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Notas introdutrias para um métodohistrico-ritico de alfbetizacdo NOTAS INTRODUTORIAS PARA UM METODO HISTORICO-CRITICO. DE ALFABETIZAGAO NOTAS INTRODUCTORIAS PARA UN METODO HISTORICO-CRITICO DE ALFABETIZACION INTRODUCTORY NOTES TO A CRITICAL-HISTORICAL METHOD OF LITERACY Izac Trindade COELHO" Francisco José Carvalho MAZZEU? RESUMO: Este artigo aborda a alfabetizagio na perspectiva da Pedagogia Histérico- Critica © tem o propésito de indicar fundamentos te6ricos que contribuam para elaboracies metodolégicas coerentes com os pressupostos dessa concepeao pedagogica. Buscando referéncias em diferentes areas do conhecimento procuramos apontar alguns dos elementos que poderiam fundamentar um método histarico-critico de alfabetizagio, dentre eles: a necessidade de superar dialeticamente os métodos jé existentes, a identificagao dos contetidos e objetivos do processo de alfabetizagio, a centralidade da palavra como instrumento-guia no proceso de ensino-aprendizagem ¢ a necessidade de resgatar 0 papel do professor como produtor das suas proprias atividades didéticas Espera-se com esse trabalho fomentar um debate frutifero que resulte em avangos na diregao de oferecer aos professores que alfabetizam um conjunto de orientagdes mais especificas sobre como podem inserir 0 seu trabalho no ambito da Pedagogia Histérico- Critica. PALAVRAS-CHAVE: Alfabetizagio. Pedagogia histérico-critica. Métodos de alfabetizacao, RESUMEN: Este articulo aborda la alfabetizacién en la perspectiva de la Pedagogia Histérico-Critica y tiene el objetivo de indicar fundamentos teéricos que contribuyan para elaboraciones metodoldgicas coherentes con los aportes de esa concepcién pedagogica. A partir de la busca de referencias en diferentes areas del conocimiento intentamos apuntar algunos de los elementos que podrian fundamentar. un método histérico-critico de alfabetizacién, entre ellos: la necesidad de superar dialécticamente los métodos va existentes, la identificacién de los contenidos y objetivos del proceso de ion, la centralidad de la palabra como instrumento-guia en el proceso de enseitanza-aprendizaje y la necesidad de rescatar el papel del profesor como produtor de sus propias actividades didacticas. Se espera con ese trabajo fomemtar 1m debate fructifero que resulte en avances en la direccién de ofrecer a los profesores que alfabetizan un conjumo de orientaciones més especificas sobre cdmo pueden inserir su trabajo en el mbito de la Pedagogia Histérico-Critica. + Mestre em Educagio Escolar. Departamento de Educagio ~ Faculdade de Cigncias e Letras FCLAPUNESP. Programa de pés-graduacio em Edueagio Escolar, Araraquara, Brasil. E-mail: izac.tcoelho@gmail.com ? Doutor em Educagio. Departamento de Didética. Faculdade de Cigncias ¢ Leas - FCLANUNESP, Araraquara, Brasil. E-mail: fmazzeu@ gmail.com. [RIAEE™ Revita Ibero-Americena de Estudos em Eeaplo, © i,m ep 4p 25762593, 0016 EISSN'I98D 5587 DOE bps du doors 10217 ase. in exp 9210 osi6 zac Trindade COELHO c Francisco Jost Carvalho MAZZEU PALABRAS CLAVE: Alfabetizacién, Pedagogia historico-critica, Métodos de alfaberizacion ABSTRACT: This article deals with literacy according to Critical-Historical Pedagogy, aiming at establishing theoretical foundations which can contribute to the development of methodological tools coherent with the assumptions of such pedagogy. Adopting several theoretical approaches, assumptions that may accurately substantiate 4 critical-historical method of literacy are underlined, such as: the need of a dialectically overcome of the current literacy methods; the identification of literacy’s contents and objectives; the centrality of word as a guiding-tool in such teaching/learning process; and the need of redeeming teacher's role as a producer of his own teaching activities. This article looks forward to a lively and fruitful debate resulting faster and more consistent advances in providing literacy teachers with a more specific guidance on how to carry out their own work inside the scope of the Critical-Historical Pedagogy KEYWORDS: Literacy. Critical-historical pedagogy. Literacy methods Introdugio: a Pedagogia Histrico-Critica e os métodos tradicionais de Alfabetizagao Para situar a abordagem da Pedagogia Histérico-Critica (PHC) no ambito da alfabetizagao é necessério inicialmente pontuar alguns aspectos gerais dessa teoria. A PHC vé a escola, no contexto da luta de classes, como um espago de disputa hegeméniea ¢ faz a defesa intransigente de uma escola piiblica unitéria, com qualidade para todos, rica em contetidos vivos e relevantes, que transmita 0 conhecimento humano historicamente acumulado em suas formas mais desenvolvidas, a fim de contribuir para a formagao de seres humanos capazes de transformar a realidade social. O desenvolvimento da PHC tem avangado com mais forga na formulagio dos fimdamentos tedricos, fazendo crescer a demanda para que essa coucepgiio “exerga maior influxo sobre a pritica” (SAVIANI, 2007). No campo da alfabetizagao, a medida que avangam as criticas concepgao hegeménica do construtivismo, a partir de pressupostos histérico-culturais (MARTINS; MARSIGLIA, 2015), torna-se_ mais evidente a necessidade de explicitar as implicagdes metodologicas dessa abordagem te6rica, a fim de oferecer orientagdes e indicagdes priticas para o trabalho do professor em sala de aula A chamada “querela dos métodos” (MORTATTI, 2000) que periodicamente vem & tona nesse campo, ilustra a dificuldade de superar os limites e as armadilhas do pensamento dominante, sustentado pelo formalismo légico. A relativa hegemonia conquistada pelo construtivismo no debate académico e nas politicas piblicas de [RIAEE RevisiaIbeo-Anmericana de Estados em Bdocapio, l,m exp 4,p 257625952016. EISSN.ID6. Regiiaeegre nol os ‘Notas intodutris para um mitodo hstrco-rtce de aiabetizao alfabetizagao nos tiltimos 30 anos pode levar os pesquisadores que se contrapdem a essa hegemonia a cairem na tentagao de apoiarem o “movimento pendular” que defende a restauragio de métodos tradicionais, como 0 Método Fénico (CAPOVILLA, A: CAPOVILLA, F 002), ow até mesmo a vislumbrar nas antigas cartilhas um caminho possivel para assegurar que a escola cumpra sua finalidade de garantit 0 dominio da linguagem escrita para todos os alunos. Ainda que a luta hegeménica contra o construtivismo e suas concepedes antipedagégicas (DUARTE, 2001) pudesse se valer de algum grau de “curvatura da vara” (SAVIANI, 2007) na diregio dos métodos tradicionais, vale lembrar que o desafio fimdamental é superar essa “fase romantica” mareada pela polémica e ingressar na “fase classica” (GRAMSCT, 1982, p.124): Ainda se esti na fase roméntica da escola ativa, na qual os elementos da luta contra a escola meciinica e jesuitica se dilataram morbidamente por causa do contraste e da polémica: ¢ necessério entrar na fase "clissica", racional, encontrando nos fins a atingir a fonte natural para elaborar os métodos e as formas. (GRAMSCI, 1982, p.124). Esse seria, portanto, o primeiro desafio da elaboragio de um método histérico- critico de alfabetizacao: superar dialeticamente os principais métodos ja existentes, identificando 0 seu niicleo vilido, desarticulando esses elementos validos do quadro te6rico limitado em que estio inseridos e os rearticulando em uma nova base coneeitual que permita seu pleno desenvolvimento. A titulo de indicagio dos contornos dessa tarefa, podemos indicar alguns dos tragos essenciais que caracterizam os métodos tradicionais e as cartilhas e que explicam porque esse tipo de abordagem “funciona” na pritica de sala de aula, Um desses aspectos se refere ao ensino sistemitico das relagdes entre fonemas e letras que, como explica Magda Soares, caracteriza a propria especificidade do processo de alfabetizagao (SOARES, 2004). Um traco comum aos métodos tradicionais de alfabetizagao é a organizagao do ensino por meio de uma sequéncia definida de passos ou etapas a serem vencidas pelo aluno para dominar as relagdes entre fonemas e letras, adquirindo a capacidade de ler e escrever com autonomia. Essa caracteristica de progressividade se mostra de modo evidente nas Cartilhas, organizadas por meio de “ligdes” sucessivas. Vencer uma li¢lo, aprendendo 0 conteiido nela previsto, é a condigio para seguir para a proxima. Dessa forma, esses métodos ¢ materiais didéticos criam uma sequéncia ideal a ser seguida por todos os alunos [RIABE ~ Revista Tbero-Americena de todos em Eduapto, vi, exp 4, 25762593, 0016 _ EISSN198D-5587 DOE bps du doors 10217 ase. in exp 9210 » zac Trindade COELHO c Francisco Jost Carvalho MAZZEU Consequentemente, criam também um processo de avaliag4o processual, pois um aluno que nao conseguiu aprender determinada ligao precisara receber uma atengao especial para que possa retomar o caminho previsto inicialmente, Essa forma de organizar 0 processo de alfabetizagaio também se reflete na necessidade de um planejamento por parte do professor para estabelecer a seguéncia mais adequada de contetidos e de exercicios a serem realizados pelos alunos em cada liga. Os aspectos citados (planejamento, progressio, avaliagdo constante) fazem parte do carater sistemético do ensino das relagdes entre fonemas ¢ letras e no se confundem com 0 mecanicismo que é alvo de criticas por parte de varios pesquisadores. Saviani (2013, p.18) aponta que, Com efeito, a critica ao ensino tradicional era justa, na medida em que esse ensino perdeu de vista os fins, tomando mecinicos e vazios de sentido os contetidos que transmitia, A partir dai, a Escola Nova tendet: a considerar toda transmissio de contetido como mecinica € todo mecanismo como anticriativo, assim como todo automatismo como negacdo da liberdade. O autor considera a aquisigao de automatismos como condig&o para uma atividade autGnoma e livre, e utiliza como exemplo exatamente a alfabetizagdo para explicar que existe uma relagio dindmica entre os processos ditos mecénicos 0 uso significativo e criativo da linguagem eserita Ora, esse fendmeno est presente também no processo de aprendizagem através do qual se da a assimilacio do saber sistematizado, como o ilustra, de modo eloquente, 0 exemplo da alfabetizacio. Também aqui é necessétio dominar os mecanismos da linguagem escrita. Também aqui € preciso fixar certos mecanismos, incorpori-los, isto & tomé-los parte de nosso corpo, de nosso organismo, integri-los em nosso préprio ser. Dominadas as formas bisicas, a leitura e a escrita podem fluir com seguranca e desenvoltura, A medida que se vai libertando dos aspectos mecanicos, 0 alfabetizando pode, progressivamente, i concentrando cada vez mais sua atencao no contetido, isto &, no significado daquilo que é lido ou escrito. Note-se que se libertar aqui, ndo tem o sentido de se livrar, quer dizer, abandonar, deixar de lado os ditos aspectos mecdnicos. A libertaco s6 se da porque tais aspectos foram apropriados, dominados e internalizados, passando, em consequéncia, a operar no interior de nossa propria estrutura organica. Poder-se-ia dizer que 0 que ocorre, neste caso, & uma superagio no sentido dialético da palavra. Os aspectos mecdnicos foram negados por incorporacio e nfo por exclusio. Foram superados porque negados enquanto elementos externos e afirmados como elementos internos. (SAVIANI, 2013, p.18, grifo n0ss0). [RIAEE RevisiaIbeo-Anmericana de Estados em Bdocapio, l,m exp 4,p 257625952016. EISSN.ID6. Regiiaeegre nol 2579 ‘Notas intodutris para um mitodo hstrco-rtce de aiabetizao No entanto, nao se pode compreender essa dindmica de um modo formal. Como o autor explica no trecho por nés destacado, a atengao a0 contetido do que é lido ou escrito vai se tornando cada vez mais o elemento central, medida que o uso automitico dos processos de codificagio e decodificagao se consolida. Isso quer dizer que 0 aspecto semintico no esti ausente no inicio do processo, mas se tora um elemento secundirio € determinado na relagdo com os aspectos grafofonémicos, quando estes sio 0 foco principal da atengdo do aluno. Ao longo do processo de alfabetizagao essa relagdo se inverte (ou pelo menos assim deveria ocorrer). No entanto, se no houver a presenga do significado (¢ sentido) daquilo que é lido ou eserito, desde 0 inicio, esse proceso pode nao levar a uma superagao dialética, mas a uma negagao formal, ou seja, pode induzir a0 uso esvazindo da linguagem eserita, no qual o contetido permanece em segundo plano ¢ é tratado de forma superficial mesmo com a formagio dos automatismos necessarios para ler € escrever. Ainda assim, é preciso deixar claro e expressar com a devida énfase, que, do ponto de vista historico, social e politico ¢ melhor que ocoma uma alfabetizagio marcada pelo mecanicismo, que podera ser futuramente superada pelo esforgo do aluno, do que uma pseudo-alfabetizagio em que a participagdo ativa do aluno sacrifique o dominio dos conteiidos necessirios para 0 uso efetivo da escrita, o que impede qualquer superagio posterior. Portanto, a adogo de uma abordagem histérico-critica implica em uma rejeigao categorica do construtivismo enquanto teoria e método de alfabetizagao. No entanto, duas questdes se colocam como decorréncia dessa afirmagio: existe realmente um método construtivista a ser superado? Se existe, nao teria ele também um niicleo valido a ser incorporado em uma abordagem historico-critica? Em relagio & primeiza questio, a resposta pode ser sim ou nfo, dependendo do conceito de método que se est adotando. O conceito de método na PHC e a abordagem construtivista ‘Na sua estratégia de se contrapor aos métodos tradicionais de alfabetizagao, o construtivismo reduziu 0 conceito de método a um conjunto de passos a serem seguidos rigidamente pelo alfabetizador, o que levaria a interdicdes ¢ priticas rituais por parte dos professores. Com base nessa visio restrita do que é um método, Ferreiro (1995, p.22) afirma que: [RIABE ~ Revista Tbero-Americena de todos em Eduapto, vi, exp 4, 25762593, 0016 _ EISSN198D-5587 DOE bps du doors 10217 ase. in exp 9210 ose zac Trindade COELHO c Francisco Jost Carvalho MAZZEU [...] tradicionalmente, as discussdes sobre a pritica alfabetizadora tém se centrado na polémica sobre os métodos utilizados: métodos analiticos versus métodos sintéticos; fonético versus global, etc. ‘Nenhuma dessas discusses levou em conta o que agora conhecemos: as concepcdes das criancas sobre o sistema de escrita. Dai a necessidade imperiosa de recolocar a discussao sobre novas bases. Se aceitarmos que a crianga nao & uma tébua rasa onde se inscrevem as letras e as palavras segundo determinado método; se aceitarmos que 0 "facil" e 0 dificil” nao podem ser definidos a partir da perspectiva do adulto, mas da de quem aprende; se aceitarmos que qualquer informacao deve ser assimilada (e portanto transformada) para set operante, entio deveriamos também aceitar que os métodos (como sequéncia de passos ordenados para chegar a um fim) nao oferecem mais do que sugestdes, incitacdes, quando nao praticas rituais ow conjunto de proibigdes. O método nao pode criar conhecimento. No entanto, dentro de uma abordagem materialista-dialétiea, 0 método é indissocidvel de uma agao humana intencional. Como afirma Vieira Pinto (1979, p.373), “[..] intencionalidade e método sto uma s6 coisa, conforme se documenta inclusive pela analogia etimolégica, pois os dois termos na composigao vernacular querem dizer a mesma coisa, apenas um na acepeio latina e o outio ua grega”. Portanto, o método é uma forma de agir que se diferencia do agir espontineo, pois implica em uma ago dirigida consciente e voluntariamente por determinado objetivo. Nesse sentido, é possivel afirmar que © construtivismo também propde um método de alfabetizacao, pois define objetivos para o ensino e traca estratégias a serem seguidas pelo professor para aleangé-los. Por isso, somos levados a discordar da afirmagio de Soares (2004, p.2), de que “{..] se antigamente havia método sem teoria, hoje temos wna teoria sem método”. Apenas a titulo de indicagao, alguns dos passos ou momentos principais do método construtivista consistem em: © aplicar a sondagem a todos os alunos e classifica-los em determinada etapa ou hipdtese (pré-silibica, silabica, silabico-alfabética, alfabética); © apresentar ao aluno as letras do alfabeto todas de uma vez no comego das aulas, por meio de cartazes e do material chamado “alfabeto mével” * propor atividades com listas de palavras de um mesmo campo seméntico, especialmente os nomes dos alunos, para que eles tentem escrever “do jeito que souberem” utilizando as letras do alfabeto ja apresentadas; © colocar os alunos em “agrupamentos produtivos” combinando aqueles que se encontram em fases ou hipdteses diferentes, porém proximas, para que a [RIAEE RevisiaIbeo-Anmericana de Estados em Bdocapio, l,m exp 4,p 257625952016. EISSN.ID6. Regiiaeegre nol 2581 ‘Notas intodutris para um mitodo hstrco-rtce de aiabetizao interagao entre eles leve & mudanga de hipéteses; © fazer intervengies e aplicar atividades didéticas especificas para cada fase, a fim de desequilibrar as hipéteses dos alunos e provocar o surgimento de novas hipoteses até a “descoberta” da hipstese alfabética, E evidente que essa sequéncia é uma simplificagao, mas nfo foge muito do modelo que vem sendo adotado por muitos professores considerados coustrutivistas das orientagdes definidas, por exemplo, para o ensino pablico estadual em Sio Paulo (SAO PAULO, 2010). O construtivismo, como qualquer proposta que pretende ser hegeménica, foi também incorporando aspectos de outras abordagens como os estudos sobre as priticas de letramento, por meio do uso de textos de diferentes géneros para atividades de leitura e escrita (embora reduzindo o conceito de género ao tipo formal de texto € limitando os géneros aqueles préximos ao cotidiano dos alunos, conforme aponta Meyer (2016)). Até mesmo a forma de trabalho em pequenos grupos de alunos é indevidamente atribuida a uma incorporagio das ideias de Vygotsky, que defenderia a “interago social” no ensino (pata uma critica a esse tipo equivocado de apropriagao, vide Duarte (2001)). 0 objetivo central que dirige 0 método constrntivista est’ em fazer com que 0 aluno “recrie” ou “redescubra” o sistema alfabético de escrita, por meio de atividades em que conffonta suas hipéteses iniciais com dados fomecidos pelos colegas, pelos materiais escritos presentes no ambiente, pelo professor ou por outros informantes, refletindo sobre a eserita das palavras até compreender a lagiea geral do sistema. Com isso estaria assimilando o sistema alfabético de escrita de modo significativo e desenvolvendo sua autonomia intelectual e moral. ‘Nao € muito facil encontrar aspectos validos nessa abordagem, uma vez que ela conduz a uma situagiio em que o ensino fica a reboque dos processos de aprendizagem €, portanto, nao busca assegurar que todos atinjam determinado resultado, mas sim que “avancem nas suas hipoteses”. A ideia de que o aluno que escreve de forma alfabética ja estaria alfabetizado, mesmo sem dominio das regras ortogrificas, também conduz a ‘graves problemas para a escola e para os alunos. No entanto, podemos apontar que construtivismo trouxe uma contribuigio importante ao chamar a atengdo para processos de aprendizagem que passavam despereebidos aos olhos dos professores, evidenciando que a alfabetizagfo envolve aspectos amplos que nio se limitam ao treino motor, discriminagao auditiva e visual ¢ associagdo entre fonemas ¢ letras. Talvez 0 principal aspecto vilido a ser considerado seja a atitude do professor que alfabetiza em relagio [RIABE ~ Revista Tbero-Americena de todos em Eduapto, vi, exp 4, 25762593, 0016 _ EISSN198D-5587 DOE bps du doors 10217 ase. in exp 9210 ose zac Trindade COELHO c Francisco Jost Carvalho MAZZEU aos alunos. Os métodos tradicionais ¢ as cartilhas se tomaram, ao longo do tempo, muito formais e distantes do uso efetivo da eserita na pratica social ¢ deram sustentagao uma atitude de desqualificagdo, quando nfo de repressio ¢ desrespeito, as tentativas do aluno para ler escrever que fujam do padrao estabelecido e esperado (e mesmo das variantes orais que fogem a uma pretensa “noma culta”). Dessa forma, 0 construtivismo trouxe uma atitude mais compreensiva em relaco aos erros que o aluno comete € que sio inerentes ao proceso de aprendizagem. Infelizmente esse aspecto vilido foi contaminado pela concep¢ao geral do construtivismo, que passa a considerar todo erro como sendo construtivo ¢ positivo, o que na pritica elimina a propria nogio de erro. Portanto, atividades em que os alunos possam discutir coletivamente como se faz para escrever uma palavra ou mesmo apresentar com tranquilidade suas tentativas iniciais e suas dividas precisam fazer parte do trabalho do alfabetizador, que deve estar atento para a natureza das dificuldades dos alunos a fim de promover o seu maximo desenvolvimento possivel na diregio dos objetivos pedagdgicos da alfabetizagio. Entender o momento em que o aluno se encontra no processo de aquisigo da escrita fundamental, mas ndo precisa (nem deveria) resultar em uma didética especifiea para cada fase desse processo, Por exemplo, em uma sala com alunos considerados pré- silibicos, silabicos, ete. (os limites e fragilidades dessa classificagao esto sendo objeto de outra pesquisa em andamento a ser futuramente divulgada), enquanto os métodos tradicionais ignoram essas diferengas, 0 construtivismo sugere que o professor elabore um tipo de atividade para cada grupo, 0 que pode acabar reforgando as diferengas. Sugerimos, a0 contrario, que 0 professor procure fazer uma explicago ou dar uma atividade comum a todos, mas observe atentamente quais os aluaos que necessitam de um auxilio maior e qual o tipo de apoio que melhor funciona em cada caso, A grande ‘questo esta em encontrar os meios mais adequados para conduzir o aluno a realizar a atividade de forma correta, sem que isso acontega apenas através da copia das respostas certas. E nesse ponto que o conceito de zona de desenvolvimento proximo (ou imediato) proposto por Vygotsky (1995) se torna essencial, pois revela aquelas capacidades e fungdes que ainda nio estio amadurecidas, mas que ja existem em estado embrionatio e possibilita identificar quais as atividades de ensino, exercicios e tarefas que desencadeiam e fortalecem essas capacidades e fungdes nascentes. Como explica Saviani (2007), 0 processo educative pressupde uma desigualdade xno ponto de partida e uma igualdade no ponto de chegada. Portanto, so os objetivos da [RIAEE RevisiaIbeo-Anmericana de Estados em Bdocapio, l,m exp 4,p 257625952016. EISSN.ID6. Regiiaeegre nol 2588 ‘Notas intodutris para um mitodo hstrco-rtce de aiabetizao alfabetizacao (ponto de chegada) que precisam determinar a escolha das atividades de ensino que cada ahmno id executar a partir de suas capacidades ja desenvolvidas (ponto de partida), capacidades essas a serem superadas por meio de atividades ¢ instrumentos mediadores produzidos e utilizados pelo professor. Sobre os objetivos da alfabetizagao na PHC Dizer que 0 objetivo da alfabetizagao ¢ ensinar os alunos a ler e eserever ou que 0 objetivo seja assegurar o dominio da linguagem escrita, apesar da aparente obviedade, revela um aspecto importante, pois situa esse objetivo no ambito de uma capacidade a ser deseavelvida nos alunos e aponta para 0 contetido central envolvido nessa capacidade, Entender o que significa ler e escrever e o que € a linguagem escrita s30, portanto, aspectos essenciais para fundamentar um método de alfabetizagao. Nao ha no presente texto a pretensao sequer de esbogar uma concepgao sobre esses dois aspectos, apenas indicar a necessidade de uma abordagem histérico-critica desses pontos e levantar alguns elementos que podem contribuir para essa tarefa. Em relagao a leitura, existe uma histériea disputa entre duas visdes sobre o que é um leitor proficiente e, portanto, sobre como formi-lo (SOARES, 2004): de um lado os partiddrios da chamada leitura significativa (whole language) € de outro os que defendem a leitura de base fonologica (phonics). Além da necessidade evidente de uma abordagem Historico-Critica superar esse formalismo e considerar esses dois processos como momentos dialeticamente integrados (MAZZEU, 2012), coloca-se o desafio de ir além e perceber que ambas as abordagem limitam a leitura a uma recuperagdo do significado do texto A partir dos estudos da Psicologia Historico-Cultural entendemos que a formagio de um leitor implica na capacidade de perceber também o sentido do que esta escrito Gseja um texto ou uma palavra). Luria (1986) chamou de subtexto esse sentido subjacente que ndo se evidencia a primeira vista, mas € essencial para compreender 0 que esta escrito, Tratando da questio de como analisar a legislagdo, Saviani (1996, p.146) explica que "[..] para compreender 0 real significado da legislagio nao basta ater-se a letra da Lei: & preciso captar o seu espitito. Nao é suficiente analisar o texto; preciso analisar 0 contexto. Nao basta ler nas linhas; é preciso ler nas entrelinhas” Podemos perceber nessa ideia uma concepeao do que é a formagao de um leitor [RIABE ~ Revista Tbero-Americena de todos em Eduapto, vi, exp 4, 25762593, 0016 _ EISSN198D-5587 DOE bps du doors 10217 ase. in exp 9210 ose zac Trindade COELHO c Francisco Jost Carvalho MAZZEU ctitico, que seria um dos objetivos principais de um método Histérico-Critico de alfabetizacao. Naturalmente a formagao desse leitor nfo se completa na alfabetizacao, mas nela precisa se iniciar. Analogamente, a formagio de autores de textos que expressem um sentido auténtico e ndo apenas reproduzam palavras vazias precisa estar xno horizonte para orientar o trabalho do alfabetizador. Essas ideias apontam para outra questi: como ensino dos conteiidos especificos da alfabetizagio (a relagio entre fonemas ¢ letras) contribuii para a formagao desse tipo de leitor e autor de textos? Concepgao de linguagem escrita ¢ os contetidos da alfabetizagio na PHC Considerando que a linguagem escrita é 0 conteido central da alfabetizagio, ainda que o desenvolvimento da oralidade também constitua parte das tarefas do professor, a definigao dos contetdos especificos a serem ensinados na alfabetizagao implica em adotar uma determinada concepgio sobre o que é a escrita. Em breves linhas, podemos apontar que existem duas visdes principais, que Ferreiro (1995) simplifica como: a escrita como um eédigo de transcrigtio da fala (que ela critica) e a escrita como um sistema de representagao (que ela adota). Sem entrar no mérito dessas abordagens ou de ‘outras que procuram complementar a vis4o construtivista (por exemplo: Soares (2016) considera a escrita como “sistema notacional”), encontramos em Luria (2001) a concepgio da escrita como uma téenica historico-social, Essa definigio também aparece em outros textos de Soares (2004), mas nao ¢ desenvolvida do ponto de vista historico-cuttural, nem dela se extraem suas devidas consequéncias pedagogicas. Para Saviani (2007, p.63) “[..] a técnica pode ser definida, de modo simples, como a maneira julgada comreta de se executar una tarefa”. Dominar a eserita requer 0 uso das formas que a sociedade considera corretas para ler e escrever. Portanto, os contetidos da alfabetizacao incluem o estudo das letras @ suas relagdes com os fonemas nao apenas do ponto de vista da construgo de um sistema alfabético pela crianga, mas do dominio das relagées ortogrificas construidas historica e socialmente. Ocorre que nao € 0 conhecimento dessas relagdes por si mesmo que precisa ser assegurado, mas seu uso adequado por meio das téenicas usadas socialmente para ler e para escrever. Nesse contexto € que se coloca a necessidade de selegao dos contetidos da alfabetizacao, que precisa possibilitar 0 dominio das técnicas de leitura € produgdo de palavras, frases e textos, englobando desde as técnicas mais elementares de codificaglo e [RIAEE RevisiaIbeo-Anmericana de Estados em Bdocapio, l,m exp 4,p 257625952016. EISSN.ID6. DOE hip dx dong 1021723 nase. nexpd 9210 2585 ‘Notas intodutris para um mitodo hstrco-rtce de aiabetizao decodificagio até aquelas que permitem a identificagao do significado ¢ sentido de palavras ¢ textos, bem como a expresso do pensamento por meio da linguagem escrita, No entanto, so as técnicas elementares, que permitem ler e escrever palavras, frases ¢ textos mais simples, que irio constituir 0 conteido principal da alfabetizagao. Sendo assim, ao contritio da visio tradicional, que coloca as relagdes grafofonmicas e as regras ortograficas como contetido central e do construtivismo, que foca na compreensio geral do sistema alfabético de eserita, 0 que se sugere aqui ¢ um ensino centrado no uso da eserita como instrumento de formagio de leitores/autores criticos, a partir da pritica historica e socialmente desenvolvida. Seriam esses objetivos e contetidos, aqui indicados de forma extremamente sucinta e preliminar, que poderiam orientar a elaboragio de algumas perspectivas metodolégicas Algumnas indicagdes metodolégicas Apoiado em Marx, Saviani (2007, p.83) afirma que “f...] © movimento que vai da sinerese & sintese, por mediagao da anilise, constitui um caminho seguro tanto para a pesquisa cientifiea quanto para o processo de ensino-aprendizagem”, 2, sob essa concepgio metodolégica, estabelece cinco momentos de um método pedagdgico Historico-Critico: “1) a pratica social (ponto de partida); 2) a problematizagio; 3) a instrumentalizagao; 4) a catarse, e 5) a pratica social (ponto de chegada)”. (SAVIANI, 2007, p.80). Traduzir esses “passos” para a metodologia da alfabetizagao nao € uma tarefa simples que se resolva apenas inserindo os contetidos dessa area na sequéncia sugerida, mas requer uma compreensio do sentido geral da proposta apresentada por Saviani (2007) que insere o trabalho do professor e da escola como uma atividade mediadora no contexto de uma pritica social determinada pelas relagdes contraditérias de uma sociedade de classes. Por isso uma ago metédiea do alfabetizador implica em uma compreensio da fungdo mediadora do trabalho de alfabetizar, isto é, implica em entender que esse trabalho realiza uma verdadeira transformagio na pratica social dos alunos e, em decorréneia, influencia a sociedade como um todo, Isso corre porque a alfabetizagao conduz cada aluno a avangar de uma pritica social de comunicacao baseada apenas na oralidade para uma comunicagao baseada também na escrita; de um [RIABE ~ Revista Tbero-Americena de todos em Eduapto, vi, exp 4, 25762593, 0016 _ EISSN198D-5587 DOE bps du doors 10217 ase. in exp 9210 ose zac Trindade COELHO c Francisco Jost Carvalho MAZZEU uiso esponténeo da linguagem oral para um uso mais intencional dela: de uma atividade psiquica predominantemente direta, suportada pelas estruturas biolégicas naturais do cérebro, para uma atividade cada vez mais mediada por signos e apoiada nas neoformagées cerebrais, que encontram no uso da eserita um poderoso motor de desenvolvimento. Considerando esse cariter transformador do trabalho de alfabetizar, indicamos sucintamente algumas orientagdes que poderiam ajudar a direcionar esse trabalho no sentido de maior aproximagdo com os pressupostos da PHC. Lembramos também que orientagdes metodolégicas nao coustituem por si mesmas um “wétodo”. Como lembra Vieira Pinto (1979, p.375), “[...] nio devemos identificar 0 caminho ao mapa do caminho”. Um método histarieo-critico sé pode ser produzido pelo professor alfabetizador no seu trabalho, ao agir de modo intencional, com apoio destas e de outras orientagdes, bem como de uma solida fundamentacao tedrica. ‘No nosso entender o elemento central em tomo do qual deveria se organizar a alfabetizagZo seria um conjunto de palavras-mediadoras. As razdes que fundamentam essa ideia encontram-se detalhadas na dissertagdo de mestrado “Pedagogia Histérico- Critica e Alfabetizagao: elementos para uma perspectiva historico-critiea do ensino da leitura e da escrita” (COELHO, 2016). Outros autores que abordam a alfabetizagao na perspectiva histérico-cultural (MARTINS; DANGIO, 2015) também indicaram a centralidade da palavra no ensino da eserita A nosso juizo, 0 dominio da palavra representa a célula nuclear do ensino da linguagem escrita, uma vez que ela, conforme jé indicado, unifica duas fungdes psiquicas de especial grandeza: linguagem pensamento. (MARTINS; DANGIO, 2015, p.216). A palavra possibilita trabalhar sistematicamente com as relagdes grafofonémicas, sem perder de vista 0 significado e sentido inerentes A linguagem. Os estudos acerea otsky (1995) e Luria (1979, 2001) nos permitem afirmar que o trabalho com a dimenséo semantica da palavra é condigdo necessétia para do pensamento e da linguagem de V} uma alfabetizagio histérico-critica. A palavra sem significado, dird Vygotsky (1995), & um som oco, E é a multiplicidade de sentidos que a palavra pode adquirir numa comunicagao verbal ou em um texto que podera desenvolver a dimensio critica da leitura e da escrita, Uma palavra possui sentidos variados para diferentes sujeitos, o que expressa relagdes determinadas socialmente (BAKHTIN; VOLOCHINOV, 1986). Ao dizer a palavra “casa”, por exemplo, 0 aluno tem consciéneia de que essa palavra se [RIAEE ~ Revista Ibo Americana de Estados am Edocaio, v 1l,m spp 25762595, 2016. ESSN: 19825557 Regiiaeegre nol 2587 ‘Notas intodutris para um mitodo hstrco-rtce de aiabetizao refere a um local especifico, mas a depender de fatores histérico-sociais, da classe social, da qualidade da educagao anterior, esta palavra muda seu significado e seu sentido, Esse significado também vai se modificando medida que o aluno desenvolve © pensamento abstrato-conceitual e sua compreensio da realidade. Para mostrar o significado da palavra & necessério, portanto, contextualizé-la. Propomos que isso seja feito por meio de um texto, escolhido exatamente por ter essa palavra como elemento central. A selegio desses textos deveria considerar 0 conteiido, que procuraria trazer aspectos relevantes da pratica social, mas também a forma que deveria conter palavras e frases adequadas para que sejam trabalhados os contetidos principais da alfabetizagao. Na escolha dos textos ha que considerar também aqueles que se tomaram cléssicos na literatura destinada ao tipo de aluno que esti sendo alfabetizado (MARTINS; MARSIGLIA, 2015), ‘No entanto, o foco no significado e sentido da palavra constitui apenas o momento inicial, sinerético, do estudo das técnicas de leitura e escrita. A palavra-mediadora, como um instrumento pedagégico, constitui um meio para facilitar a apresentagiio dos contetidos da alfabetizagio de forma dosada e sequenciada, Sendo assim, cada palavra- mediadora, além de estimular o proceso de formagio de conceitos mais abstratos sobre a realidade, possibilita apresentar um conjunto definido de técnicas de leitura ¢ escrita € de regras do sistema alfabético-ortogrifico. Por exemplo, a palavra “casa” coloca em evidéneia 0 uso da letra “c” com o som /k/, da letra “s” com o som /2/, do papel desempenhado pela posigdo dessa letra (inicio, meio ou final da palavra) na definigao do fonema que ira representar, entre outros aspectos. ‘Na selegdo de palavras nao hi motivos para se restringir aquelas que pertencem ao universo vocabular dos alunos, ao contrario, trata-se exatamente de enriquecer esse vocabuldtio ¢ aprofundar a compreenstio dos conceitos expressos por palavras que os alunos ja dominam. O contato do aluno com uma palavra que ainda nao Ig nem escreve, mas necesita ler e escrever, constitui um momento de problematizago do uso da linguagem escrita, No entanto 0 objetivo central do uso da palavra é possibilitar o uso instrumental do sistema alfabético-ortografico como meio de comunicagao. Isso requer a tomada de consciéneia da estrutura fonstica da palavra falada, o seu desmembramento em unidades menores e sua reproducZo voluntiria em signos eseritos (VYGOTSKY, 1995) Nesse trabalho de decomposigao consciente ¢ voluntéria da palavra falada pelo menos duas dimensdes precisam ser consideradas: a silibica e a fonologica, Ao [RIABE ~ Revista Tbero-Americena de todos em Eduapto, vi, exp 4, 25762593, 0016 _ EISSN198D-5587 DOE bps du doors 10217 ase. in exp 9210 oses zac Trindade COELHO c Francisco Jost Carvalho MAZZEU contririo do construtivismo que acabou por praticamente descartar o trabalho com as silabas, consideramos que a silabagio é fundamental para a apropriagao da linguagem escrita (MENDONCA, O. 8; MENDONCA, 0. C., 2009). © salto qualitative vivido pelo aluno quando internaliza o proceso de segmentagio das palavras em silabas é decisive para o estabelecimento de uma relagio diferenciada com a escrita e com a oralidade. Assim também ocorre com a conscigneia dos fonemas, ou seja, com a pereepgao de que cada letra possui um valor sonoro especifico que é distintivo do significado das palavras. E por meio da percepgao de diferencas entre palavras como “faca” e “vaca” que vai ocorrendo a tomada de consciéneia dos fonemas e suas complexas relagdes com os grafemas no sistema de escrita alfabético-ortogrifico. E 0 uso efetivo dos conceitos e regras do sistema alfabstico-ortogrifico (2 nfo a mera “reflexdo” sobre o sistema) que vai instrumentalizando o aluno para passar para as fases mais avangadas de compreensio desse sistema, até que esse uso se tome um automatismo, No entanto, a passagem da utilizagdo pritica das relagdes entre grafemas fonemas em atividades conduzidas pelo professor € apoiada por colegas (portanto, intersubjetivas) para um automatismo intrasubjetivo (ou seja, a catarse) no se da espontaneamente ou com pouco esforgo, O aluno precisa realizar um longo processo que envolve exercicios repetidos, intencionalmente organizados pelo professor, para que progressivamente vd assimilando essa nova forma de atividade e va incorporando-a a sua natureza biol6gica. Vygotsky (1995) alerta que as principais dificuldades do aluno nesse processo nao sio de natureza sens6rio-motora (embora estas possam existir), mas decorem da mudanga profunda para um tipo de atividade mais consciente e voluntaria, que exige 0 uso de fungdes superiores de atengao, percepeo, meméria e pensamento abstrato que estio apenas embriondrias no aluno, mas que a atividade de uso da escrita teré o papel decisive de desenvolver e consolidar. Consideragies finais O intuito de contribuir com o avango da teoria pedagigica Historico-Critica foi o que nos motivou a esbocar aqui algumas ideias sobre a elaboracao de um método de alfabetizacao que seja articulado a essa concepedo pedagégica, sabendo de antemao que [RIAEE RevisiaIbeo-Anmericana de Estados em Bdocapio, l,m exp 4,p 257625952016. EISSN.ID6. Regiiaeegre nol 2589 Notas introdutrias para um métodohistrico-ritico de alfbetizacdo tais apontamentos sio apenas provocagées iniciais e preliminares para instigar outros pesquisadores a avangar nessa tarefa. Do ponto de vista do ensino da leitura e da eserita, sugerimos que a palavra, como uma unidade fonética e semantica, apresenta-se como elemento central na organizagao do trabalho do alfabetizador, jé que partindo dessa unidade, percebida pelo aluno inicialmente de forma sincrética e depois sendo objeto de andlises e sinteses, estaremos ensinando a linguagem escrita como uma técnica social que permite compreender 0 pensamento registrado por outros e registrar o proprio pensamento. O dominio das relacdes entre as letras e os sons de uma lingua, entre os grafemas e fonemas, é 0 contetido bisico a ser dominado por meio do aprendizado dessas téenicas de ler ¢ escrever. Sem o dominio das téenicas de codificagao e decodificagao nao ha leitura e no ha escrita, mas o ler e escrever nfo podem ser reduzidos ao uso dessas téenicas elementares, jé que é a capacidade de recuperar e expressar significados e sentidos que permite aos alunos ingressarem de fato no mundo da cultura letrada, © método, enquanto aco intencional, implica na produc, pelo professor, de atividades didéticas decorrentes dos objetives do seu trabalho pedagégico na alfabetizagao, tanto aqueles que estio intrinsecamente vinculados com a apropriagao do sistema de eserita alfabético-ortogrifico quanto aqueles ligados as priticas de letramento ¢ 4 leitura e produgio de textos. A palavra atua como um mediador fundamental entre essas duas dimensdes. Em decorréneia do trabalho sistemtico tanto do professor quanto dos alunos em prol da consecugdo desses objetivos, procedimentos avaliativos podem ser formulados pelo professor para aferir a assimilagio dos referidos contetidos. Em toro de cada palavra-chave selecionada para ser trabalhada na alfabetizagao podem ser organizadas atividades e sequéncias didéticas que configuram uma unidade de ensino a ser vencida pelo aluno. Tal elemento sequencial, presente em todas as cartilhas e métodos tradicionais de alfabetizagio, possibilita um acompanhamento da aprendizagem, inclusive por parte da familia e do préprio aluno. Fica patente, entio, que o planejamento do alfabetizador pode se organizar a partir da objetivagio dos contatidos da linguagem eserita presentes em cada palavra- chave, mobilizando os meios necessérios para que essa objetivagio ocorta da melhor forma possivel na atividade do aluno. Do ponto de vista pritico, é importante notar que . Acesso em: 12 jan. 2016. MARTINS, L. M.; MARSIGLIA, A. C. G. As perspectivas construtivista ¢ histérico- critica sobre o desenvolvimento da eserita. Campinas: Autores Asociados, 2015 MAZZEU, F. J. C. 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Amesiana de Estudos em Edieapao,v 11m esp. 4p B06 ESSN TRDSSET DOE bps du doors 10217 ase. in exp 9210 2592 zac Trindade COELHO c Francisco Jost Carvalho MAZZEU VYGOTSKY, L. S. Obras escogidas. Tomo III. Madri: Visor, 1995. Como referenciar este artigo COELHO, Izac Trindade; MAZZEU, Francisco José Carvalho. Notas introdutérias para um meétodo histérieo-critico de alfabetizacao. Revista Ibero-Americana de Estudos em Educagio, Araraquara, v.11, n. esp. 4, p. 2576-2503, 2016. Disponivel em: -, E-ISSN: 1982-5587. Submetido em: setembro/2016 Aprovado em: novembro/2016 [RIAEE ~ Revista Ibo Americana de Estados am Edocaio, v 1l,m spp 25762595, 2016. ESSN: 19825557 Regiiaeegre nol 2598

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