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PEDAGOGIA HISTORICO-CRITICA E SABER OBJETIVO VERSUS MULTICULTURALISMO E O RELATIVISMO NO DEBATE CURRICULAR ATUAL PEDAGOGIA HISTORICO-CRITICA Y SABER OBJECTIVO VERSUS MULTICULTURALISMO Y EL RELATIVISMO EN EL CURRICULUM EN DEBATE ACTUAL. HISTORICAL CRITICAL PEDAGOGY AND OBJECTIVE KNOWLEDGE VERSUS THE. MULTICULTURALISM AND RELATIVISM CURRENT ACADEMIC DEBATE, Jolia Malanchen! Resumo: O artigo trata sobre a compreensio antagénica existente entre os autores que discutem curriculo a partir da perspectiva multiculturalista ¢ 0s autores da Pecagogia Histéxico-Critica. Busea-se explicitar as bases pés-modemas e selativistas do multicultusalismo, que se opée, a defesa do saber objetivo como central na organizacio de um cuticulo, Para finalizar apontamos quais contetidos devem integrar um curticulo escolar, tendo como objetivo, 0 desenvolvimento humano, a emancipagio humana e a transformagio social, que permitem ao ser humano objetivar-se de forma social e consciente, de maneira cada vez mais livte e universal Palavras-chave: Cusriculo; pedagogia histérico-csitica; smlticultusalisme. Resumen: El asticulo aborda Ia comprensién antagénica existente entre los mutoses que discuten plan de estudios en la perspectiva smulticulturalista y los autores de la Pedagogia Histérico-Critico. El objectivo es explicar las bases pos-modesnas y relativistas del multicultusalismo, que se opone a la defensa del conocimiento objective como elemento central de Ia organizacién de un plan de estudios. Finalmente sefialamos qué contenido debe integiar un cuusiculum con el objetivo, el desarrollo Iumano, la emancipacién humana y la transformacin social, que petmiten al ser humano objetivar-se de manera social y conscientemente cada vez mis libre y universal Palabras-clave: Curriculum; pedagogia histéxica-critica; mmalsiculturalismo, Abstract: The article disensses the existing antagonistic understanding among the authors who discuss ‘cursiculum fiom the multicultusalist perspective and the authors of the Histotical-Critieal Pedagogy. The aim is to explain the postmodem selativists bases and multiculturalism, which opposes the defense of objective knowledge as central to the organization of a cuusicuhum. Finally we point out what content should integrate an academic, with the objective, human development, human emancipation and social teansformation, which allow the human being aim to provide social and consciously so increasingly fie and universal ‘Keywords: Curriculum; historical critical pedagogy; multiculturalismo, Currieulo Multicultural: 0 Relativismo como centro Nos iltimos anos, mundialmente, vitios movimentos sociais tém se destacado na Iuta por suas reivindicagées ¢ em defesa de suas iddeias. Os debates, realizados dentro dessa perspectiva, fizeram com que emergissem diversas questdes em selacio a0 cusriculo escolar: diversidade cultural, valorizacio da Germinal: Marsiemo « Edcaste om Debate, Salvador, . 7, m1, p. 38-57, jam, 2015. 58 Artigo subjetividade, deslocamento da discussio sobse classes sociais para disenssdes sobre género, 12¢a, etnia, religiio e otientacio sexual Esse discurso fiz patte do movimento que defende ideins do Pés-modemismo dentro da ceclucagio escolar, mais precisamente a defesa de um curticulo pés (ou “pés-curriculo”), amparado no Relativismo Cultural existente nos debates sobre curriculo. Conforme Sandia Mara Corazza (2010, p. 103): Um poseensiculo€ aque, como seu propti preixo diz, um eusiculo que pensa ¢ inspitado plas teria pos ctiens em Educacio. (.] Pensa a partir de psspectivas py tstnmalisas e pésmodemists, pév-colonaisas © multeuitalistas [.] © com Conceitos ciados pelos estudos cuftaais © feminists, gos © lesbicos, Sosofias da diferenga © pedagogies da dlveridade. Age, por meio de temitics culver [ tsmdaado e debateado questSes de case © nero, eseolhas semis e culmea poptlar sacionalidade © colonilinmo, saga ¢ ctia, scligoridade © emoceatiano, Consimcionismo da lingeagem e da textaldade, forga da midin © dor astefator cuimria, eines © soplopi, poosessos de signicacio © clipe cate. deeneron, polticas de identidade « da dliercags, cxtiten dicipinadade, commnidades ¢ Inignagdes, xeaofobiacintegemo, cla joven ¢infawal, hotiac elses global. E desse modo que wn pos-cusiclo cocicuaian xs diversas formas contemporiness de Teta soci Mesmo, com algnmas especificidades, que as diferenciam, no geral as tendéncias acima citadas pela autora, acabam por defender o mesmo objetivo: 0 sespeito As difecencas, © pluualismo de ideias € a diversidade cultural, isto resulta no discurso presente na teoria mulicultural, que tem disecionado os cestudos no campo do cussiculo na anualidade Pasa 0: defensores do Multcultusalismo, 0 que deve sex analisado e denunciado & coma diseriminagées, selativas a questdes de género, 1n¢a, etnia, classe e seligito, afetam a construgio do conhecimento, valores ¢ identidades nas instituigdes escolares. Em meio a estas questoes ganha cada dia mais expaco 0 cussiculo numa perspectiva multicultural Como afismou Duaste (2006), a retéxica pos- moderna coloca a educagio diante de uma falsa escollia entre o etnocentrismo € o Relativismo Cultural. E como se s6 existissem essas duas alternativas e como se a escolha moral ¢ politicamente cometa s6 pudesse ser pelo Relativismo Cultural O principio nosteador de um cussiculo multicultusal é 0 de que este deve propagac a diversidade ccultucal presente em nossa sociedade, sendo organizado com base nas mnitiplas espesiéncias existentes nas diferentes culturas, de wma maneita que os alunos consigam se reconhecer e valorizar a cultura do ‘gmupo social a0 qual sio integrantes compreender e sespeitar a cultusa do outro. Conforme Canen (2010, p- 175-176): A questio do miltiplo, do pluisl, do divesso, bem como das discriminagSer © preconceitos a ela associados, passim a exigit sespostas, no caso da educicio, que preparem fsturns geragaes para lidar com sociedades ows 1eg snie plinis « digas Cobsa-se da edneagio ¢, mais especificamente do evsxieulo, grande parte daguelas que so pereebidas como medidas para a formagio de cidaddos abertos ao mundo, flesiveis mn seus valoces, tolevantes e democtiticas. [.]. Pensar aum catidiano alternative, que valosize a plucalidade cultural ¢ contuibua para a foamagio da cidadania mnulticultosal ‘passa a se impor: Com esas premissas, os argumentos da autora, se encaminham no sentido de que a defesa da construcio de uma sociedade mais justa e democritica exigitia o abandono de ostodosias (identificadas Germinal: Marsiemo « Edcaste om Debate, Salvador, . 7, m1, p. 38-57, jam, 2015. 50 Artigo exroneamente com dogmatismos) que conduzitiam 4 estuatifieacio das identidades e etesnizacio das discriminagdes. Canen (2010) ainda coloca que a compreensio da sociedade dividida em classes dominante e dominada, passa a ser contestada por imimeras mudangas ¢ fatos politicos que ocorteram mundialmente nos tltimos tempos, como: a segunda gneria mundial, 0 exterminio de grupos étnicos ¢ raciais ¢ © proprio racismo cientifico?, Canen (2010) argumenta que a ciéncia também é uma forma de discurso, que legitima desigualdades e acitra a rejeicio, aos considerados diferentes, devido ao grupo a0 qual pettencem seja por raga, género, religito, cultura, entre outros, Percebe-se que nesse ponto 0 discurso da autora vincula-se a0 do construcionismo social, uma das vertentes do Pés-modernismo. Portanto, sua defesa direciona-se no sentido de promover uma compreensio de identidades, como resultados de constrgées provisérias e hibridas. A autora acrescenta que isso, com certeza, levaré ‘0s educadores a enfventarem grandes dess jos. Na mesma linha de defesa do Multicultusalismo no espaco escolar por meio do cusriculo, buscando com isso a desnatualizagio de cxitérios supostamente utilizados saa escola paca justificar a superiosidade de uns sobee os outros, Mozeiza (2001, p. 76-77) peopoe que: [uo] of conteddor selecionados ase diversas disciplinas concorsam pata desestabilizar 8 logics ewsocéntrica, cist, masculina, branca e heterossexual que até agora informou 0 [processo € para confionti-la com outias lgicas, com outeas formas de ver c entender 0 mundo. Todo © conhecimento escolar redefine-se, entio, com base em perspectivas € idensidades de grupos subaltemnizados, de modo a questionar visées hegeménicas © desconstait 0 “olhas do poder", soas normas e seus pressupostos. [.] Mame que nto udeoas radialnence ¢ mundo, podamas tahex bumanigele um pause, 20 desnatacalizacmos divisdes, preconceitos € diseriminagdes. Nos dits de htoje, esse aparente poveo Neste sentido, © autor defende uma escola aberta 4 plucalidade das difevengas, portanto, & diversidade cultucal, na busca de superagio de uma escola com “visio daltonica de cultuca”, ou seja, uma visio monocnlteal. Segu lo os mmlticulturalistas, a cultaca é uma forma geral de vida de um detesminado _gmpo social, com intespretacdes e visoes de mundo por estes adotadas. Os mesmos afismam ainda que a inelusio dessa forma de cultusa no cussiculo pode sesultar em espeito e seceptividade as cultutas dos educandos, por mais desprestigiadas que sejam. E sealizada uma detesa, portanto, de conhecimentos ou sabeses populases, nfo havendo hiesarquia entxe conhecimento deste on daquele grupo, deste ou de outso momento histésico, desta on daquela etnia, pois afirmam sex necessirio romper com 0 “daltonismo ccultusal” dentso do espaco escolas Como observarmos, a defesa dos multicultualistas, € de que, sejam claborados cursiculos multiculturalmente orientados, nos quais sejam inchaidos: valores, creneas, costumes © as diversas verdades da plusolidade de cultans existentes, sejeitando-se, dessa forma, o ciitésio de maior on menor fidedignicade das ideias & realidace natural e social. Devem ser inseridlos, principalmente elementos das cculturas desprestigindas, consideradas subalterizadas. Com esta premissa, 0 conhecimento deve ser ctiticado ¢ seconstinide, munca sendo accito como “a” veidade. Pasa isso a visio monocultusal precisa sex evista, somente assim, seré possivel “diminuit” as injusticas e opressées existentes em nosso meio. Germinal: Marsiemo « Edcaste om Debate, Salvador, . 7, m1, p. 38-57, jam, 2015. co. Artigo A articulacio da base teésica do Multiculnualismo 20 pensamento pés-modemo, é claramente ‘observada em seus pressupostos: a) considera-se impossivel a superagio do capitalismo, da propriedade privada dos meios de producio e da divisio social do trabalho limitando-se as lutas sociais ao objetivo de aquisigio, efetivagio ou ampliagio de direitos dos grupos subalternizados ¢ dimimuicéo das injusticas sociais © preconceitos; b) abandona-se a lta unificada, pautando-se no entendimento de que a lnta de lasses no é © motor da histéria; ¢) critica-se qualquer pretensio a0 conhecimento objetivo e negn-se que esistam conhecimentos com maior nivel de desenvolvimento, transformando tudo numa questio de reconhecimento do saber do cotidiano de cada grupo, numa espécie de centralidade epistemolégica do cotidiano; d) a ciéacia é vista apenas como uma maneisa pela qual um geupo social, o dos cientistas, busca dar algum significado a fendmenos natncais ou sociais, da mesma forma que outros grupos buscam a mesma coisa por meio outros saberes; e) celebram-se as diferengas, o local ¢ o individuo rechuso A sua subjetividade, negando-se a possibilidade de compreensio da sealidade como um todo estiuturado © dos processos essenciais A dinimica que movimenta esse todo; £) assim como o conhecimento sistematizado nos livros é posto sob suspeita, a escola também o &, jd que o saber relevante para a vida seria construido digetamente na vivéncia cotidiana e nas Intas sociais; g) a cultusa oral é considerada mais sica e significativa do que esesita; h) a cultura parece ser entendida mais como uma questio de reconhecimento das diferengas entre “nds” © “os outros”; i) Aflima-se que a agem da escola ¢ colonizada, etnocéatuica, discriminadosa e precisa ser deseolonizadlas j) nega-se o ideal de formagio do sujeito racional e consciente; 1 0 ideal de teansformacio social é substitaido pelo de inclusto social, que ocorreria pela valorizacto da ceultusa de eada grupo. Esses pressupostos do Multiculturalismo evidenciam por si mesmos o cariter problemitico dese ideitio por pelos menos duas grandes razdes. A primeiza delas ¢ a incoeséncia entie © carter supostamente critico com que esse idedrio se apresenta e o conformismo social que caracteriza sua atitude, jf que o limites de todas as Intas sociais € dado pela negngio da perspectiva de superacio do modo de producio capitalista, A segunda 1nzio pela qual esse idedtio se mostra problemitico & fato de que, admitindo-se essa visio de valorizagao da cultura dos grupos, a desvalorizacio da escola ¢ do trabalho ediucativo significa, no limite, a possibilidade de extingio de um gmipo social de grande impostincia para a histéria do mmndo modemno, o dos professores. Curriculo, Pedagogia Histérico-Ceitica e o Saber Objetivo Como afisma Saviani (2003a), 0 saber objetivo convertido em saber escolar é um dos elementos centeais da Pedagogin Histésico-Criticn, Buscamos explicitar, neste texto, o que representa objetividade, 20 pensamos na producio do conhecimento e, mais especificamente, no saber escolar. A objetividade, antes de ser uma caractetistica do conhecimento, é, portanto, uma caracteristica da sealidade. Faz paste da objetividade o fato de que os seres objetivos existem como paste de um conjunto de selacdes. Eles nfo existem isoladamente. A objetividade é antes de tudo uma casacteristica da aatuceza que, pam existi, alo psecisa ser objeto de nenhuma consciéacia, No caso da natuseza, Germinal: Marsiemo « Edcaste om Debate, Salvador, . 7, m1, p. 38-57, jam, 2015. a Artigo objetividade signifiea que © objeto pode existir sem estar em selacio com algum sujeito. Com o surgimento dos seres umanos, da atividade de trabalho e, portanto, da esfera do ser social, surge @ objetividade dos fenémenos histérico-sociais que é em parte, diferente da objetividade dos fenémenos puramente naturais, pelo fato da atividade humana ser uma atividade consciente, atividade teleologica, isto & guiada por fins conscientes. Mas os fendmenos sociais também podem existir sem que os seres humanos os conhegam plenamente, isto é, os conheram em sua esséncia, E nesse sentido que as forgas sociais potlem conduzir, em certas circunstincias, os seres humanos a situagées inesperndas e nao desejadas. A objetividade dos fenémenos sociais € bastante complesa ¢ inclui, por esemplo, a existéncia objetiva de ideias sobre coisas que no existem objetivamente. © caso clissico ¢ a crenga na existéncia de um deus ou deuses que governariam a vida humana, Esses seres nao existem objetivamente, mas a ideia de que eles existam atua sobre a pritica dos seses hnmanos, transformando-se numa fouga social objetiva, Mas quando Saviaai usa 0 conceito de saber objetivo, esti se referindo & objetividade como uma ccaracteristica do conhecimento, a de ser capaz de traduzir com fidedignidade os processos existentes na sealidade externa & consciéncia. Trata-se, nesse caso, da objetividade como uma caractesistiea necessiria 20 procesco de conhecimento da sealidade natusal ou social. iio texemos condicées de envexedar, neste trabalho, pelas sendas histéxicas dos debates sobre a possibilidade ow impossibilidade de se conhecer objetivamente a realidade. Concordamos com Oxso (2003), pasa quem a objetividade: supe a pottihilidade de 9 homem enaleces efetivamente a realidade, 20 conteécia do que afinna Kant, os neckantianos os inracionalistas, por exemplo, que defeadem 3 Jimpossibiidade de coahecer tanto 0 sujcita quanto o objeto para além das apacéacias, de couhecer as esséncias. Esta posigio € compartlhada pelos pés-modemos, derivado sno selativismo. Pais eles 66 € possivel conheeer os fendmenos (ORSO, 2003, p.30) Coloca-se ai a questio dos métodos de conhecimento da realidade para além das apaséncias, para além dos fenémenos, indo & sua esséncia. No caso dos fendmenos sociais, o esforco por conhecer 05 processos essenciais exige que se vi além da mera descrigio ¢ mensuragio das manifestagdes mais imediatamente visiveis. Como afirma Frigotto (2008, p. 46), “A natureza da objetividade dos fatos sociais ‘encontra sua validagio nto na mensuragio pusa e simples, mas no plano histético empirico.” No campo da eduucagio escolar Saviani (2003a) mostra que a especificidade dessa forma de educagio reside justamente no ensino na aprendizagem do saber objetivo, devidamente convertido em saber escolar. Mostia, ainda, que a objetividade do conhecimento esté relacionada & sua uaiversalidade: [1] dizer que determinado conhecimento é universal signitica dizer que ele € objetivo, [sto 6, se le enpsesea ae lele que cegem a existéncia de detecminada fendaieno, reata-se de algo cuja validade € univessal. E isso se aplica tanto a fendmenos anasais como sociais. Assim, o conhecimento das leis que segem a natureza tem cariter univessal, pportanto, sua talidade ulteapassa os intecesses particulares de pessoas, classes, épocas ugar, embors tl conhecimento seja sempie histéxico, isto € sev surgimento desenvolvimento io condicionados histoticamente. © mesmo cabe dizer do coshecimento das leis que segem, por exemplo, a sociedade capitalists. Ainda que seja contin of interesses da burguesia, tal couhecimento ¢ valido também pass ela (GAVIANT, 2003, p. 57-589) Germinal: Marsiemo « Edcaste om Debate, Salvador, . 7, m1, p. 38-57, jam, 2015. 0 Artigo Com essa explicacio, o autor eitera a importincia da historicizacio, que é elemento centual para se compreender a questio da objetividade e da universalidade, sem relacioné-las, portanto, com a neutralidade pressuposta pelos positivistas. Com isso, Saviani reafirma qual saber deve ser transmitido na ‘escola, conforme os fundamentos histérico-ctiticos: 0 saber objetivo. © ser bumano se apropria do mundo objetiva por meio da producio material ¢ da poducio io matesial. Dentro de cada uma dessas duas grandes categorias de produgio Inmana existem vitias formas de apropriacio da realidade, No caso da producio simbélica existem, como mostra Saviani (2003a, p. 7), diferentes tipos de saberes ou conhecimentos, tais como: sensivel, afetivo, intuitive, attistico, asiolégico, racional, logico, tedtico e pritico. Porém, o autor explicita que, do ponto de vista da educagio, estes saberes distintos io interessam em si mesmos, mas somente a partic da necessidade de que os individuos da espécie lnmana necessitam apropriar-se dos mesmos, para se desenvolver como membros do género humano. Desse modo, os individuos precisam aprender a agit, pensat, sentic ¢ avaliar de forma teleolégica Portanto, compreendemos que o saber escolar, tal como o saber objetivo, é produzido hhistorieamente. Para entendermos essa producio histérica, faz-se nevessitio 0 estudo do proceso de constituicio da ethucagio como pritica social especifica Nesta disecio, destacamos que a educagio, em sua acepeio mais ampla de formacio dos individnos, teve sna génese no processo pelo qual os seres hnmanos, transformando a namreza para produzitem os meios que Ihes possibilitassem mais éxito na satisfacto de suas necessidades, teansformaram também a si proptios, tomando-se cada vez mais seres socioculturais. A partir da existéncia da educacio como clemento integrante de uma pritica social de inicio indifecenciada, foram se desenvolvendo caracteristicas especificas 4 atividade de formacio humana, sum processo histérico de diferenciacio dessa forma especifica de pritica social que é o trabalho edueativo, 0 ‘que acabou resultando no surgimento da escola como instituicio com fungio precipua de educar as novas geragdes, Oconte que, por muito tempo, a escola limitow-se & condicio de forma socialmente secundatia de educacio, uma vez que era frequentada apenas pelos filhos das elites, a0 paso que a maioria da populacio continuava a se formar no teabalho e na vida cotidiana. Somente com 0 aparecimento da sociedade capitaista é que a educagio escolar passon & condigio de forma socialmente dominante de eclucagio. Pasa Saviani, (2003, p.08): Esta passagem da escola & forma dominante de edhcagio coincide com a erape histérica em que as relagdes socinis passaram a prevalecer sobte as naturas, estabelecendo-se © primado do mando «a cultura (9 mundo produzido pelo homem) sobre 0 mmnclo da natureza, Em consequéncia, o saber metédico, sistematizado, cientiico, elaborado, passa a predominar sobre o cariter espontineo, “natural”, assistemttico, resultando dai qoe a expecificidade da educaedo passa a sex detecminada pela forma escola Quando Saviani define o saber objetivo como elemento central da Pedagogia Histérico-Critica, delimitando-o como saber que deve compor necessatiamente © cunticulo escolas, no o esti colocando como um saber asséptico, desinteressado on nevtzo, pautado no saciocinio positivista, Ao conteisio, Germinal: Marsiemo « Edcaste om Debate, Salvador, . 7, m1, p. 38-57, jam, 2015. 3 Artigo Saviani (20032) argumenta que é possivel negar 2 neutvalidade e afismar a objetividade, isso porque io existe saber desinteressado, porém niio € todo interesse que impede a objetividade, Com isso, Saviani aponta que € necessitio compreender que objetividade nfo é sinénimo de neutalidade. E.necessitio esse cesclatecimento, tendo em vista que, no passado, as discuss6es realizadas pelos tedticos do positivismo ‘dentificazam estes dois elementos ¢ que, na atwulidade, nie faltam autoses ps-modernos que identificam objetividade com meutralidade. Mas a distingio entre essas das coisas é explicada de forma cristalina por Savianis Importa, pois, compreender que a questio da neutraidade (on no-neursalidade) € uma qoestio ideokigica ito é, diz eespeito ao casiter interessado ou no do conhecimenta, enguanto objetividade (ou nfo objetividade) € uma questio gnosiologica, isto €, diz seapeita § cousesponcléncia om ato da conhecimenta cam a cealidade 4 qual se cefece Por ai se pode perceber que nao existe nenltum canhecimenta desintecessado; portato, 4 neuttalidade ¢ impossivel. Entieranto, o eariter sempie interessado do conliecimento so significa a impossbilidade da objetividade. (SAVIANT, 2003a, p37) Saviani (2012, p. 66) vai mais além, explicitando a necessidade de compreensio dialética da producio do conhecimento em nossa sociedade, e expée sobre a questio do aspecto gnosiolégico e ideolégico deste saber. Pata entenclermos a questio da existéncia do saber objetivo ele explica que: [4] sabemos que as concepsdes que os homens clabornm no tem apenss wim catiter _gnosiologico, isto ¢, relativo a0 conhecimento da realidade, mas também ideol6gico, isto 6, relativo aos interesses e necessidades hhumanas. Em sunua, 0 conhecimento nunca é newtea, ou seja, desintecessado e impaccial. Os homeas sao impelides a coahecer em tazio da busea dos meios de atendes as suas accessidades, de satisfazer suas caténcias Se o aspecto gaotialagica, centiada no conlsecimeato, tende pasa a abjetivdade, © sspecta idealégico centeado na expeessio dos intesesses, tende paca a subjesvidade Mas estes dais aspectos aida se confundem, no se excluem mutuamente ¢ também no se negim seciprocamente. Ou seja: no’ se tanta de considesar que ot interesses impedem © conhecimenta objesiro nem que este excini os interesces. Os interesses impelem os conbecimentos ¢, 20 mesino tempo, os clieunscrevem dentro de determinados limites. SAVIANI, 2012, p. 66). Saviani (20032) ressalta, desse modo, que, pata saber quais interesses impedem e quais exigem objetivicade, € necessitio abordar 0 problema em termos histéricos, no ambito do desenvolvimento de situagdes concretas. A partir desta explicagio, Saviani (2003a) registra que a fangio social da escola tem a ver com o saber universal ¢ que a universalidade desse saber esti inteiramente ligada 4 objetividade, portanto, a0 saber objetivo, De acordo com o autor: © saber escolar pressupte a existéncia do saber objetivo (¢ universal). Alés, o que se convencionow chamar de saber escolar no € outta coisa seni a organizacio sequencial ¢ giadativa do saber objetivo, disponivel muma etapa histéciea detecminada pasa efeiro de sua trausmissio-assimilacio 20 longo do processo de escolasizacio. (SAVIANT, 2008a, p. 62). Para o tema deste artigo é de grande impoctincia essa aficmacio de que o saber escolar, on seja, ‘© cutticulo é 0 saber objetivo organizado © sequenciado de maneira a possibilitar seu ensino e sua aprendizagem ao longo do processo de escolatizacio, O cuusiculo nfo € um ageupamento aleatésio de contatidos, havendo necessidade dos conhecimentos serem oxpanizados suma sequéncia que possibilite sua transmissio sistemética Germinal: Marsiemo « Edcaste om Debate, Salvador, . 7, m1, p. 38-57, jam, 2015. ot Artigo A organizacio do conhecimento na forma de cursiculo escolar trabalha com a unidade entre 2 objetividade e a subjetividade, considetndo-se que hé ctitésios objetivos contidos no préprio conhecimento que estabelecem niveis progressives de complesidade e, por outro lado, 0 sequenciamento dos conteridos escolares deve levar em conta as catacteristicas do psiquismo dos sujcitos cnvolvidos na atividade edueativa A defesa, feita por Saviani, da objetividade dos conteiidos escolares no implica, de forma alguma, a desconsideracio dos aspectos subjetivos da atividade humana em geral ¢ da atividade educativa ‘em puticular, © valor universal dos conhecimentos niio esti em conflito com o fato de que eles sio sempre produzidos em condicdes socials especificas e por individuos temporal e espacialmente situados. Igualmente, o fato de o aluno ser um sujeito situado, no deve ser impedimento para a aprendizagem do saber universal. Saviani assevera que: [-] s 0 stber escolar, em nossa sociedade, ¢ dominado pela burguesia, nem por isso cabe conchir que ele ¢ intinsecamente busgués, Dai a couclusio: esse saber, que, de 5, info € burgués, serve, no encanto, aos interesses baxgueses, uma vez que a burguesia dele se apsopsi, colocando-o a seu servico € o sonega das classes trabalhadoras, Postanto, & fundamental a futa contea essa sonegucio, uma ver que é pela aproptiaeio do saber escolar por paste dos teabalhadores que serio setisados desse saber seus caracteses burgueses e se lses impsimirio os carscteces proletisios (SAVIANT, 2003a, 6. 55) ‘A objetividade do conhecimento nto deve ser interpsetada como sinénimo de descticio dos aspectos apasentes ¢ imediatos que se mostram pela peitica utilitassta cotidiana. Como escreveu Kautsky (2010, p. 29-30): A tarefa da citucia, certamente, aio ¢ 56 sepresentar © que existe, produzinds uma Fotogiatia, de modo que qualquer observador notmalmente organizaco poses formar a mesma imagem, A tarefa da céncia consiste em exteaic da “abundineia de aspeetos" dos fendmenos o clemento essencial e em desvendar 0 fio que guie 0 caminho do labirinto da realidade, & tarefa da arte, ali, é similar. Também a arte no deve fornecer ‘uma simples fotografia da realidade; 0 astista deve reproduzir aquilo que pareca sex 0 sssencial, © que hi de cuacteristico aa vealidade que se propse a representa A difecenga ease a aste © a ciéucia consiste no fato de que o artista representa © essencial em focma fsiea ¢ tangivel, que impressions, enquanto peasador sepresenta 0 esseacial como um conceito, uma abssracio. Ao menos no que diz respeito As formas mais desenvolvidas do saber, nio sio os interesses pragmiticos ¢ utiliticios que conférem validade objetiva so conhecimento, Nao sto os intevesses particulaces que conférem verdade aos contetidos, muito menos o Relativismo Cultusal, que acaba por distorcer a definigio de objetividade © univecsalidade, colocando estes termos como sindnimos de uma visio impositiva de conhecimento etnocéntrico. A concep¢io marxista de conhecimento situa-se numa posicio claamente oposta ao relativismo e ao subjetivismo: [-] claramente calista, em termos ontelogicos, ¢ objetivsta, em termos guosiolégicos, move-se no imbito de dois principios fadamentsis: 1, As coisas cxistem independentemente do peassmento, com 0 covoliio: ¢ a sealidade que detetmina as ideias © no o contsivio; 2. A realidade € cognoscivel, com 0 corolitio: © ato de conhecer € exitivo no enquanto producto do préprio objeto de conhecimento, mas enguanto producio das eategorias que pesmitam a xeprodugio, em pensamento, do objeto que se busea conhecer (SAVIANI, 2012, .63) Germinal: Marsiemo « Edcaste om Debate, Salvador, . 7, m1, p. 38-57, jam, 2015. 6 Artigo Assim, 2 Pedagogia Histérico-Csitica, integrante de uma teoria marxista, se eoloca na defesa da transmissio de contetidos historicamente produzidos e objetivamente interpretados, como base para a ‘organizagio de um cunticulo escolar, © autor reafirma sua defesa na prioridade dos contetidos que, segundo cle, apontam para uma verdadeira pedagogia revolucionstia, Pois, de acordo com Saviani, “Os contetidos sio fiandamentais ¢ sem contetidos rclevantes, conteticlos significativos, a aprendizagem deixa dle existi, ela transforma-se num arremedo, ela transforma-se mma farsa”. (SAVIANT, 2003b, p. 55). Entendemos, com estas premissas, que a escola deve ser uma instituicio onde o trabalho desenvolvido possibilite que o universal do género Inumano se encontre com o singular ¢ os diversos modos de ser humano, produzindo assim a humanidade historicamente acumulada (SAVIANI, 20034). Compreendemos, portanto que o acesso 20 saber sistematizado, o saber objetivo, possibilita o combate a0 preconceito, 20 desmitificar crencas e evidenciar a superficialidade de alguns argumentos e atitudes em sclacio a alguns grupos sociais. Desse modo, precisamos atentar para a seducio € a psendocuitica existente no discusso multicultucal, que na educagio escolar tem fragmentado custiculo esvaziando-o de contetidos dlissicos findamentais para nosso processo de humanizacio na dixecio da universalidade (DUARTE, 2010) Referéncias: CANEN, A. Sentidos e dilemas do Multicultusalismo: desafios cussiculases para o novo milénio, In: LOPES, A. Cs MACEDO, E. (Orgs). Curriuls: debates contemporineos. 3. ed. Sa0 Paulo: Cortez, 2010. CORAZZA, S. M. Diferenca pura de um pés-cunriculo. In: LOPES, A.C; MACEDO, E. (Osgs) Carles debates contemporineos. 3. ed. Sio Paulo: Cortez, 2010. DUARTE, N. A conttadicio entre universalidade da cultura humana e o esvaziamento das relagdes sociais: por uma edncacio que supere a falsa escolha entre etnocentrismo ou Relativismo Cultural Eun ¢ Pesquisa, Sa0 Paulo, v. 32, n. 3, p. 607-618, set./dez. 2006. Por uma educacio que supere a falsa escolha entre etnocentrismo ¢ Relativismo Cultural. In: DUARTE, Ns FONTE, S. $. Arte, Conbecimentse paste na formate bamana. Campinas: Avtoxes Asociados, 2010. FONTE, S. $. D. Fundamentos tedricos da pedlagogia histérico-csitica. In: MARSIGLIA, A.C. G. (Osg) Pedgegia Historce- Critic: 30 anos. 1. ed. Campinas: Autores Associados, 2011. KAUSTKY, K. 4 Origen de Criscianiomo, Rio de Jancixo, Civilizacho Brasileiza, 2010. ‘MOREIRA, A. F. B. A recente procucio cientifica sobre curriculo e Multiculturalismo no Brasil. 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E-mail: julia mulancher@ hotmail com 2 Teemo uszedo pata se sefesir a justiieativa de “supesonidade racial” no pesiodo de segunda guesea mundial Recebido ene 10/2014 Publicade em: 05/2015 Germinal: Marsiemo « Edcaste om Debate, Salvador, . 7, m1, p. 38-57, jam, 2015. ©

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