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OUSE

PRA
GERAL
RESUMOS DE DIREITO PENAL
C É Z AR ROB E RTO B I T TEN COURT e ROGÉR IO GR E CO

M ate r i a l d i sp o n i b i l i z a d o n o cu rs o :
SUBJETIVA MP-PB
CÉZAR ROBERTO BITTENCOURT – TRATADO DE DIREITO PENAL

Caros alunos, o presente resumo não tem o objetivo, obviamente, de esgotar todo o
conteúdo da obra do autor Cezar Roberto Bitencourt, mas sim trazer os principais pontos que
por ele são trabalhados com uma abordagem diferente da que costumamos estudar.

1. TEORIAS DA AÇÃO:

1.1. Teoria causal-naturalista da ação:

Para Von Liszt, ação consiste numa modificação causal do mundo exterior, percep-
tível pelos sentidos, e produzida por uma manifestação de vontade, isto é, por uma ação ou
omissão voluntária. Ação, portanto, é o movimento corporal voluntário que causa modificação
no mundo exterior. A manifestação de vontade, o resultado e a relação de causalidade são os 3
elementos do conceito de ação. Abstrai-se, no entanto, desse conceito, o conteúdo da vontade,
que é deslocado para a culpabilidade. É irrelevante saber se os efeitos dessa ação são também
conteúdo da consciência e do querer do agente, e até que ponto o são; isso somente seria ana-
lisado na culpabilidade.

Esta teoria, entretanto, foi posteriormente criticada por não se aplicar à omissão,
pois falta nesta a não realização de um movimento corporal e o resultado. Também houveram
críticas por não se adequar aos crimes culposos, na medida em que, nestes, o fator decisivo é o
desvalor da ação (e para a teoria causal-naturalista, a consciência e o querer do agente só são
analisados na culpabilidade).

1.2. Teoria final da ação:

Já para Welzel, ação humana é um acontecer final e não puramente causal. A finali-
dade da ação baseia-se em que o homem, graças a seu saber, pode prever, dentro de certos li-
mites, as consequências da sua ação. A atividade final é uma atividade dirigida conscientemen-
te em função de um fim, enquanto o acontecer causal não está dirigido em função do fim, mas
é a resultante causal da constelação de causas existentes em cada caso. A finalidade, portanto,
é vidente, enquanto a causalidade é cega.

A crítica mais contundente sofrida pela teoria finalista refere-se aos crimes culposos,
cujo resultado se produz de forma puramente causal, não sendo abrangido pela vontade do
autor. Essas críticas levaram Welzel a reelaborar sua concepção de culpa através do conceito de
finalidade potencial, segundo o qual haveria, nos crimes culposos, uma causação que seria evi-
tável mediante uma atividade finalística. No entanto, as críticas obrigaram Welzel a abandonar
o critério da finalidade potencial e reestruturar sua concepção, admitindo a existência de uma
ação finalista real nos crimes culposos, cujos fins são, geralmente, irrelevantes para o direito
penal. Portanto, nos crimes culposos, na verdade, decisivos são os meios utilizados ou a forma

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de sua utilização, ainda que a finalidade pretendida seja em si mesma irrelevante para o Direito
Penal. Em razão disso, Welzel passou a afirmar que “o conteúdo decisivo do injusto nos delitos
culposos consiste, por isso, na divergência entre a ação realmente empreendida e a que deveria
ter sido realizada em virtude do cuidado necessário”.

1.3. Teoria social da ação:

Para Eb. Schmidt, o conceito final de ação determina o sentido da ação de forma ex-
tremamente unilateral em função da vontade individual, quando deveria fazê-lo de uma forma
objetiva do ponto de vista social.

A teoria social da ação surgiu como uma via intermediária, por considerar que a dire-
ção da ação não se esgota na causalidade (teoria causal) e na determinação individual (teoria
finalista), devendo ser questionada a direção da ação de forma objetivamente genérica. Esta
teoria, portanto, considera a conduta sob o aspecto causal e finalístico, mas acrescenta o as-
pecto social. Concebe-se a conduta como um comportamento humano socialmente relevante.
A preocupação é a significação social da conduta humana do ponto de vista da sociedade.

Perceba, portanto, que, enquanto a teoria causal leva à imputação do resultado e


ao desvalor do resultado, a teoria finalista destaca a natureza intencional da ação e o desvalor
desta; e finalmente, a teoria social insere o contexto social geral na valoração da ação.

1.4. Teoria da ação significativa:

O conceito significativo de ação, partindo dos pensamentos de Wittgenstein (filosofia


da linguagem) e Habermas (teoria da ação comunicativa), foi formulado por Vives Antón identi-
ficando-a com o sentido de um substrato normativo, como a apresentação de uma nova inter-
pretação conceitual, um novo paradigma para o conceito de conduta penalmente relevante. Na
lição de Paulo César Busato:

Vives, inicia assinalando que considera a ação e a norma os dois concei-


tos fundamentais do Direito penal. A ideia de Vives é estruturar a ação e
a norma dentro de uma proposta de significado. Vives parte da concep-
ção fundamental de que a ação não pode ser um fato específico e nem
tampouco ser definida como o substrato da imputação jurídico-penal,
mas sim representa ‘um processo simbólico regido por normas’ que vem
a traduzir ‘o significado social da conduta’. Assim, para Vives o conceito
de ações é o seguinte: ‘interpretações que podem dar-se, do comporta-
mento humano, segundo os distintos grupos de regras sociais’ e, por-
tanto, elas deverão representar, em termos de estrutura do delito, já não
o substrato de um sentido, mas o sentido de um substrato. Com isso,
Vives logra diferenciar entre ações – que são dotadas de sentidos ou sig-

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nificados e comportam interpretações – e fatos – que não têm sentido e
comportam tão somente descrições. (...) Ou seja, o reconhecimento da
ação deriva da expressão de sentido que uma ação possui. A expressão
de sentido, contudo, não deriva das intenções que os sujeitos que atuam
pretendam expressar, mas do ‘significado que socialmente se atribua ao
que fazem’. Assim, não é o fim mas o significado que determina a classe
de ações, logo, não é algo em termos ontológicos, mas normativos.

Cézar Roberto Bitencourt é um dos poucos autores que tratam dessa teoria. Segun-
do ele, para os defensores da teoria da ação significativa, a ação deve ser entendida de forma
diferente, não como o que as pessoas fazem, mas como o significado do que fazem. Todas as
ações têm um sentido e, por isso, não basta descrevê-las, é necessário entende-las, ou seja,
interpretá-las. Não existe um conceito universal e ontológico de ação. Não há um modelo ma-
temático, nem uma fórmula lógica. As ações não existem antes das regras que as definem (ou
seja: por exemplo, fala-se da ação de furtar porque existe antes uma norma que define essa
ação). A concepção significativa de ação sustenta que os fatos humanos somente podem ser
compreendidos por meio das normas, ou seja, o seu significado existe somente em virtude das
normas, e não é prévio a elas.

2. AUSÊNCIA DE AÇÃO E DE OMISSÃO:

Há ausência de ação em 3 grupos de casos:

a) Coação física irresistível;

b) Movimentos reflexos: são atos que não dependem da vontade. Aqui, há que se
diferenciar os atos em curto-circuito e as reações explosivas dos movimentos reflexos, pois na-
queles existe vontade, ainda que de maneira fugaz, sendo, portanto, suscetíveis à dominação
finalística. Nos atos em curto-circuito e nas reações explosivas, a velocidade com que surge o
elemento volitivo é tão grande que, por vezes, se torna impossível controlá-lo. Mas esse aspecto
poderia ser examinado na culpabilidade, particularmente na imputabilidade como uma espé-
cie de transtorno mental transitório;

c) Estados de inconsciência: sonambulismo, embriaguez letárgica, hipnose. A em-


briaguez letárgica, de regra, tem sido analisada como excludente de culpabilidade, mais espe-
cialmente da imputabilidade, como transtorno mental transitório. No entanto, Bitencourt diz
que essa solução é incorreta, pois a embriaguez letárgica constitui o grau máximo de embria-
guez, sendo impossível qualquer resquício da existência de vontade. E, como sem vontade não
há ação, a embriaguez letárgica exclui a própria ação. E isso tem consequências práticas, pois se
a embriaguez letárgica for admitida como excludente da ação, impedirá a configuração da par-
ticipação stricto sensu (teoria da acessoriedade limitada) e da responsabilidade civil, afastando
todos os efeitos jurídico-penais decorrentes de uma ação ilícita. Isso não ocorre se ela for tida
como excludente de culpabilidade.

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3. A OMISSÃO E SUAS FORMAS:

O Direito Penal contém normas proibitivas e normas imperativas (mandamentais). A


infração das normas imperativas constitui a essência do crime omissivo. A conduta que infringe
uma norma mandamental consiste em não fazer a ação ordenada pela referida norma. Logo, a
omissão em si mesma não existe juridicamente, pois somente a omissão de uma ação determi-
nada pela norma é que configurará a essência da omissão.

Tipifica-se o crime omissivo quando o agente não faz o que pode e deve fazer. Divi-
de-se em omissivo próprio e omissivo impróprio. Os crimes omissivos próprios ou puros consis-
tem em uma desobediência a uma norma mandamental, norma esta que determina a prática
de uma conduta, que não é realizada. Há, portanto, a omissão de um dever de agir imposto
normativamente, quando possível cumpri-lo, sem risco pessoal. Nesses crimes omissivos pró-
prios, segundo Cézar Roberto Bitencourt, basta a abstenção, ou seja, é suficiente a desobediên-
cia ao dever de agir para que o delito se consume. O resultado que eventualmente surgir dessa
omissão será irrelevante para a consumação do crime (por isso, diz-se que são crimes de mera
conduta).

Já nos crimes omissivos impróprios ou comissivos por omissão, o agente não tem
simplesmente a obrigação de agir, mas a obrigação de agir para evitar um resultado. Nesses cri-
mes, existe uma norma chamada norma de dever de segundo grau, dirigida a um grupo restrito
de sujeitos, que impõe um dever de agir para impedir que processos estranhos a ele venham a
ocasionar um resultado lesivo. Essa norma, mandamental, é dirigida a um grupo restrito, en-
quanto a norma proibitiva dirige-se a todos aqueles que podem ser sujeitos ativos de crime.
Enfim, a norma de mandado de segundo grau dirige-se apenas àquelas pessoas que têm uma
especial relação de proteção com o bem juridicamente tutelado.

Via de regra os delitos omissivos próprios dispensam a investigação sobre a relação


de causalidade, pois são delitos de mera atividade (ou melhor, inatividade), que não produ-
zem qualquer resultado naturalístico. Já nos crimes omissivos impróprios o agente não tem
simplesmente a obrigação de agir, mas a obrigação de agir para evitar um resultado. A possibi-
lidade de imputar o resultado ao sujeito que se abstém de uma conduta significa reconhecer a
existência de um nexo de causalidade, ou, ao contrário, significa apenas o reconhecimento de
uma causalidade jurídica, portanto, de uma ficção do Direito? Na doutrina, predomina o enten-
dimento de que, na omissão, não existe causalidade considerada sob o aspecto naturalístico,
pois “do nada, nada pode vir”. O que há é um vínculo jurídico. Na omissão, ocorre o desenrolar
de uma cadeia causal que não foi determinada pelo sujeito, mas que a lei determina a obriga-
ção de intervir nesse processo, impedindo a produção do resultado. Na verdade, o sujeito não o
causou, mas como não o impediu é equiparado ao verdadeiro causador do resultado. Portanto,
não omissão imprópria, segundo Cezar Bitencourt, não há nexo de causalidade, e sim nexo de
não impedimento. A omissão relaciona-se com o resultado porque não conseguiu impedi-lo, e
não porque o causou. E esse não impedimento é erigido pelo direito à condição de causa.

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A teoria naturalística sustenta ser a omissão um fenômeno causal que pode ser cons-
tatado no mundo fático, pois, em vez de ser considerada uma inatividade, caracteriza-se como
verdadeira espécie de ação. Portanto, quem se omite efetivamente faz alguma coisa. Já para a
teoria normativa, a omissão é um indiferente penal, pois o nada não produz efeitos jurídicos.
O omitente não responde pelo resultado, pois não o provocou. Essa teoria, contudo, aceita a
responsabilização do omitente pela produção do resultado, desde que seja a ele atribuído, por
uma norma, o dever jurídico de agir. A omissão é, assim, não fazer o que a lei determinava que
fizesse. Foi a teoria acolhida pelo Código Penal. A relação causal exigida para a configuração dos
crimes omissivos, próprios ou impróprios, é de natureza normativa.

4. RELAÇÃO DE CAUSALIDADE E IMPUTAÇÃO OBJETIVA:

O art. 13 do CP adota a teoria da equivalência das condições ou conditio sine qua non,
segundo a qual causa é a soma de todas as condições. A crítica a esta teoria é que ela leva ao
regresso até o infinito; mas, para evitar isto, utilizam-se outros critérios:

a) Elementos subjetivos do tipo: com a consagração da teoria finalista da ação, situ-


ando o dolo ou a culpa no tipo penal, consolidou-se um primeiro limite à teoria da equivalência
das condições. Pode ser que alguém dê causa a um resultado, mas sem agir com dolo ou culpa.
E fora do dolo ou da culpa, entramos na esfera do acidental, portanto, fora dos limites do direito
penal;

b) As concausas absolutamente independentes;

c) Teoria da imputação objetiva:

Na concepção de Roxin, a teoria da imputação objetiva estabelece 3 requisitos bási-


cos para a imputação objetiva do resultado: criação de um risco jurídico penal relevante, não
coberto pelo risco permitido; realização desse risco no resultado; que o resultado produzido
entre no âmbito de proteção da norma penal.

Jakobs, por sua vez, opta por uma via metodológica diferente da de Roxin, para de-
terminar os critérios de imputação objetiva.

Bitencourt, por sua vez, diz estar de acordo com Roxin, Jakobs e outros no sentido
de que a teoria da imputação objetiva encerra um duplo juízo de imputação: um juízo ex ante
sobre a relevância típica da conduta, e um juízo ex post sobre a possibilidade de atribuição do
resultado típico àquela conduta.

Nos crimes de mera atividade (como falso testemunho, ameaça, injúria) a imputação
do tipo objetivo esgota-se no primeiro juízo de imputação: ou seja, basta que se constate que o
risco proibido criado pelo comportamento do sujeito apresente idoneidade para ofender o bem
jurídico protegido.

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E quais seriam os critérios que, em linhas gerais, conformam o primeiro e o segun-
do juízo de imputação? Para Bitencourt, o primeiro juízo de imputação (relevância típica da
conduta), está diretamente vinculado à valoração da criação de um risco proibido. Ele diz que
é necessário realizar um juízo de valor acerca da perigosidade (sic) da conduta, nos termos da
teoria da adequação social (ou seja: se o risco criado pela conduta é previsível ex ante para o
sujeito que o realiza). Após, analisa-se se o risco ex ante adequado à produção do resultado é
um risco permitido ou proibido. Mas pode ser que ainda assim, a conduta não seja relevante
para o direito penal, quando, por exemplo: a conduta realizada representa uma diminuição de
risco de lesão do bem jurídico.

Com relação ao segundo juízo de imputação, trata-se de verificar se o resultado típi-


co pode ser atribuído à conduta previamente identificada como relevante. Assim, são úteis os
seguintes critérios: utilização da teoria da conditio sine qua non; após, se o resultado representa
a realização do risco proibido criado pelo autor, ou se outros fatores interferiram na sua produ-
ção. Essa relação de risco que integra o segundo juízo de imputação demonstra-se a partir dos
seguintes critérios: juízo de adequação do resultado; teoria da evitabilidade (quando o aconte-
cimento perigoso não poderia ser controlado, ou seja, quando a conduta realizada dentro do
risco permitido não poderia evitar o resultado típico, o comportamento que deu lugar a este
risco não entra no âmbito do risco proibido, isentando o autor de responsabilidade, pois faltaria
a ele a possibilidade de evitar o resultado); critério do incremento do risco e critério do fim de
proteção da norma.

5. TIPO DE INJUSTO DOLOSO:

O tipo subjetivo é constituído de um elemento geral (dolo), que, por vezes, é acompa-
nhado de elementos especiais (intenções e tendências), que são elementos acidentais, conhe-
cidos como elementos subjetivos especiais do injusto ou do tipo penal. O especial fim de agir
constitui o elemento subjetivo especial do tipo (antigamente, era denominado dolo específico).

O dolo é constituído por dois elementos: um cognitivo (conhecimento ou consciên-


cia do fato constitutivo da ação típica), e um volitivo (que é a vontade de realizá-la.).

Quando se trata do fim diretamente desejado pelo agente, denomina-se dolo direi-
to de primeiro grau, e quando o resultado é desejado como consequência necessária do meio
escolhido ou da natureza do fim proposto, denomina-se dolo direito de segundo grau, ou dolo
de consequências necessárias. Bitencourt diz que a simples presença, em uma mesma ação, de
dolo direto de primeiro grau concomitantemente com dolo direito de segundo grau não confi-
gura, por si só, concurso formal impróprio de crimes, pois a duplicidade dos referidos graus no
dolo direito não altera a unidade de elemento subjetivo. Essa distinção de graus do elemen-
to subjetivo reflete a intensidade do dolo e não sua diversidade (ou pluralidade), pois os dois
eventos são apenas um perante a consciência e a vontade do agente, não caracterizando, por
conseguinte, o conhecido “desígnios autônomos”.

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Sobre dolo eventual e culpa consciente, destaco o seguinte acerca dos ensinamentos
feitos por Bitencourt: na dúvida entre dolo eventual e culpa consciente deve-se, necessaria-
mente, optar pela menos grave, que é a culpa consciente.

5.1. Classificação mais comum das diversas formas de elementos subjetivos especiais do
tipo:

O especial fim de agir que integra determinadas definições de delitos condiciona ou


fundamenta a ilicitude do fato, constituindo, assim, elemento subjetivo do tipo de ilícito, de for-
ma autônoma e independente do dolo. A denominação correta, portanto, é elemento subjetivo
especial do tipo ou elemento subjetivo especial do injusto, que se equivalem.

A seguir, a classificação mais comum dos elementos subjetivos do tipo:

a) Delitos de intenção:

Requerem um agir com ânimo, finalidade ou intenção adicional de obter um resul-


tado ulterior ou uma ulterior atividade, distintos da simples realização dolosa dos elementos
objetivos do tipo. As intenções especiais integram a estrutura subjetiva de determinados tipos
penais, exigindo do autor a persecução de um objetivo compreendido no tipo, mas que não
precisa ser alcançado efetivamente. Faz parte do tipo de injusto uma finalidade transcendente
(um especial fim de agir) como por exemplo o “para si ou para outrem” (art. 157 do CP), “com
o fim de obter” (art. 159). Esta espécie de elemento subjetivo do tipo dá lugar aos chamados
delitos de resultados cortados e delitos mutilados de dois atos. Os primeiros consistem na reali-
zação de um ato visando à produção de um resultado, que fica fora do tipo e sem a intervenção
do autor (ex.: art. 131 – perigo de contágio de moléstia grave; art. 159 – extorsão mediante se-
questro – o agente sequestra a pessoa para obter o resgate, mas a obtenção ou não do resgate
não depende do agente, e sim de uma outra pessoa, que no caso é quem vai pagar o resgate).

Nesses tipos penais, o legislador corta a ação em determinado momento do proces-


so executório, consumando-se o crime independentemente de o agente haver atingido o pro-
pósito pretendido. Os segundos (delitos mutilados de dois atos), consumam-se quando o autor
realiza o primeiro ato com o objetivo de levar a termo o segundo. O autor quer alcançar, após ter
realizado o tipo, o resultado que fica fora dele (ex.: art. 289 – moeda falsa; o autor quer falsificar
a moeda para em seguida realizar um outro ato, como vender ou utilizar aquela moeda falsa; ele
não falsifica a moeda só por falsificar e pronto; 290 – crimes assimilados aos de moeda falsa).
b) Delitos de tendência:

Nesses, não se exige a persecução de um resultado ulterior ao previsto no tipo, se-


não que o autor confira à ação típica um sentido (ou tendência) subjetivo não expresso no tipo,
mas deduzível da natureza do delito (ex.: o propósito de ofender – arts. 138 a 140; o propósito
de ultrajar – art. 212 do CP). A ação, nesses crimes, deve expressar uma tendência subjetiva do
agente, indispensável para se compreender os crimes sexuais, por exemplo.

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c) Momentos especiais de ânimo:

Características como “sem escrúpulos”, “sem consideração”, “satisfazer instinto se-


xual”, e outras assinalam estados anímicos especiais que não constituem grau de responsabili-
dade pessoal pelo fato, e por isso, os inimputáveis também podem agir com essas característi-
cas especiais de ânimo. Para Bitencourt, essas expressões constituem verdadeiras elementares
típicas, sendo algumas normativas e outras subjetivas, o que não impede, contudo, que possam
representar ou identificar circunstâncias especiais anímicas. Algumas dessas elementares são
subjetivas porque se referem a características do sujeito ativo, mas não significam que repre-
sentem o elemento subjetivo orientador da conduta praticada.

6. CRIME PRETERDOLOSO E CRIME QUALIFICADO PELO RESULTADO:

Crime preterdoloso ou preterintencional é aquele cujo resultado vai além da inten-


ção do agente, ou seja: a ação voluntária inicia dolosamente e termina culposamente, porque,
afinal, o resultado efetivamente produzido estava fora da abrangência do dolo. Há dolo no an-
tecedente e culpa no consequente. Embora se utilize, como sinônimas, as expressões crime
qualificado pelo resultado e crime preterdoloso, naquele o resultado ulterior, mais grave, deri-
vado involuntariamente da conduta criminosa, lesa um bem jurídico que, por sua natureza, não
contém o bem jurídico precedentemente lesado. Assim, enquanto a lesão corporal seguida de
morte seria preterintencional, o aborto seguido de morte da gestante seria crime qualificado
pelo resultado.

Bitencourt explica: nunca se conseguirá matar alguém sem ofender sua saúde ou in-
tegridade corporal (lesão corporal seguida de morte: crime preterdoloso, pois o bem jurídico
lesado a título de dolo e de culpa foi o mesmo), enquanto para matar alguém não se terá neces-
sariamente de fazê-lo abortar (aborto com ou sem consentimento da gestante: crime qualifica-
do pelo resultado, pois os bens jurídicos são distintos).

7. ANTIJURIDICIDADE FORMAL E MATERIAL:

Segundo Von Liszt, é formalmente antijurídico o comportamento humano que vio-


la a norma penal (confunde-se com a própria tipicidade), e é substancialmente antijurídico o
comportamento humano que fere o interesse social tutelado pela própria norma (é a ofensa
produzida pelo comportamento humano ao interesse jurídico protegido).

Há consequências práticas que decorrem diretamente da antijuridicidade material:

a) Permite a graduação do injusto segundo sua gravidade e sua expressão na medi-


ção da pena. Assim, uma intervenção médico-cirúrgica não constitui uma lesão sob o ponto
de vista da antijuridicidade material, pois a integridade corporal, ainda que temporariamente
perturbada, não resulta violada, mas restabelecida;

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b) Possibilidade de admitir a existências de causas supralegais de justificação, a
exemplo do consentimento do ofendido (pois, com o consentimento do ofendido, não haverá
ofensa ao interesse jurídico protegido, o que significa dizer que não haverá antijuridicidade ma-
terial).

8. CRISE DA TEORIA NORMATIVA PURA DA CULPABILIDADE:

a) O conceito funcional de culpabilidade:

O conceito funcional de culpabilidade apoia-se fundamentalmente na justificação


social da pena, em outras palavras, na integração de considerações político-criminais sobre os
fins preventivos da pena no âmbito da culpabilidade.

Para Roxin, a relação entre culpabilidade e prevenção da sanção penal é determi-


nante na modificação da estrutura do delito, de modo que o terceiro atributo do delito passa a
ser não a culpabilidade, mas a responsabilidade. Esse terceiro atributo abrangeria, portanto, o
juízo de culpabilidade e as considerações acerca da necessidade da pena. Para Roxin, a culpa-
bilidade seria composta da imputabilidade e da potencial consciência da ilicitude. As causas de
exculpação (que para os finalistas isentam de pena por falta de exigibilidade de conduta diver-
sa) deixariam de estar fundamentadas no princípio de culpabilidade.

Nesses casos, a isenção da pena deixa de estar apoiada na culpabilidade (porque


existe acessibilidade normativa: possibilidade de acesso aos mandados e proibições expres-
sos pela norma, ou seja: a possibilidade de conhecimento da ilicitude) para fundamentar-se no
argumento de que decai a responsabilidade por falta de necessidade preventiva da punição.
Por outro lado, a medida da pena nos casos em que subsiste a acessibilidade normativa e não
incidem causas de isenção de pena passa a ser determinada com base na necessidade preven-
tiva da pena. Quanto à necessidade preventiva, Roxin esclarece que este elemento constitui um
pressuposto adicional da punibilidade, pois a possibilidade de punição da conduta culpável
exige que a mesma seja preventivamente imprescindível.

Para Jakobs, a culpabilidade se despede do seu tradicional conteúdo garantista e


passa a estar fundamentada na finalidade preventivo-geral da pena. Para ele, a culpabilidade é
um juízo de atribuição da falta de fidelidade ao direito, isto é, do déficit de motivação jurídica,
que deve ser punido para manter a confiança na norma violada (prevenção geral da pena). A
culpabilidade fica à deriva das expectativas sociais para o restabelecimento da confiança nor-
mativa, acarretando o esvaziamento do conceito material de culpabilidade, (com a retirada da
imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e inexigibilidade de outra conduta).

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b) Teoria da motivabilidade pelas normas:

Para os autores dessa teoria, o conceito de culpabilidade se apoia na função moti-


vadora da norma penal, na relação que se estabelece entre o indivíduo e os mandados e proi-
bições expressos pela norma penal. Importante não é que o indivíduo possa escolher entre vá-
rias possibilidades de comportamento, mas que as normas penais, com seus mandamentos e
proibições, motivem o indivíduo a se abster de realizar o comportamento que se proíbe com a
ameaça de pena. O juízo de culpabilidade fundamenta-se na motivabilidade do indivíduo (ca-
pacidade para reagir frente a exigências normativas). A motivabilidade permite a atribuição de
uma ação a um sujeito e, em consequência, a exigência de responsabilidade pela ação por ele
cometida. Qualquer alteração importante dessa faculdade deverá determinar a exclusão ou a
atenuação da culpabilidade.

9. FUNDAMENTO DA PUNIBILIDADE DA PARTICIPAÇÃO (CONCURSO DE PESSOAS):

Duas teorias procuram explicar o fenômeno da punibilidade da participação:

a) Teoria da participação na culpabilidade:

Segundo essa teoria, o partícipe é punido pela gravidade da influência que exerce
sobre o autor, convertendo-o em delinquente, ou no mínimo, contribuindo para tanto. Para
essa teoria, o partícipe age corrompendo o autor, conduzindo-o a um conflito com a sociedade,
tornando-o culpável e merecedor de pena. Dois aspectos fundamentais afastam essa teoria: em
primeiro lugar, porque a culpabilidade é uma questão pessoal de cada participante, independe
da dos demais; o fato de qualquer dos participantes ser inculpável é algo que só diz respeito a
ele; em segundo lugar, a consagração da acessoriedade limitada, que se satisfaz com a tipicida-
de e antijuridicidade da ação, torna desnecessário o exame da importância da participação na
culpabilidade do autor;

b) Teoria do favorecimento ou da causação:

Para essa teoria, o fundamento da punição do partícipe reside no fato de ter favoreci-
do ou induzido o autor a praticar um fato socialmente intolerável, típico e antijurídico. O agente
é punido não porque colaborou na ação de outrem, mas porque, com a sua ação ou omissão,
contribuiu para que o crime fosse cometido. Para essa teoria, a vontade do partícipe deve diri-
gir-se à execução do fato principal. Esta teoria acolhe integralmente a “acessoriedade limitada”
da participação, que também é a teoria predominante no Brasil.

- E, por fim:

O QUE SE ENTENDE POR DELITO DE ALUCINAÇÃO? 

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Delito de alucinação é aquele que só existe na mente do agente, que supõe de forma
equivocada que está praticando uma conduta típica, quando na verdade seu agir não é crimi-
noso. 

Nas palavras de Bitencourt: “Como o crime só existe na imaginação do agente, esse


conceito equivocado não basta para torná-lo punível. Há no crime putativo um erro de proibi-
ção às avessas (o agente imagina proibida uma conduta permitida)”. Exemplo: duas pessoas
que cometem o incesto supondo ser crime, quando na verdade o fato é atípico. 

Aconselho, ainda, que assistam os seguintes vídeos disponíveis no Youtube (pales-


tras dadas pelo Cezar Bitencourt):

Direito penal do inimigo:

https://www.youtube.com/watch?v=cuuWD6xzQMM

https://www.youtube.com/watch?v=4-a9W7eBpI8

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ROGÉRIO GRECO - CURSO DE DIREITO PENAL

1. NOTAS PRELIMINARES:

1.1. Finalidade do Direito Penal:

A finalidade do Direito Penal é a de tutelar os valores mais importantes da sociedade,


levando em conta para essa classificação um critério político – e não econômico.

A proteção desses bens que, dada a sua relevância, representam os valores mais im-
portantes para a manutenção da sociedade, depende da incapacidade dos outros ramos do
Direito de conferirem proteção a eles.

A utilização de um critério “político” para fins de escolha dos bens a serem prote-
gidos se conecta ao fato de que, de tempos em tempos, o objeto da proteção do Direito Penal
sofre modificação, podendo, portanto, um bem outrora alcançado pela tutela penal, não mais
gozar da referida proteção.

Assim, já que a finalidade do direito penal é proteger bens essenciais à sociedade,


quando esta tutela não mais se faz necessária, ele deve afastar-se e permitir que os demais ra-
mos do direito assumam, sem a sua ajuda, esse encargo de protegê-los.

1.2. Seleção dos bens jurídicos penais:

A fonte-guia do legislador quando da seleção dos bens jurídicos penais é a Constitui-


ção Federal da República. Os valores nela consagrados deverão nortear a atuação do legislador
no momento em que este consagra o objeto da proteção penal, através da formulação das leis.

Um segundo efeito gerado pela constituição sobre o momento de escolha dos bens
jurídicos a serem tutelados pelo Direito Penal, é o de obstaculizar atuação contrária do legisla-
dor com relação aos princípios consagrados na Carta Magna.

Note, portanto, que a Constituição possui um duplo efeito sobre a seleção dos bens
jurídicos penais: primeiro, o de nortear o legislador na escolha e consagração dos referidos
bens; segundo, o de impedir que o mesmo legislador, em sua atuação, disponha em contrarie-
dade ao que está disposto em seu texto.

1.3. Direito Penal Subjetivo e Direito Penal Objetivo:

O direito penal subjetivo diz respeito à possibilidade do Estado de formular e fazer


valer as suas leis. Se determinado agente praticar um fato típico, antijurídico e culpável, abre-se
ao Estado o dever-poder de iniciar a persecutio criminis in judicio. É o próprio jus puniendi, que
compete ao Estado.

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A lei disporá sobre as situações em que, embora caiba ao Estado o dever de punir,
caberá a faculdade à suposta vítima ingressar em juízo com uma queixa-crime, permitindo-lhe,
com isso, dar início a uma relação processual penal. Neste caso, mesmo que o querelado venha
a ser condenado, não há uma transferência do jus puniendi, que caberá exclusivamente ao Es-
tado. Ao particular, portanto, só cabe o chamado ius persequendi ou o ius accusationis, ou seja,
o direito de vir a juízo e pleitear a condenação de seu suposto agressor, mas não o de executar,
ele mesmo, a sentença condenatória.

Cabe ressaltar que o ius puniendi não diz respeito somente à competência para exe-
cutar a pena efeito da condenação, uma vez que a própria criação do tipo penal também está
englobada neste conceito.

Relevante também é a distinção entre o jus puniendi entre positivo e negativo. Aquele
compreende o conceito mais comum – explicado no parágrafo retro – compreendendo, pois, a
execução da condenação penal e própria criação da infração pelo Estado. Será negativo, por
outro lado, quando disser respeito à possibilidade de derrogar preceitos penais ou de restringir
os efeitos das figuras delitivas.

De mais simples notas, o direito penal objetivo diz respeito, em linhas gerais, ao con-
junto de normas de natureza penal, que definem as infrações, bem como excluem o crime, isen-
tam de pena e explicam determinados tipos penais.

1.4. Privatização do Direito Penal:

A privatização do Direito Penal representa a ascensão da vítima como parte proemi-


nente no sistema penal. Decorrência dessa assunção de papel de destaque foi a criação de ins-
titutos penais e processuais penais que levam mais em consideração os interesses precípuos da
vítima, sobrelevando-os em relação aos interesses eu digam respeito à do agente da infração.

A Lei dos Juizados Especiais exemplifica o conceito de privatização do Direito Penal,


quando faculta a possibilidade de composição dos danos, na qual, nas hipóteses de ação penal
de iniciativa privada ou de ação penal de iniciativa pública condicionada à representação, o
acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de queixa ou representação, nos termos do
parágrafo único do art. 74 da Lei nº 9.099/95.

1.5. O Direito Penal Moderno:

Segundo o autor, o Direito Penal Moderno segue uma linha que deixa de lado, em
algumas situações, garantias penais e processuais, sob um – falso – argumento que invoca a
defesa da sociedade para tanto. É a consagração de um direito penal máximo.

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Neste modelo, Greco aponta dezesseis características que, de um modo geral, tra-
çam o perfil do Direito Penal Moderno. São elas:

• Direito penal do risco;

• Antecipação das punições;

• Aumento dos crimes de perigo abstrato;

• Delitos econômicos;

• Crime organizado;

• Lavagem de dinheiro;

• Direito penal ambiental;

• Terrorismo;

• Responsabilidade penal da pessoa jurídica;

• Crimes cibernéticos;

• Drogas;

• Mudança de tratamento do criminoso, enxergando-o como um inimigo;

• Aumento de proteção a bens jurídicos abstratos, como a saúde pública;

• Recrudescimento das penas;

• Dificuldade para reintegração social do preso, aumentando o efetivo tempo de cum-


primento da pena, dificultando sua saída do cárcere no que diz respeito à progressão de regime
ou livramento condicional.

2. DA NORMA PENAL:

2.1. Teoria De Biding:

A lei para determinar a proibição de determinada conduta não se utilizou de um im-


perativo negativo, mas sim, o fez através de um mandado, de caráter positivo. Como se vê da
descrição do crime previsto no art. 121, do CP, que enuncia “matar alguém”.

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Assim, operando na distinção entre lei e norma penal, Biding entendia que, ao reali-
zar a conduta, o infrator não agia em desconformidade com lei – pois fazia exatamente o eu ela
descrevia – mas infringia a norma penal inserida na lei.

Para Biding, portanto, a lei teria caráter descritivo da conduta proibida ou imposta,
tendo a norma, por sua vez, caráter proibitivo ou mandamental.

2.2. Classificação das normas penais:

2.2.1. Normas penais incriminadoras e normas penais não incriminadoras:

a) Normas penais incriminadoras: Às normas penais incriminadoras é reservada a


função de definir as infrações penais, proibindo ou impondo condutas, sob a ameaça de pena.
São elas, por isso, consideradas normas penais em sentido estrito, proibitivas ou mandamen-
tais;

b) Normas penais não incriminadoras: ao contrário, possuem as seguintes finalida-


des: 1) tornar lícitas determinadas condutas; 2) afastar a culpabilidade do agente, erigindo cau-
sas de isenção de pena; 3) esclarecer determinados conceitos; 4) fornecer princípios gerais para
a aplicação da lei penal. Portanto, podem ser as normas penais não incriminadoras subdividi-
das em: permissivas, explicativas e complementares.

2.2.2. Normas penais em branco (primariamente remetidas):

Normas penais em branco ou primariamente remetidas são aquelas em que há ne-


cessidade de complementação para que se possa compreender o âmbito de aplicação de seu
preceito primário. Isso significa que, embora haja uma descrição da conduta proibida, essa des-
crição requer, obrigatoriamente, um complemento extraído de um outro diploma – leis, decre-
tos, regulamentos etc. – para que possam, efetivamente, ser entendidos os limites da proibição
ou imposição feitos pela lei penal, uma vez que, sem esse complemento, torna-se impossível
sua aplicação.

Diz-se homogênea, em sentido amplo ou homóloga, a norma penal em branco quan-


do o seu complemento é oriundo da mesma fonte legislativa que editou a norma que necessita
desse complemento.

A norma penal em branco homogênea, também conhecida como homóloga, ainda se


divide em: a) homovitelina; e b) heterovitelina. As normas penais em branco de complementa-
ção homóloga heterovitelina têm suas respectivas normas complementares oriundas de outro
ramo do direito. É o caso, por exemplo, do art. 178 do CP (emissão irregular de conhecimento de
depósito ou warrant), que é complementado pelas normas (comerciais) disciplinadoras desse
título de crédito.” Já as normas penais em branco de complementação homóloga homovitelina

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são aquelas cuja norma complementar é do mesmo ramo do direito que a principal, ou seja, a
lei penal será complementada por outra lei penal.

Diz-se heterogênea, em sentido estrito ou heteróloga, a norma penal em branco


quando o seu complemento é oriundo de fonte diversa daquela que a editou.

2.2.2.1. Ofensa ao princípio da legalidade pelas normas penais em branco heterogêneas:

A questão que se coloca é a seguinte: como o complemento da norma penal em bran-


co heterogênea pode ser oriundo de outra fonte que não a lei em sentido estrito, esta espécie de
norma penal ofenderia o princípio da legalidade?

Para Rogério Greco, sim. Segundo o autor, conteúdo da norma penal poderá ser mo-
dificado sem que haja uma discussão amadurecida da sociedade a seu respeito, como acontece
quando os projetos de lei são submetidos à apreciação de ambas as Casas do Congresso Na-
cional, sendo levada em consideração a vontade do povo, representado pelos seus deputados,
bem como a dos Estados, representados pelos seus senadores, além do necessário controle
pelo Poder Executivo, que exercita o sistema de freios e contrapesos.

Vale ressaltar, no entanto, que tem prevalecido posição doutrinária que entende não
haver ofensa ao princípio da legalidade quando a norma penal em branco prevê aquilo que se
denomina núcleo essencial da conduta.

2.2.3. Normas penais incompletas ou imperfeitas (secundariamente remetidas):

Normas penais incompletas ou imperfeitas (também conhecidas como secundaria-


mente remetidas) são aquelas que, para saber a sanção imposta pela transgressão de seu pre-
ceito primário, o legislador nos remete a outro texto de lei. Assim, pela leitura do tipo penal
incriminador, verifica-se o conteúdo da proibição ou do mandamento, mas para saber a conse-
quência jurídica é preciso se deslocar para outro tipo penal.

3. CONDUTA:

Conduta é sinônimo de ação e de comportamento. Conduta quer dizer, ainda, ação


ou comportamento humano. A ação, ou conduta, compreende qualquer comportamento hu-
mano comissivo (positivo) ou omissivo (negativo), podendo ser ainda doloso (quando o agente
quer ou assume o risco de produzir o resultado) ou culposo (quando o agente infringe o seu
dever de cuidado, atuando com negligência, imprudência ou imperícia).

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3.1. Conceito de ação – causal, final e social:

A teoria casualista coloca o estudo da ação em dois momentos diferentes. A escola


clássica, no sistema causal-naturalista criado por Liszt e Beling, diz ser a ação o movimento
humano voluntário produtor de uma modificação no mundo exterior. Seriam, portanto, dois os
requisitos para a configuração da ação 1) o ato de vontade; 2) a modificação do mundo exterior.

As críticas que repousaram sobre a escola clássica pelo fato de a teoria causalista por
ela proposta, puramente natural, não solucionava o problema da omissão. Em um segundo
momento, a concepção causalista abandona a criticada absoluta naturalidade do sistema cau-
sal-naturalista, assumindo na teoria neoclássica uma vertente que permitisse a compreensão
tanto da ação em sentido estrito (positiva) como a omissão. Assim, para esta teoria, a ação se
define como o comportamento humano voluntário manifestado no mundo exterior.

No finalismo de Witzel, ação passou a ser concebida como o exercício de uma ativida-
de final. Assim, segundo esta concepção, a conduta do agente deveria ser ainda voluntária, mas
dirigida a uma finalidade. Não bastaria, pois, a vontade do agente na conduta, mas também que
esta fosse dirigida a uma finalidade qualquer. O homem, quando atua, seja fazendo ou deixan-
do de fazer alguma coisa a que estava obrigado, dirige a sua conduta sempre à determinada fi-
nalidade, que pode ser ilícita (quando atua com dolo, por exemplo, querendo praticar qualquer
conduta proibida pela lei penal) ou lícita (quando não quer cometer delito algum, mas que, por
negligência, imprudência ou imperícia, causa um resultado lesivo, previsto pela lei penal).

A teoria social da ação conforme preleciona Daniela de Freitas Marques, “o conceito


jurídico de comportamento humano é toda atividade humana social e juridicamente relevan-
te, segundo os padrões axiológicos de uma determinada época, dominada ou dominável pela
vontade.”

3.2 Condutas dolosas e culposas:

A conduta do agente poderá ser dolosa ou culposa. No primeiro caso, agente atua
com dolo, quando quer diretamente o resultado ou assume o risco de produzi-lo. Agirá com cul-
pa, por outro lado, quando dá causa ao resultado em virtude de sua imprudência, imperícia ou
negligência. A punição da conduta culposa dependerá de previsão expressa na lei. Via de regra,
somente a conduta dolosa, portanto, é punível do direito penal brasileiro.

3.3. Condutas comissivas e omissivas:

A conduta do agente poderá ser comissiva ou omissiva, dando causa aos delitos com
a mesma classificação. Assim, nos crimes comissivos, o agente direciona sua conduta a uma
finalidade ilícita. Nos crimes omissivos, ao contrário, há uma abstenção de uma atividade que
era imposta pela lei ao agente, como no crime de omissão de socorro, previsto no art.135 do
Código Penal.

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Os crimes omissivos, por sua vez, podem ainda ser divididos em próprios e impró-
prios. Próprios serão aqueles em eu a conduta se contrapõe a um mandamento de abstenção
previsto na lei, ou seja, a norma cuida da conduta e proíbe determinada ação do agente, que a
descumpre. Por outro lado, os crimes omissivos impróprios decorrerem da infração da lei, na
qual não há uma proibição de conduta, mas sim uma ação a ser efetuada, da qual se abstém
de praticar o agente. Neste caso, é preciso que o agente se encontre na posição de garante ou
garantidor, isto é, tenha ele a obrigação legal de cuidado, proteção ou vigilância; de outra for-
ma, assuma a responsabilidade de impedir o resultado; ou, com o seu comportamento anterior,
tenha criado o risco da ocorrência do resultado.

3.4. Ausência de conduta:

A ação regida pela vontade é sempre uma ação final, isto é, dirigida à consecução de
um fim. Se não houver vontade dirigida a uma finalidade qualquer, não se pode falar em condu-
ta. Preleciona Zaffaroni: “A vontade implica sempre uma finalidade, porque não se concebe que
haja vontade de nada ou vontade para nada; sempre a vontade é vontade de algo, quer dizer,
sempre a vontade tem um conteúdo, que é uma finalidade. ”

Em linhas simples, se o agente age sem dolo e sem culpa, não há que se falar em
ação. Tal situação restará configurada quando presentes as seguintes circunstâncias:

a) Força irresistível: em razão de fenômeno natural (como no caso daquele que se


vê arrastado pelo vento, o agente esbarra fortemente numa outra pessoa, causando-lhe lesões
corporais) e por terceiro (coação irresistível);

b) Movimentos reflexos: É o caso, por exemplo, daquele que, ao colocar o fio de seu
aparelho de som em uma tomada recebe uma pequena descarga elétrica e, num efeito reflexo,
ao movimentar seu corpo, atinge outra pessoa, causando-lhe lesões. Para que não haja con-
duta, no entanto, é necessário que o movimento reflexo não fosse previsível, caso em que os
resultados advindos desse movimento reflexo deverão ser imputados ao agente, geralmente, a
título de culpa, haja vista ter deixado de observar o seu necessário dever objetivo de cuidado;

c) Estados de inconsciência: casos de total inconsciência, que têm o condão de eli-


minar a conduta do agente, como o sonambulismo, os ataques epiléticos, hipnose etc. No caso
de embriaguez completa, desde que não seja proveniente de caso fortuito ou de força maior,
embora não tenha o agente se embriagado com o fim de praticar qualquer infração penal, mes-
mo que não possua a menor consciência daquilo que faz, ainda assim será responsabilizado
pelos seus atos. Prevalece, nessa hipótese, a teoria da actio libera in causa, visto que se a ação
foi livre na causa (ato de fazer a ingestão de bebidas alcoólicas, por exemplo) deverá o agente
ser responsabilizado pelos resultados dela decorrentes.

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3.5. Fases de realização da ação:

Ação do agente até chegar à sua finalidade perpassa por duas fases: uma interna e
outra externa.

A fase interna ocorreria no campo do pensamento, sendo composta por três elemen-
tos, quais sejam:

a) Pela representação e pela antecipação mental do resultado a ser alcançado;

b) Pela escolha dos meios a serem utilizados;

c) Pela consideração dos efeitos colaterais ou concomitantes à utilização dos meios


escolhidos.

Na fase externa, concretiza-se o que foi planejado na primeira parte. É, portanto,
quando se põe em prática a execução do ensejo criminoso. Nas palavras de Wezel:

A segunda etapa da direção final se leva a cabo no mundo real. É um


processo causal, determinado pela definição do fim e dos meios na esfe-
ra do pensamento. Na medida em que não se consegue a determinação
final no mundo real, por exemplo, quando o resultado não se produz por
qualquer razão, a ação final correspondente é somente tentada.

Para que o agente possa ser punido pelo Estado é preciso que, além de querer
cometer a infração penal, exteriorize sua vontade, praticando atos de execução tendentes a
consumá-la. Caso contrário, se permanecer tão somente na fase da cogitação ou na de prepa-
ração, sua conduta não terá interesse para o Direito Penal, ressalvadas as exceções previstas
expressamente na lei.

4. TIPO DOLOSO:

4.1. Dolo:

O dolo é composto pelo binômio vontade e consciência que devem estar dirigidos a
conduta prevista no tipo penal. Conforme preleciona Welzel, “toda ação consciente é conduzi-
da pela decisão da ação, quer dizer, pela consciência do que se quer – o momento intelectual
– e pela decisão a respeito de querer realizá-lo – o momento volitivo. ”

A consciência demanda conhecimento por parte do agente, daquilo que ele faz, para
lhe se possa atribuir o resultado lesivo a título de dolo. Assim, se alguém, durante uma caçada,
confunde um homem com um animal e atira nele, matando-o, não atua com o dolo do crime

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previsto no art. 121 do Código Penal, uma vez que não tinha consciência de que atirava contra
um ser humano, mas sim contra um animal. Não havendo essa consciência, não se pode falar
em dolo. A consciência, para fins de caracterização do dolo, dispensa, no entanto, o conheci-
mento do tipo penal ao qual se amolda a sua conduta.

Outro elemento do dolo é a vontade, que deverá dirigir a conduta ensejadora da in-
fração. Não restará configurado o elemento volitivo, no entanto, quando a conduta do agente é
realizada mediante coação física. Para fins de caracterização da vontade também não bastará
que esteja presente um mero desejo. Conforme assevera Patricia Laurenzo Copello: (...) [o de-
sejo] não passaria de uma atitude emotiva carente de toda eficácia na configuração do mundo
exterior. A vontade, ao contrário, constituiria o motor de uma atividade humana capaz de domi-
nar os cursos causais (...). ”

4.2. Teorias do dolo:

a) Teoria da Vontade: Para esta teoria, o dolo seria tão somente a vontade livre e
consciente de querer praticar a infração penal, isto é, de querer levar a efeito a conduta prevista
no tipo penal incriminador;

b) Teoria do Assentimento: Não compreende uma vontade diretamente direcionada


ao acontecimento criminoso, mas admite como elemento volitivo a aceitação do resultado por
parte do agente quando previamente sabia que era possível de ocorrer. Aqui o agente não quer
o resultado diretamente, mas o entende como possível e o aceita;

c) Teoria da Representação: Aqui se pode falar em dolo toda vez que o agente tiver
tão somente a previsão do resultado como possível e, ainda assim, decidir pela continuidade de
sua conduta. Para os adeptos dessa teoria, não se deve perquirir se o agente havia assumido o
risco de produzir o resultado, ou se, mesmo o prevendo como possível, acreditava sinceramen-
te na sua não ocorrência. Para a teoria da representação, não há distinção entre dolo eventual
e culpa consciente, pois a antevisão do resultado leva à responsabilização do agente a título de
dolo;

d) Teoria da probabilidade: Para esta teoria, a distinção entre a caracterização como


dolo eventual ou culpa consciente dependeria da probabilidade da produção do resultado a
partir da conduta. Na verdade, a teoria da probabilidade trabalha com dados estatísticos, ou
seja, se de acordo com determinado comportamento praticado pelo agente, estatisticamente,
houvesse grande probabilidade de ocorrência do resultado, estaríamos diante do dolo eventu-
al.
Na esteira de Cezar Roberto Bittencourt, Rogério Greco entende que, com fulcro na
redação do art. 18, I do CP, adotou-se no Brasil as teorias da vontade e do assentimento. Assim,
para a nossa lei penal, age dolosamente aquele que, diretamente, quer a produção do resulta-
do, bem como aquele que, mesmo não o desejando de forma direta, assume o risco de produ-
zi-lo.

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4.3. Dolo normativo (dolos malus):

Para os adeptos da teoria causal, mais especificamente para os causalistas que ado-
tam a chamada teoria neoclássica ou psicológico-normativa, a culpabilidade é integrada pelos
seguintes elementos: imputabilidade, dolo/culpa e exigibilidade de conduta diversa. No dolo
haveria um elemento de natureza normativa, qual seja, a consciência sobre a ilicitude do fato.
Dependendo da teoria que se adote, essa consciência deverá ser real (teoria extremada do dolo)
ou potencial (teoria limitada do dolo).

4.4. Dolo subsequente:

Para efeito de raciocínio, estaríamos diante de uma hipótese, por exemplo, em que
o agente tivesse produzido um resultado sem que, para tanto, houvesse qualquer conduta pe-
nalmente relevante, em face da inexistência de dolo ou culpa ou, mesmo, diante de um fato
inicialmente culposo, sendo que, após verificar a ocorrência desse resultado, o agente teria se
alegrado ou mesmo aceitado a sua produção.

Ocorre que a satisfação a posteriore não basta para a configuração do dolo, pois não
há como ter vontade sobre o já ocorrido. Assim, a “mera aprovação retroativa de um resultado
já produzido nunca constitui dolo.”

4.5. Conceito e elementos do delito culposo:

De acordo com o art. 18, II, do código penal, diz-se culposo o crime quando o agen-
te deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia. Mirabete, encorpando o
conceito, conceitua o crime culposo como “a conduta humana voluntária (ação ou omissão)
que produz resultado antijurídico não querido, mas previsível, e excepcionalmente previsto,
que podia, com a devida atenção, ser evitado. ”

Assim, nota-se que, para a caracterização do crime como sendo culposo, far-se-á ne-
cessária a conjugação de alguns elementos, quais sejam:

a) Conduta humana voluntária, comissiva ou omissiva: é o ato humano voluntário


dirigido, em geral, à realização de um fim lícito, mas que, por imprudência, imperícia ou negli-
gência, isto é, por não ter o agente observado o seu dever de cuidado, dá causa a um resultado
não querido, nem mesmo assumido, tipificado previamente na lei penal;

b) Inobservância de um dever objetivo de cuidado (negligência, imprudência ou im-


perícia): Juarez Tavares explica que:

A lesão ao dever de cuidado resulta da omissão da ação cuidadosa, im-


posta pela norma, no sentido de atender às funções protetivas a que se

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propõe. A prova ou comprovação da lesão ao dever de cuidado se faz
negativamente: se a ação realizada pelo agente era adequada ao obje-
tivamente exigido, era cuidadosa e, por isso, não haverá tipicidade. Em
caso contrário, verifica-se a lesão ao dever de cuidado, porque, na con-
dução da atividade, foram omitidas as exigências protetivas impostas
pela norma.

c) Resultado lesivo não querido, tampouco assumido, pelo agente: Embora a con-
duta do agente tenha natureza culposa – não intencional – para fins de caracterização do crime
como culposo, exigir-se-á a produção de um resultado lesivo. De outro modo, se a conduta do
agente desrespeitou o dever objetivo de cuidado, mas não produziu resultado lesivo, não há
que se falar em crime culposo. Podemos, no entanto, verificar algumas exceções à exigência do
resultado naturalístico, para efeitos de caracterização do crime culposo, nos arts. 228 e 229 do
Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), que preveem crimes de mera conduta,
como também o art. 38 da Lei nº 11.343/2006;

d) Nexo de causalidade entre a conduta do agente que deixa de observar o seu dever
de cuidado e o resultado lesivo dela advindo: Deverá existir um nexo causal que ligue a conduta
do agente ao resultado;

e) Previsibilidade: No crime culposo, o agente não prevê aquilo que lhe era previ-
sível. Além da conduta, da sua inobservância a um dever objetivo de cuidado, adicionados à
ocorrência de um resultado naturalístico e do necessário nexo de causalidade, é preciso, tam-
bém, portanto, que o fato seja previsível para o agente. A doutrina faz distinção, ainda, entre
a previsibilidade objetiva e a previsibilidade subjetiva. Previsibilidade objetiva seria aquela,
conceituada por Hungria, em que o agente, no caso concreto, deve ser substituído pelo cha-
mado “homem médio, de prudência normal.” Na previsibilidade subjetiva, o que é levado em
consideração são as condições particulares, pessoais do agente, quer dizer, consideram-se, na
previsibilidade subjetiva, as limitações e as experiências daquela pessoa cuja previsibilidade
está se aferindo em um caso concreto;

f) Tipicidade: Não há crime culposo sem previsão expressa na lei. Merece ser ressal-
tado, ainda, o fato de que a tipicidade material deverá ser analisada também nos delitos culpo-
sos, confrontando-se o dano causado pela conduta do agente com o resultado dela advindo, a
fim de se concluir pela proteção ou não daquele bem, naquele caso concreto, especificamente.
Assim, são perfeitamente aplicáveis aos delitos culposos os conceitos do princípio da insignifi-
cância.

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5. TIPO CULPOSO:

5.1. Culpa consciente e culpa inconsciente:

A previsibilidade é elemento da culpa. A capacidade de previsibilidade do agente


define a diferença entre a culpa consciente e a culpa inconsciente. Quando o agente deixa de
prever o resultado que lhe era previsível, fala-se em culpa inconsciente ou culpa comum. Culpa
consciente é aquela em que o agente, embora prevendo o resultado, não deixa de praticar a
conduta acreditando, sinceramente, que este resultado não venha a ocorrer.

5.1.1. Culpa consciente e dolo eventual:

Embora nas duas situações haja a previsão por parte do agente da possibilidade de
ocorrência do resultado, a culpa consciente e o dolo eventual diferem entre si, uma vez que na-
quela o agente confia que não produzirá o resultado. Enquanto que, no dolo eventual, o agente
não queira diretamente o resultado, assume o risco de vir a produzi-lo. Na culpa consciente,
o agente, sinceramente, acredita que pode evitar o resultado; no dolo eventual, o agente não
quer diretamente produzir o resultado, mas, se este vier a acontecer, pouco importa.

5.1.2. Dolo eventual ou culpa consciente nos delitos praticados na direção de veículos auto-
motores:

O número de resultados lesivos provenientes dos acidentes de trânsito provocados


pela combinação de excesso de velocidade e embriaguez atraiu para si a uma espécie de pres-
são por maior rigidez no combate a este tipo de conduta.

Tomando para si essa pressão, a jurisprudência caminhou no sentido de enxergar o


delito de trânsito cometido nessas circunstâncias, ou seja, quando houvesse a conjugação da
velocidade excessiva com a embriaguez do motorista atropelador, como hipótese de dolo even-
tual, tudo por causa da frase contida na segunda parte do inciso I do art. 18 do Código Penal,
que diz ser dolosa a conduta quando o agente assume o risco de produzir o resultado.

A caracterização do dolo eventual, no entanto, não pode ser tirada de uma fórmula
automática. Como se viu, reside no fato de o agente não se importar com a ocorrência do resul-
tado por ele antecipado mentalmente, ao contrário da culpa consciente, em que esse mesmo
agente, tendo a previsão do que poderia acontecer, acredita, sinceramente, que o resultado
lesivo não viria a ocorrer. Assim, ainda que exista a combinação entre embriaguez e excesso
de velocidade, não se pode a priori concluir que o agente anuiu com o resultado efetivamente
produzido.

Merece ser frisado, ainda, que o Código Penal, como analisado, não adotou a teoria
da representação, mas sim, as teorias da vontade e do assentimento. Exige -se, portanto, para

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a caracterização do dolo eventual, que o agente anteveja como possível o resultado e o aceite,
não se importando realmente com sua ocorrência.

Com a Lei nº 12.971, de 9 de maio de 2014 procurou-se solucionar o problema da


pulverização da distinção entre culpa consciente e dolo eventual nas situações provenientes de
acidentes de trânsito. O novo dispositivo legal, no entanto, trouxe situações igualmente proble-
máticas.

Inicialmente, o § 2º, no delito de homicídio culposo praticado na direção de veículo


automotor, tipificado no art. 302 do Código de Trânsito Brasileiro, assevera, verbis:

§ 2º Se o agente conduz veículo automotor com capacidade psicomotora


alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoa-
tiva que determine dependência ou participa, em via, de corrida, dispu-
ta ou competição automobilística ou ainda de exibição ou demonstra-
ção de perícia em manobra de veículo automotor, não autorizada pela
autoridade competente:
Penas – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e suspensão ou proibição
de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Ocorre que, embora se esperasse a criação de um tipo penal culposo qualificado, o


legislador cominou as mesmas penas previstas para o caput do mencionado artigo, modifican-
do, somente, a pena de detenção para reclusão, o que, na prática, não fará qualquer diferença
significativa.

Assim, o que seria para ser um homicídio culposo qualificado, em virtude do maior
grau de reprovação do comportamento praticado pelo agente, nas situações previstas pelo § 2º,
somente teve o condão de ratificar as hipóteses como sendo as de um crime culposo, com as
mesmas penas para ele anteriormente previstas, afastando-se, consequentemente, o raciocínio
correspondente ao delito de homicídio com dolo eventual.

Além disso, aqueles que, nas mesmas circunstâncias, foram condenados, antes do
novo dispositivo legal, e que, por isso, tiveram suas condutas classificadas como sendo de ho-
micídio praticado com dolo eventual, terão direito à revisão criminal, adaptando suas condena-
ções às disposições contidas no mencionado § 2º.

O legislador previu ainda duas modalidades qualificadas para o referido art. 308, di-
zendo:
Art. 308. Participar, na direção de veículo automotor, em via pública, de
corrida, disputa ou competição automobilística não autorizada pela au-
toridade competente, gerando situação de risco à incolumidade pública
ou privada:

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Penas – detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, multa e suspensão
ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo
automotor.
§ 1º Se da prática do crime previsto no caput resultar lesão corporal de
natureza grave, e as circunstâncias demonstrarem que o agente não
quis o resultado nem assumiu o risco de produzi-lo, a pena privativa de
liberdade é de reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, sem prejuízo das ou-
tras penas previstas neste artigo.
§ 2º Se da prática do crime previsto no caput resultar morte, e as circuns-
tâncias demonstrarem que o agente não quis o resultado nem assumiu o
risco de produzi-lo, a pena privativa de liberdade é de reclusão de 5 (cin-
co) a 10 (dez) anos, sem prejuízo das outras penas previstas neste artigo.

Ocorre que o caput a que se referem os parágrafos transcritos tem redação similar à
segunda parte constante do § 2º do art. 302 do Código de Trânsito Brasileiro, que diz que:

Art. 302. (...).


§2º Se o agente participa, em via, de corrida, disputa ou competição au-
tomobilística ou ainda de exibição ou demonstração de perícia em ma-
nobra de veículo automotor, não autorizada pela autoridade competen-
te, a pena será de reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e suspensão ou
proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo
automotor.

Então, diante de uma situação em que, durante um “racha”, o agente atropele e mate
alguém, a qual dos dois tipos se amoldaria a conduta?

O fato que importa na inobservância do dever objetivo de cuidado é o mesmo para


ambas as situações – homicídio culposo (art. 302) e direção perigosa (art. 308). A diferença, até
então entre eles, resumia-se na ocorrência ou não de um resultado lesivo. Agora, ambas as in-
frações penais preveem o mesmo resultado, vale dizer, a morte de alguém.

Assim, a única solução viável é a revogação do § 2º do art. 302 do CTB, punindo-se os


condutores nos termos dos §§1º e 2º do art. 308 do mesmo diploma legal, caso seus comporta-
mentos venham se amoldar a eles.

Por outro lado, se, efetivamente, a Lei nº 12.971, de 9 de maio de 2014, vier a entrar
em vigor, modificando, assim, os artigos do Código de Trânsito Brasileiro, teremos de optar pela
solução mais benéfica aos acusados de praticarem os comportamentos previstos em ambos os
tipos penais.

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6. RELAÇÃO DE CAUSALIDADE:

O nexo causal, ou relação de causalidade, é aquele elo necessário que une a conduta
praticada pelo agente ao resultado por ela produzido. Se não houver esse vínculo que liga o
resultado à conduta levada a efeito pelo agente, não se pode falar em relação de causalidade
e, assim, tal resultado não poderá ser atribuído ao agente, haja vista não ter sido ele o seu cau-
sador.

6.1. Do resultado de que trata o caput do art. 13 do Código Penal:

O caput do art. 13 do CP enuncia que “o resultado, de que depende a existência do


crime”. A doutrina discute sobre a natureza desse resultado, se seria ele apenas o resultado na-
turalístico ou se a expressão englobaria também o resultado jurídico.

Rogério Greco aponta uma mudança de entendimento. Em obras passadas, o autor


defendeu que a expressão “resultado” do referido art. 13 dizia respeito apenas ao resultado
naturalístico, ou seja, aquele que nos permite visualizar, por meio dos nossos sentidos, uma
modificação no mundo exterior, característica dos chamados crimes materiais. Atualmente, no
entanto, entende que essa limitação impediria o reconhecimento, em diversas infrações pe-
nais, da responsabilidade penal do agente garantidor. Assim, conclui que o resultado mencio-
nado pelo art. 13 do Código Penal deverá ser entendido como o jurídico, e não o meramente
naturalístico.

6.2. Teorias sobre a relação de causalidade:

a) Causalidade adequada: causa é a condição necessária e adequada a determinar a


produção do evento. Conforme preleciona Paulo José da Costa Júnior: “Considera-se a conduta
adequada quando é idônea a gerar o efeito. A idoneidade baseia-se na regularidade estatísti-
ca.”;

b) Relevância Jurídica: A condição deverá ser relevante para a produção do resulta-


do. Procurando esclarecer o conceito de relevância, Luís Grecco aduz: “Primeiramente, ele en-
globa dentro de si o juízo de adequação. Será irrelevante tudo aquilo que for imprevisível para
o homem prudente, situado no momento da prática da ação.”;

c) Teoria da equivalência dos antecedentes causais (ou da conditio sine qua non):
Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrida. Isso significa
que todos os fatos que antecedem o resultado se equivalem, desde que indispensáveis à sua
ocorrência. Verifica-se se o fato antecedente é causa do resultado por meio de uma eliminação
hipotética. Se, suprimido mentalmente o fato, vier a ocorrer uma modificação no resultado, é
sinal de que aquele é causa deste último.

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6.3. Regressão em busca das causas do resultado:

Recai sobre a teoria da equivalência dos antecedentes causais a crítica quanto a bus-
ca pelas causas do resultado, que, levada a teoria a rigor, conduziria a um infinito número de
causas. No caso de um crime de homicídio, por exemplo, não ficariam livres nem mesmo o pai
ou a mãe do agente, uma vez que, se não o tivessem gerado, não teria ele cometido o delito.

Contudo, para que seja evitada tal regressão, devemos interromper a cadeia causal
no instante em que não houver dolo ou culpa por parte daquelas pessoas que tiveram alguma
importância na produção do resultado.

6.4. Processo hipotético de eliminação de Thyrén:

Segundo o professor sueco Thyrén, autor do chamado processo hipotético de elimi-


nação, para considerarmos determinado fato como causa do resultado é preciso que façamos
um exercício mental da seguinte maneira:

1º. temos de pensar no fato que entendemos como influenciador do resultado;

2º. devemos suprimir mentalmente esse fato da cadeia causal;

3º. se, como consequência dessa supressão mental, o resultado vier a se modificar, é
sinal de que o fato suprimido mentalmente deve ser considerado como causa deste resultado.

6.5. Teoria da imputação objetiva:

Sob a perspectiva da teoria da imputação objetiva a questão inicial diante da condu-


ta do agente é se o resultado previsto na parte objetiva do tipo pode ou não ser imputado ao
agente.

Na verdade, a teoria da imputação objetiva surge com a finalidade de limitar o alcan-


ce da chamada teoria da equivalência dos antecedentes causais, sem, contudo, abrir mão desta
última. Por intermédio dela, deixa-se de lado a observação de uma relação de causalidade pu-
ramente material, para se valorar outra, de natureza jurídica, normativa.

Roxin desenvolveu a teoria da imputação objetiva para solucionar os problemas


oriundos da aplicação das teorias da equivalência dos antecedentes causais e a teoria da ade-
quação. Com esse propósito, desenvolveu uma teoria geral da imputação, para os crimes de
resultado, com quatro vertentes que impedirão sua imputação objetiva. São elas:

a) A diminuição do risco: a conduta que reduz a probabilidade de uma lesão não se


pode conceber como orientada de acordo com a finalidade de lesão da integridade corporal;

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b) Criação de um risco juridicamente relevante: Se a conduta do agente não é capaz
de criar um risco juridicamente relevante, ou seja, se o resultado por ele pretendido não depen-
der exclusivamente de sua vontade, caso este aconteça deverá ser atribuído ao acaso. Podemos
citar o exemplo daquele que, almejando a morte de seu tio, com a finalidade de herdar-lhe todo
o patrimônio, compra-lhe uma passagem aérea na esperança de que a aeronave sofra um aci-
dente e venha a cair;

c) Aumento do risco permitido: se a conduta do agente não houver, de alguma forma,


aumentado o risco de ocorrência do resultado, este não lhe poderá ser imputado;

d) Esfera de proteção da norma como critério de imputação.

Jakobs, por sua vez, analisa outros aspectos relacionados a imputação objetiva, es-
tabelecendo novas vertentes dando ênfase, também, à imputação do comportamento, sem
desprezar a imputação do resultado, pois, conforme declara, “especialmente nos delitos de re-
sultado surge a necessidade de desenvolver regras de imputação objetiva.” Jakobs traça, então,
quatro instituições jurídico-penais sobre as quais desenvolve a teoria da imputação objetiva, a
saber:

a) Risco permitido: Segundo Jakobs.

(...) posto que uma sociedade sem riscos não é possível e que ninguém
se propõe seriamente a renunciar à sociedade, uma garantia normativa
que implique a total ausência de riscos não é factível; pelo contrário, o
risco inerente à configuração social deve ser irremediavelmente tolera-
do como risco permitido.

b) Princípio da confiança: preconiza André Luis Callegari.

De acordo com este princípio, não se imputarão objetivamente os re-


sultados produzidos por quem obrou confiando em que outros se man-
terão dentro dos limites do perigo permitido. O princípio da confiança
significa que, apesar da experiência de que outras pessoas cometem er-
ros, se autoriza a confiar – numa medida ainda por determinar – em seu
comportamento correto.

c) Proibição de regresso: Para Jakobs, se cada um de nós se limitar a atuar de acordo


com o papel para o qual fomos incumbidos de desempenhar, se dessa nossa conduta advier
algum resultado, ou mesmo contribuir para o cometimento de alguma infração penal, não po-
deremos ser responsabilizados;

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d) Competência ou capacidade da vítima: Aqui, duas situações tratadas por Jakobs
merecem destaque: o consentimento e as ações por próprio risco. Aquele que se dispõe a parti-
cipar de uma cavalgada, a praticar o rapel e a fazer escaladas sabe dos riscos que são peculiares
a cada uma dessas atividades, não se podendo imputar ao instrutor do grupo, por exemplo, os
danos considerados como acontecimentos normais. A vítima, portanto, ao participar dessas
atividades arriscadas, o faz, segundo Jakobs, a seu próprio risco. Merece destaque, ainda, a
chamada heterocolocação em perigo, situação na qual a vítima, por exemplo, pede ao agente,
que está em sua companhia, que pratique uma conduta arriscada, acreditando, firmemente,
que não ocorrerá qualquer resultado danoso.

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