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BRASIL | agronegdcio LAVOURA QUE PAREC FABRICA. Tecnologias como digitalizacao e automacao devem tornar 0 trabalho no campo mais previsivel e rentavel. A boa noticia: as fazendas brasileiras ja est&o preparadas para colher esses frutos FABIANE STEFANO ELEO BRANCO ‘ARA.0S 800 FUNCIONARIOS DA RASIF, empresa que cul- iva frutas sediadaem Vaca- ria, na Serra Gaiicha, uma magi jéndo émais umasim- ples maga. Agora, ela é também um conjunto de informagdes digitais. Cada ‘uma das 416 milhdes de frutas colhidas anualmente pela empresa fotografada 200 vezes por um scanner que coleta dados como cor, peso, tamanho eeven- tuais defeitos, As informagdes munem um software que separaas frutasem 46 ceategorias — ha o grupo das mais gor- dinhas, das mais verdinhas, e ai por dante. 0 intuito da selecdo é enviar a fruta certa ao mercado consumidor cor- eto, seja no Brasil, seja no exterior. 46 | vonwexamecom Antes da digitalizagdo do processo, em 2014, a mesma separago era feitama- rnualmente por 100 pessoas, Para ado- tar 0 proceso tecnolégico, a empresa fez um investimento de 15 milhdes de reais, E as inovagdes da Rasip, parte do grupo Randon, sio apenas algumas das novidades recentemente adotadas nas empresas agricolas do empresério Raul Randon, O objetivo? Aumentar a produtividade e a qualidade da produ- ‘Gao agricola, Nas fazendas, as vacas Teitefrastusam tornozeleiraseletrénicas {que monitoram os sinaisvitais e a mo- ‘vimentagio dos animais, Na producio de queijos, robés giram lentamente as pegas de 40 quilos de parmesio em processo de maturagZo nas cémaras dando mais eficiéncia a uma desenvolvida ha séculos na Iti- lia. “Noagronegécio, hi processos que sfoe serio manuais, mash etapas que podem ser automatizadas”, diz Sérgio Barbosa, diretor da Rasip. que a empresa de macas e queijos. {i faz estd prestes a virar 0 padrio na cadeia do agronegécio no mundo todo. © fendmeno da internet das coisas, con- ceito para a conexio digital de méqui- nas a fim de extrair delas dados que possam levar a processos produtivos mais eficientes, est chegando a lavou- ra, E deverd ter um crescimento expo- neneial nos préximos anos. Segundo dados daamericana Tractica, consulto- ria em tecnologia no agronegécio, 0 volume de vendas de miquinas agrico- las conectadas & internet, como trato- res-robés e drones, deve chegar @ 74 Dilhdes de délares em todo omundo até 2024, Neste ano, nfo deve passar dos 5 bithoes de délares. O volume de senso- resespalhadosno campo paraccoletade informagses—hojennacasadasdezenas de milhares no mundo — devers ultra ppassar 2 bilhdes em 2050, segundo es- timativa da PLC, fabricante americana de sistemas para internet das coisas. Parte desses componentesestardcircu Jando em tratores autdnomos — tecno- logia que vem sendo perseguida por montadoras como a americana John Deere, italiana CNH e abrasileira Jac- to. “Os tratores sem motorista devem ser uma realidade nas fazendasno pra- zo de dez anos”, diz Mauricio de Me- nezes, especialista em agricultura de preciséo da John Deere no Brasil. (0 motivo para que tantas novas tec- nologias avancem no campo um sé: oplaneta nao dispde de terras araveis em quantidade suficiente para alimen- tar uma populagio que devera chegar 1110 bilhoes de pessoas em trés déca- das. A saida para ndo faltar alimentos & melhorar 0 jeito como eles sao pro- duzidos. A tecnologia, nesse caso, vai ajudar a reduzir a imprevisibilidade ‘que sempre marcou a vida de quem cst na lavoura, Na pritica, isso signi- fica aproveitar a0 miximo o potencial da terra utilizando a menor quantida- de possivel de matérias-primas e mi- nimizar o risco de perder o investi- mento devido a uma seca, enxurrada ‘ou praga. Nas contas da consultoria Bain&Company, com base em modelos de fazendas j digitalizadas no Brasile ros Estados Unidos, a aplicacao con- junta de tecnologias de internet das coisas, big data e inteligéncia artifi garante aumentos de pelo menos 10% nas receitas dos fazendeiros. Se todas as fazendas brasileiras jé estivessem nesse estigio de desenvolvimento tec- nolégico, 0 setor teria faturado 50 bi- Thies de reais a mais em 2016. “Nos préximos anos, a maioria dos ganhos da lavoura vird da digitalizagao”, diz 0 sécio da Bain, Luis Oliveira. 18 de janeiro de 2017 147 BRASIL | agronegocio A boa noticia é que o agronegécio brasileiro jf fezaligdo de casa paraen- ‘trarna corrida global pela digitalizagio dalavoura. A comecar pela quantidade de fazendas que jd dispdem de conexio a internet, condigao bésica para que a tal revoludo da conectividade possa, de fato, chegar a0 campo. Segundo um levantamento da Strider, empresa mi- neira de tecnologia para lavouras, com 3000 fazendeiros de todas asregides do pais, mais da metade jé est conectada = entre as propriedades acima de 10000 hectares, o indice é de 98%. A sgvande maioria dos acessos ¢ por ante- nas que usam sinais de satélite ou ridio e s20 mantidas pelo préprio produtor rural — as conexdes via 3G chegam a apenas doisem cada dez trabalhadores rurais do pafs. Entre as grandes fazen- das, a maior parte jd informatizou os sistemas de gestao financeira, outro indicador importante paramedir apre- disposicao do agricultor em colocar tecnologia em seu dia a dia. 0 apetite por inovagao no agronegécio brasileiro vem de longe. Nas iitimas décadas, « _Embrapa, empresa piiblica de pesquisas para.o campo, desenvolveu grios ade- uados ao solo drido do cerrado brasi- leiro, o que permitiu transforma 0 Bra- silnum dos maiores produtoresde soja do mundo, A renovacao de miquinas tem sido intensanos titimos anos: 30% dos tratores e das colheitadeiras em ‘campo tém menos de cinco anos de uso, LEVA DEINVESTIMENTOS. Anovidade agora & que multinacionais, tanto do agronegécio como da érea de tecnologia, estio aportando recursos para adigitalizacio da lavourabrasilei- ra. E, a0 que alguns antincios recentes levam a crer, 2017 ser mareado como ‘ano em que a internet das coisas vai entrar definitivamente, para a agenda de prioridades do setor. Em dezembro do ano passado, a multinacional ameri- cana Monsanto anunciou a selegao de 100 produtores de ojaemilho de Mato Grosso, Gots e Bahia para testar uma plataforma que Ié sensores espalhados nna fazenda e em maquinas agricolas € sera previsdes sobre 0 momento ade- ‘quado de fazer a manutengio do trator 48 | wawexame.com FAZENDAS CONECTADAS (0 que as fazendas brasileiras jé dispéem de tecnologia eoque deve chegar em breve © QUE AS LAVOURAS JA POSSUEM (O.acesso 8 internet ea gest infrmatizaa jas reaidade na maivia das propredades ruras brasileira, segundo ums pesquisa com 3 000 fazendeirs em todo o pais Propriedades rurais brasileira com... .-2c0so internet %) >) ws) © 95% 98% Com até Besoia e20002 e5000a_—_Commais de soOhectares 1989hectares 4999hectares | 9999hectares 1OOOUHectares sistemas de gesto informatizads (em X) ~*~ 14% 22% 39% 37% 66% Comate Desola e2000aDeS000a_—_Commais de sOGhectares 1993hectares 4999hectares 9999hectares 10000hectares ‘O CRESCIMENTO ESPERADO NO FUTURO Na comparacio internacional, o otal de msauinasagriclasconecadasainteret, como tatores earones, ainda &pequeno no Bras Maso numero deve crescerexponencaimente no mundo nos présimos nos. anda mais na América Latina, com 2 moderizacdo de agrenegsciono pals Méquinas conectadas nas fazendas Vendas de maquinasconectadas internet em 2014 fm 7000 unis) = Em thtes de alores de vendesra América ating 9 BRASIL © 100 u ‘Alemanha -—~2 200 & fF tase -© 600 * | ? y hina 270s foe P00 | ao 220 (ute O POTENCIAL DE GANHOS 10% E opotencial de reducéo de despesas operacionais das fazendas brasileiras devido 20 uso de tecnologas. como big data, ntigénca artifical e internet das coisas, de acordo com estimatva da consutria Ban&company De rer eis enh enna Be oer prin aero ered ernie cu iniciar um plantio,e que atualmente 86 estd em uso nos Estados Unidos. Os dados comegario a ser analisados ago- ra no primeiro semestre, Num estigio similar estd a parceria da fabricante alemi de softwares SAP coma fabrican- te gaticha de implementos agricolas Staranum protétipo de trator equipado com sensores e interligado ao software de gestdo de fazendas da SAP. O objeti- vot Monitorar indicadores, como o vo: ume de fertilizantes despejado a cada semeadura, para encontrar o melhor ‘custo-beneficio do plantio, As recomen- dacoes 20s donos das méquinas inte gentes deverdo comegar no primeiro trimestre deste ano. Em algumas das inicitivas de internet das eoisas que devem despontar nas avouras rail ras em 2017, 0 setor privado uniu esfor- ‘gos coma pioneira Embrapa, Ainda no comeco do ano deveraio entrar em oy ragio, em lavouras de soja do Paranie de frutasem Pernambuco, os drones de baixo custo desenvolvidos pela fabri- cante americana Qualeomm em parce- ria com a Embrapa de Sio Carlos, num investimento de 2 milhdes de reais. A empresa pablica deve inaugurar em abril uma fazenda de 90 hectares em Jaguariiina, no interior paulista, um la- boratério de testes de sensores para a agricultura que jédespertouointeresse de grandes empresas de tecnologia, co- mo a Samsung. O verdadeiro corre- -corre pela digitalizacio do campo ja abriu espaco até para novos cursos na area: a partir de marco, os jovens de Pompeia, no interior de So Paulo, po- derdo aprender gratuitamente técnicas de internet das coisas para agroneg: cio num curso patrocinado pela multi nacional americana Intel em parceria ‘com a fabricante de maquinas agricolas ‘acto, sediada li, Ea primeira niciativa desse tipo da Intel no agronegécio no ‘mundo. 0 Brasil tem os recursos na- turais ea tecnologia est chegando”, diz Fabio Tagnin, diretor da Intel para in- ternet das coisas na América Latina. “Vai altar gente para operar tudo isso.” “Muitas dessas tecnologias ni focam apenas 0 aumento da produtividade nas fazendas brasileiras. Elas estéo sendo criadas para lidar com novos 18 de janeiro de 2017 | 49 problemas impostos ao agronegécio nacional. Desde 2015, a consultoria finlandesa em engenharia Péyry, que atende prineipalmente osetor de papel ecelulose no Brasil, esta desenvolve do uma tecnologia de digitalizagao de florestas de eucalipto e de pinus para acelerar a captura ce dados com 0 ob- jetivo de prever o impacto das mudan ¢asclimaticas nessas reas, Para acom- panhar o ritmo de crescimento das florestas, a Poyry, em parceria com a Klabin, tem colocado drones nas plan- tacdes da empresa para coletar ima- gens das drvores que sio depois utili- zadas na construgao de modelos tridi- mensionais — como se fossem maque- tes das plantagdes de eucalipto e pinus, AAs informages captadas pelos drones so combinadas com dados como os de microclima, permitindo, assim, prever a dinamica de evolugio da floresta ér- vore por arvore. Esse tipo de coleta de dados pode ser feita diversas vezes a0 ano — diferentemente do inventério florestal tradicional. Hoje, uma equipe de trés pessoas consegue medir uma area de 400 metros quadrados num periodo de t hora e meia, Com a tecno- logia de digitalizacdo ser possivel ex- trair as informagdes de uma rea se melhante em minutos, “A expectativa 50 | wowexams é que, no prazo de um ano, essa tecno- logia comece a ser adotada em larga eseala no setor de papel e celulose” afirma Jefferson Mendes, diretor de negécios lorestais da Poyry ‘Apenas um entrave poder’ compro- meter a boa safra de projetos para di- gitalizagio do agronegécio no pais: a falta de preparo do Estado brasileiro para lidar com novas tecnologias. Um ‘exemplo sioas regras para uso de dro- nes, uma discussdo que se arrasta ha dois anosna Agéncia Nacional de Avia co Civil (Anac). Por enquanto, alegis- Iagao existente, de 1999, autoriza ape- nas o voo para atividades rereativas 20 redor de aerddromos. O uso para fins agricolas precisa ser analisado caso a caso pela agéncia, eriando uma buro- cracia sem fim para quem costuma ge- rar riqueza nosrincdes do pais—ebem onge do aparato estatal. Existem tam: bém desafiostributarios como o Fistel, fundo criado ha duas décadas para ar recadar recursos para.a Agéncia Nacio- nal de Telecomunicagdes (Anatel), mas que atualmente serve para reforcar 0 caixa da Unio (anualmente, ogoverno federal levanta 5 bilhies de reais via Fistel), Uma tarifa de 5 reais é cobrada das operadoras de telefonia para cada dispositivo eletrénico conectado & in- ternet, além de uma texa de manuten- ‘glo anual que beira2 reais ao ano, Ou Seja, pais impie uma cobranca de 7 reais para sensores que so vendidos por 50 centavos de délar. “O Brasil é 0 tinico lugar no mundo com uma co- branca dessas”, diz Eduardo Tude, pre- sidente da consultoria Teleco. Para o agronegécio tirar proveito de fato da internet das coisas, sera neces- sério espalhar uma quantidade imensa de sensores em fazendas Brasil afora —oquetornaacontabemsalgada. Ape- ss para conectar & internet os dispo- sitivos de identificacio bovina, os cha- mados brineos, em todo o rebanho do Leas CMa eae DoiC uy eres eee pais custaria 1,2 bilhio de reais, Além disso, mais 400 milhdes de reais seriam gastos por ano a titulo de manutencio da boiada conectada. A saida para 0 problema, porém, pode estar proxima, Em evereiro, comecam os trabalhos de uma comissio financiada por governo cderal e BNDES para discutir uma po- ca nacional para a internet das sas, especialmente linhas de crédito Jeis que facilitem sua implementagao. 0 debate vem em étima hora. O agro: negécio brasileiro — que vem se pro- vando um dos setores mais lucrativose inovadores do pais — nfo pode parar por barreiras digitais.a

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