-senador Octacílio de Albuquerque e de uma turma nova que era da
oposição e que achava que a oposição comandada pelo desembargador Heráclito Cavalcanti
estava cansada. Essa turma nova queria uma oposição mais efetiva e aqui na capital
contava com o apoio de João da Matta Correia Lima, do médico José Maciel, Luiz de
Oliveira e outros mais. Em Campina Grande, alguns deles se projetaram bastante na
política paraibana, como Argemiro de Figueiredo, Wergniaud Wanderley, Antônio Pereira
Diniz e outros.
João Pessoa assumiu o governo no dia 28 de outubro, que era o dia de posse tradicional
dos governantes paraibanos. No dia 31 de dezembro houve eleições municipais. As
eleições, apesar de viciadas, eram rotineiras. Elas eram constantes. Não havia suplentes,
quando um deputado assumia uma Secretaria, tinha que renunciar. De forma que havia
sempre uma vaga para preencher.
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Nessas eleições municipais esse Partido Democrático fez dois vereadores na capital. Eram
nove vereadores, a oposição fez dois vereadores.
Entre as medidas de caráter político que João Pessoa tomou resolveu reconhecer os
resultados das eleições: quem ganhar a eleição, leva.
É preciso lembrar que na Paraíba não havia eleição para prefeito, os prefeitos eram todos
nomeados. Só havia eleição para os Conselhos Municipais, que hoje são as Câmaras de
Vereadores. Acontecia, muitas vezes, as Câmaras fraudarem as eleições.
Mas, João Pessoa reconheceu a vitória da oposição. Pelo menos em dois municípios, gente
que era da oposição ficou com ele, como gratidão. Aconteceu em Sousa com o grupo
chefiado pelo advogado José Mariz, pai do ex-governador Antônio Mariz, e em Piancó, o
domínio de uma família que tinha sido escorraçada por Epitácio Pessoa – a família Leite.
Quando se começou a falar na campanha sucessória presidencial, o que se esperava era
que João Pessoa, como todo governo dos Estados, ficasse com o Presidente da República. E
o pessoal da oposição já estava se preparando para apoiar Getúlio Vargas. De repente João
Pessoa sai Vice de Getúlio. Aí a turma da oposição passa a apoiar Júlio Prestes, com
exceção do Partido Democrático, que se aliou a João Pessoa.
Em termos políticos aqui na Paraíba, tivemos uma mistura. Ao lado de João Pessoa ficou a
maioria dos antigos correligionários de Epitácio, uma parte do partido de oposição,
comandada pelo ex-governador Walfredo Leal, uma parte mais recente e um pessoal que
era um tanto desligado de política e ficou empolgado pelo movimento de renovação,
destacando-se Anthenor Navarro.
Na oposição, tivemos gente que era da oposição tradicional do desembargador Heráclito
Cavalcanti e um bocado de gente que tinha saído do partido de Epitácio e estava com raiva
de João Pessoa, inclusive Dr. Flávio Ribeiro, tio do nosso confrade Marcus Odilon.
Naquela época não havia Justiça Eleitoral. As eleições eram presididas pelo Juiz Federal da
capital e em cada município havia três suplentes de Juiz Federal; no Estado também havia
os suplentes.
Em conseqüência, havia toda sorte de manipulação. Quando o cidadão era eleito deputado
federal ou senador, ainda tinha que passar pela Comissão de Reconhecimento da Câmara
de Deputados ou do Senado. Essa Comissão de Reconhecimento muitas vezes desprezava
o resultado e proclamava eleito o vencido. Era o costume. Há um trabalho do advogado
Mário Bulhões Pedreiras de Carvalho que mostra isso, ao fazer a defesa de alguns
senadores. Na gíria política esse costume era chamado de “degola”.
Em 1930 houve as eleições para Presidente da República, cujo mandato era de quatro
anos. Esta coincidiu com a eleição para Deputado Federal, cujo mandato era de três anos e
a eleição para um terço do Senado, com mandato para nove anos. Assim, de três em três
anos, havia eleições para deputados federais e um senador. Em 30 houve essa
coincidência.
Aqui na Paraíba, nós tínhamos mais ou menos 40 mil eleitores, em números redondos.
Pouco mais do que isso. A chapa presidencial teve cerca de 30 mil votos, para Getúlio-João
Pessoa; a chapa de oposição Júlio Prestes-Vital Soares teve 10 mil votos
aproximadamente. O que fez a Junta Eleitoral? Anulou as eleições para deputados e
senador em vários municípios. Mantém válidas as eleições para Presidente da República e
anula as de deputados e senador, e com isso a chapa da oposição ganha.
Quando chegam os resultados de todo o Brasil ao Congresso, o que aconteceu? Dizem que
houve um acordo secreto entre Washington Luís e o comando da política gaúcha – Borges
de Medeiros e Getúlio Vargas. Todos os deputados do Rio Grande do Sul foram
reconhecidos, mesmo eleitos pela oposição ao Governo Federal. Havia uma dissidência no
Rio Grande do Sul. Havia um senador, Paim Filho, que era de oposição. Em Minas Gerais
também não havia união; a situação estadual era forte, comandada inclusive pelo Vice-
presidente da Republica, Mello Viana. Em Minas Gerais fizeram uma composição:
reconheceram dois terços dos candidatos que tinha apoiado Getúlio e um terço do outro
Geografia e História da PB
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lado. Nos demais Estados havia gente que apoiava Getúlio. Por exemplo, em Pernambuco,
Agamenon Magalhães, Carlos de Lima Cavalcanti; em Santa Catarina, Nereu Ramos; no Rio
de Janeiro, Maurício de Lacerda; no Ceará, a família Távora; na Bahia, o jovem estudante
Nelson Carneiro. Só para citar algumas figuras que depois brilharam no cenário político
brasileiro. Mas todo mundo da oposição foi “degolado”, a não ser, como já frisei, a bancada
do Rio Grande do Sul e dois terços da bancada de Minas Gerais.
Com esses acordos a idéia de um movimento armado desaparece. Até que surge um fato
que teve origem pessoal, mas que teve uma conseqüência política tremenda, que foi a
morte de João Pessoa, assassinado por um desafeto político e depois pessoal, que foi João
Dantas.
A morte de João Pessoa causou um impacto violento em todo o Brasil e foi muito bem
explorada politicamente. O corpo de João Pessoa embalsamado foi transferido do Recife
para aqui e daqui saiu num navio, que vai tocando todos os Estados. Em cada um se
levantava a oposição, até chegar ao Rio de Janeiro, onde foi recebido com discursos
inflamados de Maurício de Lacerda, de Pinheiro Chagas, etc.
Então, a idéia do movimento armado, que já estava adormecida, retornou. Siqueira
Campos, um dos tenentes mais destacados, foi a Buenos Aires, onde estava exilado o
comandante da Coluna Prestes, e convidou Prestes para vir comandar o movimento
armado aqui. Prestes se recusou porque a esta altura já estava convertido ao marxismo e
achou que aquele movimento não levaria a nenhuma renovação. Então o comandante do
movimento foi um coronel alagoano que servia no Rio Grande do Sul e que depois se
tornou um nome forte: Pedro Aurélio de Góes Monteiro.
Como falei anteriormente, aquelas rebeliões coronelescas estouraram por conta de
movimentos políticos, como a rebelião de Princesa, comandada por José Pereira. José
Pereira Lima era um coronel, título dado a grandes proprietários; não era um coronel
propriamente dito. Havia os coronéis do tempo da Guarda Nacional, que fora extinta em
1915. Mas José Pereira era um coronel de alto destaque. Inês Caminha falou, num dos
debates deste ciclo de estudos, que havia coronéis pequenos, que dominavam somente
nos municípios e coronéis que tinham um domínio regional. Na Paraíba nós tivemos alguns
desses no curso da República. Inicialmente tivemos Valdevino Lobo, de Catolé do Rocha,
que mandava no sertão quase todo. Depois que Valdevino Lobo morreu, surgiu Felizardo
Leite, que, apesar de ser médico, também era tido como coronel, em Piancó. Quando
Felizardo Leite rompeu politicamente, em 1915, esse domínio no sertão passou para José
Pereira. Era o mais importante dos coronéis de 1930. Ele sustentou uma luta armada em
Princesa, que chegou a um impasse. Ele tentou expandir, mandou colunas armadas, mas
não conseguiu êxito e a Polícia também não conseguia entrar. Por essa razão e por outras,
havia uma presença militar muito grande na Paraíba; companhias e batalhões do Exército
de outros Estados vizinhos foram trazidos para Campina Grande, Santa Luzia, Patos,
Sousa, sendo a capital, praticamente, ocupada pelo o comando da Região Militar.
Um pouco antes havia ocorrido um fato curioso. O comandante do 22º Batalha de
Caçadores, sediado em Cruz das Armas, era o coronel Estevão d’Avila Lins, nosso confrade
e tio do consócio Guilherme d’Avila Lins; era também irmão do prefeito da capital, José
d’Avila Lins, que foi presidente do Instituto e do médico Antônio d’Avila Lins, sócio do
Instituto, e Diretor do Pronto Socorro. Quando se soube dessas ligações, transferiram o
coronel Estevão d’Avila Lins para o Rio de Janeiro. E foi trazido para cá o coronel Maurício
Cardoso. O coronel Cardoso avisou que traria com ele gente de sua confiança. Trouxe
quatro tenentes que ele supunha serem da mais absoluta confiança, mas todos quatro
estavam comprometidos com o movimento. Eram os chamados tenentes de Juarez Távora.
Juarez tinha sido um dos dirigentes da Coluna Prestes, estava preso no Rio de Janeiro na
Fortaleza de Santa Cruz, mas tinha uma influência muito grande. Esses quatro tenentes
tiveram projeção na vida política: o próprio Juarez Távora, Agildo Barata, Juracy Magalhães
e Jurandir Mamede. O outro era Paulo Cordeiro. Quando se pensava que a situação militar
daqui era tranqüila estavam aqueles tenentes organizando o movimento.
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Houve troca de telegramas cifrados e a revolução foi marcada para 3 de outubro. Havia
uma companhia que sempre ficava de prontidão. Foi organizado um esquema em que a
companhia de prontidão ficou sob o comando de Juracy Magalhães e o oficial-de-dia era
Agildo Barata.
O movimento começou à tarde do dia 3 em Belo Horizonte e Porto Alegre. Vieram
telegramas urgentes para o comando do 22º Batalhão de Caçadores (22 B. C.) para que se
tomassem todos os cuidados. Os telegramas eram dirigidos ao general Lavanere
Wanderley, comandante da Região Militar, que se encontrava em João Pessoa. Agildo
Barata interceptou todos os telegramas, não deixou que chegassem ao comando. Quando
deu meia noite, houve a invasão do quartel por civis fardados de oficial do Exército, fardas
fornecidas por esses tenentes aos civis Anthenor Navarro, Basileu Gomes, Borja Peregrino,
Odon Bezerra, Artur Sobreira. Há depoimentos informando que foram vinte e tantos que
invadiram o quartel, mas houve uma reação. Porque havia outros oficiais que o general
havia trazido e quando eles perceberam o movimento atiraram para cima. Uns quinze
invasores correram. Teve gente que desceu pela ladeira da Graça e foi bater perto do rio,
na beira do mangue, mas houve um grupo menor que Agildo Barata dá o nome de todos os
que ficaram e lutaram. Ao final, terminaram morrendo os tenentes Reis e Sílvio Lobo, e o
general Lavanere e outros ficaram feridos. Tomado o quartel, dirigiram-se para o Recife,
onde já se tinha iniciado o movimento revolucionário. No Recife ainda houve luta durante
algum tempo. Mas nos outros Estados do Nordeste aconteceram as chamadas deposições
por telegrama. O comandante da unidade militar do Rio Grande do Norte, que era uma
companhia, estava toda em Campina Grande e era comandada pelo tenente Aluízio Moura.
O governador do Rio Grande do Norte era um homem inteligente, culto, escritor, mas era
muito violento e garantiu segurar o movimento, o que não aconteceu, tendo o tenente
Aluízio Moura voltado às pressas para Natal, telegrafando que estava chegando, quando o
governador abandonou o Governo. Isso aconteceu no Ceará, no Piauí. Só houve alguma
resistência no Maranhão e, principalmente, no Pará. No Pará, o governador Eurico Vale só
se entregou no fim, até que fosse deposto Washington Luís.
Em suma, esse foi o movimento militar. Do Rio Grande do Sul, após alguma luta, seguiu
uma coluna de trem, comandada pessoalmente por Getúlio Vargas, dirigindo-se para São
Paulo, onde estava previsto um encontro na cidade de Itararé, que fica na fronteira de
Santa Catarina com São Paulo. Previa-se que seria a maior batalha da América do Sul.
Depois se diz que a maior batalha da América do Sul não houve, porque, antes disso, em
24 de outubro, alguns líderes militares, entre eles os generais Tasso Fragoso e Mena
Barreto e o almirante Noronha estiveram com Washington Luís para dizer que a situação
estava insustentável (faltavam 20 dias para Washington Luís deixar o Governo),
aconselhando sua renúncia. Ele se recusou, houve um impasse, tendo o cardeal D.
Sebastião Leme, afinal, convencido Washington Luís a renunciar.
Quando Getúlio Vargas chegou ao Rio de Janeiro os militares não estavam querendo
entregar o Governo. Tentaram fazer uma manobra para ficar, até que Getúlio Vargas
assumiu o Governo Provisório no dia 4 de novembro. Assim terminou a chamada República
Velha.
Isso foi a Revolução de 30. E o que essa revolução fez?
Primeiro, a Revolução procurou moralizar as eleições, implantando a Justiça Eleitoral, e
estabeleceu o voto secreto obrigatório em todo o Brasil.
Atribui-se a Washington Luis uma frase: “A questão social é caso de polícia”. Quer dizer, o
problema do trabalhador era meter o pau.
Eu vi algum tempo uma proclamação da FIESP – Federação das Indústrias do Estado de
São Paulo, na qual dizia que as férias para os operários eram extremamente prejudiciais.
Porque o operário de férias não tinha o que fazer, em lugar de ir para o trabalho direitinho
ele ia passar dez ou quinze dias em casa sem ter o que fazer, ia beber, tomar cachaça,
jogar, ia fazer o que não prestava. De modo que era mais salutar para a moralidade do
operário não ter férias, nem salário mínimo, jornada mínima de trabalho, etc. A
Geografia e História da PB
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previdência, cuja tentativa do deputado Eloy Chaves, não lograva êxito, também não era
necessária.
Isso tudo foi implantado pelo movimento de 30. Houve várias modificações administrativas.
Foram criados o Ministério da Educação, o Ministério do Trabalho e várias outras coisas. 30
marcou não só os rompimentos em termos políticos como houve uma renovação
administrativa muito grande.
Quem dominou o Brasil? Os gaúchos, inicialmente. Vieram a cavalo e cometeram a bravata
de amarrarem seus cavalos no obelisco que havia no começo da avenida Rio Branco, no Rio
de Janeiro. O Ministério Vargas era dominado por gaúchos. Eram Oswaldo Aranha, João
Neves da Fontoura, Maurício Cardoso, Lindolfo Collor, Batista Luzardo e outros mais.
Mas a Paraíba conseguiu projeção. O jornal A UNIÃO tem um documentário precioso sobre
essa fase da Paraíba. Quando João Pessoa foi assassinado, quem assumiu a presidência do
Estado foi seu Vice-presidente,
Álvaro Pereira de Carvalho, que não participava em nada no movimento revolucionário. Ele
nem sabia do movimento, mas os seus secretários conspiravam ocultamente. Aí, com a
saída de Álvaro Pereira, quem assume o Governo é José Américo de Almeida, não apenas o
Governo do Estado, mas o Governo do Norte. Os senhores, se desejarem pesquisar, nos
exemplares de A UNIÃO da nossa Biblioteca, vão encontrar inúmeros atos de José Américo
nomeando gente para cargos federais. Aqui na Paraíba e no Rio Grande do Norte. Assim, a
Paraíba governou o Norte, tendo uma projeção grande, indo José Américo para o
Ministério.
Em termos de política paraibana, a reviravolta foi enorme. Nenhum dos partidos estaduais
sobreviveu. O Partido Republicano da Paraíba – partido de Epitácio – simplesmente se
acabou. Não foi dissolvido, oficialmente, mas desapareceu, não se encontrando qualquer
manifestação dele. O Partido Republicano Conservador emitiu uma ou duas notas, e só.
Quando das eleições para deputado constituinte, em 1933, o Partido Democrático
apresentou apenas um candidato, o advogado Severino Alves Ayres, o qual teve uma
votação irrisória. Nos outros Estados, os Partidos Republicanos sobreviveram.
Fiz um levantamento dos personagens, dos atores políticos que atuaram até antes de
1928, exercendo cargos eletivos como senadores, deputados federais e estaduais, ou que
exerceram cargos políticos de nomeação como secretários de Estado, prefeitos municipais,
e verifiquei que não chegam a 20 os nomes daqueles que tiveram militância política depois
de 30.
De Epitácio Pessoa, apontado como uma grande figura, nem foi tomado conhecimento.
José Américo conta no depoimento que deu à Fundação Getúlio Vargas, que está
transformado em livro, que foi receber Epitácio Pessoa no porto do Recife, quando este
estava voltando da Europa, e foi recriminado pelos tenentes de 30.
Em 1934 houve eleição para senador, que era eleito pela Assembléia, e a oposição
levantou dois nomes de vulto: Epitácio Pessoa e Castro Pinto. A situação não tomou
conhecimento. Como se vê, houve uma grande modificação.
Temos de reconhecer que a presença paraibana, apesar de se concretizar em José Américo,
foi grande. No começo da década de 70 a Fundação Getúlio Vargas criou o Centro de
Pesquisas e Documentação da História do Brasil – o CPDOC, que tem uma produção
interessante. O CPDOC foi criado a partir do arquivo de Getúlio Vargas, que estava em
poder da neta dele, Celina Vargas do Amaral Peixoto, uma mulher inteligente e culta. Ela
verificou que para começar a história de 30 para cá tinha que começar desde 1922. Então
o CPDOC cobriu de 22 para cá. Foi criado um Núcleo de História Oral, onde se gravavam
depoimentos de pessoas que tiveram atuação. Às vezes, quando essas pessoas não
estavam vivas, colhia-se depoimentos de filhos. Por exemplo, de Lindolfo Collor, que já
tinha morrido, foram colhidos depoimentos das filhas dele; do general Euclides Figueiredo,
que já tinha morrido, quem prestou depoimento foi o filho mais velho, Guilherme, que
nesse tempo estava brigado com o irmão João (que depois foi Presidente da República). Eu
Geografia e História da PB
201
li o depoimento de Guilherme Figueiredo; ele deu um depoimento de tal forma que não fala
no nome de João.
Em 1978, por articulação feita pelo nosso consócio Oswaldo Trigueiro do Valle, a Fundação
Getúlio Vargas fez um convênio com a Universidade Federal da Paraíba, nesse tempo
dirigida por Linaldo Cavalcanti, para implantar um setor de História Oral aqui. Nós
colheríamos entrevistas dos paraibanos daqui e as mandava para o CPDOC e o CPDOC nos
mandava os depoimentos que os paraibanos tivessem dado lá. Eu fui trabalhar nesse setor
e, em 1979, fiz um estágio na Fundação Getúlio Vargas. Passei lá mais de um mês, e
quando estava lá chegaram uns estudantes, que foram recebidos pela encarregada do
setor, que era Aspásia Camargo. Fizeram muitas perguntas e constatei que lá já existiam
27 entrevistas com paraibanos. Então uma estudante perguntou: por que essa preferência
pela Paraíba? Aspásia disse: você não pode desconhecer a participação que a Paraíba teve
em 30. De modo que a Paraíba teve esse papel relevante.
Certa vez, em carta que fiz ao jornalista Gonzaga Rodrigues, registrei que em 1654 os
holandeses foram expulsos do Brasil, num movimento cujo principal comandante foi André
Vidal de Negreiros. A Paraíba era uma Capitania destacada, tanto que quando Maurício de
Nassau teve que voltar para Holanda, em vez de embarcar no Recife veio se despedir da
Paraíba e embarcou no navio em Cabedelo. Nos últimos dez anos, a partir de 1644, o
domínio holandês ficou circunscrito ao Forte de Cabedelo. A capital Frederica estava
ocupada pelos rebeldes, eram os paraibanos. Mas isso é conhecido como a Restauração
Pernambucana.
Em 1817 – José Octávio falou nisso na última sessão do Ciclo de Debates – naquela revolta
nativista em que a Paraíba teve um papel destacado, a Paraíba em termos ideológicos
esteve muito mais avançada. O livro de Irineu Pinto transcreve cartas trazidas do
movimento de Pernambuco reclamando que o pessoal da Paraíba estava querendo muita
coisa em termos de progresso; mas isso tudo é somente a Revolução Pernambucana. A
Paraíba tem destaque na história nacional, mas oficialmente fica atrás.
Em 1930, não. Em 30 a Paraíba teve comando. Daqui partiram as decisões para cobrir o
Norte e Nordeste. As colunas saíram daqui para combater os centros de resistência, que
era maior na Bahia. Nosso saudoso confrade Octacílio de Queiroz já havia dito: “tire-se
1930 e a Paraíba fica sem nada”.
A Revolução de 30, que teve esse significado marcante na História do Brasil, teve um
significado muito maior em termos da Paraíba.
···
A fala do Presidente:
Pelos aplausos concedidos ao final da exposição do historiador Humberto Mello, podemos
aquilatar o valor de sua palestra, trazendo-nos um quadro completo da Revolução de 30 na
Paraíba, desde os primeiros passos daquele movimento que derrubou a República Velha.
Em seguida vamos ouvir nosso consócio Dorgival Terceiro Neto, atual Vice-presidente deste
Instituto. A carreira ascensional de Dorgival Terceiro Neto mostra seu valor: Jornalista
primoroso; professor qualificado da Universidade Federal da Paraíba, onde também exerceu
importantes funções administrativas; em sua carreira funcional exerceu os cargos de
Secretário do Tribunal de Justiça, Procurador do Estado prefeito da capital; Vice-
Governador e Governador do Estado. Em conversa, o cargo que ele dá mais importância é
ter sido Redator do jornal A UNIÃO. Sempre dedicado às letras e à história, Dorgival além
de pertencer ao nosso Instituto é membro da Academia Paraibana de Letras. Historiador
nato, conferencista de primeira água, narrador de estilo agradável, tem vários trabalhos
publicados, entre eles GENTE DE ONTEM, HISTÓRIA DE SEMPRE e PARAÍBA DE ONTEM,
EVOCAÇÕES DE HOJE.
Está aí o perfil do nosso debatedor, a quem passo a palavra.
Geografia e História da PB
202
Debatedor: Dorgival Terceiro Neto (Atual Vice-presidente do Instituto, membro da
Academia Paraibana de Letras, jornalista, ex-professor da UFPB, ex-prefeito de João Pessoa
e ex-governador do Estado)
O expositor Humberto de Mello praticamente esgotou a matéria. Ele é muito proficiente,
tem uma memória fantástica, além de ser um estudioso e pesquisador sério e só relata
aquilo que ninguém tem condições de fazer contradita. Ele se vale do privilégio que tem de
muita cultura e memória muito boa. Praticamente esgotou a matéria sobre 1930. É como
ele diz, citando Octacílio de Queiroz: “a Paraíba é 30 e o resto é o resto.”
Mas ele falou no início na Coluna Prestes e há sempre uma indagação, principalmente da
juventude. A mim mesmo tenho perguntado muitas vezes: Qual era o objetivo da Coluna
Prestes? Que diabo a Coluna Prestes queria, nessa vilegiatura que andou pelo país todo e
terminou nas encostas da Bolívia? Estou aqui mais como indagador, e talvez essa
indagação seja de todo o auditório: saber quais os objetivos da Coluna Prestes. Era uma
multidão, chegou à Paraíba com cerca de 3 mil caminhantes provavelmente; passaram em
Piancó e fizeram aquele destroço. Dizem que tinha ainda muita gente em Curema enquanto
vinha gente chegando em Piancó. Que é que essa gente fazia, Humberto, no seu entender?
Não é nem debate, é uma indagação.
Humberto Mello:
Quando a Coluna Prestes se iniciou quem estava no Governo era Arthur Bernardes, que era
um homem de temperamento complicado, extremamente autoritário. Basta dizer que
Bernardes tirou todo o seu período governamental, do primeiro ao último dia, em estado de
sítio. Então essa Coluna procurava fazer um levantamento pelo Brasil e havia uns tenentes
que procuravam ecoar. Aqui na capital do Estado, por exemplo, dois tenentes – Aristóteles
de Souza Dantas e Lourival Seroa da Mota – atuaram quando a Coluna Prestes desceu do
Ceará, passou pelo Rio Grande do Norte e entrou na Paraíba. O objetivo era sacudir o
povo, ainda indiferente à situação do país.
Os dirigentes da Coluna Prestes, Luís Carlos Prestes à frente depois que Miguel Costa
deixou,. Juarez Távora, Cordeiro de Farias, João Alberto, cada uma tomou um rumo
ideológico diferente. Juarez e Prestes chegaram a trocar cartas em 30 e romperam.
Cordeiro de Farias até o fim sempre manteve o maior respeito a Prestes, chamando-o meu
comandante. Aqueles líderes da Coluna Prestes tornaram-se figuras destacadas do país.
Cordeiro de Farias foi quase tudo no Brasil, só não foi Presidente, que era o sonho dele;
Juarez foi candidato a Presidente da República; João Alberto era um dos homens de
confiança de Getúlio, exerceu funções no executivo e no legislativo e foi interventor de São
Paulo, e, diga-se de passagem, um dos homens mais caluniados do Brasil.
Joacil Pereira, em aparte:
Foi tido como ladrão, sem ser.
Humberto Mello:
Morreu na miséria. João Alberto foi vereador no então Distrito Federal e se a Câmara não
pagasse o enterro, a família não tinha dinheiro para pagar. Felinto Muller, segundo
depoimentos, foi expulso da Coluna.
O que a Coluna queria? O objetivo era dar uma sacudidela na consciência nacional e isso foi
obtido a médio prazo.
Dorgival Terceiro Neto:
Na realidade eles percorreram o meio rural, e naquela época o grosso da população era
rural. Só que era uma população analfabeta, impermeável a uma mensagem nova. Isso
também digo a essa juventude que faz essas indagações.
No meu entender da Revolução de 30, acho que havia muito personalismo, emulação
política. No caso do Rio Grande do Sul, que você destacou, eles nunca tiveram um
Presidente da República e queriam ter de qualquer jeito. Deu Getúlio, que foi o maior
anticonstitucionalista que conheci. Em 1930 existiu muito personalismo. Não sei se o
Geografia e História da PB
203
expositor também participa desse entendimento. O Rio Grande do Sul montou um artifício,
aproveitando-se de um momento propício para poder conquistar a Presidência da
República. E chegou a isso com uma dosagem grande de personalismo, de vontade própria
ou de ambição mesmo do próprio Getúlio.
Humberto Mello:
Não há a menor dúvida. Getúlio era um homem que nunca houve, na História do Brasil,
com tanta vontade de poder quanto ele. E a propaganda política da Aliança Liberal, que foi
a coligação que se formou para apoiar Getúlio e João Pessoa, era que iria restaurar a
pureza dos ideais da Constituição de 1891. Quando Getúlio assumiu o Governo baixou um
Decreto em que suspende a Constituição de 1891 e depois não tomou mais conhecimento
dela. Foi a primeira que ele rasgou. Esse Decreto de Getúlio é interessantíssimo porque
tem muita coisa que vem a ser reproduzida, 34 anos depois, no Ato Institucional nº 1. Há
dispositivos que são reproduzidos quase literalmente. Ele teve apoios para isso. A Paraíba
apoiou inicialmente, com Anthenor Navarro.
Há dois episódios, nesse particular, que queria contar nesse. Um deles é o seguinte:
quando se verificou que Getúlio estava tomando conta do poder, em 1932, não se falava
em eleição, não se falava em constituinte; diz ele: vamos observar a Constituição, depois
vamos elaborar outra, e o depois não vinha. Borges de Medeiros, que então estava
rompido com Getúlio, telegrafou para vários líderes, inclusive Anthenor Navarro, que era
interventor da Paraíba, apelando para os ideais da Aliança Liberal. E Anthenor Navarro deu
uma resposta malcriada, dizendo que a Aliança Liberal estava defunta desde junho de
1930. O junho foi a época da “degola” dos eleitos.
Outro episódio do apoio da Paraíba a essa atitude ditatorial, em 1931, quando Getúlio tinha
convocado as eleições para a Constituinte: o Instituto dos Advogados do Brasil dirigiu a
todos os Institutos dos Advogados dos Estados pedindo apoio para o movimento de
reconstitucionalização do país. E todos apoiaram, menos um: o Instituto dos Advogados da
Paraíba. Disse que estava muito satisfeito do jeito que estava.
Getúlio, como chefe do governo provisório, forçado, convoca a Constituinte. A Constituinte
vota a Constituição de 34 e contam que, quando foram comunicar-lhe, ele teria dito que
seria o primeiro a descumpri-la. Efetivamente essa Constituição durou três anos, pois em
1937 ele deu o golpe de Estado. Aí vem a Constituição elaborada por um cidadão que, sem
dúvida alguma, foi um dos maiores juristas do Brasil – Francisco Campos, chamado Chico
Ciência. Essa Constituição, formalmente, é um espetáculo; ela é muito bem feita. Mas
Getúlio, que promulgou a Constituição, também não a cumpriu. Não há a menor dúvida
que Getúlio se aproveitou da situação para dominar. Em termos de personalismo ele foi
insuperável.
Dorgival Terceiro Neto:
Outro aspecto que é objeto de indagações refere-se às influências externas sobre o
movimento de 30. Naquela época existia até uns relatórios famosos sobre nossas dívidas
imensas em libras esterlinas; era a época do apogeu do café, da borracha, tudo isso
explorado por esses gringos. Então teve um relatório famoso antes de detonar a Revolução
de 30, em que eles apontavam todas as dificuldades econômicas que o país estava
atravessando. Os americanos, que policiavam tudo isso, também tinham uns relatórios que
chegaram a ser divulgados. Cheguei até a ler alguns deles, quando me interessava por
essa parte de economia. Muita gente diz que isso não foi objeto apenas dos brasileiros. A
Revolução de 30 foi, na verdade, acompanhada, como foi a de 64, de perto pelos grupos
estrangeiros, pelos grupos econômicos, pelos grandes bancos, que tinham capitais
mutuados circulando no país e que tinham interesse na recuperação desses capitais.
Acho que esse lado econômico tem sempre que ser levado em consideração quando se
tratam dos pressupostos para a detonação de 30.
Os historiadores levam em conta somente os fatos históricos, mas eu acho que essa parte
econômica deve ser sempre objeto de avaliação. Esses relatórios existiram. Eu me lembro
que, no passado, li um deles, inclusive de um economista importante da Inglaterra, em que
Geografia e História da PB
204
dizia tudo o que estava acontecendo no Brasil e providências que deveriam ser tomadas
para evitar que eles perdessem o controle nacional, que era exercida por eles. Eles
emprestaram muito dinheiro aqui e queriam salvar esse dinheiro de qualquer forma. Esse
receio existia, e da parte dos americanos também existia. Creio que isso foi também levado
em consideração na época da preparação da revolução. Não se de forma muito ostensiva,
mas talvez sorrateira pelos grupos econômicos que já atuavam aqui, como hoje se
encontram no país. Não sei se o expositor tem alguma coisa a acrescentar sobre isso.
Humberto Mello:
Na década de 30, Gustavo Barroso, um historiador de extrema direita, publicou um livro
chamado BRASIL, COLÔNIA DE BANQUEIROS, em que mostra a série de empréstimos do
Brasil. Isso não é novidade. O Brasil tomava dinheiro emprestado com spread e juros altos.
Como não podia pagar, tomava outro empréstimo para pagar os juros anteriores. O Brasil
era um país eminentemente agrícola, e havia muita gente que achava que o Brasil não
devia proceder a nenhuma industrialização. Que a vocação do Brasil era a agricultura e a
exportação de matéria prima. O Brasil depois que descobriu minérios, exportava minérios,
café, cacau. Havia o domínio da Inglaterra, que mandava no mundo econômico até a
primeira guerra mundial. O Brasil importava tudo, até a manteiga era importada.
Importava agulha, linha, sapato, tecidos, etc. Quando vem a guerra de 1914-18, de
repente começam a faltar as coisas no Brasil. Começam surgir as indústrias substitutivas
das importações. Indústria incipiente que tinha de substituir o importado, que não vinha
mais. Apesar da Inglaterra sair vitoriosa da guerra de 18, saiu enfraquecida, começando
então o domínio norte-americano. E começamos a sair da área da libra esterlina para a do
dólar. Mas o capitalismo norte-americano também não estava em boa situação. Em 1929
houve o famoso crack da Bolsa de Nova York, que acabou com a economia americana, e
embora ainda não houvesse esse nome de globalização, a economia americana arrastou a
economia mundial. Em conseqüência caiu o preço do café no mercado internacional, que
era o nosso principal produto de exportação. E caiu a tal ponto que o governo brasileiro
chegou a queimar sacas de café que estavam no porto para exportar, visando diminuir a
oferta, para tentar segurar o preço. Não foi mera coincidência a derrubada do governo
argentino em 1930, que estava na mesma situação do Brasil, quando a carne, seu produto
principal de exportação, caiu de preço.
Houve o problema econômico interno e externo, e é claro que tudo isso influiu na queda
da República Velha Há estudos nesse sentido, mostrando que o que enfraqueceu São
Paulo, o que enfraqueceu a candidatura de Júlio Prestes e o próprio presidente Washington
Luiz foi o enfraquecimento econômico do café.
Dorgival Terceiro Neto:
Ninguém pode deixar de reconhecer que depois da Revolução de 30 o país experimentou
algum progresso A industrialização já surgiu praticamente naquele período. Uma coisa que
grassou largamente foi o empreguismo. Getúlio fez umas coisas benéficas: criação da
legislação trabalhista, que não existia, mas criou Instituto só para dar emprego ao povo.
Instituto de toda qualidade. Institutos dos Bancários, dos Comerciários, dos Ferroviários,
instituto não sei de quê, que terminou num cabide de emprego terrível.
Humberto Mello:
Esses foram Institutos previdenciários, mas teve os institutos econômicos: Instituto do
Café, Instituto do Sal, Instituto da Borracha, Instituto do Açúcar e do Álcool, etc.
Dorgival Terceiro Neto:
O que se diz é que ele para se perpetuar politicamente criou todo esse esquema de
empreguismo para prestigiar líderes políticos e gente do interior do país. Não tenho grande
admiração por Getúlio. Acho-o um sujeito terrível, frio, calculado, tudo que fazia era
visando seu sucesso pessoal, para se perpetuar no poder, como se perpetuou durante 15
anos. Podemos atribuir a ele algum avanço no campo econômico, pois reagiu a essa
subordinação ao exterior, mas foi um grande empreguista. Essas coisas todas têm que ser
analisadas como resultado da Revolução de 30. As positivas e as negativas. Muita coisa no
Geografia e História da PB
205
campo social aconteceu, e também muita coisa negativa. Muitos vícios, os quais ainda hoje
participamos deles.
Humberto Mello:
As reformas administrativas de Getúlio começaram com a criação de dois ministérios, logo
quando ele assumiu: o Ministério do Trabalho e o Ministério da Educação e Saúde, que
depois foram separados. Depois criou as autarquias; não havia autarquias no Brasil. A
figura jurídica da autarquia foi criada por ele. Conforme Luiz Hugo disse aqui ao meu lado,
à meia voz, Getúlio criou a classe média no Brasil. A classe média foi criada às custas do
poder público. E isso tinha objetivo político.
Mas, Getúlio exercia um certo fascínio. João Neves da Fontoura era Vice-presidente de
Getúlio Vargas no Rio Grande do Sul. Acontece que quando Getúlio saiu para comandar o
movimento militar não passou o governo para João Neves. Passou para Oswaldo Aranha.
João Neves foi logo ficando meio despeitado e em 1932 está João Neves envolvido com o
movimento paulista e escreveu um livro “Acuso”, metendo o pau em Getúlio. Foi exilado
para Portugal. Em 1939, João Neves começou a fazer umas sondagens para voltar ao
Brasil. Aí se tornou possível sua volta. Por intermediação de amigos, João Neves foi
convidado a ir ao Palácio do Catete. E aí contam a exclamação de Getúlio: Oh, João! Onde
é que tu andavas, nunca mais aparecestes? Estou aqui à tua disposição.
Veja o maquiavelismo de Getúlio. Lembremos o que aconteceu com Oswaldo Aranha.
Oswaldo havia sido embaixador do Brasil nos Estados Unidos, volta para ser Ministro das
Relações Exteriores e preside a Sociedade dos Amigos da América, que tinha posição
formada em favor dos aliados da II Guerra e era contra as ditaduras inimigas (Alemanha e
Itália) e que evidentemente repercutia contra a ditadura doméstica. Getúlio estimula
Oswaldo Aranha a ser o presidente da Sociedade dos Amigos da América e quando Oswaldo
Aranha é eleito ele manda fechar a sociedade. Oswaldo Aranha fica na oposição. Mas,
quando Getúlio é eleito, em 1953 chama Oswaldo Aranha para Ministro, inclusive chamou
José Américo. Recordo-me de uma publicação na revista O CRUZEIRO, com a fotografia
dos dois com a seguinte legenda: A Revolução de 30 volta com cabelos brancos. Lembro-
me também de outra fotografia, na morte de Getúlio, Oswaldo Aranha chorando. Ficou
sendo getulista até o fim da vida.
Getúlio realmente fascinava essa gente. Mas tinha essa distribuição de benesses, de
empregos, de favores. Muita gente ficou rica.
Dorgival Terceiro Neto:
Vou encerrar, que o horário está avançado. Mas, Joacil Pereira lembrou que o ministro João
Alberto morreu muito pobre e tinha a pecha de ladrão. A propósito disso, aqui na Paraíba
tinha umas figuras inteligentíssimas, como o violeiro Pinto do Monteiro, que morava no Rio
de Janeiro. Ele e Louro do Pageú tinham uns programas na Rádio Tamoio em que o
ouvinte, pelo telefone, dava um mote e eles glosavam. Com isso criaram fama. Quando
havia aquelas festas grandes eles eram convidados como grande atração. Uma vez fizeram
uma festa na casa do ministro João Alberto e levaram os dois cantadores. João Alberto,
que era pernambucano, tinha passado em Monteiro na Coluna Prestes. Como se sabe, os
membros da Coluna tomavam os animais nas cidades por onde passavam. Não tomavam
propriamente, eles “requisitavam” os animais, e não traziam mais. Quando João Alberto
passou em Monteiro carregou uns burros de carga do cunhado de Pinto. Quando ele chegou
na casa do ministro, João Alberto disse: Ah, Pinto, eu conheço muito você; conheço sua
fama, também. Quando Pinto começou a cantoria, começou assim:
Me desculpe seu ministro,
Me perdõe se eu estou errado,
Eu vim aqui para perguntar,
Não para ser perguntado.
Me diga o que é que fez
Geografia e História da PB
206
Dos burros do meu cunhado
Joacil de Britto Pereira:
Serei breve, devido ao adiantado da hora. Quero de início me congratular com o expositor
de hoje. Ele fez uma exposição isenta, como convém ao verdadeiro historiador, sem as
paixões exacerbadas que alimentam o espírito de muitos outros. Só tenho que louvar a
maneira como ele se conduziu. Não tenho nada a recriminar. Mas anotei uns pontos porque
é natural que haja certas omissões.O tempo é curto e o expositor tem as suas limitações
temporais e daí não pode abordar tudo.
A oligarquia alvarista encontrou duas reações: a primeira foi a de Coelho Lisboa, que veio
para ser Chefe de Polícia do primeiro governo republicano, mas começou a reagir contra
Venâncio e continuou a sua reação depois, no segundo governo republicano. Era um bravo
parlamentar, um orador extraordinário e rompeu primeiramente com o governo a que
servia e continuou lutando contra Álvaro Machado. Depois, ele também rompeu com
Epitácio porque achava que Epitácio estava dentro da mesma linha oligárquica e ele achava
que a República havia sido feita para regenerar os costumes políticos e instaurar uma
verdadeira democracia no Brasil. Era realmente um idealista.
Então, nós vemos que a Paraíba, desde a Proclamação da República até o governo de João
Pessoa, viveu sob uma oligarquia. E João Pessoa, que veio para redimir esses costumes
políticos, esses vícios da Velha República – e fez muita coisa nesse sentido – também não
escapou da proteção indecorosa à sua família. A família Pessoa também foi oligárquica.
Por ocasião das eleições esperava-se que João Pessoa renovasse a chapa para deputados
federais, mas não renovou totalmente. Manteve o seu parente na chapa. Quando João
Pessoa visitou Princesa ainda se discutia sobre a possibilidade de botar João Suassuna na
chapa. José Pereira já estava meio estremecido porque quando João Pessoa, em Palácio,
anunciou algumas providências ao líder José Pereira e falou nos cangaceiros que ele
protegia, a resposta de José Pereira foi veemente: esses cangaceiros a quem Vossa
Excelência se refere ajudaram a eleger seu tio Epitácio Pessoa a Presidente da República. É
de se ver que também houve esse vício de oligarquia no governo de João Pessoa e antes,
na liderança de Epitácio.
Dorgival Terceiro Neto, em aparte:
Para mostrar que Epitácio foi mais longe, quando chegou a vez para disputar a Presidência
do Estado, e não tinha nenhum Pessoa desocupado, ele botou Camilo de Holanda, que era
o médico da família.
Joacil Pereira, continuando:
Então houve esse protecionismo. Por exemplo, o candidato de João Suassuna ao governo
do Estado não seria João Pessoa, mas Epitácio impôs a retirada do nome da predileção do
Presidente, que era Júlio Lira. O nome de Júlio Lira foi retirado para entrar o de João
Pessoa. Esses são assuntos que estão dentro do tema da Revolução de 30 e da República.
Cumpre-me dizer ainda que Álvaro Machado estava deixando de ser Presidente do Estado
colocava sempre Walfredo Leal ou uma pessoa de sua total confiança (Walfredo era
também seu parente, que também era de Areia). Além do mais, ele fazia isso de sair da
Presidência do Estado, porque ele preferia sempre estar nos altos conselhos da República.
Ele preferia o Senado; ele saía, não para hibernar, ele saía para se eleger Senador e depois
voltar.
Dorgival Terceiro Neto, em aparte:
Em uma das vezes em que não havia um Machado desocupado, Álvaro colocou o
desembargador José Peregrino e Afonso Machado como Vice, para ter gente dele sempre
de cima.
Joacil Pereira, retomando a palavra:
Geografia e História da PB
207
Essas oligarquias não davam chance a ninguém. Era uma panelinha familiar, oligárquica.
Determinadas famílias da Paraíba sempre viveram assim, como agora outra quis se
implantar, como os Cunha Lima. Não tenho nada contra eles, mas é um fato histórico.
O governo de João Pessoa teve altos e baixos. Ele foi endeusado porque infelizmente,
lamentavelmente, foi assassinado. Havia um parente de João Dantas, seu primo, que dizia:
por que meu primo fez isso? Por causa de ofensas pessoais a ele e à família? Porque vão
endeusar esse homem. Se ele queria mandar matar, por que não me mandou, que não sou
um homem de projeção?
Mas, João Dantas, levado pelos impulsos das suas emoções e dos seus sentimentos feridos,
assassinou João Pessoa e João Pessoa se tornou, de repente, um ídolo, por uma exploração
terrível. Esse navio em que viajei muito depois, o navio “Rodrigues Alves”, que levou o
cadáver de João Pessoa daqui até o Rio, parando em todo porto, era um palanque político
da Revolução, que já tinha fracassado. Getúlio já não queria mais a Revolução, estava,
inclusive, acomodado. Quem fez a Revolução foi o maior homem que o Rio Grande do Sul
deu à Revolução, que se chamou Oswaldo Aranha. Ele quase que jogou à força Getúlio à
frente do movimento.
Quanto a Getúlio foi dito, também, o que ele fez. O seu espírito ditatorial, sua desmedida
ambição de poder, homem cerebrino e frio, que mandou entregar, por Felinto Muller, a
esposa de Luis Carlos Prestes. Esse foi um grande idealista no país; podemos divergir das
idéias que ele desposou, mas não podemos deixar de reconhecer que Luis Carlos Prestes
foi um homem culto, sério e idealista. Nunca deixou os seus amigos no caminho. Pois bem,
Getúlio entregou a esposa desse homem, grávida, entregou um feto que estava no ventre
dessa mulher ao nazismo e ela deu a luz a Anita Leocádia Prestes num campo de
concentração. Não posso deixar de referir isso sobre esse ditador cruel, cerebrino, frio e
iníquo. Pessoalmente honesto, nunca furtou, mas deixava os outros furtarem.
Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello, ex-governador do Estado, contou um fato
autêntico. Ele era governador, quando estava no Rio de Janeiro e um grande político do
Pará, massacrado por Magalhães Barata, foi se queixar a Getúlio do que esse homem fazia
lá. Que estaria dilapidando os cofres públicos, se locupletando. Getúlio ouviu,
pacientemente, a exposição de mais meia hora, fumando um charuto e soltando fumaça no
ar. E no final, disse: O do Maranhão é muito pior (que era Vitorino Freire). Esse era o
Getúlio Vargas, que tinha apenas a ambição desmedida de poder, o espírito caudilhesco.
Nós não podemos, nesta hora, deixar passar sem essas observações.
Na verdade, há algumas coisas engraçadas na Revolução de 30. Pernambuco tinha como
Presidente Estácio Coimbra, uma figura de punhos de renda, de família tradicional, rico,
mas acovardou-se, abandonando os seus amigos e fugiu num rebocador, no qual já estava
Juvenal Lamartine, fugido do Rio Grande do Norte, um vestido de padre (que era Juvenal)
e o outro vestido de freira. Juvenal era metido a cavalo do cão, a conquistador e quando
viu aquela freira tão bonita aproximou-se com galanteios, e aí Estácio disse: deixe de
besteira, Juvenal, eu sou Estácio. Todos dois fugiram, abandonando o campo da luta.
Na Paraíba, houve realmente luta séria. Os paraibanos realmente se portaram muito bem.
Mas é preciso corrigir um ponto. A Paraíba não é só a Revolução de 30. A Paraíba é a
expulsão do holandês invasor, que Pernambuco procura puxar para o seu bornal. A Paraíba
é a Revolução irredenta e libertária de 1817, que deu maior número de mártires do que
Pernambuco
Eu estava na Câmara dos Deputados quando o escritor Vamireh Chacon, meu amigo, que
descende de família paraibana de Areia, estava fazendo uma conferência sobre esse
assunto e o aparteei com veemência: Guerra pernambucana, por que? Restauração
pernambucana, por que? Participaram desse movimento, em 1817, por exemplo, a Paraíba,
o Rio Grande do Norte, até o Ceará.
Só enaltecem Pernambuco. Eu entendi, muito bem, o que quis dizer nosso debatedor. Mas
acho que devemos, toda vez em que se falar puxando a brasa para a sardinha de
Pernambuco, dizer que a revolução de 1817 foi nordestina.
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São esses os adendos que gostaria de fazer, como faço, parabenizando, mais uma vez, o
Instituto e o expositor Humberto Mello e seu debatedor, pelo brilho desta reunião. Ele fez,
como disse de início, uma exposição isenta, como deve ser a de qualquer historiador que
se prese de não abusar das suas paixões exacerbadas. Já é tempo da Paraíba refletir
melhor sobre esses ódios que separaram a Paraíba, dividiram-na em dois campos de luta.
Dividiram a família paraibana. Nós temos que dar o seu ao seu dono, o valor que cada um
tem, mas não com paixão e com ódio.
Guilherme d’Avila Lins:
Hoje é uma tarde muito feliz. Hoje assistimos aqui uma belíssima lição de História,
protagonizada de forma magistral por Humberto Mello, Dorgival Terceiro Neto e Joacil
Pereira, que abordaram importantes aspectos da Revolução de 30, dando uma significativa
contribuição a este Ciclo de Debates.
Pegando o gancho das palavras de Joacil, de que é hora de se acabar com as paixões, bem
a propósito tenho aqui um artigo que achei a alguns dias na Revista ERA NOVA, de 1925,
durante o Governo de João Suassuna com o retrato de José Pereira Lima. O artigo diz
respeito à atuação de José Pereira Lima no combate aos cangaceiros que assolavam o
sertão na época. O mesmo José Pereira Lima que foi chamado de cangaceiro depois, no
governo seguinte.
Dorgival Terceiro Neto, em aparte:
José Pereira Lima foi quem enxotou Lampião, quando assaltou Sousa.
Guilherme d’Avila Lins, retomando a palavra:
Quis registrar o fato, porque, passado o tempo, é hora de sentarem as coisas.
A questão mais factual da revolução de 30, que é a participação dos elementos que aqui
conspiraram e atuaram, deverá ser adicionada a este debate. Não vejo esse registro em
todas as vezes que se fala na Revolução de 30. Acho que se foram citados esses registros,
foram esquecidos. Assim é que vou citar alguns artigos que o então interventor e
conspirador da Revolução de 30, Anthenor Navarro, escreveu na A UNIÃO a partir de maio
de 1931, sob o título genérico de APONTAMENTOS PARA A HISTÓRIA DA REVOLUÇÃO DE
30. Ele conta sua experiência como participante e conspirador. Assinala que o primeiro civil
no Estado da Paraíba que entrou em contato com os elementos fora do Estado da Paraíba,
para começar a Revolução de 1930, foi meu tio José d’Avila Lins, que recebeu os irmãos
Lima Cavalcanti no belvedere de Trincheiras. Este encontro se deu no dia no dia 3 de
março de 1930, quando se deu o primeiro contato civil dos conspiradores de Pernambuco.
E quem os recebeu, não de forma oficial, mas até meio escondido, foi meu tio José d’Avila
Lins, que era o prefeito da capital, e não podia se expor, recebendo-os oficialmente.
No dia 6 de março houve o primeiro encontro entre os civis da terra e os elementos
militares, em Tambaú, na casa de Juracy Magalhães, onde se encontravam presentes os
três tenentes Juracy, Jurandir Mamede e Agildo Barata, e estavam também Anthenor
Navarro, meu tio José, José Américo e mais um ou dois dos conspiradores civis. Foi o
primeiro dia da reunião entre civis e militares para a Revolução de 30.
A partir daí as reuniões se davam em Tambaú e, para não despertar suspeita, iam no carro
do prefeito, que morava em Tambaú. Este é um depoimento de Anthenor Navarro.
Humberto Mello, em resposta a Joacil Pereira:
Como falei, Álvaro Machado veio para cá como delegado de Floriano Peixoto e montou
muito bem sua máquina; com muita competência, passou 20 anos mandando, e saiu
somente quando morreu. Há a informação de que Walfredo Leal seria parente dele, mas
isso não está bem confirmado; se for, vamos ter a família que deu maior número de
governantes à Paraíba. Porque nós tivemos os dois irmãos Machado – Álvaro e João,
Walfredo Leal, José Américo, sobrinho de Walfredo, Gratuliano Brito, também sobrinho de
Walfredo, e Ivan Bichara, casado com uma sobrinha de Walfredo. Seis governantes,
portanto.
Geografia e História da PB
209
Saindo a oligarquia Machado, entra a oligarquia Pessoa. O domínio de Epitácio era tão
grande que havia até um ditado: Na Paraíba quem não é Pessoa é coisa. Houve, é claro,
oposições. Coelho Lisboa combateu essa oligarquia, embora Coelho Lisboa só tenha
começado a combater a oligarquia de Álvaro Machado depois que se certificou que ele,
Coelho Lisboa, não seria candidato a governador. Coelho Lisboa, em 1908, queria ser o
governador, mas terminou sendo João Machado. E ele levou para o túmulo essa grande
mágoa de não sair governador da Paraíba.
Luiz Hugo, intervindo:
Coelho Lisboa pleiteou ser candidato anteriormente, antes de Venâncio Neiva, mas foi
barrado pelo prestígio dos irmãos militares.
Humberto Melo, retomando a palavra:
Certa vez perguntei a alguns auxiliares próximos de João Pessoa, gente que tinha convivido
com ele, perguntei a José Américo, a Osias Gomes, a Adhemar Vidal sobre leituras, livros,
etc., idéias, que João Pessoa refletia; ninguém me soube dizer nada. Mas encontramos no
arquivo sobre João Pessoa, que existe aqui no Instituto Histórico, muitos recortes de
jornais que mostram as idéias que o influenciaram, coisas que ele reproduziu na sua
administração. Acho que João Pessoa sentia que aquele esquema não dava mais para
continuar. Daí começa a haver hostilidade àquele sistema coronelista. O coronel mandava e
representava porque não havia a figura do chefe político; era uma figura oficial,
equivalente hoje ao presidente do Diretório de partido. O jornal publicava: Fulano de tal,
chefe político. Esse chefe político era quem nomeava, influía na nomeação do juiz,
nomeava o promotor, o coletor, o delegado, geralmente influenciava a designação do
padre, o professor, todo o funcionalismo. João Pessoa começou a desmantelar esse
domínio, substituindo promotores, elementos do fisco. Em termos de promotor posso
lembrar o seguinte: a família Dantas tinha uma propriedade, um latifúndio no município de
Mamanguape e havia uma briga entre os Lundgren como também havia umas reclamações
dos índios da Bahia da Traição contra os Dantas, reclamações que tinham sido enviadas a
João Suassuna e que tinham sido engavetadas. Então João Pessoa tira o promotor de
Mamanguape e João Dantas escreve uma carta a familiares elogiando muito João Pessoa
porque tinha tirado o promotor, porque tinha botado um elemento que não era vinculado
ao poderio dos Lundgren. E quando foi desengavetada a reclamação dos índios João Dantas
não gostou. Diz Adhemar Vidal que a partir daí que surgiu o ressentimento.
Joacil Pereira, em aparte:
Houve um processo contra Manoel Dantas Correia de Góes, conhecido na intimidade por
Zola, processo por crime de homicídio que ele tinha praticado em legítima defesa. João da
Matta Correia Lima, que era amigo íntimo e colega de João Dantas, foi constituído
advogado. Ao invés de levá-lo ao Júri e absolver ou conseguir antes a impronúncia, ele
anulou, por um hábeas corpus perante o Tribunal – naquele tempo se chamava Tribunal de
Apelação – esse processo. Essa foi a causa principal do primeiro estremecimento. Depois
que João da Matta já tinha morrido, num acidente de automóvel, foi quando houve aquelas
medidas de João Pessoa contra a família. Inclusive já tinha havido também a invasão da
república de João Dantas; então restauraram o processo. O processo tinha sido anulado,
podia ser restaurado. Foi restaurado para condenar, teleguiadamente, Manoel Dantas
Correia de Góes. E ele teve de fugir, só voltando para aqui no governo de Flávio Ribeiro.
Humberto Mello, retomando a palavra:
Ele voltou no governo de José Américo e conseguiu, através de Hermano Almeida, ser
nomeado para o Departamento de Estradas de Rodagem. É uma história mal contada. Ele
me disse que era engenheiro, mas que na fuga dele tinha perdido o diploma. Seria fácil ir à
Faculdade e conseguir uma segunda via ou uma declaração. Ele disse que não foi possível.
A história é meio complicada. Mas ele não conseguiu ser nomeado como engenheiro, e
ficou como auxiliar.
A invasão da residência-escritório de João Dantas foi no dia 20 de julho de 30 e Manoel
Dantas tinha saído da Paraíba em 1929. Ele me disse que tinha ido embora – e disse a João
Geografia e História da PB
210
Dantas – que não tinha temperamento para ficar. Isso consta de um depoimento no Núcleo
Documental de Informação Histórico Regional – NDIHR, da Universidade Federal da
Paraíba.
No meu entender, o que agravou mais o rompimento foi o seguinte: o presidente da Junta
Eleitoral, que seria o juiz federal Gouveia da Nóbrega, se licenciou e os suplentes também,
que eram despreparados e João Dantas deu uma assessoria jurídica e a Junta preparou
toda aquela “degola”.
Joacil Pereira, solicitando aparte:
Quem fez todo o processo foi Eugênio Carneiro Monteiro. Eu ouvi várias vezes ele contar
isso no Clube Cabo Branco. Carneiro Monteiro estava no Rio Grande do Sul e foi chamado
para assumir a presidência da Junta.
Humberto Mello, voltando:
Também ouvi essa versão, de sorte que ele até ganhou o apelido de Eugênio Monturo.
Quanto à manutenção de Carlos Pessoa na chapa, foi, de fato, uma situação inexplicável.
José Américo tenta uma explicação. Diz que João já se achava rompido com um ramo da
família, que era os Pessoas de Queiroz, e não queria um rompimento com outro ramo que
era o de Antônio Pessoa. Dizem inclusive que José Pereira sugeriu, para homenagear a
terra natal de João Pessoa, o nome de Assis Chateaubriand no lugar de Carlos Pessoa na
chapa.
Finalmente, o problema do cangaço é um problema meio complicado. Que José Pereira era
inimigo de Lampião, não há dúvida. Que ele sempre tenha sido inimigo é algo um tanto
questionável. Há um autor norte-americano que escreveu um livro sobre o cangaço,
especificamente sobre Lampião, e afirma que José Pereira e Lampião eram amigos e
depois se tornaram inimigos. Não diz porque, pois havia várias versões sobre a origem da
inimizade.
O fato é que José Pereira tinha um comando muito grande, e como Inês Caminha falou
aqui num debate anterior, o Estado era privatizado. A gestão de Suassuna, no período de
1924-28 coincidiu em que foi o maior predomínio de todos os coronéis em todo o Nordeste.
Havia uma situação interessante. Havia o que chamavam a terceirização do fisco. Pegava-
se os impostos estaduais do município x e se fazia um leilão daquele imposto. Chegava
alguém, arrematava aqueles impostos (isso era das Ordenações do Reino, disse um
participante). Havia gente que pagava as folhas do Estado. Quer dizer, o Estado era
privatizado. Era uma terceirização das funções estaduais.
Joacil Pereira, explicando:
Mas isso era permitido por lei federal e vem desde as Ordenações.
Humberto Mello, continuando:
Não havia uma permissão expressa e como se sabe, em Direito o que não é proibido, é
permitido.
A fala do Presidente:
Chegamos ao final deste debate, com uma vasta riqueza de novidades sobre o tema.
Esta foi a forma que o nosso Instituto encontrou para renovar a preocupação pelos nossos
desafios históricos. Cada vez mais estamos trazendo para um público novo a posição do
Instituto. O Instituto Histórico se reflete pelo conhecimento e pela qualificação dos seus
associados, os quais constantemente estão trazendo para vocês novos caminhos.
A contribuição do expositor Humberto Mello, do debatedor Dorgival Terceiro Neto, dos
participantes Joacil de Britto Pereira e Guilherme d’Avila Lins encheu o debate de informes
pouco conhecidos. Foram depoimentos pessoais, interpretações acertadas,
pronunciamentos esclarecedores.
Geografia e História da PB
211
O que se podia falar sobre a Revolução de 30 e seu derredor foi feito, quase esgotando o
manancial de episódios oficiais e de bastidores daquela fase que projetou, sem dúvida, a
Paraíba na história nacional.
Renovo meus agradecimentos aos presentes, que não se afastaram da sessão, apesar do
adiantado da hora, numa demonstração de interesse pela história paraibana.
Obrigado.
11º Tema
O MOVIMENTO DE 64 E A PARAÍBA
Expositora: Martha Falcão
Debatedor: Luiz Hugo Guimarães
A fala do Presidente:
Abrindo os trabalhos, convido a professora Martha Falcão, expositora do tema de hoje,
para compor a mesa; o acadêmico Joacil Pereira, presidente da Academia Paraibana de
Letras, confreira Waldice Mendonça Porto, 1ª Secretária do Instituto.
O tema de hoje é O MOVIMENTO DE 64 E A PARAÍBA, e a escolha da professora Martha
Falcão se deve aos vários trabalhos de sua autoria sobre o assunto. Ela é professora de
História na Universidade Federal da Paraíba, é Mestra em História do Brasil e Doutora em
História Social, além de graduada em Direito. Um dos seus trabalhos bastante consultados
é NORDESTE, AÇÚCAR E PODER.
É uma das mais recentes aquisições do nosso Instituto, posto que ela ingressou neste
silogeu em março último.
Passo a palavra à professora Martha Falcão.
Expositora: Martha Maria Falcão Carvalho de Moraes e Santana (Sócia do Instituto,
professora de História da UFPB, Mestra e Doutora em História, graduada em Direito)
É para mim uma grande alegria ter meu nome incluído como uma das expositoras desses
500 anos de Paraíba em debate. O tema que nos coube é justamente o Movimento de 64 e
a Paraíba. Gostaria de ter a liberdade de tratar o tema como o Golpe militar de 64 e a
Paraíba. Logicamente nós não podemos nos referir ao golpe sem pensarmos em termos de
processo, porque o golpe foi muitas vezes tramado, conspirado, adiado, e finalmente
consumado. Para falar no golpe de 64, teríamos que remontar, fazer uma retrospectiva ao
panorama que se descortina no pós-guerra.
Em 1945 o mundo sofre uma bipolarização e vive a divisão entre o Ocidente democrata,
capitalista e a União Soviética, que se expande formando o bloco do Este comunista. Surge
aí a doutrina de sustentação ideológica chamada Guerra Fria. E é nesse panorama de pós-
guerra que os países da América Latina sofrem uma verdadeira renascença em termos de
industrialização. Com o crescimento da industrialização, do proletariado e das lutas sociais,
logicamente surge a necessidade das elites políticas procurarem legitimação e sustentação
através daquilo que já vem desde o Estado Novo, aqui no Brasil, onde nós temos como
exemplo a CLT e uma série de benesses; temos também o atrelamento dos sindicatos, com
a desarticulação do movimento dos trabalhadores e, sobretudo, temos a afirmação de uma
liderança, não somente em termos de Brasil, mas também em termos de América Latina,
que procura uma aproximação maior com a classe trabalhadora, não no sentido de dar
sustentação e mobilização a essa classe, mas no sentido de desarticulá-la. Essa
sustentação ideológica é aquilo que nós chamamos de populismo.
O movimento de 64 só pode ser compreendido como um colapso desse movimento que
surge no pós-guerra, em 1945. Temos a Guerra Fria, que vai ter como sustentação a
ideologia da segurança nacional tão bem estudada por Roger Comblant, que hoje está
sofrendo penalidade do Vaticano, fazendo um trabalho muito bonito em Serra Talhada,
Pernambuco. Ele procurou fundar ali um seminário dentro dos moldes da Teologia da
Libertação, mas nestes tempos de igreja romanizada o seminário foi para o brejo. Estamos
Geografia e História da PB
212
assistindo nesse final de milênio a desarticulação do movimento da Teologia da Libertação
e o crescimento da Igreja romanizada.
Para podermos pensar sobre o que é Guerra Fria não posso me deter, porque o tempo é
muito pouco, pois desejaria trazer para aqui a Guerra Fria como a bipolarização do mundo,
num antagonismo, numa luta de disputas nucleares e, dentro desse contexto, tivemos,
aqui na América Latina, em 1959, a vitória da Revolução cubana, que vai contribuir muito
para acirrar esse antagonismo, sobretudo quando a União Soviética começa a fazer
propostas de articulações sobre bases nucleares em Cuba. É quando vemos toda uma
preocupação do governo Kennedy no sentido de criar mecanismos de injunções na América
Latina para impedir o avanço do movimento socialista.
É dentro desse contexto que a gente pode compreender o processo que culminou com o
golpe de 64. Dentro desse golpe de 64 vamos ver o avanço do populismo. Na esteira desse
avanço vamos ter a abertura, o escancaramento da economia brasileira às multinacionais.
Vamos ver isso em termos de produção de mercado, em termos de industrialização e
crescimento de estradas; vamos ter também a crise do petróleo, no governo de Juscelino
Kubitschek, que é um expoente do Governo Populista. Não vamos nos deter no varguismo
porque iríamos retroceder muito, e o tempo não dá.
Dentro da esteira populista vemos também a eleição de Jânio Quadros, que também é um
dos expoentes do populismo. Com a renúncia de Jânio Quadros temos a posse de João
Goulart. Temos que compreender a que João Goulart está ideologicamente vinculado. João
Goulart tinha sido Ministro do Trabalho na época de Vargas; como Ministro do Trabalho deu
um aumento de cem porcento aos trabalhadores. Procurou sempre ser uma bandeira de
luta do centro-esquerda, dentro do Partido Trabalhista Brasileiro – PTB. E justamente ele é
eleito numa chapa que tem o apoio da União Democrática Nacional – UDN, do Partido
Democrático Cristão – PDC, para apoiar Jânio Quadros. Aqui na Paraíba há um momento
áureo com a eleição de Pedro Gondim. Existe uma série de trabalhos excelentes que
gostaríamos apenas de citá-los. Temos um trabalho que foi publicado em 98, que é uma
síntese desse período. É um dos melhores trabalhos, resultante de uma dissertação de
Mestrado, mas que vale por um Doutorado, da professora Monique Citadino, da qual tenho
a honra de ser colega de Departamento na UFPB. Nesse trabalho ela remonta à fundação
dos partidos políticos, com a redemocratização do país em 1945; ela mostra a hegemonia
da UDN e do PSD aqui, como partidos majoritários; mostra o racha da dissidência de Pedro
Gondim quando do lançamento da sua candidatura a vice-governador na chapa
conciliatória ao lado de Flávio Ribeiro; mostra o acidente vascular e as doenças que
motivaram o afastamento de Flávio Ribeiro; os compromissos do grupo da Várzea; mostra
também o pequeno período que Pedro Gondim governou como vice até se
desincompatibilizar e durante esse período ele utilizou a máquina estatal para mostrar a
sua política populista e criar suas bases de sustentação; depois ele volta e procura dentro
do seu próprio partido, o PSD, ser candidato ao Governo do Estado e não encontra
sustentação porque se mitifica muito Rui Carneiro para não permitir que outras lideranças
não o sobrepujassem. Isso ainda não foi estudado na historiografia.. Vê-se muito Rui
Carneiro com uma política do paternalismo, a política do coração, mas nunca se estudou
Rui Carneiro como aquele que deteve o comando, a ferro e a fogo, do PSD, sem permitir
que lideranças mais avançadas como Joffily, e como o próprio Pedro Gondim, pudessem
ganhar seu próprio espaço no partido. É por essa concepção que, na hora de escolhê-lo
como governador, muito embora ele tivesse todo o apoio da classe trabalhadora, como é o
caso do próprio Sindicato dos Bancários, do qual Luiz Hugo Guimarães foi um dos
presidentes mais atuantes e poderá dar um depoimento depois, tinha penetração na classe
estudantil, mas ele não foi escolhido, porque já havia uma aliança das forças mais
conservadoras do PSD, no sentido de apoiar o próprio irmão do chefe político Rui Carneiro,
no caso Janduhy Carneiro. Havia uma bipolarização entre a liderança do personalismo e a
liderança do partido político. A Paraíba era um Estado de base exportadora, de relações
ainda muito coronelísticas, em virtude das próprias forças econômicas que estavam muito
voltadas para a exportação e não para a industrialização; um Estado que não tinha ainda
uma base financeira que lhe desse sustentação; não havia um proletariado organizado em
termos de mobilização. Então nos anos 60 nós vamos ter no bojo da fundação da SUDENE,
Geografia e História da PB
213
da fundação dos Distritos Industriais, a própria expansão do capitalismo e dentro dessa
expansão do capitalismo motivada pelo processo de industrialização criada pela SUDENE,
nós vamos ter essa efervescência política do populismo aqui na Paraíba. No momento
áureo desse populismo, segundo os que estudam esse período com mais afinco, que
conhecem mais as bases desse movimento, emerge a figura populista de Pedro Gondim na
campanha que empolgou toda a Paraíba, de Cabedelo a Cajazeiras, com o slogan do
HOMEM É PEDRO. “Eu estou com Pedro porque não estou com medo”.
Pedro Gondim vai buscar o apoio do Partido Socialista Brasileiro – PSB e logo depois se
muda de malas e bagagem para o Partido Democrata Cristão – PDC. Ele se candidata com
todo o apoio da UDN. O grupo da Várzea lhe dá toda sustentação e ele é eleito. Dentro
dessa eleição nós vamos ver forças de várias naturezas. Vamos ver a frente nacionalista
liderada por Joffily mantendo-se fiel ao PSD, apoiando Janduhy, por conta do contexto
nacional, que tinha como candidato a Presidente da República o general Lott. Lott era o
próprio símbolo nacionalista, que tinha um passado de luta pela legalidade. Muitas e muitas
vezes ele se insurgiu contra as tropas e fez valer o princípio da constitucionalidade. Vamos
ver isso na posse de Juscelino Kubitschek, quando alguns grupos conservadores das Forças
Armadas procuram derrubar o próprio Juscelino Kubitschek, impedindo a sua posse.
Dizem muitos historiadores, inclusive Thomas Skidmore, que a morte de Getúlio Vargas
adiou por dez anos o golpe de 64 e isso o professor José Octávio repete num livro que
escreveu e que é imprescindível para se entender esse momento em termos de Paraíba,
intitulado A DIMENSÃO GLOBAL. É uma série de artigos que ele publicou no livro O JOGO
DA VERDADE, que registra os 30 anos do golpe de 64 aqui na Paraíba, uma coletânea de
vários autores, organizado por José Octávio, Nonato Guedes e outros, do qual participei
com um trabalho sobre as Ligas Camponesas em Santa Rita.
No caso, nós temos uma ampla bibliografia. Talvez a Paraíba seja um dos Estados que
tenha uma bibliografia mais ampla sobre esse período. Temos um excelente livro, que
também é dissertação de Mestrado, defendido, se não me engano, no Paraná, do paraibano
Cezar Benevides. Nesse livro ele procura mostrar a marcha da luta camponesa no Governo
de Pedro Gondim.
Para a gente entender a bipolaridade em termos ideológicos do Governo Pedro Gondim
basta saber que, apesar dele ser um líder queridíssimo das classes trabalhadoras, um
homem que tinha uma penetração apaixonante junto aos estudantes, às donas de casa,
aos segmentos mais pobres e mais carentes da sociedade, ele também tinha o apoio do
grupo da Várzea. Ele foi lançado em primeira mão por um dos líderes do Partido Socialista
Brasileiro, o deputado Raimundo Asfora. Nesse livro da professora Monique existem muitos
pronunciamentos da época, mostrando como o nome de Pedro Gondim ganhava uma
penetração imensa no seio dos trabalhadores e no seio das classes conservadoras; era
como se fosse uma bandeira de unanimidade. Temos também outros trabalhos que
analisam muito bem esse período. Não vamos fazer uma análise historiográfica, muito
embora seja uma professora de historiografia.
Vamos analisar os fatos e nos deter nas articulações, porque o tempo é muito pouco. É
tanto que não fiz uma retrospectiva da Era Vargas, pela qual sou apaixonada.
Dentro desse contexto, o Governo Pedro Gondim vai se caracterizar por um homem de
grande personalidade política no sentido de ter um porte físico bonito, com todas as
condições para empolgar o povo. Uma coisa muito importante para o político é o porte
físico. Para político e cantor, o porte físico ajuda muito. Pedro Gondim era uma espécie de
símbolo latino- americano de homem que empolgava. Também tinha muita capacidade de
oratória, fazendo frases de efeito. Ele disse que preferia sair do Partido por rebeldia a ser
conivente, por covardia. Tem cultura, tem formação jurídica. O trabalho dele HONRA E
VERDADE, é um trabalho que merece ser analisado como uma fonte também para a
história. Logicamente dentro desse contexto marcado pelo populismo, marcado pelo apoio
dos segmentos mais conservadores, ele procurou manter uma postura legalista. Isso quem
diz é a professora Monique. Mas o professor Cezar Benevides é muito contundente e
Geografia e História da PB
214
procura fazer o retrato de Pedro Gondim como que ele fosse uma figura indecisa, quando a
gente sabe que ele era sobretudo um político.
A campanha dele caracterizou-se como a campanha do candidato pobre contra o candidato
rico, quando a gente sabe que o outro também não era um candidato rico. Seu adversário
era um deputado federal de grande atuação – Janduhy Carneiro – um excelente deputado
federal, que muitas coisas que existem na Paraíba, em termos de saúde, foram
conseguidas por ele. Por mais conservador que ele fosse, o historiador não pode, por
questão ideológica, obscurecer que ele trouxe para a Paraíba um dos hospitais mais bem
equipados de combate ao câncer, que é o Laureano. Janduhy Carneiro era um homem de
atuação no parlamento, mas não tinha o carisma e a beleza física, e também a oratória do
outro candidato.
É dentro desse contexto que Pedro Gondim consegue ter uma eleição fabulosa. Mas o seu
governo é marcado pelas lutas sociais, lutas que têm de ser entendidas dentro de um
contexto maior.
Naquele momento, o governo João Goulart para poder tomar posse, como vice do
renunciante Jânio Quadros, teve de fazer um acordo para aceitar o parlamentarismo,
parlamentarismo que pouco tempo depois é derrubado. Dentro de dez pessoas que
votaram, apenas um era parlamentarista, os outros eram presidencialistas.
Com o resultado da votação contra o parlamentarismo no plebiscito realizado, João Goulart
julga que teve a sua candidatura como Presidente da República legitimada. O sonho de
qualquer político é a sua legitimação, e ele se considerou legitimado quando o povo disse
NÃO ao parlamentarismo. Ele então começa a sofrer uma série de pressões.
Os grupos conservadores fundam o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais, é o famoso
IPES. Esse IPES tinha verbas da CIA, do Fundo do Trigo, que era uma conta movimentada
escandalosamente pelos Estados Unidos, dos grupos mais conservadores, de multinacionais
como a Shell, a Texaco, a Coca-Cola e tantas outras. Elas financiavam esse IPES para que
ele conseguisse barrar a marcha do socialismo em termos de Brasil.
João Goulart recebeu muita pressão do Governo Kennedy, a ponto do Governo Kennedy
mandar para o Brasil o seu irmão Robert, que era Ministro da Justiça, no sentido de
negociar o apoio do Brasil no intervencionismo de Cuba, na OEA. Isso porque Cuba estava
promovendo uma política nuclear em aliança com a União Soviética.
João Goulart deu a seguinte resposta, conforme consta do melhor livro escrito sobre João
Goulart, de Moniz Bandeira: “O Brasil fiel à sua tradição pacifista e ao espírito cristão do
seu povo admite como legítimo o direito de defender-se de possíveis ataques e agressões
feitos à Cuba, repudiando e tentando impedir que o direito de autodeterminação do povo
cubano seja cumprido”. Diz também o seguinte: “Sempre nos manifestamos contra a
intervenção militar em Cuba, porque sempre reconhecemos a todos os países, sejam quais
forem os seus regimes ou sistemas de governo, o direito de soberanamente se
autodeterminarem.”
Essa foi a resposta de João Goulart quando foi procurado para ratificar com os países
latino-americanos o desejo dos Estados Unidos para que os países se voltassem contra
Cuba e que pedissem a intervenção em Cuba, porque Cuba estava fazendo política nuclear
aliada à China e à União Soviética. Kennedy queria também que o Brasil cortasse relações
com os países soviéticos, naquele tempo chamados Países da Cortina de Ferro.
João Goulart disse que precisava desesperadamente do apoio do FMI, precisava dos
empréstimos, mas não ia com isso ferir a soberania do povo brasileiro, sendo subserviente.
O embaixador Lincoln Gordon pediu que o Brasil cortasse qualquer comércio de petróleo
com a União Soviética e que deixasse de comprar os helicópteros à Polônia, que naquela
época fazia parte do bloco soviético.
A resposta do Brasil foi uma resposta soberana, resposta de autodeterminação. A partir daí
começa o acirramento e o financiamento maciço dos Estados Unidos através da CIA, do
mesmo modo que a CIA financiou o golpe do Chile, procurando primeiro impedir a posse de
Geografia e História da PB
215
Allende, depois culminando com o assassinato de Allende. Como se sabe, depois da morte
de Allende as forças reacionárias tomaram o poder e hoje nós estamos vendo a figura
maior sendo procurada para ser julgada, pelo mundo todo, pelos crimes de tortura e
matança que cometeu. É o caso da figura de Pinochet.
Nós não poderíamos estudar a Paraíba fora desse contexto. O Governo João Goulart, até a
metade do seu pequeno período, procura manter uma posição de equilíbrio, inclusive ele se
oferece (isto está bem documentado por Moniz Bandeira) para servir de intermediário entre
Cuba e os Estados Unidos no sentido de pôr fim àquele impasse, impasse esse que a
imprensa dizia que geraria a Terceira Guerra Mundial. A imprensa conservadora diz que
João Goulart estava servindo de joguete na mão dos países socialistas, servindo de porta-
voz.
A partir das imposições dos Estados Unidos a situação começa a se deteriorar. As relações
entre o Brasil e os Estados Unidos começam a se deteriorar na medida em que a luta social
cresce no Brasil, na medida em que a UNE e a Central dos Trabalhadores começam a exigir
as Reformas de Base. O Brasil vive nessa época um processo de inflação. A saída de João
Goulart foi partir para o chamado Plano Trienal, que a CIA e o Birô dos Estados Unidos
fizeram questão de desmantelar. O Plano Trienal, para quem está esquecido, procurava
fazer uma política de aproximação com os países do Ocidente, capitalistas, e com os países
do Leste europeu, da Cortina de Ferro, mas praticando, em nível interno, um controle das
remessas de lucros, porque as remessas de lucros estavam sendo escandalosamente
denunciadas pela esquerda brasileira como uma política contra o Brasil, uma política de
escancaramento ao capital internacional, uma política que ia de encontro àquela política do
segundo governo Vargas, que procurou desatrelar os interesses das classes mais
favorecidas, culminando com o próprio suicídio de Vargas.
João Goulart se vê, igual a Pedro Gondim, pressionado, só que João Goulart tem um
compromisso muito maior com as esquerdas. Ele procura, do meio para o fim, se
aproximar cada vez mais. E o golpe começa a ser tramado. Não aqui, em nível de Forças
Armadas, mas muito mais com sede em Washington. Porque Washington financia toda uma
política de ideologia no sentido de se criar o IBAD – Instituto Brasileiro de Ação
Democrática. Esse Instituto promove palestras, financia jornais, faz toda uma propaganda
ideológica contra o comunismo e também ao lado do IBAD nós temos o IPES.
Voltando à Paraíba, vamos ver eclodir a questão agrária. Vamos ver os conflitos agrários;
vamos a reação à vinda aqui de Carlos Lacerda; vamos ver o quebra-quebra dos
estudantes pela meia passagem de transporte; o governo tomando atitudes de agressão,
demitindo vários estudantes que eram jornalistas do jornal oficial A UNIÃO; a esquerda
execrando Pedro Gondim; e vamos ver o distanciamento de Pedro Gondim, a partir de 63;
vamos ver também o choque entre as forças policiais e os latifundiários, como o caso de
Mari; vamos ver o filme CABRA MARCADO PARA MORRER, de Eduardo Coutinho, que
mostra os momentos de acirramento social; surge um livro importante – EU MARCHAREI A
TUA LUTA, que se encontra à venda no Departamento de História da UFPB e uma das
autoras é a professora Rosa Godoy (desculpem os comerciais). Esse livro mostra a vida de
Elizabete Teixeira, toda uma vida de lutas e perseguições, que depois se politiza e se torna
uma líder, uma militante política. Vamos ver a morte de funcionários da Usina; vamos ver
a própria morte de João Pedro Teixeira, em 62; vamos ver vários choques de lutas
armadas aqui na Paraíba. E vamos ver também os latifundiários se organizando. A
professora Monique entrevistou muitos historiadores, inclusive o professor Joacil de Britto
Pereira. Joacil Pereira era deputado estadual e fez parte daquele grupo de deputados que
pediram licença para permitir a convocação do suplente Agnaldo Veloso Borges a fim de
que ele pudesse gozar da famosa imunidade parlamentar. Aqui na Paraíba essa imunidade,
em vez de se reduzir à atuação parlamentar, se esticou para abranger os crimes contra a
pessoa.
Uma das pessoas que primeiro escreveu sobre essas lutas foi justamente o professor José
Octávio, que conta a história das Ligas Camponesas e das lutas sociais nesse período,
numa plaqueta que ainda hoje é muito consultada. Esse trabalho foi depois aprofundado e
Geografia e História da PB
216
transformado num excelente artigo para um dos cadernos do NDIHR, do qual ele era
pesquisador, na época.
Nós vamos ver que a questão das Ligas Camponeses despertou tanto atenção nacional e
internacional a ponto de Josué de Castro dizer que o Brasil foi descoberto em 1500 por
Pedro Álvares Cabral e redescoberto a partir das Ligas Camponesas do Engenho Galiléia,
quando as Ligas Camponesas trouxeram para a América Latina a famosa Aliança para o
Progresso. É dentro desse contexto que vamos ver que o Nordeste se transforma num
barril de pólvora. Quem quiser estudar profundamente a economia do Nordeste e a crise da
reeleição de 58, pode estudar isso em Amélia Coin, no seu livro CRISE REGIONAL E
PLANEJAMENTO.
Como sabem, o Partido Comunista começa a se voltar para o campo a partir da
redemocratização do país, só que com a cassação do Partido Comunista, esse movimento
arrefece dentro do partido, mas continua como um anseio do trabalhador do campo A Liga
Camponesa de Sapé inscreveu sete mil camponeses, segundo dizem. Era a maior Liga
Camponesa do Nordeste.
Vamos ver também o pessoal da direita se organizando. Essa LILA, que era a organização
dos latifundiários destinada a se defender, também atacava os camponeses.
Vimos a situação do Governador quando ele diz que os camponeses deverão se limitar a
fazer as suas associações dentro dos limites do Código Civil. Pedro Gondim, no primeiro
momento, procura desesperadamente, com sua formação jurídica e conservadora, manter
um equilíbrio entre o grupo da Várzea que lhe tinha apoiado e o movimento popular de
estudantes. Era uma situação difícil para ele. Essa situação vai se acirrar a ponto de,
totalmente acossado, tomar o partido do mais forte.
Com o acirramento da questão agrária, vamos ter a movimentação de estudantes, através
de suas associações, dos sindicatos e das facções voltando-se contra o governo que
anteriormente apoiaram.
Na véspera do golpe de 64 o Governo faz uma reunião com todo seu Secretariado. Aliás, a
partir de agosto 1963, o Governo muda todos os segmentos ligados às esquerdas. E vamos
ter a atuação de pessoas como o major Cordeiro, o coronel Ednardo d’Avila Melo, do 15 R.
I.; vamos ver a atuação do coronel da Polícia Militar Luiz de Barros, como uma figura que
comanda a repressão com todo aparato governamental; vamos ver muitas pessoas
totalmente comprometidas com o anti-comunismo fazendo parte do órgão repressor do
Governo. Há mudanças no jornal oficial e aqueles jornalistas que eram mais progressistas
são demitidos, são substituídos por pessoas que têm uma linha ideológica totalmente
conservadora. Há uma metamorfose total. Mas o Governo precisa se definir. O país está em
ebulição. Trama-se uma conspiração, da qual os Estados pequenos não foram consultados,
e um desses Estados é a Paraíba.
Pela análise dos documentos, chega-se à conclusão que o governador Pedro Gondim não
teve participação naquilo que estava sendo tramado em nível nacional. O golpe de 64
pegou de surpresa. No dia do golpe, à noite, houve uma reunião para se tomar uma
posição e as más línguas dizem que o governador ainda estava indeciso para qual lado iria.
Então ele é pressionado pelos grupos conservadores a tomar partido pelas forças
vitoriosas, inclusive pelo segmento conservador da Igreja (havia uma força progressista na
Igreja). É quando chega o genro de Pedro Gondim, o deputado Vital do Rêgo, sugerindo
que ele tem de tomar uma posição, sendo, então, publicado um documento de apoio ao
golpe de 64, documento que é publicado no jornal A UNIÃO.
A eleição de 62 serviu também para acirrar esse momento. Nas eleições de 62 as Ligas
Camponesas estão no auge. Antes disso o governo sabe que tem que tomar o mesmo
caminho das Reformas de Base de João Goulart. No dia 13 de março João Goulart faz o
famoso comício da Central do Brasil e faz a sua profissão de fé ao lado das Reformas de
Base. Com isso ele lavra sua própria sentença de deposição do Governo. Porque naquele
momento todo processo de conspiração dentro do seio das Forças Armadas, dentro da
classe média e dentro dos Estados mais importantes do Brasil, que lideraram a Marcha com
Geografia e História da PB
217
Deus, já está totalmente pronto, financiado e acabado, com o apoio da CIA. Na época havia
até tanques de guerra para garantir a vitória dos golpistas, é até um pleonasmo dizer isso.
Não havia recuo. O caminho era dos mais fortes.
Apesar de toda uma luta social por reformas e apoio ao povo, Goulart não teve o apoio do
povo na hora em que precisou. Até mesmo a atuação de Leonel Brizola, seu cunhado, que
na época de sua posse liderou o famoso movimento pela Legalidade, não foi suficiente no
Rio Grande do Sul. E os seus ministros, um a um vão abandonando o barco. Ou se
definiam pelo golpe, ou ficavam em cima do muro. A verdade é que o Presidente da
República se viu sozinho
Um dos documentários mais importantes que poderá ser analisado é o que foi financiado
pelos filhos de João Goulart. É o filme JANGO, feito em vídeo. Esse documentário é muito
fiel à história porque não ouve só um lado. E como aquele trabalho que já mencionei – O
JOGO DA VERDADE. Esse livro tem o depoimento das pessoas que participaram do golpe,
que acreditavam no golpe.
As eleições de 62 vão ter um acirramento muito grande nas lutas sociais daqui por que
lança como candidata a própria Elizabete Teixeira. A morte de João Pedro Teixeira é um
marco de luta. Mobiliza centenas e centenas de trabalhadores em protesto contra o
assassinato de João Pedro Teixeira, na época atribuído ao grupo da Várzea e que ficou
impune também, como o assassinato de Margarida Alves.
Apesar do nosso trabalho ter sido um trabalho sobre as oligarquias açucareiras na Paraíba,
é um trabalho pioneiro. Não trabalhamos com esse período, mas procuramos denunciar
que todos os assassinatos de camponeses que ocorreram aqui na Paraíba infelizmente,
para vergonha nossa, que desejamos uma sociedade cidadã, esses assassinatos ainda
permanecem impunes.
É preciso que nós, que queremos um Brasil progressista e democrático no terceiro milênio,
lutemos contra esse estado de coisas e exerçamos com todas as forças do nosso ser a
nossa cidadania.
Elizabete Teixeira foi candidata, Antônio Teixeira foi candidato, Langstein de Almeida foi
candidato, tudo isso numa legenda que apoiava as Ligas Camponesas, e sobretudo o líder
maior, que foi Francisco de Assis Lemos, o único que foi eleito deputado.
Os jornais conservadores diziam que a campanha de Elizabete Teixeira estava sendo
amplamente financiada por Cuba, por dinheiro vindo de Cuba e da União Soviética.
Langstein e Agassis de Almeida, que eram de fortes conotações de esquerda, ficaram como
suplentes.
Com o golpe de 64, a gente acredita, como Otávio Ianni, que escreveu COLAPSO DO
POPULISMO NO BRASIL, acredita também como disse Francisco Wefford, que nós vamos
partir para uma nova fase do Estado. O Estado, que antes era um Estado liberal e aberto
para as multinacionais, não será agora tão liberal. Vai ser um Estado tecnicamente
burocrático e autoritário com a instalação do golpe. A Constituição de 46, que é tida como
uma Constituição liberal, é substituída, com o golpe de 64, pela Constituição de 67,
sofrendo emenda em 69. Ao longo do processo, à medida que os aparelhos de tortura vão
se organizando, tendo como base a ideologia de Segurança Nacional, tendo como base de
adestramento os Estados Unidos, o Estado se torna autoritário e policial.
Tivemos o caso de Vladimir Herzog massacrado por esse sistema. Hoje ele é o patrono do
maior concurso da América Latina de Direitos Humanos. Tenho uma cunhada que é
fundadora e é dirigente, a jornalista Denise Santana Fom.
Essas coisas precisam ser denunciadas para que nunca mais aconteçam na nossa vida nem
na nossa nação.
Como professores temos esse compromisso. Apesar de não ser da minha especialidade
esse período, em termos de produção científica, muito embora tenha como historiadora e
Geografia e História da PB
218
cidadã a obrigação de conhecer, discutir e pedir a Deus, como cristã que sou, de que esse
período triste da nossa história jamais possa se repetir.
A partir do momento que houve o golpe de 64 todos os direitos e garantias da nossa
Constituição foram totalmente ultrajados e derrubados. Passamos a viver um período de
insegurança, de perseguição e de que não gosto de me lembrar desse período da
repressão, por uma questão pessoal e também em respeito aos presentes, pedi a uma
pessoa que é autoridade maior para falar sobre ele, que também sofreu na própria pele. É
um historiador, um escritor, tem um excelente livro RECORDAÇÕES DA ILHA MALDITA E
OUTROS REGISTROS, como também a REPRESSÃO DOS QUARTÉIS, de Jório Machado, que
é outro depoimento; as próprias memórias do historiador Joacil de Britto Pereira, que é
outro depoimento altamente documentado. Temos a alegria de dizer que a Paraíba talvez
seja um dos Estados do Brasil que tem uma maior produção historiográfica sobre esse
período, quer seja de memórias, quer seja também de produção acadêmica.
Gostaríamos de dizer que o NDIHR tem todo o mapeamento da luta camponesa, da
questão agrária, feita pela professora Cândida Rodrigues, quando fazia parte do quadro de
pesquisadores do NDIHR. O NDIHR está à disposição dos interessados em fazer pesquisas
documentais ou na hemeroteca, consultando fontes sobre o período.
Quero dizer que sempre peço a Deus que meus filhos, meus netos não vivam o que a
nossa geração dos anos 60 viveu, os anos duros da ditadura, onde a liberdade e a
cidadania eram coisas que não se tinha conhecimento na prática.
Que Deus abençoe nosso país para que qualquer que seja a crise que atravesse, ele
preserve, como Jango queria, a sua soberania, e que jamais caia em subserviência ao
xerife maior, que é os Estados Unidos.
Muito obrigada.
···
A fala do Presidente:
Tivemos agora a oportunidade de ouvir um relato completo dos antecedentes do
movimento militar de 64 (anteriormente eu também chamava muito de golpe, mas como
faz uma coisa com a outra, cada um é que vai definir se foi golpe ou não foi). Com muita
propriedade a professora Martha Falcão fez esse levantamento, de como foi possível
chegarmos a uma fase, no Brasil, de acontecer uma transformação violenta. Nós da
Paraíba sofremos, como o país inteiro, essas dificuldades.
Agora, como debatedor designado para tratar deste tema, cabe-me apresentar minhas
considerações.
···
Debatedor: Luiz Hugo Guimarães (Escritor, historiador, ex-professor da UFPB, atual
presidente do Instituto Histórico)
Para os que não me conhecem, farei uma breve auto-apresentação. Sou bacharel em
Direito, ex-professor da Universidade Federal da Paraíba, jornalista com fé-de-ofício por ter
trabalhado no jornal A UNIÃO – nossa mais importante Universidade de Comunicação –,
ex-funcionário do Banco do Brasil, ex-militante sindical, e atualmente sou o presidente
deste Instituto.
Na realidade, como a expositora realçou, esse golpe que esteve em marcha durante muito
tempo, foi interrompido quando Vargas deu um tiro no coração.
O golpe também foi ensaiado em 1955, para evitar a posse de Juscelino Kubitschek porque
o Vice-presidente era João Goulart, uma figura ligada às tradições de Getúlio Vargas; era
seu herdeiro político e ligado às classes populares. Quem garantiu a posse de Juscelino e
Goulart foi o Exército, foram os militares, baseados sempre em que a hierarquia era
importante. E com a interferência do general Lott e do general Denys foi possível dar-se
posse a JK e Jango. Assim, o golpe foi evitado nessa fase.
Geografia e História da PB
219
Mas, na sucessão de Jânio Quadros, o mesmo time que queria modificar a posição do Brasil
no plano internacional, também não queria dar posse a João Goulart, que era o sucessor
legal do presidente renunciante. Oficiais das Forças Armadas, insuflados pelos mesmos
civis conservadores e reacionários, tentaram evitar a posse do presidente eleito. O golpe
não aconteceu porque foi lançada a Campanha da Legalidade pelo governador do Rio
Grande do Sul, o combativo Leonel Brizola, que era cunhado de João Goulart. A campanha
teve o apoio popular da nação. As Forças Armadas se dividiram. O general Denys, Ministro
da Guerra, informou a uma comissão de parlamentares do PTB, partido de João Goulart,
que o Exército vetava sua posse. O general Henrique Lott lançou um manifesto à nação
favorável à posse do Vice-presidente, dentro da solução constitucional. Seu
pronunciamento convocou a nação. O arcebispo D. Vicente Scherer, do Rio Grande do Sul
também se manifestou favorável. Brizola colocou o Rio Grande do Sul em pé de guerra e
contou com o apoio e pronunciamento do comandante do III Exército, general Machado
Lopes, que dirigiu um radiograma aos comandantes do I, II e IV Exércitos. A divisão entre
os líderes militares forçou a uma tomada de posição junto aos oficiais.
No dia da renúncia do presidente Jânio Quadros eu participei das homenagens que o
Exército prestou ao Duque de Caxias, patrono do Exército. É uma tradição militar essa
homenagem no dia 25 de agosto. E eu estava lá no palanque, ao lado do general Augusto
Fragoso, comandante do Grupamento, juntamente com o coronel Macário, representando o
governador Pedro Gondim, com comandante Franco, capitão dos Portos, o comendador
Renato Ribeiro e oficialidade. Tenho a foto desse flagrante, que será publicada nas minhas
memórias.
O general Fragoso foi chamado ao Rio de Janeiro com urgência. Ele era compadre do
general Lott, viajou para o Rio e assumiu o comando do Grupamento o coronel
Albuquerque Lima. Nesse meio termo foi feita uma consulta entre os oficiais sobre a
posição a tomar quanto à posse de João Goulart. O coronel Albuquerque era contra, mas a
maioria esmagadora da oficialidade ficou favorável à posse do Vice-presidente João
Goulart. Essa consulta feita em todas as unidades militares deve ter sofreado o ponto de
vista do general Denys.
Enquanto isso os congressistas encontraram a solução parlamentarista para dar posse a
João Goulart. É necessário dizer que para tal houve o apoio dos Estados Unidos, segundo
consta, pois antes de voltar para o Brasil, João Goulart passara pelos Estados Unidos, no
dia 30 de agosto. Como se sabe, João Goulart estava na China em missão oficial do país,
designado pelo próprio presidente Jânio Quadros. Pergunta-se: teria sido premeditada essa
representação? Pois bem, Jango saiu da China para Paris, onde ficou aguardando o
desenrolar dos acontecimentos. Os emissários políticos fizeram uma ponte aérea entre o
Brasil e a França. Renato Archer, Tancredo Neves e outros iam e viam levando e trazendo
mensagens. De lá João Goulart voou para os Estados Unidos. Lá João Goulart confirmou
que iria assumir o Governo, e adiantou que seu Ministro da Fazenda seria Walter Moreira
Sales e o Ministro do Exterior San Tiago Dantas, figuras bastante conhecidas dos norte-
americanos. Esse pronunciamento de João Goulart facilitou a concordância dos Estados
Unidos. Isso, aliás, ficou comprovado com a farta documentação posteriormente liberada
pelo Departamento de Estado daquele país.
A professora Martha Falcão esclareceu bem as dificuldades que o Governo encontrou em
face da movimentação popular. Quando João Goulart retomou as funções de Presidente,
sem o guante do parlamentarismo, o movimento popular se acelerou.
A luta de João Goulart para derrubar a emenda parlamentarista é conhecida por todos, não
cabendo aqui me estender sobre sua tramitação.
A movimentação popular cresceu com as constantes reuniões de estudantes,
trabalhadores, donas de casa. Os militares subalternos, as praças de pré, passaram a
reivindicar maior participação e mais direitos. Houve uma época em que os sargentos não
podiam casar. Eu tive um irmão que passou muito tempo “amigado” com a mulher dele,
porque não podia casar.
Geografia e História da PB
220
Com a liberdade existente, as reivindicações populares espocaram e passaram a incomodar
aqueles que se opuseram à posse de João Goulart.
Leonel Brizola, cunhado do Presidente, achava pouco e criava uma série de problemas para
o Governo. Podemos rememorar a posição tomada por Brizola, no Rio Grande do Sul, com
a incorporação da AMFORP, da ITT. São empresas americanas de que participam os
americanos comuns. Todo mundo lá é sócio da ITT. É um regime capitalista em que o
taxista, a dona de casa, o operário têm ações daquela telefônica. O investimento popular
americano é feito nas grandes empresas que têm seus papeis negociados na Bolsa de
Valores.
Com a encampação daquelas empresas multinacionais por Brizola, criou uma situação difícil
para o governo brasileiro. Véspera de eleições nos Estados Unidos, o pessoal foi em cima
de Kennedy. Com a desapropriação daquelas empresas é evidente que os acionistas teriam
prejuízo, com suas ações em queda na Bolsa. Quando morreu o Papa, Kennedy foi ao
sepultamento em Roma, e João Goulart também foi. Lá discutiram o problema e João
Goulart comprometeu-se em criar uma comissão especial de auditores independentes para
levantar o acervo das companhias e o que fosse apurado o governo brasileiro encamparia a
indenização.
Quando chegou na fase da intervenção de Cuba, levantada pela professora Martha Falcão,
ficou difícil, porque o embaixador Lincoln Gordon foi pressionar o Presidente Goulart. Tenho
informações de pessoas que estiveram presentes nesse encontro, revelando que João
Goulart foi veemente na proposta de Lincoln Gordon, como tinha sido perante Robert
Kennedy, irmão de John Kennedy, quando esteve no Brasil. Disseram que João Goulart,
diante da insistência, chegou a ser deseducado. E o embaixador Gordon ficou tão
desorientado que, quando saiu do gabinete do presidente, errou a porta de saída. A partir
daí Gordon tomou gosto em participar do movimento anti-Jango.
Muitas coisas dos bastidores dão um quadro dos interesses contrariados, que serviam para
afastar os grupos do governo. O grupo da GLOBO, tinha alguns interesses que dependiam
do Governo. Vez por outra os editoriais do jornal de Roberto Marinho desancavam o
Governo. Ouvi alguns auxiliares diretos de João Goulart comentarem que estava em tempo
do Presidente convidar Roberto Marinho para um jantar. Depois desses jantares
esporádicos os editoriais eram mais amenos.
O que Roberto Marinho queria (segundo se dizia) era que Jango autorizasse um câmbio
especial, privilegiado, para umas remessas que TIME/LIFE ia mandar para reforçar seus
jornais, que estavam em dificuldades, porque o jornal da época era a ULTIMA HORA, de
Samuel Wainer, além da cócega que fazia o jornal A TRIBUNA, de Carlos Lacerda. Jango
recusou-se a autorizar esse câmbio privilegiado.
Houve muitos problemas sérios que aceleraram o golpe.
Ainda durante o parlamentarismo chegou o momento das eleições para o Congresso.
Muitos parlamentares tinham que se desincompatibilizar para serem candidatos. O Primeiro
Ministro era Tancredo Neves. Ele tinha que deixar o cargo. Quem seria o seu substituto?
Criou-se um problema. Começaram as especulações. João Goulart indicou San Tiago
Dantas, uma das figuras mais expressivas da intelectualidade brasileira, culto, benquisto
nos Estados Unidos, advogado internacional. Pois bem, San Tiago Dantas foi derrotado na
votação do Congresso. Perdeu por cento e tantos votos porque antes havia feito um
pronunciamento que afetou os partidos políticos, sobretudo os partidos conservadores.
Então o movimento sindical tomou parte. Começou a pressão no movimento sindical para
indicar um Primeiro Ministro nacionalista, independente, etc.
A cúpula sindical fez uma greve geral. Ela foi concertada na sede da Confederação Nacional
dos Trabalhadores – CNTI, procurando um nome dentro daqueles parâmetros. Enquanto se
estava decidindo a greve, João Goulart escolheu o nome do professor Brochado da Rocha,
que tinha sido Secretário do governador Brizola. Um homem esclarecido, que tentara um
princípio de reforma agrária no Rio Grande do Sul, nacionalista. Era, portanto, um nome
Geografia e História da PB
221
que o movimento sindical poderia acolher. Mas o movimento sindical não concordou, a
greve já estava mais ou menos encaminhada, sendo então decretada, no dia 5 de julho.
João Goulart fez o possível junto a esse pessoal para evitar essa greve de 5 de julho.
Enviou inúmeros emissários para dialogar com as lideranças sindicais. Começou com
Gilberto Crockat de Sá, que era o chefe da Assessoria Sindical de Jango; Luiz da Costa
Araújo, que fora Ministro do Trabalho; mandou Leocádio Antunes, mandou o próprio San
Tiago Dantas, Abelardo Jurema esteve lá; o general Osvino Alves também ponderou. A
greve já estava em andamento. A greve era política, nitidamente política. Nessa época eu
estava no Rio de Janeiro, fazia parte do Gabinete Sindical de Jango, que funcionava no
Palácio do Catete, exatamente localizado nas salas onde, antes, esteve instalado o corpo
de segurança de Getúlio, dirigido por Gregório Fortunato.
Em plena greve Jango mandou chamar a liderança sindical. Levei a Brasília esse pessoal
todo, num avião da Panair, especialmente preparado pelo comandante Melo Bastos.. Jango
conversou com os líderes lamentando com veemência o procedimento do movimento
sindical contra a indicação feita para Primeiro Ministro. Solicitou a imediata suspensão da
greve ao retornarem os líderes ao Rio de Janeiro. O que feito imediatamente.
Como vocês sabem, a cúpula do movimento sindical sofria uma influência muito grande de
alguns líderes comunistas que dirigiam umas duas ou três confederações de trabalhadores,
e eles pressionavam para adquirir posições de poder político. Mas, não tinham a noção de
quando recuar. E Jango foi claro, esclarecendo que essas posições precipitadas fortalecem
a campanha dos adversários do Governo. Foi quando ele disse: Voltem para o Rio, acabem
com essa greve, senão não teremos mais condições de diálogo.
Na realidade a posição assumida deu grande força política ao movimento sindical, porque a
partir daí passou a ser uma força respeitável. Mas endurecia o lado adverso, que projetava
o golpe.
São registros que faço aqui de episódios de que participei. Acho que minha presença
naquela reunião da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria e ter assinado o
manifesto pela greve geral foram responsáveis por minha cassação política, pois como os
senhores sabem, fui incluído no listão dos 100 primeiros cassados, do Ato Institucional nº
1.
Quando o golpe chegou à Paraíba, frisou a expositora Martha Falcão, Pedro Gondim não
tinha participação do movimento, porque ele era distanciado daquele esquema. Vivia
preocupado em manter o equilíbrio local entre camponeses e latifundiários.
Assim, quando o movimento chegou à Paraíba a posição de Pedro Gondim a favor ou
contra, não teria a menor influência. Um Estado pequeno. Se ele dissesse não ao golpe,
seria liquidado, podendo até a Paraíba ter um interventor, talvez fosse até o coronel
Pitaluga, que era o homem de ligação do movimento aqui e um dos mentores militares do
golpe na Paraíba. Hoje até me dou bem com Pitaluga, que é do Instituto Histórico do Mato
Grosso, e seu irmão é nosso sócio correspondente, proposto por mim. Pitaluga esteve aqui
na Paraíba comandando a Circunscrição de Recrutamento Militar - CRM – e foi um dos
mentores do golpe aqui.
Então, consta até que Pedro Gondim tinha preparado dois pronunciamentos, um a favor
outro contra. Isso é discutível. Aliás, tem gente aqui que pode esclarecer melhor essa
questão.
Manoel Batista de Medeiros, em aparte concedido pelo debatedor:
Eu estava no gabinete de Pedro Gondim, meu amigo, com quem sempre mantive boa
amizade, e aí ele me mostrou um telegrama e disse: Batista é este o telegrama que estou
passando sobre a revolução. O que é que você acha? O telegrama começava “A Paraíba
mais uma vez se encontra com Minas Gerais... etc. etc., mas no fim, era o antes pelo
contrário, e a gente não sabia bem o que queria dizer. Eu disse que estava meio confuso.
Então ele disse que emendasse como deveria ser. Ele pediu que desse uma redação ao
meu jeito. Neste momento, entra no Gabinete um cidadão que estava vindo da ante-sala e
Geografia e História da PB
222
o cidadão se anunciou como secretário do governador Arraes. Eu guardo o nome: Fernando
Mendonça. Ele não pediu nem conveniência. Ai ele disse: o Governador Arraes quer saber
qual a posição da Paraíba neste momento. Fica a favor ou contra? Pedro disse: diga ao
governador Arraes que a resposta é esta, e mostrou o texto do telegrama. O próprio Pedro
Gondim, em entrevista posterior ao jornal A UNIÃO relata o fato e invoca o meu modesto
testemunho. Era só isso que tinha a dizer.
Luiz Hugo Guimarães:
Vejam os senhores a importância de Ciclo de Debates. Estamos tendo aqui depoimentos
expressivos de episódios da nossa história. São testemunhos ao vivo de uma fase que já
está distante, que se registra como fonte histórica.
Agradeço ao nosso consócio Manuel Batista de Medeiros por sua contribuição
esclarecedora.
Essas dificuldades de Pedro Gondim, como governador, não foram somente dele. Outros
governantes passaram pelas mesmas dificuldades, ou dubiedades. Muitos tiveram que
sofrer pressão para tomar uma posição, porque nos primeiros dias havia dúvida sobre o
resultado do movimento. Minha impressão é que os golpistas não estavam muitos seguros,
tanto que logo no início a repressão foi violenta, naturalmente com receio duma contra-
revolução. Daí porque aquele estardalhaço. Cassaram e prenderam logo os principais
líderes nacionais e estaduais. As entidades que podiam, por suas lideranças, reagir ao
golpe, essas foram liquidadas. Houve logo a intervenção nos sindicatos. De pouco mais de
8 mil sindicatos, 7.200 sofreram intervenção. Todos os diretórios estudantis, todas as
universidades sofreram intervenção. Era natural. Em todas instalações de ditaduras os
primeiros visados são os trabalhadores, os estudantes e as universidades.
E a Paraíba sofreu muito com esse golpe.
Antes do início da sessão, só por curiosidade, distribuímos com os presentes uma listagem
de algumas pessoas que foram punidas pelo movimento de 64. É uma lista incompleta, que
solicito dos presentes agregarem novos nomes que são do seu conhecimento. O pessoal da
Universidade Federal da Paraíba foi coletado naquele livro de Monique Cittadino A UFPB E O
GOLPE DE 64. A lista dos estudantes que foram proibidos de estudar é enorme. Nem era
bem para proibir de estudar, era evitar que eles se reunissem para fazerem onda.
Lideranças políticas e sindicais foram atingidas.
Sabemos que os primeiros paraibanos cassados foram quatro naquela lista dos 100 mais. O
primeiro Ato Institucional foi para eliminar a liderança mais qualificada, envolvendo os
militares ligados a João Goulart, os senadores e deputados federais de tendência petebista
ou socialista, as lideranças sindicais das confederações e federações nacionais. Da Paraíba
foram incluídos quatro paraibanos: Abelardo de Araújo Jurema, que era Ministro da Justiça
de João Goulart, e o porta-voz do Presidente que estava sempre na TV contundindo o
governador Carlos Lacerda; deputado José Joffily, que teve uma grande atuação no
Congresso por ocasião da posse de João Goulart como Vice-presidente substituto de Jânio
Quadros; Celso Furtado, também ministro de João Goulart, que foi o autor do Plano
Trienal; e eu, que não era nada. Aí se seguem as perseguições pelo Estado, pela
Assembléia Legislativa, etc.
Na nossa Universidade foi um massacre. O reitor Mário Moacyr Porto foi afastado e
substituído por um capitão-médico do Exército, que era professor da Universidade, e
tornou-se interventor. Na Faculdade de Ciências Econômicas, onde eu lecionava, foi
arrasador. Quem é professor da área de Ciências Econômicas tem que estudar os fatos
sociais e econômicos. Da maioria dos programas constava Marx. Como estudar economia
sem estudar Marx e o seu CAPITAL? Como deixar de se referir ao Manifesto Comunista, de
1848? Houve até uma denúncia contra Marcus Ubiratan Guedes Pereira, membro atual do
Tribunal de Contas, porque distribuiu com os estudantes o Manifesto Comunista. Um
professor tirou uma cópia xerográfica do Manifesto e pediu para ele distribuísse com o
pessoal. Era um material didático para ser debatido. Pois bem, deu trabalho para explicar
isso e ele foi arrolado num inquérito.
Geografia e História da PB
223
Essa listagem que distribui com os presentes foi, também, para evitar sua leitura neste
debate, para ganharmos tempo com o tema que, por ser mais recente, é de grande
interesse.
Todas as repartições federais sofreram intervenção, a ponto de diariamente seus chefes
terem de comparecer ao quartel do 15º R. I. para prestar contas de seus atos ao
comandante Ednardo d’Avila Melo, e levar a lista do pessoal considerado subversivo. Isso
eu vi, quando estive lá antes de ser preso.
Foi muita gente punida. Quero lembrar que no Brasil foram punidos diretamente pelos atos
institucionais 4.841 pessoas, sem levar em conta as demissões da Universidade, de
repartições, etc. Foram punições decorrentes de atos institucionais propriamente ditos.
Quem alcançou essas punições? A maioria da intelectualidade. Quem não era intelectual
era um líder em sua classe.
Mas deixemos de lado esses detalhes, que constarão das minhas MEMÓRIAS, que decerto
haverei de publicar.
Mas o fato é que o golpe veio. Para os militares, pelos mesmos motivos anteriores. Dessa
vez os grupos mais retrógrados das lideranças civis apoiaram o golpe, com os demais
segmentos da sociedade batendo palmas. Da sociedade que foi psicologicamente
trabalhada pelo IPES/IBAD, como acentuou a expositora Martha Falcão, e com o apoio
deliberado dos Estados Unidos a partir da ação clara do embaixador Lincoln Gordon e do
coronel Walther Verner.
Era o combate às bases do Estado Populista, que foram destruídas assim como as camadas
populares foram excluídas do centro político nacional, como acentua a historiadora Monique
Cittadino em seu trabalho A UFPB E O GOLPE DE 64.
O resultado foi o longo tempo de uma ditadura militar, asfixiando as liberdades. Houve
uma intervenção generalizada no campo econômico, educacional, social e sindical. A quase
totalidade dos sindicatos sofreu intervenção, com violenta perseguição às suas lideranças.;
todos os diretórios estudantis foram esmagados; a classe política sofreu forte golpe com a
cassação dos principais líderes populares. Instalou-se um clima de delação e um processo
punitivo permanente, levando a sociedade a um desassossego nunca visto.
Não foi sem razão que se comemorou, recentemente, a passagem dos 20 anos da
promulgação da Lei de Anistia. A iniciativa do Presidente João Baptista Figueiredo, através
de sua Mensagem de 27 de junho de 1979 ao Congresso Nacional, que tomou o número
59, foi lida no dia seguinte.
O processo para se chegar até aquele ato presidencial foi longo. Esse processo durou 15
anos. O Comitê Feminista pró-Anistia teve papel saliente no início da campanha,
comandada inicialmente pela esposa do general Jesus Zerbini. A partir daí, todas as forças
vivas da nação se empenharam na luta. Estudantes, membros da oposição, operários,
donas de casa, intelectuais, a nação inteira empenhou-se na conquista da Anistia, sabendo
que seu advento seria o início da derrocada do arbítrio.
O próprio presidente Figueiredo devia saber as conseqüências do seu gesto, inspirado que
foi, não só pelo clamor nacional, mas por ter ele sofrido na pele os efeitos do arbítrio duma
ditadura. Seu pai, o general Euclides, fora anistiado por ter participado da revolução
constitucionalista de São Paulo, em 1932, tendo sua família sofrido as agruras do exílio.
Mas não foi fácil. Lembro-me que em agosto de 1977, o senador Petrônio Portela, numa
homenagem que recebeu em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, disse que não se
cogitava naquele momento da anistia. E alegava que os punidos do movimento de 64 não
estavam preparados para recebê-la. Lembro-me também que naquela época fiz uma
crônica comentando o fato, sugerindo até a necessidade de iniciarmos um curso de
preparação para os punidos pelos atos do arbítrio. Quem sabe, dizia eu, o Mobral poderia
patrocinar esse curso para nós, que estávamos à margem da cidadania.
Passaram-se 13 anos das punições, e o Ministro da Justiça vinha com essa de preparar os
beneficiários da anistia! Nunca se demorou tanto. Um fato inusitado na história brasileira.
Geografia e História da PB
224
Até no Império, as leis de anistia eram promulgadas em breve espaço de tempo. Os
punidos de 1824 foram anistiados por um decreto no ano seguinte, em 1825. Na República,
também o esquecimento era breve. Os tenentes de 22 e 24, retornaram ao Exército,
tornando-se muitos deles generais de grande atuação pública; os punidos de 30 e 32, os
comunistas de 35, os integralistas de 37 retornaram rapidamente ao convívio da
sociedade; com o grande democrata Juscelino Kubitschek, foi mais rápido ainda para os
participantes de Aragarças e Jacareacanga.
Foram 15 anos de muita gente fora da lei dos vencedores. 4.841 pessoas foram atingidas
pelos atos institucionais! Fora do Brasil estavam figuras de valor sem poder oferecer sua
inteligência à solução dos problemas nacionais. Congressistas, professores universitários,
lideranças populares, jornalistas, estavam todos lá fora, à espreita de uma abertura para
retornar ao país.
Internamente, os que ficaram segregados, sem poderem exercer sua atividade útil
consentânea com suas aptidões, eram os exilados dentro da própria Pátria. Estudantes sem
poderem estudar. E havia os que mofavam nas masmorras da ditadura, e os
desaparecidos.
A insegurança era muito grande. Lembro-me que o Banco do Brasil me deu uma punição
interessante, transferindo-me para a agência de Porto Velho, capital de Rondônia, em
1965. Lá era uma cidade subversiva por natureza. Cidade fronteiriça e cheia de miséria.
Que poderia acontecer? Havia estrada de ferro, quer dizer Sindicato de Ferroviários; havia
porto, quer dizer Sindicato de Portuários; os poucos médicos eram todos socialistas,
somente dois eram comunistas, mas os outros eram socialistas, talvez por conta da
pobreza com que eles lidavam. Estavam me esperando, porque o pessoal do Banco do
Brasil boatou que estava chegando um funcionário que fora cassado. Não foi possível
instaurar inquérito no Departamento dos Correios e Telégrafos de Rondônia porque não
havia em quem confiar para organizar as Comissões de Inquéritos.
Conversando com o pai de Almino Afonso, que morava em Porto Velho, ele me confiou sua
preocupação porque Almino, que estava exilado na Iugoslávia, saíra clandestinamente, por
sua conta e risco, para o Uruguai, para juntar-se a Jango, Brizola e outros líderes políticos
que ali estavam exilados. Almino tinha sido ministro de João Goulart. Pois bem, até receber
a notícia de sua chegada são e salvo ao Uruguai, diariamente ele se angustiava e confiava
em mim para desabafar.
Paula Frassinete, interrompendo:
Estou achando tudo maravilhoso, mas tenho que sair antes de terminar e peço mil
desculpas pela interrupção. Queria parabenizar Martha Falcão, mas queria chamar a
atenção de duas coisas. Primeiro sobre a TFP. Martha tratou da religião, pedindo desculpas
e dizendo “sou cristã e socialista”, o que é a mesma coisa, pois ouvi Leonardo Boff dizendo
isso em Cuba. Ele dizia que o socialista é um cristão sem querer e o cristão é um socialista
sem saber. Uma coisa que Silvio Frank Allen me sugeriu a ler foi o livro OS DEMÔNIOS
DESCEM DO NORTE. Esse livro encontrei no Sebo Cultural. Pedi a palavra apenas para
sugerir a leitura desse livro, porque ele trata do pentecostalismo que veio a mando do
Pentágono exatamente para ir solapando, como a TFP, que usa a imagem de Nossa
Senhora de Fátima também para fazer toda essa contestação ao socialismo que começa a
se implantar.
Luiz Hugo Guimarães, retomando a palavra:
Para encerrar minha participação, como estava relatando, Almino Afonso por conta própria
resolveu sair da Iugoslávia clandestina para ir para o Uruguai. Os caminhos que ele
percorreu para chegar lá, eu não sei. Mas, todo dia, o velho chegava lá no Banco, e quando
terminava o expediente ele saia comigo. Só faltava chorar. Porque aqueles que estavam
querendo voltar para o Brasil eram muito visados. Grande parte deles foi liquidada ao
tentar atravessar nossa fronteira. Afinal, depois de uns 20 dias, ele chega animado e diz:
Olhe, o menino chegou. E foi muito bom para ele, que estava desajustado totalmente num
país industrial, onde só técnico tem vez.
Geografia e História da PB
225
No Uruguai, com seus velhos companheiros, Jango, Brizola e outros., era bem melhor.
Jango manteve um hotel que acolhia os refugiados que por lá chegavam. O gerente do
hotel era Amauri Silva, que foi Ministro do Trabalho de Jango e o subgerente foi um colega
do Banco do Brasil, Gilberto Azevedo, que como deputado estadual em Pernambuco foi
líder de Arraes. Faço esses registros porque pouca gente sabe das dificuldades dos
bastidores.
Acho que dei meu recado, e com minhas desculpas por ter tomado algum tempo, vamos
dar continuidade aos debates.
1º participante:
João Batista Barbosa: (Escritor, jornalista)
Eu queria incluir na lista de perseguidos do golpe o nome de dois paraibanos que foram
Nego Fubá e Pedro Fazendeiro (palmas).
Luiz Hugo Guimarães:
Esses nomes estão registrados na lista que distribuí. Nego Fubá esteve preso no quartel do
15, numa cela próxima da minha.
···
Transcrevemos, a seguir, a listagem que foi distribuída previamente com os participantes
do Ciclo de Debates:
Lista (incompleta) dos paraibanos alcançados pelo movimento de 64, que foi distribuída
com os participantes do Ciclo de Debates:
Os primeiros cassados:
Pelo Ato Institucional n.º 1, de 10.04.64:
Abelardo de Araújo Jurema (ex-Ministro de João Goulart)
Celso Furtado (ex-Ministro de Planejamento de João Goulart)
José Bezerra Joffily (ex-deputado federal, relator do Projeto de Reforma Agrária)
Luiz Hugo Guimarães (líder sindical, da Assessoria Sindical de João Goulart)
Cassados, posteriormente:
Pela Assembléia Legislativa do Estado:
Deputados Agassis de Almeida, Francisco de Assis Lemos, Figueiredo Agra e Langstein de
Almeida.
Pelos AI subseqüentes:
Deputados Federais: Pedro Moreno Gondim, Vital do Rego e Osmar de Aquino.
Deputados Estaduais: José Targino Maranhão, Mário Silveira, Romeu Gonçalves de
Abrantes, Sílvio Pelico Porto, Francisco Souto Neto, Robson Duarte Espínola; Severino
Cabral, ex-deputado e ex-prefeito de Campina Grande.
Prefeitos: Newton Rique, Orlando Almeida e Ronaldo Cunha Lima, de Campina Grande;
Antônio Mariz, de Sousa; Antônio Teixeira, de Santa Rita; Antônio Fernandes de Andrade,
de Rio Tinto; Domingos Mendonça Neto, de João Pessoa.
Vereadores: Antônio Augusto Arrouxelas Macedo; e José Gomes da Silva e Leonardo
Moreira Leal, como suplentes, de João Pessoa; Elias Pereira, de Alhandra; Antônio Peba, de
Campina Grande. Em Rio Tinto, foram cassados todos os vereadores do PTB.
Magistrados: Desembargadores Emílio de Farias e João Santa Cruz; Juizes Hermílio
Ximenes e Humberto Cavalcanti de Mello.
Compositor: Geraldo Wandré.
Geografia e História da PB
226
Punidos por atos arbitrários:
Professores demitidos, sem renovação de contratos ou com vencimentos sustados: Luiz
Hugo Guimarães, Francisco de Assis Lemos, Langstein de Almeida, Pedro Moreno Gondim,
Laurindo Albuquerque, Nizi Marinheiro, Ronald de Queiroz, Carlos Guerra, Adelmo Neves
Machado, Antônio Geraldo de Figueiredo, Beatriz Maria Soares Pordeus, Carlos Eduardo
Pessoa Cunha, Célio Di Pace, Djair Aquino Lima, Erson Neiva Monteiro, Enoque Gomes
Cavalcanti, Gerard Camilo Prost, Maria Thereza Ribeiro Prost, Nakay Hiershi, Hélio Correia
Lima, Hércules Gomes Pimentel, Heronides Dias de Barros, Hienal de Carvalho Ferreira,
Joost Van Dame, José Jackson de Carvalho, José Kehrle, Lindalvo Virgínio Franco, Manoel
Martins Paiva, Dermerval Trigueiro do Valle, Vanildo Brito. Marcelo Renato Arruda,
Raimundo Adolfo e outros (Vide o trabalho de Monique Cittadino A UFPB E O GOLPES DE
64).
Vários foram destituídos de seus cargos, como o Reitor Mário Moacyr Porto e Paulo Pires,
como Coordenador da FAFI.
Jornalistas: João Manuel de Carvalho, Adalberto Barreto, Jório Machado, Severino Ramos,
Emilson Ribeiro, era revisor de A UNIÃO (preso em Itamacará, com José Calistrato, últimos
presos a serem soltos com a anistia)
Sindicalistas: João Ribeiro Filho, presidente da Federação dos Trabalhadores na Indústria
da Paraíba; Luiz Bernardo da Silva, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos; Otávio
Fernandes Barbosa, secretário do Sindicato Rural de Camarazal; Elizabete Teixeira,
Sindicato Rural de Sapé; José Soares dos Santos, presidente do Sindicato de Cimento, Cal
e Gesso, de João Pessoa; Antônio Nazário, presidente do Sindicato de Tecelagem de Santa
Rita; Manoel Severino Ricardo, presidente do Sindicato Rural de Camarazal; Rivaldo
Cipriano da Costa, presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Alimentação;
Antônio Dantas, líder camponês.
Bancários: Antônio Aragão Filho (BNB), Idalvo Veloso Toscano de Brito (BNB), João da Cruz
Fragoso (BNB), Romero Cunha Lima (BNB), Francisco Ramalho (BB), Carnot de Cavalcanti
Villar (BB), Dirceu da Cunha Machado (BB), Sebastião Borges Sobrinho (BB), Lúcio Villar
Rabello (BB), Boanerges Timóteo (BB), Derly Pereira (BNB). Paulo Ribeiro da Silva (BB)
Jason Gonçalves de Lima (BB).
Padres: Os mais visados foram os Padres Juarez Benício e Everaldo Peixoto.
Ex-alunos, proibidos de estudarem: José Fernandes Neto (Face), Zenóbio Toscano de
Oliveira (Engenharia), Jader Carlos Coelho da França (Direito), Simão Almeida
(Engenharia), Jander Cunha Neves (Economia), Lenildo Correia da Silva (Economia),
Francisco de Paulo Barreto Filho (Direito), Nobel Vita (Direito), Rubens de Pinto Lyra
(Direito), Aderbal Villar de Carvalho (Face), Alzenir Rodrigues dos Santos (Face), Heloízio
Jerônimo Leite (Face), José Ferreira da Silva (Face), Leda Rejane Pereira do Amaral (Face),
Maria Auxiliadora Rosas (Face), Edite Maria de Oliveira (Face), Jaerson Lucas Bezerra
(Face), Jurandir Cardoso de Albuquerque (Face), Maria de Fátima Mendes da Rocha (Fafi),
Wilma Batista de Almeida (Fafi), Dinalva Navarro (Ciências sociais), Maria da Penha Ribeiro
(Ciências sociais), Maria Teixeira (Ciências Sociais), Terezinha do Vale (Ciências Sociais),
Djamil de Holanda Barbosa (Politécnica), Iêdo Martins Marcondes da Silveira (Politécnica),
José Tadeu Carneiro da Cunha (Engenharia), Luiz Carlos Soares (Engenharia), Paulo José
de Souto (Engenharia), Emilton Amaral (Direito), Germana Correia Lima (Direito), Maria
Neiva Gadê Negócio (Direito), João Roberto de Souza Borges (Medicina), Maria Lívia Alves
Coelho (Medicina), Saulo de Tarso Sá Pereira (Medicina), Eraldo Fernandes dos Santos
(Medicina), Everaldo Ferreira Soares (Medicina), Getúlio Bezerra de Castro (Medicina),
Maristela Villar (Medicina), Francisco Trigueiro (Farmácia e Bioquímica), Maria do Socorro
Morais (Serviço Social), Arnaldo José Delgado (Engenharia), Augusto Aécio Mendes
(Engenharia), Everaldo Nóbrega de Queiroz (Engenharia), Hélcio Lima de Oliveira
(Engenharia), Norberto Lima Sagratzi (Engenharia), Tibério Graco de Sá Pereira
(Engenharia), Vicente Antônio da Silva (Engenharia), Genuíno José Raimundo (Economia),
José Leão Carneiro da Cunha (Economia), Antônio Gomes da Silva (Economia), Hélio do
Nascimento Melo (Economia), Inácio de Loiola Monteiro Souza, Jorge de Aguiar Leite
Geografia e História da PB
227
(Economia), José Urânio das Neves (Economia), Maria do Socorro Ramos (Economia),
Maria Egilda Pereira Saraiva (Economia) Maria Gilda de Oliveira Pinto (Economia), Risalva
Bandeira Machado (Economia), Tercino Marcelino Filho (Economia), Cláudio Américo
Figueiredo Porto (Economia), Pe. João Batista Filho (Economia), Raimundo das Neves Brito
(Economia), Sebastião Borges Sobrinho (Economia), Carlos Antônio de Aranha Macedo
(Economia), José Cazuza de Lima (Direito), Wladimir Martins de Souza (Direito), Antônio
Sérgio Tavares de Melo (Filosofia), Brígida Nóbrega (Filosofia), Eimar Fernandes (Filosofia),
José Arimatéia Bezerra de Lima (Filosofia), Maria de Lourdes Meira (Filosofia), Maria do
Socorro Pessoa (Filosofia), Maria Nazaré Coelho (Filosofia), Oriana Andrade Matos
(Filosofia), Kenneth Talis Borjas Jaguaribe (Enfermagem), Luiz Sérgio Gomes de Matos
Filgueiras (Politécnica), Darlan Nóbrega de Farias (Politécnica), Williams Capim de Miranda
(Politécnica), Eduardo Ferreira de Lima (economia), José Iremar Alves Bronzeado
(Economia), José Ferreira da Silva (Economia), Aderbal Villar Sobrinho (Economia),
Inocêncio Nóbrega Filho (Economia), Genival Veloso França (Medicina).
Pessoas que foram presas, responderam IPMs, estiveram asiladas, ou sofreram os horrores
do golpe.
Estiveram com este Expositor, durante dois meses, na Ilha de Fernando de Noronha: Jório
Machado, jornalista; Bento da Gama, Procurador da Superintendência de Reforma Agrária
na Paraíba – SUPRA; Laurindo Marques de Albuquerque Melo, professor universitário,
Delegado do Tribunal de Contas no Estado; Langstein de Almeida, deputado estadual.
Em xadrez especial, no 15º R.I., com este Expositor, estiveram: João Santa Cruz,
desembargador; Guilherme Rabay, empresário; Laurindo Albuquerque, Delegado do
Tribunal de Contas da União; e Manoel Patrício, inspetor do Trabalho.
Juntos, em xadrez comum, no 15º R. I, estiveram. Antônio Aurélio Teixeira de Carvalho,
prefeito de Santa Rita (pai da expositora); Antônio Fernandes de Andrade (Bolinha),
prefeito de Rio Tinto; Pedro Inácio de Araújo, conhecido por Pedro Fazendeiro
(desaparecido ao ser posto em liberdade); João Alfredo Dias, conhecido por Nego Fubá,
(ficou numa cela ao lado, isolado, tendo também desaparecido ao ser posto em liberdade);
Nizi Marinheiro, advogado e suplente de vereador; João Batista Barbosa (contador),
Heloízio Gerônimo Leite (estudante); Yolando Alves de Souza (chofer de Assis Lemos);
Pedro Dantas das Chagas, João Manuel de Deus, José Alves de Lins, Miguel Penedo da
Silva, Manoel Barreto Dias, Adalberto Cavalcante de Souza, Manoel Ferreira Gomes, estes
de Mamanguape; Bento da Gama, advogado; Jório Machado, jornalista; Laurindo Melo,
professor universitário; Antônio Augusto de Arrouxelas Macedo, vereador.
Também estiveram presos em Fernando de Noronha os ex-deputados Assis Lemos, Agassis
de Almeida e Figueiredo Agra.
Outras pessoas que responderam IPM: Eduardo Ferreira Lima (Batata), estudante, exilou-
se no Chile, depois na Suécia, onde veio a falecer em 1993; Antônio Soares de Lima Filho;
Paulo Alves Conserva, que participou do movimento dos marinheiros no Rio, ainda hoje não
foi anistiado; Luiz Alberto de Andrade de Sá Benevides, sobrinho de Humberto Lucena
(militante do PCBR no Rio); Antônio Soares de Lima Filho, militante do PCBR e ex-
presidente da UPES; Antônio Viana de Oliveira, comerciante; Agamenon Martins de Souza,
tipógrafo; Francisco Lopes, comerciário; Israel Elídio de Carvalho Pinto, de Itabaiana; Maria
Amélia de Araújo, estudante; Josué Silveira, escritor campinense; Elpídio Navarro,
teatrólogo; Abdias Sá, economista da SUDENE; Artur Nunes de Oliveira, estudante, Celso
Matos Rolim, médico chefe do SAMDU; Vicente Rocco, médico do SAMDU em Sapé; Chico
do “Baita”, sapateiro em Guarabira; Antônio Augusto de Almeida, engenheiro; João Batista
de Melo, comerciante; José Batista Gondim, comerciante; Moisés Lopes da Costa, dos
Correios; Antônio Flaviano da Rocha, metalúrgico; Manoel Barreto Diniz, agricultor; Manoel
Ferreira Gomes, de Mamanguape; Antônio Barbosa da Silva, 1º Tenente da Reserva, da
Marinha; Durval Domingos da Cruz, comerciante; Francisco Barbosa Diniz, comerciante;
Antônio Domingos, líder camponês; Antônio Fábio Mariz Maia, estudante; Clemente Rosas,
economista da SUDENE; Estanislau Fragoso, sargento da Aeronáutica (irmão do bispo D.
Geografia e História da PB
228
Fragoso); Flávio Tavares, estudante e artista plástico; Maria das Dores Paiva de Oliveira,
Lígia Mercês Macedo e Iveline Lucena Costa, da CEPLAR. Isa Guerra, Maria Limeira.
Responderam inquérito na Faculdade de Ciências Econômicas:
Os professores Cláudio Santa Cruz Costa, Luiz Hugo Guimarães, Juarez Macedo, Nizi
Marinheiro, Ronald de Queiroz, Francisco Assis Lemos, Otávio de Sá Leitão Filho e Laurindo
Albuquerque Melo.
Os alunos Heraldo Cavalcanti de Melo, Leda Rejane do Amaral, José Iremar Alves
Bronzeado, Marcus Ubiratan Guedes Pereira, José Ferreira da Silva, Pedro Targino Moreira,
Albano Nunes Nicodemi e Edvaldo de Góis.
Martha Falcão, para suas considerações finais:
Gostaria de dizer que o depoimento do professor Manuel Batista de Medeiros foi um
depoimento muito importante porque por se tratar de uma pessoa que participou do
momento, quando o governador Pedro Gondim teve que tomar uma posição. Pedro Gondim
disse que tinha que estar ao lado da legalidade, como a Paraíba esteve em 30, identifica-se
com o povo paraibano. No dia seguinte a coluna política do nosso saudoso José Madruga,
uma das colunas mais lidas, diz o seguinte: “Melhorou. A proclamação do Governo Pedro
Gondim aos paraibanos deu a S. Excia. um pouco da recuperação do seu prestígio. O Chefe
do Executivo falou na hora exata, sem titubear, como de outra vez, quando para a posse
de Jango. E atirou certo, ficou com o lado que venceu. Além de recuperar a confiança dos
setores representativos do latifúndio no Estado”.
A nota é bastante crítica, tem um fundo de ironia e mostra que ele acertou porque ficou do
lado dos vencedores. Esse documento se encontra no CORREIO DA PARAÍBA, de 3 de abril
de 64, e está aqui citado pela professora Monique.
Esse livro teve uma grande procura pelos alunos de História da Paraíba porque é uma das
melhores fontes para se estudar de 45 a 64. É um trabalho bastante documentado, feito
com depoimentos de pessoas que, como o professor Manuel Batista, participaram. Hélio
Zenaide, Deusdedit Leitão, inclusive Luiz Hugo Guimarães também foi entrevistado. O livro
se baseia na história oral e fontes documentais, sobretudo nas fontes colhidas nos jornais
da época.
Agradeço o espaço que me foi dado na participação desse evento, onde tive oportunidade
de aprender muito sobretudo com as considerações de alguém que, além de historiador e
teve o privilégio de ter sido testemunha da época, como é o nosso presidente Luiz Hugo
Guimarães.
12º Tema
A IMPRENSA NA PARAÍBA
Expositora: Fátima Araújo
A fala do Presidente:
Convido para participar da mesa a jornalista Fátima Araújo, nossa confreira; deveria estar
conosco o jornalista Antônio Costa, Redator-chefe de A UNIÃO, e presidente da Associação
Paraibana de Imprensa. Por motivo de saúde, aquele companheiro comunicou-nos sua
impossibilidade em comparecer, o que lamentamos.
A expositora, jornalista Fátima Araújo, é sócia do nosso Instituto; é graduada em Letras e
Comunicação Social pela Universidade Federal da Paraíba; possui curso de especialização
em Comunicação Educacional (URNE, Campina Grande); tem vários cursos de extensão
universitária, inclusive sobre Literatura Brasileira; é portadora de curso de francês premier
e deuxiéme degré, pela Aliança Francesa; fez ainda os cursos sobre Problemas do
Desenvolvimento Brasileiro, em São Paulo e Caruaru; curso de Psicologia da Personalidade,
pela Fundação Pe. Ibiapina e o curso de Noções de Biblioteconomia, pela UFPB. Participou
de vários Seminários.
Geografia e História da PB
229
Fátima é jornalista militante, tendo atuado na imprensa paraibana em todos os jornais, e
atualmente mantém uma coluna semanal no CORREIO DA PARAÍBA. Historiadora,
pesquisadora, tem vários livros publicados, cumprindo-me destacar os seguintes:
HISTÓRIA E IDEOLOGIA DA IMPRENSA NA PARAÍBA, 1983; HISTÓRIA DA API, 1985;
PARAÍBA, IMPRENSA E VIDA, (ensaio que foi premiado no IV Centenário da Paraíba), 1986;
PARAHYBA 400 ANOS, 1985; SANTA ROZA – UM TEATRO CENTENÁRIO, 1989; ANTÔNIO
MARIZ – A TRAJETÓRIA DE UM IDEALISTA, 1996; e HUMBERTO LUCENA – O VERBO E A
LIDERANÇA, 1999.
Este é o perfil da nossa expositora de hoje, que há treze anos pertence ao quadro de sócios
efetivos deste Instituto.
Passo a palavra à jornalista Fátima Araújo, para falar sobre o tema de hoje, que é A
IMPRENSA NA PARAÍBA.
Expositora: Fátima Araújo (Sócia do IHGP, da União Brasileira de Escritores, seção da
Paraíba, da Associação Paraibana de Imprensa, da Academia Feminina de Cultura e da
Academia de Letras Municipais do Brasil, seção da Paraíba).
Devo dizer que não vou discorrer sobre a História da Imprensa porque é uma história
imensa, pois o livro que escrevi sobre o assunto – PARAÍBA, IMPRENSA E VIDA - tem 407
páginas. Darei uma visão geral, uma visão panorâmica, falando mais em nível de
conscientização e ideologia, que é um tema importante. Aproveito o ensejo para mostrar a
vocês o fac-símile do primeiro jornal do Brasil e o primeiro da Paraíba.
Alcançando as condições essenciais para o seu amplo desenvolvimento através da evolução
dos processos tipográficos, como da especialização dos profissionais em termos mais
recentes, a imprensa brasileira hoje está capacitada para formar e informar a comunidade,
não obstante o analfabetismo ainda alto, as falhas do ensino e a falta de condições
financeiras do nosso povo, causas que reduzem o acesso aos jornais, infelizmente.
Escamoteamento à parte, os filtros, a ideologia dominante, que existe na imprensa, mesmo
assim nosso povo ainda se interessa pelos jornais.
Escamoteamento à parte, quer para driblar as amarras da censura, quer para garantir os
interesses das empresas jornalísticas, o fato é que, em princípio, a imprensa visa alcançar
o fim ideal da promoção do bem comum. Quando falo aqui em imprensa, me refiro aos
jornalistas e não empresas. As empresas jornalísticas têm outra ideologia; elas querem
apenas dinheiro, querem apenas agradar os anunciantes, não estão nem um pouco
interessadas em informar a opinião pública. Mesmo assim, alguns jornalistas passam por
cima de tudo e forjam algum processo nesse sentido.
Se este interesse pró-comunidade é desviado no limiar de sua intenção e os profissionais
de imprensa vêem-se às voltas com a preservação dos interesses das empresas
jornalísticas, em prejuízo da comunidade, isto é realmente lamentável.
A liberdade de imprensa, como qualquer outro tipo de liberdade, sofre restrições e
condicionamentos. Em alguns períodos estanques da nossa história foi a censura aplicada
com a maior severidade, como vocês sabem, durante as duas ditaduras: a de Getúlio
Vargas e a ditadura militarista de 64. Esses foram os períodos piores da imprensa,
intimidando os jornalistas, formadores da opinião pública. Isto aconteceu várias vezes, não
só no Brasil, mas noutros países da América do Sul, como no Chile, na Argentina e no
Uruguai. E não se vá pensar que o mundo desenvolvido das grandes potências esteja livre
das amarras e dos condicionamentos. Basta que tomemos o exemplo dos Estados Unidos.
Há uma rivalidade entre leitores e anunciantes, cada qual querendo tomar para si o jogo da
imprensa. E quando essa imprensa deixa se escravizar de mais pelos interesses dos
anunciantes os leitores a desprezam, numa maneira de forjar a sua responsabilidade
político-social.
Na verdade, não podemos comparar o caso dos Estados Unidos, onde mais de 95% da
população é alfabetizada, com o Brasil. O bom senso nos diz que o nível de
desenvolvimento de uma nação influi enormemente na conscientização do povo.
Geografia e História da PB
230
Principalmente se esse povo é amainado no processo de democratização. No caso de países
desenvolvidos, detentores de problemas sociais em bem menor escala, geralmente as
massas não só alfabetizadas, mas também politizadas, conscientizadas, exigem, por sua
vez, uma maior eficiência do sistema de informação. O que infelizmente não acontece no
Brasil. No Brasil, nós somos bem mais condicionados; devido ao poder econômico, nossa
imprensa é muito amordaçada e muito limitada em termos econômicos, políticos e
ideológicos. Por que? Porque além de não sermos conscientizados ainda, não temos os
recursos que eles têm.
No Brasil, como noutras partes do mundo, onde a imprensa desenvolveu-se na medida em
que também se desenvolveu o capitalismo, as limitações econômicas têm sido tão fortes
quanto as políticas. E o percentual esclarecido da população não está alienado, nesse
sentido. Capta-se, condena-se, rechaça-se esses condicionamentos políticos, econômicos e
ideológicos a que se submete a imprensa, porque dela depende, acima de tudo, o registro
torpe ou verdadeiro da história e da nossa língua. Mas, infelizmente, não podemos fazer
nada.
Imprimindo as aspirações coletivas, os jornais registram as mutações semânticas, as
ocorrências, daí que se exige uma imprensa livre, conscienciosa, que jogue limpo com a
opinião pública. Por isto lamenta-se a detectação, nessa mesma imprensa, de nuances
ideológicas pouco animadoras. Isto porque estão pouco comprometidas com a verdade e
com as mutações que o decurso da história exige.
A observação é válida para a imprensa de todo o Brasil, quase sempre acoplada ao
aparelho político-jurídico do Estado, no sistema vigente. Em nível de Paraíba, mais
especificamente, a ideologia da imprensa continua sendo, de maneira geral, a dominante,
circunstância que não vai mudar tão cedo. Ou, talvez, jamais, a não ser que mude o curso
da história política deste país, com o povo deixando escapar o grito de liberdade que há
muito está preso em sua garganta.
Só um parêntese. É comum as pessoas condenarem os jornalistas, dizendo: esse jornal
não é nem oficial, é oficialesco. Ouvi comentarem, outro dia, que num dia só saíram dez
fotos do governador Maranhão, dez fotos de Vilma Maranhão, e assim por diante. É porque
nossos jornais dependem economicamente, politicamente, ideologicamente. Não somos
nós, os jornalistas. Como técnicos, às vezes trabalhando em assessorias do governo,
fazemos a imagem do governo. Como técnicos nós escrevemos, redigimos as matérias e as
lançamos; mostramos para a opinião pública o que governador tal fez, o que o deputado
fez, construiu aqui e ali. Claro, como técnicos nós fazemos. Como o médico consulta seu
paciente e passa o remédio tal.
Nossa ideologia, a gente leva para onde vai. Não deixa em casa, nem dentro da bolsa. A
gente tem essa ideologia. Claro que a gente não vai poder usá-la toda vida, porque nós
dependemos. Nós não temos dinheiro para fazer uma empresa jornalística e muitos que se
lançaram nessa empreitada acabaram sucumbindo. No passado, tivemos muitos jornais
que foram empastelados, incendiados. Jornalistas que levaram surras, foram presos,
levaram tiros, e assim por diante.
Eu conto isso no meu livro. Naquela época as pessoas eram mais idealistas, hoje, não; o
consumismo tomou conta de tudo, invadiu todos os lares através da imprensa falada e
escrita, através da televisão, através da indústria cultural. Então as pessoas estão mais
consumistas e fica difícil sair desse esquema, desse sistema tecnológico. Mas, no passado,
eram mais idealistas. E o que foi que aconteceu? Sofreram, muitos foram até
assassinados., como vocês sabem.
A partir de 1826, quando se fundou o primeiro jornal do nosso Estado – GAZETA DO
GOVERNO DA PARAÍBA DO NORTE – registrou-se na Paraíba uma história bonita de
periódicos ecléticos e ideológicos, quase sempre fundados com garra e idealismo. Posso
mostrar a vocês um fac-símile do primeiro jornal da Paraíba, editado em 29 de agosto de
1826 e o primeiro jornal do Brasil, que é a GAZETA DO RIO DE JANEIRO, de 10 de
setembro de 1808, cujos fac-símiles constam de meu livro citado. Verificando todo esse
passado até os dias atuais; digo até os dias atuais, mas já faz alguns anos que eu terminei
Geografia e História da PB
231
meu trabalho, mas pesquisei até cinco anos passados. Fiz pesquisas posteriores, que
poderiam caber na sua segunda edição.
Aliás já está numa terceira edição, só que as pessoas no nosso Estado não se interessam. É
mais fácil se interessarem por beleza, aniversários, festinhas, do que fazer trabalho da
reedição de um livro. Infelizmente os estudantes de comunicação precisam de mais do livro
e vivem lá em casa me aperreando. Já criei uma sala de pesquisas só para os estudantes
de comunicação. Ninguém se interessa em reeditar o livro. Estou falando de todas as
instituições, inclusive a Universidade. Mas eu também não vou chorar lá nos pés deles. Eles
façam se quiserem, venham a mim se quiserem reeditar o livro, se puderem. Não vou me
humilhar. Sinto muito, ajudo como posso os estudantes, colocando parte de minha casa à
disposição deles.
Como estava dizendo, verificando esse passado no estudo diacrônico e apurado que fiz,
senti, com certa tristeza, que da imprensa apaixonadamente opinativa do princípio nós
involuímos para um tipo de imprensa mais reservada e acanhada de manifestação. Dentro
desta seara controvertida enquadram-se os editoriais dos nossos periódicos, quase sempre
desfigurados, sem o sentido primeiro proposto pela verdadeira comunicação. Nas opiniões
que expressam, estas peças opinativas deixam transparecer a ideologia dominante de
acoplamento ao poder, seja ele político ou econômico.
Como vocês sabem, estou apenas realçando os editoriais dos jornais, que é uma peça
importantíssima do jornal, é a opinião do jornal. Elas vêm sempre sem assinatura, mas é
do editor do jornal. É peça opinativa de grande valor, até para a seriedade da empresa.
Antigamente a gente verificava no jornal do século passado A IMPRENSA, órgão da
Diocese, editoriais belíssimos. Muitas vezes eles questionavam os atos políticos, o que se
fez e o que se há de fazer nesta terra. Muitas vezes até ajudavam os governantes. Os
governantes precisam de críticas para melhorar. O que acho mais triste é que os
governantes procuram castrar a imprensa, pensando que é bom para eles. Gostam daquele
confete jogado o tempo todo em cima deles. O interessante é deixar que a imprensa fosse
como já foi, bem apaixonada, ideológica, questionando os atos públicos. O que se vê hoje
são editoriais bem neutros. Não obedecem ao critério da proximidade. Quando eles não
podem questionar algo que está mau no Estado, eles se referem a um tema bem universal.
É uma maneira de fugir da proximidade, escapando de questionar ou criticar os
governantes próximos, para não serem atingidos.
Até certo ponto é compreensível a alegação do trauma causado pelo empastelamento das
nossas folhas, como aconteceu no passado, que destruíram com requintes de perversidade
e da mais pura maldade, pelos poderes constituídos. As pessoas sofreram muito e hoje não
estão a fim de apanharem tanto. Mas, não deviam ir tão longe, deviam ter mais um pouco
de coragem. Aliás, vez por outra a gente vê um jornalista ou outro corajoso. Vez por outra
sai um jornalzinho corajoso. Sai uma pecinha corajosa dentro dos próprios jornais menos
corajosos. E a gente aplaude isso aí. É bom sempre a gente questionar, porque se a gente
não questionar vai ficar um doce só, um confete só, um negócio chato até de ler. A gente
fica logo enojado; tem jornal que não dá coragem nem de abrir.
É uma alienação total, falta de conscientização. Não queremos isso para o nosso Estado.
Queremos é sair desse analfabetismo, baixar o seu índice e melhorar a nossa
conscientização. Nós somos comunicadores para isso. Que é comunicador? Comunicador é
aquele que faz pensar, leva o outro a pensar, a crescer, a evoluir.
Mesmo a suspensão pacífica dessas folhas, com prejuízos morais e materiais para seus
dirigentes, repercutiu muito nos meios intelectuais, mas não justifica baixar a cabeça e
deixar de questionar. Não devemos nem olhar para esse passado. E se olhar, olhar com
coragem.
A perseguição aos jornalistas nos momentos ditatoriais ainda hoje repercute no mundo
pensante não só da Paraíba, mas de todo o país. É compreensível, sim, tudo isto, mas que
não se venha justificar nossa mudez, ou o temor ao questionamento, que não se venha
justificar o nosso esquecimento como comunicadores da grande responsabilidade político-
social que abraçamos.
Geografia e História da PB
232
Na capital, nós temos três jornais vivos, no momento. São eles: A UNIÃO, que foi fundada
em 3 de fevereiro de 1893, que é o mais antigo; O NORTE, que é do dia 7 de maio de
1908, o segundo mais antigo; e o CORREIO DA PARAÍBA, que é do dia 5 de agosto de
1953. São os três principais em circulação. Um oficial e dois privados, mas que uma vez ou
outra apresentam nuances que deixam a questionar. Se eles não têm pedaços oficialescos,
como acabei de mostrar, é por conta dos condicionamentos políticos, ideológicos e
econômicos.
Um jornal que seria interessante citar para vocês é o jornal da Diocese – A IMPRENSA. Em
1897 surge esse jornal, quatro anos depois de A UNIÃO. Era um jornal católico doutrinário,
noticioso, que possui importância na imprensa paraibana e merece um estudo mais
apurado. Foi um órgão de projeção, que marcou época. Foi fundado em 27 de maio de
1897 por D. Adauto Aurélio de Miranda Henriques, 1º Bispo e 1º Arcebispo do nosso
Estado. O primeiro redator-chefe foi o padre José Tomaz, que trabalhava em conjunto com
outro religioso, Manoel Paiva. Este jornal teve grande aceitação por parte da opinião
pública. Era um jornal corajoso e trazia editoriais belíssimos, peças opinativas e também
reportagens interpretativas bastante recheadas, e para a época foi considerado um jornal
maravilhoso. Além da grande aceitação, ele teve um papel relevante para a nossa
sociedade. Foi despertando a ira de alguns políticos, aqui e acolá saía de circulação,
entrava em eclipse, por falta de recursos, por falta de apoio, tudo por conta de pressões.
Até que na década de 60 ele fechou para sempre. Estão lá somente as coleções
arquivadas, no arquivo da Diocese.
A maioria dos jornais foi efêmera. Houve jornal de sair apenas um número. Alguns
duravam mais, mas a grande maioria dos jornais teve vida efêmera. As causas principais
eram falta de recursos e o baixo índice de analfabetismo, como já falei aqui.
Não vou me deter sobre todos esses jornais porque seria enfadonho.
···
A fala do Presidente:
Ouvimos a exposição da confreira Fátima Araújo, que em pinceladas rápidas referiu-se à
importância da Imprensa, examinando seu conteúdo ideológico. O atrelamento do
profissional ao condicionamento promovido pelas empresas jornalísticas e a subserviência
das próprias empresas submetidas às pressões do poder econômico e do Estado foram
abordadas corajosamente pela expositora.
O quadro por ela apresentado na Paraíba, conforme confessou, é um quadro nacional. Não
somos os únicos a sofrer aquelas pressões. Mas, com entusiasmo, Fátima Araújo profliga
esse comportamento do comunicador profissional.
A ilustre expositora lembra, também, uma das coisas mais perversas que ocorrem na vida
jornalística, que é a censura. Censura que se exerce das formas mais aviltantes, como é o
caso dos empastelamentos dos periódicos, por ela citados. Esse tipo de censura é o mais
violento.
É realmente uma das piores coisas que podem acontecer com a imprensa. A Paraíba nunca
ficou isenta dessa mancha. No passado tivemos problemas sérios, até durante o Império. A
censura não dá chances à conscientização que a palestrante questiona aqui com certa
veemência.
Na minha vida profissional na imprensa, quando trabalhei no jornal A UNIÃO, entre 1941 e
1944, conheci a força do Departamento de Imprensa e Propaganda do Estado Novo, de
Getúlio Vargas. Era o famoso DIP. Aqui na Paraíba era DEIP – Departamento Estadual de
Imprensa e Propaganda.
Martha Falcão, em aparte.:
Esse DEIP já existia no governo de Argemiro de Figueiredo. Ele foi criado dois anos antes
do criado por Getúlio.
Luiz Hugo Guimarães, retomando a palavra:
Geografia e História da PB
233
Essa eu não sabia e agradeço a informação da confreira, que sei expert sobre o Governo
de Argemiro de Figueiredo, sobre o qual tem um estudo completo.
Mas o fato é que só me deparei com esse DEIP naquela oportunidade em que era
funcionário de A UNIÃO, entre 41 e 44. O interventor era Ruy Carneiro, que assumira o
Governo da Paraíba em 1940. O que Ruy conseguiu com seu prestígio junto a Getúlio
Vargas foi colocar em sua direção um civil, o Dr. João Gonçalves Toscano de Medeiros. E a
Paraíba foi o único Estado que teve, naquela ocasião, um civil na direção daquele órgão.
Nos outros Estados ele era chefiado por um militar. O Diretor Geral do DIP era o capitão
Amílcar Dutra. Apesar de Dr. João Medeiros se tratar de um homem de bem, intelectual,
médico renomado, sempre houve atritos entre o órgão oficial e aquele Departamento. Era
diretor de A UNIÃO o jornalista Ascendino Leite e Secretário Geral o jornalista Octacílio
Nóbrega de Queiroz. O DEIP funcionava no prédio do atual Palácio da Justiça, na ala
esquerda do lado da rua da Palmeira, onde anteriormente esteve instalado o Tribunal
Regional Eleitoral. Toda a matéria elaborada tinha que ir para lá a fim de passar pela
censura. O que passava sem censura eram as notícias favoráveis ao Governo, aos aliados
da grande guerra. Mesmo assim havia uma fiscalização para não escapar nada de mais,
pois na redação havia alguns germanófilos. Ascendino Leite, apesar de se dar bem com
João Medeiros, se constrangia bastante com aquela situação. A redação, portanto, sob
censura, nos constrangia.
Lembro-me do acontecido com o jornalista Natanael Alves, grande jornalista, que era o
editorialista de O NORTE, e certa vez redigiu um editorial que não agradou a direção do
jornal. Ele foi simplesmente substituído, foi dispensado do jornal, o que foi lamentável.
Isso me fez lembrar que em certa época dos anos 70 fui o editor do JORNAL DE AGÁ, na
primeira fase daquele jornal de sociedade. O jornal de Heitor Falcão era composto e
impresso em a A UNIÃO, desde o governo de Ivan Bichara e passou para o governo de
Tarcísio Burity. Tínhamos um colunista de Campina Grande – Wiliam Tejo – que escrevia
sobre política. Na sua coluna ele vinha soltando umas letrinhas que não agradara ao
governador. Cheguei a ouvir uns comentários falando para eu prestar mais atenção à
coluna de Tejo. Já existiam pressões sobre os “causos” que José Cavalcanti contava em sua
festejada coluna PAPO FURADO. O interessante é que as mulheres da sociedade, que hoje
têm o apelido de socialite, reclamavam das irreverências aos seus maridos, mas eram as
primeiras a lerem a coluna de Zé Cavalcanti. Era uma censura velada.
Num sábado, estava acabando de fechar o jornal quando fui chamado à Diretoria de A
UNIÃO. Fui lá e encontrei Natanael Alves, que era o Superintendente, e Gonzaga
Rodrigues, que era o Diretor Técnico. Natan, como nós o chamávamos, Natan disse: já
vimos o artigo de Tejo que vai sair amanhã e sugiro que você tire o artigo para não criar
problemas, se não o jornal não vai mais poder sair aqui na A UNIÃO. Foi claro. Mas notei
que seu semblante era lívido. Não me contive. E disse-lhe: estou impressionado com você
e Gonzaga Rodrigues. Como é que vocês vêm me pedir para fazer censura no jornal? Você
não se lembra que saiu de O NORTE por isso? E vinham as evasivas: você compreende,
isto é um jornal oficial. Também fui incisivo. – Quem mandou fazer essa censura foi Burity?
Interessante é que há poucos dias Burity dera uma entrevista elogiando a liberdade de
imprensa. Indignei-me, mas não censurei o jornal do qual era o editor. Também foi o
último número editado na A UNIÃO. Isto é a CENSURA
Há muitos casos de que fui testemunha ocular, mas que não cabe neste debate relatar.
Esses exemplos já são o bastante.
O jornalismo é uma das profissões mais difíceis de se exercer sem contrariar os princípios
do profissional, da sua formação. E há uma coisa pior que a CENSURA. É a AUTOCENSURA.
Trabalhando sobre a pressão do empresário que controla a política do grupo empresarial do
dono do jornal, política de interesses econômicos e até partidários, com n + k
recomendações, restrições, etc. o jornalista começa a se marginalizar, a se indefinir, a se
duvidar. Devo dizer isso, ou não? O profissional mutila seu pensamento, sua vocação vai
para o brejo.
Geografia e História da PB
234
Lembro-me também dum episódio ocorrido por ocasião da visita do presidente Geisel à
Paraíba. Era Secretário de Comunicação nosso confrade Hélio Zenaide, com quem sempre
mantive excelente camaradagem, como ainda hoje. Hélio até mantinha no JORNAL DE AGÁ
uma seção intitulada RONDA DOS ARQUIVOS, uma excelente coluna onde ele liberava seus
arquivos implacáveis e bem cuidados. Hélio me chamou e disse que tinha incluído meu
nome no rol dos jornalistas que participariam do evento. Conseguimos fotos do arco da
velha do general Geisel, no tempo em que ele era tenente e foi Secretário das Finanças no
Governo de Anthenor Navarro. Preparamos um caderninho especial. No Hotel Tambaú
estive com a equipe do Jornal do Brasil, que veio fazer a cobertura da visita. Forneci-lhe
até alguns subsídios e inclusive uma foto que iria sair no jornal e que também saiu no
Jornal do Brasil. Mas, isso não vem ao caso. Quando foi na véspera da chegada de Geisel,
Hélio Zenaide chamou-me para dizer: seu nome foi vetado para a visita de Geisel. Não fiz
cara feia, era o esperado. É natural, eu era um cidadão cassado pelo golpe de 64.
Estou registrando esse fato só para complementar a força da censura.
A “fala do Presidente” hoje foi além do habitual, que se cinge sempre a um pequeno
comentário sobre os debates. Mas, aproveitei a ausência do debatedor oficial, para tecer
algumas considerações objetivas, tentando complementar a oportuna exposição de Fátima
Araújo sobre o valor da conscientização na imprensa.
Aliás, se vocês quiserem conhecer a evolução da nossa imprensa não há outra saída senão
ler os trabalhos de Fátima Araújo. Se bem que sejam livros esgotados, o Instituto os tem
em sua biblioteca à disposição dos interessados.
Vamos ceder, agora, a palavra aos participantes.
···
1º participante:
Guilherme d’Avila Lins:
Referindo-me à fase de censura da última ditadura, a de 1964, eu me lembro que no
ESTADO DE SÃO PAULO havia um movimento de resistência que na primeira página,
quando a notícia não podia ser dada, eram publicados receitas de bolo, ou um poema de
Camões. Era a resistência possível. O que eu queria saber é se na Paraíba, naquela época,
houve esse nível de resistência possível.
Fátima Araújo:
Houve, de mais, até. Muitas vezes o jornal estava quase todo pronto e durante a
madrugada os censores invadiam o jornal e obrigavam a tirar imediatamente a tirar uma
notícia., tapar o buraco com qualquer matéria. Luiz Hugo sabe disso. Um censor lia a
matéria e o outro ia dizendo: tire isso, tire esse pedacinho, tire toda.
Marcus Odilon, aparteando:
Em 1985, na campanha municipal, a censura era tão grande que o CORREIO DA PARAÍBA e
O NORTE apareciam com espaços vazios. Tratava-se de matéria eleitoral, com respostas
necessárias.
Fátima Araújo:
Às vezes a censura era feita em cima da hora, não dando tempo para a colocação de uma
matéria no espaço, que assim ficara vazio.
2º Participante:
Jeová Mesquita:
Minha mulher tem muita raiva quando vou fazer um curso. Mas eu adoro fazer curso. Certa
vez fui fazer um curso de tiro ao alvo no stand da Polícia Militar. Meu companheiro de curso
foi o jornalista Paulo Brandão. Na última aula, diante do alvo, atiramos. Ele gostava de
andar com o revólver na meia. Como vocês sabem, Paulo Brandão era um empresário e um
dos donos do jornal CORREIO DA PARAÍBA. Uma semana depois de terminado o curso,
Geografia e História da PB
235
doutora Fátima, ele ia saindo da sua empresa, ali na estrada do Recife, quando foi
metralhado dentro do carro. Já estavam à espreita de Paulo Brandão. Dizem que foi uma
conseqüência do que o jornal CORREIO DA PARAÍBA vinha publicando contra o Governo do
Estado. Então eu queria perguntar à ilustre palestrante se ela tem alguma informação do
motivo porque esse diretor de imprensa foi metralhado assim, uma coisa tão absurda. Até
hoje ninguém sabe porque essa violência contra esse moço. O primo dele é hoje um
próspero empresário, que era sócio dele.
Fátima Araújo:
Eu creio que essa dúvida jamais será esclarecida. É um problema de polícia e até hoje
fizeram mil investigações e como as pessoas envolvidas eram e continuam sendo muito
poderosas, então penso que não vão ser esclarecidas jamais. Acho muito difícil, não que o
crime seja perfeito. Deve haver quem saiba e acho que houve até testemunha, mas não vai
ter coragem de falar, jamais, mesmo porque serão outras vidas que serão perdidas. Mas,
houve também problema pessoal, não foi somente de imprensa. Porque aquele jornalista
freqüentava a casa de alguns que estariam possivelmente envolvidos. Houve também uma
história que alguém deu um tapa no rosto de alguém, segundo ouvi no nosso jornal. Não
foi só motivo de imprensa, houve coisa pessoal, intrigas, picuinhas, antipatias. Só a polícia
pode esclarecer isso, um dia, ou nunca.
3º participante:
Marcus Odilon:
A UNIÃO começou como órgão do Partido Republicano, depois passa para o Estado. Como
foi feita essa transação? Porque não foi bem explicado, ficou assim como segredo de
confissionário. O Partido Republicano, que à época pertencia a Álvaro Machado, recebeu
um gordo dinheiro de indenização ou se foi porque o jornal estava falido e o Governo do
Estado socorreu. Há alguma explicação para isto?
Fátima Araújo:
Não, apenas o Governo abraçou o ideal do jornal, ficou com o jornal. Dizem que Álvaro
Machado recebeu essa gorda quantia que você está falando, mas nunca ficou registrado.
Conforme o participante registra, é um assunto questionável.
4º participante:
Martha Falcão:
Nossa história tem muitas lacunas e precisa ser trabalhada nesse assunto. Um desses
aspectos lacunosos é o período da imprensa durante as interventorias. Esse período das
interventorias é muito pouco trabalhado, mesmo nos cursos. Estuda-se a República Velha,
estuda-se a República Oligárquica e se dá um pulo para depois do Estado Novo. Não é
somente em relação à Imprensa. Mesmo o trabalho sobre a imprensa, e um dos melhores
trabalhos é o da expositora de hoje, é pouco estudado entre 30 a 40 e aí vamos encontrar
um censura muito forte na interventoria de Anthenor Navarro. Existe um confronto entre a
questão da reconstitucionalização do país e da não reconstitucionalização. No primeiro
momento, quando os tenentes estão no poder, eles julgam que se o Brasil se
constitucionalizar as oligarquias vão voltar ao poder. Então lutam com todas as suas forças.
Nesse momento existe um jornal aqui de ex-epitacistas que vão fundar o Partido
Republicano Libertador, liderados pelo grande Boto de Menezes, juntamente com Joaquim
Pessoa, que também rompe com Anthenor Navarro, vamos ver que o próprio Tancredo de
Carvalho funda um jornal muito forte – BRASIL NOVO. Ele surge em Campina Grande e
depois vem ter sede em João Pessoa. Esse jornal prega a reconstitucionalização do país, e
é invadido pela polícia da capital, cujo chefe era um dos nossos consócios daqui, que foi um
grande professor de Direito do Trabalho, que era Clóvis Lima. Manoel Moraes, que foi Chefe
de Polícia também andou perseguindo jornais. O jornal A LIBERDADE, dirigido por Aderbal
Piragibe, também foi perseguido. Durante a interventoria de Anthenor Navarro, essa
perseguição foi muito forte. A partir do momento que Getúlio Vargas firmou um acordo
com os derrotados da Revolução Constitucionalista de 32, as antigas oligarquias
Geografia e História da PB
236
derrubadas lideradas por São Paulo, vamos ver que a situação muda. A UNIÃO passa, não
a combater a reconstitucionalização do país, mas passa a apoiá-la, porque agora o governo
provisório está apoiando. É o caso do conteúdo do jornal A UNIÃO. Até a entrada do Brasil
na guerra, A UNIÃO, como a A IMPRENSA, é um jornal totalmente anticomunista. É um
jornal que fala no perigo vermelho toda hora. Existiam colunas de propaganda totalmente
declarada pelo integralismo no jornal A IMPRENSA, que era um órgão de propaganda clara
pró-integralismo. Nós tínhamos vários municípios onde foram fundados núcleos da AIB,
inclusive Pirpirituba, Campina Grande, Santa Rita. O núcleo de Santa Rita chegou a juntar
150 pessoas associadas, inclusive o Presidente de Honra foi o Dr. Virgínio Veloso Borges,
dono da fábrica; Dr. Manoel Veloso Borges foi escolhido como orador. Houve um comício
muito grande na praça de Santa Rita, acabando com os donos das usinas, porque era o
confronto entre os aliancistas e os perrepistas. E a imprensa publica trabalhos enaltecendo
o bloco que está no poder. A UNIÃO, órgão do governo, segue a linha de Getúlio Vargas. À
medida que o Brasil entra na guerra, que vai se ombrear ao lado da União Soviética, o
jornal muda de posição.
De 1935 a 40 vamos ter o governo de Argemiro de Figueiredo e dentro desse período
vamos ter a intentona comunista. Neste momento a imprensa publica os relatórios do
delegado de polícia da capital, no caso era Praxedes Pitanga. E aqui na Paraíba há uma
espécie de farsa para se fazer um movimento no sentido de que aqui também havia muitas
células participativas do movimento. Depois a história mostra que era mais uma farsa. Há
um inquérito, as pessoas são presas, são torturadas, o livro SANTA CRUZ E O JORNAL DO
POVO está aí. Mas isso precisa ser muito trabalhado, em nível específico sobre o papel da
Imprensa no Estado Novo. É uma das lacunas existente na História da Paraíba. Há muita
coisa rica tanto em A UNIÃO como no jornal A IMPRENSA e jornais como BRASIL NOVO, de
Tancredo de Carvalho. Há até um trabalho biográfico dele em que ele mostra toda a
trajetória e o trabalho MINHA TERRA, de Bôttto de Menezes, que também tem muita coisa
sobre a Imprensa.
Era só essa a contribuição que queria dar.
5º participante:
Maria do Socorro Xavier:
Quero parabenizar a exposição de Fátima, não só sua palestra, mas o livro dela, que
resgata muito bem a Imprensa na Paraíba. Gostaria de perguntar a Fátima Araújo se na
Imprensa paraibana não houve um movimento no seio do próprio jornalismo para que essa
liberdade de imprensa se concretizasse ou pelo menos um protesto contra a castração da
liberdade de expressão plena nos periódicos paraibanos.
Fátima Araújo:
Não. Um protesto organizado, algo formalizado, não houve. O protesto de todos os
jornalistas, desde o princípio, é perene. Os jornalistas vivem sempre forjando, tentando
escrever mais, tentando falar mais. Uma vez ou outra eles são podados, são ameaçados,
Luiz Hugo deu mil exemplos aqui. Os jornalistas são chamados a atenção, são demitidos.
Tudo isso é uma maneira de protestar. Estão sendo podados, mas por trás estão
protestando, vão tentando. Nós aqui que fazemos as pesquisas vamos mostrando isso,
mostrando a maneira de questionar, porque se não questionar será pior. O protesto existe,
existirá sempre. Muitas vezes um protesto aberto, não tão velado. Movimento, assim como
uma passeata, isso não houve. Existe no dia-a-dia nas empresas jornalísticas. Existe
ideologia, sim entre os jornalistas, não entre as empresas jornalísticas. Protesto organizado
não há. Uma greve, nem pensar. Estão atrelados ao poder, não podem nem falar, nem
espernear. Vão perder o emprego.
Luiz Hugo, tomando a palavra:
A Associação competente, que é a Associação Brasileira de Imprensa, tem sua importância,
no Brasil. Herbert Moses, que foi um dos presidentes que demorou mais tempo no
comando da ABI, era sempre ligado ou amigo dos governantes, mas havia momentos em
que ele resistia e dava pronunciamentos fortes, e brigava como ele tinha acesso às
Geografia e História da PB
237
autoridades, falava diretamente com os governantes. Há posições interessantes dele, como
de Barbosa Lima Sobrinho, também presidente da Associação Brasileira de Imprensa.
Na Paraíba, quem dominou durante muito tempo a Associação Paraibana de Imprensa –
API, foi o jornalista José Leal, nosso consócio. Durante quatro anos fui secretário da API,
quando ele foi presidente, e sou testemunha de quanto ele defendia o jornalista. Ele tinha
certa independência, não uma independência total, mas levava seus protestos aos
governantes. José Leal deixou a direção de A UNIÃO quando um erro de revisão envolveu o
nome da mulher de Ruy Carneiro e recebeu ordem para demitir todos os revisores do
turno. Dispensou-os, mas pediu demissão do cargo de Diretor. Foi justamente quando
Samuel Duarte, que era Secretário do Interior, nomeou Ascendino Leite para diretor de A
UNIÃO.
As posições de José Leal eram de centro-direita, um liberal, e chegou a pertencer à
Esquerda Democrática. Mas quando acontecia um caso com um jornalista, mesmo que ele
fosse comunista, ele defendia com unhas e dentes a situação do companheiro. Era
intransigente na defesa do jornalista.
Em 1964, quando Adalberto Barreto era presidente, a API andou convocando reuniões,
fazendo chamamentos, mas não tinha como, pois a metade já estava presa e o resto
estava no meio do mundo. Mas, não foi propriamente a posição da Associação, foi de um
grupo ideológico.
6º participante:
Odilon Ribeiro Coutinho, membro do Conselho Estadual de Cultura:
Como Cristo, eu vim para confundir. Vim para agitar um pouco. Até porque eu acho que
esses Seminários só valem na medida em que provocam agitação, um debate e até paixão.
Não tive a sorte de chegar aqui a tempo de ouvir a palestra de Fátima Araújo. Tive um
compromisso a que não pude faltar, prestou-se uma homenagem ao Dr. Eurípedes
Tavares, que foi mais de 30 anos Secretário do Tribunal de Justiça e eu sou seu
conterrâneo estrito, porque ele nasceu no Engenho Central, a poucos metros da casa onde
nasci. Dr. Eurípedes era pai do sócio deste Instituto, Monsenhor Eurivaldo Tavares. Perdi a
oportunidade e me frustro por isso de deixar de ouvir Fátima Araújo..
Mas gostaria de dar um pequeno depoimento a respeito da história da Imprensa na
Paraíba. Dizem que o diabo é temível, não por ser diabo, mas por ser velho. Porque já viu
muita coisa, aprendeu muita coisa, acumulou muita vivência, muita experiência. E é isso
que quero trazer aqui, nesta reunião, no o intuito de contribuir um pouco para se ver o
papel desenvolvido pela imprensa neste século, já que estamos comemorando no
programa deste Instituto Histórico os 500 anos do Brasil.
A imprensa na Paraíba surgiu nos fins do século passado e teve uma grande atuação no
começo deste século. Na segunda metade do século, a partir do último terço da segunda
metade, tenho a impressão que o papel da imprensa foi um papel dócil, subordinado, sem
independência e sem personalidade.
A imprensa geralmente tem uma significação muito grande para o historiador. Não apenas
o historiador, mas o sociólogo, o antropólogo vão buscar na Imprensa elementos que
atendem à sua pesquisa e permitem chegar a conclusões nas suas respectivas áreas da
maior expressão e da maior significação. Gilberto Freyre, por exemplo, apoiou grande parte
das suas conclusões sociológicas nos anúncios de jornais, nos velhos jornais centenários,
no Diário de Pernambuco, que é o mais antigo jornal da América Latina e de outros jornais
do Império. Anúncios de escravos fugidos, anúncios de comportamentos políticos, anúncios
de partidos que adotavam certas decisões e que refletiam nos jornais as decisões tomadas,
tudo isso foi um material muito importante usado por Gilberto Freyre.
Do ponto de vista histórico, José Antônio Gonçalves escreveu um trabalho sobre o Diário de
Pernambuco e a história pernambucana, que é um trabalho modelar. E aqui está uma
especialista que não me deixa mentir, que tem realizado um trabalho notável, inclusive tem
se arrimado em pesquisas feitas na imprensa.
Geografia e História da PB
238
No fim do século passado tivemos uma imprensa aguerrida. Logo depois da República, mas
uma coisa muito incipiente. No começo do século nós tivemos jornais de oposição que
tinham um admirável espírito de independência. Mas o jornal – a nau capitânea, como
costumo chamar – que orientou a mídia na Paraíba, desde os fins do século passado, foi A
UNIÃO. A UNIÃO foi uma grande formadora de jornalistas. Ainda hoje eu imagino que a
verdadeira Faculdade de Jornalismo na Paraíba é A UNIÃO. Mas a A UNIÃO é um jornal
sectário. Do ponto de vista histórico, o depoimento de A UNIÃO é um depoimento suspeito
porque foi um jornal sempre atrelado aos interesses do poder. Não foi um jornal imparcial.
Mesmo que não tivesse sido imparcial, se porventura acolhesse algumas opiniões ou
movimentos de oposição, ele expressaria a verdade histórica da época.
A UNIÃO ficava sempre a serviço dos governos, como até hoje. Uma coisa interessante é
que os governos estaduais tinham os seus jornais logo depois da República. No Rio Grande
do Norte houve um grande jornal em que Luís da Câmara Cascudo colaborou
intensamente, que foi A REPÚBLICA. A REPÚBLICA durou até poucos anos atrás, depois foi
fechada pelo próprio governo do Rio Grande do Norte, que a manteve durante décadas.
A UNIÃO é o único jornal oficial que ainda sobrevive, um jornal a serviço da propaganda do
governo e que está sempre a serviço de interesses grupais. Por isso mesmo, é um jornal de
significação histórica relativa porque apenas reflete o ponto de vista de um dos lados.
A imprensa de oposição é que permite fazer o equilíbrio entre as opiniões governamentais.
Nas primeiras décadas deste século havia uma aguerrida imprensa de oposição, que tinha
coragem e bravura cívica admiráveis. Hoje, isso tudo está completamente abafado. Temos
A UNIÃO, que a meu ver não consegue a eficiência que tinha antigamente. No tempo, por
exemplo, de um Carlos Dias Fernandes. No seu tempo A UNIÃO teve um papel
importantíssimo, inclusive na formação da mentalidade jornalística da Paraíba, na formação
de pessoal. Foi realmente o órgão universitário de que nós dispúnhamos para a formação
do pessoal dedicado ao jornalismo. E era um tempo muito mais romântico, muito mais
objetivo e muito mais verdade do que o de hoje.
Eu duvido muito da formação universitária dos jornalistas e acho que é uma forma de
corporativismo. Hoje o homem que tem a vocação se não passar pela Universidade não
tem acesso às redações. É uma coisa que desfalca o jornalismo brasileiro de talentos
vigorosos.
Nas primeiras décadas do século havia um jornalismo de oposição que permitia estabelecer
o equilíbrio entre as opiniões da situação e as da oposição. E aí o historiador poderia
navegar. Era uma navegação que se fazia através de escolhos. Depois houve uma
degradação. Hoje acho que a imprensa está totalmente degradada. A UNIÃO não tem
mais a significação, a expressão de antigamente e os jornais existentes, todos eles, se
portam como empresas; estão a serviço de quem pagar mais. De modo que hoje é muito
difícil você chegar a algum resultado histórico válido se você se submete à leitura dos
jornais. Se pegarmos os jornais de dez anos atrás não vamos chegar a um resultado
histórico válido, porque os jornais, já naquele tempo se subordinavam aos interesses
imediatistas e faziam o jogo empresarial de quem pagasse mais. A UNIÃO sempre expressa
o ponto de vista do Governo com um sectarismo exemplar, o que retira de A UNIÃO e
retira dos jornais atuais qualquer sentido de autenticidade histórica que permita ao
historiador fazer a sua navegação com segurança. De modo que se fizermos um balanço da
imprensa neste século o balanço terá de ser negativo. A imprensa está degradada. Não
temos mais aqueles românticos jornais do começo do século que se atiravam contra o
chamado poder constituído com uma valentia admirável e desinteressada, arrostando, os
jornalistas, todos os riscos, inclusive da prisão, das represálias violentas e até do
empastelamento do jornal. Isso tudo desapareceu. E vivemos hoje melancolicamente um
tempo de degradação.
7º participante:
Joacil de Britto Pereira:
Geografia e História da PB
239
Também não tive a satisfação de ouvir a exposição, que creio tenha sido brilhante, da
ilustre confreira Fátima Araújo, pelo mesmo motivo já apresentado na justificação de
Odilon Ribeiro Coutinho. Como adendo, informo que representei o Instituto Histórico na
homenagem prestada ao pai do nosso caro confrade Monsenhor Eurivaldo Caldas Tavares.
Não vou debater propriamente, não vou contestar, mas gostaria de prestar aqui uma
homenagem muito significativa por si mesma, não por minhas palavras, aos jornalistas
corajosos de antanho. A Gama e Melo, que fundou A REPÚBLICA para combater a
oligarquia de Álvaro Machado, e com que bravura cívica, com que patriotismo, com que
coragem paraibana ele se portou. Também a Artur Aquiles, que dirigia O COMÉRCIO, que
pagou caro com o empastelamento do seu jornal diante da intolerância do poder. Ainda a
Antônio Bôtto de Menezes, diretor de O COMBATE, o único político que se elegeu só pela
capital, que era como um braço de mar bravio na oposição que desencadeava contra o
poder constituído de então e fazia a maré cheia e a maré vazante, levando as multidões
ovacionando para aplaudi-lo sempre, por sua coragem e pelo seu destemor. Ainda a José
Leal, que também teve uma atitude de coragem, embora sobranceira, mas sempre
permanente. Foi ele que aqui fundou a Esquerda Democrática e o Partido Socialista
Brasileiro, arrostando contra o poder e contra seus próprios parentes, quando José Américo
era o nosso emblema maior de grande líder nacional, e parente bem próximo de José Leal.
Esses homens devem merecer a nossa homenagem no dia em que, neste Instituto, se fala
sobre a Imprensa na Paraíba. Foram grandes intérpretes das aspirações e das inspirações
populares de uma Paraíba brava e rebelde. Esta é a homenagem quero prestar neste
momento, pedindo a atenção e o apoio de todos os presentes. (muitas palmas)
•••
A fala do Presidente:
Vou confessar a vocês que estava protelando o encerramento do debate, justamente
aguardando Joacil Pereira e Odilon Ribeiro Coutinho. E para coroar a palestra da nossa
confreira Fátima Araújo, tudo isso que vocês disseram com tanta eloqüência e com
vibração, Fátima Araújo disse com a serenidade da jornalista, da mulher que sabe dizer as
coisas bem devagarzinho. Ela contou aqui, em linhas gerais, esses problemas do
jornalismo, do jornalista e das empresas jornalísticas.
O Instituto Histórico está cada vez mais agradecido pela presença de vocês, quem vêm
trazer seu contributo a este nosso debate que fará, não tenham dúvida, na história deste
Instituto um dos seus pontos marcantes.
Nós faremos, sem dúvida, os ANAIS destes debates e daremos, com isso, uma contribuição
à historiografia paraibana.
Agradeço a presença de todos. Está encerrada a sessão.
13º Tema
A IGREJA NA PARAÍBA
Expositor: Manuel Batista de Medeiros
Debatedor: Eurivaldo Caldas Tavares
A fala do Presidente:
Formarei a mesa dos trabalhos convidando o professor Manuel Batista de Medeiros, nosso
associado e expositor de hoje; convido nosso consócio Monsenhor Eurivaldo Caldas
Tavares, que será o debatedor; o acadêmico Joacil de Britto Pereira, presidente da
Academia Paraibana de Letras.
O tema de hoje é A IGREJA NA PARAÍBA. O Instituto tem a felicidade de possuir no seu
quadro duas figuras destacadas, uma que pertence ao clero atuante e outra que pertenceu,
mas continua vinculado, que são altamente qualificadas para nos trazer informes sobre a
importância da Igreja na Paraíba, o que quer dizer a importância da Igreja na História do
Brasil.
Geografia e História da PB
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Será expositor do tema nosso companheiro Manuel Batista de Medeiros, que é uma pessoa
bastante qualificada para este mister.
Nosso expositor é bacharel em muitas coisas. Pertenceu ao Seminário Diocesano da
Paraíba, onde foi ordenado padre em 1950; é bacharel em Línguas Latinas, em Ciências
Jurídicas e Sociais, em Filosofia; tem mestrado em Educação; foi professor de Latim no
Liceu Paraibano e de Literatura Portuguesa na Universidade Federal da Paraíba e é
professor de Direito Civil na UNIPÊ; também foi professor de Latim, Português, História
Eclesiástica Primitiva, Direito Canônico no Seminário Maior da nossa Arquidiocese; fundador
e primeiro reitor da UNIPÊ; foi membro do Conselho Universitário da UFPB; é jornalista,
escritor, membro da Academia Paraibana de Letras, da qual foi presidente por dois
mandatos; foi diretor do jornal católico A IMPRENSA. Seu currículo é imenso. Diante dessa
apresentação, sinto que o plenário está ansioso para ouvi-lo.
Passo a palavra ao professor Manuel Batista de Medeiros.
Expositor: Manuel Batista de Medeiros (Sócio do Instituto, ex-presidente da Academia
Paraibana de Letras, bacharel em Línguas Latinas e Direito, Mestre em Educação e
Filosofia, fundador e professor da UNIPÊ, ex-sacerdote, jornalista).
1. Introdução.
Inicialmente, agradeço as palavras do nosso Presidente e se eu fosse a metade do que ele
disse, eu estaria muito satisfeito.
Antes de fazer a minha falação, gostaria de ler um trecho da bula Sublimes Deus, do Papa
Paulo III, endereçada aos índios da América.
Diz o Papa: “Pelas presentes letras decretamos e declaramos, com nossa autoridade
apostólica, que os referidos índios e todos os demais povos que daqui por diante venham
ao conhecimento dos cristãos, embora se encontrem fora da fé de Cristo, são dotados de
liberdade e não devem ser privados dela nem do domínio de suas coisas e ainda mais que
podem usar, possuir e gozar livremente esta liberdade e não devem ser reduzidos à
escravidão, e que é irrito, nulo e de nenhum valor tudo quando se fizer, em qualquer
tempo, de outra forma. Papa Paulo III, Bula Sublimes Deus, 1537”. Bula dirigida aos
cristãos das Índias Ocidentais.
Tem aqui, também, uma frase do jesuíta padre Manoel da Nóbrega: “Essa terra é a nossa
empresa”.
Louvo a feliz iniciativa da nossa Casa em promover comemorações da passagem da Paraíba
nos 500 anos de Brasil, enquanto da parte do Estado e da Prefeitura da capital o que se
ouvem são discussões sobre quem realizará o pior reveillon do ano 2000, que muitos
confundem com o início do terceiro milênio, nenhum órgão oficial, que eu saiba, se
souberem me digam para não fazer acusação indevida, se propôs ainda celebrar o meio
milênio da História do Brasil.
Em Portugal já faz dez anos que se estudam os eventos históricos do 500º aniversário do
descobrimento, da posse, e eu chamo também da invasão, da terra brasílica, também
chamada de Santa Cruz. Comissão para efetuar as comemorações do próximo reveillon,
com muita austeridade, já se criou, enquanto que se o Conselho Estadual de Cultura sabe
que o Brasil está a poucos meses de fazer seus 500 anos, eu ignoro se ele sabe.
Entretanto, esta é magnífica oportunidade, Sr. Presidente, de a pátria, debruçando-se
sobre si mesma, fazer oportuna análise sobre o que foi, o que é e sobre o que pretende
ser. Este é um precioso momento de reflexão antropológica, histórica, política, cultural e
religiosa sobre nossas raízes e o nosso caminhar nestes 500 anos de História do Brasil.
Quando vejo que só esta Casa realiza aquilo que outros deviam cumprir, eu parabenizo
nosso Presidente pela iniciativa de realizar essas comemorações. Parabéns, Sr. Presidente.
(palmas)
2. Análise e não história.
Geografia e História da PB
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No meu discurso de posse na cadeira que aqui tem como patrono um grande historiador
eclesiástico da Paraíba e do Rio Grande do Norte, Monsenhor Francisco Severiano, oração
que leva o título HISTÓRIA DESNUDA, espécie de ensaio que enfocou a Filosofia da
História, levantei ali a tese de que o historiador não pode e não deve reduzir o fenômeno
social ou os fatos históricos sobre que trabalha, à sua própria conceituação ideológica,
filosófica ou mesmo religiosa. Por outras palavras, quero afirmar claramente que quem
tratar de um fato histórico de natureza sociológica católica não deve, necessariamente,
ficar coactado ao dogmatismo de sua religião. É o que agora não faço.
Assim, no que diz respeito aos 400 anos de história religiosa da Paraíba, fujo, de caso
pensado, ao reducionismo ideológico. Como, de outra parte, evito, neste momento, tentar
repetir aqui datas, fatos, nomes, frases de Bispos, de Abades, etc., etc. que outros, com
muito mais competência do que eu, já fizeram e podem fazer. Poderia me comparar com
Wilson Seixas, com Maximiano Machado, Monsenhor Eurivaldo, com Francisco Lima, com
Francisco Severiano e outros, só para citar os mais aproximados de nós? Tudo que vou
afirmar sobre a história da eclesiologia católica brasileira deve ser aplicado ao ângulo da
História da Igreja na Paraíba. A Paraíba, meus senhores, é um pedaço deste Brasil, sem a
qual não se escreve a História do Brasil e nem da política e nem da cultura e nem da arte.
Paraíba é Paraíba e é muito mais do que 1930. (palmas)
Entendo ser muito mais lucrativo, desde o ponto de vista científico, que em lugar de meros
exercícios repetitivos de datas, nomes e fatos, se tente, aqui, uma livre análise
antropológica, por mais singela que seja, do que a Igreja fez desde aquele século que
Taine chamou de o maior século da História. Eu pensava até que era o século de Péricles, o
século V antes de Cristo, mas Taine acha que o maior século da História foi o 1500.
Creio que a nossa pequena Paraíba é muito rica culturalmente falando e que tal riqueza
precisa ser explorada sobre todos os ângulos. Até acho ingenuidade se afirmar que a
História da Paraíba se reduz ao evento policialesco de 1930.
3. A Igreja e o Padroado Luso-brasileiro.
O rei português D. João III escreveu ao Governador Geral do Brasil: a principal causa que
me levou a povoar o Brasil foi que a gente do Brasil se convertesse à nossa Santa Fé
Católica.
É o rei quem está dizendo, não é o Papa, nem o Bispo de Lisboa.
Na carta de Caminha (essa carta de Caminha é muito curiosa. Aliás, há duas cartas. Uma
carta dos médicos, os médicos gostam muito de história e fazem uma referência curiosa
dizendo que a ilha do Brasil está lá... como se não houvesse descoberta nenhuma,
conforme Marcus Odilon. Vieram tomar posse daquilo que já sabiam que existia. E tanto é
verdade que a carta de Caminha diz: “Olhe, el-rei é tão bom que se plantando qualquer
coisa dá” (com três dias não dava para saber que plantando dava). Essa carta, que é muito
curiosa, merece um estudo nosso. Há duas coisas que quero chamar a atenção sobre a
safadezinha do português, porque ele descreve os índios, nus, e tal e tal, mas quando é
para descrever as índias ele faz uma descrição que nem a Revista PLAYBOY. Demora e fica
explicando. Então a carta oficial ao rei vem com isso. E no final, veja o “arrumadinho” do
serviço público, que começa desde aquele tempo, termina: “Vossa Alteza fará mercê se
mandar buscar Osório, meu genro, que está na Ilha de S. Tomé”. Desde ali que o serviço
público começa a fazer os “arrumadinhos”.
Na carta de Caminha, depois de descrever a primeira missa cantada (e nesta missa não
estava só o frei Henrique, havia uns oito padres e frades, inclusive um que ia ser vigário
em Calicut e mais uns seis ou oito seculares, padres de São Pedro), depois de descrever a
primeira missa cantada sob o pálio da Ordem de Cristo e à sombra da cruz sobre a qual
estavam as armas do rei, o escrivão oficial da armada afirma sobre a terra brasileira e seus
índios: “contudo o melhor fruto que dela se pode tirar parece-me que será salvar esta
gente.” (Será que salvaram?). Esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela
deve lançar.
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Estamos vendo que o enfoque da missão era político. Dilatar o império religioso, aumentar
a fé salvando as almas. Deus sabe como e quantas almas foram salvas.
Camões, o imortal poeta de OS LUSÍADAS, faz pequena referência ao Brasil lá na frente do
cântico X e noutro lugar parece que fala em Terra de Santa Cruz. Veja que importância
Portugal deu ao Brasil. Quando Camões escreveu a grande obra o Brasil já estava
descoberto e ele não ia cantar a epopéia da América e sim os feitos de Gama, daquele
pessoal que foi para a África, dobrou o Cabo, etc. Mas, percebe-se o pouco caso que se
dava à descoberta recente.
Mas Camões começa aquelas duas primeiras estrofes, que vou repetir aqui, dizendo que a
meta dos feitos portugueses tinha por objetivo dilatar o império. Camões começa imitando
Virgílio, com as mesmas palavras.
Ele diz: As armas e barões (barões é varão) assinalados. Aquilo mesmo que Virgílio já
tinha dito, e não sei se imitando também um pouquinho Homero.
Mas, o que interessa aqui é comentar o texto da estrofe:
As armas e os barões assinalados
Que da praia ocidental lusitana
Por mares nunca navegados
Passaram ainda além da Probana
E em perigos de guerras esforçados
Mais do que prometia a força humana
Entre gente remota edificaram
Novos reinos que tanto sublimaram
E também as memórias gloriosas
Daqueles reis que foram dilatando
A fé e o império e as terras viciosas
De África e Ásia andaram devastando
E aqueles que por obras valerosas
Se vão da lei da morte se libertando
Cantando espalharei por toda parte
Se tanto me ajudarem engenho e arte.
O que chamo a atenção é que o poeta situa a grande empresa como dilatar as fronteiras do
império, que era tão grande, e sobretudo as fronteiras da fé. Conclusão: a Fé e o Império
andam casados.
Percebe-se dos textos citados que a conquista da terra da gente brasileira obedeceu a um
desígnio político da corte lusa, que almejava, ao mesmo tempo, dilatar as fronteiras do
grande império sobretudo na África, na Ásia e na Oceania. O Cristianismo era um apoio
político para alargar o império. A história registra, mesmo na epopéia da conquista da
Paraíba, como a Igreja, através das grandes Ordens Religiosas (os jesuítas, os carmelitas,
franciscano e beneditinos), aqui chegara e na primeira hora. Com a catequese do
aldeamento ajudou a dilatar o império na Paraíba. Basta lembrar que os primeiros
carmelitas e beneditinos que vieram para o Brasil se destinavam à Paraíba. Há mesmo
quem afirme que Piragibe salvou a conquista da nossa terra (e a gente sabe que Portugal e
Espanha lutaram quase dez anos e não passaram de Goiana, ou quando passavam
voltavam correndo) só botaram o pé aqui depois que Piragibe, o guerreiro e o estadista,
cujo nome acho que devia ser dado a essa cidade e não outro, Piragibe. Está dito que
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Piragibe teria sido batizado antes de se apresentar a Olinda; para fazer a intermediação
diplomática, já era batizado por um jesuíta. Se é verdade, vale a pena fazer a pesquisa.
É bom, porém, não esquecer que esse interesse da coroa portuguesa em propagar a fé nas
plagas brasileiras tinha um suporte logístico no chamado Instituto do Padroado, que
certamente foi uma herança maldita que caiu sobre a cátedra de Pedro, que se esquecera
da severa advertência de Cristo de que não se deve confundir o Reino de Deus com o Reino
de César. Lá no drama da paixão Pedro puxa uma peixeira (no Evangelho fala em espada,
mas Pedro era pescador, decerto era uma peixeira) e Cristo pede para Pedro guardá-la,
dizendo: “meu Reino não é deste mundo, Pedro”. Sem deixar de dizer que era rei, mas ele
confirma que era rei diante de Pilatos. Pilatos fez duas perguntas a Cristo, uma de ordem
política e outra de ordem filosófica. – Que é a verdade? Cristo não deu resposta. Mas,
quando perguntou: – “Você é rei?” Cristo respondeu: “Sim, só que meu reino não é deste
mundo”.
Pois bem, Jesus recomenda a Pedro que não confunda o Reino de Deus com o Reino do
Mundo. Com o tempo se conquista o mundo, vem a diáspora, Paulo conquista a Ásia, o
mundo grego e lá vai para Roma. Lá vai para Bizâncio. E aí a Igreja se mistura com o
poder secular, com o poder temporal. Foi um grande erro, porque a Igreja mundanizou-se,
laicizou-se, escravizou-se, paganizou-se. Até pouco tempo a gente via o Papa com três
coroas de rei na cabeça, andava em cima de uma sede gestatória, que durou até o
Vaticano II.
O reino não é deste mundo, mas se transformou no reino de César.
A igreja católica no Brasil, portanto, na Paraíba, tinha dois governos. Um canônico, com o
Papa e os Bispos à frente, e outro imperial, com os reis de Portugal e depois do Brasil, que
também era o Grão Mestre da Ordem Militar de Cristo, no seu comando. Quem comandava
a Igreja era o rei de Portugal, era o rei do Brasil (Reino Unido) e era o Imperador do Brasil.
Isso durou até a República, quando houve a separação da Igreja do Estado. Foi um Deus
nos acuda, mas foi um grande benefício para a Igreja, por que ela se sentiu livre. Aí era a
Igreja de Cristo.
Essa Ordem Militar de Cristo é um resquício das Ordens da Idade Média, dos Templários e
não sei se a Maçonaria não passa por aí. Pelo nome de Grão Mestre é dado ao rei.
Por que essa referência? Por que enquanto rei era Grão Mestre? Porque enquanto rei Grão
Mestre ele era uma espécie de Ministro das Finanças de tudo que se arrecadava em nome
da Igreja, com a denominação de dízimo, para a proteção, propagação, defesa das pias
obras. Havia esses dois governos, simultâneos. Isso foi bom ou mau?
O Edito de Milão, em 313, dá a vitória da Igreja sobre o paganismo. Constantino se diz o
primeiro imperador cristão, mas reza a história paralela que só se batizou velho, porque
que o batismo apaga todos os pecados e ele queria pecar a vida toda para se batizar no
fim. A mãe era uma santa, Santa Helena, a quem a Igreja deve lhe muito, na Terra Santa.
Então Constantino se fez cristão e permitiu que os cristãos professassem a sua fé.
Constantino decreta um Edito, em Milão, dando liberdade aos cristãos.
Para mim o maior benfeitor do cristianismo não foi Constantino, foi Teodósio, o Grande,
porque este, além de dar proteção à Igreja, proibiu o paganismo. Um permitiu o
cristianismo, o outro proibiu o paganismo.
Constantino tinha tanto poder diante da Igreja é era chamado o 13º apóstolo, chamado
também o Bispo de fora, porque havia os Bispos de dentro da Igreja. Mas ele era quem
convocava e presidia os Concílios, nomeava os Patriarcas, Bispos, etc.
Mas em que consiste o padroado? Padroado é como se fosse um instituto jurídico das
fundações. Eu tenho dinheiro e dou uma importância para que se erija uma capelinha e se
nomeie um cura e eu fico mantendo; isso alguém fez. O primeiro colégio jesuíta aqui na
Paraíba foi dado por uma família, um casal. Deu o primeiro dinheiro e aí começou a se
fazer.
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Havia essa maneira de se doar algo para que o benefício fosse criado. Isso em nível de
Igreja Universal e de Império. Logo depois o Sacro Império, com Carlos Magno, toma conta
da cristandade e o Papa sagra o Imperador e o Imperador renomeia o Papa. Há até um
caso curioso numa eleição de Papa. O Imperador mandou os cardeais elegerem o Papa,
num convento perto de Roma. Passaram-se três anos sem sair o Papa. O Imperador
zangou-se e mandou destelhar o convento. No outro dia saiu o Papa.
O padroado, da palavra latina patronatus, que oficialmente entra em vigor em 1270,
consiste na outorga a certas pessoas do direito de apresentar e nomear plebes ou bispos
para cargos eclesiásticos, concorrendo materialmente para a manutenção desses
benefícios. No início a intenção do padroado era piedosa. Entre os séculos XIV e XV a Igreja
concedeu aos reis o direito de exercer o padroado nas terras descobertas e a descobrir.
Pelo Papa espanhol Alexandre VI foi dado o tal direito aos reis espanhóis sobre a América.
Esses monarcas tinham o poder de proibir a criação de igrejas e conventos. Por isso a
gente vê a expulsão de jesuítas. Por que eles faziam isso? Porque eles tinham o poder de
fazer. Por que eles prendem os bispos da Paraíba, D. Vital e Macedo Costa? Porque eles
tinham poder. O Bispo estava desobedecendo a uma lei civil que existia e à qual ele estava
submetido. Dogmaticamente ele estava correto, mas civilmente estava errado.
O padroado foi a grande fonte de malefícios para o Brasil e a Paraíba; embora se tenha
estendido do Brasil Colonial ao Brasil Império, desapareceu com a República através do
decreto de 7 de janeiro de 1890. Cabia aos reis do Brasil conservar e propagar a fé. O
padroado tinha sido conferido ao Imperador do Brasil em 27 pela Bula Preclara Portugalia,
que concedeu este título ao chefe do governo imperial.
Graves problemas surgiram entre a Igreja e o Império, sendo os mais sérios aqueles
citados na Regência de Feijó, que queria criar uma Igreja Nacional e sobretudo na chamada
Questão Religiosa, depois da qual desapareceu o trono e sobrou o altar.
Diante desses fatos que permeiam a catequese dos índios e nada se fez pelos escravos (é
curioso como os jesuítas brigaram e fizeram muito bem pelos índios, mas não se vê nada
feito com respeito aos negros, os escravos). A catequese dos índios foi feita. Não sabemos
o que teria sido do Brasil sem as Ordens Religiosas dos jesuítas. Capistrano disse que não
se pode escrever a História do Brasil sem se escrever a História dos Jesuítas. Não só os
jesuítas. Porque tivemos cinco grandes conventos e até geograficamente a gente vê. É
curioso como uma cidade tão pequena, a cidade tinha 10 mil almas, com cinco conventos.
Todos localizados um perto do outro.
Vocês já foram à igreja da Nossa Senhora da Guia, depois da recuperação? Vale a pena
como passeio e visita cultural. É admirável como dentro daquela mata, onde só havia
maloca de índio, aldeamento, os carmelitas criaram uma obra de arte como aquela.
Aí a gente pergunta: sem as Ordens Religiosas na Paraíba teríamos o acervo cultural que
temos? Sem a assistência médica das Santas Casas, o que teria sido das populações? Era o
rei? O rei nada fez. A educação, quem fez foram os jesuítas nos colégios.
Nós podemos criticar a metodologia da catequese aqui na Paraíba, e no Brasil, porque
havia culturas que deviam ser respeitadas. Mas o aculturamento que se fez para se
cristianizar estas massas, por todas as nossas nobres Ordens Religiosas, a meu ver,
deformaram muita coisa. Essa cristianização tinha que respeitar as características da
cultura. Sei que melhor fazer isso do que não ter feito nada.
Na Paraíba há uma coisa curiosa. Dois chefes de poderes desmancharam igrejas para
fazerem palácios. D. Adauto e outro, em 30. Quando entrei no Seminário para estudar, vi
uma escadaria que subia do claustro para o primeiro andar feita com taboas do forro da
igreja. Quanto se perdeu? Não foi só uma igreja ou duas. E as outras estão caindo aí sem
nenhuma proteção. Houve quem construísse de uma maneira que a gente lamenta, mas se
fez alguma coisa.
Quero concluir fazendo algumas indagações, cuja resposta deixo a critério de cada um.
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A verdadeira semente do Reino de Deus foi plantada no Reino de Portugal, ou o Evangelho
serviu mais à corte do que à conquista das almas?
Os frades trabalhavam pela conquista das almas, estavam a serviço da autêntica
cristandade, ou porque eles eram remunerados pelo dízimo do padroado?
A cultura dos índios e dos negros foi preservada pelo projeto da pedagogia da conquista?
Sem a presença da Igreja, o Reino de Portugal e depois o Império do Brasil teriam cuidado
da educação, da saúde e da organização social dos índios, dos escravos e dos proletários
dos campos e das cidades?
Quem saiu ganhando nas lutas da conquista do interior paraibano, quando as fazendas
eram fundadas com frades? Quem saiu ganhando nessas lutas, a Igreja ou o Reino?
Quem teve razão na questão religiosa? O Bispo paraibano ou o Império? (o Império era o
padroado).
Qual o lado positivo do Quebra-Quilos? Foi uma revolução política ou religiosa?
Como se comportou a Igreja na Inquisição da Paraíba?
Por que a Igreja não cuidou dos negros como cuidou dos índios, e hoje cuida dos sem
terra?
Para a cultura e as artes da Paraíba teria sido melhor a ausência da Igreja?
A respeito conheço a opinião de Roger Bastide: O mais puro barroco do Brasil se chama a
Igreja de S. Francisco.
Quem saiu ganhando na República com a separação da Igreja do poder civil?
Qual a contribuição da Igreja na formação dos homens de Estado da Paraíba?
Quantas personalidades passaram por uma formação religiosa específica? Governadores,
presidentes, senadores, reitores, etc.
O que seria melhor? Haver padroado, ou não ter havido padroado?
Quem ajudou mais a Paraíba? Foi o índio catequizado nos aldeamentos ou os negros, que
segundo um Bispo, deviam ser sempre escravos dos brancos?
O que se deveu aos jesuítas e ao Marquês de Pombal na formação do homo paraibenses?
Deve-se alguma coisa ao Marquês de Pombal ou se deve às Ordens Religiosas?
A igreja católica do século XX tem um saldo positivo ou negativo em favor do povo de
Deus?
É só.
···
A fala do Presidente:
Como prevíamos, a exposição do professor Manuel Batista de Medeiros trouxe-nos muita
luz sobre a participação da Igreja na Paraíba, e não só na Paraíba e no Brasil, mas,
também, deu-nos uma visão da ação da Igreja no mundo, com o que nos facilitou entendê-
la na sua atuação nestas plagas.
O expositor criou as condições para podermos conhecer a Igreja, para entender a Igreja
na sua atuação secular.
Ficamos esclarecidos sobre o papel do padroado, um instituto que se, por um lado,
permitiu a expansão da Igreja, por outro trouxe alguns malefícios para sua própria
organização, conforme confessa o expositor.
A importância da catequese dos nossos tabajara e potiguara foi ressaltada nos seus limites.
A exposição do professor Manuel Batista de Medeiros teve, além das novidades que trouxe
Geografia e História da PB
246
a público, a análise crítica isenta sobre a Igreja, mostrando aspectos de sua evolução até
os nossos dias.
Agora, vamos ter uma noção da parte propriamente ligada à Paraíba, através da palavra do
nosso consócio Monsenhor Eurivaldo Caldas Tavares.
Monsenhor Eurivaldo, na minha classificação particular, faz parte da velha guarda da
Igreja. São 50 anos de sacerdócio, passando por várias paróquias do interior do Estado e
terminando na Igreja da Misericórdia, donde se afastou, mas continua firme em uma
capela que a Arquidiocese autorizou funcionar em sua própria residência, onde diariamente
celebra a Santa Missa.
Na sua atividade religiosa foi capelão de várias instituições tais como o Colégio Diocesano
Pio XI, de Campina Grande; Hospital Regional de Sapé; Hospital Napoleão Laureano;
Penitenciária Modelo; Externato Santa Dorotéia. Foi também capelão interino do I
Grupamento de Engenharia e Construção e da Polícia Militar da Paraíba, por onde se
reformou como Major-Capelão.
Monsenhor Eurivaldo exerceu o magistério nas nossas universidades e em vários colégios.
Pertence à Academia Paraibana de Letras e no Instituto ocupa a cadeira nº 26, cujo
patrono é Diógenes Caldas.
Publicou várias obras de valor histórico sobre a Igreja e perfis biográficos sobre as figuras
mais importantes da nossa Igreja, tais como D. Moisés Coelho, João de Deus, Monsenhor
Tibúrcio, Monsenhor Anísio, Mathias Freire e outros, razão por que o convidamos para
participar deste Ciclo de Debates.
Assim, é com satisfação que passo a palavra ao Monsenhor Eurivaldo Caldas Tavares.
···
Debatedor: Monsenhor Eurivaldo Caldas Tavares (Sócio do Instituto e da Academia
Paraibana de Letras, major-capelão reformado da Polícia Militar, ex-professor da UFPB)
O Dr. Manuel Batista de Medeiros, expositor do tema, já deu a lição verdadeira abordando
o assunto que está sendo hoje estudado neste Ciclo de Debates dedicado aos 500 anos do
Brasil. Ele próprio disse que ia seguir uma linha diferente da que comumente fazem os
historiadores, que enfadonhamente citam datas, lugares e fazem muitos detalhes e deixam
a seqüência de acontecimentos sem o estudo crítico, tal como ele fez. O professor Batista
demonstrou que não é apenas um historiador no sentido de colecionar datas históricas,
mas é um homem que interpreta não só a História da Igreja, a História do Brasil, mas a
história mundial.
Fiz um trabalho pequeno, com certo esforço, porque os companheiros sabem que minha
saúde, de algum tempo para cá, me tem dificultado escrever e pesquisar. Isto é um
pretexto para pedir perdão pelo modesto trabalho, que não está à altura da aula de
sapiência do professor Batista.
O que nós temos de bom aqui é o nosso Presidente, com a sua verve sempre atual e que,
de vez em quando faz a gente desopilar, quando a sessão está cansativa e ele diz uma das
boas e a turma acorda. Então, Presidente, quando notar que o trabalho estiver muito
pesadão solte uma das suas para ver se o plenário agüenta.
Lerei para os senhores o trabalho que preparei para este ciclo, dando início à minha
participação.
Em pronunciamento, há algum tempo, da tribuna desta Casa, tivemos oportunidade de,
referindo-nos ao nosso Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, assim nos expressar:
“Fiel a si próprio como intérprete do existir e do viver da terra e do povo tabajarinos,
tornou-se, na verdade, o relicário vivo de suas mais puras e genuínas tradições. No
cumprimento de tão nobres e elevadas tarefas, remove a poeira dos arquivos, confere
datas, revive acontecimentos e neles situa, depois de pacientes e criteriosas pesquisas, a
vida e os feitos de quantos, filhos, ou não da Paraíba estejam de uma forma, ou de outra, a
ela ligados, para apontar seus nomes à veneração e ao reconhecimento da posteridade”.
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Nosso sodalício, justificadamente chamado “Casa da Memória da Paraíba”, cada vez mais
se desdobra em variadas atividades culturais. Não se restringe, apenas às regulamentares
sessões ordinárias de cada mês, mas se expande em múltiplas realizações, divulgadas
através nossos “Boletins Informativos”, ou nos Relatórios da Presidência.
Não resta tempo para se deterem passivos nossos associados, ou estudiosos aficionados de
temas específicos, convidados que são para reuniões extraordinárias, ou assembléias
gerais, bastante concorridas e aplaudidas. Confirmação do que afirmamos, é, por exemplo,
este movimentado Ciclo de Estudos, cujo programa abrange 18 sessões de debates e que
se estende de 15 de setembro a 12 de novembro do corrente ano, e que gira em torno da
temática geral – A PARAÍBA NOS 500 ANOS DE BRASIL.
I – A IGREJA NA PARAÍBA
Este é o tema que tão brilhantemente expôs nosso eminente consócio professor Dr. Manuel
Batista de Medeiros, cabendo-me adicionar algumas modestas achegas, como tarefa que
devo irrecusavelmente cumprir.
Em carta aos seus diocesanos, escrita da Fortaleza de São João, onde se encontrava preso,
nosso conterrâneo D. Frei Vital Maria Gonçalves de Oliveira, que se tornou conhecido por
sua participação na célebre “Questão Religiosa”, destemidamente comentou: “A igreja
nasceu, cresceu e vigorou no seio das perseguições, e, por isso, nada há de recear. Mas o
Estado?”
O futuro, dizemos nós, respondeu com profundas transformações operadas com a abolição
da escravatura, o progresso dos ideais republicanos, os quais mais se intensificaram depois
da guerra do Paraguai (1870), até a Proclamação do Marechal Deodoro, a 15 de novembro
de 1889.
A primeira Constituição Republicana preconizava completa separação entre a Igreja e o
Estado por estar impregnada dos princípios positivistas e contistas; a República impõe a
liberdade dos cultos, a secularização dos cemitérios, a laicização do ensino, o casamento
civil, negação dos direitos políticos aos religiosos, a confirmação da Lei Pombalina que
expulsava os Jesuítas, a vedação de novas ordens Religiosas e seus conventos. Dessa
forma, a República nascente não era menos hostil à Igreja, que o Império.
A reação, porém de nosso Episcopado, através da Célebre Pastoral Coletiva (1890) soou
como solene protesto contra o governo, e sobre as condições de tratamento. Daí, como
conseqüência melhorou a liberdade religiosa, foi abolida a Lei Pombalina, sentindo-se o
revigoramento da vida cristã em todo o País.
Digno de nota foi a nova política de reconciliação diplomática adotada pela Internunciatura
Apostólica inspirada pelo Papa Leão XIII, o qual decidiu reestruturar a Hierarquia Católica
em nosso País. Assim sendo, o Brasil foi dividido em duas Províncias Eclesiásticas, a da
Bahia e a do Rio de Janeiro, de tal sorte que o território que antes abrangia 12 Bispados,
ficou com 16, sendo que cada Província constaria de uma sede Metropolitana e sete
Bispados sufragâneos. Dentro desse quadro, chegou a vez da Paraíba que ficou incluída na
Província Setentrional, juntamente com o Amazonas, enquanto que Vitória e Cuiabá, na
Província Meridional.
II – PARAÍBA – PRELAZIA E DIOCESE
ITINERÁRIO DA PARAÍBA CATÓLICA, estudo por nós publicado, quando da ocorrência do IV
Centenário da Fundação de nosso Estado (1985), registra que o crescimento da Religião na
Paraíba, valeu-lhe, de preferência a Pernambuco ser escolhida sede de uma Prelazia, criada
em 1614. Tal Prelazia, sediada, como foi dito, na Paraíba abrangia, além de seu próprio
território, os das Capitanias de Pernambuco, Itamaracá e Rio Grande do Norte. Seu
primeiro Prelado, nomeado por alvará régio foi o Padre Antônio Teixeira Cabral, cuja
atuação foi considerada regular, pois, apesar das grandes distâncias para percorrer toda a
extensão da Prelazia, criou o prelado diversos Curatos e Paróquias, aumentou o número de
padres, alguns vindos de Portugal e outros, ordenados pelo Bispo da Bahia. O campo era
fértil, o que propiciou ao Papa a criação da Diocese de Olinda, em Pernambuco,
Geografia e História da PB
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abrangendo por terra e mar o Rio São Francisco aonde se limitava com a da Bahia, as
Capitanias da Paraíba e Rio Grande do Norte, até o Ceará, inclusive.
Como viram, a Prelazia não era uma Diocese. O Prelado era um quase Bispo, apenas não
era sagrado Bispo, mas tinha poderes quase iguais aos Bispos.
Finalmente, a Bula Ad universos orbis Eclesias, de 27 de abril de 1892, de Leão XIII diz
textualmente: “Para formar a outra Diocese da Paraíba separamos igualmente para sempre
e lhe designamos o território do mesmo nome e do Estado do Rio Grande do Norte, que
constituem presentemente parte da Diocese de Pernambuco: na cidade da Paraíba
fundamos a sede da Igreja chamada da Santíssima Virgem das Neves a Catedral do
Bispado e elevamos por isso dita Igreja à dignidade de Catedral.
Desta Diocese da Paraíba os limites orientais e setentrionais serão fixados pelo Oceano
Atlântico até a barra do Rio Mossoró. Para o Ocidente os limites serão a cadeia dos Montes
Apodi e Pageú, dos quais será separado da Diocese de Fortaleza. Para o Sul, finalmente, a
Diocese de Olinda pela cadeia “Imburanas” à foz do Rio Goiana serão os seus confins...
Dado em Roma, junto a São Pedro, no ano de 1892, da Encarnação do Senhor, a 27 de
abril, décimo quinto do nosso Pontificado.
III – O PRIMEIRO PASTOR – VIDA E MORTE
Criada que fora a Diocese, os paraibanos esperavam ansiosos seu 1º Pastor. A escolha
recaiu na pessoa do Revmo. Monsenhor Dr. José Basílio Pereira, virtuoso sacerdote do clero
baiano, o qual, por motivo de saúde, renunciou o honroso encargo. Em vista disso, o Santo
Padre Leão XIII elegeu o não menos idôneo Cônego Adauto Aurélio de Miranda Henriques,
Cônego da sede de Olinda e professor catedrático do Seminário Diocesano local. Seu
biógrafo, o ilustrado historiador conterrâneo, Cônego Francisco Lima registra: o Bispo eleito
era natural de Areia. Sentindo-se chamado ao Sacerdócio e ajudado financeiramente por
pessoas amigas e de posses, viajou a Europa, onde cursou em Paris, o Seminário São
Sulpício, o Colégio Pio Americano e a Universidade Gregoriana em Roma, onde se ordenou
Padre aos 18 de setembro de 1870 e onde também foi sagrado Bispo, em 7 de janeiro de
1894 pela imposição das mãos do Eminentíssimo Sr. Cardeal Lúcio Maria Parochi.
A carta saudando seus Diocesanos é da mesma data, constituindo o primeiro elo de uma
cadeia de 41 escritos pastorais que somente terminaria no último, aos 6 de fevereiro de
1914; o Papa Pio X pela Bula “Magis Catholicae Religionis”, ao tempo em que criou a
Diocese de Cajazeiras, elevou a Paraíba à condição de Província Eclesiástica, elevou
igualmente D. Adauto a seu 1º Arcebispo Metropolitano. Em 29 de junho de 1932 o Papa
Pio XI concedeu-lhe como Arcebispo Coadjutor, com direito à sucessão, D. Moisés Coelho,
até então Bispo de Cajazeiras. Alquebrado pelo peso da idade, D. Adauto não renunciou e
permaneceu no Governo Diocesano até a hora de Deus. Contava já então quase 80 anos de
idade; 55 de Sacerdote; 41 de Bispo; e 21 de Arcebispo.
Acometido de infecção pulmonar, recolheu-se ao leito nos últimos instantes cercado por D.
Moisés e diversos Padres que foram sempre seu amparo e sua coroa de glória. Tendo
recebido os sacramento das mãos do seu sucessor e discípulo, D. Adauto entregou sua bela
alma a Deus, ao meio dia da Festa de Nossa Senhora de Assunção, aos 15 de agosto de
1935. Os presentes repetiam em coro o versículo do hino sacro que constituía a legenda de
seu brasão episcopal Iter para tutum – prepara caminho seguro.
Este lema de D. Adauto ainda hoje está inscrito no Palácio do Carmo e no prédio onde até
pouco funcionou A IMPRENSA. Iter para tutum – prepara caminho seguro.
As pessoas que não tinham muitas letras e não conheciam o Latim, sobretudo os pobres e
ignorantes, a quem D. Adauto dava muita atenção e acolhida em sua casa, viam inscrito na
fachada do palácio Iter para tutum e liam Iter para tutúm, e traduziam “entrada para
todos”. Aí todo mundo entrava no Palácio. D. Adauto não tinha porteiro, não tinha
segurança, não tinha nada, nem tinha campainha para chamar. A porta aberta, eles
encontravam D. Adauto sentado numa rede e ao lado uma sacola cheia de medalhinhas de
santos e um depósito com diversas moedas. Aí chegavam os visitantes para tomar a
Geografia e História da PB
249
bênção: “a bênção, seu bispo”. Ele já meio surdo, perguntava o que queria. – A bênção,
seu bispo. – Ah! Está abençoado. Dava uma medalhinha e uma moeda. Era a vida dele, nos
últimos dias em que o conheci. Entrei no Seminário em 1933 e ele morreu em 1935, foram
apenas dois anos de convivência com D. Adauto. Mesmo naquele estado, ele estava
presente em todas as solenidades e presidiu a Semana Santa, até o último ano em que
morreu. Apenas se cansava muito e quando a Mitra estava incomodando sua cabeça ele
chamava Monsenhor José Tibúrcio, que era nosso Reitor e cerimoniário, e dizia: “tira isso
da minha cabeça que não agüento mais. Está muito pesado”. Fiz esse parêntese para
abrandar a leitura do texto.
Continuemos. Velado na Igreja do Carmo, o esquife foi conduzido em procissão por
avultado número de fiéis que assistiram consternados o sepultamento de seu Pai Espiritual,
aos pés da Santíssima Virgem das Neves.
O primeiro local onde D. Adauto foi sepultado foi exatamente aos pés do altar de Nossa
Senhora, lá abriram a sepultura para ele. Eu me recordo de um incidente que ia tendo
certa gravidade se não fosse a presteza de quem o acudiu na hora. O interventor da
Paraíba que está presente estava bem próximo ao local do enterro, distraidamente, ia
caindo na sepultura aberta para o Bispo e foi agarrado a tempo de evitar o acidente.
Posteriormente, tiraram, inexplicavelmente, o corpo de D. Adauto. Sou de opinião que não
deviam ter tirado. Lá estava D. Adauto enterrado sob uma lápide de mármore com os
dísticos em Latim: “Aqui repousa aos pés da Virgem das Neves D. Adauto Aurélio de
Miranda Henriques, 1º Bispo e Arcebispo 1º da Arquidiocese da Paraíba”. São lembranças
que guardo, porque fui testemunha ocular.
Discorrer sobre D. Adauto, 1º Bispo e 1º Arcebispo da Paraíba e o que representa sua obra
evangelizadora que vai de 4 de março de 1894 a 15 de agosto de 1935 é tarefa que
abrange quase metade de um século, que encerra a história de nossa centenária Igreja
Diocesana. Amante das letras e das ciências, nosso Bispo além de abrir colégios na Capital
e no interior, da Paraíba e do Rio Grande do Norte para a educação da mocidade,
estabeleceu um Instituto Superior para a formação do Clero, com sede na Cidade
Episcopal.
Concedeu-lhe o Senhor que ele próprio viesse a colher através dos anos, os sazonados
frutos do zelo apostólico de mais de duas centenas de Padres e de meia dúzia de Bispos
que ele ordenara, espalhados pela Paraíba, Rio Grande do Norte e o Brasil afora. Tudo a
atestar e justificar os títulos de glória do nosso Seminário Arquidiocesano, genuína Escola
do Saber e da Virtude. Não é de omitir-se, seu cuidado pela criação e funcionamento do
Jornal Católico que, por anos, circulou – A IMPRENSA.
IV – D. MOISÉS COELHO – COADJUTOR E 2º ARCEBISPO
D. Moisés Coelho, Padre ordenado por D. Adauto, que o fez Cônego do Cabido e Diretor
Espiritual do Seminário, apontado por ele para o Episcopado, como 1º Bispo de Cajazeiras
em 16 de novembro de 1914, foi o mesmo virtuoso Prelado indicado ao Papa, para tornar-
se seu Coadjutor com direito à sucessão, empossado em 29 de junho de 1932.
Segundo afirma o Cônego Francisco Lima em sua obra SUBSÍDIOS BIOGRÁFICOS (Vol.
III): “Era de mister um Coadjutor que aliasse ao espírito de fé, o zelo da caridade, isto
muito acima das raias comuns. Exigia-se do Coadjutor que conhecesse o terreno,
praticamente, que estivesse familiarizado com todos os seus elementos positivos e
negativos, que houvesse testemunhado as lutas, as reações, as iniciativas, os
empreendimentos que ponteavam a história daquela conquista. Eis a gênese da escolha de
D. Moisés Sizenando Coelho, para Arcebispo Coadjutor de D. Adauto, para 2º Arcebispo da
Paraíba”.
D. Moisés percorreu toda a Arquidiocese em visitas pastorais. Dedicou-se à pregação de
Retiros Espirituais, palestras e conferências, Páscoas coletivas e administração do
Sacramento do Crisma. Esteve presente ao Congresso Eucarístico, em Salvador, na Bahia,
em 1933, como ao Congresso Eucarístico Internacional, realizado em Buenos Aires em
1934. Dominus illuminatio mea era o dístico de seu lema episcopal – O Senhor é a minha
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luz. Guiado por essa luz divina, D. Moisés continuou o longo e fecundo apostolado de seu
antecessor. Durante seu período como metropolita, foram criadas mais duas Dioceses na
área: Caicó/Rio Grande do Norte, em 1939 e Campina Grande (em nosso Estado), em 1949
e a elevação de Natal à dignidade de Arcebispado (1952).
Sua visão do futuro e sua preocupação por novos padres levaram-no a instalar
pessoalmente em todas as Paróquias da Arquidiocese a Obra das Vocações Sacerdotais.
Mesmo apegado pessoalmente às velhas paredes do Seminário de São Francisco, em que
se formara e em que exercera por tempos sua função de orientador de consciência dos
futuros padres, não hesitou em empenhar-se pela edificação de novas e modernas
instalações do Seminário no Bairro do Miramar, e que se tornara sublime aspiração de seu
futuro Bispo Auxiliar, D. Manoel Pereira da Costa.
Um sonho que D. Moisés sempre acalentou, prova dos cuidados paternais que votava por
seus auxiliares, foi edificar para os padres idosos e os que na capital não possuíam casa
própria, ou mesmo local digno onde se hospedassem, quando tivessem de vir a negócios à
cidade, foi organizar a Casa do Padre, à imagem de uma Casa Grande que abrigasse a
família sacerdotal. Foi de veras comovedor, até às lágrimas, o momento em que o pastor
solícito, velho e alquebrado, em uma cadeira de rodas, ser conduzido para benzer,
pessoalmente, sua última realização. Era o legado que deixava em testamento e que teve a
ventura de ver funcionando, antes de morrer. Pena, muita pena mesmo, que, pouco tempo
depois de seu desaparecimento, desaparecesse, por igual, sua obra, alienando-se o prédio,
a que foi dada outra destinação. Seu interesse pela defesa da fé e a difusão da boa
imprensa levou-o a promover intensa campanha por um melhor reaparelhamento do nosso
diário católico A IMPRENSA, que D. Adauto criara. Círculos Operários multiplicavam-se na
capital, bem como receberam novos incentivos as Congregações Marianas e Cruzadas
Eucarísticas Infantis. Organizou a Ação Católica Oficial com a instalação de sua Junta
Arquidiocesana. Já antes, em 1936, promoveu, na impossibilidade de um Congresso
Nacional, uma Semana Eucarística, na capital, com excelentes frutos de fé e devoção dos
fiéis. Para sua administração, além da dedicação de seu Clero, especialmente o Paroquial,
contou D. Moisés com a lealdade e eficiente ajuda de seus vigários gerais, Mons. Odilon
Coutinho e D. Manoel Pereira, que também foi Bispo Auxiliar.
D. Moisés Sizenando Coelho nasceu em Cajazeiras, a 8 de abril de 1877. Ordenou-se a 1º
de novembro de 1901. Serviu no Rio Grande do Norte, em Natal, como Capelão das Irmãs
Dorotéias, Vice-Diretor do Colégio Santo Antônio, Coadjutor da Matriz, ao lado do vigário
Pe. João Maria Cavalcanti de Albuquerque, o qual morreu em odor de santidade e cuja
memória ainda permanecerá na consciência do povo cristão natalense. Na Capital
paraibana, foi Diretor Espiritual do Seminário, Cônego do Cabido, Vice-Diretor Diocesano do
Apostolado da Oração, Diretor da Liga Eucarística Sacerdotal e Redator do jornal A
IMPRENSA. Em 16 de novembro de 1911 foi eleito pelo Papa Bento XV 1º Bispo de
Cajazeiras. Em 22 de fevereiro de 1932, tomando posse no dia 29 de junho do mesmo ano,
foi nomeado Arcebispo Coadjutor, com direito à sucessão. A 15 de agosto de 1935, com a
morte de D. Adauto tornou-se o 2º Arcebispo Metropolitano da Paraíba. A 18 de abril de
1969 expirou placidamente ao Senhor, contando 82 anos de idade; 58, de Padre; 44, de
Bispo; 27 de Arcebispo Coadjutor e 24 de Metropolita.
V – 3º ARCEBISPO METROPOLITANO – BREVE PASTOREIO – RENÚNCIA
O sucessor de D. Moisés, como 3º Arcebispo Metropolitano da Paraíba foi D. Mário de
Miranda Vilas-Boas. Nasceu a 4 de agosto de 1903, na cidade do Rio Grande, Estado do Rio
Grande do Sul. Fez seus primeiros estudos em São Cristóvão, antiga capital de Sergipe.
Sentindo-se chamado à vida sacerdotal, matriculou-se no Seminário da mesma cidade.
Concluídos os estudos eclesiásticos foi ordenado Padre, a 5 de dezembro de 1925 pelo
Bispo D. José Thomaz Gomes da Silva. Foi Cônego do Cabido, Secretário do Bispado e
ainda agraciado com a dignidade pontifícia de Monsenhor. Exerceu o magistério no Colégio
Estadual e no Colégio Nossa Senhora de Lourdes, sendo também sócio fundador da
Academia Sergipana de Letras.
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Escolhido para o Episcopado, foi sagrado Bispo de Garanhuns em Pernambuco aos 30 de
outubro de 1938. Seu lema episcopal foi Sentir cum Ecclesia – Sentir com a Igreja,
enquanto, sua 1ª Carta Pastoral saudando os diocesanos foi considerada documento básico
para o movimento litúrgico e o apostolado leigo no Brasil. Dotado de voz atraente a serviço
de um verbo inflamado, D. Mário empolgou nos Congressos Eucarísticos Nacionais do
Recife, São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Curitiba e na Consagração do Brasil à
Nossa Senhora e em outras ocasiões religiosas e civis de relevante importância, merecendo
ser incluído entre os maiores oradores sacros de nossa Pátria. A 5 de janeiro de 1945 foi
elevado a Arcebispo Metropolitano de Belém do Pará, quando desenvolveu fecundo
apostolado que o projetou mais no cenário brasileiro.
Imortalizou-se, no entanto, na realização do VI Congresso Eucarístico Nacional, no ano de
1953, na capital paraense. Após 12 anos de intenso trabalho apostólico no Norte do Brasil,
começou a sentir abalo em sua saúde, motivado provavelmente pelos rigores do clima
abrasador da região. Foi então transferido para a Bahia como Arcebispo Coadjutor do
Eminentíssimo Sr. Cardeal de Salvador e Primaz do Brasil, com direito à sucessão, em maio
de 1957.
Demorou-se por pouco tempo na Bahia, sendo, a pedido, transferido para a Arquidiocese
da Paraíba, empossando-se a 27 de setembro de 1959. Persistindo os males que lhe
afetavam a saúde, não lhe foi possível exercer os planos e metas que traçou. D. Mário
passou por profundo golpe, que foi o passamento de sua venerada e, para ele, idolatrada
genitora, D. Ritinha. Abatido e triste, encaminhou à Santa Sé novo pedido de renúncia, que
foi aceito em 18 de maio de 1965. Retirou-se, então, de volta a Aracaju, onde foi residir
em casa, que lhe foi generosamente ofertada por um grupo de fiéis amigos e admiradores.
Lá, veio a falecer a 23 de fevereiro de 1968, aos 65 anos de idade, 43 de Padre, 30 de
Bispo e 23 de Arcebispo.
VI – 4º ARCEBISPO – D. JOSÉ MARIA PIRES
Após a renúncia de D. Mário, do Governo Arquidiocesano da Paraíba, em 18 de maio de
1965, seguiu-se longa vacância, em que o mesmo Governo foi exercido pelo Vigário
Capitular eleito, Mons. Pedro Anísio Bezerra Dantas.
Nomeado pelo Papa Paulo VI, no dia 2 de dezembro de 1965 tomou posse em 27 de março
de 1966, o 4º Arcebispo Metropolitano, D. José Maria Pires, nascido em Córregos, Minas
Gerais, aos 15 de março de 1919. Estudou no Seminário de Diamantina, onde se ordenou
Padre em 20 de dezembro de 1941. Exerceu o magistério como Diretor do Colégio em
Governador Valadares. Foi Pároco em Açucena e Curvelo. Escolhido para o Episcopado, em
22 de setembro de 1957, tornou-se Bispo de Araçuaí, escolhendo o lema Scientiam Salutis
– Ciência da Salvação. Ali permaneceu durante oito anos, até a sua elevação ao
Arcebispado da Paraíba.
Sua caminhada em nosso meio se notabilizou pela ação pastoral que, como Padre Conciliar
que foi, do Concílio Ecumênico Vaticano II, fez-se responsável pelas profundas
modificações que a Igreja tem sofrido em sua atuação no mundo contemporâneo, em nível
de documentos de ordem doutrinária, ou de atitudes práticas no âmbito pastoral. Foram 30
anos de convivência em que o Arcebispo D. José deu testemunho de vida, com a força
irresistível de franqueza e coragem de lutar. Pela justiça, pela posse da terra, pela não
violência, pela paz social. Foi um trabalho insano, liderando movimentos que visavam
conduzir nossa Igreja do remanso das elites para a conturbada periferia dos pobres e
excluídos, ou como ele próprio dissera e escrevera: “Do centro para a margem”.
Estimulou, através de Assembléias diocesanas, encontros, visitas pastorais e intereclesiais,
as Comunidades Eclesiais de Base, campanhas de fraternidade, comissão pastoral da terra,
pastorais especializadas: do negro, do índio, e do movimento de promoção da mulher e da
proteção ao menor abandonado. Criou o Centro Cultural São Francisco, incluindo o Museu
Sacro, o Arquivo Eclesiástico, reabriu o Seminário Arquidiocesano. Instalou, em terreno
doado pelas Religiosas de Santa Catarina a nova Casa dos Padres, com ajuda vinda do
exterior, e celebrou o Centenário da Diocese – 1984-1994, com dístico: “Cem anos de
coragem e fé”.
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Em 1975, teve seu Bispo Auxiliar, na pessoa do Sr. D. Marcelo Pinto Carvalheira, o qual,
mais tarde, tornou-se o 1º Bispo de Guarabira, cidade paraibana que se tornando Diocese,
ficou fazendo parte da Província Eclesiástica da Paraíba. Cumprindo disposições emanadas
da Santa Sé Apostólica, por motivo de haver atingido a idade de 75 anos, apresentou ao
Santo Padre, o Papa, o seu pedido de renúncia do ônus episcopal, que aceito, em 29 de
novembro de 1995, tornou-o Arcebispo emérito da Paraíba e Administrador Apostólico
Arquidiocesano até a posse de seu substituto.
VII – 5º ARCEBISPO – D. MARCELO PINTO CARVALHEIRA
Nasceu em Recife a 1º de maio de 1928. Cursou o Seminário de Olinda, onde concluiu o 1º
e 2º graus. Filosofia e Teologia cursou na Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma.
Ordenou-se Sacerdote na Cidade Eterna, aos 28 de fevereiro de 1953. De volta a capital
pernambucana, foi Professor de Teologia no Seminário de Olinda e mais tarde, Diretor
Espiritual do Seminário Arquidiocesano do Recife, na Várzea e ainda Reitor do Seminário
Regional do Nordeste, Olinda e Camaragibe. Ainda como Padre, foi Vigário Episcopal para o
setor de leigos. Já no ano de 1975 foi eleito Bispo, sendo sagrado em João Pessoa, aos 27
de fevereiro, como Auxiliar do Sr. Arcebispo da Paraíba.
Em 1981 foi transferido para a recém-criada Diocese de Guarabira, como Bispo Diocesano,
atuando sempre dentro do seu lema escolhido Evangelizare – Evangelizar, tornou-se
verdadeiro missionário, difundindo o Evangelho entre todas as camadas da sociedade, de
modo mais intenso entre os humildes e os sem vez e sem voz. Durante o período, teve
sempre marcante atuação na C. N. B. B. – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil,
participando pelo Episcopado Brasileiro no Sínodo Universal dos Leigos, em Roma, e na
Conferência Geral do Episcopado Latino-americano.
A 29 de novembro de 1995 foi elevado a Arcebispo, tornando-se o 5º Arcebispo
Metropolitano da Paraíba. Sua posse canônica foi efetuada no dia 14 de janeiro de 1996.
O novo pastor tem procurado dar execução ao Projeto de Evangelização da Igreja no Brasil,
em preparação ao grande Jubileu do Ano 2000, rumo ao 3º Milênio, proposta pela
Conferência Nacional dos Bispos Brasileiros, dentro das reais circunstâncias do nosso meio.
Assim, levando em conta o constante crescimento populacional das regiões suburbanas da
sede episcopal, criou e instalou mais sete Paróquias: No Jardim Planalto, a da Virgem dos
Pobres; no Jardim 13 de Maio, a de Nossa Senhora Aparecida; no Brisamar, a de São Pedro
e São Paulo; na Penha, a de Nossa Senhora de Guadalupe; no Bessa, a da Virgem do
Auxílio dos Cristãos; no Conjunto Castelo Branco, a de São Rafael; no Rangel, a de São
Francisco das Chagas. No interior, foi ainda criada na cidade de Itapororoca a Paróquia de
São João Batista.
Além disso, na Capital, a antiga igreja do secular Mosteiro de São Bento foi reaberta ao
culto público, depois de restaurada, o mesmo acontecendo com o Convento e a Igreja da
Guia, na praia de Lucena. Na praça São Francisco, no centro da cidade, foi instalado o
Convento para as Irmãs do Carmelo, Nossa Senhora Mãe de Deus. A Arquidiocese, com
ajuda financeira do Movimento Internacional “Adveniat”, adquiriu uma casa, bem próxima à
Igreja Catedral, para servir como Residência Episcopal. É de referir-se aqui, o empenho
pessoal do Sr. Arcebispo D. Marcelo, junto à Congregação Romana do Culto Divino no
Vaticano, e até junto ao próprio Papa no sentido de que fosse benignamente aceita sua
súplica de elevar nossa Catedral à dignidade de Basílica Menor, o que, felizmente se
tornou realidade com a assinatura pelo Papa João Paulo II, do Breve Pontifício, datado de 5
de novembro de 1997. Igualmente não é de ocultar-se que essa honrosa conquista dos
católicos paraibanos, principalmente se deve ao nosso Instituto Histórico e Geográfico
Paraibano, que, por ocasião das comemorações do IV Centenário da criação da Paraíba, em
1985, através de proposta nossa, aprovada na oportunidade, enviou correspondência ao
Vaticano pedindo tal privilégio que é ser, hoje, o nosso mais antigo. santuário mariano da
Paraíba a igreja Catedral Basílica de Nossa Senhora das Neves.
Além de altas missões delegadas pela CNBB, nosso Arcebispo foi recentemente em
Assembléia Geral eleito Vice-presidente desse Órgão representativo da Igreja no Brasil, o
que sendo para ele uma honra, lhe acarreta muitos encargos que o obrigam, inclusive, a
Geografia e História da PB
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deslocar-se freqüentes vezes, viajar a Brasília, São Paulo e até Roma. Em decorrência
ainda desses novos encargos tornou-se responsável pelo acompanhamento à vida religiosa
do Brasil.
VIII – CONCLUSÃO
À guisa de conclusão deste nosso estudo sobre A IGREJA NA PARAÍBA, gostaria de
apresentar interessantes e judiciosas considerações sobre o tema deixado escrito, ao
ensejo da ocorrência do centenário da instalação da nossa Diocese (1894-1994) pelo nosso
Arcebispo Emérito D. José Maria Pires, o qual distingue duas fases na Igreja da Paraíba:
1ª fase: Igreja – Poder Religioso ao lado do Estado – Poder civil, compreendendo os
períodos de D. Adauto e D. Moisés. Quer dizer, a predominância era do poder civil sobre a
Igreja, segundo D. José Maria.
2ª fase: Igreja – Progressismo e conservadorismo, que engloba os últimos pastores D.
Mário Vilas-Boas, D. José Maria Pires e, acrescentaríamos, D. Marcelo Carvalheira.
Indaga D. José Maria: Estaríamos iniciando, agora, uma nova fase de Igreja? Estaríamos
saindo da contestação, em que ainda se destaca a imagem da Igreja-Poder e partindo para
um outro modelo, o da Igreja-formadora de consciência, defensiva dos direitos, inspiradora
de esperança e promotora da paz?
É a pergunta de D. José colocada para nossa reflexão.
E assim agradeço e peço mil perdões pela maçada aos presentes. O que vale é minha
intenção de prestar minha colaboração a este Ciclo. Deus lê dentro coração e dentro do
meu coração está, sem dúvida, a minha Igreja da Paraíba, os Bispos com os quais eu servi,
de modo particular, D. Adauto, em cujo período entrei no Seminário; D. Moisés, que me
ordenou padre; D. Mário, que apenas lamento a sua fraqueza física por não ter podido
seguir o seu programa; D. José, com os piparotes que me deu e que eu retribui à altura, e
que hoje é meu amigo (em certo tempo não foi, não; foi meu padrasto e até disse a ele,
porque no meu tempo a gente tinha o Bispo como pai, mas ele foi um padrasto); e D.
Marcelo, que é aquele coração imenso, a quem nós queremos muito bem.
···
A fala do Presidente:
Nosso debatedor mostrou-nos a direção da Igreja na Paraíba, nesses 500 anos de Brasil,
desde quando a Paraíba se transformou na Diocese que abrangia Pernambuco, Itamaracá,
Paraíba e Rio Grande do Norte, em 1614.
O registro da atuação dos nossos Bispos e Arcebispos ficará nos nossos anais. Um trabalho
dessa natureza é necessário para nossa história eclesiástica.
Por outro lado, temos que acentuar o trabalho apresentado pelo professor Manuel Batista
de Medeiros, que deu uma coloração sociológica e política sobre a participação da Igreja na
Paraíba..
Apesar do adiantado da hora, passamos a palavra aos que desejarem oferecer algumas
considerações.
1º Participante:
Marcus Odilon Ribeiro Coutinho:
Gostaria de saber se a Igreja, que foi tão preocupada com os índios do Brasil, se ordenou
algum índio padre?
Manuel Batista:
Foi ordenado um índio, mameluco. Serafim Leite conta uma designação.
Guilherme d’Avila Lins:
Geografia e História da PB
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Quero parabenizar o professor Manuel Batista de Medeiros e o Monsenhor Eurivaldo Caldas
Tavares por suas exposições tão oportunas. Quando o professor Manuel Batista falou sobre
Capistrano de Abreu refleti o seguinte: a um historiador que tenha um razoável
embasamento informativo ele sequer precisa ser católico para perceber a importância da
Igreja católica na formação cultural, artística, social, educacional da nossa sociedade. E
uma prova evidente deste fato é que o próprio Capistrano era ateu. Completamente ateu, e
que sofreu como um condenado quando a filha Honorina resolveu ser freira.. Mas ele disse
que não se poderia escrever a História do Brasil sem primeiro escrever-se a história dos
jesuítas, melhor dizendo, de todas as ordens religiosas. Na Paraíba, por exemplo, a Ordem
da Companhia de Jesus teve um uma influência importante, mas efêmera, porque em dois
segmentos. Desde a campanha da fundação até 1593 e, posteriormente, já no século XVII.
Isso em conseqüência da política pombalina, que pode ter sido de grande renovação e
modernização para Portugal, mas foi um desastre educacional para o Brasil. Porque, até
serem expulsos os jesuítas do Brasil, já se formavam mestres nos colégios da Bahia e Rio
de Janeiro, com toda a pompa semelhante à da universidade de Lisboa. Por isso entramos
num obscurantismo durante um bom período, até que viesse o Seminário de Olinda e se
renovasse todo o processo educacional brasileira. Mas, aqui na Paraíba, posso dar meu
testemunho pessoal de que as coisas vão melhorar, pois, até o momento, minha melhor
ferramenta de fontes primárias para a História da Paraíba é o livro do tombo do Mosteiro
de São Bento, o qual muito pouco tem sido consultado, principalmente para a elaboração
da nossa história colonial. Ainda não foi escrita a história da Ordem de São Bento, na
Paraíba. A Ordem dos Carmelitas também foi importante, mas, lamentavelmente, no zelo
que tiveram em esconder seus livros e fontes com a chegada dos holandeses, resolveram
enterrá-los, ficando totalmente perdidos vinte anos mais tarde. Devemos ressaltar o
trabalho da nossa confreira Glauce Burity, que em sua tese de mestrado falou sobre os
Franciscanos., trabalho esse de grande importância para a nossa historiografia. Quando os
holandeses tomaram conta Paraíba escolheram para sediar o governo o Convento de São
Francisco. E que patrimônio artístico nós temos senão o Convento de São Francisco, a
Igreja de São Bento, a Igreja do Carmo. É a Igreja da Guia, um patrimônio sensacional.
Passou por um processo de recuperação, mas agora precisa entrar num processo de
utilização cultural, ou seja, escrever sobre esses monumentos. Acho que sem a história das
Ordens Religiosas na Paraíba, não temos história, ou temos uma história muito pálida.
Considerações finais do professor Manuel Batista de Medeiros:
Sobre as colocações aqui feitas, posso dizer que ninguém pode calcular o prejuízo da obra
de Pombal em cima da cultura. Para se ter uma amostra, o Brasil para agraciar o rei da
Bélgica teve que fazer um faz de conta que criava a Universidade do Brasil, que na
realidade foi criada neste século. E aí a Universidade podia dar uma comenda ao rei.
Enquanto o Peru, já no século XVII, tinha universidade. Eles não tiveram Pombal.
Quanto a historiadores sem fé, se houver sinceridade na cultura, prescinde-se da fé. No
século passado o Vaticano abriu seus arquivos. E aí, Pastor, um historiador alemão,
protestante, escreveu a história dos Papas em 70 volumes. Então não é preciso ser católico
para escrever sobre eclesiologia católica.
14º Tema
A INQUISIÇÃO NA PARAÍBA
Expositor: Carlos André Macêdo Cavalcanti
Debatedora: Zilma Ferreira Pinto
A fala do Presidente:
Reiniciamos nosso Ciclo de Debates, cujo êxito já está assegurado, segundo os comentários
nos círculos culturais da nossa terra.
O tema de hoje será sobre a INQUISIÇÃO NA PARAÍBA, cujo expositor é o professor Carlos
André Macedo Cavalcanti, que convido para vir participar da mesa dos trabalhos; como
Geografia e História da PB
255
debatedora, teremos nossa confreira Zilma Ferreira Pinto, que também convido para a
mesa.
Tornou-se tradicional fazer a apresentação do expositor, e é com satisfação que apresento
o professor Carlos André Macedo Cavalcanti, que é graduado em História pela Universidade
Federal de Pernambuco; é Mestre e Doutorando em História; é professor de História
Moderna na Universidade Federal da Paraíba; e atualmente está como Diretor de Arte e
Cultura da Fundação Espaço Cultural.
Há dois anos contamos com o concurso de Carlos André quando fizemos um Seminário de
quatro dias sobre a Inquisição, cujo título foi O IMAGINÁRIO DA INQUISIÇÃO. Foi um
evento de grande profundidade, que contou também com o concurso do professor Severino
Silva, da Universidade Federal de Pernambuco.
Por considerarmos o professor Carlos André um dos credenciados estudiosos dessa área,
convidamo-lo novamente para, agora, oferecer aos participantes deste Ciclo seus
conhecimentos e experiência.
Com a palavra o professor Carlos André.
Expositor: Carlos André Macêdo Cavalcanti (Professor de História Moderna na UFPB,
Mestre e doutorando em História pela UFPE; Diretor de Arte e Cultura da Fundação Espaço
Cultural)
Sempre que venho a esta Casa tenho a enorme alegria de encontrá-la na guarda e na
plena atenção aos nossos valores históricos e no culto à memória paraibana e nacional.
Sempre afirmo que o Instituto Histórico e Geográfico Paraibano é, sem dúvida nenhuma,
não só vocacionado, como gabaritado para ser a instituição essencial do trabalho, da
pesquisa histórica no Estado da Paraíba. Assim, reafirmo minha proposta anterior de tornar
realidade, por meu intermédio, se for interesse do Instituto a realização de convênio entre
o Departamento de História e o Instituto, que nos parece ser da vocação de ambas as
instituições. Reafirmo, mais uma vez, que as pontes, os vínculos entre estes dois
grupamentos humanos que analisam a história devem se aprofundar, devem se consolidar
e avançar no sentido de termos um trabalho de maior vulto em conjunto.
Hoje nós teremos duas apresentações sobre o tema. Farei minha exposição com a temática
conceitual e a debatedora oficial, professora Zilma Ferreira Pinto, vai apresentar um
trabalho dela sobre a origem dos cristãos novos e sua importância na História da Paraíba.
Antes de entrar na exposição em si, quero saudar a publicação da Revista nº 31 do
Instituto Histórico.. A Revista permanece presente no debate historiográfico com trabalhos
essenciais, importantes, trabalhos que mostram a meticulosidade e a busca da memória na
pesquisa documental e, em especial, menciono o trabalho sobre a Inquisição na Paraíba, do
professor Luiz Mott, nela publicado. É importante que surjam foros no sentido de pesquisar
e debater a Inquisição. É indispensável que esse debate se aprofunde e se amplie. Durante
muito tempo o tema Inquisição esteve esquecido na historiografia brasileira. Quase tido
como não existente.
Na verdade, entre nós brasileiros, já houve a crença de que a Inquisição não existiu em
nossa História. Oliveira Lima, célebre historiador pernambucano, afirmou “estar livre nossa
história” da ação do Tribunal do Santo Ofício.
A descoberta dos documentos inquisitoriais referentes ao Brasil, no acervo do Arquivo
Nacional da Torre do Tombo, em Lisboa, mudou esta convicção anterior. Sabe-se hoje que
algumas centenas de brasileiros foram processados pelo Santo Ofício, que marcou nossa
cultura com um certo tipo de prática autoritária. A memória atual do ficcional caso de
Branca Dias, na Paraíba, demonstra a força deste passado.
Ainda há pouco pensava no Congresso sobre Inquisição que houve em Lisboa e São Paulo
como algo que deveria ter continuidade. Estive muito tempo na expectativa de receber
uma carta da historiadora Anita Novinsky convidando para o II Congresso sobre a
Inquisição. São 12 anos sem haver a continuidade daquele congresso. Sabemos a
dificuldade para a programação dum congresso como aquele, que durou trinta dias entre
Geografia e História da PB
256
Lisboa e São Paulo, com a participação de pesquisadores do mundo todo, inclusive da
Rússia. E os custos foram enormes. Talvez por essa dificuldade não tenha se realizado o II
Congresso.
Sempre que a gente fala sobre o tema Inquisição, lembro sua semântica, como se referiu
um historiador norte-americano chamado Eduard Peters. No livro dele sobre a tortura, ele
inicia dizendo: “a palavra tortura. uma vez pronunciada, realiza, tanto para quem
pronuncia como para quem ouve, um imenso caldo de emoções”. E, em função disso, a
pesquisa sobre tortura acaba ocorrendo dentro daquilo que chamamos “entropia
semântica”. Entropia é uma palavra da Química: ocorre quando dois elementos químicos se
fundem. Há um momento em que eles não são mais nem um e nem outro, e ainda não são
o terceiro. No caso, a tortura geraria, segundo Peters, essa entropia semântica.
Da mesma maneira ocorre com a Inquisição. A palavra Inquisição, por si própria, já é
suficiente para fazer lembrar uma série de atrocidades, e principalmente a intolerância
religiosa, que durou tão longamente na história do Cristianismo.
Vamos tentar desenvolver nossa análise dentro de uma tendência da historiográfica
contemporânea, cujo porta-voz mais importante, atualmente, é o Dr. Francisco Bittencourt,
da Universidade Nova de Lisboa.
De uns tempos para cá, após a década de 80, que foi um período de uma produção
historiográfica longa sobre a Inquisição, nós começamos a nos questionar a respeito do uso
das fontes documentais.
Já em 1992, sem querer ser precursor desse processo, aqui na Paraíba, no encontro
chamado América 92, que se realizou no Espaço Cultural, nós estivemos numa mesa de
debate em que a professora Anita Novinsky era a debatedora principal, e nós já
colocávamos ali algumas idéias sobre isso que está se tornando o nosso trabalho mais
recente.
Nós dizíamos, por exemplo, que dentro do estudo da Inquisição existe um problema de
fontes. Existe uma imensa dificuldade de fazer uma análise crítica do documento. E existe,
principalmente, uma unicidade de fontes. Raros são os inquisitoriados, raras são as vítimas
da Inquisição sobre as quais nós temos informações sólidas quanto à sua posição religiosa,
quanto à sua possível heresia, fora do processo. Então ficamos restritos ao documento que
a Inquisição nos legou. Eu chamei isso de ditadura do processo. A professora Anita
Novinsky respondeu dizendo que só havia realmente uma fonte para estudar o Tribunal do
Santo Ofício, que é o processo.
Hoje estamos assistindo exatamente a ascensão deste questionamento. Já naquele mesmo
ano o professor Ronaldo Vainfas, professor fluminense, publicou um artigo num desses
livros-compêndios que Anita organizou, em que ele questionava as fontes e o significado da
análise básica sobre o Tribunal como uma monstruosidade.
Hoje, no limiar do novo milênio que se iniciará em 2001, estamos vendo os estudos sobre o
Tribunal do Santo Ofício mudarem amplamente de significado. O maior desafio diante desta
mudança é retornar o olhar sobre as fontes. Procurei trazer para vocês um exemplo de
uma dessas fontes, que é uma tentativa de conhecermos essa ambigüidade e essa
duplicidade sobre o Tribunal do Santo Ofício.
Antes farei duas observações sobre o artigo do professor Luiz Mott, há pouco citado.
Caro presidente Luiz Hugo: o excelente artigo do professor Luiz Mott pode receber duas
pequenas observações para complementar o trabalho dele. Ele cita dois personagens
históricos que pedem uma análise mais aprofundada. Na página 83, da Revista do Instituto
Histórico, ele fala de Manuel Dias Carvalho, que hospedou o padre Gregório Martins
Ferreira em 1654. Nos Apontamentos Biográficos do Clero Pernambucano consta Manuel
Dias Carvalho em 1654 já como primeiro vigário da igreja de São Pedro Mártir, de Olinda.
Isso permite uma análise aproximada. São Pedro Mártir, por quê? Mártir, porque era
inquisidor. Ele foi assassinado pelos hereges que perseguia, no século XIII. Para a igreja de
São Pedro Mártir, em princípio, segundo o próprio Bittencourt, colocavam-se pessoas que
Geografia e História da PB
257
tinham muita aproximação com o Tribunal e que fossem bastante afinadas com os
princípios da Inquisição. Então, este personagem ao mesmo tempo recebe em casa alguém
que está sendo perseguido pelo Tribunal e, no entanto, está nomeado para a igreja de São
Pedro Mártir. Vale então uma pesquisa mais aprofundada a respeito dele. Um outro é
Francisco Pereira, cristão novo que aparece nas listagens de Mott nas páginas 86 e 87 e
que tem um homônimo, ou ele mesmo também nos Apontamentos do Clero
Pernambucano, que é um padre jesuíta expulso de Pernambuco em 1760, na leva de
expulsão dos jesuítas por Pombal, e que poderia ser a mesma pessoa.
Para essas colocações eu me ponho à disposição do Instituto no sentido de encaminhá-las
ao professor, sugerindo uma continuidade.
Retornando à nossa exposição, quero registrar que a Inquisição sempre aparece nos
jornais, nas revistas, na televisão, na mídia, citada no meio de alguma notícia ou ela
mesma como a notícia mais importante. E ela sempre aparece referida como um escárnio
ou monstruosidade. O Tribunal da Inquisição tem os seus sinônimos que foram referidos
recentemente numa matéria publicada no CORREIO DA PARAÍBA, dia 24 de outubro de 99,
intitulada “Bruxas expressam a magia e a força interior femininas”. Lá para as tantas,
fazendo uma observação, a repórter diz: “Ao pensar em uma bruxa, a imagem que se tem
é daquela senhora voando em uma vassoura. Seria engraçado se não fosse tão sério. As
pessoas não lembram da velha Inquisição, onde inúmeras vidas foram tiradas, muitas
vezes sem se provar a culpa da vítima. Tempos longínquos de proibição em que a mulher
deveria casar virgem, servir ao homem sempre com a disposição que lhe fosse possível”.
Essa afirmativa mostra uma expectativa que se tem sobre o estudo do Tribunal do Santo
Ofício. Muitas vezes estuda-se o Tribunal em torno do seu sentido, como uma instituição
que representa um anátema histórico e uma negação do seu próprio tempo. Vamos buscar
a recolocação desse Tribunal através das suas origens mais distantes, mais longínquas. E aí
nós buscamos fazer uma divisão do tempo, que serve para reformular essa visão um tanto
maniqueísta.
Nós dividimos o tempo inquisitorial em duas fases. Uma fase vai da sua fundação ou das
atividades inquisitoriais que se formam na Península Ibérica no final do século XV – a sua
fundação oficial é na década de 30 do século XVI – até 1640 e uma segunda fase vai de
1640 até a sua extinção em 1821. As duas fases nós buscamos dividir segundo conceitos.
A primeira nós conceituamos como a fase da Pedagogia do Medo e a segunda nós
conceituamos como a fase da Pedagogia do Desprezo.
Durante toda a primeira fase, que ocorre no século XVI e primeira metade do século XVII,
a característica central, principal, que carrega o Tribunal do Santo Ofício é aquilo que Jean
Dulumo chamou de “medo obsidional”. É um período, em toda a Europa, não só na Colônia
brasileira, e não é exclusivo de nenhuma das nações, é um período – repito – que se
desenvolve a idéia de que a qualquer momento poderia haver uma degeneração da
civilização. Acreditava-se, por exemplo, no medo que se tinha do mouro invasor, que era
um medo real, porque o mouro muitas vezes tentou chegar ao centro da Europa;
acreditava-se no medo de bruxa, que era um medo muito viável nas expressões mágicas
da cultura naquele momento; acreditava-se no medo do cristão novo, uma figura
imponderável (o cristão novo é imponderável porque nunca se sabe o que ele será, ele não
é só indefinido, mas é também inexorável, ele pode a qualquer momento judaizar alguém);
então se acreditava também no medo do cristão novo; acreditava-se no medo das magias
originais, anteriores à cultura da cristianização. Nesse período de medo obsidional, de
sentimento de cerco, de uma civilização que se sente posta contra a parede e quase
esmagada, nesse período o Tribunal do Santo Ofício foi o realizador, o efetivador de toda
uma cultura de expectativas de que a modificação e a transformação do mundo ocorreriam
com a regeneração da ortodoxia católica. Esse é o primeiro momento. Momento da
Pedagogia do Medo.
O segundo momento nós chamamos de Pedagogia do Desprezo e nele vamos procurar
esmiuçar mais o tema. Ele vai de 1640, na realização de um novo regimento, até 1821,
após o período de reforma do Tribunal do Santo Ofício. Essa é a fase de reconstrução e de
Geografia e História da PB
258
reformulação da intolerância do Tribunal. O que ocorre nessa fase nos interessa mais de
perto porque é nela que se dá a transformação das expectativas que a sociedade tinha
sobre o Tribunal. E é nessa fase que teria ocorrido, na Paraíba, ou pelo menos ocorre na
tradição oral paraibana, o caso de Branca Dias, tão decantado.
Por três séculos os judeus não tiveram sossego em Portugal. O Tribunal do Santo Ofício da
Santa Inquisição processou aproximadamente 52.000 infelizes. Destes, algo em torno de
41.000 devem ter sido judeus e cristãos-novos. Uma das bases de sustentação deste ato
de intolerância está em trechos do próprio Livro Santo, interpretados pelos inquisidores
como sendo uma ordem divina de perseguição aos infiéis judeus. Textos de Isaías e do
Deuteronômio abasteciam os inquisidores.
Essa intolerância chegou ao Brasil. Aqui, fez vítimas e criou um ambiente de medo e
denúncias. O estudo desse período passa pela análise da personagem Branca Dias. Há três
Brancas. Uma delas já tem a existência histórica comprovada: viveu em Pernambuco e foi
processada pela Inquisição como judaizante no século XVI. Há uma outra que teria vivido
em Apipucos (hoje município do Recife), mas sem documentação comprobatória de sua
existência. A Branca que nos interessa teria vivido em Gramame, Paraíba, no século XVIII.
Se Branca Dias não é comprovada historicamente, se ela não existiu historicamente e
realmente ela não tem comprovação de existência ou qualquer documentação, nos
interessa, no entanto, como um objeto básico de memória e como uma exposição essencial
daquilo que a sociedade imagina como tendo sido o Tribunal do Santo Ofício. É memória no
sentido aristotélico.
O momento é muito propício para debatê-la, pois a “nossa” Branca vai para nas telas de
cinema em breve. No novo ciclo de crescimento do cinema brasileiro aparece o projeto do
cineasta Davi Kulock e da roteirista Sílvia Lonh para um filme ficcional sobre Branca Dias. O
filme deverá ser rodado no próximo ano.
Branca Dias é a “personagem” histórica – ainda que ficcional – mais controvertida da
Paraíba. A biografia dela é repleta de fatos contundentes. Sua própria existência é posta
em dúvida. Branca foi, segundo o “Livro de Branca”, de J. Abreu, uma judia vitimada pela
Inquisição. Naquela época – século XVIII – os judeus viviam sob o terror da conversão
forçada decretada desde o século XV, obrigando os “filhos de Israel” a se tornarem cristãos
na marra. Até o Papa chegou a questionar tal obrigatoriedade, mas acabou se deixando
levar pelas pressões do Império Português. Com a conversão, o judeu – que pensava se
livrar da perseguição após ter se convertido – passava a ser tido como cristão-novo ou
criptojudeu, ou seja, cristão nas aparências públicas, mas ainda judeu nos hábitos e no
coração.
A história de Branca é paradigmática. Teria sido vítima da paixão anormal de um padre que
desejava a judia a qualquer preço. Em nome do amor que tinha pelo noivo, também judeu,
Branca resistiu a todas as pressões. A história é marcada pelos mitos que formam o
imaginário da nossa gente. Tendo ou não ocorrido, sob a narrativa heróica está o
mitologema mais caro da alma luso-brasileira: a “saudade do impossível”. Esta saudade
conduz Branca ao embate suicida contra os inquisidores. Ela sabe que não poderá ter uma
vida normal ao lado do seu amado. Sabe que poderá perder tudo para o confisco
inquisitorial. Sabe que só lhe restará “lembrança do que TERIA SIDO a vida sem a
Inquisição”. Mesmo assim, Branca não se entrega às pressões do padre... e morre
queimada por causa de seu destemor.
Nós, brasileiros, buscamos este paradigma heróico em nós mesmos, nos nossos políticos,
nos nossos artistas e até nos jogadores que representam o “país do futebol” na Copa do
Mundo. Branca, tendo ou não existido, leva em si um pouco da nossa alma. Ou, para usar
o termo científico forjado por Arnold Toynbee (um dos maiores historiadores deste século),
Branca Dias diz muito do “espírito de uma época e de um povo”.
Branca teria sido a realização de uma das características do imaginário colonial brasileiro
muito bem definidas pelo antropólogo francês Gilbert Durand. Ele diz que o nosso
Geografia e História da PB
259
imaginário é composto de vários mitologemas e dois desses mitologemas vão nos
interessar especificamente para o estudo da Inquisição.
Num deles ele coloca que a nossa cultura é caracterizada pela saudade do impossível; isso
é realmente a nossa cara. Nesse mitologema haveria uma constante expectativa de retorno
ou de realização daquilo que se sabe impossível. Ele vai no exemplo de S. Sebastião –
sebastianismo – (não vou me alongar sobre ele, o rei que desapareceu e que deveria
retornar) e tenta conhecer a alma brasileira e alma lusitana afirmando essa saudade do
impossível como uma formulação essencial do Tribunal do Santo Ofício. O Tribunal é a
realização do oposto essencial da noção de saudade do impossível. Não se tem saudade
daquilo que é impossível se não houver a realização da impossibilidade. Nossa sociedade
teria, no Tribunal do Santo Ofício, o realizador desta impossibilidade naquele período
(século XVII/XVIII).
O Tribunal do Santo Ofício comporia então uma forma essencial de conhecimento da
própria maneira de ser do brasileiro e do português e dos povos ibero-americanos, já que
ele teria forjado na nossa cultura um dos seus pontos civilizadores essenciais.
E aí a gente entra por outra discussão, que é difícil de admitir e difícil de contextualizar.
Porque como disse no começo da exposição, a idéia de Inquisição surge sempre para o
debate e sempre que estou diante de um plenário, falando sobre Inquisição, eu imagino
que expectativa o plenário tem sobre o tema. Que conceito anterior nós carregamos e
sempre que foi possível captar. Aqui, naquele curso já mencionado, nós fizemos por
escrito. As pessoas chegaram a escrever. Eu distribui um pequeno formulário perguntando
às pessoas o que elas acreditavam o que fosse a Inquisição. Depois dos formulários
prontos concluímos que, mesmo para aquelas pessoas, algumas alunos de história, o
Tribunal não tinha uma explicação histórica essencial, não tinha uma explicação histórica
factual, não tinha uma explicação histórica cabível. Por que? Porque aconteceria como uma
imposição de um grupo diante do resto da sociedade.
Então, a visão durandiana de análise do imaginário permite que a gente comece a
compreender aquilo que talvez nos seja difícil compreender. Que este Tribunal, sendo o
que foi, intolerante, arrogante, engendrando o terror, como engendrou, foi parte da nossa
civilização, foi parte daquilo que nós somos hoje; foi parte dos valores que geraram a
nossa sociedade. Ao contextualizá-lo historicamente, ao trazê-lo de volta àquilo que é
factível, nós fazemos o que Max Weber esclarece muito bem: não é possível analisar um
objeto histórico, a não ser pela suposição de que ele, no momento que ocorreu foi valor
ativamente aceitável, no momento foi valor ativamente bom ou tido como correto. Isso é
que é duro no Tribunal da Inquisição e na análise da Inquisição.
Aí é preciso fazer outras separações ou distinções: como membro dessa cultura herdeira do
Tribunal, dentre outras tantas variáveis, mas também herdeira da Inquisição, e enquanto
membros da fé cristã. Trata-se outro movimento difícil de realizar para poder chegar à
análise do Tribunal, ele mesmo. Eu mesmo, como católico, desde o início foi difícil de
manter-me na fé, que é de mim e da minha família, e ao mesmo tempo analisá-la no seu
momento mais difícil, no seu momento de arrogância, no seu momento de imposição. Essa
é outra distinção essencial de se fazer. É necessário que nós façamos, não que procuremos
a neutralidade em relação ao objeto estudado, mas que procuremos a objetividade.
Conhecê-lo objetivamente e de nada adiantaria, como coloca Petters, aumentá-lo na sua
monstruosidade apenas para denegri-lo, porque, ao fazê-lo, estamos criando algo que não
existiu.
Graças a essa análise durrandiana, da “saudade do impossível”, poderemos fazer algo que
torne, para vocês, uma exposição mais interessante.
Deixamos de lado a análise de casos pontuais e buscamos a análise do documento histórico
como base da mentalidade inquisitorial. Os processos deixam de ser o processo de João, o
processo de José, o processo de Maria, mas o processo organizado e estruturado por
determinado inquisidor ou por determinada mesa inquisitória.
Geografia e História da PB
260
De modo geral, a análise se limita a apanhar o livro falando de uma visão geral do Tribunal
do Santo Ofício, depois faz alguns conceitos e em seguida faz estudos de casos. Francisco
Bittencourt, autor desta obra essencial para o estudo do Tribunal do Santo Ofício, que
ainda está um pouco desconhecida no Brasil, que acaba de chegar por importação –
HISTÓRIA DA INQUISIÇÃO – PORTUGAL, ESPANHA E ITÁLIA – fez toda a sua pesquisa
com um grupo de 45 pesquisadores espalhados nos três países durante um período que
soma dez anos de trabalho e, neste livro, realizou a análise do Tribunal sem analisar um
único caso. Nós não chegamos a esse ponto, nós não radicalizamos tanto, mas vamos
tentar passar para vocês o que seria uma análise simbólica do Tribunal, o que seria uma
análise do imaginário do Tribunal, dele mesmo, não para aqueles que foram inquisitoriados.
Essa é uma idéia essencial. É muito fácil quando nós vamos falar do Tribunal do Santo
Ofício, como faz, por exemplo, o próprio professor Mott, ir à análise dos números.
Encontramos, facilmente, na reação da platéia, aquela decepção com os números. Quantos
foram inquisitoriados? 40, 50, na história do Tribunal na Paraíba? Quantos foram para a
fogueira? (Um aluno da minha disciplina de Inquisição dizia que estava sentindo falta do
churrasco, depois de ler o trabalho). Quem afinal foi queimado? Quantos foram para a
fogueira? Um? Talvez dois, se a gente levar em conta as informações da documentação
que chega nesse Projeto Resgate. Será? Nos números, nas estatísticas, no valor dado ao
que nós chamamos “estatística do sofrimento”, o Tribunal resume-se a um punhado de
gente. Nós buscamos evitar esse reducionismo e partimos para a compreensão da sua
simbologia e do seu significado.
O Tribunal era essencialmente um tribunal moderno, um tribunal do regime absoluto e da
monarquia absoluta. A essência da mentalidade de um inquisidor era a soma entre a
hierarquização da fé e a utilização hierárquica da fé, ou seja, o seu prestígio enquanto
inquisidor, a política que rodeava esse jogo de prestígio e a efetivação dos mitos de pureza
presentes no imaginário da cristandade muito antes da formação do próprio Tribunal.
Buscando, daqui e dacolá, nós chegamos, por exemplo, a algumas citações bíblicas, que eu
vou reproduzir para vocês. E que eram utilizadas pelos inquisidores. Nem tudo que
encontramos poderemos utilizar aqui hoje, porque consultando a co-orientadora da minha
tese sobre as citações que gostaria de fazer, ela não concordou, informando que era contra
o regulamento da feitura de teses. Mas concordou com as citações da Bíblia. Essas
citações bíblicas eram feitas pelos inquisidores. Eram feitas nos processos? Não. Eram
feitas nas correspondências dos inquisidores, pouco estudadas; eram feitas na
documentação relatorial da Inquisição, essa muito menos estudada; eram feitas na visita
que autoridades de outra instituição faziam. Por exemplo, alguém do Vice-reinado presente
em Goa anotou a justificativa teológica apresentada por um inquisidor, isso também nunca
foi levado em conta. O que ocorreu, realmente, nós devemos admitir, é que no momento
em que se abriram os arquivos inquisitoriais no século passado e neste século, e agora na
abertura dos arquivos do Vaticano, os historiadores se fixaram em casos.
Ainda um dia desse vi na ISTO É ou na VEJA alguém dizendo que os arquivos não tinham
sido abertos. Mas na verdade, eles foram, só que a fila é muito grande e as exigências
também. A fila está para o ano 2001. Se você chegar hoje no Vaticano e buscar uma
pesquisa no arquivo a resposta que eles dão, pelo menos me deram por Internet, é para
maio ou junho de 2001, e ainda exigem uma série de apetrechos técnicos e intelectuais de
quem vai visitar. Por exemplo, o domínio absoluto do latim e do latim arcaico na pesquisa
do documento. Mas eles têm razão, senão vai alguém para lá que não sabe, e fica tomando
o lugar de quem sabe. E além disso, eles aconselham (eu fui aconselhado) a ter uma carta
de apresentação de alguém da Igreja. Melhor que antes, que nem uma carta de
apresentação do Papa abria o arquivo. Houve uma evolução muito grande.
Qual a expectativa dos historiadores que estão indo ao arquivo do Vaticano, agora? Mais
uma vez o estudo de casos. Bittencourt teria anunciado que vai com sua equipe para lá e
deverá fazer a análise desses documentos, cujos códices nós vamos ter para revelar e que
são documentos de ação do Tribunal fora dos processos.
Citarei, a seguir, alguns trechos bíblicos como origem do mitologema dessa hierarquização
da fé. São trechos interpretados pelos inquisidores como facilitadores e justificadores da
Geografia e História da PB
261
ação inquisitorial. Não estou dizendo que eles são; foram interpretados assim. O desejo de
interpretar é de cada um.
Vejamos um desses trechos:
“(...) o Senhor espera o momento em que terá misericórdia de vós (filhos de Israel),
e ele exaltará a sua glória, perdoando-vos, porque o Senhor é um Deus de eqüidade;
ditosos todos os que esperam nele. (...) E (antes desse tempo feliz) o Senhor vos
dará o pão da angústia e a água da tribulação; porém, (depois) fará com que
nunca se afaste de ti o teu doutor; e os teus olhos estarão vendo sempre o teu
mestre. E os teus ouvidos ouvirão a sua palavra, quando clamar atrás de ti (dizendo):
Este é o caminho, andai por ele; e não declineis nem para a direita nem para a
esquerda.” (Isaías, 30, 18 e 20 – 21)
Essa observação, feita por um inquisidor em sua correspondência, seria a justificativa da
perseguição aos cristãos-novos, perseguição aos judeus e ele chega até a dizer, com mais
ênfase, com mais determinação do que o próprio Tribunal, principalmente no século XVII
que a Inquisição não deveria ficar restrita apenas aos que já se converteram. Porque vocês
sabem que o Tribunal apenas agia sobre quem se convertia. Em teoria, o Tribunal tinha
como princípio agir sobre cristãos. Aquele que é judeu, que não tem obrigação de respeitar
as normas da cristandade ou do catolicismo, não teria, em teoria, a ação do Tribunal. Uma
vez que ele se converteu, à força, por decreto, em poucos dias, então ele pode ser
perseguido pelo Tribunal da Inquisição e a sua ortodoxia pode ser testada pela Inquisição.
Esse inquisidor vai além e chega a dizer que o Tribunal fez pouco ao restringir-se a isso.
Numa outra dessas correspondências não se encontra o trecho, como se encontrou na
anterior, apesar dos erros, mas se encontra a referência, e na referência modernizada,
nessa nova tradução que os exegetas realizam da Bíblia, com uma edição já existente no
Brasil, desde 1992/93, o outro trecho refere-se assim a um outro assunto semelhante.
Vejamos o trecho:
“Se o teu irmão, filho de tua mãe ou teu filho ou tua filha, ou tua mulher que repousa
sobre o teu seio, ou o amigo a quem amas como à tua alma, te quiser persuadir,
dizendo-te em segredo: Vamos, e sirvamos a deuses estranhos (...), não cedas ao
que te diz, nem o ouças, nem teus olhos lhe perdoem (...), mas logo o matarás; seja
a tua mão a primeira sobre ele, e depois todo o povo lhe ponha a mão. (...)”. “Se
ouvires alguns que dizem: Alguns filhos de Belial saírem do meio de ti, e perverteram
os habitantes da sua cidade, e disseram: Vamos e sirvamos aos deuses estranhos,
que vós não conheceis; informa-te com solicitude e diligência, e, averiguada a
verdade do fato, se achares ser certo o que se disse, e que, efetivamente se cometeu
tal abominação, imediatamente farás passar à espada os habitantes daquela cidade;
e destruí-la-ás com tudo que há nela, até aos gados. Juntarás também no meio
das suas praças todos os móveis que nela se acharem, e queimá-los-ás
juntamente com a cidade, de maneira que consumas tudo em honra do
Senhor teu Deus, e que seja um túmulo perpétuo, e não seja mais reedificada, e
não se te pegará às mãos nada deste anátema, para que o Senhor aplaque a ira do
seu furor, e se compadeça de ti (...).” (Deuteronômio, 13, 6-9 e 12-27. Grifos
nossos.)
Essa busca de fundamentação dentro da Bíblia só não foi maior do que uma outra busca,
da qual nós poderíamos falar mais detidamente se tivéssemos mais tempo, que é a busca
de fundamentação em São Tomás de Aquino. Há outras fontes que demonstram esta
influência até nos seminários da época.
Essas cartas entre inquisidores de tribunais paralelos, que trabalham no mesmo império,
tinham que ter autorização dos superiores e teriam que ter uma autorização permanente
para que elas fossem escritas e, possivelmente, elas fossem censuradas. Mas o fato é que
maior do que a busca de embasamento bíblico para a intolerância religiosa foi a busca do
embasamento em São Tomás de Aquino. Quando Tomás refere-se à mística, no sentido em
que ela se origina dos místicos, não a mística cristã, ele, quando defende, fala de
Geografia e História da PB
262
constrição em torno do Espírito Santo, da ligação do fiel cristão com as regras específicas
da cristandade.
Vejamos uma outra citação da Bíblia, que é uma citação que vale uma interpretação:
“E Balac, rei dos Moabitas, disse-lhe: Vem, e levar-te-ei a outro lugar, a ver se é do
agrado de Deus que tu de lá amaldiçoes o povo de Israel. E, depois de o ter levado ao
cimo do monte Fogor, que olha para o deserto, Balaão, o advinho, disse-lhe: Levanta-
me aqui sete alares, e prepara outros tantos novilhos, e igual número de carneiros.
Balac fez o que Balaão lhe dissera, e pôs um novilho e um carneiro sobre cada altar.”
(Números, 23, 27-30)
Quando vi essa citação pela primeira vez fiquei bastante pensativo em torno dela, sobre o
que ela podia significar. No meio de um processo similar surge a justificativa e a
contextualização dessa citação na cabeça dos inquisidores. Talvez só na cabeça deles
mesmos. O que é que eles buscam aqui? Eles pensam que os judeus, que o povo de Israel,
só poderia ser vencido pela intervenção dos adivinhos, dos feiticeiros, dos mágicos, ou pela
anuência de Deus. Então, num processo ocorreria que uma feiticeira havia sido acusada de
realizar o seu feitiço contra um judeu. Então o inquisidor interpretaria que contra um judeu
podia. Esse é o significado da citação. Ele admite, cascavilha até encontrar algo que
justificasse que contra um judeu, com a permissão de Deus, pode. Ela fez o que fez porque
Deus permitiu. Ela fez o famoso feitiço que impede a realização do ato sexual. O homem
fica incapacitado sexualmente, e que era um processo muito comum nos processos
inquisitoriais e esse impedimento acusatório sobre ela teria sido fruto de uma paixão dela
por ele, incontida, publicizada por ela mesma e não correspondida.
Uma vez que o Tribunal buscava, constantemente e com firmeza permanente. a base
teológica e simbólica da sua ação, devemos concluir, de imediato, que ele não era aquele
monstro que a gente imaginava. Porque a idéia de monstruosidade é a idéia que ocorre de
uma forma absolutamente sem precedentes, sem contexto histórico. O monstro não se
explica. Explica-se a intolerância, porque a gente começa a tentar conceituar
cientificamente. Explica-se o autoritarismo, tentando conceituá-lo. Mas, o monstro, não.
Quando você diz “monstro”, fazemos escapar do seu meio, do seu tempo, da sua época e
entregamos ele de volta ao seu passado.
Os processos subseqüentes que a gente analisa são processos com os quais a gente faz um
paralelo e para os quais a gente está começando agora um projeto de pesquisa na
universidade, chamado o “legado da inquisição”.
Esse projeto tenta comprovar o que estou afirmando. Não foi o monstro que deixou o
legado e o legado está presente. E está presente onde? Então fomos atrás de processos
que já estão conosco, que são da República Brasileira, em que delegados, juizes,
promotores, falam frases que, quando são retiradas do seu contexto e comparadas com
outras frases, dos inquisidores do século XVII, a similitude é grande. Perguntar-se-á: qual
dos dois é o inquisidor? Contra negros, contra índios, contra a religiosidade de origem
africana, principalmente, no Brasil da década de 90 do século passado, das primeiras
décadas deste século e até muito recentemente, realizou-se o retorno, realizou-se a busca
no fundo do baú dos mesmos princípios inquisitoriais. É o que acontece, por exemplo, com
os negros da praça Sinimbu, em Maceió, cujo processo está nos chegando. Em 1928 foram
mortos na rua, porque era coisa de negro, diz o delegado. É o que aconteceu com um
indivíduo que se dizia Zé Pilintra, na década de 40. É o mito interior, a religiosidade afro-
brasileira. Ele diz, eu sou o próprio Zé Pilintra. Foi preso, passou alguns anos preso, no Rio
de Janeiro. Estas nuances de legado que permanecem, fazem com que a gente tenha muito
cuidado ao admitir essa idéia de monstruosidade.
Na realidade, a Inquisição deixou marcas. Seu legado está até hoje nos valores da
sociedade brasileira. Por exemplo: a recente queda do artigo que condenava a quiromancia
no Código Penal Brasileiro é parte de uma longa história de perseguição e sofrimento.
Ao contrário do que possa parecer, aquela não foi uma lei inócua, que tenha deixado as
práticas mágicas à vontade, sendo exercidas “à revelia da lei”. Pensemos nos milhares de
Geografia e História da PB
263
vezes em que a polícia invadiu, destruiu e espalho terror nos terreiros de umbanda e
candomblé. Isto não ocorreu na Idade Média. Aconteceu no Brasil até os anos sessenta,
com ápice entre 1920 e 1950.
Talvez nossa memória seja curta. Quando o legislador colocou aquele artigo – e outro mais
– no Código Penal, estava legalizando uma prática abusiva de intolerância e autoritarismo.
Esta é uma história que vem de longe. Desde o século XIII, as autoridades passaram a
considerar bruxaria como coisa do diabo. Note-se que ainda não existiam feiticeiras no
imaginário ocidental. A diferença entre a bruxa e a feiticeira está no fato de que a primeira
utiliza-se de ervas e raízes para realizar as encomendas boas e más que se lhe fazem. Já a
feiticeira – entidade surgida no século XV graças à imaginação de parte do clero católico –
é uma sócia do demônio, tendo feito um pacto com o príncipe das trevas em pessoa. O
pacto, em geral, passa pela sedução da feiticeira pelo “belzebu”...
As práticas religiosas que foram tidas como feitiçaria podem ter origem no “culto da lua”,
“religião” anterior ao cristianismo e que predominava entre os bárbaros do antigo Império
Romano do Ocidente. No Brasil, as religiosidades africana e indígena foram tidas pelo
colonizador como semelhantes à feitiçaria. E, realmente, a fusão destes mundos ocorreu
durante a colonização.
Mas, a grande “caça às bruxas” não ocorreu na Idade Média. Começou após a Reforma
Protestante, em plena Era Moderna. Entre 1580 e 1700 (grosso modo) milhares de homens
e mulheres morreram nas mãos de inquisidores católicos e protestantes. Manuais de
demonologia foram impressos aos milhares (um fenômeno impressionante para uma época
em que a imprensa acabara de ser inventada!) Aqueles que discordaram desta onda de
histeria foram ridicularizados e até processados.
Quando a onda arrefeceu, o século XVIII assistiu a uma mudança de mentalidade:
lentamente, as práticas mágicas deixaram de inspirar medo e passaram a inspirar
desprezo. “Coisa de ignorante”, diria um nobre. É esta a idéia predominante no Ocidente,
hoje.
A Inquisição foi extinta em Portugal em 1821. Antes, porém, a Intendência de Polícia
copiou boa parte dos princípios inquisitoriais em voga nos anos 80 do século XVIII. Foi por
esta via que a lei chegou ao Brasil. O Brasil independente herdou a legislação portuguesa
de costumes.
Após a República, já no século XX, aqueles ex-escravos empobrecidos andaram ferindo os
ouvidos da gente branca e esnobe das classes abastadas com atabaques, ditos
mandingueiros (coisas de índios?) e crendices desagradáveis para um país que se queria
igual à França.
Resultado: a velha lei foi trazida de volta, para a infelicidade do lado mais fraco desta triste
história. É daí que vem o famigerado artigo do Código Penal banido em 1998.
“Toda História é remorso”, disse Carlos Drumond de Andrade. Esta é uma história que deve
ser relembrada. Aqui, relembramos umbandistas mortos, que foram dilacerados, difamados
e queimados pela polícia de Maceió, numa noite do não tão distante 1928. Seu crime:
reunir-se para cultuar “deuses africanos” num terreiro onde hoje existe a Praça Sinimbu.
Quando vocês forem àquela bonita cidade, sugiro que parem na dita praça para observar e,
quem sabe, orar. E ainda sugiro que seja uma oração de integração e união entre brasis
diferentes e, ao mesmo tempo, já tão aproximados pelo sincretismo.
Mas, na tentativa de entender o Tribunal na sua contextualização, além de fazer uma
análise voltada para esses mártires, como São Pedro Mártir, a que me referi anteriormente
sobre o trabalho de Luiz Mott. Bittencourt fala em São Pedro D’Abués, que é um santo
desconhecido entre nós. D’Abués foi um mártir inquisidor, em Saragoza, na Espanha. A ele
estou dedicando um estudo porque ele é, curiosamente, esquecido. Ele não está no
Dicionário dos Santos do Vaticano. Há muitos Pedros. Ele foi assassinado em Saragoza, por
judeus, dentro da catedral, segundo a tradição, morto com uma pancada na cabeça. Então
ele foi tornado rapidamente, pelo povo, um objeto de louvação; formaram-se filas em
Geografia e História da PB
264
torno da catedral e os judeus acusados de matá-lo foram processados e queimados. Seus
sabenitos foram pendurados dentro da catedral de Saragoza juntamente com as armas que
teriam feito o crime e durante muito tempo as pessoas iam ver. Quando o Papa pediu para
retirar os sabenitos, porque as famílias dos cristãos-novos solicitaram ao Papa a retirada
dos sabenitos, porque era algo que denegria a imagem dos que tinham morrido, o
imperador respondeu que não podia, porque se fizesse isso haveria uma revolta popular no
local. Bittencourt, em torno desses mártires, tenta localizar uma série de iconografias.
Para encerrar nossa argumentação falarei de um desses símbolos, que Bittencourt busca
conhecer e entender, que é muito representativo do Tribunal. Não havendo condições de
exibi-lo com projeção, vocês poderão ver, mesmo de longe, este arco construído em
Lisboa, possivelmente em madeira, no começo do século XVII e chamado Arco dos
Inquisidores. É uma das representações fortes que serviriam para compreender o
significado do Santo Ofício para as autoridades seculares, para o imperador Felipe III, que
passou sob ele, e permitiriam aquela contextualização que evita a concepção da
monstruosidade. Nesse arco, em latim, liam-se várias frases que representam esta
aproximação do Tribunal com o seu tempo. Consta que o rei parou para ler e comentou,
não se diz o que. Havia a seguinte citação constantínica, do período de aproximação com o
poder temporal: “com este sinal vencerás, assim como as pombas e os simples. Oh, luz da
luz, vieste, afinal, admirado através dos anos. Oh, verdadeira coroa (a do rei), que a tua
própria cabeça machuca”.
A idéia de que a realização da intolerância religiosa é algo que machuca a cabeça do rei, ou
seja, de que a decisão de perseguir, de cercear e até queimar é algo que machuca e gera a
infelicidade daqueles que se vêem obrigados a essa tarefa difícil, foi essencial na
construção do imaginário inquisitorial. E é este imaginário inquisitorial que nos faz
compreender o Tribunal no seu contexto histórico e na sua ação, tanto no Brasil quanto em
todo o império português, como uma instituição não apenas aceitável, mas considerada
moralmente louvável pelas pessoas que viveram naquela época.
Com isto encerro minhas considerações sobre o tema.
···
A fala do Presidente:
O professor Carlos André nos deu uma visão elevada do que foi a Inquisição, até
justificando sua implantação por parte da Igreja, em face das circunstâncias do momento
histórico do seu aparecimento.
No seu estilo de professor qualificado fez uma interpretação sociológica e psicológica,
permitindo-nos uma nova conceituação sobre a existência do Tribunal do Santo Ofício. Fez
o exame, a análise profunda de uma instituição que teve sua época, de justificada
presença em determinado momento.
Foi uma excelente colocação para nós, leigos na matéria, permitindo-nos vivenciarmos a
Inquisição de ontem, examinada à luz de novos conceitos.
Agora passaremos a palavra à nossa debatedora professora Zilma Ferreira Pinto. Ela é
formada em História pela Universidade Federal da Paraíba, com especialização em Didática,
e pesquisadora permanente. Pertence ao Instituto Paraibano de Genealogia e Heráldica.
Além de ser uma destacada genealogista, dedica-se ao folclore, com vários trabalhos
publicados nessa área, alguns dos quais teatralizados.
Passo a palavra à professora Zilma Ferreira Pinto.
Debatedora: Zilma Ferreira Pinto (Professora de História, sócia do Instituto Paraibano
de Genealogia e Heráldica, pesquisadora, e dedicada ao folclore)
Parabenizo o professor Carlos André por sua excelente exposição, que ouvi atentamente.
Ao repassar algumas passagens da História, veio-me à mente a passagem de um poema
de Hildeberto Barbosa, no qual ele conceitua a História como o calendário da miséria
universal. Assim falou o poeta. Estaria de pleno acordo com ele se não tivesse uma
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265
perspectiva lírica da História. É assim que eu vejo a História. Numa dimensão lírica, na qual
se desdobra o trágico e o épico. Quero dizer que nessa dimensão lírica é onde se
impulsiona, é onde se realiza a História, onde se manifesta o sujeito histórico, que é
também o seu objeto. O homem nas suas aspirações, com as suas necessidades, suas
carências. E nestas carências e necessidades nós vamos encontrar aquilo que o objeto
principal dessa minha exposição, que é a família, a família que nasce dessa atração entre
os dois opostos, que é o homem e a mulher. Sem essa fração, sem essa união, que uma
manifestação do amor, não haveria o sujeito histórico, não haveria o suceder das gerações,
então não teríamos humanidade e muito menos História.
Vejamos, portanto, as famílias da Paraíba na Inquisição.
A chegada aqui do Santo Ofício, em 1595, não teve muita repercussão porque a população
era muito pequena, foram cerca de 16 denúncias e os casos mais interessantes foram de
bigamia e sodomia, embora tivessem alguns casos judaizantes.
Passemos ao século XVIII, onde poderemos focalizar as famílias de judeus da Paraíba.
Posso mostrar-lhe um impresso, de autoria de Sérgio Maia, onde se vê a Capela do
Engenho Santo André, e onde foram travadas renhidas batalhas contra os holandeses. Hoje
existem apenas ruínas. O Engenho Santo André é hoje a usina de açúcar Santana, no
município atual de Santa Rita, Paraíba. Nesse Engenho Santo André viveu Clara Henriques
da Fonseca, condenada pela Inquisição de Lisboa, em 17 de junho de 1731. Era mãe de
Antônio da Fonseca Rego, morador no Engenho Velho, município de Santa Rita, condenado
em 6 de julho de 1732. Antônio da Fonseca Rego casou com Maria de Valença, natural do
Engenho do Meio, também na várzea do rio Paraíba, também condenada pela Inquisição de
Lisboa em 17 de junho de 1731 e em 20 de julho de 1756 a cárcere e hábitos perpétuos
sem remissão. Foram dois processos. São os pais dele Joana Nunes da Fonseca, casada
com João Soares Filgueira. O casal já era falecido em 1777. Residia na serra do Martins,
Rio Grande do Norte, fugindo da Inquisição portuguesa. São pais dele Florência Nunes da
Fonseca, casada com João Francisco Fernandes Pimenta. Abandonando o refúgio da serra
do Martins, o casal foi residir em Catolé do Rocha, na Paraíba, no início do século XIX. Três
filhas do casal casaram com dois filhos de Antônio Ferreira Maia. Cosma casou com
Francisco Alves Maia, ela falecida em 2 de março de 1827, ele falecido em 5 de agosto de
1831. Damiana casou com Manoel Alves Ferreira Maia, foi sua primeira mulher e Maria, a
terceira filha dos descendentes judeus, também casou com o cunhado, o viúvo Manoel
Alves Ferreira Maia. Grande parte da família Maia do Catolé do Rocha tem como herança o
sangue dos hebreus, que se perpetua através dos tempos em todas as partes do globo
terrestre. Américo Sérgio Maia, autor destes apontamentos a que agora me refiro, é
descendente de Cosma e Damiana por parte de pai e parte de mãe.
Aí vocês vêem um depoimento muito bonito, que Sérgio Maia, de saudosa memória, leu
aqui numa reunião do Instituto de Genealogia e Heráldica, do qual foi presidente e
fundador.
Por aqui vocês vêem a dimensão lírica da História, o emocionante disso tudo, abrangendo
um casal e toda uma família vítima da Inquisição, que foi levada para Lisboa e tiveram
destinos trágicos.
Mas, a História continua. Quando falo nessa dimensão lírica é para realçar essa capacidade,
essa potencialidade, a força que vem da própria vida, que nem a Inquisição, nem o
nazismo, nem nenhum regime totalitário é capaz de matar. A vida continua devido a esse
impulso lírico.
Vemos também, dentro da História da Paraíba, o deslocamento de famílias, de núcleos
familiares daqui da Paraíba, do Rio Grande do Norte e do Ceará para o interior, para o
sertão. O que se deu juntamente no século XVIII no momento em que se intensificava o
povoamento do sertão.
E como diz Sérgio Maia, em sua visão grandiosa, que é a continuidade da História do povo
hebreu; não era só a história da Capitania, da história da Província, nem da história do
Brasil, mas da história universal.
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Neste auditório estão presentes vários descendentes dessa família numerosa, que solicito
se levantarem para receberam nossas homenagens.
Conforme ficou acertado com o expositor, professor Carlos André, caberia a mim fazer
alguns registros de famílias atingidas pela Inquisição, na Paraíba.
Assim, quero continuar falando sobre essa família ilustre da Paraíba.
Antônio da Fonseca Rego era filho de Clara Henriques, como vocês viram. Clara Henriques
é uma figura que emociona quando a gente passa a vista no rol dos culpados registrados
no livro de Anita Levinsky, porque ela emerge como a própria figura da máter dolorosa. Ela
era uma senhora de 71 anos, uma matriarca, parente de todo mundo, porque esses
cristãos-novos daqui da várzea da Paraíba eles constituíam uma grande família: os
Fonseca, os Henriques, Nunes, Pereira, Chaves. Mas todos entrelaçados e descendentes de
dois casais que remontam à época dos holandeses. De Ambrósio Vieira, casado com Joana
do Rego, que por sinal se multiplicam essa Joana do Rego, de geração em geração e Diogo
Nunes Tomaz, casado com Guiomar Nunes, que também tem outra seqüência de Guiomar
Nunes. Pois bem, Clara Henrique morava no Engenho de Santo André, ali num sítio
histórico, e ali toda essa comunidade se reunia. Se eles foram processados, não foram
inocentes, porque eles realmente judaizavam. Nas suas reuniões celebravam seus sabás,
os jejuns de expiação e todo o ritual do calendário judaico.
Clara Henriques foi uma grande figura e foi presa quando já era viúva; foi para Portugal e
não voltou. Deve ter morrido. Antônio da Fonseca Rego foi acusado de judaísmo e
feitiçaria. Maria de Valença, que foi processada duas vezes, na primeira foi levada para
Portugal em 1931. Quando foi posta em liberdade não pôde voltar e foi acolhida numa casa
de cristão-novos, por sinal na casa de um irmão do teatrólogo Antônio José da Silva. Como
se sabe, naqueles interrogatórios da Inquisição a pressão era muito grande, e por conta
disso ela denunciou o marido, e quando ele chegou lá denunciou o filho Simão, que deveria
ter uns 15 anos. Simão depois se tornou um olheiro, um espião a serviço da Inquisição. Eu
pergunto, teria sido uma lavagem cerebral? Simão quando foi solto ficou abrigado na
mesma casa onde a mãe estava e denunciou que ela estava preparando o jejum da
expiação. Justamente quando estavam reunidos na casa de um cunhado, para iniciar o
jejum, chega o pessoal da Inquisição e prende todo mundo. É esta a prisão de Clara pela
segunda vez, que já não andava boa do juízo. O processo vai para Roma, demora sete
anos para voltar para Lisboa, sem uma solução em face da sua doença mental. Como não
soubessem o que fazer com ela, mandaram-na para Évora, sendo afinal libertada, tendo
morrido na miséria, mendigando nas ruas de Évora.
Simão foi mandado para o Rio de Janeiro e durante a viagem endoideceu, e ficava dizendo
que era judeu, talvez por remorso, retornando do Rio para Lisboa.
Tem também o processo de Luiz de Valença. Vamos ter notícia de Luiz de Valença porque
ele compareceu no mesmo auto de fé do padre Malagrida, tendo morrido no cárcere.
Com esse relato vocês podem ter uma idéia do que significou a Inquisição na Paraíba.
Outra família que também se tem notícia é a de João Inácio Cardoso Darão. Esse conseguiu
fugir aqui das perseguições, foi para o Ceará e lá se casou com uma moça da família
Alencar, em Barbalha. Depois volta e se refugia em Mari do Seixas, saindo de lá para
Pombal. Era uma família de artesãos, que passaram a arte da ourivesaria para os filhos.
Era uma família pequena. João Inácio era casado com Catarina Liberato de Alencar. Deles
descende o professor Inácio Tavares de Araújo e José Romero Araújo Cardoso, que é
escritor e professor de Geografia em Mossoró. O interessante dessa família é que eles
conservaram na memória familiar a sua ascendência judaica e conservam viva na memória
a história de Branca Dias, da Branca Dias da Paraíba.. Segundo o professor Inácio, na
memória da família (não tem documento) João Inácio e Francisco se diziam que eram filhos
de Simão Dias Cardoso de Araújo, morador no Engenho Velho, nas margens do Gramame.
Ora, esse Simão Dias aqui da margem do Gramame é dado, embora não tenha
documentação, como pai da própria Branca Dias. Estou apenas passando aquilo que colhi
na família.
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No rol de culpados de Anita Novinsky nós vamos encontrar um João Almeida, um Inácio
Cardoso e um Pedro Cardoso, filhos de Francisco Cardoso. Mas esse Francisco Cardoso era
o senhor do engenho, do Engenho Tibiri. Acredito que haja uma relação desses três com
essa descendência de João Inácio Como se vê, a história continua através da família, que
é instituição legítima, primeira da sociedade.
No rol dos culpados de Anita Novinsky, vamos encontrar um Manoel Homem, cristão-novo,
natural do Engenho das Tabocas e morador no Taipu. Viúvo, senhor de engenho, filho de
Antônio de Figueiroa, lavrador de cana. Testemunha: Antônio Nunes Chaves, 12 de maio
de 1732. E nada mais consta.
Mas acontece que no volume II, da NOBILIARQUIA PERNAMBUCANA, vamos encontrar o
seguinte: e o sobredito, Manoel Homem de Figueiroa, que ainda vive em crescida idade, foi
filho de Antônio de Figueiroa, que o era de Jorge Homem Pinto e de sua mulher D. Ana de
Carvalho.
Na mesma fonte encontra-se que Antônio de Figueroa teria nascido em 1634 e Jorge
Homem Pinto falecido em 1651. Poderíamos fazer uma relação entre esse número Homem
constante do rol dos culpados com esse Manoel Homem citado por Borges da Fonseca (fica
em aberto o assunto; trouxe-o apenas para ilustrar).
Manoel Homem foi casado com Margarida de Albuquerque, herdeira do Taipu. Dessa
descendência se encaminha (faltam alguns zeros) para José Lins do Rego.
Esse é o Brasil dos 500 anos, o Brasil das nossas raízes, porque não se pode fazer uma
comemoração, escrever-se sobre a nossa história sem a história das nossas famílias, a
história dos povoadores desses nossos municípios, porque eles é que realmente fizeram a
história.
Outra família: Diogo Nunes Tomaz, esse é o segundo nome. Foi casado com D. Vitória
Barbalha Bezerra, neta por via materna de Duarte Gomes da Silveira. Ele é um ramo do
morgado. Como ela não mostrou arrependimento, foi queimada viva. Ela morava no
Engenho Santo André, mas era pernambucana, tanto que lá é tida como heroína, e nós
também, porque ela morava aqui. Ele era da vila de Serinhaém, e morador na Paraíba. Lá
no rol dos culpados ele é dado sem ofício, já devia ser um homem idoso. Era pai de Diogo
Nunes Tomaz, casado com Catarina Ferreira Barreto, que foi preso em 1729 e vemos,
através de depoimento, porque não houve inventário, que ele era primo da morgada. Tive
uma dúvida, mas o consócio Guilherme d’Avila Lins, que é da família de Duarte da Silveira,
mostrou-me um documento constante dum boletim do Gabinete de Estudinhos de
Geografia e História da Paraíba que comprovam a filiação dela e a sua origem na árvore do
morgado.
Da descendência dela, quem fez um trabalho interessante foi Aderaldo Pontes. Eu trouxe
esse quadro genealógico como também um quadro dos troncos dessas famílias, os quais
poderei distribuir cópia com os interessados, logo após o debate. Esses quadros vão
constar dum trabalho que estou elaborando sobre cristãos-novos.
Continuando pensando no trágico da história, porque no trágico está o lírico e o épico, mas
nessa dimensão maravilhosa, onde se encontra todo o impulso da vida, que faz com que a
história continue e continuemos sonhando, vivendo e lutando por este Brasil, que
assumamos nossas origens, assim como fez o professor Sérgio Maia, com tanta
naturalidade, tanta beleza, porque esta mestiçagem que nós carregamos nos engrandece,
mas também nos dá muita responsabilidade.
Todos nós aqui temos pingos dos cristãos-novos, mas carregamos uma civilização de seis
milênios; nós temos nossa herança gótica, tudo isso trazido pelo português, português que
já era um mestiço, que já trazia o sangue mouro, sangue judeu, o sangue celta e tudo isso
nos foi transmitido, e mais a mestiçagem com o nosso índio e com o africano. Hoje nós
somos senhores de uma cultura fabulosa, duma herança cultural que temos a
responsabilidade e o dever de preservar.
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Por isso que, na minha modéstia, nas minhas limitações, faço tudo para publicar uma
história popular, uma história de trancoso, onde se transmite nossa história, como esta que
está sendo encenada hoje. Uma história maliciosa que outra coisa não é senão a versão
sertaneja ou da caatinga, que eu ouvi em minha terra, lá em Tacima, de Ali Babá e os 40
Ladrões.
Nós temos tanta coisa bonita da herança índia como da herança portuguesa, que é
fabulosa. Amo muito a minha cultura ibérica e toda essa mestiçagem que faz do Brasil o
Brasil do mulato, o Brasil do zambo, do mameluco, do cristão-novo, o Brasil do galego lá
do cariri (onde há muita gente galega), esse Brasil maravilhoso. Nesses 500 anos nós
devemos celebrar a chegada das caravelas? Devemos, sim. Porque marca uma história,
mesmo que tenha havido seis mil anos de história para trás, que tenham estado aqui
muitas civilizações, como querem alguns, mas aquilo foi muito marcante, pois começou um
novo período, e é desse período que nós descendemos. Do aventureiro, do degredado, do
capitão-mor, do marujo, de todos estes que vieram trazendo a sua língua, a sua saudade,
as suas cantigas, suas histórias, seus sonhos e o seu amor. Porque da união deles com as
nossas caboclas, nossas cunhãs e depois com as sinhazinhas, estamos aqui, contando essa
história.
1º participante:
Guilherme d’Avila Lins:
Esse tema da Inquisição, é um tema apaixonante; é um universo em que a gente se
transporta sob qualquer ângulo que se queira abordar. Quando a gente analisa as
denunciações e confissões da primeira visitação do Santo Ofício, sob a responsabilidade de
Heitor Furtado de Mendoça, a gente tem um retalho da história social da terra naquele
período. Os costumes, as tendências religiosas, as desavenças, as brigas familiares,
intrafamiliares e interfamiliares, são uma das coisas mais lindas que tenho como fonte
direta; é como se estivesse assistindo a um filme daquele tempo. Portanto, é muito
apaixonante para mim o tema da Inquisição sobre os mais variados aspectos.
O professor Carlos André falou aqui do terror. Sem dúvida, a Inquisição criava um terror
também para aqueles que a esperavam ou não a queriam que chegasse. Teve uma
passagem da nossa história, em que o protagonista era um filho de João Ramalho, que
disse qualquer coisa semelhante a uma heresia e um padre jesuíta disse: cuidado com a
Inquisição. Ele disse: Eu matarei a Inquisição a flechas. Ele realmente não tinha noção do
que era a Inquisição. E só quem não sabia o que era a Inquisição poderia responder dessa
forma.
Seis meses antes de a Inquisição chegar no Recife, o irmão mais importante da família dos
Nunes, Henrique Correia Nunes, que vivia em Portugal, diz para João Nunes que se desfaça
de tudo e saia do Brasil. Deve ter mandado uma carta semelhante para o Diogo Nunes, que
foi senhor do segundo engenho da Capitania da Paraíba, o Engenho Santo André. João
Nunes não pôde se desfazer porque a essa altura já tinha sido alcançado na Bahia sob um
artigo para ir até lá ser testemunhas, mas na realidade ele caiu numa armadilha. Não é
sem razão que ela possuía três seções inquisitoriais. A seção da profissão de fé, em que a
pessoa mostrava suas convicções religiosas; a segunda seção era de genealogia, que tinha
como base, independente do que ia acontecer na terceira, saber a tessitura familiar para
alcançar aqueles que quisessem alcançar; e a terceira era para avaliar o crime cometido
contra a Santa Madre Igreja. Havia confissões do que existiu e do que não existiu.
Tenho um livro sobre os instrumentos de tortura usados na Inquisição. Era uma coisa
realmente fora do comum. É preciso ter uma cabeça muito patológica para inventar
aqueles instrumentos.
Quando não se conseguia alcançar, por ventura, aquele que a Inquisição queria alcançar, o
indivíduo ia ser relaxado em estátua. Fazia-se um boneco que levava o nome do infeliz
para poder ser queimado.
A Inquisição causava um terror muito grande. A esse respeito tem um aspecto que tem
passado despercebido aqui na Paraíba. O Tribunal do Santo Ofício da primeira visitação
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chegou à Paraíba e foi quase inócua. Tinha pouca gente, tinha um caso de bigamia, um
caso interessantíssimo de bigamia, porque o marido e a mulher eram bígamos. É o cômico
da história. Ele fez duas confissões porque a mulher já tinha feito e ele não sabia, e voltou
para dizer que tinha se esquecido. E era uma figura importante. Era um alto funcionário da
Fazenda Real, escrivão da Fazenda Pública, Antônio da Costa de Almeida.
Foram poucas as pessoas envolvidas, mas há um fato curiosíssimo. Fazia parte do Tribunal
do Santo Ofício, que veio com Heitor Furtado de Mendoça, o frei Damião da Fonseca, abade
do Mosteiro de São Bento de Olinda, a quem o governo da Paraíba estava pedindo para
mandar frades para fundar conventos. E ele, se não me engano, era o presidente do
Tribunal, nesta visitação. No mesmo dia em que aqui chegou, o presidente do Tribunal do
Santo Ofício pede data de terra para fundar o convento. Quem é que não ia dar? Era de
interesse e, agora, de obrigação.
E deu. O regimento mandava que o convento fosse fundado, para valer a doação, em dois
anos. Mas quando os holandeses chegaram aqui em 1634, portanto muitos anos mais
tarde, o lugar do convento de São Bento estava ainda em desenhado, em retângulo,
segundo descreve Elias Herckmans em sua descrição da Capitania, em 1639. Só tinha a
demarcação do terreno. Afinal de contas aquelas terras foram dadas a alguém que
representava o maior terror da época, que era a Inquisição.
Não vejo na Paraíba nenhum caso que se viu na Bahia, na mesma época, como de
feitiçaria do tipo “rito da santidade”. Na Paraíba isso não aconteceu, como também em
Pernambuco.
Fiquei imaginando porque a Inquisição na primeira visitação da Paraíba foi tão boazinha.
Será porque houve o prêmio de consolação do terreno? É possível, porque ela não foi tão
boazinha em Pernambuco.
Carlos André, em aparte:
Esses documentos não estão acessíveis, pelo menos não entravam quando fui aluno do
Colégio em Olinda. Como ex-aluno, eu pedi e disseram que são documentos que, pelo
período, não estão à disposição do público no Mosteiro de São Bento de Olinda. Eles têm a
documentação, mas fica na segunda sala. A primeira sala é livre para o aluno, mas a
segunda sala, não. Foi aí que começou meu interesse. O abade, que era meu professor de
Teologia e Latim, se recusava a falar e comentar e pediu que não falassem mais no
assunto. Dizem que hoje está mais liberal.
2º participante:
João Batista Barbosa:
Primeiro quero me congratular o professor Carlos André pela brilhante exposição. Quero
fazer duas indagações. Primeiro, se a Inquisição durante todo o período de sua existência
foi exercida única e exclusivamente pela igreja ou se o poder oficial, ou por delegação do
Santo Ofício, ou por iniciativa própria exerceu também esse poder em alguma parte do
mundo?
A segunda indagação. O professor classificou a Inquisição em dois períodos. Um até 1642,
se não estou equivocado, e outro até o seu fim. Eu queria saber o que foi exatamente o
que determinou essa diferença, essa divisão.
3º participante:
Monsenhor Eurivaldo Caldas Tavares:
Eu considero uma verdadeira audácia minha, depois de ter ouvido tão grandes mestres
darem lições a todos nós, que eu, padre velho, já no final da carreira, ter a ousadia num
auditório tão seleto pedir a palavra para dizer mais alguma coisa.
Mas, queria apenas a permissão dos nossos companheiros, particularmente aqui eu falo
pelos que estão mais ou menos no meu nível, porquanto o estudo profundo do mestre
Geografia e História da PB
270
Carlos André e aula de genealogia da minha confreira Zilma Pinto, do Instituto de
Genealogia e Heráldica também esteve à altura.
Agora é um representante do clero, que não tenham medo, não é um representante do
Tribunal da Inquisição, mas é um estudioso que, durante o tempo de Seminário e depois
dos seus prolongados 55 anos de sacerdócio, tem realmente vontade de dizer umas
palavrinhas numa linguagem do meu nível. Algumas pessoas, essas eu tenho certeza
porque confessaram a mim próprio, não sabiam coisa nenhuma a respeito da Inquisição.
Os que foram felizardos em ouvir a exposição do mestre Carlos André, como do Seminário
que realizou aqui em conjunto com o Instituto Histórico, já estão bem por dentro. Muitos
diziam: por que essa história de Inquisição? Então me lembrei que tinha umas notinhas
que tinha escritas, pedindo permissão para ler essas noções.
A tarefa da Inquisição era a de inquirir acerca da integridade da fé dos fiéis e se constituiu
em Tribunal Eclesiástico destinado à vigilância da fé e ao combate à heresia.
Foi o Papa Gregório IX que, em 1231, estabeleceu o Tribunal, confiando às Ordens
Religiosas Mendicantes, em especial, Dominicanos e Franciscanos o encargo de punir os
hereges.
Quando num país suspeitava-se de heresia para lá se dirigia o Inquisidor com seus
auxiliares para iniciar o processo. O processo caracterizava-se pelo rigoroso sigilo da
informação, o que fazia com que o acusado desconhecesse seus acusadores; pela negação
de defesa, excluindo a interveniência de advogado; e por último, pelo uso da tortura,
quando o réu não confessava espontaneamente a culpa.
A sentença era proclamada solenemente perante o povo, a que se dava o nome de auto de
fé. Após a leitura da mesma, era logo executada, sendo o inocente posto em liberdade e o
culpado era obrigado a abjurar. Aos contumazes eram aplicadas penas como penitências,
contribuição para obras pias; outras mais pesadas, como flagelação, prisão temporária, ou
perpétua, ou ainda a mais grave, a pena de morte. Esta última não era pronunciada, nem
aplicada pelo Tribunal da Inquisição, mas pelos juizes civis; a Igreja entregava então, o réu
ao braço secular.
Foi sobretudo na Espanha que a Inquisição assumiu mais rigor e foi mais severa, no
combate aos judeus e mouros. Foi então que se deixou converter em instrumento, muitas
vezes, de perseguição religiosa-política, citando-se o exemplo do celebrado dominicano
Thomás de Torquemada.
Os excessos cometidos pelos inquisidores, mesmo quando pressionados por multidões
apaixonadas, por interesses baixos de cobiça, ou por ódio à heresia, não podem ser
negados, nem muito menos, merecer defesa. Aliás as próprias características do processo
que eram a negação da liberdade, atentavam contra a justiça e a caridade cristã, o que
tornam indefensáveis os seus erros.
Por outro lado, a Inquisição precisa ser entendida, colocando-se a mesma no contexto da
época. Com efeito o Código Penal vigente na Idade Média era por demais rigoroso, sendo
comum a aplicação de torturas e a própria morte como castigo para impedir a repetição de
crimes.
É de notar-se que, na época, os tribunais civis puniam com excessivo rigor certos vícios e
crimes, como a sodomia, a bestialidade, as bruxarias, o adultério, a bigamia, o assassínio.
O Brasil nunca sediou propriamente um Tribunal de Inquisição, era sim sujeito à jurisdição
do Tribunal de Lisboa. Este foi criado em 1536, pelo Papa Paulo III.
Sobre sua atuação no Brasil é interessante conhecer o depoimento do autor do livro A
IGREJA NO BRASIL, de Arlindo Rupert, I volume.
Ele escreve à página 273: “Durante o século XVI, conforme notícias que temos, a
Inquisição agiu discretamente; são conhecidos três processos e uma visita do Santo Ofício,
tudo sem maiores conseqüências. Misturavam-se às vezes, fatos reais de índole religiosa,
ou político social com faltas aparentes ou supostas, interesses particulares ou tendências
Geografia e História da PB
271
perniciosas no campo religioso e social. Houve certamente acusações fundamentadas e
dignas de serem examinadas. Mas houve outras que nasciam mais da ingenuidade ou de
antipatias pessoais. Ainda não foi examinado todo o acervo da documentação inquisitorial
que traz, felizmente muitas notícias históricas de real valor. O Clero do Brasil no século
XVI, excetuados alguns jesuítas e talvez algum bispo, mostrou-se pouco prestativo às
exigências inquisitoriais, quase sempre moderado por ocasião de algum processo ou
denunciação.”
Segundo o mesmo autor: “Pelo direito vigente, os Bispos eram, em suas dioceses,
inquisidores da fé. Mas como no Brasil, além dos cristãos-velhos, havia já bom número de
índios e escravos africanos convertidos, o Inquisidor-mor do Reino, Cardeal D. Henrique, a
12 de fevereiro de 1579 passa comissão ao Bispo D. Antônio Barreiros, com faculdade de
inquisidor apostólico para que “possa conhecer das coisas que nas ditas partes do Brasil
sucederem tocantes à Santa Inquisição, sendo as pessoas culpadas dos novamente
convertidos somente e as determine com quais padres da Companhia de Jesus, que das
ditas partes se acharem, especialmente, o Pe. Luiz da Grã, enquanto lá estiver.”
Tratava-se, como esclarece o texto citado, apenas de índios e negros convertidos à fé
católica, aconselhando ao bispo e jesuítas que “usem nisso prudência cristã, moderação e
respeito que se usa de todo o rigor do direito com os já convertidos”.
Deduz-se daqui que o Santo Ofício não era o que muitas vezes pintam os adversários da
Igreja!...
E conclui Arlindo Rupert, à página 284, de seu livro: “Não obstante as falhas que se podem
apontar contra todo e qualquer sistema repressivo, não é lícito nem honesto ver na
atuação da Inquisição ou Santo Ofício somente a face negativa.”
Houve também vantagens para a fé e os bons costumes, evitando-se tolerâncias em
demasia com desvantagens para a pureza da fé ou com tropeços dos mandamentos
divinos, visto que a Inquisição não empregava somente a repressão, mas também a
persuasão para corrigir desvios na fé ou nos costumes. Ademais para muita gente que se
deixa levar mais pelo temor que pelo amor, por muitas causas que não é o caso abordar,
toda ação coercitiva, quando psicologicamente bem orientada pode ter seus reflexos
positivos. Aliás, o Santo Ofício, que era antes do mais um Tribunal Eclesiástico que tinha
em mente mover o culpado a reconhecer seu pecado, detestá-lo e prometer emenda. Só
em casos de pertinácia agia com penas que variavam segundo a gravidade do delito e a
renúncia ao perdão.
No Brasil, felizmente, durante o século XVI, não temos a lamentar a pena capital entre os
nascidos na terra, mesmo quando encaminhados ao Tribunal de Lisboa.
O livro DENUNCIAÇÕES E CONFISSÕES EM PERNAMBUCO – 1593-1595 de autoria do
inquisidor Heitor Furtado de Mendonça, reeditado pelo historiador José Antônio Gonçalves
de Mello, constitui importante documentário contendo o teor inteiro de diversos autos de fé
e revela um verdadeiro retrato dos hábitos, usos e costumes da população brasileira
naquela época, bem como da vida sócio-econômica da Capitania de Pernambuco. Inclui
confissões e denunciações relativas a Pernambuco, Itamaracá e Paraíba.
O original que trata do primeiro auto da Santa Inquisição que se celebrou na Capitania da
Paraíba aos 8 dias de janeiro de 1595, refere textualmente: “No édito da fé dá o senhor
visitador 15 dias de termo para de toda a dita Capitania da Paraíba virem perante ele
denunciar o que por qualquer modo souberem que qualquer pessoa tenha dito, feito ou
cometido contra nossa Santa Fé Católica e que tem a Santa Madre Igreja. E no édito da
graça concede o dito senhor 15 dias de graça e perdão, para que, os que nele vierem de
toda a dita Capitania da Paraíba perante ele confessar suas culpas e fazer delas inteira e
verdadeira confissão, sejam recebidos com muita benignidade e não lhe dê pena corporal
nem penitência pública, nem se lhes seqüestrem nem confisquem seus bens, como melhor
e mais largamente se contém e declara nos ditos éditos”. (Obra citada, páginas 123 a
125).
Geografia e História da PB
272
Tais documentos autênticos contêm entre outras assinaturas, as do Inquisidor Heitor
Furtado de Mendonça, do Governador da Província, Feliciano Coelho de Carvalho, e do 1º
Vigário da Paróquia de Nossa Senhora das Neves, o Padre João Vaz Salém. Registre-se,
ainda, como curiosidade histórica, a existência na época, 1595, não só da Matriz das
Neves, como ainda a Igreja da Misericórdia, de onde saiu solene procissão até a Igreja
Matriz, dentro do ritual da instalação da Visitação Inquisitorial na Paraíba.
Carlos André Cavalcanti, para suas considerações finais:
Quero agradecer, inicialmente, pela colaboração que nos deu, à professora Zilma Ferreira
Pinto, trazendo para esse debate o apoio da Genealogia, que é uma ciência auxiliar da
História. E ela deu uma excelente contribuição ao nosso debate. Agradeço também à
contribuição do historiador Guilherme d’Avila Lins e, especialmente, a segura participação
do Monsenhor Eurivaldo Caldas Tavares, que, sucintamente, traçou um perfil da Inquisição
dentro da sua época.
Antes de responder às questões levantadas pelo Dr. João Batista Barbosa, gostarei de
oferecer alguns subsídios à nossa exposição sobre como funcionava o processo da
Inquisição.
O processo inquisitorial era bastante diferente do processo da justiça comum dos nossos
dias. Tudo se iniciava por uma das três vias: (1) denunciações, (2) confissões ou (3)
determinação da Mesa.
As denunciações eram feitas por qualquer pessoa que fosse ao Tribunal ou a algum
representante dele para denunciar crime cometido por outra pessoa. Os crimes principais
eram criptojudaísmo, conduta moral tida como pecaminosas e feitiçaria.
Quando o sujeito era preso por causa de uma denúncia, tinha que comparecer diante da
Mesa Inquisitorial para ouvir o inquisidor pedir uma confissão. O preso nada sabia sobre o
motivo da prisão, pois estava em vigor o princípio do “segredo da culpa”. Muitos resistiram
em “confessar”. Alguns tinham noção da acusação de forma muito vaga, pois alguma
maledicência de vizinhos ou amigos já lhe era conhecida. Mas a maioria não tinha noção do
que se lhe esperava. Assim, quando o desespero pela insólita situação levava a “confessar”
mentiras, acabava por somar às culpas denunciadas por outrem, aquelas que ele mesmo
estava comunicando de viva voz. Dificilmente poderia o réu acertar com o conteúdo da
denúncia. Assim, o processo virava uma bola de neve.
Caso dramático foi o do cristão-novo Antônio José da Silva, O Judeu.
Chamava-se cristão-novo todo aquele que fosse acusado de praticar o judaísmo às
escondidas. Mas, na verdade, a expressão tem origem nos fins do século XV, quando o
governo português impôs a conversão ao catolicismo de todos os judeus que viviam no
Reino. Após a conversão criou-se a estranha distinção: era tido por cristão-velho aquele
cuja família não tivesse sangue judeu; já os novos cristãos passaram a ter a alcunha que
não haviam escolhido. No caso de O Judeu, houve imenso esforço para confessar aquilo
que os homens de fé desejavam ouvir. Antônio José era teatrólogo. As luzes do século
XVIII ainda não haviam aflorado. Seus versos de poeta brioso não tinham força para livrá-
lo do cárcere. Em um desses versos O Judeu falava “da culpa de não ter culpa”, clara
referência irônica à Santa Inquisição. Na noite em que foi queimado encenava-se em outro
ponto da cidade um de suas peças.
Melhor sorte teve o maçom e jornalista Hipólito José da Costa. Sobre ele, tive a honra de
proferir palestra na Grande Loja Maçônica de João Pessoa. Os maçons do Brasil orgulham-
se deste colega antepassado. Hipólito foi preso no penúltimo decênio de funcionamento da
Inquisição. Eram os primeiros anos do século passado. Enfrentou destemidamente os
interrogatórios, sem denunciar os colegas e sem admitir culpa no fato de pertencer a uma
entidade livre. Hipólito esteve preso por anos em um cubículo frio e estreito. Conseguiu
fugir da cadeia e chegar a Londres, onde se radicou e fundou o jornal Correio Brasiliense.
Retornando às perguntas do Dr. João Barbosa, posso esclarecer que na França, por
exemplo, o ato inquisitorial era totalmente do Estado. Não havia tribunal eclesial. Em
Geografia e História da PB
273
Portugal, no final do século XVIII e início do XIX, a Intendência de Polícia tomava atitudes
tipicamente inquisitoriais. Mas, devemos admitir, a bem da verdade, que, no caso ibérico, a
ação persecutória foi, essencialmente, do Tribunal do Santo Ofício. Veja bem: Não foi uma
ação da Igreja como um todo, mas especificamente do Tribunal.
Quanto à classificação das duas fases da Inquisição moderna, ressalto que a mentalidade
dos inquisidores diante do feitiço determinou a periodização que eu criei e utilizo. Até
meados do século XVII prevaleceu o medo de bruxa. Após este momento foi se formando a
idéia de que as feiticeiras eram apenas pessoas ignorantes, o que levou os homens da fé a
terem desprezo por elas.
···
A fala do Presidente:
Tivemos hoje uma movimentada sessão, em que o expositor, professor Carlos André, e
debatedora oficial, professora Zilma Ferreira Pinto, nos colocaram a par do que foi a
Inquisição do Santo Ofício no mundo, em geral, e na Paraíba, em particular.
A contribuição dos participantes Guilherme d’Avila Lins, João Batista Barrosa e,
principalmente, do Monsenhor Eurivaldo Caldas Tavares, completou o objetivo do nosso
Ciclo de Debates.
Ficamos esclarecidos sobre o conceito moderno daquela instituição, criada pela Igreja para
defender a fé; analisamos a Inquisição contextualizada em sua época; repassamos o mito
paraibano de Branca Dias; revimos a ação e o sofrimento dos cristãos-novos paraibanos;
enfim, convivemos com os medos dos povos católicos dos séculos passados.
Agradeço, em nome do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, pelos importantes
subsídios aqui trazidos à nossa historiografia, pelos participantes deste exitoso conclave.
15º Tema
A MAÇONARIA NA PARAÍBA
Expositor: Hélio Nóbrega Zenaide
Debatedor: Edgar Bartolini Filho
A fala do Presidente:
Vamos dar continuidade ao nosso já importante Ciclo de Debates sobre a participação da
Paraíba nos 500 anos de Brasil com a programação de hoje abordando A MAÇONARIA NA
PARAÍBA.
Componho a mesa com nosso sócio Hélio Zenaide, que será o expositor; com Edgard
Bartolini Filho, Grão Mestre da Grande Loja do Estado da Paraíba; Joacil de Britto Pereira,
presidente da Academia Paraibana de Letras.
Chamo a atenção dos presentes sobre a organização do programa deste Ciclo de Debates.
Primeiro, falamos sobre A IGREJA NA PARAÍBA, depois sobre A INQUISIÇÃO NA PARAÍBA e
agora sobre A MAÇONARIA NA PARAÍBA. Há, portanto, um elo de ligação entre essas
grandes instituições que comportam episódios transcendentais na nossa História.
Hélio Nóbrega Zenaide foi indicado unanimemente pela Comissão Organizadora do certame
para ser o responsável por esse tema. Hélio é bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela
Faculdade de Direito do Recife. Possui vários cursos. Tem um sobre Desenvolvimento do
Brasil, que cursou no Instituto Superior de Estudos Brasileiros – ISEB – e nem sei como
não foi preso em 64; tem curso sobre Desenvolvimento, feito na SUDENE; freqüentou a
ADESG, naqueles cursos que davam garantia de sobrevivência durante a ditadura de 64;
foi Secretário de Comunicação e de Educação do Estado, e é um grande jornalista, tendo
participado do quadro redacional de todos os jornais da capital, inclusive do JORNAL DE
AGÁ, do qual fui o editor, onde ele mantinha uma seção sob o título de RONDA DOS
ARQUIVOS. Hoje é um historiador consagrado, pelos trabalhos que tem editado.
Sendo um maçom da velha guarda, foi convidado para fazer a palestra de hoje.
Geografia e História da PB
274
Passo a palavra do confrade Hélio Nóbrega Zenaide.
Expositor: Hélio Nóbrega Zenaide (Sócio do Instituto Histórico, pesquisador, jornalista):

INTRODUÇÃO

A Maçonaria é uma instituição que procura contribuir para o aperfeiçoamento moral,


intelectual, social, cultural e material do homem, buscando cultivar, sob a égide de Deus –
o Grande Arquiteto do Universo – a prática da fraternidade humana universal, sem
distinção de raça, cor, nacionalidade, pensamento filosófico, ideal político ou religião.
Ela tem por divisa Liberdade, Igualdade e Fraternidade e por lema Justiça, Verdade e
Trabalho.
Prega o amor da pátria e a paz entre todos os povos.
Não é uma instituição política, mas, historicamente, tem contribuído para os grandes ideais
políticos da Humanidade.
A história da Maçonaria na Paraíba deve ser uma expressão de luta pela implantação
desses valores no nosso processo evolutivo.
É sua obrigação fazer-se presente com esses valores em todos os campos da atividade
humana em nosso Estado, no Poder Executivo, no Poder Legislativo, no Poder Judiciário, na
vida intelectual, na vida econômica, na indústria, na agricultura, no comércio, nos
serviços, na vida religiosa, na vida educacional, nas profissões liberais.
Seu objetivo é praticar esses valores na ordem social.
Por tudo isso, a sua bandeira é uma bandeira de esperança de melhores dias para a
Grande Família Humana Universal.
1 . A MAÇONARIA NO BRASIL
Em sua HISTÓRIA GERAL DA MAÇONARIA, Editora Aurora, 1979, assinala Nicola Aslan que
a Maçonaria veio para as Américas com a luta contra o colonialismo e os ideais de
independência e república, aqui se infiltrando através das chamadas sociedades secretas.
Ele diz textualmente (pg. 35):
“No Brasil, o movimento pela independência teve início no seio das sociedades
secretas, que tanto tinham de literárias como de políticas, e das quais algumas
podem ser aqui citadas:
1752 – Associação Literária dos Seletos, no Rio.
1759 – Academia dos Renascidos, na Bahia.
1772 – A Científica, no Rio.
1786 – Academia Ultramontana, no Rio.
1796 – Areópago de Itambé, em Pernambuco.
Mas, de todas essas sociedades secretas, a que maior importância e
celebridade alcançou foi, sem dúvida, esta última. Vários autores ligam o
Areópago à Maçonaria, afirmando-se mesmo que ele estava organizado nos
moldes das Lojas Maçônicas. O seu fundador, Dr. Manoel de Arruda Câmara,
formara-se em Montpellier, na França, cuja universidade, fundada em 1289,
celebrizara-se, principalmente, pelo ensino da medicina. E Montpellier foi um
importante centro maçônico, onde, por volta de 1778, o famoso beneditino
Antônio José Pernety formara o Rito da Academia dos Verdadeiros
Maçons, inteiramente dedicado ao ensino das ciências herméticas.”
Geografia e História da PB
275
Naquela época, nada menos de cinco Lojas Maçônicas estavam localizadas em Montpellier,
de onde o paraibano Manoel de Arruda Câmara trouxe os ideais maçônicos de Liberdade,
Igualdade e Fraternidade, da Revolução Francesa.
Em seu livro O CLERO E A INDEPENDÊNCIA, Dom Duarte Leopoldo, Arcebispo de São
Paulo, escreve a respeito:
“Quase na mesma época, florescia em Itambé o Areópago do dr. Manoel de
Arruda Câmara, centro de estudos, onde se discutiam as idéias mais avançadas
do liberalismo. Chegou-se mesmo a suspeitar que essa sentinela do nativismo
brasileiro, perdida entre os sertões de Pernambuco e Paraíba, contava com o
apoio de homens poderosos, dentro e fora do país, decididamente protegidos
por Napoleão Bonaparte.” ( Conf. Rocha Pombo, HISTÓRIA. DO BRASIL, vol.
VII, pg. 340 ).
Gustavo Barroso, em sua HISTÓRIA SECRETA DO BRASIL, escreve:

“Um dos Arruda Câmara, o botânico, médico, formado em Montpellier,


partidário exaltado das idéias francesas, fundara o Areópago, sociedade
secreta, intencionalmente posto nos limites de Pernambuco e Paraíba, que
doutrinava para a democracia e a revolução maçônica, sementeira de onde
brotaram os grandes movimentos revolucionários do Brasil, no século XX. Do
Areópago provêm a Academia dos Suassuna, a Academia do Paraíso, a
Universidade Secreta, de Vicente Ferreira dos Guimarães, a Oficina de
Iguaraçu.”( vol. I, pg. 205 ).

Na REVISTA DO INSTITUTO ARQUEOLÓGICO PERNAMBUCANO, XIX, 1917, pgs. 171-172,


num trabalho sobre As Sociedades Secretas de Pernambuco, lê-se a transcrição da
seguinte nota de Oliveira Lima:
“A primeira loja maçônica fundada em Pernambuco foi o Areópago de Itambé.
Foi seu fundador Manuel de Arruda Câmara. Faziam parte desta loja desde
1798 entre outros, o irmão de Arruda Câmara, que era médico, como ele, os
três irmãos Francisco, Luís Francisco e José Francisco de Paula Cavalcante de
Albuquerque, o padre João Ribeiro Pessoa de Melo Montenegro, discípulo de
Arruda Câmara, o capitão André Dias Figueiredo, os padres Antônio e Félix
Velho Cardoso, José Pereira Tinoco, Antonio de Albuquerque Montenegro. Em
1801, com a denúncia de conspiração levantada contra os irmãos Cavalcante, o
Areópago foi dissolvido.” – LIMA, Manoel de Oliveira, nota nº XXIII. In.
TAVARES, Muniz, História da Revolução de Pernambuco.
Esse Antonio de Albuquerque Montenegro, citado por Oliveira Lima, era filho do meu
tetravô Francisco Dias de Melo Montenegro, que era primo do padre João Ribeiro Pessoa de
Melo Montenegro, braço direito de Manoel de Arruda Câmara na fundação do Areópago de
Itambé.
Meu tetravô morava no Engenho Oratório, na fronteira de Pernambuco e Paraíba, e o
padre João Ribeiro Pessoa de Melo Montenegro deve ter escolhido o Engenho Oratório para
instalar o Areópago de Itambé porque ali contaria com a hospitalidade de Francisco Dias de
Melo Montenegro. Ele e Arruda Câmara se hospedavam realmente naquele engenho.
Francisco Dias de Melo Montenegro, teve 12 filhos, um deles, meu bisavô Capitão Antero
Francisco de Paula Cavalcante Montenegro, pai do meu avô paterno, senador Apolônio
Zenaide Peregrino de Albuquerque.
Dois filhos dele eram membros ativos do Areópago de Itambé: Antonio de Albuquerque
Montenegro e André. Quando foi esmagada a Revolução de 1817, e o padre João Ribeiro
Pessoa de Melo Montenegro suicidou-se no Engenho Paulista, para não ser preso e
trucidado pelas tropas legais, os filhos de Francisco Dias de Melo Montenegro, com medo
da perseguição e de prisão, fugiram do Engenho Oratório. Meu bisavô, Capitão Antero
Geografia e História da PB
276
Peregrino de Paula Cavalcante Montenegro, embora nascido depois da Revolução, foi
morar em Patos, ali comprando a fazenda Cacimba dos Bois, onde nasceu meu avô.
Vários paraibanos maçons freqüentavam o Areópago de Itambé, como registra Irineu
Ferreira Pinto, e, assim, podemos considerá-lo também paraibano. Até gente de Itabaiana
e de Pilar ia para as reuniões do Areópago de Itambé. Uma dessas pessoas era o padre
Antônio Pereira de Albuquerque, do Pilar, que foi preso e condenado à morte. Ele era da
família de Francisco Dias de Melo Montenegro e do padre João Ribeiro Pessoa de Melo
Montenegro. Outra, era o padre Antonio Félix Velho Cardoso, de Itabaiana. Estas
informações estão em Irineu Ferreira Pinto, no seu livro DATAS E NOTAS PARA A HISTÓRIA
DA PARAIBA, 1º volume.
Eu chamo a atenção para esses detalhes porque alguns historiadores chegam até a negar a
existência do Areópago de Itambé.
O nosso confrade José Octávio de Arruda Mello, por exemplo, inclina-se também por essa
opinião na sua HISTÓRIA DA PARAÍBA; ele chega a dizer que o Areópago não deve ter
existido porque Manoel Arruda Câmara nunca morou em Itambé. Mas isso não é um
argumento que me impressione. André Vidal de Negreiros nunca morou no Morro dos
Guararapes, mas se tornou herói do Morro dos Guararapes.
A Maçonaria foi iniciada, assim, em Pernambuco e Paraíba, através do paraibano Manoel de
Arruda Câmara e lutando por um ideário político de independência e república.
2 – A MAÇONARIA FOI INICIADA EM PERNAMBUCO E PARAIBA ATRAVÉS DO
PARAIBANO MANOEL DE ARRUDA CÂMARA E LUTANDO POR UM IDEÁRIO
POLÍTICO DE INDEPENDÊNCIA E REPÚBLICA.
Com efeito, a Revolução de 1817, em Pernambuco e na Paraíba, coincidiu com um período
de expansão do liberalismo no mundo ocidental. No Brasil, as idéias liberais vinham sendo
propagadas desde os fins do século XVIII, notadamente através das sociedades secretas.
Em Pernambuco, o Areópago de Itambé e várias academias e Lojas Maçônicas foram ponto
de reunião para discussão desse ideário político.
A influência da Maçonaria na propaganda revolucionária foi reconhecida e destacada pelo
desembargador do Tribunal de Alçada, criado para julgar os presos pronunciados na
devassa aberta em 1817. João Osório de Castro Falcão escreveu a Tomás Antonio Vila
Nova Portugal, dizendo que as idéias revolucionárias propagadas desde 1801, cresceram e
se expandiram através das Lojas Maçônicas
E o maçom Domingos José Martins, depois da morte de Manoel de Arruda Câmara, deu
novo impulso à conspiração, com o padre João Ribeiro Pessoa de Melo Montenegro, que
integrou o Governo Provisório da Revolução.
Eles lutavam pela independência, contra o sistema colonial e contra o regime monárquico,
que desejavam ver substituído por uma forma republicana de governo, como acontecera
nos Estados Unidos.
Sobre o Padre João Ribeiro Pessoa de Melo Montenegro, é importante esta confirmação
de uma historiadora pernambucana, citando Tollenare:
“Padre João Ribeiro Pessoa de Melo Montenegro. Nasceu em Tracunhaém, não
longe do Recife. Discípulo de Arruda Câmara, freqüentava o Areópago de
Itambé, onde se iniciou nas “novas idéias”. Professor de desenho e segundo
Tollenare homem instruído e sem fortuna, filósofo e estudioso de ciências, leitor
dos antigos e novos filósofos, aspirava a liberdade por amor e não por
ambição.”
3. DEPOIS DO AREÓPAGO DE ITAMBÉ
Há notícia de que em 1822 foi fundada na capital paraibana uma Loja Maçônica, a LOJA
MAÇÔNICA PELICANO, que teria sido a primeira instalada propriamente na Paraíba. Não
Geografia e História da PB
277
temos, entretanto, maiores informações acerca da LOJA MAÇÔNICA PELICANO, organizada,
certamente, ao calor do movimento da nossa Independência.
Tudo indica que a cruel perseguição movida contra os revolucionários de 1817 esfriou, por
algum tempo, a expansão do movimento maçônico na Paraíba, porque outras Lojas
Maçônicas só vieram a surgir 69 anos depois da fundação do Areópago de Itambé, que se
deu em 1796.
Nem mesmo a fundação do GRANDE ORIENTE DO BRASIL, em 17 de junho de 1822, no Rio
de Janeiro, às vésperas da Independência, e do ingresso de D. Pedro I em seus quadros,
foi capaz de imprimir maior impulso à Maçonaria na província.
Embora o papel da Maçonaria na Independência tivesse sido decisivo e ela saísse
fortalecida do acontecimento, somente 43 anos depois do Grito do Ipiranga os paraibanos
se animariam a organizar as primeiras Lojas Maçônicas no seu território.
4. AS PRIMEIRAS LOJAS MAÇÔNICAS NA PARAIBA DEPOIS DA LOJA MAÇÔNICA PELICANO
Temos notícia de que a primeira Loja Maçônica efetivamente instalada na Paraíba depois da
Independência, foi fundada em 1865, com o nome de LOJA MAÇÔNICA REGENERAÇÃO
BRASÍLICA.
Ela foi instalada nesta capital, quando a Paraíba era governada pelo presidente Sinval
Odorico de Moura e, no mesmo ano, foi fundada ainda a LOJA MAÇÔNICA UNIÃO E
BENEFICÊNCIA, na cidade de Mamanguape.
Em 1873 existiu uma terceira Loja Maçônica – a SEGREDO E LEALDADE – na cidade de
Campina Grande.
Essas Lojas Maçônicas surgem numa época em que, na Paraíba, voltavam as idéias
republicanas e se esboçava o movimento da abolição da escravatura, movimento que, no
Rio de Janeiro, capital do Império, era em grande parte encabeçado pela Maçonaria.
A Lei do Ventre Livre, por exemplo, foi de autoria do Visconde do Rio Branco, Grão Mestre
da Maçonaria.
Foi do maçom Joaquim Nabuco a iniciativa da criação da Sociedade Brasileira Contra a
Escravidão.
Foi o Ministério Liberal presidido pelo maçom José Antônio Saraiva que conseguiu a
aprovação da Lei dos Sexagenários.
Grande defensor da abolição da escravatura, Rui Barbosa era maçom; como era maçom
José do Patrocínio.
Por sinal, naquele tempo, o maçom e grande tribuno abolicionista José do Patrocínio,
cognominado o tigre da abolição, veio à Paraíba, em campanha pela abolição, sendo aqui
festivamente recepcionado pela Maçonaria e pelos adeptos em geral da causa de
libertação dos escravos.
O tigre da abolição foi entusiasticamente aplaudido pelos abolicionistas paraibanos em
1883, ano em que o vice-presidente Antônio Alfredo da Gama e Melo, que era um
abolicionista sincero, assumiu o governo da província.
Era maçom também o poeta dos escravos, Castro Alves, que pertencia à mesma Loja
Maçônica de Rui Barbosa, a Loja América.
E foi do maçom Rui Barbosa a iniciativa do decreto que obrigou todos os maçons brasileiros
que porventura tivessem escravos a libertá-los imediatamente. Isso, três anos antes da lei
que libertou os nascituros.
A LOJA MAÇÔNICA SEGREDO E LEALDADE, criada em 1873, em Campina Grande, marcou
o primeiro grande conflito da Igreja Católica com a Maçonaria na Paraíba.
Geografia e História da PB
278
Em virtude da chamada Questão Religiosa e da prisão de D. Vital, bispo de Olinda, o
vigário de Campina Grande, padre Calixto da Nóbrega declarou guerra à Maçonaria na
Serra da Borborema.
Para reforçar ainda mais o combate, chamou em seu auxílio o padre Ibiapina, missionário
de grande força no seio do povo nordestino..
Eles instigaram, de tal forma, o povo de Campina Grande, contra a Maçonaria, que os
maçons esperavam, de uma hora para outra, uma explosão de fanatismo exacerbado.
E isso não demorou.
J. Leite Sobrinho, pesquisador da história maçônica paraibana, escreveu uma página
relatando o desfecho dessa luta.
Em 1875 surgiu uma nova Loja Maçônica em Campina Grande, a LOJA MAÇÔNICA
VIGILÂNCIA E SEGREDO, e, logo em seguida, uma outra, a LOJA MAÇÔNICA RENASCENÇA.
Era um desafio: mais duas Lojas Maçônicas em Campina Grande?
Chegou outro missionário à cidade, o Frei Herculano e, ao realizar uma Santa Missão,
arrastou o povo às ruas, instigou, invadiu e destruiu a LOJA MAÇÔNICA RENASCENÇA! Isto
no centro da cidade de Campina Grande.
Em 12 de fevereiro de 1877 – ano da mais terrível seca que o Nordeste conheceu até
então – foi fundada, nesta capital, ali no Varadouro, a LOJA MAÇÔNICA CONSTÂNCIA E
LEALDADE, e em 1882, a LOJA MAÇÔNICA LEALDADE E PERSEVERANÇA.
Todas essas Lojas Maçônicas, porém, cerraram suas portas e os seus arquivos se perderam
no tempo.
5. A PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA
Alguns maçons paraibanos se projetaram no movimento da Proclamação da República. Foi
o caso do maçom Aristides Lobo, grande propagandista dos ideais republicanos, e do
maçom senador Coelho Lisboa.
A projeção desses dois propagandistas da República deveu-se, porém, à sua atuação no
plano nacional. No plano estadual, não há notícia de atuação expressiva da Maçonaria em
favor da Proclamação da República.
Vale observar que o marechal Deodoro da Fonseca, proclamador da República, era Grão
Mestre da Maçonaria, como era também maçom Floriano Peixoto, que o sucedeu na
presidência da República.
5. A MAIS ANTIGA LOJA MAÇÔNICA PARAIBANA EM FUNCIONAMENTO
Em 1898, era a Paraíba governada pelo presidente Antônio Alfredo da Gama e Melo,
quando foi fundada a LOJA MAÇÔNICA REGENERAÇÃO DO NORTE, que é a mais antiga Loja
Maçônica da Paraíba em funcionamento.
Ela foi fundada no dia 16 de outubro de 1898 e no ano passado comemorou o seu primeiro
Centenário de existência ininterrupta.
Era um ano terrível de seca, que José Américo de Almeida assim descreveu em A
Bagaceira:
“Era o êxodo da seca de 1898. Uma ressurreição de cemitérios antigos –
esqueletos redivivos, com o aspecto terroso e o fedor das coisas podres. Os
fantasmas estropiados como que iam dançando, de tão trôpegos e trêmulos,
num passo arrastado de quem leva as pernas, em vez de ser levado por elas.
Andavam devagar, olhando para trás, como quem quer voltar. Não tinham
pressa em chegar, porque não sabiam aonde iam.”
A capital paraibana encheu-se de retirantes e flagelados.
Geografia e História da PB
279
Os maçons se reuniram, fundaram a LOJA MAÇÔNICA REGENERAÇÃO DO NORTE e
realizaram uma campanha angariando recursos – roupas usadas e gêneros alimentícios –
para assistirem as vítimas do flagelo.
Muitos desses retirantes ficaram na capital, mesmo quando a seca terminou. Viam-se pelas
ruas velhos flagelados que não tinham mais força para voltar para o sertão e retomar a
luta do campo.
Rebentou novo ciclo de seca em 1912 e o Venerável Mestre da LOJA MAÇÔNICA
REGENERAÇÃO DO NORTE, Joaquim Manoel Carneiro da Cunha, decidiu fundar e fundou
um Asilo para Velhos, o Asilo de Mendicidade que depois tomou o seu nome, Asilo de
Mendicidade Carneiro da Cunha, instituição que ainda hoje resiste ao tempo e é um
patrimônio da Paraíba, agora com o nome da Lar da Providência.
Em 1900 surgiu a Loja Maçônica CARIDADE E SEGREDO, em Itabaiana.
Em 1903, a LOJA MAÇÔNICA UNIÃO CATOLEENSE, em Catolé do Rocha.
Em 1911, na capital, foi criada a LOJA MAÇÔNICA SETE DE SETEMBRO.
A LOJA MAÇÔNICA BRANCA DIAS veio em 1918. E a REGENERAÇÃO CAMPINENSE, em
1923. Em 1927, a PADRE AZEVEDO.
6. SEPARAÇÃO DO GRANDE ORIENTE DO BRASIL E FUNDAÇÃO DA GRANDE LOJA
DO ESTADO DA PARAÍBA.
Até então as Lojas Maçônicas da Paraíba eram vinculadas ao GRANDE ORIENTE DO
BRASIL, fundado no Rio de Janeiro em 17 de junho de 1822.
Mas, em 24 de agosto de 1927, juntaram-se as Lojas Maçônicas BRANCA DIAS, fundada
em 10 de janeiro de 1918, PADRE AZEVEDO, fundada em 24 de julho de 1927, e a
REGENERAÇÃO CAMPINENSE, fundada em 19 de agosto de 1924, e decidiram separar-se
daquela Potência Maçônica, fundando uma outra potência, a GRANDE LOJA MAÇÔNICA DO
ESTADO DA PARAIBA, que hoje conta com quase 40 Lojas Maçônicas espalhadas pelo
território paraibano.
Seu atual dirigente é o Sereníssimo Grão Mestre Edgard Bartolini, convidado para ser o
nosso debatedor de hoje.
Temos hoje na Paraíba três Potências Maçônicas: o GRANDE ORIENTE ESTADUAL DA
PARAIBA, a GRANDE LOJA DO ESTADO DA PARAIBA e o GRANDE ORIENTE DA PARAIBA,
às quais estão jurisdicionadas as dezenas e dezenas de Lojas Maçônicas dos municípios
paraibanos.
7. ACADEMIA PARAIBANA MAÇÔNICA DE LETRAS, ARTES E CIÊNCIAS
No dia 2 de maio de 1998 foi instalada a ACADEMIA PARAIBANA MAÇÔNICA DE LETRAS,
ARTES E CIÊNCIAS, sob a direção do Mestre Maçom João Ribeiro Damasceno e como
secretário o orador que vos fala.
A solenidade foi prestigiada pela presença de delegações da ACADEMIA PARANAENSE
MAÇÔNICA DE LETRAS, ARTES E CIÊNCIAS e da ACADEMIA MAÇÔNICA DE LETRAS,
CIÊNCIAS E ARTES DO NORDESTE DO BRASIL bem como de delegações de Maçons de
Sergipe, Alagoas, Pernambuco e Rio Grande do Norte.
8. A MAÇONARIA DA PARAIBA NOS TEMPOS ATUAIS
Com esse passado de preocupação com o aperfeiçoamento do processo político-social
brasileiro, a Maçonaria, certamente, teria de procurar contribuir para a volta do País ao
estado de direito, depois da Revolução de 1964.
Neste ponto, a Maçonaria da Paraíba contou com uma voz de expressão no Congresso
Nacional, a do nosso irmão maçom senador Humberto Lucena, membro da LOJA
MAÇÔNICA REGENERAÇÃO DO NORTE, jurisdicionada à GRANDE LOJA MAÇÔNICA DO
ESTADO DA PARAIBA.
Geografia e História da PB
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Esse ilustre Maçom paraibano colocou-se, desde a primeira hora, contra os atos
discricionários da Revolução de 1964. Batalhou, sem desfalecimento, pelo processo de
abertura política e participou, na linha de frente, ao lado de Ulysses Guimarães, da
Campanha das Diretas-Já, que teve à sua frente o PMDB, partido a que pertencia, do
mesmo modo que foi também um soldado da linha de frente na eleição do presidente
Tancredo Neves, eleito pelo Colégio Eleitoral, em 15 de janeiro de 1985, última eleição
indireta que, em verdade, marcaria o fim do regime militar.
Outra grande preocupação da Maçonaria da Paraíba na atualidade é com relação à
generalizada corrupção na política e na administração do País. Inúmeros Manifestos têm
sido dirigidos ao Presidente da República pela Maçonaria da Paraíba neste sentido.
Nesses documentos, a Maçonaria da Paraíba insiste para que o Presidente da República
exerça a plenitude da sua autoridade e da sua força para dar um basta a essa vergonha
nacional.
A Maçonaria da Paraíba vem condenando igualmente o abuso do poder econômico no
processo político-eleitoral.
Isso tudo, naturalmente, em função da conjuntura em que vivemos, porquanto o seu
escopo maior é o aprimoramento de todas as potencialidades da Família Humana Universal.
9. OUTROS MAÇONS PARAIBANOS DE PROJEÇÃO EM NOSSA
VIDA PÚBLICA
Daremos apenas alguns exemplos, a vôo de pássaro:

O maçom JOÃO RODRIGUES CORIOLANO DE MEDEIROS foi um dos fundadores deste


Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, em 7 de setembro de 1905, e é, ainda hoje,
sem dúvida, uma legenda de glória da Paraíba, como educador e como historiador. É um
dos grandes Beneméritos da Maçonaria da Paraíba. Pertencia ele à LOJA MAÇÔNICA PADRE
AZEVEDO, da qual foi Venerável Mestre em 1935.
O maçom CLAUDIO OSCAR SOARES foi o fundador, em 7 de maio de 1908, do jornal O
NORTE, ainda hoje baluarte da imprensa da Paraíba.
OSCAR SOARES era membro da LOJA MAÇÔNICA REGENERAÇÃO DO NORTE, da qual foi
Venerável Mestre e grande benfeitor. Esses dois últimos também pertencentes ao Instituto
Histórico.
O maçom GUILHERME GOMES DA SILVEIRA, que também pertencia à LOJA MAÇÔNICA
REGENERAÇÃO DO NORTE, da qual foi Venerável Mestre, foi um dos mais brilhantes
advogados da Paraíba e do Estado do Pará.
Outro notável paraibano foi o maçom MANOEL VELOSO BORGES, que pertencia à LOJA
MAÇÔNICA BRANCA DIAS, da qual foi Venerável Mestre de 1923 a 1924, tendo sido
também Sereníssimo Grão Mestre da GRANDE LOJA MAÇÔNICA DO ESTADO DA PARAIBA
de 1922 a 1928.
Formado pela famosa Escola de Medicina da Bahia, depois de exercer a medicina em vários
Estados, na Bahia, no Acre, no Amazonas, no Pará, voltou para sua terra natal e fundou
aqui a SOCIEDADE DE MEDICINA E CIRURGIA DA PARAIBA, em 3 de maio de 1924, sendo
o seu primeiro presidente.
Em sociedade com seu irmão, VIRGÍNIO VELOSO BORGES, foi um dos fundadores da
Fábrica de Tecidos Tibirí, em Santa Rita.
Foi Deputado Estadual, Deputado Federal e Senador pela Paraíba. Seu irmão VIRGÍNIO
VELOSO BORGES também foi Senador pela Paraíba.
Ainda com aquele seu irmão, comprou a Fábrica de Tecidos Deodoro, do Rio de Janeiro e
chegou a dirigir o Sindicato das Indústrias de Tecelagem do Estado do Rio.
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281
Ele e o dr. VIRGÍNIO VELOSO BORGES construíram uma ala do Hospital Santa Isabel. Foi
um dos fundadores da Casa da Paraíba, no Rio de Janeiro, e membro do Conselho do
Comércio e Indústria do Brasil no Exterior, indicado pela Confederação Nacional das
Indústrias.
Foi maçom o Senador Coelho Lisboa; foi maçom o Senador José Gaudêncio de Queiroz; foi
maçom o Senador Humberto Lucena. A Maçonaria da Paraíba sempre figurou nas duas
Casas do Congresso Nacional, e ainda agora, até bem poucos dias, lá estava o nosso Irmão
maçom JOSÉ LUIZ CLEROT, da LOJA MAÇÔNICA REGENERAÇÃO DO NORTE, como um dos
mais atuantes deputados federais do nosso Estado.
A Maçonaria da Paraíba tem oferecido numerosos valores à Magistratura Paraibana. Juizes,
Promotores, Procuradores, Desembargadores, Advogados e Presidentes da Ordem dos
Advogados, Professores de Direito, seria extensa a relação para citá-los um a um.
O nosso Irmão maçom MAURÍCIO FURTADO, pai do grande paraibano e brasileiro CELSO
FURTADO, foi Procurador Geral do Estado, Desembargador, Presidente do Tribunal Regional
Eleitoral, membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, membro da Academia
Paraibana de Letras e Venerável Mestre da LOJA MAÇÔNICA REGENERAÇÃO DO NORTE.
Outro grande maçom paraibano, JOSÉ AUGUSTO ROMERO, foi, ao mesmo tempo, Dirigente
da Augusta Ordem no Estado, como Grão Mestre da GRANDE LOJA MAÇÔNICA DO ESTADO
DA PARAIBA, e dirigente do Movimento Espírita no Estado, como Presidente da FEDERAÇÃO
ESPÍRITA PARAIBANA.
11 – O VELHO CONFLITO IGREJA CATÓLICA-MAÇONARIA
Chegam ao fim, neste fim de milênio, os entrechoques entre a Igreja Católica e a
Maçonaria.
O I CONGRESSO MAÇÔNICO DO ESTADO DA PARAIBA, realizado nesta capital em 1993,
incluiu, no temário de suas preocupações, o restabelecimento das boas relações com a
Igreja Católica.
Neste sentido, um dos seus convidados de honra, foi o Padre Valério Alberton.
D. José Maria Pires, nosso Arcebispo, foi também convidado para o Congresso. O
Arcebispo da Paraíba não foi, mas autorizou a ida do Padre Valério Alberton.
O Padre Valério Alberton vem defendendo em todo o Brasil o restabelecimento das boas
relações entre a Igreja Católica e a Maçonaria, já tendo publicado livros na defesa de suas
idéias.
Neste resumo dou uma idéia do que tem sido a Ordem Maçônica no Estado da Paraíba.
Muito obrigado.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:
ASLAN, Nicola. HISTÓRIA GERAL DA MAÇONARIA, Editora Aurora, 1979.
ALBUQUERQUE, A. Tenório d’ – A MAÇONARIA E A LIBERTAÇÃO DOS ESCRAVOS ,
Editora Aurora, 1970.
LEAL, José – INTINERÁRIO DA HISTÓRIA, Gráfica Comercial Ltda, 1965.
OCTÁVIO, José – HISTÓRIA DA PARAIBA, Ed. Universitária, UFPB, 1997.
PINTO, Irineu Ferreira – DATAS E NOTAS PARA A HISTÓRIA DA PARAIBA,
Ed. Universitária, UFPB, 1977.
NÓBREGA, Trajano Pires – A FAMÍLIA NÓBREGA, Instituto Genealógico
Brasileiro, 1956.
ARAUJO, Fátima – PARAIBA: IMPRENSA E VIDA, Grafset, 1986.
Geografia e História da PB
282
GRANDE LOJA DA PARAIBA – RESENHA HISTÓRICA, 1938.
FEITOSA, Lavoisier – MANOEL VELOSO BORGES, A UNIÃO EDITORA, 1982.
LEITÃO, Deusdedit – HISTÓRIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA PARAIBA, A UNIÃO
EDITORA, 1988.
SOBRINHO, J. Leite – PRIMÓRDIOS DA MAÇONARIA PARAIBANA, Revista BRANCA
DIAS MAGAZINE, janeiro de 1989.
REVISTA DO INSTITUTO ARQUEOLÓGICO PERNAMBUCANO, XIX, 1917.
TOLLENARE, L.F., NOTES DONINICALES PRISES PENDANT UN VOYAGE EN PORTUGAL ET
AU BRÉSIL EN 1816, 1817 ET 1818.
A fala do Presidente:
Tivemos uma visão global da Maçonaria na Paraíba e no Brasil, mostrando a influência da
instituição e dos seus membros na História da Paraíba. O levantamento feito pelo nosso
consócio Hélio Zenaide nos traz muita luz. Estou certo de que a metade dos presentes não
tinha a menor idéia da influência do movimento maçônico na Paraíba. Eu mesmo era um
deles, sem razão porque meu pai era maçom, pertencente à Loja Branca Dias.
A importância da instituição pode-se medir até pela participação de figuras ilustres da
nossa vida política, intelectual e social, como se depreende da breve listagem apresentada
pelo expositor.
Como debatedor, teremos o Grão Mestre Edgard Bartolini Filho, que por sinal é neto do
primeiro Grão Mestre da Grande Loja Maçônica do Estado da Paraíba e ele próprio é seu
atual Grão Mestre. Bartolini é formado em Ciências Jurídicas e Sociais, com grande atuação
na nossa Universidade Federal, onde ocupou vários cargos de relevo. É atuante dirigente
da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção da Paraíba.
Passaremos, a seguir, a palavra ao nosso debatedor, professor Edgard Bartolini Filho.
···
Debatedor: Edgard Bartolini Filho: (Professor universitário, Secretário da Ordem dos
Advogados do Brasil/Paraíba e Grão Mestre da Grande Loja Maçônica do Estado da Paraíba)
Quero inicialmente parabenizar a iniciativa do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano
promovendo este Ciclo de Debates alusivo aos 500 anos do descobrimento da nossa pátria.
Essa série de debates é bastante importante, principalmente para o país e numa região que
não é muita afeita à memória do seu povo e das suas instituições. É lugar comum se dizer
neste país que o Brasil é um país sem memória, e, até certo ponto, o é.
Recentemente estive no Rio de Janeiro participando da Conferência Nacional dos
Advogados e tivemos uma solenidade no Museu Histórico, onde houve coquetel com a
presença de autoridades, e começamos a discutir sobre alguns quadros ali expostos,
inclusive alguns de Pedro Américo, e conversa vai, conversa vem, falou-se sobre João
Pessoa. A grande maioria dos nossos colegas advogados, alguns juristas renomados, pouco
ou quase nada sabiam sobre a nossa história. Um deles ficou até admirado quando eu disse
que João Pessoa já nasceu cidade. E ele não imaginava que nossa Felipéia de Nossa
Senhora das Neves já nascera cidade. Quando a gente leva algumas pessoas para
conhecerem a cidade elas ficam admiradas quando descobrem que Felipéia de Nossa
Senhora das Neves foi fundada em 1585. Acham que nós somos muito mais novos. Nem
conhecem nem se preocupam em conhecer a nossa história. Aliás, tirando as diferenças
regionais, eles se preocupam, sim, mas em denegrir.
Com relação ao meu papel de debatedor vou declinar, porque a palestra do nosso Irmão
Hélio Zenaide, historiador, jornalista, e hoje o principal historiador da Maçonaria paraibana,
é irretocável. Caberá aqui apenas uma ou outra complementação ou um enfoque um pouco
mais longe sobre o que seja esta instituição maçônica num passado mais longe, num
passado mais recente e na modernidade.
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283
Felizmente a Maçonaria não é mais uma instituição secreta naquele aspecto que muitos
pensam que ela ainda o é. A Maçonaria era tão secreta há pouco tempo atrás que o maçom
entrava na Ordem e muitas vezes a sua família não sabia que ele a vida inteira pertenceu e
trabalhou pela Maçonaria, justamente evitando essas perseguições. Perseguições
religiosas, intolerância religiosa, perseguições políticas e até perseguições familiares.
Porque se às vezes um rapaz gostava de uma moça da sociedade altamente fechada e se o
pai da moça, descobrisse que ele era maçom, era um Deus nos acuda. Essa condição era
para ele quase que uma defesa, o que fazia da Maçonaria uma sociedade não secreta como
para aqueles que a desconheciam como uma instituição que fosse ligada ao banditismo, a
esses grandes movimentos de criminalidade, como a máfia, cosa nostra, e por aí vai.
Muita gente estranha porque existe uma diferença, na Maçonaria, de pensamentos, mas
essa diferença é fácil de explicar.
Nós somos herdeiros daquilo que chamamos a Ordem dos Templários, não diretamente da
Ordem dos Templários em si, mas do pensamento filosófico e científico que ficou dela, dos
construtores das catedrais. Daí também sermos conhecidos por “pedreiros livres”, que é o
que significa a palavra maçon, em francês, idioma corrente à época. Terminada esta fase,
apareceu na nobreza européia uma divisão que até hoje ainda existe. Não pense que está
adormecido. É justamente a guerra das Duas Rosas., que dividiu a Inglaterra da França.
Depois disso tivemos aquele movimento belíssimo chamado de Renascimento, onde as
ciências, as artes tiveram mais liberdade. Para chegar aí precisou de um grupo de pessoas
de influência para que esses movimentos pudessem alcançar o êxito que todos nós
conhecemos, e que inegavelmente mudou a história da humanidade.
Depois desse movimento renascentista vieram os movimentos da Reforma, onde o homem
pôde agir com mais liberdade seus ideais religiosos e seus ideais científico-tecnológicos. A
partir da Reforma o mundo não foi mais o mesmo, também como conseqüência da
Revolução Francesa. Antes da Revolução Francesa temos, no início do século XVII, os
primeiros movimentos responsáveis pela independência dos Estados Unidos.
Pois bem, por conta da guerra das Duas Rosas a filosofia inglesa, centralizada na nobreza,
era uma filosofia mais presa, enquanto que a sociedade americana foi se libertando e
criando uma nova maneira de pensar, influindo na França, resultando na sua grande
revolução.
A partir daí tivemos, também, uma divisão na ordem maçônica, que já estava em plena
efervescência. Nossa primeira Constituição era conhecida como Constituição de Anderson,
que foi promulgada nos Estados Unidos, no ano de 1718, quase 70 anos antes da
Revolução Francesa. A sociedade colonialista da época estava tão ávida por liberdade que
se apegou a esse ideário, aliando-se ao pensamento da Maçonaria que surgiu nos Estados
Unidos. Esse país conseguiu incutir na cabeça de brasileiros esse ideário.
A vinda de D. João VI para o Brasil facilitou a propagação da maçonaria em nosso país,
porque ele trouxe em sua comitiva mações portugueses que tinham esse idealismo de
verdade, igualdade e fraternidade.
Assim foi criada, no Rio de Janeiro, a Loja Comércio e Artes, que foi oficialmente a primeira
loja maçônica brasileira. Oficialmente, é preciso repetir, a Maçonaria brasileira começou aí.
Daí muitos não reconhecerem o Areópago de Itambé como loja maçônica. E por que não se
reconhece? Quem é que iria imaginar, naquele tempo, uma loja maçônica que ficava no
interior de Pernambuco, no sítio Oratório, a 80 quilômetros do Recife. Lógico, que nunca.
Hoje nós temos esse ranço sobre nossa própria história, quanto mais naquele tempo.
Por outro lado, por mais paradoxal que seja, vocês percebem pela exposição do nosso
palestrante, que aqui e acolá ele fala padre tal era maçom, padre qual era maçom. E vai
aqui um registro: todos os padres que tiveram influência na história do Brasil, no governo,
direta ou indiretamente, todos eles eram maçons. Não teve um que deixasse de ser
maçom.
Aí surge a pergunta: e a questão religiosa? É outra história, porque eles eram maçons, mas
naquela condição que existia anteriormente, que ninguém sabia que ela existia.
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284
Depois da Revolução de 1817, onde Frei Caneca pregou a Confederação do Equador, e foi
punido por isso, foi aí que começou de forma mais latente a efervescência da Maçonaria na
nossa região. Surgiram então as lojas mencionadas pelo expositor Hélio Zenaide, as quais
tiveram vida efêmera pela perseguição decorrente da questão religiosa (1971, se não me
engano). Pode-se ver que na realidade ninguém sabia onde funcionavam essas lojas;
sabia-se a sua existência, não sua localização.
Voltando à questão da separação da maçonaria francesa da maçonaria inglesa. Com o
advento da República a Maçonaria pôde mostrar seu rosto, que era maçom, o que ela fazia,
mas a intolerância religiosa continuou. Não obstante, houve uma ruptura mundial entre
aquelas maçonarias. Daí, em 1927, alguns mações vinculados a essas lojas, como disse
Hélio Zenaide, Branca Dias, Regeneração Campinense, Padre Azevedo, não satisfeitas com
a orientação francesa (que eram monarquistas e não republicanas) preferiram dar ênfase a
esta segunda e apoiar a política do Brasil, que era uma política de consolidação da
República. É verdade que era uma democracia meio capenga, onde a mulher ainda não
votava, o voto não era aberto e só quem votava eram certas classes sociais.
Dentro desse ideário, três lojas se reuniram na noite memorável de 24 de agosto de 1927
e resolveram fundar a Grande Loja, vinculada a essa nova ordem, essa nova política, esse
novo ideário republicano. E essas lojas, a Branca Dias nº 1, a Regeneração Campinense, nº
2 e a Loja Padre Azevedo, nº 3. As demais continuaram no Grande Oriente, mas com o
passar dos anos foram se chegando, de forma que, hoje, 40 pertencem à Grande Loja.
Naquela data participaram da reunião de fundação pela Loja Branca Dias Alfredo Augusto
Ferreira da Silva, Carlos Werts, Sidrônio Mororó, Helmenegildo Di Lascio, José Francisco de
Moura e Silva, José Teixeira Bastos, Maurício de Medeiros Furtado, Pedro Baptista Guedes e
Roberto Volgrand Kelly; pela Loja Regeneração Campinense, compareceram Antiquilino
Dantas, Antônio Farias Pimentel, Generino Maciel, José Jorinho Itamar, João Soares, José
Pinto, Martiniano Lins, Severino Alves e Severino Cruz; pela Loja Padre Azevedo,
compareceram Aristides de Azevedo Cunha, Gustavo Fernandes de Lima, Siqueira Costa,
João Cândido Duarte, João Pinheiro de Carvalho, João Rodrigues Coriolano de Medeiros,
José Calixto da Nóbrega, José Pereira da Silva, Virgílio de Barros Correia.
Na mesma noite foi eleita a primeira diretoria. Aí aconteceu um fato inusitado. Quem
presidiu a sessão foi o maçom Augusto Simões, meu avô. Ele era o maçom mais graduado
na Paraíba e era o único maçom grau 33, naquela época. Acho necessário dar uma
explicação mais ritualística. Quando se é do Grande Oriente do Brasil nossa ritualística leva
do grau 1 ao 33 e na ritualística das Grandes Lojas há uma separação. As Grandes Lojas
cuidam apenas do grau, 1, grau 2 e grau 3, que são os graus básicos da Maçonaria, e são
os mais importantes. É como se fosse um curso de graduação. Os graus superiores, que
começam pelos graus filosóficos, além de serem optativos dependem do irmão e do
Supremo Conselho existente no Rio de Janeiro, que é quem dá a aprovação. As Grandes
Lojas administram apenas os graus 1, 2 e 3.
Quando foram fundadas essas Grandes Lojas em 1927, elas não foram fundadas em todos
os Estados; apenas cinco Estados se predispuseram a fazer as suas Grandes Lojas. Foram
Paraíba, Bahia, São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. E o mapa do Brasil foi
dividido de acordo com a fundação dessas Grandes Lojas. De modo, na realidade, a Grande
Loja da Paraíba é a Grande Loja mãe da loja do Ceará (que veio logo depois, em 1928), de
Pernambuco (1943) e Rio Grande do Norte (1974).
Foi eleito como Grão Mestre o irmão Augusto Simões. Mas como ele já exercia a
representatividade do filosofismo, ele não quis ficar com as duas coisas e imediatamente
propôs que fosse eleito como primeiro Grão Mestre o irmão Manoel Veloso Borges, o qual
foi eleito por aclamação e para Grão Mestre Adjunto, o irmão João Arlindo Correia.
Com a renúncia de Augusto Simões, foi-lhe dado o título Grão Mestre ad vitam, motivo pelo
qual toda vez que havia um interregno entre um Grão Mestre e outro, ou um atraso de
eleição, ele sempre aparecia como Grão Mestre.
Geografia e História da PB
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De 1927 para cá a Grande Loja teve os seguintes Grãos Mestres: 1927 – Augusto Simões;
1928 – Manoel Veloso Borges; de 28 a 1937 – João Arlindo Correia; de 37 a 1944 – Otávio
Celso Novais; de 45 a 1948 – Abelardo de Oliveira Lobo; de 48 a 1954 – João Tavares de
Mello Cavalcanti; de 54 a 1961 – João Arlindo Correia, novamente; de 61 a 1963; Abel
Montenegro Rocha; de 63 a 1964 – Olegário Lins e Silva; em 64, José Lopes da Silva, foi
interino; de 64 a 1970 – Pedro Aragão; de 70 a 79 – Francisco Edward Aguiar; de 79 a 81
– Francisco Mariano; de 81 a 1988 – Arlindo Bonifácio; de 88 a 1994 – Romildo Lins de
Toledo; de 95 a 97 – Edilaudo Nunes de Carvalho; 1998 – Romildo Lins de Toledo, que
faleceu após quatro meses de grão-mestrado; de 1998 até 31.12.2000, sou eu que estou
exercendo o grão-mestrado.
Hoje não somos mais uma sociedade secreta, e não podemos ser porque respeitamos as
leis do país e a elas estamos sujeitos. A sociedade hoje tem uma visão clara do que a
Maçonaria faz, não nos seus templos, pois ainda é uma tradição.
Há uma pergunta que existe sempre entre os que não são mações. A pergunta é a
seguinte: por que não tem mulher na maçonaria? Não tem por culpa nossa, porque
sabemos que o mundo já mudou, e a mulher hoje desfruta um espaço que ocupa
brilhantemente. A Maçonaria como um órgão universal tem um relacionamento exterior
semelhante ao nosso relacionamento diplomático. Se colocarmos a mulher na Maçonaria,
sem uma aprovação mundial, estaremos sujeitos a perder o nosso reconhecimento. Para
sermos criados temos cartas constitutivas, que são dadas por entidades superiores. A
nossa confederação tem sua carta constitutiva dada pela Confederação Interamericana,
que por sua vez tem sua carta constitutiva dada pela Grande Loja da França, uma das mais
tradicionais que existem. Se esses dogmas não forem modificados, nós não podemos
modificá-los e ficarmos isolados e considerados uma potência espúria.
Gostarei de dar um depoimento pessoal sobre essa matéria, porque eu defendo a
participação da mulher na Maçonaria.
Os ensinamentos maçônicos que tenho hoje devo à minha mãe Luzia Simões Bertoline,
como devo também a parte dos ensinamentos musicais. E minha mãe foi a herdeira do
pensamento de Augusto Simões, seu pai. Tinha quatro filhos mações e depois da morte de
Augusto os filhos homens se separaram da Maçonaria; minha mãe, nunca. Ela continuou
me passando todos os ensinamentos que ela conhecia. Conhecia pela vivência, não pelos
livros, que eram altamente fechados, hoje são mais abertos. Inclusive ela foi perseguida
pela Igreja pelo fato de ter sido filha do Grão Mestre. Porque a Loja Branca Dias teve a
audácia de quando construiu aquele templo da avenida General Osório, o fez de maneira
aberta e não mais escondida. Foi a primeira loja que trabalhou de porta aberta ao público.
O público vendo quem entrava e quem saía, quem era e quem não era maçom. Foi esse o
grande desafio que Augusto Simões e esses irmãos que mencionei tiveram. Imagine
naquela época uma loja maçônica funcionando ma mesma rua da Catedral Metropolitana e
do Convento de São Bento, de maneira aberta. Meu avô morreu em 1944 e no final do ano
minha mãe foi casar-se e teve seu casamento negado pelo Bispo D. Adauto. Vejam só o
paradoxo. Ela foi proibida de casar na igreja, mas era professora do Colégio Nossa Senhora
das Neves e auxiliar do professor Gazzi de Sá no Seminário Diocesano da Paraíba. Não
podia casar-se na igreja, mas podia ensinar dentro de colégios católicos. Ela só se casou na
igreja em 1953, quando o Bispo era D. Moisés Coelho, que recebeu uma comitiva das
freiras do Colégio Nossa Senhora das Neves que lhe foi fazer um apelo. E eu com cinco
anos assisti ao casamento de minha mãe.
Com esse retrospecto penso ter complementado a brilhante exposição do irmão Hélio
Zenaide.
···
A fala do Presidente:
O Grão Mestre Edgard Bartoline Filho, nosso debatedor designado, complementou com
brilhantismo a palestra do nosso consócio Hélio Zenaide. Seu pronunciamento dá uma
Geografia e História da PB
286
visão global da história da Maçonaria no mundo e no Brasil, detalhando aspectos pouco
conhecidos de nós não mações.
Sua origem, sua implantação no Brasil, sua filosofia e forma de funcionamento ficaram à
mostra para nosso conhecimento. As transformações, suas mudanças foram aqui
dissecadas.
Detalhes da Maçonaria paraibana, com os vultos que a sustentaram e sustentam, foram
registrados. Sem sua participação neste Ciclo de Debates esse tema ficaria menos
enriquecido, não obstante a excelência da palestra do consócio Hélio Zenaide.
Agora passaremos ao debate com a participação do plenário, e eu passo a palavra ao
primeiro debatedor inscrito, que o confrade Guilherme d’Avila Lins.
···
1º participante:
Guilherme d’Avila Lins:
Tenho que elogiar a beleza de trabalhos apresentados pelo expositor e debatedor desse
tema, mas farei a seguinte indagação: Qual a é verdadeira relação que existe, de afinidade
ou de distanciamento, de diferenças ou de aproximação entre a Maçonaria e a antiga e
mística Ordem Rosa Cruz?
Ouço dizer que existe uma relação apenas de certo nível, na parte esotérica, mas tudo isso
é de ouvi dizer.
Outra pergunta quem faz é o meu eu pesquisador de história. Todos nós sabemos a
importância, a influência que, ao longo do tempo, teve a Maçonaria no processo social,
político e histórico do mundo inteiro, e deste país. Imagino, como pesquisador, que todo
essa cadinho de discussão como lidar com o processo social de cada momento histórico,
imagino que atas, registros, documentos devem ter sido feitos. Nesse sentido, imagino que
o arquivo histórico da Maçonaria é um arquivo fabuloso.
Em 1932 o papa negro – o padre geral da Companhia de Jesus – abriu para os seus os
arquivos secretos da Companhia de Jesus. O Vaticano está abrindo também seus
documentos, gradativamente. O Mosteiro de São Bento de Olinda também está abrindo. O
SNI abriu. Então, pergunto: seria possível, do ponto de vista histórico, abrir este acervo
que imagino deva existir na Maçonaria, e que é de fundamental importância para qualquer
historiador?
Hélio Nóbrega Zenaide, respondendo:
Quanto aos arquivos, não sei dizer que orientação a Maçonaria poderá tomar. Mas, nos
últimos meses do ano passado tive a oportunidade de compulsar todas as atas da minha
Loja, que tem mais de cem anos. Li da primeira à última ata. Minha dificuldade foi
identificar as palavras por causa da caligrafia da época. Mas na Loja Regeneração do Norte
temos todas as atas com todos os pronunciamentos. Temos o discurso do nosso fundador
Coriolano de Medeiros na Maçonaria. Não sei se esses livros vão ter acesso à pesquisa de
modo geral. Temos o Livro de Ouro da fundação da Loja, com a assinatura de todos os
membros presentes à fundação da Loja, há mais de cem anos. Acho que o Grão Mestre
Edgard Bartoline poderá acrescentar alguma coisa.
Edgard Bartoline, complementando:
Está aqui a ata da fundação da Grande Loja, de 1927. Está aberta a quem quiser
compulsá-la. Com relação aos demais, infelizmente não posso adiantar nada porque esse
grande acervo histórico está de posse do Grande Oriente do Brasil, que na realidade foi a
primeira instituição maçônica como potência que abrigou os nossos mações do nosso país.
Todos esses irmãos que foram citados por Hélio Zenaide e outros que não foram citados,
como Tamandaré, padre Feijó, José Bonifácio de Andrade e Silva, Gonçalves Ledo, José
Patrocínio, etc., todos eles pertenceram ao Grande Oriente do Brasil, nessa época histórica.
Não respondo pelo Grande Oriente do Brasil, que tem seu Grão Mestre próprio, para dizer
Geografia e História da PB
287
se essa documentação está aberta aos historiadores não mações. Para os mações tenho
certeza que está. E se não estiver, tem que estar porque fatos de 50, de 100 anos, têm
que ser levados em consideração. Temos de convir que os direitos autorais terminam com
50 anos.
Com relação à vinculação da Ordem Rosa Cruz com a Ordem Maçônica, posso dizer que são
duas coisas totalmente diferentes. A Ordem Rosa Cruz é uma ordem própria, à qual não
pertenço, mas o que li sobre ela é que ela tem base na estrutura do Egito antigo; é uma
ordem totalmente mística; é mista; é muito bem dirigida. Recentemente sua Grã Mestra
era uma mulher, o que constitui um exemplo para a Maçonaria. Não existe essa história de
que mulher não sabe guardar segredo, pois a mulher sabe guardar mais segredo do que o
homem. Existe o grau 18, do rito escocês antigo, que se chama grau dos Cavaleiros
Rosacruzes. Mas Rosacruzes, por que? Não porque tem vinculação com a Ordem Rosa
Cruz, Rosacruzes porque tem vinculação com as Cruzadas e este grau tem como seu
patrono nosso Mestre maior, que foi Jesus Cristo. Daí também nossa crítica aos evangélicos
e católicos que não conhecem que temos graus dedicados a Jesus Cristo. Jesus Cristo se
referiu à Maçonaria em duas ocasiões especiais. O grau 18 é dedicado a Jesus Cristo;
também a ele é dedicado, como filósofo, um grau superior, que é o grau 32, onde o
colocamos juntamente com seu pensamento filosófico Sidarta Gautama, com Hermes
Termogisto, com Zeus, que foi o deus central dos gregos, com Brama e outros
pensadores. São esses grandes filósofos e pensadores da humanidade que fazem com que
a gente reverencie porque colocaram, muito antes da Maçonaria, o pensamento que nós
temos hoje, que é o pensamento voltado para a Liberdade, Igualdade e Fraternidade.
2º participante:
Manoel Silveira:
Em primeiro lugar, meus cumprimentos para a mesa que dirige os trabalhos, ao expositor,
ao debatedor, ao presidente da mesa. Como leigo, totalmente leigo no que diz respeito à
Maçonaria, o que me chamou a atenção no momento foram as palavras do Dr. Joacil
Pereira, quando ele se referia a uma documentação enorme para o ingresso na Maçonaria.
Então, a minha pergunta é sobre os critérios para o ingresso dos leigos na Maçonaria.
Edgard Bartoline:
Os princípios básicos: Ser um homem de bem e crer num ser superior. Mas, somos
humanos, somos falhos, e por mais pesquisas que façamos estamos sujeitos a passar por
algumas decepções. São coisas com que a gente se ressente. Tenho tido gratas
experiências, mas também tive experiências muito tristes. Pois não temos condições de
fazer um levantamento sobre a vida pregressa de uma pessoa em todas as circunstâncias.
Muitas vezes se vê que é um bom pai de família, bom filho, cumpridor dos seus deveres e
ingressa na Ordem, mas depois tomamos conhecimento que ele tem um caso com uma
segunda família que ninguém sabia. Isso pode acontecer.
···
A fala do Presidente:
Sentimo-nos satisfeitos com os debates sobre nosso tema de hoje. Tivemos uma exposição
excelente feita pelo nosso companheiro Hélio Zenaide, que foi complementado pela valiosa
contribuição do debatedor Edgard Bertoline Filho.
E para abrilhantar o debate houve alguns impertinentes, que cobraram dos expositores
esclarecimentos seguros.
Joacil Pereira indagou logo porque não há mulher na Maçonaria. Apenas perguntou, não
reclamou.
Na realidade, como explicou o Grão Mestre Bartoline, essas instituições têm um esquema
hierárquico, superior. Se a cúpula não concorda com as mudanças, as Lojas que são
dependentes não podem inovar. Eu tenho essa experiência no Rotary International, do qual
sou participante desde 1948. O Rotary International foi fundado em 1905 admitindo
Geografia e História da PB
288
somente homens. O Rotary abriga líderes das mais diversas atividades, mas a mulher não
entrava.
Aparte dum participante:
No Lions só depois de 1887.
O Presidente, continuando sua fala:
Foi a mesma situação do Rotary International, que são instituições similares. Foram
precisos mais de 80 anos para se admitir o ingresso da mulher. E hoje nós já temos
governadoras de Distrito, Diretoras e algumas exercendo importantes funções nas
Comissões Internacionais. As mudanças, nas instituições desse tipo, são muito vagarosas.
É, portanto, uma questão de tempo. A Ordem Maçônica é rígida, mas cedo ou tarde essa
mudança se efetuará.
Nosso expositor, companheiro Hélio Zenaide, distribuirá com os presentes uma cópia
sintética de sua exposição.
16º Tema
A PRODUÇÃO LITERÁRIA NA PARAÍBA
Expositor: Joacil de Britto Pereira
Debatedor: Luiz Gonzaga Rodrigues
A fala do Presidente:
O tema para debate hoje programado é A PRODUÇÃO LITERÁRIA NA PARAIBA, que está a
cargo do confrade Joacil de Britto Pereira e teremos como debatedor o jornalista Gonzaga
Rodrigues.
Nosso expositor, apesar de ser bastante conhecido do plenário, por sua forte atuação nos
meios culturais, merece, seguindo nossa praxe, uma apresentação, não obstante sua
intensa atividade na vida pública e na vida forense.
Ele é bacharel em Direito pela Faculdade do Recife, onde se formou em 1950, na chamada
“Turma do Meio Século”, da qual foi orador oficial e foi agraciado com uma viagem a
Europa; é professor de Direito na Universidade Federal da Paraíba; foi Secretário de Estado
várias vezes, deputado estadual e deputado federal; escritor de escol, pela segunda vez é o
atual presidente da Academia Paraibana de Letras. Sócio deste Instituto, do qual foi
presidente por dois mandatos.
São, portanto, muito fortes os motivos por que o convidamos para falar sobre a literatura
paraibana.
Com a palavra o professor Joacil Pereira.
Expositor: Joacil de Britto Pereira (Advogado; professor universitário; escritor;
presidente da Academia Paraibana de Letras, sócio do Instituto Histórico)
Não será demais enaltecer a iniciativa feliz e ousada do presidente do Instituto em
promover este Seminário, então as minhas palavras iniciais são de elogio à sua ação de
excelso administrador, de dinâmico empreendedor dirigente do nosso IHGP.
Na verdade, o tema que me foi proposto para exposição é um tema realmente muito vasto,
que não poderia jamais se comportar nas lindes de uma exposição com prazo marcado,
embora a generosidade do Presidente tem permitido o elastério desse prazo.
Porém, falar sobre a literatura paraibana, sobre a criação da nossa literatura na província
desde os seus começos é tarefa muito ampla, muito vasta, portanto procurarei ser o mais
sucinto possível, às vezes usando uma linguagem até telegráfica, só para apontar, para
registrar.
Toda província neste país luta para ter uma autonomia em todos os setores, inclusive no
setor literário. A despeito de algumas figuras negativistas, inclusive um certo autor, cujo
Geografia e História da PB
289
nome parece um gemido de angústia, radical nas suas posições, nos seus entendimentos,
diz que a Paraíba não tem literatura. Isto eu considero um contra-senso e uma ofensa às
nossas tradições de inteligência e de cultura.
A Paraíba tem uma literatura rica em todos os gêneros. No romance, sem citar, esgotando
todos os autores, poderíamos enfocar pelo menos os principais: José Vieira; José Américo
de Almeida; José Lins do Rego (os três grandes Josés, para começar bem); Ascendino
Leite, um homem que escreveu neste país em todos os gêneros, menos em teatro; Pedro
Américo, que inclusive escreveu romance e foi um dos primeiros gênios a despontar neste
país no campo da pintura, das artes plásticas em geral; foi um sábio, um homem de uma
sabedoria imensa, reconhecido na Europa, que Castro Alves definiu em sua bela inspiração,
dizendo: Europa, é sempre Europa gloriosa, / A mulher deslumbrante e caprichosa, /
Rainha e cortesã. / Artista, corta o mármore de Carrara. / Poetisa, tange os sinos de
Ferrara / No glorioso afã. Pois esse continente onde reside a cultura universal endeusou e
proclamou o valor mais alto desse paraibano nascido em Areia, que foi Pedro Américo.
Então, dizer-se que a Paraíba não tem literatura, é inaceitável, data vênia. É um excesso
de radicalismo que não podemos, de forma alguma, aplaudir.
Uma terra que deu poetas maravilhosos, entre os quais despontou o segundo gênio da
Paraíba: Augusto dos Anjos (palmas). Bastaria esse, porque, como disse Eça de Queiroz,
basta um livro para eternizar uma civilização. Então bastaria o EU E OUTRAS POESIAS de
Augusto dos Anjos para eternizar o valor literário e intelectual da Paraíba.
Nosso primeiro poeta despontou na figura de Monteiro da Franca, embora ele tenha sido
apontado como primeiro poeta porque foi o primeiro a publicar poesia, mas 50 anos antes
nós já tínhamos vários poetas, que passarei depois a mencionar. Francisco Xavier Monteiro
da Franca, nasceu nesta capital, ao tempo em que a província se chamava Paraíba do
Norte.
Já àquele tempo nós tínhamos os bardos, os vates despontando na literatura paraibana.
Antônio Carneiro de Albuquerque Cunde, 50 anos antes de Monteiro da Franca, escreveu e
publicou dois poemas em Latim. Naquele tempo era usual, era modismo cultuar-se o Latim,
de tal forma que era ensinado em todas as escolas, não apenas superiores, mas até nas
escolas de segundo grau.
Tivemos também Albino Meira, que, além de grande jurista e lutador republicano, foi
poeta; tivemos Américo Falcão, que era poeta e jornalista, nascido na então vila, hoje
cidade de Lucena; ele foi diretor do jornal A UNIÃO, diretor da Biblioteca Pública, sócio
deste Instituto e da Academia Paraibana de Letras; publicou, entre outros livros, AURAS
PARAIBANAS, PRAIAS, NÁUFRAGOS, VISÕES DE OUTRORA, A ROSA DE ALEÇON e
SOLUÇOS DE REALEJOS. E quem já leu pelo menos um ou dois dos poemas desses livros
saborosos há de concordar comigo quando digo que era um poeta maravilhoso e mavioso,
lírico, romântico; adorava as nossas praias, criador de neologismos, como Lucemar,
Marluce. Esses nomes foram criados por ele, porque adorava sua terra Lucena, sua praia, e
na sua criatividade formou neologismos com nomes próprios e de outros que não eram
nomes próprios.
Antônio Cruz Cordeiro, paraibano ilustre, em 1869, publicou um poema sobre o episódio da
esquadra brasileira nas águas do Paraguai; era um poema épico sobre a Batalha de
Humaitá, e foi esse poema que o consagrou.
Antônio Elias Pessoa, que figura entre os primeiros e melhores versejadores, nos deixou a
LIRA MELANCÓLICA, publicado em 1901. E a poesia do paraibano é tão fértil, é tão
espontânea, parece que está na nossa alma. Antônio Elias Pessoa foi um poeta que fez
versos religiosos no velho estilo romântico e foi até o gênero parnasiano.
Era irmão de Benjamim Pessoa, que o conheci. Era um homem notável, inteligência rara;
seus versos eram publicados nas melhores revistas do Rio de Janeiro. Mas ele se perdeu na
boemia e tinha uma noiva chamada Aurina Silveira. Ele perdeu as condições para se casar,
ficou impotente. Desesperado, não queria mais saber de casamento. Aurina soube qual era
o motivo. Mas ficou como um anjo de candura, indo buscá-lo em toda parte. Foi uma viúva
Geografia e História da PB
290
antecipada, porque foi noiva até quando ele morreu. Uma vez ele me contou chorando,
arrependido por que tinha feito uma grosseria com Aurina. Ele então fez, e me mostrou, os
versos que jamais esqueci, com o título de FELICIDADE:
Felicidade, tu bem que existes;
Julguem entanto sonho falaz.
Só não te encontram os poetas tristes
Que te procura onde não estais.
Já me buscastes, felicidade,
Nos doces tempos de minha aurora.
E eu todo cheio de ingenuidade,
Sem conhecer-te, mandei-te embora.
Vinhas ridente, tão meiga e airosa,
Toda de branco, de um lindo alvor,
Branco de lírios, cheirando a rosa,
Beijos trazendo na boca em flor.
Hoje, no outono, desiludido,
Em pleno ocaso da mocidade
Em vão te busco, sonho perdido,
Felicidade, felicidade. (palmas)
Benjamim trabalhava na Secretaria das Finanças, foi companheiro de farra de Ruy
Carneiro, e Ruy gostava muito dele. Quando ele vivia nesse auge da bebedeira, Ruy
Carneiro o isentou de ponto. Porém, assumiu a chefia da Recebedoria de Rendas, onde ele
trabalhava, um Pordeus. Era um funcionário zeloso, e começou a cortar os pontos de
Benjamim. Benjamim fez então o seguinte versinho, no Livro de Ponto:
Quem tem alma de ateu
E possui tão mau coração
Ao invés de se chamar Pordeus
Devia se chamar pelo cão. (palmas)
Aí chegou o Pordeus, chefe da repartição, e quando viu aquilo, possuído de uma ira
sagrada, foi direto ao interventor. – Está aqui o que o protegido do senhor fez comigo. Ruy
Carneiro riu, achou graça e disse que ia tirar Benjamim da repartição dele, que ele era
rigoroso demais. – Quero deixar o poeta em paz, foi meu companheiro de boemia, de
cantatas de violão, e Ruy deixou o poeta morrer em paz. Nunca assinou um ponto.
Essa Paraíba tão fértil, tão espontânea, tão viva, da qual se pode dizer, como já se dissera
outrora dos sicilianos, é um povo de imaginação aguda e de precoce inteligência. É essa
Paraíba assim, que se quer dizer que não tem literatura.
Vou dizer uma coisa que poucos sabem. Na sua juventude, quase adolescente, Antônio
Nominando Diniz Sênior, o pai do atual presidente da Assembléia Legislativa, quando
estudante no Recife, publicou um livro de poesias intitulado ARCO-ÍRIS. Não tive a ventura
de conhecer esse livro, mas tive conhecimento entre vários amigos, entre os quais João
Bernardo, que dizia que era um livro muito interessante. Não sei porque ele não continuou,
porque o nosso Nominando é uma figura notável, grande orador, homem muito inteligente.
Como meu companheiro na Assembléia ele fez vários versos de improviso. Tinha até um
que é meio proibitivo, mas hoje a televisão divulga coisa muito pior, e, porque é muito
engraçado, vou dizer. Dra. Eudésia Vieira, que foi uma grande paraibana, historiadora e
Geografia e História da PB
291
também poetisa, escreveu um livro de poesias com o nome O CERNE CONTORCIDO. O
título é meio esquisito, meio extravagante. Quando o livro chegou à Assembléia,
Nominando fez esse verso:
Me responda, Dra. Eudésia,
Essa pergunta chifrim:
Esse cerne contorcido
É o de José Jardim?
Houve também outro episódio que nos distraiu muito. Amélio Leite elegeu-se deputado
estadual. Era casado com uma moça da família Teixeira (ele já morreu) e tinha
compromisso (porque os Teixeira eram muitos ligados aos Ribeiro Coutinho, que eram da
UDN) de acompanhar os Ribeiro Coutinho depois de eleito, embora tivesse sido sufragado
pelo PSD. Na hora da eleição da Mesa o PSD cobrava fidelidade partidária. E os Teixeira
com os Ribeiro estavam todos lá, inclusive o comendador Renato Ribeiro, pedindo para ele
cumprir o compromisso. Amélio entrou no recinto quase à força. O PSD puxava dum lado e
a UDN puxava do outro. Então Nominando Diniz fez uma paródia interessantíssima com o
samba AMÉLIA: “Amélio não tinha a menor qualidade...” e saiu por aí.
A poesia é tão fértil entre os paraibanos que José Américo de Almeida escreveu versos aos
90 anos de idade. E Ascendino Leite está aí, com 84 anos, faz versos e livros de poesia que
são elogiados pela crítica nacional e estrangeira. Aliás, estou terminando um ensaio
biográfico sobre Ascendino. Vou encontrar Ascendino sendo louvado em terras de Portugal
e em terras da França. Ele é também um representante do talento paraibano para esmagar
a afirmativa negativista de que a Paraíba não tem literatura.
Eu ainda cito entre os poetas Bilac Sobrinho, que era o pseudônimo de Ulisses Lins de
Albuquerque, que publicou, em 1930, um livro só, mas um livro muito aplaudido no tempo:
DE JOELHOS.
O Cônego Bernardo, que era amigo íntimo do Imperador Pedro II, que construiu o grande
açude Poços, em Teixeira, parente do pai de Humberto Mello, foi um poeta parnasiano dos
melhores que tivemos. Era sócio correspondente do Instituto, como lembra aqui o
Presidente.
E Eduardo Martins, já que estamos falando de poetas? Foi também historiador, membro
deste Instituto, foi beletrista, escrevendo em diversos gêneros da literatura. Mas foi um
poeta notável, inclusive trazendo para a Paraíba o hai-kai, um gênero de poesia de origem
japonesa. E nisso ele foi mestre, talvez insuperável.
Eliseu César, que João Lélis chamou de “o gênio pardo da raça”. Seu livro mais notável foi
ALGAS. Era um homem de cor, numa época em que a discriminação ainda era mais odiosa
do que hoje. Ele venceu, primeiro no Pará, e depois aqui. Era também um orador
maravilhoso; ninguém improvisava melhor do que Eliseu César.
Eudes Barros, cujo nome completo era Eudes Barros de Luna Freire, nos deixou no gênero
poético FRUTAS E PAÚIS, CÂNTICO DA TERRA JOVEM, JESUS BRASILEIRO, que fez época
na Paraíba. Escreveu sobre Sadi e Ágaba; autor do romance DEZESSETE, que depois saiu
com o título mais expressivo de ELES SONHARAM COM A LIBERDADE. Foi jornalista,
cronista de mão cheia, filho de Alagoa Nova, a terra de Gonzaga Rodrigues e também foi
membro do Instituto e da Academia de Letras.
Félix Araújo, de quem fui amigo pessoal, irmão, político combativo, orador extraordinário,
talento verbal dos maiores que a Paraíba já teve. Era inflamado, improvisava com
entusiasmo e tinha uma gesticulação que comovia a todos, fosse ouvindo-o nos salões ou
nos comícios populares.
Mais recentemente, temos que mencionar Hildeberto Barbosa Filho, nascido em Aroeira,
que não é só poeta, é também crítico literário dos melhores que temos. Ensaísta, membro
da Academia Paraibana de Letras.
Geografia e História da PB
292
Irene Dias Galvão fez sensação com sua poética erótica, quebrando os grilhões que
deixavam a mulher um tanto escravizada ou marginalizada. Porque a mulher tem sido
injustiçada neste mundo de meu Deus desde as priscas eras, sobretudo no mundo asiático,
onde hoje ainda continua, com os muçulmanos. Ela escreveu, entre outras coisas, EU
MULHER.
... Belos sonetos ele fez oferecido a Nossa Senhora das Neves, e eu reputo o seu melhor
poema BODAS DE PRATA.
José Rodrigues de Carvalho, de Alagoinha, que foi também folclorista, autor de O
CANCIONEIRO DO NORTE . No tempo em que nasceu, Alagoinha era vila do município de
Guarabira, mas hoje os dois municípios brigam para ser a terra mãe de Rodrigues de
Carvalho.
E Leonel Coelho? O poeta que vivia bêbado, constantemente puxando fogo, e quando
morreu uma pessoa de projeção no meretrício paraibano, cujo nome agora não recordo,
quando o enterro ia passando, Leonel sentado numa banca, perguntou: – de quem é esse
enterro? – É de fulana de tal, disseram. Era uma marafona, uma cortesã. Ele chamou um
carro de praça e acompanhou o enterro. Quando chegou no cemitério, à beira do túmulo,
ele chegou e disse: – Parai, parai, coveiros apressados, que ruiu a viga mestra do
meretrício paraibano. Ele escreveu MISÉRIAS, PARALELEPÍPEDOS e escreveu o POEMA
ÉPICO DE 30. Saiu vendendo o livro pelo Estado e quando chegou em Campina Grande,
disseram: “ali tem um senhor que, se você for oferecer, ele compra bem uns 10”. Era
Silveira Dantas. Ele então foi para lá. A firma era Silveira Brasil & Cia. Ele não sabia que
Silveira era da família Dantas. Entrou dizendo: “quem é aqui o chefe da firma Silveira
Dantas?” Silveira disse: “sou eu”. – Eu vim lhe oferecer o grande livro POEMA ÉPICO DE
30, em homenagem ao imortal Presidente João Pessoa. Silveira disse: “Cachorro, bandido,
atrevido”, e partiu para cima de Leonel. Leonel correu, caíram dois livros no chão e o
caixeiro de “seu” Dantas pegou o livro e ficou folheando e quando chegou lá num trecho,
aquelas coisas das lutas de 30, ele disse: “Silveira, seu nome está aqui no livro”. – Está? e
o que é que diz? O caixeiro leu: “em fevereiro, o bandido Silveira Dantas, Livramento
invade”. Silveira então disse: “manda chamar o homem que eu quero comprar”. Era esse o
Leonel Coelho.
Mardokeo Nacre, que foi um dos maiores, no Nordeste, no gênero de poesias matutas. Eu
sabia uma versalhada dele, mas a memória já está me falhando. Tinha um poema que a
gente declamava nos esquetes de teatro, que dizia assim:
Ó gênio, o menor de todos,
Barriga de almofadão,
Puxe o gato pelo rabo
Pra fazer judiação.
Suas poesias foram muito elogiadas por Carlos Dias Fernandes, que também foi outro
grande poeta. Foi jornalista, poeta, romancista.
Mathias Freire, de Mamanguape, como Carlos Dias Fernandes, era grande poeta; ele se
intitulava “padre, poeta, arcanjo e passarinho”.
Miguel Jansen Filho, que era um repentista extraordinário, grande improvisador, uma
memória fora de série, só comparável à de Euríclides Formiga. Euriclides era um homem
perigoso, por que se você declamasse uma poesia junto dele ele dizia: “essa é minha”. E
declamava a poesia toda, que tinha ouvido naquela hora e depois a declamava de trás para
diante. Era uma memória que talvez tivesse paralelo com a de Jansen Filho.
Dona Olivina Carneiro da Cunha também deve figurar entre os poetas. Grande educadora,
professora de português, escreveu também além dos livros de poesia O BARÃO DE ABIAHY,
biografia do pai.
Osório de Medeiros Paes, o poeta da “Pequena Cruz do seu Rosário”. Pereira da Silva, filho
de Araruna, que foi o primeiro paraibano a ter ingresso na Academia Brasileira de Letras.
Geografia e História da PB
293
Perylo de Oliveira, com VÕOS DE PÁSSAROS e CAMINHOS CHEIOS DE SOL. E se nós
tivermos realmente sensibilidade poética, não podemos deixar de nos referir os nossos
cantadores, entre os quais eu destaco Pinto do Monteiro, Romano do Teixeira e Inácio da
Catingueira, improvisando versos notáveis. Inácio sensibilizou o seu senhor (ele era
escravo), que lhe deu alforria, com tanto que ele continuasse a cantar. Cantava manejando
um pandeiro
Entre os mais modernos, temos Políbio Alves, Eujalose Dias de Araújo, Lúcio Lins, Antônio
Arcela e o nosso Luiz Augusto Crispim, cronista de escol, como este que aqui está – o
Gonzaga; eles estão entre os maiores cronistas da Paraíba. Gonzaga, Crispim, Francisco
Pereira da Nóbrega. Mas Crispim é também poeta laureado com prêmios. Membro deste
Instituto e da Academia Paraibana de Letras.
Raimundo Asfora, cujo nome eu invoco com saudades. Era cearense, radicado em Campina
Grande. Também grande orador. Raul Campello Machado, de Taperoá, autor de CRISTAIS
E BRONZES e DANÇA DE IDÉIAS. Esse livro DANÇA DE IDÉIAS me liga muito a Luiz Hugo
Guimarães, porque eu o li emprestado por ele; é tão lindo esse livro porque ele é só de
poemas em prosa, de definições e de conceitos. Não sei se Luiz Hugo se lembra, como eu
recordo ainda, quando ele disse:
Símbolo é carne do pensamento,
É forma concreta de uma noção abstrata.
Simbolizar é objetivar as idéias da vida,
As imagens e forma real aos sonhos.
Esse homem de tanto valor foi também grande jurista.
Ronaldo Cunha Lima, nascido em Guarabira, e radicado em Campina Grande, onde fez sua
vida pública, hoje é senador, é também poeta e bom orador, melhor do que poeta. E
improvisador, também.
Sérgio de Castro Pinto, Jomar Moraes Souto, ambos da Academia Paraibana de Letras, e
poetas excelentes. Silvino Olavo, filho de Esperança, que surgiu assim no espaço
intelectual da Paraíba como um meteoro brilhante e logo desapareceu. Morreu louco, mas
ainda houve tempo de escrever CISNE e SOMBRAS. Vanildo Brito, natural de Monteiro,
também é outro poeta notável. Sua poesia tem um conteúdo filosófico. E por que não falar
de Zé da Luz, cujo nome de registro é Severino da Silva Andrade? Poesia gostosa,
saborosa, para a gente rir. Quem não conhece aquela que começa assim: “Era uma vez
três irmãs, num lugar Puxinanã” e ele diz que
Queria ser um caçote,
com os óio desse tamanho
pra ver aquele magote
de moça tomando banho.
Fez também uma poesia muito boa sobre o nosso matuto da Paraíba, dizendo que a nossa
terra é que era Brasil: “Um Brasil brasileiro / sem mistura de estrangeiro / um Brasil
nacioná.”
E é mesmo. Nós é que somos o Brasil. Aqui nasceu o sentimento de Pátria, o sentimento
de nacionalidade. Esta é que a terra brasílica por excelência.
E Zé Limeira, o poeta do absurdo e da saudade.
Na crítica, nós temos Álvaro de Carvalho, filho de Mamanguape; Alcides Bezerra, nascido
em Bananeiras; Alyrio de Meira Wanderley, que fez crítica por muito tempo, nascido em
Patos, também romancista, autor de várias obras notáveis como CARNEIROS CINZENTOS,
BOLSOS VAZIOS, RANGER DE DENTES. Crítico também foi Juarez da Gama Batista, crítico
laureado, com muitos prêmios aqui, em Pernambuco, no Rio de Janeiro, até da Academia
Brasileira de Letras. Falando dos críticos, não podemos esquecer de Virgínius da Gama e
Geografia e História da PB
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Melo, que era também jornalista, foi advogado, escrevia no JORNAL DO COMÉRCIO e
DIÁRIO DE PERNAMBUCO e depois nos jornais da terra, autor premiado em vários
trabalhos. Escreveu um romance TEMPO DE VINGANÇA, tendo por fundo histórico a
Revolução de 1930. Elizabeth Marinheiro, também é crítica e ensaísta, membro da
Academia Paraibana de Letras. Hildeberto Barbosa, que já entrou na relação dos poetas,
também é crítico de escol. Ângela Bezerra de Castro, que recentemente assumiu uma
cadeira na Academia Paraibana de Letras, é também crítica e ensaísta.
Na História, começo por dizer que todos os membros deste Instituto Histórico, os do
passado e do presente, devem ser incluídos na relação dos historiadores. Porque aqui só se
entra se tiver pelo menos uma obra sobre assuntos históricos, uma obra com matéria da
historiografia da Paraíba, ou do Brasil.
Aqui mesmo está um, o nosso Guilherme da Silveira d’Avila Lins, um dos mais recentes e
que a todo instante nos causa a agradável surpresa de ser um velho historiador; mas
temos também que mencionar na História aquele que Luiz Hugo apontou. Maximiano Lopes
Machado, que foi o primeiro historiador, que tem um recente trabalho de pesquisa feito
pelo nosso Presidente; Irineu Ceciliano Pereira Joffily, nascido em Campina Grande, grande
historiador, notável também na vida pública. Temos o outro Irineu - Irineu Ferreira Pinto
–, que se imolou por amar a pesquisa. No meio dos insetos daninhos; pesquisando
alfarrábios, documentos antigos, ele perdeu a saúde. E deu nome a esta Casa – Casa de
Irineu Pinto, muito bem posto este nome pelos que fizeram o Instituto de antanho.
Coriolano de Medeiros, o fundador da nossa Academia. Foi historiador de méritos, escreveu
romances e ensaios, uma COROGRAFIA DA PARAÍBA, peças teatrais, nasceu em Patos. Foi
também um dos fundadores do Instituto Histórico. Tão importante foi o seu papel na
fundação da Academia Paraibana de Letras que aquela casa hoje se chama Casa de
Coriolano de Medeiros. Horácio de Almeida, sem medo de errar, considero o maior
historiador moderno do nosso Estado. Atuou também no jornalismo e dirigiu o jornal O
ESTADO DA PARAÍBA. Escreveu um livro que ficou célebre: BREJO DE AREIA, que ele antes
denominara de Terra do Bruxaxá. E escreveu em dois volumes uma História da Paraíba.
Epaminondas Câmara, campinense, que escreveu muito sobre a história do seu município.
Cristino Pimentel, era outro apaixonado por Campina Grande, filho daquela terra. Foi
jornalista e historiador.
E não podemos deixar de nos referir ao maior de todos os historiadores da Paraíba, em
todos os tempos. Nós lhe demos o nome de diploma e de uma medalha, o negrinho José
Maria dos Santos. Poliglota, diplomata. Escreveu a História de São Paulo e esse homem
colaborava no jornal LE FIGARO, onde foi Redator-chefe. É um paraibano que devia ter
uma estátua aqui na Paraíba. O seu nome, portanto, deve ser lembrado com todo respeito.
Se tivéssemos tempo iríamos enumerar outros, como o Cônego Florentino Barbosa, e os
atuais. Deusdedit Leitão, Sebastião Bastos, Humberto Carneiro da Cunha Nóbrega, Elpídio
de Almeida, que também fez uma História de Campina Grande, Archimedes Cavalcanti, Luiz
da Silva Pinto, João Lyra Filho, Antônio Freire, Carmem Coelho de Miranda Freire, que
ainda hoje ocupa uma cadeira neste Instituto, escreveu A MANSÃO DA BELA VISTA,
escreveu A HISTÓRIA DA PARAÍBA para o 1º e 2º graus; Marcus Odilon Ribeiro Coutinho,
que é historiador e ensaísta e político. Vai lançar dentro de poucos dias um trabalho sobre
Manuel Tavares Cavalcanti. Escreveu GATILHO E SANGUE NA ASSEMBLÉIA, PODER,
ALEGRIA DOS HOMENS, PEQUENO DICIONÁRIO DE VULTOS DA PARAÍBA, O LIVRO
PROIBIDO DO PADRE MALAGRIDA, de quem é fervoroso admirador, e dos jesuítas em
geral. Ele escreveu também ADALBERTO RIBEIRO, O SENADOR DA CONSTITUINTE.
Uma das áreas em que a Paraíba tem sido muito fértil e pode se ombrear com as maiores
províncias do nosso país e na área do jornalismo.
Quem não pode admirar um homem da têmpera de Antônio Borges da Fonseca? Político
militante, revolucionário impenitente e grande jornalista. Era cognominado o republico.
Fundou jornais aqui e em Pernambuco, sempre lutando pela liberdade. Gama e Melo, que
pode ser lembrado como grande jornalista, mas também como grande advogado. Começou
a escrever no jornal CRENÇA, de Sílvio Romero, e tão bem escrevia que o DIÁRIO DE
PERNAMBUCO o convocou para colaborar. Era difícil colaborar naquele jornal, que era um
Geografia e História da PB
295
jornal muito fechado, mas ele começou ainda como estudante, e a convite. Escreveu no
JORNAL DO RECIFE e no LIBERAL da Paraíba, Era um homem de uma pureza moral
extraordinária, tanto assim que divergiu do nosso presidente republicano Álvaro Machado,
porque Álvaro criou aqui no Estado uma oligarquia antipaticíssima. Ele rompeu, fundou um
jornal chamado A REPÚBLICA e foi combater Álvaro Machado. Terminou sendo candidato
de oposição e perdeu a eleição, mas fora candidato mais por uma questão moral.
Eu citaria Severino Lucena, não como um jornalista profissional, mas como um animador
cultural, na Paraíba, fundando a Revista ERA NOVA. O pai era Presidente do Estado e ele
oficial de Gabinete e o Presidente deu todo o apoio ao filho nesse movimento cultural. Esse
magazine atraiu os melhores talentos da terra. Vultos como José Américo de Almeida,
Anthenor Navarro, Adhemar Victor de Menezes Vidal, Aderbal Piragibe (esse era um
panfletário extraordinário), Órris Fernandes Barbosa, Sinésio Guimarães, Perylo de Oliveira,
Eudes Barros e alguns outros estreantes na arte de escrever. Da velha escola colaboraram
também Américo Falcão, Mathias Freire, Carlos Dias Fernandes, José Rodrigues de
Carvalho e assim por diante.
Vou contar uma história engraçada de Aderbal Piragibe contra o grande jornalista que foi
dirigente de O COMBATE, Bôtto de Menezes. Quando éramos estudantes, comentou-se isso
na cidade.
Bôtto arranjou um namoro, um romance, e estava numa polêmica jornalística com Aderbal
Piragibe. A polêmica estava acesa. Aderbal era um panfletário de sete fôlegos. E lá para as
tantas fez um artigo mencionando o fato. Tornou-se público e notório, porque Bôtto pulou
o muro da casa da mulher com quem estava em romance e não teve tempo de vestir a
roupa toda porque o marido atirava no fundo do muro, e ele pulou o muro. Os estudantes
cantavam uma modinha horrível:
Ai, Margarida, ai Margarida.
Eu vi Antônio Boto seminu pela avenida.
Como Aderbal Piragibe fez menção ao fato, Bôtto também fez um artigo violento no seu
jornal O COMBATE e foi matar Aderbal no antigo Café Moderno, que ficava onde foi a
Farmácia Régis, no Ponto de Cem Réis. Atirou em Aderbal, que se escondeu por trás dumas
latas de doce empilhadas. No final de contas, Bôtto errou todos os tiros. Então Aderbal faz
um artigo em cima de Bôtto, que termina assim: “Bôtto, a poeira por mais que se levante
do solo, tangida pelos ventos, é sempre pó. A ostra, ainda que esteja submersa nos fundos
dos oceanos, é sempre ostra. Não sobreviverás à tua infâmia”. Terminava o artigo assim.
Há muitos outros jornalistas: Alcides Bezerra Cavalcanti; Osias Nacre Gomes, que começou
como emendador no jornal, escritor, magistrado, chegou a ser desembargador; Celso
Mariz, outro grande jornalista; José Leal Ramos, esse era apaixonado pelo jornal, pela
imprensa; Rocha Barreto, com seu cachimbo, tornou-se jornalista famoso, escreveu em O
MOMENTO, na GAZETA DO POVO e projetou-se como historiador e suas crônicas eram tão
belas que teve acesso à Academia Paraibana de Letras, sendo um dos seus fundadores.
Adalberto Barreto, que também foi presidente da Associação Paraibana de Imprensa; padre
Carlos Coelho, homem muito inteligente, homem puro, figura notável, que terminou sendo
Bispo de Nazaré da Mata, Arcebispo de Olinda e Recife; Cônego Odilon Pedrosa, que viveu
na Paraíba e foi diretor de A IMPRENSA; esse homem foi castigado pelo Arcebispo, banido,
levado para o interior, morreu como sacerdote dos mais puros, e deveria ter a maior
projeção pelo seu valor intelectual; João Santa Cruz de Oliveira, homem do batente,
corajoso nas lutas políticas, tão idealista e tão bom de coração, que eu sempre dizia a ele,
brincando: se todo comunista fosse bom como você eu também seria comunista. Nelson
Lustosa Cabral, também foi jornalista e editou o ALMANAQUE DA PARAÍBA, chegou a ser
diretor de A UNIÃO. Péricles Leal, jornalista, teatrólogo e romancista. João Lélis de Luna
Freire, que repetiu na província, em tamanho menor, o que Euclides da Cunha fez em
Canudos; ele foi repórter político em Princesa..
No teatro, temos Santa Rosa, o magnífico Santa Rosa. Fez quase tudo em teatro, nasceu
aqui em João Pessoa, era crítico de arte, pintor, produtor visual, ilustrador, cenografista.
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296
Projetou-se muito como cenarista e feitor de montagens. Seu nome completo era Tomaz
Santa Rosa Júnior. Escreveu também obras teatrais, como ROTEIRO DE ARTE EM TEATRO e
REALIDADE E MÁGICA.
Ariano Suassuna, outro grande teatrólogo, romancista, ensaísta, pertence à Academia
Brasileira de Letras, autor do AUTO DA COMPADECIDA. Sucesso no país e no estrangeiro,
integrou o grupo de Ermilo Borba e com ele fundou o Teatro do Estudante de Pernambuco.
Para esse grupo escreveu a sua primeira peça UMA MULHER VESTIDA DE SOL. É autor do
romance de fama universal, traduzido em vários idiomas, PEDRA DO REINO. No teatro,
Ariano Suassuna é o maior autor de peças deste Estado e do país. Poeta eminente e
romancista caloroso. É um dos poucos gênios nascido na Paraíba. É da mesma categoria de
Pedro Américo.
Temos também Paulo Pontes, que escreveu a peça PARAIBA-BE-A-BA; Altimar Pimentel,
um teatrólogo dos maiores que temos e também folclorista de primeira plana.
Luiz Hugo Guimarães, interrompendo
Solicito do expositor que inclua na sua lista o teatrólogo Joacil de Britto Pereira.
Recentemente foi apresentada no Teatro Santa Roza e no Festival de Areia a peça A
MALDIÇÃO DE CARLOTA, de autoria de Joacil, que é baseada num fato histórico verídico,
ocorrido em Areia. Diante do sucesso, estou sabendo que ele já está elaborando outra,
também com fundo histórico.
Joacil Pereira, retomando a palavra
Realmente, estou escrevendo uma peça sobre Olga Benário Prestes. Uma peça de fundo
histórico e se Deus me ajudar e me der um pouco de engenho e arte eu a realizarei.
Porque acho que um dos episódios mais terríveis da vida pública brasileira foi o sacrifício
daquela mulher, que carregava no ventre uma filha, que recebeu o nome de Anita Leocádia
Prestes, nome altamente significativo.
Continuando minha exposição, podemos nos referir a grandes figuras de valor.
Alfredo Pessoa de Lima, Osias Nacre Gomes, Mário Moacyr Porto, Adolfo Cirne, Albino
Meira, são juristas eminentes que não devem ser esquecidos aqui. Oscar de Castro, que foi
presidente da nossa Academia e colaborou em jornais; José Rafael de Menezes, grande
sociólogo, tem mais de 100 livros escritos e é um grande educador.
Abelardo Jurema, cronista e político, que chegou a ser líder do Governo federal, mas quero
realçá-lo como jornalista e ensaísta, escreveu ensaios biográficos e livros de memória.
SEXTA-FEIRA 13 é um deles. Celso Furtado entra na categoria dos grandes economistas,
de fama internacional.
No cinema tivemos Ipojuca Pontes, Linduarte Noronha, Machado Bittencourt, que era
piauiense, mas radicou-se aqui na Paraíba, Alex Santos.
Não podemos esquecer o grande pedagogo, filósofo e sociólogo Monsenhor Pedro Anísio,
que publicou entre outros o COMPÊNDIO DE PEDAGOGIA E PEDOLOGIA EXPERIMENTAL e
SOCIOLOGIA EVOLUCIONISTA E SOCIOLOGIA CRISTÃ, A IGREJA – REINO DE DEUS NA
TERRA, ESTUDOS FILOSÓFICOS. Esse tratado de pedagogia foi tirado em quatro edições e
adotado em vários estabelecimentos de ensino do país. A Igreja, por sinal, é um celeiro
maravilhoso de intelectuais. Padre Lima, que é autor de um ensaio sobre Epitácio e de uma
biografia sobre D. Adauto.
É possível que na pressa, já que meu tempo está esgotado, tenha deixado de mencionar
algumas figuras de destaque na nossa vida intelectual..
Continuo defendendo a tese de que nesses 500 anos a Paraíba tem um elenco maravilhoso
de vultos a apresentar, em todos os gêneros da literatura.
···
A fala do Presidente:
Geografia e História da PB
297
Com sua eloqüência costumeira, o confrade Joacil Pereira acaba de mostrar que a Paraíba,
nesses quinhentos anos, pode se orgulhar de sua intelectualidade. Ele fez uma
retrospectiva das grandes figuras paraibanas que despontaram na poesia, no romance, no
teatro, no cinema, na história, no jornalismo, na sociologia, enfim, abarcou todas as áreas
da atividade literária.
Desde o Império, fez o registro dos principais autores e de suas obras, sem deixar de lado
alguns aspectos da vida de cada um, relatando, até, algumas passagens pitorescas em que
eles se envolveram.
Com sua memória prodigiosa, reproduziu vários trechos das obras registradas, sendo
aplaudido várias vezes quando usava sua postura de declamador para recitar algumas
poesias dos nossos consagrados vates.
Extrapolou do seu tempo, sem os reclamos da Presidência nem a repulsa do plenário,
sempre atento e pronto para aplaudi-lo. Se lhe fosse permitido mais tempo, tenho certeza
que embeveceria mais ainda este auditório.
Mas agora é chegada a vez do nosso debatedor oficial entrar em ação, que é o jornalista
Luiz Gonzaga Rodrigues.
É outra figura que dispensa a tradicional apresentação.
Nascido em Alagoa Nova, Gonzaga Rodrigues, de peripécia em peripécia, foi para Campina
Grande, depois veio para a capital, e, penando aqui e acolá, conseguiu seu lugar ao sol..
Sua grande universidade foi o jornal. É um autodidata que alisou os bancos dos jornais da
capital para se tornar o mago da imprensa paraibana. Excursionando pela crônica, tornou-
se um dos maiores luminares desta especialidade literária.
Seus livros UM SÍTIO QUE ANDA COMIGO, NOTAS DO MEU LUGAR e FELIPÉIA E OUTRAS
SAUDADES, revelam o cronista coloquial, simples, retratando coisas dos lugares e coisas
da vida.
É este artista da palavra escrita que vamos ter na tribuna, para complementar a brilhante
exposição do confrade Joacil Pereira.
Com a palavra o jornalista Luiz Gonzaga Rodrigues.
···
Debatedor: Luiz Gonzaga Rodrigues (Escritor, jornalista, membro da Academia
Paraibana de Letras)
Quero discordar do Presidente, não por falsa modéstia, mas acho que para contribuir de
forma mais aquecida. Acho que o professor Luiz Hugo deveria ter convidado uma pessoa
com uma distância um pouco maior de geração e de mirante, diferente de mim e de Joacil.
Há uma distância muito pequena entre as nossas experiências. Em 45 Joacil Pereira já era
um militante político e literário e eu era um torcedor, não era eleitor ainda, mas um
torcedor da campanha de José Américo. Quando chego aqui, em 1951, Dr. Joacil já era
uma celebridade e eu entrava, nessa época, de revisor de jornal. Mas há uma distância
muito pequena e os nossos pontos de vista são iguais. Nós podemos discordar de certas
idéias, de certas colocações, mas a nossa vivência, a nossa experiência é a mesma. De
sorte que aqui neste debate, um debate muito importante, e quero explicar porque é
importante. Deveria estar aqui Hildeberto Barbosa, que é um homem com outra visão,
com outros equipamentos, outro instrumental; João Batista de Brito, que é um ensaísta,
dos melhores que nós temos; um moço que também vem se revelando,que é um
autodidata, que é um estudioso, que retoma aquela tradição de Mário Pedrosa, do homem
lógico, do homem do estudo, que é Walter Galvão, que hoje está numa das editorias do
jornalismo da Paraíba. São três pessoas com mais coisas para acrescentar ao debate.
Mas, já que estou aqui, quero primeiro me render ao esforço de Joacil, porque não é
brincadeira fazer em uma hora e meia uma abordagem sobre o principal assunto da
Paraíba, sem deixar escapar alguma figura de relevo da área literária.
Geografia e História da PB
298
A Paraíba não tem economia, a Paraíba não tem turismo, não tem outra repercussão a não
ser a repercussão literária e a repercussão política. Fora disso a Paraíba não vende outra
mercadoria no contexto nacional. Em função disso, acho que o assunto é da maior
importância. É muito importante. E antes de entrar no assunto, quero realçar porque é
importante essa abordagem, essa iniciativa do Instituto Histórico. Importante porque nós
estamos vivendo uma época em que se pretende decretar a morte, a falência senão da
literatura, mas pelo menos dos instrumentos convencionais, dos espaços convencionais do
livro, que passamos 500, 1000 anos tendo como instrumento. Hoje a gente está vendo que
essa coisa sensual, essa coisa preênsil, essa coisa que dá uma certa estesia em pegar, que
é o livro, essa coisa tende a desaparecer. O livro está sendo ameaçado por uma coisa mais
virtual, mais intocável e que a gente não sabe até onde vai. Digo até onde vai, porque sem
ser filósofo, sem ser coisa nenhuma, eu vejo o seguinte: é que a leitura é um trabalho
penoso, é uma mão de obra. Em 100 pessoas, 90 têm preguiça de ler, não gostam de ler,
principalmente na nossa cultura. O livro é penoso. Por que o livro é penoso? Porque ler
implica, primeiro num esforço físico, depois num esforço de assimilação, depois noutros
esforços. Cada um mais sensível, mais arguto. Então essa coisa toda está sendo substituída
pela televisão, primeiro pela maquininha de calcular, que reduz o raciocínio, depois pela
televisão, e agora pela Internet. A Internet, que muita gente tem como uma coisa
alvissareira, e nós também somos obrigados a ver como alvissareira, mas essa pode coisa
não passar, daqui a 20 anos, de um simples espetáculo de emoções retardadas., como
dizia o velho João Santa Cruz de Oliveira. “Eu sou um homem de emoções retardadas”, ele
dizia, sendo o mais revolucionário dos homens.
Claro que Joacil pulou nomes, tinha que pular nomes, agregou alguns do ponto de vista
literário, de abordagem literária, digamos assim. Celso Furtado, por exemplo, é só um
economista? Não. Celso, todos concordamos, que é mais do que um economista, ele é um
pensador usando como instrumento, um belo instrumento de expressão, que é o texto. O
texto dele, se a gente disser que não é literário, se disser que é um texto de lógica, um
texto de pensador, na verdade é um texto conciso, escorreito, próprio e que alcança o seu
objetivo da sua expressão. Ele consegue a sua expressão, expressão máxima. O clássico
dele, que é a FORMAÇÃO ECONÔMICA DO BRASIL, é um livro bem escrito, um livro que a
gente pode dizer literariamente perfeito. A primeira manifestação de Celso foi no gênero do
conto. Nessas considerações não há nenhuma crítica à abordagem do professor Joacil, que
não pôde, pela exigüidade do tempo, se aprofundar sobre cada figura registrada.
Já que nós estamos falando aqui de literatura, de esforço literário, de história da literatura,
nós não podemos esquecer o trabalho de um escritor, um estudioso que tem um
temperamento muito especial, até esquisito, e por conta disso a cultura da Paraíba deixou
de lado o seu trabalho, que é, no meu entender, o melhor levantamento em termos de
literatura da Paraíba, que é o de Gemy Cândido: HISTÓRIA CRÍTICA DA LITERATURA
PARAIBANA. Na primeira abordagem que ele faz começa considerando o texto de
Ambrósio Fernandes Brandão em DIÁLOGOS DA GRANDEZA DO BRASIL; em que pese a
passagem, as intervenções de Capistrano de Abreu e Rodolfo Garcia, pessoas que
trabalharam o texto, é um texto que merece ser visto como um trabalho de literatura. Que
é do começo da literatura brasileira, que é a crônica, crônica histórica.
É evidente que com o espaço de tempo limitado para a exposição que Joacil fez, e com a
oralidade com que se desempenhou, tem que haver alguma omissão.
Quero ressaltar o seguinte. Não quero nomear pessoas, porque os vultos mais importantes,
os marcos, o estrelato da literatura, foram realçados. Apenas, meu caro expositor, queria
lembrar algumas figuras que de passagem foram esquecidas, e você vai me agradecer pela
homenagem que nós mesmos vamos render. Quero lembrar o Cônego Lima...
Joacil Pereira, em aparte:
Eu supri a omissão. Data vênia, há muitos nomes que estão nos meus apontamentos e eu
omiti alguns em face do tempo exíguo e eu até registrei que o Cônego Lima fez um ensaio
sobre Epitácio Pessoa e uma biografia de D. Adauto.
Gonzaga Rodrigues, continuando com a palavra:
Geografia e História da PB
299
... de D. Adauto, que é um testemunho da Paraíba. O Cônego Lima dá um recado da
imagem da Paraíba durante todo o tempo de D. Adauto.
Estive fazendo uma pesquisa sobre o grande Artur Aquiles e quando eu vou falar sobre
Artur Aquiles, vou buscar onde? No Cônego Lima. Aquela tragédia de Teixeira, está lá.
Então a gente vê, a gente divisa nesse perpassar de valores estrelas maiores que talvez
não sendo maiores através de uma obra, tenham sido através da aglutinação, da
articulação. Então dá para perceber, e nisso eu invoco a lembrança dos senhores
historiadores, dá para a gente perguntar o que seria da Paraíba literária, desta Paraíba
jornalística, desta Paraíba cultural, desta Paraíba política, enfim, se não tivesse existido a
figura de um cidadão chamado Artur Aquiles dos Santos, que no começo do século
aglutinou idéias; ele combateu e foi para a luta, foi erigido como o maior homem do seu
tempo, como também foi enterrado miseravelmente. Criou um jornal que durou oito anos,
começando na passagem do século e fechou em 1908; e durante esses oito anos ele
mudou a Paraíba por inteiro. Mudou noções culturais, mudou noções políticas, combateu no
melhor combate, e em torno dele agregou Coriolano de Medeiros, Celso Mariz, Augusto dos
Anjos, que tinha uma poesia esquisita, que muita gente olhava assim e ele acolheu,
botando no frontispício do seu jornal a poesia de Augusto dos Anjos, levado pelo filho do
próprio Artur, que era Santos Neto. Este Artur Aquiles tinha em torno dele Coriolano, Celso,
Augusto, um tal de Augusto Belmont, que foi o primeiro comunista desta cidade, o primeiro
cidadão que leu Marx em francês, no seu tempo, e nesse tempo não era tão perseguido
porque era uma coisa rara. Houve essa figura que aglutinou.
Depois vêm os anos 20. Vem um novo aglutinador, sob a batuta dum cidadão chamado
João Ferreira de Castro Pinto, um grande orador, um grande culturalista, um grande
humanista. Este cidadão trouxe para cá um louco total, louco, louco, chamado Carlos Dias
Fernandes. Esse homem veio para cá para chocar a província. Chocar os Meira de Menezes,
chocar os que estavam nascendo e os que estavam se indo. Era um exibicionista de
fancaria, gostava de dar espetáculo. Deu o espetáculo dele, e criou em torno dele Órris
Soares, José Américo de Almeida, tudo ficou em torno dele. Criou A NOVELA, uma
publicação que vem daquela época, dos anos 20, criada por Ademar Vidal, que era também
do time.
Há também uma figura que não aparece em nenhuma história da literatura, e foi um dos
homens que melhor escreveu em jornal, de um estilo fluente e moderníssimo em 1918,
1920, que era o cidadão chamado Leonardo Smith, que terminou desembargador lá para
as bandas do Rio de Janeiro.
Em torno de Carlos Dias Fernandes, que tem um retrato muito bem feito de Gilberto
Amado, não sei se vocês se lembram de MINHA FORMAÇÃO NO RECIFE, em que aparece
aquela figura de tamanco, passando pela rua do Diário de Pernambuco, com um quilo de
carne dum lado, umas verduras do outro, um chapéu grande na cabeça e Gilberto Amado:
quem é? Esse é o Carlos Dias Fernandes. Ele era um poeta, impressionista na poesia e na
pessoa.
Essa geração mereceu um artigo de Barbosa Lima Sobrinho. Barbosa Lima Sobrinho falou
sobre os anos de ouro da Paraíba, os anos 20. O ano que veio das grandes obras de Solon
de Lucena, do apogeu econômico do começo do algodão, da interferência das obras contra
as secas. Toda essa coisa que soma com o corolário cultural. A cultura é o corolário.
É a partir dessa fase que salta a Paraíba para a BAGACEIRA, rasgando as duas margens do
romance brasileiro, para o teatro de Órris Soares, que foi um teatro nacional, que foi
levado para o Rio de Janeiro, que foi discutido. Vem Órris Soares, vem José Américo, vem
muita gente.
A Paraíba não devia ser muito diferente da que vivemos hoje. Era mais pobre, muito mais
pobre, o povo menos civilizado. Então por que não volta, por que não renasce, por que não
há esse renascimento?
Parece que os valores são outros, a coisa vem de cima para baixo O que queria mostrar é
que todo esse lucro nosso, todo esse saldo vem em função de duas correntes. O velho
Geografia e História da PB
300
Taine dizia, falando sobre o Renascimento italiano, ele dizia que nada ocorria de graça.
Como um aerólito caído do céu, que sempre vem em função de algum motivo, de alguma
euforia, de ordem econômica sempre e que termina com seus dividendos.
Ocorreu no tempo de Artur Aquiles, ocorreu no tempo de Carlos Dias Fernandes e Castro
Pinto.
Nós temos o CORREIO DAS ARTES, que circula quinzenalmente, mas a gente não vê uma
referência, as pessoas não falam; ele circula, mas não acontece. O que está faltando?
Nós temos pelo Estado uma coleção muito importante, que é a Coleção Documentos
Paraibanos, que está fazendo um bom trabalho.
Há umas coisas que não entendo. A imprensa também é uma coisa. No tempo em que
atuava na imprensa eu achava que o leitor é quem era importante. Agora, se há uma posse
na Academia ou no Instituto, o mais que sai é uma linhazinha, a não ser se o prestígio do
empossado ou do presidente seja bom. É o sinal dos tempos. Era o registro que queria
fazer.
···
A fala do Presidente:
O consócio Joacil Pereira pediu para sair, antes do término da sessão, porque ele tem um
compromisso agora no Teatro Santa Roza, onde fará uma palestra sobre Rui Barbosa, cujo
centenário de nascimento é hoje.
Mas, como vimos, valeu a pena incluirmos nesse Ciclo de Debates que o Instituto está
promovendo o tema ora discutido – a literatura paraibana.
O expositor e o debatedor trouxeram a posição da Paraíba na literatura provinciana. Era de
se esperar que o tema, sendo um tema bastante vasto, não pudesse ser abarcado in totum
pelos ilustres conferencistas.
Foi importante podermos reviver aqui figuras destacadas da nossa cultura. Eu mesmo
revivi grandes passagens por que tive a chance de conviver com algumas das figuras
mencionadas. Joacil lembrou o nome do poeta Leonel Coelho, que foi linotipista de A
UNIÃO, quando os jornais eram feitos a chumbo e fogo. Convivi com Leonel no jornal e
numa mesa de bar, onde ele muitas vezes garatujava seus versos naquele papel linha
dágua que levava da redação. Antes de sair para tomar uma, sempre passava pela revisão
e convidava um de nós. Magro, baixinho, uns óculos escuros para não se denunciar, lá com
alguém da revisão para os botecos da rua 13 de maio.
Gonzaga Rodrigues, em aparte:
Quando tratei daquelas figuras de articuladores esqueci de lembrar a figura de José
Semeão Leal, que não era um texto, mas foi um grande articulador, foi um grande agitador
cultural, não aqui, mas no Rio de Janeiro. Tive uma experiência lá, de uns três meses, em
torno dele. Eu era um menino de recado, porque quem estava lá era Anísio Teixeira,
Andrade Muricy, todos em torno daqueles Caderninhos de Cultura, que ele editava. Ele
levou essa lição da Paraíba para o Rio de Janeiro. E, em função disso, criaram o Instituto
Nacional do Livro, que foi o grande divulgador que nós tivemos das obras brasileiras.
O presidente, continuando com a palavra:
O companheiro Humberto Mello lembrou o nome de Mário Pedrosa, mas essa figura foi
realçada por Gonzaga Rodrigues. Mário Pedrosa fazia parte do triunvirato que incluía
Adhemar Vidal e Anthenor Navarro, que eram intimamente ligados. Aliás estes dois últimos
pertenceram ao Instituto Histórico, e ingressaram no mesmo dia. Não sei porque Mário não
ingressou no Instituto. Aqui, à parte, Gonzaga está dizendo que é porque ele era ateu.
Apesar do avançado da hora, vamos iniciar os debates com os participantes do plenário,
passando a palavra do consócio Guilherme d’Avila Lins:
···
Geografia e História da PB
301
1º Participante:
Guilherme d’Avila Lins:
Cada tarde desses debates é uma lição a mais.
Realmente, é impossível num espaço de duas horas se preencher a contribuição literária de
um Estado que, como disse Gonzaga Rodrigues, uma das coisas que sabe exportar é
literatura.
O aditamento que pretendia fazer perdeu a oportunidade quando Gonzaga referiu-se a
Ambrósio Fernandes Brandão, que é aí que de fato começa nossa participação literária. Ele
era português, nascido em 1553 e foi aqui que ele escreveu OS DIÁLOGOS DA GRANDEZA
DO BRASIL, até que se prove que não foi ele que escreveu aquela obra. É uma obra que
transita com muita tranqüilidade tanto nos livros de crítica literária – José Veríssimo
começa com ele, como transita nos livros de historiografia. José Honório Rodrigues o
considera um dos 12 livros mais importantes do nosso período colonial. Então ele é
medalha de ouro em dois campos. Era esse o primeiro registro.
O segundo, queria complementar sobre o nome citado de Rodrigues de Carvalho, que
pontificou não somente na Paraíba, como pontificou em Pernambuco e no Ceará. No Ceará
ele foi fundador de uma instituição maravilhosa, até na inspiração do seu próprio nome – A
PADARIA ESPIRITUAL, porque o livro é o pão dos intelectuais. Como poeta, teve seu nome
pinçado numa célebre antologia com a inclusão de um soneto seu entre os 100 mais belos
sonetos da língua portuguesa: OS SEIOS. Este é o meu registro.
2º participante:
Paula Frassinete Duarte:
Gostaria de citar gente da atualidade, e entre eles a gente não pode esquecer o grande
Vital Farias, que com a sua SAGA DA AMAZÔNIA, com uma poesia fenomenal, ele faz um
libelo ao que acontecia na época, que era a destruição da floresta e mostra como um
nordestino que vai para aquelas plagas e chora diante da destruição da natureza.
E homenageando o dia 20 de novembro, que o dia da resistência negra, ele está
elaborando uma epopéia sobre o negro Mussambê.
No repente, a gente não pode esquecer do grande Oliveira de Panelas, que é o nosso
grande repentista, de uma verve maravilhosa e no que tange ao hai-kai, temos Saulo
Mendonça.
3º Participante:
Humberto Mello:
Farei apenas três pequenos registros. Gonzaga Rodrigues falou no CORREIO DAS ARTES e
a pouca repercussão que ele tem e gostarei de dar um depoimento. Em 1980 estive na
casa de Plínio Doyle, o bibliófilo, onde havia aquelas reuniões dos sábados a que Raul Bopp
deu o nome de sabadoyle. Fui lá a convite do pernambucano-paraibano Joaquim Inojosa.
Plínio Doyle tinha um apartamento somente para a biblioteca e reuniões. Aí ele me mostrou
a coleção completa do CORREIO DAS ARTES desde 1949 até aquela data e sustentava que
era um dos mais importantes suplementos do Brasil.
O outro registro é a respeito de uma figura que Joacil citou, que é Rocha Barreto. É um fato
que pouca gente sabe, porque é uma obra que não é muito lida e causa muito ciúme ao
autor, que é ORDEM E PROGRESSO, de Gilberto Freyre. Gilberto Freyre fez ORDEM E
PROGRESSO como uma seqüência da CASA GRANDE & SENZALA e SOBRADOS E
MOCAMBOS. Mas, ORDEM E PROGRESSO não teve o sucesso dos outros, e ele se queixava
que o povo não reconhecia o mérito. É pouco lido esse livro. Em ORDEM E PROGRESSO ele
fez uma série de entrevistas, cartas, colhendo informações sobre os primeiros tempos da
República no Brasil e cita Rocha Barreto. Rocha Barreto se apresentou humildemente como
funcionário público dos Correios, não falou que era jornalista. E Gilberto se admira como é
que um funcionário público escrevia tão bem, expôs tão bem o seu tema.
Geografia e História da PB
302
Finalmente, conforme falaram Batista e Frassinete sobre a literatura popular em verso,
posso adiantar que os teóricos a dividem em três: o chamado romance de bancada escrita
e o improviso, que se subdivide em dois: improviso simplesmente declamado e o improviso
cantado na viola. Nesses três aspectos da literatura popular em verso a Paraíba teve os
maiores nomes. No romance, no folheto, ninguém superou Leandro Gomes de Barros,
inclusive há uma crônica de Carlos Drumond de Andrade que disse que se em 1914 fosse
vivo e votasse, ao invés de em Olavo Bilac, teria consagrado Leandro Gomes de Barros
como o príncipe dos poetas brasileiros. No improviso do violeiro, e eu tenho muitos
parentes no ramo, parece-me que ninguém superou Pinto do Monteiro. E no improviso
declamado, na quadra, na glosa, sem o acompanhamento da viola, que é
quantitativamente menos importante dos três, também foi um paraibano o maior de todos,
que foi Luiz Dantas Quesado, que era de Cajazeiras, se não me engano.
São os registros que faço.
4º Participante:
Manoel Silveira da Costa:
Sou membro da Academia Paraibana de Poesia e como tal gostaria de, nesse soneto que
vou recitar, ser uma espécie de apelo para que o palestrante Dr. Joacil Pereira e o
debatedor Gonzaga Rodrigues, retornem para esta palestra, que foi tão importante para
nós.
Antes de tudo, gostaria de dizer que nesta data e nesta palestra, cujo título é a PRODUÇÃO
LITERÁRIA DA PARAÍBA, nós não podemos jamais esquecer o dia de hoje, o dia 5 de
novembro, que é o Dia da Ciência e da Cultura, que se originou da data do grande Rui
Barbosa, que nasceu a 5 de novembro de 1849, tendo falecido em Petrópolis no dia 1º de
março de 1923. Não podíamos esquecer esta data.
Vou recitar, de Ronald de Carvalho, A UM FILHO PRÓDIGO:
Volta, ainda é tempo branco no horizonte.
Tua aldeia sorri sobre a colina.
Cumpras nestes vales tua sina,
Seja teu mundo este tranqüilo monte.
Seja teu mundo esta encurvada ponte
Que sobre o rio trêmula se inclina.
E este pedaço de céu que te ilumina
A larga, franca e pensativa fronte.
Aí fora, a vida em ondas tumultua.
Ouve teu rude coração, recua,
Volta aos humildes mas felizes tetos.
Que as estrelas terão mais calmos os brilhos
Para velar o túmulo dos teus filhos
E a terra sorrirá para teus netos. (palmas)
A sessão foi encerrada.
17º Tema
HISTORIOGRAFIA E HISTORIADORES PARAIBANOS
Expositor: Guilherme d’Avila Lins
Debatedor: Luiz Hugo Guimarães
Geografia e História da PB
303
A fala do Presidente:
Vamos dar reinício aos nossos debates. Hoje é a penúltima sessão deste Ciclo, que já está
dando saudades, e vamos abordar o tema HISTORIOGRAFIA E HISTORIADORES
PARAIBANOS, cujo expositor é o nosso consócio Guilherme d’Avila Lins, a quem convido
para participar da mesa; como debatedor, a Comissão Executiva do Ciclo colocou meu
nome para colaborar com o nosso ilustre expositor e, como já estou na mesa, me considero
convidado, dispensando as palmas habituais; convido também o acadêmico Joacil de Britto
Pereira, presidente da Academia Paraibana de Letras; convido também nosso consócio
Deusdedit Leitão, ex-presidente deste Instituto e grande historiador.
Outro dia já fiz a apresentação do nosso consócio Guilherme d’Avila Lins, que é um dos
mais novos sócios do Instituto e também um dos mais novos historiadores. Ele inventou de
ser médico, para ganhar a vida, mas viu que esse negócio de Medicina deu pouco e ele
arranjou um gancho de historiador.
Guilherme é um estudioso, tem vários trabalhos publicados e é amante da pesquisa.
Antes de passar a palavra ao palestrante, quero fazer, com pesar, um registro especial.
Ontem faleceu um consócio nosso, o historiador José Fernandes de Lima. Assim, estamos
realizando esta sessão em pleno luto, com nossa bandeira hasteada à meia-verga.
Ele ocupava a cadeira nº 22, do nosso Instituto, cujo patrono é o Cônego Florentino
Barbosa. O corpo de Dr. José Fernandes de Lima foi enterrado pela manhã, o Instituto
esteve presente pelo seu presidente e alguns associados, e em nome da instituição falou o
nosso companheiro Joacil de Britto Pereira na ocasião do sepultamento do inditoso colega.
Dr. José Fernandes de Lima pertencia a uma tradicional família de Mamanguape e teve
uma atuação muito grande em nosso Estado. Foi deputado estadual durante 40 anos, foi
prefeito de Mamanguape várias vezes, Secretário de Estado, presidente da Assembléia
Legislativa e, quando Pedro Gondim teve de se afastar do Governo para se candidatar a
reeleição, ele governou o Estado durante 11 meses. Era uma figura íntegra, austera,
honesta, e um dos grandes valores da história política da Paraíba.
Deixou vários trabalhos parlamentares e vários trabalhos publicados em nossa Revista. Ele
editou, por sua conta, O DIÁRIO DO PARAGUAI, do comendador José Campello, com base
numa documentação que ele localizou em Mamanguape.. É de sua autoria o livro A
LEALDADE E HEROISMO DO ÍNDIO POTIGUARA PEDRO POTY.
Para prestar nossa homenagem àquele consócio falecido, solicito dos presentes que, em
sinal de pesar, façamos, de pé, um minuto de silêncio.
Dando início aos nossos trabalhos, passo a palavra ao expositor deste tema, consócio
Guilherme d’Avila Lins.
Guilherme d’Avila Lins: (Membro do IHGP, presidente do Instituto Paraibano de
Genealogia e Heráldica, médico, professor universitário e historiador com vários trabalhos
publicados)
Antes de dar início à leitura do trabalho que trouxe por escrito, gostarei de fazer algumas
considerações preliminares. Quero dizer que me senti muito lisonjeado com o convite me
foi para participar como expositor desta sessão de hoje e quero dizer o quanto ele me
envolveu porque percebi que faltava apenas um ponta-pé inicial para que sentisse a
necessidade de, em seguida, transformar esta palestra numa plaqueta, comprometendo-
me a escrever um livro sobre Historiografia e Historiadores da Paraíba, porque este tema é
extremamente palpitante. Bem que nosso Estado, que produz conhecimento, letras
históricas, literatura de um modo geral, merece ter uma obra específica e independente
sobre historiografia. Este é um compromisso que assumo neste momento.
Não pretendo esgotar totalmente o assunto, seria uma veleidade e nem seria possível no
espaço de tempo que me é reservado.
Vou me concentrar num resgate dos itens e das considerações historiográficas que
precisam ser resgatadas, tendo em vista as lacunas que existem na matéria em nosso
Geografia e História da PB
304
meio. Portanto, um grande parte da nossa historiografia será aqui omitida, por razões
óbvias.
Terei que dar um enfoque muito maior para o primeiro século, embora eu chegue até o
século XX. Eram essas as palavras iniciais que queria dizer.
Parece-me de bom alvitre, por razões metodológicas, estabelecer aqui, desde já, as
premissas conceituais por mim convencionalmente adotadas, para o desenvolvimento deste
tema simples apenas na aparência, ou seja a HISTORIOGRAFIA E HISTORIADORES
PARAIBANOS.
Em primeiro lugar, independente das circunscrições conceituais doravante adotadas e
considerando-se, principalmente, o limite de espaço e tempo que tenho à disposição, não
será possível, nem tampouco necessário procurar debulhar, por extenso, a
HISTORIOGRAFIA PARAIBANA e os HISTORIADORES PARAIBANOS, em cujo recorte
cronológico se avantajam mais de quatro séculos de produção historiográfica até se chegar
aos dias atuais, tendo-se ainda em vista que a cada nova centúria, a partir do Século XVI,
terei que lidar com um redimensionamento crescente de autores e títulos, talvez em
progressão geométrica, quiçá logarítmica. Aliás, no desenvolvimento desta tarefa não
pretendo sequer atingir os dias atuais e até serei cada vez mais lacunar à medida que for
avançando no tempo, pelo menos nesta oportunidade que, espero, seja apenas a avant-
première de um trabalho mais elaborado que pretendo publicar sobre o mesmo assunto.
Em segundo lugar, ao longo desta exposição achei por bem entender a expressão
HISTORIOGRAFIA E HISTORIADORES PARAIBANOS (que sob rigor semântico limitaria
sobremaneira, de forma inadequada, o tema em tela), como sendo a HISTORIOGRAFIA DA
PARAÍBA E HISTORIADORES DA PARAÍBA(a qual, assim posta, permite uma abordagem
mais conveniente da questão).
Dessa maneira, não me limitarei aqui apenas a autores nascidos no Estado da Paraíba e
que se dedicaram à História, mais particularmente, à sua História. Noutras palavras, quero
dizer que, por um lado, excluirei autores paraibanos de nascimento que se dedicaram à
História de outras plagas, tais como Carlos Eugênio Porto, autor do importante ROTEIRO
DO PIAUÍ [1. ed., Rio de Janeiro, 1955, 2. ed., Rio de Janeiro, 1974] (e aqui faço a
discriminação de todas as edições existentes, que não lerei, porque o tempo é exíguo,
prometendo registrar no trabalho posterior que prometi elaborar) mas, por outro lado,
computarei aqui muitos outros autores nascidos fora da Paraíba e que escreveram sobre a
História desta terra, como o ilustrado paulista J(oão). F(ernando)., [ou ainda, Yan] de
Almeida Prado, autor de uma discutível obra encomendada pelo jornalista Francisco de
Assis Chateaubriand Bandeira de Mello, sob o título de a CONQUISTA DA PARAÍBA
(SÉCULOS XVI A XVIII) (São Paulo, 1964), bem como autor de outro livro bem mais
apreciado, sob o título de PERNAMBUCO E AS CAPITANIAS DO NORTE DO BRASIL (1530-
1630): HISTÓRIA DA FORMAÇÃO DA SOCIEDADE BRASILEIRA [São Paulo, 1939-1942, 4
t.]. Ademais também não fará aqui a menor diferença se as obras em questão versam
com exclusividade ou com predominância ou apenas minoritariamente sobre a Paraíba,
cabendo, no caso, usar o bom sendo para incluí-las nessa exposição, mediante critério, por
excelência, do valor historiográfico.
Em terceiro lugar, seguindo a forma preconizada por José Honório Rodrigues, usarei
também aqui como critério de inclusão dos diversos autores e suas respectivas obras,
todavia sem usar de rigor absoluto, a “distinção entre documento histórico e
historiográfico”. Este último, evidentemente, é o que se aplica neste nosso tema,
entretanto, como também assinalou o mesmo historiógrafo acima citado, nem sempre é
simples de fazer tal distinção, já que “todo documento historiográfico é histórico, mas nem
todo documento histórico é historiográfico”. Assim, parafraseando o mesmo José Honório
Rodrigues, pode-se dizer que, com relação à Paraíba, a crônica anônima abreviadamente
conhecida como o SUMÁRIO DAS ARMADAS “é, por exemplo, documento histórico, fonte
principal de determinado período porque seu autor o escreveu (em boa parte), enquanto os
fatos se sucediam, e é documento historiográfico, com uma construção elaborada do
passado e do seu presente”.
Geografia e História da PB
305
Em quarto lugar, considero que para se planejar um estudo historiográfico, no caso um
estudo historiográfico da Paraíba, entendendo-se aqui a historiografia como a história da
história, é de particular importância que tal estudo se insira em um modelo coerente de
periodização – uma das coisas mais difíceis em História, segundo a abalizada opinião, entre
outros, do Prof. José Pedro Nicodemos – modelo este que, na prática, funcionará como um
roteiro sistemático e abrangente da obra que se pretende elaborar. Nesta específica
exposição, contentar-me-ei com apenas traçar um pálido esboço para um estudo
historiográfico da Paraíba com as características até agora delineadas, aproveitando para
tanto, inclusive, roteiros sistemáticos (ou modelos de periodização) preexistentes de
aceitável validade.
Em quinto lugar, não cuidarei nesta exposição, exceto em condições excepcionais, de
documentos manuscritos, particularmente os administrativos, nem tampouco de catálogos
impressos de documentos manuscritos. Tampouco cuidarei de bibliografias.
Em sexto lugar, por razões pouco adequadas e decerto vulneráveis porém, aqui, até certo
ponto plausíveis, considerando ainda que este trabalho se apresenta na prática apenas
como uma nota prévia de um estudo historiográfico mais abrangente que esta incumbência
a mim confiada neste Ciclo de Debates estimulou a desenvolver e a publicar em futuro
próximo, resolvi não incluir no final deste trabalho as necessárias referências bibliográficas
que, certamente, não dispensarei na sua versão definitiva, entretanto, ao longo deste
texto, indicarei muito sucintamente as edições das obras aqui registradas.
Finalmente, como sétima e derradeira premissa metodológica, sabendo que a
HISTORIOGRAFIA DA PARAÍBA não é privilégio exclusivo dos HISTORIADORES
PARAIBANOS, ou seja, dos autores nativos deste atual Estado da República, anterior
Província do Império e antiga Capitania da Colônia, também não será supérfluo, num
trabalho desta natureza, o assinalamento da naturalidade desses autores, bem como
outros eventuais dados interessantes das suas respectivas identidades, sempre que
oportuno.
Isto posto, desenvolverei a partir de agora um esboço historiográfico da Paraíba dando
ênfase, propositadamente, ao primeiro século da nossa História e tentando, na medida do
possível, preencher algumas das várias lacunas gritantes, para não falar de outras tantas
incorreções e imprecisões que se costumam ler em determinados ensaios historiográficos já
tão repetitivamente divulgados, apesar de suas carências metodológicas.
HISTORIOGRAFIA DA CONQUISTA E DA COLONIZAÇÃO INICIAL DA PARAÍBA
Levando-se em conta, por um lado, a utilização do idioma português em prosa como meio
de comunicação e, por outro lado, levando-se em conta o universo da Paraíba como
matéria exclusiva de abordagem temática, a historiografia desta terra se inicia, na prática,
com uma crônica sem data declarada, da autoria de um certo jesuíta anônimo, testemunha
presencial de boa parte dos fatos por ele relatados, versando sob as várias tentativas de
conquistas da Paraíba e abrangendo as ocorrências a elas pertinentes entre 1574 e 1587,
cujo título completo é SUMÁRIO DAS ARMADAS QUE SE FIZERÃO, E GUERRAS QUE SE
DERÃO NA CONQUISTA DO RIO PARAHIBA, ESCRIPTO E FEITO POR MANDADO DO MUITO
REVERENDO PADRE EM CHRISTO O PADRE CHRISTOVÃO DE GOUVÊA, VISITADOR DA
COMPANHIA DE JESUS DE TODA A PROVINCIA DO BRASIL, doravante simplesmente
denominado de SUMÁRIO DAS ARMADAS [hoje já com seis edições, porém, para espanto
geral, ainda sem qualquer verificação da fidelidade textual aos seus respectivos códices de
origem: 1. ed., Rio de Janeiro, 1848; 2. ed., Rio de Janeiro, 1873; 3. ed., Parahyba do
Norte, 1909; 4. ed., João Pessoa, 1974; 5. ed., Campina Grande (PB), 1983; 6. ed., Rio de
Janeiro, 1996]. Esta crônica tem sido ultimamente cognominada de a “Certidão de Batismo
da Paraíba” à semelhança do que ocorrera antes com a famosa carta de Pero Vaz Caminha
ao Rei de Portugal, D. Manuel, o Venturoso, por sua vez denominada a “Certidão de
Nascimento do Brasil”. Mesmo sabendo que, a rigor, o SUMÁRIO DAS ARMADAS, não é
cronologicamente a reação mais antiga sobre a Paraíba, aquela comparação entre esta
crônica anônima e a carta de Caminha é razoavelmente aceitável, todavia, somente até
certo ponto, uma vez que esta carta descreve certos episódios históricos in statu ascendi,
Geografia e História da PB
306
em que as fontes do relato foram exclusivamente os fatos observados pelo missivista à
medida que iam acontecendo. Já no caso do SUMÁRIO DAS ARMADAS, embora a mesma
característica possa ser observada ao longo da esmagadora maioria do seu texto, houve
entretanto algumas ocasiões em que seu autor não somente recorreu a fontes orais e
escritas, como também chegou a admitir que leu livros para redigir a sua crônica ao
afirmar: “Mas, tornando [eu agora] ao ponto, d’onde me[ad]verti, por dar [até aqui] uma
breve relação de cousas que, nos livros que falam do Brasil, não achei escriptas”.
Desta maneira, entre os indícios de várias outras obras que teriam sido consultadas por
aquele jesuíta anônimo tive a oportunidade de também averiguar, através de pesquisa
pessoal, a consulta feita por ele a uma outra crônica jesuítica mais antiga, também de
autor desconhecido, escrita em espanhol e hoje já duas vezes impressa, chamada
HISTÓRIA DE LA FVNDACION DEI COLLEGIO DE LA CAPITANIA DE PERNAMBUCO (1. ed,
Porto, 1923, Rio de Janeiro, 1936), cuja redação terminou em outubro de 1576.
Acerca do SUMÁRIO DAS ARMADAS escrevi ultimamente uma alentada crítica de atribuição
em três volumes, ainda inédita e em vias de publicação, sob o título de GRAVETOS DE
HISTÓRIA. REVISÃO DA CRÍTICA DE ATRIBUIÇÃO DA MAIS ANTIGA CRÔNICA DA PARAÍBA
E OUTRAS ACHEGAS HISTÓRICAS CNTEMPORÂNEAS. Neste trabalho, além de muitas
“outras achegas históricas contemporâneas”, veio finalmente à luz, através de elementos
de crítica interna e externa, não somente a data em que estava sendo redigido o SUMÁRIO
DAS ARMADAS (1594), data esta até hoje profusamente controvertida e sem qualquer
abordagem metodológica, como também foi possível tornar sem efeito a argumentação
básica que levou o ilustre historiador lusitano, padre Dr. Serafim Soares Leite, S.J;, a
concluir de forma aparentemente inquestionável que o autor daquela crônica primeva da
Paraíba seria obrigatoriamente o padre Simão Travaços, S.J. (nascido em Ferreiros, então
bispado de Braga, em Portugal), e não o padre Jerônimo Machado, S.J. (natural da
Capitania de São Vicente, no Brasil), os únicos possíveis candidatos à sua autoria. É preciso
ainda salientar aqui que o SUMÁRIO DAS ARMADAS jamais foi “Rebatisado [?]” em “1983”
com o nome de “HISTÓRIA DA CONQUISTA DA PARAÍBA”, como ultimamente tem sido
diversas vezes propalado, de maneira incorreta, em nosso meio. Este título geral espúrio,
cuja grafia original e escorreita é HISTÓRIA DA CONQUISTA DO [RIO] PARAHYBA, título
este que foi inicialmente utilizado de forma associada e antecedendo o nome verdadeiro
desta crônica anônima, não tem a menor importância para a identificação do SUMÁRIO
DAS ARMADAS e, na realidade, foi cunhado quase um século e meio antes de “1983”, ou
seja, no ano de 1848, por José Feliciano de Castilho Barreto e Noronha, responsável que foi
pela sua primeira edição no Rio de Janeiro. Melhor, portanto, será esquecer aquele título
geral espúrio que só serve para confundir a cabeça dos menos avisados, da mesma forma
que, felizmente, já foram esquecidos outros seis diferentes títulos sugeridos no século
passado para esta mesma crônica anônima (estes últimos de caráter substitutivo e não
associativo, o que foi mais grave), com osquais o grande historiador Francisco Adolpho
Varnhagen parecia, ao longo do tempo, estar querendo dificultar o leitor interessado a
identificação do SUMÁRIO DAS ARMADAS, já que este autor sorocabano, sem qualquer
referência prévia ao seu verdadeiro nome, teimava em chamá-la, ora de RELAÇÃO DA
TOMADA DA PARAÍBA (1851), ora DA CONQUISTA DO RIO PARAHIBA (1854), ora
JORNADA E CONQUISTA DA PARAHIBA (1874), ora GUERRAS DO RIO PARAHIBA (1877),
ora CONQUISTA DA PARAHIBA, 1587 [sic] (1877), ora DA CONQUISTA DA PARAHIBA
(1877). Registre-se ainda aqui que devo em breve preparar uma edição crítica e definitiva
do SUMÁRIO DAS ARMAAS incluindo as transcrições diplomáticas dos dois apógrafos
seiscentistas desta crônica, cuja íntegra é totalmente desconhecida do público leitor do
Brasil em que pese, como já ficou dito, o fato de esta obra já possuir seis edições entre
1848 e 1996.
Considerando-se ainda como referência básica a utilização do idioma português em prosa
como meio de comunicação, embora sem exclusividade temática para o universo da
Paraíba, não é possível deixar de assinalar aqui, para surpresa de alguns, dois importantes
escritos do padre Joseph de Anchieta, S.J. (canarinho de Tenerife), ambos anteriores à
redação do SUMÁRIO DAS ARMADAS, ambos do ano de 1584. Estes escritos, embora
Geografia e História da PB
307
extremamente superficiais, pois registram fragmentos históricos brevíssimos do processo
da conquista da Paraíba, nem por isso são negligenciáveis.
No primeiro texto o padre Joseph de Anchieta, S.J., escreveu apenas o seguinte: “No ano
de 1581 viera em companhia de Frutuoso Barbosa, que vinha povoar o rio da Paraíba, três
frades do Carmo e dois ou três do S. Bento a Pernambuco. Mas como não se povoou a
Paraíba, não fizeram mais que prègar e confessar sem fazer mosteiro. Veio também em
sua companhia um de S. Francisco que também prègou algum tempo em Pernambuco e
tornou-se para o reino”. Este primeiro excerto pertence à EMFORMAÇÃO DO BRAZIL E DE
SUAS CAPITANIAS. [1. ed., Rio de Janeiro, 1844; 2. ed., Rio de Janeiro, 1886; 3. ed., Rio
de Janeiro, 1886; 4. ed., Rio de Janeiro, 1933; 5. ed., São Paulo, 1964; 6. ed., Belo
Horizonte/São Paulo, 1988].
Já no segundo texto o padre Joseph de Anchieta, S.J., escreveu: “Por todo o tempo que
dursou a guerra da Paraíba [até este ano de 1584] feita por Diogo Flores [de Valdez],
comandante das tropas reais, os nossos pades, todos os dias, em preces e ladainhas,
rogavam a Deus onipotente a vitória dos Portugueses. Por essas preces, a divina bondade
não só lhes concedeu a princípio a desejava vitória, como também mais duas, ou três
vezes os aniou com o mesmo triunfo. Continuando o ataque ao reino por parte da armada,
com cerco tão apertado oprimiram o forte dos Cristãos [forte de São Felipe e São Tiago],
que quasi mortos de fome se viram obrigados a se alimentar de carne de cavalo. Com o
favor de Deus, desta vez alcançaram a vitória”.
Este segundo excerto pertence à BREVE NARRAÇÃO DAS COISAS RELATIVAS AOS
COLEGIOS E RESIDENCIAS DA COMPANHIA NESTA PROVINCIA BRASILICA, NO ANO DE
1584 [1. ed., Rio de Janeiro, 1897; 2. ed., São Paulo, 1900; 3. ed., 1933; 4. ed., Belo
Horizonte/São Paulo, 1988.]. Estes dois excertos, quando confrontados ao SUMÁRIO DAS
ARMADAS servem também para mostrar o estreito intercâmbio de notícias que existia já
naquele tempo entre os diversos Colégios e Residências da Companhia de Jesus. Quanto ao
último excerto, em particular, diga-se que o jesuíta anônimo, autor do SUMÁRIO DAS
ARMADAS, confirmou mais tarde aquela notícia do padre Joseph de Anchieta, S.J., segundo
a qual aqueles milicianos do efêmero forte de São Felipe e São Tiago tiveram que comer
carne de cavalo para não morrer de fome.
Com toda a segurança, é ainda daquele mesmo ano de 1584 a mais antiga obra referente
com exclusividade à Paraíba, a qual, entretanto, foi redigida em espanhol e em versos.
Trata-se de um interessantíssima crônica sobre uma das tentativas de conquista da
Paraíba, da autoria de Juan Peraza, soldado espanhol do General Diogo Flores de Valdez,
cujo título é RELACION CIERTA Y VERDADERA QUE TRATA DE LA VICTORIA Y TOMA DE LA
PARAYVA, QUE EL ILUSTRE DIOGO FLORES DE VALDEZ TOMÓ COM LA ARMADA DE SUA
MAGESTAD REAL, DE QUE LHE POR CAPITAN GENERA EM LA JORNADA DE MAGALLÁNES Y
GUARDA DE LAS INDIAS. CUENTA COMO CORRIENDO LA COSTA DEL BRASIL HALLÓ UN
PUERTO QUE LOS FANCEZES TENIAM TOMADO Y ALLI ESTABAN ELLOS FUERTES, Y DE
COMO SE LO GANÓ Y QUEMÓ LAS NAVES Y CASAS QUE TENIAM, COMO LO CUENTA LA
OBRA MAS LARGO [1. ed., Sevilla, 1584; 2. ed., Madrid, 1880].
O mestre João Capistrano Honório de Abreu conheceu esta crônica e chegou a sumariar seu
conteúdo reproduzindo alguns poucos versos seus sem, todavia, explicitar-lhe o longo
título. Embora essa crônica em versos de Juan Peraza seja muito raramente registrada por
igualmente raros autores, seu título ou seu texto integral, que consegui afinal coligir, bem
como sua própria existência continuam muito pouco conhecidos e jamais vi uma citação
por parte dos chamados especialistas em estudos historiográficos da Paraíba.
Aparentemente, o jesuíta anônimo, autor do SUMÁRIO DAS ARMADAS, também não
conheceu esta crônica em rimas de Juan Peraza, publicada em Sevilha em 1584.
Sem entrar no mérito da respectiva apreciação crítica também não se pode deixar de
assinalar aqui uma obra jesuítica da autoria do padre Fernão Guerreiro, S.J. (natural de
Almodovar, Portugal), que, embora não conhecendo o texto do SUMÁRIO DAS ARMADAS e
baseando-se em informações outras também de origem jesuítica, relatou um determinado
feito heróico não registrado nesta última crônica anônima, a qual teve como protagonista
Geografia e História da PB
308
um dos padres da Companhia de Jesus, aí não identificado, que acompanharam uma das
expedições de conquista da Paraíba, sob as ordens do Ouvidor Geral Martim Leitão. A
referida obra do padre Fernão Guerreiro, S.J., é a RELAÇAM ANNAL [sic] DAS COUSAS QUE
FEZERAM OS PADRES DA COMPANHIA DE JESUS, NAS PARTES DA INDIA ORIENTAL, 7 NO
BRASIL, ANGOLA, CABO VERDE, GUINE, NOS ANNOS DE SEISCENTOS 7 DOUS 7
SEISCENTOS 7 TRES, 7 DO PROCESSO DE CONVERSAM, 7 CHRISTANDADE D’AQUELLAS
PARTES, TIRADA DAS CARTAS DOS MESMOS PADRES QUE DE LÁ VIERAM. PELO PADRE
FERNAM GUERREIRO DA MESMA COMPANHIA, NATURAL DE ALMODOUVAR DE PORTUGAL
[1. ed., Lisboa, 1605; 2. ed., Coimbra, 1930-1942, 3 t.]. Muitos e muitos anos mais tarde,
tanto o Senador Cândido Mendes de Almeida quanto o padre Dr. Serafim Soares Leite, S.J.,
fizeram referência ao tal feito heróico (e fantástico), a respeito do qual este último autor
jesuíta se mostrou menos crédulo que o seu antecessor leigo Tive também a oportunidade
de tecer alguns comentários críticos sobre aquele episódio heróico nos GRAVETOS DE
HISTÓRIA..., atrás assinalados.
Outra obra extremamente importante para este período e que passou mais de trezentos e
cinqüenta anos inédita e sem tradução para o português é a de um autor franciscano, frei
Manuel da Ilha, O.F.M. [nascido em Portugal], que, mesmo sem ter vindo ao Brasil porém
baseado em documentação da sua Ordem, escreveu no ano de 1621, em latim, a
NARRATIVA DA CUSTÓDIA DE SANTO ANTÔNIO DO BRASIL: 1584/1621 (DIVI ANTONII
BRASILIAE CUSTODIAE ENARRATIO SEU RELATIO NUMERIQUE DOMORUM ET
DOCTRINARUM QUAE IN ELLA SUNT NECNON ALIARUM RERUM NARRATIONIS DIGNARUM,
ETC.). [1. ed., Petrópolis (RJ), 1975]. Nesta obra muitas informações de capital
importância para a Paraíba podem ser colhidas, entre as quais o esclarecimento das
circunstâncias e da data em que Frutuoso Barbosa construiu o forte do Inobi, sob a
invocação de Santa Margarida, bem como a em que também construiu a primeira versão
arquitetônica do forte do Cabedelo ambos no ano de 1589 e, neste último caso, ficam
assim totalmente retificadas tantas opiniões equivocadas e até hoje perpetuadas
repetitivamente para as novas gerações, inclusive uma obra didática local bastante
difundida que indica o ano de “1586” para o levantamento do forte do Cabedelo. Registre-
se, ainda, como ilustração adicional, que na NARRATIVA DA CUSTÓDIA DE SANTO
ANTÔNIO DO BRASIL: 1584/1621 existe uma importante informação sobre um ataque de
corsários franceses à Capitania da Paraíba em 1597, a qual fica em parte complementada
por outra obra que citarei logo adiante, editada em inglês por Richard Hakluyt.
Existe ainda uma outra crônica jesuítica anônima que, por sua vez, traz uma pequena,
porém, valiosa informação relativa aos primeiros anos da colonização da Capitania da
Paraíba (acerca da população branca e escrava, além do número de engenhos até então aí
levantados), informação esta que permaneceu inédita por quase quatro séculos. Trata-se
do manuscrito quinhentista da Biblioteca da Real Academia de la Historia, de Madrid,
conhecido como o Manuscrito de Madrid (redigido em 1590), para diferenciá-lo de outro
códice análogo pertencente à Biblioteca da Universidade de Coimbra. O Manuscrito de
Madrid tem o seguinte título: DE ALGUÃS COUSAS MAIS NOTAVEIS DO BRASIL E DE
ALGUNS COSTUMES DOS INDIOS [1. ed., Rio de Janeiro, 1966]. Graças a pesquisas do
padre Dr. Serafim Soares Leite, S.J., esta crônica é atribuída atualmente ao padre
Francisco Soares, S.J., nascido em Ponte de Lima, Portugal, e que morou no Brasil, mas
não conheceu a Capitania da Paraíba.
A obra que se segue e que já foi superficialmente antecipada há pouco, tem a
particularidade de ter sido publicada em inglês em 1600 e o documento (carta) nela
contido, que nos interessa mais de perto, foi produzido originalmente em português no dia
20 de agosto de 1597 por Feliciano Coelho de Carvalho, Governador da Capitania da
Paraíba, que o destinava ao Rei Felipe II da Espanha [I de Portugal], entretanto, esta
carta, de caminho para o Reino, veio a ser interceptada por corsários ingleses que,
levando-a à Inglaterra, aconteceu de ser vertida e publicada em inglês por Richard Hakluyt
numa obra extremamente famosa e rara. Esta carta relata com detalhes um relevante
episódio dos primórdios da colonização da Paraíba, ou seja, um poderoso ataque de uma
armada francesa que em 1597 foi repelida pela reação desassombrada do até aqui
anônimo e então Capitão do forte do Cabedelo, o qual pagou com a própria vida o fato de
Geografia e História da PB
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ter conseguido tão valente façanha. Nos GRAVETOS DE HISTÓRIA ... consegui demonstrar
a identificação, sem sombra de dúvida, deste incógnito herói da Paraíba, cujo nome sai
agora em primeira mão, ou seja Capitão Antonio Gonçalves Manaya, cujo posto veio a ser
em seguida preenchido pelo seu genro (casado com D. Maria Manaya), o futuro herói e não
menos aguerrido Capitão João de Mattos Cardoso e não “Francisco Cardoso de Matos”,
como tem sido infelizmente chamado de forma estropiada ao longo de sucessivas
reimpressões de uma conhecida obra didática sobre a Paraíba. Aquela carta que, a seu
turno, também não revela o nome do falecido Capitão do forte do Cabedelo, receu em
inglês o título de “A speciall letter written from Feliciano Cieza [sic, leia-se “Coelho”] de
Carvalsho [sic, leia-se “Carvalho”] the Governor of Parajua [“Paraíba”] in the most
Northerne part of Brasil, [20, August], 1597, to Philip the second King of Spaine,
answering his desire touching the conquest of Rio Grande [do Norte], with the relation of
the besieging of the Castle of Cabodelo [“Cabedelo”] by the frenchmen, and of the
discoverie of a rich silver mine diverse other important matters”.
A monumental obra de Richard Hakluyt onde este documento foi inserido, já então em
segunda edição, tem o seguinte título: THE PRINCIPAL NAVIGATION, VOIAGES,
TRAFFIQVES AND DISCOUERIES OF THE ENGLIS NATION,MADE BY SEA OR OUER-LAND,
TO THE REMOTE, AND FARTHEST DISTANT QUARTERS OF THE EARTH, AT ANY TIME
WITHIN THE COMPASSE OF THESE 1500, YEERES [2. ed., London, 1598-1600, 3 v.; 3. ed.,
Londres, 1812; 4. ed., Edinburgh, 1885; 5. ed.,Glasgow, 1904; 6. ed., London, 1928].
Existe ainda uma edição da mesma carta do Governador Feliciano Coelho de Carvalho
vertida para o idioma francês e publicada por Paul Louis Jacques Gaffarel em HISTOIRE DU
BRÉSIL FRANÇAIS AU SEIXIÈME SIÈCLE, obra esta que por motivos, no mínimo curiosos,
tanto quanto eu saiba, ainda não foi traduzida para o português [1. ed., Paris, 1878].
Não posso também deixar de assinalar aqui a CORRESPONDENCIA DE DIOGO BOTELHO
(GOVERNADOR DO ESTADO DO BRAZIL) (1602-1608) publicada no início deste século que
se finda [1. ed., 1910] que governou esta Colônia fixando residência na vila de Olinda,
Capitania de Pernambuco, correspondência esta coligida na Torre do Tombo, em cópia
paleográfica, e publicada pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Neste acervo
muitas notícias bastante valiosas e de particular interesse para a Paraíba no período em
tela podem ser aí encontradas, entre as quais a da extinção do forte do Inobi em 1603, por
se mostrar completamente supérfluo àquela altura, já que a margem esquerda do rio
Paraíba não sofria mais a ameaça dos potiguara, já reduzidos desde 1599.
Também não posso omitir o registro da RELAÇÃO DE AMBRÓSIO DE SIQUEIRA (1605) DA
RECEITA E DESPESA DO ESTADO DO BRASIL [1. ed., 1977], documento publicado há
pouco mais de duas décadas e que possui informações preciosas para a Capitania da
Paraíba, particularmente do governo de Feliciano Coelho de Carvalho.
De capital interesse para o período que estou aqui enfeixando é preciso assinalar duas
obras que hoje em dia, depois das sólidas argumentações do mestre José Antônio
Gonsalves de Mello (Neto) em 1984, devem ser atribuídas sem receio ao mesmo autor, o
Sargento-mor da Costa do Brasil Diogo de Campos Moreno, apesar de até então, a
segunda dentre elas ter precisado figurar sob a condição de autoria proposta, embora de
muito elevada probabilidade. Esta segunda obra, redigida “em 1612 ou, no máximo, no
ano de 1613”, segundo Helio Vianna, cujo texto, ainda manuscrito, sofreu várias alterações
entre 1625 e 1627, é a mais conhecida delas e tem um capítulo referente à Capitania da
Paraíba, onde o autor oferece valiosas informações coevas sobre a nossa terra. No
manancial desta obra, quando ainda manuscrita, muito se abeberou o historiador Francisco
Adolpho Varnhagen no ano de 1839. Sua primeira publicação integral foi feita há não
muitos decênios em terra estranha (Estados Unidos) pelo benemérito Engel Suiter, tendo
que se esperar mais meia década para que a primeira publicação integral (e crítica)
brasileira fosse dada a lume por Helio Vianna. Estou falando do LIVRO QUE DÁ RAZÃO DO
ESTADO DO BRASIL – 1612 [1. ed., 1949; 2. ed., 1955; 3. ed., 1968]. Já a primeira das
duas obras de Diogo de Campos Moreno a que me reportei acima, a meu ver a mais
importante para o nosso caso e, seguramente, a menos conhecida e menos divulgada não
somente na HISTORIOGRAFIA DA PARAÍBA como também na HISTORIOGRAFIA DO
Geografia e História da PB
310
BRASIL, já que, ao que tudo indica, nem o enciclopédico historiógrafo José Honório
Rodrigues teve notícia dela, parece ser uma redação primitiva do LIVRO QUE DÁ RAZÃO
DO ESTADO DO BRASIL – 1612, porém, com texto independente e raramente aproveitado
nesta versão mais moderna. Neste texto mais antigo também se vêem valiosíssimas
informações sobre a Capitania da Paraíba, cujo capítulo tem a enorme vantagem de arrolar
os engenhos da Paraíba no ano de 1609, data em que esta obra foi redigida. Estou falando
da RELAÇÃO DAS PRAÇAS FORTES, POVOAÇÕES E COUSAS DE IMPORTÂNCIA QUE SUA
MAGESTADE TEM NA COSTA DO BRASIL, FAZENDO PRINCÍPIO DOS BAIXOS OU PONTA DE
SÃO ROQUE PARA O SUL DO ESTADO [do Brasil] E DEFENSÃO DELAS, DE SEUS FRUITOS E
RENDIMENTOS, FEIA PELO SARGENTO-MOR DESTA COSTA [do Brasil] DIOGO DE CAMPOS
MORENO NO ANO DE 1609, publicada há apenas três lustros pelo Prof. José Antonio
Gonsalves de Mello (Neto), que lhe adicionou uma excelente introdução crítica [1. ed.,
1984]. A propósito, com o intuito de elucidar uma velha questão acerca dos primeiros
engenhos de açúcar desta antiga Capitania, publiquei há alguns meses o livro PÁGINAS DE
HISTÓRIA DA PARAÍBA – REVISÃO CRÍTICA SOBRE A IDENTIFICAÇÃO E LOCALIZAÇÃO
DOS DOIS PRIMEIROS ENGENHOS DE AÇÚCAR DA PARAÍBA [1. ed;. João Pessoa, 1999],
onde fica esclarecido que a segunda fábrica de açúcar desta terra não se quedava, como se
pensava, à margem do rio Tibiri e era, na realidade, era o engenho de Santo André.
Temos agora a comentar uma obra sem autoria declarada, da mais alta importância tanto
na Literatura Brasileira quanto nas Letras Históricas do Brasil e que foi considerada por
José Honório Rodrigues como um dos doze maiores livros escritos sobre o Brasil no Período
Colonial, e que estava sendo redigido em 1618 na Capitania da Paraíba, onde o seu mais
do que provável autor, o cristão-novo português Ambrósio Fernandes Brandão chegou a
possuir três engenhos, além de um outro na Capitania de Pernambuco. Estamos falando
dos DIÁLOGOS DAS GRANDEZAS DO BRASIL [cujas edições contendo os seus seis diálogos
ou partes são: 1. ed., Recife, 1886-1887 (em periódico); 2. ed., Rio de Janeiro, 1900 (em
periódico); 3. ed., Rio de janeiro, 1930 (ou 1. ed. independente em livro); 4. ed., Rio de
Janeiro, 1943 (2. ed. independente em livro); 5. ed., Salvador, 1956 (3. ed. independente
em livro); 6. ed., Recife, 1962 (4. ed. independente e a 1. ed. integral segundo o apógrafo
de Leyden); 7. ed. Recife, 1966 (5. ed. independente em livro e a 2. em ed. integral
segundo o apógrafo de Leyden); 8. ed., Rio de Janeiro, 1968 (6. ed. independente em
livro); 9. ed. São Paulo/Brasília, 1977 (7. ed. independente em livro);10. ed., Recife, 1999
(8. ed. independente em livro).
O autor desta obra mostra-se um apologista da Capitania da Paraíba sobre o qual versa
extensamente. Além disto ele revela uma cultura muito acima da média do seu tempo.
Acerca desta matéria, publiquei há alguns anos uma plaqueta intitulada: LEVANTAMENTO
DAS PUBLICAÇÕES DOS DIÁLOGOS DAS GRANDEZAS DO BRASIL COM ALGUMAS NOTAS
SOBRE O SEU MAIS DO QUE PROVÁVEL AUTOR [1. Ed., João Pessoa, 1994]. Cumpre ainda
dizer, mais uma vez, que no ano de 1618 jamais existiu uma edição dos DIÁLOGOS DAS
GRANDEZAS DO BRASIL, como tem sido erroneamente divulgado em mais de uma obra
paraibana. Esta data de 1618, não custa repetir, corresponde ao ano em que estava sendo
redigida esta obra que, aliás, só começou a ver a letra de forma, ainda de maneira
incompleta, no ano de 1849, no mesmo periódico (ÍRIS) e pelo mesmo editor, José
Feliciano de Castilho Barreto e Noronha, que um ano antes havia publicado a primeira
edição do SUMÁRIO DAS ARMADAS. Em paralelo, diferentemente do que tem sido
erroneamente divulgado reiteradas vezes nesta terra, a edição de 1966 dos DIÁLOGOS
DAS GRANDEZAS DO BRASIL também não é a segunda edição, mas sim a nona edição
geral desta obra ou a sétima edição contendo os seis diálogos que a compõem ou a quinta
edição desta obra de forma independente (livro) ou a segunda edição integral desta obra,
segundo o apógrafo de Leyden, mais completo que o apógrafo da Biblioteca Nacional de
Lisboa, que serviu para outras edições.
Existe ainda uma excelente relação escrita em 1630 por um piloto português residente na
Cidade Felipéia de Nossa Senhora das Neves (atual Cidade de João Pessoa), a respeito da
cabeça da Capitania da Paraíba, relação esta que foi descoberta na Biblioteca Nacional de
Madrid por Francisco Adolpho Varnhagen, que se encarregou de publicá-la mais tarde.
Trata-se da DESCRIÇÃO DA CIDADE, E BARRA DA PARAHIBA DE ANTÕNIO GONÇALVES
Geografia e História da PB
311
PASCHOA, PILOTO NATURAL DE PENICHE, QUE HÁ VINTE ANNOS QUE RESIDE NA DITA
CIDADE [1. ed., Viena d’Áustria, 1871; 2. ed., Parahyba do Norte, 1911].
HISTORIOGRAFIA DA PARAÍBA RELATIVA AO PERÍODO HOLANDÊS NO NORDESTE
DO BRASIL
Ao longo deste recorte temporal eu não poderia me contentar, evidentemente, com a
menção isolada à apenas uma obra que representaria todo este período, qual seja uma
bastante conhecida relação de Elias Herckmans, a exemplo do que já tenho visto noutros
estudos historiográficos da Paraíba, mesmo porque não concordo com o fato de iniciar esta
fase da historiografia colonial da Paraíba com o citado escrito do “Poeta Aventureiro”.
Por outro lado, considero de boa norma, tratando-se deste específico período, fazer
confrontar, sempre que possível, obras de autores do partido neerlandês a obras de
autores do partido ibero-brasileiro. Ademais, a rigor, o período holandês na Paraíba não
começa com o guante que eles impuseram a esta Capitania durante vinte anos a partir do
apagar das luzes de 1634. Começa, na verdade, nove anos antes disto, em 1625, quando a
esquadra holandesa de socorro à Bahia, comandada pelo General Boudewijn Hendrick-
zoon, tendo chegado ali tarde demais, retornou até a altura da Baía da Traição na
Capitania da Paraíba, onde fundeou a 21 de junho de 1625 para fazer aguada e tratar dos
doentes que trazia a bordo, aí permanecendo até 01 de agosto de 1625 , tendo promovido
não poucos estragos nesta terra mas também com perdas sofridas. Esta arribada fez com
que a Paraíba, depois da Bahia, viesse a ser a primeira Capitania a sofrer as conseqüências
das invasões holandesas no Brasil, antes mesmo da Capitania de Pernambuco em 1630. De
tudo isto ocorrido em 1625 na Paraíba o padre Bartolomeu Guerreiro, S.J. (por sinal, irmão
biológico do padre Fernão Guerreiro, S.J., acima citado), do lado português, deu bom
testemunho na sua JORNADA DOS VASSALOS DA COROA PORTUGUESA [1. ed., Lisboa,
1625; 2. ed., Rio de Janeiro, 1860; 3. ed., Rio de Janeiro, 1966]. Já do lado neerlandês
este episódio (e tantos outros acontecidos até o ano de 1636), foi detalhadamente
relatado, à luz de documentos oficiais, por Joannes de Laet, na sua HISTÓRIA OU ANNAES
DOS FEITOS DA COMPANHIA PRIVILEGIADA DAS INDIAS OCCIDENTAIS DESDE O SEU
COMEÇO ATÉ AO FIM DO ANNO DE 1636 POR JOANNES DE LAET, DIRETOR DA MÊSMA
COMPANHIA (Historie Ofte Iaerlijck Verhael van de Varrichtinghen der Georctroyeerde
Weft-indifche Compagnie, Zedert haer Begin tot het eynde van’t jaer fefthien-hondert fes-
em-dertich; Begrepen in Derthien Boecken, Ende met verfcheyden koperen Platen
verciet:Befch-reven door IOANNES DE LAET Bewint-hebber der felber Compagnie) [1. ed.,
Leyden, 1644; 2. ed., Rio de Janeiro, 1916-1625, 2 t.; 3. ed., Haia, 1931-1937, 4 v].
Desde muito cedo os “flamengos” tiveram razoável conhecimento sobre a Paraíba através
de inúmeros relatórios, que se sucederam ao longo do tempo. Ao que parece, o mais
antigo deles é de um judeu-português estabelecido em Amsterdã, chamado José Israel da
Costa, que organizou uma relação de engenhos das Capitanias de Pernambuco, Itamaracá
e Paraíba (indicados apenas pelos nomes dos seus respectivos donos), no ano de 1623
(aparentemente mais tarde), a qual foi anexada a posteriori a um memorial apresentado
aos Estados Gerais dos Países Baixos, sob o título AÇÚCARES QUE FIZERAM OS ENGENHOS
DE PERNAMBUCO, ILHA DE ITAMARACÁ E PARAÍBA [ ed., Recife, 1968; 1. ed., Recife,
1981].
Por sua vez, ainda muito precocemente surgiu uma MEMÓRIA APRESENTADA AOS
SENHORES DO CONSELHO DESTA CIDADE DE PERNAMBUCO, SOBRE A SITUAÇÃO,
LUGARES, ALDEIAS E COMÉRCIO DA MESMA CIDADE, BEM COMO DE ITAMARACÁ,
PARAÍBA E RIO GRANDE [do Norte] SEGUNDO O QUE EU, ADRIAEN VERDONCK, POSSO ME
RECORDAR. ESCRITA EM 20 DE MAIO DE 1630 [1. ed., Recife, 1901; 2. ed., Recife, 1949;
3. ed., São Paulo, 1977; 4. ed., Recife, 1981].
No início de dezembro de 1631 uma poderosa armada neerlandesa, oriunda da Capitania
de Pernambuco, que estava por eles invadida desde 1630, sofreu um grande revés ao
atacar a Capitania da Paraíba com o objetivo de conquistá-la. Do lado holandês, entre as
poucas fontes ou obras básicas que registram este episódio, incluindo o texto acima
referido de Joannes de Laet, figura um importantíssimo livro escrito por testemunha
Geografia e História da PB
312
presencial do feito, o alemão Ambrósius Rischshoffer (natural de Estrasburgo), que em
português recebeu o título de DIÁRIO DE UM SOLDADO DA COMPANHIA DAS ÍNDIAS
OCCIDENTAIS (1629-1632), mas que em alemão chamou-se Brassiliannifchund Weft
Indianifch Reiffe Refchrelbung (ou, literalmente, Descrição de Viagem ao Brasil e às Índias
Ocidentais), [1. ed., Estrasburgo, 1677; 2. ed., Recife, 1897; 3. ed., Haia, 1930; 4. ed.,
Recife,1977; 5. ed., São Paulo, 1978].
A este depoimento precioso do lado holandês se contrapõe um outro, raríssimo, até agora
inaproveitado, na prática, na HISTORIOGRAFIA DA PARAÍBA e na HISTORIOGRAFIA DO
BRASIL, também de testemunha presencial, porém do lado português, cujo autor é frei
Paulo do Rosário, O.S.B. (natural da Cidade do Porto), e cuja obra valiosíssima estou
republicando em edição crítica. Seu título é RELAÇAM BREVE, E VERDADEIRA DA
MEMORAVEL VICTORIA, QUE OUUE O CAPITÃO MÔR DA CAPITANIA DA PARAIBA ANTONIO
DE ALBUQUERQUE, DOS REBELDES DE OLANDA, QUE FAÕ VINTE NÁOS DE GUERRA, 7
VINTE 7 FETE LANÇCHAS; PRETENDERÃO OCCUPAR EFTA PRAÇA DE FUA MAGETTADE,
TRAZENDO NELLAS PERA O EFFEITO DOUS MIL HOMENS DE GUERRA EFCOLHIDOS A FORA
A GENTE DO MAR [1. ed., Lisboa, 1632]. A respeito da importância desta obra na
historiografia do período holandês no Brasil publiquei, recentemente, uma plaqueta com o
título O FRACASSO HOLANDÊS NA CAPITANIA DA PARAÍBA EM 1631[1.ed., João
Pessoa,1998].
Também do lado português, dizendo também respeito à Paraíba, serve como fonte básica
para este e muitos outros fatos relativos ao período holandês entre 1630 e 1638, uma obra
da autoria de Duarte de Albuquerque Coelho, publicada originalmente em espanhol, a qual,
pouco mais ou menos representa um contraponto daquela outra de Joannes de Laet, cujo
título no vernáculo é MEMÓRIAS DIÁRIAS DA GUERRA DO BRASIL: 1630-1638 (Memorias
Diárias de la Gverra del Brasil.por discvrso de nveve años, empeçando desde el de
M.DC.XXX) [1. ed., Madrid, 1654; 2. ed., Rio de Janeiro, 1855; 3. ed., Recife, 1944; 4. ed.,
Recife, 1982]. Ainda do lado português também pode funcionar como uma referência
básica para a mesma matéria (e muitas outras relacionadas à Paraíba) a NOVA LUSITANIA
HISTORIA DA GUERRA BRASILICA do alentejano Francisco de Brito Freyre [1. ed., Lisboa,
1675; 2. ed., Recife, 1977]. Há quem veja esta obra de Francisco de Brito Freyre, pelo
menos em parte, influenciada pelo texto da obra anterior. Outra obra básica do partido
português é a HISTORIA DA GUERRA DE PERNANBUCO [1. ed. integral, Recife, 1984] do
portuense Diogo Lopes de Santiago, mestre de Gramática em Pernambuco No texto ainda
inédito desta obra muito se abeberou (com pouco proveito) o vimaranense frei Raphael de
Jesus, O.S.B., para redigir o pouco apreciado CASTRIOTO LUSITANO [1. ed., Lisboa, 1679;
2. ed., Paris, 1844; 3. ed., Recife, 1979].
A fase nassovista do período holandês (1637-1644) e que diz igualmente respeito à
Capitania da Paraíba, tem entre os principais atores do seu partido, Kaspar van Baerle,
mais conhecido pelo nome latinizado de Caspar Baleus ou, no vernáculo, Gaspar Barléu que
escreveu em latim (depois traduzido para o alemão, para o holandês e para o português),
uma importante obra, embora panegírica e elaborada sob encomenda do próprio João
Maurício, Conde Nassau-Siegen, cujo título para nós ficou sendo HISTÓRIA DOS FEITOS
RECENTEMENTE PRATICADOS DURANTE OITO ANOS NO BRASIL E NOUTRAS PARTES SOB
O GOVERNO DE WESEL, TENENTE-GENERAL DE CAVALARIA DAS PROVÍNCIAS-UNIDAS
SOB O PRÍNCIPE DE ORANGE (Casparis Balaei, Rervm per octennivm in Brasília et alibi
nuper geftarum, Sub Praefectura Illftriffimi Comitis I. Mavritii, Nassoviae, &c. Comitis,
Nunc Vefallae Gubernatoris & Equitatus Foederatorum Belfii Ordd. Fub Avriaco Ductoris,
Historia) [1. ed., Amsterdam, 1647; 2. ed., Clèves, 1659; 3. ed., Clèves, 1660; 4. ed.,
Haia, 1923; 5. ed., Rio de Janeiro, 1940].
Outra obra do período holandês de interesse para a Paraíba, embora precise ser lida com
bastante cuidado em certas passagens, tem por autor Johan Jacob Nieuhof, a qual em
português recebeu o nome simplificado de MEMORÁVEL VIAGEM MARÍTIMA E TERRESTRE
AO BRASIL (Johan Neuhofs Gedenkweerdige Brasiiaense Zee- em Lant-Reize. Behelzende
Al het geen op dezenve is voorgevallen. Beneffens Een bondige befchrijving van gantfch
Nererlants Brasil, Zoo van lantfchappen,fteden, dieren,gewaffen, ais draghten, zeden on
Geografia e História da PB
313
godsdienft des inwooders: En in zonderheit Een wijtloopig verhael der merkwaardigfte
voovallen en gefchiedeniflen, die zich, geduurende zijn negenjarigh verblijf in Brafil, in
d’oologen en opflant der Portugefer tegen d’ozen, zich federt het jaer 1640 tot 1649.) [1.
ed., Amsterdam, 1682; 2. ed., London, 1703-1704; 3. ed., London, 1732; 4. ed., London,
1744; 5. ed., London, 1767; 6. ed., Berlim, 1773; 7. ed., Amsterdam, 1786-1787; 8. ed.,
London, 1808-1814; 9. ed., São Paulo, 1942; 10. ed., 1951; 11. ed., Belo Horizonte/São
Paulo, 1981].
Entre os documentos holandeses exclusivamente referentes à Paraíba temos o do Dr.
Servaes Carpentier, cujo título em português é RELATÓRIO SOBRE A CAPITANIA DA
PARAÍBA EM 1635, PELO SR. DR. SERVAES CARPENTIER, CONSELHEIRO POLÍTICO E
DIRETOR DA MESMA CAPITANIA (Raport van de Capitania Paraíba – 1635) [1. ed., Leyden,
1644; 2. ed., Rio de Janeiro, 1925; 3. ed., Haia, 1937; 4. ed., 1981; 5. ed., Campina
Grande (PB), 1989], e o relatório de Elias Herckmans que também foi Diretor da Capitania
da Paraíba, datado de 1639, cujo título em português é DESCRIÇÃO GERAL DA CAPITANIA
DA PARAIBA (Generale Beschrjvinge van de Capitania Paraíba) [1. ed., Utrecht, 1879; 2.
ed., Recife, 1886; 3. ed., Parahyba do Norte, 1910; 4. ed., João Pessoa, 1959-1964; 5.
ed., João Pessoa, 1975; 6. ed., João Pessoa, 1982; 7. ed., João Pessoa, 1982; 8. ed.,
Recife, 1985; 9. ed., Campina Grande, 1989]
Existem outros dois documentos holandeses onde parte não negligenciável deles se refere
à Paraíba. Um deles é da autoria de Adriaen Jacobszoon van der Dussen, Alto e Secreto
Conselheiro no Brasil holandês, tendo sido terminado a 10 de dezembro de 1639 e cujo
título em português é RELATÓRIO SOBRE O ESTADO DAS CAPITANIAS CONQUISADAS NO
BRASIL, APRESENTADO PELO SENHOR ADRIAEN VAN DER DUSSEN, AO CONSELHO DOS
XIX NA CÂMARA DE AMSTERDAM, EM 4 DE ABRIL DE 1640 [1. ed., Haia, 1923; 2. ed., Rio
de Janeiro, 1947; 3. ed., Recife, 1981]. O outro relatório, datado de 14 de janeiro de 1638
mas certamente iniciado no ano anterior, vem assinado por João Maurício, Conde de
Nassau-Siegen, por Matias van Ceulen e por Adriaen Jacobszoon van der Dussen, embora,
ao que tudo indica, este último tenha sido o principal responsável pela sua redação. Seu
título em português é BREVE DISCURSO SOBRE O ESTADO DAS QUATRO CAPITANIAS
CONQUISTADAS, DE PERNAMBUCO, ITAMARACÁ, PARAÍBA E RIO GRANDE (do Norte),
SITUADAS NA PARTE SETENTRIONAL DO BRASIL [1. ed., Utrecht, 1879; 2. ed., Recife,
1887; 3. ed., Recife, 1981].
A propósito dos últimos tempos do domínio holandês no Brasil e também interessando à
Paraíba deve-se citar aqui uma obra originalmente impressa na Cidade de Paris, em
francês, da autoria de Pierre Moreau (HISTOIRE DES DERNIERS TROUVBLES DV BRESIL,
ENTRE LES HOLLANDOIS E LES PORTVGAIS, PAR PIERRE MOREAV, NATIF DE LA VILLE DE
PARREY EM CHAROLLOIS), a qual, em várias edições vem sendo publicada juntamente com
uma relação de Roulox Baro sobre os índios tapuias (RÉLATION DV VOYAGE DE ROVIOX
BARO...), traduzida do holandês para o francês pelo próprio Pierre Moreau, a que se segue
um escrito adicinal da autoria de Claude Barthélemy Morisot sobre a relação precedente de
Roulox Baro (REMARQUES DV SIEVR [Claude Barthélemy] MORISOT SVR LE GOYAGE DE
ROVLOX BARO AU PAYS DE TAPUIES). Em português existem edições tanto com os dois
primeiros escritos quanto com todos os três e no Brasil seu último título ficou sendo
HISTÓRIA DAS ÚLTIMAS LUTAS NO BRASIL ENTRE HOLANDES E PORTUGUESES E
RELAÇÃO DA VIAGEM AO PAÍS DOS TAPUIAS[1. ed., Paris, 1651; 2. ed., Amsterdam,
1652; 3. ed., Rio de Janeiro, 1923; 4. ed., Belo Horizonte/São Paulo, 1979].
Sobre a capitulação holandesa e também dizendo respeito à Paraíba a anônima RELAÇAM
DIARIA DO SÍTIO, E TOMADA DA FORTE PRAÇA DO RECIFE, RECUPERAÇÃO DAS
CAPITANIAS DE ITAMARACÁ, PARAÍBA, RIO GRANDE [do Norte], CIARÁ & ILHA DE FERNAÕ
DE NORONHA, POR FRANSIFCO BARRETO MEFTRE DE CAMPO GENERAL DO EFTADO DO
BRAFIL, 7 GOUVERNADOR DE PERNAMBUCO [1. ed., Lisboa, 1654; 2. ed., Rio de Janeiro,
1889; 3. ed., Recife, 1979], geralmente atribuído ao Dr Antônio Barbosa Bacelar.
Há ainda uma obra do Século XIX de particular interesse para o período holandês na
Paraíba, da autoria do historiador sorocabano Francisco Adolpho Varnhargen, cujo título é
HISTORIA DAS LUTAS COM OS HOLLANDEZES NO BRASIL DESDE 1624 A 1654 [1. ed.,
Geografia e História da PB
314
Vienna d’Áustria, 1871; 2. ed., Lisboa, 1874; 3. ed., São Paulo, 1943; 4. ed., São Paulo,
1945; 5. ed., Salvador, 1955].
Já no Século XX temos inúmeras obras de valor porém me limitarei apenas a duas que
também dizem respeito à Paraíba e são de fundamental importância para o domínio
holandês no Brasil. Uma delas é da autoria do Prof. José Antonio Gonsalves de Mello
(Neto), cujo título é TEMPO DOS FLAMENGOS: INFLUÊNCIA DA OCUPAÇÃO HOLANDESA NA
VIDA E NA CULTURA DO NORTE DO BRASIL [1. ed., Rio de Janeiro, 1947; 2. ed., (1ª
tiragem), Recife, 1978; 2. ed., (2ª tiragem), Recife, 1979; 2. ed., (3ª tiragem), 1979; 3.
ed., Recife/Brasília, 1987]. A outra tem como autor Frans Leonard Schalkwijk e seu título é
IGREJA E ESTADO NO BRASIL HOLANDÊS: 1630-1654, cujo prefácio é do Prof. José
Antonio Gonsalves de Mello (Neto) [1. ed., Recife, 1986].
A PARAÍBA NA HISTORIOGRAFIA GERAL DO BRASIL A PARTIR DO SÉCULO XVI
ATÉ A SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX
Já é hora de volver minha atenção para algumas outras obras deste específico recorte
cronológico em questão, as quais poderiam também ser rotuladas como tratados de
história e crônicas gerais sobre o Brasil. A mais antiga delas para a HISTORIOGRAFIA DA
PARAÍBA é a obra enciclopédica de Gabriel Soares de Souza, natural de Portugal, dada ao
público em letra de forma, sob a forma mais completa possível, pelo ilustre historiador
sorocabano Francisco Adolpho de Varnhagen, a quem a HISTORIOGRAFIA DO BRASIL
muito deve, também neste particular, por ter ele conseguido editar este livro após
esclarecer-lhe a autoria, analisar-lhe o texto e fixá-lo definitivamente através do estudo de
muitos dos seus códices existentes em vários países, atribuindo-lhe uma data de redação,
atribuindo-lhe não somente um título geral, bem como atribuindo-lhe uma data de redação,
ou seja, o ano de 1587 (aliás, o eminente médico e historiador Manuel Augusto Pirajá da
Silva, que também editou esta obra, não concordou nem com aquele título nem com a
aposição daquela data agregada ao título geral). Sem contar as publicações muito
incompletas desta obra, anteriores ou posteriores ao Barão e Visconde de Porto Seguro, as
edições segundo a proposição de Francisco Adolpho de Varnhagen têm o título de TRATADO
DESCRIPTIVO DO BRAZIL EM 1587, OBRA DE GABRIEL SOARES DE SOUZA, SENHOR DE
ENGENHO DA BAHIA, N’ELLA RESIDENTE DEZESSETE ANNOS, SEU VEREADOR DA
CAMARA, ETC. [Rio de Janeiro, 1851; Rio de Janeiro, 1879; Rio de Janeiro, 1886; Rio de
Janeiro, 1938; Madrid, 1958; Rio de Janeiro, 1971; Rio de Janeiro, 1973; Rio de Janeiro,
1987].
Desta mesma obra, também com seu texto integral ou, melhor dizendo, o recuperado por
Francisco Adolpho de Varnhagen, surgiram várias edições com o título de NOTÍCIA DO
BRASIL [São Paulo, 1948; São Paulo, 1951; São Paulo, 1974; São Paulo, 1974]. Nesta
obra ciclópica de Gabriel Soares de Souza é preciso, entretanto, ler com bastante cuidado a
parte que toca à Paraíba, particularmente o seu “CAPÍTULO XII”, onde o autor (proveniente
da Bahia, encontrava-se no Reino desde 1584), deu algumas informações incorretas sobre
o que lá tinha acontecido recentemente nas lutas de conquista da Paraíba, notícias estas
certamente colhidas de segunda mão a partir de algum navegante vindo do Brasil e que
teria então chegado a Madrid.
Eis que é chegada a hora de falar sobre o “Heródoto brasileiro” e sua imprescindível obra
histórica concluída em 1627, ou seja, Frei Vicente do Salvador, O.F.M. (natural da Bahia), e
sua HISTÓRIA DO BRASIL [cujas edições contendo os seus cinco livros ou partes são: 1.
ed., Rio de Janeiro, 1889; 2; ed., São Paulo, 1918; 3. ed., São Paulo, 1931; 4. ed., São
Paulo, 1954; 5. ed., São Paulo, 1965; 6. ed., São Paulo/Brasília, 1975; 7. ed., Belo
Horizonte/São Paulo, 1982].
Antes de vestir o hábito de São Francisco, em 1599, e professado a Ordem Franciscana no
dia 30 de janeiro de 1600, frei Vicente do Salvador, O.F.M., havia estudado na
Universidade de Coimbra, onde se doutorou in utroque jure, retornando à Bahia em 1587,
onde tomou as ordens sacerdotais (clero secular), razão pela qual ele jamais “foi
testemunha ocular da conquista da Paraíba”, como se lê de forma abstrusa em diversas
tiragens determinada obra didática sobre a Paraíba. Somente em torno de 1603 ou pouco
Geografia e História da PB
315
mais tarde é que o “Heródoto brasileiro” esteve missionando índios nesta terra. Foi com
sua experiência pessoal e, principalmente, com o texto manuscrito do SUMÁRIO DAS
ARMADAS à vista (além de outra fonte, hoje desconhecida, eventualmente consultada), é
que frei Vicente do Salvador, O.F.M., versou sobre a Paraíba. Aliás, como afirmei nos
GRAVETOS DE HISTÓRIA... . “Na verdade não há um só capítulo do SUMÁRIO DAS
ARMADAS cujo texto não tenha sido aproveitado, ao menos em parte, na redação da
HISTÓRIA DO BRASIL do franciscano baiano”. Diga-se ainda que a Paraíba foi
extremamente bem aquinhoada pelo “Heródoto brasileiro” na sua HISTÓRIA DO BRASIL.
Basta que se leia o “Capítulo Vigésimo Quarto” do seu “Livro Terceiro”. Ademais, no seu
“Livro Quarto” este autor trata da Paraíba desde o “Capítulo Terceiro” até o “Capítulo
Décimo Sexto”, além do “Capítulo Vigésimo Segundo”, do “Capítulo Vigésimo Quinto” ao
“Capítulo Trigésimo Terceiro” (Estão infelizmente perdidos os textos do “Capítulo Vigésimo
Sexto” ao “Capítulo Vigésimo Nono” e a parte inicial do “Capítulo Trigésimo”, o “Capítulo
Trigésimo Sétimo”, o “Capítulo Trigésimo Nono”, o “Capítulo Quadragésimo Primeiro”, e o
Quadragésimo Terceiro”. Frei Vicente do Salvador, O.F.M., havia escrito antes, em 1618,
uma outra obra, a CRÔNICA DA CUSTÓDIA DO BRASIL, hoje infelizmente perdida, em que
certamente também versou sobre a Capitania da Paraíba. De qualquer forma, Frei Manuel
da Ilha, O.F.M., conheceu e aproveitou esta obra para redigir a sua CRÔNICA DA
CUSTÓDIA DE SANTO ANTÔNIO DO BRASIL: 1584/1621. Ainda dizendo respeito à
HISTÓRIA DO BRASIL do “Heródoto brasileiro” faz-se necessário assinalar aqui, movido
pela constatação do que existe de melhor na moderna historiografia paraibana, um
excelente trabalho do eminente Prof. José Pedro Nicodemos intitulado A CONTRIBUIÇÃO
HISTORIOGRÁFICA DE FREI VICENTE DO SALVADOR [1. ed., João Pessoa, 1971], cujo
valor historiográfico, muito menos exaltado do que bem merece, só se rende para os
extraordinários “Prolegômenos” com que o mestre Capistrano de Abreu enriqueceu a nossa
primeira História do Brasil escrita por um nativo da terra. Desta maneira, a
HISTORIOGRAFIA DA PARAIBA e a HISTORIOGRAFIA DO BRASIL, lhe agradecem
penhoradamente, caro Prof. José Pedro Nicodemos.
Depois de frei Vicente do Salvador, O.F.M., o primeiro nativo deste País a escrever uma
História do Brasil, foi preciso se esperar aproximadamente o transcurso de um século para
que surgisse uma nova obra histórica geral do Brasil e, portanto, também contemplando a
Capitania da Paraíba.
Aqui eu me limitarei simplesmente a registrar as obras mais significativas através de suas
edições completas, tais como a HISTÓRIA DA AMERICA PORTUGUESA, por Sebastião da
Rocha Pitta; O NOVO ORBE SERAFICO BRASILICO, por Antônio de Santa Maria Jaboatão;
DESAGRAVOS DO BRASIL E GLORIAS DE PERNAMBUCO, por D. Domingos do Loreto Couto;
NOBILIARCHIA PERNAMBUCANA, por Antonio José Victoriano Borges da Fonseca, que é
livro de Genealogia e de História, como o é os DESAGRAVOS DO BRASIL E GLÓRIAS DE
PERNAMBUCO; COROGRAFIA BRASÍLICA, do padre Manuel Ayres de Casal; HISTÓRIA
MILITAR DO BRASIL, desde o ano de 1549, de José Mirales; HISTÓRIA DO BRASIL, Robert
Southey; HISTÓRIA DO BRASIL ANTES DE SUA SEPARAÇÃO E INDEPENDENCIA DE
PORTUGAL, do Visconde de Porto Seguro; HISTÓRIA DO BRASIL, de Henrich Handelmann;
CHRONICA GERAL DO BRAZIL, pelo Dr. Mello Moraes; COMPENDIO DE HISTORIA DO
BRASIL, do Padre Raphael Maria Galanti; HISTORIA DO BRAZIL (ILUSTRADA), de Rocha
Pombo; CAPITULOS DE HISTORIACOLONIAL, de João Capistrano Honório de Abreu;
HISTORIA DO BRASIL, por Pedro Calmon; HISTORIA DO BRASIL, por Helio Vianna.
UM POUCO DA HISTORIOGRAFIA GERAL E ESPECIAL DA PARAÍBA A PARTIR DO
SÉCULO XVIII ATÉ O TERCEIRO QUARTEL DO SÉCULO XX
Arrolarei aqui, ao menos a título de citação, algumas das principais obras básicas e
específicas da e para a HISTORIOGRAFIA DA PARAÍBA a partir do Século XVIII até o
terceiro quartel do Século XX.
Começarei com a INFORMAÇÃO DADA A SUA MAGESTADE PELO GOVERNADOR DA
PARAHYBA DO NORTE FERNANDO DELGADO FREIRE DE CASTRILHO A 9 DE JANEIRO DE
1799 ACÉRCA DE VARIOS OBJECTOS RELATIVOS À MESMA CAPITANIA, pertencente ao
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
Geografia e História da PB
316
Foi este documento que o benemérito Irineu Ferreira Pinto veio a publicar em 1908 no v. I,
p. 205-213 das suas DATAS E NOTAS PARA A HISTORIA DA PARAHYBA com o seguinte
título por ele próprio alterado: O Governador da Capitania Fernando de Castilho presta a
metrópole a interessante narração do estado em que se acha a mesma capitania,
importante documento de valor histórico. Resta apenas saber se o texto aí contido
corresponde de fato ao documento intitulado Descripção da Capitania da Parahyba do
Norte, por Fernando Delgado Freire de Castilho. S.d., fls. 200 a 205 A, constante do
volume 1º do “Catalogo da Collecção de Memórias e outros documentos contidos em 19
volumes conservados na Secção Histórica do Archivo Nacional”. É até possível que
estejamos tratando do mesmo documento, entretanto, a HISTORIOGRAFIA DA PARAÍBA
não pode mais continuar com esta presunção de duzentos anos de idade, portanto, antes
que este ano se encerre desvendarei esta dúvida que outros mais confiantes que eu
parecem não tê-la, sem, todavia, haver realizado qualquer pesquisa neste sentido.
Subsídios importantes para a História da Revolução de 1817, com ênfase para a Paraíba
podem ser observados numa raríssima obra do padre Joaquim Dias Martins intitulada
MARTIRES PERNAMBUCANOS VICTIMAS DA LIBERDADE NAS DUAS REVOLUÇÕES
ENSAIADAS EM 1710 E 1817 (existe uma nova edição fac-similar moderna).
Ainda sobre o mesmo tema, na parte que toca também à Paraíba, deve ser mencionada
aqui uma importante obra que, principalmente na segunda edição, possui uma extensa
introdução e notas do historiador paraibano radicado em Pernambuco, o Dr. Maximiano
Lopes Machado. Trata-se da HISTORIA DA REVOLUÇÃO DE PERNAMBUCO EM 1817, pelo
Doutor Francisco Muniz Tavares. Ainda sobre o mesmo tema devemos assinalar o DIARIO
DA REVOLUÇÃO DE 1817, pelo Sargento-mór Francisco Ignácio do Valle. Cópia do original
existente no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro foi extraída pelo sócio
correspondente Frederico Cavalcanti Carneiro Monteiro oferecido ao nosso Instituto.
De grande interesse para a História da Confederação do Equador (1824) na Paraíba são as
OBRAS POLITICAS E LITTERARIAS DE FREI JOAQUIM DO AMOR DIVINO CANECA
Collecionadas pelo Commendador Antonio Joaquim de Mello em virtude da Lei Provincial Nº
900 de 25 de Junho de 1869 mandadas publicar pelo Exm. Sr. Commendador Presidente da
Província Desembargador Henrique Pereira de Lucena, em cujo “Appendice Constantge de
Notas” existem valiosos relatos fidedignos até agora praticamente inaproveitados.
Outro importante depoimento de um paraibano, então ainda jovem revolucionário da
Praieira, no caso, Maximiano Lopes Machado, é o QUADRO DA REVOLTA PRAIEIRA NA
PROVINCIA DA PARAHYBA, cuja primeira edição é extremamente rara.
Temos ainda a excelente CHOROGRAPHIA DA PROVINCIA DA PARAHYBA DO NORTE, por
Henrique (Pedro Carlos) de Beaurepaire Rohan, a qual, tendo sido concluída em 1861,
somente veio a ser publicada meio século mais tarde, uma única vez e, assim mesmo, não
em livro, mas em periódico.
Outra obra muito interessante, de autor paraibano, e que bem revela a sua competência é
a MONOGRAPHIA DA CIDADE DA PARAHYBA DO NORTE, CAITAL DA PROVINCIA DO
MESMO NOME, por Vicente Gomes Jardim, agrimensor dos terrenos da Marinha da mesma
Província.
De qualquer estudo historiográfico da Paraíba não pode deixar de figurar as excelentes
NOTAS SOBRE A PARAHYBA, por Irinêo Ceciliano Pereira Joffily, paraibano que, para dá-la
à luz em letra de forma, recebeu o estímulo entusiasmado e o prefácio competente do
mestre João Capistrano Honório de Abreu. Ainda do mesmo autor e de relevante
merecimento para esta terra é a SYNOPSIS DAS SESMARIAS DA CAPITANIA DA
PARAHYBA. COMPREHENDENDO O TERRITORIO DE TODO O ESTADO DO MESMO NOME E
PARTE DO RIO GRANDE DO NORTE. É de se lamentar que este opúsculo raro e de capital
importância para a Paraíba tenha caído no esquecimento e jamais tenha sido reeditado.
Enquanto isto, vemos tantas outras obras de valor e prioridade discutíveis sendo
reimpressas pelo poder público.
Geografia e História da PB
317
Outro trabalho que merece sempre ser lembrado é a MEMORIA SOBRE OS
MELHORAMENTOS DE QUE PRECISA A PROVINCIA DA PARAHYBA, pelo engenheiro de
Minas, Dr. Francisco Soares da Silva Retumba.
Quanto à sua importância, o mesmo pode ser dito da obra máxima (e póstuma) do
paraibano radicado em Pernambuco, Maximiano Lopes Machado, ou seja, a HISTORIA DA
PROVINCIA DA PARAHYBA, que na sua editio princeps recebeu o prefácio de João de Lyra
Tavares e, na edição subseqüente um também alentado estudo introdutório do Prof. José
Octávio de Arruda Mello.
A seguir, temos outra obra de excelente jaez, cuja apresentação (“Duas Palavras”) do
autor, também paraibano, prenuncia suas qualificações de privilegiado garimpeiro de fontes
históricas. Seu título é DATAS E NOTAS PARA A HISTORIA DA PARAHYBA, por Irineu
Ferreira Pinto, sócio fundador e Bibliotecário do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano,
cuja edição ficou enriquecida com um estudo introdutório do Prof. José Pedro Nicodemos.
Deste mesmo eminente historiador paraibano tem sido pouco lembrados, ultimamente,
outros importantes trabalhos seus como A INSTRUCÇÃO PÚBLICA NA PARAHYBA.
APONTAMENTOS PARA A SUA HISTORIA ou ainda ALGUMAS NOTAS PARA A HISTORIA DA
ORDEM 3.ª DE NOSSA SENHORA DO MONTE DO CARMO DA CIDADE DA PARAHYBA.
De particular interesse para o Estado são os APONTAMENTOS PARA A HISTÓRIA
TERRITORIAL DA PARAHYBA por João de Lyra Tavares que, ao coligir em súmulas todos os
documentos públicos aí dados à estampa, realizou um trabalho monumental. Esta obra
mereceu nos anos sessenta um laborioso índice levantado por Genny da Costa e Silva, com
uma introdução do Prof. José Antonio Gonsalves de Mello (Neto), sob o título de
SESMEIROS DA PARAÍBA. A propósito, sobre a primeira data de terra concedida em
sesmaria na Capitania da Paraíba publiquei há alguns anos uma plaqueta sob o título JOÃO
AFONSO PAMPLONA – A RESTITUIÇÃO DO NOME DAQUELE QUE FOI O PRIMEIRO
PROPRIETÁRIO DE TERRAS NA CAPITANIA DA PARAÍBA.
Também não se pode deixar de registrar aqui, por suas sobejas qualidades, a excelente
obra do areiense José Américo de Almeida, A PARAHYBA E SEUS PROBLEMAS.
Chegando já ao fim deste esboço historiográfico é preciso assinalar, do areiense Horácio de
Almeida, um dos maiores historiógrafos deste Estado, a sua HISTÓRIA DA PARAÍBA, saída
inicialmente de forma incompleta e depois em edição integral com revisão e ampliação do
texto já anteriormente publicado.
Agora, para encerrar esta exposição, aproveito a ocasião para prestar o meu respeito e
consideração a todos os consócios deste Instituto Histórico e Geográfico Paraibano (IHGP),
tanto os do passado quanto os do presente, nascidos ou não neste Estado, os quais, cada
um à sua maneira, contribuíram e vêm contribuindo efetivamente para HISTORIOGRAFIA
DA PARAÍBA.
···
A fala do Presidente:
Conforme vimos, o alentado trabalho que o Guilherme d’Avila Lins nos traz é da mais alta
significação e ele muito inteligentemente abordou apenas até ao primeiro quartel do século
passado, sem falar nos atuais historiadores, até porque a gente só enaltece o historiador
quando ele morre. Mas, ainda assim, ele fez uma referência de passagem sobre os atuais
sócios do Instituto.
Como debatedor designado, e como vocês já me conhecem, fica dispensada minha auto-
apresentação. Assim, passo imediatamente a exercer minha missão.
Debatedor: Luiz Hugo Guimarães (Membro do Instituto Histórico, e seu atual
Presidente)
Como debatedor, minha participação é mais suave, e tentarei evitar a precisão de datas e
fontes que foram muito bem postas pelo nosso expositor. Sabemos que num discurso
sobre historiografia temos que fazer, como muito bem fez Guilherme d’Avila Lins.
Geografia e História da PB
318
Sei que no plenário há alguns participantes que estão ouvindo a palavra historiografia pela
primeira vez. E o que é historiografia?
A historiografia é a arte de escrever a história. É o estudo histórico e crítico acerca da
história e dos historiadores.
Na dimensão do processo histórico, sujeito é quem faz a história, ou seja, é quem realiza
as ações; na dimensão da ciência da história, sujeito é quem produz o conhecimento. Está
aí o historiador.
Pela conceituação de Aurélio, a história é a narração metódica dos fatos notáveis ocorridos
na vida dos povos, em particular, e na vida da humanidade, em geral.
Não sou historiador. Maximiano Machado também não era, mas se tornou,
autodidaticamente. Irineu Joffily, Irineu Ferreira Pinto, também não eram. Não tinham
títulos oficiais dessa categoria. Mas no momento em que a pessoa se afirma examinando
documentos e ouvindo relatos ela começa a tornar-se um historiador. O historiador focaliza
os fazedores da história, os que por suas ações geram os acontecimentos. A apreciação dos
agentes da história ou os episódios por eles gerados nos tornam um historiador, pois, na
dimensão da ciência da história, essas pessoas passam a produzir o conhecimento
histórico. É o historiador.
Um dos pontos marcantes deste Ciclo de Debates, em boa hora iniciado pelo Instituto, foi a
descoberta de grandes vazios na nossa historiografia. Expositores, debatedores e
participantes do Ciclo fizeram indicações importantes sobre um vazio detectado na nossa
historiografia. Episódios importantes da história paraibana ainda jazem sepultados no
esquecimento, virgens de uma apreciação crítica. Alguns desses episódios estão
adormecidos pela falta de interesse dos estudiosos, outros pela ausência de fontes
primárias, ainda não ao nosso dispor. O Ciclo de Debates espicaçou a nossa curiosidade,
estabeleceu desafios, e estou certo de que iniciaremos uma nova etapa na busca de nossa
expansão historiográfica.
O que temos visto, conforme acentuou e explicitou nosso expositor desse tema, o
historiador Guilherme Gomes da Silveira d’Avila Lins, é uma razoável massa de
informações sobre a Província da Paraíba, particularizada nas ocorrências da sua capital,
quando ela representou a Província durante anos, conforme a listagem por ele oferecida de
obras em que viajantes, religiosos e historiadores narraram em cartas, relatórios e
trabalhos os acontecimentos provinciais, desde a sua conquista. Quanto às coisas da
Província-Capital, estamos relativamente abastecidos. Foi o que demonstrou o historiador
Guilherme d’Avila Lins em sua brilhante exposição.
Como presidente do Instituto, pude examinar a carência relativa da falta da nossa história
municipal. Encetei uma campanha junto às prefeituras municipais do Estado – agora são
223 municípios –, sugerindo que se fizesse alguma coisa para o levantamento da história
de cada município. Sugeri até a criação de um Núcleo Histórico e Geográfico no âmbito das
Secretarias da Educação de cada município, constituída pelo próprio Secretário, por
Diretores de Grupos e Colégios, por intelectuais, pelo padre da freguesia, pelos vereadores,
etc. Não haveria ônus para a Prefeitura, a não ser o oferecimento do local de reuniões,
papel, lápis e um cafezinho. O Prefeito de Lucena, David Falcão, imediatamente baixou um
Decreto organizando um Núcleo com aquele objetivo. E a história já está pronta, só falta
publicá-la.
Colocamos à disposição dos prefeitos municipais nosso Instituto, oferecendo um apoio
logístico, porque financeiro não temos condições.
Editei um trabalho relacionando os municípios sobre os quais já há alguma coisa escrita, o
qual foi distribuído com os presentes. Não é uma relação completa, mas dá uma dimensão
das nossas carências. O levantamento foi feito com base nos trabalhos existentes no
Instituto e nas informações historiográficas de Horácio de Almeida, Idelete, Waldemar
Duarte, e outros. Está incompleto, porque a cada dia estão aparecendo novos trabalhos
sobre cidades paraibanas.
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319
Intitulado HISTORIOGRAFIA MUNICIPAL DA PARAÍBA, estou distribuindo com os
participantes do Ciclo de Debates um exemplar do trabalho levantado, para receber mais
informes sobre a produção histórica dessa área a fim de completar o levantamento feito.
Nem precisa dizer a importância da feitura dos trabalhos sobre cada município, pois com o
levantamento da história de cada um poderemos melhor construir a história completa da
Paraíba. A história do Estado tem que ser como um todo, envolvendo os acontecimentos de
todas a regiões, de Cabedelo a Cajazeiras.
A professora Joana Neves tem um interessante trabalho intitulado HISTÓRIA LOCAL E
CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE SOCIAL, publicado na Revista SAECULUM n.º 3, que vale a
pena ser compulsado, para facilitar a pesquisa dos trabalhos das diversas comunidades
interioranas.
No momento em que o interessado começar a levantar dados sobre sua comunidade, ele
está começando a fazer história. A pesquisa deverá ser feita em cima dos acontecimentos
dignos de nota ocorridos desde a fundação do povoado, vila ou cidade; as famílias dos
fundadores serão personagens importantes na pesquisa da formação do burgo (e aí a
Genealogia entra como ciência auxiliar); a política, a economia, as artes, etc. darão a
configuração histórica da história local, com sua identidade própria.
Nossa preocupação pela formação da história municipal do interior é prioritária. Tem sido
um dos pontos marcantes do nosso Ciclo, levantando para os participantes essa
problemática da nossa historiografia. Precisamos fazer uma História da Paraíba completa e
para a construção duma história atual teremos que fazer esse levantamento, essa pesquisa
nos municípios.
A capital do Estado, desde Felipéia a João Pessoa, já tem um razoável número de
trabalhos. Também distribui uma relação listando alguns trabalhos sobre a capital.
Diariamente temos recebido aqui no Instituto Histórico pesquisadores agora voltados para
o levantamento dos bairros e das ruas da capital. A cidade de João Pessoa cresceu tanto
nesses 20 anos, que é preciso dimensioná-la, atualizando-a.
Nós temos oferecido a esses estudiosos e pesquisadores todo o nosso apoio e os
estimulamos para que sejam feitos esses trabalhos.
Sobre ruas, recentemente foram publicados dois trabalhos por parte de nossos associados.
Um deles foi RUAS DE TAMBAÚ, do historiador Deusdedit Leitão; outro foi AS RUAS ONDE
MOREI – 1918-1930, da confreira Carmen Coelho de Miranda Freire. Estou sabendo que
Natércia Suassuna Ribeiro Coutinho está concluindo um trabalho muito vasto sobre as ruas
da capital, com cerca de 800 páginas.
Posse registrar aqui a listagem que levantei sobre alguns trabalhos que enfocam a nossa
capital, como indicativo para consulta. Registraremos à parte uma lista de autores e obras.
Também incluímos no tema em debate nossos historiadores, alguns dos quais foram
mencionados pelo expositor Guilherme d’Avila Lins. Mas o tempo se tornou exíguo para
esse exame.
Mas quero lembra que o Instituto Histórico teve a iniciativa de criar uma Coleção de
Historiadores Paraibanos, publicando monografias sobre os principais historiadores da
nossa terra. Já temos lançados 10 plaquetas, que colocamos à disposição dos participantes,
ao preço de R$ 3,00 cada.
Os trabalhos já publicados são os seguintes, com seus autores:
Maximiano Lopes Machado – Luiz Hugo Guimarães
Coriolano de Medeiros – Deusdedit de Vasconcelos Leitão
José Américo de Almeida – Joacil de Britto Pereira
Horácio de Almeida – Amaury Vasconcelos
Elpídio Josué de Almeida – Fernando Melo do Nascimento
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Ademar Vidal – José Octávio de Arruda Mello
José Leal – Balila Palmeira
Manuel Tavares Cavalcanti – Marcus Odilon
Irineu Joffily – Diana Soares de Galizza
Celso Mariz – Dorgival Terceiro Neto
Estão programadas mais duas monografias, uma sobre Irineu Ferreira Pinto, a cargo de
Humberto Cavalcanti de Mello e outra sobre o Cônego Francisco Lima, a cargo de Waldice
Mendonça Porto.
A repercussão dessa Coleção tem sido tão favorável, que a Diretoria resolveu continuá-la e
já estão listados os nomes dos historiadores Epaminondas Câmara, Heliodoro Pires, Luís
Pinto, Humberto Nóbrega, Antônio Rocha Barreto, entre outros.
ANDRADE, Ana Helena Ferreira de; GARCIA, Patrícia Maria Granville.
(Tese). A Evolução urbana de João em Pessoa em função do
sistema de transporte urbano: O Bonde. João Pessoa, s/ed.1987.
AGUIAR, Wellington. Cidade de João Pessoa: A Memória do Tempo. Ed.
Persona, 1992. Em parceria com MELLO, José Octávio de Arruda
Uma Cidade de Quatro Séculos. Campina Grande, Grafset, 1985.
BARBOSA, Florentino. Monumentos Históricos e Artísticos da Paraíba. J.
Pessoa. A União Editora, 1953.
BATISTA, Juarez. Caminhos, Sombras, Ladeiras: esboço de papel de cidade
De nordeste brasileiro. João Pessoa. A União, 1989.
CAVALCANTI, Archimedes. A Cidade da Paraíba na Época da Independên
cia. João Pessoa. A União.
FARIAS, Orion. Paraíba ontem e hoje. João Pessoa. Edit.Univ./UFPB, 1985.
FREIRE, Carmen Coelho de Miranda. História da Paraíba para uso didático
João Pessoa. Ed. Universal, 1976.
______ , Carmen Coelho de Miranda. As ruas onde morei – 1918-1930. Ed.
Fênix, 1998.
LEITÃO, Deusdedit. Ruas de Tambaú. João Pessoa. SEC, 1998.
MAIA, Benedito. Prefeitos de João Pessoa. João Pessoa. Imprensa Oficial.
_____, Benedito. Universidade do Ponto de Cem Réis. João Pessoa.
MELLO, José Octávio de Arruda. Os Coretos no Cotidiano de uma Cidade:
Lazer e classes sociais na Paraíba. João Pessoa. A União, 1990.
MENEZES, José Luiz Mota. Algumas notas a respeito da evolução urbana
de João Pessoa. Recife. Pool ed., 1985
PALMEIRA, Balila. Bairro de Miramar: sua história, seus moradores. João
Pessoa. Grafisi, 1997.
PARAÍBA, Governo do Estado. João Pessoa: a cidade, o rio e o mar. Rio de
Janeiro. Ed. Bloch, 1991.
RODRIGUES, Janete Lins; DROULERS, Martine. João Pessoa: Crescimen-
Geografia e História da PB
321
to de uma Capital. João Pessoa. s/ed. 1981.
___________, Walfredo. Dois Séculos da Cidade: Passeio retrospectivo –
1870-1930. João Pessoa. Interplan, s/d.
___________, Walfredo. Roteiro Sentimental de uma Cidade. São Paulo. Ed.
Brasiliense, 1962.
SOUTO, Jomar Morais de. Itinerário Lírico da cidade de João Pessoa. 2ª ed.
Interplan, 1970.
Passaremos, agora, aos debates com a participação dos presentes. Já se encontrando
inscrito o historiador Marcus Odilon, passo a palavra ele.
1º participante:
Marcus Odilon Ribeiro Coutinho:
Não tenho que fazer qualquer reparo porque todos falaram bem demais, estando todos nós
premiados por isso.
O expositor Guilherme da Silveira foi preciso, mas gostaria de acrescentar os nomes de
Luís Pinto, Eudésia Vieira, que também escreveu uma História da Paraíba e falo de Eudésia
Vieira porque, além de ser uma mulher já falecida, é filha do município de Santa Rita e
José Leal.
Nosso debatedor deu ênfase ao estudo das ruas, dos bairros e que nosso consócio
Deusdedit Leitão já tem um trabalho publicado sobre as ruas de Tambaú. Deusdedit
publicou sobre a parte mais nobre da cidade, onde ele e a maioria dos sócios moram. Mas
quero lembrar ao nosso Presidente que Natércia Suassuna Ribeiro Coutinho tem um
trabalho de sete anos de pesquisa. Não foi fácil. Mas inclui não só as ruas da elite, mas até
as ruas das favelas, onde vão aparecer nomes de gente que era apenas amiga do
vereador. E nomes que nem foram premiados com placa. É verdade que dei alguma
colaboração, mínima. Mas a autora está encontrando uma dificuldade imensa para publicar
esse trabalho. Fico pensando que ele vai ficar como ficou toda a obra do padre João de
Deus. 29 trabalhos, todos inéditos e a essa altura todos perdidos. Apesar de rezar missa
para governadores e interventores, nenhum deles teve coragem de mandar A UNIÃO
publicar seus trabalhos. Parece-me que esse trabalho de Natércia vai pelo mesmo
caminho; são 800 páginas datilografadas. A editora A UNIÃO pediu R$ 19.000,00. É o
preço de um carro novo. Temos um romancista João Ribeiro Filho, que é autor de um
excelente romance, memorialista, um estilo muito assemelhado a José Lins do Rego, e
sabe a dificuldade. Gastou mais em fazer o livro do que em trocar o carro. Salvo engano,
ele vendeu o carro para poder editar o livro. De forma, que queria que o Presidente fizesse
um apelo em nome do Instituto, se tiver a aprovação dos membros deste Ciclo, para a
Universidade, a Editora A UNIÃO, a Secretaria de Cultura, fazer a edição. Desde já, eu
posso antecipar que Natércia Suassuna abre mão dos direitos autorais e do que gastou até
agora. É um trabalho espontâneo, porque ela quer brindar a Paraíba neste fim de século e
fim de milênio, que vai resolver definitivamente a preocupação muito justa que está tendo
o Presidente desta Casa, nesta hora, expressa a alguns minutos antes.
Luiz Hugo:
Já tomei conhecimento do trabalho de Natércia Suassuna e seu também, que também deu
uma razoável contribuição ao trabalho; essas dificuldades alcançam a todos. Vejam quanto
está custando ao Instituto publicar uma plaqueta das que mencionei, sobre os
Historiadores da Paraíba. O autor faz um esforço de pesquisa, e ainda a gente apela para
que ele dê uma contribuição financeira como ajuda para a edição; apelando para amigos
darem algum donativo, para podermos executar nosso projeto, que, para este ano, envolve
12 plaquetas, dentro das celebrações dos 500 anos do Brasil. É o resgate da atuação dos
nossos primeiros historiadores, já falecidos. Temos contado com a compreensão do editor
Geografia e História da PB
322
Pontes da Silva, que tem o Empório dos Livros. Digo da compreensão porque ele só vive
aqui, não é só para tomar nosso cafezinho; é para me cobrar.
Imaginem nossas dificuldades para editar a Revista do Instituto. Desde a fundação do
Instituto que é um drama. A primeira Revista saiu depois de quatro anos de sua fundação;
a Revista nº 4 saiu em 1912 e a 5ª? A 5ª saiu em 1922, dez anos depois, e assim mesmo
porque a Paraíba sediou um Congresso Nacional de Geografia.; a 6ª, em 1928. E por aí sai.
É preciso muita ginástica. Em atenção à solicitação do companheiro Marcus Odilon, vou
diligenciar no sentido de dar uma penada em favor da edição do trabalho da historiadora
Natércia Suassuna, que também pertence aos quadros do Instituto de Genealogia e
Heráldica.
2º participante:
João Batista Barbosa:
Quero me congratular com o professor Guilherme d’Avila Lins por sua brilhante aula de
sapiência que me enriqueceu, apesar dos meus 87 anos; congratulo-me com o Instituto
por esta promoção extraordinária, esse prêmio que deu ao povo paraibano, com essa série
de palestras aqui proferidas.
Vim aqui também para lembrar um nome que me parece não citado, mas que na minha
opinião deu uma grande contribuição à História da Paraíba. Quero me referir ao Dr. José
Joffily Bezerra, já falecido.
···
Não havendo mais inscritos para participar dos debates, lembro aos presentes que a
próxima sessão será a de encerramento deste Ciclo, convidando-os para assistirem à
palestra do historiador norte-riograndense sobre a PRESENÇA DA PARAÍBA NA CONQUISTA
DO RIO GRANDE.
Está encerrada a sessão.
18º Tema
PRESENÇA PARAIBANA NA CONQUISTA DO RIO GRANDE
Conferencista: Olavo de Medeiros Filho
A fala do presidente Luiz Hugo Guimarães:
A Diretoria do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano está encerrando hoje, dia 12 de
novembro, este significativo Ciclo de Debates, marcando mais um acontecimento no
calendário das nossas atividades do ano de 1999, dentro das celebrações do V Centenário
da Descoberta do Brasil programadas pelo Governo do Estado da Paraíba.
Agradecemos o entusiástico aplauso dos consócios e participantes desta jornada, que
torceram pelo êxito deste empreendimento. Hoje é o coroamento do conclave. Estamos
encerrando com chave de ouro as movimentadas sessões, dezoito com esta, onde a
historiografia paraibana foi esmiuçada com a exploração dos principais episódios históricos
que envolveram a Paraíba nesses 500 anos de Brasil. Textos antigos e novos da nossa
historiografia foram reexaminados, reinterpretados, contestados até, levantando desafios
aos estudiosos e participantes para um exame mais aprofundado das fontes da nossa
história.
Várias razões nos felicitam por esta concorrida solenidade demonstrativa da pujança da
nossa quase centenária instituição – a Casa da Memória Paraibana. Primeiro, porque
fizemos coincidir esta solenidade com o lançamento da plaqueta n.º 8, da Coleção de
Historiadores Paraibanos, que o Instituto tomou a iniciativa de publicar desde o começo do
ano. Estamos resgatando a memória, de forma sucinta, dos nossos primeiros historiadores.
Já lançamos a público trabalhos sobre Maximiano Lopes Machado, Coriolano de Medeiros,
José Américo de Almeida, Horácio de Almeida, Elpídio Josué de Almeida, Ademar Vidal,
José Leal, e hoje estamos lançando o excelente trabalho de Marcus Odilon Ribeiro Coutinho
sobre Manuel Tavares Cavalcanti, sócio fundador deste Instituto Histórico. Estão em pauta
Geografia e História da PB
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ainda, para lançamento até o final do ano, os historiadores: Irineu Joffily, por Diana Soares
de Galliza; Celso Mariz, por Dorgival Terceiro Neto; e Padre Francisco Lima, por Waldice
Mendonça Porto.
Estamos, portanto, oficializando o lançamento da plaqueta n.º 8, sobre Manuel Tavares
Cavalcanti, de autoria do historiador e escritor Marcus Odilon Ribeiro Coutinho.
A segunda razão que nos felicita, é por termos tido a aquiescência do historiador, escritor,
sociólogo, pesquisador inveterado, Dr. Olavo de Medeiros Filho para encerrar o Ciclo de
Debates com uma palestra de alto nível, apreciando o tema PRESENÇA DA PARAÍBA NA
CONQUISTA DO RIO GRANDE.
Olavo de Medeiros Filho é sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do
Norte e nosso sócio correspondente, pertencendo também a várias instituições culturais do
país e do estrangeiro.
Ele traz consigo uma bagagem de publicações festejadas nos círculos intelectuais do país. É
autor de VELHAS FAMÍLIAS DO SERIDÓ (e aí eu e o acadêmico e historiador Joacil de Britto
Pereira estamos incluídos), VELHOS INVENTÁRIOS DO SERIDÓ, ÍNDIOS DO AÇU E DO
SERIDÓ, CAICÓ, CEM ANOS ATRÁS, NAUFRÁGIOS NO LITORAL POTIGUAR, TERRA
NATALENSE, NO RASTRO DOS FLAMENGOS, O ENGENHO CUNHAÚ À LUZ DE UM
INVENTÁRIO e ACONTECEU NA CAPITANIA DO RIO GRANDE.
Neste último livro, Olavo aborda alguns episódios ocorridos na nossa Capitania.
A seriedade de suas pesquisas lhe tem permitido analisar episódios de tal forma a
promover uma verdadeira revisão de ocorrências mal interpretadas, chegando a conclusões
divergentes das estabelecidas pelos seus antecessores.
É um grande historiador, a quem passo a palavra para sua palestra sobre a PRESENÇA
PARAIBANA NA CONQUISTA DO RIO GRANDE.
Olavo de Medeiros Filho: (Historiador norte-rio-grandense)
Muito me honra o convite formulado pelo presidente deste Instituto, Luiz Hugo Guimarães,
para proferir esta palestra a respeito da PRESENÇA PARAIBANA NA CONQUISTA DO RIO
GRANDE.
Desde o ano de 1535, quando foi doada a João de Barros e a Aires da Cunha a chamada
CAPITANIA DA COSTA DOS POTIGUARES, os laços históricos e geográficos entre o Rio
Grande do Norte e a Paraíba têm sido uma constante.
A expulsão dos franceses do Rio Grande, a edificação da Fortaleza dos Santos Reis, o
combate aos indígenas potiguares e a sua posterior pacificação, a fundação da futura
cidade do Natal, tudo isso só foi possível, graças à ajuda prestada pelo capitão-mor da
Paraíba, Feliciano Coelho de Carvalho.
No ano em que Natal comemora o seu quadringentésimo aniversário de fundação (23 de
dezembro), esta palestra representa, inclusive, o reconhecimento prestado pela terra
potiguar à vizinha Paraíba, pela ajuda recebida naqueles tormentosos primórdios de sua
história.
1. A CAPITANIA DE JOÃO DE BARROS DA COSTA DOS POTIGUARES
Com a introdução do regime das Capitanias Hereditárias no Brasil, foram concedidas em 8
de março de 1535, cem léguas de terra ao longo do mar, a João de Barros e Aires da
Cunha. O primeiro, fidalgo da Casa Real, Feitor da Casa da Índia e Mina, historiador, autor
das DÉCADAS DA ÍNDIA; Aires da Cunha, também fidalgo, havia prestado serviços no mar
de Malaca e nas águas açorianas.
A Capitania concedida a João de Barros e Aires da Cunha, de interesse para a história
norte-rio-grandense e paraibana, foi aquela que tinha o seu início meridional na Baía da
Traição (Paraíba), estendendo-se até a Angra dos Negros (Enseada de Mucuripe, no
Ceará). Em novembro de 1535 partiu de Lisboa uma armada, com destino àquela capitania
nordestina. Financiaram a referida armada João de Barros, Aires da Cunha e Fernando
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Álvares de Andrade; este último, donatário de uma capitania de 65 léguas, que se estendia
do Rio da Cruz (no Camucim, no Ceará), até o Cabo de Todos os Santos (Ponta dos
Mangues Verdes, no Maranhão). Apenas o sócio Aires da Cunha viajou ao Brasil, vindo na
qualidade de Capitão-mor da referida esquadra, que em 10 navios conduzia 900 soldados,
inclusive 113 cavalarianos.
O objetivo da jornada seria o de dar-se início ao povoamento das duas capitanias. Chegada
a armada a Pernambuco, Duarte Coelho colocou à disposição de Aires da Cunha, mapas,
línguas (intérpretes) e uma fusta a remo, apropriada para sondagens da costa. Partiram de
Pernambuco, rumo ao Norte, em janeiro ou fevereiro de 1536. De passagem pelo Rio
Grande (Potengi), tentaram fundar uma colônia na foz do dito rio, o que não lhes foi
possível ante a reação apresentada pelos indígenas potiguares, já então aliados dos
franceses. Dali os navios rumaram para o Maranhão, onde ocorreu a morte do donatário
Aires da Cunha, vitimado por um naufrágio.
Com o falecimento de Aires da Cunha, houve a divisão da Capitania da Costa dos
Potiguares, cabendo ao donatário João de Barros a porção meridional da donataria,
cinqüenta léguas contadas a partir da Baía da Traição, até o Rio Açu, no Rio Grande do
Norte.
As elevadíssimas despesas efetuadas por João de Barros, no intuito de “apressar o
povoamento das novas terras”, lhe custaram “muita substância de fazenda, por razão
duma armada, que em parçaria d’Aires da Cunha e Fernand’ Álvares d’Andrade, tesoureiro-
mor deste reino, todos fizemos para aquelas partes o ano de 1535 (...) por quão morto me
deixou o grande custo desta armada sem fruto algum” (Décadas, I, livr. VI, cap. 1).
Ante o fracasso daquela primeira expedição, seguiu-lhe uma outra, em 1556, na qual
vieram dois filhos de João de Barros: Jerônimo (nasc. 1521, falec. 1586) e João (falec.
1578). O resultado da segunda expedição foi um novo fracasso. No rio Baquipé, ou
Pequeno, o atual Ceará-mirim, os potiguares induzidos pelos franceses mataram muitos
portugueses, membros da expedição.
Provavelmente em 1582, a antiga capitania de João de Barros reverteu ao domínio real,
tornando-se então uma CAPITANIA DA COROA, sob a denominação de CAPITANIA DO RIO
GRANDE.
2. A COSTA DOS POTIGUARES E A PRESENÇA FRANCESA
Desde o ano de 1503, já ocorria a presença de navios franceses no litoral brasileiro. Em
1516, traficantes e corsários vindos da França agiam na Costa dos Potiguares, como era
então conhecido o território habitado por aqueles silvícolas, dele fazendo parte o atual Rio
Grande do Norte. O escambo praticado entre franceses e indígenas abrangia diversos
produtos nativos, como: algodão, fios e redes do mesmo material; cereais, tabaco,
pimenta, gengibre, plantas medicinais, óleos balsâmicos; pau-brasil e outras madeiras
nobres; peles de onças e de outros animais; papagaios e aves exóticas; macacos e sagüis;
minério de ouro, crisólitos; âmbar, dos tipos cinza, negro e branco.
Em 1518 começaram as atividades do armador francês Jean Ango (Angô), que financiava
navios destinados às atividades de corso e tráfico de mercadorias. Foi a época em que se
destacaram os aventureiros Guilherme de Testu, Barre e Jacques Sore, cujos navios
viajavam ao Brasil. Os navegantes, em sua maioria naturais da Bretanha e da Normandia,
agiam sob a proteção do rei Francisco I de França, sendo seus principais postos Honfleur e
Dieppe. Incidentalmente, Jean Ango viria a ser governador desta última cidade, ganhando
também o título de Visconde de Dieppe.
Pelo que se depreende de um mapa elaborado por Jacques de Vaulx, de Claye (1579), os
franceses tinha o projeto de conquistar parte do território nordestino, do rio São Domingos
(o Paraíba), ao rio Acaraú (no Ceará). Segundo informa o referido mapa, os franceses
contariam com a ajuda de dez mil silvícolas, inclusive os Tarairiús, tapuias moradores nas
ribeiras interioranas do Ceará e Rio Grande.
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No que tange ao atual território paraibano, no trabalho de Jacques de Vaulx, de Glaye,
figura a Baía de São Domingos, local de onde partia o caminho, descrito como aquele “por
onde os selvagens vão adquirir o Pau-do-Brasil e há quarenta léguas de caminho depois de
São Domingos até a floresta”. A chamada “Floresta onde se pega o Brasil”, correspondia à
opulenta mata banhada pela bacia hidrográfica do rio Paraíba...
O cronista português Gabriel Soares de Sousa, em seu TRATADO DESCRITIVO DO BRASIL
– 1587, menciona os locais do litoral norte-rio-grandense freqüentados pelos franceses:
1. a Enseada de Itapitanga (Pitininga);
2. o Rio Pequeno, ou Baquipé, depois denominado Ceará-mirim, local
penetrado pelas chalupas francesas, que ali iam resgatar com o gentio o pau-
de-tinta, “as quais são das naus que se recolhem na enseada de Itapitanga”;
3. o Rio Grande, ou Potengi, onde os franceses iam carregar muitas vezes;
4. o Porto dos Búzios, na foz do rio Pirangi, onde “entram caravelões da costa
em um riacho, que neste lugar se vem meter no mar”;
5. a Enseada de Tabatinga, entre o Porto dos Búzios e Itacoatiara (Ponta da
Pipa), “onde também há surgidouro e abrigada para navios em que detrás da
ponta costumavam ancorar naus francesas e fazer sua carga de pau-brasil; e,
finalmente,
6. a enseada de Aratipicaba (Baia Formosa), “onde dos arrecifes para dentro
entram naus francesas e fazem sua carga”.
Ao tratar do atual território paraibano, Gabriel Soares de Sousa menciona a Baía da
Traição: “Nesta baía fazem cada ano os franceses muito pau de tinta e carregam dele
muitas naus”. Faz ele também referência ao rio São Domingos (o Paraíba), onde entravam
anualmente, “a carregar o pau de tinta com que abatia o que ia para o Reino das mais
capitanias por conta dos portugueses”. Entre os rios Ararama (Gramame) e Abionaviajá
(Abiaí), “ancoravam nos tempos passados naus francesas, e daqui entravam para dentro”.
Através de antigos relatos, tem-se conhecimento de que o principal porto freqüentado
pelos franceses, na Capitania de João de Barros, era o rio Potengi, onde também
aportavam navios ingleses. Ali eram feitos os reparos necessários nas embarcações,
obtinham-se provisões de água, frutas, carnes e outros refrescos. Segundo Frei Vicente do
Salvador, no Rio Grande, os “franceses iam comerciar com os potiguares, e dali saíam
também a roubar os navios que iam e vinham de Portugal, tomando-lhes não só as
fazendas mas as pessoas, e vendendo-as aos gentios que as comessem”.
O topônimo Refoles (ex-Nau de Refoles), coincidente com o trecho do Potengi onde foi
construída a Base Naval de Natal, lembra a presença naquele local, do traficante francês
Jacques Riffault. No Porto dos Búzios existia uma grande concentração de franceses,
diversos deles casados com potiguares. No rio Potengi, distanciadas cerca de três
quilômetros da sua barra, ainda existem umas ruínas arquitetônicas, que no nosso
entender teriam sido de uma antiqüíssima casa-forte francesa, utilizada como
aquartelamento e também no armazenamento de mercadorias, objeto das permutas
efetuadas entre franceses e potiguares.
A presença francesa na Capitania do Rio Grande foi encerrada com a atuação das tropas
trazidas pelo capitão-mor de Pernambuco, Manuel Mascarenhas Homem, chegado à barra
do Potengi em 25 de dezembro de 1597, e pelo capitão-mor da Paraíba, Feliciano Coelho
de Carvalho; este, a partir de abril de 1598. Os dois capitães-mores desenvolveram
atividades que culminaram com a expulsão dos franceses da região, a edificação da
Fortaleza dos Santos Reis da Barra do Rio Grande, a pacificação dos indígenas potiguares e
a fundação de uma cidade, que depois receberia a denominação de Natal. Foi fundador da
Cidade do Rio Grande, Manuel Mascarenhas Homem, em 25 de dezembro de 1599.
3. O CAPITÃO-MOR MANUEL MASCARENHAS HOMEM: DE OLINDA AO RIO GRANDE
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D. Felipe de Espanha (I de Portugal), por Carta Régia de 9 de novembro de 1596, ordenou
a D. Francisco de Sousa, Governador do Estado do Brasil, que enviasse à Conquista do Rio
Grande o capitão-mor de Pernambuco, Manuel Mascarenhas Homem. Outra Carta Régia, de
15 de março de 1597, determinava a Manuel Mascarenhas Homem, que procurasse a ajuda
do capitão-mor da Paraíba, Feliciano Coelho de Carvalho, de quem deveria obter reforços
de homens e armamentos para a campanha.
O Governador Geral Dom Francisco de Sousa encarregou-se do provimento da Jornada do
Rio Grande, providência de que nos dá notícia Diogo de Campos Moreno, em sua JORNADA
DO MARANHÃO. Foram obtidos recursos, provenientes das seguintes fontes:
§ 12 mil cruzados em dinheiro da nau da Índia, que foi ter à Bahia de Todos
os Santos;
§ os direitos dos escravos de Angola;
§ um cruzado de tributo sobre cada caixa de açúcar, que se carregava
naquele porto;
§ todo o dinheiro que estava recolhido dos defuntos e ausentes;
§ os sobejos dos dízimos.
Muitos particulares também contribuíram, havendo um deles que às suas custas gastou
dez mil cruzados na Jornada. “Mascarenhas também recebeu ordem para nomear, e dar
cargos e ordenados, quais lhe bem parecesse, como um efeito deu”.
Segundo o ÍNDICE DE DOCUMENTOS RELATIVOS AO BRASIL, PERTENCENTES AO
ARQUIVO NACIONAL DE LISBOA, em Pernambuco foram feitos reparos em uma nau
francesa, especialmente comprada para participar da Jornada do Rio Grande. Na nau
“Nossa Senhora da Boa Viagem”, também ocorreram reparos, tornando-a em condições de
viajar ao Rio Grande.
Os episódios ocorridos, relacionados com a vinda ao Rio Grande da expedição que
pretendia a expulsão dos franceses, foram objeto de descrição por parte do franciscano Frei
Vicente do Salvador e do padre Pero Rodrigues, jesuíta.
Na Bahia foi preparada uma armada de 6 navios e 5 caravelões, seguindo a mesma para o
porto da Paraíba, onde embarcaria o capitão-mor Manuel Mascarenhas Homem. Era
Capitão-mor da armada Francisco de Barros Rego; almirante, Antônio da Costa Valente; e
por capitães dos outros navios, João Pais Barreto, Francisco Camelo, Pero Lopes Camelo e
Manuel da Costa Calheiros.
De Pernambuco seguiram com Manuel Mascarenhas Homem para a Paraíba, três
companhias “de gente de pé” comandadas pelos capitães Jerônimo de Albuquerque, seu
irmão Jorge de Albuquerque e Antônio Leitão Mirim, além de uma companhia de cavalos
capitaneada por Manuel Leitão. O percurso Pernambuco-Paraíba foi realizado por terra.
Da Paraíba partiu a armada, conduzindo Manuel Mascarenhas Homem. Nela vieram os
jesuítas Gaspar de Samperes e Francisco de Lemos, assim como os franciscanos
Bernardino das Neves e João de São Miguel. O padre Gaspar de Samperes era profundo
conhecedor das técnicas de engenharia e arquitetura; Frei Bernardino, perito no idioma
brasílico.
Segundo o padre Pero Rodrigues, partiram por terra da Paraíba com Feliciano Coelho de
Carvalho, trezentos “homens de espingarda”, cinqüenta “homens de cavalo”, novecentos
frecheiros indígenas, além de muita escravaria de Guiné, que transportava as munições e
os apetrechos de guerra.
Frei Vicente do Salvador informa que a tropa partiu das fronteiras da Paraíba (Baía da
Traição) em 17 de dezembro de 1597. Vieram com Feliciano Coelho de Carvalho os quatro
capitães e suas companhias da gente de Pernambuco, além de uma outra companhia da
Paraíba, cujo capitão era Miguel Alves Lobo, totalizando 178 “homens de pé e de cavalo”.
Acompanhavam também a tropa 90 frecheiros de Pernambuco e 730 tabajaras da Paraíba,
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com seus principais: o Braço de Peixe, o Assento de Pássaro, o Pedra Verde, o Mangue e o
Cardo Grande...
Pretendia Feliciano Coelho ir destruindo as aldeias encontradas pelo caminho até chegar ao
Rio Grande, tarefa que levaria alguns meses para conclusão. À frente da tropa seguiam
espias e corredores queimando algumas aldeias, cujos moradores fugiam amedrontados.
Depois de quatro ou cinco dias de jornada, verificou-se a presença do mal de bexigas no
arraial de Feliciano, ocorrendo uma intensa mortandade, que levava dez a doze pessoas
diariamente! Ante a epidemia, Feliciano regressou à Paraíba e as tropas pernambucanas à
sua terra. Jerônimo de Albuquerque embarcou em um caravelão e foi ter ao Rio Grande,
para juntar-se a Mascarenhas Homem.
Informa Pero Rodrigues, que se retirando Feliciano Coelho de Carvalho para a sua terra, os
potiguares seguiram as tropas simuladamente, devorando os cadáveres, após partirem-
lhes as cabeças! O gentio tendo adquirido a varíola, sofreu uma mortandade que ceifou
cerca de 2/3 de sua população. Houve aldeia em que morriam cem pessoas por dia!
Quando a armada passava à altura do Porto dos Búzios, os portugueses divisaram a
presente de sete naus francesas, as quais fugiram, não sendo perseguidas devido ao
adiantado da hora.
4. O ARRAIAL DA BARRA DO RIO GRANDE
Informa a carta do padre Pero Rodrigues, que a armada penetrou pela barra do Rio Grande
no dia de Natal, 25 de dezembro de 1597. Na armada, de 14 velas, vinham 400 homens.
Frei Vicente do Salvador esclarece que a armada chegou pela manhã, tendo ido dois
caravelões “descobrir o rio, o qual descoberto e seguro, entrou a armada à tarde guiada
pelos marinheiros dos caravelões que o tinham sondado”. Ainda, segundo Frei Vicente do
Salvador, “ali desembarcaram e se entrincheiraram de varas de mangues pera começarem
a fazer o forte e se defenderem dos potiguares”.
Em que ponto do Potengi teria ocorrido o desembarque? Obviamente no mesmo local onde
ocorreria, trinta e seis anos depois, o desembarque da armada holandesa, invasora do
Potengi, no porto hoje conhecido como Canto do Mangue, no bairro das Rocas. Uma
gravura holandesa intitulada “Verovinge van Rio Grande in Brazil Anno 1633”, de autoria de
Commelyn, representando o Assédio do Rio Grande, focaliza a armada holandesa ancorada
na barra do riacho que provém da antiga Lagoa do Jacó. O porto fluvial utilizado para
desembarque da armada de Mascarenhas, distava apenas 1.300 metros do pontal onde
seria construída a pretendida fortaleza.
Informa a carta do padre Pero Rodrigues, que logo no dia seguinte, 26 de dezembro,
tomaram os portugueses posse da terra. Como sabemos, essa operação possessória era
representada, à época, pelo chantamento de um marco ou padrão de pedra, ou arenito.
Uma gravura portuguesa, de 1609, encontrada pelo historiador José Gonsalves de Mello no
Arquivo Nacional da Torre do Tombo (Portugal), intitulada “Perspectiva da Fortaleza da
Barra do Rio Grande”, menciona a existência defronte à fortificação, de um “padrão de
areia a 100 passos da fortaleza”, distância equivalente a 165 metros. Na mesma gravura
figuram ainda uma cruz (indicativo da existência de uma igreja), a “casa do tenente” e um
padrasto (duna). As edificações compunham o Arraial e ficavam em área próxima ao atual
Círculo Militar de Natal.
Um mapa de autoria de João Teixeira Albernaz, o velho, intitulado RIO GRANDE, publicado
em 1631 e pertencente à mapoteca do Itamaraty, no Rio de Janeiro, traça uma descrição
da região onde foi construída a fortaleza. Defronte a esta, acha-se representado um
“médão de areia, distante da fortificação 73 braças e meia”, (161,7 m), a qual erguia-se a
uma altura de 60 pés (19,8 m). O referido médão estendia-se por 67 braças de
comprimento (149,6 m), apresentando uma largura de 48 pés (15,84 m), e fazia parte de
um conjunto de médãos, por detrás do qual foi edificado o arraial, o qual distava um pouco
além de 311,3 m, contados da entrada da fortaleza.
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No relato do padre Pero Rodrigues, os portugueses após o desembarque, “se
entrincheiraram com a maior pressa, que puderam, por causa dos contrários”. Observando-
se as condições geográficas do local onde foi erguida a fortaleza, torna-se óbvio que o
entrincheiramento feito de varas de mangues, procuraria isolar a área de possíveis ataques
dos indígenas e seus aliados franceses, que viriam por terra pelo rio Potengi. No interior da
área isolada pela cerca, teve início o assentamento de um Arraial, composto de rústicas
choupanas e onde moraria o pessoal envolvido no processo de edificação da fortaleza. Na
carta do padre Pero Rodrigues, há duas menções ao Arraial. Em gravuras holandesas, uma
delas intitulada”Afbeeldinghe van t’Fort op Rio Grande ende Belegeringhe”, incluída no livro
de Laet, e a já mencionada “Verovinge van Rio Grande in Brazil Anno 1633”, ainda se
achava retratado o velho arraial Mascarenhas Homem, resistindo à “concorrência”
representada pela Cidade do Natal!...
5. A FORTALEZA DOS SANTOS REIS DA BARRA DO RIO GRANDE
A construção da Fortaleza dos Santos Reis da Barra do Rio Grande foi iniciada no dia de
Reis, 6 de janeiro do ano de 1598, que caiu numa terça-feira. Foi autor da traça da
fortificação o padre jesuíta Gaspar de Samperes, natural do reio de Valência, ex-
participante da milícia, homem versado em engenharia e arquitetura. O material
empregado na edificação da fortaleza foi a taipa, como geralmente ocorria à época.
Inicialmente eram colocadas grossas vigas de madeira, muito juntas, sendo em seguida
aplicado um espesso forro de barro, à época denominado de entulho. Serviu de alicerce a
própria rocha, representada por uma “lájea banda”.
Segundo Frei Vicente do Salvador, a 30 de março de 1598, partiu da Paraíba com destino
ao Rio Grande o capitão-mor Feliciano Coelho de Carvalho, conduzindo consigo uma
companhia de 24 homens “de cavalo”, e duas “de pé”, de 30 arcabuzeiros cada uma, das
quais eram capitães Antônio de Valadares e Miguel Álvares Lobo. Seguiram também 350
indígenas com seus principais. Pelo caminho encontraram apenas aldeias evacuadas pelos
seus moradores índios. Informado de que a aldeia dos potiguares, de onde partiam os
ataques ao pessoal de Mascarenhas Homem, era aquela onde morava o principal Potiguaçu
– distanciada apenas uma légua da fortaleza -, resolveu Feliciano Coelho de Carvalho
chegar à dita aldeia de surpresa. Ali chegando, o capitão-mor constatou que a aldeia,
grande e fortemente cercada, fora despejada pelos seus moradores.
No dia seguinte Mascarenhas Homem foi visitar Feliciano, ocasião em que trataram sobre
as providências que deveriam ser adotadas, com vistas ao término das obras da fortaleza,
“porque tinham ainda grandes entulhos e outros serviços para fazer”. Ficou resolvido que a
companhia de cavalo vinda da Paraíba e a gente do chefe indígena Braço de Peixe
trabalhariam um dia e Antônio de Valadares com a gente do Assento de Pássaro outro dia
seguinte. Finalmente, no terceiro dia, se ocupariam dos trabalhos Miguel Álvares Lobo com
os indígenas do Pedra Verde. Serviam de intérpretes Francisco Barbosa, Antônio do Poço e
José Afonso Pamplona. O pessoal vindo da Paraíba ficou alojado naquela aldeia
abandonada, do outro lado do Potengi, onde morara anteriormente o chefe Potiguaçu.
Finalmente, no dia 24 de junho de 1598, Mascarenhas Homem acabou a fortaleza,
deixando-a muito bem fornecida “de gente, artilharia, munições, mantimentos e tudo o
mais”, indo dormir na antiga aldeia do Camarão. No dia seguinte os dois capitães-mores
partiram para as suas capitanias, “com muita paz e amizade”.
Segundo Frei Vicente do Salvador, naquele dia 24 de junho, Manuel Mascarenhas Homem
entregou a fortificação a Jerônimo de Albuquerque, “tomando-lhe homenagem como se
costuma”. Documentação posteriormente encontrada, indica ter havido um engano por
parte do historiador franciscano: o agraciado com a nomeação para Capitão da Fortaleza do
Rio Grande fora João Rodrigues Colaço...
Durante cerca de trinta anos a fortaleza recebeu melhoramentos, inclusive um processo de
“encamisamento”, que corresponde ao revestimento das muralhas de taipa com pedras de
silharia.
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Adianto Verdonck, espião holandês, em 1630 descreveu as muralhas da Fortaleza dos
Santos Reis Magos: “... as muralhas podem ter 9 ou 10 palmos de espessura e são
dobradas tendo o intervalho de barro”.
6. A FREGUESIA DE NOSSA SENHORA DA APRESENTAÇÃO DO RIO GRANDE
Na “RELAÇÃO DE AMBRÓSIO DE SIQUEIRA (1605) DA RECEITA E DESPESA DO ESTADO
DO BRASIL” constam algumas informações, muito esclarecedoras, sobre a origem da
Freguesia do Rio Grande. O Licenciado Ambrósio de Siqueira era o Ouvidor-geral e
Provedor-mor da Fazenda de sua Majestade, em todo o Estado do Brasil.
Através daquela “RELAÇÃO”, verifica-se que o padre Gaspar Gonçalves Rocha, provido pelo
Governado Geral D. Francisco de Sousa em 3 de fevereiro de 1598, assumiu a sua
freguesia do Rio Grande em 24 de junho, quando Manuel Mascarenhas Homem empossou o
primeiro capitão da Fortaleza do mesmo Rio Grande, João Rodrigues Colaço.
Na igrejinha do Arraial comemorou-se a Quaresma e a Semana Santa de 1598; esta
última, coincidente com os dias 15 a 22 de março. A carta do padre Pero Rodrigues
descreve aquelas festividades religiosas, celebradas com as limitações naturais, impostas
pelo estado de beligerância.
7. A REAÇÃO DOS POTIGUARES À PRESENÇA PORTUGUESA NO RIO GRANDE
A carta do padre Pero Rodrigues, datada de 19 de dezembro de 1599 do Colégio da Bahia,
e o relato de Frei Vicente do Salvador, nos fornecem minuciosas informações sobre a
reação dos indígenas potiguares à presença portuguesa no Rio Grande. Podemos dividir
essa guerra dos potiguares em duas fases: a primeira delas, contra os potiguares do Rio
Grande, já pacificados quando da partida dos padres Gaspar de Samperes e Francisco Pinto
em 19 de abril de 1599; a segunda, movida contra os potiguares da Paraíba, foi encerrada
com o tratado de pazes, firmado na Felipéia em 11 de junho de 1599.
Pero Rodrigues descreve que dez ou doze dias depois da chegada dos portugueses ao Rio
Grande, o maioral Mar Grande veio combater os recém-chegados, trazendo dois mil
frecheiros indígenas. Travou-se então uma batalha na praia, na qual foi aprisionado Mar
Grande juntamente com oito companheiros, cujas vidas foram poupadas. Informaram eles
aos portugueses, que cinqüenta franceses arcabuzeiros, com vinte mil indígenas,
planejavam atacar o arraial. Frei Vicente esclarece o caso: em uma madrugada chegaram
os indígenas, acompanhados dos cinqüenta franceses que haviam ficado nas naus do porto
dos Búzios, e outros que ali estavam casados com mulheres potiguares. Os atacantes
realizaram um assédio à cerca, ferindo a muitos defensores com pelouros e frechas que
atiravam por entre as varas. No combate foi ferido no pescoço com uma frechada o capitão
Rui de Aveiro. Segundo o padre Pero Rodrigues, espantados os atacantes com o troar da
artilharia que defendia o arraial, não tiveram êxito em seu empreendimento bélico.
Voltemos ao silvícola Mar Grande, aprisionado pelos portugueses: o padre Francisco de
Lemos informou aos potiguares que o referido maioral estava vivo; tendo, inclusive,
promovido um encontro indígena com os seus companheiros. Na ocasião Mar Grande
“começou de pregar aos seus que dali por diante não lançassem mais mão dos arcos nem
espadas contra portugueses”. Recomendou também que os outros principais viessem falar
com os padres, o que foi aceito por alguns deles.
Frei Vicente do Salvador descreve o episódio envolvendo o índio Surupiba, que desceu o rio
em uma jangada de juncos, com propostas de paz. Foram-lhe então dados vestidos e
outras cousas para serem entregues ao seu povo. Duas vezes mais, Surupiba mandou
pedir novos presentes, alegando já haver apaziguado os indígenas, que vinho a caminho de
entregar-se...
Vinte soldados, com o cabo Bento da Rocha, foram em dois batéis cortar mangues em uma
enseada, vendo-se então cercados pelos indígenas, que aguardavam a maré baixa para
atacar os portugueses. Um dos batéis logrou escapar da cilada, dando então aviso ao
outro, saindo todos ilesos. Eram os potiguares de Surupiba...
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Depois desse episódio sucederam ainda outros assaltos dos potiguares ao arraial. Ficou
difícil a obtenção de água, devido ao contínuo cerco exercido pelos potiguares. Os sitiados
“escassamente podiam ir buscar água para beberem a uns poçozinhos que tinham perto da
cerca, e essa muito ruim”.
Na ocasião desesperadora chegou Francisco Dias de Paiva, amo do capitão-mor, que o
criou, com um urca do reino mandada por Sua Majestade, com artilharia, munições e
outros provimentos para o forte que se fazia.
Na JORNADA DO MARANHÃO, de Diogo de Campos Moreno, informa-se que, no Recife,
Alexandre de Moura mandava ao Rio Grande todos os navios de provimentos, vinhos,
azeites, comidas, “assim como chegavam do Reino”. Sua Majestade também enviou duas
grandes urcas, “pela diligência e zelo do Conde Meirinho Mor, que governava a Fazenda
Real em Portugal”, nas quais vieram “nove peças de alcance de bronze, e muitas de ferro
coado, com tantas munições, armas e comida, que hoje parece coisa incrível”.
Depois da chega de Feliciano Coelho de Carvalho, aportou um barco vindo da Paraíba com
refrescos de vitela, galinha e outros mantimentos que Pero Lopes Lobo, loco-tenente do
capitão-mor Feliciano, lhe enviou. Pelo pessoal do barco soube Mascarenhas Homem, que
no porto dos Búzios achava-se surta uma nau francesa, lançando gente em terra. Reunindo
todo o pessoal de cavalo disponível, trinta soldados arcabuzeiros e muitos índios, atacou
ele as choupanas em que os potiguares estavam já comerciando com os franceses. Foram
mortos treze e aprisionados sete indígenas e três franceses.
Vez por outra, os paraibanos realizavam sortidas contra aldeias inimigas. Em uma delas
foram mortos mais de 400 potiguares e cativos 80. Os indígenas eram orientados pelos
franceses, que não renunciavam ao controle exercido sobre os seus aliados.
Os episódios ocorridos depois da partida dos capitães-mores Manuel Mascarenhas Homem
e Feliciano Coelho de Carvalho para as sua capitanias, em 25.06.1598, foram bens
descritos por Frei Vicente do Salvador. Seis dias depois da partida do Rio Grande foi
atacada a primeira aldeia potiguar encontrada, na qual foram mortos e cativos mais de
1.500 indígenas. Quatro dias depois foi a vez de uma outra aldeia, em cujo combate
tombaram 150 potiguares. Finalmente chegaram as tropas dos dois capitães-mores às
fronteiras da Paraíba (Baía da Traição). Despedindo-se Mascarenhas Homem do colega
Feliciano, ocasião em que se dirigiu a Pernambuco.
8. A PACIFICAÇÃO DOS POTIGUARES
De Pernambuco viajou o capitão-mor Manuel Mascarenhas Homem à Bahia, onde manteve
entendimentos com o governador geral D. Francisco de Sousa, a respeito da pretendida
pacificação dos potiguares. Obteve do padre Pero Rodrigues, no Colégio Jesuíta da Bahia, o
concurso do padre Francisco Pinto, “dos melhores línguas desta província, e por tal
conhecido a cessão do padre Samperes. Em seguida, viajaram os padres e o capitão-mor
para o Rio Grande.
Tendo ali chegado, o padre Pinto enviou recados aos chefes indígenas do Rio Grande para
que viessem se encontra com ele. Então compareceu “o maior de toda aquela comarca, por
nome o “Camarão Grande” (Potiguaçu). Declarou Camarão, que vinha cuidar da pazes, e
que “depois delas feitas, trataria do que a ele e aos seus pertencia no negócio da
salvação”. Segundo o relato do Frei Vicente do Salvador, o padre Samperes combinou com
Jerônimo de Albuquerque (sic), um plano para obterem a desejada paz com os potiguares
da Paraíba. O padre Pero Rodrigues esclarece que a tudo isto se acharam presentes
Mascarenhas Homem e o capitão da fortaleza, João Rodrigues Colaço, e não Jerônimo de
Albuquerque. O plano aludido foi Frei Vicente do Salvador, seria o de soltarem o índio Ilha
Grande, “principal e feiticeiro”, e mandá-lo tratar das pazes com os seus parentes. Da
primeira aldeia visitada por Ilha Grande, saíram então emissários às demais aldeias do
litoral paraibano e de Copaoba, região onde eram maiorais o Pau Seco e Zorobabé.
O plano traçado deu bons resultados, pois muitos chefes indígenas procuraram a fortaleza,
a fim de tratarem de pazes. Segundo a carta de Pero Rodrigues, feitas as pazes com os
potiguares do Rio Grande, ainda restava fazê-las com os moradores do sertão de Copaoba,
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região hoje correspondente ao Brejo da Paraíba, trinta léguas pela terra a dentro. Para lá
foi enviado o Mar Grande.
Pau Seco atendeu aos apelos do padre Pinto. Chegou ele a uma aldeia de um seu parente,
obra de meia légua da fortaleza, tendo enviado um recado ao jesuíta para que este fosse
àquela aldeia. Esta ficada em um alto, local que nos parece coincidir com o sítio histórico
onde seria fundada a cidade, na atual praça André de Albuquerque e arredores. Depois de
manter os primeiros contatos com o padre Francisco Pinto, Pau Seco dirigiu-se à fortaleza,
acompanhado pelo jesuíta, onde foi muito bem acolhido por Mascarenhas Homem e João
Rodrigues Colaço. Este presenteou o indígena com uma roupeta e uma cruz de comenda,
que foi colocada no peito. Ficou então combinado, por sugestão do indígena, que o mesmo
iria a Copaoba, em companhia dos padres Francisco Pinto e Gaspar de Samperes. Partiram
aos 19 de abril de 1599, com o intuito de pacificaram os potiguares, ali moradores.
Nas aldeias visitadas o Pe. Pinto pregava aos índios. Finalmente chegaram à aldeia Pau
Seco, onde ficaram acomodados. Ficou acertado que os principais de Copaoba
acompanhariam os padres à Paraíba para cumprir as pazes. Partiram os padres da aldeia
do Pau Seco no dia 23 de maio de 1599. Na aldeia os jesuítas haviam contraído doenças: o
padre Pinto, febres contínuas; Samperes, terçãs. Às vezes, este último era conduzido em
uma rede, por não poder caminhar...
Depois de cerca de 15 dias de viagem, chegaram à Filipéia de Nossa Senhora das Neves,
por coincidência no mesmo dia em que ali também chegavam os capitães portugueses que
haveriam de participar do tratado de pazes.
Aos 11 de junho de 1599, naquela Felipéia, foram celebradas as pazes com as solenidades
de direito, estando presentes Manuel Mascarenhas Homem, capitão-mor de Pernambuco;
Feliciano Coelho de Carvalho, capitão-mor da Paraíba, com os oficiais da Câmara e os
capitães locais; os capitães da Ilha de Itamaracá; o capitão Alexandre de Moura, que
sucederia a Mascarenhas Homem no governo de Pernambuco; Braz de Almeida, provedor;
os jesuítas Gaspar de Samperes e Francisco Pinto; Frei Bernardino das Neves, servindo na
ocasião de intérprete oficial para a cerimônia; dos silvícolas a figura principal era o Pau
Seco, estando presentes os indígenas cristãos Braço de Peixe e seu filho Braço Preto, Pedra
Verde e um outro maioral; dos potiguares trazidos do Rio Grande e da Copaoba, quarenta
ou cinqüenta indígenas, dos quais quinze ou vinte eram principais. As pazes foram
pregoadas na vila de Pernambuco.
Com a pacificação celebrada na Filipéia, tornou-se possível a fundação da Cidade do Rio
Grande (hoje, Natal), o que ocorreu no dia 25 de dezembro de 1599, por iniciativa de
Manuel Mascarenhas Homem, Capitão-mor da Conquista do Rio Grande.
Quase dois anos decorridos daquela fundação, chegou às mãos daquele capitão-mor de
Pernambuco uma carta que foi enviada pelo ex-capitão-mor da Paraíba, Feliciano Coelho de
Carvalho, informando encontrar-se o Rio Grande, cercado pelos potiguares sublevados;
adiantando mais, que se não fosse socorrido com a possível brevidade, el-rey perderia a
cidade e todos eles a vida. Manuel Mascarenhas abalou-se em socorro de Feliciano, à frente
de uma tropa composta de 400 portugueses e 3.000 indígenas. Após 7 dias de viagem,
chegou Mascarenhas à Cidade do Rio Grande, pelo final de outubro de 1601, travando
então combate com os potiguares levantados, do que resultou a vitória do partido
português.
Foi este o último episódio registrado pela história, relacionado com o ex-capitão-mor da
Paraíba com o Rio Grande...
Obrigado pela atenção.
ENCERRAMENTO
A fala do Presidente:
Agradecemos ao ilustre conferencista por seu excelente trabalho, perfeito e bem acabado,
em linguagem escorreita, uma narrativa da fase colonial esclarecedora dos episódios, que,
desde o século XVI, vinculam a Paraíba ao Rio Grande do Norte.
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Essas vinculações continuaram durante o Império e a República. Vários paraibanos
influíram na vida política e social do Rio Grande do Norte, e lá vivem muitos conterrâneos.
Nossos Institutos Históricos, por exemplo, mantêm um relacionamento de grande
intercâmbio e cordialidade, havendo mesmo um entrelaçamento de sócios que pertencem
às duas agremiações culturais, como é o caso do ilustre companheiro, que é nosso sócio
correspondente.
É oportuno comunicar-lhe, caro confrade Olavo de Medeiros Filho, que esta solenidade
marca também o nosso regozijo da Paraíba pela passagem do IV Centenário da Fundação
da Cidade de Natal, que o povo potiguar vem comemorando desde o ano passado com a
construção da Fortaleza dos Reis Magos. Quando Manoel de Mascarenhas entregou a
Jerônimo de Albuquerque o forte acabado, podemos dizer, que o Rio Grande estava
conquistado com o apoio de Feliciano Coelho de Carvalho, governador da nossa Capitania,
que para lá foi com nossa gente.
Transmita, caro consócio Olavo, aos seus pares do valoroso Instituto do Rio Grande do
Norte, o registro do nosso regozijo pela efeméride que vocês vêm comemorando com
grandes realizações culturais.
Esta sessão foi glorificada ainda mais pelo lançamento da plaqueta de autoria do nosso
consócio Marcus Odilon Ribeiro Coutinho, que dentro da nossa Coleção de Historiadores
Paraibanos, nos apresentou seu trabalho abordando a vida e obra do historiador Manuel
Tavares Cavalcanti, com a apresentação do confrade Joacil de Britto Pereira.
Cumpre-me agradecer a todos os expositores, debatedores e participantes inscritos pelo
seu desempenho durante nossas sessões de debates.
Foram expositores dos diversos temas os seguintes historiadores, pela ordem de
apresentação: Regina Célia Gonçalves, da Universidade Federal da Paraíba; Rosa Maria
Godoy Silveira, Chefe do Departamento de História da UFPB; Carlos André Macedo
Cavalcanti, Diretor de Cultura da Fundação Espaço Cultural; e os seguintes membros do
Instituto Histórico: Aécio Villar de Aquino (falecido posteriormente), Waldice Mendonça
Porto, Wilson Nóbrega Seixas, José Elias Borges Barbosa, Diana Soares de Galliza, José
Octávio de Arruda Mello, Martha Maria Falcão, Humberto Cavalcanti de Mello, Fátima
Araújo, Manuel Batista de Medeiros, Hélio Nóbrega Zenaide, Joacil de Britto Pereira,
Guilherme d’Avila Lins e Luiz Hugo Guimarães.
Serviram como debatedores: o historiador Luiz de Barros Guimarães e a professora
Zilma Ferreira Pinto, do Instituto Paraibano de Genealogia e Heráldica; professora Inês
Caminha Lopes Rodrigues, professora da UNIPÊ; Grão Mestre Edgard Bartolini Filho;
jornalista e acadêmico Luiz Gonzaga Rodrigues; e os associados do IHGP Wellington
Aguiar, Marcus Odilon Ribeiro Coutinho, Joacil de Britto Pereira, Guilherme d’Avila Lins,
Waldice Mendonça Porto, Aécio Villar de Aquino, Dorgival Terceiro Neto, Eurivaldo Caldas
Tavares e Luiz Hugo Guimarães.
Como coroamento do conclave teremos a satisfação de entregar-lhes um Certificado de sua
participação. E o faremos, iniciando pelo último expositor, o historiador OLAVO DE
MEDEIROS FILHO, a quem eu tenho a honra de passar-lhe às mãos o seu Diploma como
expositor.
Aos demais expositores, peço que se considerem recebedores dos seus Diplomas, os quais
lhes serão entregues logo após a sessão. Todavia, simbolizando o grupo de expositores
faremos a entrega ao nosso historiador mais antigo, o consócio WILSON NÓBREGA SEIXAS.
Aos debatedores, pela mesma razão, homenageando o mais antigo, faremos a entrega do
Diploma ao consócio Monsenhor Eurivaldo Caldas Tavares, devendo os demais recebê-los
após a sessão.
Aos participantes, ainda pela mesma razão, faremos a entrega do diploma ao participante
mais idoso e que teve freqüência CEM PORCENTO, historiador e jornalista João Batista
Barbosa.
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Finalmente, com grande contentamento, convidamos os presentes para um coquetel de
confraternização, oferecido pelo escritor Marcus Odilon Ribeiro Coutinho e sua esposa Dra.
Ana Lúcia Ribeiro Coutinho, no salão da Biblioteca Irineu Pinto.
Com os meus agradecimentos pela presença das autoridades, confrades e convidados, dou
por encerrada esta sessão solene.

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