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POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS

ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS

RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO BRASIL E ATUAÇÃO POLICIAL

Administração: Dra. Cinara Maria Moreira Liberal

Belo Horizonte – 2023

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RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO BRASIL E ATUAÇÃO POLICIAL

Coordenação Geral
Cinara Maria Moreira Liberal

Subcoordenação Geral
Marcelo Carvalho Ferreira

Coordenação Psicopedagógica
Rita Rosa Nobre Mizerani

Coordenação de Disciplina
Diego Fabiano Alves

Conteudistas:
Guilherme Cardoso Vasconcelos
Isabella Franca Oliveira
Lydiane Maria Azevedo
Lucas Eduardo Guimarães
Nayara Ferreira de Souza Saraiva

Produção do Material:
Polícia Civil de Minas Gerais

Revisão e Edição:
Divisão Psicopedagógica - Academia de Polícia Civil de Minas Gerais

Reprodução Proibida

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SUMÁRIO

UNIDADE 1 ..................................................................................................... 4
1. REFLEXÕES INICIAIS ................................................................................ 4
2. CONCEITOS IMPORTANTES ..................................................................... 7
3. QUESTÃO RACIAL NO BRASIL............................................................... 20
4. DADOS SOBRE RAÇA NO BRASIL CONTEMPORÂNEO ....................... 31
UNIDADE 2 ................................................................................................... 39
5. MARCOS LEGAIS DO ANTIRRACISMO .................................................. 39
6. CONDUTAS RELACIONADAS À RAÇA QUE SÃO CONSIDERADAS
CRIMES NO BRASIL .................................................................................... 51
7. DIFERENCIAÇÃO ENTRE OS CRIMES DE RACISMO E DE INJÚRIA
RACIAL ......................................................................................................... 64
UNIDADE 3 ................................................................................................... 75
8. IMPLICAÇÕES DO RACISMO E DA DISCRIMINAÇÃO RACIAL NA
ATUAÇÃO POLICIAL ................................................................................... 75
9. ALGUMAS REFLEXÕES ACERCA DA INTOLERÂNCIA RELIGIOSA NO
BRASIL ......................................................................................................... 93
UNIDADE 4 ..................................................................................................104
10. A IMPORTÂNCIA DE POLÍTICAS AFIRMATIVAS PARA IGUALDADE
RACIAL ........................................................................................................104
11. QUAIS PROVIDÊNCIAS DEVEM SER ADOTADAS EM CASO DE
PRECONCEITO E DISCRIMINAÇÃO DECORRENTES DA RAÇA ..............112
12. EQUIPAMENTOS EXISTENTES NA PROMOÇÃO DA IGUALDADE
RACIAL ........................................................................................................116
13. CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................121
REFERÊNCIAS ............................................................................................123

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UNIDADE 1

1. REFLEXÕES INICIAIS

Neste curso, teremos a oportunidade de abordar aspectos importantes


ao entendimento das relações étnico-raciais em nosso país. Ainda que a Lei nº
7.716, de 05 de janeiro de 1989, que define os crimes resultantes de
preconceito de raça e cor, etnia, religião ou procedência nacional, tenha
completado mais de 30 anos de existência, vivemos em uma nação que
enfrenta um significativo cenário de desigualdade racial e de vulnerabilização
da população negra.
Segundo o Atlas da Violência, no ano de 2020, 76,2% das pessoas
assassinadas no Brasil eram pretas ou pardas, sendo que, se contabilizarmos
todas as pessoas negras mortas em uma década no país (408.605 pessoas),
teremos um número que é superior à população da cidade de Palmas, capital
do Tocantins, que é, conforme projeção do IBGE para 2022, composta por
334.454 pessoas.

Figura 01: Dados estatísticos sobre homicídio e população negra.

Fonte: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2022.

Assim, primeiramente conheceremos conceitos-chave utilizados em


nosso país quando nos referimos a pretos e pardos, como: raça, etnia, racismo,
preconceito e discriminação racial. Ademais, discutiremos como a questão
racial delineou-se no Brasil e porque trata-se de um tema que não diz respeito
exclusivamente ao povo negro. Em seguida, por meio do estudo de dados
estatísticos sobre raça no Brasil, compreenderemos alguns dos obstáculos que
desafiam o princípio da igualdade para uma representativa parcela da nossa

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sociedade e a consequente violência que vitimiza a população negra. Depois,
perpassaremos por alguns marcos legais contra o racismo no Brasil. Por fim,
examinaremos o que diferencia o crime de racismo e o de injúria racial, bem
como algumas orientações quanto às providências a serem adotadas caso a
pessoa sofra, presencie ou tome conhecimento de algum ato de racismo.

Figura 02: Quantitativo de pessoas negras assassinadas nos últimos 10 (dez) anos.

Fonte: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2022.

Diante da amplitude das definições que serão apresentadas, será


bastante razoável parecer estranho a quem lê, o enfoque, quase exclusivo, nas
relações étnico-raciais entre pessoas brancas e negras. E outros grupos
discriminados e minoritários do ponto de vista da pertença racial, como ficam?
Os indígenas, judeus, amarelos1?
São questões sem dúvida pertinentes. Há sobretudo duas razões
práticas para essa escolha – a primeira delas, quantitativa: as pessoas
autodeclaradas brancas e negras compõem a imensa maioria da população
brasileira. A segunda, que diríamos “acadêmica”, mas que ao fundo é também
quantitativa, diz respeito à produção teórica existente sobre as relações
racializadas: a variedade de materiais, enfoques e produções sobre a díade
brancos e negros é muito maior do que as outras, certamente em razão da
própria magnitude populacional.

1
Aqui, repetimos a designação de cor/raça dada pelo IBGE, apesar de termos
conhecimento de que há críticas a esse rótulo postuladas por grupos de japoneses, chineses,
coreanos e seus descendentes no Brasil. Entretanto, em prol da clareza e da homogeneidade
textual, nos limitamos ao nome atualmente estabelecido.
5
Apesar disso, os dispositivos legais, as normas e aparatos institucionais
existentes não estão submetidos ao mesmo recorte. Em certa medida,
resguardadas as particularidades de diferentes grupos étnico-raciais, boa parte
do que se discutirá nas páginas a seguir pode ser usado por analogia para a
análise de outros cenários de desigualdade racial. Nesse sentido, esperamos
ter sido capazes de apresentar os temas e reflexões de maneira tal que esse
aproveitamento se dê facilmente.
Ademais, não é excessivo lembrar que este material não é, não pretende
ser (e nem poderia ser) definitivo sobre o tema. Pelo contrário, ele é tão
somente uma porta de entrada para um assunto sobre o qual ainda há muito
por ser discutido. Esperamos que o conhecimento compartilhado neste curso
possa contribuir para o entendimento do problema, que figura como pano de
fundo de parte significativa das violências evidenciadas no Brasil, bem como os
aspectos legais envolvidos.

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2. CONCEITOS IMPORTANTES

Antes de iniciarmos qualquer discussão acerca das relações étnico-


raciais no Brasil, é importante que tenhamos em mente qual a definição desse
conceito e também de outros relacionados. Para isso utilizaremos, entre outras,
as reflexões apresentadas pela professora Nilma Lino Gomes, no texto
intitulado “Alguns termos e conceitos presentes no debate sobre relações
raciais no Brasil: uma breve discussão”. Gomes (2005) dialoga com os
movimentos sociais a fim de apresentar conceitos-chave utilizados em nosso
país quando nos referimos a pretos e pardos. Lembrando que, conforme
convencionado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no
Brasil a população definida como negra é aquela composta pelas pessoas
que se autodeclaram pretas ou pardas.

Figura 03: Quadro pintado pela artista plástica Rita Vianna.

Antes de falarmos em “identidade negra”, precisamos compreender o


que o conceito de “identidade” define. Conforme descrito por Deschamps &
Moliner (2014), a psicologia social contemporânea, no bojo das ciências
sociais, entende a existência de dois processos identitários: de um lado, a
identidade individual, que permite que um indivíduo reconheça a si mesmo ao
longo do tempo (aquilo que ele expressa quando lhe perguntam quem ele é); e

7
a identidade social, que é marcada pelo reconhecimento dos grupos sociais
aos quais os indivíduos fazem parte. Entretanto, esses processos não são
isolados: há elementos na identidade pessoal (ou individual) que são oriundos
das relações grupais, enquanto entre pessoas que compartilham uma mesma
identidade social, são as identidades individuais que as diferenciam.
Para apresentar o conceito de identidade negra, Gomes (2005) nos
lembra que a identidade não é algo inato, vez que é decorrente de nossa
interação com o mundo que nos cerca, se constrói e se expressa em larga
medida por meio de práticas linguísticas, tradições e comportamentos. Esses
traços assinalam pertencimentos, marcam nos sujeitos suas vinculações aos
diferentes grupos que fazem parte: uma família específica, uma naturalidade,
uma classe social, um sexo, um grupo étnico-racial. Nesses termos, as
pessoas buscam alcançar a valorização de seus grupos de pertença, porque
isso reflete, ao fim e ao cabo, na distinção positiva de si mesmo, como parte
daquele grupo socialmente valorizado (MONTEIRO, 2013). Alguns grupos de
nossa sociedade, como negros e indígenas, cuja história é marcada por
subalternização e marginalidade, têm maior necessidade e dificuldade para
valorizar suas diferenças em relação aos demais grupos. Inserida nesse
cenário, a identidade negra, se manifesta como uma maneira de fortalecer do
modo de existir dessas pessoas perante a sociedade (WOODS, 1987).

Figura 04: Significado de subalternização.

A construção da identidade do povo negro, assim como outros


processos identitários, dá-se gradativamente sob a influência de fatores
sociais, históricos e culturais diversos. Segundo Gomes (2005, p.43)
“geralmente este processo se inicia na família e vai criando ramificações e
desdobramentos a partir das outras relações que o sujeito estabelece.” A
autora ressalta o quanto pode ser difícil construir uma identidade positiva em

8
uma sociedade que, desde muito cedo, ensina às pessoas negras que para ser
aceito é preciso negar a si mesmo.

Figura 05: Charge do artista Thyagão.

A utilização do termo raça pode assumir vários sentidos, a depender do


contexto no qual é aplicado, de quem fala, como e quando fala. Quando o
Movimento Negro e especialistas da área, como sociólogos e psicólogos
sociais, utilizam o conceito para dialogar sobre fenômenos como o racismo e a
discriminação presentes na sociedade brasileira, o fazem baseando-se na
dimensão social e política do termo e não alicerçados na ideia de superioridade
e inferioridade biológica, como originalmente era usada no século XIX. Ou seja,
o conceito é utilizado para retratar e compreender a realidade das pessoas
racializadas.
Ao investigar a questão da assim chamada “mestiçagem racial” na
sociedade e no pensamento brasileiro, o antropólogo Kabengele Munanga
inicia por discutir a própria concepção de raças humanas. Na definição do
autor, as denominações raciais (negro, branco, amarelo, mestiço etc.), apesar
de possuírem diferenças visualmente perceptíveis e, por meio dessa
percepção, carregarem a crença de que são exclusivamente fundadas na
biologia são, na verdade, uma “manipulação do biológico pelo ideológico”
(MUNANGA, 2020, p. 24). Em outros termos, o que o autor demonstra ao

9
retomar o processo histórico de construção dessas diferenças, é que aquilo
que nos parecem distâncias biológicas são, na verdade, distâncias culturais
biologizadas: ou, como diria Silvio Almeida (2020), foi o racismo que inventou a
raça, não o contrário.
Naturalmente, isso não quer dizer que não existem diferenças
biológicas, físicas, entre as pessoas. Como dissemos, essas diferenças
existem e estão no campo do evidente. O que não existe, do ponto de vista
biológico, é a definição de diferentes raças humanas. Estas são na realidade
construções históricas, socioculturais e políticas, que emergem nas relações
sociais e de poder. Cultural e socialmente nós aprendemos a enxergar as
raças, ou seja, aprendemos a perceber as diferenças, a comparar e a
classificar a partir de características físicas, como afirma Gomes (2005). O
problema começa quando essa percepção da diferença resulta em
estereotipização do outro e na hierarquização, a priori, dos grupos em razão de
suas características fenotípicas.
O emprego do termo etnia é preferido por algumas pessoas que
acreditam que a utilização do conceito de raça, mesmo em uma dimensão
social e política, pode significar um retorno à sua perspectiva biológica (e
consequentemente, sua limitação a esta perspectiva). Além disso, é utilizado
para referir-se a um grupo de pessoas que têm certo tipo de consciência
acerca de suas origens e interesses em comum (GOMES, 2010). A identidade
desse grupo define-se com base no compartilhamento de uma língua, de uma
cultura, de tradições, de momentos históricos e territórios já habitados. Não se
trata, assim, de um mero agrupamento de pessoas (GOMES, 2010).

Figura 06: Fotografia de diferentes pessoas.

A aplicação da expressão étnico-racial acaba significando que, para


compreensão da realidade do negro em nossa sociedade é preciso considerar,
10
além da classificação racial pautada em características físicas, também a
dimensão identitária (GOMES, 2010). Assim, chamamos de relações étnico-
raciais aquelas construídas – no processo histórico, social, político,
econômico e cultural – em contextos nos quais a raça, em sua dimensão
social e política, é utilizada como forma de demarcação das diferenças
entre as pessoas.
Conforme nos lembra Gomes (2010), para uma análise profunda das
relações étnico-raciais é preciso ter em mente que os sujeitos vivem diferentes
processos identitários, os quais interferem no modo como é construído seu
pertencimento étnico-racial. Por exemplo, a identificação de uma criança negra
com outras pessoas negras e com a cultura e história de seus antepassados
pode ser influenciada pela maneira como a temática é trazida a ela, ou seja,
como os aspectos étnico-raciais são vivenciados no dia a dia.
Acerca do conceito de racismo, Almeida (2020, p. 32) o define como:

uma forma sistemática de discriminação que tem a raça como


fundamento, e que se manifesta por meio de práticas conscientes ou
inconscientes que culminam em desvantagens ou privilégios para
indivíduos, a depender do grupo racial ao qual pertençam.

Gomes (2005) resume de maneira mais direta que o racismo é, por um


lado, a aversão, até mesmo ódio, direcionado a pessoas nas quais se observa
sinais de pertencimento racial (racializadas), tais como cor de pele e tipo de
cabelo; e por outro lado, diz respeito a um conjunto de ideias de grupos que
acreditam na existência de hierarquia entre as raças.
O racismo pode ser concebido como um fenômeno de natureza
individualista, institucional ou estrutural. Novamente, trata-se de uma
distinção formal, de algo que efetivamente não se manifesta de maneiras tão
desconectadas uma das outras, conforme veremos. Neste momento, nos basta
uma distinção superficial de suas manifestações. Assim, a visão individualista
do racismo, é aquela que se observa quando indivíduos cometem atos
discriminatórios contra outros indivíduos, de maneira singular e dirigida. Esses
atos podem se dar desde comportamentos de recusa da interação, até
situações de agressão e violência física. Dois exemplos veiculados pela grande
mídia são especialmente ilustrativos. No primeiro deles, uma consumidora
enviou mensagem ao comércio no qual fizera um pedido com os seguintes
dizeres: “Por favor mandem um entregador branco, não gosto de pretos nem
11
pardos [...]”, causando revolta nos funcionários (MARTINS, 2022). O segundo
exemplo, certamente bastante cruel, foi vivido por uma criança de 10 anos em
uma praia no estado do Rio de Janeiro. Enquanto realizava um ensaio
fotográfico vestida com uma fantasia de sereia, a menina ouviu de um homem
a frase “Nunca vi sereia preta” (CATRACA LIVRE, 2022). Nessa concepção,
pode-se falar menos em racismo e mais em preconceito, posto que se
manifesta na ação (comportamento) isolada de indivíduos ou grupos bem
delimitados, e supostamente é fruto de uma patologia ou anormalidade, de
ordem moral ou orgânica (ALMEIDA, 2020).
Já na concepção institucional, o conceito de racismo diz respeito a
práticas discriminatórias promovidas pelo Poder Público, pelo Estado ou por
outros organismos (as instituições) com o apoio indireto ou chancela do
Estado, como o isolamento de negros em determinados espaços; a concessão
de privilégios ou desvantagens baseadas na raça; ou a permissividade ante a
imagens estereotipadas de personagens negros em livros didáticos ou na
publicidade (GOMES, 2005). Para o melhor entendimento dessa concepção, é
imprescindível que compreendamos que o termo “instituição” não se refere
exclusivamente a estruturas físicas, mas abarca também o funcionamento
institucional (DOUGLAS, 1998), manifesto como “somatório de normas,
padrões e técnicas de controle que condicionam o comportamento dos
indivíduos”, conforme Almeida (2020, p.39). Assim, podemos perceber que o
Poder Judiciário, as polícias, o sistema educacional, enfim, o próprio Estado
em si, são exemplos de instituições.
Figura 07: Propaganda racista.

Fonte: https://economia.uol.com.br/listas/propagandas-acusadas-de-racismo.htm

12
A consideração do racismo de natureza institucional se apoia sobre a
percepção de que, em diversos momentos da História humana, o racismo foi
cometido com o aporte de leis ou do funcionamento regular das instituições. O
Holocausto nazista, as leis de segregação nos Estados Unidos ou na África do
Sul, para nos limitarmos a uns poucos exemplos, descrevem situações em que
a discriminação étnico-racial representou o modo de funcionamento regular do
Estado, legalmente amparado.
Por fim, cabe discutir a perspectiva estrutural do racismo, conforme
apresentada por Silvio Almeida (2020). Ainda que algumas vezes “racismo
institucional” e “racismo estrutural” sejam tomados como sinônimos, de acordo
com o autor, o racismo estrutural tem caráter mais amplo e transversal, já que
“as instituições são racistas porque a sociedade é racista” (ALMEIDA, 2020,
p.47). Ou seja, o conceito diz respeito à prática do racismo que decorre da
própria estrutura social, a qual é consolidada nas relações cotidianas, políticas,
econômicas, jurídicas etc. Conforme discutido pelo psiquiatra martinicano
Frantz Fanon (2020), a subalternização das populações negras é tomada como
um dado natural, fazendo-se presente, ainda que imperceptível de imediato, no
funcionamento normal das sociedades contemporâneas. Fruto do colonialismo
moderno (séculos XVIII e XIX, sobretudo), o racismo estrutural carrega consigo
a noção de uma sub-humanidade do negro (CÉSAIRE, 2020), que faz da sua
existência algo de menor valor, inclusive exterminável (MBEMBE, 2018).
A manifestação da faceta estrutural do racismo torna-se evidente
quando observamos, por exemplo, a maior pré-disposição ao uso desmedido
da força por agentes de segurança contra indivíduos negros tomados, de
partida, como agressores (FANTTI, 2023). Entretanto, o racismo estrutural não
se encerra na ação individual de quem, como no caso citado, puxa o gatilho:
está também na percepção coletiva desse ato, que o sopesa e normaliza, com
frases como “mas será mesmo que ele não fez nada de ameaçador?” e outras
semelhantes. Essa orientação discriminatória de nossa coletividade, marcada
pela diferença racial, chega a criar zonas de permissividade ou, nas palavras
do filósofo camaronês Achille Mbembe (2018), “espaços de exceção”, nos
quais a lei funciona diferente e direitos fundamentais ficam indisponíveis
(ADORNO, 2017).

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Figura 07: Conceitos importantes sobre racismo estrutual.

No entanto, Almeida (2020) também chama atenção que entender o


fenômeno como estrutural não isenta quem comete atos racistas de sua
responsabilidade individual quanto à intolerância praticada, pelo contrário:
compreender que o racismo é parte de uma estrutura social e não um ato
isolado torna todos ainda mais responsáveis pelo seu enfrentamento. Dito

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numa metáfora, ainda que o racismo monte o palco e seja o material do qual é
feito todo o cenário, ainda serão pessoas de carne e osso, os atores, que
atuam sobre esse palco, que interagem nesse cenário.
Na prática, o racismo estrutural está presente no nosso cotidiano na
naturalização de muitas práticas, como por exemplo:

● quando, independente do seu nível de instrução, a remuneração


da população negra é inferior ao valor pago à população branca em igual
posição;
● quando não encontramos pessoas negras em cargos de
liderança;
● quando se constata que a população negra é mais atingida pela
violência do que a população não-negra, inclusive em índices fatais;
● ao nos depararmos com uma escassez de produções culturais
(como filmes e novelas) em que há pessoas negras em papel de destaque, ou
mesmo a sua sub-representação nessas mesmas produções, quando
comparada à população geral;
● no preconceito em relação às religiões de matriz africana (racismo
religioso);
● em nosso círculo social, quando fazemos e/ou toleramos piadas
de cunho racial ou utilizamos frases que inferiorizam os grupos racializados; ou
● quando, automaticamente, um homem negro se torna sinônimo de
perigo e acaba sendo vítima de violência.

Um ponto importante precisa ser colocado acerca daquilo que


popularmente é rotulado como “racismo reverso”. Sua existência é tanto uma
impossibilidade lógica quanto conceitual. Do ponto de vista lógico, afirmar a
existência de um racismo reverso exige que se reconheça que há um “racismo
normal” – no qual o negro é inferiorizado – e um racismo “incomum”, que
inverte essa normalidade ao inferiorizar a população branca. Desnecessário
chamar atenção de que não há racismo que possa ser tomado como natural ou
normal, visto que não existe condição de subordinação de grupos humanos a
priori, fora do contexto social de interação.

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No que diz respeito à impossibilidade conceitual, lembremos que o
racismo é um processo político de discriminação sistêmica que influencia a
organização e funcionamento da sociedade (ALMEIDA, 2020). Ele é sofrido,
enquanto tal, por quem não domina as posições de poder e mando. Ou seja,
não é razoável pensar que negros (ou outro grupo étnico-racial subalternizado)
tenham condições materiais de submeter brancos (ou outro grupo étnico-racial
socialmente dominante) a processos de discriminação, em razão de sua
própria condição como subalternizados.
Abordaremos a seguir a distinção entre preconceito e discriminação
racial, mas antes precisamos desatar um último nó que pode ter restado acerca
do chamado “racismo reverso”. É possível que alguns de nós tenhamos
vivenciado, ou até experienciado, atitudes discriminatórias ou de preconceito
vindas de pessoas negras – seja dirigido a pessoas brancas ou até mesmo a
outras pessoas negras (ED., 2023) – e, nos lembrando dessas situações,
tenhamos dificuldade em compreender o racismo reverso como uma
impossibilidade. Entretanto, o ponto fundamental diz respeito à efetividade e
amplitude social desses atos discriminatórios. Novamente, nas palavras de
Almeida:

Há um grande equívoco nessa ideia porque membros de grupos


raciais minoritários podem até ser preconceituosos ou praticar
discriminação, mas não podem impor desvantagens sociais a
membros de outros grupos majoritários, seja direta, seja
indiretamente. Homens brancos não perdem vagas de emprego pelo
fato de serem brancos, pessoas brancas não são "suspeitas' de atos
criminosos por sua condição racial, tampouco têm sua inteligência ou
sua capacidade profissional questionada devido à cor da pele.
(ALMEIDA, 2020, p.53)

Acerca dos demais conceitos, Gomes (2005) e Almeida (2020)


diferenciam ainda preconceito e discriminação racial.
O preconceito racial manifesta-se por meio de julgamento prévio,
baseado em estereótipos (em geral negativos) sobre os indivíduos que
compõem um grupo étnico-racial. Trata-se de uma opinião descolada da
realidade, generalizante (“negros são preguiçosos”, “judeus são avarentos”,
“mulheres brasileiras são fáceis”).
É importante destacar que ninguém nasce preconceituoso, é um
comportamento aprendido socialmente e que, a despeito de existir e ser
disseminado, dificilmente veremos quem goste de assumir-se preconceituoso.
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O conceito de discriminação racial, por sua vez, pode ser definido
como a efetivação do preconceito racial e do racismo. Conforme nos ensina
Gomes (2005, p.55), “enquanto o racismo e o preconceito encontram-se no
âmbito das doutrinas e dos julgamentos, das concepções de mundo e das
crenças, a discriminação é a adoção de práticas que os efetivam” ou, nos
termos mais amplos de Almeida (2020, p.32) a discriminação racial é “a
atribuição de tratamento diferenciado a membros de grupo racialmente
identificados”.

Figura 08: Afirmação importante.

A discriminação pode ser ainda diferenciada como direta ou indireta,


positiva ou negativa: a forma direta deriva de atos ostensivos de discriminação
de uma pessoa, expressamente, em razão de sua cor – como no mencionado
episódio de xingamento à criança de 10 anos no Rio de Janeiro. Já a forma
indireta resulta de políticas públicas ou práticas administrativas que, apesar de
aparentemente neutras do ponto de vista racial (numa lógica conhecida como
color blindness, quando as diferenças objetivas entre os grupos raciais é
desconsiderada, restringindo-se à igualdade formal), possuem potencial
discriminatório. Isso porque as condições concretas de existência dos grupos
minoritários impactam diretamente na existência desses grupos e nas
possibilidades de seus indivíduos acessarem recursos coletivamente
disponíveis. Sua manifestação afronta o Princípio da Igualdade da Pessoa
Humana, conforme resumido pela máxima aristotélica: deve-se tratar
igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua
desigualdade. Sua marca é percebida “quando os resultados de determinados
indicadores socioeconômicos são sistematicamente desfavoráveis para um

17
subgrupo racialmente definido em face dos resultados médios da população”
(GOMES, 2005, p. 56).
Por fim, Almeida (2020) chama atenção para a possibilidade de uma
discriminação racial indireta e positiva, em atenção restrita ao princípio da
igualdade: é ela que destacamos quando pensamos no “tratamento desigual
aos desiguais, na medida de sua desigualdade”. Sua existência se funda na
lógica de color consciousness, qual seja, numa perspectiva que considera a
existência das diferenças sociais entre os grupos raciais, e atua na medida
dessas diferenças, instaurando um regime de igualdade material entre os
grupos. Configuram discriminações positivas, por exemplo, programas de
ações afirmativas como as cotas.
Resumindo...

Figura 09: Resumo de termos importantes do capítulo.

Figura 10: Resumo de outros conceitos importantes para a compreensão do capítulo.

18
Uma vez tendo repassado conceitos fundamentais à compreensão da
questão racial em nosso país, partimos ao estudo do percurso histórico do
tema até os dias de hoje2.

2
Antes de avançar, se faz necessário apontar uma nota em relação a figura 10: o termo
“dororidade” foi cunhado pela pensadora Vilma Piedade e apresentado em 2017 em livro
homônimo. Criando em complemento ao termo feminista “sororidade” (do latim soror – irmã e
~eidade, conjunto irmandade feminina), dororidade visa destacar que há dores que unem as
mulheres negras que vão além daquelas consequentes do machismo (MARIA, 2022).
19
3. QUESTÃO RACIAL NO BRASIL

Para discutirmos a questão racial no Brasil é preciso voltarmos na


História, a fim de compreender a razão do contexto brasileiro de racismo,
preconceito e discriminação estar tão relacionado a acontecimentos que
extrapolam o próprio território do país, bem como porque a discussão da
temática racial não deve ser exclusiva do povo negro. Trata-se de uma questão
social, política e cultural de todos/as os/as brasileiros/as e da comunidade
internacional (GOMES, 2005).
Segundo Carula (2016), o termo “raça” começa a ser utilizado na Europa
durante o período da Reconquista da Península Ibérica pelos cristãos (entre
718 e 1492). Supostamente, sua origem está no termo árabe “ra’s”, que
designa o chefe de um clã ou grupo. No uso cristão, o uso de raça (como
“raza”) servia para indicar a origem e descendência de alguém. Esse destaque
tão remoto é particularmente importante para esclarecer que o termo, em
princípio, não servia para designar separações humanas baseadas em
características fenotípicas. Pelo contrário, antes do século XVII, o paradigma
de distinção social mais relevante era o religioso: de um lado os cristãos
(brancos) e do outro os não cristãos (pagãos, muçulmanos, judeus) – não-
brancos, portanto (CARULA, 2016).

Figura 11: Atenção ao conceito de colonização.

O uso do termo numa acepção mais próxima àquela da


contemporaneidade se deu com a publicação de Nouvelle division de la terre,
par les diferentes espèces ou races d'hommes qui l'habitent (“Nova divisão da
20
terra pelas diferentes espécies ou raças de homens que a habitam”, em
tradução livre), de François Bernier, em 1684 (CARULA, 2016, p. 156). Nela, o
autor defende a classificação da humanidade em quatro ou cinco raças de
homens, conforme sua cor de pele, características físicas e dados geográfico-
espaciais. Isso trouxe consequências diretas para aquilo que nos acostumamos
a chamar de “colonização do Novo Mundo”, que significou para as populações
nativas (sobretudo ameríndios e africanos) a utilização das diferenças
fenotípicas como elementos de segregação, bem como a violência das práticas
aplicadas naquela época com base nessas distinções. O tráfico de pessoas
negras de África para as Américas atrelava-os à noção de inferioridade
decorrente da própria condição como escravizados. As pessoas negras eram
coisificadas e comercializadas sob a justificativa de sua sub-humanidade,
alicerçada em crenças religiosas e filosóficas.

Figura 12: Atenção ao conceito de Novo Mundo.

Conforme descreve Berkenbrock (2012), estimativas apontam que, no


período em que perdurou o tráfico transatlântico de pessoas (encerrado
oficialmente em 1852), aproximadamente 3.600.000 negros escravizados foram
trazidos à força para o Brasil. Isso representou algo em torno de 38% do total
de cativos tirados do continente africano em direção às Américas. Se levarmos
em conta que esses números são imprecisos, possivelmente subestimados
(sobretudo pela destruição dos documentos do período escravista pela
República), e que muitos escravizados morriam na travessia do oceano,
perceberemos que é real a possibilidade de que o número de pessoas
efetivamente sequestradas de África seja ainda maior.
É no século XIX que dois fatos históricos importantes ocorreram, e foram
responsáveis por trazer ao centro do debate jurídico e científico de então o

21
conceito de raça e a prática do racismo: a consolidação dos Estados Nacionais
como forma primordial de ordenamento político e territorial – o que transparecia
a emergência do capitalismo e de um sistema de classes que exigia o
reordenamento de grupos sociais; e o imperialismo europeu que, a partir de
sua expansão moderna, intensificou as relações dos estados europeus com os
outros povos e nações (HEILBORN et al, 2010).

Figura 13: Atenção ao conceito de Imperialismo.

A partir desse momento, os países, caracterizados como Estados


Nacionais, precisavam solidificar suas bases culturais, bases estas que
deveriam cumprir o papel de criar nas pessoas um sentimento de pertença à
nação. Ou seja, elas deveriam reconhecer-se como pertencentes a um mesmo
grupo, com os mesmos costumes. E foi nesse contexto que o conceito de raça
assumiu uma gama de significados, os quais caracterizavam uma noção nova
de “raça nacional” (HEILBORN et al, 2010).

Figura 14: Atenção ao conceito de Estado-Nacional.

22
No entanto, como nos lembram Heilborn et al (2010), unificar povos
implicava no fato de dar à nação uma origem comum, ratificada na História, e a
definição de um Outro, o diferente que permite a afirmação da semelhança
entre os nacionais. Esse movimento se consolida na ideia de que as raças
europeias eram superiores às demais e deu força para teorias raciais que
justificavam cientificamente tal superioridade.
Desde a colonização das Américas, as discussões sobre o conceito de
raça foram evoluindo por campos diversos. Durante muitos anos, o uso do
termo nas ciências, na política ou na sociedade, esteve ligado de um modo
geral à dominação político-cultural de povo e de nações, como a exemplo do
domínio nazista da Alemanha no contexto da Segunda Guerra Mundial (1939-
1945) (GOMES, 2005).

Figura 15: Atenção para o termo Segunda Guerra Mundial.

Fortemente apoiada nas propostas do chamado “racismo científico” do


final do século XIX e início do século XX, a ideia vigente era a de que a raça
ariana era superior às outras raças em termos biológicos, sociais e culturais
(HISTÓRIA FM, 2023). Muitas atrocidades foram cometidas em nome dessa
suposta hierarquização das raças. Entretanto, para autores como o martinicano
Aimé Césaire (2020), o sul-africano Steve Biko (WOODS, 1987) e o camaronês
Achille Mbembe (2018), o horror nazista vivenciado pelos europeus em seu
próprio território foi a transposição do terror que colônias e ex-colônias nas

23
Américas, na África, na Ásia e na Oceania já conheciam desde o século XVI.
Para Mbembe (2018), as torturas e execuções em massa, o Holocausto, foram
o auge da aplicação de ferramentas de domínio que haviam sido aprimoradas –
sem grande censura da comunidade internacional – nos espaços coloniais. Nas
palavras de Aimé Césaire:

[...] o que ele [o europeu típico do começo do século XX, “muito


humanista e muito cristão”] não perdoa em Hitler não é o crime em si,
o crime contra o homem, não é a humilhação do homem em si, é o
crime contra o homem branco, é a humilhação do homem branco, é
de haver aplicado à Europa os procedimentos colonialistas que
atingiam até então apenas os árabes da Argélia, os coolies da Índia e
os negros da África. (CÉSAIRE, 2020, p.18. grifos no original)

Somente no final da Segunda Guerra Mundial as discussões ganharam


alguma tração e assumiram definitivamente um viés político e sociológico.
Criada pela Organização das Nações Unidas (ONU) para investigar as
motivações raciais da guerra, a Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) introduziu no campo científico
estudos que comprovaram a diversidade de culturas humanas, bem como a
legitimidade da existência das mesmas (HEILBORN et al, 2010). Falaremos
sobre tais estudos mais adiante.
A questão racial no Brasil só passou a ser de alguma forma tematizada a
partir do século XIX, às vésperas da abolição da escravização. No final do
século esteve em voga no mundo o darwinismo racial, cujo principal expoente
brasileiro era o médico Raimundo Nina Rodrigues. Segundo essa corrente
teórica, as raças biológicas, por corresponderem a espécies diferentes, não
seriam passíveis de cruzamento, assim a miscigenação representaria a
degradação humana (SCHWARCZ, 1998). Foi baseado nessa teoria
pseudocientífica que se incentivou, por meio da massiva imigração europeia, o
branqueamento da população brasileira a fim de purificar o país até então
constituído por uma maioria negra, indígena e mestiça (HEILBORN et al, 2010).

24
Figura 16: Darwinismo racial.

Outra vertente, de certo modo complementar, propunha a miscigenação


como ferramenta de embranquecimento. O quadro “A redenção de Cam”3,
pintado em 1895 pelo espanhol radicado brasileiro Modesto Brocos, resume a
teoria cientificista do branqueamento. Essa obra ilustrou um artigo do médico, e
então diretor do Museu Nacional, João Batista de Lacerda no Congresso
Universal das Raças de 1911, em Londres. Na ocasião, João Batista descreveu
a imagem como “O negro passando a branco, na terceira geração, por efeito do
cruzamento de raças” (RONCOLATO, 2018).

Figura 17: Quadro “A redenção de Cam”, de Modesto Brocos (1895).

3
A obra de Modesto Broncos faz referência a trecho bíblico do livro do Gênesis (Gn 9,
18-28), segundo o qual os negros seriam descendentes de Cam, filho de Noé que foi
amaldiçoado pelo pai após vê-lo nu e embriagado (BERKENBROCK, 2012).
25
Transcorrido o ápice do ideal manifesto de branqueamento da nação, na
década de 1930 o mestiço converteu-se em ícone nacional. O sincretismo
cultural passa a ser valorizado, de forma que produtos como o samba, a
capoeira – que foi de ato criminoso à modalidade esportiva nacional em 1937,
bem como a feijoada, passaram de elementos marginais a manifestações da
tipicidade brasileira (SCHWARCZ, 1998). Entretanto, como aponta Reis (1996),
esse enaltecimento da mestiçagem e de elementos da herança cultural negra
como representantes do verdadeiro Brasil foi também resultado de um discurso
de embranquecimento – um embranquecimento simbólico. O samba, a
capoeira, a feijoada, a percussão, entre outros, são desafricanizados: ao invés
de construído sobre um passado também africano, o que sustenta o país é um
passado mestiço (REIS, 1996, p.40).
É nesse contexto que intelectuais começaram a propagar a ideia de uma
harmonia entre grupos étnico-raciais, ou seja, uma “democracia racial” no país.
A obra de Gilberto Freyre é um exemplo da produção da época.

Figura 18: Capa da 51ª edição do livro Casa Grande e Senzala, editora Global.

Em seu livro “Casa Grande & Senzala”, publicado no ano de 1933, o


escritor pernambucano Gilberto Freyre defende a predominância no Brasil de
uma democracia social pautada em uma democracia racial. O livro aborda o
26
cotidiano com manuscritos e documentos que descrevem os costumes e
hábitos das pessoas durante a escravização e desloca, pela primeira vez, o
foco da raça biológica para a raça social (BASTOS, 1999).
Ao tematizar detalhes do cotidiano compartilhado por pessoas
escravizadas e seus escravizadores, Freyre (2019) transporta o leitor ao
microcrosmo talhado de minúcias sobre as quais, a partir de uma leitura crítica,
se assentavam fazeres subalternizantes. O lugar do homem negro escravizado,
por exemplo, era também o de entreter o homem branco em circos, coros e
bandas, assim como, na presença dos escravizadores, a fé obrigatoriamente
professada era a Católica, com a sujeição a rezas diárias.
Segundo Bastos (1999), na obra de Freyre, a miscigenação entre
senhores e mulheres escravizadas – ocorrida durante a colonização, foi
tomada como prova da aceitação de uma raça pela outra e, assim,
miscigenação e democracia podiam ser relacionadas. Ademais, os negros
escravizados cristianizados e que frequentavam a casa-grande foram
compreendidos como parte da família e, nesse contexto, transmitiam suas
próprias características culturais aos senhores.
A propositura de Freyre, entretanto, esbarra na crueza da realidade
historicamente conhecida. A miscigenação entre o senhor branco e a mulher
escravizada negra é antes uma história de violência do que de amor e
integração racial. Transitando pela casa-grande, os escravizados domésticos
não eram compreendidos como “parte da família”, mas como “quase da
família”. Apesar de transmitir saberes aos senhores, eles não se sentavam à
mesa com eles, não dormiam nas mesmas camas. Conforme Nascimento
(2021) a crença na “democracia racial”, que nasce do clássico “Casa-grande e
Senzala” na verdade é um mito cujo objetivo é esconder a violência das
relações raciais no Brasil – desde os tempos de colônia.
Desse modo, ao longo das décadas, a negação do preconceito foi
tamanha que era “como se as posições sociais desiguais fossem quase um
desígnio da natureza, e atitudes racistas, minoritárias e excepcionais”
(SCHWARCZ, 1998, p. 179). O racismo é negado ostensivamente, ainda que
seja efetivo no dia a dia (SCHWARCZ; REIS, 1996).
A partir dos anos de 1950 foram financiados pela UNESCO estudos
acerca da suposta “democracia racial” no Brasil, vez que poderia servir de

27
modelo para outras partes do mundo (SCHWARCZ, 1998). Vários especialistas
foram contratados para investigar a realidade racial brasileira, entre eles Thales
de Azevedo e Florestan Fernandes. Os chamados “ciclos de estudos da
UNESCO” diferenciavam-se dos estudos anteriores, sobretudo, por
desprezarem a concepção biologizada de raça, em voga no século XIX nos
países da Europa e considerarem o termo como um construto social, histórico e
político, como ressaltam Heilborn et al (2010). Passava a ser descortinada a
verdadeira realidade enfrentada pela população negra no país.
Com base no argumento de que no país prevaleceria a equidade racial,
o escritor e pesquisador Thales de Azevedo (1975) realizou estudos que
evidenciaram o racismo em diversos âmbitos, tais como no mundo do trabalho
– eram relegadas aos negros as funções mais subalternas –, e nas relações
sociais – não era permitido ao negro entrar em certos hotéis ou encenar peças
teatrais em grandes teatros, por exemplo. Assim, Azevedo (1975) acaba por
concluir que apesar de normas democráticas que asseguravam a punição de
atos discriminatórios (como a Lei Afonso Arinos), havia na sociedade uma forte
estereotipagem contra as pessoas negras, o que favorecia uma discriminação
velada, muito eficaz à manutenção do mito da “democracia racial".
Também na contramão daqueles que afirmavam a equidade racial no
Brasil, o sociólogo Florestan Fernandes (1972), em seu livro “O negro no
mundo dos brancos”, ressaltou o peso do passado de escravização dos povos
africanos no modo como a sociedade brasileira organizou-se anos depois.
Segundo Schwarcz (1998), para Florestan, enquanto dissimulava-se o
preconceito racial, negando o racismo verdadeiramente praticado nos lares e
instituições, a sociedade brasileira assistia ao aumento de privilégios
econômicos, sociais e culturais dos brancos.
Naquele contexto, sem emprego, renda ou escolarização, restava ao
negro o lugar de subalterno. Junto com as décadas de 1970 e 1980 vieram as
contestações dos valores vigentes na política, na música e na literatura, bem
como as análises das profundas desigualdades entre os negros e demais
grupos raciais (SCHWARCZ, 1998).
Ficou evidenciada a discriminação racial que impactava cotidianamente
no acesso à educação, ao lazer e na distribuição desigual de renda. O senso
demográfico realizado na década de 1960 comprovou, por exemplo, que a

28
renda média da população branca era o dobro da renda do restante da
população (SCHWARCZ, 1998).
A desigualdade racial podia ser percebida, ainda, nas práticas penais
brasileiras. Pesquisa realizada pelo sociólogo Sergio Adorno (1996) constatou
tratamento diferenciado conforme cor da pele, ou seja, o negro era considerado
mais perigoso, sendo mais perseguido pela vigilância policial, enfrentando
maiores obstáculos de acesso à justiça, bem como recebendo tratamento penal
mais rigoroso.

Figura 19: Charge do artista Maurício Pestana.

O que se observa, então, é um país culturalmente diverso, com grande


assimilação de traços culturais dos povos africanos colonizados, porém,
bastante marcado por uma hierarquização social que promoveu, ao longo de
séculos, a inferiorização da população negra.
Pesquisas e estatísticas oficiais comprovam a lamentável existência do
racismo em nossa sociedade, por mais que coletivamente insistamos em negá-

29
lo. Quando comparadas as condições de vida, emprego, saúde, escolaridade e
outros índices de desenvolvimento humano, os dados comprovam o abismo
social entre negros e brancos (GOMES, 2005). A seguir, observaremos
algumas informações que revelam a desigualdade socioeconômica que atinge
a população negra no Brasil.

30
4. DADOS SOBRE RAÇA NO BRASIL CONTEMPORÂNEO

Figura 19: Releitura em painel urbano da obra “Operários”, de Tarsila do Amaral (1933), pelo
artista Mundano (OLIVIERA, 2020).

Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios


Contínua (PNAD Contínua) do ano de 2019, pretos e pardos correspondem à
maioria da população brasileira, representando 56,2% dos habitantes. E apesar
de numericamente maior, essa representativa parcela da nossa sociedade
convive diariamente com obstáculos resultantes de um duro processo histórico,
que a confinam em posição minoritária no acesso a direitos, desafiando o
princípio da igualdade.
São exemplos claros da discriminação racial indireta, referida pela
professora Nilma Lino Gomes (2005), que reverberam a estruturação racista da
sociedade em que vivemos.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE),
pretos e pardos compõem a maior parte da força de trabalho do Brasil, o que
pode ser observado especialmente em relação ao trabalho informal.
Lembramos que a informalidade do trabalho pode expor o trabalhador a
condições precárias de trabalho, além de dificultar o acesso aos direitos
básicos, como aposentadoria e salário-mínimo (IBGE, 2019b). No ano de 2018,

31
enquanto 34,6% das pessoas ocupadas brancas estavam em ocupações
informais, o percentual entre as pretas e pardas atingiu 47,3%.

Figura 20: Dados estatísticos sobre pessoas em ocupações informais.

Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2018. Nota: Pessoas de
14 ou mais anos de idade.

Se pararmos para observar a remuneração da população preta e parda


em nosso país, chegamos à conclusão de que, independentemente do seu
nível de instrução, ela é inferior ao valor pago à população branca, que é 45%
maior (IBGE, 2019b). Em se tratando de cargos de chefia a situação de
desigualdade se mantém. Ainda segundo levantamento realizado no ano de
2018, apenas nas regiões Norte e Nordeste há uma maior proporção de pretos
ou pardos em cargos de gerência (61,1%), nas demais há uma sub-
representação (29,9%).

Figura 21: Dados sobre remuneração.

32
Figura 22: Dados sobre rendimento médio real habitual do trabalho principal das pessoas
ocupadas.

Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2018. Nota: Pessoas de
14 ou mais anos de idade.

No que diz respeito às condições de moradia, pretos e pardos compõem


a maioria da população que reside em condições precárias de saneamento
básico, estando mais exposta a doenças: 12,5% em locais sem coleta de lixo,
contra 6,0% da população branca; 17,9% sem abastecimento geral de água,
contra 11,5% da população branca; 42,8% sem esgotamento sanitário por rede
coletora ou pluvial, contra 26,5% da população branca (IBGE, 2019b).

33
Figura 23: Dados sobre condições de moradia.

Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2018.

Ao analisarmos os dados de 2018 do IBGE sobre educação,


percebemos uma taxa de analfabetismo da população com 15 anos ou mais,
de 9,1% para pretos e pardos contra 3,9% para brancos, expondo a
desigualdade das oportunidades também nesse tema. Sendo a situação mais
grave para aqueles que residem no campo (20,7%). Ademais, a proporção de
jovens brancos de 18 a 24 anos de idade que frequentavam ou já haviam
concluído o ensino superior (36,1%) é quase o dobro da observada entre
aqueles pretos ou pardos (18,3%).

Figura 24: Dados sobre analfabetismo.

34
Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2018.

O levantamento de 2018 ainda revela que a proporção de pessoas


negras de 18 a 24 anos de idade, com menos de 11 anos de estudo e que não
frequentavam escola foi de 28,8%, enquanto a proporção de pessoas brancas
na mesma situação era de 17,4%. Acerca dessa mesma faixa etária, 55,6%
dos jovens negros puderam ser vistos cursando o ensino superior, contra a
proporção de 78% de estudantes brancos. A diferença em relação a essa taxa
pode ser explicada, justamente, pela parcela da população que não concluiu o
ensino médio ou que o abandonou em razão da necessidade de se inserir no
mundo do trabalho. No ano de 2018, 61,8% dos estudantes que precisaram
entrar no mercado de trabalho após a conclusão do ensino médio eram pretos
ou pardos.

Figura 25: Dados sobre a taxa ajustada de frequência escolar.

Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2018.

35
Figura 26: Dados sobre frequência escolar.

Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2018.

A desigualdade denunciada pelos dados, por si só, já pode ser


considerada sob a perspectiva de violência racial, uma vez que, quando a
sociedade nega e priva de oportunidades indivíduos, obedecendo a uma lógica
racista, também perpetua sua condição de violência – conforme discutimos ao
apresentar o conceito de racismo institucional. Trata-se de um fenômeno que
constitui pano de fundo para outras violências infligidas à essa parcela da
população brasileira. E se nos debruçarmos sobre os dados de violência fatal,
chegaremos a conclusões alarmantes.

Figura 27: Dados sobre a taxa de conclusão do ensino médio.

Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2018.

As populações preta e parda, quando somadas, são as mais vitimadas


por mortes violentas intencionais no país. Segundo dados do Fórum Brasileiro
de Segurança Pública – FBSP (FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA

36
PÚBLICA, 2022), no ano de 2022, os negros representaram 77,6% das
vítimas de homicídio doloso, 67,6% das vítimas de latrocínio, 84,1% dos
mortos em decorrência de atuação policial e, na outra face da moeda,
67,7% dos policiais assassinados no período. Em termos comparativos, no
referido ano a proporção de pessoas brancas vítimas de homicídio caiu 26,5%,
enquanto esse índice para a população negra sofreu um aumento de 7,5%.
Segundo o Atlas da Violência 2021, produzido pelo Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (IPEA) e Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP),
entre os anos de 2009 e 2019, a redução dos homicídios foi muito maior entre
a população não negra. Houve uma redução de 15,5% entre negros e 30,5%
entre não-negros.

Figura 28: Nota sobre as vítimas de homicídio doloso no Brasil.

Figura 29: Dados sobre a taxa de homicídios de negros e não negros. 2009 a 2019.

Fonte: IBGE, Atlas da Violência (IPEA, 2021).

Se acrescentarmos na análise o recorte de gênero, a perversidade dos


índices se mantém: as mulheres negras são as mais assediadas (43,3%), as

37
mais vitimadas em estupros e estupros de vulnerável (52,2%), o maior
percentual de vítimas de mortes violentas intencionais (70,7%) e de feminicídio
(62%) (FBSP, 2022).
Como já discutimos, tal disparidade estatística é um retrato nítido da
vulnerabilidade socioeconômica da população negra do país, sustentada,
mantida e potencializada por mecanismos institucionais e estruturais de
discriminação racial. Juntos, fatores como os índices de pobreza, a baixa
escolarização, o desemprego, as deficiências de políticas específicas (IPEA,
2021), bem como a reprodução de estratégias baseadas em critérios raciais e
em preconceitos sociais tornam essa população o alvo preferencial das ações
das instituições da justiça criminal, como a polícia (SINHORETTO; BATITUTTI
MOTA apud IPEA, 2021), reforçando o quadro discriminatório.
Os dados são claros. Se pararmos para uma breve análise, chegaremos
à conclusão que mais se desejaria evitar: a de que vivemos sim em uma
sociedade racista, que a todos os anos assiste à perpetuação de práticas
discriminatórias e, consequentemente, ao aumento e reiteração da violência
dirigida às pessoas pretas e pardas. O que podemos fazer em relação a essa
triste realidade? Cabe a todos nós assumirmos uma posição antirracista, ou
seja, contrária à perpetuação de práticas prejudiciais baseadas na cor da pele,
que inviabilizam a cidadania de tantas pessoas.
A escritora Djamila Ribeiro (2019), no livro “Pequeno Manual
Antirracista”, oferece ao leitor uma importante perspectiva quanto a práticas
norteadoras de uma conduta antirracista. Entre outros aspectos, ressalta a
necessidade de nos informarmos sobre o racismo praticado em nosso país e
conversarmos sobre o tema na família, na comunidade e no trabalho, bem
como refletirmos sobre o racismo que está internalizado em nós mesmos e que
é expresso, por exemplo, na nossa tolerância a expressões racistas como “ela
é negra, mas é bonita” ou “negro de alma branca”.
A seguir, conheceremos algumas leis que integram o rol de ações
afirmativas no campo do Direito. Elas representam marcos legais nacionais e
internacionais para coibir e punir crimes baseados no racismo, e resultam da
luta antirracista do Movimento Negro e dos demais grupos e organizações pela
superação da desigualdade.

38
UNIDADE 2

5. MARCOS LEGAIS DO ANTIRRACISMO

“Ninguém nasce odiando o outro pela cor de sua pele, ou por sua
origem, ou sua religião. Para odiar as pessoas precisam aprender, e
se elas aprendem a odiar, podem ser ensinadas a amar.” (Nelson
Mandela, “O longo caminho para a liberdade”, 1995)

Figura 30: Recorte de matéria jornalista sobre o tratamento penal acerca do preconceito de
raça ou cor.

O primeiro diploma legal específico no Brasil a incluir a prática de atos


resultantes de discriminação por raça ou cor entre as contravenções penais foi
publicada em 3 de julho de 1951. Proposta pelo deputado federal Afonso
Arinos (UDN-MG), cujo nome posteriormente apelidaria a lei, a proposição da
Lei nº 1.390 se deu em razão do episódio de discriminação racial ocorrido em
1950, quando a mundialmente famosa bailarina norte-americana Katherine
Dunham foi impedida de se hospedar no Hotel Esplanada, em São Paulo,
enquanto fazia turnê no Brasil (WESTIN, 2020).

39
Figura 31: A bailarina Katherine Dunham em imagem extraída de https://blackthen.com/flash-
black-photo-katherine-dunham-legends-dance-series/ (acesso em 04/02/2023).

Antes de discutirmos de maneira mais detida esta e outras importantes


leis com esse enfoque, precisamos lembrar que a história do enfrentamento
institucional à discriminação racial no Brasil não começa, evidentemente, com a
promulgação da Lei Afonso Arinos. Sejam as irmandades de escravizados e
ex-escravidados do período colonial; o grupo de educação noturna e a atuação
jurídica de gente como Luiz Gama (o “advogado de todos os tempos”, segundo
a Ordem dos Advogados do Brasil – [BRAUS; SANTOS; OLIVEIRA, 2020]);
entre tantos outros, marcam uma luta que é centenária e historicamente farta.
Parafraseando o antropólogo Kabenguele Munanga (2021), pode parecer que
tudo nasce junto com as inovações políticas, mas não, para que ocorram as
inovações políticas, foi (e segue sendo) necessária a atuação de gerações dos
movimentos sociais negros.
Se nos focarmos especificamente no período republicano (1889 –
atualmente), perceberemos o surgimento (já no pós-abolição de 1888) de
diversos grupos de cunho assistencialista, artísticos, culturais e de lazer
voltados à população negra, conduzidos por pessoas negras. Barbosa (2020)
assinala o surgimento do Centro Cívico Palmares, em 1926 na cidade de São
Paulo, com um dos primeiros a, além desses aspectos culturais, pautar
também a participação política de negros e negras brasileiros. Em resposta às
teses eugenistas e de branqueamento populares no período (e que discutimos
no Capítulo 2), surge também em São Paulo a Frente Negra Brasileira (1931),
40
que aprofunda e expande os temas encampados pelo Centro Palmares.
Segundo algumas fontes (BARBOSA, 2020, p.14), a Frente chegou a contar
com 200 mil filiados das mais diversas partes do país, com sedes em diversos
estados. Em 1936, a Frente se converteu em um partido político, o primeiro
partido negro do Brasil, dissolvido no ano seguinte com o início da ditadura
getulista.

Figura 32: Arte do Movimento Negro Unificado atualizando a capa do jornal da entidade (1991)
que endossava a consciência e auto-estima da população negra (Extraído de MNU, s.d.a, s.p.).

Mesmo que marcada por contradições, típicas sobretudo de movimentos


com algum pioneirismo como foi a Frente Negra Brasileira, o grupo nasceu do
choque de Aristides Barbosa, seu fundador, com o estado de miserabilidade e
carestia dos negros na capital paulista. Essa mesma percepção atiçará a
juventude quase quarenta anos à frente, na década de 1970. Foi uma década
importantíssima para os movimentos sociais não só no Brasil, mas no mundo:
desde o protesto dos jovens estudantes franceses em maio de 1968, aos
processos de independência de diversos países africanos, passando pelos
movimentos de direitos civis nos Estados Unidos, configuram um frame
alignment dos interesses vocalizados por diferentes grupos sociais
(RODRIGUES, 2020, p.75). No caso específico do Brasil, a efervecência
cultural dos jovens visava “descobrir a negritude, assumir-se com orgulho e se

41
lançar aos protestos contra a condição de cidadão e cidadão de segunda
classe” (BARBOSA, 2020, p.17). Formalmente, buscava-se o resgate da
cultura negra, importante bastião de sobrevivência da identidade negra,
reinserida em seu contexto histórico, filosófico e de defesa do grupo (SILVA,
2020).
Essa “efervecência cultural” de que fala Márcio Barbosa (2020) ganhou
mais e mais corpo à medida que se aproximavam os anos 1980 e a reabertura
política dava seus primeiros sinais. Movimentos exclusivamente voltados à
questão racial ou em que ela é um dos temas surgirão de norte a sul do país
(RODRIGUES, 2020), e em certa medida culminarão com o surgimento do
Movimento Negro Unificado (MNU), em 1978.
Sobre o MNU, afirma o cientista social Cristiano Rodrigues:

Sem negligenciar a pluralidade de identidades negras passíveis de


serem politizadas, o MNU, já no seu ato de criação, tentou
demonstrar como afro-brasileiros têm sido ao longo da história do
país tratados como os outros, ainda que o discurso oficial de
integração harmônica aponte para o lado oposto, e que as
desigualdades sociais presentes no país poderiam – e deveriam –
também ser traduzidas em termos raciais. (RODRIGUES, 2020, p.77)

Essa não negligência à “pluralidade de identidades negras” de que fala


Rodrigues pode soar contraditória com aquela que é uma das grandes
conquistas do movimento, qual seja, o agrupamento sob a categoria “negro” de
todos os brasileiros que possuem “na cor da pele, no rosto ou nos cabelos,
sinais característicos dessa raça [negra]” (MNU, s.d.b, p.1). Longe de ser uma
contradição, essa ação busca o reconhecimento, também de parte da vasta
população mestiçoa brasileira, de seu lugar social como negros, e não eternas
variações de “não-branco” que se colocavam como eufemismos de
identificação (MUNANGA, 2020).
Entendendo que todo esse esforço só encontra razão de ser na busca
por uma sociedade livre de discriminação racial, o próprio Movimento encerra
sua Carta de Princípios se afirmando “pela libertação do povo negro” e “por
uma autêntica democracia racial” (MNU, s.d.b, p.2).
Feito essa breve digressão temporal, podemos retomar a cronologia da
legislação antirracista no Brasil. Como dissemos, a Lei nº 1.390/1951 (Lei
Afonso Arinos) foi a primeira a criminalizar condutas discriminatórias. De
acordo com ela, era considerada contravenção penal “a recusa, por parte de

42
estabelecimento comercial ou de ensino de qualquer natureza, de hospedar,
servir, atender ou receber cliente, comprador ou aluno, por preconceito de raça
ou de cor”.
Como as condutas de racismo eram consideradas contravenções, as
penalidades previstas na Lei nº 1.390/1951 eram baixas. Dessa forma, durante
os 37 anos de sua vigência, nenhuma pessoa foi presa em razão da prática de
tais delitos. Apesar disso, a importância social da lei não pode ser diminuída,
tendo trazido à tona o tema do racismo e o definindo como comportamento
reprovável.
Particularmente relevante foi a justificativa apresentada por Afonso
Arinos, um deputado conservador, para sua propositura. Nela, o parlamentar
ataca diretamente as ideias do racismo científico que, conforme já discutido,
defendiam a hierarquização dos grupos humanos e sua plena separação.
Escreveu o deputado:

A tese da superioridade física e intelectual de uma raça sobre outras,


cara a certos escritores do século passado, como Gobineau,
encontra-se hoje definitivamente afastada graças às novas
investigações e conclusões da antropologia, da sociologia e da
história. Atualmente ninguém sustenta a sério que a pretendida
inferioridade dos negros seja devida a outras razões que não ao seu
status social. Urge que o Poder Legislativo adote as medidas
convenientes para que as conclusões científicas tenham adequada
aplicação (ARINOS apud WESTIN, 2020, s.p.)

Em 20 de dezembro de 1985 a Lei nº 1.390 foi alterada pela Lei nº


7.437, que incluiu, entre as contravenções penais, a prática de atos resultantes
de preconceito de raça, de cor, de sexo ou de estado civil.
Em 1988, foi promulgada a Constituição Federal brasileira (CRFB), que
estabelece a República Federativa do Brasil como um Estado Democrático de
Direito e tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana.
Tendo contado com a participação de representantes do Movimento Negro
entre os constituintes, a Carta Magna trouxe entre seus objetivos basilares
construir uma sociedade livre, justa e solidária e promover o bem de
todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação.
No artigo 4° da Constituição Federal há previsão de que a República
Federativa do Brasil se rege em suas relações internacionais por diversos
princípios, dentre eles o de repúdio ao racismo. Ademais, o art. 5º dispõe que
43
todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-
se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, e prevê
que a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível,
sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei.

Figura 33: Imagem sobre o tratamento constitucional de 1988 acerca do racismo.

No ano seguinte, em 5 de janeiro de 1989, entrou em vigor a Lei nº


7.716, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor. A lei
estabelece penalidades para diversas situações de discriminação, inclusive
práticas de incitação à discriminação ou preconceito, que serão estudadas a
seguir. Portanto, essa é a lei que prevê o crime de racismo, isto é, a
discriminação racial praticada contra uma coletividade e que reitera o
entendimento do racismo como crime imprescritível e inafiançável.
A Lei nº 7.716/1989 foi posteriormente alterada pela Lei n° 9.459, de
1997, que acrescentou a punição à discriminação e à incitação à discriminação
por etnia, religião ou procedência nacional. A Lei nº 9.459/1997 ainda criou a
injúria racial, um tipo qualificado de injúria no Código Penal. Neste ano, a Lei nº
14.532, de 11 de janeiro de 2023, realizou novas e importantes alterações
na concepção criminal do racismo. Particular que discutiremos em
pormenores mais adiante.
Já no ano de 2003, a Lei nº 10.639 modificou a Lei de Diretrizes de Base
da Educação (Lei nº 9.394/1996), introduzindo a obrigatoriedade do ensino de
história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas de ensino fundamental e

44
médio. O conteúdo programático acrescentou o estudo da História da África e
dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro
na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro
nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil. Além
disso, foi incluído no calendário escolar o dia 20 de novembro como “Dia
Nacional da Consciência Negra” (artigo 79-A da Lei nº 9.394/1996).

Figura 34: Imagem sobre o Dia da Consciênia Negra.

No ano de 2009, o Ministério da Saúde publicou a Portaria nº 992, que


instituiu a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra. O
objetivo geral da referida política é promover a saúde integral da população
negra, priorizando a redução das desigualdades étnico-raciais, o combate ao
racismo e à discriminação nas instituições e serviços do Sistema Único de
Saúde (SUS). São algumas das diretrizes previstas na mencionada portaria:

• a inclusão dos temas Racismo e Saúde da População Negra nos


processos de formação e educação permanentes dos/as trabalhadores/as da
saúde e no exercício do controle social da saúde;
• o reconhecimento de saberes e práticas populares de saúde,
incluindo aqueles preservados pelas religiões de matrizes africanas; e
• o desenvolvimento de processos de informação, comunicação e
educação, que desconstruam estigmas e preconceitos, fortaleçam uma
identidade negra positiva e contribuam para a redução das vulnerabilidades.

45
Em 20 de julho de 2010, a Lei nº 12.288 instituiu o Estatuto da Igualdade
Racial, “destinado a garantir à população negra a efetivação da igualdade de
oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o
combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica”.
O Estatuto trouxe diversos conceitos relacionados à temática, quais
sejam:

I – discriminação racial ou étnico-racial: toda distinção, exclusão,


restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem
nacional ou étnica que tenha por objeto anular ou restringir o reconhecimento,
gozo ou exercício, em igualdade de condições, de direitos humanos e
liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em
qualquer outro campo da vida pública ou privada;
II – desigualdade racial: toda situação injustificada de diferenciação de
acesso e fruição de bens, serviços e oportunidades, nas esferas pública e
privada, em virtude de raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica;
III – desigualdade de gênero e raça: assimetria existente no âmbito da
sociedade que acentua a distância social entre mulheres negras e os demais
segmentos sociais;
IV – população negra: o conjunto de pessoas que se autodeclaram
pretas e pardas, conforme o quesito cor ou raça usado pela Fundação Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou que adotam autodefinição
análoga;
V – políticas públicas: as ações, iniciativas e programas adotados pelo
Estado no cumprimento de suas atribuições institucionais;
VI – ações afirmativas: os programas e medidas especiais adotados
pelo Estado e pela iniciativa privada para a correção das desigualdades raciais
e para a promoção da igualdade de oportunidades.

O Estatuto prevê que é dever do Estado e da sociedade garantir a


igualdade de oportunidades, reconhecendo a todo cidadão brasileiro,
independentemente da etnia ou da cor da pele, o direito à participação na
comunidade, especialmente nas atividades políticas, econômicas,

46
empresariais, educacionais, culturais e esportivas, defendendo sua dignidade e
seus valores religiosos e culturais.
Esta lei é considerada o principal marco legal para o enfrentamento da
discriminação racial e das desigualdades estruturais de raça aqui estudadas.
Trata-se de um instrumento para garantia dos direitos fundamentais desse
segmento, especialmente no que diz respeito à saúde, educação, cultura,
esporte e lazer, comunicação, participação, trabalho, liberdade de consciência
e de crença; acesso à terra e à moradia; além dos temas da proteção, do
acesso à justiça e à segurança.
O quadro abaixo, retirado da cartilha São Paulo contra o Racismo:
Aspectos Legais e Ações Afirmativas, apresenta alguns direitos previstos no
Estatuto:

Figura 35: Quadro sobre direitos previstos no Estatuto a Igualdade Racial.

SAÚDE Art. 6º. O direito à saúde da população negra será


garantido pelo poder público mediante políticas
universais, sociais e econômicas destinadas à
redução do risco de doenças e de outros agravos.
EDUCAÇÃO Art. 11. Nos estabelecimentos de ensinos
fundamental e médio, públicos e privados. É
obrigatório o estudo da história geral da África e
da história da população negra no Brasil,
observado o disposto na Lei n° 9.394, de 20 de
dezembro de 1996.
CULTURA Art. 17. O poder público garantirá o
reconhecimento das sociedades negras, clubes e
outras formas de manifestação coletiva da
população negra, com trajetória histórica
comprovada, como patrimônio histórico e cultural,
nos termos dos arts. 215 e 216 da Constituição
Federal.
ESPORTE E LAZER Art. 21. O poder público fomentará o pleno acesso
da população negra às práticas desportivas,
consolidando o esporte e o lazer como direitos
sociais.
ACESSO À TERRA Art. 27. O poder público elaborará e implementará
políticas públicas capazes de promover o acesso
da população negra à terra e às atividades
produtivas no campo.
MORADIA Art. 35. O poder público garantirá a
implementação de políticas públicas para
assegurar o direito à moradia adequada da
população negra que vive em favelas, cortiços,
áreas urbanas subutilizadas, degradadas ou em
processo de degradação, a fim de reintegrá-las à
dinâmica urbana e promover melhorias no
ambiente e na qualidade de vida.
47
TRABALHO Art. 38. A implementação de políticas voltadas
para a inclusão da população negra no mercado
de trabalho será de responsabilidade do poder
público, observando-se:
- o instituído neste Estatuto;
- os compromissos assumidos pelo Brasil ao
ratificar a Convenção Internacional sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
Racial, de 1965;
- os compromissos assumidos pelo Brasil ao
ratificar a Convenção no 111, de 1958, da
Organização Internacional do Trabalho(OIT), que
trata da discriminação no emprego e na profissão;
- os demais compromissos formalmente
assumidos pelo Brasil perante a comunidade
internacional
MEIOS DE Art. 43. A produção veiculada pelos órgãos de
comunicação valorizará a herança cultural e a
COMUNICAÇÃO participação da população negra na história do
País.
Art. 44. Na produção de filmes e programas
destinados à veiculação pelas emissoras de
televisão e em salas cinematográficas, deverá ser
adotada a prática de conferir oportunidades de
emprego para atores, figurantes e técnicos negros,
sendo vedada toda e qualquer discriminação de
natureza política, ideológica, étnica ou artística.
LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA E DE Art. 23. É inviolável a liberdade de consciência e
de crença, sendo assegurado o livre exercício dos
CRENÇA E AO LIVRE EXERCÍCIO DOS
cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a
CULTOS RELIGIOSOS proteção aos locais de culto e a suas liturgias.
Art. 24. O direito à liberdade de consciência e de
crença e ao livre exercício dos cultos religiosos de
matriz africana compreende:
- a prática de cultos, a celebração de reuniões
relacionadas à religiosidade e a fundação e
manutenção, por iniciativa privada, de lugares
reservados para tais fins;
- a celebração de festividades e cerimônias de
acordo com preceitos das respectivas religiões;
- a fundação e a manutenção, por iniciativa
privada, de instituições beneficentes ligadas às
respectivas convicções religiosas;
- a produção, a comercialização, a aquisição e o
uso de artigos e materiais religiosos adequados
aos costumes e às práticas fundadas na
respectiva religiosidade, ressalvadas as condutas
vedadas por legislação específica;
- a produção e a divulgação de publicações
relacionadas ao exercício e à difusão das religiões
de matriz africana;
- a coleta de contribuições financeiras de pessoas
naturais e jurídicas de natureza privada para a

48
manutenção das atividades religiosas e sociais
das respectivas religiões;
- o acesso aos órgãos e aos meios de
comunicação para divulgação das respectivas
religiões;
- a comunicação ao Ministério Público para
abertura de ação penal em face de atitudes e
práticas de intolerância religiosa nos meios de
comunicação e em quaisquer outros locais.
SINAPIR Art. 47. É instituído o Sistema Nacional de
Promoção da Igualdade Racial (Sinapir) como
forma de organização e de articulação voltadas à
implementação do conjunto de políticas e serviços
destinados a superar as desigualdades étnicas
existentes no País, prestados pelo poder público
federal.
Art. 50. Os Poderes Executivos estaduais, distrital
e municipais, no âmbito das respectivas esferas
de competência, poderão instituir conselhos de
promoção da igualdade étnica, de caráter
permanente e consultivo, compostos por igual
número de representantes de órgãos e entidades
públicas e de organizações da sociedade civil
representativas da população negra.
OUVIDORIAS PERMANENTES E ACESSO Art. 54. O Estado adotará medidas para coibir
atos de discriminação e preconceito praticados por
À JUSTIÇA E À SEGURANÇA
servidores públicos em detrimento da população
negra, observado, no que couber, o disposto na
Lei no 7.716, de 5 de janeiro de 1989.
Art. 55. Para a apreciação judicial das lesões e
das ameaças de lesão aos interesses da
população negra decorrentes de situações de
desigualdade étnica, recorrer-se-á, entre outros
instrumentos, à ação civil pública, disciplinada na
Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985.

O capítulo IV do Estatuto estabelece as instituições responsáveis pelo


acolhimento de denúncias de discriminação racial e apresenta os mecanismos
institucionais existentes que têm como finalidade assegurar a aplicação efetiva
dos dispositivos previstos em lei. Com isso, exigiu-se a instituição de
Ouvidorias Permanentes em Defesa da Igualdade Racial no âmbito do
Executivo e do Legislativo federais, além de implicar o Ministério Público, a
Defensoria Pública e o Poder Judiciário na garantia da igualdade de direitos
para a população negra. Em especial, no art. 53 o Estado brasileiro se
compromete a adotar “medidas especiais para coibir a violência policial
incidente sobre a população negra”, bem como a realizar ações visando a
“ressocialização e proteção da juventude negra em conflito com a lei e exposta
a experiências de exclusão social”.
49
O Estatuto trouxe ainda diversas alterações na Lei nº 7.716/89, que
serão abordadas a seguir.
Em suma, o Estatuto da Igualdade Racial é a principal referência para
enfrentamento ao racismo e a promoção da igualdade racial, ao atualizar e
ampliar o alcance das leis antirracistas anteriores, além de embasar
juridicamente políticas públicas direcionadas a diminuir as desigualdades
raciais no acesso à plena cidadania. As políticas afirmativas existentes serão
estudadas posteriormente.

50
6. CONDUTAS RELACIONADAS À RAÇA QUE SÃO CONSIDERADAS
CRIMES NO BRASIL

Figura 36: Reportagem sobre caso de racismo.

Fonte: https://g1.globo.com/go/goias/noticia/2022/03/05/empresaria-se-indigna-com-pedido-
racista-de-cliente-por-aplicativo-mandem-entregador-branco-nao-gosto-de-pretos-nem-
pardos.ghtml.

Diariamente a imprensa divulga casos graves de racismo e injúria racial


que ocorrem no Brasil, o que reflete o quão nossa sociedade ainda é racista.
Neste módulo, serão trazidos os principais crimes referentes à temática, com a
pena prevista em cada um deles. A proposta deste curso é apresentar aos
alunos as condutas que são consideradas crimes no Brasil e não fazer uma
análise jurídica dos mesmos.
A Cartilha de Direitos Humanos e Combate ao Racismo da Defensoria
Pública do Rio Grande do Sul apresenta alguns exemplos de práticas que são
consideradas racistas, quais sejam:

• Apelidar negras e negros de acordo com as características físicas,


a partir de elementos de cor e etnia da pessoa.
• Inferiorizar as características estéticas de negras e negros.
• Considerar uma negra ou um negro inferior intelectualmente,
podendo até negar-lhe determinados cargos, funções ou empregos.
• Desprezar seus costumes, hábitos e tradições, como na ofensa a
religiões de matriz africana.
• Duvidar da honestidade e competência da pessoa negra.
51
• Recusar-se a prestar serviços a negras e negros.
• Fazer ou se divertir com piadas depreciativas da pessoa negra e,
vestimenta e de suas pré-concepções sobre os papéis sociais ou profissionais
que crê ser adequados a ela.

A Lei nº 7.716/1989 prevê uma série de condutas que são consideradas


crimes, quando resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia,
religião ou procedência nacional. Serão analisados os crimes previstos na
referida legislação.
• Artigo 3° da Lei nº 7.716/89

Impedir ou obstar o acesso de alguém, devidamente habilitado, a


qualquer cargo da Administração Direta ou Indireta, bem como das
concessionárias de serviços públicos.

Pena: reclusão de dois a cinco anos.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, por motivo de


discriminação de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional,
obstar a promoção funcional.

Este tipo penal criminaliza a conduta que impede ou obsta o acesso no


serviço público de pessoa habilitada ao cargo ou à promoção funcional. É
necessário que o indivíduo esteja habilitado para executar o trabalho.
• Artigo 4° da Lei nº 7.716/89

Negar ou obstar emprego em empresa privada.

Pena: reclusão de dois a cinco anos.

§ 1º Incorre na mesma pena quem, por motivo de discriminação de


raça ou de cor ou práticas resultantes do preconceito de
descendência ou origem nacional ou étnica:

I - deixar de conceder os equipamentos necessários ao empregado


em igualdade de condições com os demais trabalhadores;
II - impedir a ascensão funcional do empregado ou obstar outra forma
de benefício profissional;
III - proporcionar ao empregado tratamento diferenciado no ambiente
de trabalho, especialmente quanto ao salário.

§ 2º Ficará sujeito às penas de multa e de prestação de serviços à


comunidade, incluindo atividades de promoção da igualdade racial,
quem, em anúncios ou qualquer outra forma de recrutamento de
trabalhadores, exigir aspectos de aparência próprios de raça ou etnia
para emprego cujas atividades não justifiquem essas exigências.

52
Verifica-se que o artigo 3º refere-se à negativa do acesso ao cargo ou à
promoção funcional na administração pública e nas concessionárias de
serviços públicos, enquanto o artigo 4º refere-se às empresas privadas.
Negar ou obstar emprego, deixar de providenciar os equipamentos
necessários a empregado, impedir a ascensão ou outro benefício funcional a
empregado, tratar empregado de forma diferente dos demais e exigir aspectos
de aparência próprios de raça ou etnia para emprego sem justificativa são
condutas criminalizadas neste artigo.

Figura 37: Reportagem sobre caso de racismo.

Fonte: https://www.hypeness.com.br/2022/04/funcionarios-negros-revelam-cultura-de-racismo-
na-tesla-gigante-controlada-por-elon-musk/.

• Artigo 5° da Lei nº 7.716/89

Recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-se


a servir, atender ou receber cliente ou comprador.

Pena: reclusão de um a três anos.

Este crime ocorre quando estabelecimentos comerciais negam servir,


atender ou receber clientes em razão da raça, cor, etnia, religião ou
procedência nacional. Para a configuração deste delito o autor pode então
recusar ou impedir o acesso de pessoa a estabelecimento comercial, bem
como não servir ou atender a vítima.
53
Um caso com grande repercussão foi quando uma delegada de polícia
negra foi impedida de ingressar em uma loja de roupas em um shopping.
Durante a investigação, apurou-se que a loja possuía um código para alertar
quando clientes negros suspeitos estavam no local. O gerente da loja foi
denunciado por racismo.

Figura 38: Reportagem sobre caso de racismo.

Fonte: https://g1.globo.com/ce/ceara/noticia/2021/12/02/gerente-da-loja-zara-onde-delegada-
negra-foi-barrada-e-denunciado-por-racismo.ghtml.

Figura 39: Reportagem sobre caso de racismo.

Fonte: https://g1.globo.com/ce/ceara/noticia/2021/09/24/adolescente-negra-e-barrada-em-
shopping-apos-seguranca-achar-que-a-garota-era-uma-pedinte-em-fortaleza.ghtml.

• Artigo 6° da Lei nº 7.716/89

Recusar, negar ou impedir a inscrição ou ingresso de aluno em


estabelecimento de ensino público ou privado de qualquer grau.

Pena: reclusão de três a cinco anos.

Parágrafo único. Se o crime for praticado contra menor de dezoito


anos a pena é agravada de 1/3 (um terço).

54
Este crime ocorre quando há a recusa de inscrever ou impedir o
ingresso de aluno em estabelecimento de ensino, não importa se público ou
privado, nem de que grau seja. O entendimento é de que escolas de dança,
informática, dentre outras enquadram-se neste dispositivo. Busca-se garantir
um dos bens de todo ser humano, a educação, sem distinção em razão de
raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
A pena é aumentada quando a vítima é criança ou adolescente,
protegendo-a e visando garantir a sua educação.

Figura 40: Reportagem sobre caso de racismo.

Fonte: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2019/03/14/crianca-autista-tem-
matricula-escolar-recusada-por-usar-cabelo-black-power.htm.

Figura 41: Reportagem sobre caso de racismo.

Fonte: https://www.correiobraziliense.com.br/euestudante/educacao-basica/2022/04/4998823-
estudante-negra-e-proibida-de-entrar-na-escola-por-nao-ter-cabelo-liso.html.

55
• Artigo 7° da Lei nº 7.716/89

Impedir o acesso ou recusar hospedagem em hotel, pensão,


estalagem, ou qualquer estabelecimento similar.

Pena: reclusão de três a cinco anos.

O impedimento de acesso a hotéis, pensão, estalagem ou outros


estabelecimentos simulares, bem como a recusa de hospedagem, configura o
crime de racismo previsto no art. 7°.
Interessante relembrar que a recusa de hospedagem a uma dançarina
negra em São Paulo ensejou a criação da primeira lei antirracista no Brasil, a
Lei Afonso Arinos, estudada anteriormente.

Figura 42: Reportagem sobre caso de racismo.

Fonte: https://www12.senado.leg.br/noticias/especiais/arquivo-s/brasil-criou-1a-lei-antirracismo-
apos-hotel-em-sp-negar-hospedagem-a-dancarina-negra-americana#gallery-1.

56
Figura 43: Reportagem sobre caso de racismo.

Fonte: https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2021/10/28/policia-investiga-racismo-
contra-hospede-de-hotel-em-caxias-do-sul-nao-doi-na-pele-doi-na-alma.ghtml.

• Artigo 8° da Lei nº 7.716/89

Impedir o acesso ou recusar atendimento em restaurantes, bares,


confeitarias, ou locais semelhantes abertos ao público.

Pena: reclusão de um a três anos.

O crime se consuma quando há a recusa de atendimento ou o acesso


negado em restaurantes, bares, confeitarias e locais semelhantes abertos ao
público. Vale mencionar que o local dever ser público.

Figura 44: Reportagem sobre caso de racismo.

Fonte: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2021/05/21/casal-acusa-restaurante-do-
tatuape-na-zona-leste-de-sp-de-racismo.ghtml.

57
Figura 45: Reportagem sobre caso de racismo.

Fonte: https://catracalivre.com.br/cidadania/menino-racismo-doceria/.

• Artigo 9° da Lei nº 7.716/89

Impedir o acesso ou recusar atendimento em estabelecimentos


esportivos, casas de diversões, ou clubes sociais abertos ao público.

Pena: reclusão de um a três anos.

Este crime se configura quando algum desses estabelecimentos se


negar a receber, em suas dependências, um indivíduo como associado ou
convidado, por preconceito a raça, cor, religião ou procedência nacional.

Figura 46: Reportagem sobre caso de racismo.

Fonte: https://catracalivre.com.br/cidadania/menino-racismo-doceria/.

• Artigo 10 da Lei nº 7.716/89

Impedir o acesso ou recusar atendimento em salões de cabeleireiros,


barbearias, termas ou casas de massagem ou estabelecimento com
as mesmas finalidades.

Pena: reclusão de um a três anos.

58
O legislador também determinou que é crime de racismo impedir o
acesso ou recusar atendimento em salão de beleza e em locais similares e
afins, atendendo-se à garantia de igualdade de tratamento nesses lugares.

• Artigo 11 da Lei nº 7.716/89

Impedir o acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou


residenciais e elevadores ou escada de acesso aos mesmos:

Pena: reclusão de um a três anos.

O crime consuma-se ao impedir qualquer pessoa de ter acesso a esses


locais, determinando-lhe uma entrada específica e causando-lhe
constrangimento e vergonha. Não há que impedir a um empregado, a
empregada ou a um entregador de alimentos, por exemplo, o acesso pela
entrada ou pelo elevador social, sob pena de, assim o fazendo, cometer o
crime acima descrito.

Figura 47: Reportagem sobre caso de racismo.

Fonte: https://www.pragmatismopolitico.com.br/2012/02/vitima-de-racismo-universitario-e-
barrado-no-elevador-do-proprio-predio-onde-mora.html.

• Artigo 12 da Lei nº 7.716/89

Impedir o acesso ou uso de transportes públicos, como aviões, navios


barcas, barcos, ônibus, trens, metrô ou qualquer outro meio de
transporte concedido.

Pena: reclusão de um a três anos.

59
O tratamento diferenciado em razão de discriminação também é
repudiado nos meios de transporte. Há crime quando o autor impede o acesso
ou o uso de qualquer meio de transporte, podendo ocorrer o impedimento no
início, bem como no prosseguimento da viagem de quem já está dentro desse
meio de transporte.

Figura 48: Reportagem sobre caso de racismo.

Fonte: https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2021/10/21/mulher-negra-denuncia-
motorista-por-ataques-racistas-em-bh-nao-carrego-preto-no-carro.ghtml.

• Artigo 13 da Lei nº 7.716/89

Impedir ou obstar o acesso de alguém ao serviço em qualquer ramo


das Forças Armadas.

Pena: reclusão de dois a quatro anos.

O delito previsto no artigo 13 da Lei nº 7.716/89 tem como conduta típica


impedir ou obstar o acesso de alguém ao serviço em qualquer ramo das Forças
Armadas.

• Artigo 14 da Lei nº 7.716/89

Impedir ou obstar, por qualquer meio ou forma, o casamento ou


convivência familiar e social.

Pena: reclusão de dois a quatro anos.

Este crime é praticado, em regra, por familiares, em especial pais, que


impedem ou obstam o casamento ou convivência familiar e social com pessoa
em razão da raça. Entende-se que o casamento pode ser civil ou religioso. Já
a convivência familiar refere-se às relações de união estável, ou a convivência
60
de namoro, noivado ou amizade. A convivência social pode ser considerada
qualquer relacionamento próximo, fora da relação familiar.

Figura 49: Reportagem sobre caso de racismo.

Fonte: https://www.opovo.com.br/noticias/mundo/2021/10/26/casal-impedido-de-namorar-por-
racismo-se-reencontra-39-anos-depois-e-resolve-casar.html.

• Artigo 20 da Lei nº 7.716/89

Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça,


cor, etnia, religião ou procedência nacional.

Pena: reclusão de um a três anos e multa.

§ 1º Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos,


emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz
suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo.

Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.

§ 2º Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por


intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de
qualquer natureza:

Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.

§ 2º-A Se qualquer dos crimes previstos neste artigo for cometido no


contexto de atividades esportivas, religiosas, artísticas ou culturais
destinadas ao público: (Incluído pela Lei nº 14.532, de 2023)

Pena: reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e proibição de


frequência, por 3 (três) anos, a locais destinados a práticas
esportivas, artísticas ou culturais destinadas ao público, conforme o
caso. (Incluído pela Lei nº 14.532, de 2023)

§ 2º-B Sem prejuízo da pena correspondente à violência, incorre nas


mesmas penas previstas no caput deste artigo quem obstar, impedir
ou empregar violência contra quaisquer manifestações ou práticas
religiosas. (Incluído pela Lei nº 14.532, de 2023)

§ 3º No caso do § 2º deste artigo, o juiz poderá determinar, ouvido o


Ministério Público ou a pedido deste, ainda antes do inquérito policial,
sob pena de desobediência:

61
I - o recolhimento imediato ou a busca e apreensão dos exemplares
do material respectivo;
II - a cessação das respectivas transmissões radiofônicas, televisivas,
eletrônicas ou da publicação por qualquer meio;
III - a interdição das respectivas mensagens ou páginas de
informação na rede mundial de computadores.

§ 4º Na hipótese do § 2º, constitui efeito da condenação, após o


trânsito em julgado da decisão, a destruição do material apreendido.

O caput do artigo 20 apresenta condutas diversas em relação à


discriminação e ao preconceito, podendo ocorrer quando a pessoa pratica,
induz ou incita esta prática tão condenável em nossa sociedade.
Percebe-se que esse dispositivo foi elaborado para alcançar todos os
tipos de preconceito e discriminação que não foram tipificados nos outros
artigos citados, ampliando assim a eficácia da Lei de Racismo. Vale ressaltar
que a maioria das condutas de preconceito e discriminação da lei em estudo
acaba enquadrada nesse artigo.
O § 2° prevê uma pena mais severa quando a prática, induzimento ou
incitação do preconceito ou discriminação ocorre por meios de comunicação
social ou publicação de qualquer natureza. Não há dúvidas de que o dano é
maior quando os atos de preconceito e discriminação atingem um maior
número de pessoas.
Além disso, as formas que possibilitem a divulgação do nazismo são
também condutas condenáveis pelo ordenamento jurídico brasileiro, conforme
previsto no art. 20, § 1°. A lei determina que fabricar, comercializar, distribuir ou
veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que
utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo, é
crime.
Vale ressaltar que, em 13 de junho de 2019, o STF julgou a ADO 26
(Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão) e o MI (Mandado de
Injunção) 4733, reconhecendo a mora do Congresso Nacional em legislar
sobre atos atentatórios sobre direitos fundamentais dos integrantes das
comunidades LGBTQIA+, restando determinada a aplicação da Lei de Racismo
(Lei nº 7.716/89) até que se edite a norma regulamentando sobre o assunto.
Além dos crimes de racismo trazidos acima, há também a injúria racial,
cujo tratamento foi recentemente alterado pela Lei nº 14.532/2023, que retirou

62
a regra prevista no art. 140, § 3°, do Código Penal, e passou a disciplinar tal
conduta no art. 2º-A, da Lei nº 7.716/1989.

Art. 2º- A Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro, em


razão de raça, cor, etnia ou procedência nacional.

Pena: reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Parágrafo único. A pena é aumentada de metade se o crime for


cometido mediante concurso de 2 (duas) ou mais pessoas.

A injúria racial consiste na ofensa direcionada a uma pessoa, valendo-se


de elementos referentes à raça, cor, etnia ou procedência nacional.

Figura 50: Reportagem sobre caso de injúria racial.

Fonte: https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2020/11/23/jovem-registra-denuncia-de-
injuria-racial-e-agressao-contra-segurancas-de-bar-no-df.ghtml.

63
7. DIFERENCIAÇÃO ENTRE OS CRIMES DE RACISMO E DE INJÚRIA
RACIAL

Neste tópico, serão analisadas as diferenças existentes entre o crime de


racismo e o crime de injúria racial, sem esquecer a recente decisão do
Supremo Tribunal Federal em relação à prescrição do crime de injúria.
Conhecer os instrumentos legais disponíveis é essencial ao abordar a
questão da discriminação racial e do racismo. Por esta razão, esta seção trata
de apontar as ferramentas, principalmente presentes no direito penal. De
particular importância são as Declarações das Nações Unidas sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, a Convenção
Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial
(adotada pela Colômbia através da Lei 22 de 1981), a Recomendação nº XXXI
sobre a prevenção da discriminação racial na administração e operação da
justiça criminal do Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial (CERD),
órgão encarregado de fiscalizar a aplicação da Convenção Internacional sobre
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial e a Declaração da
UNESCO sobre Raça e Preconceito Racial. Complementar a isso são
instrumentos mais gerais de direitos humanos, sendo certa a relevância para o
caso brasileiro a Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
Como dito até aqui, as ações de combate ao racismo abrangem diversos
tipos de atuação com o propósito de estimular a reflexão sobre práticas e
percepções discriminatórias culturalmente naturalizadas e repassadas de
geração em geração. Trata-se de problema global que cada vez mais ganha
repercussão e estimula ações de promoção da tolerância e do respeito à
população negra.
Por uma nova cultura direitos, o papel da educação para os direitos
humanos ganha merecido destaque, haja vista ser caminho necessário para
mudança cultural que reconheça plenamente os direitos fundamentais de
pessoas negras.
Entretanto, lamentavelmente, as ações de educação não são suficientes
para a transformação social desejada. O combate ao racismo exigiu a criação
normas penais específicas visando coibir, sob diversos aspectos, a
discriminação racial.

64
No âmbito global, a Convenção Internacional sobre a Eliminação de
todas as Formas de Discriminação Racial de 1965 dispõe que a expressão
“discriminação racial” significa qualquer distinção, exclusão restrição ou
preferência baseadas em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica
que tenha por objetivo ou efeito anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou
exercício num mesmo plano, de direitos humanos e liberdades fundamentais
no domínio político econômico, social, cultural ou em qualquer outro domínio de
vida pública (ONU, 1965).
No Brasil, desde a abolição da escravização de pessoas negras,
ocorrida em 13 de maio de 1888, a primeira norma de repressão ao racismo foi
a Lei nº 1.390, de 3 de Julho de 1951, conhecida como Lei Afonso Arinos. Por
meio dela, foi inserida na Lei de Contravenções Penais, que cuida
exclusivamente de infrações de menor gravidade, tipos penais que visavam
reprimir a discriminação racial em ambientes públicos e estabelecimentos
comerciais. Considerada um passo pequeno no combate ao racismo, a referida
lei teve pouco ou nenhuma efetividade, haja vista a gravidade do desafio
histórico de construção da igualdade no país.
Com a Constituição da República de 1988, o tratamento do racismo
sofreu profunda transformação, ao menos no campo jurídico. O
reconhecimento inédito do racismo como crime imprescritível e inafiançável
pelo Constituinte, foi fundamental para a criação da Lei nº 7.716, de 1989, que,
pela primeira vez na história brasileira, definiu os crimes resultantes de
preconceito de raça ou cor.
O referido diploma estabelece, casuisticamente, hipóteses de
caracterização do crime de racismo, tendo como bem jurídico tutelado o direito
à igualdade e a dignidade da pessoa humana. Nos termos da Lei nº 7.716/89,
são consideradas condutas racistas, entre outras, impedir o acesso a emprego,
estabelecimentos comerciais, hospedagem, restaurantes e transporte público,
desde que resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia,
religião ou procedência nacional.
Cabe destacar que as condutas previstas na Lei nº 7.716/89, embora
direcionadas a uma ou várias pessoas, atingem toda a coletividade de
determinada raça, cor, etnia.

65
Por opção do legislador, não constava originalmente na lei do racismo a
tipificação de conduta específica relativa a ofensas contra a honra por meio da
utilização de elementos de raça e cor, sendo aplicada as disposições do crime
de injúria previstas no art. 140 do Código Penal.
Somente em 1997, por meio da Lei nº 9.459, foi inserida no código penal
a injúria racial, como qualificadora do art. 140, caracterizada pela “utilização de
elementos referentes a raça, cor, etnia, religião ou origem” (Brasil, 1997).
Destaca-se que enquanto as demais modalidades de injúria fixavam penas de
detenção de um mês a um ano, a injúria racial estabeleceu pena de reclusão
de um a três anos, evidenciando que o legislador compreendeu a gravidade da
conduta e suas consequências para a população negra e para toda a
sociedade.
Assim, se estabeleceu uma distinção entre o crime de racismo e o de
injúria racial. Enquanto o primeiro está previsto na Lei nº 7.716/89 e atinge uma
coletividade indeterminada de pessoas, a segunda estava inserida no código
penal e se direciona à pessoa ou pessoas determinadas.
E as distinções não param por aí. O delito de injúria racial se caracteriza,
entre outros, pela realização de ofensas relacionadas a cor do indivíduo por
meio de expressões pejorativas que ataquem a honra subjetiva, ou seja, o juízo
de valor que o indivíduo faz de si mesmo. Já as condutas previstas na Lei
7.716/89, descrevem limitações ao exercício de direitos em virtude do
preconceito de raça ou de cor, como já citado.
Os diversos casos de discriminação racial ocorridos no Brasil e no
mundo, além do reconhecimento da necessidade de adequações na lei penal
sobre o tema, fomentaram a criação, pela câmara dos deputados, de uma
comissão de juristas negros, presidida pelo Ministro do Superior Tribunal de
Justiça (STJ) Benedito Gonçalves, com a relatoria do advogado Silvio de
Almeida.
Como resultado desse trabalho, o Deputado Paulo Paim (PT-RS)
apresentou substitutivo ao projeto de lei nº 4.566, com proposta de alterações
na lei do racismo e no código penal, o que foi aprovado pelo Congresso
Nacional e remetido ao Poder Executivo em 27/12/2022.
Entre as primeiras ações do mandato do Presidente da República Luiz
Inácio Lula da Silva iniciado em 2023, está a sanção do referido projeto de lei,

66
o que deu origem à Lei nº 14.532, de 11 de janeiro de 2023, que por sua vez
altera a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989 (Lei do Crime Racial), e o
Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para tipificar
como crime de racismo a injúria racial, prever pena de suspensão de direito em
caso de racismo praticado no contexto de atividade esportiva ou artística e
prever pena para o racismo religioso e recreativo e para o praticado por
funcionário público.
Com o advento da Lei nº 14.532/2023, o crime de injúria racial, que
antes estava previsto no Código Penal, com pena fixada entre um e três anos
de reclusão, agora está inserido na Lei nº 7.716/1989, conhecido como Lei do
Racismo, eliminando a separação legislativa entre injúria racial e crime de
racismo. Em outras palavras, injúria racial é um dos crimes de racismo no
Brasil. Além disso, o legislador realizou alteração na pena prevista para a
injúria racial, saindo do intervalo de um a três anos, para a previsão de pena de
dois a cinco anos.
Outro destaque importante é que os crimes previstos na Lei do Racismo
são de ação pública incondicionada à representação, ou seja, se o estado tem
conhecimento de fatos que possam caracterizar qualquer dos tipos previstos na
Lei n º 7.716/1989, deverá atuar independentemente da vontade da vítima. Ou
seja, caso a Polícia Civil seja procurada ou tenha conhecimento, por qualquer
meio, de práticas racistas e discriminatórias coibidas pela legislação, deverá
imediatamente iniciar a investigação, mesmo que a vítima não tenha interesse.
Trata-se de passo importante para repressão aos crimes de racismo,
além do reconhecimento de que a discriminação racial traz severos impactos à
toda a coletividade e deve ser reprimida, nos termos da lei, em qualquer
circunstância.
Pois bem. Estabelecidas tais considerações, tem-se que o crime de
injúria é crime contra a honra de uma pessoa. Ele acontece quando alguém
ofende a dignidade ou o decoro de um indivíduo específico. A conduta exigida
para o cometimento do crime de injúria qualificada é o animus injuriandi,
consistente na vontade de ofender a honra subjetiva de outra pessoa. Neste
caso, o agente profere palavras de cunho racista direcionadas somente à
vítima.

67
Por outro lado, o crime de racismo, previsto na Lei nº 7.716/1989,
implica em conduta discriminatória dirigida a um determinado grupo ou
coletividade. Não há uma vítima identificada, pois a ofensa é contra, por
exemplo, toda uma raça, não existindo a especificação do ofendido.

Figura 51: Imagem sobre a diferença entre racismo e injúria racial.

Nos crimes de racismo, a ação penal é pública incondicionada, ou seja,


cabe ao Ministério Público a legitimidade para processar o ofensor. Trata-se de
crime inafiançável e imprescritível, conforme está previsto no artigo 5º da
Constituição Federal.
Como se percebe, a injúria preconceituosa migrou do Código Penal para
a Lei de Racismo. Portanto, a ofensa motivada pela “raça, cor e etnia” está
expressa no art. 2º-A da Lei 7.716/89. Um outro detalhe importante: o termo
“origem”, antes previsto no Código Penal, transmutou-se na expressão
“procedência nacional”. Desse modo, fica a pergunta: qual a extensão da
expressão “procedência nacional”? Abrande apenas as ofensas aos atributos
pessoais baseados no preconceito regional (entre regiões do país) ou também
o preconceito ao estrangeiro? Temos duas possibilidades de interpretação: O
art. 140, § 3º do CP possuía a elementar típica “origem”, que abrangia as
ofensas em razão da origem nacional ou internacional. Com a nova redação do
art. 2º-A dada pela lei 14.532/2023, a expressão procedência “nacional” está
68
restrita à injúria preconceituosa de origem interna, ou seja, para pessoas
pertencentes a determinados estados da federação. Eventual ofensa a
atributos da pessoa em razão de sua condição estrangeira constituiria crime de
injúria simples. A expressão “procedência nacional” constante no art. 2º-A
abrange procedência interna e externa, ou seja, tutela pessoas de origem
nacional e estrangeira. Ademais, a expressão “procedência nacional” não é
nova na Lei nº 7.716/1989, pois consta do art. 20, que sempre puniu o racismo
praticado contra pessoas de origem estrangeira. Essa segunda posição nos
parece mais coerente, sob pena de proteção deficiente ao bem jurídico
dignidade humana, não sendo razoável imaginar que apenas os nacionais
estariam tutelados pela Lei de Racismo. Além disso, a própria Constituição
Federal, em seu art. 5º, refere que todos são iguais perante a lei, sem distinção
de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direitos à vida, à liberdade, à igualdade,
à segurança, dentre outros.
Assim, considerando as previsões da Lei de Racismo, tem-se que
ofender a honra subjetiva da vítima em razão de sua procedência nacional ou
estrangeira constitui injúria punível segundo o art. 2º-A. Por outro lado, praticar,
induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou
procedência nacional constitui crime de racismo previsto no artigo 20 da Lei
7.716/1989. A esse respeito, o Superior Tribunal de Justiça possui precedente
de que quem emitir ofensa discriminatória a uma coletividade em razão da sua
origem nacional, como por exemplo, o povo nordestino, estará incidindo em
crime de racismo previsto no art. 20, § 2º da Lei 7.716/1989 (REsp n.
1.569.850/RN, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em
24/4/2018, DJe de 11/6/2018).
A injúria praticada em razão da religião, da condição de idoso ou
deficiente permaneceu no Código Penal. Com isto, a opção do legislador foi no
sentido de que as ofensas a atributos pessoais da vítima valendo-se de
elementos referentes à religião não constituem crime de racismo. Até mesmo a
pena do art. 140, § 3º permaneceu inalterada. O dolo do agente é de ofender a
pessoa e, para isso, vale-se de elementos relacionados à religião. Contudo, é
importante salientar a existência da figura típica do racismo religioso em suas
figuras básica e equiparada. Segundo art. 20 da Lei nº 7.716/1989 (figura

69
básica), constitui racismo praticar, induzir ou incitar a discriminação ou
preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Ainda, sem
prejuízo da pena correspondente à violência, incorre nas mesmas penas
previstas no caput do art. 20 (figura equiparada) quem obstar, impedir ou
empregar violência contra quaisquer manifestações ou práticas religiosas.
Nesses casos, o dolo do agente é de demonstrar superioridade, menosprezar,
diminuir, segregar, impedir ou obstar a existência, a prática ou manifestações
religiosas.
Dito isso, tem-se que a injúria praticada contra a pessoa em razão da
raça, cor, etnia ou procedência nacional torna-se, legalmente, espécie de
racismo. A recente alteração legislativa foi precedida de decisões judiciais das
cortes superiores. Jurisprudencialmente, o Superio Tribunal de Justiça (AgRg
no AREsp 686.965/DF) e o Supremo Tribunal Federal (HC 154.248) já haviam
se manifestado, ainda que parcialmente, sobre a natureza da injúria racial
como espécie de racismo. O Supremo assentou que o delito de injúria racial,
em sendo espécie de crime de racismo, é imprescritível.
Apesar dessa posição equiparatória, o STF silenciou sobre a
equiparação da injúria ao racismo quanto à natureza da ação penal (já que o
racismo é de ação pública incondicionada e a injúria, antes da presente
alteração, era de ação condicionada à representação, sendo possível, portanto,
a ocorrência da decadência).
Outro ponto omisso na decisão do STF era definir se, apesar da
equiparação, o delito de injúria racial continuaria afiançável, já que o crime-
parâmetro de racismo é inafiançável por mandado constitucional. A discussão,
agora, está resolvida: a injúria racial é crime de ação pública incondicionada e,
tendo sido inserida na Lei de Racismo, adota o mesmo regime jurídico quanto à
inafiançabilidade e imprescritibilidade. A injúria racial, assim, é uma espécie de
crime racial com dolo (animus injuriandi) diverso do crime de racismo previsto
no art. 20 da Lei 7716/1989, que possui o dolo de diferenciar, segregar,
diminuir, tratar de forma desigual, impedir ou restringir direitos, dentre outras
formas de atuação.

70
Figura 52: Atenção para a mensagem.

Com o objetivo de reforçar o conteúdo já trazido, segue quadro


comparativo das principais diferenças entre o crime de racismo e de injúria
racial.

Figura 53: Quadro sobre a diferença entre racismo e injúria racial.

Fonte: https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2023/01/15/a-lei-14-532-2023-e-as-
mudancas-promovidas-na-legislacao-criminal-brasileira/

71
Estabelecidas estas premissas, retomemos o ano de 2021, período em
que Supremo Tribunal Federal decidiu, durante o julgamento de um habeas
corpus, que o crime de injúria racial configura uma categoria dos tipos penais
de racismo e é imprescritível.

Figura 54: Arte desenvolvida pela Defensoria Pública da Bahia.

O habeas corpus refere-se ao caso de uma mulher idosa de 72 anos, à


época dos fatos, que foi condenada pela Justiça do Distrito Federal a um ano
de reclusão e dez dias-multa pela prática de injúria racial ano de 2013. O crime
ocorreu no ano de 2012 em um posto de gasolina, diante da recusa da
frentista/vítima em aceitar cheque como forma de pagamento, ocasião em que
a autora proferiu os seguintes dizeres “negrinha nojenta, ignorante e atrevida”.
A defesa da autora solicitou a extinção da punibilidade em razão da
prescrição do crime, considerando a idade da mesma.
Segundo ministro Edson Fachin, com a alteração legal que tornou
pública condicionada (que depende de representação da vítima) a ação penal
para processar e julgar os delitos de injúria racial, o crime passou a ser
equivalente ao de racismo e, portanto, imprescritível, conforme previsto na
Constituição Federal (artigo 5º, inciso LXII).

72
Então, a partir desta decisão do STF, a injúria racial tem sido
considerada também imprescritível.

Figura 55: Arte sobre a decisão do STF.

Como dito nas linhas acima, a Lei nº 14.532/2023, em vigor desde 11 de


janeiro do corrente ano, incluiu a injúria racial à Lei do Racismo, retirando-a do
Código Penal. A proposta estabeleceu o aumento de pena para casos de
injúria, que antes era de um a três anos, para dois a cinco anos de prisão, além
do pagamento de multa. O crime também passa a ser imprescritível e
inafiançável.
A novel legislação sobre o tema também prevê que a pena por injúria
será aumentada pela metade se o crime for cometido por duas ou mais
pessoas.
De acordo com o regramento atual, os crimes de racismo, incluindo o de
injúria, terão a pena aumentada em um terço até a metade se cometido em um
contexto ou com o intuito de “descontração, diversão ou recreação” (art. 20-A).
Também terá a pena aumentada em um terço até a metade quando praticado
por funcionário público no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-
las (art. 20-B).
E não é só! As alterações promovidas dispõem, ainda, que, quando o
crime de racismo, previsto no art. 20, for praticado no contexto de atividades
esportivas, religiosas, artísticas ou culturais destinadas ao público, a pena será
de reclusão de dois a cinco anos mais a proibição de frequentar locais
destinados a práticas esportivas, artísticas, culturais destinadas ao público,
conforme o caso, por três anos (art. 20, § 2º-A).
73
Ademais, ao interpretar a lei, o juiz deve considerar como discriminatória
qualquer atitude ou tratamento dado à pessoa ou a grupos minoritários que
cause constrangimento, humilhação, vergonha, medo ou exposição indevida, e
que usualmente não se dispensaria a outros grupos em razão da cor, etnia,
religião ou procedência (art. 20-D).
Verifica-se que as alterações almejam alinhar a lei ao entendimento do
STF em relação ao crime de injúria, além de possibilitar uma repreensão mais
eficaz e severa, inibindo, desta forma, a prática de atos de discriminação e
preconceito.

74
UNIDADE 3

8. IMPLICAÇÕES DO RACISMO E DA DISCRIMINAÇÃO RACIAL NA


ATUAÇÃO POLICIAL

É certamente clara a importância da discussão acerca de raça, racismo,


discriminação e temas correlatos sob os enfoques conceitual, teórico e
normativo. Entretanto, é igualmente evidente a importância de se apresentar e
discutir estes esses temas sob o ângulo de sua implicação na prática do
trabalho policial.
A Matriz Curricular Nacional para ações formativas dos profissionais da
área de segurança pública (SECRETARIA NACIONAL DE SEGURANÇA
PÚBLICA - SENASP, 2014) prevê, no escopo das ações de formação de
policiais civis e militares, uma disciplina especificamente voltada para questões
de diversidade étnico-sóciocultural. Tal disciplina (2.7.2), descreve como seus
objetivos construir e exercitar, nos policiais ingressantes, habilidades para:
Desenvolver uma conduta pessoal e profissional destituída de preconceito e
discriminação racial; e Aplicar as leis referentes à discriminação racial e outros
documentos internacionais dos quais o Brasil é signatário (SENASP, 2014,
p.188). Em sequência, estabelece a importância da capacitação como
ferramenta de fortalecimento de atitudes que permitam aos policiais se
tornarem conscientes e sensíveis acerca de sua importância como promotores
da equidade étnico-social, bem como capazes de atuar adequadamente frente
às situações de racismo e de violação dos direitos humanos dos grupos étnicos
discriminados (SENASP, 2014, p.188).
Além de todo o aspecto legal que coloca as polícias, enquanto órgãos de
Estado, como agentes no combate à discriminação étnico-racial, o programa da
Disciplina 2.7.2 da Matriz Curricular Nacional destaca que as forças policiais
têm responsabilidades próprias quanto a este tema. Afinal, são as polícias
instituições diretamente implicadas na garantia de direitos, sendo o direito à
igualdade uma dessas garantias essenciais.
Ainda na seara dos direitos fundamentais, Cerqueira e Dornelles (2001)
chamam atenção para o fato de que é por meio de seus agentes que os
Estados cumprem (ou deixam de cumprir) as exigências dos tratados

75
internacionais que são signatários – como é o caso do direito à não-
discriminação, abordado tanto em diplomas internacionais específicos quanto,
de maneira transversal, em outros acordos.
A declaração da Assembleia das Nações Unidas para a eliminação da
discriminação racial é um destes importantes tratados internacionais.
Proclamada em novembro de 1963, a Declaração sobre a eliminação de
todas as formas de discriminação racial faz referência especificamente ao
trabalho policial em seu artigo 2º (2), ao afirmar que Nenhum Estado deverá
encorajar, defender ou prestar o seu apoio, através de ação policial ou outras
medidas, a qualquer discriminação baseada na raça, cor ou origem étnica
cometida por qualquer grupo, instituição ou indivíduo (ORGANIZAÇÃO DAS
NAÇÕES UNIDAS, 1963).
Faces de uma mesma moeda, o direito à igualdade (ou tratamento
igualitário) e à não-discriminação caminham juntos e, no que tange mais
especificamente à atuação policial, desembocam sobretudo no direito a um
julgamento justo – ainda que por hábito tomemos “julgamento” como espaço
exclusivo do sistema judicial do País. Entretanto, os aparatos judiciais
funcionam em cadeia, e no caso da justiça penal, mais das vezes esta tem seu
início no trabalho das polícias (CERQUEIRA; DORNELLES, 2001). Mais do
que isso: Duarte, Muraro, Lacerda e Garcia (2014) demonstraram que os
estamentos do sistema judiciário tendem a absorver o discurso policial – em
resumo, processos de persecução penal iniciados de maneira discriminatória
têm grandes chances de receber um segmento processual igualmente
discriminatório.

76
Figura 56: Charge sobre o procedimento de reconhecimento e suas potencialidades para o
processo criminal discriminatório.

Fonte: Antonio Junião, 2020. Extraído de https://www.instagram.com/p/CFUtOwYnn-X/, em


10/02/2023.

Anteriormente, nos remetemos à racialização dos índices de letalidade


policial (isto é, o quantitativo de pessoas mortas em decorrência da
intervenção direta de uma força policial, seja em confronto ou não) para
demonstrar o quão seletiva é a distribuição da violência no País. Inclusive,
evocamos os dados de vitimização policial por raça/cor (ou seja, a definição
racial do quantitativo de policiais mortos, em serviço ou não) para expor que
não é em decorrência do suposto “status criminal” que negros são mais
vitimizados pela violência do que brancos no Brasil.
Ao analisar os índices de três capitais da região sudeste do País, a
desproporção na vitimização letal de pessoas negras pela polícia foi resumida
por Sinhoretto e seus colaboradores (2014), expondo seu caráter alarmante.
Computadas as ocorrências registradas de 2008 aos nove primeiros meses de
2013, a chance de uma pessoa morta pela polícia ser negra era de quatro
para uma no Estado do Rio de Janeiro; três para uma em São Paulo; e duas
para uma em Minas Gerais. O desequilíbrio acompanha o número geral de
mortes por intervenção policial nos estados: o Rio de Janeiro detinha o maior
índice de letalidade policial, seguido por São Paulo e, por último Minas Gerais4.

4
No período em questão, o índice de letalidade policial em Minas Gerais era dez vezes
menor do que o de São Paulo e vinte vezes menor que o do Rio de Janeiro (SINHORETTO et
al., 2014).
77
É sempre importante lembrar, porém, que este curso se dirige sobretudo
a policiais. Sendo assim, ainda que reconheçamos existir um ordenamento
racialmente discriminatório na sociedade brasileira, nos cabe discutir mais o
cenário micro (da atuação policial) do que o contexto macro (da sociedade
como um todo). Isto posto, precisamos rememorar que, a despeito de qualquer
particularidade, atuações policiais com resultado morte não podem ser
encaradas com naturalidade: seu aspecto extraordinário deve ser sempre
mantido em destaque, não sendo razoável tomar sua ocorrência como medida
suficiente para a compreensão da dinâmica social.

Figura 57: Fotografia sobre encarceramento.

Fonte: Fiocruz, 2020. Extraído de https://campusvirtual.fiocruz.br/portal/?q=palavra-chave-de-


documentos/encarceramento, acesso em 16/02/2023.

Conforme apontam Duarte, Muraro, Lacerda e Garcia (2014), a utilidade,


e consequentemente a efetividade do trabalho policial é popularmente medida
pelo volume de encarceramento que produz. Não somente a atuação da
polícia, mas também ela. Igualmente, a Justiça Penal é útil na medida em que
condena o suspeito, e o Sistema Penal como um todo alcança seu valor
quando leva ao encarceramento do condenado.
A este respeito, dados do Conselho Nacional de Justiça apontam que
45% da população carcerária do Brasil em 2022 era composta por presos
provisórios (YAHOO! NOTÍCIAS, 2022), dos quais uma parte considerável
decorre de prisões em flagrante. Sendo assim, analisar o aprisionamento, e de
imediato aqueles em flagrante, parece-nos um indicador mais confiável para

78
discutirmos a prevalência de práticas discriminatórias no trabalho policial. Para
tanto, antecipamos a conclusão antes de dissecá-la: conforme apontam
Sinhoretto et al (2014), a qualificação dos presos em flagrante no Brasil
demonstra que a atenção policial recai em especial sobre as populações
negras.
Como apresentam os autores, entre 2008 e 2012 no Estado de São
Paulo, por exemplo, 54,1% das pessoas presas em flagrante eram negras – a
título de referência, os dados do Censo de 2010 apontavam que toda a
população negra do Estado era de 34,8% (SINHORETTO et al., 2014, p.126).
No caso de Minas Gerais, em 2012 o percentual de presos em flagrante negros
era de 68,4% - segundo os dados do IBGE 2010, a população geral de MG era
composta de 53,5% de negros (pretos e pardos) (Idem, p.130). Nos dois casos,
o que se observa é a sobre representação da população negra nas respectivas
massas carcerárias.
Ainda que de maneira sucinta, esses números apontam que o viés
racializado das prisões em flagrante parece ser efetivamente uma realidade.
Sendo assim, cabe-nos mais um passo atrás, na direção do que leva às
prisões desse tipo. Barros (2008) e Duarte, Muraro, Lacerda e Garcia (2014)
assinalam o efeito das abordagens policiais na realização de prisões em
flagrante, ainda que apresentem enfoques diferentes para a questão.

Figura 58: Charge sobre abordagem policial.

Fonte: Extraído de https://laurochammacorreia.jusbrasil.com.br/artigos/388119560/busca-


pessoal-e-abordagem-policial-tem-previsao-legal, acesso em 16/02/2023.

79
Partindo da própria Matriz Curricular Nacional para formação de
profissionais de segurança pública, Timbane (2013) destaca que
discriminações por grupo social podem ocorrer desde o primeiro contato entre
policiais e população, isto é, já no momento da abordagem desta por aquela.
Entretanto, apesar de estar interessado nas formas como são verbalmente
conduzidas as abordagens policiais, e de considerar que essas são palco de
possíveis discriminações, Alexandre Timbane (2013) não se dedica a analisar
especificamente as relações existentes entre abordagens policiais e a raça/cor
dos abordados. Essas implicações serão consideradas em pesquisas
realizadas em diversas partes do País, como os já citados (BARROS, 2008; e
DUARTE; MURARO; LACERDA; GARCIA, 2014), mas também Sinhoretto et al
(2014) e Trad et al (2016). Em resumo, esses estudos demonstram de maneira
bastante sólida a presença de marcadores de raça/cor nos processos de
fundamentação de suspeita e abordagem policial.
O trabalho de Geová Barros (2008) fez parte de um conjunto de
pesquisas sobre a presença de discriminação racial entre os policiais militares
do Estado de Pernambuco (PMPE). Usando métodos diversos de investigação,
o autor deparou-se com 65,05% de seus entrevistados (todos militares da
ativa) dizendo que sim, pessoas negras são priorizadas em abordagens
policiais. Entre alunos dos cursos de formação de soldados (CFSD) e de
oficiais (CFO), esse índice saltou para 74% e 76,9% respectivamente. Usando
de outro instrumento, Barros, ele próprio oficial da PMPE, apresentou a seus
entrevistados (tanto policiais quanto ingressantes) uma situação hipotética de
abordagem: no modelo, um trio de agentes está diante de dois homens
suspeitos, um deles branco e o outro, negro. Tendo que escolher qual dos dois
abordar primeiro, o pesquisador perguntou aos participantes o que eles fariam,
se fossem eles em patrulha; e o que eles achariam que aconteceria, sendo o
respondente apenas um observador.
O resultado obtido pelo pesquisador reforçou algo já conhecido sobre as
relações raciais no Brasil: as pessoas admitem tratar-se de um país racista,
mas quando convidados a apontar quem é racista, este é sempre o outro,
nunca ele mesmo. Assim, militares da ativa e ingressantes, quando na situação
de observadores, disseram que na maioria dos casos o suspeito negro seria
abordado primeiro (67,4% em média). Quando o respondente deveria imaginar-

80
se realizando a abordagem, o índice muda radicalmente, e em média apenas
27,2% afirmam que o suspeito negro seria abordado primeiro. No caso em que
se imaginam atuando, os participantes da pesquisa preferiram uma saída
intermediária: 56,9% deles, em média, disse que nem abordariam o suspeito
negro primeiro, nem o suspeito branco, mas que optariam por outra estratégia
(BARROS, 2008, p.141). Ou seja: quando perguntados se a polícia militar age
de maneira racista, policiais militares e aspirantes à função disseram que sim.
Quando questionados se eles próprios, policiais militares, atuam de maneira
racista, disseram que não. O racista é sempre o outro.

Figura 59: Charge sobre cultura escravista.

Fonte: Charge de Rico. Extraída de https://www.instagram.com/p/Cdg_rY-r8Oe/, acesso em


14/02/2023.

Trad e seus colaboradores (2016) também realizaram entrevistas e


conduziram grupos focais com policiais, acrescentando à pesquisa a escuta a
jovens negros, estatisticamente os mais afetados pelo racismo institucional dos
órgãos de segurança. Retomaremos mais adiante este trabalho, mas no

81
momento basta destacarmos a percepção dos jovens participantes, sobretudo
de Fortaleza e Recife, sobre quais elementos são utilizados pelos policiais para
decidir quem deve ser abordado ou não. Assim, indicadores de pertencimento
social (nível socioeconômico); comportamentos como a forma de andar,
gesticular e a linguagem utilizada; a aparência do indivíduo; a raça/cor ou
outros traços étnicos; e, por fim, traços externos (como veículo que conduz ou
trafega, se carrega pacotes ou mochilas), foram apontados pelos jovens
participantes da pesquisa como critérios básicos da decisão, por parte dos
policiais, de abordar alguém ou não (TRAD et al., 2016, p.55).
As conclusões desses estudos apontam para o fato de que
características raciais das pessoas são efetivamente utilizadas para decidir se
alguém deve ser abordado ou não. A questão é, porém, mais profunda:
definida pelo artigo 244 do Código de Processo Penal, a abordagem – termo
popular para a busca pessoal – é assim descrita:

Art. 244. A busca pessoal independerá de mandado, no caso de


prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja
na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam
corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de
busca domiciliar. (BRASIL, 1941. Grifos nossos)

A fundada suspeita é elemento essencial para oportunizar ou não o uso


da abordagem/busca pessoal. Em certa medida, é a sua presença que
converte um cidadão em suspeito. O interesse da nossa discussão, para a
apreensão da discriminação racial no fazer policial, passa a ser identificar o
que os agentes levam em conta para identificar uma situação de fundada
suspeita e, consequentemente, o/a suspeito/a5.
É vã a expectativa de definir, a priori, um rol de elementos capazes de
compor um quadro de suspeição. Isso porque, como refere o manual Servir e
Proteger, do Comitê Internacional da Cruz Vermelha – CICV (2020), aplicar a
lei não é emitir respostas padronizadas para problemas igualmente
padronizados. Os protocolos, que funcionam como norteadores, só conseguem
dar diretivas genéricas a serem consideradas no momento e no espaço da
ação. Isso cria uma separação: de um lado, o prescrito, o discurso institucional,

5
A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou ilegal a busca pessoal
ou veicular, sem mandado judicial, motivada apenas pela impressão subjetiva da polícia sobre
a aparência ou atitude suspeita do indivíduo (RHC nº 158.580/BA). Vale também destacar, que
em 01/03/2023, o STF começou a julgar validade de prova obtida em busca pessoal baseada
na cor da pele (HC 208.240).
82
manifesto em protocolos, normas e códigos de conduta. Do outro, a atuação
real, sujeita a variáveis diversas, discricionária (DUARTE; MURARO;
LACERDA; GARCIA, 2014).
O discurso institucional é diferente das práticas policiais. A racionalidade
que rege a primeira não resume as ações da segunda, ainda que seja evocada
no discurso dos policiais quando chamados a explicar os motivos de sua ação
(TRAD et al., 2016). Se as abordagens policiais são discriminatórias,
certamente esse traço não estará presente nos protocolos de atuação, mas sim
no momento de tomada de decisão por parte dos agentes.
Essa separação entre discurso e prática não é tão radical quando pode
parecer. Trad et al (2016) deixam claro que a abordagem é definida por um
misto de técnica (oriunda dos protocolos, do discurso institucional) e a
discricionariedade do agente. A questão passa a ser, portanto, o que pesa na
definição da fundada suspeita que orienta a abordagem. Do ponto de vista
formal, “uma pessoa deverá ser considerada um suspeito em potencial com
base em fatos claros e conclusões lógicas. Qualquer consideração desse tipo
não deverá ser influenciada por questões de nacionalidade, raça, religião,
género, classe social etc.” (CICV, 2020, p.162), conforme o princípio da não-
discriminação.
Entretanto, como assinalam Duarte, Muraro, Lacerda e Garcia (2014), a
construção do suspeito policial está atrelada a crimes ocorridos no espaço do
visível – furtos, roubos, tráfico. São as características desses tipos de crimes
que serão consideradas para se identificar quem é suspeito e quem não é,
porque acredita-se que existe um perfil identificável da pessoa que comete
esses crimes. Em contrapartida, delitos que ocorrem no espaço “invisível” –
corrupção, violência doméstica, homicídio, violência sexual – não possuem
características supostamente visíveis e, portanto, não geram um perfil do
suspeito de cometer esse tipo de crime.
Ainda segundo os mesmos autores (DUARTE; MURARO; LACERDA;
GARCIA, 2014), toda essa discussão acerca do que fundamenta a parte
prática, discricionária, da atuação policial é habitualmente reduzida a um termo:
o tirocínio. Espécie de habilidade talhada pelos tempos de serviço, o tirocínio
serve de explicação para tudo aquilo que não tem explicação – que se
pergunte a um policial por que considera suspeito um homem negro dirigindo

83
um carro de luxo, mas não um homem branco com um carro semelhante, e a
chance de ouvir “por experiência, tirocínio” é grande. A verdade porém é que,
mais das vezes, o “tirocínio” não passa de um chavão: um argumento coringa
utilizado sempre que os agentes não sabem racionalizar os passos que
antecederam a tomada de decisão.

Figura 60: Matéria jornalista sobre ação policial e tirocínio.

Fonte: Extraído de https://patosagora.net/noticia/tirocinio-policial-ajuda-na-prisao-de-cinco-


homens-que-iam-assaltar-casa-de-avo-de-um-dos-envolvidos., acesso em 16/02/2023.

O tirocínio é o resultado de um espaço de ação mal delimitado e que,


aliado à grande resistência das instituições policiais em discutir raça e racismo
(TRAD et al., 2016), faz com que o processo de tomada de decisão seja
fortemente sustentado por estereótipos – geográficos, de gênero, de classe, de
raça (DUARTE; MURARO; LACERDA; GARCIA, 2014).
Conforme demonstra Geová Barros, quando confrontados ou quando
reconhecem o caráter racialmente orientado de alguma decisão que tomaram
no exercício de sua atividade, os policiais o fazem de maneira constrangida.
Assim, 21,9% dos entrevistados por Barros (2008, p.147) disseram que
pessoas negras são priorizadas em abordagens porque “a maioria das pessoas
presas/detidas é negra”, ou que “a maioria dos pretos/pardos mora em favelas”
(14,3%). Um percentual não desprezível dos policiais ouvidos (22,6%) afirmam
que a preferência de pessoas negras para abordagem se dá por “questões
culturais”, somados aos outros 5,4% que afirmam que a preferência se dá “de
maneira automática”, perceberemos que esse automatismo, essa prescrição
cultural, essa criminalização da pobreza, se apoiam no já discutido racismo
estrutural (ALMEIDA, 2020). Por sua vez, a explicação que atrela suspeição e
84
população carcerária diz muita coisa, é uma profecia autorrealizável: a maioria
dos presos ser negra faz com que negros sejam mais abordados e, se mais
abordados, mais chances têm de serem pegos em flagrante, aumentando a
massa carcerária de pessoas negras, que orienta as preferências de
abordagem...

Figura 61: Ilustração sobre discriminação racial e ação policial.

Fonte: Extraída de Cruz (2019).

Ainda nesse sentido, se conforme já discutimos, a tradição do


pensamento brasileiro embranquece elementos da cultura negra pra fazê-los
nacionais (REIS, 1996), de maneira semelhante os discursos evocam traços
socioeconômicos para justificar o que é, efetivamente, racial (TRAD et al,
2016). Conforme Duarte, Muraro, Lacerda e Garcia (2014), ao justificarem a
fundada suspeita que deu causa a uma abordagem, os policiais apresentam
elementos econômicos e comportamentais, sobretudo para escamotear
aspectos raciais. Surge assim um “tipo social criminoso” (SINHORETTO et al.,
2014, p.137), na forma do “kit peba” referido pelos policiais do Distrito Federal6,
dos elementos do hip hop referidos pelos policiais de MG e SP, ou o estilo

6
Na descrição dos policiais ouvidos pelos pesquisadores, no “kit peba” as roupas “[...]
são largas, aparecem as cuecas, são acompanhadas de boné que esconde os olhos e a
intenção da pessoa; possuem um jeito desleixado de andar, roupas com estampa, geralmente
de marca, não sendo necessariamente originais.” (SINHORETTO et al, 2014, p.135).
85
funkeiro descrito pelos agentes do Rio de Janeiro – em síntese, elementos
comuns na cultura das periferias, das favelas, passam a compor o perfil
criminoso.
Nos aspectos comportamentais tomados como indícios para a fundada
suspeita, novamente o caráter autorrealizável das características levadas em
conta: cidadãos marginalizados são mais abordados, o que os deixa mais
apreensivos quando diante de policiais, o que acaba sendo tomado como
elemento de suspeição (CRUZ, 2019).

Figura 62: Ilustração sobre discriminação racial e ação policial.

Fonte: Extraída de Cruz (2019).

Pode ser que alguns considerem essa relação entre elementos de


periferia e raça/cor uma metonímia exagerada. A esse respeito, é importante
recuperarmos o que apresenta Oracy Nogueira (MUNANGA, 2020): a
discriminação no Brasil é estruturada como racismo de marca, não de origem.
Quer dizer, é mais discriminado aquele que se parece ser (ou é)
fenotipicamente mais preto. O inverso é verdadeiro, e quanto menos preta uma
pessoa se parece, menos sujeita à discriminação ela está. Quando os policiais
86
entrevistados apontam elementos socioeconômicos como marcadores de
suspeição, o fator racial se faz presente, ainda que não declarado: há um
emparelhamento em que negritude = pobreza/periferia/crime (“a maioria das
pessoas negras mora em favelas”), do qual o elemento “negritude” é ocultado
somente no discurso. De mais a mais, discriminação pode se dar em função da
etnia real ou presumida (CICV, 2020, p.163): “periférico” e “negro” tornam-se
concepções intercambiáveis, sinônimos do qual se presume o crime.
Os versos de “Haiti”, canção de Caetano Veloso e Gilberto Gil, podem
ser evocados para traduzir essa relação de maneira mais poética, menos
técnica:

Mas presos são quase todos pretos


Ou quase pretos, ou quase brancos quase pretos de tão pobres
E pobres são como podres
E todos sabem como se tratam os pretos
(VELOSO, 2003, p.190)

Para a discriminação racista, estruturalmente organizada, a pobreza, os


elementos típicos das periferias e sua cultura, as favelas, o hip hop, o funk são
agentes enegrecedores. É em razão disso que podemos entender o que um
policial quer dizer quando afirma que “algumas situações passam
despercebidas porque a pessoa não tem essas características que a gente
espera que ela tenha” (DUARTE; MURARO; LACERDA; GARCIA, 2014, p.95);
ou quando uma juíza afirma que o réu “não possui o estereótipo padrão de
bandido” (G1, 2019a).

87
Figura 63: Fragmento de decisão judicial.

Fonte: Extraída de G1 (2019a).

Ressaltar as razões raciais que subjazem as escolhas que são


justificadas como baseadas exclusivamente em elementos socioeconômicos
não equivale a dizer que elementos dessa natureza não compõem o quadro
discriminatório, porque eles compõem, se somam. Não nos esqueçamos que o
posicionamento das forças de segurança deve, conforme alguns de seus
membros, variar de acordo com o lugar em que opera (DUARTE; MURARO;
LACERDA e GARCIA, 2014; ADORNO, 2017). Existem várias cidades dentro
de uma mesma cidade, com regras próprias de intervenção. Majoritariamente
negras, as favelas, as periferias, vivem em um permanente “estado de
exceção”, no qual a truculência e a violência racial são a linguagem
socialmente aprovada (MBEMBE, 2018).

• E a Polícia Civil?

88
É relativamente fácil para nós, policiais civis, nos eximirmos da
responsabilidade ante a discussão que conduzimos até aqui. Afinal, é só muito
raramente que a abordagem a suspeitos se faz presente em nossa atuação e,
quando prendemos alguém, na maioria das vezes é como resultado de um
processo investigativo que individualizou a responsabilidade pelo delito.
Porém nada neste assunto é simples. Conforme aponta o manual de
referência para policiais e forças de segurança da Cruz Vermelha (CICV,
2020), uma técnica usual para se chegar à autoria de um delito é o
perfilamento: a construção de uma hipótese sobre a identidade do suspeito
potencial com base na natureza do crime, nas circunstâncias em que foi
cometido e, espera-se, em outros indícios coletados. Uma vez considerados
esses condicionantes, a busca pelo autor do crime é restrita às pessoas que
correspondem ao perfil criado.
Apesar do que mostram os filmes, o perfilamento (profiling) não
necessariamente ocorre de maneira formal, com a confecção de um perfil
criminal por escrito redigido por caricatos psicólogos ou psiquiatras forenses.
Pelo contrário: de maneira intuitiva e informal, construímos perfis criminais o
tempo todo, baseados nos indícios e em nossas experiências. É pertinente
então que nos lembremos do que foi discutido acerca do recurso à “experiência
profissional”, materializada no “tirocínio”, como fundamento da ação policial.

Figura 64: Fragmento de decisão judicial.

Fonte: Extraído de https://www.guiadasprofissoes.info/profissoes/profiler-criminal-profiling/,


acesso em 16/02/2023.

89
A definição prematura de um perfil a ser buscado, baseada somente em
experiência ou sem informações e indícios sólidos, pode apontar na direção
errada e impedir que indícios relevantes sejam percebidos e coletados.
Ademais, situações como essa não raras vezes impedem completamente que
o criminoso verdadeiro seja capturado, restando o delito insolúvel e o
responsável sem a devida punição.
Muitas vezes o autor de um crime é procurado a partir de impressões
vagas de tipo físico ou região de residência (como uma determinada
comunidade ou favela, por exemplo). Em decorrência disso, empenha-se
grande esforço para abordar um grande número de pessoas em razão de um
perfil impreciso e discriminatório. Isso pode fazer com que pessoas
pertencentes ao grupo minoritário atingido sintam-se discriminadas e
apresentem alto grau de desconfiança ao se relacionar com a polícia (CICV,
2020, pp.164-165). Nesse cenário, esse grupo pode tornar-se

[...] menos inclinado a denunciar crimes ou dar informações que


poderiam ser relevantes às investigações policiais. No longo prazo,
essa abordagem terá um efeito negativo sobre o trabalho e a eficácia
policial. O fenômeno é frequentemente observado em bairros pobres,
onde as pessoas se sentem discriminadas por sua baixa condição
social, já que as forças policiais que investigam um crime específico
imediatamente lançam amplas buscas pelo perpetrador nesses
bairros sem qualquer informação ou prova adicional de que ele
realmente de lá proceda. Consequentemente, as pessoas que moram
nesses bairros tornam-se cada vez mais relutantes a denunciar
crimes à polícia ou tendem a lidar com o crime por si mesmos e à sua
própria – e com frequência violenta – maneira. (Idem, p.165)

• Existe mesmo discriminação racial na minha atuação


policial?

Algumas pessoas, inclusive entre nós policiais, tendem a se colocar de


maneira relutante diante de discussões como a que fizemos aqui. Não há nada
de extraordinário nisso: conforme apresentamos anteriormente, o racismo,
dada a sua forte crítica moral, é entendido como um comportamento
condenável, vexatório – e de fato deve ser percebido assim. Entretanto, isso
faz com que sejamos rápidos em negar qualquer possibilidade de que existam
traços racistas em nós ou em nossas ações. Da mesma forma, somos
igualmente velozes em apontar, no outro e em suas ações, a presença vil da
discriminação racial.

90
Conforme Duarte, Muraro, Lacerda e Garcia (2014), existirão mesmo
aqueles que negarão o fundo racista nos índices de mortes violentas ou de
encarceramento, suspeitando de uma possível “mentira coletiva”. Oras, a estes
teremos de dizer que os dados são muitos e oriundos de diversas fontes.
Trabalhos que, como mostramos brevemente, lançaram mão das mais
diferentes técnicas – entrevistas, grupos focais, situações simuladas, análise
de dados estatísticos, análise de boletins de ocorrência policial e sentenças
judiciais – para chegar à mesma infeliz conclusão.
Outros, ainda, recorrerão à ausência de intenção, à ação inconsciente,
automatizada, mecânica. A estes, Barros (2008) lembra que a intenção de
discriminar é irrelevante para definir se ocorreu discriminação, porque os
efeitos dela independem se quem discriminou agiu deliberadamente ou não.
A fim de fugir à possibilidade de atuação discriminatória, algumas
instituições estabelecem como padrão de resposta o aumento da repressão, de
maneira indiscriminada – todos serão submetidos a abordagens,
independentemente da existência de suspeição prévia. Além de não existir
nenhuma tecnicidade nesse tipo de procedimento, ainda imporia a todos os
cidadãos uma percepção antecipada de culpa, demolindo a presunção de
inocência. A necessidade de tratamento igualitário não propõe que todos sejam
igualmente tratados como criminosos, pelo contrário. Nas palavras de uma
jovem negra do Distrito Federal:

Quando a gente fala de tratamento igual não é de pensar que os


brancos devem ser tratados assim, no sentido da polícia ser
truculenta com eles. Mas no sentido de desnaturalizar que eu já sou
um possível suspeito por eu ser negra ou por meu irmão ser negro. A
questão caminha no sentido de sair do campo fenotípico ou até do
cultural e passar por questões mais operacionais mesmo, de
situação. A situação pede que eu aborde pessoas que estão aqui,
independente de sejam brancos ou negros. (DUARTE; MURARO;
LACERDA; GARCIA, 2014, p.97)

Por fim, precisamos recordar que as polícias não são as únicas


responsáveis pelo tratamento discriminatório que pessoas negras recebem do
sistema penal. Se é de conhecimento geral que o racismo se faz presente nas
ações ordinárias da segurança pública, a ausência de oposição firme ante esse
estado de coisas por parte dos poderes Judiciário e Legislativo auxilia na sua
manutenção (DUARTE; MURARO; LACERDA; GARCIA, 2014). Discutimos
extensamente sobre a forma estrutural do racismo no Ocidente, em especial no
91
Brasil. Assim, temos consciência de que qualificar apenas a polícia para o
enfrentamento das discriminações raciais não é o suficiente – ainda que seja
necessário e inevitável.

92
9. ALGUMAS REFLEXÕES ACERCA DA INTOLERÂNCIA RELIGIOSA NO
BRASIL

Figura 66: Atenção a anotação abaixo.

Nessa noite, fiquei ao lado das filhas de santo que o ajudavam a se


trocar durante a celebração. Os trocadores aqueceram seus
tambores na fogueira acesa no terreiro. A primeira a chegar, após a
ladainha e a saraivada de fogos, foi justamente a dona da festa, santa
Bárbara; a caixa trazida por dona Tonha continha a saia vermelha, o
adê e a espada de Iansã, todos os adornos que a santa vestiria. O
quarto dos santos, onde rezavam a ladainha, tinha velas acesas e
uma profusão de cores das imagens e bonecas. Havia imagens de
gesso e madeira de diferentes tamanhos e estados de conservação.
São Sebastião, Cristo Crucificado, o Bom Jesus, são Lázaro, são
Roque, são Francisco, padre Cícero. Havia pequenos quadros, uns
de cores vivas, outros desbotados, de são Cosme e são Damião,
Nossa Senhora Aparecida, santo Antônio. Havia fotografias de meus
pais, da velha Donana, outras tantas, pequenas, de devotos. Havia
flores de papel, algumas mais novas, outras pálidas. Sempre-vivas
que colhíamos na estrada ou nas cercanias, entre as rochas. [Trecho
do livro Torto arado, do escritor Itamar Vieira Junior (2019)]

Nesse trecho da ficção criada por Vieira Junior (2018) e ambientada no


sertão da Bahia, uma das filhas da personagem Zeca Chapéu Grande narra os
instantes que antecedem os festejos de Santa Bárbara, Iansã, nas religiões
afro-brasileiras. O descortinar do sincretismo religioso brasileiro, tão bem
representado pelo escritor baiano em sua obra, não se trata de mero
espetáculo ao leitor atento. O entremear de tradições religiosas é constituinte
da identidade brasileira, sendo a sociedade, desde o início do seu processo

93
colonizador, predominantemente Católica, religião professada pelas nações
colonizadoras. No entanto, estatísticas oficiais acerca das filiações religiosas
tem apontado para a crescente alteração dessa realidade. No Censo
Demográfico realizado no ano de 2010, 64,6% da população brasileira
declarava-se católica, seguida de 22,2% de evangélicos, 2% de espíritas, 0,3%
de Umbanda e Candomblé e de 2,7% de outras religiosidades. A estimativa é
de que no ano de 2030 o Brasil não seja predominantemente de católicos, mas
sim de evangélicos, em suas variações (SANTO, DIAS e SANTOS, 2023).
Já falamos por aqui sobre os impactos do imperialismo europeu sobre os
povos africanos, de como tiveram suas liberdades solapadas. Eles foram
sequestrados e inseridos opressivamente em uma cultura diversa, na qual seus
costumes mostravam-se tão inferiores quanto aos motivos que justificaram o
tratamento desumano. O sociólogo Pierre Bourdieu (2005) ajuda-nos a
compreender a dominação religiosa como recurso da manutenção de um
arranjo social.
Segundo Bourdieu (2005), sistemas simbólicos cumprem um papel
político de legitimação da dominação. Acredita que todas as outras formas de
poder estão transfiguradas no poder simbólico, ele é como um poder invisível
“o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem
saber que lhe estão sujeitos ou mesmo o exercem” (BOURDIEU, 2005, p.8), é
o responsável por construir a realidade e estabelecer um sentido para o mundo
social. Se tomamos a religião dominante como um sistema simbólico,
compreendemos a mesma como capaz de produzir experiências, com
legitimação e poder para influir nas normas sociais.
Com o advento das transformações econômicas e sociais, a Igreja
Católica tornou-se autônoma e desenvolvida no que tange a crenças e práticas.
Papéis foram estabelecidos dentro da sociedade, restando à Igreja a função de
guiar os indivíduos na construção de costumes religiosos (BOURDIEU, 2005).
A necessidade da convivência em grupo, da relação de dependência e o
corporativismo levaram à introdução de seus valores morais na sociedade.
Houve uma “racionalização” das ações e da forma de encarar os costumes e
ritos, o que inclui a passagem do mito à ideologia (BOURDIEU, 2005). Os
sacerdotes passaram à condição de organizados e cientes de suas funções,
contribuindo ainda mais para a solidificação do monoteísmo.

94
A justificação do poder de dominação pela religião passou a ser
garantida, então, pela propriedade de capital religioso por parte de instâncias
religiosas e de indivíduos que o exerciam (os sacerdotes), por esse motivo
estes se diferenciavam dos demais (leigos), motivando uma separação entre o
sagrado e o profano. Essa propriedade (a do capital religioso) deu à instância
religiosa a capacidade de desenvolver nos leigos costumes religiosos, capazes
de fazê-los agir dentro de normas e de acordo com preceitos que, por
conseguinte, conformavam certa visão política de mundo social (BOURDIEU,
2005).
A partir desse entendimento, Bourdieu (2005) ajuda-nos a compreender
que a manutenção da dominação pela religião está relacionada também à
manutenção de uma ordem política. Nesse sentido, parte da tarefa de
subalternizar os povos escravizados, utilizados como sustentáculos de um país
em construção, era garantir também uma dominação simbólica por meio da
imposição da religião do colonizador. As manifestações de intolerância às
religiões de matriz africana que vemos ainda hoje derivam desse processo de
silenciamento e expressam a contínua tentativa de silenciamento das camadas
mais vulneráveis de nossa sociedade. Trata-se de um tipo de violência que foi
substrato do processo colonial brasileiro e que se atualiza com o passar do
tempo (CUNHA, 2023).

Figura 67: Imagem do orixá Ogum.

Fonte: O orixá Ogum (CORSI, 2023).

95
Acerca desse fazimento, Santos e Gino (2023, p. 182) afirmam que:

A intolerância religiosa no Brasil faz parte de um processo dicotômico


construído pela dominação social, política europeia que passou a
dividir o que representava a “boa” e a “má” religião. Tal visão e
representação religiosa foi construída no período colonial, a partir do
encontro entre a religião cristã e as religiosidades africanas em solo
brasileiro, onde os adeptos das religiões africanas, com suas culturas
e suas representações, configuram um mal a ser combatido pelos
não adeptos a estas religiosidades.

Segundo Dias e Santos (2023, p.170), podemos definir a intolerância


religiosa “como a dominação de uma vertente religiosa sobre as demais, sendo
caracterizada pela perseguição explícita, concreta e objetiva em relação a
instituições, símbolos e centros religiosos de determinada religião”. O que se
observa é que “fomentados pelo racismo e pelo preconceito, os processos de
colonização religiosa nas Américas ajudaram na construção de uma ideia e
identidade não positiva das religiões e culturas de matriz africana” (SANTOS e
GINO, 2023, p. 183) a ponto de que na tradição religiosa vivida pela sociedade
brasileira, a qual tem reverberado no crescimento dos grupos religiosos
evangélicos, as religiões de matriz africana estejam situadas no elo mais fraco
do acirramento das guerras espirituais (SANTOS e GINO, 2023). Nesse
sentido, nem mesmo os aparatos estatais são capazes de pôr fim a essa
questão.
Desde o fim do período ditatorial (1964-1985), vivemos todos em um
Estado democrático de direitos no qual é assegurado, pela Constituição
Federal de 1988, o livre exercício da religiosidade. Conforme se vê definido no
artigo 5º, VI, “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo
assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a
proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. Porém, alguns anos depois da
promulgação do documento que chancelava nossa democracia, novos
acontecimentos convocavam a sociedade à luta por uma velha demanda
renovada, o direito à re-existir enquanto povo brasileiro. Explicamos melhor.
Grandes transformações políticas e sociais marcaram os anos de 1990.
Segundo Cunha (2023), embora as demandas por direitos humanos
ganhassem força, os anos de 1990 foram protagonizados por grandes
catástrofes sociais responsáveis por desvelar violências (religiosa, de gênero,

96
contra a infância e de classe por exemplo) praticadas em desfavor de minorias
políticas e por colocar o país na mídia e tribunais nacionais e internacionais.
Entre eles, vale citar o "Massacre do Carandiru" (1992) e a "Chacina da
Candelária" (1993).

Figura 68: Relembre. Figura 69: Relembre.

No que diz respeito especificamente à violência religiosa, o episódio


conhecido como o “chute da santa” escancarou um contexto de violência
religiosa antes não evidenciado na sociedade brasileira (CUNHA, 2023):

Foi durante o programa matutino Despertar da Fé, transmitido pela


TV Record, que Sérgio Von Helder, ex-bispo da Igreja Universal do
Reino de Deus, em 12 de outubro de 1995, proferiu chutes e palavras
ofensivas em direção a uma imagem de Nossa Senhora de
Aparecida. Esta, proclamada padroeira do Brasil, teve o seu dia de
comemoração na Igreja Católica decretado como feriado nacional por
lei em 1980. (CUNHA, 2023, p. 207)

Em reação ao evento, exemplo da “guerra santa” instaurada no país,


grupos e lideranças religiosas em defesa da liberdade de crença, como o
Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (CEAP), o Movimento
Inter-Religioso (MIR), a Mãe Beata de Iemanjá e o babalaô Ivanir dos Santos,
puseram-se em um ativismo que acabou por consolidar a questão como um
problema de toda a sociedade (CUNHA, 2023).
Recentemente foi divulgado o II Relatório sobre intolerância religiosa:
Brasil, América Latina e Caribe. O documento resulta do esforço de grupos da
sociedade civil, como Centro de Articulação de Populações Marginalizadas

97
(CEAP), com o apoio da UNESCO, em reunir dados acerca do fenômeno no
país e em defesa da liberdade religiosa, incluindo dados do Disque Direitos
Humanos (Disque 100). A seguir, acessamos alguns casos de intolerância às
religiões de matriz africana apresentados no ano de 2021 à Comissão de
Combate a Intolerância Religiosa do Estado do Rio de Janeiro e relatados no
referido relatório (SANTOS, DIAS e SANTOS, 2023, s.p.):

Região Metropolitana, capital: (Ilha do Governador): Adepto do


Candomblé de 77 anos sofre traumatismo craniano quando cumpria
rito religioso, na rua, em 04/01, na primeira segunda-feira do ano,
após seis dias a vítima veio a falecer.
Região Baixada Fluminense (Duque de Caxias, Saracaruna): Vizinho
evangélico destrói um Terreiro de Umbanda, com vandalismo e
incêndio. Aos gritos de “o pastor deu ordem para quebrar todos os
demônios que visse pela frente”, tentou fugir para residência de outro
membro da igreja que frequenta, mas foi detido.
Região Baixada Fluminense (Japeri, Engenheiro Pedreira): Padre se
recusa a batizar filho de casal que segue o Candomblé. Todo o
processo para a celebração foi parado, e os pais da criança ouviram
que “estou aqui para a igreja não virar bagunça”.
Região Baixada litorânea (Cabo Frio): Terreiro de Umbanda que
estava em construção e, dessa forma, sem teto, foi invadido e
depredado, após culto. O sacerdote umbandista tentou suicídio após
o ocorrido.

Das 47 denúncias recebidas pela Comissão no ano de 2021, 43 diziam


respeito às religiões de matriz africana, 03 à religião judaica e 01 à católica. Do
total de casos, a maior parte (26%), representa injúria religiosa direcionada a
pessoas, 23,9% dizem respeito às injúrias voltadas à comunidade religiosa e
21,7% dos casos está relacionado a vandalizações dos templos religiosos
(SANTOS, DIAS e SANTOS, 2023).
Segundo levantamento realizado por Santos, Dias e Santos (2023) a
partir de dados obtidos junto ao Disque 100, responsável por receber
denúncias relacionadas a violações de direitos humanos no país, o número de
denúncias de intolerância religiosa foi de 477 em 2019, 353 em 20207 e 966 em
2021. No que diz respeito aos dados apresentados para o ano de 2021, as
evidências apontam que as religiões de matriz africana, apesar de representar
minoria no país, estão envolvidas na maior parte das denúncias. Das 966
denúncias, 244 envolviam religiões de matriz africana, 234 não definia
especificamente a religião envolvida, 186 de matriz evangélica, 160 denúncias
7
No ano de 2020, o número de denúncias sofreu uma queda (353), fato que tem como
hipótese explicativa o afastamento social imposto pela pandemia de COVID-19, o qual acabou
por contribuir para um menor número de ocorrências de intolerância religiosa (SANTOS, DIAS
e SANTOS, 2023).
98
diziam respeito às demais religiões, 125 à católica e 17 a denúncias
envolveram pessoas sem religião. Nesse ano, a relação entre vítima e suspeito
era de vingança (226 denúncias), assim, em sua maioria, a natureza jurídica da
vítima era de pessoa física (743 denúncias) e a maior parte das vítimas era do
sexo feminino (628 denúncias), ao passo que os suspeitos foram em sua
maioria do sexo masculino (434 denúncias).
O Relatório apresentado por Santos, Dias e Santos (2023)
disponibilizou, ainda, um levantamento por Estado acerca de casos de
intolerância religiosa de maior repercussão via Internet.
Fizemos algo semelhante, o que nos levou a algumas das principais
manchetes sobre intolerância religiosa no Estado de Minas Gerais no ano de
2022:
02 de maio de 2022: Casos de intolerância religiosa crescem 23%
em Minas Gerais. Praticantes do candomblé e umbanda reclamam da
sensação de impunidade pelos crimes cometidos, conforme dados da
Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp-MG).
Segundo a secretaria, somente em 2021 foram 96 registros de crimes
com causa presumida de preconceito religioso contra 78 casos em
2020. As religiões de matrizes africanas são alvos dos ataques, em
sua maioria. (FÓRNEAS, 2022)

09 de maio de 2022: Pai de santo denuncia intolerância religiosa


contra casa de umbanda O sacerdote fez boletim de ocorrência
contra uma pessoa da vizinhança que coloca música alta a fim de
evitar que os cultos ocorram. A denúncia foi feita pelo pai de santo e
terapeuta Bruno Vieira. Ele alega que uma pessoa da vizinhança liga
som alto com músicas de louvor para atrapalhar as atividades no
centro. (CAIXETA, 2022)

12 de maio de 2022: Casa de candomblé é alvo de ataques em


Esmeraldas. Donos do local acreditam que o crime se trata de
intolerância religiosa. Uma casa de candomblé em construção foi alvo
de ataques, em Esmeraldas, na Região Metropolitana de Belo
Horizonte. Portas, vigas e muros foram derrubados. Além disso,
criminosos quebraram e furtaram Ibás, objetos que representam
fisicamente os orixás. (BOM DIA MINAS, 2022)

14 de junho de 2022: Em Minas Gerais, mulher perde guarda da filha


após levá-la a ritual de Umbanda. Uma mãe de Ribeirão das Neves,
na Região Metropolitana de Belo Horizonte, em Minas Gerais, está
impedida desde o último dia 20 de maio de conviver com sua filha de
14 anos. O motivo do impedimento, veja só, é o fato dela ter levado a
adolescente para participar de um ritual umbandista. (CENARIUM
AMAZÔNIA, 2022)

20 de outubro de 2022: Umbandistas denunciam intolerância


religiosa após depredação em terreiro de BH. Um terreiro de
umbanda foi depredado na madrugada dessa terça-feira (18), no
bairro Jardim Montanhês, na região Noroeste de BH. Umbandistas
denunciam que a motivação da destruição no local seja por

99
intolerância religiosa e a Polícia Civil investiga o caso. (FERNANDES,
2022)

No Estado de Minas Gerais, segundo dados disponibilizados pela


Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp-MG) e
divulgados pelo Portal O Tempo, o registro de crimes com motivação
presumida de preconceito religioso subiu de 78 em 2019, para 92 em 2021.

Figura 70: Dados sobre registros envolvendo preconceito religioso.

Ao analisar as queixas de intolerância religiosa nos boletins de


ocorrências registrados no Estado de Minas Gerais entre os anos de 2016 e
2018, Nicácio (2021) pode verificar 101 ocorrências que indicam a existência
de crime ou contravenção penal relacionada a violência e intolerância religiosa.
Nessas, os episódios estão presentes nos mais diversos ambientes:
vizinhanças, locais de trabalho, rua, escolas e igrejas, por exemplo. Porém, a
maior parte das violências cometidas tem como contexto as relações de
vizinhança (37 casos, 36,6%) e entre pessoas conhecidas (12 casos, 11,9%).
Segundo Nicácio (2021), os dados também indicam que os episódios de
violência são em desfavor de diversas matrizes religiosas: cristianismo,
protestantismo, espiritismo, umbanda e candomblé, por exemplo, e, embora em

100
números absolutos haja uma predominância de atos violentos contra o
cristianismo evangélico (35 casos, 34,6%), as religiões de matriz africana são
afetadas de modo preocupante (31 casos, 30,7%). Bem menos numerosa na
sociedade brasileira, essas estão mais expostas à intolerância religiosa
(NICÁCIO, 2021), confirmando a tendência apontada por Santos, Dias e
Santos (2023) no II Relatório sobre intolerância religiosa: Brasil, América Latina
e Caribe.
Dito isso, compreendemos que a intolerância religiosa tem sido utilizada
como mecanismo de exclusão operacionalizado, principalmente, em desfavor
daquelas(es) que professam a fé herdada da ancestralidade africana. Herança
é a palavra de ordem. Por meio do sincretismo, herdamos as religiões de
matriz africana, por meio do colonialismo europeu, herdamos, enquanto
sociedade, a noção de uma superioridade religiosa (SANTOS e GINO, 2023).
E, apesar de compreendemos que tanto o racismo, como o fenômeno aqui
abordado, têm raízes na escravização de povos africanos, é preciso ter em
mente que a intolerância religiosa não está relacionada a questões fenotípicas,
como a cor da pele, mas “tem a ver com a cultura que ela representa e que
está ligada às ‘africanidades’ que nos apresentam uma identidade religiosa
destoante da religiosidade vigente” (SANTOS e GINO, 2023, p.188).
No ano de 2022, a Lei Federal 11.635, de 27 de dezembro de 2007, que
instituiu 21 de janeiro como o Dia de Combate à Intolerância Religiosa no
Brasil, completou 15 anos e, desde então, acompanhamos a criação de frentes
parlamentares, conselhos, grupos de trabalho e políticas públicas em defesa da
liberdade religiosa e combate à intolerância (CUNHA, 2023), mas, como bem
vimos, há muito a ser feito.
Nesse trilhar, é possível afirmar que a identificação dos casos relativos à
intolerância religiosa representa uma dimensão importante para pensar os
processos de reconhecimento de direitos e, principalmente, sobre o papel do
órgão estadual de investigação criminal na responsabilização de infratores,
notadamente em razão da liberdade religiosa e da laicidade que constituem-se
como paradigmas fundantes do Estado de Direito moderno.
Estudos sociológicos e antropológicos têm demonstrado que a ideia de
um Estado impessoal e laico não se realizou nem plenamente, nem de maneira
uniforme, seja porque se observou o surgimento de movimentos de contra

101
secularização, seja porque a laicização se deu de formas variadas e com
efeitos distintos nas sociedades, em especial, no que se refere às formas
político-jurídicas de tratar a diversidade de manifestações religiosas no espaço
público.
Como recomendação para enfrentar a questão, avulta a importância de
que policiais civis estejam atentos no trabalho de investigar tais fatos. Como
primeiro passo, no desempenho de suas atribuições, o servidor da polícia civil
(das carreiras policial e administrativa) deve possuir cuidado meticuloso na
formalização dos atos de apuração, desde o registro do fato (por meio do
boletim de ocorrência: aqui em Minas Gerais, o Registro de Evento de Defesa
Social) até oitivas, comunicações de serviço, termos ordinatórios, laudos
periciais, representações por medidas cautelares e relatórios de investigação.
Em pesquisa relevante, aponta Camila Nicácio (2021, p. 573-575):

A inconsistência de relatos observada em minha abordagem aponta


para um problema persistente no padrão de preenchimento de um
documento teoricamente fundante da formalização: o registro de
ocorrências. Somados, relatos contendo condutas atípicas (35) e
relatos inconsistentes (32) se aproximam da metade do total
encontrado (168), estando prejudicados para efeito de análise.
Atipicidade e inconsistência não se confundem, e o agente policial
não pode inventar um delito, ainda que participe de sua reconstrução.
De todo modo, é interessante se perguntar até que ponto a falta
de qualidade do preenchimento não produz, de algum modo, a
própria atipicidade. Tal indagação ganha um contorno irônico se
associada ao fato de que policiais têm a convicção de que o
“destino penal” de um caso depende, definitivamente, do
trabalho que eles realizam (Lévy, 1985: 421).
Menciono igualmente a ausência de informações relevantes. Refiro-
me aqui, por exemplo, a dados como a relação entre as vítimas, ou a
religião delas, ou às características centrais da própria situação
pretensamente ofensiva relatada. Nesse sentido, em 18 ocorrências
(17,8%) não se informou a religião da vítima. Aproximando-se de 1/5
do universo de condutas típicas, tal dado desperta interesse quando
pensamos não somente na sequência da formalização (com
investigações e procedimentos judiciais posteriores), mas também na
formatação de políticas públicas para enfrentar o problema da
intolerância religiosa. Exemplos do que estou indicando seguem
abaixo:
(...)
Nota-se, nesse conjunto, falta flagrante de informações essenciais
para uma investigação posterior, se se leva em conta o fato de que
inquéritos carecem de um mínimo de informações para se determinar
uma linha de investigação, e que “quanto mais detalhada for a
circunstância do crime em um primeiro momento, melhor será
desenvolvido o trabalho policial no processo de elucidação” (Miranda;
Oliveira; Paes, 2010: 25).
Pergunta-se, então, para o caso mineiro: o destino de boa parte dos
REDS não seria a inutilização? Quantos deles embasariam
inquéritos, precocemente arquivados por falta de elementos
mínimos? Se o crime em questão é o preconceito ou discriminação
102
por motivo religioso, que lugar reservar à religião da vítima no
conjunto dos dados, sobretudo tendo em vista a complementaridade
das ações do Estado para enfrentar um problema determinado? De
algumas dessas questões tratarei na próxima seção.
Antes de avançar, insiro um dado que me parece importante na
correlação entre mise en forme e problemas públicos: a visibilidade
da categoria “intolerância religiosa” nos registros. A expressão
aparece em apenas 14 de um total de 168 ocorrências, das quais
101 representaram o universo de ocorrências típicas sobre o qual
trabalhei. Foram encontradas nada menos do que 20 naturezas de
crime ou conflito motivados por intolerância religiosa. Dentre esse
“emaranhado normativo”, encontram-se violências de várias ordens,
cujo bem violado é a integridade física e o patrimônio aqui, a honra e
liberdade acolá, aos quais o sentimento religioso parece se
amalgamar não como ator principal, mas como coadjuvante. Noto
que a Lei do Racismo, nº 7.716/1989, não foi mobilizada nem uma
vez. Não se trata aqui, como nas hipóteses anteriores, de um
problema de formalização, mas algo que a formalização capta:
uma possível relação entre a relativa baixa incidência de
violência ligada à intolerância religiosa e um relativo
desconhecimento ou confusão sobre o que ela abarca (Nicácio,
2020). Como vimos, os números estatísticos são tímidos; a
questão de fundo, qualitativa, é que desperta a atenção. (sem
destaques no original).

Portanto, fundamental o papel do servidor da PCMG na implementação


concreta da investigação criminal enquanto política pública, caso contrário
contribuirão para ocultar e tornar “invisível” (para o sistema de justiça criminal)
o problema da intolerância religiosa.

103
UNIDADE 4

10. A IMPORTÂNCIA DE POLÍTICAS AFIRMATIVAS PARA IGUALDADE


RACIAL

Figura 71: Imagem sobre a Lei de Cotas.

Fonte: Extraído de UFJF (2022).

As ações afirmativas, ou políticas afirmativas, constituem medidas que


têm por objetivo garantir igualdade de direitos a grupos da sociedade que são
oprimidos ou sofrem com as consequências de passados de opressão. Em que
pese a Constituição Federal estabelecer que todos os brasileiros têm direitos
iguais, tais direitos não são cumpridos efetivamente em todas as camadas
sociais, sendo necessária a efetivação de políticas afirmativas para se alcançar
a efetiva igualdade, a material.
O ex-ministro Joaquim Barbosa conceitua ações afirmativas como
“políticas públicas voltadas à concretização do princípio constitucional da
igualdade material e à neutralização dos efeitos perversos da discriminação
racial, de gênero, de idade, de origem nacional e de compleição física”
(PORTAL GELEDÉS, 2012, s.p.). Ademais, destacou que por meio delas “a
igualdade deixa de ser simplesmente um princípio jurídico a ser respeitado por
todos, e passa a ser um objetivo constitucional a ser alcançado pelo Estado e
pela sociedade” (BARBOSA apud PORTAL GELEDÉS, 2012, s.p.).
Conforme registra o ex-ministro, as ações afirmativas podem ser
desenvolvidas pelos entes estatais bem como por entes não estatais, visto que
não se trata de ação típica de governo (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL,
104
2012). Existem ações afirmativas desenvolvidas por instituições da sociedade
civil com autonomia suficiente para decidir a respeito de seus procedimentos
internos, tais como partidos políticos, centrais sindicais e sindicatos, escolas,
igrejas, empresas (MALAR, 2021; BRITO, 2022), dentre outras.
Assim, por meio de ações pontuais e por tempo determinado, as ações
afirmativas têm como objetivo diminuir as desigualdades históricas vivenciadas
por grupos sociais, como as populações negras e indígenas no Brasil.
De acordo com Campos (2016, p.16, grifos no original), as “ações
afirmativas raciais em vigor no Brasil visam, por exemplo, modificar o viés
racista de uma determinada estrutura social alterando as posições
historicamente destinadas aos negros e reconduzindo-os a espaços de
privilégio e poder”. Conforme o mesmo autor, a expectativa de ações desse
tipo é que, sendo bem-sucedidas, contribuam para dissociar negritude e
pobreza, gerando efeitos – ideológicos e práticos – diversos.
Como já mencionado, o Estatuto da Igualdade Racial incentiva a adoção
de políticas afirmativas, de modo a atingir a igualdade material entre os
indivíduos. São dois exemplos que serão tratados neste curso, a Lei de Cotas,
Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012, que reserva vagas nos cursos de
graduação das universidades federais para estudantes de escolas públicas,
negros, indígenas e quilombolas, e a Lei nº 12.990, de 9 de junho de 2014, que
estabelece cotas para negros e pardos em concursos federais.
A Lei 12.711/2012, regulamentada pelo Decreto 7.824, de 10 de outubro
de 2012, dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições
federais de ensino técnico de nível médio:

Art. 1º As instituições federais de educação superior vinculadas ao


Ministério da Educação reservarão, em cada concurso seletivo para
ingresso nos cursos de graduação, por curso e turno, no mínimo 50%
(cinquenta por cento) de suas vagas para estudantes que tenham
cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas.

Parágrafo único. No preenchimento das vagas de que trata o caput


deste artigo, 50% (cinquenta por cento) deverão ser reservados aos
estudantes oriundos de famílias com renda igual ou inferior a 1,5
salário-mínimo (um salário-mínimo e meio) per capita.

Art. 3º Em cada instituição federal de ensino superior, as vagas de


que trata o art. 1º desta Lei serão preenchidas, por curso e turno, por
autodeclarados pretos, pardos e indígenas e por pessoas com
deficiência, nos termos da legislação, em proporção ao total de vagas
no mínimo igual à proporção respectiva de pretos, pardos, indígenas
e pessoas com deficiência na população da unidade da Federação
105
onde está instalada a instituição, segundo o último censo da
Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE.

Parágrafo único. No caso de não preenchimento das vagas segundo


os critérios estabelecidos no caput deste artigo, aquelas
remanescentes deverão ser completadas por estudantes que tenham
cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas.

Essa distribuição é resumida no fluxograma a seguir, de elaboração do


Ministério da Educação:

Figura 72: Fluxograma sobre distribuição de vagas.

Fonte: Extraído de Ministério da Educação (2012). Convém destacar que esse infográfico é
anterior à promulgação da Lei nº 13.409, de 28 de dezembro de 2016, que incluiu a categoria
“pessoas com deficiência” no caput do art. 3º da Lei nº 12.711/2012.

As disposições da Lei nº 12.711/2012, já tratam de demonstrar a


inviabilidade de uma das principais críticas populares ao modelo de cotas
aplicado no Brasil, qual seja, de que ele deveria ser baseado em critérios
106
sociais, e não raciais, de demarcação. Como se vê, essa inviabilidade está já
no caput do art. 3º, que inicia a distribuição de vagas a partir da reserva de
metade delas para candidatos oriundos de escolas públicas – independente da
raça/cor declarada. Ademais, segundo define Kabengele Munanga (2021,
p.117) “todos os problemas da sociedade são sociais, mas como o social é
complexo e diverso, as políticas sociais têm de ser específicas e focadas, não
genéricas. É preciso nomear os beneficiados para não deixar margem à
indefinição.”
Por ocasião dos dez anos de promulgação da Lei (que por força de seu
art. 7º, deveria ser revista quando decorrido esse período), a Agência Senado
(BAPTISTA, 2022) apresentou dados da pesquisa “Desigualdades Sociais por
Cor ou Raça no Brasil”, do IBGE, na qual constatou-se que o número de
matrículas de estudantes pretos e pardos nas universidades e faculdades
públicas no Brasil em 2018 alcançou pela primeira vez a marca de mais da
metade dos matriculados (50,3%). Apesar de maioria em termos puramente
numéricos, esse grupo ainda assim se encontrava subrepresentado, já que na
ocasião correspondia a 55,8% da população brasileira (BAPTISTA, 2012).

Figura 73: Dados sobre a distribuição de pessoas que frequentam o ensino superior.

Fonte: Extraído de Baptista (2012).

Citamos acima a prescrição legal de revisão da Lei de Cotas, uma vez


passados dez anos de sua publicação. Entretanto, vencido o prazo, tal revisão

107
não ocorreu. Antes de discutirmos o status atual da Lei nº12.711/2012,
precisamos compreender o que se entende por revisá-la.
Apesar de relativamente pouco discutido, o processo de revisão é
medida essencial para aferição da eficácia e da efetividade de uma política
pública. Nas palavras do professor Wallace Corbo, “o prazo de 10 anos não é
para que a Lei de Cotas perca os efeitos. Ela não deixará de valer. É só para
criar a obrigação de o governo avaliar quais foram as consequências da política
nesse período e, se necessário, promover alguma mudança (CORBO apud
TENENTE, 2022, s.p.). Ou seja, o processo de revisão serve que se verifique
os resultados alcançados no período já cumprido de funcionamento da lei.
Nesse sentido, três eram as possibilidades, vislumbradas no ano
passado, de posicionamento do Congresso brasileiro ante a Lei nº
12.711/2012: 1) deixá-la fora da pauta, permanecendo válido integralmente o
texto atual (a lei não “caduca” por falta de revisão); 2) a prorrogação do prazo
de revisão; e 3) a discussão efetivamente acontecer, gerando alguma mudança
na lei (por exemplo, restringindo seu alcance a menos grupos ou para incluir
novos mecanismos, como recursos anti-fraude) (TENENTE, 2012).
Findado o ano legislativo, a discussão não ocorreu, valendo a primeira
hipótese acima. O Projeto de Lei nº 5.384/2020 sugeria que o caráter
permanente da política de cotas passe a constar no texto legal, mas desde 14
de junho de 2022 aguarda no Plenário da Câmara para ser votado. O deputado
federal Bira do Pindaré (PSB-MA) foi designado seu relator, e propôs que a
revisão seja adiada por cinco anos, prevista então para ocorrer em agosto de
20278 (MUGNATTO, 2022).
Em paralelo, pesquisa desenvolvida por Godoi e Santos (2021) com
vistas a auxiliar o processo de revisão, demonstrou que a lei alcançou
resultados substanciais e positivos, mas que sua implantação se encontra
aquém de suas possibilidades. Ademais, destacou a necessidade de
desenvolvimento de mecanismos eficazes de monitoramento e avaliação; bem
como a previsão explícita das bancas de heteroidentificação, a fim de coibir
fraudes; entre outras.

8
Na data de redação deste tópico, fevereiro de 2023, a revisão não havia acontecido,
tampouco seu (eventual) adiamento.
108
Outra importante política afirmativa no âmbito federal é a Lei
12.990/2014, que reserva aos negros 20% (vinte por cento) das vagas
oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e
empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias,
das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia
mista controladas pela União.
De acordo com a legislação, poderão concorrer às vagas reservadas a
candidatos negros aqueles que se autodeclararem pretos ou pardos no ato da
inscrição no concurso público, conforme o quesito raça/cor utilizado pelo IBGE.
Na hipótese de constatação de declaração falsa, o candidato será eliminado do
concurso e, se houver sido nomeado, ficará sujeito à anulação da sua
admissão ao serviço ou emprego público, após procedimento administrativo em
que lhe sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa, sem prejuízo de
outras sanções cabíveis.
A citada legislação entrou em vigor no ano de 2014 e tem vigência pelo
período de dez anos.
Em 2017 foi julgado pelo Supremo Tribunal Federal uma Ação Direta de
Constitucionalidade (ADC 41/DF) em relação à Lei 12.990/2014, que declarou
a legislação constitucional, conforme trecho da decisão:

A constitucionalidade da instituição de sistema de reserva de vagas,


com base em critério étnico-racial, foi exaustivamente apreciada pelo
Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento da arguição de
descumprimento de preceito fundamental 186/DF. Assentou a Corte a
compatibilidade de tais políticas públicas com os princípios e valores
consagrados na Constituição da República de 1988, sobretudo com a
garantia constitucional da isonomia, em sua acepção material ou
substancial (CR, art. 5º, caput), e com os objetivos gerais do estado
democrático de direito e fundamentais da República Federativa do
Brasil, voltados à construção de sociedade solidária, fraterna e
pluralista, à redução das desigualdades sociais e à promoção do bem
de todos, sem preconceitos de origem, raça, cor, idade e quaisquer
formas de discriminação (CR, preâmbulo e arts. 1º, V, e 3º, I, III e IV).
Ressaltou o tribunal a importância da adoção de políticas de ação
afirmativa como instrumentos jurídicos aptos a conferir
efetividade a direitos e garantias fundamentais e a corrigir
distorções decorrentes da aplicação meramente formal do
princípio da igualdade, aplicação esta insuficiente para superar
situações de desigualdade que sofrem grupos historicamente
excluídos.
[...]
Os mecanismos legais em foco são, portanto, não apenas
juridicamente corretos e compatíveis com a Constituição da
República como sociologicamente justos e desejáveis, na direção de
construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o
desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização;
109
reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de
todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e outras
formas de discriminação. Todos esses são objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil, definidos de forma expressa no art. 3º
da Constituição nacional. (Procuradoria-Geral da República, 2016,
p.11; p. 27. Grifos nossos)

Citadas anteriormente como medida de controle cuja existência deve ser


prevista em lei (GODOI; SANTOS, 2021), as bancas de heteroidentificação.
Como afirma Munanga (2021), o princípio de admissibilidade inicial dos
candidatos a programas de cotas é o da autodeclaração, estabelecida nos
termos de identificação “racial” estabelecidos pelo IBGE (branco, preto,
amarelo, indígena e pardo). De partida, evitou-se a opção por rótulos que
poderiam gerar ambiguidade e manipulação, tais como “negro” ou
“afrodescendente”.
Nas palavras do autor, essa definição seria o bastante “em regimes nos
quais a cidadania funciona plenamente, o que não é o caso nos países em
construção democrática, nos quais as fraudes podem ocorrer até em algumas
das maiores instâncias do país, inclusive nos meios judiciários” (MUNANGA,
2021, p.127). Entretanto, a categoria “pardo” podia – e foi – manipulada de má-
fé por pessoas brancas de fenótipo caucasiano RÁDIO ESCAFANDRO, 2022;
G1, 2019b), tornando a autodeclaração, sozinha, insuficiente.
Como o sistema brasileiro não considera teorias como a chamada one-
drop-rule9 (MUNANGA, 2021) para definir a raça dos sujeitos, mas a sua
condição fenotípica, é possível que indivíduos de traços caucasianos, que em
condições normais se identificariam como brancos, evoquem um caráter
mestiço (pardo) em situações de competição – sem que estejam efetivamente
mentindo. Entretanto, essa assunção se dá por razões oportunistas: o
indivíduo, em tudo lido e posicionado como branco, “assume uma identidade
que nunca carregou na vida” (MUNANGA, 2021, p.128).
Dessa forma, conclui o mesmo autor que:

O princípio, ou melhor, o critério de controle defendido é aquele que


combina a autodeclaração com a heterodeclaração. Quando a
autodeclaração confere com a iconografia da pessoa, graças a uma

9
Segundo a lógica da one-drop-rule (ou “Regra da Gota de Sangue”), basta que um
indivíduo tenha um ascendente negro, qualquer e a qualquer distância, para ser considerado
negro. A teoria, usual nos Estados Unidos da América, define que a racialização independe do
fenótipo, de modo que mesmo indivíduos fenotipicamente caucasianos, tendo ascendente(s)
negro(s), é considerado negro. Como demonstra Munanga (2021) essa lógica assinala o
racismo dito “de origem”.
110
fotografia colorida incontestável onde aparece a cor da pele e outros
traços morfológicos que remetem à negritude, o candidato ou a
candidata não é barrado(a) pela Comissão. Mas quando há um
desencontro entre a autodeclaração e o fenótipo de um candidato que
se autoidentifica como pardo, mas que tem um fenótipo claramente
caucasiano, a autodeclaração teria de ser contestada pela Comissão
[...]. Esse candidato não pode ser simplesmente barrado sem
averiguação [...]. (Munanga, 2021, p.128)

Figura 74: Reportagem sobre fraude em cota racial. Servidor exonerado por fraude em cota
racial.

Fonte: G1 (2019b, s.p.).

Não se discute que a política de ações afirmativas vigente no Brasil pode


ser aperfeiçoado – melhor seria, sem dúvidas, que houvesse igualdade de
condições sociais entre os cidadãos, mas infelizmente essa não é a realidade.
Sendo necessárias ações dessa natureza, que sejam constantemente
revisadas, aperfeiçoadas e transparentes ao escrutínio público, até o momento
em que, esperamos, deixem de ser necessárias.
Até lá, muito ainda há para ser feito nessa seara. Os dispositivos legais
apresentados não resumem todas as ações desse tipo, apenas ilustram as
mais importantes. Há muitas outras ações conduzidas por entes privados e
instituições estaduais, distritais e municipais.

111
11. QUAIS PROVIDÊNCIAS DEVEM SER ADOTADAS EM CASO DE
PRECONCEITO E DISCRIMINAÇÃO DECORRENTES DA RAÇA

Ao sofrer ou presenciar alguma conduta preconceituosa ou de


discriminação que se enquadra nos crimes de racismo ou injúria racial
estudados ao longo deste curso, existem providências que devem ser adotadas
para possibilitar a identificação e responsabilização do autor dos fatos.
Caso o fato tenha ocorrido naquele momento, sendo possível a prisão
em flagrante do autor, a Polícia Militar deve ser acionada por meio do número
de telefone 19010.
Uma viatura irá deslocar até o local dos fatos e poderá realizar a prisão
em flagrante do autor, encaminhando-o até a Delegacia de Polícia para as
medidas cabíveis no âmbito da Polícia Civil.
No caso de prisão em flagrante, a vítima também será ouvida e deve
narrar com detalhes como ocorreu a prática criminosa, indicando testemunhas,
caso existam, que prestarão depoimento.
Nas demais situações, quando o crime tiver ocorrido em outro momento
(num passado distante do estado flagrancial) ou a discriminação é resultado da
prática de atos repetitivos, a orientação é procurar a Delegacia de Polícia Civil
mais próxima e formalizar o registro do fato.
Antes do registro da ocorrência policial, orienta-se que a vítima busque o
maior número de informações acerca do agressor, caso o conheça, bem como
nome, telefone e endereço de eventuais testemunhas que tenham presenciado
o crime. A vítima deverá narrar os fatos na íntegra e com a maior riqueza de
detalhes possível.
Caso o crime tenha sido gravado, esta informação também deverá ser
levada ao conhecimento do policial responsável pelo registro, pois será mais
um meio de prova do fato delituoso.
Outra informação que merece constar na ocorrência policial é o
interesse da vítima em processar criminalmente o agressor, caso seja o seu
desejo.

10
Neste momento preambular, face a caracterização do flagrante delito, é dever
imperativo a atuação imediata da PCMG.
112
Figura 75: Imagem da cartilha de orientação.

Fonte: Sofri racismo, o que fazer? Cartilha de orientação à população no combate ao racismo.

Várias cidades já possuem órgãos especializados de combate ao


racismo como Delegacias de Polícia, Defensoria Pública e Ministério Público.
A vítima poderá solicitar ao policial responsável pelo seu atendimento
uma cópia do Boletim de Ocorrência feito na Delegacia.

Figura 76: Atenção.

113
Após o registro do fato por meio da ocorrência policial, uma das
hipóteses é a instauração do Inquérito para apuração dos fatos, com a
produção dos elementos informativos (v.g., oitiva de todos os envolvidos,
elaboração de laudos periciais conforme o caso e a realização de outras
diligências cabíveis para apuração). Finda a etapa policial investigativa, o
procedimento concluído será encaminhado à justiça para análise do Ministério
Público.
A vítima poderá buscar orientação jurídica, que pode ser realizada pela
Defensoria Pública ou por advogado. Poderá ainda acompanhar todas as fases
do inquérito policial e processo judicial.
Além da investigação criminal, a vítima poderá ingressar com ações
cíveis através de advogado/defensor público, solicitando indenizações, quando
cabível.
Noutro pórtico, é possível, ainda, registrar denúncias de forma
identificada ou anônima, através de serviços existentes com esta finalidade,
como o Disque 100 ou 181.
Cita-se o caso do jornalista Manoel Soares que foi vítima de racismo
através de publicações realizadas em uma rede social. Após a investigação, foi
possível identificar o autor do delito, que reside em Belo Horizonte, o qual
confirmou ter realizado as postagens.

Figura 77: Reportagem sobre caso apurado pela PCMG.

Fonte: https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2022/02/04/homem-e-indiciado-em-bh-por-
comentario-racista-contra-jornalista-manoel-soares.ghtml.

114
Figura 78: Atenção.

115
12. EQUIPAMENTOS EXISTENTES NA PROMOÇÃO DA IGUALDADE
RACIAL

Atualmente, existem diversos mecanismos e programas de proteção dos


direitos das pessoas vítimas de preconceito e discriminação. A articulação e a
parceria das três esferas do Governo (âmbito federal, estadual e municipal)
constituem as chamadas redes proteção.
Não pretendemos aqui esgotar o tema, apenas elencar alguns dos
principais equipamentos de proteção e promoção da igualdade racial.

• Disque Direitos Humanos (Disque 100)

O Disque Direitos Humanos recebe denúncias sobre as violações de


direitos humanos contra a população negra em geral e contra comunidades
quilombolas, de terreiros, ciganas e religiões de matriz africana. Funciona 24
horas por dia, todos os dias, inclusive aos sábados, domingos e feriados,
podendo receber denúncia, inclusive anônima, de qualquer pessoa através de
ligação gratuita de qualquer telefone fixo ou celular. As denúncias ainda
poderão ser recebidas através do aplicativo Proteja Brasil e através da
ouvidoria online.
Este serviço está vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos e da
Cidadania, e tem como objetivo receber e encaminhar denúncias para os
órgãos competentes para que assim seja devidamente investigado.
Caso sofra ou presencie situações de racismo ou qualquer outra forma
de discriminação e violação de direitos humanos é possível denunciar através
do Disque 100.

116
Figura 79: Imagem do canal Disque 100.

• Coordenadoria Estadual de Políticas de Promoção de


Igualdade Racial

A Coordenadoria Estadual de Políticas de Promoção de Igualdade


Racial é uma das coordenadorias que compõem a estrutura da Secretaria de
Estado de Desenvolvimento Social (SEDESE) do Governo de Minas Gerais.
O órgão tem por objetivo planejar, coordenar, supervisionar, orientar,
articular e avaliar as ações de promoção da igualdade étnica e racial. Dentre as
principais atribuições está a de articular e acompanhar e supervisionar a
execução de planos estaduais e políticas públicas para a promoção da
igualdade racial, promoção e proteção dos direitos da população negra,
indígenas, quilombolas, ciganos e demais povos e comunidade tradicionais, em
consonância com a Lei 21.147/2014.

• Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial –


CONEPIR

O Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial –


CONEPIR/MG, foi criado pela Lei nº 18.251, de 7 de julho de 2009, e
regulamentado pelo Decreto n.º 45.156, de 26 de agosto de 2009. Órgão
colegiado de caráter consultivo, deliberativo, tem por finalidade propor políticas
que promovam a igualdade racial no que concerne aos segmentos étnicos
minoritários do Estado, com ênfase na população negra, indígena e cigana,

117
para combater a discriminação racial, reduzir as desigualdades sociais,
econômicas, financeiras, políticas e culturais e ampliar o processo de
participação social.

• Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPMG)

Criada pela Resolução PGJ nº 5, de 10 de fevereiro de 2021, a


Coordenadoria de Combate ao Racismo e Todas as Outras Formas de
Discriminação (CCRAD), órgão auxiliar da atividade funcional do Ministério
Público, vinculado ao Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça
de Defesa dos Direitos Humanos, Controle Externo da Atividade Policial e
Apoio Comunitário (CAO-DH), que tem por finalidade o enfrentamento do
racismo estrutural e todas as discriminações contra minorias através da
interlocução e articulação entre os(as) Promotores(as) de Justiça, instituições
públicas e sociedade civil organizada, para implementação de políticas
afirmativas de igualdade racial e de promoção da diversidade, bem como de
enfrentamento às discriminações étnico-raciais ou de gênero e orientação
sexual.
Compete à CCRAD desenvolver, no âmbito do MPMG, ações destinadas
à promoção da diversidade e da igualdade étnico-racial, bem como de proteção
dos direitos de indivíduos e grupos, afetados por discriminação e demais
formas de intolerância; acompanhar a formulação e a implementação das
políticas nacional, estadual e municipal afetas à área; – fiscalizar a aplicação
das leis referentes ao enfrentamento das desigualdades étnico-raciais e
promoção da diversidade; e identificar as demandas sociais de atuação do
Ministério Público na área da defesa dos direitos das minorias, com especial
atenção à discriminação em razão de origem, raça, cor, etnia, religião, sexo,
orientação sexual ou identidade de gênero, provocando a atuação dos órgãos
de execução com atribuição.

• Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais

A Defensoria Pública é um órgão público presente nos diversos estados


do país que cumpre o dever constitucional do Estado de prestar assistência
118
jurídica integral e gratuita à população que não tenha condições financeiras de
pagar as despesas relativas ao ajuizamento de ações. A assistência jurídica
integral é mais do que uma assistência judiciária, pois também abrange, além
de elaboração e encaminhamento de requerimentos ou defesa em processos
judiciais, o amparo na esfera extrajudicial e consultorias jurídicas. Ou seja, a
orientação e o aconselhamento jurídicos.
A Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais possui a
Defensoria Especializada em Direitos Humanos, Coletivos e Socioambientais
(DPDH), que atua, dentre outras funções, no combate e na proteção dos
Direitos Humanos.

• Delegacia Especializada em Repreensão aos crimes de


Racismo, Xenofobia, LGBT fobia e intolerâncias correlatas/DECRIN

A Delegacia Especializada em Repreensão aos crimes de Racismo,


Xenofobia, LGBT Fobia e intolerâncias correlatas foi criada pela Polícia Civil do
Estado de Minas Gerias, através da Resolução nº 8.004/2018, e integra o
Departamento de Investigação, Orientação e Proteção à família – DEFAM. Tem
atribuição para investigação criminal quando a motivação decorrer de
preconceito, intolerância ou qualquer outro ato de discriminação, excluindo os
delitos de homicídio consumado, cuja atribuição será do Departamento de
Investigação de Homicídios e Proteção à pessoa.
Atualmente a Delegacia Especializada funciona no prédio da Divisão de
Atendimento à Mulher em Belo Horizonte e recebe todas as vítimas de
intolerância, seja em virtude da orientação sexual, da religião, da raça, cor,
etnia.
Nas cidades onde não houver delegacias especializadas, qualquer
delegacia poderá fazer o registro de ocorrência.

• Diretoria de Reparação e Promoção da Igualdade Racial

A Diretoria de Políticas de Reparação e Promoção da Igualdade Racial


(DPIR), vinculada à Subsecretaria de Direitos de Cidadania (SUDC), que
compõe o quadro da Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança
119
Alimentar e Cidadania (SMASAC), é responsável pela coordenação da Política
Municipal de Promoção da Igualdade Racial, criada pela Lei 9.934/2010. O
principal objetivo da DPIR é enfrentar o racismo e promover a igualdade racial
como premissa e pressuposto das políticas de governo, as quais terão caráter
intersetorial, de modo a descentralizar e regionalizar as ações na execução das
políticas públicas de promoção da igualdade racial, enfrentamento dos
racismos.

• Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial


(COMPIR)

O Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial (COMPIR) foi


criado em 2010, pela da Lei Municipal nº 9.934, e configura-se, desde então,
como órgão estimulador da participação da sociedade civil na definição da
Política Municipal de Promoção Igualdade Racial em Belo Horizonte. Está
vinculado à Subsecretaria de Direitos de Cidadania e à Secretaria Municipal de
Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania.
Sua finalidade era, inicialmente, colaborar com a Secretaria Municipal de
Políticas Sociais e com a Coordenadoria Municipal de Promoção da Igualdade
Racial na elaboração e no desenvolvimento de políticas de promoção da
igualdade racial, com ênfase na população negra e em outros segmentos
étnicos da população brasileira, com o objetivo de combater o racismo, o
preconceito, a discriminação, a xenofobia e de reduzir as desigualdades raciais
nos campos econômico, social, político e cultural.
Atualmente, o COMPIR, junto à Diretoria de Promoção da Igualdade
Racial, vem trabalhando na construção de uma política articulada que atenda a
todos os grupos étnicos que compõem a cidade, tais como indígenas, ciganos,
povos de tradição e quilombos.
O conselho é formado por representantes do governo municipal e da
sociedade civil, que contribuem e configuram o controle social das políticas
públicas para a definição dos planos de ação da cidade, através de reuniões
plenárias periódicas e discussões extraordinárias quando necessário.

120
13. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo do curso, foram trazidos conceitos importantes referentes às


relações étnico-raciais, bem como o contexto histórico no Brasil da pessoa
negra, em especial a sua exploração por meio da escravidão.
Os dados estatísticos demonstram que a população negra é a mais
afetada pela desigualdade e pela violência em nosso país, sendo consequência
do passado de opressão, exploração e discriminação.
Com o objetivo de reparar essas desigualdades, é imprescindível a
adoção de ações afirmativas pelo poder público, de modo a permitir o ingresso
de pessoas negras em universidades e cargos públicos através de cotas
específicas.
Além disso, é necessário conscientizar a população da existência do
racismo, que muitas vezes é negado no Brasil, e demonstrar como o racismo
se manifesta, uma vez que existem condutas preconceituosas que estão, em
alguns casos, naturalizadas e são reproduzidas pelos indivíduos, como em
piadas e nas diversas expressões demonstradas neste curso.
Ao analisar a legislação referente à criminalização do racismo, o
Estatuto da Igualdade Racial, as ações afirmativas, dentre outras, podemos
afirmar que, nas últimas décadas, houve conquistas nas políticas raciais no
país, contudo, ainda existe uma série de desafios para superação do
racismo em nossa sociedade, seja nas relações familiares, na escola, nas
mídias, no trabalho, entre outros espaços e suas instituições.
A conscientização da população sobre a natureza criminosa das
condutas racistas é essencial. Toda a sociedade que presencia essas práticas,
bem como as pessoas que são vítimas de racismo devem noticiar os crimes
raciais às autoridades competentes, de forma a possibilitar a investigação do
delito e permitir a responsabilização do autor, evitando, assim, que a
impunidade prevaleça.
Importante mencionar que quando uma ofensa racial é proferida, há
sempre um dano psicológico irreversível. Não devemos tolerar qualquer ato
de preconceito e discriminação em razão da raça, sendo de
responsabilidade de todos nós buscarmos uma sociedade igualitária e
sem qualquer forma de racismo.

121
Neste contexto, tendo em conta as obrigações constitucionais e
internacionais (decorrentes das normas de Direitos Humanos) impostas ao
Estado brasileiro em matéria de discriminação racial, são necessárias medidas
oportunas e eficazes. Primeiro, no que diz respeito ao dever de respeitar o
direito à igualdade de todas as pessoas, o Estado deve realizar ações
destinadas a capacitar os servidores das instituições encarregadas de fornecer
segurança aos cidadãos e, assim, tais agentes possam realizar o seu trabalho
de forma civilizada, respeitosa e garantidora. Como componente dessa
obrigação, é essencial que as instituições policiais (e, também, as outras que
compõem o sistema de Justiça Crimianal) cumpram o dever de transparência
da informação sobre a situação particular da população negra no sistema
penal, especialmente ao nível da ação policial. Em segundo lugar, no que diz
respeito à garantia do direito à igualdade e à não discriminação, a PCMG, por
meio de seus servidores, deve estabelecer procedimentos cientificamente
construídos e transparentes para o desencadeamento de atos de investigação
e de atendimento ao público.
Finalmente, como medida geral, é fundamental a promoção do diálogo
entre as instituições policiais e os líderes e organizações comunitárias dos
diferentes setores da sociedade civil. Os servidores da PCMG podem não só
facilitar a construção de relações mutuamente respeitosa entre a polícia e os
cidadãos, mas também podem estabelecer passos seguros para a contribuição
do importante esforço conjunto de redução dos índices de violência e
criminalidade.

122
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