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Resumo
Abstract: This article aims to look upon the short stories of the contemporary
Brazilian writer João Anzanello Carrascoza through a tour of their most significant
themes, issues and traces. Owner of a prose that centers on everyday life, the writer
usually prioritizes the focus of intimate worlds, often wrapped in a poetic
atmosphere. Carrascoza also distances himself from the hyper-urban space, opting
for a more welcoming tone, which brings strong bucolic touches to his narrative.
When comparing the traces of the author's short stories to the contemporary
production, there is a certain detachment from what the Brazilian literature is mostly
represented by. Carrascoza's literature deals with small details, simple, prosaic things
that flirt with the ordinary all the time, but instead of vulgarizing, it praises and
enchants them. As the narrator of “Quando ele voltou”, from the book Meu amigo
João states: they are trifles that magnify. Thus, the objective is to show which place
the writer's short stories occupy in the contemporary literary scene.
Introdução
1 Este artigo parte de um recorte da dissertação de mestradoA vida ordinária em seus detalhes mínimos:
retratos íntimos e laços familiares nos contos de João Anzanello Carrascoza (2015), defendida por Layse
Barnabé de Moraes e disponível para leitura na íntegra neste link.
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vaso azul (1998), Duas tardes (2002), Meu amigo João (2004), Dias raros (2004), a
antologia O volume do silêncio (2006), Espinhos e alfinetes (2010), Amores mínimos
(2011), Aquela água toda (2012) e Tramas de meninos (2021).
Dono de uma prosa que olha para o dia a dia, o escritor costuma priorizar a
focalização dos mundos íntimos, quase sempre envoltos em uma atmosfera poética.
Carrascoza também se distancia do espaço hiperurbano e opta pelo tom de cidade
pequena, o que traz fortes toques bucólicos à sua narrativa. Em entrevista ao jornal
literário Rascunho, o autor falou sobre quem é e quais são suas influências:
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Quando se faz uma leitura atenta dos contos de Carrascoza, nota-se que
todos eles possuem traços em comum, constantes que colocam o escritor em um lugar
de destaque na literatura brasileira contemporânea — e não só no que diz respeito à
boa recepção da crítica e do público como também no que significa um descolamento
do que vem sendo compreendido como a literatura brasileira atual. São esses traços,
que dão uma unidade ao seu projeto literário, somados a uma prosa de reconhecida
qualidade que serão destacados aqui.
É predominantemente no espaço doméstico e na configuração familiar,
íntima, que a história acontece. É na vida privada da classe média, às vezes média-
baixa, heterossexual e sem marcação racial que a literatura de Carrascoza busca
inspiração. Sobre o espaço na obra do escritor, Cristovão Tezza diz: “Os contos
circulam em uma geografia quase bucólica: casas, portões, quintais, vizinhos, parentes,
pais e filhos, mães na cozinha, árvores, silêncio” (2004). Não é uma produção voltada
a grandes temas. O social aparece, claro, mas como pano de fundo. São os mundos
íntimos das personagens e a forma como elas se relacionam que ganham dimensão:
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O desafio é construir algo com uma força que seja pequena, que concentre.
É como se a vida fosse água, e o conto é pegar com as mãos, em concha,
essa água. Pegar e entregar para o outro. Enquanto o romance é deixar que
essa água flua mais. Então, são gêneros um pouco distintos. Sempre me
interessou mais a apreensão de um instante. E apreender o instante em
trezentas, quatrocentas páginas é um pouco difícil (CARRASCOZA, 2013).
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lente. Carrascoza faz o mesmo com a matéria de sua literatura: a vida comum. Na
distância, o quadro é dos mais simples, mas se olharmos com atenção e repararmos
nos detalhes haverá muitos pormenores.
A transposição do rotineiro para o literário está presente em praticamente
todos os contos do escritor. Estes, na grande maioria das vezes, fogem do espaço da
cidade grande e buscam pontos de fuga ao se aproximarem do tom bucólico, quase
rural. A opção pelo distanciamento da metrópole e a escolha por focalizar outros tipos
de espaços, muitas vezes opostos à realidade veloz, pode ser explicada em partes pela
própria naturalidade do escritor, que nasceu no interior paulista e teve sua experiência
de vida atravessada por vivências a este relacionadas, mas, mais do que isso, é parte de
uma vontade e escolha do autor de focalizar essa fatia do existir. Dessa forma, a cidade
envolvida pelo espírito rural da infância de Carrascoza acaba sendo reinserida em seus
contos:
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ingênuo que percorre a obra do escritor, que, não por acaso, está repleta de
personagens infantis. Há mesmo certa lentidão em contraponto à velocidade, certa
empatia em contraponto ao egocentrismo. Também é bom ressaltar que o escritor não
faz uma literatura estritamente rural, mas de tons rurais — o que remete muito mais à
atmosfera criada pelo conto do que ao espaço propriamente dito. Miguel Conde
também destaca a característica heterodoxa da obra do escritor em relação à literatura
brasileira contemporânea:
Trabalho com prosa que é dita poética. Não é um registro fácil de fazer
nem muito comum, é um pouco raro, até há muitas portas fechadas para
esse tipo de literatura. Se você chega num ponto certo, pode ter qualidade.
Mas se erra, você derrama, torna-se açucarado, piegas, sentimental.
Então, é difícil, às vezes tem que correr riscos (CARRASCOZA, 2013).
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exatamente em cima da linha” (OLIVEIRA, 2006, p. 209). Ainda sobre lirismo, este,
de forma resumida, pode ser pensado a partir de três frentes:
É bom ressaltar que, para além do tom poético e lírico, há uma história a se
contar, já que estamos falando do gênero conto. Hohlfeldt disserta sobre o conto de
atmosfera e há muitos pontos de contato entre este e os contos de Carrascoza:
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acontece nos contos “Duas tardes” e “Janelas”, de O volume do silêncio, por exemplo.
Sobre a infância na sua literatura, Carrascoza diz que
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Essa nova construção familiar não é privilegiada pelo escritor, que prefere
concentrar suas histórias em um modelo mais conservador. O que quero salientar, no
entanto, é que o que sobressai é de outra natureza: há sempre uma atmosfera que se
destaca e sempre uma relação baseada na troca com o outro, e é dessa troca que o conto
acontece. Existe toda uma energia deslocada para o ato de entrar em comunhão com o
outro e enxergar o mundo a partir dele.
A literatura de Carrascoza é “calcada no sublime e no susto flamejante das
relações minúsculas” (OLIVEIRA, 2006, p. 208); flerta com o real e com o mais simples
dele em uma espécie de resgate das trocas de sensibilidade entre os seres humanos. E
é bom ressaltar que nesse resgate não cabem apenas momentos de alegria. Essa
sensibilidade traz também ardência e melancolia, como bem apontou João Silvério
Trevisan (2011). Esses dois elementos, aliás, estão presentes em quase todos os contos
—às vezes a ardência aparece em certo incômodo diante das vivências futuras, como
em “Dias raros”, do livro homônimo, enquanto a melancolia aparece na comparação
do presente com o passado, latejando na memória, como em “Janelas”, de O volume
do silêncio. Estão quase sempre juntas, confundindo-se e encontrando-se e, de certa
forma, fazendo com que as personagens se encontrem também.
2A orientação sexual é apenas sugerida pelas relações que vão se construindo nas narrativas, mas o que
se destaca com mais clareza são as relações heterossexuais, não sendo focalizada nenhuma relação
claramente homossexual em nenhum texto com o qual tive contato. Em relação a cor da pele, não
encontrei nenhuma especificação.
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Esse tom, segundo Miguel Conde, pode explicar o fato de Carrascoza não
receber grande atenção da crítica literária:
Essa contraposição talvez explique por que até hoje Carrascoza recebeu
relativamente pouca atenção de nossa crítica literária. Suas histórias não
fulminam o leitor com choques do real, sua escrita pouco encena – ou mi-
metiza – conflitos sociais, seu tom pode ser tudo menos cruel, suas
palavras não aspiram à materialidade dos corpos, sua forma evoca mais o
todo que o fragmento. Em resumo, sua obra não se oferece de imediato
como um terreno dos mais férteis para os discursos críticos correntes.
Além disso, seu constante transbordamento sentimental pode à primeira
vista sugerir um olhar edulcorado sobre a existência, assentado numa
contemplação ingenuamente otimista da beleza do mundo e do ser
humano (CONDE, 2010, p. 43).
Apesar do que afirma Conde, creio que Carrascoza tem se destacado, sim, e
recebido não tão pouca atenção da crítica. Como já fora mencionado, recebeu prêmios
importantes, incluindo o Jabuti em 2015 pelo romance Caderno de um ausente, é um
autor que possui apelo editorial, teve alguns de seus contos transformados em peças
de teatro, como a “Dias raros”, do Teatro da Travessia, e tudo o que escreve é recebido
com olhos atentos pela mídia e pelo público — na medida em que um escritor
contemporâneo em um país que não é um exemplo em consumir literatura pode ser,
claro.
Há muito o que se falar sobre os contos de Carrascoza para que sua obra
possa continuar a ser desvendada por outros olhares e sob outros aspectos. Em “O
menino e o pião”, de O volume do silêncio¸ há o seguinte trecho: “uma porção de coisas
que à primeira vista parecem mínimas, mas é a vida que lhe cabe, e ele a saboreia,
faminto” (CARRASCOZA, 2006, p. 76). É fundamentalmente nesse lugar que se
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