You are on page 1of 106

CENTRO UNIVERSITÁRIO MOURA LACERDA

PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO


MESTRADO

DANIEL FRANCISCO DE ANDRADE

Os desafios de transgêneros em sua trajetória escolar em um município do


interior do estado de São Paulo

RIBEIRÃO PRETO
2020
DANIEL FRANCISCO DE ANDRADE

Os desafios de transgêneros em sua trajetória escolar em um município do


interior do estado de São Paulo

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em


Educação – Mestrado, do Centro Universitário Moura Lacerda
de Ribeirão Preto, SP, como requisito para a obtenção do título
de Mestre em Educação.

Área de concentração: Educação


Linha de pesquisa: Constituição do sujeito no contexto
escolar
Orientadora: Profa. Dra. Célia Regina Vieira de Souza-Leite

RIBEIRÃO PRETO
2020
Catalogação na fonte elaborada pela Biblioteca do
Centro Universitário Moura Lacerda
Bibliotecária Gina Botta Corrêa de Souza CRB 8/7006

Andrade, Daniel Francisco de.


Os desafios de transgêneros em sua trajetória escolar em um município do
interior do estado de São Paulo / Daniel Francisco de Andrade. -- Ribeirão
Preto, 2020.
105 p.; il.

Dissertação (Mestrado) – Centro Universitário Moura Lacerda, 2020


Orientador: Profa. Dra. Célia Regina Vieira de Souza-Leite

1. Educação. 2. Transgêneros. 3. Trajetória escolar. 4. Travesti. 5.


Transexual. I. Souza-Leite, Célia Regina Vieira de. II. Centro Universitário
Moura Lacerda. III. Título
DANIEL FRANCISCO DE ANDRADE

Os desafios de transgêneros em sua trajetória escolar em um município do


interior do estado de São Paulo

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Educação – Mestrado, do Centro
Universitário Moura Lacerda de Ribeirão Preto, SP,
como requisito para a obtenção do título de Mestre
em Educação.

Área de concentração: Educação


Linha de pesquisa: Constituição do sujeito no
contexto escolar

Comissão julgadora

Profa. Dra. Célia Regina Vieira de Souza-Leite (CUML-RP)

________________________________________________________________

Profa. Dra. Rita de Cássia Petrenas (Escola Superior de Tecnologia e Educação – ASSER
Porto Ferreira)

________________________________________________________________

Profa. Dra. Daniela Leal (CUML-RP)

________________________________________________________________

Ribeirão Preto, 27 de agosto de 2020.


Dedico esse trabalho a Edney Wesley Antunes,
meu amor, meu companheiro de vida, de
estrada, angústias, vitórias e conquistas. Sem ele
esse trabalho não seria possível.
Agradecimentos

Agradeço ao Senac, por oportunizar minha formação e acreditar no profissional que vem a cada
dia amadurecendo. A cada professor que no processo intenso de formação também me forma
enquanto educador e pessoa. A equipe técnica, Cacilda Peixoto Pucci Veloso, Marina Latuf
Bittar, Vivian Fructuoso Vieira, pela parceria, apoio e torcida. Aos apoios técnicos, Felipe
Augusto de Oliveira, Murillo Torres, Michelle de Andrade Gomes Isabela Ramos Pacor
Serafim, Isadora Miarelli Lutfala, Rosemeire Aparecida Claudino Santos, Marcela Lacerda
Alves, pelo companheirismo e por me fortalecer sempre. Aos gerentes, Josiane Serrano,
Leandro D’Arco e Ettore Polleti por acreditarem em mim e me ajudarem em meu processo de
formação. Ao irmão que a vida me presenteou que transcendeu o trabalho, Hélio Silvio Junior,
a Sheila Aparecida Vitoreli Santos pela parceria de sempre. A Rosangela, por toda torcida e
entusiasmo e pelas palavras de carinho. A Fernanda Ferro da Silva e Debora Carolina Bonato
De Sa, por comprar as ideias e na parceria de diversos projetos loucos. E ainda a todos os
funcionários desta escola incrível que é o Senac Franca, que de forma direta e indireta me
ajudaram e me acolheram neste processo.

A professora Célia Regina Vieira de Souza -Leite, pela paciência e por acreditar em mim.

A minha mãe, Maria José Alves de Andrade, e aos meus familiares.

Agradeço ao Matheus B Batista, por estar sempre junto e entender meus debates, angústias e
medos em relação ao processo do mestrado que é tão intenso.

Ao meu analista Mickael Menegueti, por oferecer suporte emocional e me acompanhar no


processo de individuação.

A todas as pessoas que passaram em minha vida e que me ensinaram e me serviram de exemplo
em como ser e a como não ser.

Ao Movimento LGBTQIA+ por fomentar o senso crítico quanto as singularidades de cada


indivíduo.
A bancada política conservadora por me despertar a necessidade de luta contra a discriminação
bem como buscar a equidade a quem são colocados à margem da sociedade por não se
enquadrarem as cis-heteronormas.

Em especial aos participantes da pesquisa que despiram suas vidas sem pudores a este estudo.
Obrigado e continuem a lutar, o mundo precisa e merece ser um lugar melhor.
Lutar pela igualdade sempre que as diferenças nos discriminem. lutar pela diferença sempre
que a igualdade nos descaracterize.

Boaventura de Souza Santos


ANDRADE, D.F. Os desafios de transgêneros em sua trajetória escolar em um município
do interior do estado de São Paulo. Ribeirão Preto, SP: CUML, 2020. 105f. Dissertação
(Mestrado) Programa de Pós-Graduação em Educação, Centro Universitário Moura Lacerda,
2020.

RESUMO

Nos dias atuais há uma crescente discussão acerca das questões relacionadas a gênero e
sexualidade, sendo a identidade de gênero um dos focos desses debates. Entendemos que
estamos inseridos numa sociedade heteronormativa, embora o binarismo de gênero não seja
suficiente para abarcar todas as formas de ser e sentir. Nessa perspectiva o objetivo deste
trabalho consiste em compreender a trajetória dos transgêneros no mundo escolar, bem como
seus desafios. Para tanto foi realizada uma pesquisa qualitativa com dois transgêneros (travestis
e transexuais), que foram selecionados aleatoriamente. Foi aplicada uma entrevista
semiestruturada, analisada, e dividida em categorias, a fim de compreender os significados e
vivencias presentes nas falas dos participantes. Neste sentido apresentamos uma análise da
trajetória escolar dos participantes da pesquisa, onde se evidencia a urgência em movimentar e
propor ações que levem a discussão a respeito dos transgêneros, oportunizando acesso à escola
de maneira equânime como é oportunizado as pessoas cisgêneros.

Palavras chaves: Educação. Transgêneros. Trajetória escolar. Travesti. Transexual.


ANDRADE, D.F The Challenges of transgender people in the School carreer in an inner
city of São Paulo state. Ribeirao Preto, SP: CUML, 2020. 105 f. Thesis (Masters) - Graduate
Program in Education, Moura Lacerda University Center, 2020

ABSTRACT

Today there is a growing discussion about issues related to gender, with gender identity being
one of the focuses of these debates. To understand that we are inserted in a heteronormative
society, although binary gender does not sufficient to cover all forms of being and feeling. From
this perspective, the objective of this study is to understand the trajectory of transgender people
in the school environment, as well their challenges. For this, a qualitative research was carried
out with two trans genders (transvestites and transsexuals), who were randomly selected. Was
a semi-structured interview, analyzed, and divided into categories, in order to understand the
meanings and experiences present in the participant`s statements. This meaning we present an
analysis of the school trajectory of the research participants, were we noted the urgency to
propose actions that lead the discussion about transgender people, providing access to the
school in an equitable way as it is for cisgender people.

Keywords: Education. Transgender. School trajectory. Transvestite. Transexual.


LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: Bandeira do orgulho “trans”..................................................................................... 41


Figura 2: Mapa dos assassinatos de 2019..................................................................................48
Figura 3: Índice de acesso de Pornografia de Pessoas Transgêneras por Países........................51
Figura 4: Matrículas com nome social......................................................................................62
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO...................................................................................................12

INTRODUÇÃO........................................................................................................15

1 SEXUALIDADE: UM BREVE HISTÓRICO....................................................19

1.1 Gênero, Identidade e Orientação Sexual..........................................................27

2 TRANSGÊNERO: TRANS-ITANDO, TRANS-GREDINDO, TRANS-PONDO


AS NORMAS DA SOCIEDADE............................................................................39

2.1 O padrão heteronormativo permeando as relações........................................46

2.2 O transgênero no espaço escolar.......................................................................52

3 METODOLOGIA..................................................................................................63

4 ANÁLISE DAS ENTREVISTAS.........................................................................70

CONSIDERAÇÕES ................................................................................................95

REFERÊNCIAS.......................................................................................................98
12

APRESENTAÇÃO

Este trabalho teve início após alguns questionamentos que fiz quando
acompanhava o desenvolvimento de uma turma da escola que trabalho. Na ocasião
recebíamos uma mulher trans que desenvolvia muito bem todas suas atividades, mas
enfrentava um problema, estava desempregada e não conseguia nenhuma colocação no
mercado de trabalho. Segundo ela, ao realizar entrevistas de trabalho e constatarem que
se tratava de uma mulher trans, não davam continuidade ao processo. Terminou por
desistir do curso, parar sua transição e assim conseguir participar de processos seletivos
e conseguir sua vaga. Deixou para trás sua formação educacional e um sentimento
estranho se fez presente em mim, deixando-me inquieto e tirando-me do conforto em que
me encontrava, me fazendo recordar de toda minha trajetória escolar.

Minha formação inicial foi no curso de Letras pela Universidade de Franca,


lá meu sonho era o trabalho com a língua inglesa, porém ao longo do processo foi me
apresentado um autor que me desestabilizou, ele trazia histórias de um povo
marginalizado, considerado sujo, ou mesmo uma elite que vivia a vida como ela é. Nelson
Rodrigues me colocou em contato com um mundo que até então era o avesso ao que me
apresentavam, ele me fez entrar em contato com a realidade da qual eu não imagina. Até
o presente momento o que eu via era um mundo dentro de uma caixa, mas que nos
bastidores a realidade era bem outra, uma realidade fora do padrão, que a sociedade
insistia em dizer que não existia e preferia acreditar naquela família “margarina” que tanto
víamos nos anos 80.

Terminei o curso de letras em 2003, mas, antes mesmo do término acabei por
estagiar em um programa da prefeitura de Franca, onde ministrei um curso que acontecia
no contraturno da escola, neste projeto intitulado “Sementes do amanhã”, atendíamos
crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade. Foram três anos de muitos
aprendizados, vivências e muitas dificuldades. Período este que me formei professor
muito mais que na sala de aula. As histórias de vidas daqueles alunos me colocaram em
contato com uma realidade que até então que eu desconhecia e me fizeram pensar em
qual educador eu queria me tornar.
13

Algum tempo depois de formado fui trabalhar no que eu chamei de pós-


graduação na minha formação docente, ter trabalhado na Fundação CASA, me lapidou,
me tirou mais uma vez daquele mundinho que infelizmente me foi vendido na graduação
que insistia em pensar nas orações subordinadas, na análise do texto ou mesmo na
importância da conjugação verbal, mas nunca fomos estimulados a pensar no ser humano
que iria aprender todas aquelas disciplinas. As histórias de vidas de adolescentes e
famílias que estavam vivenciando a medida socio educativa, me fizeram mais uma vez
refletir sobre o ser humano e sua formação.

Por várias vezes me questionei sobre qual era a parcela de culpa do sistema,
pois alguns jovens, então, com seus dezessete anos, mal sabiam escrever seus nomes,
diversos questionamentos me permearam naquele período: qual era a oportunidade
daqueles jovens no mundo do trabalho? Qual eram seus desafios e dificuldades em sua
trajetória escolar? Essa falta de acesso a formação escolar influenciava na culminância
desses jovens no mundo do crime? Ao longo de cinco anos essas e outras perguntas me
inquietaram. Terminei por sair da Fundação CASA, sem conseguir responder minhas
perguntas, deixando também algumas inimizades, uma vez que alguns diretores escolares,
insistiam em aprovar alguns jovens, mesmo estes serem semialfabetizados. As amizades
construídas na Funda CASA me deram base para continuar acreditando na educação e
que ela ainda pode mudar histórias e oportunizar a realização de sonhos.

Ao sair da Fundação CASA me deparo com a oportunidade de trabalhar com


a escola SENAC, ali um cenário totalmente diferente do anterior, um lugar que respirava
educação, me senti motivado mais uma vez a voltar para a pesquisa e a fortalecer minha
formação escolar. Fiz uma pós-graduação em Gestão Pública pela Universidade Federal
de São Carlos, onde pesquisei a motivação de professores de uma escola localizada em
uma área de vulnerabilidade social de Franca. Nesta pesquisa pude entrar em contato com
a visão dos professores frente ao processo de ensino aprendizagem e constatar que nesta
escola elas precisavam ser valorizados, já que enfrentavam diversas situações em sala de
aula, pois os alunos traziam situações de violências e outras histórias de vida , que o
docente mesmo diante de tantas histórias e vivências tinham, mesmo sem recuso, “dar
conta do recado em sala” como resultado da pesquisa pude constatar que além de um
aumento de salário o reconhecimento dos gestores escolares era importante para aqueles
docentes.
14

Após o término desta especialização, me matriculei no programa de pós-


graduação da Universidade Federal Fluminense no curso Planejamento, Implementação
e Gestão da educação à distância, onde pesquisei sobre a formação do tutor nos cursos de
formação EaD. Neste período pude constatar a importância da formação continuada para
o corpo docente.

Essas duas especializações me puseram a refletir sobre a importância da


figura do professor na escola, sobre os alunos no ambiente escolar, os gestores e seus
olhares, enfim, sobre a comunidade escolar como um todo. Ainda assim, me sentia vazio
e fui buscar na graduação de Pedagogia, resolver alguns questionamentos e entender o
porquê de alguns processos que não haviam sido explorados em minha primeira
graduação. Neste meio tempo fui entrando em contato, via trabalho de meu marido, com
a comunidade LGTBQI+ e me questionando sobre as amarguras enfrentadas por eles em
diversos seguimentos da sociedade, como mercado de trabalho, escola, vivencias e etc.,
me surgiram alguns questionamentos: Quais os desafios e dificuldades enfrentados por
essa comunidade em sua formação escolar? Naquele momento a sociedade relatada por
Nelson Rodrigues me fez muito sentido e acabei por revisitar a história daquela aluna
citada anteriormente.

Não me esquecendo que junto a formação de pedagogia fui buscar outra pós-
graduação que fiz no Centro Universitário de Franca, onde estudei Gestão de Pessoas,
pesquisando o transgênero no mundo do trabalho.

Com termino das duas formações acima, fui buscar o programa de mestrado
da Moura Lacerda, com o intuito de estudar a trajetória de transgêneros na escola, mesmo
não estando em meu lugar de fala, tinha o intuito de utilizar do meu privilegio de homem
cisgênero, branco, de orientação homossexual, e assim amplificar a voz de sujeitos
transgêneros que estão à margem da sociedade sem oportunidades, acessos e formação.

A partir do processo vivenciado ao longo das aulas no programa de mestrado


do Centro Universitário Moura Lacerda, as discussões em sala a troca com os alunos e as
boas conversas com minha orientadora professora Célia, me estimularam a escrever essa
pesquisa.
15

INTRODUÇÃO

Atualmente a mídia têm apresentado muitas questões relacionadas ao gênero


e a sexualidade, entre a diversidade de temas apresentados os transgêneros despertam meu
interesse em compreender sua trajetória no mundo escolar, bem como seus desafios.
Entendo que por trabalhar com educação sou responsável e participo do processo de
ensino aprendizagem de toda a comunidade escolar. E, observo uma transformação
recorrente na forma de comportamento dos alunos que procuram por formação
educacional. Portanto, a motivação pessoal da pesquisa está relacionada na compreensão
do papel do educador na recepção dos transgêneros no meio educacional, bem como no
seu acolhimento.

Na minha perspectiva o ser humano é composto por diversas identidades que


ao mesmo tempo o generaliza e o singulariza. Dentre as multiplicidades do ser encontram-
se o gênero, sexo, idade, raça/etnia, orientação sexual, classe social e religião.

Antes mesmo de nascer o indivíduo é enquadrado dentro do gênero masculino


ou feminino, de acordo com o seu genital (sexo biológico), permitindo que a sociedade
lhe atribua o comportamento que se espera do homem ou mulher (JESUS, 2012).

Desta forma, a pessoa já tem depositado em si as expectativas e paradigmas


socialmente construídos a despeito de como deve se portar, agir, vestir, relacionar, dentre
outros. Esses aspectos estão associados as questões de gênero, uma vez que, construídos
a partir de uma sociedade patriarcal que considera que o homem branco e hétero como
um ser genérico, e nesse sentido, aquilo que foge desta perspectiva é considerado como
particularidade (LANZ, 2014).

Seguindo este ponto de vista a mulher vem sendo educada com vistas nos
trabalhos e cuidados do lar e dos filhos, enquanto o homem é instruído a prover o sustento
da família que constituir, ocupando a função de “chefe” do lar e das relações ali existentes
(SOARES, 2002). Podemos observar esta questão nas lojas de brinquedos que ainda nos
dias atuais focam na produção de brinquedos para meninos que envolvam aventura, força,
super-heróis e para as meninas o foco continua em brinquedos que remetem aos cuidados
da casa, das crianças, criando bonecas que parecem bebes de verdade (Reborn), e
16

princesas. Remetendo assim que o homem é criado para o mundo externo e a mulher para
o mundo privado.

De acordo com Lobo (2018) ainda nos dias de hoje as mulheres têm seus
direitos negados, além de aumentar os casos de feminicídios e violência contra as
mulheres e estupros.

A mulher ainda não conseguiu a igualdade no mercado de trabalho e nos


salários. Ainda há poucas vagas para liderança nas empresas ocupadas por
mulheres e, apesar de muitos, expressamente, afirmarem que não há distinção,
vivenciamos diariamente tal discriminação. (LOBO, 2018, p.17).

Contudo, apesar da expansão de direitos da mulher, ainda há um longo


caminho pela frente para haver a igualdade entre gêneros, como cita Lobo (2018) em
muitos países da África a mulher ainda é submetida a mutilação genital, entre outros
países também há restrições quanto sua liberdade, aqui no Ocidente a mulher vem
conquistando mais espaço, mas ainda estamos inseridos em uma sociedade patriarcal, no
qual há diferenças salariais, de funções e de oportunidades. Ainda se faz necessário a
discussão acerca da construção social do indivíduo e as relações de gênero.

A construção social do indivíduo tem relação direta com o sexo biológico


designado a ele, e que as posições de poder nas relações de classe, gênero e raça podem
ser desiguais (HIRATA, 2014). Sendo assim, observamos que a construção da
identificação como homens ou mulheres não é biológica, é social (JESUS, 2012).

Quando abordamos as questões relacionadas a gênero se faz necessário à


desconstrução de conceitos que historicamente foram construídos, e ainda nos leva a
reflexão de que as questões de gênero estão associadas aos questionamentos de papeis
sociais destinados aos homens e mulheres (SOUSA; GRAUPE; LOCKS, 2015).

É importante diferenciar os conceitos de sexo biológico e gênero, para dar


início ao debate das questões de identidade de gênero e a relação com a escola,
considerando que atualmente a mídia têm apresentado muitas questões relacionadas a
essa temática.

Desta forma, o objetivo deste trabalho consiste em compreender a trajetória


dos transgêneros no mundo escolar, bem como seus desafios. É importante ressaltar, que
mesmo antes de nascerem, as pessoas são inundadas com expectativas de identidade de
gênero pelos pais e familiares que criam um mundo voltado para esta realidade, nesse
sentido, se nascer menino, como relatado acima, os brinquedos estão associados à
17

aventura, ao trabalho, a força, as cores são azuis, entre outros, e se são meninas busca-se
a delicadeza, a fragilidade, a beleza, as cores estão associadas ao rosa.

Desta forma, o sexo biológico determina, através da crença e construção


social, os padrões que um determinado indivíduo deverá seguir. Os transgêneros, por sua
vez, são compreendidos como pessoas que transgridem ou transitam por estes padrões, se
identificando ou se apresentando com a identidade oposta ao seu sexo biológico (LANZ,
2014).

Para o desenvolvimento da pesquisa foi realizado um estudo bibliográfico e


empírico sobre o tema com autores que abordam a questões relacionadas a escola e
transgeneridade.

A metodologia utilizada neste trabalho segue as normas de uma pesquisa


qualitativa, apoiada nas perspectivas apresentadas por Minayo (2000) e Szymanski
(2011), na qual será realizada uma entrevista reflexiva com 2 transgêneros, sendo
transcritas e em seguida analisadas através de categorias ou constelações.

De acordo com Lima e Mioto (2007) a pesquisa bibliográfica implica em um


conjunto ordenado de procedimentos de busca por soluções, atendendo ao objeto de
estudo, e que, por isso, não pode ser aleatório.

Portanto, apresentamos no primeiro capítulo deste trabalho os aspectos


associados a sexualidade, tendo como respaldo teórico os pensamentos de Michel
Foucault no qual compreende a sexualidade como uma relação de controle e poder; e
ainda concebe a sexualidade a partir de uma construção social contrapondo a visão
biológica. E ainda nos baseamos nos pensamentos de seus contemporâneos como a
filosofa Judith Butller e Guacira Lopes Louro que defendem a desconstrução da visão
binária de gênero; e Leticia Lanz1, mulher transgênero, psicanalista e autora do livro “O
corpo da roupa” que apresenta um estudo sobre as questões de gênero.

No segundo capítulo apresentamos a definição de transgênero, bem como a


sua contextualização e trajetória escolar. Para a construção deste capítulo nos baseamos
nos pensamentos e vivencias da psicanalista Leticia Lanz, acima citada, que considera
que as pessoas transgênero são transgressoras da heteronormatividade, portanto, não
seguem o papel social e de gênero que lhe e imposto ao nascer.

1
Leticia Lanz nome social de Geraldo Eustáquio de Souza – Psicanalista, Mestra em Sociologia e
Especialista em Gênero e Sexualidade
18

No terceiro capítulo apresentamos a construção metodológica deste estudo,


no qual optou-se por realizar um estudo qualitativo que tem por característica um olhar
de profundidade no objeto de pesquisa considerando as peculiaridades e particularidades
dele.

No quarto capítulo faremos a sistematização e análise de dados embasados no


referencial teórico que fora construído ao longo do estudo.

Por último será apresentado as considerações finais do trabalho, baseada nas


perspectivas que foram construídas ao longo da pesquisa.
19

1 SEXUALIDADE: UM BREVE HISTÓRICO

O presente trabalho, que como já colocado, tem por objetivo compreender a


trajetória dos transgêneros no mundo escolar, bem como seus desafios. É importante
ressaltar que no cenário atual, em que vivemos, necessita de um olhar mais humanizado
para as pessoas, cujas diferenças precisam ser reconhecidas, embora não como diferenças
e sim como singularidades, compreendendo também as questões que dizem respeito à
orientação sexual e/ou expressão de gênero. Portanto, historicamente a escola vem
desempenhando o papel fundamental na construção da cidadania, e cabe a escola mesmo
diante das peculiaridades e dificuldades fomentar debates no sentido de trazer mais
visibilidade as pessoas na qual a orientação sexual diverge da heterossexualidade e/ou a
expressão de gênero diverge da norma binária de gênero – que compreende os sujeitos
que são enquadrados em dos dois gêneros reconhecidos na cultura ocidental, em função
do órgão genital que possuem.

O termo sexualidade foi e ainda é considerado um tabu, um assunto restrito a


privacidade, portanto fomentar questões relacionadas ao sexo e sexualidade geralmente
gera desconforto e constrangimento (LANZ, 2014). Abordar a temática sexualidade, em
especial nos ambientes escolares, tem sido um problema constante, principalmente para
aqueles envolvidos com o processo de ensino aprendizagem. Uma das razões atribuídas
a essa dificuldade consiste na sexualidade ser confundida com ato sexual.

É importante ressaltar que a sexualidade vai além do ato sexual, ou do sexo


propriamente dito. Freud foi um dos primeiros pensadores que compreende a sexualidade
como um fenômeno diferente do sexo. De acordo com Freud (1972) a sexualidade faz
parte do cotidiano das pessoas desde o início de suas vidas.

Freud na sua obra “Três Ensaios sobre Sexualidade (FREUD, 1972)”, amplia
a compreensão sobre a sexualidade humana, afirmando que ela não tem por finalidade a
procriação, mas sim, a busca pelo prazer, que passa por diversas fases: oral, anal e fálica.

Nesse sentido, Freud relata que a sexualidade não aparece somente na


adolescência, mas sim na infância, sendo que esta descoberta foi recebida com muita
resistência pelos cientistas naquele tempo, porém constitui um dos pilares da teoria e da
20

técnica psicanalítica (MABILDE, 2005). Portanto, as contribuições da psicanálise


permitiram tornar a sexualidade objeto de investigação e discussão analítica, como um
fenômeno entre tantos outros, Freud (1972) afirma que a pulsão sexual que atua nas
psicopatologias é a mesma que atua nas pessoas que possuem um comportamento
considerado “adequado”, seguindo os padrões instituídos por uma determinada
sociedade.

Nessa perspectiva Padilha Netto e Cardoso (2012) ressaltam que na visão


freudiana todo ser humano é composto de pulsão sexual, sendo assim, a sexualidade é
algo inerente ao ser humano, estando sempre presente em todas as fases, os contextos e
segmentos de nossas vidas.

De acordo com World Health Organization (2017) a sexualidade pode ser


compreendida como “a busca por satisfação plena, em desenvolvimento contínuo, que
envolve as questões biológicas, psicológicas e sociais”, definida como

[...] uma energia que nos motiva para encontrar amor, contato, ternura e
intimidade; ela integra-se no modo como sentimos, movemos, tocamos e
somos tocados, é ser-se sensual e ao mesmo tempo ser-se sexual. A
sexualidade influencia pensamentos, sentimentos, ações e interações e, por
isso, influência também a nossa saúde física e mental (WHO, 2017, p.1).

Nesse sentido não podemos limitar a sexualidade associada somente ao sexo


biológico e a reprodução, a perspectiva biológica não exprime o que são os conceitos
atuais, mais abrangentes e inclusivos da sexualidade. Desta forma, é importante ressaltar
que a sexualidade é influenciada pela interação de fatores biológicos, psicológicos,
sociais, econômicos, políticos, culturais, éticos, legais, históricos, religiosos e espirituais.

Nessa perspectiva, definir sexualidade resulta num processo complexo, uma


vez que ela assume um papel de fundamental importância na vida das pessoas,
envolvendo um conjunto de dimensões, com suas singularidades e que sofrem influência
do meio social e/ou histórico. A sexualidade varia de forma significativa ao longo do ciclo
de vida, podendo ser experienciada de forma diferente em função da idade, classe, etnia,
capacidade física, orientação sexual, religião e região (WEEKS, 2003).

Segundo Giddens (1992) as transformações que a sexualidade sofreu e vem


sofrendo ao longo do tempo são verdadeiramente revolucionarias e modificam a forma
com que as pessoas se relacionam em seu cotidiano.
21

A sexualidade ainda é percebida por muitos teóricos na perspectiva biológica,


que de acordo com Foucault (2015 apud SOUSA 2018) categoriza os indivíduos por meio
do sexo biológico, portanto quando aceitarmos a existência de pessoas que não se
enquadram na visão binaria de gênero (homem/mulher) possibilitaríamos o
reconhecimento de uma nova ordem social do que se é e do que se pode ser a partir da
sexualidade.

Louro (2000) afirma que existem dois discursos que permeiam a sexualidade,
um defende a ideia da sexualidade como algo natural, associada à visão biológica, e outro
discurso está relacionado ao construcionismo, no qual entende a sexualidade como uma
construção histórica, é importante dizer que ambas as visões normatizam, instauram
saberes que produzem verdades, sendo assim podem ser consideradas como sendo uma
invenção social.

Ainda de acordo com Louro (2000) a questão biológica é encarada como


determinismo quando falamos de sexualidade:

O apelo a uma matriz biológica, compartilhada por todos os seres humanos,


independente de classe, raça, gênero, nacionalidade, religião, é utilizado como
base dessas formulações e se constitui, via de regra, num argumento
aparentemente decisivo. A biologia é, supostamente, imutável, está fora da
história e escapa da cultura e tudo isso parece particularmente "verdadeiro"
quando o tema é a sexualidade. Nesse caso, a abordagem mais recorrente é
aquela que remete a um determinismo biológico. Essa é a compreensão
primeira ou primária e, como uma decorrência, é também a mais persistente.
A sexualidade funda-se, nessa perspectiva, num atributo biológico que pode
ser compreendido como constituindo sua origem, seu núcleo ou sua essência
operam, também, sob uma ótica essencialista, todas aquelas interpretações que
atribuem a origem da sexualidade a um impulso ou uma pulsão inata. Mesmo
que esse impulso ou pulsão não seja reconhecido como "biológico", num
sentido estrito, ele é tomado como um atributo inerente e universal, como a
essência ou a base da experiência e da vida sexual de todos os seres humanos
(LOURO, 2000, p. 64-65).

Contudo, neste trabalho, optamos por considerar a sexualidade como uma


construção social, entendendo que somos afetados diariamente pela convivência em
sociedade, que interfere inclusive na construção dos nossos desejos, a exemplo disso,
podemos citar o padrão de beleza que é afetado pela questão histórica e cultural, que pode
ser observado na esfera da arte.

De acordo com Weeks (2003) existem 5 dimensões que são de fundamental


importância para a organização social da sexualidade:
22

1) Os sistemas de família e parentesco: que historicamente institui o incesto


a fim de controlar e regular a sexualidade, a exemplo disso podemos citar a proibição de
casamentos entre primos na idade média que atualmente é permitido, além do mais o
conceito de família vem se modificando ao longo da história, dando origem as variadas
configurações familiares como: famílias tradicionais ou nucleares, monoparentais,
reconstituídas, homoafetivas, famílias anaparentais, família unipessoal, família
eudemonista , famílias informais, famílias matrimoniais. Desta forma, os padrões de
famílias estão em constante transformação, sendo influenciados por fatores econômicos,
pelo divórcio, pelas políticas de apoio à família. Sendo que essas transformações afetam
também os padrões sexuais, na medida em que o casamento é ou não encorajado, que a
cohabitação e a parentalidade fora do casamento são ou não aceitas, além da questão do
sexo não-reprodutivo e não-heterossexual são vivenciados;

2) A organização econômico-social: as condições de trabalho podem


condicionar dramaticamente a vida sexual. Por exemplo, a entrada das mulheres no
mundo do trabalho de forma cada vez mais generalizada teve consequências inevitáveis
nos padrões de vida familiar e levou a um maior reconhecimento da autonomia sexual
das mulheres;

3) As formas de regulação sociais formais e informais: por exemplo a


transformação de uma regulação muito vinculada à religião numa regulação através da
medicina, educação, psicologia, intervenção social e práticas de promoção da saúde.
Contudo, é importante salientar o papel fundamental da religião na construção da
moralidade. A regulação informal da sexualidade também constitui um importante papel,
já que é difícil romper com os padrões consensuais dos grupos de referência. Exemplo, a
mulher não pode ter vários parceiros para não ficar “mal vista”;

4) Os contextos políticos: o balanço entre forças políticas pode determinar o


grau de controle legislativo ou as intervenções morais em relação à sexualidade. Por
exemplo, pode ser dado mais apoio às mães adolescentes e solteiras ou pode criar-se
condições para que haja interrupção voluntária da gravidez. Ou o não reconhecimento do
casamento de pessoas do mesmo sexo;

5) As culturas de resistência: se a história da sexualidade é feita de muitas


tentativas de controle é também repleta de muitos exemplos de oposição e resistência aos
códigos morais impostos socialmente. Exemplos desses movimentos de resistência são as
23

redes femininas que desde tempos ancestrais se encarregaram de transmitir conhecimento


acerca da sexualidade, especialmente sobre métodos contraceptivos e sobre o aborto, e as
subculturas e redes de apoio criadas pelas minorias sexuais. Ao longo do século XX
assumiram grande relevância os movimentos feministas e de defesa dos direitos dos
homossexuais.

De acordo com Foucault (1997), a sexualidade está ligada a questões sociais,


ela é uma criação social, a forma que se vivencia ou os discursos que são produzidos
fazem parte de uma construção histórica que estão diretamente ligadas a cada época. Cada
discurso proferido automaticamente impõe normas aos pensamentos e costumes dos
sujeitos, determinando assim a forma que cada um vive sua própria sexualidade. Para
tanto, se faz necessário compreender a história da sexualidade.

Na visão de Freud (1972), o que diferenciava a vida erótica na Antiguidade e


no século XIX era a ênfase no instinto sexual em si mesmo e não no seu objeto. Foi no
século I, antes da generalização da tradição cristã ocidental, que surgiu uma maior rigidez
e houve um aumento na reprovação das relações sexuais com o objetivo único da procura
de prazer, já que o fim do sexo era a reprodução, logo, as relações sexuais fora do
casamento passaram a ser associadas ao pecado.

Weeks (2003), afirma que o casamento passou a ser visto como um meio de
libertar os homens da imoralidade. Nos séculos XII e XIII houve uma difusão desse
posicionamento cristão associando o sexo ao casamento, os teólogos passaram a debater
a vida sexual das pessoas casadas detalhadamente, no sentido de encontrarem respostas
detalhadas para as questões morais que surgiam no cotidiano (FOUCAULT, 1997).

No século XVI assistimos o surgimento do puritanismo na Europa e este


trouxe consigo uma mudança no que tange o que era caráter, moral e valores para o povo
europeu. O puritanismo não pretendia atingir a sexualidade com suas ideias de
autocontrole, constância, apelo à firmeza de sentimento, demonstrar menos emoção. O
que se enfatizava era a pureza e integridade do indivíduo (personificado na castidade),
igreja e sociedade. Houve uma tentativa de se associar sensualidade e espiritualidade,
porém, findou-se por pregar a negação dos prazeres mundanos e carnais (LEITES, 1987).

O sexo, para os puritanos, era desprovido de prazer (CAMPOS, 2014). O


puritanismo espalhou-se por toda a Europa e chegou à América em 1630. Ele é importante
para entender o caráter sexual de homens e mulheres ocidentais nos dias de hoje por dois
24

motivos. O primeiro deles foi a ideia de controle social, normatização, classificação,


atitudes e comportamentos sociais. E o segundo foi a questão ético moral e a formulação
de um rígido padrão de comportamento. Neste período não mais existia lugar para a
sensualidade e para o prazer sexual, só eram permitidos se estivem de acordo com norma
e a disciplina imposta (CAMPOS, 2014).Ao longo dos séculos XVI ao XVIII a Europa
viveu a Reforma Protestante, a contrarreforma e o advento do capitalismo alterando e
trazendo uma nova vivência e conceito de sociedade. Nos países católicos e protestantes
houve uma chamada para que o povo aderisse a uma nova ordem moral (e sexual), que se
opunha à liberdade da Idade Média (CAMPOS, 2015).

Foucault (1997) salienta também que com o advento da Revolução Francesa


e o crescimento cientificista do século XVIII, houve o início da definição anatômica e
fisiológica dos corpos humanos, bem como a diferenciação entre pessoas que possuíam
pênis e as que possuíam vagina. Segundo Foucault (1997) a herança naturalista do
pensamento médico decorre da tradição do cristianismo medieval, que colocou o prazer
no campo da moral, da morte e do mal.

A partir do século XVIII várias áreas passam a debater a questão da


sexualidade, entre elas, a medicina, por intermédio das doenças mentais buscam uma
forma “de controle” do comportamento humano. A psiquiatria busca compreender a
saúde mental sob a instauração de um conjunto de perversões sexuais, sendo considerado
crimes antinaturais, aproximadamente na metade do século XIX havia se instaurado de
fato os controles sociais que filtram a “sexualidade dos casais, dos pais e dos filhos, dos
adolescentes em perigosos e em perigo — tratando de proteger, separar e prevenir,
assinalando perigos em toda parte, despertando as atenções, solicitando diagnósticos,
acumulando relatórios, organizando terapias; em torno do sexo eles irradiaram os
discursos, intensificando a consciência de um perigo incessante que constitui, por sua vez,
incitação a se falar dele.” (FOUCAULT, 1997, p. 31-32).

No período Vitoriano no século XIX houve uma ascensão da repressão


sexual, neste período católicos, protestantes, médicos, educadores se embasavam no
controle sexual pregado pela moral médica, sendo que todos se aliavam para normatizar
as atitudes e comportamentos sexuais (SANTANA; SENKO, 2016).

[...] o erotismo deveria ser regulado pela exigência de reprodução da espécie e


dos ideais de amor a Deus e à família. É na medicina que a sexualidade termina
por ser unificada como instinto biológico voltado para a reprodução da espécie
e que todos os demais atributos ligados ao erotismo, desde sempre tidos como
25

sexuais, passaram a ser submetidos a essa exigência primordial. A sexualidade


é assim identificada com genitalidade e heterossexualidade (LOYOLA, 1999,
p. 32-33).

Já no Brasil, no período colonial, a mulher branca, desenvolvia o papel de


esposa e tinha como objetivo cuidar do lar, e o sexo era apenas para a procriação, no
entanto, o homem satisfazia seus desejos fora de casa. Nessa época, no período colonial
do Brasil houve diversas uniões de pessoas motivadas pela paixão e pelos desejos carnais,
e este foi o pano de fundo da sexualidade brasileira, a miscigenação das raças, sexo com
os pessoas escravizadas, que originavam filhos que não eram reconhecidos, os
considerados bastardos (OLIVEIRA, 2017).

Portanto, no século XVI, as mulheres negras, escravizadas, eram obrigadas a


satisfazer as necessidades sexuais dos seus senhores, enquanto as mulheres brancas, eram
educadas para se tornarem mães de família, não podiam ter relação sexual antes do
casamento (FERNANDES, 2016).

De acordo com Gilberto Freyre (1982), a sexualidade aproximou a casa


grande com a senzala, rompendo os entraves legais. Homens brancos casavam-se com
mulheres brancas, mas tinham filhos fora do casamento; e entraves raciais, senhores
tinham filhos com as mulheres negras, que acabavam brincando com seus filhos na casa
grande.

Desde o século XVIII, foi incluído em nossa cultura ocidental o discurso


acerca do sexo, resultando na produção de uma verdade, segundo Foucault (2014) o sexo
era entendido apenas como uma função reprodutora, legitimando assim somente a união
entre casais heterossexuais e cisgêneros, como sendo o ideal e portanto, o normal.

A sexualidade, nessa perspectiva passou a ser o objeto de atenção das


instituições de controle, fomentando assim o discurso da moral e da racionalidade.
Segundo Foucault (2014), a sexualidade estava atrelada ao discurso de poder e controle.
Esse discurso foi difundido através da igreja, da escola, da família e dos meios de convívio
social, sendo que o pano de fundo dessas instituições não eram proibir ou reduzir a prática
sexual, mas consistia no controle do indivíduo e da população.

Segundo Louro (2000) o status de naturalidade em relação a


heterossexualidade e a visão binária se dá pelo poder que dominou nossa cultura, assim
as relações de sexualidade estão diretamente atreladas as relações de poder.
26

[…] podemos entender que a sexualidade envolve rituais, linguagens,


fantasias, representações, símbolos, convenções… Processos profundamente
culturais e plurais. Nessa perspectiva, nada há de exclusivamente “natural”
nesse terreno, a começar pela própria concepção de corpo, ou mesmo de
natureza (LOURO, 2000, p. 6).

O termo sexualidade surge no século XIX e estava associado ao saber, este


saber, por sua vez, estava ligado ao saber sexual. Já o sexo estava relacionado às práticas
e atitudes sexuais do indivíduo e dos grupos no cotidiano.

O próprio termo "sexualidade" surgiu tardiamente, no início do Século XIX. É


um fato que não deve ser subestimado nem superinterpretado. Ele assinala algo
diferente de um remanejamento de vocabulário; mas não marca,
evidentemente, a brusca emergência daquilo a que se refere. O uso da palavra
foi estabelecido em relação a outros fenômenos: o desenvolvimento de campos
de conhecimentos diversos (que cobriram tanto os mecanismos biológicos da
reprodução como as variantes individuais ou sociais do comportamento); a
instauração de um conjunto de regras e de normas, em parte tradicionais e em
parte novas, e que se apoiam em instituições religiosas, judiciárias,
pedagógicas e médicas; como também as mudanças no modo pelo qual os
indivíduos são levados a dar sentido e valor à sua conduta, seus deveres,
prazeres, sentimentos, sensações e sonhos (FOUCAULT, 2014, p.9)

Segundo Foucault (1997) já no século XX houve uma produção em massa de


discursos sobre o sexo, de acordo com o autor (FOUCAULT, 1997, p.21) “em torno e a
propósito do sexo há uma verdadeira explosão discursiva”, sendo que a história da
sexualidade perpassa a religião, o que foi denominada por Foucault (2014) como
sociedade de controle.

As pessoas eram levadas a discursar sobre sexo no intuito de garantir o


máximo de conhecimento sobre o assunto, visando assim obter controle, nesse sentido
Foucault (2014) apontava que as concepções de sexo e gênero eram estabelecidas para
demarcar o poder, portanto, esses conceitos eram manipulados no intuito de evidenciar
a supremacia de um indivíduo sobre o outro ou de uma classe social sobre outra. “Em
consonância com a análise de Foucault, Butler (2003 apud SOUZA; BERNARDO, 2014)
afirma que as concepções existentes para macho e fêmea, masculino e feminino nada mais
são do que um efeito performático e regulatório”.

Desta forma, ainda nos dias atuais, há uma prevalência que coloca a temática
da sexualidade como fator determinante de personalidade e espera-se que as pessoas se
comportem de acordo os rótulos que lhe são atribuídos, as pessoas que fogem dos padrões
da heteronormatividade impostos pela sociedade tendem a vivenciar a margem, cerceadas
de direitos básicos.
27

Este cenário tende a excluir as oportunidades de configurações de diferentes


expressões de identidades de gênero que não sejam aquelas instituídas pela
heteronormatividade. Ou seja, indivíduos que vivem de acordo com as normas e
princípios impostos pela sociedade como sendo normal, assim parte-se do pressuposto
que todos são heterossexuais e quem não se encaixa neste padrão está desviando da norma
(LANZ, 2014).

Assim sendo, há a necessidade de compreender que a sexualidade para além


do ato sexual, bem como entender que fatores como gênero, identidade de gênero e
orientação sexual permeiam o ser humano.

1.1 Genêro, Identidade e Orientação Sexual

Segundo Louro (2000), ao classificar os indivíduos a sociedade acaba por


rotular essas pessoas e termina por fixar suas identidades. Esta sociedade segrega, separa
e define, seja de forma sutil ou violenta, terminando assim por discriminar os indivíduos
que não se encaixam no dito normal. Há ainda na sociedade os grupos sociais que utilizam
da representação para engendrar não somente a sua identidade como a de demais grupos.
Tais representações circulam na sociedade, produzem verdades e terminam por reforçar
algumas relações de poder.

Ainda de acordo com Louro (2000) alguns grupos e suas representações


adquirem força ao circular em sociedade que terminam por serem acreditados como
verdades absolutas se tornando realidade e ditando o que é considerado normal e anormal.

Os grupos sociais que ocupam as posições centrais, "normais" (de gênero, de


sexualidade, de raça, de classe, de religião etc) têm possibilidade não apenas
de representar a si mesmos, mas também de representar os outros. Eles falam
por si e também falam pelos "outros" (e sobre os outros); apresentam como
padrão sua própria estética, sua ética ou sua ciência e arrogam-se o direito de
representar (pela negação ou pela subordinação) as manifestações dos demais
grupos. Por tudo isso, podemos afirmar que as identidades sociais e culturais
são políticas. As formas como elas se representam ou são representadas, os
significados que atribuem às suas experiências e práticas é, sempre,
atravessado e marcado por relações de poder.

Segundo Louro (2001) a relações de poder justificam a política de identidade,


uma vez que nesse contexto o grupo dita quais as identidades tidas como normais e as
identidades que fogem desse padrão.
28

De acordo com Souza (2018) o termo heteronormatividade foi cunhado em


1991 pelo teórico Michael Warner que define as ações, os discursos, os valores e o modo
de vida baseados nas concepções heterossexuais, embora não necessariamente baseadas
na orientação sexual, e sim em padrões que a sociedade considera natural, baseado nas
expectativas de comportamento de cada gênero. Percebe-se então que a sociedade
considera que o natural é ser heterossexual, portanto, deve apresentar um determinado
padrão de comportamento de acordo com o seu sexo biológico.

Nesse contexto, o indivíduo denominado heteronormativo é aquele que se


enquadra nas expectativas a ele atribuída, e vivencia os papeis sociais definidos ao nascer
de acordo com seu sexo biológico, e de acordo com classificação que lhe atribuída pela
sociedade.

De acordo com Buttler (2003) apud Souza (2018, p.24):

Um sujeito considerado heteronormativo é aquele que atende as expectativas


sociais a ele atribuídas, vivenciado sua sexualidade e seus papéis sociais dentro
do que é esperado para seu sexo biológico e para seu gênero. Sendo assim,
tomando como exemplo as disposições heteronormativas são reguladas por
normas de gênero, que são centradas na heterossexualidade e buscam impor,
sancionar e legitimá-la como uma única possibilidade de sexo, gênero e
expressão da sexualidade. Estas normas agem como organizadoras de relações
sociais e produtoras de subjetividades, e são fundamentadas na crença de que,
naturalmente, existem dois sexos que seriam transpostos automaticamente em
dois gêneros correspondentes e com desejos compatíveis a esta lógica binária.

Lanz (2014, p.311), por sua vez define heteronormatividade como

[...] conjunto de normas, processos leiais e institucionais que conferem a


heterossexualidade o status e o monopólio da normalidade, gerando e
estimulando o estigma, o menosprezo, a exclusão e a violência contra todos os
indivíduos que se comportem de maneira divergente ou diferenciada desses
princípios.

Ainda nos dias de hoje, são transmitidos conhecimentos por diversas


instituições, em especial a Igreja e o Estado, atuando sobre o corpo dos indivíduos,
instaurando dicotomia que coloca de um lado a prática sexual “saudável” e do outro a
prática sexual “patológica”, indicando assim um padrão de normalidade a ser seguido
(LANZ, 2014).

As questões relacionadas à sexualidade têm sido alvo de muitos debates e


questionamentos ainda atualmente. Se, por um lado, temos um numeroso
contingente de teóricos e um volume significativo de pesquisas que visam a
aprofundar as questões pertinentes ao tema; por outro, o relacionamento
afetivo-sexual entre os seres humanos tem atraído um enorme contingente de
29

pessoas, seja por meio de debates, artigos de revistas, enredo de filmes e/ou
novelas (DALL’AGNOL, 2003, p. 28-29).

Contudo, não só a prática sexual é padronizada, questão associadas a


identidade de gênero, gênero e orientação sexual também são enquadradas nas
heteronormas, desta forma, se faz necessário debater e conceituar os termos gênero,
identidade de gênero e orientação sexual.

Segundo Leticia Lanz (2014, p.307) gênero como ser entendido como:

[...] dispositivo de classificação, hierarquização e controle social regido por


normas muito rígidas. Na nossa sociedade, o gênero é um dispositivo binário,
compreendendo apenas e tão somente as categorias homem e mulher, ou
masculino e feminino. O gênero em que uma pessoa vive, resulta de um longo
e ininterrupto processo de aprendizado/condicionamento sociopolítico e
cultural, ao qual as pessoas são compulsoriamente submetidas, do útero ao
tumulo, em razão do seu sexo genital. O treinamento é tão bem feito que no
final elas acabam se convencendo de que são, mesmo, de verdade, aquilo que
a sociedade lhes convenceu que são.

Lanz (2014, p.312) ainda define identidade de gênero como sendo:

[...] feminilidade e masculinidade ou identidade de gênero refere-se ao quão


“femininas” ou “masculinas” as pessoas se veem a si próprios, tendo em vista
o que significa ser um homem ou uma mulher numa dada sociedade em uma
determinada época. Essa identificação costuma vir muito cedo na vida do
indivíduo, como também pode aparecer muitas vezes em idade avançada.
Contudo, tem-se por certo que uma identidade de gênero (básica) de um
indivíduo se forma entre os 3 e 5 anos de idade e tende permanecer a mesma
pela vida a fora. Indivíduos transgêneros, no entanto, soa obrigados a reprimir
sua identidade de gênero, por ela não corresponder ao seu sexo biológico.

Já a orientação sexual é definida por Lanz (2014, p. 319) como:

[...] desejo e/ou atração muito forte que levo o indivíduo a escolher sempre o
mesmo tipo específico de pessoa – ou os mesmos tipos específicos de pessoas
– na hora de manter relações sexuais. Oficialmente a sociedade reconhece a
existência de apenas dois tipos de orientação: 1) heterossexual – em que um
macho se sente atraído por uma fêmea ou vice-versa e 2) homossexual – em
que o macho se sente atraído por outro macho ou uma fêmea atraída por outra
fêmea.

Contundo e importante afirmar que existem outras formas de orientação


sexual, Leticia Lanz (2014) cita a pesquisa de Alfred P. Kinsey que apresentou em seu
trabalho oito possíveis formas de orientação sexual que seguem a seguinte classificação:

1. Heterossexual - faz sexo exclusivamente com parceiros do sexo oposto.


30

2. Predominantemente Heterossexual - faz sexo com parceiros do sexo oposto


a maior parte do tempo, mas, incidentalmente, pode fazer amor com parceiros
do mesmo sexo.
3. Basicamente Heterossexual - faz sexo com parceiros do sexo oposto a maior
parte do tempo e eventualmente com parceiros do mesmo sexo.
4. Bissexual - faz sexo indistintamente com parceiros do sexo oposto e do
mesmo sexo.
5. Predominantemente Homossexual - faz sexo com parceiros do mesmo sexo
a maior parte do tempo e eventualmente com parceiros do sexo oposto.
6. Basicamente Homossexual - faz sexo com parceiros do mesmo sexo a maior
parte do tempo, mas, incidentalmente, pode fazer amor com parceiros do sexo
oposto.
7. Homossexual - faz sexo exclusivamente com parceiros do mesmo sexo.
8. Assexual - não se interessa por nenhum tipo de parceiro ou de atividade
sexual. (LANZ, 2014, p.320).

Nos dias atuais não somente as identidades se tornam múltiplas, mas também
os sujeitos que são ditos como minorias se tornam visíveis, como relata Louro (2001,
p.1):

As chamadas "minorias" sexuais são, hoje, muito mais visíveis do que antes,
e, consequentemente, torna-se mais acirrada a luta entre elas e os grupos
conservadores. Esse embate, que merece uma especial atenção de estudiosos/as
culturais e educadores/as, torna-se ainda mais complexo se pensarmos que o
grande desafio não consiste, apenas, em assumir que as posições de gênero e
sexuais se multiplicaram e escaparam dos esquemas binários; mas também em
admitir que as fronteiras vêm sendo constantemente atravessadas e que o lugar
social no qual alguns sujeitos vivem é exatamente a fronteira. Uma nova
dinâmica dos movimentos (e das teorias) sexuais e de gênero está em ação.

Pensar em identidade de gênero é retomar a discussão das expectativas que


são depositadas em uma pessoa até mesmo antes de existir no mundo, ainda no útero são
construídos o modo de ser/estar. Espera-se que meninos tenham determinados
comportamentos e meninas comportamentos bem diferentes fortalecendo a visão binária
de gênero.

Estas expectativas se fazem presentes inclusive nos símbolos de masculinos


e feminino, que analogamente percebemos que o símbolo feminino (♀) faz menção ao
espelho de Vênus deusa do amor na mitologia romana que está associada a harmonia,
beleza e empatia, além de se olhar, representando o privado, enquanto o símbolo
masculino (♂) faz alusão ao deus Marte, o deus da guerra, associado a força, agressão e
impulsividade, representando o espaço público de conquista e dominação.

É importante retomar algumas discussões acerca das diferenças, das quais


louro (2004), ressalta que embora sexualidade e gênero estejam intimamente ligados não
31

consistem em sinônimos, na perspectiva de Foucault (1997) a sexualidade faz referência


a como sujeitos vivenciam seus prazeres e desejos sexuais.

Nesse sentido Foucault (1997) quando apresenta a história da sexualidade,


ressalta como o poder atua no sentido de incitar desejos, gestos, comportamentos,
resultando na produção de uma verdade sobre os sujeitos, sendo que esta verdade ele
denominou como parte do processo de constituição da scientia sexual, que segundo
Fonseca (2012) tinha a tarefa de produzir discursos verdadeiros sobre o sexo, ou seja,
havia uma proposta de ajustamento com o antigo procedimento da confissão às regras do
discurso científico.

Já o gênero está ligado ao caráter social como apresentado anteriormente, e


conforme Butler (2010), salienta que consiste numa construção que se dá a partir de uma
visão de constituição cultural, transitória, não sendo uma situação fixa e nem uma
determinação biológica. O gênero se divide em duas vertentes: cisgênero – expressão de
gênero conforme seu sexo biológico e transgêneros expressão de gênero divergente ao
sexo biológico.

Portanto, podemos definir o sexo biológico como a determinação genética


macho, fêmea ou intersexual (que apresenta genética de ambos os sexos). A identidade
de gênero, como o indivíduo se apresenta para a sociedade, num infinito de
possibilidades, dentre as quais, homem e mulher cisgênero (pessoa que ao nascer lhe é
atribuído um gênero e está de acordo ou sente confortável com este gênero, ou seja, seu
gênero está em conformidade com seu órgão genital), homem e mulher transgênero
(pessoa transgressora da ordem binaria de gênero), andrógino (pessoa que apresenta
simultaneamente características comportamentais de homem e mulher), queer (pessoas
que não se encaixam no binarismo de gênero, e nos padrões hetero normativos), entre
outros. E orientação sexual que está relacionada com os desejos afetivos ou sexuais que
as pessoas têm umas pelas outras, podendo ser homossexual, bissexual, heterossexual,
pansexual, assexual, dentre outras. (LANZ, 2017).

Desta forma, entendemos que o gênero é uma construção social, portanto, o


gênero não é algo concreto, o que o ser humano apresenta é uma expressão do gênero, ou
seja, não existe uma determinação de homem ou mulher, existe uma expressão dos
comportamentos esperados por homens e mulheres, que se modificam de acordo com a
cultura, época e período histórico (LANZ, 2017).
32

Em nossa cultura ocidental reconhecemos apenas duas categorias de gênero:


masculino e feminino, homem ou mulher, ou macho e fêmea. Todos aqueles que não se
encaixam nesse dito binarismo de gênero são considerados como gênero-divergentes ou
ainda transgressores como afirma Leticia Lanz no livro “O corpo da roupa” (LANZ,
2017). Gerando uma série de problemas para os sujeitos que cruzam a fronteira desta
visão binaria, não oportunizando para que eles convivam de maneira igualitária em
sociedade, apresentando dificuldades e desafios em sua formação escolar, na busca de
oportunidades no mundo do trabalho, na expressão dos afetos em locais públicos, ou
mesmo podendo ser ou estar no mundo.

Diante dessa realidade se faz necessário a construção e contextualização do


conceito de gênero, considerando sua trajetória histórica, são formados e configurados a
partir de ideologias, exigências políticas, debates e reflexões, além de serem objetos de
discussões. Louro (2001) afirma que a construção do conceito de gênero se dá a partir de
uma visão binária, ou seja, tem origem no conceito de masculino e feminino, colocando
os sujeitos em padrões pré-determinados pela sociedade.

Para Lanz (2017) em diversas culturas há uma aceitação em relação a


diversidade de gênero, não se resumindo a apenas duas categorias binárias.

Historicamente, entretanto, têm sido registradas inúmeras culturas onde é uma


maior diversidade de gênero é aceita de maneira absolutamente natural, ou
seja, onde as pessoas não precisam ficar confinadas a apenas duas categorias
de gênero – homem e mulher ou masculino e feminino. As hjiras recentemente
elevadas oficialmente à categoria de 3º gênero, na Índia; os berdaches ou two-
spirit people, das tribos norte americanas e os fa‘afafine das ilhas Samoa são
exemplos de sociedade em que o gênero não acompanha o sexo genital. Em
muitas dessas culturas, outras categorias de gênero além do binário masculino-
feminino têm sido, inclusive, celebradas e veneradas, como fazendo parte de
uma ligação direta com os deuses. (LANZ, 2017, p.39)

Assim o intuito desta pesquisa não visa ou pretende encerrar, sintetizar,


simplificar ou estabiliza as questões de gênero em uma verdade única, supostamente
neutra e definitiva. Como afirma Simone de Beauvoir (2009) em sua frase celebre, não
nasce mulher torna-se, assim a visão deste trabalho se pautará na construção do gênero e
nas inúmeras possibilidades que se vivenciar as identidades de cada sujeito.

Nesse sentido, nossa reflexão considera que o gênero é um conceito de


construção social e relativamente novo se comparado com a história da humanidade ou
das civilizações; historicamente é fruto do movimento feminista contemporâneo, sendo
que as relações de gênero são tão antigas quanto à existência humana, tendo raízes ainda
33

mais profundas do que a formulação do movimento feminista (SANTOS; OLIVEIRA,


2010).

Inicialmente a utilização do conceito de gênero apresentou um caráter de


contraponto, buscando oposição às interpretações biológicas que vinculam a diferença
sexual às posições sociais hierarquicamente diferentes entre mulheres e homens.

De acordo com Bruschini, Ardaillon e Undhaum (1998, p.89) no “Tesauro


para estudos de gêneros e sobre mulheres” conceitua gênero como o “princípio que
transforma as diferenças biológicas entre os sexos em desigualdades sociais, estruturando
a sociedade sobre a assimetria das relações entre homens e mulheres”. Portanto, neste
tesauro orienta-se utilizar o descritor “gênero” para todas as referências de ordem social
ou cultural, e “sexo” para aquelas de ordem biológica.

Os primeiros estudos sobre as desigualdades entre homens e mulheres foram


embasados no corpo feminino e na sua sexualidade. Os primeiros ensaios focavam nas
características biológicas, como por exemplo, a pouca “força física” (embora
consideramos também esta seja uma construção social) e até mesmo o menor peso do
cérebro, justificando assim a prerrogativa de que o lugar da mulher é em casa (no mundo
privado) e o lugar do homem é na rua (no mundo público) (NOVAES, 2015).

Sendo que estes primeiros estudos buscavam legitimar a desigualdade social.


Entretanto ressaltamos que as condições e os lugares sociais são construções históricas,
variam de acordo com o tempo, e não podem ser compreendidas como naturais, como
prontas e acabadas. Nossas condições são mutáveis, são históricas, e como tal, sexo
também é uma invenção histórica, ou melhor, uma invenção social (SANTOS, 2005).

Santos (2005) ressalta que a diferenciação sexo/gênero compreende os


sistemas de gênero enquanto mecanismos culturais elaborados para lidar com as
diferenças de sexo e questões relativas à reprodução social e biológica. Assim, esta visão
se apoia na concepção de que as diferenças biológicas e sexuais formam um substrato
fixo sobre o qual são elaboradas as construções sociais de gênero.

Portando, o sexo sofre uma elaboração social. De acordo com Saffioti (1992),
o gênero é uma maneira de existir do corpo e o corpo é uma situação, ou seja,
um campo de possibilidades culturais recebidas e reinterpretada. Desta forma,
o corpo é essencial para definir a situação da mulher ou do homem no mundo,
porém é insuficiente para defini-la enquanto mulher ou defini-lo enquanto
homem (Apud SANTOS, 2005).
34

Não podemos esquecer, como dito anteriormente, as primeiras abordagens


sobre gênero consideravam as características biológicas de cada sexo como responsáveis
pela desigualdade entre eles. Mais tarde, no entanto, começa-se a entender gênero/sexo
como um produto construído pela socialização e pelo acesso a experiências diferentes por
homens e mulheres (LANZ, 2014).

Bourdieu (1999), ressalta que não devemos desprezar o fato de a construção


dos gêneros envolver o corpo, apesar da ênfase no caráter social das diferenças entre
homens e mulheres. Portanto, nessa perspectiva, o autor apresenta a existência de um
processo contínuo e histórico de reprodução, cujas práticas e estratégias determinam a
construção social dos corpos. Como resultado deste processo coletivo de socialização do
biológico e ao mesmo tempo biologização do social, os corpos e mentes mascaram a
arbitrária divisão dos gêneros nas sociedades.

A ideia de que gênero ainda está somente ligado à biologia era alicerçada pela
comunidade científica, que acreditava que a mulher exercia um papel de cuidadora da
família, dos filhos. É somente no início dos anos 60, com os movimentos feministas que
essa visão começa a mudar.

Nesta época o estruturalismo ganha força e fomenta a visão de liberdade e


escolha, leva a reflexão de que o comportamento humano é determinado por diversas
estruturas. Neste mesmo período a luta das feministas tem como objetivo o
reconhecimento da mulher enquanto sujeito político e coletivo, fomentando estudos e
pesquisas cujo foco está na mulher, sendo que o intuito era sempre desnaturalizar e
historiar a subordinação delas (BUTLER, 2010).

O movimento feminista surge com o intuito de contrapor a visão da mulher


subalternizada. Nesse sentido, a racionalidade moderna somada a pressão do movimento
de mulheres organizado as levou não só ao cenário político, mas fundamentalmente à
esfera pública, saindo da obrigatoriedade da vida doméstica privada enquanto fim último
da vida feminina.

Sendo assim, a noção de gênero adquire um duplo caráter epistemológico,


funciona como categoria descritiva da realidade social, que concede uma nova
visibilidade para as mulheres, referindo-se a diversas formas de opressão e discriminação,
tão simbólicas quanto materiais, e por outro lado é compreendida uma categoria analítica,
ou seja, um novo esquema de leitura dos fenômenos sociais (LANZ, 2014) .
35

Assim, de acordo com Suárez (2000) este conceito tenta desconstruir a


relação entre as mulheres e a natureza, se refere ao uso empírico, que está associada na
distinção e descrição de categorias sociais, e ainda pode ser utilizado de forma analítica,
para explicar as relações que se estabelecem entre elas.

O gênero enquanto categoria foi desenvolvida pelas teóricas do feminismo


contemporâneo sob a perspectiva de compreender e responder, dentro de parâmetros
científicos, a situação de desigualdade entre os sexos e como esta situação opera na
realidade e interfere no conjunto das relações sociais.

Mesmo as mulheres sendo consideradas biologicamente “com menos força


física” em comparação ao homem, os dois a partir da concepção funcionalista2 da família,
passam a exercer a força necessária para o trabalho. Dando origem a uma série de
transformações culturais e sociais, inclusive a participação da mulher na academia.

Portanto, na concepção funcionalista, a família é apresentada enquanto


instituição fundamental na manutenção do funcionamento regular da ordem social. As
diferenças entre as mulheres e os homens são estudadas nesta teoria através dos conceitos
de papel sexual e status, e os estudiosos acreditam que as diferenças sexuais são mais
evidentes e cumprem um papel mais central na instituição familiar, pois as relações entre
os gêneros funcionam primordialmente para assegurar a reprodução social.

Dentre as críticas originadas pela análise funcionalista, observamos como já


apresentado, a limitação do espaço da mulher ao espaço privado, da família e da
reprodução social. Desta forma, conceber gênero somente como um papel social restringe
o campo de análise ao comportamento individual, perdendo seu poder de explicação mais
amplo.

No período funcionalista surgia um possível reconhecimento da importância


dos estudos acerca mulher, embora ainda segregado da história econômica e política,
considerando a história da mulher como específica, como se elas não afetassem ou não
tivesse relação com o homem, Scott destaca:

2 Segundo Parsons a teoria funcionalista da antropologia e da sociologia admite que a sociedade é um todo

organizado por meio de funções que os indivíduos, instituições e grupos sociais desempenham. Nesse
sentido, a sociedade é um todo complexo dividido em partes, sendo que cada parte desempenha um papel
individual. A junção dessas partes fragmentadas explica o todo. A sociedade é, então, uma totalidade
complexa e sistemática. (PORFIRIO, 2020)
36

[...] as mulheres tiveram uma história separada da dos homens, em


consequência deixemos as feministas fazer a história das mulheres que não nos
diz respeito"; ou "a história das mulheres diz respeito ao sexo e à família e deve
ser feita separadamente da história política e econômica (SCOTT 1989, p. 74).

Desta forma, houve a substituição dos chamados estudos feministas ou das


mulheres pelo termo gênero enquanto categoria de análise. Observamos ainda a
substituição visível de vários estudos os termos “mulheres” por “gênero” devido a
necessidade de inclusão do tema nas ciências sociais, do que propriamente uma
construção de um conceito que compreende a necessidade de relação entre homens e
mulheres (GARCIA, 2015).

Como resultado o conceito gênero apresentou tendência à neutralidade, pois


enquanto o termo “estudo das mulheres” ou “história das mulheres” salienta a posição
feminina enquanto agentes sociais históricos, o termo “gênero” inclui mulheres sem as
nomear, não se constituindo enquanto crítica às análises sociais vigente (GARCIA, 2015).

Nesse sentido, os estudos buscam trazer uma noção relacional, entre homens
e mulheres, com o objetivo de transformar os paradigmas sociais, promovendo discussão
sobre novos temas. Em decorrência a sociedade é convidada a perceber a invisibilidade
de parte dos atores sociais, colocando em destaque que tanto homens como mulheres são
produtos do meio social (GARCIA, 2015).

A categoria de gênero, construída a partir daí, demonstra como cotidiano das


pessoas é afetado por essa visão. Mesmo antes de nascer, a criança sofre diversas
expectativas, uma das primeiras perguntas está relacionada consiste em: se é menino ou
se é menina, esta resposta irá nortear inclusive de como será construído o enxoval da
criança. Ao mesmo tempo a família já produz a expectativa se esta criança será frágil ou
viril, constituindo assim o imaginário social que irá acompanhá-la por toda a vida,
permeando inclusive suas escolhas pessoais (LANZ, 2014).

Assim, podemos dizer que assim que a criança nasce, herda as expectativas
da família e seu processo de socialização vai sendo construído a partir dessas
expectativas, inclusive determinando comportamento socialmente aceito para homens e
para mulheres (LANZ, 2014).

De acordo com Heilborn (1997, p. 105):

O comportamento esperado de uma pessoa de um determinado sexo é produto


das convenções sociais acerca do gênero em um contexto social específico. E
mais, essas ideias sobre o que se espera de homens e mulheres são produzidas
37

relacionalmente; isto é: quando se fala em identidades socialmente construídas,


o discurso sociológico/antropológico está enfatizando que a atribuição de
papéis e identidades para ambos os sexos forma um sistema simbólico
concatenado.

De acordo com Scott (1989) as identidades de gêneros são elaboradas a partir


de conceitos, imagens e símbolos, fazendo com que homens e mulheres carreguem
consigo uma carga do simbólico e do cultural.

Scott (1989) ainda ressalta que o gênero é a primeira forma de significar as


relações de poder, e propõe também a análises de outros processos sociais, com destaque
para classe e raça. De acordo com a autora a vida não é vivida da mesma forma para
homens e mulheres, uma vez, que a perspectiva de gênero a partir da visão feminina e
seus interesses divergem do homem e seus interesses.

Segundo Lanz (2014) a mulher e o homem são construídos socialmente, a


partir de uma cultura historicamente situada no tempo e dentro de circunstâncias
possíveis, determinadas por essa temporalidade. Cada um, mulher e homem, estão
imersos em um mar de símbolos que se corporificam através dos comportamentos
impostos pela ética hegemônica. A identidade de gênero neste sentido influencia não
somente a visão que temos de nós mesmos, mas também, a visão e a expectativa que ou
outros têm de nós, influenciando as escolhas e oportunidades que nos são apresentadas a
cada dia.

Nesse sentido, Leticia Lanz ilustra a diferença dos enfretamentos femininos


através do poema “A vida de salto alto”:

A vida de salto alto

A vida tem quer ser vivida


em cima do salto alto,
em que pese o desvio de coluna,
de gênero,
de conduta
e até de caráter,

sem falar nos conflitos imensos


nas dores quase insuportáveis,
nos pés,
no corpo,
no peito
nos genitais
e na alma.

A Vida só presta se for


em cima do salto alto.
38

A Vida vivida em baixo,


é pura monotonia e mediocridade,
submissão e subalternidade,
travestidas de arrogância e superioridade
na mais-do-que-depalperada arquitetura machista
que serve de disfarce à loucura de ser homem...

...que é apenas a loucura


de não levar a vida
em cima do salto alto.
(LANZ, 2016, p.1)

Portanto, é importante refletir como a identidade de gênero impacta as


pessoas transgressoras do binarismo de gênero, nesse sentido se faz necessário
compreender o conceito de transgênero.
39

2 TRANSGÊNERO: TRANS-ITANDO, TRANS-GREDINDO, TRANS-


PONDO AS NORMAS DA SOCIDADE

Lembrando que o objetivo deste trabalho consiste em compreender a


trajetória dos transgêneros no mundo escolar, bem como seus desafios, acreditamos ser
pertinente conhecer algumas possibilidades de caminhos que esses indivíduos, os
transgêneros, podem seguir. Lanz (2014) afirma que os transgêneros nunca foram vistos
positivamente em nossa sociedade, sempre foram estigmatizados e entendidos como
agressores do dispositivo binário de gênero, sendo colocados numa eterna quarentena,
uma vez que representa um risco a sociedade heteronormativa. Nessa perspectiva
podemos afirmar que todo e qualquer indivíduo que não se identifica com seu gênero é
considerado transgênero, portanto, transgressor da ordem binária de gênero.

De acordo com Lanz (2014) a transgeneridade causa um alto grau de


repressão e rejeição social, nesse sentido acredita que transgredir o gênero é sinônimo de
subversão e coloca em risco a ordem sociopolítica, cultural e econômica da sociedade na
medida que questiona a estrutura de divisão de gênero binaria.

Segundo Leticia Lanz (2014) o termo transgênero pode ser entendido como
um guarda-chuva que abarca diversos subgrupos, dentre podemos citar: andrógenos,
dragqueen, dragkings, transformistas, transexual, travesti, crossdresser, dentre outros. Foi
a partir do ativista, norte americano, Leslie Feinberg, um trans-homem, que o termo
transgênero passou a ser utilizado como guarda-chuva para abarcar todas as identidades
que não se enquadram nas normas e condutas impostas pela sociedade baseadas no ideal
do que é ser homem e mulher.

Segundo Lanz (2014, p. 76):

Transgênero não quer dizer um gay (ou lésbica ou bi) mais afetado, nem uma
patologia mental do indivíduo. Não é tampouco o nome de mais uma
identidade gênero-divergente (como travesti, transexual, crossdresser, drag
queen, transhomem, etc.) mas um termo guarda-chuva, que reúne debaixo de
si todas as identidades gênero-divergentes, ou seja, identidades que, de alguma
forma e em algum grau, descumprem, violam, ferem e/ou afrontam o
dispositivo binário de gênero.
40

A transgressão de gênero coloca o sujeito transgênero em diversas situações


embaraçosas, em qualquer que seja seu percurso na sociedade heteronormativa. A palavra
transgênero conceitua e descreve o comportamento da pessoa de gênero divergente, ou
seja, aquele indivíduo que conflita com as normas socialmente aceitas. Lanz (2014)
apresenta uma importante reflexão sobre a transgeneridade:

Transgeneridade nada mais é, portanto, do que pura e simples transgressão de


condutas normatizadas (e estereotipadas) que configuram o dispositivo binário
de gênero. A questão é que, tomada como o conjunto e a dinâmica dos
processos associados a esses comportamentos desviados do dispositivo binário
de gênero, transgeneridade traduz um fenômeno que se caracteriza exatamente
por uma incrível multiplicidade de expressões, identidades, comportamentos e
aspirações. Ou seja, não existe somente uma e apenas uma manifestação
sociocultural que possa ser chamada de expressão transgênero, mas um número
praticamente infinito de manifestações que podem ser classificadas dessa
forma. (LANZ, 2014, p.76)

Transgênero, assim, não é uma categoria identitária de gênero, mas “a


condição sociopolítica-cultural do indivíduo que transgride o dispositivo binário de
gênero, ou seja, que se desvia das normas oficiais de conduta de gênero, homem/mulher
ou masculino/feminino” (LANZ, 2014, p.70). “Transgredir o gênero é o mesmo que
subverter e colocar em risco a ordem sociopolítica, cultural e econômica da sociedade”
(LANZ, 2014, p.252).

O termo transgressor aparece no dicionário como (2005, p.644) “o indivíduo


que ultrapassa os limites de algo, quem não respeita normas, ordens, leis etc.;
contraventor, infrator” (FERREIRA, 2005, p.644). Leticia (2014) complementa essa
afirmação salientando que transgredir as regras coloca o sujeito sob o risco de sofrer
sanções e penalidades pelo simples fato de descumprir as normas impostas pela
sociedade.

Nesse sentido, a pessoa que transgride sente-se a margem da sociedade,


buscando assim símbolos, rituais, linguagens, representações, convenções, códigos de
conduta e fantasias para gerar um clima ou ambiente de pertencimento. Portanto, esses
aspectos jamais poderão ser considerados como monolíticos processos naturais. Ao
contrário, trata-se de processos culturais altamente complexos e plurais. Nesse sentido,
há uma construção social do gênero, que se estende desde as perspectivas avançadas na
Antropologia e Sociologia contemporâneas, envolve questões de poder e dominação, mas
remete também à especificidade humana de criar cultura- símbolos, representações e
identidades (LANZ, 2014).
41

Durante a luta contra os padrões impostos pela sociedade heteronormativa


vários símbolos foram sendo construídos dentre os quais a Bandeira do “Orgulho Trans”,
é importante compreender que o homem desde os primórdios sente a necessidade de
representar e registrar seus conhecimentos e sentimentos através da arte.

Figura 1: Bandeira do Orgulho Trans. (JESUS, 2012, p.5)

A bandeira do “orgulho trans” foi criada em agosto de 1999, por Mônica


Helms (JESUS, 2012), a qual buscou traduzir na bandeira a seguinte mensagem: não
existe forma incorreta, todos são singulares e todos estão corretos na sua forma de
expressão de gênero. A bandeira acima apresentada é composta de listras na parte superior
e inferior, sendo que as listas azuis, representa a cor tradicional dos meninos, seguida de
listras cor-de-rosa, a cor tradicional das meninas e a cor branca no centro representa as
pessoas que estão em transição, e o padrão da construção da bandeira é pensado de forma
que não importa qual o lado que ela tremule, sempre estará correta, fazendo analogia a
vida das pessoas transgêneras que também está correta.

Mônica Helms (apud JESUS, 2012, p.6) comenta:

Azul para meninos, rosa para meninas, branco para quem está em transição e
para quem não se sente pertencente a qualquer gênero. Simboliza que não
importa a direção do seu voo, ele sempre estará correto!

Nesse sentido, esta pesquisa se debruça em conhecer algumas possibilidades


de caminhos que esses indivíduos podem seguir. O termo transgênero faz uma
justaposição ao termo cisgênero (aquele indivíduo que se identifica com seu sexo
biológico ao nascer), ou seja, nasceu macho e se identifica com seu pênis, ou nasceu
42

mulher e se identifica com sua vagina, desta forma aqueles que não se enquadram
enquanto cisgênero são considerados transgêneros.

A primeira coisa a se dizer sobre o termo transgênero é que não se trata de mais
uma identidade gênero-divergente, mas de uma circunstância sociopolítica de
inadequação e/ou discordância e/ou desvio e/ou não-conformidade com o
dispositivo binário de gênero, presente em todas as identidades gênero-
divergentes (LANZ, 2014, p. 70).

Ao voltar nosso olhar pela história, nos deparamos como os transgêneros


eram conceituados, a exemplo podemos citar que alguns povos norte-americanos,
tratavam os transgêneros com o termo two-spirit (dois espíritos), fazendo alusão de que
eram pessoas que viviam papeis de dois gêneros, ou ainda, que eram de um terceiro
gênero (JESUS, 2013)

De acordo com Jesus (2013) as pessoas transgêneras (termo utilizado nos dias
de hoje) que pertenciam ao povo Mohave e vivam na região do Rio Colorado, no Deserto
de Mojave, nomeavam as mulheres transexuais de Alyha, estas por sua vez, deveriam
assumir os hábitos considerados femininos, como por exemplo costurar, e os homens
transexuais eram chamados de Hwame e quando casados, seguiam os tabus requeridos de
maridos quando suas esposas menstruavam.

De acordo com Lanz (2014) atribui-se a pessoa ao nascer expectativas de


comportamento e vivência e acordo com seu sexo biológico, assim o transgênero é
considerado(a) uma pessoa degenerada, ou seja, aquele que não tem gênero. Ao longo da
história vemos essa população sofrer sanções por não estarem em conformidade com as
normas binárias de gênero.

Para Lanz (2014 p. 70) transgênero refere-se a todo tipo de pessoa envolvida
em comportamentos e/ou atividades que transgridem as normas de conduta impostas pelo
dispositivo binário de gênero. As principais categorias de transgêneros são o andrógino
(pessoas que apresentam características masculinas e femininas), a dragqueen e
transformista (pessoas que transvestem do sexo feminino com intuito artístico), a/o
transexual (pessoas que transgredem a norma binaria de gênero), a travesti e o
crossdresser (qualquer pessoa que se apresente usando roupas ou adereços considerados
culturalmente de uso do sexo oposto).

Há uma tentativa de diferenciação dos termos travesti e transsexual, segundo


Sagrillo (2017)
43

A diferenciação entre as categorias travesti e transexual traz à tona diferentes


tipos de visão e entendimento sobre tais nomenclaturas. Tomando por base os
debates dos saberes médico-institucionais, o caminho a ser compreendido seria
o de que enquanto as mulheres transexuais possuiriam uma repulsa ao órgão
sexual masculino, as travestis o aceitariam e até mesmo o utilizariam em sua
dinâmica sexual (SAGRILLO, 2017, p.13).

Nesta visão Sagrillo (2017) chama a atenção para a questão falocêntrica que
está no imaginário coletivo de nossa sociedade, que por algum tempo distinguia uma
categoria de transexual por aquela pessoa que tinha aversão ao pênis ou havia realizado
o procedimento cirúrgico de ressignificação sexual. Mas é importante ressaltar ainda que
esta compõe uma visão biológica, mas a questão de gênero transcende esta visão e faz
referência as questões sociopolíticas. Portanto, na visão sociológica, o falo (pênis) não
influencia na diferenciação dessas nomenclaturas. Uma vez que a travesti também pode
fazer a cirurgia de reaparelhamento genital, nesse sentido o que diferencia uma
nomenclatura da outra é o posicionamento pessoal, ou seja, como a pessoa se apresenta
para sociedade, transcendendo assim as questões culturais, políticas, econômicas.

O termo transgênero é muito amplo como apresentado anteriormente ele


engloba várias categorias, dentre elas os/as transexuais e as travestis, quanto a quaisquer
outros indivíduos cuja identidade de gênero seja incongruente com o seu sexo biológico,
levando-os a se tornarem transgressores da ordem binária de gênero a fim de se
expressarem dentro da sociedade (LANZ, 2014).

Em linguagem mais técnica, o transgênero pode ser descrito como alguém cuja
identidade de gênero apresenta algum tipo de discordância, conflito ou não
conformidade com as normas de conduta socialmente aceitas e sancionadas
para a categoria de gênero em que foi classificado ao nascer (LANZ, 2014,
p.74).

Nesse sentido, o entendimento sobre as travestis e as/os transexuais vem se


modificando, fazendo com que a percepção e leitura que cada indivíduo faz de si seja
cada vez menos fixa e regulada, embora se depare com regras e normas de condutas
estipulados pela nossa sociedade.

Assim, para descontruir um conceito se faz necessário compreender sua


história e seu contexto, o termo transexual foi criado por Harry Benjamin, sexólogo
alemão erradicado nos Estados Unidos, ele criou os procedimentos clínicos para
identificação e atendimento a pessoas transexuais. Os psicanalistas da época entendiam
os transexuais como portadores de uma patologia, um tipo de psicose, tendo em vista a
44

visão de que o gênero identificado pela pessoa normal estaria submetido ao seu sexo
biológico (LEITE JUNIOR, 2011).

No Brasil, as contribuições de Benjamim foram tardias e parcialmente aceitas,


prevalecia a visão da transexualidade como uma patologia, ou seja, uma categoria clínica,
no qual percebiam os procedimentos cirúrgicos como uma forma de adequação do corpo,
a cura dessa patologia (BENTO, 2006).

A primeira cirurgia de reaparelhamento genital foi realizada pelo médico


Roberto Farina em 1971, no Hospital das Clínicas de São Paulo, reafirmando a concepção
da cura através da cirurgia. Entretanto, o Conselho Federal de Medicina, CFM, o
processou sob a acusação de lesões corporais graves, ainda que este procedimento não
fosse considerado inédito em outros países. Roberto Farina foi absolvido em uma
instância superior, uma vez que uma junta médica do Hospital das Clínicas de São Paulo,
emitiu um parecer favorável à intervenção, embasado no conceito de Benjamim do
procedimento como solução terapêutica (ROCON; SODRÉ; RODRIGUES, 2016).

Segundo Reys e Salomone (1978) algumas das acusações do caso Roberto


Farina, evidenciam a visão do sexo biológico como fator imutável, ainda nos dias de hoje
servem de fundamentação para a sociedade sexista e heteronormativa em ações
discriminatórias e transfóbicas. Ainda que discordemos desses argumentos, se faz
necessário descrever alguns deles: transexual operada por Farina não poderia jamais ser
uma mulher, porque não tinha os órgãos genitais internos femininos; a cirurgia poderia
criar condições para uniões matrimoniais ilegítimas; e que o tratamento da transexual,
uma doente mental, deveria ser psicanalítico, e não cirúrgico, pois a cirurgia impediria a
sua recuperação (REYS; SALOMONE, 1978).

É importante ressaltar que até 1997 o Conselho Federal de Medicina do Brasil


proibia os procedimentos cirúrgicos para o reaparelhamento genital de pessoas
transexuais, ainda que no ano de 1979 na Classificação Internacional de Doenças, CID 9
(manual de orientação dos profissionais de saúde) definia a transexualidade como um
transtorno de identidade de gênero, e recomendava o procedimento cirúrgico como uma
forma de tratamento, embora as pessoas transexuais eram enquadradas sob uma visão
patológica, ainda sim, permitia aos médicos o processo de intervenção sem sofrerem
acusações. Vale ressaltar que o CID foi editado pela Organização Mundial de Saúde –
OMS.
45

Portanto, essa classificação parte de uma compreensão biológica dos gêneros,


que compreende o gênero a partir do genital, assim, quando uma pessoa nasce já lhe e
atribuído uma expectativa de gênero de acordo com sua genitália, e tudo aquilo que foge
dessa expectativa é considerada anormal e classificada como um transtorno.

Este pensamento contrapõe a perspectiva apresentada por Judith Butler que


considera gênero um conjunto de atos performativos, constituindo um mosaico de
identidades construído socialmente, sendo que este modo de compreender o gênero
permitiria perceber de forma mais livre e fora dos moldes patológicos as pessoas
transgêneras (BUTLER, 2010).

As pessoas transexuais ainda são consideradas como “não humanos”, já que


fogem do padrão determinado pela sociedade heteronormativa, que não consegue
enquadrar e rotular esses indivíduos por estarem aprisionadas numa visão restrita ao
binarismo de gênero (BENTO, 2006).

Uma das lutas das pessoas transexuais consiste na despatologização ou mais


especificamente na retirada da qualidade de transtorno mental atribuídas as pessoas
transexuais, além da luta pelo direito à autodefinição. Embora, foi somente em 2018 que
a transgeneridade deixou de ser classificada como distúrbio mental, com a publicação da
Classificação Internacional de Doenças - CID 11, sendo esta transferida para condição
relativa à saúde sexual.

Cabe ressaltar o desgaste emocional e o peso que um diagnóstico de


transtorno mental pode gerar numa pessoa, como apresenta Butler (2009, p.104):

[...] o diagnóstico pode, ainda assim, (a) incutir, naqueles que recebem o
diagnóstico, um sentimento de ter um transtorno mental; (b) acirrar o poder do
diagnóstico na conceitualização da transsexualidade enquanto patologia e (c)
ser usado como argumento para manter a transsexualidade no âmbito das
doenças mentais por aqueles que participam de institutos de pesquisa com
amplo suporte econômico.

As pessoas transgêneras passam por diversos enfrentamentos, dentre eles a


luta com o conservadorismo cultural, que as rotulam e as jugam como seres “não
humanos” ou como pessoas com transtornos mentais, restando pouco espaço para ser e
estar no mundo. Ainda hoje em nossa sociedade os transgêneros vivenciam e são
cerceados de direitos básicos sendo expostos ou levados a exclusão social, além dos
direitos básicos como direito à saúde, educação dentre outros. E ainda sofrem diversas
violências físicas e psicológicas (LANZ, 2014).
46

As pessoas transgêneras são levadas a viver a margem da sociedade e são


perseguidas ao logo de suas vidas e história, sendo rotuladas, estigmatizadas, já que seu
corpo fere o que a sociedade considera normal e aceito (LANZ, 2014). Há ainda um
sentimento de não pertencimento da população transgênero em relação à sociedade.
Muitas “pessoas trans” confundem seu gênero com sua orientação sexual, por vezes se
classificando como homossexuais.

Há um movimento que visa ampliar o olhar frente à sexualidade humana, não


a reduzindo somente o sexo biológico, mas sim sobre uma visão composta por diversas
questões, dentre elas, os fatores sociais, culturais e políticos. Todo indivíduo pode
manifestar sua sexualidade de diversas formas, seja heterossexual, homossexual, assexual
(RODOAVALHO; POMPEU; PENA, et. al., 2015). Para tanto se faz necessário
compreender como o padrão heteronormativo normaliza as relações.

2.1 O padrão heteronormativo permeando as relações

A transexualidade representa um deslocamento no sentido do sexo


biológico/identidade de gênero, como relata Lanz (2014) ser transexual não é ser mais
uma identidade gênero divergente, mas sim, não estar em conformidade com a visão
binarista construída pela sociedade heteronormativa, é estar em discordância ou em não
conformidade com os padrões impostos de comportamento, é estar em desvio do que a
sociedade encara como normalidade.

O tema transgênero ainda causa incomodo, dúvidas e preconceitos, pois foge


da visão ainda considerada normal pela sociedade (heterossexual e cisgênero). Porem já
existe um movimento que busca a normalização destas pessoas, como é o caso da índia
que considera como legal a existência de um terceiro gênero, as hijra. O juiz KS
Radhakrishnan, declarou que o reconhecimento de um terceiro gênero, não se trata de
questões médicas ou questões legais, mas, sim de direitos humanos (FROTA, 2017).

No Brasil, a transexualidade, ainda é encarada como sendo um tabu, se


pautando em questões religiosas e morais o que dificulta que essas pessoas possam
transitar pela sociedade, e ainda correm o risco de perderem seus direitos e acessos as
garantias de bem-estar psicológico e social, como proposto em nossa constituição federal,
ou seja, correm o risco de terem suas vidas “roubadas” (CAMILLOTO, 2019).
47

O movimento “trans” luta por visibilidade e reconhecimento, por sua vez,


integra o movimento LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros), embora a
agenda transgêneroseja pouco explorada, ela vem crescendo e ganhando força, com
grande participação da luta das Transfemininas e da Teoria Queer. Nesse sentido, se faz
necessário fomentar discussões, além de promover debates e incluam a sociedade e que
garantam a representatividade real dessas pessoas (BAGAGLI, 2013).

Segundo Kaas (2013) as pessoas transgêneras sentindo-se frustradas pela falta


de representação e visibilidade no movimento feminista se organizaram para fundar o
movimento transfeministas e assim fomentar debates relacionados as questões
transexuais no movimento feministas, buscando assim sair das margens e da visão sexista
da sociedade, percebendo que essas pessoas não estavam plenamente contempladas no
movimento feminista e nem movimento LGBTQI, uma vez que suas demandas
figuravam no fim das devidas agendas.

De acordo com Jesus (2015) o transfeminismo surge como uma categoria do


feminismo, ainda que uma parcela das feministas se baseia na visão biológica da
sexualidade, não reconhecendo o gênero como uma categoria distinta do sexo. Esta visão
sexista tem impossibilitado mulheres e homens trans de fazerem parte da masculinidade
e da feminilidade, os diferenciando na visão de Jesus (2015) de homens ou mulheres
cisgêneros. Este movimento vem reafirmar e reforçar a diferença entre sexo biológico e
gênero.

Cada vez mais, são necessárias e urgentes propostas de agendas voltadas para
pessoas “trans” no intuito de minimizar e extinguir violências exercidas contra a
população transgênera, apenas pelo fato de fugirem da cisheteronormas. Nesse intuito
foi fundada no ano de 2000 na Cidade de Porto Alegre a Associação Nacional de Travestis
e Transexuais (ANTRA), no qual se constitui uma rede nacional que articula em todo o
Brasil 127 instituições que desenvolvem ações para promoção da cidadania da população
de Travestis e Transexuais (ANTRA, 2009).

A missão da ANTRA consiste em “identificar, mobilizar, organizar,


aproximar, empoderar e formar Travestis e Transexuais das cinco regiões do país para
construção de um quadro político nacional a fim de representar a população “trans” na
busca da cidadania plena e isonomia de direitos.” (ANTRA, 2009, p.1)
48

Segundo as organizadoras do Dossiê dos assassinatos e da violência contra


Travestis e Transexuais no Brasil em 2018, Benevides e Nogueira (2019), o Brasil é o
país que lidera o ranking de assassinatos de pessoas “trans” conforme é apresentado na
Figura 2.

Figura 2: Mapa dos assassinatos de 2019 (ANTRA, 2019). Este mapa foi retirado do site da Antra em
2019, a partir de 06/04/2020 é necessário a solicitação do uso, bem como explicar o objetivo de sua
utilização.

O mapa foi divulgado pela ANTRA e mostra o número de assassinatos e


localização de onde ocorreram. Segundo a associação os dados foram transformados em
um mapa e disponibilizados para facilitar a visibilidade da situação de violência em que
as/os transgêneros estão expostos no país. No mapa divulgado no site da ANTRA é
possível visualizar cada caso, o nome da vítima, local e forma do crime (ANTRA, 2019).

É importante relatar que quanto menor a passabilidade da pessoa transgênero


mais ela estará exposta as violências no cotidiano. Entendendo que o termo passabilidade
foi traduzido do inglês por Lanz (2014) e refere-se o quanto uma pessoa transgênero se
parece fisicamente, no vestuário, na fala, no modo como gesticula e no comportamento
de acordo com os estereótipos do gênero que ela se declara.
49

Todas essas questões relacionadas à ‘passabilidade’ tiram o sono de qualquer


pessoa transgênera. Imaginar que, se ela for ‘descoberta’– e isso significa ‘não
estar passando de maneira adequada’ – ela é, por extensão, sua família, poderão
ser excluídos do convívio com pessoas ‘normais’, que vivem em conformidade
com as ‘normas’ da sociedade. Que poderá se tornar objeto não apenas de
‘gozação’ por parte dos colegas, vizinhos, amigos e inimigos, mas ser objeto
até mesmo de violência física. Que será olhada de modo estranho na escola,
em virtude de se vestir de mulher. É praticamente inesgotável o repertório de
sanções que a sociedade ‘normal’ pode impor e efetivamente impõe contra
pessoas que transgridem o dispositivo binário de gênero (LANZ, 2014, p. 136).

Atualmente, nos deparamos com o crescimento de pessoas transgêneras sendo


representadas na mídia, embora, sabemos que ainda é um número significativamente
baixo comparado com as diversas possibilidades de representação desta população, dentre
estas podemos citar alguns nome de referência como Samira Close (Gamer e
influenciadora digital), Candy Mel (cantora), Pablo Vittar (cantora), Liniker (cantora),
Gloria Groove (cantora), Linn da Quebrada (cantora), dentre outras.

A cantora Linn da Quebrada retrata na música “Bixa estranha” o dia-a-dia de


uma travesti, sua passabilidade e sua vivência na sociedade. Linn se denomina travesti, é
atriz e cantora e através de sua música retrata com letras acidas algumas vivências de
pessoas como ela, travestis.

Bixa estranha

Bixistranha, loka preta da favela


Quando ela tá passando todos riem da cara dela
Mas, se liga macho, presta muita atenção
Senta e observa a sua destruição
Que eu sou uma bixa loka preta favelada
Quicando eu vou passar e ninguém mais vai dar risada
E se tu for esperto, pode logo perceber
Que eu já não de brincadeira, eu vou botar é pra fuder
Ques bixistranha, insandecida
Arrombada, pervertida
Elas tomba, fecha, causa
Elas é muita lacração...
Mas daqui eu não tô te ouvindo, boy
Eu vou descer até o chão...
O chão...
O chão...
O chão, chão, chão, chão
Bixa pre (trá... trá... trá, trá)
Bixa pre (trá, trá, trá, trá, trá)
Bixa pre (trá... trá... trá, trá)
Bixa pre (trá, trá, trá, trá, trá)
A minha pele preta, é meu manto de coragem
Impulsiona o movimento
Envaidece a viadagem, vai desce...
Desce, desce... desce
Desce a viadagem...
Sempre borralheira com um que de chinerella
50

Eu saio de salto alto, maquiada na favela


Mas, se liga macho, presta muita atenção
Senta e observa a sua destruição
Que eu sou uma bixa loka preta favelada
Quicando eu vou passar e ninguém mais vai dar risada
E se tu for esperto, pode logo perceber
Que eu já não de brincadeira, eu vou botar é pra fuder
Ques bixistranha, insandecida
Arrombada, pervertida
Elas tomba, fecha, causa
Elas é muita lacração...
Mas daqui eu não tô te ouvindo, boy
Eu vou descer até o chão...
O chão...
O chão...
O chão, chão, chão, chão
Bixa pre (trá... trá... trá, trá)
Bixa pre (trá, trá, trá, trá, trá)
Bixa pre (trá... trá... trá, trá)
Bixa pre (trá, trá, trá, trá, trá)
Sempre borralheira com um que de chinerella
Eu saio de salto alto, maquiada na favela
Mas que pena, só agora viu que bela aberração?
É muito tarde, macho alfa
Eu não sou pro teu bico...
Não!
(PEREIRA, L. [Linn da Quebrada], 2017).

A música de uma forma geral representa um elemento importante de


expressão cultural em várias sociedades, aparecendo sempre circunscrita a espaços
sociais e políticos definidos, destacando assim sua relevância não só como arte, mas
também como um instrumento de educação ou como fator de disseminação e assimilação
das ideias, tornando-se um elemento de manifestação de anseios sociais e políticos, que
retratam suas perspectivas, sonhos, vivências, realidades, entre outros (DIAS, 2008).

A música como toda arte deve ser vista como uma metáfora, como uma
expressão, que pode de alguma forma nos remeter a conteúdos pessoais ou coletivos.
Segundo Conceição (2010, p.58)

A arte é qualificada como uma das formas de consciência social [...], ou seja,
[...] é também através da arte que os homens tomam consciência das
transformações da base econômica e das alterações que eles promovem na
superestrutura da sociedade. A arte não se coloca acima das relações sociais.
Ela é inerente a essas relações. É um componente da superestrutura que pode
contribuir para distintas funções e utilidades, conforme a interpretação e a
posição do artista.

Nesse sentido, a música enquanto expressão de vida, representação de


posicionamento político ou social, pode contribuir tanto para o cantor e/ou compositor,
bem como aos sujeitos que permitem de alguma forma serem “tocados” por ela. Desta
51

forma, ao se identificarem com a música podem tomar consciência do seu papel político
e social.

Nesse sentido, a música de Linn da Quebrada “Bixa estranha” evidencia as


dores e os enfrentamentos diários que uma travesti lida no seu cotidiano. Assim sendo,
nos deparamos com um paradoxo, uma vez que o Brasil aparece como um dos países em
que há mais índice de violência a transgêneros e ao mesmo tempo é o país que mais se
consome vídeos de conteúdo pornográfico de pessoas Trans, conforme estudo realizado
pelo site RedTube (site de pornografia - Figura 3). Nesse sentido, cabe um
aprofundamento ou uma pesquisa específica para compreender como está o imaginário
coletivo que por um lado muitas pessoas desejam e se excitam com pessoas transexuais e
por outro lado muitas pessoas sentem aversão a ponto de gerar este alto índice de
violência.

Figura 3: Índice de acesso de Pornografia de Pessoas Transgêneras por Países – Fonte: RANGEL,
Quirino. Pais que mais mata trans no mundo, Brasil é também o que mais acessa pornôs do gênero,
reforça pesquisa. Observatório G Uol. 2018.
52

Diante desse cenário devemos refletir de que maneira os transgêneros vêm


permeando espaços como a escola. E da mesma forma devemos questionar se a escola
está preparada para atender as necessidades educacionais dessa população, se oferece
estrutura física e acompanhamento psicológico com vistas a proporcionar processos de
ensino aprendizagem libertário, livre de preconceitos, como preconiza nossa constituição
federal.

2.2 O transgênero no espaço escolar

Ressaltamos a dificuldade que encontramos na inserção de um debate sobre


as questões relacionadas a identidade de gênero, mais especificamente acerca do
transgênero, o que nos leva a reflexão que para um bom convívio social na escola é
necessário uma desmistificação e desconstrução da visão estigmatizada do que e ser
transgênero, para tanto é de fundamental importância estimular estudos e debates sobre
a temática no intuito de minimizar as dificuldades e desafios encontrados pelos
transgêneros.

A escola pode ser considerada um dos principais espaços de socialização de


crianças, jovens ou adultos. De acordo com Soares e Monteiro (2019) para a escola atingir
seu papel democrático e realizar de fato processos de inclusão é importante que se discuta
questões referente a gênero, sexualidade, orientação sexual, enfim, que a temática
diversidade sexual faça parte do dia-a-dia da escola. Recentemente, vimos os temas
gênero e orientação sexual serem retirados da nova Base Nacional Comum Curricular e
do Plano Nacional de Educação, embasados na falácia da ideologia de gênero, que foi
difundida em diferentes meios.

Conforme citado anteriormente, a mídia tem apresentado muitas questões


relacionadas a gênero e sexualidade, questões estas que por vezes desarticulam a pauta
LGBTQIA+ pois apresentam esta temática de forma equivocada, polêmica, nem sempre
de maneira clara, mas sim, seletiva pautada em grupo conservador e tradicionalista. De
acordo com Pacheco (2017) a mídia tem a capacidade de moldar a realidade e de construir
53

um senso comum através da disseminação da informação, fazendo questões como a


ideologia de gênero se tornarem verdade. Vale ressaltar que da mesma forma em que há
um movimento conservador que tendência a criação de rotulo para as pessoas, há mídias
que fazem o movimento contrário, buscando elucidar, construir e trazer equidade as
diversidades como por exemplo o programa da Rede Globo Amor e sexo, o programa da
GNT Identidade de gênero e Saia Justa, o canal do Youtube Põe na roda, o canal
quebrando tabu dentre outros e também as novelas que tem explorado a temática fugindo
de personagens caricatos e abordando a temática de forma cada vez mais natural.

Importante afirmar que o termo ideologia de gênero é erroneamente


empregado, pois este termo vem carregado de diversos preconceitos, com um viés
conservador e pautado em olhares religiosos.

Nesse sentido, o termo “ideologia de gênero” foi utilizado pela bancada


religiosa da Câmara dos Deputados como oposição a agenda de igualdade gênero, seus
principais argumentos estavam em torno de que a dita “ideologia de gênero” incentiva o
sexo em idade escolar, pedofilia, influenciam na orientação sexual e de identidade de
gênero e controversamente argumentam a vertente biológica do gênero, ao mesmo tempo
que temem a influência para a homossexualidade.

Teixeira (2019) contrapõe a falácia da ideologia de gênero em sua pesquisa


de mestrado no qual apresenta o seguinte objetivo de pesquisa:

[...] o objetivo desta pesquisa foi o de investigar o modo de atuação política de


grupos religiosos e conservadores no âmbito da Câmara de Deputados do
Brasil, sobretudo o de católicos carismáticos e evangélicos pentecostais e
neopentecostais, em torno do que identificam ser uma “ideologia de gênero”
(TEIXEIRA, 2019, p.12).

Nesse sentido é importante frisar que a “ideologia de gênero” consiste num


termo empregado de forma a manipular e induzir um debate que apoia o conservadorismo.
Ainda se faz necessário ressaltar que a escola se propõe a construir espaços que estimulem
o ensino sobre gênero, provendo igualdades entre gêneros, diminuindo preconceitos e
propondo conscientização sobre sexualidade.

O atual cenário de retrocesso político instaurado no Brasil coloca em risco


vários avanços sociais no campo da afirmação dos direitos das mulheres e da
população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais/transgêneros
(LGBT), obtidos nas últimas décadas, aprofundando sobremaneira as
desigualdades de gênero. Não incentivar a discussão de gênero e sexualidade
na escola contribui para a persistência das desigualdades e discriminações
sociais, bem como para expressões de violência, no espaço escolar ou em
outros ambientes sociais. O debate sobre gênero e sexualidade na escola pode
54

diminuir o machismo e a misoginia, conduzir à promoção da igualdade de


gênero e da diversidade sexual, por meio do aprendizado do convívio com
diferenças socioculturais. Assim, evitam-se situações de sofrimento,
adoecimento e abandono escolar por razões que não competem somente a
adolescentes. (BRANDÃO; LOPES, 2018 p. 102).

A escola vai além de um espaço onde os sujeitos se instruem e adquirem


conhecimento; a escola é um local onde se personaliza, socializa e educa, portanto, está
diretamente associado à construção do sujeito, vale ressaltar que este papel não é somente
da família. No espaço escolar espera-se formar pessoas com visão crítica, autônomas,
criativas, dinâmicas, cidadãos do mundo (MAZZONETTO; MAZZONETTO, 2019).

Paulo Freire no poema intitulado “A escola é” reforça este pensamento,


ilustrando o papel da escola na construção do sujeito:

A escola é

... o lugar que se faz amigos.


Não se trata só de prédios, salas, quadros,
Programas, horários, conceitos...
Escola é sobretudo, gente
Gente que trabalha, que estuda
Que alegra, se conhece, se estima.
O Diretor é gente,
O coordenador é gente,
O professor é gente,
O aluno é gente,
Cada funcionário é gente.
E a escola será cada vez melhor
Na medida em que cada um se comporte
Como colega, amigo, irmão.
Nada de “ilha cercada de gente por todos os lados”
Nada de conviver com as pessoas e depois,
Descobrir que não tem amizade a ninguém.
Nada de ser como tijolo que forma a parede,
Indiferente, frio, só.
Importante na escola não é só estudar, não é só trabalhar,
É também criar laços de amizade,
É criar ambiente de camaradagem,
É conviver, é se “amarrar nela”!
Ora é lógico...
Numa escola assim vai ser fácil!
Estudar, trabalhar, crescer,
Fazer amigos, educar-se, ser feliz.
É por aqui que podemos começar a melhorar o mundo
(FREIRE, 2010, p.1).

Nesse sentido, o papel da escola é socializar o conhecimento, e seu dever é


atuar na formação moral dos alunos, é essa soma de esforço que promove o pleno
desenvolvimento do indivíduo como cidadão. Segundo Paulo Freire em seu livro
“Pedagogia do oprimido” espera-se do aluno que ele transforme-se em sujeito da sua
55

história e da realidade em que está inserido, humanizando-se, lutando pela liberdade, pela
desalienação e pela sua afirmação no mundo, enfrentando uma classe dominadora, que
por vezes determina o padrão de conduta e identidade das pessoas, buscando assim sair
da opressão, exploração e injustiça. Perpetuando-se (FREIRE, 1998).

Nesse sentido, a escola é o lugar que deve permitir e promover meios para
que o aluno possa se preparar para realizar seus projetos de vida, incluindo todos, sem a
exclusão de identidade de gênero, orientação sexual, classe social, etnia, raça, religião,
enfim respeitando as singularidades de cada ser humano.

Nessa perspectiva a qualidade de ensino é, portanto, condição necessária tanto


na sua formação intelectual quanto moral. E cabe a nós fomentarmos um debate acerca
de como a escola está contribuindo para construção de sujeitos diante as diferenças.

Segundo Butler (2010) a escola investiu em manter as normatizações


relacionadas às identidades de gênero de seus alunos e alunas, enfatizando identidades
inteligíveis nos seus espaços, reforçando assim uma matriz pautada na pessoa
heterossexual e cisgênero percebendo o gênero apenas a partir de uma visão biológica. A
escola não pode ser considera como único local para que os alunos possam refletir sobre
as questões relacionadas a gênero, mas pode ser encarada como um espaço privilegiado
que permite a desconstrução pensamentos limitados e verdades absolutas ou mesmo em
normatizações impostas por uma parcela da sociedade.

De acordo com Foucault (apud Ferreira, 2016), na idade moderna o homem


foi entendido como ser mutável; embora na instituição escola este sujeito é moldado na
mente e no corpo para repetir os padrões esperados. Foucault faz uma crítica quanto ao
seu papel, “a escola foi dotada de uma série de dispositivos e técnicas disciplinares que
tornaram possíveis a formação de sujeitos, ou seja, a subjetivação destes”. Nesse sentido,
a escola pode ser um lugar no qual promove a construção de pessoas críticas ou pode ser
um lugar castrador de identidades, depende de como ela está constituída.

Ferreira (2016), ressalta que a escola pratica a pedagogia da docilização de


corpos, ensinando formas “corretas” de sentar-se, de falar, de vestir-se. Enfim,
reproduzindo a visão hegemônica dos padrões de homens e mulheres, aceitos pela nossa
sociedade, e ao mesmo tempo impostos às crianças, às vezes de forma indiretamente, nos
discursos, nos silêncios, nos rituais e nas práticas escolares. No entanto, esse movimento
56

de disciplinarização não ocorre sem resistências, sendo muito comum às crianças


transgredirem esses padrões que a escola impõe.

Nos dias de hoje existem pessoas que lutam para a mudança da visão escolar,
a escola carrega em seu bojo uma ideário de atuação, no qual suas ações consistem em
disciplinar e de normatizar, resultando numa atuação sistemática sobre os corpos dos
alunos, ainda que ela negue, há uma constante preocupação na manutenção desses
padrões e segmentação do seu público.

Desde seus inícios, a instituição escolar exerceu uma ação distintiva. Ela se
incumbiu de separar os sujeitos – tornando aqueles que nela entravam distintos
dos outros, os que a ela não tinham acesso. Ela dividiu também, internamente,
os que lá estavam, através de múltiplos mecanismos de classificação,
ordenamento, hierarquização. A escola que nos foi legada pela sociedade
ocidental moderna começou por separar adultos de crianças, católicos de
protestantes. Ela também se fez diferente para os ricos e para os pobres e ela
imediatamente separou os meninos das meninas (LOURO, 1997, p.57).

Observamos nas práticas escolares o controle diário dos corpos, sendo esses
docilizados, ensinados, disciplinados, medidos, avaliados, examinados, aprovados ou
reprovados, categorizados, corrigidos, forçados, reforçados, adaptados. E a interação da
escola se faz presente por todas as fases do desenvolvimento, desde bebês a jovens e
adultos, se fazendo presente no desenvolvimento físico, emocional, intelectual e sexual.

A escola, ao longo da história, ao mesmo tempo em que negou seu interesse


na sexualidade, dela se ocupou. As instituições escolares constituíram, nas
sociedades urbanas, em instâncias privilegiadas de formação de identidades de
gênero e sexuais, com padrões claramente estabelecidos, regulamentos e
legislações capazes de separar, ordenar e normalizar cada um e a todos. Por
muitos anos, mesmo afirmando que essa dimensão da educação dos sujeitos
cabia prioritariamente à família, as escolas preocuparam-se, cotidianamente,
com a vigilância da sexualidade de seus meninos e meninas. Não restam
dúvidas de que houve muitas transformações nas formas de exercício dessa
vigilância e regulação, mas a escola continua sendo, hoje, um espaço
importante de produção dessas identidades (LOURO, 1999, p. 40).

No processo de escolarização, há no pano de fundo, uma pedagogia nomeada


por LOURO (2000) como “pedagogia da sexualidade”, que de uma forma sutil, discreta,
contínua, dociliza e disciplina os corpos, e de certa forma reproduzem o preconceito, ao
passo que estabelecem um padrão de comportamento. Segundo (LOURO, 1997, p.61) e
no espaço escolar que:

[...] se aprende a olhar e a se olhar, se aprende a ouvir, a falar e a calar; se


aprende a preferir. Todos os sentidos são treinados, fazendo com que cada um
e cada uma conheça os sons, os cheiros e os sabores "bons" e decentes e rejeite
os indecentes; aprenda o que, a quem e como tocar (ou, na maior parte das
57

vezes, não tocar); fazendo com que tenha algumas habilidades e não outras [...]
E todas essas lições são atravessadas pelas diferenças, elas confirmam e
também produzem diferença. Evidentemente, os sujeitos não são passivos
receptores de imposições externas. Ativamente eles se envolvem e são
envolvidos nessas aprendizagens – reagem, respondem, recusam ou as
assumem inteiramente.

Entendemos assim, que a escola não discrimina diretamente a diferença,


entretanto quando ela ressalta o padrão, quando ela tolhe as pessoas de ser/estar mesmo
que de forma indireta, estabelece assim uma violência, uma violência simbólica.

De acordo com a teoria de Habitus de Bourdieu, a violência simbólica pode


ser praticada por diferentes instituições sociais, estado, a mídia e a escola, dentre outras.
Para Bourdieu (apud SOUZA, 2014), a violência simbólica presente no sistema de ensino
leva à reprodução de relações desiguais entre as classes ao valorizar e socializar uma
cultura que, na verdade, não reflete a cultura das classes mais numerosas.

Portanto, a violência simbólica é marcada por uma relação implícita de


submissão, por consenso ou por força, sem que os dominados reconheçam os aspectos
coercitivos do poder. Assim, a violência simbólica opera como a
naturalização/subjetivação das estruturas objetivas, ou seja, a internalização de crenças
na opressão como algo inevitável, ou a demonização/desumanização de indivíduos.

Segundo Hanks (2008, p. 55) a violência simbólica é uma relação estrutural,


não dependendo nem de atos violentos nem de intenções que possam gerá-los. Vale
ressaltar que, ao focalizar a violência simbólica, Bourdieu (apud SOUZA, 2014) afirma
que não está minimizando os atos violentos, tais como a exploração e violência contra as
mulheres, ou desculpando os homens por esse tipo de violência, e podemos fazer a relação
análoga a violência das travestis e transexuais.

A identidade das travestis e das/dos transexuais constitui um desafio para a


instituição escola, faz-se necessário investir em formação para toda a comunidade escolar
no intuito de minimizar os preconceitos sofridos por estas pessoas e garantir que elas
tenham os mesmos acessos e direitos de alunos cisgêneros e/ou heterossexuais, sendo
oportunizado espaço para que se formem e busquem inserção no mundo do trabalho, bem
como exerçam o direito a cidadania.

Podemos considerar como um processo comum que os alunos manifestem sua


sexualidade na escola, demostrando suas preferencias, suas identidades, e dependendo da
idade dos alunos aconteça uma confusão em relação a sua sexualidade, ainda mais quando
58

pensamos na sexualidade sob a perspectiva de construção social. Entretanto, o que vem


acontecendo ao longo do tempo é um despreparado dos professores para lidar com essas
questões (BRANDÃO; LOPES, 2018).

De acordo com Reis e Ribeiro (2002) há uma falta de incentivo por parte das
secretarias da educação, para a preparação de professores para lidar com essas questões
em sala de aula, que representam ainda nos dias de hoje um tabu e esbarra-se em questões
permeadas pelo preconceito e pela discriminação.

Atualmente há um movimento conservador que visa extinguir da escola toda


a temática que envolva gênero e sexualidade, sem compreender que estas questões
atravessam a realidade dos alunos, e os mesmo tem que lidar diariamente com questões
relacionadas a este tema. Este conservadorismo preconiza uma visão sobre ideologia de
gênero, que de fato é inexistente e que se distancia do real significado da palavra e inverte
seu sentido, distorcendo assim a visão sobre identidade de gênero e orientação sexual, o
que dificulta ainda mais acesso aos professores (LANZ, 2014).

Os temas como gênero e orientação sexual são abordados na escola com o


objetivo de desenvolvimento global do aluno, além de apresentar a ele uma realidade que
constitui nossa sociedade. Temas assim permitem que os alunos desenvolvam um senso
crítico, formem opiniões, desenvolvam a criatividade, além de propor um espaço para
reflexão de sua maneira de ser e estar no mundo, fomentando uma discussão acerca dos
valores que levam a discriminação e a atitudes que levam ao preconceito.

Segundo Martinez (2003), a escola deve proporcionar um espaço ao qual o


adolescente possa entender que sexualidade não se resume somente a reprodução e sexo
biológico, mas, que sexualidade faz referência a prazer, contato, diálogo e afeto.

Ribeiro (1990, p. 31) acrescenta:

A orientação sexual inserida na escola sem uma preocupação com a


problemática geral da instituição educacional, sem a adequada preparação da
comunidade escolar para receber em seu meio uma nova abordagem em
educação que foge do conteúdo tradicional, e sem profissionais com formação
específica para trabalhar nas escolas, será, no máximo, informação sexual, a
pura e simples reprodução de definição e conceitos que deveriam ser dados nas
aulas de Biologia (RIBEIRO, 1990, p. 31).

A escola se constitui como um espaço sexualizado, porém, diante da onda


conservadora atual, instaurou-se uma movimentação para cercear este debate, não só a
reflexão mas também a vivência da sexualidade e muitas vezes das expressões de gêneros
59

divergentes, como se fosse possível inibir estas dimensões da vida do aluno, este
comportamento no ambiente escolar legitima diversos tabus e falácias (OLIVEIRA,
2000).

Segundo Ribeiro (1990) o espaço escolar continua sendo o local ideal para se
discutir e refletir sobre orientação sexual, bem como as questões de gênero. Considerando
que na escola o aluno possa se sentir livre para se expressar e dialogar sobre quem ele é.
E cabe a escola refletir sobre as identidades e não as determinar.

É papel da escola, proporcionar desenvolvimento pleno dos alunos, dispondo


de um espaço que a aprendizagem perpasse o ensino da matemática, do português, da
história, mas que os alunos possam se perceber, reconhecer sua identidade e vivenciar sua
sexualidade de forma plena. Entretanto, o movimento atual da escola é fechar os olhos e
não permitir, debater e entender que sexualidade e o gênero faz parte da educação de todo
aluno.

Segundo Figueiró (2006) temas como gênero e sexualidade ainda configuram


um entrave ao corpo docente, demonstrando um despreparo para abordar essas questões,
isso pode ocorrer pela defasagem ou formação restrita ao empirismo de atuação desses
profissionais, que muitas vezes não se preparam para um debate mais aprofundado na
construção de uma visão crítica acerca dos instrumentos educacionais, o que resulta num
discurso raso sobre estas questões, e ainda esbarra-se nas crenças pessoais do professor.

O despreparo profissional relativo às questões de gênero e orientação sexual


precisa ser avaliado desde a formação do professor até o processo de educação
continuada, precisamos romper este tabu que nos impede de conversar sobre temas que
nos são tão próximos, deixar de falar sobre sexualidade não fara com que ela não exista,
pelo contrário não conversar sobre ela gera margem para que todos fantasiem o que
quiserem sobre este tema, reforçando a visão instituída pelo conservadorismo que
caminha em conjunto com a visão religiosa que coloca a sexualidade e o gênero no campo
de pecado, logo entendido como proibido, fortalecendo o preconceito e reduzindo sempre
a uma visão limitada do ser humano (BRANDÃO; LOPES, 2018).

Nesse sentido, é necessário investir-se em formação continuada dos


professores, oferecendo ferramentas para que eles possam lidar com essas realidades, e
abordar estes temas sem viés de crenças pessoais, para não reproduzir o preconceito e a
discriminação.
60

[...] os órgãos governamentais também devem oferecer uma formação


continuada de qualidade (cursos de especialização, aperfeiçoamento,
capacitação...) e proporcionar melhores condições estruturais de trabalho, e, é
claro, valorizar o trabalho do educador. É necessária uma “parceria” entre os
órgãos governamentais, a escola, o professor, a família e o aluno. Enfim, não
se pode permitir que esse trabalho se concretize no diletantismo ou dependa de
“boa vontade” daqueles idealistas que se sentem impelidos a lutar por uma
causa nobre (REIS; RIBEIRO, 2002, p. 94-95).

É importante que se invista na formação inicial e continuada dos professores


voltados a esta temática, entretanto não podemos desconsiderar aspectos mais
abrangentes: partindo da constatação empírica de que as condições de trabalho docente
continuam muito deficitárias, pode-se também esperar que as repercussões da formação
inicial e da formação continuada na escola e na sala de aula sejam bastante limitadas
(LIMA, et. al, 2019).

Refletindo sobre a necessidade da formação de professores, Reis e Ribeiro


consideram que:

[...] é fundamental, portanto, investirmos na formação do profissional que


realizará o trabalho de orientação sexual em sala de aula, proporcionando ao
professor acesso a todo o conhecimento científico que é produzido em torno
da sexualidade, levando-o a conhecer o desenvolvimento da criança e do
adolescente, e a se atualizar na sua área de atuação, enfim, que seja preparado
à luz da ciência para exercer um trabalho que se propõe não diretivista (REIS;
RIBEIRO, 2002, p. 94).

Bulzoni, Leão e Muzzeti (2018) problematizam que a escassez de cursos


específicos quanto a as questões de gêneros e sexualidade, o que dificulta o trabalho do
professor, pois é preciso que ele esteja disposto a trabalhar este assunto, que se sinta
preparado para fazê-lo. Figueiró (2006) ressalta que não há nos cursos de formação inicial
na disciplina Sexualidade Humana, além de serem poucas as iniciativas de incluí-la.

As questões de gênero e sexualidade não devem ser abarcadas apenas pelo


professor, mas deve se tornar uma pauta para toda a comunidade escolar, envolvendo
todos atores, promovendo debates que amplifiquem a visão limitada acerca de gênero e
sexualidade (REMÍDIO; SILVA; MEIRELES, 2019).

Assim, podemos afirmar que o ambiente escolar constitui um palco


privilegiado para o exercício do debate de gênero e sexualidade, um lócus próprio para
discussão de perspectivas, impressões e sentimentos, um local que deveria ser livre de
julgamentos, e gerador de uma construção de conhecimento de múltiplas realidades.
61

Contudo, as pessoas transgêneras, consideradas transgressores da cisheteronormas são


percebidas com diferentes, proibidas e indesejáveis.

O alto grau de assédio e bullying a que alunos transgêneros são habitualmente


submetidos na escola, tanto por colegas quanto por professores e funcionários, demonstra
o quanto a escola foi e está organizada para atender basicamente a pessoas cisgêneros,
devidamente enquadradas (satisfeitas e confortáveis) nas identidades de homem e mulher
(LANZ, 2014), a exemplo do despreparo dessa realidade, podemos citar a questões da
utilização dos banheiros que sempre representam uma grande dificuldade para as pessoas
“trans”, já que estes são rotulados para pessoas cisgêneros.

É importante ressaltar que desde 2001 existe um projeto de Lei no Estado de


São Paulo que busca diminuir as problemáticas que envolvem espaços públicos, bem
como a utilização do banheiro público por pessoa trans.

Nesse sentido no Estado de São Paulo visa punir toda manifestação


atentatória ou discriminatória cometida contra cidadãos homossexuais, bissexuais ou
transgêneros conforme determina o artigo 1º, da Lei nº 10.948, de 5 de novembro de 2001.

De acordo com a Lei 10.948 o Artigo 2.º discorre:

[...] Consideram-se atos atentatórios e discriminatórios dos direitos individuais


e coletivos dos cidadãos homossexuais, bissexuais ou transgêneros, para os
efeitos desta lei:
I -Praticar qualquer tipo de ação violenta, constrangedora, intimidatória ou
vexatória, de ordem moral, ética, filosófica ou psicológica;
II -Proibir o ingresso ou permanência em qualquer ambiente ou
estabelecimento público ou privado, aberto ao público;
III - Praticar atendimento selecionado que não esteja devidamente determinado
em lei;
IV -Preterir, sobretaxar ou impedir a hospedagem em hotéis, motéis, pensões
ou similares;
V -Preterir, sobretaxar ou impedir a locação, compra, aquisição, arrendamento
ou empréstimo de bens móveis ou imóveis de qualquer finalidade;
VI -Praticar o empregador, ou seu preposto, atos de demissão direta ou indireta,
em função da orientação sexual do empregado;
VII -inibir ou proibir a admissão ou o acesso profissional em qualquer
estabelecimento público ou privado em função da orientação sexual do
profissional;
VIII -proibir a livre expressão e manifestação de afetividade, sendo estas
expressões e manifestações permitidas aos demais cidadãos (SÃO PAULO,
2001, on-line).

Sabemos ainda que a escola precisa buscar soluções para as questões


relacionadas ao uso do banheiro, ou ao uso de espaços coletivos e que estes não devem
ser discriminatórios considerando a orientação sexual ou expressão de gênero. Contudo,
as leis que protegem e salvaguardam os direitos das pessoas transexuais ou das pessoas
62

que fogem da visão heteronormativa são incipientes, mas os movimentos LGBTQI+


lutam para ampliar essas leis.

Uma das conquistas consiste no direito ao nome social segundo Amorin


(2018, p. 48) “[...] as Políticas Públicas existentes, executadas por pressão do ativismo
LGBT, são incipientes e paliativas. Não se tem um respaldo legal efetivo. São constituídas
especialmente a partir de decretos e resoluções estaduais que não contemplam toda a
Federação”, sendo assim o respaldo encontrado pelas pessoas transexuais para a
utilização do nome social consiste no Decreto nº 8.727, de 28 de abril de 2016, que
“dispõe sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de
pessoas travestis e transexuais no âmbito da administração pública federal direta,
autárquica e fundacional”.

Segundo a Secretaria de educação do Estado de São Paulo há um crescimento


na solicitação da utilização do nome social no espaço escolar, nas matrículas e listas de
presenças.

Figura 4: Matrículas com nome social – Fonte: Secretaria da Educação do Estado de São Paulo

Contudo observamos que os professores das escolas também têm que se


envolver nas questões dos nomes sociais, para que não estigmatize um(a) aluno(a) usando
o pronome diferente daquele que a pessoa transgênero se apresenta.

Sabemos que estes são apenas algumas hipóteses de desafios que as pessoas
transgêneras lidam no seu cotidiano escolar, nesse sentido, sinto-me responsável em
buscar um aprofundamento nos seus desafios e dificuldades para minimizar o isolamento
e o sofrimento psíquico que muitas vezes culminam no abandono da escola.
63

3 METODOLOGIA

A presente pesquisa está baseada num estudo qualitativo, na qual aplicaremos


uma visão analítica das vivencias apresentadas pelos participantes do estudo. Portanto, há
uma constante preocupação em obter informações qualitativamente diferentes,
abrangendo o assunto com amplitude, bem como sua complexidade. Dessa maneira, o
enfoque deste assunto será essencialmente qualitativo, o que permite um maior
aprofundamento em relação aos sujeitos, além de estudarmos as características
específicas apresentadas por eles.

De acordo com Minayo (2000), as metodologias de pesquisa qualitativa são


compreendidas como:

[...] aquelas capazes de incorporar a questão do significado e da


intencionalidade como inerentes aos atos, às relações e às estruturas sociais,
sendo essas últimas tomadas tanto no seu advento quanto na sua
transformação, como construções humanas significativas (MINAYO, 2000,
p.22-23).

Minayo (2000) pontua que a pesquisa qualitativa se constitui numa


metodologia apropriada para desencadear um processo de conhecimento. É uma
metodologia com pressupostos de participação democrática e dialógica, já que a interação
entre pesquisador e pesquisado é de extrema importância nesse tipo de pesquisa.

Os autores que seguem tal corrente não se preocupam em quantificar, mas, sim,
compreender e explicar a dinâmica das relações sociais que, por sua vez, são
depositárias de crenças, valores, atitudes e hábitos. Trabalham com a vivência,
com a experiência, com a continuidade e também com a compreensão das
estruturas e instituições como resultado da ação humana objetiva. Ou seja,
desse ponto de vista, a linguagem, as práticas e as coisas são inseparáveis
(MINAYO, 2000, p.24).

Minayo (2000) acrescenta que a investigação qualitativa trabalha com


valores, crenças, hábitos, atitudes, representações, opiniões e busca aprofundar a
complexidade de fatos e processos particulares e específicos a indivíduos e grupos, além
de corresponder a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos
que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.

Para compor os participantes da pesquisa, selecionaremos 2 sujeitos,


escolhidos aleatoriamente, através da rede de contatos do pesquisador. Para a coleta de
dados, será utilizada uma entrevista reflexiva, Szymanski (2011, p.14) compreende a
entrevista “como um encontro interpessoal no qual é incluída a subjetividade dos
64

protagonistas”. Desta forma, a entrevista reflexiva tem por intuito a horizontalização das
relações de poder, considerando assim a subjetividade de todos os envolvidos no processo
da pesquisa (SZYMANSKI, 2011). Tal tipo de entrevista facilita a intervenção do
pesquisador, uma vez que considera toda a subjetividade envolvida e estimula a aceitação
do entrevistado despertando maior interesse na pesquisa.

Nesse sentido, para a realização da entrevista reflexiva Szymanski (2011)


propõe que a priori seja realizado o contato inicial, que para ela consiste na apresentação
do pesquisador ao entrevistado, fornecendo informações pessoais, como: origem (nome,
instituição a que pertence), propósito e tema da pesquisa.

Sendo assim, o contato com os participantes desta pesquisa se deu da seguinte


forma:

• Participante 1: Rede sociais;


• Participante 2: Contato em evento LGBTQI.

Neste primeiro contato, ocorreu de forma informal, com um bate papo, sendo
virtual com a participante 1 e pessoalmente com o participante 2, neste momento o
pesquisador se apresentou, discorreu sobre os objetivos da pesquisa e o sigilo da
identidade dos participantes e trocou contatos para o agendamento da entrevista

O segundo passo proposto por Syzmanski (2011) consiste na condução da


entrevista, que por sua vez e subdivida em: aquecimento, questão desencadeadora,
expressão da compreensão, produção de síntese e elaboração de questões de
esclarecimentos, focalizadoras e de aprofundamento.

A fase de aquecimento estabelece uma aproximação do pesquisador com o


entrevistado, criando um clima informal. Sendo este o momento para obter os dados do
perfil dos participantes. Syzmanski (2011) ressalta que as atividades de aquecimento
proporcionam um clima de descontração e assim possibilita o acesso as informações
sociodemográficas de maneira natural permitindo o estabelecimento de vínculos com o
pesquisador.

A questão desencadeadora tem por objetivo trazer à tona a elaboração ou o


primeiro arranjo narrativo que o entrevistado pode explanar sobre o tema. Nesta pesquisa
a pergunta desencadeadora foi ampla para dar liberdade aos entrevistados no sentido de
revelarem o objetivo deste trabalho que consiste em compreender a trajetória dos
transgêneros no mundo escolar, bem como seus desafios.
65

De acordo com Syzmanski (2011) é importante permitir que os entrevistados


se sintam à vontade para discorrer livremente a partir da questão desencadeadora mesmo
que sua resposta não tenha uma ligação explicita com o tema proposto, neste sentido, cabe
ao pesquisador buscar no momento da análise as mensagens que estão nas entrelinhas da
fala do entrevistado.

Segundo Szymanski (2011) o pesquisador não pode perder de vista os


objetivos do estudo, demonstrando uma expressão da compreensão do discurso do
entrevistado, ressaltando que a compreensão deverá ter um caráter descritivo de síntese
da informação recebida. Portanto, a compreensão do discurso permite que pesquisador
possa investigar e dar prosseguimento a pesquisa elaborando e formulando questões de
esclarecimentos, questões focalizadas e questões de aprofundamento.

Contudo, para que haja uma compreensão, o pesquisador deverá realizar


sínteses que segundo Szymanski (2011) tenha finalidade de manter uma postura
descritiva e ao mesmo tempo realizar a imersão no discurso do entrevistado. Portanto, na
nas sínteses o entrevistador busca elencar os principais pontos do discurso.

As questões que o entrevistador poderá elaborar a partir da compreensão


consiste nas questões de esclarecimento que têm fundamental importância para elucidar
as relações entre as ideias ou fatos narrados. Já as questões focalizadoras são aquelas que
trazem o discurso para o foco desejado, quando o entrevistado se distancia da questão.
Entretanto, se faz necessário compreender as razões desse distanciamento. As questões
de aprofundamento são aquelas que devem ser realizadas quando o discurso está sendo
abordado superficialmente pelo entrevistado.

É importante ressaltar que as questões de intervenção na entrevista servirão


de apoio para análise da entrevista, no sentido de observar os momentos de
distanciamento, de confusão na expressão de fatos ou ideias e na superficialidade no
tratamento de alguns assuntos.

A devolução pode ser apresentada ao entrevistado posteriormente para que


ele possa reformular alguma fala ou pensamento caso sinta essa necessidade. Portanto,
trata-se de uma exposição de compreensão do entrevistado sobre a experiencia relatada a
partir do pesquisador.
66

Nessa pesquisa, optamos por trabalhar apenas com uma pergunta disparadora
para que o(a) entrevistado(a) explanasse livremente, sendo que a pergunta consiste em:
“Como foi sua trajetória escolar?”.

Para a análise dos dados basearemos na perspectiva de Minayo (2000) e


Szymanski(2011), que por sua vez compreende que os dados qualitativos refere-se a uma
atividade de interpretação que busca desvelar o que estava oculto no conjunto dos dados
obtidos tornando-os aparente, segundo os procedimentos dessa modalidade de pesquisa.

Assim, Szymanski (2011) propõe que a análise qualitativa vá ao encontro do


componente significativo do fenômeno estudado, por meio de procedimentos que têm a
finalidade de se aprofundar no objeto de estudo. Para tanto, neste estudo a análise seguirá
os 4 passos preconizados por Giorge (1985 apud SZYMANSKI, 2011) que consistem:

1º. Leitura exaustiva da transcrição da entrevista na integra, para se familiarizar com o


contexto, e captar a essência do que foi descrito, essa leitura deverá se repetir quantas
vezes for necessária para captar o sentido e o contexto;

2º. A entrevista será dividida em partes chamadas de unidades de significado, uma vez
que é impossível analisar o sentido todo de uma única vez, portanto será evidenciado
essas unidades de significado que se relacionam umas com as outras, e indicam momentos
diferentes na totalidade da entrevista;

3º. Em seguida as expressões cotidianas e consideradas “ingênuas” serão transformadas


em linguagem psicológica para extrair o contexto e o valor psicológico das falas dos
entrevistados;

4º. Por último as unidades de significados serão sintetizadas e transformadas em uma


descrição consistente.

Contudo, ao sintetizar as “unidades de significado” espera-se compreender os


desafios vivenciados na trajetória escolar dos protagonistas desta pesquisa.

Para a realização deste estudo foram entrevistados dois transgêneros, sendo


uma mulher trans e um homem trans, com idade de 38 anos e 23 anos respectivamente.
A entrevista foi realizada na residência de ambos, onde sentiam-se acolhidos e
confortáveis, proporcionando um ambiente propício para revelarem alguns aspectos de
suas vidas.
67

É importante ressaltar que para a realização desta pesquisa nos deparamos


com muitos obstáculos, dentre os quais, podemos destacar o medo de expor suas vidas, o
receio de terem suas identidades reveladas, o temor de terem suas imagens expostas, que
foram dissipados após o contato inicial e apresentação do Termo de Consentimento Livre
e Esclarecido, sentiram-se mais seguros em participarem do estudo.

Assim sendo, para resguardar a identidade dos participantes da pesquisa,


optamos pela utilização de pseudônimos que fazem alusão a mitologia greco/romana, no
qual foram selecionados deuses e semideuses míticos.

Neste sentido, a primeira participante é Afrodite. Para contextualizar a


escolha dessa deusa representando a participante 1, se faz necessário conhecer um pouco
do mito de Afrodite. Não há um consenso quanto ao nascimento da deusa, a mitologia
apresenta duas versões, sendo que a primeira é baseada na visão dos poetas que relatam
que a deusa teria nascido de uma maneira incomum. Segundo esta visão depois de Cronos
cortar os órgãos de Urano e atirá-los ao mar, em torno desses órgãos foi formada uma
espuma branca que, misturada ao mar, e desse encontro se deu origem a Afrodite, assim
nessa perspectiva, Afrodite seria filha de Urano. Em outra versão Afrodite seria filha de
Zeus (deus dos deuses) e Dione (deusa das ninfas) (BULFINCH, 2006).

Afrodite era uma deusa de vários amores, foi obrigada a se casar com Hefesto,
por ordem de Zeus. No entanto, não gostava do marido. Um dos amantes com o qual ficou
mais tempo foi Ares (o deus da guerra). Após separar-se de Hefesto, Afrodite casou-se
com Ares. No entanto, a deusa continuou mantendo outros casos amorosos fora do
casamento (BULFINCH, 2006).

Por ter tido diversos relacionamentos amorosos, Afrodite gerou vários filhos
com diferentes parceiros.

• Com Ares, os filhos gerados por Afrodite foram: Eros (deus da paixão e
do amor), Anteros (deus da ordem), Deimos (deus do terror), Harmonia (deusa da
concórdia) e Fobos (deus do temor).

• Com Hermes, a deusa grega teve um filho chamado de Hermafrodito.

• Com o deus Dionísio, Afrodite teve um filho chamado de Príapo (deus da


fertilidade).

• Com Poseidon, Afrodite gerou Rodes (deusa da ilha de Rhodes).


68

• Com Adônis, Afrodite teve uma filha chamada Beroe.

• Com Apolo, a deusa teve Himeneu (deus do casamento).

Uma curiosidade sobre a deusa Afrodite, que na Grécia Antiga, Afrodite era
considerada a deusa protetora das prostitutas. É considerada a Deusa da Beleza, do Amor
e dos Prazeres (BULFINCH, 2006).

O segundo participante é Ceneu. Observamos que na mitologia há uma


divergência nos relatos dos mitos, Homero e Ovídio apresentam histórias sobre a vida de
Ceneu que em algum momento se distanciam, segundo Homero Cenis era uma mulher
com beleza exuberante que se uniu a Poseidon, e se recusava a ter filhos, Poseidon em
sua ira a transforma em homem. Cenis passou a se chamar Ceneu e ganhou uma força
invulnerável, mantinha-se firme mesmo quando era ferido. Em outra versão, contada por
Ovídio, Cenis nunca havia se casado, era considerada a mais bela das donzelas da
Tessália. Certo dia quando fazia um passeio pela praia foi violentada pelo deus do mar,
que após o ato propôs a ela escolher qualquer desejo. Tomada pelo ressentimento ela pede
para que Netuno a transforme em homem e nunca mais sofra igual violência. Seu pedido
foi atendido, sua voz foi ficando mais grave e o deus lhe concedeu o dom de jamais ser
ferido e não morrer pela ação das armas (LOPES, 2017).

Como relatado anteriormente a entrevista com Afrodite e com Ceneu teve


num primeiro momento uma investigação quanto ao seu perfil para promover um vínculo
e tornar o ambiente mais agradável, em seguida a pergunta disparadora foi: Como foi sua
trajetória escolar? Desse processo identificamos as seguintes categorias de análise:

- Relações familiares e amizades: o processo de aceitação dos familiares; o


entendimento da transição e a relação com os amigos;

- Infância, coisas de menino e coisas de menina: a percepção de si em relação as outras


crianças, o entendimento da sua sexualidade e as determinações que sociedade entende
que representa o feminino e o masculino;

- Saindo do armário e o processo de transição: a decisão revelar sua identidade de


gênero, o processo de transição, a percepção de si mesmo e o entendimento de como é
ser um transgênero;
69

- Desafios de Transgêneros e a Escola: o seu percurso na escola; a relação com a


direção escolar, a relação com os professores e como a escola lida com a sexualidade no
seu dia-a-dia;

- Medo e Violência: o desafio que a utilização do banheiro pode representar para as


pessoas transgêneros, os enfrentamentos e medos que as pessoas transgêneros lidam
constantemente;

- Padronização do comportamento (expectativa de gênero): a necessidade de se


comportar e seguir as heteronormas;

- A influência da religião na expressão da sexualidade: as angústias causadas pela


religião;

- Vivências / oportunidades: quais as oportunidades e vivências que são relatadas pelos


participantes;
70

4 ANÁLISE DAS ENTREVISTAS

Analisaremos a seguir cada categoria acima citada e suas unidades de


significados, baseados na teoria já citada.

- RELAÇÕES FAMILIARES E AMIZADES

O processo de contar para a família sobre a sexualidade é um caminho


doloroso, repleto de angústias, dores, incertezas e preconceitos, na maioria das vezes,
alguns preferem não fazer, visto toda a dificuldade que representa. Afrodite e Ceneu,
relatam os desafios desse processo em relação a família:

Afrodite – [...] eu acho que todos já sabiam por que desde criança sempre tive
um jeito muito diferente né, muito afeminado né e quando eu resolvi assumir
mesmo, só meu pai ficou 2 anos sem conversa [...]

Ceneu – [...] eu contei pra minha mãe né, nesse primeiro momento que eu tava
gostando de uma menina e aí pra ela foi o fim do mundo. Ela e meu pai
passaram um mês sem falar comigo [...]

Podemos perceber na fala de ambos, que não houve aceitação de suas


respectivas famílias, o processo de revelação tanto da identidade de gênero quanto a
sexualidade representa um grande desafio, é comum criarmos a expectativa de aceitação
da família acerca de quem somos, incluindo os aspectos de identidade, muitos transexuais
e pessoas que fogem da heteronormatividade são considerados transgressores, portanto,
pessoas que precisam ser de alguma forma “corrigida” ou “adaptadas” fator este que
representa uma violência. Lanz (2014) corrobora com esta visão afirmando que é no
núcleo familiar que os transgêneros sofrem as primeiras ações de violência, que são
discriminados que sentem na pele a normas impostas pela sociedade, uma vez que suas
famílias estão e pensam dentro da caixa e dos padrões heteronormativos.

Ao revelarem as suas respectivas famílias Afrodite e Ceneu se depararam com


o silêncio de seus pais, que se omitem e os agridem não conversando sobre suas
identidades de gênero e como sentem-se diante dessa realidade, podemos entender que a
falta de diálogo pode representar a incapacidade de pensar fora do padrão imposto pela
71

sociedade, por falta de entendimento a respeito da sexualidade ou mesmo por acreditarem


que seus filhos estão fazendo algo errado. Apenas julgando em silêncio sem compreender
o processo que cada um está vivenciando e as dificuldades que cada um enfrenta. Este
erro é massivamente repetido por diversos seguimentos da sociedade. Quando deparam
com seus filhos “fugindo” das exceptivas criadas antes do nascimento, ou seja, a escolha
do nome, a cor de roupa sempre embasadas na ideia heterormativa ou no que se
configurou na sociedade nos comportamentos e adereços esperados que cada gênero deve
utilizar, preconizando erroneamente que azul deve ser as cores para os meninos e rosa a
das meninas.

Percebamos na fala de Lanz (2014), que o primeiro preconceito que a pessoa


transgênero deve enfrentar está na própria família que o preconceito e se depararem com
a as regras impostas pela sociedade e a reafirmação dos padrões heteronormativos. É
evidente que ambos os participantes tiveram um processo doloroso e complexo.

A fala de Ceneu ilustra a sua trajetória que a princípio se deu no


reconhecimento da orientação sexual e em seguida da sua identidade de gênero,
ressaltando que a descoberta da sua sexualidade também causou um estranhamento na
mãe, que ora o compreendia como heterossexual, ora o entendia como homossexual,
talvez esta confusão seja reflexo da falta de diálogo e da falta de clareza que Ceneu tinha
acerca da sua sexualidade e expressão gênero, o que o levou a explorar diversas
possibilidades.

Ceneu – [...] e daí no começo foi muito difícil assim esse entendimento da
minha mãe porque sair de uma relação heterossexual e depois dizer pra ela que
não era aquilo que eu queria na relação como uma mulher [...]

Nessa fala, podemos observar que Ceneu estava buscando construir sua
identidade, e experimentando como deveria ser a sua sexualidade, naturalmente ele foi
levado pela heteronormatividade a experimentar a princípio uma relação heterossexual
enquanto pessoa cisgênero. Depois experimentou uma relação homossexual ainda
enquanto pessoa cisgênero, só então percebeu que a sua identidade de gênero que não
estava adequada com a imagem que tinha de si.
De acordo com Amorin (2018) o sentimento de inadequação e a confirmação
de que a sua família está fora dos padrões se confirma através das relações vivenciadas.
A mãe de Ceneu não entende que sua filha é inicialmente homossexual pois ela já havia
namorado homens e essa mudança era inadmissível.
72

Aprendemos ao longo de nossas vidas que família deveria ser composta por
homem, mulher e seus respectivos filhos, os comerciais dos anos 80 reforçaram este
estereótipo com seus comercias de televisão e a chamada “família margarina” assim tudo
e qualquer formação familiar que não se enquadrava neste modelo era considerada
desestruturada. Para os pais dos respectivos participantes, ao entenderem que seus filhos
não seguem a norma padrão quebram seus modelos mentais e suas expectativas do que é
ser homem e do que é ser mulher, nesse sentido podemos entender que o silêncio das
famílias está relacionado também com internalização de um novo modelo que até então
desconheciam.
Essa relação com a família faz emergir diversos sofrimentos psíquicos, há
ainda aqueles que se sentem julgados, condenados pelos pais, familiares e amigos, em
decorrência disso também não conseguem apoio, incentivo e suporte para conquistas
sejam elas pessoais ou profissionais. Enfim, a diversas causas que levam ao sofrimento
psíquico, algumas delas comuns entre as pessoas cisgênero, algumas comuns somente as
pessoas transgressoras das heterônomas. O fato é que muitos desses sofrimentos podem
ser atenuados ou até mesmo evitados quando há compreensão da família ou mesmo das
pessoas próximas.
Ainda, é importante ressaltar que enquanto ser social, o homem é incapaz de
viver sozinho, alheio ao mundo, portanto ao longo da vida ele participa de diversos
grupos, alguns escolhidos por ele. Nesse sentido as amizades são de fundamental
importância para no processo de identificação dos indivíduos, bem como na constituição
de uma rede de apoio para dar suporte a eles. De acordo Fehr (1996) a amizade pode ser
considerado um relacionamento pessoal e voluntário, que propicia intimidade e ajuda, no
qual as duas partes gostam uma da outra e buscam a companhia uma da outra, além de
poder haver uma identificação com o outro. Tanto Afrodite quanto Ceneu percebem uma
maior identificação com o sexo oposto, e na fase da infância consideram que as
brincadeiras com o sexo oposto fazem mais sentido tanto a forma de conviver ou mesmo
o estar juntos.

Afrodite – [...] “então desde criança os meninos tudo sabia. Engraçado que na
escola tinha muita amizade com mulheres né”.

Ceneu – [...] “nessa época também eu tinha uma amizade muito forte mais
com meninos, eu não entendia aquela coisa de boneca e casinha para mim era
muito esquisito. Eu preferia outras brincadeiras assim, mas, nunca tive nenhum
problema por conta disso assim
73

Portanto, o processo de identificação com o sexo oposto aconteceu tanto com


Afrodite quanto com Ceneu, estar com as meninas no caso de Afrodite e estar com os
meninos no caso de Ceneu poderia representar um espelho e um início da percepção da
inadequação de seus corpos. O Ato de não brincar ou mesmo estar com as pessoas do
mesmo sexo causava estranheza aos olhares das pessoas ao redor. Romper a barreira da
heteronormatividade e da “caixinha” do que é correto para as meninas e para os meninos
pode representar o primeiro ato de transgressão dos transgêneros. Como relata Lanz
(2017) o indivíduo é taxado como socialmente desviante por não cumprir as regras de
conduta de masculinidade ou de feminilidade que foram construídas pela sociedade
pautadas no binarismo de gênero.

- INFÂNCIA, COISAS DE MENINO E COISAS DE MENINA

A infância por ser a primeira fase do desenvolvimento constitui um período


de descoberta, experimentação, de sentir e perceber o mundo, entretanto para a pessoa
transgênero este período pode gerar estranheza e sofrimento, uma vez que ela começa a
compreender que há algo “estranho”, que não se encaixa nos padrões, daquilo que é
esperado pela sociedade heteronormativa como sendo atitudes de machos e fêmeas, como
por exemplo as brincadeiras, a identificação com o gênero oposto, ou mesmo com a
fisiologia do corpo. Amorin (2018) afirma que mesmo a criança não tendo plena
consciência de sua sexualidade, ela já percebe que seu comportamento difere das demais.
Percebe também que o posicionamento de seus familiares está pautado, diversas vezes,
em correções de postura comportamento que não é aplicado a outras pessoas.

Ceneu – [...] eu me lembro que desde criança tinha algum incômodo de


identidade de papel social, principalmente, eu acho que eu devia ter uns 5 anos,
teve uma situação que a minha mãe foi me buscar na escola eu lembro de tá
chorando muito, assim num de sofá da portaria e aí ninguém sabia porque
tava chorando aí só ligaram para minha mãe porque eu não parava que eu acho
que fiquei a tarde toda. Ai, ela me buscou e eu lembro da gente chegar em
casa ela tentar conversar e ai eu falava para ela: mãe, eu não sei, eu saí e aí eu
falava para ela que eu tinha saído do time de sem camisa mas eu não pude jogar
sem camisa que eu não entendi porque eu não podia, aí é, eu falei para ela eu
quero fazer xixi em pé igual os meus amigos porque eu não posso fazer xixi
em pé como eles? E ai ela explicou: mas você não vai fazer xixi em pé. Você
não vai. você não ver ter um pênis. Você não vai. Você é uma menina [...]
74

Ceneu, relata sobre seu incomodo de não poder expor seu corpo da mesma
forma que seus amigos, não compreendia que não podia jogar futebol no time sem camisa,
afinal o seu time estaria todo sem camisa, e ainda não compreendia porque todos seus
amigos conseguiam e podiam fazer “xixi” de pé, sua mãe até tenta explicar a partir de sua
percepção de mundo e do que ela entende por ser homem e por ser mulher, mas reproduz
o discurso limitante afirmando que Ceneu não poderia se comportar assim por ser uma
menina.
Antes de nascer os pais já projetam aos seus filhos todas as expectativas de
gênero, se nasce menino vai usar azul, portanto será estimulado a ser o super-herói, a não
e ser fraco e não chorar, deverá brincar de carrinhos, jogos de aventuras, explorar o seu
corpo, ser livre entre outros; a menina, por sua vez, irá usar rosa, se tornando uma
princesa, portanto, deve ser meiga, cuidar do lar, brincar de boneca, sentar-se de pernas
fechadas, preservar sua intimidade, entre outros.
Contudo, mesmo antes do nascimento somos expostos ao julgamento e
levados a aceitar como ideal a heteronormatividade, o que destoa dessas normas é
considerado transgressor, podendo gerar diversas incertezas bem como conflitos
identitários, resultando numa diversidade de traumas e sentimentos de inadequação.
Nesse sentido, percebemos atualmente uma alta taxa de suicídios na população
LGBTQI+, segundo levantamento divulgado pela ANTRA (2019), esse sentir-se
descolado do que é massivamente divulgado como o correto, gera diversos conflitos e
sofrimento psíquico o que pode resultar numa ideação suicida.

Afrodite – [...] “desde que eu me entendo por gente, já com meus 5,6,7 anos,
que eu consigo me lembrar bem até os 4 anos de idade, .eu nunca brinquei com
brinquedo de homem né de menino, sempre brinquei com coisas de menina...
né [...]

As crianças que não seguem o padrão heteronomartivo de comportamento,


sofrem preconceito, são jugadas, são expostas a vulnerabilidade, algumas são desertadas
de suas famílias, outras sofrem abusos, são espancados e expulsos de suas casas. Mesmo
que posteriormente sua feminilidade ou masculinidade sejam evidenciadas e
reconhecidas como “natural”.

Afrodite - [...] esses dias mesmo eu encontrei uma prima minha, bem mais
velha que eu que me viu e falou, nossa você tá linda né, mas não tinha como
você desde bebê, você tinha todos os jeitinhos de uma menina. O jeito de você
75

se sentar era de menina, a forma de você ser quando criança, 4,5 anos de idade,
era de uma menina [...]

Na fala de Afrodite percebemos que ainda há uma repetição nas expectativas


de comportamentos femininos ou masculinos, e que ainda na infância outras pessoas
percebem sua identificação com o gênero oposto, relata ainda que seu pai não aceitou sua
condição de uma maneira positiva.

Afrodite - [...] quando eu resolvi assumir mesmo. Só meu pai ficou 2 anos sem
conversa [...]

A rejeição da família quanto a identidade gênero, seja na infância ou na vida


adulta provoca danos a autoestima da pessoa, alguns transgêneros são expostos ao
sofrimento psíquico e a violências, de acordo com a ANTRA - Associação nacional de
travestis e transexuais no Brasil (2019), diversos transgêneros perdem o vínculo familiar
na infância/ pré-adolescentes sendo um primeiro passo para a compulsória marginalidade
social.
O homem e a mulher são educados para pertencerem a mundos diferentes, o
mundo masculino está associado a conquista e força; já o mundo feminino a doçura e
fragilidade, como se estas características fossem determinantes de gênero. Assim bola,
carrinho, aventura, pipa, futebol, força e super-heróis fazem parte do ambiente masculino
e são proibidas as meninas. Bonecas, princesas, fragilidade, cuidar da casa e serem
recatadas são atribuídas as meninas e não pode fazer parte do universo masculino. Este
olhar e definição de coisas de meninos e coisas de meninas está muitas vezes associado a
identidade de gênero, como se brincar no mundo do gênero oposto ao seu sexo biológico
pudesse transformar seu próprio gênero.

Ceneu - [...] jogar futebol também que era uma outra questão de não é para
você sabe [...].

Ceneu relata que por diversas vezes ouviu que futebol não era para ele, pois
era menina e deveria estar brincando de boneca ou “casinha” com as outras meninas. A
forma que cada indivíduo se comporta, age ou manifesta o expõe ou não ao preconceito,
caso algo saia do padrão causa estranheza, desconforto nas pessoas ao seu redor. Mais
uma vez a norma de gênero e a regra de comportamento se faz presente.
76

Afrodite – [...] quando criança eu nunca brinquei de carrinho. Eu nunca joguei


uma bola. Eu desde que me entendo por gente eu nunca brinquei com nada de
menino, eu sempre me afeiçoei por coisas de menina né, então dentro de mim
eu já tinha aquilo né [...]

Para as meninas é proibido se manifestar de forma expansiva, elas são sempre


corrigidas: senta direito, fecha as pernas, fale baixo, não faça assim, o que as pessoas vão
achar que você é? meninas assim não arrumam maridos. As regras de comportamento são
inúmeras se por acaso a menina desvia seu comportamento já é fatalmente castrada,
normatizada e corrigida, uma vez que seu comportamento inadequado pode manchar sua
reputação.

Ceneu – [...] “a minha mãe foi me buscar na escola eu lembro de tá chorando


muito assim, num sofá da portaria [...] eu falei para ela mãe eu quero fazer xixi
em pé igual os meus amigos. Por que eu não posso fazer xixi em pé como eles?
E aí ela explicou. Mas você não vai fazer xixi em pé. Você não vai você não
ver ter um pênis. Você não vai. Você é uma menina. [...]

A vida não segue um padrão conforme a sociedade insiste em acreditar,


quando se trata de sexualidade e identidade não há uma regra, não há uma forma binária
e muito menos certo e errado ou coisas de meninos e coisas de meninas, a sexualidade
humana, bem como a identidade é múltipla, diversa, complexa, multiforme, misturada,
variada, multifária, multímoda, multifacetada, diversa, multíplice, sortida, diversificada,
variegada.

- SAINDO DO ARMÁRIO E O PROCESSO DE TRANSIÇÃO

A expressão em português “sair do armário” ou em inglês “come out”


representa na comunidade LGBTQI+ revelar a sua identidade de gênero no caso dos
transgêneros ou sua orientação sexual no caso dos homossexuais ou bissexuais, ou seja,
pessoas que desviam da heteronorma socialmente imposta. Esse processo comumente é
marcado como um período de passagem na vida dessas pessoas, por representar um
período de enfrentamento dos preconceitos, externos e internos, segundo Louro (1999)
por mais simples que esta expressão possa representar, ainda nos dias de hoje, este termo
é visto como escárnio, uma vez, que as pessoas “tidas” como “maioria” (não no sentido
de quantidade, mas no sentido serem referência) nunca precisaram revelar suas
orientações ou predileções sexuais, muito menos sua identidade de gênero.
77

Afrodite relata que sua saída do armário foi apoiada por uma amiga, ambas
fizeram o processo juntas, a experimentação de indumentárias femininas, o uso de
hormônios, maquiagem foram alicerçadas e apoiada na amizade, nesse sentido ter apoio
de alguém próximo legitima a sua revelação.

Afrodite – [...] “eu tinha uma amiga que estava Mario [nome fictício] hoje é a
Maria [nome fictício] e a gente começamos juntas. A gente deixamos os
cabelos cresce. Começamos a tomar hormônio, eu me lembro da primeira saia
que é pus com 14 anos de idade eu pus a primeira saia o primeiro sapato de
salto né, brinco e batom, era uma coisa assim meia estranha, mas, daí um ano
já estava toda transformada nas ruas”

No caso de Ceneu a saída do armário representou um novo começo pois a


mudança de visual abriu espaço para sua autoconfiança, segundo ele esse processo foi
libertador. Louro (1999) aponta como um momento arriscado o processo de sair do
armário, mas, nem sempre este processo pode ser encarrado como algo ruim, Lanz (2017)
relata que em algumas vezes este processo pode ser auto afirmativo e positivo. Ceneu ao
raspar seu cabelo deu início a uma fase de aceitação e um entendimento do seu conflito
de identidade, ali marcou-se o início do entendimento e da aceitação de si mesmo.

Ceneu – [...] “eu raspei a cabeça e decidi que eu ia começar de novo. A partir
daquele dia que eu ia ser quem eu era. Foi nossa demais assim e ainda bem que
eu tive amigos também que me apoiaram que tiveram lado a lado, dizendo é
isso que você que faze, então ótimo, você vai ficar mais feliz assim? E também
eu entendi que o conflito de identidade era tão grande e não como passo de
mágica né, mas, depois do entendimento e da aceitação e de ver que tava tudo
bem”.

No entanto, é importante ressaltar que não podemos fazer uma generalização


do processo de saída do armário, tanto para os transgêneros como para homossexuais ou
bissexuais, alguém que diverge da heteronormatividade o processo de saída do armário é
singular, e pode impactar a vida dessas pessoas de formas diferentes. O processo de sair
do armário conforme relata Lanz (2017) é lento, longo e complexo que não se dá do dia
para noite e nem em um instante, ele é um percurso individual no qual há diversas
transformações externas ou internas, além de envolver muitas pessoas, processos,
decisões e também transformações. Dentre elas, o processo de aceitação, como dito
anteriormente para uns uma exposição ainda maior e para outros um estado de liberdade.
Embora esconder o que sente e quem você é demanda muita energia e um estado de vigília
constante, mas que deve ser realizado quando a pessoa se sente preparada para lidar com
os olhares alheios.
78

Em relação ao processo de transição recorro a frase celebre de Simone


Beauvior (2009) no qual nos apresenta a máxima de que não se nasce mulher torna-se,
esse pensamento traduz o percurso que os transgêneros fazem na construção de si, que
requer uma série de enfrentamentos e desconstruções de conceitos e perspectivas, de
acordo com Lanz (2014) esse processo não é um processo de transformação, mas sim um
processo de transgressão da norma binária de gênero. O caminho do autorreconhecimento
enquanto pessoa transgênero é difícil, uma vez que, além de lidar com as questões internas
é preciso também enfrentar toda uma sociedade heteronormativa.
As intervenções na construção do gênero a qual o transgênero se identifica,
podem ser externas na medida que buscam se caracterizar com roupas e acessórios
entendidos como “femininos” ou “masculinos” ou até mesmo fazer intervenções
permanentes no corpo, vale ressaltar que o transgênero não precisa de intervenção no
corpo para se auto reconhecer. Assim, uma mulher transexual são todas pessoas que
reivindicam o reconhecimento como mulher ou um homem transexual são todas pessoas
que reivindicam o reconhecimento como homem (JESUS, 2012).

Afrodite – [...] “Então, o processo de transição eu me hormonizei desde os


meus 14 anos de idade, desde quando eu me assumi ser uma mulher né [...]

Afrodite - [...] então desde os meus 14 anos eu comecei é. A me, tomar


hormônio. Tomei muitos hormônios né. Eu tomava bastante perlutam, que é
um hormônio usado pelas travestis, hoje apesar que existe o androcur [...]

Por vezes, a sociedade produz no transgênero a necessidade de


reaparelhamento genital no intuito de minimizar o sofrimento psíquico, ainda se acredita
que a genitália é o fator de sofrimento das pessoas transgênero, sendo que a adequação
do órgão sexual constitui a realização ou a plenitude de sua “transformação”. Entretanto,
existem transgêneros que estão bem com seu genital, e o seu sofrimento se dá pela
exclusão social e julgamento de terceiros. Hoje em dia expressões como “pau” de mulher
ou “vagina” de homem são empregadas no intuito de não genitalizar o ser humano, o
resumindo e limitando a partir de seu órgão genital.
É importante ressaltar que o genital não define o gênero de uma pessoa, uma
mulher não deixa de ser mulher por ter o seio retirado por conta de uma doença como por
exemplo o câncer, ou um homem que por um acidente físico tem seu pênis extirpado não
deixa de ser homem, nesse sentido compreendemos que o gênero está para além do
genital, Lanz (2014) reafirma este pensamento relatando que o gênero não se resume ao
79

órgão sexual, ele está mais ligado ao posicionamento de cada indivíduo e como ele se
apresenta para a sociedade.
Este pensamento pode ser ilustrado pela fala de Ceneu, que afirma antes
mesmo de fazer uma intervenção no seu corpo já se sentia homem, a princípio não
considerava este processo necessário. Segundo Ceneu, seu modo de ser e estar no mundo
era de um homem, um homem que transgride as regras binarias e se auto afirma mesmo
não mudando efetivamente seu corpo. Para a mulher transgênero há o entendimento do
senso comum que se não fez a cirurgia automaticamente é considerado travesti, se fez a
“reaparelhagem” pode ser considerado transexual, afirmando assim mesmo no meio
LGTBQI+ a generalização dos corpos.
Podemos ainda citar o fato passibilidade, que significa que o transgênero se
aproxima das características do gênero que se declara, assim no caso de mulheres trans
irá determinar como elas percorrem pela sociedade e são expostas em maior ou menor
grau, ao preconceito, uma vez que a transgeneridade é mais ou menos percebida.
Já o homem transgênero não passa pela mesma situação da mulher trans, uma
vez que, caso ele não faça nenhuma intervenção ele acaba por sendo encarado apenas
como uma mulher masculinizada. O que gera também um sofrimento psíquico, uma vez
que não é reconhecido com o gênero o qual se identifica, sendo visto mais uma vez como
uma caricatura.

Ceneu – [...] eu não tomava hormônios ainda e nem achava que era uma coisa
que eu queria começar naquele momento [...]
Ceneu [...] acho que não. Não precisa realmente de uma de uma transição
física. Eu acho que a transição mental e a de identidade é, seria suficiente, mas
eu depois, eu decido que não, enfim [...]

Vale ressaltar que a princípio Ceneu não sentiu a necessidade de mudanças


externas para se reconhecer como homem, entretanto ao conviver em sociedade esse
desejo vai se transformando, o que nos leva a pensar que mesmo de uma forma indireta a
sociedade gera uma expectativa nele para que haja uma intervenção em seu corpo,
podendo assim ser reconhecido e aceito. Em muitos casos a cirurgia de reaparelhamento
genital é essencial para a diminuição ou eliminação do sofrimento psíquico. Este fato com
Ceneu é análogo ao pensamento de Simone de Beauvouir (2009), “não se nasce mulher,
torna-se”, assim na perspectiva de um homem trans, podemos afirmar que ele também
80

torna-se homem, e esse processo se dá internamente, cercada sim por diversos percalços
e sofrimentos.
É importante refletirmos sobre as identificações que as pessoas fazem acerca
de si, esse processo irá determinar o gênero que a pessoa se reconhece e como esta pessoa
gostaria de ser tratada, portanto cabe a sociedade respeitar a singularidade de cada pessoa,
entendendo que cada ser humano teve um percurso para se construir, não cabe a sociedade
defini-los, limitá-lo ou ainda exclui-los.

- DESAFIOS DE TRANSGÊNEROS E A ESCOLA

A escola representa um marco na vida das pessoas, sendo um período de


fundamental importância para a construção da cidadania e constituição do ser humano,
que passa muitos anos dedicando-se a sua formação escolar. O espaço escolar transpassa
a linha do aprender a ler, escrever, e das disciplinas como matemática, português,
história, geografia, conhecimentos como o tratado de Tordesilhas, ou a soma dos catetos
é igual a hipotenusa, ou ainda sobre a oração subordinada adverbial causal. Na escola se
aprende a socializar, a ser e estar no mundo a se reconhecer e a conhecer o outro, a ter
alteridade. Na escola somos provocados e estimulados a pensar, acerca da nossa
identidade e construi-la ao longo do tempo. A maioria das pessoas heterossexuais e
cisgênero descolam-se por este caminho, as pessoas que transgridem a cisheteronormas
também percorrem este caminho, no entanto são estimuladas a corrigir-se, a mudar-se, a
adequar-se.
Louro (1999) corrobora com esta ideia na medida em que afirma que na escola
os corpos são ensinados, disciplinados, medidos avaliados, aprovados ou não, sempre
pautado na visão heteronormativa de conduta, assim os transgêneros representam algo
que deve ser corrigido e normatizado conforme o que se preconiza como certo - correto.
Para os transgêneros não há espaço no qual possam se expressar como
realmente são, sem fingir, ou adequar-se a uma normativa que lhe é imposta, Afrodite
relata acerca da perseguição do diretor da sua escola, e ainda exemplifica que no espaço
escolar não há cenário para ser diferente.

Afrodite – [...] “na época eles não deixavam por nada que era feminino, se a
gente colocasse, a gente era expulsa pelo diretor da escola. O diretor nos
81

expulsou por várias vezes é principalmente do João Figueiredo (nome fictício


da escola) [...]

De acordo com Louro (1997) a escola encarregou-se de separar os sujeitos


por meio de diversos mecanismos, hierarquização e classificação, ação que se repete até
nos dias atuais. O processo de ensino aprendizagem de pessoas transgêneros é pautado
pela discriminação e perseguição pelo simples fato de divergirem dos comportamentos e
da vestimenta que considera-se ideal para cada gênero, conforme exemplificado por
Afrodite.

Afrodite [...] o diretor que era homofóbico, transfóbico né. Ele expulsava a
gente por qualquer ação e reação. Eu mesma fui expulsa por ele 3 vezes por
conta de vestes né [...]

Ceneu evidencia a falta de um olhar da escola para as questões de identidade


de gênero e orientação sexual, afirmando que não havia um debate relacionado a educação
sexual, ou mesmo ações que abarcassem a sexualidade no ambiente escolar. Segundo ele
era mais fácil fingir que não havia pessoas homossexuais na escola do que explorar o
tema e verificar como questões relacionadas a sexualidade e orientação sexual impactam
o processo de ensino aprendizagem.
Ressaltamos que os relatos de Ceneu refere-se ao período em ele transitou
entre o ensino fundamental e ensino médio, sendo que naquele período não havia uma
proibição em abordar as questões de gênero na escola, pois não havia um documento que
proibia a abordagem no espaço escolar. Atualmente, como já apresentado, há uma onda
de conservadorismo que vem coibindo a discussão de gênero e sexualidade nas escolas,
este fato pode ser ilustrado através da retirada da Base Nacional Comum Curricular
(BNCC) as expressões de orientação sexual e a palavra gênero nos currículos escolares,
dificultando ainda mais o entendimento e a possibilidade de acolher e incluir os
transgêneros na trajetória escolar de maneira digna e equânime, bem como promover um
debate que possa atenuar os preconceitos existentes nas escolas.

Ceneu – [...] “os professores e direção acho que eles não ligavam muito, igual
na outra escola, existia uma coisa, ai ignora. Não tá fazendo nada de errado,
tipo errado, tipo, sei lá.: quebrar a escola, mas xingar o aluno de viado era tipo,
não é errado deixa ele, deve se viado mesmo, não tinha importância”.

Nesse dialogo com Ceneu percebemos que a direção escolar não age de modo
político, as crenças e preconceitos pessoais dos diretores conduzem a normativa da escola,
82

portanto quando Louro (2000) ressalta que a escola dociliza os corpos e os enquadra em
padrões definindo as atividades que são direcionadas para os meninos e para as meninas,
entendemos o quanto a heteronormatividade é um véu indivisível que envolve até as
pessoas mais instruídas. Portanto o preconceito atravessa inclusive as pessoas cultas, que
não cultivam a alteridade pelos demais. Nesse sentido qual seria o papel da escola? A
conclusão é que deveria ser imparcial e fomentar o conhecimento para que cada um
pudesse tirar suas próprias conclusões, embora saibamos que não há imparcialidade nas
nossas decisões.

Ceneu – [...] “teve uma época na terceira série que eles separaram a turma de
meninos e meninas. As meninas tinham que fazer aula de balé e os meninos
tinham que fazer futebol. Eu passei um ano fazendo balé e eu chorava e
chegava em casa assim, arrasado, e falava para minha mãe: mãe eu não quero.
Você pode ir lá falar pra eles que eu não quero. Que eu quero fazer aula de
futebol, acho muito mais legal.

A escola de ensino infantil, fundamental ou médio parece não querer encarar


a sexualidade de seus alunos e as suas nuances. O desinteresse ou a falta de desejo de
enfretamento de lidar com essas questões se configura e impacta na vida do transgênero
seja na sua construção enquanto indivíduo, seja na sua trajetória escolar. Deduzimos que
o espaço universitário deveria estar predisposto a encarar a sexualidade e abrir um espaço
para a discussão. No entanto, percebemos que essa realidade não se aplica em todas as
universidades, em algumas há um lócus para a construção do ser crítico outros continuam
reproduzindo o discurso normativo, e outros ainda evitam qualquer posicionamento,
simplesmente não fomentando nenhum debate.

Ceneu – [...] “em 2016, eu fazia cursinho da Unesp, assim e lá tinham umas
discussões mais abertas sobre outras coisas, inclusive sobre gênero, sobre
sexualidade, sobre a diversidade de sexualidade que existe, né, me fazia te
mais contato e também porque eu tava lendo muito sobre o assunto”.

Ceneu – [se referindo a coordenadora da faculdade em que estuda] Ai, ela


falou que não entendia muito disso de transexualidade. E ai eu fiquei... caralho,
não é possível, eu tô escutando isso dessa pessoa, sabe, tipo ela me dá aula, sei
lá. Eu não consigo entender como alguém nessa posição de cargo, pode ter uma
cabeça assim até hoje, sabe. E ela falou pra mim, eu não entendo seu incomodo
porque eu não entendo muito isso de transexualidade [...]

Nessa fala vemos dois exemplos de posicionamento contrários, no primeiro


há uma discussão e abertura para falar sobre a sexualidade, sobre o gênero. Já no segundo
mesmo se tratando de uma Universidade e de um curso de Psicologia vemos a falta de
espaço para a discussão das questões que são do cotidiano de todos inclusive dos
83

transgêneros. Lanz (2017) afirma que ao lado da família a escola funciona como uma
importante força social na profilaxia e na terapêutica dos desvios de gênero. Nos relatos
de Afrodite e Ceneu vimos ambos relatarem processos de violência simbólica que
vivenciaram em sua trajetória escolar.
Violências estas que vão perseguir o indivíduo durante todo seu processo de
aceitação, sendo que o contrário poderia facilitar o autoconhecimento, a autoestima,
aceitação de si e do outro. Portanto, quando a escola cumpre seu papel de informar de
permitir que cada pessoa seja ela mesmo, evita uma série de sofrimentos.
Lanz (2017) afirma que as pessoas transgênero fazem um esforço imensurável
no intuito de se adequar ao discurso que é reproduzido em diversos seguimentos da
sociedade que afirmam que elas são e estão inadequadas. A escola por sua característica
poderia ser um local de transformação e debate, colaborando assim para a diminuição das
violências exercidas contra a população transgênero bem como fomentaria a diminuição
do sofrimento psíquico que estas violências geram e também o sentimento de estar
deslocado ou mesmo transgredindo as regras do que se considera-se certo , aceito e bem
vindo na sociedade.

Ceneu – [...] “nunca houve esse tipo de conversa, de, aí existem pessoas
homossexuais. Não tinha ideia, ninguém nunca falou isso pra mim. Ninguém
falou que tudo bem você ter outra identidade de gênero que não a cisgênero.
Ninguém nunca tinha me falado nada. E aí no período de escola isso é uma
dificuldade que se eu tivesse sabido antes. Se alguém tivesse me contado. Se
alguém tivesse colocado isso como uma possibilidade ok, sabe, mas naquela
escola, com a religiosidade que eles pregavam, porque tinha isso também. Não
era possível assim sabe”.

Assim, Ceneu não só sofre a estranheza de não se encontrar, de não


reconhecer seu corpo, mas também sofre a falta de informação, a falta de permissão de
ser e existir. Muitas vezes, a escola por temer lidar com as questões de preconceito, se
omite do seu papel de construção da cidadania, simplesmente silencia-se diante da dor do
próximo, mesmo que esse próximo esteja sob sua tutela.
Ceneu – [...] “até na quarta série, tinha uma pessoa que era da minha sala, que
era mais afeminado que acontecia isso. Todo mundo percebia. Ninguém falava
nada assim, sabe. Porque eu não tinha tipo. E as pessoas da minha idade talvez
tinham, uma percepção de que não era legal, que não era engraçado e de que
tudo bem ser viado mesmo, mas ai as pessoas adultas que deveriam, né, ter
essa percepção fingiam que não tava acontecendo. Talvez por ser uma escola
religiosa e as pessoas que trabalhassem lá talvez fossem, sei lá, mas não tinha
nunca uma correção sobre isso ou uma fala. Depois quando eu fui para essa
outra escola particular, aí eu era, eu acho que eles me viam como homossexual
assim, sabe. Mas eu sempre fui muito. Eu acho que eu era bravo assim. Muito...
84

incisiva. Então não acontecia muitas piadinhas que eu não tinha. Risadinha e
conversinha, as coisas. Eu acho que era muito ríspido antigamente”.

A escola muitas vezes, ao silenciar-se contribui para a perpetuação do


preconceito, na fala de Ceneu, podemos observar que este período foi tão marcado pelo
preconceito e pelo desejo de adequação que mesmo sem perceber ele muda os pronomes
ao falar de si neste período, como se ficasse registrado no seu imaginário a docilização
que a escola se propunha a fazer. Quando não falamos de nossas dores ela acaba
emergindo.
Conforme já apresentado a escola se mostra despreparada para lidar e receber
os transgêneros, a trajetória destes indivíduos é marcada diversas vezes por percalços,
discriminação, violência seja ela física ou psíquica, vemos um despreparado da direção/
coordenação escolar em lidar e compor o ambiente para que os transgêneros tenham as
mesmas condições de acesso que as pessoas cisgênero. Essa falta de planejamento decorre
da repetição da heteronormatividade em que vivemos, bem como o medo de enfrentar ou
fomentar, ou ainda lidar com o desconhecido, nesse sentido há uma sucessão de ausência
de debates, a escola por não criar um ambiente lidar com as questões de gênero e
sexualidade, a direção / coordenação pela falta de incentivo e falta de diretrizes para
fomentar o debate, o professor por se negar em perceber seu despreparo, os alunos por
não conhecerem e não terem um espaço para construírem seus próprios conceitos. Quando
iremos romper este ciclo?
Assim a escola, segue ausentando-se do seu papel de construção de
conhecimento e construção de seres críticos, e ocupa o papel de policiamento e controle
como é ilustrado pela Afrodite que relata que há um certo prazer da direção em persegui-
la e policiá-la dentro da escola esperando assim qualquer deslize para que pudesse puni-
la.

Afrodite – [...] “a gente percebia que ele tava até com uma expressão suave,
mas quando ele me via dentro da escola, por algumas vezes, as vezes ele
aparecia, ele me olhava com um comportamento muito agressivo. Como se diz:
eu tô de olho em você e eu vou te pegar de novo .Então eu já tinha um
sentimento assim, nossa eu vó arruma problema de novo, ai chegava em casa,
a mãe vinha em cima, o pai vinha em cima, porque tava dando problema na
escola”.

Nesse trecho percebemos a perseguição pessoal que a Afrodite enfrentava,


apenas por ser quem é, deduzimos que esta perseguição pode decorrer do preconceito da
direção, mas também pode ser uma falta de conhecimento acerca diversidade humana de
85

ser e existir, portanto a formação continuada pode contribuir na compreensão e no


respeito a singularidade de cada aluno, como explicita Bulzoni, Leão e Muzetti (2018) a
formação se configura um instrumento de muita importância para se democratizar o
ensino possibilitando acesso e inclusão. Embora atualmente, essas formações são
desfragmentadas e distantes da realidade, conforme afirmam as autoras.
Ceneu relata que a coordenadora do curso de psicologia na faculdade em que
estuda minimiza a reprodução preconceituosa de um professor justificando a ação deste
como uma brincadeira ou piada, lembrando que piada só existe se todos rirem, senão é
uma expressão de preconceito.

Ceneu – [...] “passei uma semana sem ir na aula. Falei nossa, eu vou lá falar
com essa coordenadora e ver o que eu faço, né. E ai fui lá e falei com ela o que
tinha acontecido e ela: jamais que ela fez isso assim para te agredir, ela tava
fazendo uma piada. Ai eu falei, mas é uma piada que eu me senti agredido [...]

Nesta perspectiva percebemos que a formação continuada para estes


profissionais é extremamente importante, uma vez que, a falta de preparo destes reflete
diretamente em todo o processo escolar. E mesmo sem intensão o professor comete uma
agressão simbólica, como explicitado por Ceneu, uma vez que estuda psicologia,
consideramos que deveria ser mais bem acolhido num curso cuja especialidade consiste
em lidar com as mazelas humanas. Portanto, a desconstrução do preconceito se faz com
debate e não com imparcialidade.
Ao analisarmos a fala de Afrodite e Ceneu percebemos o despreparo dos
professores ao lidar com as questões de identidade de gênero e orientação sexual. Não há
no processo de formação docente uma disciplina que os prepare para lidar com essas
questões. Além da falta de preparo as questões de sexualidade se esbarram nos
preconceitos destes profissionais como vimos na categoria anterior.

Ceneu – [...] “eu tive um problema, até nesse semestre, com uma professora
que eu achei que ela teve uma fala transfóbica. Não era uma discussão sobre
ela ter dito ou não. É sobre eu achar que ela teve uma fala transfobica, assim
[...] [fala de Ceneu relatando que a professora havia feito uma piada em sala
de aula, na qual a professora relata que alguns filmes apresentam homens
engravidando, e ela fala: onde já se viu homem ficar gravido. Neste momento
Ceneu pensou - eu sou homem e posso ficar gravido!]

É posto que não é função do professor ser sexólogo, mas este deve estar
preparado para acima de tudo respeitar as diferenças e lidar com as questões relacionadas
a diversidade sexual, é preciso preparar o professor para lidar com as questões referente
86

a sexualidade que vão para além da visão biológica, entendendo que ampliar o debate
sobre as diversidades de identidade de gênero e sexual não erotiza a criança, Brandão e
Lopes (2018) destacam que trazer este debate para a escola não irá determinar, incentivar
ou erotizar as crianças, ao contrário do que fomenta alguns grupos religiosos e
parlamentares, que insistem em empregar erroneamente o conceito de ideologia de gênero
como algo verdadeiro e que irá “acabar” com a família e levando as crianças e os
adolescentes ao desvio da normalidade.
A falta de preparo de toda equipe escolar e em especial o professor não apenas
exclui, expõe, mas, também cerceia o transgênero de obter oportunidades de formação e
assim, não perpetuar o cenário já exposto, o da vulnerabilidade social e a falta de
oportunidade, que pode levar a prostituição. Afrodite relata que sentia-se perseguida por
uma professora, embora não há como saber se era perseguição ou se reprovava por
merecimento, o fato é que ela não compreendia o processo, a professora não dava o devido
feedback, que de acordo com Afrodite, qualquer meio que ela buscava para tirar boas
notas não era suficiente, inclusive chegava a “colar na prova”, mas sempre acabava
reprovada. Nessa afirmativa podemos observar o despreparo do professor que poderia
dialogar com Afrodite apontando o caminho que deveria percorrer para melhorar seu
desempenho, podemos deduzir que há um preconceito que pode levar o professor a julgar
desnecessário seu esforço em buscar alternativas de ensino, uma vez que no senso comum
há a percepção que o futuro do transgénero feminino é a prostituição.

Afrodite – [...] “essa professora mesmo de português, eu nunca, eu por mais


que eu fazia tudo certo, eu olhava a prova dos outros que talvez até colava na
prova, porque eu fui rebelde. Ela me reprovava todo ano. [...]

Para Ceneu o preconceito se revelou de uma forma indireta, porém de igual


violência, um de seus professores fez uma piada acerca da gravidez de homens
transgêneros, revelando um sentimento de incomodo e indignação que o motivou a buscar
apoio na coordenação do curso de psicologia e o coordenador do curso, por sua vez, não
acolheu e nem propôs nenhuma agenda que debatesse ou fomentasse uma discussão
acerca das diversidades de gênero e sexuais, haja visto, que o curso busca promover a
cidadania, a dignidade e o autoconhecimento do ser humano.

Ceneu [...] E aí a única coisa que eu pensei na hora foi eu vou sair dessa sala.
Naquele momento eu não conseguia me colocar, sabe, achei muito duro E ai
eu fui falar com a coordenadora que foi outro erro né [...]
87

Ao se referir a formação continuada, estávamos evidenciando também a


necessidade de que na formação básica dos professores seja incluída a temática
diversidade sexual. É importante que o professor aprenda técnicas de como se ensinar
verbo, equação ou história do Brasil entre outras disciplinas, mas também é de extrema
importância que o professor seja preparado ou mesmo sensibilizado a lidar com o
processo de construção da identidade dos seus alunos, sendo este processo pode afetar a
maneira de apreender desses.
Ao longo de nossas vidas somos marcados por professores dos quais
construímos alguma relação afetiva, no qual é evidenciado quando relembramos daqueles
que fizeram a diferença, nos acolhendo ou percebendo em nós possibilidades, dores,
alegrias, angustias, dúvidas, empenhos, medo, enfim aqueles que dedicaram alguns
instantes para notar nossa necessidades.
Portanto, o acolhimento não está necessariamente relacionado a uma
disciplina ou conteúdo programático a ser desenvolvido, mas sim no olhar que esses
professores lançaram sobre seus alunos. Afrodite teve contato com uma professora que a
acolheu em meio a toda discriminação que enfrentou na escola.

Afrodite – [...] “eu tive o apoio de algumas professoras, né, que me olhavam
riam brincavam. Tinha uma professora que me dava chocolate, ela não dava
pros outros alunos, mas ela dava pra mim. Então eu acho que ela me via de
uma forma diferente, né, dona Iraí”. [...]

Ceneu por sua vez, relembra de um professor que trouxe algo positivo em
meio aos processos que vivenciou na escola. Segundo Ceneu havia um descaso ou mesmo
uma negativa em olhar para as questões de gênero, identidade e orientação sexual na
escola. Ele relata que houve um professor que era mais aberto, que tentou balizá-lo em
relação a sua postura, buscava alertar que seu comportamento estava exacerbadamente
agressivo, o que não faria bem para ele e para os outros, nesse sentido o professor buscou
acolher a raiva de Ceneu, embora ele não sentiu-se acolhido plenamente.

Ceneu – [...] “Tinha um professor de Literatura e redação que ele era o mais
aberto, assim muito mais no antenado nas questões, aí ele falava: nossa eu acho
que você tá muito radical. Eu falava, eu, se ninguém falar não vai acontecer
nada, então eu vou fica aqui falando [...]
88

A escola deixa marcas em todos nós, passamos anos nos relacionando com
diversos tipos de pessoas, de diferentes idades e concepção de mundo. O professor exerce
um papel de grande importância no processo de construção da aprendizagem e da
construção do indivíduo. A todo momento ele deve mediar as vivencias escolares, seja na
construção do conhecimento ou naquilo que o aluno expõe de si mesmo no ambiente
escolar. Para tanto, o professor deve sempre buscar meios para lidar com essas questões,
sendo que uma alternativa é a formação continuada para melhorar sua atuação no processo
de ensino aprendizagem, bem como ficar atento ao ser humano que está ali no espaço
escolar e que este precisa de acolhimento, olhares, proteção, compreensão e entendimento
que vão além da simples aprendizagem inserida no currículo.
Incluir nos currículos escolares temas como sexo, identidade de gênero e
orientação sexual são de extrema importância, uma vez que aborda a questão de equidade,
de construção de cidadania, temas estes tão fundamentais quanto se aprender matemática,
português, história e geografia. Entretanto, atualmente estamos nos deparando com o
desmonte da cidadania na escola, nos últimos tempos a bancada religiosa do congresso
passou a cercear a ação de professores, que já eram despreparados, em desenvolver a
educação sexual nas escolas. Falar de sexualidade se tornou proibido e quem o fizer pode
ser punido chegando a perder seu trabalho, parece uma incoerência, uma vez que no
passado a punição para quem abordava a questão sexual era apenas de cunho moral.

Ceneu -[...] “na quarta série, a gente teve aquelas aulas sobre educação sexual,
mas era sobre prevenção, sobre como usar camisinha, sobre gravidez precoce,
esse tipo de coisa. Nunca se teve uma conversa sobre sexualidade e gênero.
Nunca houve esse tipo de conversa. De. Aí, existem pessoas homossexuais,
não tinha ideia. Ninguém nunca falou isso pra mim. Ninguém falou que tudo
bem você ter outra identidade de gênero que não a cisgênero. Ninguém nunca
tinha me falado nada. E aí no período de escola isso é uma dificuldade. Que se
eu tivesse sabido antes. Se alguém tivesse me contado. Se alguém tivesse
colocado isso como uma possibilidade, ok, sabe”. [...]

Ceneu - [relatando como era as aulas de educação sexual [...] "estavam falando
sobre gravidez e, é isso. E aí me ensinaram. Eu lembro que a a gente até saiu
da sala por um momento. As meninas, porque tinha sei lá, um aparato, uma
coisa que eles iam ensinar. Eles iam ensinar os meninos a colocarem camisinha
sabe”. [...]
Daniel - [...] tiraram as meninas da sala?
Ceneu - [...] é tipo (risos) e não tinha camisinha feminina. Inclusive só
mostraram uma camisinha. Masculina. E ai, explicaram sobre a coisa de
gravidez na adolescência, quando era perigoso, que tinha que se prevenir. Aí
mostraram também coisas sobre anticoncepcionais etc., mas nada disso, sabe.
Nada de existem outras formas de sexualidade”.

Segundo o relato de Ceneu percebemos que o sexo ainda nos dias de hoje é
compreendido como proibido, é colocado para os alunos como errado, como sujo. É
89

importante destacar que nada mudou nesta trajetória, pois o preconceito vivenciado por
Ceneu no ensino fundamental continua também na graduação. Nesse sentido, as aulas de
educação sexual não ajudam a construir uma visão crítica no formato que estavam
acontecendo, pelo contrário, elas segregam, separam, cria-se um tabu, um abismo sobre
o ser sexual. Nessa perspectiva é importante lembrar que quando falamos de aulas sobre
educação sexual, deve-se debater além da prevenção e da saúde sexual temas como
gênero, identidade de gênero, orientação sexual, promovendo assim uma desmistificação
de algo comum entre todos os seres.
O ensino sobre educação sexual não deve ser de forma alguma diferente para
meninos e meninas, ambos devem compreender a singularidade de seus corpos, e
aprender a respeitar as diferenças, só assim estaremos formando pessoas conscientes e
cidadãos emancipados.

- MEDO E VIOLÊNCIA: O DESAFIO DA UTILIZAÇÃO DO BANHEIRO

O banheiro representa na trajetória escolar do transgênero um grande desafio,


embora este obstáculo passe despercebido pela maioria das pessoas cisgênero que
consideram uma rotina natural o uso dos sanitários escolares, já para o transgênero é um
ato desafiador envolto de preconceitos e constrangimentos. Souza e Bernardo (2014)
relatam que o banheiro representa na vida do transgênero um dos maiores desafios
seguidos do nome social, das aulas de educação física e a relação com os profissionais da
escola. Afrodite conta que mesmo com toda a indumentária feminina e grande
passibilidade era obrigada a usar o banheiro masculino, sendo exposta a violência e
assédios.

Afrodite – [...] “eu tinha que usar o banheiro masculino, mesmo com toda
afeição feminina, porque tinha uma forma muito física do corpo e do rosto, né.
Eu, já com 14 anos de idade tinha seios. Eu tinha que usar o banheiro dos
meninos e na hora que chegava lá acontecia algumas coisas, né, por parte deles
se insinuarem, quererem se mostrar parte intimas. Isso quando criança, né.
Então isso acontecia bastante né” [...]

Por incrível que pareça o banheiro ainda representa um espaço controverso,


por vezes ele é sexualizado, atribuindo-se a um espaço destinado apenas para satisfação
de uma necessidade fisiológica comum a todo ser humano, uma atmosfera sexual.
Portanto, quando este direito é negado aos transgêneros, automaticamente atribui-se um
90

desvio de caráter, há um julgamento de que o banheiro será utilizado com outros fins, ou
ainda há uma negação da identidade do transgênero, não reconhecendo com o gênero que
ele se apresenta. Benevides e Nogueira (2018) relatam os transgêneros precisam
justificar, explicar e se impor para que obtenham o direito ao uso do banheiro.

Ceneu- [...] “ai ela perguntou pra mim e o banheiro? Você vai usar o banheiro
feminino né? Porque, como que você vai usar o banheiro masculino? [...]

De acordo com Afrodite e Ceneu a problemática em relação ao uso do


banheiro fizeram parte de sua trajetória escolar, seja no ensino fundamental, ou na
graduação, o espaço escolar ainda não compreende e perpetua a visão sexual atribuída ao
banheiro, gerando sofrimento e violências físicas e simbólicas as pessoas que divergem
da heteronormatividade e que precisam fazer uso do banheiro.
O medo e a violência fazem parte da vida do transgênero, o Brasil de acordo
com Benevides e Nogueira (2018) é o país que mais mata transgêneros no mundo, e
contraditoriamente conforme já citado é o país que mais consome pornografia “trans”.
Sendo assim, a idade média das vítimas de assassinatos de transgênero em 2018 é de 26,4
anos, sendo que 60,5% das vítimas tinham entre 17 e 29 anos; diminuindo para 29,1%
aquelas entre 30 e 39 anos; 10,5% entre 40 e 49 anos, resultando numa baixa expectativa
de vida dos transgêneros.
Portanto, o transgênero ao longo de sua vida é exposto ao medo, seja no
momento de revelar e vivenciar sua identidade, seja o medo da rejeição pela família, o
medo gerado pelo preconceito vivenciado na escola, o medo da falta de oportunidade e a
violência das ruas. Ceneu relata que esse medo o acompanha diariamente ao precisar usar
o banheiro de sua faculdade.

Ceneu [...] E aí, ir ao banheiro, tipo. Lá não tem um banheiro perto da sala
onde eu estudo. [...] eu sempre vou muito rápido, né. [...] por que sei lá,
qualquer hora pode ser um risco, qualquer hora pode ser hora de você ser
violentado sabe [...]

Como dito anteriormente o transgênero é exposto a violência desde sua


infância, essa violência começa na família e se estende por toda sua trajetória, podendo
ocorrer no simples ato de ir ao banheiro ou até mesmo caminhar pelas ruas. Que pode ser
exemplificado pela gíria “bota a cara no sol mona” que faz referência a vida na
91

obscuridade do transgênero, colocar a “cara” no sol significa andar pelas ruas, enfrentar
o mundo, enfrentar os preconceitos das pessoas, perder o medo e se expor.
Há uma relação de amor e ódio quanto ao transgênero, essa dualidade
apresenta dois aspectos, em um o desejo sexual, os transgêneros são vistos como fetiche,
estão relacionados ao sexo no imaginário de uma grande parcela da sociedade, e noutro
são considerados desviantes, ou seja, dignos de ódio. É comum as pessoas transgêneros
serem associadas a profissionais do sexo e estigmatizadas como pertencentes ao gueto a
uma subclasse da sociedade.

Afrodite – [...] às vezes no banheiro, pra usar o banheiro, tinha alguns dos
meninos que se insinuava. Mostrar as partes íntimas e falava umas. Algumas
coisas”.

A violência contra o transgênero ainda se constitui um problema em nossa


sociedade. Esse estigma associado as eles, segrega, leva a discriminação, a falta de
oportunidade, a exclusão, ao ódio a violência seja ela psicológica, física e simbólica. Essa
situação resulta em sofrimento psíquico que desencadeia uma série de problemas físicos,
mentais e emocionais que segregam o transgênero e reforçam a falta de oportunidade e a
marginalização. E conforme salienta Lanz (2017) essa violência acontece em casa na rua,
nos espaços públicos, enfim, nem sempre é tão tranquilo “botar a cara no sol mona”.

- PADRONIZAÇÃO DO COMPORTAMENTO (EXPECTATIVA DE GÊNERO)

Ser homem e ser mulher em nossa sociedade parte de um ideal; do que se


espera de cada um construído ao longo do tempo. Escutamos sempre roupa de mulher,
roupa de homem como se a vestimenta tivesse gênero. Senta como homem, mulher não
se comporta dessa maneira, homem não chora, mulher não ri dessa maneira dentre outras
ações que são atribuídas a homens e mulheres como comenta Lanz (2017) a expectativa
de gênero começa antes mesmo e nasceremos, vimos hoje em dia os chás de revelação,
onde após exames é apresentado aos pais da criança o sexo do bebê, claro que azul para
os meninos e rosa para as meninas. O problema é que junto a essas expectativas vem os
padrões de comportamento que cerceiam e limitam as pessoas.
92

Ceneu relata que seu pai lhe atribuía afazeres domésticos pelo fato de ser
mulher. A atitude deste pai vem repleta de um mapa mental que foi construído através
dos tempos. A ideia dele consiste que toda mulher deve gostar de lavar louça, sendo essa
ação compreendida como afazeres femininos, e compõe o imaginário da sociedade.
Observamos como o imaginário da sociedade se comportar ao adentrarmos
em uma loja de brinquedos para crianças, onde encontramos em sua maioria os super-
heróis para os meninos; e para as meninas, a louça, vassoura, jogo de panelinhas, dentre
outros brinquedos que fazem alusão ao serviço doméstico, como também as bonecas que
representam o cuidar das crianças, constituindo no senso comum uma obrigação das
mulheres. Desta forma, quando o pai de Ceneu acredita que ele deve gostar de lavar louça
por ter nascido mulher, ele na verdade está reproduzindo uma expectativa construída
socialmente.

Ceneu – [...] “meu pai sempre falava: mas você é mulher, como que você não
gosta de lavar louça. Ai, não gosto, odeio, acho horroroso”.

Na escola, também não poderia ser diferente, esse discurso normativo se faz
presente, na medida em que não há uma visão crítica, assim de acordo com os relatos de
Afrodite, a postura do diretor da sua escola demonstra que a expectativa de gênero
também percorre o ambiente escolar, essa fiscalização das vestimentas beirava a ditadura
do gênero, conforme narra Lanz (2017) determinando, controlando e punindo quem não
estava enquadrado no que o diretor acreditava ser o correto para o ambiente escolar.

Afrodite –[...] “Ele não aceitava. De forma alguma que a gente nem tivesse
trejeitos ou jeito. Ele não aceitava não, ele era completamente fechado, né. Ele
era rígido. Ele não aceitava nem os trejeitos de aluno. As vezes a gente
colocava um pouquinho a calça, um pouquinho mais apertada, ele já ficava
nervoso. Ele já xingava, ele já brigava, ele já falava em expulsão. Em da
suspensão, né. Chamava minha mãe pra falar: olha o comportamento do seu
filho. O seu filho é um menino que ser menina e essas coisas assim”. [...]

Observamos nesse relato que são aplicadas diversas sanções aos transgêneros,
seja por atores específicos ou mesmo pela sociedade como um todo, pelo simples ato
destes transgredirem o binarismo de gênero. Essa inadequação e o sentimento de
deslocamento é produzida heteronormatividade, que podem resultar no distanciamento
das pessoas, que simbolicamente ficam trancadas em seus “armários”, invisibilizadas sem
o direito de serem e estarem no mundo de forma plena, gerando angústias e diversos
sofrimentos psíquicos, pois, ficam totalmente impotentes de aliviar suas tensões
93

existenciais, expressando livremente suas identidades transgêneras conforme relata Lanz


(2017). Quando Afrodite sofreu esse processo com o diretor de sua escola, o termo
transfobia nem era empregado, uma vez em que não havia e não se debatia a visibilidade
trans, no entanto fica claro que o diretor era transfóbico e não aceitava a diversidade no
espaço escolar, mesmo que não fosse habitual ou não existisse esse termo.

- A INFLUÊNCIA DA RELIGIÃO NA EXPRESSÃO DA SEXUALIDADE

A religião para alguns é um estado de liberdade de encontro com o divino.


Algumas religiões ocidentais, principalmente as cristãs, condenam ações que fogem dos
padrões socialmente aceitos, assim indivíduos transgêneros ou pessoas que divergem da
heterossexualidade estão fadados a lidar com o julgamento divino e muitas vezes com o
julgamento de seus seguidores. Esses pensamentos podem influenciar para o
distanciamento ou a negação da identidade de gênero de pessoas que fogem da norma
binaria de gênero.
Alguns transgêneros podem sentir-se devastados emocionalmente , pelo fato
de experimentar e vivenciar algumas formas de rejeições, sendo uma delas vinda da
religião, em virtude de desobedecer as normas de gênero, causando danos psicológicos
a estas pessoas., como relata Lanz (2017), que afirma que a rejeição nem precisa acontecer
de fato para desestruturar e causar sofrimento a vida da pessoa transgênero. Podemos
ainda afirmar que o sentimento de não estar em conformidade com as regras ou estar
transgredindo as normas, é potencializado em pessoas educadas sob os valores permeados
pela religião.

Ceneu... [...] porque eu ficava pensando religiosamente quanto aquilo era


errado [referindo-se a sua identidade]”.

De acordo com o relato de Ceneu diariamente refletia sobre como sua vida
era “errada” e isso só potencializava sua dor em relação ao sentir que estava transgredindo
as normas. A crença religiosa da família Ceneu pode ter acentuado o silêncio de seus pais
em relação a percepção que tinham do filho. Lanz (2017) afirma que o sentimento de
culpa dos transgêneros é maior em pessoas criadas em famílias religiosas, pois nelas
emerge o sentimento de vergonha, de estar errando e não obedecendo as leis de Deus.
94

- VIVÊNCIAS / OPORTUNIDADES

As oportunidades para a população transgênero são limitadas, desde a


infância eles são expostos a diversas violências, falta de acesso, discriminação entre
outros, tornando quase que compulsório “ir para a pista” alusão a prostituição ao qual
Lanz (2017) faz referência. O transgênero procura sobreviver com a indústria do sexo,
não somente por ser uma característica como a sociedade acredita, mas pelas condições
as quais vivenciam de maneira precoce pela falta de oportunidade de trabalho, de acesso
a direitos básicos e também de reconhecimento social.
Como apresentado ao longo da pesquisa o transgênero não é mais tratado
como portador de um distúrbio mental, ao ouvir tanto Ceneu como Afrodite percebemos
não uma doença, mas, a falta de entendimento, acolhimento e oportunidade que podem
ter levar ao sofrimento psíquico e a ideação suicida. Lanz (2017) relata que a taxa de
suicídio entre os transgêneros é quatro vezes maior do que a população em geral.

Afrodite – [...] “Atenas, [nome fictício da cidade] é uma cidade de cargos e


costumes. Uma cidade conservadora. Ninguém emprega uma travesti.
Ninguém emprega uma transexual. Ninguém emprega um gay afeminado. Um
homossexual afeminado. As pessoas aqui são muito preconceituosas e tudo é
muito difícil”.

Segundo Afrodite a falta de acesso ao mundo do trabalho, coloca as pessoas


transgênero num lugar de vulnerabilidade, tendo que buscar maneiras de sobreviver, a
falta de oportunidades traz o sofrimento, uma vez que não deixa outra opção, somente a
prostituição, em seu relado ela estende esta falta de oportunidade também aos
homossexuais afeminados, portanto, compreendemos que ao homem tudo é possível
menos ser feminino, ao contrário da mulher que tudo é negado exceto ser feminina. Nesse
sentido Afrodite se coloca em situações de periculosidade, embora não relatado na
entrevista, mas observado, em diálogos posteriores, no qual ela vê na prostituição a única
saída para manter-se e também manter os cuidados do seu pai doente, que ficou sob sua
tutela.
95

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Atualmente, temos vivenciado uma pandemia mundial (COVID -19) na qual


fomos colocados em quarentena. A regra neste período evidencia a importância do
distanciamento social, devemos evitar sair às ruas, deve ser evitado qualquer
comportamento de risco, nos cerceando do direito básico que o de ir e vir. Esse processo
tem provocado muita angustia e sofrimento as pessoas, fazendo alusão a vida das pessoas
transgêneros percebemos que estas são colocadas em quarentena desde muito cedo,
simplesmente por não se encaixarem nos padrões binários de gênero, nas regras ditadas
pelas heteronormas e por serem transgressores da norma dita natural pela sociedade.
Sociedade esta que segreda, repreende, comete diversas violências físicas, psicológicas e
simbólicas, limita os direitos de cidadãos por acreditarem que eles irão subverter a ordem
social, política e cultural, acabar com a família tradicional cristã e incentivar crianças e
jovens em relação a sua identidade de gênero.
Vimos ao longo deste estudo que ainda nos dias de hoje, se configura um tabu
falar de sexualidade, e que se confundi a sexualidade com ato sexual, que ao longo dos
tempos foi massivamente incutido nas pessoas como sinônimo de sujo, assim não se deve
discutir, deve-se pertencer somente a intimidade. É fato que a construção do gênero é
social e não biológica como ainda se divulga e vai além no binarismo de gênero.
Ao pensarmos em toda essa relação de entendimento envolvendo a
sexualidade e toda a divulgação que é feita por movimentos principalmente de
organizações religiosas que levam a sociedade questões como a ideologia, que por sua
vez, desarticulam e fazem emergir diversos preconceitos contra pessoas pelo fato de não
se enquadrarem em regras, normas, percursos pré-definidos como normais e aceitáveis.
Temos também uma mídia que ainda reforça e faz com que temas como a ideologia de
gênero chegue à casa das pessoas e assim fomentam e desarticulam o entendimento real
de questões como sexualidade e orientação sexual, esvaziando a temática, gerando,
colaborando e reforçando muitos preconceitos.
Diversos movimentos que transgridem a visão heteronormativa e se propõem
a discutir questões de gênero, sexualidade, orientação sexual, dentro outros, vem tentando
produzir conteúdo realmente educativo e que gere o debate e movimente a agenda
LGBTQIA+, levando informação e naturalizando a identidade de gênero como algo
pertencente a nossa sociedade e ao abordar temas referentes a sexualidade, orientação
96

sexual, identidade de gênero não irá destruir nenhuma família ou influenciar nenhuma
criança em relação a sua identidade.
Diversos “nãos” são ditos as pessoas transgênero ao longo de suas vidas.
Podemos afirmar que a falta de acolhimento da família, a percepção de si mesmo e a
percepção de que está vivenciando algo “errado” causa sofrimento, dores, traumas, coloca
a pessoa transgênero em uma condição psicológica de enfrentamento com ela mesmo e
com a sociedade. Muitos desses sofrimentos podem ser atenuados ou até mesmo evitados,
quando há uma educação efetiva, quando há um debate sobre as possibilidades de ser e
estar no mundo, quando há uma conscientização acerca das diferenças. Nesse sentido,
enquanto sociedade somos responsáveis por grande parte do sofrimento psíquico de
pessoas transgênero
Vimos que a trajetória escolar ainda é marcada por falta de conhecimento por
parte da direção, professores, enfim por toda a comunidade escolar. Nesse sentido, há
uma necessidade urgente por formação continuada e o fomento de uma agenda que
discuta educação sexual na escola bem como gênero, identidade de gênero e orientação
sexual, objetivando minimizar preconceitos, promover dignidade a pessoas transgênero
em sua trajetória escolar e assim oportunizar condições de formação, entendimento de si
e do outro, resultando efetivamente em oportunidade e condições melhores a estas
pessoas.
A história de vida de Afrodite e Ceneu exemplificam todo esse cenário,
podemos citar que Afrodite vivenciou a rejeição familiar, escolar e econômica e viu na
prostituição uma oportunidade de sobreviver. Ceneu, por sua vez, foi rejeitado por sua
família num primeiro momento, embora, conseguiu percorrer um caminho diferente e
hoje está cursando a graduação de psicologia. Duas histórias tão próximas de luta,
rejeição, transgressão da ordem que seguem caminhos distintos, e ao mesmo tempo
reafirmam a necessidade de olhar e propor discussões que fomentem um caminho digno
e com oportunidades para todas as pessoas transgênero. Nesse sentido é necessário que a
frase de Boaventura de Souza Santos seja efetivamente vivenciada em nossa sociedade,
“Lutar pela igualdade sempre que as diferenças nos discriminem. Lutar pela diferença
sempre que a igualdade nos descaracterize”.
O pano de fundo desta pesquisa é amplificar a voz de pessoas que por muitos
anos não vêm sendo ouvidas, que cada vez mais elas possam ter o direito de serem quem
são podendo estar em lugares onde possam discutir e propagar suas ideias, vivencias,
amores, dores, sabores.
97

Há muito que produzir, movimentar e fomentar espaços e debates que


propaguem o entendimento, educação e conhecimento em relação a pessoa transgênero,
transformando a visão que marginaliza e que promove invisibilidade que a sociedade
ainda se nega a perceber.
Desta forma, mesmo entendendo que não estou em meu lugar de fala, utilizo
da minha voz para ampliar e divulgar o debate a agenda “trans”. Este trabalho parte de
uma perspectiva da educação acerca das pessoas transgênero, buscando promover junto
aos professores, coordenação e direção a necessidade de sensibilizar e acolher todas as
pessoas no espaço escolar, sem rotular, nem classificar. Há ainda uma grande jornada
para percorrer no sentido de desconstruir o modelo mental destes profissionais,
preparando assim toda equipe escolar para lidar com a diversidade. Sendo que este ponto
de vista poderá engendrar futuras pesquisas sobre a temática, até que a frase de
Boaventura e Souza Santos se concretize e desconstrua a visão heteronormativa e binaria
dessa.
Por fim dedico este trabalho a todas Dandaras que sofrem a violência de uma
sociedade hipócrita que ainda precisa se humanizar. Dandara Kettley dos Santos, foi
brutalmente espancada e executada a tiros no Bom Jardim, bairro de Fortaleza, no Ceará
no dia 15 de fevereiro de 2017.
98

REFERÊNCIAS

AMORIM, Sylvia Maria Godoy. Escola e transfobia: vivências de pessoas transexuais,


2018. Dissertação (Mestrado em Educação Sexual) Universidade Estadual Paulista,
Faculdade de Ciências e Letras – Campus de Araraquara, 2018. Disponível em:
<https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/153642/amorim_smg_me_arafcl.p
df?sequence=3&isAllowed=y> Acesso 20 abr 2020.

ANTRA. Associação Nacional de Travestis e Transexuais. Mapa dos assassinatos de


travestis e transexuais no Brasil em 2019. Porto Alegre, ANTRA, 2019. Disponivel
em: <https://antrabrasil.files.wordpress.com/2018/02/relatc3b3rio-mapa-dos-
assassinatos-2017-antra.pdf> Acesso em 20 jun 2018.

ANTRA. Associação Nacional de Travestis e Transexuais. Missão, Teresina-PI: Antra,


2009. Disponivel em: <https://antrabrasil.org.br> Acesso em 03 out 2019.

BAGAGLI, Beatriz Pagliarini. Máquinas discursivas, ciborgues e transfeminismo.


Gênero, Niteroi, v.14, n.1, 2013. Disponível em:
<https://periodicos.uff.br/revistagenero/article/view/31062> Acesso em 08 abr 2020.

BEAUVOIR, Simone. O segundo sexo. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.

BENEVIDES, Bruna G.; NOGUEIRA, Sayonara Naider Bonfim. (org.). Dossiê:


assassinatos e violência contra travesti e transexuais no Brasil em 2018. Brasil:
ANTRA; IBTE, 2019. Disponível em:
<https://antrabrasil.files.wordpress.com/2019/01/dossie-dos-assassinatos-e-violencia-
contra-pessoas-trans-em-2018.pdf> Acesso em 03 out 2019.

BENTO, Berenice. A reinvenção do corpo: sexualidade e gênero na experiência


transexual. Rio de Janeiro: Devires, 2006.

BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999.

BRANDÃO, Elaine Reis.; LOPES, Rebecca Faray Ferreira. Não é competência do


professor ser sexólogo: o debate público sobre gênero e sexualidade no Plano Nacional
de Educação. Civitas, Porto Alegre, v.18, n.1, p.100-123, jan-abr 2018. Disponível em:
<www.scielo.br/pdf/civitas/v18n1/1519-6089-civitas-18-01-0100.pdf> Acesso em 08
abr 2020.

BRASIL. Decreto n. 8.727, de 28 de abril de 2016, 2016. Disponível em


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/decreto/D8727.htm>
Acesso 20 abr 2020.

BRUSCHINI, Cristina; ARDAILON, Danielle; UNDEHAUM, Sandra G. Tesauro


para estudos de gênero e sobre mulheres. São Paulo: Fundação Carlos Chagas;
Editora 34, 1998.

BULFINCH, Thomas. O livro de ouro da mitologia: história de deuses e heróis. Rio


de Janeiro. Ed. Ediouro, 2006.
99

BULZONI, Ana Maura M. C.; LEÃO, Andreza M. D. Castro; MUZZETI, Luci Regina.
Gestores escolares: formação continuada em sexualidade uma vivência contemporânea.
Rev. Internacional de Formação de Professores, Itapetininga, v.3, n.4 p.5-16, out-
dez, 2018. Disponível em:
<https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=4&ved=2a
hUKEwioyprst-
HoAhUMHLkGHd5KCt4QFjADegQIAxAB&url=https%3A%2F%2Fperiodicos.itp.ifs
p.edu.br%2Findex.php%2FRIFP%2Farticle%2Fdownload%2F1312%2F1015&usg=AO
vVaw0QAr9GGeipGZ3WVAex04aI> Acesso em abr 2020.

BUTLER, Judith. Diagnosticando o gênero. Physis: Rev. de Saúde Coletiva, Rio de


Janeiro, v.19, n.1, p.95-116, 2009. Disponível em:
<www.scielo.br/pdf/physis/v19n1/v19n1a06.pdf> Acesso em 08 abr 2020.

BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade.3. ed.


Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.

CAMILLOTO, Ludmilla Santos Barros. Transgeneridade e direito de ser: relação


entre o reconhecimento de si e o reconhecimento jurídico de novos sujeitos de direitos,
2019. Dissertação (Mestrado em direito) Universidade Federal de Ouro Preto, Escola de
Direito, Turismo e Museologia, 2019. Disponível em:
<https://repositorio.ufop.br/bitstream/123456789/11487/1/DISSERTAÇÃO_Transgener
idadeDireitoSer.pdf> Acesso em 08 de abr 2020.

CAMPOS, Breno Martins. Puritanismo e a construção político-social da realidade.


Revista Pandora Brasil, n.60, jan. 2014. Disponível em
<http://revistapandorabrasil.com/revista_pandora/politica_60/breno.pdf> Acesso em 08
abr 2020.

CONCEIÇÃO, Débora Guimarães. O. Serviço Social e prática pedagógica a arte como


instrumento de intervenção social. Serviço Social em Revista, Londrina, v. 12, n.2,
jan./jun. 2010. Disponível em
<http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/ssrevista/article/view/7542/6830> Acesso em
20 abr 2020.

DALL’AGNOL, Rosângela Sant’Anna. A sexualidade no contexto contemporâneo:


permitida ou reprimida? Psic. Revista de Psicologia da Vetor Editorial, São Paulo,
v.4, n.2, 2003. Disponível em: <pepsic.bvsalud.org/pdf/psic/v4n2/v4n2a04.pdf> Acesso
em 08 abr 2020.

DIAS, Marcia Tosta. Os donos da voz: indústria fonográfica brasileira e mundialização


da cultura. 2 ed. São Paulo: Boitempo, 2008

FEHR, Bervely. Friendship processes. London: Sage, 1996.

FERNANDES, Danubia Andrade. O gênero negro: apontamentos sobre gênero,


feminismo e negritude. Revista de Estudos Feministas, Florianópolis, v.24, n.3, set –
dez 2016. Disponível em <www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-
026X2016000300691&script=sci_arttext> Acesso em 08 abr 2020.
100

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio básico da língua


portuguesa. 4. ed. São Paulo: Folha de São Paulo, 2005.

FERREIRA, Ricardo Bruno Silva. As práticas pedagógicas a partir do olhar de Michel


Foucault. Olhares Plurais: Rev. Eletrônica Multidisciplinar, Maceió, v.1, n.14, 2016.
Disponível em: <https://revista.seune.edu.br/index.php/op/issue/view/15> Acesso em
abr 2020.

FIGUEIRÓ, Mary Neide Damico. Formação de educadores sexuais: adiar não é mais
possível. Campinas: Mercado das Letras; Londrina: Eduel, 2006.

FONSECA, João Paulo Ayub da. Considerações sobre a constituição do sujeito do


cuidado de si no pensamento de Michel Foucalt. Veritas, Porto Alegre, v.57, n.1, p.143
-152, jan/abr 2012. Disponível em:
<http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index,php/veritas/article/view/11231> Acesso
em: 08 ago 2018.

FOUCAULT, Michel. A história da sexualidade 2: o uso dos prazeres. Editora Paz e


Terra. Rio de Janeiro, 2014

FOUCAULT, Michel. A história da sexualidade 1: a vontade de saber.12. ed. Rio de


Janeiro: Ed. Graal, 1997.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 25. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998.

FREIRE, Paulo. A escola é. Portal do Professor, 2010. Disponível


<http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula.html?aula=15356> Acesso 20
abr 2020.

FREUD, Sigmund. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. Rio de Janeiro: Imago,
v. 7, 1972.

FREYRE, Gilberto. Casa-Grande e senzala. Rio de Janeiro: José Olympio, 1982.

FROTA, Hidemberg Alves. Os direitos fundamentais das minorias sexuais e de gênero:


análise de viradas paradigmáticas no panorama jurídico da Índia, Paquistão e Nepal.
Rev. Jurivox, Patos de Minas, n.18, p.15-31, dez. 2017. Disponível em:
<https://revistas.unipam.edu.br/index.php/jurisvox/issue/view/115> Acesso em 08 abr
2020.

GARCIA, Carla Cristina. Breve história do feminismo. 3. ed. São Paulo: Claridade,
2015.

GIDDENS, Anthony. Transformações da intimidade: sexualidade, amor e erotismo


nas sociedades modernas. São Paulo: Ed. Celta, 1992.

HANKS, Willian F. Língua como prática social: das relações entre língua, cultura e
sociedade a partir de Bourdieu e Bakhtin. São Paulo: Cortez, 2008.
101

HEILBORN, Maria Luiza. Gênero, sexualidade e saúde. IN: Saúde, sexualidade e


reprodução: compartilhando responsabilidades. Rio de Janeiro: UERJ, 1997.

HIRATA, Helena. Gênero, classe e raça: interseccionalidade e consubstancialidade das


relações sociais. Revista Social: Revista de Sociologia da USP, São Paulo, v. 6, n. 1,
p.61-73, jun. 2014.

JESUS, Jaqueline Gomes (org). Transfeminismo: teorias e práticas. 2. Ed. Rio de


Janeiro: Metanóia, 2015.

JESUS, Jaqueline Gomes. Orientações sobre identidade de gênero: conceitos e termos.


Guia técnico sobre pessoas transexuais, travestis e demais transgêneros, para
formadores de opinião. Brasília, 2012.

JESUS, Jaqueline Gomes. Transfobia e crimes de ódio: Assassinatos de pessoas


transgênero como genocídio. In: MARANHÃO F.; ALBUQUERQUE, E. M. (Org.).
(In)Visibilidade Trans 2. História Agora, v.16, nº 2, p.101-123, 2013.

KAAS, Hailey. O que é e porque precisamos do transfeminismo. IN: SAKAMOTO, L.


A quem pertence o corpo da mulher?: reportagens e ensaios. São Paulo: Reporter
Brasil, 2013.

LANZ, Leticia. Avida de salto alto. IN: Leticia Lanz: arquivo transgênero, 2016.
Disponível: <http://leticialanz.blogspot.com/2016/08/a-vida-de-salto-alto.html > Acesso
20 abr 2020.

LANZ, Leticia. O corpo da roupa: a pessoa transgênero entre a conformidade e a


transgressão das normas de gênero: uma introdução aos estudos transgêneros. 2. ed.
Curitiba: Transparente, 2017.

LANZ, Leticia. O corpo da roupa: a pessoa transgêneroentre a conformidade e a


transgressão das normas de gênero, 2014. Dissertação (Mestrado em Sociologia),
Universidade Federal do Paraná, 2014.

LEITE JUNIOR, Jorge. Nossos corpos também mudam: a invenção das categorias
"travesti" e "transexual" no discurso científico. São Paulo: Annablume, 2011.

LEITES, Edmund. A consciência puritana e a sexualidade moderna. São Paulo:


Brasiliense, 1987.

LIMA, Eduardo; FERREIRA, Ewerton Silva Ferreira; QUADRADRO, Jaqueline


Carvalho et. al. Gênero, sexualidade e currículo: problematizando a permanência de
alunos LGBTTIQ na escola. Relacult: Rev. Latino-Americana de Estudos e Cultura
em Sociedade, v.5, ed. esp., abr 2019. Disponível em:
<http://periodicos.claec.org/index.php/relacult/article/view/1314> Acesso em abr 2020.

LIMA, Telma Cristiane Sasso; MIOTO, Regina Célia Tamaso. Procedimentos


metodológicos na construção do conhecimento cientítifo: a pesquisa bibliográfica.
Revista Katal., Florianópolis-SC, v. 10, n. esp., p. 37-45, 2007.
102

LOBO, Mônica de Cássia Thomaz Perez Reis. O empoderamento feminino: breves


noções históricas. Revista Eletrônica Sapere Aude, São Paulo, v.1, n. único, p. 26-44,
jan./dez. 2019. Disponível em
<http://revistaeletronicasapereaude.emnuvens.com.br/sapere/article/view/40/24>
Acesso em 25 maio 2020.

LOPES, Anchyses Jobim. Transexualidades: psicanálise e mitologia grega. Belo


horizonte, n.47 p.47-72, jul 2017.

LOURO, Guacira Lopes. Corpo, escola e identidade. Educação & Realidade, Porto
Alegre, v. 25, p. 59-76, jul./dez. 2000.

LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pós-


estruturalista. Petrópolis: Vozes, 1997.

LOURO, Guacira Lopes. O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Belo


Horizonte: Autêntica, 1999.

LOURO, Guacira Lopes. Teoria queer: uma política pós-identitária para a educação.
Rev. Estud. Fem., Florianópolis-SC, v.9, n. 2, p.541-553, 2001.

LOURO, Guacira Lopes. Um corpo estranho: ensaio sobre sexualidade e teoria queer.
Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

LOYOLA, Maria André. (org). A sexualidade nas ciências humanas. Rio de janeiro:
UERJ, 1999.

MABILDE, Luiz Carlos. Três ensaios fundamentais sobre a sexualidade. In: FERRO,
A. et al. Psicanálise e sexualidade: tributo ao centenário dos Três ensaios sobre uma
teoria da sexualidade 1905- 2005. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005.

MARTINEZ, Marlene Castro Waideman. Adolescência, Sexualidade, Aids na família


e no espaço escolar contemporâneo. São Paulo: Arte e Ciência, 2003.

MAZZONETTO, Clenio Vianei; MAZZONETTO, Angela Maria Paloschi.


Observação e reflexão do ambiente escolar I. Santa Maria: UFSM, NTE, 2019.
Disponível em: <https://www.ufsm.br/orgaos-suplementares/nte/wp-
content/uploads/sites/358/2019/07/MD_Observação-e-reflexão-do-ambiente-
ecolar_com-isbn-1.pdf> Acesso em 08 abr 2020.

MINAYO, Maria Cecília Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em


saúde. 12.ed. São Paulo: Hucitec, 2000.

NOVAES, Elizabete David. Entre o público e o privado: o papel da mulher nos


movimentos sociais e a conquista de direitos no decorrer da história. História e
Cultura, Franca, v.4., n.3, p.50-66, dez 2015. Disponível em
<file:///C:/Users/edwes/AppData/Local/Packages/Microsoft.MicrosoftEdge_8wekyb3d8
bbwe/TempState/Downloads/1691-6209-1-PB%20(1).pdf> Acesso 11 jan 2020.
103

OLIVEIRA, Ana Carla Menezes. A evolução da mulher no Brasil no período da colônia


à república. Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds
Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017. Disponível em:
<http://www.en.wwc2017.eventos.dype.com.br/resources/anais/1494945352_ARQUIV
O_Artigocompleto-13MundodasMulhereseFazendoCidaAfroditea11.pdf> Acesso 09
jan 20220.

OLIVEIRA, Dora L. Sexo e saúde na escola: isto não é coisa de médico? In: MEYER,
Dagmar Estermann (Orgs.). Saúde e sexualidade na escola: isto não é coisa de
médico? Porto Alegre: Mediação, 2000. p. 97-109.

PACHECO, Ana Beatriz Queiroz. Como a mídia brasileira vem abordando as reações
conservadoras que utilizam a expressão “ideologia de gênero”, 2017. Monografia
(Trabalho de conclusão de curso – Ciência Política) Universidade de Brasília, Instituto
de Ciência Política, 2017. Disponível em:
<https://www.bdm.unb.br/bitstream/10483/20445/1/2017_AnaBeatrizQueirozPacheco_t
cc.pdf> Acesso em 19 jul 2020.

PADILHA NETTO, Ney Klier; CARDOSO, Marta Rezende. Sexualidade e pulsão:


conceitos indissociáveis em psicanálise? Psicologia em Estudo, Maringa, v.17, n. 3,
jul-set 2012. Disponível em: <https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=287126284018>
Acesso 07 abr. 2020.

PEREIRA, LINNA [LINN DA QUEBRADA]. Bixa preta. 2017. Disponível em


<https://www.letras.mus.br/mc-linn-da-quebrada/bixa-preta/> Acesso 21 abr 2020.

PORFIRIO, Francisco. "Talcott Parsons". Brasil Escola. 2020. Disponível em:


https://brasilescola.uol.com.br/biografia/talcott-parsons.htm. Acesso em 14 de outubro
de 2020.

QUIRINO, Rangel. País que mais mata trans no mundo, Brasil é também o que mais
acessa pornôs do gênero, reforça pesquisa. Observatório G Uol, 2018. Disponível em
<https://observatoriog.bol.uol.com.br/noticias/2018/05/pais-que-mais-mata-trans-no-
mundo-brasil-e-tambem-o-que-mais-acessa-pornos-do-genero-reforca-pesquisa>
Acesso em 20 abr 2020.

REIS, G Giselle Volpato; RIBEIRO, Paulo Reis Marçal. A orientação sexual na escola
e os Parâmetros Curriculares Nacionais. In: REIS, Giselle Volpato; RIBEIRO, Paulo
Reis Marçal. (Orgs.). Sexualidade e educação sexual: apontamentos para uma
reflexão. São Paulo;Araraquara: Cultura Acadêmica; Editora Laboratório Editorial FCL,
p. 81-96, 2002.

REMÍDIO, Rayssa Cássia Almeida; SILVA, Kelly; MEIRELES, Cléverson Rodrigues.


Educação e diversidade: trabalhando questões de gênero e sexualidade com
adolescentes em escolas públicas, Mediação, Ubá, v.9, n.9, jan-ago, 2019. Disponível
em: <revista.uemg.br/index.php/mediacao/article/view/4332/2401> Acesso em 08 abr
2020.
104

REYS, Octavio; SALOMONE, Lucio. A terapêutica cirúrgica do intersexual perante


a justiça criminal: um caso de transexualismo primário ou essencial. São Paulo:
Edição dos Autores, 1978.

RIBEIRO, Paulo Rennes Marçal. Educação sexual além da informação. São Paulo:
EPU, 1990.

ROCON, Pablo Cardozo; SODRÉ, Francis; RODRIGUES, Alexsandro.


Regulamentação da vida no processo transexualizador brasileiro: uma análise sobre a
política pública. Rev. Katálysis, Florianópolis, v.19, n.2, p.260-269, jul-set, 2016.
Disponível em: <www.scielo.br/pdf/rk/v19n2/1982-0259-rk-19-02-00260.pdf> Acesso
em 08 abr 2020.

RODOAVALHO, Amanda; POMPEU, Daniel; PENA, Nasser. et. al. Transitando. IN:
XXXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação: INTERCON. Rio de
Janeiro, 4-7 set, 2015. Disponível em:
<http://portalintercom.org.br/anais/nacional2015/expocom/EX48-0784-1.pdf> Acesso
em 08 abr 2020.

SAGRILLO, Daniel Duarte. Jovens transgressores: percursos biográficos sobre a


busca de si e as relações de trabalho, 2017. Dissertação (Mestrado em Cultura e
Territorialidades), Universidade Fluminense, Niterói, 2017.

SANTANA, Luciana Wolff Apolloni; SENKO, Elaine Cristina. Perspectiva da era


vitoriana: sociedade, vestuário, literatura e arte entre os séculos XIX e XX. Revista
Diálogos Mediterrâneos, Curitiba, n.10, jun 2016. Disponível em:
<dialogosmediterranicos.com.br/index.php/RevistaDM/article/view/209/216> Acesso
em 08 abr 2020.

SANTOS, José Alcides Figueiredo. Classe social e desigualdade de gênero no Brasil.


IN: XXIX Encontro Anual de Gênero no Brasil. GT “Gênero na
Contemporaneidade”. Caxambo-MG: ANPOCS, p. 1-27, 25-29 out 2005.

SANTOS, Silvana Mara Morais; OLIVEIRA, Leidiane. Igualdade nas relações de


gênero na sociedade do capital: limites, contradições e avanços. Revista Katalysis,
Florianoplois, v.13, n.1, jan-jun 2010. Disponível em:
<www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-49802010000100002>
Acesso em 08 abr 2020.

SÃO PAULO (ESTADO). Lei que dispõe sobre as penalidades a serem aplicadas à
prática de discriminação em razão de orientação sexual. Lei nº 10.948, de 5 de
novembro de 2001. São Paulo. Disponível em:
<https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei/2001/alteracao-lei-10948-
05.11.2001.html>. Acesso em: 20 abr 2020.

SCOTT, Joan Wallach. Gender: A Useful Category of Historical Analysis: gender


and the politics of history. New York: Columbia University Press. 1989.

SOARES, Ana Cristina Nassif. Mulheres chefes de família: narrativa e percurso


ideológico. Franca: UNESP/FHDSS, 2002.
105

SOARES, Zilene Pereira; MONTEIRO, Simone Souza. Formação de professores/as em


gênero e sexualidade: possibilidades e desafios. Educar em Revista, Curitiba, v.35, n.
73, p. 287-305, jan-fev 2019. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/er/v35n73/0104-
4060-er-35-73-287.pdf> Acesso em 21 abr 2020.

SOUSA, Jéssica Cristtinny O. Gênero e sexualidade sob a perspectiva de docentes de


biologia da rede estadual do município de Aparecida de Goiânia, 2018. Dissertação
(Mestrado em Direitos Humanos), Universidade Federal de Goiás, 2018. Disponível em
<https://repositorio.bc.ufg.br/tede/bitstream/tede/8448/5/Dissertação%20-
%20Jéssica%20Cristtinny%20Oliveira%20de%20Sousa%20-%202018.pdf> Acesso em
07 abr 2020.

SOUSA, Lucia Aulete Burigo; GRAUPE, Mareli Eliane; LOCK, Geraldo Augusto.
Gênero na escola: políticas públicas para superar preconceitos. Curitiba: Editora Crv,
2015.

SOUZA, Heloisa Aparecida; BERNARDO, Marcia Hespnahol. Transexualidade: as


consequências do preconceito escolar para a vida profissional. Bagoas, Natal, v.8, n,11,
2014. Disponível em:
<file:///C:/Users/edwes/AppData/Local/Packages/Microsoft.MicrosoftEdge_8wekyb3d8
bbwe/TempState/Downloads/6548-Texto%20do%20artigo-16350-1-10-
20150119%20(3).pdf> Acesso em 08 abr 2020.

SOUZA, Rafael Benedito. Formas de pensar a sociedade: o conceito de habitus, campos


e violência simbólica em Bourdieu. Rev. Ars Histórica, Rio de Janeiro, n.7, p.139-151,
jan-jun, 2014. Disponivel em:
<https://dialnet.unirioja.es/descarga/articulo/4766705.pdf> Acesso em 08 abr 2020.

SOUZA, Silvane Campos. A construção discursiva do corpo do transhomem na


perspectiva foucaultiana, 2018. Dissertação (Mestrado Profissional em Educação
Sexual), Universidade Estadual Paulista, UNESP- Araraquara, 2018. Disponível em <
https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/158260/souza_sc_me_arafcl.pdf?se
quence=3&isAllowed=y> Acesso 11 jan 2020

SZYMANSKI, Heloisa. A entrevista na pesquisa em educação: a prática reflexiva. 4.


ed. São Paulo: Autores Associados, 2011.

TEIXEIRA, Raniery Parra. “Ideologia de gênero”? as reações à agenda política de


igualdade de gênero no Congresso Nacional, 2019. Dissertação (Mestrado em Ciência
Política) Universidade de Brasília, Instituto de Ciência Política, 2019. Disponível em:
<https://repositorio.unb.br/bitstream/10482/35044/1/2019_RanieryParraTeixeira.pdf >
Acesso em 20 abr 2020.

TRIVIÑOS, Augusto N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa


qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 2006. p. 110, 112.

WEEKS, Jeffrey. Sexuality. New York: Routledge, 2003.

WORLD HEALTH ORGANIZATION. Sexual health. Genebra: WHO, 2017.


Disponível em: <http://www.who.int/topics/sexual_health/> Acesso em 14 abr. 2020.

You might also like