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O parecer verdadeiro e a

ética: uma análise dos


discursos desinformativos e
conspiratórios
Andrey Istvan Carvalho (PIBIC-UFRJ/NUPES)

XX miniEnapol de Semiótica
Grupo de Estudos Semióticos da Universidade de São Paulo
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP
Percursos veridictórios, fake news
e teorias da conspiração
Os contratos de veridicção e os percursos veridictórios (Barros, 2022;
Greimas, 2014a)
As fake news caracterizam-se, nessa proposta, por um percurso veridictório que
parte da falsidade, construindo a mentira e, por meio da implicação operada com
base na aparência, afirma-se a verdade.
Os discursos de teorias da conspiração, por outro lado, apresentam uma
passagem da verdade (parece e é), para o segredo, negando a aparência (não-
parece, mas é), de modo que, pela negação da aparência, chega-se à falsidade
(não-parece nem é)

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03/10/2022 TÍTULO DA APRESENTAÇÃO 4
Percursos veridictórios e
epistêmicos
Os contratos de veridicção e os percursos veridictórios (Barros, 2022;
Greimas, 2014a)
Nos exemplos vistos, esses dois percursos estão presentes, mostrando uma
característica relevante dos discursos de desinformação nos meios virtuais: o seu
suporte por uma postura de desconfiança generalizada frente às diferentes
instâncias legitimadas de saber.
Trabalhos sobre teorias da conspiração, como Knight (2001), Barkun (2003),
Byford (2011) e Albuquerque e Quinan (2019), apontam relações entre a ascensão
das TdC e a crise epistemológica que marca os últimos 70 anos e seu papel
percursor ante as fake news atuais.

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Percursos veridictórios e
epistêmicos
Atos epistêmicos, saberes e crenças (Discini, 2015; Greimas, 2014b;
Greimas e Courtés, 1989; Patte, 1985; 1986; Zilberberg, 2019)
As TdC são consideradas, dessa forma, enquanto discursos, algo instituido desde
os estudos de Hofstadter (1964).
Os atos epistêmicos apresentam-se como juízos de adequação e transformações
de estatutos quanto aos discursos avaliados.
As modalidades epistêmicas, nesse sentido, aparecem como gradações de
conjunções e disjunções operadas cognitivamente.
A afirmação, recusa, negação ou aceitação dos discursos depende, igualmente, de
disposições do sujeito no sentido de querer-crer e poder-crer nos discursos.

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Percursos veridictórios e
epistêmicos
Atos epistêmicos, saberes e crenças (Discini, 2015; Greimas, 2014b;
Greimas e Courtés, 1989; Patte, 1985; 1986; Zilberberg, 2019)
Daniel Patte propõe uma reinterpretação das modalidades epistêmicas como a
sobremodalização pelo crer de juízos aléticos (dever-ser e poder-ser).
Ressalta-se, com essa proposta, o caráter proprioceptivo da cognição como um
juízo de avaliação do sujeito epistêmico frente às possibilidades/necessidades dos
objetos-discursos serem ou não legítimos/verdadeiros.
Considerando a existência de percursos veridictórios, os percursos epistêmicos
aparecem como possibilidade de aprofundar a reflexão quanto ao querer-crer e o
poder-crer do sujeito epistêmico e a relação entre os novos discursos e o sistema
de crença já instituído.

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Dispositivos epistêmicos e
seus percursos
Certeza Improbabilidade
[crer dever-ser] [crer não dever-ser]

Probabilidade Incerteza
[não crer não dever-ser] [não crer dever-ser]

FONTE: Elaboração própria com base em Patte (1986, p. 142; 1985, p. 269) e Discini (2015, p. 265)

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Dispositivos epistêmicos e
seus percursos
Plausível Questionável*
[crer poder-ser] [crer não poder-ser]

Inquestionável* Implausível
[não crer não poder-ser] [não crer poder-ser]

FONTE: Elaboração própria com base em Patte (1986, p. 143)

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Os regimes epistêmicos
1
Dogma
Conhecimento revelado
Impactante
Intensidade Tênue

Esclarecimento
Conhecimento informado

0 Concentrado Extensidade Difuso 1


FONTE: Elaboração própria, com base em Zilberberg (2011).

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Percursos éticos
As modalidades éticas (Discini, 2015; Fontanille, 2008; Patte, 1985;
1986; Zilberberg, 2006)
Esse conjunto de modalidades visa estabelecer a base de um sistema deôntico que
se converte, ao longo do PGS, em um sistema ético culturalmente estabilizado.
A ética, nessa leitura, liga-se a relação de crença na legitimidade que o sujeito
estabelece quanto a instâncias do destinador, no nível narrativo, e do enunciador,
no nível discursivo.
Jacques Fontanille estabelece uma crítica a essa proposta, baseado em sua
fundamentação em discursos éticos, principalmente religiosos, sem que se
estabeleça necessariamente uma dimensão ética nos estudos semióticos, além de
ressaltar seu caráter mecânico.

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Percursos éticos
As modalidades éticas (Discini, 2015; Fontanille, 2008; Patte, 1985;
1986; Zilberberg, 2006)
Discini salienta o empenho pessoal e a participação social como associados às
noções éticas fundamentais da proposta de Patte: as relação de obrigação e
permissão que o sujeito assume para si por meio do crer.
A autora, além disso, considera a tensividade presente no dispositivo e a menor ou
menor plenitude de cada modalidade.
A assunção de obrigações, nesse sentido, dirige uma ética voltada para a
participação social do sujeito e sua relação com outros; por outro lado, ao assumir
permissões, o sujeito dirige uma ética voltada para o si e suas possibilidades.

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Dispositivos éticos e seus
percursos
Engajamento Alienação*
[crer dever-fazer] [crer não dever-fazer]

Interesse Indiferença
[não crer não dever-fazer] [não crer dever-fazer]

FONTE: Elaboração própria com base em Patte (1986, p. 143; 1985, p. 271) e Discini (2015, p. 265)

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Dispositivos éticos e seus
percursos
Sentimento de Sentimento de inaptidão
competência [crer não poder-fazer]
[crer poder-fazer]

Sentimento de Sentimento de
aptidão incompetência
[não crer não poder-fazer] [não crer poder-fazer]
FONTE: Elaboração própria com base em Patte (1986, p. 143) e Discini (2015, p. 265)

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Os regimes éticos
1
Engajamento
Fazer pragmático
Impactante Intensidade

transpessoal

Reflexiva
Fazer cognitivo
intrapessoal
Tênue

0 Concentrado Extensidade Difuso 1


FONTE: Elaboração própria, com base em Zilberberg (2011).

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O contrato fiduciário: interferências
Relações de crença e confiança (Fontanille e Zilberberg, 2001; Greimas,
2014b; Landowski, 1992; Zilberberg, 2006; 2019)
A fidúcia, tensionando uma relação de confiança em quem diz e uma relação de
crença no que é dito, interage com os regimes éticos e epistêmicos propostos,
direcionando-os ou sendo direcionada por eles.
O dogma, nesse sentido, liga-se ao estabelecimento da confiança em quem diz e
na sua construção sensível (doutrinas, epifanias etc.), enquanto o esclarecimento
está ligado à crença no que é dito e na sua construção inteligível (investigação
científica, confronto de versões etc.).

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O contrato fiduciário: interferências
Relações de crença e confiança (Fontanille e Zilberberg, 2001; Greimas,
2014b; Landowski, 1992; Zilberberg, 2006; 2019)
Do mesmo modo, uma ética do engajamento [?] relaciona-se à confiança
(empatia, solidariedade etc.), enquanto uma ética reflexiva [?] está mais próxima
da crença no que é dito, ainda que por si mesmo, e numa certa racionalidade
(sobrevivência, individualismo etc.), ainda que viesada.
Os diferentes percursos veridictórios aparecem como modos de
reforço/enfraquecimento dos diferentes regimes éticos e epistêmicos,
promovendo deslocamentos e reconfigurações dos sistemas éticos e de crença já
instituídos.

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Considerações finais
A presente proposta apresenta um acréscimo na compreensão de como os
discursos das novas mídias, em especial os desinformativos, tem sua eficiência
garantida no nível cognitivo, mas também na direção de motivar fazeres
pragmáticos.
Faz-se necessário refletir mais detidamente as relações que regimes éticos e
epistêmicos apresentam com as dimensões sensíveis e inteligíveis dos discursos.
Outra questão a ser trabalhada é a relação que regimes éticos e epistêmicos
podem contrair entre si.
É necessário, também, aprofundar a relação entre esses regimes e a veridicção.

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Referências bibliográficas
ALBUQUERQUE, A. de; QUINAN, R. Crise epistemológica e teorias da conspiração: o discurso anti-
ciência do canal “professor terra plana”. Revista Mídia e Cotidiano, vol. 13, n. 3. Niterói/RJ, dezembro
de 2019, pp. 83-104.
BARKUN, M. “The nature of conspiracy belief”. In: ______. A culture of conspiracy: apocalyptic
visions in contemporary America. Los Angeles: University of California Press, 2003. pp. 1-15.
BARROS, D. L. P. de. Contrato de veridicção: operações e percursos. Estudos Semióticos, v. 18, n. 2, p.
23-45, 2022. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/esse/article/view/198279. Acesso em: 15 set.
2022.
BYFORD, J. “Towards a definition of conspiracy theories”. In: ______. Conspiracy theories: a critical
introduction. New York: Palgrave Macmillan, 2011. pp. 20-37.
DISCINI, N. “Do desdém”. In: ______. Corpo e estilo. São Paulo: Contexto, 2015. pp. 245-270.
DISCINI, N. “Estilos e totalidades”. In: ______. O estilo nos textos: história em quadrinhos, mídia,
literatura. São Paulo: Contexto, 2009. pp. 117-222.

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Referências bibliográficas
FONTANILLE, J. Pratique et éthique: la théorie du lien. Protée, v. 36, n. 2, p. 11-26, 2008. Disponível em:
https://www.erudit.org/fr/revues/pr/2008-v36-n2-pr2416/019016ar/. Acesso em: 15 set. 2022.
FONTANILLE, J.; ZILBERBERG, C. “Fidúcia”. In: ______. Tensão e significação. São Paulo:
Humanitas/FFLCH/USP, 2001. pp. 263-278.
GREIMAS, A. J.; COURTÉS, J. “Epistêmicas (modalidades -)”. In: ______. Dicionário de semiótica. São
Paulo: Cultrix, 1989. pp. 151-152.
GREIMAS, A. J. “Para uma teoria das modalidades”. In: ______. Sobre o sentido II: ensaios semióticos.
São Paulo: EdUSP, 2014. pp. 79-102
GREIMAS, A. J. “Sobre a modalização do ser”. In: ______. Sobre o sentido II: ensaio semióticos. São
Paulo: EdUSP, 2014. pp. 103-114
GREIMAS, A. J. “O contrato de veridicção”. In: ______. Sobre o sentido II: ensaios semióticos. São
Paulo: EdUSP, 2014a. pp. 115-126.

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Referências bibliográficas
GREIMAS, A. J. “O saber e o crer: um único universo cognitivo”. In: ______. Sobre o sentido II: ensaios
semióticos. São Paulo: EdUSP, 2014b. pp. 127-146.
GOMES, R. S. Interação na internet e ideologia: excesso e atenuação. Estudos Semióticos, v. 17, n. 1, p.
55-71, 2021. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/esse/article/view/181037. Acesso em: 3 out.
2021.
HOFSTADTER, R. “The paranoid style in American politics”. In: ______. The paranoid style in
American politics and other essays. Cambridge/MA: Harvard University Press, 1996.
KNIGHT, P. “Conspiracy/Culture”. In: ______. Conspiracy culture: from the Kennedy Assassination to
The X-Files. New York: Routledge, 2001. pp. 23-75.
LANDOWSKI, E. “Sinceridade, confiança e intersubjetividade”. In: ______. A sociedade refletida:
ensaios de sociossemiótica. São Paulo: EDUC/PONTES, 1992. pp. 153-164.
PATTE, D. “Modalités éthiques: une nouvelle catégorie modale”. In: PARRET, H.; RUPRECHT, H.-G.
Exigences et perspectives de la sémiotique: recueil d’hommenages pour Algirdas Julien Greimas.
Amesterdã: John Benjamins Publishing Company, 1985. pp. 265-272.

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Referências bibliográficas
PATTE, D. "Modalité". In: GREIMAS, A. J.; COURTÉS, J. Sémiotique: dictionnaire raisonné de la théorie
du langage. Paris: Hachette, v. 2, 1986. p. 141-144.
ZILBERBERG, C. “Reconhecimento do espaço fiduciário”. In: ______. Razão e poética do sentido. São
Paulo: EdUSP, 2006. pp. 149-168.
ZILBERBERG, C. “Centralidade do acontecimento”. In: ______. Elementos de semiótica tensiva. São
Paulo: Ateliê Editorial, 2011. pp. 163-194.
ZILBERBERG, C. “Saludo ao evento”. In: ______. Horizontes de la hipótesis tensiva. Lima: Fondo
Editorial de la Universidad de Lima, 2019. pp. 29-46. [recurso digital]

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Muito obrigado!
Andrey Istvan Carvalho
andrey_carvalho@letras.ufrj.br

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