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RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO BRASIL E ATUAÇÃO POLICIAL
Coordenação Geral
Cinara Maria Moreira Liberal
Subcoordenação Geral
Marcelo Carvalho Ferreira
Coordenação Psicopedagógica
Rita Rosa Nobre Mizerani
Coordenação de Disciplina
Diego Fabiano Alves
Conteudistas:
Guilherme Cardoso Vasconcelos
Isabella Franca Oliveira
Lydiane Maria Azevedo
Lucas Eduardo Guimarães
Nayara Ferreira de Souza Saraiva
Produção do Material:
Polícia Civil de Minas Gerais
Revisão e Edição:
Divisão Psicopedagógica - Academia de Polícia Civil de Minas Gerais
Reprodução Proibida
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SUMÁRIO
UNIDADE 1 ..................................................................................................... 4
1. REFLEXÕES INICIAIS ................................................................................ 4
2. CONCEITOS IMPORTANTES ..................................................................... 7
3. QUESTÃO RACIAL NO BRASIL............................................................... 20
4. DADOS SOBRE RAÇA NO BRASIL CONTEMPORÂNEO ....................... 31
UNIDADE 2 ................................................................................................... 39
5. MARCOS LEGAIS DO ANTIRRACISMO .................................................. 39
6. CONDUTAS RELACIONADAS À RAÇA QUE SÃO CONSIDERADAS
CRIMES NO BRASIL .................................................................................... 51
7. DIFERENCIAÇÃO ENTRE OS CRIMES DE RACISMO E DE INJÚRIA
RACIAL ......................................................................................................... 64
UNIDADE 3 ................................................................................................... 75
8. IMPLICAÇÕES DO RACISMO E DA DISCRIMINAÇÃO RACIAL NA
ATUAÇÃO POLICIAL ................................................................................... 75
9. ALGUMAS REFLEXÕES ACERCA DA INTOLERÂNCIA RELIGIOSA NO
BRASIL ......................................................................................................... 93
UNIDADE 4 ..................................................................................................104
10. A IMPORTÂNCIA DE POLÍTICAS AFIRMATIVAS PARA IGUALDADE
RACIAL ........................................................................................................104
11. QUAIS PROVIDÊNCIAS DEVEM SER ADOTADAS EM CASO DE
PRECONCEITO E DISCRIMINAÇÃO DECORRENTES DA RAÇA ..............112
12. EQUIPAMENTOS EXISTENTES NA PROMOÇÃO DA IGUALDADE
RACIAL ........................................................................................................116
13. CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................121
REFERÊNCIAS ............................................................................................123
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UNIDADE 1
1. REFLEXÕES INICIAIS
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sociedade e a consequente violência que vitimiza a população negra. Depois,
perpassaremos por alguns marcos legais contra o racismo no Brasil. Por fim,
examinaremos o que diferencia o crime de racismo e o de injúria racial, bem
como algumas orientações quanto às providências a serem adotadas caso a
pessoa sofra, presencie ou tome conhecimento de algum ato de racismo.
Figura 02: Quantitativo de pessoas negras assassinadas nos últimos 10 (dez) anos.
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Aqui, repetimos a designação de cor/raça dada pelo IBGE, apesar de termos
conhecimento de que há críticas a esse rótulo postuladas por grupos de japoneses, chineses,
coreanos e seus descendentes no Brasil. Entretanto, em prol da clareza e da homogeneidade
textual, nos limitamos ao nome atualmente estabelecido.
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Apesar disso, os dispositivos legais, as normas e aparatos institucionais
existentes não estão submetidos ao mesmo recorte. Em certa medida,
resguardadas as particularidades de diferentes grupos étnico-raciais, boa parte
do que se discutirá nas páginas a seguir pode ser usado por analogia para a
análise de outros cenários de desigualdade racial. Nesse sentido, esperamos
ter sido capazes de apresentar os temas e reflexões de maneira tal que esse
aproveitamento se dê facilmente.
Ademais, não é excessivo lembrar que este material não é, não pretende
ser (e nem poderia ser) definitivo sobre o tema. Pelo contrário, ele é tão
somente uma porta de entrada para um assunto sobre o qual ainda há muito
por ser discutido. Esperamos que o conhecimento compartilhado neste curso
possa contribuir para o entendimento do problema, que figura como pano de
fundo de parte significativa das violências evidenciadas no Brasil, bem como os
aspectos legais envolvidos.
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2. CONCEITOS IMPORTANTES
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a identidade social, que é marcada pelo reconhecimento dos grupos sociais
aos quais os indivíduos fazem parte. Entretanto, esses processos não são
isolados: há elementos na identidade pessoal (ou individual) que são oriundos
das relações grupais, enquanto entre pessoas que compartilham uma mesma
identidade social, são as identidades individuais que as diferenciam.
Para apresentar o conceito de identidade negra, Gomes (2005) nos
lembra que a identidade não é algo inato, vez que é decorrente de nossa
interação com o mundo que nos cerca, se constrói e se expressa em larga
medida por meio de práticas linguísticas, tradições e comportamentos. Esses
traços assinalam pertencimentos, marcam nos sujeitos suas vinculações aos
diferentes grupos que fazem parte: uma família específica, uma naturalidade,
uma classe social, um sexo, um grupo étnico-racial. Nesses termos, as
pessoas buscam alcançar a valorização de seus grupos de pertença, porque
isso reflete, ao fim e ao cabo, na distinção positiva de si mesmo, como parte
daquele grupo socialmente valorizado (MONTEIRO, 2013). Alguns grupos de
nossa sociedade, como negros e indígenas, cuja história é marcada por
subalternização e marginalidade, têm maior necessidade e dificuldade para
valorizar suas diferenças em relação aos demais grupos. Inserida nesse
cenário, a identidade negra, se manifesta como uma maneira de fortalecer do
modo de existir dessas pessoas perante a sociedade (WOODS, 1987).
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uma sociedade que, desde muito cedo, ensina às pessoas negras que para ser
aceito é preciso negar a si mesmo.
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retomar o processo histórico de construção dessas diferenças, é que aquilo
que nos parecem distâncias biológicas são, na verdade, distâncias culturais
biologizadas: ou, como diria Silvio Almeida (2020), foi o racismo que inventou a
raça, não o contrário.
Naturalmente, isso não quer dizer que não existem diferenças
biológicas, físicas, entre as pessoas. Como dissemos, essas diferenças
existem e estão no campo do evidente. O que não existe, do ponto de vista
biológico, é a definição de diferentes raças humanas. Estas são na realidade
construções históricas, socioculturais e políticas, que emergem nas relações
sociais e de poder. Cultural e socialmente nós aprendemos a enxergar as
raças, ou seja, aprendemos a perceber as diferenças, a comparar e a
classificar a partir de características físicas, como afirma Gomes (2005). O
problema começa quando essa percepção da diferença resulta em
estereotipização do outro e na hierarquização, a priori, dos grupos em razão de
suas características fenotípicas.
O emprego do termo etnia é preferido por algumas pessoas que
acreditam que a utilização do conceito de raça, mesmo em uma dimensão
social e política, pode significar um retorno à sua perspectiva biológica (e
consequentemente, sua limitação a esta perspectiva). Além disso, é utilizado
para referir-se a um grupo de pessoas que têm certo tipo de consciência
acerca de suas origens e interesses em comum (GOMES, 2010). A identidade
desse grupo define-se com base no compartilhamento de uma língua, de uma
cultura, de tradições, de momentos históricos e territórios já habitados. Não se
trata, assim, de um mero agrupamento de pessoas (GOMES, 2010).
Fonte: https://economia.uol.com.br/listas/propagandas-acusadas-de-racismo.htm
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A consideração do racismo de natureza institucional se apoia sobre a
percepção de que, em diversos momentos da História humana, o racismo foi
cometido com o aporte de leis ou do funcionamento regular das instituições. O
Holocausto nazista, as leis de segregação nos Estados Unidos ou na África do
Sul, para nos limitarmos a uns poucos exemplos, descrevem situações em que
a discriminação étnico-racial representou o modo de funcionamento regular do
Estado, legalmente amparado.
Por fim, cabe discutir a perspectiva estrutural do racismo, conforme
apresentada por Silvio Almeida (2020). Ainda que algumas vezes “racismo
institucional” e “racismo estrutural” sejam tomados como sinônimos, de acordo
com o autor, o racismo estrutural tem caráter mais amplo e transversal, já que
“as instituições são racistas porque a sociedade é racista” (ALMEIDA, 2020,
p.47). Ou seja, o conceito diz respeito à prática do racismo que decorre da
própria estrutura social, a qual é consolidada nas relações cotidianas, políticas,
econômicas, jurídicas etc. Conforme discutido pelo psiquiatra martinicano
Frantz Fanon (2020), a subalternização das populações negras é tomada como
um dado natural, fazendo-se presente, ainda que imperceptível de imediato, no
funcionamento normal das sociedades contemporâneas. Fruto do colonialismo
moderno (séculos XVIII e XIX, sobretudo), o racismo estrutural carrega consigo
a noção de uma sub-humanidade do negro (CÉSAIRE, 2020), que faz da sua
existência algo de menor valor, inclusive exterminável (MBEMBE, 2018).
A manifestação da faceta estrutural do racismo torna-se evidente
quando observamos, por exemplo, a maior pré-disposição ao uso desmedido
da força por agentes de segurança contra indivíduos negros tomados, de
partida, como agressores (FANTTI, 2023). Entretanto, o racismo estrutural não
se encerra na ação individual de quem, como no caso citado, puxa o gatilho:
está também na percepção coletiva desse ato, que o sopesa e normaliza, com
frases como “mas será mesmo que ele não fez nada de ameaçador?” e outras
semelhantes. Essa orientação discriminatória de nossa coletividade, marcada
pela diferença racial, chega a criar zonas de permissividade ou, nas palavras
do filósofo camaronês Achille Mbembe (2018), “espaços de exceção”, nos
quais a lei funciona diferente e direitos fundamentais ficam indisponíveis
(ADORNO, 2017).
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Figura 07: Conceitos importantes sobre racismo estrutual.
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numa metáfora, ainda que o racismo monte o palco e seja o material do qual é
feito todo o cenário, ainda serão pessoas de carne e osso, os atores, que
atuam sobre esse palco, que interagem nesse cenário.
Na prática, o racismo estrutural está presente no nosso cotidiano na
naturalização de muitas práticas, como por exemplo:
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No que diz respeito à impossibilidade conceitual, lembremos que o
racismo é um processo político de discriminação sistêmica que influencia a
organização e funcionamento da sociedade (ALMEIDA, 2020). Ele é sofrido,
enquanto tal, por quem não domina as posições de poder e mando. Ou seja,
não é razoável pensar que negros (ou outro grupo étnico-racial subalternizado)
tenham condições materiais de submeter brancos (ou outro grupo étnico-racial
socialmente dominante) a processos de discriminação, em razão de sua
própria condição como subalternizados.
Abordaremos a seguir a distinção entre preconceito e discriminação
racial, mas antes precisamos desatar um último nó que pode ter restado acerca
do chamado “racismo reverso”. É possível que alguns de nós tenhamos
vivenciado, ou até experienciado, atitudes discriminatórias ou de preconceito
vindas de pessoas negras – seja dirigido a pessoas brancas ou até mesmo a
outras pessoas negras (ED., 2023) – e, nos lembrando dessas situações,
tenhamos dificuldade em compreender o racismo reverso como uma
impossibilidade. Entretanto, o ponto fundamental diz respeito à efetividade e
amplitude social desses atos discriminatórios. Novamente, nas palavras de
Almeida:
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subgrupo racialmente definido em face dos resultados médios da população”
(GOMES, 2005, p. 56).
Por fim, Almeida (2020) chama atenção para a possibilidade de uma
discriminação racial indireta e positiva, em atenção restrita ao princípio da
igualdade: é ela que destacamos quando pensamos no “tratamento desigual
aos desiguais, na medida de sua desigualdade”. Sua existência se funda na
lógica de color consciousness, qual seja, numa perspectiva que considera a
existência das diferenças sociais entre os grupos raciais, e atua na medida
dessas diferenças, instaurando um regime de igualdade material entre os
grupos. Configuram discriminações positivas, por exemplo, programas de
ações afirmativas como as cotas.
Resumindo...
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Uma vez tendo repassado conceitos fundamentais à compreensão da
questão racial em nosso país, partimos ao estudo do percurso histórico do
tema até os dias de hoje2.
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Antes de avançar, se faz necessário apontar uma nota em relação a figura 10: o termo
“dororidade” foi cunhado pela pensadora Vilma Piedade e apresentado em 2017 em livro
homônimo. Criando em complemento ao termo feminista “sororidade” (do latim soror – irmã e
~eidade, conjunto irmandade feminina), dororidade visa destacar que há dores que unem as
mulheres negras que vão além daquelas consequentes do machismo (MARIA, 2022).
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3. QUESTÃO RACIAL NO BRASIL
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conceito de raça e a prática do racismo: a consolidação dos Estados Nacionais
como forma primordial de ordenamento político e territorial – o que transparecia
a emergência do capitalismo e de um sistema de classes que exigia o
reordenamento de grupos sociais; e o imperialismo europeu que, a partir de
sua expansão moderna, intensificou as relações dos estados europeus com os
outros povos e nações (HEILBORN et al, 2010).
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No entanto, como nos lembram Heilborn et al (2010), unificar povos
implicava no fato de dar à nação uma origem comum, ratificada na História, e a
definição de um Outro, o diferente que permite a afirmação da semelhança
entre os nacionais. Esse movimento se consolida na ideia de que as raças
europeias eram superiores às demais e deu força para teorias raciais que
justificavam cientificamente tal superioridade.
Desde a colonização das Américas, as discussões sobre o conceito de
raça foram evoluindo por campos diversos. Durante muitos anos, o uso do
termo nas ciências, na política ou na sociedade, esteve ligado de um modo
geral à dominação político-cultural de povo e de nações, como a exemplo do
domínio nazista da Alemanha no contexto da Segunda Guerra Mundial (1939-
1945) (GOMES, 2005).
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Américas, na África, na Ásia e na Oceania já conheciam desde o século XVI.
Para Mbembe (2018), as torturas e execuções em massa, o Holocausto, foram
o auge da aplicação de ferramentas de domínio que haviam sido aprimoradas –
sem grande censura da comunidade internacional – nos espaços coloniais. Nas
palavras de Aimé Césaire:
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Figura 16: Darwinismo racial.
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A obra de Modesto Broncos faz referência a trecho bíblico do livro do Gênesis (Gn 9,
18-28), segundo o qual os negros seriam descendentes de Cam, filho de Noé que foi
amaldiçoado pelo pai após vê-lo nu e embriagado (BERKENBROCK, 2012).
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Transcorrido o ápice do ideal manifesto de branqueamento da nação, na
década de 1930 o mestiço converteu-se em ícone nacional. O sincretismo
cultural passa a ser valorizado, de forma que produtos como o samba, a
capoeira – que foi de ato criminoso à modalidade esportiva nacional em 1937,
bem como a feijoada, passaram de elementos marginais a manifestações da
tipicidade brasileira (SCHWARCZ, 1998). Entretanto, como aponta Reis (1996),
esse enaltecimento da mestiçagem e de elementos da herança cultural negra
como representantes do verdadeiro Brasil foi também resultado de um discurso
de embranquecimento – um embranquecimento simbólico. O samba, a
capoeira, a feijoada, a percussão, entre outros, são desafricanizados: ao invés
de construído sobre um passado também africano, o que sustenta o país é um
passado mestiço (REIS, 1996, p.40).
É nesse contexto que intelectuais começaram a propagar a ideia de uma
harmonia entre grupos étnico-raciais, ou seja, uma “democracia racial” no país.
A obra de Gilberto Freyre é um exemplo da produção da época.
Figura 18: Capa da 51ª edição do livro Casa Grande e Senzala, editora Global.
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modelo para outras partes do mundo (SCHWARCZ, 1998). Vários especialistas
foram contratados para investigar a realidade racial brasileira, entre eles Thales
de Azevedo e Florestan Fernandes. Os chamados “ciclos de estudos da
UNESCO” diferenciavam-se dos estudos anteriores, sobretudo, por
desprezarem a concepção biologizada de raça, em voga no século XIX nos
países da Europa e considerarem o termo como um construto social, histórico e
político, como ressaltam Heilborn et al (2010). Passava a ser descortinada a
verdadeira realidade enfrentada pela população negra no país.
Com base no argumento de que no país prevaleceria a equidade racial,
o escritor e pesquisador Thales de Azevedo (1975) realizou estudos que
evidenciaram o racismo em diversos âmbitos, tais como no mundo do trabalho
– eram relegadas aos negros as funções mais subalternas –, e nas relações
sociais – não era permitido ao negro entrar em certos hotéis ou encenar peças
teatrais em grandes teatros, por exemplo. Assim, Azevedo (1975) acaba por
concluir que apesar de normas democráticas que asseguravam a punição de
atos discriminatórios (como a Lei Afonso Arinos), havia na sociedade uma forte
estereotipagem contra as pessoas negras, o que favorecia uma discriminação
velada, muito eficaz à manutenção do mito da “democracia racial".
Também na contramão daqueles que afirmavam a equidade racial no
Brasil, o sociólogo Florestan Fernandes (1972), em seu livro “O negro no
mundo dos brancos”, ressaltou o peso do passado de escravização dos povos
africanos no modo como a sociedade brasileira organizou-se anos depois.
Segundo Schwarcz (1998), para Florestan, enquanto dissimulava-se o
preconceito racial, negando o racismo verdadeiramente praticado nos lares e
instituições, a sociedade brasileira assistia ao aumento de privilégios
econômicos, sociais e culturais dos brancos.
Naquele contexto, sem emprego, renda ou escolarização, restava ao
negro o lugar de subalterno. Junto com as décadas de 1970 e 1980 vieram as
contestações dos valores vigentes na política, na música e na literatura, bem
como as análises das profundas desigualdades entre os negros e demais
grupos raciais (SCHWARCZ, 1998).
Ficou evidenciada a discriminação racial que impactava cotidianamente
no acesso à educação, ao lazer e na distribuição desigual de renda. O senso
demográfico realizado na década de 1960 comprovou, por exemplo, que a
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renda média da população branca era o dobro da renda do restante da
população (SCHWARCZ, 1998).
A desigualdade racial podia ser percebida, ainda, nas práticas penais
brasileiras. Pesquisa realizada pelo sociólogo Sergio Adorno (1996) constatou
tratamento diferenciado conforme cor da pele, ou seja, o negro era considerado
mais perigoso, sendo mais perseguido pela vigilância policial, enfrentando
maiores obstáculos de acesso à justiça, bem como recebendo tratamento penal
mais rigoroso.
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lo. Quando comparadas as condições de vida, emprego, saúde, escolaridade e
outros índices de desenvolvimento humano, os dados comprovam o abismo
social entre negros e brancos (GOMES, 2005). A seguir, observaremos
algumas informações que revelam a desigualdade socioeconômica que atinge
a população negra no Brasil.
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4. DADOS SOBRE RAÇA NO BRASIL CONTEMPORÂNEO
Figura 19: Releitura em painel urbano da obra “Operários”, de Tarsila do Amaral (1933), pelo
artista Mundano (OLIVIERA, 2020).
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enquanto 34,6% das pessoas ocupadas brancas estavam em ocupações
informais, o percentual entre as pretas e pardas atingiu 47,3%.
Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2018. Nota: Pessoas de
14 ou mais anos de idade.
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Figura 22: Dados sobre rendimento médio real habitual do trabalho principal das pessoas
ocupadas.
Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2018. Nota: Pessoas de
14 ou mais anos de idade.
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Figura 23: Dados sobre condições de moradia.
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Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2018.
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Figura 26: Dados sobre frequência escolar.
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PÚBLICA, 2022), no ano de 2022, os negros representaram 77,6% das
vítimas de homicídio doloso, 67,6% das vítimas de latrocínio, 84,1% dos
mortos em decorrência de atuação policial e, na outra face da moeda,
67,7% dos policiais assassinados no período. Em termos comparativos, no
referido ano a proporção de pessoas brancas vítimas de homicídio caiu 26,5%,
enquanto esse índice para a população negra sofreu um aumento de 7,5%.
Segundo o Atlas da Violência 2021, produzido pelo Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (IPEA) e Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP),
entre os anos de 2009 e 2019, a redução dos homicídios foi muito maior entre
a população não negra. Houve uma redução de 15,5% entre negros e 30,5%
entre não-negros.
Figura 29: Dados sobre a taxa de homicídios de negros e não negros. 2009 a 2019.
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mais vitimadas em estupros e estupros de vulnerável (52,2%), o maior
percentual de vítimas de mortes violentas intencionais (70,7%) e de feminicídio
(62%) (FBSP, 2022).
Como já discutimos, tal disparidade estatística é um retrato nítido da
vulnerabilidade socioeconômica da população negra do país, sustentada,
mantida e potencializada por mecanismos institucionais e estruturais de
discriminação racial. Juntos, fatores como os índices de pobreza, a baixa
escolarização, o desemprego, as deficiências de políticas específicas (IPEA,
2021), bem como a reprodução de estratégias baseadas em critérios raciais e
em preconceitos sociais tornam essa população o alvo preferencial das ações
das instituições da justiça criminal, como a polícia (SINHORETTO; BATITUTTI
MOTA apud IPEA, 2021), reforçando o quadro discriminatório.
Os dados são claros. Se pararmos para uma breve análise, chegaremos
à conclusão que mais se desejaria evitar: a de que vivemos sim em uma
sociedade racista, que a todos os anos assiste à perpetuação de práticas
discriminatórias e, consequentemente, ao aumento e reiteração da violência
dirigida às pessoas pretas e pardas. O que podemos fazer em relação a essa
triste realidade? Cabe a todos nós assumirmos uma posição antirracista, ou
seja, contrária à perpetuação de práticas prejudiciais baseadas na cor da pele,
que inviabilizam a cidadania de tantas pessoas.
A escritora Djamila Ribeiro (2019), no livro “Pequeno Manual
Antirracista”, oferece ao leitor uma importante perspectiva quanto a práticas
norteadoras de uma conduta antirracista. Entre outros aspectos, ressalta a
necessidade de nos informarmos sobre o racismo praticado em nosso país e
conversarmos sobre o tema na família, na comunidade e no trabalho, bem
como refletirmos sobre o racismo que está internalizado em nós mesmos e que
é expresso, por exemplo, na nossa tolerância a expressões racistas como “ela
é negra, mas é bonita” ou “negro de alma branca”.
A seguir, conheceremos algumas leis que integram o rol de ações
afirmativas no campo do Direito. Elas representam marcos legais nacionais e
internacionais para coibir e punir crimes baseados no racismo, e resultam da
luta antirracista do Movimento Negro e dos demais grupos e organizações pela
superação da desigualdade.
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UNIDADE 2
“Ninguém nasce odiando o outro pela cor de sua pele, ou por sua
origem, ou sua religião. Para odiar as pessoas precisam aprender, e
se elas aprendem a odiar, podem ser ensinadas a amar.” (Nelson
Mandela, “O longo caminho para a liberdade”, 1995)
Figura 30: Recorte de matéria jornalista sobre o tratamento penal acerca do preconceito de
raça ou cor.
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Figura 31: A bailarina Katherine Dunham em imagem extraída de https://blackthen.com/flash-
black-photo-katherine-dunham-legends-dance-series/ (acesso em 04/02/2023).
Figura 32: Arte do Movimento Negro Unificado atualizando a capa do jornal da entidade (1991)
que endossava a consciência e auto-estima da população negra (Extraído de MNU, s.d.a, s.p.).
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lançar aos protestos contra a condição de cidadão e cidadão de segunda
classe” (BARBOSA, 2020, p.17). Formalmente, buscava-se o resgate da
cultura negra, importante bastião de sobrevivência da identidade negra,
reinserida em seu contexto histórico, filosófico e de defesa do grupo (SILVA,
2020).
Essa “efervecência cultural” de que fala Márcio Barbosa (2020) ganhou
mais e mais corpo à medida que se aproximavam os anos 1980 e a reabertura
política dava seus primeiros sinais. Movimentos exclusivamente voltados à
questão racial ou em que ela é um dos temas surgirão de norte a sul do país
(RODRIGUES, 2020), e em certa medida culminarão com o surgimento do
Movimento Negro Unificado (MNU), em 1978.
Sobre o MNU, afirma o cientista social Cristiano Rodrigues:
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estabelecimento comercial ou de ensino de qualquer natureza, de hospedar,
servir, atender ou receber cliente, comprador ou aluno, por preconceito de raça
ou de cor”.
Como as condutas de racismo eram consideradas contravenções, as
penalidades previstas na Lei nº 1.390/1951 eram baixas. Dessa forma, durante
os 37 anos de sua vigência, nenhuma pessoa foi presa em razão da prática de
tais delitos. Apesar disso, a importância social da lei não pode ser diminuída,
tendo trazido à tona o tema do racismo e o definindo como comportamento
reprovável.
Particularmente relevante foi a justificativa apresentada por Afonso
Arinos, um deputado conservador, para sua propositura. Nela, o parlamentar
ataca diretamente as ideias do racismo científico que, conforme já discutido,
defendiam a hierarquização dos grupos humanos e sua plena separação.
Escreveu o deputado:
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médio. O conteúdo programático acrescentou o estudo da História da África e
dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro
na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro
nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil. Além
disso, foi incluído no calendário escolar o dia 20 de novembro como “Dia
Nacional da Consciência Negra” (artigo 79-A da Lei nº 9.394/1996).
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Em 20 de julho de 2010, a Lei nº 12.288 instituiu o Estatuto da Igualdade
Racial, “destinado a garantir à população negra a efetivação da igualdade de
oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o
combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica”.
O Estatuto trouxe diversos conceitos relacionados à temática, quais
sejam:
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empresariais, educacionais, culturais e esportivas, defendendo sua dignidade e
seus valores religiosos e culturais.
Esta lei é considerada o principal marco legal para o enfrentamento da
discriminação racial e das desigualdades estruturais de raça aqui estudadas.
Trata-se de um instrumento para garantia dos direitos fundamentais desse
segmento, especialmente no que diz respeito à saúde, educação, cultura,
esporte e lazer, comunicação, participação, trabalho, liberdade de consciência
e de crença; acesso à terra e à moradia; além dos temas da proteção, do
acesso à justiça e à segurança.
O quadro abaixo, retirado da cartilha São Paulo contra o Racismo:
Aspectos Legais e Ações Afirmativas, apresenta alguns direitos previstos no
Estatuto:
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manutenção das atividades religiosas e sociais
das respectivas religiões;
- o acesso aos órgãos e aos meios de
comunicação para divulgação das respectivas
religiões;
- a comunicação ao Ministério Público para
abertura de ação penal em face de atitudes e
práticas de intolerância religiosa nos meios de
comunicação e em quaisquer outros locais.
SINAPIR Art. 47. É instituído o Sistema Nacional de
Promoção da Igualdade Racial (Sinapir) como
forma de organização e de articulação voltadas à
implementação do conjunto de políticas e serviços
destinados a superar as desigualdades étnicas
existentes no País, prestados pelo poder público
federal.
Art. 50. Os Poderes Executivos estaduais, distrital
e municipais, no âmbito das respectivas esferas
de competência, poderão instituir conselhos de
promoção da igualdade étnica, de caráter
permanente e consultivo, compostos por igual
número de representantes de órgãos e entidades
públicas e de organizações da sociedade civil
representativas da população negra.
OUVIDORIAS PERMANENTES E ACESSO Art. 54. O Estado adotará medidas para coibir
atos de discriminação e preconceito praticados por
À JUSTIÇA E À SEGURANÇA
servidores públicos em detrimento da população
negra, observado, no que couber, o disposto na
Lei no 7.716, de 5 de janeiro de 1989.
Art. 55. Para a apreciação judicial das lesões e
das ameaças de lesão aos interesses da
população negra decorrentes de situações de
desigualdade étnica, recorrer-se-á, entre outros
instrumentos, à ação civil pública, disciplinada na
Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985.
50
6. CONDUTAS RELACIONADAS À RAÇA QUE SÃO CONSIDERADAS
CRIMES NO BRASIL
Fonte: https://g1.globo.com/go/goias/noticia/2022/03/05/empresaria-se-indigna-com-pedido-
racista-de-cliente-por-aplicativo-mandem-entregador-branco-nao-gosto-de-pretos-nem-
pardos.ghtml.
52
Verifica-se que o artigo 3º refere-se à negativa do acesso ao cargo ou à
promoção funcional na administração pública e nas concessionárias de
serviços públicos, enquanto o artigo 4º refere-se às empresas privadas.
Negar ou obstar emprego, deixar de providenciar os equipamentos
necessários a empregado, impedir a ascensão ou outro benefício funcional a
empregado, tratar empregado de forma diferente dos demais e exigir aspectos
de aparência próprios de raça ou etnia para emprego sem justificativa são
condutas criminalizadas neste artigo.
Fonte: https://www.hypeness.com.br/2022/04/funcionarios-negros-revelam-cultura-de-racismo-
na-tesla-gigante-controlada-por-elon-musk/.
Fonte: https://g1.globo.com/ce/ceara/noticia/2021/12/02/gerente-da-loja-zara-onde-delegada-
negra-foi-barrada-e-denunciado-por-racismo.ghtml.
Fonte: https://g1.globo.com/ce/ceara/noticia/2021/09/24/adolescente-negra-e-barrada-em-
shopping-apos-seguranca-achar-que-a-garota-era-uma-pedinte-em-fortaleza.ghtml.
54
Este crime ocorre quando há a recusa de inscrever ou impedir o
ingresso de aluno em estabelecimento de ensino, não importa se público ou
privado, nem de que grau seja. O entendimento é de que escolas de dança,
informática, dentre outras enquadram-se neste dispositivo. Busca-se garantir
um dos bens de todo ser humano, a educação, sem distinção em razão de
raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
A pena é aumentada quando a vítima é criança ou adolescente,
protegendo-a e visando garantir a sua educação.
Fonte: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2019/03/14/crianca-autista-tem-
matricula-escolar-recusada-por-usar-cabelo-black-power.htm.
Fonte: https://www.correiobraziliense.com.br/euestudante/educacao-basica/2022/04/4998823-
estudante-negra-e-proibida-de-entrar-na-escola-por-nao-ter-cabelo-liso.html.
55
• Artigo 7° da Lei nº 7.716/89
Fonte: https://www12.senado.leg.br/noticias/especiais/arquivo-s/brasil-criou-1a-lei-antirracismo-
apos-hotel-em-sp-negar-hospedagem-a-dancarina-negra-americana#gallery-1.
56
Figura 43: Reportagem sobre caso de racismo.
Fonte: https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2021/10/28/policia-investiga-racismo-
contra-hospede-de-hotel-em-caxias-do-sul-nao-doi-na-pele-doi-na-alma.ghtml.
Fonte: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2021/05/21/casal-acusa-restaurante-do-
tatuape-na-zona-leste-de-sp-de-racismo.ghtml.
57
Figura 45: Reportagem sobre caso de racismo.
Fonte: https://catracalivre.com.br/cidadania/menino-racismo-doceria/.
Fonte: https://catracalivre.com.br/cidadania/menino-racismo-doceria/.
58
O legislador também determinou que é crime de racismo impedir o
acesso ou recusar atendimento em salão de beleza e em locais similares e
afins, atendendo-se à garantia de igualdade de tratamento nesses lugares.
Fonte: https://www.pragmatismopolitico.com.br/2012/02/vitima-de-racismo-universitario-e-
barrado-no-elevador-do-proprio-predio-onde-mora.html.
59
O tratamento diferenciado em razão de discriminação também é
repudiado nos meios de transporte. Há crime quando o autor impede o acesso
ou o uso de qualquer meio de transporte, podendo ocorrer o impedimento no
início, bem como no prosseguimento da viagem de quem já está dentro desse
meio de transporte.
Fonte: https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2021/10/21/mulher-negra-denuncia-
motorista-por-ataques-racistas-em-bh-nao-carrego-preto-no-carro.ghtml.
Fonte: https://www.opovo.com.br/noticias/mundo/2021/10/26/casal-impedido-de-namorar-por-
racismo-se-reencontra-39-anos-depois-e-resolve-casar.html.
61
I - o recolhimento imediato ou a busca e apreensão dos exemplares
do material respectivo;
II - a cessação das respectivas transmissões radiofônicas, televisivas,
eletrônicas ou da publicação por qualquer meio;
III - a interdição das respectivas mensagens ou páginas de
informação na rede mundial de computadores.
62
a regra prevista no art. 140, § 3°, do Código Penal, e passou a disciplinar tal
conduta no art. 2º-A, da Lei nº 7.716/1989.
Fonte: https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2020/11/23/jovem-registra-denuncia-de-
injuria-racial-e-agressao-contra-segurancas-de-bar-no-df.ghtml.
63
7. DIFERENCIAÇÃO ENTRE OS CRIMES DE RACISMO E DE INJÚRIA
RACIAL
64
No âmbito global, a Convenção Internacional sobre a Eliminação de
todas as Formas de Discriminação Racial de 1965 dispõe que a expressão
“discriminação racial” significa qualquer distinção, exclusão restrição ou
preferência baseadas em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica
que tenha por objetivo ou efeito anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou
exercício num mesmo plano, de direitos humanos e liberdades fundamentais
no domínio político econômico, social, cultural ou em qualquer outro domínio de
vida pública (ONU, 1965).
No Brasil, desde a abolição da escravização de pessoas negras,
ocorrida em 13 de maio de 1888, a primeira norma de repressão ao racismo foi
a Lei nº 1.390, de 3 de Julho de 1951, conhecida como Lei Afonso Arinos. Por
meio dela, foi inserida na Lei de Contravenções Penais, que cuida
exclusivamente de infrações de menor gravidade, tipos penais que visavam
reprimir a discriminação racial em ambientes públicos e estabelecimentos
comerciais. Considerada um passo pequeno no combate ao racismo, a referida
lei teve pouco ou nenhuma efetividade, haja vista a gravidade do desafio
histórico de construção da igualdade no país.
Com a Constituição da República de 1988, o tratamento do racismo
sofreu profunda transformação, ao menos no campo jurídico. O
reconhecimento inédito do racismo como crime imprescritível e inafiançável
pelo Constituinte, foi fundamental para a criação da Lei nº 7.716, de 1989, que,
pela primeira vez na história brasileira, definiu os crimes resultantes de
preconceito de raça ou cor.
O referido diploma estabelece, casuisticamente, hipóteses de
caracterização do crime de racismo, tendo como bem jurídico tutelado o direito
à igualdade e a dignidade da pessoa humana. Nos termos da Lei nº 7.716/89,
são consideradas condutas racistas, entre outras, impedir o acesso a emprego,
estabelecimentos comerciais, hospedagem, restaurantes e transporte público,
desde que resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia,
religião ou procedência nacional.
Cabe destacar que as condutas previstas na Lei nº 7.716/89, embora
direcionadas a uma ou várias pessoas, atingem toda a coletividade de
determinada raça, cor, etnia.
65
Por opção do legislador, não constava originalmente na lei do racismo a
tipificação de conduta específica relativa a ofensas contra a honra por meio da
utilização de elementos de raça e cor, sendo aplicada as disposições do crime
de injúria previstas no art. 140 do Código Penal.
Somente em 1997, por meio da Lei nº 9.459, foi inserida no código penal
a injúria racial, como qualificadora do art. 140, caracterizada pela “utilização de
elementos referentes a raça, cor, etnia, religião ou origem” (Brasil, 1997).
Destaca-se que enquanto as demais modalidades de injúria fixavam penas de
detenção de um mês a um ano, a injúria racial estabeleceu pena de reclusão
de um a três anos, evidenciando que o legislador compreendeu a gravidade da
conduta e suas consequências para a população negra e para toda a
sociedade.
Assim, se estabeleceu uma distinção entre o crime de racismo e o de
injúria racial. Enquanto o primeiro está previsto na Lei nº 7.716/89 e atinge uma
coletividade indeterminada de pessoas, a segunda estava inserida no código
penal e se direciona à pessoa ou pessoas determinadas.
E as distinções não param por aí. O delito de injúria racial se caracteriza,
entre outros, pela realização de ofensas relacionadas a cor do indivíduo por
meio de expressões pejorativas que ataquem a honra subjetiva, ou seja, o juízo
de valor que o indivíduo faz de si mesmo. Já as condutas previstas na Lei
7.716/89, descrevem limitações ao exercício de direitos em virtude do
preconceito de raça ou de cor, como já citado.
Os diversos casos de discriminação racial ocorridos no Brasil e no
mundo, além do reconhecimento da necessidade de adequações na lei penal
sobre o tema, fomentaram a criação, pela câmara dos deputados, de uma
comissão de juristas negros, presidida pelo Ministro do Superior Tribunal de
Justiça (STJ) Benedito Gonçalves, com a relatoria do advogado Silvio de
Almeida.
Como resultado desse trabalho, o Deputado Paulo Paim (PT-RS)
apresentou substitutivo ao projeto de lei nº 4.566, com proposta de alterações
na lei do racismo e no código penal, o que foi aprovado pelo Congresso
Nacional e remetido ao Poder Executivo em 27/12/2022.
Entre as primeiras ações do mandato do Presidente da República Luiz
Inácio Lula da Silva iniciado em 2023, está a sanção do referido projeto de lei,
66
o que deu origem à Lei nº 14.532, de 11 de janeiro de 2023, que por sua vez
altera a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989 (Lei do Crime Racial), e o
Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para tipificar
como crime de racismo a injúria racial, prever pena de suspensão de direito em
caso de racismo praticado no contexto de atividade esportiva ou artística e
prever pena para o racismo religioso e recreativo e para o praticado por
funcionário público.
Com o advento da Lei nº 14.532/2023, o crime de injúria racial, que
antes estava previsto no Código Penal, com pena fixada entre um e três anos
de reclusão, agora está inserido na Lei nº 7.716/1989, conhecido como Lei do
Racismo, eliminando a separação legislativa entre injúria racial e crime de
racismo. Em outras palavras, injúria racial é um dos crimes de racismo no
Brasil. Além disso, o legislador realizou alteração na pena prevista para a
injúria racial, saindo do intervalo de um a três anos, para a previsão de pena de
dois a cinco anos.
Outro destaque importante é que os crimes previstos na Lei do Racismo
são de ação pública incondicionada à representação, ou seja, se o estado tem
conhecimento de fatos que possam caracterizar qualquer dos tipos previstos na
Lei n º 7.716/1989, deverá atuar independentemente da vontade da vítima. Ou
seja, caso a Polícia Civil seja procurada ou tenha conhecimento, por qualquer
meio, de práticas racistas e discriminatórias coibidas pela legislação, deverá
imediatamente iniciar a investigação, mesmo que a vítima não tenha interesse.
Trata-se de passo importante para repressão aos crimes de racismo,
além do reconhecimento de que a discriminação racial traz severos impactos à
toda a coletividade e deve ser reprimida, nos termos da lei, em qualquer
circunstância.
Pois bem. Estabelecidas tais considerações, tem-se que o crime de
injúria é crime contra a honra de uma pessoa. Ele acontece quando alguém
ofende a dignidade ou o decoro de um indivíduo específico. A conduta exigida
para o cometimento do crime de injúria qualificada é o animus injuriandi,
consistente na vontade de ofender a honra subjetiva de outra pessoa. Neste
caso, o agente profere palavras de cunho racista direcionadas somente à
vítima.
67
Por outro lado, o crime de racismo, previsto na Lei nº 7.716/1989,
implica em conduta discriminatória dirigida a um determinado grupo ou
coletividade. Não há uma vítima identificada, pois a ofensa é contra, por
exemplo, toda uma raça, não existindo a especificação do ofendido.
69
básica), constitui racismo praticar, induzir ou incitar a discriminação ou
preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Ainda, sem
prejuízo da pena correspondente à violência, incorre nas mesmas penas
previstas no caput do art. 20 (figura equiparada) quem obstar, impedir ou
empregar violência contra quaisquer manifestações ou práticas religiosas.
Nesses casos, o dolo do agente é de demonstrar superioridade, menosprezar,
diminuir, segregar, impedir ou obstar a existência, a prática ou manifestações
religiosas.
Dito isso, tem-se que a injúria praticada contra a pessoa em razão da
raça, cor, etnia ou procedência nacional torna-se, legalmente, espécie de
racismo. A recente alteração legislativa foi precedida de decisões judiciais das
cortes superiores. Jurisprudencialmente, o Superio Tribunal de Justiça (AgRg
no AREsp 686.965/DF) e o Supremo Tribunal Federal (HC 154.248) já haviam
se manifestado, ainda que parcialmente, sobre a natureza da injúria racial
como espécie de racismo. O Supremo assentou que o delito de injúria racial,
em sendo espécie de crime de racismo, é imprescritível.
Apesar dessa posição equiparatória, o STF silenciou sobre a
equiparação da injúria ao racismo quanto à natureza da ação penal (já que o
racismo é de ação pública incondicionada e a injúria, antes da presente
alteração, era de ação condicionada à representação, sendo possível, portanto,
a ocorrência da decadência).
Outro ponto omisso na decisão do STF era definir se, apesar da
equiparação, o delito de injúria racial continuaria afiançável, já que o crime-
parâmetro de racismo é inafiançável por mandado constitucional. A discussão,
agora, está resolvida: a injúria racial é crime de ação pública incondicionada e,
tendo sido inserida na Lei de Racismo, adota o mesmo regime jurídico quanto à
inafiançabilidade e imprescritibilidade. A injúria racial, assim, é uma espécie de
crime racial com dolo (animus injuriandi) diverso do crime de racismo previsto
no art. 20 da Lei 7716/1989, que possui o dolo de diferenciar, segregar,
diminuir, tratar de forma desigual, impedir ou restringir direitos, dentre outras
formas de atuação.
70
Figura 52: Atenção para a mensagem.
Fonte: https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2023/01/15/a-lei-14-532-2023-e-as-
mudancas-promovidas-na-legislacao-criminal-brasileira/
71
Estabelecidas estas premissas, retomemos o ano de 2021, período em
que Supremo Tribunal Federal decidiu, durante o julgamento de um habeas
corpus, que o crime de injúria racial configura uma categoria dos tipos penais
de racismo e é imprescritível.
72
Então, a partir desta decisão do STF, a injúria racial tem sido
considerada também imprescritível.
74
UNIDADE 3
75
internacionais que são signatários – como é o caso do direito à não-
discriminação, abordado tanto em diplomas internacionais específicos quanto,
de maneira transversal, em outros acordos.
A declaração da Assembleia das Nações Unidas para a eliminação da
discriminação racial é um destes importantes tratados internacionais.
Proclamada em novembro de 1963, a Declaração sobre a eliminação de
todas as formas de discriminação racial faz referência especificamente ao
trabalho policial em seu artigo 2º (2), ao afirmar que Nenhum Estado deverá
encorajar, defender ou prestar o seu apoio, através de ação policial ou outras
medidas, a qualquer discriminação baseada na raça, cor ou origem étnica
cometida por qualquer grupo, instituição ou indivíduo (ORGANIZAÇÃO DAS
NAÇÕES UNIDAS, 1963).
Faces de uma mesma moeda, o direito à igualdade (ou tratamento
igualitário) e à não-discriminação caminham juntos e, no que tange mais
especificamente à atuação policial, desembocam sobretudo no direito a um
julgamento justo – ainda que por hábito tomemos “julgamento” como espaço
exclusivo do sistema judicial do País. Entretanto, os aparatos judiciais
funcionam em cadeia, e no caso da justiça penal, mais das vezes esta tem seu
início no trabalho das polícias (CERQUEIRA; DORNELLES, 2001). Mais do
que isso: Duarte, Muraro, Lacerda e Garcia (2014) demonstraram que os
estamentos do sistema judiciário tendem a absorver o discurso policial – em
resumo, processos de persecução penal iniciados de maneira discriminatória
têm grandes chances de receber um segmento processual igualmente
discriminatório.
76
Figura 56: Charge sobre o procedimento de reconhecimento e suas potencialidades para o
processo criminal discriminatório.
4
No período em questão, o índice de letalidade policial em Minas Gerais era dez vezes
menor do que o de São Paulo e vinte vezes menor que o do Rio de Janeiro (SINHORETTO et
al., 2014).
77
É sempre importante lembrar, porém, que este curso se dirige sobretudo
a policiais. Sendo assim, ainda que reconheçamos existir um ordenamento
racialmente discriminatório na sociedade brasileira, nos cabe discutir mais o
cenário micro (da atuação policial) do que o contexto macro (da sociedade
como um todo). Isto posto, precisamos rememorar que, a despeito de qualquer
particularidade, atuações policiais com resultado morte não podem ser
encaradas com naturalidade: seu aspecto extraordinário deve ser sempre
mantido em destaque, não sendo razoável tomar sua ocorrência como medida
suficiente para a compreensão da dinâmica social.
78
discutirmos a prevalência de práticas discriminatórias no trabalho policial. Para
tanto, antecipamos a conclusão antes de dissecá-la: conforme apontam
Sinhoretto et al (2014), a qualificação dos presos em flagrante no Brasil
demonstra que a atenção policial recai em especial sobre as populações
negras.
Como apresentam os autores, entre 2008 e 2012 no Estado de São
Paulo, por exemplo, 54,1% das pessoas presas em flagrante eram negras – a
título de referência, os dados do Censo de 2010 apontavam que toda a
população negra do Estado era de 34,8% (SINHORETTO et al., 2014, p.126).
No caso de Minas Gerais, em 2012 o percentual de presos em flagrante negros
era de 68,4% - segundo os dados do IBGE 2010, a população geral de MG era
composta de 53,5% de negros (pretos e pardos) (Idem, p.130). Nos dois casos,
o que se observa é a sobre representação da população negra nas respectivas
massas carcerárias.
Ainda que de maneira sucinta, esses números apontam que o viés
racializado das prisões em flagrante parece ser efetivamente uma realidade.
Sendo assim, cabe-nos mais um passo atrás, na direção do que leva às
prisões desse tipo. Barros (2008) e Duarte, Muraro, Lacerda e Garcia (2014)
assinalam o efeito das abordagens policiais na realização de prisões em
flagrante, ainda que apresentem enfoques diferentes para a questão.
79
Partindo da própria Matriz Curricular Nacional para formação de
profissionais de segurança pública, Timbane (2013) destaca que
discriminações por grupo social podem ocorrer desde o primeiro contato entre
policiais e população, isto é, já no momento da abordagem desta por aquela.
Entretanto, apesar de estar interessado nas formas como são verbalmente
conduzidas as abordagens policiais, e de considerar que essas são palco de
possíveis discriminações, Alexandre Timbane (2013) não se dedica a analisar
especificamente as relações existentes entre abordagens policiais e a raça/cor
dos abordados. Essas implicações serão consideradas em pesquisas
realizadas em diversas partes do País, como os já citados (BARROS, 2008; e
DUARTE; MURARO; LACERDA; GARCIA, 2014), mas também Sinhoretto et al
(2014) e Trad et al (2016). Em resumo, esses estudos demonstram de maneira
bastante sólida a presença de marcadores de raça/cor nos processos de
fundamentação de suspeita e abordagem policial.
O trabalho de Geová Barros (2008) fez parte de um conjunto de
pesquisas sobre a presença de discriminação racial entre os policiais militares
do Estado de Pernambuco (PMPE). Usando métodos diversos de investigação,
o autor deparou-se com 65,05% de seus entrevistados (todos militares da
ativa) dizendo que sim, pessoas negras são priorizadas em abordagens
policiais. Entre alunos dos cursos de formação de soldados (CFSD) e de
oficiais (CFO), esse índice saltou para 74% e 76,9% respectivamente. Usando
de outro instrumento, Barros, ele próprio oficial da PMPE, apresentou a seus
entrevistados (tanto policiais quanto ingressantes) uma situação hipotética de
abordagem: no modelo, um trio de agentes está diante de dois homens
suspeitos, um deles branco e o outro, negro. Tendo que escolher qual dos dois
abordar primeiro, o pesquisador perguntou aos participantes o que eles fariam,
se fossem eles em patrulha; e o que eles achariam que aconteceria, sendo o
respondente apenas um observador.
O resultado obtido pelo pesquisador reforçou algo já conhecido sobre as
relações raciais no Brasil: as pessoas admitem tratar-se de um país racista,
mas quando convidados a apontar quem é racista, este é sempre o outro,
nunca ele mesmo. Assim, militares da ativa e ingressantes, quando na situação
de observadores, disseram que na maioria dos casos o suspeito negro seria
abordado primeiro (67,4% em média). Quando o respondente deveria imaginar-
80
se realizando a abordagem, o índice muda radicalmente, e em média apenas
27,2% afirmam que o suspeito negro seria abordado primeiro. No caso em que
se imaginam atuando, os participantes da pesquisa preferiram uma saída
intermediária: 56,9% deles, em média, disse que nem abordariam o suspeito
negro primeiro, nem o suspeito branco, mas que optariam por outra estratégia
(BARROS, 2008, p.141). Ou seja: quando perguntados se a polícia militar age
de maneira racista, policiais militares e aspirantes à função disseram que sim.
Quando questionados se eles próprios, policiais militares, atuam de maneira
racista, disseram que não. O racista é sempre o outro.
81
momento basta destacarmos a percepção dos jovens participantes, sobretudo
de Fortaleza e Recife, sobre quais elementos são utilizados pelos policiais para
decidir quem deve ser abordado ou não. Assim, indicadores de pertencimento
social (nível socioeconômico); comportamentos como a forma de andar,
gesticular e a linguagem utilizada; a aparência do indivíduo; a raça/cor ou
outros traços étnicos; e, por fim, traços externos (como veículo que conduz ou
trafega, se carrega pacotes ou mochilas), foram apontados pelos jovens
participantes da pesquisa como critérios básicos da decisão, por parte dos
policiais, de abordar alguém ou não (TRAD et al., 2016, p.55).
As conclusões desses estudos apontam para o fato de que
características raciais das pessoas são efetivamente utilizadas para decidir se
alguém deve ser abordado ou não. A questão é, porém, mais profunda:
definida pelo artigo 244 do Código de Processo Penal, a abordagem – termo
popular para a busca pessoal – é assim descrita:
5
A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou ilegal a busca pessoal
ou veicular, sem mandado judicial, motivada apenas pela impressão subjetiva da polícia sobre
a aparência ou atitude suspeita do indivíduo (RHC nº 158.580/BA). Vale também destacar, que
em 01/03/2023, o STF começou a julgar validade de prova obtida em busca pessoal baseada
na cor da pele (HC 208.240).
82
manifesto em protocolos, normas e códigos de conduta. Do outro, a atuação
real, sujeita a variáveis diversas, discricionária (DUARTE; MURARO;
LACERDA; GARCIA, 2014).
O discurso institucional é diferente das práticas policiais. A racionalidade
que rege a primeira não resume as ações da segunda, ainda que seja evocada
no discurso dos policiais quando chamados a explicar os motivos de sua ação
(TRAD et al., 2016). Se as abordagens policiais são discriminatórias,
certamente esse traço não estará presente nos protocolos de atuação, mas sim
no momento de tomada de decisão por parte dos agentes.
Essa separação entre discurso e prática não é tão radical quando pode
parecer. Trad et al (2016) deixam claro que a abordagem é definida por um
misto de técnica (oriunda dos protocolos, do discurso institucional) e a
discricionariedade do agente. A questão passa a ser, portanto, o que pesa na
definição da fundada suspeita que orienta a abordagem. Do ponto de vista
formal, “uma pessoa deverá ser considerada um suspeito em potencial com
base em fatos claros e conclusões lógicas. Qualquer consideração desse tipo
não deverá ser influenciada por questões de nacionalidade, raça, religião,
género, classe social etc.” (CICV, 2020, p.162), conforme o princípio da não-
discriminação.
Entretanto, como assinalam Duarte, Muraro, Lacerda e Garcia (2014), a
construção do suspeito policial está atrelada a crimes ocorridos no espaço do
visível – furtos, roubos, tráfico. São as características desses tipos de crimes
que serão consideradas para se identificar quem é suspeito e quem não é,
porque acredita-se que existe um perfil identificável da pessoa que comete
esses crimes. Em contrapartida, delitos que ocorrem no espaço “invisível” –
corrupção, violência doméstica, homicídio, violência sexual – não possuem
características supostamente visíveis e, portanto, não geram um perfil do
suspeito de cometer esse tipo de crime.
Ainda segundo os mesmos autores (DUARTE; MURARO; LACERDA;
GARCIA, 2014), toda essa discussão acerca do que fundamenta a parte
prática, discricionária, da atuação policial é habitualmente reduzida a um termo:
o tirocínio. Espécie de habilidade talhada pelos tempos de serviço, o tirocínio
serve de explicação para tudo aquilo que não tem explicação – que se
pergunte a um policial por que considera suspeito um homem negro dirigindo
83
um carro de luxo, mas não um homem branco com um carro semelhante, e a
chance de ouvir “por experiência, tirocínio” é grande. A verdade porém é que,
mais das vezes, o “tirocínio” não passa de um chavão: um argumento coringa
utilizado sempre que os agentes não sabem racionalizar os passos que
antecederam a tomada de decisão.
6
Na descrição dos policiais ouvidos pelos pesquisadores, no “kit peba” as roupas “[...]
são largas, aparecem as cuecas, são acompanhadas de boné que esconde os olhos e a
intenção da pessoa; possuem um jeito desleixado de andar, roupas com estampa, geralmente
de marca, não sendo necessariamente originais.” (SINHORETTO et al, 2014, p.135).
85
funkeiro descrito pelos agentes do Rio de Janeiro – em síntese, elementos
comuns na cultura das periferias, das favelas, passam a compor o perfil
criminoso.
Nos aspectos comportamentais tomados como indícios para a fundada
suspeita, novamente o caráter autorrealizável das características levadas em
conta: cidadãos marginalizados são mais abordados, o que os deixa mais
apreensivos quando diante de policiais, o que acaba sendo tomado como
elemento de suspeição (CRUZ, 2019).
87
Figura 63: Fragmento de decisão judicial.
• E a Polícia Civil?
88
É relativamente fácil para nós, policiais civis, nos eximirmos da
responsabilidade ante a discussão que conduzimos até aqui. Afinal, é só muito
raramente que a abordagem a suspeitos se faz presente em nossa atuação e,
quando prendemos alguém, na maioria das vezes é como resultado de um
processo investigativo que individualizou a responsabilidade pelo delito.
Porém nada neste assunto é simples. Conforme aponta o manual de
referência para policiais e forças de segurança da Cruz Vermelha (CICV,
2020), uma técnica usual para se chegar à autoria de um delito é o
perfilamento: a construção de uma hipótese sobre a identidade do suspeito
potencial com base na natureza do crime, nas circunstâncias em que foi
cometido e, espera-se, em outros indícios coletados. Uma vez considerados
esses condicionantes, a busca pelo autor do crime é restrita às pessoas que
correspondem ao perfil criado.
Apesar do que mostram os filmes, o perfilamento (profiling) não
necessariamente ocorre de maneira formal, com a confecção de um perfil
criminal por escrito redigido por caricatos psicólogos ou psiquiatras forenses.
Pelo contrário: de maneira intuitiva e informal, construímos perfis criminais o
tempo todo, baseados nos indícios e em nossas experiências. É pertinente
então que nos lembremos do que foi discutido acerca do recurso à “experiência
profissional”, materializada no “tirocínio”, como fundamento da ação policial.
89
A definição prematura de um perfil a ser buscado, baseada somente em
experiência ou sem informações e indícios sólidos, pode apontar na direção
errada e impedir que indícios relevantes sejam percebidos e coletados.
Ademais, situações como essa não raras vezes impedem completamente que
o criminoso verdadeiro seja capturado, restando o delito insolúvel e o
responsável sem a devida punição.
Muitas vezes o autor de um crime é procurado a partir de impressões
vagas de tipo físico ou região de residência (como uma determinada
comunidade ou favela, por exemplo). Em decorrência disso, empenha-se
grande esforço para abordar um grande número de pessoas em razão de um
perfil impreciso e discriminatório. Isso pode fazer com que pessoas
pertencentes ao grupo minoritário atingido sintam-se discriminadas e
apresentem alto grau de desconfiança ao se relacionar com a polícia (CICV,
2020, pp.164-165). Nesse cenário, esse grupo pode tornar-se
90
Conforme Duarte, Muraro, Lacerda e Garcia (2014), existirão mesmo
aqueles que negarão o fundo racista nos índices de mortes violentas ou de
encarceramento, suspeitando de uma possível “mentira coletiva”. Oras, a estes
teremos de dizer que os dados são muitos e oriundos de diversas fontes.
Trabalhos que, como mostramos brevemente, lançaram mão das mais
diferentes técnicas – entrevistas, grupos focais, situações simuladas, análise
de dados estatísticos, análise de boletins de ocorrência policial e sentenças
judiciais – para chegar à mesma infeliz conclusão.
Outros, ainda, recorrerão à ausência de intenção, à ação inconsciente,
automatizada, mecânica. A estes, Barros (2008) lembra que a intenção de
discriminar é irrelevante para definir se ocorreu discriminação, porque os
efeitos dela independem se quem discriminou agiu deliberadamente ou não.
A fim de fugir à possibilidade de atuação discriminatória, algumas
instituições estabelecem como padrão de resposta o aumento da repressão, de
maneira indiscriminada – todos serão submetidos a abordagens,
independentemente da existência de suspeição prévia. Além de não existir
nenhuma tecnicidade nesse tipo de procedimento, ainda imporia a todos os
cidadãos uma percepção antecipada de culpa, demolindo a presunção de
inocência. A necessidade de tratamento igualitário não propõe que todos sejam
igualmente tratados como criminosos, pelo contrário. Nas palavras de uma
jovem negra do Distrito Federal:
92
9. ALGUMAS REFLEXÕES ACERCA DA INTOLERÂNCIA RELIGIOSA NO
BRASIL
93
colonizador, predominantemente Católica, religião professada pelas nações
colonizadoras. No entanto, estatísticas oficiais acerca das filiações religiosas
tem apontado para a crescente alteração dessa realidade. No Censo
Demográfico realizado no ano de 2010, 64,6% da população brasileira
declarava-se católica, seguida de 22,2% de evangélicos, 2% de espíritas, 0,3%
de Umbanda e Candomblé e de 2,7% de outras religiosidades. A estimativa é
de que no ano de 2030 o Brasil não seja predominantemente de católicos, mas
sim de evangélicos, em suas variações (SANTO, DIAS e SANTOS, 2023).
Já falamos por aqui sobre os impactos do imperialismo europeu sobre os
povos africanos, de como tiveram suas liberdades solapadas. Eles foram
sequestrados e inseridos opressivamente em uma cultura diversa, na qual seus
costumes mostravam-se tão inferiores quanto aos motivos que justificaram o
tratamento desumano. O sociólogo Pierre Bourdieu (2005) ajuda-nos a
compreender a dominação religiosa como recurso da manutenção de um
arranjo social.
Segundo Bourdieu (2005), sistemas simbólicos cumprem um papel
político de legitimação da dominação. Acredita que todas as outras formas de
poder estão transfiguradas no poder simbólico, ele é como um poder invisível
“o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem
saber que lhe estão sujeitos ou mesmo o exercem” (BOURDIEU, 2005, p.8), é
o responsável por construir a realidade e estabelecer um sentido para o mundo
social. Se tomamos a religião dominante como um sistema simbólico,
compreendemos a mesma como capaz de produzir experiências, com
legitimação e poder para influir nas normas sociais.
Com o advento das transformações econômicas e sociais, a Igreja
Católica tornou-se autônoma e desenvolvida no que tange a crenças e práticas.
Papéis foram estabelecidos dentro da sociedade, restando à Igreja a função de
guiar os indivíduos na construção de costumes religiosos (BOURDIEU, 2005).
A necessidade da convivência em grupo, da relação de dependência e o
corporativismo levaram à introdução de seus valores morais na sociedade.
Houve uma “racionalização” das ações e da forma de encarar os costumes e
ritos, o que inclui a passagem do mito à ideologia (BOURDIEU, 2005). Os
sacerdotes passaram à condição de organizados e cientes de suas funções,
contribuindo ainda mais para a solidificação do monoteísmo.
94
A justificação do poder de dominação pela religião passou a ser
garantida, então, pela propriedade de capital religioso por parte de instâncias
religiosas e de indivíduos que o exerciam (os sacerdotes), por esse motivo
estes se diferenciavam dos demais (leigos), motivando uma separação entre o
sagrado e o profano. Essa propriedade (a do capital religioso) deu à instância
religiosa a capacidade de desenvolver nos leigos costumes religiosos, capazes
de fazê-los agir dentro de normas e de acordo com preceitos que, por
conseguinte, conformavam certa visão política de mundo social (BOURDIEU,
2005).
A partir desse entendimento, Bourdieu (2005) ajuda-nos a compreender
que a manutenção da dominação pela religião está relacionada também à
manutenção de uma ordem política. Nesse sentido, parte da tarefa de
subalternizar os povos escravizados, utilizados como sustentáculos de um país
em construção, era garantir também uma dominação simbólica por meio da
imposição da religião do colonizador. As manifestações de intolerância às
religiões de matriz africana que vemos ainda hoje derivam desse processo de
silenciamento e expressam a contínua tentativa de silenciamento das camadas
mais vulneráveis de nossa sociedade. Trata-se de um tipo de violência que foi
substrato do processo colonial brasileiro e que se atualiza com o passar do
tempo (CUNHA, 2023).
95
Acerca desse fazimento, Santos e Gino (2023, p. 182) afirmam que:
96
contra a infância e de classe por exemplo) praticadas em desfavor de minorias
políticas e por colocar o país na mídia e tribunais nacionais e internacionais.
Entre eles, vale citar o "Massacre do Carandiru" (1992) e a "Chacina da
Candelária" (1993).
97
(CEAP), com o apoio da UNESCO, em reunir dados acerca do fenômeno no
país e em defesa da liberdade religiosa, incluindo dados do Disque Direitos
Humanos (Disque 100). A seguir, acessamos alguns casos de intolerância às
religiões de matriz africana apresentados no ano de 2021 à Comissão de
Combate a Intolerância Religiosa do Estado do Rio de Janeiro e relatados no
referido relatório (SANTOS, DIAS e SANTOS, 2023, s.p.):
99
intolerância religiosa e a Polícia Civil investiga o caso. (FERNANDES,
2022)
100
números absolutos haja uma predominância de atos violentos contra o
cristianismo evangélico (35 casos, 34,6%), as religiões de matriz africana são
afetadas de modo preocupante (31 casos, 30,7%). Bem menos numerosa na
sociedade brasileira, essas estão mais expostas à intolerância religiosa
(NICÁCIO, 2021), confirmando a tendência apontada por Santos, Dias e
Santos (2023) no II Relatório sobre intolerância religiosa: Brasil, América Latina
e Caribe.
Dito isso, compreendemos que a intolerância religiosa tem sido utilizada
como mecanismo de exclusão operacionalizado, principalmente, em desfavor
daquelas(es) que professam a fé herdada da ancestralidade africana. Herança
é a palavra de ordem. Por meio do sincretismo, herdamos as religiões de
matriz africana, por meio do colonialismo europeu, herdamos, enquanto
sociedade, a noção de uma superioridade religiosa (SANTOS e GINO, 2023).
E, apesar de compreendemos que tanto o racismo, como o fenômeno aqui
abordado, têm raízes na escravização de povos africanos, é preciso ter em
mente que a intolerância religiosa não está relacionada a questões fenotípicas,
como a cor da pele, mas “tem a ver com a cultura que ela representa e que
está ligada às ‘africanidades’ que nos apresentam uma identidade religiosa
destoante da religiosidade vigente” (SANTOS e GINO, 2023, p.188).
No ano de 2022, a Lei Federal 11.635, de 27 de dezembro de 2007, que
instituiu 21 de janeiro como o Dia de Combate à Intolerância Religiosa no
Brasil, completou 15 anos e, desde então, acompanhamos a criação de frentes
parlamentares, conselhos, grupos de trabalho e políticas públicas em defesa da
liberdade religiosa e combate à intolerância (CUNHA, 2023), mas, como bem
vimos, há muito a ser feito.
Nesse trilhar, é possível afirmar que a identificação dos casos relativos à
intolerância religiosa representa uma dimensão importante para pensar os
processos de reconhecimento de direitos e, principalmente, sobre o papel do
órgão estadual de investigação criminal na responsabilização de infratores,
notadamente em razão da liberdade religiosa e da laicidade que constituem-se
como paradigmas fundantes do Estado de Direito moderno.
Estudos sociológicos e antropológicos têm demonstrado que a ideia de
um Estado impessoal e laico não se realizou nem plenamente, nem de maneira
uniforme, seja porque se observou o surgimento de movimentos de contra
101
secularização, seja porque a laicização se deu de formas variadas e com
efeitos distintos nas sociedades, em especial, no que se refere às formas
político-jurídicas de tratar a diversidade de manifestações religiosas no espaço
público.
Como recomendação para enfrentar a questão, avulta a importância de
que policiais civis estejam atentos no trabalho de investigar tais fatos. Como
primeiro passo, no desempenho de suas atribuições, o servidor da polícia civil
(das carreiras policial e administrativa) deve possuir cuidado meticuloso na
formalização dos atos de apuração, desde o registro do fato (por meio do
boletim de ocorrência: aqui em Minas Gerais, o Registro de Evento de Defesa
Social) até oitivas, comunicações de serviço, termos ordinatórios, laudos
periciais, representações por medidas cautelares e relatórios de investigação.
Em pesquisa relevante, aponta Camila Nicácio (2021, p. 573-575):
103
UNIDADE 4
Fonte: Extraído de Ministério da Educação (2012). Convém destacar que esse infográfico é
anterior à promulgação da Lei nº 13.409, de 28 de dezembro de 2016, que incluiu a categoria
“pessoas com deficiência” no caput do art. 3º da Lei nº 12.711/2012.
Figura 73: Dados sobre a distribuição de pessoas que frequentam o ensino superior.
107
não ocorreu. Antes de discutirmos o status atual da Lei nº12.711/2012,
precisamos compreender o que se entende por revisá-la.
Apesar de relativamente pouco discutido, o processo de revisão é
medida essencial para aferição da eficácia e da efetividade de uma política
pública. Nas palavras do professor Wallace Corbo, “o prazo de 10 anos não é
para que a Lei de Cotas perca os efeitos. Ela não deixará de valer. É só para
criar a obrigação de o governo avaliar quais foram as consequências da política
nesse período e, se necessário, promover alguma mudança (CORBO apud
TENENTE, 2022, s.p.). Ou seja, o processo de revisão serve que se verifique
os resultados alcançados no período já cumprido de funcionamento da lei.
Nesse sentido, três eram as possibilidades, vislumbradas no ano
passado, de posicionamento do Congresso brasileiro ante a Lei nº
12.711/2012: 1) deixá-la fora da pauta, permanecendo válido integralmente o
texto atual (a lei não “caduca” por falta de revisão); 2) a prorrogação do prazo
de revisão; e 3) a discussão efetivamente acontecer, gerando alguma mudança
na lei (por exemplo, restringindo seu alcance a menos grupos ou para incluir
novos mecanismos, como recursos anti-fraude) (TENENTE, 2012).
Findado o ano legislativo, a discussão não ocorreu, valendo a primeira
hipótese acima. O Projeto de Lei nº 5.384/2020 sugeria que o caráter
permanente da política de cotas passe a constar no texto legal, mas desde 14
de junho de 2022 aguarda no Plenário da Câmara para ser votado. O deputado
federal Bira do Pindaré (PSB-MA) foi designado seu relator, e propôs que a
revisão seja adiada por cinco anos, prevista então para ocorrer em agosto de
20278 (MUGNATTO, 2022).
Em paralelo, pesquisa desenvolvida por Godoi e Santos (2021) com
vistas a auxiliar o processo de revisão, demonstrou que a lei alcançou
resultados substanciais e positivos, mas que sua implantação se encontra
aquém de suas possibilidades. Ademais, destacou a necessidade de
desenvolvimento de mecanismos eficazes de monitoramento e avaliação; bem
como a previsão explícita das bancas de heteroidentificação, a fim de coibir
fraudes; entre outras.
8
Na data de redação deste tópico, fevereiro de 2023, a revisão não havia acontecido,
tampouco seu (eventual) adiamento.
108
Outra importante política afirmativa no âmbito federal é a Lei
12.990/2014, que reserva aos negros 20% (vinte por cento) das vagas
oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e
empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias,
das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia
mista controladas pela União.
De acordo com a legislação, poderão concorrer às vagas reservadas a
candidatos negros aqueles que se autodeclararem pretos ou pardos no ato da
inscrição no concurso público, conforme o quesito raça/cor utilizado pelo IBGE.
Na hipótese de constatação de declaração falsa, o candidato será eliminado do
concurso e, se houver sido nomeado, ficará sujeito à anulação da sua
admissão ao serviço ou emprego público, após procedimento administrativo em
que lhe sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa, sem prejuízo de
outras sanções cabíveis.
A citada legislação entrou em vigor no ano de 2014 e tem vigência pelo
período de dez anos.
Em 2017 foi julgado pelo Supremo Tribunal Federal uma Ação Direta de
Constitucionalidade (ADC 41/DF) em relação à Lei 12.990/2014, que declarou
a legislação constitucional, conforme trecho da decisão:
9
Segundo a lógica da one-drop-rule (ou “Regra da Gota de Sangue”), basta que um
indivíduo tenha um ascendente negro, qualquer e a qualquer distância, para ser considerado
negro. A teoria, usual nos Estados Unidos da América, define que a racialização independe do
fenótipo, de modo que mesmo indivíduos fenotipicamente caucasianos, tendo ascendente(s)
negro(s), é considerado negro. Como demonstra Munanga (2021) essa lógica assinala o
racismo dito “de origem”.
110
fotografia colorida incontestável onde aparece a cor da pele e outros
traços morfológicos que remetem à negritude, o candidato ou a
candidata não é barrado(a) pela Comissão. Mas quando há um
desencontro entre a autodeclaração e o fenótipo de um candidato que
se autoidentifica como pardo, mas que tem um fenótipo claramente
caucasiano, a autodeclaração teria de ser contestada pela Comissão
[...]. Esse candidato não pode ser simplesmente barrado sem
averiguação [...]. (Munanga, 2021, p.128)
Figura 74: Reportagem sobre fraude em cota racial. Servidor exonerado por fraude em cota
racial.
111
11. QUAIS PROVIDÊNCIAS DEVEM SER ADOTADAS EM CASO DE
PRECONCEITO E DISCRIMINAÇÃO DECORRENTES DA RAÇA
10
Neste momento preambular, face a caracterização do flagrante delito, é dever
imperativo a atuação imediata da PCMG.
112
Figura 75: Imagem da cartilha de orientação.
Fonte: Sofri racismo, o que fazer? Cartilha de orientação à população no combate ao racismo.
113
Após o registro do fato por meio da ocorrência policial, uma das
hipóteses é a instauração do Inquérito para apuração dos fatos, com a
produção dos elementos informativos (v.g., oitiva de todos os envolvidos,
elaboração de laudos periciais conforme o caso e a realização de outras
diligências cabíveis para apuração). Finda a etapa policial investigativa, o
procedimento concluído será encaminhado à justiça para análise do Ministério
Público.
A vítima poderá buscar orientação jurídica, que pode ser realizada pela
Defensoria Pública ou por advogado. Poderá ainda acompanhar todas as fases
do inquérito policial e processo judicial.
Além da investigação criminal, a vítima poderá ingressar com ações
cíveis através de advogado/defensor público, solicitando indenizações, quando
cabível.
Noutro pórtico, é possível, ainda, registrar denúncias de forma
identificada ou anônima, através de serviços existentes com esta finalidade,
como o Disque 100 ou 181.
Cita-se o caso do jornalista Manoel Soares que foi vítima de racismo
através de publicações realizadas em uma rede social. Após a investigação, foi
possível identificar o autor do delito, que reside em Belo Horizonte, o qual
confirmou ter realizado as postagens.
Fonte: https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2022/02/04/homem-e-indiciado-em-bh-por-
comentario-racista-contra-jornalista-manoel-soares.ghtml.
114
Figura 78: Atenção.
115
12. EQUIPAMENTOS EXISTENTES NA PROMOÇÃO DA IGUALDADE
RACIAL
116
Figura 79: Imagem do canal Disque 100.
117
para combater a discriminação racial, reduzir as desigualdades sociais,
econômicas, financeiras, políticas e culturais e ampliar o processo de
participação social.
120
13. CONSIDERAÇÕES FINAIS
121
Neste contexto, tendo em conta as obrigações constitucionais e
internacionais (decorrentes das normas de Direitos Humanos) impostas ao
Estado brasileiro em matéria de discriminação racial, são necessárias medidas
oportunas e eficazes. Primeiro, no que diz respeito ao dever de respeitar o
direito à igualdade de todas as pessoas, o Estado deve realizar ações
destinadas a capacitar os servidores das instituições encarregadas de fornecer
segurança aos cidadãos e, assim, tais agentes possam realizar o seu trabalho
de forma civilizada, respeitosa e garantidora. Como componente dessa
obrigação, é essencial que as instituições policiais (e, também, as outras que
compõem o sistema de Justiça Crimianal) cumpram o dever de transparência
da informação sobre a situação particular da população negra no sistema
penal, especialmente ao nível da ação policial. Em segundo lugar, no que diz
respeito à garantia do direito à igualdade e à não discriminação, a PCMG, por
meio de seus servidores, deve estabelecer procedimentos cientificamente
construídos e transparentes para o desencadeamento de atos de investigação
e de atendimento ao público.
Finalmente, como medida geral, é fundamental a promoção do diálogo
entre as instituições policiais e os líderes e organizações comunitárias dos
diferentes setores da sociedade civil. Os servidores da PCMG podem não só
facilitar a construção de relações mutuamente respeitosa entre a polícia e os
cidadãos, mas também podem estabelecer passos seguros para a contribuição
do importante esforço conjunto de redução dos índices de violência e
criminalidade.
122
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