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01 - Psicologia Jurídica No Brasil - Gonçalves e Brandão
01 - Psicologia Jurídica No Brasil - Gonçalves e Brandão
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le
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C
organizadores
Hebe Signorini Gonçalves
Eduardo ponte Brandão
Organização
Hebe Signorini Gonçalves
Eduardo Ponte Brandão
22 Edição
23 Reimpressão
Rio de Janeiro
EDITORA
2009
Apresentação 7
Pensando a Psicologia aplica da à Justiça 15
Es ther M ari a de M agalhãe s Âranl es
A ínterlocução com o Direito à luz das práticas
psicológicas em Varas de Família 51
Edu ardo Pont e Brandã o
O psicólogo e as prátic as de adoção 99
Lidia Nafalia Dobriarukyj Weber
O papel da perícia psicológica na execução penal 141
Saio de Carvalho
A atu ação dos psicólogos no sistema penal 157
Tania Kolker
(Des)construindo a ‘menoridade’: uma análise crítica
sobre o papel da Psicologia na produção da categoria
“menor” 205
Éri ka P ied ad e d a Si lva San tos
Em instituições para adolescentes em conflito com a lei,
o que pode a nossa vã psicologia? 249
M arl en e Gu ira do
Vio lência contra a criança e o adolesce nte 277
H ebe Signo ri n i Go nçal ves
Mulheres em situação de violência doméstica: limites e
possibilidades de enfrentamento 309
Rosana M orgado
Sobre os auto res 340
Esse livro é resultado de vários desafios.
O primeiro deles, sem dúvida central, consistiu em apre-
sentar didaticamente um ramo da psicologia que está em fran
ca expan são e de senvol vimento : a P sicologiajurídi ca. Levan do
em conta os objetivos de um público.alvo formado basicamen
te por estudantes e interessados erri conhecer esse domínio,
propusem o-nos a com por um livro-texto que se mostrasse ca
paz de apre senta r a áre a, em to da sua amplitude. O livro que
chega agora ao leitor foge portanto do formato clássico de uma
coletânea, visto que a proposta didática exige mais que a apre
sentação dos trabalhos de cada um dos autores; ela torna im
perativa a necessidade de desenvolver um a linha de raciocínio
capa z de a prese ntar a á rea aos i nter essados de modo escl arece
dor, sem no entanto deixar de lado' os inúmeros problemas e
dificuldades que coloca, seja do ponto de vista teórico seja no
campo de uma prática que já nasce intèrdisciplinar.
Com efeito, a Psicologiajurídica surgiu de um chama
mento ao ingresso do Psicólogo em áreas srcinariamente des
tinadas às práticas jurídicas. Essa demanda coloca exigências
específicas, ditadas pelo Direito, mas é mister admidr que o
ingr ess o da Psicol ogia no m un do jurídico precisa encon trar seu
m otor próprio, já que sua impuls ão advém de um compromis
so com o sujeito que é, por excelência, de outra ordem. Não
há conflitos insuperáveis aqui, mas há sem dúvida interseções
de peso que merecem exame.
A tarefa didática exige ainda que sejam abordados os
muitos e diversos setores e questões de que tra ta o m un do J u
rídico, mesmo porque essas especificidades constroem a demanda
que o Direito remete à Psicologia. Parece haver um den om ina
dor comum entre os vários setores aos quais a Psicologia se
aplica, visão que o leitor certamente deverá compartilhar após
a leitura dos diversos textos que compõem este livro. No en
tanto, sobre esse denominador comum ressaltam questões par
ticulares, afeitas a cada área aqui abordada.
Dividimos então os capítulos de acordo com as práticas
que env olvem as in stituições jurídicas - Varas de Jus tiça, Con
selhos Tutelares, prisões, abrigos, unidades de internação, en
tre outras - nas quai s os psicó logos são cham ados a atu ar. Ta is
práticas se inscrevem nas tutelas jurídicas sobre o adolescente
no cometimento, do ato infracional, nas disputas judiciais entre
famílias, nas adoções, na violência sexual, na violência contra a
mulher, nas instituições de internamento e, por fim, nas pri
sões.
' Cadá autor'foi solicitado á traçar lim panorama históri
co da área, a lançar luz sobre as diversas tendências, a apontar
os pontos de interlocução entre Direito e Psicologia e, acima
de tudo, a oferecer uina visão crítica capaz de problematizar a
atuação do psicólogo, discutindo as implicações de sua prática
e as alternativas que se colocam ém termos técnicos, éticos e
políticos. Eles enfrentaram, finalm ente, o desafio de pro duzir
um texto em que o didaüsmo não sacrifica o rigor crítico, ne
cessário para retirar 0 leitor de qualquer pretensão de neutra
lidade científica da Psico logia Ju rídi ca. O êxito dessa em preit ad a
é agora submetido ao crivo do leitor.
É com o texto de Esther Maria de Magalhães Arantes
que inauguramos essa discussão. E la busca a respo sta na inves
tigação do objeto, d os. instr um ento s e, sobretu do, dos de sd o
bramentos ético-políticos das ciências humanas e sociais e, mais
especialmente, da Psic ologia Jurí dic a. A par tir da in dag açã o de
8
Canguilhem acerca cia unidade da Psicologia, a autora traça
um caminho genealógico, debruçando-se sobre as perícias, os
laudos, as questões da loucura e da sanidade, a criminalidade,
as relações famili ares, a ch am ad a justiç a tera pêu tica e o dif ícil
tema da infanda e da adolescência. Ela demonstra como esses
perc ursos podem ser lidos com o técnicas de subjetivação. Em
outras
tégico palavras, Esther jurídicas,
das instituições Arantes vem
jogonos
quemostrar o jogodilemas
impõe sérios estra
à prática do psicólogo.
. Existe neutralidade nas práticas do psicólogo relaciona
das à s Varas de Famí lia? C om essa indagaçã o de fundo, Edua rdo
Ponte Brandão aponta inicialmente para a colonização recí
proca entre as leis e as práticas de disciplina e normalização
que teria havido no Brasil desde o Código Civil de 1916 até as
legislações atuais que regulam as famílias. Corri objetivo de
analisar essas complexas relações, o autor adota como eixo de
investigação os critérios definidores da guarda e suas modali
dades nos processos de separação e divórcio. Feito esse pano
rama, o autor põe em xeque a prática pericial relacionada aos
litígios familiares. Os argumentos são suficientes para estimu
lar o psicólogo a atuar de forma a não causar mais prejuízos
do q ue os proc esso s judiciai s po r si só já acarre tam , devendo o
profissional la nçar m ão de im portantes contribuições da psica
nálise, da abordagem sistêmica e das práticas de mediação.
Erika Piedade enfoca as diferenças valorativas entre os
conceitos
longo de "menor”
de nossa história,e sobretudo
de “criança” que de
a partir foram forjadas ori
dispositivos ao
entados para o controle das parcelas mais desfavorecidas da
população. O hiato entre os bem-nascidos e os potencialm ente
perigosos p ara a so ciedade é perp etu am ente estim ulado desde
o Brasil colonial até os últimos anos, apesar dos avanços teóri
cos e sociais propostos pelo Estatuto da Criança e do Adoles
cente. Investigar a complexa teia de determinações que assevera
a desigualdade entre as infâncias no Brasil, e com isso proble-
9
matizar o lugaV que o psicólogo ocupa frente às demandas so7
ciojurídicas, é a.tarefa a que a autora se'lança corajosamente.
A contribuição de Marlene Guirado, psicanalista e ana
lista institucional, vem mostrar uma nova forma de pensar a
-Psicologia-Jurídica-para-além-dos-campos-e-leituras-nas-quais-
ela já firmou sua produção. A autora quest ion a um 'saber p ura
mente
como umaacadêmico,
concepçãorestrito a
de sujeito form as protegidas de proceder, assim
apartada das trocas sociais.
G uirad o dem on stra que a Ps icologia n ão s ó se tra nsforma como
ganha potcncia quando se dispõe a enfrentar os desafios do
campo, expor sua prática e enfrentar efetivamente os dilemas
éti cos dos suje ito s. A auto ra ap resenta cer tos pr eceitos meto do
lógicos e se propõe a avaliar sua aplicabilidade em instituições
destinadas a jov en s em confl ito com a lei e submetidos a m edi
das de privação de liberdade. No! difícil contexto da FEBEM de
São P aulo, o Projeto Fique Vivo —por ela s upervisi onado - é
alvo de uma análise fecuncla e srcinal, que permite depreender
que o exercício daPsicologia deve definir-se no campo das ci
ências humanas, assessorar-se delas e buscar a conexão entre o
sujeito e as relações sociais que o cercam e fundam.
A violência contra a criança e o adolescente é discutida
em capítulo de au toria de Heb e Signor ini Gonçal ves . C om base
cm literatura nacional e internacional, a autora faz um apa
nhado dos tipos de violência, dos sinais e indícios a serem ob
servados e das conseqüências que o ato violento produz na
criança ou no adolescente, assim como na dinâmica familiar.
Sobre ess e pan ora m a, a au tora fa z uma anál ise crít ica d o cam
po, av alia os alcances dos instrumen tos legais e ale rta para os
limites da aplicação desses dados aos casos, levando em conta
que eles tendem a ocultar certas singularidades do sujeito. Seus
argumentos invocam os questionamentos mais recentes, sobre
tudo aqueles derivados de pesquisas desenvolvidas no Brasil, e
conclamam os profissionais a uma ação onde a ética de prote
ção à criança leve em conta também as necessidades dos de
10
mais membros da família, assim como o contexto social em
que'se inserem.
Ro san a M orgad o fala sobr e a violência contra a mulher.
A autora mostra que a larga incidência dessa forma de violên-
-cia,_na_sociedade. contemporânea, contribui para sua naturali
zação. A leitura crít ica de Ros ana alèHi7^ :íõ ~ ^ tã n tõ ^ p a ra '“o~
fato de que certos modelos de análise do problema terminam
acatando a naturalização da violência. Em contrapartida, ela
busca tratar o gênero como constru ção social, e mostra como a
partir daí a m ulh er pode ser vista de modo muito mais com
plexo que o estrito lugar de vítim a que lhe é atribuído. Sem
ne gar o l uga r de ví tima, e sem negar a dependência econômica
tão com um nas ■relações de. casal pe rm ead as pela viol ência , a
au tor a vem nos m ostra r q ue essas .concepções sã o insuficientes,
quando não falaciosas , para dar conta de uma temática que
implica o sujeito em dimensões mais profundas e complexas.
Escapando do imediatismo que permeia certos modelos sociais
e jurídicos, a autora propõe um novo olhar sobre a mulher que
sofre a violência, olhar que permite desvendar suas ambivalências
e conflitos, emprestando nova dimensão às relações de casal.
Dessa análise, a autora retira implicações importantes para as
políticas públicas e as form as jurídicas que tratam das relações
de gênero permeadas pela violência.
A quem; serve a adoç ão: aos pais o u à criança adotada?
A resposta a essa questão é buscada na história do instituto da
ado ção, história, que an tece de os modelos jurídicos tal como
hoje os ^conh ecemos . D a A ntigüid ade ao Brasil co nte m po râ
neo, Lidia Weber indica que a Lei e as práticas sociais se inter
penetram , e que nem sempre a proposta ju rídica encontra eco;
no tecido social. Essa análise histórica das formas de adoção é
ricamente ilustrada pela mais extensa pesquisa já desenvolvida
no Brasil sobre o tema, cujos resultados permitem examinar
não só as motivações pa ra ' ad ota r como tam bém os cri térios
das equipes enca rregada s de avaliar - e avali zar —os propo-
11
nentes à adoção. A autora sustenta que, para efetivar a propos
ta legal de privilegiar o interesse da criança, será necessário
que o trabalho do psicólogo busque afastar-se de um modelo
pericial, que visa apenas classificar e descobrir atrib utos desejá
veis. em candidatos a pais adotivos, para levar também em conta
o desejo, a motivação, o medo e a ansiedade, entre os candida
tos,
de eeosprivilegiar
vínculos sua preparação
de filiação dos para
quaisaso funções de paternida
instrumento jurídico é
apenas um recurso.
Para entender o fenômeno da criminalidade, é funda
mental entender o papel da criminalização da pobreza, da
demonização das drogas, da espetacularização da violência, da
criação da figura do inimigo interno e da funcionalidade do
fracasso da prisão, especialmente no contexto atual das socie
dades neoliberais globalizadas. A expressão de Tania Kolker
anuncia a complexidade
Ela no entanto do tema ae essas
não se restringe a amplitude de sua análise.
determinações sociais;
demonstra ao mesmo tempo como se consolidou a prática de
individualizar as penas, o cálculo de reincidência no delito e, a
mais grave herança positivista, a percepção maniqueísta da
delinqüência e do delinqüente. Como mostra a autora, essa
história de exclusão está até hoje presente na cena prisional, a
despeito de instrumentos de proteção internacional dos direitos
humanos. Em sua análise, Kolker se vale de uma literatura
ampla que contempla Foucault, Castel, Zafaroni, Wacquant,
assim como autores naci onais - Correa, Rau ter, Batist a - o
que lhe permite olhar para nossas prisões e analisar critica-
mente a função do psicólogo nesse espaço.
Alinhado também à criminologia crítica, escola inspira
da em Foucault, Saio de Carvalho enfoca a avaliação crimino-
lógica que permeia, a Lei de Execução Penal (LEP). Numa
exposição rigorosa que articula os aspectos jurídicos às práticas
de poder, o autor opõe-se à perspectiva de colocar-na cena
penal a personalidade do apenado, invocando para tanto as
12
garantias constitucionais. Seguindo esse raciocínio, Carvalho
desvenda a prática autoritária presente no exame criminológi-
co. Ele interroga a função dos técnicos do sistema penitenciá
rio, entre os quais o psicólogo, para além da tarefa' de realizar
avaliações e perícias criminológicas. Carvalho' faz assim algu
mas indicações preciosas, mas que só serão possíveis de se rea
lizarem mediante uma perspectiva dita “humanista”.
13
Pensandoafsicologia aplicada à-JusIiça
15
BIB UO TE CA UNIVERSIT ÁRIA j
! P R O F ROGER PATT1 j
como mais e melhor do que um empirismo composto, lite
rariamente codificado para fins de ensinamento. De fato,
de muitos trabalhos de psicologia, se tem a impressão de
que misturam a uma filosofia sem rigor uma ética sem exi
gência e uma medicina sem controle (Canguilhem, 1972:
104-105). ■
O objetivo de Canguilhem nesta conferência foi o de
criticar o programa universitário de seu colega de Ecole Norma l
Supérieure,Daniel Lagache, que postulava a unificação dos dife
rentes ramos da Psicologia, afirmando haver convergência en
tre a Psicologia experimental, dita “naturalista” e a Psicologia
clínica, dita “humanista”.2
A questão “Que é psicologia?”, pode-se'responder fazendo
aparecer a unidade de seu domínio, apesar da multiplici
dade dos projetos metodológicos. É a este tipo que perten
ce a resposta brilhantemente dada pelo Professor Daniel
Lagache, em 1947, a uma questão colocada, em 1936, por
Edouard Claparède. A unidade da psicologia é aqui pro
curad a n a sua defi nição po ssível como teoria g eral da con
du ta“ sínt ese da ps icologia expe rim ental, da psicolog ia
clínica, da psicanálise, da psicologia social e da etnologia.
Observando bem, no entanto, se diz que talvez esta unida
de se parece mais a um pacto de coexistência pacífica con
cluído entre profissionais do que a uma essência lógica,
obtida pela revelação de'uma 'constância núma variedade
de casos (Canguilhem, 1972: 105-106).
Continuando suas crídcas à Psicologia, Canguilhem, que
aceitara ser o relator de Historie de la folie , tese de doutorado
defendida por Michel Fouc ault em 196T, não poup ou Laga che,
mostrando que a pesquisa desenvolvida por Foucault fazia des
moro na r o grande projeto de unidade da Psic ologia (Roudinesco,
16
1994: 15-16). Apesar das críticas de Canguilhem e de outros
àutóres, entre os quai s Jacq ue s Lacan , a prop osta de Lagache
teve ampla repercussão ria França do pós-guerra.
Em dezembro de 1980, numa conferência intitulada Le
ceroeau et la pensêe,Ca ngu ilhem volt ou a c riticar a. Psic ologi a,
desta vez por reduzir o pensamento ao funcionamento cere
bral.
ços daAfirm ando conclamou
Psicologia, que a Filosofia nada das
os filósofos tem novas
a esperar dosa servi
gerações
resistirem à “calamidade” psicológica. Diante de críticas tão
duras, Roudinesco observou que, nesta conferência, Cangui
lhem não havia se preocupado em distinguir as querelas e discor-
dâncias internas à própria Psicologia, fazendo uma crítica em
bloco a saberes muito diferenciados (Roudinesco, 1993). Como
o próprio Canguilhem havia dito na conferência de 1956, não
há unidade na Psicologia.3 U.
Mesmo assim, e ainda se perguntando se não haveria-:
um a ce rta obstinaç ão po r parte de C ang uilhem em dem olir o s c:
alicerces nos quais se fundamentam a Psicologia, Roudinesco-^
presta um a hom enagem “a um dos maiores filósofos do nosso
tempo”, reconhecendo a pertinência e a atualidade de suas crí
ticas, principalmente porque, segundo a autora, uma aliança'
vitoriosa entre o organicismo biológico e genético, a ciência da
mente e a tecnologia estaria ganhando terreno, em tódos os
campos do saber.
(...) até o ponto de fazer emergir uma nova ilusão cientifi-
cista segundo
ciência a qualhumano
no cérebro a intervenção cada
permitirá vez mais
conduzir ativa da
o homem
à imortalidade, ou seja, à cura da condição humana
(Roudinesco, 1993: 144).
N ão advindo, desta form a, a cientificidade da Psicologia
de sua mera rotulação como ciência, seja natural, social ou
pansão
um Direitop ara o qual existe,
autoritário inclusive,
e burguês justificativa
contrapomos legal; não, se a
uma Psicologia
libertária, exterior ao próprio Direito; outra possibilidade é
considerar a Psicologia como parte do problema e, deste modo,
redesenhar a questão.
N a realidade, a pergunta form ulada p or Brito, como no
texto de Canguilhem, desdobra-se em várias outras, sendo que
um primeiro grupo diz respeito a uma problematização que
podem os cham ar de epistemológica: o que é a Psicologia apli
cad a à ju s d ç a ou Psi cologia Juríd ica, quai s são o s seus concei
tos, em que se fundamenta sua pretensão de prádca científica?
Em artigo dedicado a pensar as Ciências Sociais e a Psi
cologia Socialj Thomas Herbert ;(1972) pondera que colocar a
uma ciência as questões “quem és tu”?, “por que estás aqui?”
e “quais suas intenções?” pode parecer impertinência à qual
ela tenderia a responder que “está aqui porque existe” e quan
to às suas intenções “ela não as tem” mas apenas “problemas a
resolver”. No entanto, considera importante a distinção feita
18
por Louis Althusser entre ciência desenvolvida e ciência em
constituição. Na ciência desenvolvida o objeto e o método são
homogêneos e se engendram reciprocamente, o que não acon
tece com as ciências em desenvolvimento, como a Psicologia.
-Um a-coisa-é-a-tr-a- nsformaçâ© -pr-odutor-a-do-obj eto -cienti fico,
outra, a reprodução metódica deste objeto, que só pode acon
tecer , rigoro samen te falando, se uma. transf ormação pro du tora
deste objeto já foi realizada. Quanto, à função dos instrumen
tos, ela não é a mesma em cada um destes tempos da ciência.
Exemplificando esta diferença, lembra-nos Herbert a transfor
m ação que a b alança sofreu após o advento da Fís ica moderna.
Fora de seu papel técnico-comercial, ela servia para inter
rogar toda a superfície do real empírico', pesava-se o san
gue, a urina, a lã, o ar atmosférico etc... e os resultados
forneciam a “realização do real” sob diversas formas bio
lógicas, metereológicas etc...
Esta vagabundagem
mento galileano, quedolheinstrumento foi interior
designou, no detida pelo mo
da ciência
nascente, uma função nova, definida pela teoria científica
me sma. ' ,
Isto nos designa o duplo desprezo que não deve ser come
tido: declarar científico todo uso dos instrumentos, esque
cer o papel dos inst rumen tos na prática científica (Herbert,
1972: 31).
19
de vista de uma certa leitura epistemológicaj no caso aqui as
de Canguilhem e Thomas Herbert, não se trata de negar à
Psicologia, Juríd ica ou não, um a existên cia de fat o c u m a q ua l
quer eficácia. Trata-se, então, de. saber como e porque este
campo se constituiu, quais os seus procedimentos e de que
natureza é a sua eficácia. Não devemos nos esquecer que as
análises Genealógicas permitiram a Foucault identificar as prá
ticas jurídicas, ou judiciárias/como das mais importantes na
emergên cia da s formas mod ernas de subj etividade , e que a par tir
do século XIX, mais do que punir, buscar-se-á a reforma psi
cológica e a correção moral dos indivíduos (Foucault, 1979).
Este segundo conjunto de questões diz respeito, então, a tudo
aquil o que faz c om que a Psic ologia Juríd ica exista como prá
tica em uma sociedade como a nossa, independentemente de
seu estatuto epistemológico. Corno nos ensinou Roberto Ma
chado, as análises arqueológicas e genealógicas não se norteiam
pelos mesmos princípios que a história epistemológica (M acha
do, 1982). -
No cáso específico da atuação dos psicólogos em V aras
de Família, de acordo com a pesquisa de Brito já mencionada,
e para continuar utilizando o mesmo fio condutor, constatou-
se o predomínio das atividades de perícia nos casos de separa
ções litigiosas, onde havia disputa .pela .guarda dos filhos.
Sabemos que a perícia tem sido um dos procedimentos
mais ut ilizado s na área jurídic a, tendo p or objetivo fornecer
subsídios para a tomada de uma decisão, dentro do que impõe
a'lei. Em.algumas áreas da justiça a perícia pode ser solicitada
para averiguação de periculosidade, das condições de discerni
me nto ou sanida.de m ental das partes em lit ígio ou em julgam ento.
Embora não possamos rigorosamente dizer de que se
trata quando nos referimos, como psicólogos, a categorias como
estas, pelo rrienos do ponto de vista de uma. ideologia jurídica,
algo da ordem do objeto está apontado. No caso de Varas de
Família, não se trata, pelo menos em princípio, de examinar
20
alguma periculosidadc, alguma ausência ou prejuízo da capa
cidade cie discernimento ou sanidade mental. Como pano de
fundo temos o casal em dissolução e em disputa pela guarda
dos filhos, cada um instruído no processo por seus respectivos
advogados. Sabemos que muitas das alegações para a guarda
dos filhos tem sido imputações de infidelidade, desvios de con
duta, usomenor
cônjuge dc drogas,
renda, doenças
trabalhar ou
foramesmo
de casaa ou
denão
possuir o outro
trabalhar,
ou ainda possuir menor escolaridade.
É sobre tais alegações, motivo da disputa, que trabalha«
rá o juiz, form ulando quesi tos a serem investi gados pelo perito,
q ue de certa forma comprovará ou não as alegações, formu
lando uma verdade sobre os sujeitos.
Como resultado da perícia uma das partes tenderá a ser
apontada como aquela que reúne as melhores condições para-^
a gu ard a dos f ilhos, já que tanto o pedido do j uiz como a lógi-
ca do processo se dirige e mesmo impõe esta direção. Enganamo-
nos todos ao acreditar que a verdade vem à luz e que se faz .
justiça nesse processo. O resultado pare ce ser, inevitavelm ente,
a fabricação dc um dos cônjuges como não-idôneo, moralmente
condenável ou, pelo menos, tem porariam ente menos habi litado. -
N ão se trata , evidentemente, de la nçar aqui um a dúvida'
generalizada sobre os diversos tipos de perícia e seus usos pela'
Justiça; também não se trata de negar o sofrimento ou levantar
suspeitas sobre a sinceridade com que os genitores formulam
suas
ção equeixas, embora,das
a formulação aquialegações,
e aü, os advogados orientem
conhecedores que asão
dire
dos
juizes e das regra s, e em bora, vez ou outra, as partes estejam
igualmente preocupadas com os filhos e o patrimônio.
Podemos não saber como resolver problemas tão difícil
como es te,4 podem os mesm o adm iti r que em certos c asos e e m
frente aos pais?” é a questão mais difícil e central, segundo Pierre Legendre
(1992), que todos os sistemas institucionais do planeta devem resolver histó
rica, política e juridicamente, pois é ai que o princípio da vida está ancora
do. O u sej a: com o o rdenar o poder genealógico? Q ua l a relaç ão entre o
Direito e a vida?
5 A C onv enção inter nacional dos Direitos da Criança, dc 1989, di spõe so bre
o direito da criança ser educada por pai e mãe. A este respeito ver: Brito,
1999.
22
cologia com o Direito não diz respeito apenas ao bo.m ou mau
uso da técnica, à habilidade ou não do perito.
(...) deve-se reconhecer que o psicólogo contemporâneo é,
na maioria das vezes, um prático profissional cuja “ciên-
-------;-------eia—é-totalmente-inspirada nas “leis” da adaptação a um
meio s oci oté cni co - e não a um m eio natural - o que con
fere sempre a estas operações de "medida” uma significa
ção de apreciação e um alcance de perícia. (Canguilhem,
1972 : 121) ■
Para Canguilhem, ao buscar objetividade, a Psicologia
transformou-se em instrum entalista, esquecendo-s e d e se sit uar
em relação às circunstâncias nas quais se constituiu.
Embora esta observação de Canguilhem se refira apenas
à Psicologia, ela pode ser estendida a outras áreas. Ao discor
rer sobre a modernidade, José Américo Pessanha afirma ser
uma de suas características a opção por um certo tipo de ra
zão, ou conhecimento científico, de natureza operante ou ins
trumental, capaz de dominar e modificar o meio físico. Menos
mal, talvez, se este tipo de racionalidade tivesse se limitado
apenas a certos usos e a certos propósitos, e não tivesse a pre
tensão de se constituir como único modo legítimo e verdadeiro
de leitura do mundo.
(...) quando o Ocidente, através de Descartes e de Bacon,
fez a escolha por uma forma de cientificidade e deixou de
lado tudo que fosse dotado de alguma ambivalência, dei
xou de lado também as chamadas idéias obscuras. Com
isso também deixou de lado tudo o que na condição hu
mana é ligada ao corpo, ao tempo, à história e à concretude
(Pe ssanha, 1993: 26). ■ ‘
N ão se trata de negar validade ao modelo das Ciências
da Natureza ou à Matemática, mas apenas de reconhecer que
as Ciências Humanas e Sociais não podem se reduzir ao dis
curso coagente da razão abstrata, pretendendo a produção de
verdades a-históricas e universais. O fechamento da razão a
23
dem aos vários setores da vida pessoal e social, levando Gastei
a fazer à Psiquiatria perg un ta similar à feita po r Ca nguilhe m à .
Psicologia: “Sem dúvida nâo é possível estabelecer limite para
essé progresso. Mas seria o mínimo ousar perguntar ‘quem te
fez rei? a quem te faz sujeito-submisso” (Gastei, 1978: 20).
Assim com o pa ra o louco ie pa ra o prisi oneiro, será n e
cessário encontrar uma nova forma de administrar os conflitos
familiares e támbém uma nova forma de assistência. No Anti
go Regime, em troca de seu grande poder, o chefe de família
devia zelar para que nenhum de seus membros perturbasse a
ordem pública. Este mecanismo de controle se tornará insufici
ente e inadequado em função do aumento crescente do núme
ro de pessoas “desgarradas” ou que “escapavam” ao controle
das famílias como os pobres, os vagabundos, os viciosos e a
infancia abandonada, levando os novos filantropos a uma crí
tica feroz do arbítrio familiar e dos procedimentos da antiga
caridade. Estes filantropos lutavam por uma nova racionalidade
na assistência e principalmente para que a ajuda dada à famí
lia favorecesse sua promoção e não sua dependência. Neste
contexto, multiplicaram-se as leis sobre o abandono, maus tra
tos, trabalho e mortalidade infantil, surgindo novos profissio
nais dedicadas ao campo social: os chamados “técnicos” ou
“trabalhadores sociais”. A partir;de então, para compreender
mos o que Jacques Donzelot chama de “complexo tutelar”,
torna-se necessário entender as formas de agenciamento entre
as suas principais instâncias: o judiciário, o psiquiátrico e o
educacional (Don 2 elot, 1980).
Mas todas estas práticas riao incidem, como nos ensina
Michel Foucault, sobre universal como “doente mental”, “de
linqüente”, “carente” que lhes seriam exteriores, senão que esses
“universais” ou “essências”, são iaquilo mesmo que se produz
26
nestas práticas. Recusar estas categorias como sendo “natureza
humana” significa, ao mesmo tempo, reconhecer, nas práticas
sociais concretas, a formação de um campo de experiência onde
processos de subjetivação/objetivação têm lugar. Significa tam
bém reconhecer o papel que trabalhadores sociais, técnicos e
peritos desem penham neste campo de poder-saber.
D os c on fl itos e do
Até aqui a discussão serviu apenas para estabelecer que
as questões de definição, de sentido e de eficácia de uma ciên
cia não são questões menores, como também não dizem res
peito apenas à Psicologia. No entanto, mencionam os também
um certo mal-estar entre os psicólogos brasileiros, insatisfeitos
com certas demandas e constrangimentos a que, muitas vezes,
são submetidos. Neste sentido, o campo denominado de Psico-
logia Jurídica é particularmente tenso e contraditório.
Deveria fazer parte do ensino levar os alunos, a compreen
derem a qualidáde do po der que a ‘especi aliz ação5 lhes
confere: encerrar no inferno da Febem um jovem, negar
uma adoção ou facilitar a guarda de crianças, afastar filhos
de pais, lançar uma criança na carreira, sem esperança,
das cla sses esp eciai s, co ntribu ir pa ra a morte civil da crian
24
larem a minoridade do louco e A Le t t u e -d e -Cac h e t “não era uma lei ou um de
creto, mas uma ordem do rei que concernia a
o seu isolamento corno medida uma pessoa, individualmente, obrigaudo-a a fa
terapêutica necessária ao con zer alguma coisa. Podia-se até mesmo obrigar
alguém a sc casar peia leltre-de-cacheí.Na maioria
trole de sua pcriculosidade, os das vezes, porém, cia era um instrumento de pu
alienistas ofereceram uma jus nição. Podia-se exilar alguém pela lellre-de-cachet,
privá-lo de alguma função, prendê-lo etc. Ela cra
tificativa médica à sua repres um dos grandes instrumentos dc poder da mo
narquia absoluta” francesa (Foucault, 1979: 76).
são. Mas não eram os loucos Por outro lado, ainda segundo Fouçault , as Uures-
de-cacheteram solicitações diversas dos próprios
os únicos que colocavam pro súditos: maridos ultrajados, pais de família des
blem as de governo, após a abo contentes com o comportamento de um de seus
membros, seja por vadiagem, bebedeira, prosti-'
lição das lettres de cachetyuma ve 2
que estas serviam tarito para sancionar as condutas considera
das imorais como as consideradas perigosas. No entanto, antes
de se colocar como fator indispensável ao funcionamento do
aparelho judiciário e de estender-se em direção a outros gru
pos, a M ed icina necessitou primeiro legitimar-se como um poder
face
ação àmédica
Justiça.se dará
Em inicialmente
relação ao prisi oneiro,
visando p or exemp
à execução lo, a atu
da pena,
e só mais tarde se dedicará à avaliação da responsabilidade do
criminoso (Castel, 1978: 38).
Neste m om ento posterior, ao desfazer-se a rígid a sepa
ração entre o normal e o patológico sobre a qual repousavam
as internações dos alienados, desfazimento iniciado pelas
teorizações dè Esquirol sobre as monomanias6 e as de Morei
sobre as dege nere scên cias,7 as atividades de perícia s e esten-
ü De acordo com a máxima dos primeiros alienistas d e que “não existe lou
cura sem delírio”, surge a dificuldade de se caracterizar a alienação mental,
para efeitos de dcsresponsabílização jurídica,, nos casos em que nao se ob
serv am a presença de delí rio s nos indivíduos que com eteram crimc o u infra
ção penal. Em contraposição às manias, Esquirol postulou ás monomanias,
ou loucura sem delírio, ampliando a noção de alienação mental. A mono
mania é como um delírio parcial, que não subverte inteiramente a faculda
de da razão o.u do entendimento (Ver Gastei, 1978:_164^165).. _____________-
7 Com M orei ampli am-se as possi bili dades de i ntervenção d a med icina na
25
municípios, a promessa de uma vida melhor para todos ainda
não se concretizou. Continua a prática de atribuir a determi
nados grupos, particularmente os jovens pobres das periferias
urbanas, características negativas como perigoso, marginal, in
frator, deficiente, preguiçoso, como se tais atributos constituís
sem a sua própria natureza. A Reform a Psiquiát rica, p or ou tro
lado, embora avance, se vê, às voltas com a difícil questão da
inclusão social dos ex-pacientes, álém de divergências internas
ao próprio movimento.
Como profissionais que atuam no campo social, os psi
cólogos têm sido chamados, cada vez mais, a refletirem sobre o
papel estraté gico que desem penham neste s processos de
objetivação/subjetivação, a próblematizarem as demandas que
lhes são feitas e a colocarem em análise a sua condição de
especialista.
28
Algumas das características destas internações tem sido:
1) a com pulsoriedade;' não se pod end o recusar a internação
sob pena de desacato à autoridade; 2) o predomínio dc qua
dros não psicóticos; 3) a estipulação de prazos para a internação,
a despeito do que pensa a equipe médica que recebeu a crian
ça ou o adolescente; 4) a caracterização do tratamento como
pena,
anças eno caso de adolescentes
adolescentes emfortemente
apresentando-se conflito com a lei; com
medicados 5) as cri
psicofárm acos, no ato da in tern ação; .6) pre se nça de escolta
du ran te o períod o da internação ; 7) temp o méd io- de internaçã o
superior aos dos demai s internos adm itidos po r outros proced i
mentos; 8) desconhecimento, pela equipe técnica, dos proces
sos judiciais referentes aos adolescentes em conflito com a lei.
Dadas estas especificidades, o adolescente internado por
esta via judicial tende a não ser considerado paciente “legíti
mo” pela equipe médica, pois esta não pode opinar sobre a
indicação de internação
entre o Código de Ética nem sobre
Médica e oaPenal.
alta, sentindo-se acuada
Estabelece-se então
uma distinção entre “nossos” adolescentes (da equipe) e adoles
centes do “juiz”, sendo estes considerados desobedientes, sem
limites e agressivos. Além do mais, éxiste o medo de que as
crianças e adolescentes do “juiz” possam trazer “riscos” para
as outras. A alternativa de sep arar essas duas client elas em pátios
ou alas distintas do hospital equivaleria a instituir, na prática,
uma espécie dc manicômio judiciário para crianças e adoles
centes.
Procedend o a um detalhamen to ma ior da cl ientela, Bent es
constatou que do total de crianças e adolescentes encaminha
dos judicialmente, 60% não foram diagnosticados como
“psicóticos”; 42, 9% dos que receberam diagnóstico de “dis
túrbi os do com portam ento” eram adol esc ent es em conf lito com
a lei, encam inhado s por juizes da C om arca da Cap ital ; e que a
maior média de tempo de internação (55, 6 dias) foi em decor
rência dc encaminhamentos feitos por juizes do interior do
Estado. Outros diagnósticos neste grupo foram dependência
de drogas, epilepsia, distúrbios de emoções na infancia e ado
lescência, transtorno da personalidade.-
Da entrevista realizada por Bentes com um dos juizes,
— onde-buscou-esola reeim ento ssobre-osencam in ham ento s-ju di---------
ciais, destaco alguns trechos, indicativos do conflito aqui anali-
30
De 1990 pa ra cá, a imp utabilidade está em 12 anos. Qu and o
as pessoas dizem assim: - “Eu sou a favor de redu zir (a
impu tabil idade) pa ra 16 anos” - na verdade, não est ão
reduzindo e sim aumentando de. 12 para 16 (Bentes, 1999:
136-137).
Assim como encontramos interpretação de que a impu
tabilidade
consideramestá
queem 12 anos, socioeducativa”
a “medida encontramos também aqueles
é apenas que
um eufe
mismo para “pena” e a “medida de internação” um eufemis-'
mo para “prisão”, sendo a diferença entre o adulto e o
adolescente apenas-o local onde cumprirá a “pena”: prisão de
“maior” para adultos e prisão de “menor” para adolescentes.
Co m o agravan te que, m uitas vezes, a “med ida sócio -educa tiva ”
aplicada ao adolescente é uma “pena” maior do que a que
receberia se fosse adulto. Devemos nos lembrar que esta foi
um a das críticas mai s con tundentes fei tas ao Código de M en o
res: a de que infligia à criança e ao adolescente “carente”, pela
imposição de sua internação, em instituição total, uma “pena”
de privação de liberdade freqüentemente maior do que rece
beria um adulto que com etesse um crime. Contradiç ão do
Direito, portanto, e ao que parece, insiste em se perpetuar.
Acredito que alguns destes conflitos e divergências pode
riam ser res olvidos, ou pelo m enos m inimizados, caso fosse dada
maior atenção à política de atendimento. Freqüentemente o
executivo municipal e o estadual são objetos de críticas por
não assegurarem condi ções pa ra o :cum prime nto de dire itos
constitucionais básicos. Muitas vezes, feito um diagnóstico ou
detectado um problema, não há como dar encaminhamento
ao caso. Alguns juizes reclamam que enviam os adolescentes
para a in ternação apenas por falta de alternativas para a exe
cução das medidas sócio-educativas. Esta insuficiências das
políticas tem sido um dos motivos para constantes desentendi
mentos entre escolas, serviços de saúde, famílias, Conselhos
Tutelares e Justiça da Infância e Juventude. Detectado que a
31
criança encón tra-se fora da escola, po r exemplo, o C T a enca
minha a uma das escolas da região què, muitas vezes, alega
não poder receber a criança por falta de vaga, o mesmo po
dendo acontecer com o sistema de saúde ou com os abrigos.
Mas nem sempre os conflitos se devem à precariedade
das condições do atendimento. A escola pode não querer ma
tricular a criança, não por falta áe vaga, mas porque ela é vista
como “da rua”, “infratora” ou :‘deficiente”, fugindo do padrão
de normalidade desejado. Neste caso, a escola alega que não é
sua função óu que não tem os meios para lidar com aquela
criança. Ou seja, não crê que o “problema’5da criança pode
ou deve ser enfrentado pedagogicamente, preferindo encaminhá-
la ao juiz, ao Conselho Tutelar ou ao sistema de saúde, resul
tando muitas vezes no que Maria Aparecida Affonso Moysés
chamou de “medicalização da aprendizagem”, ao estudar cri
anças que só não aprendiam na escola. (Moysés, 2001)
Configura-se assim, no campo social, uma situação mui
tas. vezes complexa e confusa, onde pobreza, abandono e vio
lência’se misturam à ausência ou precariedade dás políticas
públicas, às desconfianças, medos, omissões e acusações m útu
as. Não é, certamente, o melhor dos mundos.
32
no ano de 1999, do total dc 11.256 adolescentes que cumpri
ram medidas no Departamento de Açõés Socioeducativas da
Secretaria de Estado e Justiça do Rio de Janeiro (DEGASE),
■40, 6% eram internações provisórias; 26, 07% medidas de semi-
liberdad e; 14, 8% internáçõe s com sen tenç a judicia l e 9, 71%
liberdade assistida, totalizando 91, 18% dos casos —o que sig
nifica
tambémqueprevistas
menos na
dc Legislação
10% receberam medidas mais
e consideradas mais brandas,
adequa
das ao adolesc ente, com o a medid a1:de pr esta ção dc serviço à
comunidade, por exemplo. Além do DEGASE, muitos adoles
centes cumprem medidas em Programas oferecidos pela pró
pria Justiça da Infância e Ju ventu de.
Em bo ra o Rio dc Jan eiro respo ndesse po r 12, 98% do
total de adolescentes privados de liberdade cm todo o país em
30/06/1997, vindo logo abaixo de São Paulo com 44, 87%£*
respondia, no ehtanto, pelo maior percentual de adolescentes
internados por infrações relacionadas à Lei de Entorpecentes:-
42, 07% (Volpi, 1998: 68-83). Para termos uma idéia do que*
estes núm eros significam, o R elatório do Ju iz de M enores Saul
de Gusmão, de 1941, mostra um crescimento de 127 atos
infracionais em 1924 pa ra 248 em 1941 no Rio de Jan eiro'/
sendo que nenhuma criança ou adolescente foi acusado dc
envolvimento com drogas. As infrações apontadas são delitos
de sangue, de furto, roubo e sexuais (Cruz Neto et al., 2001:
58).
No livro
est atísticas Delinqüência
d o Juiz ado de Mjuvenil
en or esna/RGuanabara são apresentadas
J do período 1960 a 1971
(Cavalieri et al., 1973). Nestes registros, verifica-se o início das
apreensões por drogas, embora os números sejam de magnitu
de múito. inferior aos atuais: 14 em 1960, do total de 666 atos
infracionais e 192 em 1971, do total de 1.253 atos infracionais.
Esclarece o Juiz de Menores Alyrio Cavallieri, em seu livro
Direito do Menor, que estes números se referem ao uso e não
à venda de drogas, pois, em suas palavras “raramente o menor
33
é traficante” (Cavallieri, 1976: 137). Neste período até o ano
de 1995, o s ma iores pe rcen tuais de atos infr acionais s ão relat i
vos ao patrimônio: 2.016 casos em 2.624 no ano de 1991, sen
do drogas apenas 204 deste total.
_______ Esta_situação_difer enciada-par a-o-Rio- de Jan eiro-foi-o b—
jeto de estudos e de intensos, debates realizados nas univ ersida
des, na Comissão de Direitos Humanos da Assembléia
Legislativa e no Conselho Estadual de Defesa da Criança e do
Adolescente, ocasiões em que se indagavam sobre os motivos
que estariam propiciando esta situação:
Mudou a realidade e aumentou a criminalidade ou a mu
da nç a é apen as o resultado de u m a filosofia mais repr essora
e policialesca? Ou seria fruto de aumento de operosidade
da Ju stiça , do M inistério Público e da Polí cia? ( Relatór io:
s/d).
Muitos destes adolescentes, quando apreendidos pela
prim eir a vez, dem onstram espera nça de que a passagem pelo
sist ema socioed ucativo possa ajudá-lo s, constit uindo-se em o po r
tunidade pa ra o rei ngre sso na escola e preparo pa ra o trabalho
- esperança q ue ac aba quase sempr e em fr ust raçã o, tomando-
se por base o percentual significativo de reincidências. Muitas
vezes sem possibilidade de voltar para casa ou para a comuni
dade de srcem, após a apreensão, evadido ou expulso da esco
la, sem trabalho e sem perspectivas de um fúturo melhor, este
adolesce nte pe ram bu la pei as ruas , fur tando p ara viv er ou per
manecendo com a venda da droga, até ser novamente apreen
dido ou morto em algum cgnfronto com a polícia ou grupo
rival. São estes jovens as maiores vítimas da chamada violência
urbana. ,
Segu ndo a Síntes e de Indicadores Soci ais do IBGE /2000,
relativa aos anos de 1992 e 1999, observa-se, a partir dos anos
80, o peso crescente das causas externas sobre a estrutura da
m ortali dade p or idade, afetando principal mente os a doles cen
tes e jovens brasileiros do sexo masculino na faixa etária entre
15 c 19 anos. Estes índices chegam a quase 70% em muitos
dos Estados brasileiros.
• Em v ários fórun s d e defesa dos direitos das crianças e
dos adolescentes, onde estas questões são debatidas, pergunta-
-gp-ppln. “acerto” e pela “justiça” destas apreensões e encami-
nh am ento s. Qu estiona-se se não estaria havendo rigor ex cessivo
ná aplicação das medidas socioeducativas e a própria adequa
ção do rótulo de traficante dado a alguns destes adolescentes,
que muitas vezes vendem pequenas quantidades de drogas
apenas para sustentar seu próprio consumo ou como forma de
subsistência. Questiona-se também a adesão do Brasil a um
política antidro gas norte-am ericana, favorável à cham ada “to
lerância zero”, e o papel que os .psicólogos são chamados a
exercerem nesta nova modalidade de “pena-tratamento”, pro
cedimento polêmico d enom inado Justiça Terapêu tica e impo r
tado das Dmg Courts dos Esta dos U nidos da A mcrica.’ 1O próprio
Conselho Federal de Psicologia tem se manifestado neste sen
tido, conclamando os psicólogos a discutirem melhor o assun
to, preocup ados em que não exerçam atividade s que contrari em
o Código de Ética dos Psicólogos.
Em art igo ded icado a pensar a Justiça Terapê utica,
Damiana de Oliveira faz importantes considerações a respeito
do papel q ue o psicól ogo é cham ado a desempenhar nesta m o
dalidade de Justiça, a partir de um dos programas existentes
para adolescentes no Rio de Janeiro (Oliveira, s/d ). Como foi
dito, a J T se baseia no modelo norte-am ericano dos Tribunais
para D ependente s Quím icos (Cortes de Drogas), e oferece ao
adolescente que for apreendido portando drogas para uso pes
soal, depois de avaliado e considerado elegível, a opção de tra
tamento, ao invés de receber uma Medida Socioeducativa e/
ou Medida Protetiva prevista no Estatuto da Criança e do Ado-
BPara um a ap resenta ção favorável à Justiça T erapêu tica, v er: Fernandes, s/d .
lescentc. A inclusão neste Programa deve ser voluntária e im
plica, dentre outras coisas, o adolescente concord ar em ser sub
metido a testagem de urina periódicas e aleatórias, uma vez
que o Programa prega abstinência total de drogas ilícitas e de
bebidas- alcoólicas. Oliveira aponta aí um primeiro conjunto
de dificuldades para o psicólogo: a de concordar com o caráter
compulsório do tratamento e com a testagem de urina, além
de que "usar ou não drogas” passa a ser o centro do acompa
nhamento psicológico, podendo o adolescente receber sanções
por descum prir. as regras do Programa. Este tipo de questão
leva freqüentemente os psicólogos a terem dilemas éticos e a se
perg unta rem “Quem são os clientes da Psicologia?” e “Quais
são os limites da atuação do psicólogo?”.
Falando a futuros juizes e defensores em “A Psicanálise
c a determinação dos fatos nos processos jurídicos”, Freud aponta
uma diferença
pessoa fundamental
acusada entre'esta,
pela Ju stiça: o paciente
no casoda do
Psicanálise ea
cometimento de
um delito, tem a intenção de o cultar o segr edo d a Jus tiça; já o
neurótico não conhece o segredo; que está oculto para ele
mesmo . No caso do neurótico, el e ajuda a com bater a sua pró
pria resistência, porq ue espera curar-se com o trata m ento en
quanto que o r éu não tem porque co operar com a justiça
revelando o seu, delito; se o fizer, estará.trabalhando contra ele
mesmo. Al ém do mais, pa ra os procedimentos da Ju stiça, basta
que os seus operadores obtenham uma convicção objetiva dos
fatos, independentemente do que pensa o acusado; o mesmo
não se dá com o tratam ento psicanal ítico, onde o pac iente ta m
bém necessita adquirir esta mesm a convicção. Lembra-os, fi
nalmente, da existência de normas que impedem que o réu se
submeta a intervenções psicológicas sem ter sido alertado de
que poderá denunciar-se através desta intervenção.
Além, destas, outras perguntas têm sido feitas em rela
ção aos Programas da J T para adol esce ntes, en tre as qu ais:
uma vez que os tratamentos médico e psicológico já são previs
36
•V:. :vT
37
VII — Co operar pára a obt enção d e informaçõe s nece ssárias à ava
liação inicial e seqüencial de seu caso.
V III — Os pais ou res pons ávei s deverã o com parecer à s aud iên cia s
no Juizado e às sessões de tratamento recomendadas.
IX - Co m parece r e dem onstrar desempenho sat isfatór io na esco
la, estágios profissionalizantes e laborativos. '
X - Agir de acord o com as normas esp ecíficas da unidad e de
tratamento para a qual foi feito o encaminhamento”.
Artigo 7° — As sanções previstas para a falha injustificada no cum
prim ento das norm as ;do Program a são as segu in
tes:
I - . A dvertência verbal.
II — Retirada de privilégios ( válida para os casos d e al gu m ado
lescente que esteja, por exemplo, em programa de recebi
mento de cesta básica, lazer, etc.)
III - A um ento na freqüência de sessões de tratam ento indivi dual
ou familiar.
IV — Regr es sã o na fa se de t rat amento e co ns eqü en te maio r tempo
de permanência no Programa.
V — : Co m parecim ento a pal est ras e . sessões edu cat ivas sobr e uso
indevido de drogas ou outros temas considerados úteis pela
equipe de acompanhamento.
VI — M aior fre qüência na r eal izaçã o de testes de d rogas.
VII — In te rn açã o te mpor ár ia.
V III - Entrevist as comp ulsórias com 'médic os, ps icólo gos ou inte
grantes de grupos de auto-ajuda.
IX — Restr içõe s às at ivi dades de íazer, ’inclusive nos finai s de s e
m ana. ’
X— Pres ta ção de serviços na comuni dade o u na sua própr ia casa,
de acordo com o entendim ento do Juiz.
XI — Limit ação de horár io de s aída cia residência.
X II — Excl usã o do Program a e retom ad ad o pr oce sso inicial.
38
responsável por grande parte do contingente dos hospitais psi
quiátricos, manicômios judiciários, internatos^e prisões? Nao se
trata aqui de negar o sofrimento de pessoas e de famílias
destruídas pela dependência química -e pelo uso abusivo de
droga s. No entanto, trata-s e de perg untar, com o faz Lu iz Edu ar
do Soares: Por.que circunscrever o uso,de drogas ao campo da
ilegalidade? Baseado em quais critérios certas drogas são con
sideradas lícitas e outras ilícitas? Por que difundir a idéia de
que ingerir substâncias psicoativas significa consumí-las em
excesso? (Soares, 1993).
Perguntado se achava possível ou mesmo desejável a
existência de um a .-cultura sem limites e repressões, F ouc ault
respondeu que o importante não era a existência de restrições
e sim a possibilidade oferecida, às pessoas a quem afeta, de
modificá-las (Foucault, 2000b: 26).
A juiza M aria Lúcia K aram , contrári a aos pr ocedimen
tos d a Ju stiça Te rapê utica , advoga a s.ua inconsti tucionali dade.
Dada a importância da argumentação para o tema tratado,
perm ita o leito r um a longa citação.
Embora reconhecendo a ausência de culpabilidade e, as
sim, a inexistência de crime nas condutas daqueles que sc
revelam inimputáveis, o ordenamento jurídico-penal bra
sileiro, paradoxalmente, insiste em alcançá-los, ao impor,
como conseqüência da realização da conduta penalmente
ilícita, as chamadas medidas de segurança, com base em
- um a aleg ada “periculos idade” atri buída a se us inc ulpáv eis
autores.
Aqui, indevidamente, se abre: o espaço para manifestação
da aliança en tre o d ireit o pe nal e a psiquiatria, respons ável
' ■ por trágicas pá gina s da história do sistem a pena l.(...)
N a re alidad e, as med idas de se gura nça para inim putáveis,
consistindo, como prevêem as mencionadas regras dos ar
tigos 96 a 99 do Código Penal e do artigo 29 da Lei 6.368/
76, na sujeição obrigatória e por tempo indeterminado a
tratamento médico (ambulatorial oú mediante internação),
não passam de formas mal disfarçadas de pena, sua in
39
compatibilidade com a Constituição Federal, por manifes
ta vulncraçâo do princípio da culpabilidade é,. conseqüen
temente, por manifesta vulneração da própria norma
constitucional, que aponta a dignidade da pessoa humana
como um dos fundamentos da República Federativa do
Brasil, decerto, havendo de ser afirmada.
Mas, este inconstitucional tratamento obrigatório já vem
sendo aplicado até mesmò para aqueles que têm íntegra
sua capacidade psíquica, nas tentativas,' diretamente veicu
ladas pelos Estados Unidos da América,- de transportar,
para o Brasil, as ch am ad as drug court, que, aqui, se preten
de sejam adotadas, com a tradução literal de “tribunais de
drogas”, ou sob a denominação de “justiça terapêutica”,
esta última explicitando a retomada daquela' nefasta alian
ça entre o direito penal e a psiquiatria. (...)
Assim, estende-sc o tratamento médico a imputáveis, o que
já contraria as pró prias leis pen ais ordinárias vigentes. As
sim, amplia-se o alcance do sistema penal, com a imposi
ção de verdadeiras penas, negociadas ao preço da quebra
de diversas garantias do réu, derivadas da cláusula funda
mental do devido processo legal, constitucionalmente con
sagrado. (...)
Esta importação das drug court chega, ainda, ao âmbito dos
juizad os da infancia e juventu de. Ali tam bém, pretende-se
violar a liberdade individual, a intimidade e a vida privada
de adolescentes, através da imposição de um tratamento
médico obrigatório, sem que sequer seja externado trans
torno mental que, teoricamente, o pudesse aconselhar. (...).
(Karam, 2002: 210-224).
Não foram por outros motivos que o Grupo de T raba
lho “Justiça Te rapê utica”, coorden ado pelo Conselho Reg io
nal de Psicologia 03 e que contou com a participação de
representantes de diversos outros CRPs, recomendou uma dis-
•cussão nacional sobre o problema das drogas. Embora ajusti-
ça Terapêutica não aconteça em todo o país, diversos outros
40
do sob a m esm a lógi ca, o que justifi ca a disc ussã o n acional,
segundo o Relatório-deste GT.
A JT faz parte de um a política nacional de com bate às
drogas, ado tada pela SEN AD - Secret aria Nacional Anti-
drogas, cm parceria com a Embaixada Americana, país
que exporta este modelo. A SENAD, ao mesmo tempo que
apóia iniciàtivas de redução de danos (ao premiar a
REDUC), incentiva iniciativas do .tipo daJT (Relatório, CRP:
s/d).
O GT indi ca um a pos iç ão “con tr ária ao m odelo da JT e
a inserção do psicólogo baseado nos seguintes elementos inici
ais”, en tre os quais: a qu eb ra do sigilo profi ssional, já qu e dev e
o psi cól ogo p rodu zir prova q ue depõe con tra o pró prio suje it o;
quebra dos direitos individuais mínimos, posto que o sujeito
que op ta pela JT tem d e abrir m ão do dir eit o dè defe sa, t endo
de se confessar culpado, mesmo que usuário eventual; por en
tender que há uma diferença entre usuário eventual e depen
dente e por reafirmar o caráter voluntário do tratamento,
condição fundamental para sua eficácia; também por enten
der, co m o já fo i di to, ser necessária um a am pla dis cussã o sobre
a questão das drogas no Brasil.
Em 2002, pelas Portarias 336 e 189 do Ministério da
Saúde, foram criados, dentro dos parâmetros da Reforma Psi
quiátrica, os Centros de Atenção Psicossocial para atendimen
to de crianças e adolescentes (CAPSi) e para portadores de
transtornos em decorrência do uso e dependência de substân
cias psicoativas (CAPSad), trazendo esperança de que novas
mo dalidades de assi stênci a em saúde mental possam ter luga r.
41
bém a sua in utilidade em relação a um a suposta re genera ção
dos prisioneiros, e, no entanto, as nossas sociedades não que
rem dela abrir mão. Sabemos também, pelo menos enquanto
a prisão não se propunha a regenerar ou tratar, que a prisão
nào-deveria-sérnadaalém-do^que"a'simples'privação_deiiber-
dade, mas não é o que acontece. É a este excesso, ao que ex
cede a pena, que Fo ucault chamo u o peni tenc iár io. O aparelho
penitenciá rio, local de cum prim ento da pena, é tam bém lugar
de uma “curiosa substituição”:
(...) das mãos da justiça ele recebe um c ondenado; m as
aquilo sobre que ele deve ser aplicado, não é a infração, é
claro, nem mesmo exatamente o infrator, mas um objeto
um pouco diferente e definido por variáveis que pelo me
nos n o início não foram ■levadas em co nta na sentença,
po is só eram pertin ente s ’para um a tecn olog ia co rretiva.
Esse outro personagem que o aparelho penitenciário colo-
« ca no l ug ar do infrator condenado, é o delinqüente.
O delinq üen te se disti ngue do infrator pel o fat o de não ser
tantocastigo
O seu ato
legalquan
se to sua vida
refere a umo que
ato; mais o caracteriza
a técnica punitiva a(...)
uma vida (..,) Por trás do.infrator a quem o inquérito dos
fatos pode atribuir a responsabilidade de um delito, reve
la-se o car áte r delinqüente cuja lent a formação transparece
na investigação biográfica: A introdução do “biográfico” é
importante na história da penàlidade (Foucault, 1977.: 223-
224).
A partir de sua atuação como psicólogo no sistema só-
cio-educa tivo do R io de Ja ne iro , Adil son Dias Ba stos dedicou-
se a pe nsa r com o se dá a construção deste “biográf ico” na p rática
técnica dos psi cólogos. Na reconstrução da histór ia de vida do s
sentenciados, incluindo adolescentes, este biográfico visa mos
trar como o indivíduo “já se parecia com seu delito antes mes
m o de o ter pr atica do ”: o pai é ause nte ... d iz que a mãe m orreu
no parto... estudou apenas até a 2a série... acha que como está
nesta vida não tem mais jeito... foi expulso da escola.'., pouco
sociável... disperso... impaciente... baixo grau de tolerância à
frustração... vive nas ruas e diz que é mendigo... diz que nas
ceu para ser ladrão... disse que conhece mais gente que está
presa do que gente em liberd ade...'tem um irmão- mais velho
que- j á-fo i-preso...-(B asto s,_2 0.02 115-119 ). ______ _______ ____
Segundo Bastos, esta produção técnica, que além de ser
um discurso de “verdade” e um discurso que no limite “faz
viver e deixa morrer”, é também ,um discurso que “faz rir”.
Exemplificando, cita laudos periciais colhidos por Isabelle No
gueira nos arqu ivos do M anicôm io Judiciário H eit or Carri lho,
situado no m unicípio do R io de Ja ne iro . No gueira s e dedi cou
a pesquisar os laudos de pessoas que haviam sido apreendidas
por motivos banais como brigas, xingameritos, vadiagem, pe
quenos furtos e desacato a autoridade (Nogueira, 2002). Veja
mos um pe qu en o trecho, de um dos exempl os, d o ano de 1924.
É elle portador de estygmas phisicos de degeneração bem
pronuncia dos (...) Nem mesm o lhe faltam as tatuagens,
estygma phys ico adq uirido . que, com freqüência aparecem
nos degenerados e nos delinqüentes. Vê-se, assim, no seu
. an te-b raç o direito, um pá ssaro com um a carta no bi co;
um vaso de planta e o nome de Idalina; no braço direito
várias estrellas, um cometa e algumas lettras; no braço es
querdo as iniciais AP; no peito, iniciais, um pássaro e a
expressão ‘Amo-te1(Bastos, 2002: 120; Nogueira, 2002: 99).
Dentre os discursos que “faz chorar” destaco o de um
grupo de médicos, membros da Escola Nina Rodrigues, estu
dado por Marisa Corrêa. Este grupo foi importante na consti
tuição da M edicina L egal no Bra sil, sendo um dos mai s atuantes
Leonídio Ribeiro, fundador do Instituto de Idendficação do
Rio de Ja ne iro e ganha dor do Prêm io Lombros o de 1933. É
dele a citação abaixo:
N a criança de um ano é, às vezes, possível já reconhecer o
futuro criminoso. É na primeira infanda, ou na puberda
de, qu e se revelam as primeira s tendências par a as at itud es
43
an ti-sociais, que se concretizam e agrav am progressivamente,
sob a influência geral do ambiente. Existem, na criança, os
cham ado s ‘sinais de ala rm e’ de tais predisposições e te n
dências ao crime, sina is que po dem ser .de n atu rez a
morfológica, funcional ou psíquica. Especialmente sobre
estes últimos é que devem estar vigilantes todas as mães,
sabiclo que as crianças perversas, rebeldes, violentas, im
pulsivas,
precisam indiferentes e desatentas
re cebcr cu idad são para
os especiais principalmen
nã o se. toternas
areque
m,
afin al, el ementos perigosos pa ra a sociedade (C orrêa , 1982:
60-61).
Em pesquisa sobre juventude e drogas, Vera Malaguti
Batista estudou a evolução, do problema no Rio de Janeiro, no
período 1968-1988, a'p artir de processos encontrados no ar
quivo do en tão Ju iza do de Me nore s (Bati sta, 1998). Além de
análise quantitativa, Batista analisou os conteúdos dos laudos e
pareceres das equipes técnicas form adas por assistentes sociais,
psiquiatras e médicos das Delegacias de Menores, da FUNABEM
e do Juizado de Menores, encontrados nos processos.
Pela análise de Batista é flagrante a construção de este
reótipos, a partir de olhares cientificistas e preconceituosos,
erigidos na virada do século XIX, e que ainda persistem na
prática de muitas equipes técnicas: o preconceito em relação às
favelas e bairros pobres (“o .local onde reside propicia seu en
volvimento com pessoas perniciosas à sua formação”); a atitu
de suspeita (“estava desempregado, perambulando em estado
de vadiagem pela Zona Sul quando sua residência se encontra
va na Zona Nòrte”); a criminalização do uso de drogas (“foi
detido cheirand o ben zina ”); a desquali fica ção familiar ( “pro ce
de de família desagregada”); serviços que não são considerados
trabalho (“está trabalhando em biscates, pois diz não ter paci
ência para aturar patrão; não está estudando nem trabalhan
do”); a hereditariedade (“o pai já fez tratamento nervoso”); os
dist úrbi os de con duta (“autuad o po r práticas anti -soci ais”). Ta l
caracterização leva sempre às.mesmas recomendações: resso-
cializar, reeducar,’recuperar, tratar, profissionalizar, remeten
do as faltas e as dificuldades dos adolescentes a eles mesmos ou
às suas famílias. No entanto, conclui Batista, mais do que “doen
ça mental”, os processos revelam histórias de miséria c exclu
são social. . ;;r
Aline Pereira Diniz, estudando uma amostra de 46 pa
receres psicológicos, no período de 1995 a. 1998, encontrados
nos proc essos de adolesc entes evadidos do sistema socioeducadvo
do Rio de Jan eiro enqu anto cum priam M edida Socioe ducat i-
va de Internação, e com M and ato de Busc a e Apreensão, c ons
tatou que a grande maioria pertencia ao sexo masculino, com
idades entre 15 e 17 anos e poucos anos de escolaridade. Em
sua maioria estes adolescentes foram acusados dc infrações
análogas aos crimes contra o patrimônio e análogas à Lei de
Entorpecentes. Dentre os motivos alegados pelos adolescentes
p ara as fugas, destaco a existência, na mesma unidade dc ate n
dimento, de adolescentes pertencentes a grupos ou facções ri
vais: “fugiu por lá ter encontrado o gerente da boca, que disse
que ele deveria pegar a carga”; “porque lá encontrou mem
bros do comando rival, que estão em guerra, então teve que
fugir de novo ” . Ou tros moti vos foram am eaças de est upro, por
sofrer agressões, por ter a roupa furtada; por medo de ser pu
nido ou encaminhado à Delegacia de Polícia por ter sido pego
fumandoDiniz
maconha
identi(Diniz,
fica doi2001: 50).de adolescentes, a pa rtir dos
s “tipos”
pareceres psicológicos: aquele que foi “levado” ao ato infracional
pelas circunstâncias ou pelas amizades e aquele que te ria o
“perfil” de infrator, facilitado pela ausência paterna, desestru-
turação familiar e por determinados traços ou caracterísdcas
de personalidade como agressividade, impulsividade, malícia,
dificuldades em lidar com limites, sentimentos de inferioridade
etc. Como conclusão dos pareceres, a adequação à rotina ins
45
quase sempre como critério de que o adolescente está recupe
rado ou ressocializado.
Para concluir, gostaria de dizer que um fator comum
que une os estudos acima é a busca de alternativas para a atu-
açâo_ profission al3_na -esper anç a~d e-qu c-a-P sieoio gia-p ossa- ser—
exercida de uma outra forma, além de trazer à luz o enorme
sofrimento causado pelo encarceramento de adolescentes. ^
Retomemos então, de um Outro modo, a pergunta “Que
é a Psicologia?”, possibilitada aqui pelas lembranças de Bastos
(2002): : : í
N um a de su as belíssimas aü las ele se dirigiu a algun s alu
nos do curso de psicol ogia e perguntou: O que vem a
ser a psicologia?” “Para que ela serve?” Ante a nossa con
fusão, perplexidade e demora, Cláudio Ulpiano nos disse:
D epe nde das for ças que se apo deram ' dela!; Coloquem- ■
suas forças em batalha para produzirem uma psicologia
afirm ativa .” 10
46
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49
Eduardo Pont e B randão
A prática do psicólogo em Varas de Família exige o co
nhecimento básico dos códigos jurídicos que regulam as famí
lias no Brasil.
As razões de tamanha, obrigação não são poucas.
Em primeiro lugar,'há necessidade de um código com
partilhado entre o psicólogo e os demais membros da equipe
interprofissional, incluídos os operadores de Direito.
E de conhecimento comum que. os arranjos amorosos e
familiares com que esses operadores se. surpreendem hoje em
dia levam a uma interlocução do Direito com outros saberes.
Sem o respaldo da equipe interproíissional, a ação do Juiz é
insuficiente para regular as relações entre os sexos e de paren
tesco.
Em contrapartida, sem a compreensão exata do contex
to onde se inscreve sua prática, o psicólogo não faz mais do
que se esfalfar com os remos do barco na areia. De nada adi
anta se restringir à especificidade de seu campo, se o psicólogo
desconhece, por exemplo, os critériòs jurídicos que norteiam a
decisão de uma guarda ou os deveres e direitos parentais. As
referências usadas pelo psicólogo devem comunicar-se com as
do Juiz, sejam as opiniões convergentes ou não, caso contrário,
ele não poderá contribuir para o desenlace, das dificuldades e
dos conflitos com os quais o Judiciário se embaraça.
Em segunclo lugar, no atendimento à população o psicó
logo se depara com argumentos cujos valores já foram revistos
é substituídos em lei. Assim, não é raro escutar país que que
rem a guarda dos filhos porque o ex-cônjuge não cumpriu os
deveres matrimoniais. Ou- que caberia à mulher os cuidados
infantis e ao homem tão somente visitar e sustentar os filhos.
Conhecer o que diz a lei torna-se imperativo, mesmo que seja
para in form ar que tais concepções não encontram respaldo
sequer em nossa legislação.
Por sua vez, o conhecimento da legislação não deve ser
abstraído das condições de possibilidade de seu surgimento.
Interessa ao psicólogo, sobretudo, lançar luz sobre como a
doutrina jurídica se inscreve historicamente e se articula aos
dispositivos modernos de poder.
Como será observado ao longo do texto, as leis e as es
truturas
mem, mas encarregadas dc aplicá-las não
põem cm funcionamento só normatizam
diversas práticas dce repri
poder
cujo objetivo é menos julgar e punir do que curar, corrigir e
edu car c ada sujeito a adm inistrar a prÓpri á vida (Fòucaul t, 1997).
Lançando mão dessa perspectiva, o psicólogo adquire
certo domínio sobre o lugar que lhe é reservado nas institui
ções judiciár ias. N ão lhe torn a indiferente interroga r se, a cada
‘ vez que fala ou ' escre ve a respeito de c erta situaç ão fam iliar , ele
está atendendo a mecanismos sutis de poder que, com o apoio
das le is jurídicas, são mas carados pela p retens a isençã o polít ica
de sua ciência.
casamento
Comválido o realizado
o Código perante asdeautoridades
Civil Brasileiro civis.
1916, consolida-se a
definição de família como sendo a união legalmente constituí
da pela via do casamento civil.
Ora, a conformidade ao modelo jurídico de família é o
que torna as relações entre os sexos legítimas ou não. Desse,
modo, convém observar nessa definição de família a defesa do
casamento e o repúdio do legislador ao concubinato.1
No Código de 1916, o modelo ju rídico dc família está
fundamentado numa concepção de srcem romano-cristã.
A família é vista como núcleo fundamental da socieda
de, legalizada através da ação do Estado, composta por pai,
mãe e filhos (família nuclear) e, secundariamente, por outros
1 Com o veremos adiant e, o concu binato vai adq uir ir proteção estat al, ou
seja, vai ser reconhecido definitivamente como entidade familiar, na condi
ção de união estável entre homem c mulher, somente na Constituição Fede
ra l de 1988, não sem antes se r protegido por jurisprudên cia e outras lei s a
partir da década de 60.
53
m em bros ligados , por la ços consangüíneos ou de depend ência
(f amíli a ext ensa ).. Ao m esm o tem po, ela organiza-se num m o
delo hierárquico que tem o homem como o seu chefe (família
p a tria rc al).
-----------ôho m em -é o~chefé~da sociedade con jugal“ ê“da ãdminis ^-
tração dos bens comuns do casal e particulares da mulher, bem
como detentor da autoridade sobre os filhos è representante
legal da família.
Por sua vez, a mulh er casada é considerada relat ivamente
incapaz , e m oposição à sit uação jurídic a d a mu lher sol teira maior
de idade. Essa incapacidade retira da mulher o poder de deci
dir sobre a prole^e o patrimônio, cuja competência pertence ao
homem. A mulher casada precisa de autorização do seu mari
do p ara exercer prof issão, par a co merciar, além de est ar f ixad a
ao domicílio decidido por ele. Os compromissos que assumir
sem a utorizaç ão marital não te m ‘eficác ia jurídi ca.
vSomente na falta ou impedimento do pai que caberia à
mãe a estariam
filhos função desubmetidos
exercer o pátrio
até a poder (artigo(artigo
maioridade 380), ao qual os
379).
Segundo Barros (2001), o fato de o homem ter o poder
dividido, no caso de sua falta ou iseu impedimento, com a es
posa e lim itado à m enorid ade do filho torna-se expressão de
um golpe no pátrio poder, embora discreto em face da autori
dade que ele ainda detinha na família.
Por sua vez, cabe frisar que o pátrio poder, oriundo do
Direito Romano, alude a uma figura de autoridade que não
represen tava o ti po d om inante em terri tório nacional ( Alme ida,
1987). Seguindo esse raciocínio, â idéia de declínio da autori
dade paterna não parece a mais adequada para a compreen
são dos regimes de aliança e sexo surgidos historicamente no
Brasil, quiçá no Ocidente moderno (Foucault, 1997), pois está
limitada à tradição romano-cristã.
No que ta nge à separa ção do casal, o Código de 1916
prevê apenas a separação de corpos por justa causa, conhecido
p o r .desquite* p re se rv a n d o assim a indisso lu b ilid ad e d o m a tri
mônio. Em outras palavras, a separação não desfaz o vínculo
matrimonial.2
Com o desquite, delega-se ao inocente no processo de
separação o direito de ter os filhos consigo. Ao cônjuge culpa
do, é-lhe assegurado o direito de visita, salvo impedimento.
Conforme podemos observar, há uma restrição da guarda à
monoparentalidade, decidida a partir do critério de falta con
ju g al.
C aso am bos seja m considerados cul pados, a mãe fi ca com
as filhas menores e com os filhos até os seis anos. Depois dessa
idade, os f ilhos vão p ara a co m pa nh ia do pai . A l ei prevê regu
lar, em caso de motivos graves, de outra maneira a situação
dos pais com os filhos. Observa-se que o detentor da guarda
exer ce o p átrio p od er em tod a sua extensão (Gomes, 19 81 ).
55
N a definição dos direitos e deveres do m arido e da m u
lher, pode-se confirmar a v alor ação diferenciada dos papéis
sociais. Ao marido, de acordo com a lei, cabe suprir a manu
tenção da família, enquanto à mulher cabe .velar pela. direção
moral desta. Há uma tipificação das diferenças que justifica o
código moral assimétrico e complementar como regra de con
vivência entre os sexos.
Os perfis sociais atribuídos ao homem, à mulher e aos
filhos já haviam sido desenhados pela política higienista que,
desde 1830, se inscreveu cpmo micropolítica no tecido social
brasileiro. Com objetivo de salvar as famílias do “caos” higiê
nico em que elas se encontravam, o saber médico aliou-se às
políticas do Estado e fez surgir o modelo familiar pequeno-
burguês, expulsando do lar doméstico os.antigos hábitos colo
niais (Costa, 1999). Assim, as tipificações clas diferenças entre
os sexos, vinculadas pela medicina à natureza biológica, não
deixaram de ser absorvidas paulatinamente pela legislação.
Se o Código Civil de 1916 já normatizava em capítulo
especial as relações familiares, é, por, sua vez, na década de 30,
no momento dé criação .de um projeto político nacionalista e
autoritário, que' se desenha uma proposta clara sobre a função
social da família. Trata-se de um projeto familiar articulado ao
nível legal, abrangendo outros aspectos da legislação além das
normas de direito civil. Tal projeto caracteriza-se por uma for
ma de pensar-a família como elemento de uma política
demográfica, tendo como objetivo último a construção da uni
dade política nacionalista:
Nesse período foram pro mulgad as : a legislação sobre o
trabalho feminino (srcem da CLT); sobre casamento en
tre colaterais do 3o grau; sobre os efeitos civis do casamen
to religioso; sobre os incentivos financeiros ao casamento e
à procriação; sobre o reconhecimento de filhos naturais e
legislação penal, em especial no tocante aos' crimes contra
a família (Código penal de 1940) (Alves e Barsted, 1987:
169). ■
- Pode-se vislum brar ness as regulame ntações a pr eo cu pa
ção do legisl ador en f reforçar os padrões de moralidade já pr e
vistos implícito e explicitamente no Código Civil, tais como: a
valorização do casamento legal e monogâmico, o incentivo ao
trabalho masculino e à dedicação da mulher ao lar, o temor
higienista dos cruzamentos
dade feminina e, em suma, consanguíneos e do usoedàdossexuali
a defesa da harmonia costu
mes na família (Alves e Barsted, 1987)-:
No período seguinte, de 1946 a -1964, cara cterizado po
liti cam ente com o dem ocrático , destacam -se1a lei de reco nh eci
mento de filhos ilegítimos (lei 883/49) e o "Estatuto da mulher
casada ” de 1962, que outorga capacidade juríd ica plena à
mulher.
Com a vigê ncia desse “Estatu to”, a deci são sobre a prole ^
e o pa trim ôn io deixa de se r exclusi vidade do hom em . Ele revo- U
ga a incapacidade da mulher casada. Para citar por exemplo
um dos efeitos jurídicos da lei, se a mulher viúva, casada em
segundas núpcias, perdia o pátrio poder sobre os filhos cio leito
anterior, conforme redação srcinal do Código Civil, com a
vigência do “Estatuto” ela passa a exercer tais direitos sem
qualquer interferência do marido.
N a hipótese de desquite judicial, em que ambos os côn-
juges são julgados culpados, os filhos menores ficam corri a mãe,
diversamente do que ocorria no regime anterior, cm que os
filhos varões, acima de seis anos, ficavam com o pai.
Alves e Barsted (1987) afirmam .que, a despeito de uma
certa liberalização em relação ao casamento e' regime de bens,
o “Estatuto” não rompe algumas premissas básicas. O legisla
dor mantém a assimetria entre os sexos, pendendo a balança
p ara o poder patriarcal. E reafirm ado no “Estatuto ” o papel
do homem como sendo o chefe da família e o da mulher, co
laboradora do marido. Seguindo esse raciocínio, foi criado o
instituto dos bens reservados da mulher, definidos como aque
les oriundos de sua profissão lucrativa e dos quais pode dispor
57
livremente. Ora, pressupõe-se então que sua economia própria
é vista como paralela e dispensável ao sustento do lar, ao passo
que, ao homem, cabe mantê-lo.
Se o modelo jurídico de família,nuclear, com laços ex-
te n so sj-p atr ia rea l—fu n dad a~n a-assim etria~s exu al^e_geracio nal
perm anece in alte rado do período autoritário ao democrático ,
as práticas
família sociais jurídica
da doutrina se afastam cada vez mais do tipo ideal de
O final dos anos 60 e a década de 70 foram fecundos
nesse sentido. ■
mercado de trabalho,
sexual* aliados a pílula
aos efeitos anticoncepcional,
do chamado “milagre aeconômico”,
liberação
marcado pela mobilidade social ascendente dos setores médios
da po pulação, o desenvol viment o indust ria l urbano e a abertu
ra para o consumo, são alguns dos fatores que colocam em
xeque o modelo familiar preconizado ;pelas legislações, o que
irá se reflet ir nas decisões juris pru de nc iais e nas propo stas de
reform ulação do Código Civil. ;
Em determinad os estr atos da soci edade , com eçam a sur
gir novos arranjos conjugais e familiares que, sobretudo, sao
caracterizados pelo individualismo (Figueira, 1987).
Se até então amulher estava comprometida com a ima
gem de mãe amorosa e responsável, na família individualizada
ela descola-se em parte do destino "natural” de maternidade.
“Nesta nova família”, escreve Russo; “cabe à dona-de-casa
buscar um a certa independência do m arido, ter sua renda pró
pria, seu pró prio carro, além de procurar abandonar o ar de
matrona ao qual os filhos e o casamento a condenavam” (Rus
so, 1987: 195). !
58
Por sua vez, o hom em desvi ncula- se, ao .men os ideal
mente, do pa pel tradicional de “mac hista’ V cuja relação privi
legiada com o trabalho fora de casa e com os próprios interesses
sexuais deixa de ser exclusividade de seu gênero.'
---------Gom ^a-mudança-dos-arranjosi nterpess oais^di ssolve^s fa-
hierarquia que dividia as esferas pertencentes a cada sexo e
geração. As individualidades passam a subordinar as relações
entre os membros da família, seja entre marido c mulher, seja
entre pais e filhos. As roupas, os discursos, òs comportamentos,
os sentimentos, etc. não são mais sinais exclusivos de cada sexo,
posição e id ade, de modo que os marcadore s visíveis da dife
rença passam a ser única e exclusivamente as expressões do
go sto pessoal (Figueira, 1987). !
Os m em bros da famíli a pássam a se perceb er como igua is
em suas diferenças pessoais. A ênfase no indivíduo faz-se acom
p anhar do ideal de igualdade de relacionamento, apontando
p ara um a nova m ora i no campo das relações interpessoais. A.
tradição e a rede familiar cedem lugar às individualidades e
seus prazeres correlatos; de tal modo que se torna necessário o
exame de si mesmo para que as relações entre homens e mu
lheres, maridos e esposas, pais e filhos possam ser negociadas a
todo e qualquer momento (Figueira, 1987).
Não sendo por coincidência, é nos anòs 70 que se inicia
um alto consumo da psicanálise (Birman, 1995; Figueira, 1987;
Katz, 1979; Russo, 1987).
N um m om ento em que os papéis tradicionais da m u
lher, do homem e das gerações são postos’em xeque, os sabe
res psi surgem como coordena das p ar a as relaç ões int erpe ssoais,
mesmo através de conceitos os mais virulentos, tais como, por
exemplo, o de sex ual idade . ! .
Donde explode o sucesso das práticas terapêuticas, das
colunas de aconselhamento psicológico em revistas femininas,
do uso quotidiano do vocabulário psicanalítico; em suma, da
necessidade crescente de se pedir a “palavra” de psicólogos e
59
psicanalistas sobre questões que -dizem respeito à família em
geral. Cabe notar que. o imenso consumo da psicanálise e da
psicologia não implica pura e ’sim plesmente a subversão de
formas instituídas pela tradição, mas também a multiplicação
de micropoderes que são mais persuasivos do' que impositivos
(Fou cault, 1997). ,
E evidente que todo esse panorama de mudança nos anos
70 torna extremamente frágil não ápenas os deveres correlatos
entre os sexos, mas também o.-ideal de indissolubilidade do'
matrimônio.
•Vale acre scenta r que nessa época o Bras il estava em ple
no regime militar, sob a presidência do General Ernesto Geisel,
cuja srcem protestante luterana admite o divórcio. Ademais,
havia uma certa insatisfação entre os militares na medida em
que se obstruía a prom oção dos desquita dos, c hegando ao gene -
ralato e até mesmo à Presidência da República, apenas os ca
sados. Desse modo, ele s influenciara m - ao lado de um a gama
imensa de desqui tados com famí lias recompostas - o Pod er Exe-
cutivo com objetivo de. legitimar e regular o fim do casamento.
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tô»Éstí&l&préWdênciàidé!'sé:'iinppí<;ãj«ste;a^
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■ frtíciós^àteríàúí-páraísóbrewerrè.írctorçaíòíp^cípid^dá^soHd^fcdadcíqÜèfdêyéVrcffcr^òs'-';
3 A li m itação a um d ivó rcio .faz surgi r novbs prob lemas, tai s com o o
concubinato dos que vieram a se separar após nova união constituída após
o divórcio, e a situação dos que se casavam com pessoas divorciadas c, por t
tal motivo, estavam igualmente impedidas da obtenção do divórcio. Tais
situações serão reconhecidas como união estável e protegidas pelo Estado
com a Con stituição de 1988. ..
61
Contudo, a força da definição dos papéis sexuais perma
nece e revela-se, sobretudo, no tocante aos cuidados e educa
ção dos filhos. Diz a lei, no artigo 10, Io, que “se pela separação
forem responsáveis ambos os cônjuges; os filhos menores fica
rão cm p od er da m ãe, sal vo se o Ju iz verificar que tal soluç ão
possa advir prejuízo de ordem moral para eles” .
Em outras palavras, o cuidado' em relação aos filhos é
visto naturalmente como sendo responsabilidade da mulher,
independente de qualquer outra condição, exceto a de ordem
moral. A mulher portanto só perde a guarda dos íilhos caso se
conduzir contra os padrões morais, critério bastante nebuloso,
vale dizer, de constatação subjetiva e, ainda mais, deixada à
aferição do juiz.
Pa ra ag ravar á si tuação, o privilégio da matern idad e acab a
gerando certas dificuldades para o exercício da paternidade ou,
simplesmente, afastando o homem da esfera de influencia so
bre os filhos. No Brasil, há até os dias de hoje um a inclinação
em nossos tribunais de atribuir a guarda à mãe, cabendo ao
pai a visitação quin zenal, o que limita, um relaci onamen to mais
estreito com os filhos. E quando o pai pleiteia visitas menos
espa ças , o Jud iciário costuma alegar que tal pedido pode au
mentar as desavenças entre os ex-cônjuges (Brito, 1999).
Co ntudo , obser va-s e nos úl timos anos uma tendência de
crescimento das solicitações dos homens pela custódia dos fi
lhos ( Ridenti, 1998). A reivindicação no judiciário dos homen s
—em situação de ig uald ade com a m ulh er - pela guard a dos
filhos coloca em pauta eis distinções donstruídas sócio-historica-
mente, que por sua vez, como vimos, são naturalizadas pelo
Direito de família.4
4Segundo o IBGE, cm 2002, 93,89% dos filhos ficam com as mães depois da
separação e antes do divórcio, e, depois do divórcio, ca i para 92,37%. C on
tudo, o índice de pais que entram na justiça com pedido de guarda aumen
tou de 5 para 25% em cinco anos.
O utros asp ect os impo rtantes da Lei do Divórc io em que, |fl
no entanto, não convém nos deter, é a valorização da separa-
ção de fato, a permissão para o reconhecimento dos filhos ile
gítimos na vigência do casamento e a consagração do direito
ao homem casado, separado de fato, de requerer autorização
judicial p ara registro de filho nascido de relação extraco njugal.
legislação
significativas mudanças no
concerne aos direitos e deveres fami- 1
liares e a C on sti tuição Fed eral d e - p ^ A n t c ’- ! ^
1988.
Co m a Consti tui ção, o concu binato passa a adqu iri r pro- ||
teção do Estado, na condição de união estável (art.226 §3°).
Com efeito, o casamento deixa de ser a única forma le
gítima de constituição da família, tal como era definida no
Código Civil. O conceito de família amplia-se na medida em
que passa a legitimar a diversidade de uniões existentes no
contexto brasileiro. Como afirmam Oliveira e Muniz (1990),
não se pode mais falar numa forma exclusiva de família, e sim
tratar da matéria no plural, passando-se a considerar também
como entid ade familiar a relação ex tram atrimo nial est ável, entre
um homem e uma mulher, além daquela formada por qual
quer dos genitores e s eus descendentes, a famíli a m on op aren tal
(art.226 §3° e §4°).
É evidente que a admissão de novos arranjos amorosos e
familiares fazem surgir novos problemas, de modo que se tor
na cad a vez mais necess ário o a tend im ento de equipes i nterdi s;
ciplinares junto às Varas de Família.
A Constituição elimina também a chefia familiar, deter
minando a igualdade de direitos e deveres para ambos os cônju
ges,
está homens
prescritoeque
mulheres
homens(art.226, §5°). são
e mulheres No iguais
artigo perante
5, parágrafo
a lei.I’
63
É nela que se encontram pela primeira vez no Brasil os
direitos da criança, expostos no artigo 227, a partir do concei
to de proteção integral e do entendimento da criança como
sujeito de direitos. Assim, diz a lei que “é dever da família, da
sociedade e do Estado assegurar à criança c ao adolescente,
com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimenta
ção, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dig
nidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los k salvo de toda forma de ne
gligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão”. No mesmo artigo, §6°, ficam proibidas discrimina
ções en tre filhos havidos de ntro e fora do casamento ,e na adoção.
Ao entendim ento da criança e adol esce nte como sujeitos
de ,direito, deve-se relacionar a questão da guarda com o texto
da Convenção Internacional dos Direitos da Criança.
64
- A Co nv enç ão Intern acion al situa no. artigo 9 o direito
da criança de ser eduçada^por seus dois pais, exceto quando o
seu melhor interesse torne necessária a separação. Contudo,
mesmo na situação em que a criança é separada da famílià, ela
tem-o direito de manter o contato direto-.com os pais.
Reafirmando tal perspectiva, o Estatuto da Criança e do
Adolescente dispõe o direito de a criança e o adolescente se
rem c riad os e ed ucado s no seio da famíli a; (art. 19) e estabelec e
os deveres dos pais em relação aos fi lhos ..menores, “ cab end o-
lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer
cu m pri r as de term inaçõ es jud iciais ” (a rt.‘í22).
Compreende-se que a separação matrimonial de um casal
não deve conduzir à dissolução dos vínculos entre pais e filhos.
Brito (1996) adverte que os direitos representados na Conven
ção Internacional e no Estatuto da Criança e Adolescente con
trapõem-se à idéia que o artigo 15 da Lei do Divórcio pode
conduzir, como vimos acima, de que não cabem preocupações
com o quotidiano infantil ao genitor que naó detém a guarda.
N um a pesquisa juiito às Varas de Família do T rib unal
de Justiça do Rio de Janeiro, a autora constata que habitual
mente a guarda atribuída a um dos pais contribui para o afas
tamento do genit or descont ínuo - termo usa do por François e
Dolto —das decisões que visam à educação c ao cuidado dos
filhos (Brito, 1993, 1996).
Em vez do papel de pai de fim de semana ao qual é
relegado amiúde o genitor descontínuo, Brito ressalta que a
separação do casal não deve corresponder ao fim ou à dimi
nuição das funções parentais:
Nestes casos, presencia-se o desa parecimento do casal con
ju gal, mas deve-se conse rv ar o casal pare ntal, gara ntindo-
se a continuidade das relações pessoais da criança, com
seu pai e sua mãe (Brito, 1996: 141).
O dir eit o de a criança m anter um- relaci onam ento pes
soal com seu pai e sua mãe não resulta da autoridade e sim da
65
•responsabilidade parental em preservar o vínculo de filiação.
Cabe então notar, através da representação dos direitos infan
tis, um nítido deslocamento do eixo da autoridade para o de
responsabilidade parental (Brito, 1999).
' " ~Ma medida em que os códigos jündiços~passam a priorizar o me-
Ihor interesse da criança, tal critério deve se sobrepor ao de fa lta conjugal
66
O critério de interesse da criança junto ao Direito de
Família aponta, inicialmente, para a verificação individual de
necessidades infantis perante a separação dos pais, o que exige
por sua vez a intervenção de um aparato interdisciplinar. Seja
-com-a-tarefa-de-r.ealizarJaudosjo_u_p.are.ceres_psicosso.ciais,_seja_
com a de ser “porta-voz” do infante, tal aparato indica o me
lhor interesse da criança diante da exclusiva possibilidade da
guarda monoparental. Nessa perspectiva, o objetivo é, em últi
ma instância, descobrir se é mais adequado atribuir a guarda'
ao pai ou à mãe.6
Entretanto, tal objetivo revela-sc inadequado em face das
circunstâncias que envolvem a maioria das disputas de guarda
e regulamentação de visitas, marcadas muitas vezes por acusa
ções mútuas entre as partes litigantes.
N ão basta definir critérios norteaclores para a. indicação
do gen itor que reún e m elhores condições, de guarda.
A lóg ica adv ersar ial , o en volvi m ento das cri an ças no co níl iio e os
m al efí ci os d a pe rí ci a
A disputa de guarda num divórcio litigioso está baseada
numa lógica adversarial em que um genitor tenta não somente
mostrar que é mais apto para cuidar e educar os filhos, como
também expor as falhas do outro para tal função.
Tal lógica est á em bu tida no conflito de inter esses, den o
mina-se lide, em que duas pessoas pretendem desfrutar ao
7 Sobre as tentat ivas dc aferição psicol ógica para defi nição da guard a e a s
críticas que lhes são relacionadas, cf. Brito, 1999a.
69
Ora, nota-se freqüentemente que a perpetuação do em
bate familiar, via poder ju diciário, 6 um modo de dar continui
dade ao trabalho de luto da separação, às vezes até mesmo da
perda do objeto amado, ou é simplesm ente u m meio de man-
te r o vin cu 1o_com^ o_ex-compa n heir.o. ______ ' ___________
__
70
doméstico. Embora vivendo num lar cujos pais estão infelizes
com o casamento, as crianças não experimentam o divórcio
como solução ou alívio para tal situação. Muitas preferem o
casamento infeliz ao divórcio. (Wallerstein e Kelly, 1998). Des-
se modo, pedir para que a criança se posicione em relação ao
divórcio soa inábil e, de certa forma, contrário a seus interesses.
Seguindo esse raciocínio, Brito afir-
ma. cjue ’âcârc& çocs c cons idcr aç ocs so- ünjías& ? 4 , ^ cs;‘v^anHóv-
bre o com porta m ento dos pais ta m bém
, „ m . h~~~ 1 -~tn\ !íè1p6&iste;êrn1çòlò^
deve m ser evitad as (B nto , 1999a: 178). .
Franço ise D oito (1989) a firma que
a criança deve ser ouvida pelo juiz, o que não pressupõe lhe
impor a escolha dos genitores e seguir o que ela sugere. Escu
tar a criança tem como significado o fato de ela ser membro da
família e ter vontade de falar sobre o que se passa com ela,
assim como tirar dúvidas sobre tal situação. Ao final, é impor
tante a criança saber “que”, diz Dolto, “o divórcio dos pais foi
reconhecido como válido pela jusdça e que, dali por diante, os
pais terão outros direitos, m as que (...) eles não são liberáveis
de seus deveres de ‘parentalidade’” (Dolto, 1989: 26).
Em contrapartida, segundo ainda Dolto, as crianças de
vem ouvir do Juiz algumas palavras a respeito de seus deveres
filiais, a saber, a preservação das relações pessoais com as famí
lias de ambas as linhagens. Tal conversa deve acontecer desde
que o Juiz saiba conversar com crianças, caso contrário por
uma pessoa encarregada disso por ele, não havendo idade mí
nima que não se, possa explicar a situação (Dolto, 1989).
Não é difícil a cria nça se sentir culpada pelo divórcio,
cuja existência é imaginada como um peso para os pais (Dolto,
1989). É de fun dam ental im po rtância o psicólogo atentar pa ra
esse aspecto, sem deixar de acolher, ao mesmo tempo, o silên
cio que certas crianças apres entam , du rante as ent revi stas. Tal
silêncio não deve ser percebido necessariamente como negati
vo, podendo ser afirmado como um meio de a criança não
71
querer compartilhar das querelas parentais e nem das exigên
cias judiciais.
•E mesmo que a criança ou o adolescente insista verbalizar
com quem deseja ficar, não se pode perder de vista que há
uma tendência nas situações de litígio de os filhos fazerem ali
ança com um dos genitores e perceberem o outro como ‘Vi
lão” da separação. ■
Segundo algumas pesquisas psicológicas, a criança faz
aliança com o genitor que dispõe de sua guarda e que, portan-
> to, está mais próxim a dela , indep en de nte clo sexo (Wall erstei n
c Kelly, 1998; Brito, 1999a). O tempo de convivência prolon
gado aproxima a percepção do filho com a do guardião. Desse
modo, na medida em que costuma ser demorado o intervalo
entre a separação de fato do casal e a formalização jurídica do
divórcio, o tempo transcorrido junto ao genitor que permane
ce com a criança ou o adolescente é o bastante para a conso
lidação das alianças.
perm anecer, ou com“Avaliar
qual doscom quem ac criança
genitores quer a, pode
mais apegad
ser”, conclui Brito, “interpretado como a pesquisa do óbvio”
(Brito, 1999a: 176).
Para complicar o quadro, pedir à criança ou ao adoles
cente para expor com qual genitor deseja ficar acaba acirran
do ainda mais as: posições polarizadas c visões maniqueístas a
respeito do litígio.
O fato de o psicólogo restringir-se à tarefa pericial de
definir o “melhor” genitor revela aí suas limitações, pois não
contribuí p ara um a melhor qualidade das rela ções entre as partes
litigantes, tampouco coloca em xeque a lógica adversarial pre
sente nos encaminhamentos jurídicos.
Em função do enfrentamento que se impõe, a lógica
adversarial favorece o aumento de tensão entre os ex-cônjuges,
sem desfazer o entendimento habitual de que ao final do pro
cesso há sempre vencidos e vencedores (Brito, 1999a).
72
A sugestão do psicólogo ao juiz deve contar, o máximo
possível, com a- participação da. família, retirando-as do papel
passivo a que são freqüentemente relegadas no processo de pe
rícia. Para tanto, deve-se privilegiar os recursos subjetivos, seja
a partir da temática do sujeito,-seja a partir do sistema relacional
da famíl ia, p ara a orientação e o encam inham ento dos impasses.
Tais observações fazem perc eber a necessidade de o psicó
logo ampliar seu raio de ação para além -da perícia tccnica.
Vejamos então outras linhas de atuação.
73
1. O sujeito do Direito é aqueíe que age consciente de seus
direitos e.deveres e segue leis estabelecidas em um dado
ordenamento jurídico; para a Psicanálise, o sujeito está
assujeitado às leis regidas pelo inconsciente. Afinal as mani
festações e atos conscientes que tanto interessam ao Direi-
to nãcTsão predeterminadas pelcTinconsciênte?~2rPara o
Direito Penal, os crimes de natureza sexual são tipificados
e investigados buscando-se sua materialidade. Por isso, a
sexualidade para o Direito tem sido sempre genitalizada,
como expresso no Código Penal (...), que se utiliza sempre
da expressão ‘conjunção carnal’; para a Psicanálise, a se
xualidade' é da ordem do desejo. Pode o Direito legislar so
bre o desejo, ou será o desejo que legisla sobre o Direito?
(Pereira, 2001: 22).
Para que tais conceitos se articulem ao campo da prática
analítica, é necessário que as pessoas se ponham a falar. A psi
canálise é uma experiência discursiva. Seguindo esse raciocí
nio, Suannes (2000) propõe que se devolva a fala à pessoa e
aos processos inconscientes que subjazem ao processo judicial.
Para tanto, convém elucidar as relações entre as deter
minações inconscientes e a formalização da ação judicial.
Senão vejamos. Num litígio, os oponentes são incapazes
de resolver o conflito por conta própria, de tal modo que re
corre m a um terceiro, no cas o, a autorida de judicial, com ob
je tivo de satisfazer as suas exigências.
A formalização dessa demanda ao juiz exige que a fala
de cada sujeito envolvido no conflito seja representada pelo
advogado que, por sua vez, fala de acordo com a lógica do
discurs o jurídico. R em on tan do o dis curs o de aco rdo com a lógica
ju rídic a, o advogado dem onstra que:os interesses de seu cliente
estão amparados na lei, ao mesmo tempo èm que responsabi
liza o o utro pela ação ou om issão; ge rado ra do confl ito. H á
nessa passagem, da vivência de insatisfação do sujeito à enun
ciação do seu problema numa lógica jurídica, uma mudança
74
•na configuração do conflito, em que o discurso de insatisfação
cede lugar ao discurso de merecimento.
A re-configuração do conflito nos moldes jurídicos não
deixa de gerar certos impasses, especialmente nas Varas de
~Fãmília“ onde_a~natureza-do-víncuio-ent-r-é-as-pessoas-é-sufici-
ente para resistir a qualquer resolução judicial:
Nas ações de V ara de Fa mília, (...) o ato ju rídic o não terá
como conseqüência o rompimento dos laços psicológicos
das pessoas envolvidas e, no caso de haver filhos em co
mum, não levará ao afastamento,concreto e não impedirá
a parti cipação de um na vida do outro. Devido à natureza
do vínculo existente entre as ‘partes’, (...) os problemas
explicitados nos autos são, freqüentemente, deslocamento
de quest ões que não e ncon traram outra vi a de representa
ção. A medida que o aparente problema é resolvido, o
conflito se coloca eni outra questão, reacend endo o impas se.
Este constante deslizamento de conflitos leva à cronificação
do litígio, (Suann es, 2000: 94) •
Seguindo esse raciocínio, a autora sugere que o objetivo
prim eiro seja “realizar um movim en to de direção contrária na
estru turaç ão do prob lem a jur ídic o” (Suannes, 2000: 9 6), ou se ja,
fazer falar o sujeito e não seus porta-vozes,
O simples encaminhamento das partes para o estudo
psicológico por si só já tem pap el im portante, à' med ida que
nomeia a natureza do problema em pauta. Isto é, atribui o
“estatuto de psicoló gico a algo q ue é vivi do pelas famí lias com o
um problema
(Suannes, jurídico,
2000: concreto
95). Uma e externo a cada
vez encaminhado um psicoló
o estudo deles”
gico, a “questão não se coloca como oposição entre dois pólos,
ou seja”, afirma Suannes, “não se trata de um conflito de inte
resses no qual o vínculo com o pai exclua a mãe de seu lugar,
ou vice-versa” (Suannes, 2000: 96).8
u Con vém obser var que o en cam inham ento psicológico não é por s i s ó su fi-
75
Orientado por urna escuta analítica; não cabe ao psicó
logo avaliar qual genitor é> m ere ced or da gu ard a ou da visit a
aos filhos, ou, tampouco, detectar qual deles estaria mais apto
para ex ercer as funções parentais, e sim com preender que “a
questão que faz aquela famíl ia sofr er e pedir aju da no Ju dic iá
rio não é, muitas vezes, aquela que está configurada nos autos”
(Suannés, 2000: 96).
Evide ntem ente, a relação entre o méto do a nalítico e. as
circunstâncias de uma ação judicial não é sem dificuldades.
Barros (1999) adverte que num processo litigioso, ao
contrário do que pressupõe a regra técnica fundamental da
psicanálise, o sujeito não fala o que lhe vem à m en te e sim o
que pode favorecer a sua causa. Ao mesmo tempo, preocupa-
se em não dizer o que pode ser usado contra ele mesmo pela
outra parte e seus advogados. Com efeito, tal depoimento tor
na-se prejudicado, '‘pois”, escreve Barros, “o sujeito não está
ali numa posição de quem fala de si” (Barros, 1999: 37). E
mesmo no caso cm que o sujeito libera sua fala, o psicólogo
não pode manejar os efeitos de sua intervenção após a conclu
são de seu laudo.’
Nem por isso Barros co nsidera inco mpatível a práxis
analítica no âmbito jurídico. Ao contrário, é possível promover
a retificação subjetiva em que o sujeito deixa de se queixar do
‘outro pára reconhecer sua participação no conflito, tendo como
efeito “separar-se desse outro, perder esse casamento, sem ficar
perdido de verd ade” (Barros, 1999: 39).
Por sua vez, nos casos em que as pessoas não querem ou
se sentem impedidas de falar, resta somente apontar as dificul
dades das partes de se reconhecerem ativamente no conflito.
76
Sâo limites de uma práxis em que o sujeito deve passar do
estado de v ítima pá ra. o. de responsáve l po r seus atos e p ala
vras, cujas determinações inconscientes se impõem à sua reve
lia. Se tais pessoas retornam ao Judiciário, envolyidas com. novas
querelas familiares, permite-se então "avançar um pouco e
co nstru ir os efeit os d a i nte rve nçã o na vhistória des se sujeito,
obtendo mais elementos para refletir c construir esse campo de
intervenção” (Barros, 1999:40).
Não há previsibilidade sobre o desfecho da interv enção
analítica, na medida em que não cabe ao analista impor os
seus próprios ideais. Querer simplesmente fazer o bem e desfa
zer os conflitos em que as pessoas se embaraçam, supondo com
isso resolver a relação do sujeito com seu desejo, é por defini
ção impossível. Não há nada que ensine o sujeito a empregar
seu desejo, de modo que na experiência analítica se obtêm
destinos pardeulares para cada demanda que é formulada.
Seguindo esse raciocínio, a inscrição da psicanálise no
cam po juríd ico pro duz um a diversidade de e feitos, que vão desde
a re-significação do conflito, a resolução dos aspectos processu
ais, a dissolução de queixas com um simples gesto de oferecer
os ouvidos ou, na pior das hipóteses, nada acontece e continu
am-se as disputas familiares (Brandão, 2002).
A orientação teórica no interior da psicanálise é que vai
definir
tem como se a conseqüência
intervenção põeleituras
em jogo o casal aourespeito
distintas o sujeito,doo que
laço
conjugal.
Puget e Berenstein (1994) tem como objeto teórico a
‘'estrutu ra vincular” que se forma no laç o conjugal, cujo dom í
nio é marcado por pactos inconscientes, tipologias diferencia
das, en tre outros aspe ctos . E m vez de c om preen der ess e espaço
vincular como sendo uma relação entre desejo e objeto, os
autores definem-no como uma relação: entre eu e outro, cujo
objeto não é assimilável a nenhuma interioridade e sim ao ter
ritório do vínculo estabelecido pelo casal.
O casal então é (...) uma estrutura vincular entre duas pes
soas de sexo diferentes, isto é, uma relação intersubjetiva
estável enlre um ego e um outro ego , onde tem cabimen to
o mundo intra-subjetivo de cada um, e onde o vínculo,
por sua vez, oc up a um a áre a diferen ciad a da estr utu ra ,
objetai (Puget e Berenstein, 1994: 18).
Observam os autores que o casal não é somente a ori
gem virtual de uma nova família* mas o desprendimento da
família de srcem, donde provêm as identificações e a trans
missão dos desejos parentais. A formação de um novo casal
pre ss upõe a reso lução trabalh osa, .nem se mpre acabada, de
desenlace dos vínculos familiares. A idéia de pertencimento
contínuo à cadeia de gerações pode ser no casal fonte de pra
zer ou angústia, gerando uma série de conflitos que podem
resultar na separação. E dado seu caráter de contrato inconsci
ente, pode ocorrer de, na separação, os sujeitos saberem o que
desejam fazer, mas não de quê ou de quem se separar (Puget e
Berenstein, 1994).
Por sua vez, no ponto de vista lacaniano o que está em
jo go na escuta an alítica não é o casal, o laço conjugal aí esta
belecido, e sim o sujeito (Pereira, 1999).
Nessa perspectiva, o laço conjugal configura-se tal como
uma formação sintomática na medida em que pretende fixar o
objeto cau sa d o desejo, cu ja tare fa é1impos sível. A prom essa de
realizar o impossível insinua-se toda vez que no casal o parcei
ro se faz objeto de desejo do outro (Brasil, 1999). Não:há obje
to capaz de satisfazer integralmente o desejo. Desejo é por
definição desejo de outra coisa, tornando-se quase inevitável
que ele se alimente do que está fora da conjugaliclade (Melman,
1999). O que evidentemente não significa que o laço conjugal
seja imposs ível , desde q ue se leve em conta a dimensão da falta
que está na base do desejo.
A dimensão do desejo também é fundamental para a
criança ter um acesso normativo à sua posição sexual.
Ora, sabe-se que o nascimento de uma criança gera
mudanças na trama familiar. Ao mesmo tempo em que ela
une o pai e a mãe, ela os separa, introd uzindo um a div isão não
somente entre o casal, mas no próprio campo do desejo (Miller,
■— 1998)—-------------------:------------------— -------------------------=— -—
Com o nascimento da criança, o pai angustia-se em face
do desejo da mãe: “Que quer ela então?” “Quem sou eu, pois,
p ara ela?” (Miller, 1998: 10), cujas interrogações não devem
obstruir o .consentimento de que o desejo feminino é sempre
enigmático.
Do lado da mãe, se a criança é requerida a preencher a
falta em que se apóia o desejo feminino, ela fica, como diz
Lacan, numa relação dual “aberta a todas as capturas fantas-
máticas” e “torna-se ‘objeto5da mãe” (Lacan, 1998: 1). Ao con
trário, aalém
coisas criança deve
dela: “òsdividir a mãe,
cuidados quedeela”,
modoa que
mãe,deseje outras à
“dispensa
criança não a desviam de desejar enquanto mulher” (Miller,
1998: 7).
Dependendo de como se inscreve o desejo na relação
entre a mãe e a criança, a ação do analista se torna mais ou
menos facilitada.
Tais conceitos devem nortear o psicólogo cuja prática
seja inspirada na psicanálise.
N ão obstante, deve o mesmo perm anecer alerta para os
riscos de tal aparato conceituai estar a serviço de mecanismos
disciplinares que, articulados à instituição judiciária, visam a
“normalizar o quotidiano, fixar papéis sociais e regular relaci
onamentos” (Brandão, 2002: 38). Mais do que acreditar que o
desejo, a sexualidade e o sujeito estão na srcem dos conflitos
judiciais, cabe ao psicólogo in terrogar, ao lançar mão de tais
conceitos, se ele não atende às estratégias persuasivas de po
der. Para
flitos entretanto, basta incitar
sexualidade cada sem
e aliança, “sujeito”
se dara conta
decifrar
de os
quecon
está
reforçando a tutela sobre as famílias (Brandão, 2001).
79
Isso é um problema que não concerne somente à psica
nálise, mas às .práticas psicológicas em geral, de m od o que
retornaremos a esse ponto ao final do texto.
SO
filhos destas, o serviço de psicologia poderá auxiliar ate c
uma composição amigável do litígio, restabelecendo a har
monia entre as partes e, talvez, promovendo uma mudan
ça de mentalidade dos pais em relação aos filhos,
Nos Estados Unidos, a partir de 1974, tem -se registro
dos primei ros tra balhos de m ediação còm o sendo uma alterna
tiva para lidar com as seqüelas do divórcio e de suas disputas
basea das no antagonismo, como vimos acim a, entre vencedor
e vencido. No Canadá, existem serviços de mediação desde os
anos 70, cuja prática entra na legislação relativa ao divórcio
em 1985. Por sua vez, a China aplicada mediação desde 1949,
tanto em nível patrimonial como familiar, reduzindo conside
ravelmente o número de casos que chegam aos tribunais como
litígio. O recurso da m ediaçã o é tamb ém desenvolvi do em país es
com o F rança, Israel, Austr ália, Ja pão , entre outros (Vain er, 1999;
Curso, 2000).
N a Am
antecederam o érica
Brasildo
no Sul, a Colômbia,
emprego a Bolívia
das resoluções e â Arg en tina
alternativas
de disputa. Somente no início dos anos 90, a mediação ingres
sa no Sul do país, tendo sido fundada em 1994 a matriz da.
instituição brasileira mais antiga de que se tem notícia - o Ins
tituto de M ediaçã o e Arb itragem do Bra sil (IMAB) - cuja sed e
é em Curitiba, no Paraná. Desde então, tal recurso passou a
ser empregado em instituições privadas, chegando às públicas,
em particular, a partir das Defensorias Públicas. Há hoje em
dia um Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Ar
bitra gem —CONIMA, fu ndado em 1997 (Curso, 2000).
De mo do geral, a mediação pod e envol ver t odos os po n
tos do divórcio ou se limitar somente às questões da guarda da
criança e de sua visitação. A mediaçãopode ser também públi
ca, privada ou ambos. Alguns programas de mediação exclu
em os advogados das partes, enquanto outros estimulam essa
particip açã o. Algum as prática s são liberais e não diretivas, en
quanto outras são mais restritivas e condutoras (Vainer, 1999).
Costuma-se a po ntar que m ediação não é i gua l à arbitra
gem ou concili ação. ;
N a arbitra gem , a solução é decidid a por um terc eiro, ao
qual as partes se submetem. Na conciliação, um terceiro auxi-
Tlia-a-man ter-ou-restabeleeer-a-negoc i ação-en tre-os -oponentes
reduzindo as animosidades, opinando e sugerindo novas alter
nativas.
ao acordoOentre
conciliador
as partes.atua
Pordiretamente no conflito,
sua vez, na mediação visando
o terceiro
tam bém ajuda a com por a negoci ação, c om a di fer ença de que
as partes devam ser autoras das decisões. O mediador atua
mais com o facil itador do que in terven tor at ivo, restabel ecendo
o diálogo para que surjam das partes as possibilidades de en
ten dim en to e desfecho do confl ito, iAo co ntrário das outras
práticas, a m edia ção deve in cid ir m enos sobre o acord o do que
o resgate de um canal de comunicação entre os oponentes
(Curso, 2000).
Negociação
85
as relações de poder entrevistas numa certa pedagogia que ela
pare ce im plicar, a saber, de que a pre valência do entendim en
to m útu o e do “sentir-se be m ” cm opo sição' às paixões e ao
sofrimento permite ensinar pais e filhos a controlar suas ações,
aperfeiçoar suas capacidades e diminuir a capacidade de revolta.
O s im pac tos do d ivórci o, os aco rdos em rel ação aos f ilhos, a nio -
bu rocrati zaçã o d as vi si tas, os po ntos de reencont ro
Faz-se necessário notar que é muito comum a desorien
tação do casal e da família após a separação, impondo-se a
cada um a busca de parâmetros para se situar diante da nova
situação.
O desnorteamento após a separação foi constatado na
pesquisa do Califórnia Children o f Divorce Project, o que motivou os
profission
e os filhosais a prom overem
(Wallerstein e Kelly,encontros
1998). sistemáticos com .os pais
O divórcio é o ápice de um processo que se inicia com
uma crescente perturbação do casamento e, após sua concreti
zação, demoram-se anos até que os ex-cônjuges consigam con
quistar uma estabilidade emocional, O problema é que um
perío do de tem po que pode p arecer razoáv el para os adultos
corresponde a uma parte significativa da experiência de vida
da criança.
Os filhos vêem-se com pouco .controle sobre as mudan
ças impostas
de para pelo divórcio.
se ajustar Muitosde,residência
a novos locais não têm somente
ou à dificulda
queda da
situação econômica, mas também ao colapso do apoio e da
prote ção que até entã o espera vam encontr ar na família. Com
o divórcio, há uma diminuição da capacidade parental. Os pais
pass am a fo car mais ate nção em seus próprios pro blem as, to r
nando-se menos sensíveis às necessidades dos filhos. Ao mesmo
86
temp o, relu tam ou .revelam u m a inabilidade pa ra expli car a
eles a situação que estão vivenciando.'
Os filhos sentem-se vulneráveis, rejeitados, culpados, so
litários, sendo muitas vezes usados, para agravar a situação,
-como-suportc-emocionahde^uiTrou-ambos os genitor es, respon-
sabilidade para a qual não se sentem prontos para assumir.
Não é por m enos que a criança concentra amiúde seus esfor
ços para reverter a decisão do divórcio o restaurar a harm onia
famil iar, sem con tu do log ra r êxito. ■ '
Em face desse panorama, os pesquisadores decidiram
incl uir um prog ram a de int ervenção breve dest inad o a propor
cionar atend im en to psico lóg ico e recomen dações sociais e edu
cacionai s p ara as famílias com dificuldades de elabor ar a situaçã o
de divórcio (Wallerstein e Kelly, 1998).
H á ou tro projeto i nsti tuci onal no s EUA - Famílias em
Divórcio - desenv olvi do po r terap eutas de famíl ia e d e cas al des
de 1978, que visa a dar atendimento e suporte-as famílias em
que o divórcio já ocorreu ou está em vias de ocorrer. Atende-
se inicialmente os ex-cônjuges em separado, até o momento de
se sentirem seguros o suficiente para a sessão conjunta. Uma
vez ocorrida tal sessão, há uma avaliação em encontros nova
mente individuais, reforçando os êxitos conseguidos e estimu-
.lando novas tentativas de diálogo. A discussão a respeito dos
filhos é um ponto fundamental para a elaboração do divórcio
e a organização da família.
O trabalho com os filhos é um dos pontos mais impor
tantes desenvolvido no projeto, por meio dos quais se diiui a
postu ra destrutiva dos pais, lida-se m elh or com as dificuldades
da separação e são fortalecidos os vínculos fraternos, tornando
no fim das contas.o proc esso de m ud anç a familia r menos dolo
roso.
De inspiração sistêmica, os autores de tal projeto obser
vam que as querelas entre as partes não provêm do processo
de divórcio em si e sim dos antecedentes matrimoniais, não
sendo a separação mais do que a continuação dos conflitos
enraizados na união do casal. De diferentes tipos de casamento
resultam diferentes tipos de divórcio (Isaacs apudV ainer, 1999).
Deve-se atentar igualmente para a regulamentação de
visitas, evitando-se modelos rígidos e preconcebidos de relacio
nam ento que, ao fma l, possam criar dific uldad es pa ra o genitor
descontínuo acompanhar e participar do desenvolvimento dos
filhos. A burocratização das visitas tem o risco de criar uma
rotina às vezes inteiramente diferente do tempo subjetivo da
criança. Françoisc Dolto (.1989) adverte que a percepção infan
til do tempo cronológico é diferente da percepção do adulto.
Com efeito, convém ao psicólogo promover, junto aos
demais profissionais, acordos de visitas quepossam manter, como
é de direit o, o estrei to relaciona me nto da c riança com seus pa is.
Para tanto, é recomendável que o tribunal informe também
nas audiências sobre a necessidade de visitas do genitor, escla
recendo e ajudando na definição e execução dos acordos refe
rentes aos filhos (Brito, 1999a).
Alguns genitores acabam desaparecendo da vida de seus
filhos por não suportarem os const antes desentendim entos cóm
o ex-cônjuge e não concordarem com o papel de visitantes a
que são relegados. Muitos também não suportam pegar os fi
lhos na casa que um. dia já foi sua, o que indica a .importância
de um outro local para a visitação dos filhos.
N a França, a preocupação em pro porcio nar à criança o
encontro constante com os dois genitores levou à criação de
estabelecimentos cha mado s dc “ pontos de re en co ntro 53. La nça-
se mão desse recurso somente quando não é possível a atribui
ção da autoridade parental conjunta, cuja concepção veremos
adiante, ou quando um dos genitores é impedido judicialmente
de permanecer sozinho com a criança. Os “pontos de reencon
tro” são então lugares onde podem ocorrer visitas supervisio
nadas por especialistas, ou ainda um local “neutro”, onde a
criança é deixada por um dos pais e pega pelo outro que lhe
visita (Bastard-et'Cárdia apud Brito, 1999a).
A necessidade de garantir à criança o direito de convi
vência com ambos os pais é também obj eto de preocupação na
Suécia, onde há um projeto de "conversas cooperativas”. De
senvolvido com ex-cônjuges e profissionais qualificados, o pro
jeto consiste em esclarecer e pro mover a prá tica de custódia
conjunta, obtendo êxito na maioria dos casos atendidos (Saldèen,
apud Brito, 1999a).
90
Observa-se que a guarda compartilhada, como os outros
modelos, não é panacéia para todos os conflitos-familiares. Como
observa Filho (2003), ao mesmo tempo em que ela é benéfica
para pais cooperativos, ela pode não funcionar para outras fa
míli as —Contru do - a-gu arda-c om p ar-til hada-tem-a-vantagem -d e—
ser bem-sucedida mesmo quando o diálogo entre os pais não é
bom, m as que são capazes de discriminar seus conflitos conju
gais do exercício da parentalidade.
Enquanto nesses e noutros países,'como os Estados Uni
dos, a H ola nd a e a Alem anha, po r exemplo, a v isão da cri ança
como sujeito de direitos-promoveu alterações na própria legis
lação referen te ao Direito de Fam ília, ' no Brasi l não houve
modificação significativa na referência ià guarda de filhos de
pais separados.
Com a vigência do "Novo Código Civil”, em janeiro de - '
2003, que substitui o Código Civil de 1916, o critério de falta
conjugal
sem que, na
pordefinição
sua vez, da guarda
tenha sidoécontemplado
definitivamente revogado,
o instituto de
guarda conjunta. Em outras palavras, cai por terra a falta conjugal
mas permanece a guarda mono-parental.
Se antes com a Lei do Divórcio, como vimos acima, no
artigo 10, a mãe ficava com os filhos em não havendo acordo
e sendo ambos os genitores responsáveis.pelo fim do casamen
to, com o Novo Código a guarda é atribuída a quem revelar
melhores condições para exercê-la (art. 1.584). Desse modo, as
regras de cessão dai gu ard a estão diretam ente vinculadas aos
interesses da criança e do adolescente.
Objeto de críticas desde sua vigência, o Novo Código
não formula nada sobre assuntos como união entre homosse
xuais, clonagem, inseminação artificial, proteção do sêmen,
barriga de aluguel, transexu alismo, ex àme de DNA para inves
tigação de paternidade, entre outros.
Por sua vez, a legislação inova ao reduzir o grau de pa
rentesco até quarto grau, legitimar a falta de amor como mo-
91
tivo para pedir a separação sem perda do' direito de pensão3
conceder efeito civil ao casamento religioso em qualquer culto,
estabelecer a igualdade absoluta de todos os filhos, incluídos os
adotados, abreviar a maioridade civil de 21 para 18 anos, ne
gar o adult ério como caus a prepo nderan te na separação, entre
outros aspectos. •
O Novo Código põe fim ao pátrio poder, cujo conceito
cede luga r ao de po de r familiar (art. 1.631). Co m efeito, o po de r
é estendido à mãe, pressupondo â divisão da responsabilidade
na' guarda, educação c sustento dos filhos. Ê se houver diver
gência entre marido e mulher, não prevaleee a vontade do pai,
sendo o Judic iário que concede a soluçã o.
Estabe lece1aind a no artigo 1.632 que a sepa raçã o jud ici
al, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as
relações .entre pais e fi lhos, senão qu an to ao direito que aos
primeiros cabe de terem em sua com panhia os segundos.
Atualmente, encontram-se três projetos de lei em trami
tação no Congresso que prevêem a guarda compartilhada, re
pre se ntando um a"nová modalidade na posse dos filhos1•com
divisão m útu a de tarefas e responsab ilidade s.10
92
O modelo.de família na legislação brasileira não é.refle
xo das relações vivenciadas em toda a extensão da sociedade,
muito mais heterogênea do que a lei pode pretender, e sim a
codificação nascida da preocupação do Estado em reconhecer,
nos termos legais,' os laços familia res, a definição do p od er marita l
e paterno, a regulamentação do regime de bens. Ao regular as
relações .entre pais e filhos, marido e mulher e'dependentes de
vários matizes, e ao organizar a estrutura do casamento e do
regime dc bens, o legislador cumpre uma função não só
normativa, mas, principalmente, valorativa, que codifica ao nível
do Direito o lugar que cada m em bro da famíli a e do casa l dev e
ocupar (Alves e Barsted, 1987).
Por sua vez, no plano das práticas, isto é, ao serem apli
cadas, as leis apóiam e são apoiadas por micropoderes, perifé
ricos ao sistema estatal, que penetram no lar doméstico, invadem
o quotidiano e se multiplicam sob a forma de práticas médicas,
terapêutic as, sociai s e educadv as (Foucault, 1997; Fonseca, 2002).
Há uma colonização recíproca entre o Direito e as prá
ticas de disciplina e normalização. Ao mesmo tempo em que a
legislação absorve valores imanentes às práticas de normaliza
ção médica ou psicológica, entre outros saberes, ela serve de
vetor e suporte para procedimentos de vigilância, controle e
exame irredutíveis às regras de Direito e suas respectivas san
ções (Foucault, 1997; Fonseca, 2002).
A doutrina da proteção integral e a prevalência do inte
resse da criança na definição da guarda fazem surgir a neces
sidade de subsídios psicológicos, entre outros saberes, para a
deci são judicia l.
Contudo, a restrição do psicólogo ao papel de perito não
fa 2 mais do que perpetuar o conflito que permeia a maioria
das ações judiciais, impondo prejuízos emocionais sobretudo
para os filhos envolvidos.
93
Observam-se outras possibilidades-de atuação que pos
sam pro m ov er arran jos mais bené ficos entre os fami liares, alé m
de atender aos interesses objetivos, da instância judiciária.
São inegáveis as contribuições que a prática psicológica
põdêTõferecer a essa"m atéria^d 0~Direit 07"haja_vi.sta_a_dificulda--
de de se abordar hoje em dia as relações humanas como se
fossem determinadas pela objetividade jurídica (Pereira, 2001).
Todavia, não se deve perder de vista que o saber psico
lógico aplicado às Varas de Família não é isento das relações
de poder, cabendo interrogar se ás práticas que visa m a resol
ver os impasses do quotidiano fazem proliferar mecanismos de
tutela cada vez mais sofisticados e menos visíveis.
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LEI n.u 3071, de 1 de janei ro de 1916 .
LEI n.° 6.515, de 26 de dezembro de 1977.
96
LEI n.° 10.406, d e '10 dc janeiro de 2002.
Organização das Nações-Unidas. Convenção Internacional dos Direitos da Criança.
Publicação da exposição dc m otivas para a Propos ta de Abertura dc Concurso
Público para o Cargo de Psicólogo Encaminhado ao Conselho de
Magistratura, de 11 dc novembro de- 1997.-
§■
10 0
gêmeos, Rômulo e Remo, que foram abandonados e “adotados”
por um a lo ba e, posteriorm ente, educados p o r pastores; a his
tória de Edipo é um referencial bastante conhecido para a Psi
cologia; existem ainda muitas figuras místicas que pàssaram
por fugas, adoções e heroísmo, como Perseu, Herm es e Pan ,
entre outros.
vida deNMoisés,
a Bíblia encontram
“filho os retirado
das águas”, a história de pela
do rio nascim
filhaento
do e da
Faraó, que decidiu criá-lo; a literatura em geral apresenta in
contáveis exemplos cle adoções, tais como Tom Jones de Henry
Fielding, G rand es esperanças de Di ckens,-' M on te Cristo de
Alexandre Dumas, Cosette dos Miseráveis, Hucklebeiiy Finn de
Mark Twain, Les Natchez de Chauteaubriand, entre outros.
Também existem inúmeros personagens infantis contem
porâneos que explo ram o tem a: Mogli, o “m enino-lo bo”;
Bambam é filho adotivo de Beth e Barney no desenho “Os
Flinstones”; “O Rei Leão” trata de questões sobre a srcem
biológica e so bre o co mpromisso assumido pela família adotiva
que estão simbolizadas no filme; Super-homem é um símbolo
sobre a necessidade dos adotivos de conhecerem suas raízes;
“Ta rz an ” é um a bela história de adoções esp eciais, e “Pinóq uio”
também representa uma bonita simbologia da transformação
de uma criança em filho (para uma revisão mais detalhada de
mitos, lendas e histórias, ver Weber, 2001).
101
m ica d o j l m ilênio a.C. O mais ant igo regi stro de uma adoção
foi o de Sargon I, o rei-fundador da Babylônia, no século 28
a.Ç. Bárbaros, os hebreus e os egípcios recolhiam as crianças
sem pais e as assimilavam aos filhos legítimos e, por outro lado,
•TnHos-os-out-ros-pQvos.-par-ticularrnentc os persas, os assírios, os
gregos e os romanos controlavam a demografia com severida
de. O pai ou o Estado decidiam se deixavam o recém-nascido
viver, ou jogá-lo às ruas, ou matá-ló.
É sabido que na vida romana o, direito à vida era conce
dido, geralmente pelo pai, em um ritual. Para os gregos a ado
ção cra resultad o de necessidades jurídic as e reli giosas, poi s
pensavam que um a família e seus costum es do mésticos não
deviam extinguir-se, e como a herança somente poderia ser
deixada para um descendente direto, era possível adotar um
estranho que se converteria em filho legítimo. Em Roma, o
direito de um pai sobre seus filhos era ilimitado, assim como
re lata m as leis de Jus tinia no : <cO po de r legal que temos sob re
nossos filhos é um atributo especial dos cidadãos romanos,
porque nenhum outro hom em tem o poder sobre seus filhos
como nós” (Roig e Ochotorena, 1993: 13). Neste ritual, o re
cém-nascido era colocado aos pés de seus pais. Se o pai dese
j a v a reconhecê-lo, tomava-o nos braços, se não, a criança era
levada para fora e colocada na rua. Se a criança não morresse
de frio ou de fome, pertencia a qualquer pessoa que desejasse
cuidar dela para fazê-la sua escrava (Weber, 1999a).
N a Idade M édia o papel da Ig reja no que diz respeito a
questõe s deentre
as relações parentesco formulava
duas pessoas. Em um princípi
virtude deste oprincípio
de não superp
que or
estabelecia o carnal depois do espiritual na criação do vínculo
de parentesco, Leão VI estendeu a capacidade de adotar às
mulheres e aos eunucos. Porém, a adoção teve um repentino
„eclipse em toda a Idade Média para reaparecer somente com a
Revolução Francesa, pois o direito feudal considerava impró
pria a conv ivência de senhores com rústicos e plebeus em um a
102
mesma família (Áries e Chartier, 1991). Borgui (1990) relata
que a Igreja, durante a Idade Média, não via com muito agra-
• do tal inst itut o p or el e ser o opost o do casamento, po is se pes
soas po diam ge rar f ilhos não na turais para imitação da na tureza
,e amparo delas na velhice, podiam por conseguinte dispensar
o matrimônio. Havia "tutores” que se encarregavam dos 6r^"~
faos, criança,
uma mas a prática
órfa ou de
não,confiar
a outraospessoa,
cuidados e a educação
continuou. de
No .caso
desses “pais adotivos” ou “de criação”, os laços de afeto e gra-
ddão prescindiam a con sagração legal de um a. nova sit uação
(Ariès e Chartier, 1991: 474).
N a Idade M odern a, a referência primeira à adoção é
encontrada na Dinamarca no ano de 1683, sendo que houve
influência dessa legislação no Código Napoleônico. Houve o
retorno da adoção com a Revolução Francesa, dessa vez com
interesse um pouco maior do adotado, e por ocasião da morte
dos pais. Do ponto de vista estritamente jurídico, a adoção não
existia na Inglaterra entre os séculos XVIII e XIX, mas so
mente acontecia através da instituição do “aprendizado”: ór
fãos abandonados ou crianças cedidas pelos pais genéticos
integravam-se como aprendizes superiores. Durante séculos o
nascimento de um filho “ilegítimo” era ostensivamente repro-
" vado, ocasionando inúmeros abortos, infanticídios ou nascimen
tos clandestinos, e o posterior abandono da criança. Tentou-se
criar um mecanismo social, embora hipócrita, que solucionas
se estes escândalos —a Roda dos Enjeitados ou dos Expostos
(Perrot, 1991).
Dessa história inicial sobre a adoção é possível tirar pelo
menos duas conclusões: a primeira é que a adoção nos moldes
legais foi uma exceção, e a segunda é que a adoção servia es
pecialm ente aos interesses dos adultos e não aos^da criança
(W eber, 2001). '
A maioria dos países europeus, com exceção da Ingla
terra, construíram sua lei baseada no Código Romano e, pos-
103
tenormente, no Napoleônico. À lei americana não foi derivada
do d ireito rom an o o u nap oleôn ico. -Suas raízes estão nas leis
_ . _ ■ j • ; — .. /
inglesas' qüe naõ previam a* ad oç ão . A m aior ba rreir a par a a
introdução da adoção na lei comum estava em conflito com o
princípio de herança. A te rra somente poderia ser transm itida
dejuma pessoa a outra se estivessem-ligadas pqrlaçòs de sán-
gué, e não poderia ser dada em vida e nem após a morte por
simples vontade do proprietário. A ádoçãò começou realmente
a ad qu irir u m sentido mais social, voltando-se ao interesse ,dá
criança/após a Primeira Guerra Mundial, por causa do gran
de número de crianças órfas e abandonadas, e a adoção come
çou a se r entendida como um a sol uçã o pa ra a ausênáa de pais e
o ,bem-estar da criança.No entanto, depois da Segunda Guerra
Mundial, este renovado interesse público pela adoção foi in->
centivado liòmen te a’recém-nascidos.
Pilotti (1988) descreve que, na América Latina, existem
indícios de que algumas formas de adoção eram praticadas na
época colonial em muitos países, mas ela foi ignorada e omiti
da nas legislações latino-americanas até princípios do século
atual. Com o passar cío tempo houve a mudança dessa limita
ção legi slativa, que segui a o exem plo das legi slações sobre a do
ção dos países europeus que não criavam estado civil entre
adotantes e adotados, mantendo o vínculo de sangue, entre es
tes últimos e seus pais genéticos. Atualmente, os norte-ameri
canos .sao, em . todo o mund o, os mai s nu mero sos a r eco rrer, à
adoção,»e “estima-se que o número de crianças adotadas nos
Estados Unidos esteja em torno de 5 a 9 milhões, e este aspec
to mostra como é importante para a sociedade americana en
ten der e enf ren tar as dificul dades nesse tipo de fili ação’5(Samuels,
1990: 6).
No Brasil, o abandono de crianças não é um a situação
■ recente. Marcílio (1998 : 12) relata que “o ato de ex po r os fi
lhos foi introduzido no Brasil pelos brancos europeus, pois o
índio não aba nd on ava os próprios filhos. Nos períodos colonial
104
e imperial, crianças legítimas e ilegítimas eram abandonadas
cm diversos lo cais "úrbános, na tenta tiva dos pais de livrarem -sc
do filho indesejado, não amado ou ilegítimo”. Para estas crian
ças denominadas dè enjeitadas, desvalidas ou expostas, foi copiado
o “m ode lo” europeu: a “R od a dos* Expostos”, que pe rm itia o
abandono anônimo de bebês. As Rodas dos Expostos existiram
ern nosso país até a-década de-1950,e fomos o último país do
m un do a ac ab ar com elas. ^ **
As teses da Faculdade de Medicina do Rio dc Janeiro
mostraram-se, inicialmente, favoráveis à utilização da Roda
como medida moralizãdora e de proteção à mulher. Consisti
am, algumas delas, em argumentar sobre, a fragilidade da na
tureza feminina, facilmente levada pelos sentidos e vítimas dos
libertinos e celibatários —homens inescrupulosos que não se
continham ante à tentação de seduzirem as mulheres, tornan
do-as sem honra e obrigando-as a abandonarem os filhos à
caridade pública (Arantes, 1995: 192).
Costa (1988) fez uma completa reconstrução histórica
da legislação brasileira sobre adoção (até anteriormente ao
Estatuto da Criança c do Adolescente), mostrando que o insti
tuto introduziu-se no Brasil a partir das Ordenações Filipinas,
e a Lei d e 22 d e se tem bro de 1828 fo i o primeiro^ disposi tivo
legal a respeito da adoção. A época, os textos jurídicos eram
recheados de citações romanas, “ironicamente menosprezando
à herança através da tradição judaica e sua influência na ideo
logia cristã, como nos exemplos de Moisés e Ester, e o caso da
sabedoria de Salomão na solução de disputa de duas mães por
um filho” (Costa, 1988: 28). No entanto, a referência à adoção
nos textos jurídicos era bastante rara anteriormente à elabora
ção do C ódigo Civi l de 1916. C osta argum enta que a inc lus ão
da adoção neste código foi motivo de acirrada polêmica, e a
mesm a obteve l ugar graças à a utoridade c pertinác ia de Cló vis
Beviláqua que alegou que “a adoção estava muito em uso em
vários Estados brasileiros”.
As possibilidades de adoção constantes no Código Civil
brasileiro de 1916 asse m elhavam -se àquelas ditadas pelo C ódi
go Napoleônico. Eram excessivamente rígidas e, conseqüente
mente, isto dificultava o seu uso social: somente podiam adotar
f^-maiores-deJiCLanos, sem filhos legítimos ou legitimados.
Em 1927 foi criado o primeiro Código de Menores brasilei
ro (e o primeiro da América Latina),- que apresenta definições
^de abandono e suspensão de pátrio poder (atualmente chama
do de poder familiar), diferença- entre menor abandonado e
delinq üen te, e um a du pla defini ção de aba nd on o - físico e moral,
mas não trouxe nenhuma contribuição à questão da adoção e
nem contribuiu para diminuir o número de crianças abando
nadas no país, apenas enfatizou a institucionalização de crian-^
ças como uma forma de “proteção” à infanda.
N o Brasil, no ano de 194-1 foi oficializada a prim eira
Agência de Colocação Familiar, na Bahia, que serviu de mo
delo pa ra outras agência s estad uais que s e criaram d uran te est a
década (Costa, 1988). Porém, ao longo do tempo, desvirtua-se
o conceito de “proteção” à criança órfa e abandonada para a
colocação legal de crianças em famílias com o objetivo de se
rem utilizadas como serviçais.
■A Lei 3.13 3/5 7 trouxe a lgumas modi ficaçõ es im po rtan
tes para a adoção, mas ainda estava jlonge de ser um recurso
simples: a idade mínima do adotante foi reduzida para 30 anos,
e a diferença de idade entre adotante e adotado também foi
diminuída para 16 anos, permitindo-se a adoção mesmo se o
adotante tivesse filhos legítimos, legitimados ou reconhecidos.
Como na Lei anterior, o vínculo de parentesco restringiu-se ao
adotante e ao adotado, mantendo-se o conceito de filiação
aditiva; os casados somente poderiam adotar depois de trans
corridos 5 anos do casamento.
U m passo mais amplo fo i dad o através da Lei 4.655 /65 , .
que criou a Legitimação Adotiva, pela qual o adotado ficava quase
com os mesmos direitos e deveres dó filho legítimo, salvo no
106
caso de sucessão, se concorresse com filho legítimo superveniente
à adoção. De acordo com Bulhões de Carvalho (1977), com
esta lei, passaram a coexistir duas modalidades de adoção,
regidas diferentem ente: suma pelo Código Civil _e outr a p ela
nova lei: O que distinguia a Legitimação Adotiva era a preocu
p ação com o dêstin atari o— a- enança-ab an don ada_o.u_que._j
estivesse
de 7 anoshde á três anos
idade, ,e sob
coma ag equiparação
ua rd a dos legit imantesdee cdireitos
em termos om menos
e deveres com os outros filhos do casal e o desligamento com a
famíli a d e srcem (excetuando-se os imped imentos matri monias),
"v Fo i so ment e'co m a Lei 6. 697/ 79, c om a instituição d o
^ novo C ódigo de Meno res, que houve m aior p rogresso na ques
tão da adoção de crianças: passou-se a admitir uma forma de
adoção simples, que era autorizada pelo juiz e aplicável aos me
nores em situação irregular e houve substi tuição da legit imação
adotiva pela adoção plena. Com a instituição deste Código pas
sou a haver três procedimentos básicos para a adoção: a ado
ção simples e a adoção plena regidas pelo Código de Menores,
e a adoção do Código Civil, feita através de escritura em car-
4
107
lei, o Estatuto da-Criança e.do Adolescente (ECA) (Lei 8.069',
d e ,.13.0 7.90 ),, co nsid erad a um à dás lei s m ais av an çad as do
"mundo?. À questão da adoção do Estatuto da Criança e do
. A dolesc ente derivou do art. .227 d a C onstituição Fe deral, co
nhecida como a nossa “Constituição Cidadã”:... § 6° “Os fi
lhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção,
terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer
design ações di scri minatórias rela tivas à filiação”/ A im po rtân
cia do EC A pa ra-o recon hecim ento dos dir ei tos. d a crian ça no ^‘
Brasil é fundamental é, em especial, no que diz respeito à ado- ^
ção, pois passa a estabelecer como Lei a igualdade de trata-^
ménto entre filhos-genéticos e adotivos.
Ocorreu nxaior facilitação para realizar uma adoção com
a promulgação do ECA: a idade m ínima exi gida para o adotante
que, antes era
a diferença de de1630anos
anos,entre
passou a ser de
a pessoa que20adota
anos,e respeitada
a que é
adotada; aútorizou a adoção por pessoas solteiras, viúvas," con
viventes e divorciadas; possibilitou a'adoção unilateral, que é
aquela em que o marido, ou companheiro, pode adotar o filho
de sua esposa (ou companheira) sem que haja ò rompimento
dos laços de família da criança com a sua mãe genética; admi
tiu a adoção póstuma, na hipótese de o candidato à adoção
^ f'
falecer - .
+4* no- curso- do• processo*,
>\ —
T-
e ga ran tiu o plen o dire ito à suces-
. são do filho adotado. N o EC A houve o avanço pa ra a teoria
- da proteção integral èm lugar da mera proteção ao menor em situação
irregular.Também houve unificação das duas formas de adoção
previstas no Código de Menores: a adoção plena e a adoção sim
ples, que passam a não existir mais; existe a adoção que é plena
e irrevogável e-será; “deferida quando apresentar reais vahta-//
gens pa ra o a dota ndo e funda r:se ’em ,m otivos legí timos”. O
ECA passa a promover a adoção como primordialmente um
,atò de amorne não simplesmente uma questão dc interesse do
adotante. É importante ressaltar que, com a implantação do
Estatuto da Criança.e do Adolescente, o termo “menor” caiu ,
108
cm desuso, a partir de movimentos de pesquisadores e de defe
s a dos direitos (Weber, 2001: 61).
No entanto,- apesar dos avanços legislativos, todo o pro
cesso jurídico pa ra a adoção é co nsid èrad o^le nto ér burocr áti-^
co” pela maioria dos adotantes, tanto aqueles que passaram
pelo processo quanto por aqueles que nunca entr aram num
Ju izad o d a'Infân cia e da Juv entu de (Weber e Cornélio, 1995;
Weber 2001). A percepção destas dificuldades e “burocracias”,
no linguajar dos adotantes, passa a ser, de certa forma, um
incentivo para que ocorram ilegalidades na esfera da adoção,
acrescidas do fato de que os brasileiros, em geral, querem ado
tar bebês da cor branca, cujo número é reduzido para a ado
ção (de certa forma porque a maioria tende a ser acolhido por
uma adoção informal). No Brasil, é bastante difundida a práti
ca dc registrar uma criança como filho legítimo, através de um
registro falso em cartório mas que apresenta sanções civis para
este tipo de adoção:
■ o1. filho
^Anulaçãode registro —na “adoção à' brasileira”, registra-se
como próprio, ou seja, nascido daqueles pais. (...)
Trata-se de uma simulação e a conseqüência é, desde logo
a anulação do Registro Civil que cancela todo ato simula-
do.
2 ., Perda da criança - mesmo tendo em vista o fim nobre,
b ' ' ‘-“
r*
como o ato impugnado se revestiu dc iiicitude, pode ocor-
^ rer, também, desde logo, a tomad a da criança dos pais
v ’"*V “falsos” ou “pos tiço s” .
%
’V 'Ò 'a rt . 242 do Código Penal estatui: “dar parto alheio
como próprio; registrar, como seu, filho de outrem; ocultar
recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito
inere nte ao estado c ivil. Pen a - recl usão de 2 a 6 ano s” . Em
1981 foi incl uído parágrafo único, que tem a segu inte red aç ão :.
“Se o crime é praticado po r motivo de. recon hecida nobreza:
Pen a —detenção de um a doi s anos, podendo o juiz d eixar de
aplicar a pena”. Mesmo dentro desse espírito de “reconhecida
109
nobreza”, o juiz condena c impõe a pena e, em um segundo
m om ento, concede o perdão judi cial . O réu não c um pre pena
nem se torna reincidente, mas há inscrição do seu norrie no rol
dos culpados. Importante se faz a contemplação de campanhas
de-es elar edmento-à -popul ação_e_uma: adequ ad a equipe técni ca
p a ra lidar com a questã o nos Ju iz ados da In fa n d a e da Ju v en
tude.
N a verd ade, o que é pre ciso é um pro ce sso m aio r de
esclarecimento e conscientização acerca da importância da le
galidade do processo de adoção, assim como a facilitação e
desentrave burocrático que ainda reveste a questão do aban
dono de crianças nas instituições, que passam a ser crianças
abandonadas de fato embora nem sempre de direito. Além do
mais inexiste uma definição de “abandono” no-ECA, o que
perm ite que crianças perm aneçam longos anos em instituições,
coriíígurando-se em “filhos de ninguém”, sem condições de
reintegração com sua família de srcem e sem possibilidade
legal dé serem adotados, pois o poder familiar ainda pertence
a seus pais genéticos. Além do mais, parece evidente que o
termo “adoção à brasi lei ra” pertence a um tipo de jargã o pejo
rativo, uma maneira de ironizar o nosso próprio “jeitinho bra
sileiro” : Talvez seja hora de mu darm os essa deno m inação ; est e
processo pode ain da.s er cham ado de “adoção dir eta ” ou m e
lhor, “adoção informal” (Weber e Kossobudzki, 1996; Weber,
2001 ).
En i 15 de ab ril.de 2002 foi de cr eta da a Lei No . 1.0.42 K
que' estende'à mãe adotiva o direito à licença-maternidade,
alt erando a C
Deereto-Lei onsol
No. idaçdeãoIo.
5.452, das-Leis do de
de maio T rab alh eo, aaprovad
1943, Lei No. a pe lo ,
8.213, de 24 de julho de 1991, designando a dev ida imp ortân
cia da constituição da família por adoção. Um resumo dessa
Lei assegura que:
“Art. 392-A., A empregada que adotar ou obtiver guar
da judicial para fms de adoção de criança será concedida íicen-
ça-maternidade nos termos do art. 392, observado o disposto
no seu § 5U.
§ Io No caso de adoção ou guarda judicial de criança até 1
(um) ano de idade, o período de licença será de 120 (cento
e vinte) dias.
'$~2'°~No~caso-de-adoção-Oii,gfuarda judicial de criança a pardr
de 1 (um) ano até 4 (quatr o) anos de idade, o período dè--
licença será de 60 (sessenta) dias.
§ 3o No caso de adoção ou guarda judicial de criança a partir
de 4- (quatro) anos até 8 (oito) anos de idade, o período de
licença será de '30 (trinta) dias.
§ 4o A licença-maternidade só será concedida mediante apre
sentação do termo judici al de gu arda à ado tante ou gua rdiã”
A Lei, emb ora extrem am ente o portun a, dife ren cia e traz
maiores privilégios para adoção de bebês até um ano de idade,
fazendo com que crianças institucionalizadas continuem en
contrando poucas oportunidades de;adoção pelos brasileiros,
que preferem adotar bebês recém-nascidos, brancos e saudá
veis (Weber e Kossobudzki, 1996; Weber e Cornélio, 1995;
Weber e Vargas, 1996).
N o dizer de M arcílio (1998: 227), o Estatuto da Criança
e do Adolescente foi tão euforicamente recebido, que se che
gou a afirmar que “ele promove, literalmente, uma revolução
copernicana neste campo”, mas apesar de todo otimismo pre
visto, a realidade mostra que ainda há muito chão pela frente
p ara que os direitos cheguem à vida real.
111
ticas e o perfil de adotantes e adotados no Brasil seria necessá
rio reportar-se aos mais de 2000 Juiza dos da Infân cia e da
Juventude do país. O trabalho mais completo desta natureza
até o momento (Weber, 2001) foi uma tese de doutorado que
investigou diversos aspectos da adoção com 400 pessoas em 17
Estados e 105 cidades brasileiras. Desta maneira, um breve
resumo dos principais dados encontrados por Weber será
apresentado a seguir:
Sobre os adotantes
9 Estado civil dos adotantes:casados (89%); solteiros (8%); separa
dos e viúvos (3%)
0 Idade dos adotantes: a idade média da mãe adotiva no momento
da adoção era de 32 anos e do pai adotivo, 37 anos;
° Cor da pele dos adotantes: 96% das mães e 86% dos pais são
brancos;
° Religião: predomina a religião católica (65%); no entanto, os
adotantes protestantes (18%) e os espíritas (15%) estão repre
sentados nas fa mílias adotiva s pesquis adas em m aio r nú m ero
do que na população em geral;
®Escolaridade dos pais adotivos'.50% das mães adotivas c 48% dos
pais adotivos está cursando ou possui curso superior;
6 Renda salarial familiar, variada, encontrando-se famílias cuja
renda deé de
mais 100três salários
salários mínimos
mínimos mensais
mensais. até famílias
A maioria com
das famíli
as adotantes (73%) possui renda familiar variando entre 3 e
30 salários mínimos mensais;
0 Profissão dos adotantes: as mães adotivas têm profissões que exi
gem nível superior (34%), em outras profissões de nível primá
rio ou secundário (31 %), não exercem atividade remunerada
fora do lar (27%) ou estão aposentadas (5%). Os pais adoti
vos exercem advidades profissionais que exigem nível supc-
. rior (3 1%); 58% têm um a profi ssão què exi ge nivel prim ário
ou secundário- e-9% estão aposentados; observa-se que 87%
das m ães "adotivas solteiras têm curso sup erio r e profissão
compatível com a escolaridade;
• Existência defilhos genéticos'. 49% das famílias adotivas têm filhos
genéticos, sendo que 84% dos filhos genéticos foram gerados
antes da adoção;
o Motivo para não ter filhos genéticos: 80% afirmaram que não ge
raram filhos por questões de infertilidade ou esterilidade; 9%
são solteiros; 7% afirmaram que optaram por não ter filhos
genéticos e 5% relataram “outros motivos”;
• Número defilhos adotados'. 54% adotaram somente uma criança
e 46% adotaram duas ou mais crianças:
• Idade da criança adotada: 71% adotaram um bebe com até três -
mese s de idade; 14% ado taram crianças at é do is an os de ida- y
de. Houve, portanto, somente 15% de adoções de crianças
com mais de dois anos de idade (consideradas adoções tardi
as);
71% ado taram uma cri ança d e cor branca;
• Cor da criança adotada'.
24% adotaram uma criança de cor parda; 4,5% adotaram
um a criança de cor negra e 0, 5% adoto u um a cri ança de cor
amarela. Como a adoção de uma criança mestiça por
adotan tes bran cos é considerada, no Brasil, como a doçã o inter-
racial, houve 28% de adoções inter-raciais se for considerada
a cor da pele da mãe, e 26%, se for considerada a cor da
pele do pai; desse total de adoções inter-raciais, somente 4%
foram de adotantes brancos e crianças negras;
0 Saúde da criança adotada: a maioria absoluta de crianças era
perfeitam ente saudável (75%); as outras possuíam algum pro
ble m a de saúde no m omento da adoção, mas geralm ente,
sem gravidade;
0 Gênero da criança adotada.a preferência por meninas (57%) em
relação a meninos (43%) não é estatisticamente significativa;
11 3
A do ção legal ou i nf orm al
• Tipo da adoção : as adoções dividem-se em “legais” (52%), rea
lizadas atr avés dos Juizad os da Inían cia e da Juv en tude do
pãis f as “inf ormais— f4 8 % ^ As-i nfo rmai s ocorr em quando
' um b eb ê é registrado em ca rtório como f ilho genét ico (42%)
e quando uma criança passa a fazer parte da família adotiva
mas sua certidão de nascimento contínua em nome dos seus
pais genéticos (6%) - ta m bém as conhecidas como “filho de
criação”; ;
’* Tipo das adoções versus avaliação dos Juizados da Infanda e da Juven
tude: a maioria absoluta dos adotantes que realizaram uma
ado ção legal ou info rm al av alio u, negativamente o trabalho
reali zado pel os Juizad os da Infancia e da Juve ntud e em rel a
ção à adoção (76% e 89%, respectivamente);
e Tipo : adotantes
das adoções versus nível de escolaridade dos adotantes
com nível de escolaridade superior apresentaram maior ten
dência em realizar adoções legais. Dos adotantes com nível
superior, 70% dos pais e 80% das mães fizeram adoções le
gais, en qu an to so m ente 30% dos .pais e 20% das mães reali
zaram adoções informais; 51% dos adotantes com .escolaridade
até .1° Grau realizaram adoções informais e somente 26%
dos adotantes com escolaridade de 2“ e 3" Graus fizeram esta
escolha;
c Tipo das adoções versus renda familiar, adotantes com merior ren
da familiar apresentaram tendência para realizar adoções
informais. Os dados mostram que 56% dos adotantes que
têm renda familiar até 15 salários mínimos fizeram adoções
informais, enquanto 24% dos adotantes com renda superior
a 15 salários mínimos fizeram este tipo de adoção;
* Tipo das adoções versus período de tempo passado desde a primeira
adoção: maior freqüência de adoções informais ocorreu antes
de 1991, ou seja, antes da promulgação do Estatuto da Cri
an ça e do Ad olescente (199 0), qu e veio pa ra faci litar o trâmi-
114
' • te dos processos l egais; 64% das ádoções informais o corre
ram antes de 1991 è 36%, depois de 1991; por outro lado,
2,1% das adoções legais ocorreram antes de 1991 e 79% das
adoções legais ocorreram depois de 1.991; ■
* Tipo das adoções versus maneira como a criança chegou alè os adotantes:
cri anças ad otadas lega lmente geral mente vêm ^elnstiíuições,
e crianças adotadas informalmente vêm através de mediado
res. A maioria absoluta das crianças adotadas legalmente (83%)
veio de instituições e 10% de hospitais, enquanto §2% das
crianças adotadas informalmente chegaram àos adotantes por
meio de mediadores, e 20% foram entregues pela própria
m ae biológica ou foram deixadas na porta dos adotantes; 12%
das adoções informais vieram diretamente de hospitais e/ou
i matemidades, pressupondo a intermediação da equipe médica;
115
adotadà. Adotantcs que adotaram porque não tinham filhos
genéticos mostraram maior preferência por determinados
atributos físicos da criança (35%) do que aqueles que adota
ram por motivos altruístas (7%)'.
0 Existência
a maioria"7deabsoluta
algum tipo depreparação
(79%) dos pais para a adoção
adotivos*
não para
teve osquai
adotantes: ^*
sq u er tipo dè preparaçã o prévia a adoç ão; 4 2 % os filhos ge
néticos foram preparados por seus pais e para 42% deles a
adoção foi uma surpresa;
Preparação prévia para a adoção, versus atributos dos filhos adotivos
segundo os adotantes:pais que tiveram algum tipo de prepara
ção para a adoção citaram, com maior freqüência, atributos
positivos em relação ao seu filho, adotivo: 89% dos ad otantes x
116
que tiveram preparação falaram características positivas so-
^bre seus.ülhos,..-.eis,7;0®/p--dos adotantes que não pas sa ram por
pre paração,' falaram positivam ente.
De senvo lvi m en to, edu cação e r el aci onam ento d os f ilho s adoti vos
° Principais características atribuídas aos filhos adotivos por seus pais: a
maioria absoluta dos pais adótivos (74%) falou, em primeiro
lugar, de características positivas de seu filhò adotivo. Entre
todas as características atribuídas ao filho adotivo, as princi
pais fo ram "‘ser, afetivo” (2.1). e “ser alegre” (14%);
* Dificuldades na educação dojitíio adotivo segundo seus pais: a maioria
absoluta dos pais adotivos (69%) afirmou não-ter encontrado
dificuldades na educação do filho adotivo, ou mencionou que
as dificuldades foram naturais como em qualquer família;
* Dificuldades na educação do filho adotivo versus idade da criança no
momenlo da adoção: pais adotivos que adotaram crianças com
idade acima de dois anos, relataram maiores dificuldades na
sua educação: 25% dos adotantes que adotaram uma crian
ça até dois anos, relataram dificuldades na educação, enquanto
38% dos adotantes que adotaram uma criança com mais de
dois anos afirmaram terem experimentado dificuldades;
° Dificuldades na educação dofilh o adotivo e dofilho genético: a maioria
absoluta dos adotantes que têm filhos genéticos afirmou que
as dificuldades encontradas na educação dos seus filhos fo
ram semelhantes (61%);-
i. ■"-
jJ v■ t
a Dificuldades no relacionamento afetivo com ofilho adotivo: a maioria
absoluta dos pais adotivos (76%) afirma que não encontrou
dificuldades no relacionamento afetivo com o filho adotívo;
6 Dificuldades no relacionamento afetivo com o filho adotivo versus idade
da criança no momento da adoção: a adoção dc crianças com mais
de dois anos de idade trouxe aos pais maiores dificuldades no
relacionamento afetivo; 13% dos adotantes que adotaram
117
crianças com menos de dois anos tiveram dificuldades en
quanto 72% dos adotantes que adotaram crianças com mais
de dois anos relataram dificuldades, com o relacionamento
afetivo de seu filho adotivo. No entanto, essas dificuldades
~fn ram -supe radas-c-n enh um filho que d emonstro u estar insa
tisfeito com a relação atual foi adotado tardiamente; .
* Dificuldades no relacionamento efetivo com ofd ho adotivo versus moti
vação para adoção: ter adotado umá criança por infertilidade
. ou p o r altruísmo não tem relação com en con trar dificu lda
des no r elac ion am en to afet ivo com i o filho adotivo; 84% de
adotantes cuja motivação foi infertilidade não encontraram
dificuldade no relacionamento afetivo e 78% dos adotantes
cuja motivação foi altruísmo não encontraram dificuldades
neste tipo de relacionamento com seu filho adotivo;
• Os adotantes aconselham outras pessoas a adotar uma aiahça?A m aiori a
absoluta dos pais adotivos (69%) afirmou que aconselha ou
tras pessoas a realizarem uma adoção porque se sente feliz
com a sua própria decisão,
i
Precon ceit o e discri m ina ção social pe la fam ília ad oti va
* Filhos adotivos pensam que as pessoas tratam de maneira diferente as
pessoas adotadas? Aproximadamente metade dos filhos adoti
vos (51%) afirmou que, de maneira geral, os outros tratam
de maneira diferente e discriminam as crianças que foram
adotadas;
• Sentimentos dosfilhos adotivos em relação à sua possível parecença com
os pais adotivos: a m aio ria dos filho s adotivos está sati sfeita com
a sua situação, sejam parecidos ou. não com os pais adotivos:
32% acham -se parecidos e gost am da sit uação, e 25% acham -
se diferentes mas também gostam da situação. Somente 13%
afirmaram que se acham diferentes e gostariam de ser pare
cidos com seus pais adotivos;
1 18
• Filhos adotivos indicam as pessoas que os discriminaram:a maioria
das autudes discriminatórias em relação aos filhos adotivos
•veio de.amigos (37%), da família (33%).ou tanto de amigos
quanto da família (17%);
• Sentimento de vergonha sobre a adoção de membros da família adotiva:
—ést€Tdã"do- re vela- difere nças-entre-os-trêsTgFupos-pesquisados:
a maioria absoluta dos pais adotivos (63%) afirmou que nun
ca sentiram vergonha da sua situação ou, ao contrário, sen
tem orgulho (19%). A maioria absoluta dos filhos adotivos
respondeu que não sentem vergonh a (71%), mas n enhu m falou
que tem orgulho desse fato e 26% sentem-se envergonhados
ou procuram não falar.do fato;
8 Sentimento de veigonha dosfilhos adotivos versas idade em que ocorreu a
revelação:filhos adotivos que souberam de sua adoção depois
dos seis anos e/ou por terceiros, sentem mais vergonha da
sua condição;
° Dificuldades na educação do filho adotivo versus discriminações sofridas
pelo filho adotivo: o filho adotivo ter passado por discrimina
ções está ligado ao fato de os pais adodvos relatarem dificul
dades em sua educação; enquanto 21% dos pais que relataram
que o filho adotivo nunca sofreu discriminação encontraram
dificuldades na educação de seu filho,! 53% dos pais cujos
filhos adotivos já sofreram discriminação, tiveram dificulda-.
des com a sua educação;
A lgu n s f ator es pri ncipais da d inâ m ica da fam ília por ado ção
• Pais adotivos revelaram a adoção ao seu filho adotivo? A- maio ria -
absoluta dos pais adotivos contou a srcem ao seu filho, e
somente 4% não fizeram e nem pretendem fazer esta revela-
' ção;
“ Filhos adotivos indicam,a pessoa quefe z a revelação, sobre adoção: foi a
mãe quem filou com o filho.sobre a adoção, na maioria das'
119
vezes (43%) t , em segundo lugar (23%), aparecem .ambos os
pais; .. . .
° Como ocorreu a revelação sobre a adoção aoJilho: Em primeiro lu
gar, os filhos qu e resp on de ram a essà questão, falam ,que a
revelação foi feita de forma/natural (26%); em segundo lugar
(24%) eles disseram que a revelação ocorreu de maneira'for-
mal, mas em terceiro liTgar (15%). os filhos adotivós afirma
ram que souberam da sua adoção em um momento de conflito,
em meio a brigas familiares;
0 Idade em que oJilho adotivo soube de sua adoção: a maioria absoluta
dós filhos que foram adotados precocemente (79%) afirmou
que soube de sua adoção pela mãe e/ou pai, antes dos seis
anos cíe.idade; 22% souberam sobre sua história de maneira
pouco adequada: tardiamente pelos paisj ou por terceiros;
* Idade em que o filho adotivo soube de sua adoção versus. sentimento de
: aqueles que souberam depois dos^seis
vergonha por ser adotivo
anos sentem mais vergo nha d a sua condição de adotivos (46 %)
do que aqueles que souberam antes dos seis anos (28%);
0 Tipo de informação que os filhos adotivos têm sobre sua família de
• ongem: a maioria absoluta dos filhos adotivos (84%) não tem
nenhuma informação sobre sua srcem, somente, sabe que
era uma família pobre;
a Os'filhos adotivos desejam ter mais informações sobre sua família de
srcem? A maioria absoluta dos filhos adotivos (62%) pénsa'
que ter informações sobre sua família de srcem não é im-
- • porta nte; 32% dos filhos pen sam que é bom. co nh ece r sua
* história;
° Filhos adotivos têm interesse de. conhecer pessoalmente sua família de
. srcem? A rhaiò ria absolu ta dos fi lKos adotivos (5 8%) nã o qü er
conh ecer sua f amíli a de srcem ou não g ostou. de conh ecê-la;
13% foram fruto de adoção tardia e afirmaram que gosta
ram de ter conhecido sua família e 18% gostariam realmente
de conhecê-la pessoalmente; para os, outros isso é indiferente
ou deixaram a questão se m respost a; :
12 0
• Sentimentos dosfilhos adoduos por seus pa is genéticos: 45% dos filhos
adotivos afirmaram-que não tem nenhum tipo de sentimen
tos por sua fámüia de srcem; 28% referiram-se a sentimen
tos negativos e 22% falaram de sentimentos positivos;
° Primeira palavra associada com adoção para pais adotivos, filhos ado
tivos ef il h ó sgenéticos: para os três grupos de sujeitos, a palavra
que sé assòcia
? Tratamento à adoadotivos
dos pais çã o' éaosfilhos
“ám ór ”;V
genéticos e adotivos: a maioria
‘-.absoluta.dos filhos adotivos (63%) e genéticos (75%)'acham
que òs^pais trataram todos os filhos da mesma maneira, e 9%
dos adot ados, pensam que receber am tratame nto m elhor do
que seus irmãos; 1
• Como o filho adotivo estaria mais feliz? A maioria absoluta dos
filhos adotivos;(83%) .afirmou que1seu*lugar de felicidadevé
com . os-.pais, adoti vos; *16% nã o resp on dera m ou deu ou tra
resposta se m relação com famíl ia e somente um filho respon
deu que estaria melhor com sua família de srcem;
o Sentimento dosfilh os adotivos em relação a seus pais adotivos: a mai
oria absoluta (93%) afirmou que sente amor e percebe-os como '
. "pais; 5% afirm aram qu e ele s são como estranho s, e 3% d ei
xaram a questão sem resposta.
122
pela adoção de um segundo ou terceiro filho. Existem pessoas
soltei ras que não são infért eis mas q uere m filhos e há verda dei
ros atos dc generosidade motivados social ou religiosamente,
definidos pelos adotantes como compaixão, empatia, desejo de
contribuir e convicção de que tem algo a dar.
----------Parker-(-l 999.).áfimia_q.ue. os dados de pesquisas america-
nas revelam que a melhor combinação para que os adotantes
tenham uma avaliação positiva da adoção tem sido a combina-'
ção de infertilidade e altruísmo, pois a maioria dos adotantes
nessas condições tem consciência de que há uma mistura de
suas próprias necessidades e as dà criança.JCJm importante grupo
de ado tan tes nos Estadós Unidos~(cerca de 34%) tem si do os *
fosterparentS) o caso de nossos “paisjoçiais” das Casas-Lares ou
program as co mo “pais de pja ntã o”, e há que se definir e re
pensar m elh or este tipo de situação. Geralm ente eles são pou
co cons iderado s em ripssa rea lidade po rqu e ^são “con tratado s v
vpara cuidar”-e não estão necessariamente na “fila” do cadas-
tro, mas o nascimento dc um vínculo de afeto que certamente
pode beneficiar a criança não deve ser desprezado. O tema
. ainda é carregado de polêmica. Há argumentos que mostram
que a institucionalização da figura dos pais sociais carrega o
risco de perpetuar à situação de abrigo das crianças submetidas
a essa forma de cuidado, e nesse sentido ps “pais sociais” en-
<trariam em con flito com ò que prega o ECA, cuja prioridade é , .
colocar as crianças em condições o mais próximas possível da^
vida familiar. Outro s argum entos enfatizam que a s Casas-l ares
e, conseqüentemente, os pais sociais, parecem ser uma boa al
ternativa para uma fase de transição que tenta minimizar os
efeitos maléficos da institucionalização. Na impossibilidade de
se acabar rapidamente com as grandes instituições, as casas-
lares, que geralm ente ab rigam 10 crianças a o máximo, poderi
am. ser um a alternativa vi áve l pa ra que a criança outrora
abrig ada em grandes ins tituições pos sa ter um a vida mais pr ó
xima de um ambiente familiar. A polêmica revela que muito
ainda há para se discutir sobre o tema e planejar pesquisas que
possibilitem a compreensão mais acurada das variáveis im por
tantes em todo esse processo.
A motivação sempre deve ser um fator de investigação
dos candidatos, embora ninguém tenha muito claro quais são
os sinalizadores realmente .negativos, a não. ser aqueles que
indiquem casos patológicos. A importância da motivação está
ligada ao fat o de q ue ela e stá fort emente, relacio nad a às expec
tativas que os adotantes têm da ádoção, ou seja, reflete no com
promisso e satisfação da adoção, mas se falamos em um a
preparação para adoção e não apenas um a seleção de candi
datos “naturalmente mais aptos”, a situação.muda de figura.
Técnico s e pesquisad ores {t ais çomo Jp fré, 1996) ind icam casos
em que a adoção não seria indicada pela motivação 3os candi
datos. tais como a perda recente de um bebê ou famílias que
possam ter filhos genéticos mas optam por uma adoção. Ques
tionamos todos os pareceres negativos antecipados, ou seja,
. ninguém deveria ser excluído a priori, antes de ter passado pelo
processo de preparação para a adoção, pelo qual se poderiam
conhecer mais completamente os motivos é expectativas dos
postulantes. Algumas equipes técnicás têm políticas que exclu
em os candidatos .em fases muito precoces, e isso pode fazer
com que muitos candidatos desistam e procurem outra manei
ra inf ormal de ado tar, ou ap arecem nos Juizados com as famo-
,sas “adoções.prontas'*. De fato, parece existir uma velada
hierarquia para se escolher um candidato como aprovado em
alguns casos; por exemplo, os solteiros parecem somente con
seguir se um casal não for encontrado. Os serviços de adoção
precisam rever seus critérios de tempos em tempos pois há
mudanças sociais pertinentes que devem ser incorporadas.
Ao se falar de candidatos à acloção, não é possível deixar
de lado um outro importante tema sempre presente nos deba
tes:.a adoç ão po r homossexuai s; Em bo ra a legi slação brasileira
nao contemple a adoção por casais homossexuais, uma vez que
124
não exista juridicamente o casamento entre parceiros homos
sexuais, já existem alguns casos nacionais em que pessoas
declaradamente homossexuais realizaram uma adoção como
solteiros. O tema da orientação sexual de uma pessoa e do
dire ito ou não de adotar u m a criança é ess encia lmente polêmi
co e a discussão está presente até mesmo em outros países.
Lasnik (1979) destaca que uma pessoa homossexual procurar
uma criança para adoção não é sinônimo de consegui-la, mes
mo nos Estados Unidos c não é sequer possível saber quantos
homossexuais já adotaram uma criança. No entanto, em todo
o mundo, maior número de homossexuais têm-se se submetido
ao processo de habilitação para adoção, ao contrário do que
ocorria no passado, quando recorriam mais freqüentemente à
inseminação artificial (Sàmuels, 1990). O número de pesquisas
sobre o assunto ainda é pequeno, mas alguns autores, como
Mclntyre (1994), afirmam que a pesquisa sobre crianças serem
criadas por pais homossexuais documenta que pais do mesmo
sexo são as
analisou tãoevidências
efetivos quanto casais tradicionais.
da influência Patterson
na identidade sexual, (1997)
de
senvolvimento pessoal e relacionamento social em crianças
adotadas. Examinou o ajustamento de crianças criadas por mães
homossexuais (mães biológicas e adotivas) e os resultados mos
traram que, tanto os níveis de ajustamento maternal quanto a
auto-estima e o desenvolvimento social e pessoal das crianças
são compatíveis com crianças criadas por um casal tradicional
O tema não pode maís ser negado e são necessárias mais pes
quisas que possam esclarecer a dinâmica dos relacionamentos,
mas também é preciso refletir que, mais importante do que a
orientação sexual dos pais adotivos, o aspecto principal ê a
habilidade dos pais em proporcionar para a criança um ambi
ente afetivo, educativo e estável.
125
0 perí odo de es pera
O período de espera é uma fase de transição para a
parenta lidade, na qual os indivíduos não são nem pais mas
’— também -não-são-llpais em ^espcra” como ocorre na grav idez.
Assim, nesse período de espera os candidatos não têm muitcT
ainda a comemorar e nem' têm sinais positivos de que eles re
almente serão pais de uma criança. Nem os candidatos à ado
ção nem as outras pessoas têm definidos papéis para acompanhar
e apoiar essa fase de transição para a parentalidade. Além do
mais, essa transição típica ocorre em um contexto de perdas e
privações associadas com a infertilidade e com o desejo de um a
crian ça (Brodz ins ky e Schechter, 1990). Diferentem ente da g ra
videz, os adotantes esperam uma criança na sua ausência, ou
seja, sem a segurança que ela realmente venha e sem ter sinais
de sua presença física (Sandelowski, Harris e Holditch-Davis,
1993). Pesquisas mostram que os candidatos ficam cada vez
mais inseguros quanto maior o tempo de espera. Gassin e
Jacquemin (2001) afirmam que os pretendentes apresentam tais
ansiedades em função de seu histórico de perdas e suas expec
tativas sobre a adoção, pois ter filhos é uma determinação
macrossocial e, ao mesmo tempo, um dispositivo de poder
microssocial. ;
Neste perío do os candidatos ficam usualm ente rum in an
do sobre como foi a concepção dessa criança sem a sua real
presença física; pensam sobre o critério de seleção da cria nça e
em sua história de vida; geralmente listam uma série de carac
terísticas da criança, tais como isexo, idade, estado de saúde e
outros, por ocasião de sua candidatura. Nesse caso eles simu
lam uma ação de escolha e assim eles podem imaginar com
mais facilidade essa criança que ainda não existe. Assim como
os pais genéticos sabem o sexo do seu bebê; os pais adotivos às
vezes podem saber o sexo da criança que poderão ter
(Sandelowski, Harris e Holditch-Davis, 1993). Não é possível
126
exigir que todos os candidatos esperem a todo momento uma
criança virtual sem sequer imaginar algumas de suas caracte
rísticas, mãs o que a equipe deve fazer é encontrar maneiras de
refletir sobre os desejos de cada um e como eles se coadunam
com as características das crianças que esperam uma família.
— •Q-perÍQdo-de-espera-tem_sido_reIatado por muitos como
difícil e frustrante, e os psicólogos da equipe técnica podem
criar formas de manter os candidatos como verdadeiros parti
cipantes do processo; Esse tempo pode ser muito longo, mas
algumas vezes pode ocorrer ser muito curto, dependendo de
muitas variáveis, como a exigência dos candidatos e as crian
ças disponíveis. E~importante que os adotantes sejam informa
dos do andamento do seu processo, pois o relato é que os
candidatos sentem-se esquecidos e isolados. Sandelowski, Harris
e Holditch-Davis (1993) concluem em' sua pesquisa que este
período de espera pode ser tão rico quanto o período de espera
de um filho genético, não necessariamente um estado depressivo
e ansioso. Se os candidatos ficam isolados, muitos podem desis
tir e p arti r pa ra ou tro tipo de adoç ãó como mostram os relatos
de Weber (1999a, 1999b, 2001). Pode ocorrer uma espécie de
bargan ha quando um a criança é proposta. Na dificuldade de
se obter um bebê do sexo feminino, por exemplo, é oferecida
uma outra criança, e os adotantes sentem-se pressionados em
concordar, especialmente se estão esperando há muito tempo.
Não basta pressionar, mas pre parar. O longo tempo de espera
pode fazer co m que aceitem um a criança somente para acabar
com a ansiedade da espera, e isso pode trazer frustração e de
sapontamento.
N a m aio ria dos casos de crianças mais velhas co nsidera
das para adoção é preciso lembrar que suas vidas geralmente
estiveram rodeadas de circunstâncias difíceis, com inúmeras
decepções e privações importantes. Assim, a equipe profissio
nal precisa estudar cuidadosamente o passado da çriança para
determinar suas necessidades específicas e áreas mais vulnerá-
127
veis para procurar um' làr adotivo especialmente adequado às:
necessidades da criança, no qual as pessoas estejam preparadas
para recebê-la.
128
Vargas (2000: 59): “Uma das questões técnicas mais relevantes
no trabalho do psicólogcTcom a adoção é a possibilidade de
atuação preventiva. A obrigatoriedade de um contato inicial
mediante avaliação para o cadastro de candidatos e a observa
ção dos vínculos familiares em formação, durante o estágio de
convivência, facilitam que a intervenção do psicólogo venha a
ter um ca ráte r mais orien tado r e de suporte do q ue p erícia’ 5.
A atuação de uma equipe técnica na qual um psicólogo
faça parte deve levar em conta a reflexão sobre as práticas da
equipe e a constante avaliação dos resultados e satisfação dos
candidatos, para fugir do aspecto essencialmente burocrático
do processo, como assegura Pilotti (1988: 37):
Se bem que são inegáveis as vantagens que apresenta a
cooperação de instituições especializadas no desenvolvimen
to de um processo de adoção, não c demais indicar que
não são
vez alheias ao arisco
de incentivar de cair
adoção, em burocradsmos
trazem obstáculos. O que, em
desafio
de uma instituição que se dedica à adoção consiste em
cumprir rigorosamente com as normas técnicas que defi
nem seu funcionamento, mas tratando de evitar processo:?
excessivamente longos e difíceis.
Anteriormente, a avaliação de candidatos consistia ape
nas em critérios de seleção de moradia, ingresso e composição
familiar. Agora a tendência mârca a necessidade de estabele
cer um processo de assessoria constante para as famílias adoti
vas, tanto antes quanto depois da colocação da criança. Em
vez de ter o objetivo de encontrar pais ideais, a equipe técnica
dos Juizad os da Infancia e d a Juv entud e dev e saber rec rutar
candida tos pa ra o grande nú mero de cr iança s que precisam de
um a famíl ia e ajuda r os postulantes a se t orn arem pais capaz es
de satisfazer as necessidades de um filho adotiva “Os profissi
onai s da adoção tornam-se, ass im, agente s transformad ores em
potencial, através de um a práxis com os futuros pais adotivos a
partir de grupos operativos, cuja vivência, aliada ao acesso a
129
informações, transcende a avaliação judiciária e propicia no
vos referenciais, atitudes e conceitos em torno da Família e
ad oç ão ” (Cassin e Ja cq ue m in, 2001 : 249).
Assi m, a prim eira tarefa de um a e qu ipe ;de adoção é
-garantir,que_os candidatos estejam dentro dos limites das dis
posições legais em vigor no país e, a su a segunda e im portante
fase, seri a iniciar um prog ram a de trabalho com os postul antes
aceitos, elaborado especialmente para assessorar, informar e
avaliar os interessados e não apenas “selecionar” os mais aptos
(Weber, 1997), Diversos modelos de seleção de candidatos e
aspectos norteadores deste processo têm sido discutidos e apre
sentados po r pesquisadore s contem porâneos, e algu ns serão
mostrados a seguir.
Pilotti (1988) apresenta sugestões para nortear o proces
so de seleção: 1
1. Os pais adotivos devem ser selecionados de acordo com a
sua capacidade para exercer os;papéis inerentes à paternida
de e maternidade, como também se baseando no potencial
que demonstrarem para se tornar pais capazes de satisfazer
as necessidades de uma criança durante as diferentes etapas
do seu desenvolvimento;
2. Nessa seleção, são sempre prioritários os interesses da crian-
Ça,
3. A equipe técnica das Varas de Adoção deve definir e infor
mar claramente aos interessados os requisitos e procedimen
tos que regem o processo de seleção, a fim de evitar possíveis
interpretações errôneas;
4. A posição soci o econôm ica dos postulant es ou sua capacida
de para exercer influências de diversa índole não deve cons
tituir um elemento de importância no processo de adoção.
Em seguida, Piíòtti (1988) mostra quais aspectos de ava
liação da idoneidade dos candidatos devem ser investigados,
embora não indique de que maneira isso pode ser feito:
130
.1. Investigar a personalidade e maturidade dos candidatos; o
modelo de.se relacionar com a própria família; qualidade da
união matrimonial; adaptação no lugar de trabalho; ativida
des comunitárias e atitudes perante a tolerância e a disciplina.
Maturidade: capacidade para-dar e receber afeto; habilidade
~“pa ra'as sum ir"a "rc spo nsã bili d ad <Tde cuida r, gu iar e pr oteg er ãT
outra pessoa; flexibilidade para mudanças segundo as neces
sidades dos outros; habilidade para enfrentar problemas, de
silusões e frustrações;
2. Ve rifi car a qua lidade d a un ião co njugal e atitudes para com
as crianças. Os futuros pais adotivos devem ser simplesmente
pessoas comuns caracterizadas ta nto pelas debilidadcs e ca
rências quanto pelos aspectos positivos, mas devem ter habi
lidade e afeto pára com as crianças. Devem ter a capacidade
de aceitar a criança que adotarão como ela é, sem noções
preconceituosas de como
mente. Tolerantes para aceitarseadesenvolverá física e emocional
realidade dos antecedentes
do filho;
3. Verificar a capacidade de lidar com a infertilidade e reações
quanto a isso;
4. Determinar.se as motivações estão baseadas.em necessida
des emotivamente sãs: desejo de levar uma existência mais
completa c realizada; assumir responsabilidades inerentes à
paternid ade e matern id ade; ajudar um a criança; contribuir
para o desenvolvimento de outro ser hum ano e principal
mente o desejo de dar e receber afeto.
131
Alguns autores'apresentam as características' que os can
didat os a pais adot ivos deveriam ter valorizando a capac itação
pela equipe técnica. Segundo Sanz (1997) os serviços de ado
ção deveriam valorizar os candidatos e contribuírem para sua
capacitação mediante um programa quê contenha tanto as
pectos genéricos como específicos de cada càso, com o objetivo
de desenvolver posições preventivas da intervenção. Nesta
capacitação,, os pais' adotivos devem estar dispostos a:
1. Ser os primeiros a revelar a adoção a seu filho e estar dispos
tos a responder a suas perguntas;
2. Expressar empatia, compreensão e respeito às necessidades
do adotado em conhecer seus antecedentes e as razões pela
quais foi.adotado; ■
3. .Contatar com a instituição ou serviço de adoção para solici
tar mais dados sobre os antecedentes da criança se as infor
mações de que dispõem são insuficientes;
4. criar
Comunicar-se abertamente
uma atmosfera em que coma seu filhosesobre
criança sintaa livre
adoção e
para
perg untar o que desejar;
5. Continuar falando da adoção depois de fazer a revelação
inicial;
6. Adaptar o nível de conversação ao nível de maturidade
cognitiva e emocional da criança;
7. Entender os sentimentos da criança e as causas dos mesmos,
• tanto aq ueles que t êm sua base na adoção, co mo aquel es que
não têm.
132
2. A po iar os pais adotivos a ace itarem as diferenças do filho •
adotivo; ,r. . T-
.3. Potencializar a capacidade dos pais para enfrentarem de
maneira adequada a educação da criança adotada;
4. Apoiar-os pais na elaboração e aceitação das srcens da cri
ança adotada;
5. Auxiliar os pais a assumirem a importância da revelação e
trabalharem os elementos para facilitar a influência positiva
deste momento: quando, o que e como informar.
a.^educação da oriança
As pesquisas adotiva.
mostram que, pára a compreensão de um
papel novo em nòssa vid a ou para mudanças de atitudes e
com portam entos impo rtantes, não basta f reqüen tar e as sistir a
palestras: Neste m odelo de preparação/e ducação são utiliza
dos gru pos de discussão com atividades e vi vênci as part icipativas
(treinamento de papéis, brainstormirig, trabalhos em. pequenos
■ grupo s, víde os, fo tografias^ desenhos, treina m en to de habilida-
134
&
........ .
cies sociais, treinamento de práticas educativas) que têm o ob
jetivo de atender a"três aspectos dos participantes: •
1. Refletir atitude? e comportamentos emocionais, como a dis-
•posição pa ra aceitar o passado da cria nça, seu s sent imentos e
recordações sobre a sua família; disposição para mostrar res
peito pelaTamília genética as“circunstâncias-que levaram -à-
. separação definitiva; ajudar a criança a conservar e valorizar
a sua própria história; aceitar os sentimentos de ambivalência
e insegurança da criança e seus desejos de conhecer mais
sobre o seu passado etc.;
2. Desenvolver habilidades que permitam enfrentar de manei
ra competente a tarefa de educar uma criança adotada com
todas as suas características;
3. Discutir idéias e sentimentos sobre o processo de adoção e
suas implicações, os problemas mais comuns, os recursos
existentes na comunidade para apoiar as famílias etc.
135
ção de um a famí lia para um a criançá concret a,' assim co m o no
período de adaptação criariça-fam ília e no, acom panham ento
posterior.
Além do mais, não é possível esquecer o trabalho da
equipe técnica que trabalh a com adoção dos Juizad os, da In-
■fânci a e d a Juv en tud e, que devem estar sistcm aticam cnte
conectados com os Conselhos Municipais de Direitos da Cri
ança, os Conselhos Tutelares e as ONGs que tràbalhám com a
inserção da criança na família, como salienta Vargas (2000, p.
139), essa aliança traz diversas vantagens:
a) A prevenção das “adoções prontas” (adoções intuitiipersonae),
ha identificação/orientação pelos Conselhos Tutelares e
ONGs, das redes de informantes/intermediários não legais
•qué atüam nas mesmas;"
b) A prevenção do abandono, através da identificação das mães
na própria rede que estimula as entregas diretas, trabalhan
do sua decisão de entrega e prevenindo assim reincidência
ou, avaliando com as mesmas os recursos que possuem ou
que possam obter para criar seu filho.
c) A "preparação de cand idaturas com potencial para" realizar
as'adoções necessárias —que já vem sendo realizada de for
ma in depen dente pelas Ass ociações' de Pais e Gru po s d e A poio
à Adoção, poderia ter o respáldo rháiòr da Rede de Atendi
mento, recebendo estrutura para um atendimento mais téc
nico pa üta do riá ’orientação p reven tiva e m elhor instru m en
talizado para atender a demandas ináis complexas.
d)fcÓ ac om pa nh am en to'du ran te o está gio de convivência po de
ria ser mais sistemático^e, efetivamente preventivo caso fosse
reali zado po r prof issionai s desvinculados da avaliação d o J u
diciário em lo cal ade qua do às nece ssidades dò grup o em for-
• mação, còmo o pró prio ambi ent e domiciliar.
Weber (2001: 247) apresenta uma sugestão de prepara-
'■ çã o/e du ca çã o dividida em dois grupos disti ntos: o p rim eiro
grupo seria composto por aqueles que já têm filhos adotivos e/
136
ou genéticos,,e outro por aqueles que não os têm, pois as habi
lidades refletidas.nesta preparação podem ser diferentes. No
entanto, é p ossível pe nsa r que um grupo mais het erogêneo tam
bém possa trazer vantagens. Esta preparação deve nec essaria
mente incluir a criança, inclusive sob condições que serão apenas
utili zadas no fu turo p róxim o. Á seguirã o esquem a de W eber
(2001 ):
•' -Gr up o ini ciant e -, , - .-'/G r uposê nior •
: Não temfilhos ád
ofivosoubiológicos-: : i- Temfilhos adolívos e/ou biológicos
^déiróímênjoítà^
■■■.■■■. S tíÂBIllttDÓs^^r:^.
Í - G rupos ' d e " m i s ^ d o t ív o s ^ :> FeeóbackPAR
ÂHÃOhabiutaoòs.••
DÍsfuti moyer^hsci èntiraçSp sob% '• Prevençãodé‘
a tf dções informais'.-'j: r ; [
\ ã dinâmica daifamfiiàs ádòlivás '-‘.'r •: Proposição de continuar'a participação
/.v;;6da lamíii
'príi a idealizadae atraz
nêirD'encòVifro família
sêm rea
l £•. à v
préaruledade
: deveser preparado ram cuidado ; v •’ v
A criança deve ser esclarecida se siia mudírtça.
Preparaçãoparaá crIaíiçapísighaoa'.' para unia familiaédefinitivaouéuma ftentativá!’
Dossiê da história pessoal a ínsfitcioiíaí; Crianças tém irni passado na Inst liuiçaij é devem
Perfil psicológicodas criançasma
toras; : . poder íevarseu s-pertéricésfavoritos1 eobjetos de
Contatol nterpessoál. . ; apego ■ h:-iY -/w ’ ':Sr;-'
Prepa rar outroslhas
(I àdotiyos ou biológicas ' Cuidado,especial quando a criança freqü enfae
• trocaráde escola; ' ''
Figura 1: ep
Rresen
taçãográfica de umpossível procedi
mento parapreparação
de adotanles eotado
ad s
(Weber, 2001:247).
137
A conclusão é a necessidade de uma mudança de
paradigm a, ou seja, de a equipe técnica te r um a conduta peda
gógica e nao simplesmente avaliativa, “retirando-se o foco de
suas atri buições d a perícia para rec olocá -las num p atam ar mais
amplo que inclua o preparo e a reflexão dos pretendentes”
(Cassin e Ja cq uem in , 2001: 249)7É preci so aindãTref leti rrso bre
as famosas “adoções prontas” e se “há pouco a fazer” nestes
casos, por que não estabelecer condicionalmente a participa
ção de tais adotantes em grupos de preparação? Granato (1996:
107) ressalta que “o tema da adoção! intuitu personae não tem
sido focalizado pelos estudiosos da adoção, mas é dos mais
angustiantes e perturbadores para aqueles que efetivamente
trabalham nesse campo e ocorre com umà freqüência muito
superior à que sc imagina”. Na realidade brasileira que.se apre
senta, não é possível apenas aguardar candidatos que procu
ram por um bebê recé m-nasci do, mas também traçar est ratégias
de recrutamento de pretendentes que ;possam desenvolver ha
bilid ades p a ra a adoção de crianças com outras características,
qu e lo tam as ^instituições d e ábrig am en to. N ão é possí vel ter
respostas para tudo, mas é possível refletir sistematicamente
sóbre nossas práticas sociais, profissionais e pessoais, como
poeticam ente rela ta M areei Proust: “À verd adeira viagem da
descoberta consiste não em buscar novas paisagens, mas em
ter olhos novos”.
138
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140
Saio de C arval ho
nomina
aplicação'individualização administrativa
da sanção pelo juiz da pena’.
(individualização Apóscabe
judicial), a
ria aos agentes do sistema carcerário classificar os condenados
com intuito de dete rm inar o pro gram a ‘ressocializador’ — -os
condenados serão classificados, segundo os seus antecedentes e personalida-
-de} para orientar a individualização da execução penal(art. 5o, LEP).
Assim, os condenados ao cumprimento de pena privati
va de liberdade, principalmente aqueles que cumprirão em
regime fechado, serão submetidos a diagnósticos para obten
ção de elementos necessários à adequada classificação,
objeti vando est abel ecer o s parâm etros d o ‘tratam ento p enal’ .
A Comissão Técnica de Classificação (CTC), para ob
tenção dos dados reveladores da personalidade, poderá requi
sitar informações, entrevistar pessoas e realizar as diligências
que considerar necessárias (art. 9°, LEP). O, trabalho da CTC é
presidido pelo D ir etor da instituição carc erá ria e sua estrutu ra
é composta, no mínimo, por dois chefes de serviço, um psiqui
atra, um psicólogo e um assistente social (art. 7o, LEP).
141
D eterm inação legal aditi va à CTC é a d e acom panh ar a
execução das penas privativas de liberdade (art. 6-, .LEP), de
vendo propor, à autoridade competente, as progressões (art.
112, LEP) e regressões (art. 118, LEP) dos regimes, bem como
as conversões de penas (art. 180, LEP).
Diferem da CTC , cujo labo r'tem como esc opo ; avaliar o
cotidiano do condenado, os afazeres dos técnicos do Centro de
Observação Criminológica (COC). Este local autônomo da
instituição carcerária realiza exames periciais e pesquisas
criminológicas que retratarão o ‘perfil do preso’, fornecendo
instrumentos de auxilio nas decisões judiciais dos incidentes da
execução , notadamente livramento condicional e progressão
de regime. Logo, enquanto a CTC atua no local da execução,
\ como observat ório do cotidiano
Vé^ínoÍdada\j^o*^jn^pro^ej^yo^4rt^^ d(? aPenado, o C O C tem por fun-
Çã° realizar exames criminológicos
^toVdemm■■determinado;‘períòdfc • r .• j . . ,
mais sofisticados, com intuito de
-v„"p
er soifali dadéVO£udos;•e''.parecères ) a u x i l i a r OS Órgãos da execução. .
Não obstante, o Código ..... Penal
,fechádo“aoc serrn-;abe rtoj e;deste;a^o,aberto)'.;# p r e v e q u e O c o r p o C nm inolO glC O
^ tá S ? ÍÍ ÍÍ S É É ÍI Í.(G O G ) deverá realizar .prognósticos
de não-dehnqümcia, requisito subje-
concessão .do livramen-
•^ •^ ^ o r-pi^vêrí^p^i^íú^ã^è5H^'^^cfc,Jd (^ to co iidicio naL —para o condenado
po r crime doloso, cometido com violm-
^;5ííõ;:eiktót^da;njcsma;^^"a5qüc^ ípistem^jfc cia ou grave ameaça à pessoa^ û conces-
são dó livramento ficará também subor-
í^^jàcxiy^po^cípaçâü dttuidçL a constataçao de condxçoes
pessoais quefaça m presumir que o libe-
rímc'{àit.’. í.^ô/da LeipqdcVegrea^/se^
Wcúçf.Q)Sot‘co ná éh ído - re-*
,ld| e7Exccuçãò)í*'>:r/ú :,',i-fado, nao voltara, -a delinqinr
'-'tv ’ . ... (art.
. 83,
luk * i , r , . ot>v A . ,
para grafo unico, C r). Assim, o le-
. gislad or estabeleceu condições espe cialí ssimas p ar a concess ão
do direito nos casos da denominada ‘criminalidade violenta’: o
: ’ dispositivo se inspira na reclamada defesa social e tem por objetivo a pre-
venção gerai Se após o exame criminológico (ou resultar da convicção do
juiz) ainda revelar o condenado sinais de desajustamento aos valoresjurí-
dico-criminaiSj deverá continuar a sofrer imposição daquela pena até o seu
limitefin a l se a tantofor necessária em nome da prevenção especial (Fran
c o etalli, 1993: 535).
— ——O-Cxame fpericial)_entendido còrrió idôneo para a prog-
nose seria o de cessação de periculosida de/^õu sêjã^l nstrumen-
to análogo àquele aplicado ao inimputável (art. 175, LEP); caso
contrário, na.ausência do exame, o juízo será hipotético2(Cos-
' ta jr .j 1999: '206): '
Conclui Alvino Augusto de Sá, ao discutir a natureza
dos exames crimiriológicos é as formás de prognose, que o pa-
' recer da CTC deveria voltar-se eminentemente para a execução, para a
terapêutica penal e seu aproveitamento por parte do sentenciado. Já o exa
me criminológico épeça pericial, analisa o binômio deUto-delinqüente e o
foco central para o qual devem convergir todas-as avaliações é a motivação
criminal, a dinâmica criminal , isto é, o conjunto dosfatores que nos aju
dam a compreender a srcem e desenvolvimento•da conduta criminal do
examinado. Ao se estabelecerem as relações compreensivas entre essa condu-
' ta e essesfatores, se estaráfazendo um diagnóstico criminológico, N a dis
cussão> devem ser sopesados todos os elementos desse diagnóstico e
contrabalanceados como os dados referentes à evolução terapêutico-penal,
de form a a se convergir o trabalho para um prognóstico criminológico, do
143
A atuaç ão, pe ri ci al c om o control e d a ide nti da de do preso
Lembra
‘operadores Vera Malaguti
secundários’ do Batista,
sistema,aoque
estudarestes
a atuação dostécnicos
quadros
que entraram no sistema para ‘humanizá-lo3, revelam em seus pareceres
(que instruem e tem. enorme poder sobre as sentenças a serem prof endos)
conteúdos' moralistas, segregadores e racistas, carregados daquele olhar
lombrosiano e danuinista social erigido na virada do século XIX e tão
presente até hoje nos sistemas de controle social (Batista, 1997: 77).
Sabe-se que um. dos mais-perversos modelos de controle
. social é. aquele que funde o discurso do dire ito com o discurso
da psiquiatria, ou seja, que regride aos modelos positivistas de
coali zão conceituai do juríd ico com a criminolog ia naturalist a.
É que o sonho da. medição da periculqsidade, foijado no inte
rior do paradigma criminológico positivista, encontra guarida
nesse sistema.
Retomando conceitos como propensão ao delito, causas da
delinqüência e personalidade voltada para o crime, o discurso oficial se
men tos.A ao
utilidade
julgam ressaltada
en to, p.erpor Foucault
rhitindo aos seria fornecer.argu
magistra dos um a ‘b o a -:
co ns ciê nc ia’.4 '’
O juiz da execução penal, desde à reforma operada pela
criminologia clínico-administrativa, deixou de decidir, passan
do apenas a homologar laudos técnicos. Seu julgamento passa;,
a ser informado por um conjunto de micro-decisões (micro-
poderes) que sustentarã o ‘cientificamente’ o ato decisório. As-
147
sim, perdida.no emaranhado burocrático,: a decisão torna-se
impessoal, se ndo, ino min áve l-o sujeito prol atòr.-. .
Lem bra Foucau lt ,qüe o juiz de nossos dias ~. magistrado ou
jurado ~ fa z outra, coisa, bem diferente. de julgar*: Ele não julga mais
sozinho. Ao longo do processo penal,- e da execução da pena, prolifera toda
uma série de instâncias anexas. Pequenas justiças e juizes paralelos se
multiplicam em tomo do julgamento principal: peritos psiquiátricos e psi
cólogos, magistrados da aplicação dapena, educadores, funcionários da
administração penitenciária f acionam o poder legal de punir; dir-se-á que
nenhum deles partilha realmente do direito dejulgar; que uns, depois das
sentenças, só têm o direito defa zer executar a pena fixada pelo tribunal, e
principalmente que o u t r o s o s peritos - não intervêm antes da sentença
para fa zer um jidgamento, mas para. esclarecer a decisão dos juizes
(Foucault, 1991: 24).
Ferrajoli afirma, que estes .modelos correciona listas de
‘reedu caçã o’ - qualquer coisa que se entenda com esta palavra
(Ferrajoli,
s/d: 46) ” acabam se tornando, uma aflição aditiva à pena pri
vativa de liberdade c, sobretudo, uma prática profundamente
autoritária. Esta comporta - prosse gue o autor - uma diminuição da
Liberdade interior do detento, que viola o.primeiro princípio do liberalismo:
o direito de. cada um ser epermanecer ele_ mesmo;- e, portanto, a negação ao
Estado de indagar sobre a personalidade psíquica do cidadão e de transformá-
lo moralmente através de medidas de premiação ou de punição por aquilo
que ele é e não por aquilo que ele fe z (Ferrajoli. s/d: 46).
Converge, nesta perspectiva, Fabrizio Ramacci, ao ava
liar as teorias da emenda desde o processo de filtragem d.a Lei
Penitenciária a partir da Constituição italiana. Leciona que a
, ê bloque-
exasperação da idéià de correção, ínsita na doutrina de emenda
’ada pela proibição constitucional de tratamento contrário ao senso de hu
manidade, tanto nas.formas de violênciaà pessoa, quanto nas de violência
. à.personalidade (v.g. lavagem cerebral) porque contrastante com a dignida
de humana '(art 3 [dá Constituição) e com. a liberdade de desenvolver e
(Ramaci,
inclusive manter.a.prõpria personalidade (art. 2 da Constituição)
1991: 133). ... . ’ •• 1
14 3
A fun ção do s t écnicos do si st em a pe nit en ci ári o ( C ri m inó log os)
de sde um a- perspect iva hum ani st a
N ão obstan te a legitim ação de um modelo m oralista fu n
dado na recuperação, o discurso clínico-disciplinar, ao atuar
como suporte
■decisõe ao jurídico
s em sede e, cria
executiva, assimumsendo, fundir-se
terceiro a elen nas
discurso, ãó-jurí-
dico e não-psiquiâtrico, autopro.clamado criminológico, que,
apesar da absoluta carência epistemológica/é altamente funcio
nal.5
Foucault entende este processo como uma técnica de
normalização do poder que não é apenas"resultado do encon
tro entre o saber médico e o po der judiciário, mas d a com po
sição de um cèrt o tipo dc pode r - nem médico, nem judiciário,
mas ou tro que colonizou e repeliu tanto o sab er médico
com o o pod er jud iciário (Foucault, 2002: 31 -32).
A técnica criminológica, ao se colocar como o discurso
da ‘verdade1no processo de execução, acaba por reeditar um
sistema de prova tarifada, típico cios sistemas inquisitivos pré-
modernos, que incapacita as normas de garantia, visto obstruir
contraprova (irrefutabilidade das hipóteses).
. Nã o ap enas no p lano processual, ma s igualmente no plan o
material, o discurso clínico altera a face do direito penal. En
quanto o objeto de discussão do direito é (deveria ser) o fato
concreto, impossibilitando avaliações sobre.a história de vida
do sujeito, no discurso criminológico é nítida a valorização da
interioridade da pess oa — os diagnósticos são repletos de conteúdo moral
e com duvidosas doses de àentificidade (Bátista, 1997: 84).
■' Sustenta Cristina' Rauter que a 'colonização’ dojudic iári o pel as ciências humanas,
pel a via da Criminologia, corresponde a um processo de hnplanlaçào de uma tecnologia
disciplinar\ com efeitos ao nível do discurso e também- das prá ticas sociais (Rauter,
1982: 80).
149
if-:' •'
150
dev eria ser outro qu e o de ‘tarefeiro’ - fornecedor de dados
sobre ‘conduta futura e incerta’, com o escopo de justificar a
dec isão ju dic ia l.8 . ,
Uma atividade pautada em programas humanistas de
redução de danos.possibilitaria construir com o apenado técni-
___cas_que_possibilitass.enua_minimização;_do„efeito_deletério_do
151
Importantes, pois, as recomendações do Documento Fi
nal do Programa de Investigação desenvolvido pelo Instituto
Interamericano de Direitos Humanos (IÍDH).
Diagnostica o relatório que inexiste nos ordenamentos
jurídic os latino-am ericanos qualquer tipo dé inte rvenção
participativa d'o apenado na eleição do pro gra m a de reinser-
ção aonado
conde qual estará
tendemsubordinado. Em izregra,
a ser es tigmat ante s,osagregand
informes osobre
expeodien
tes com- sentido infamante altamente negativo que al par de re
sultar una agresión a la personálidad, totalmenle contrariaa losfines que
se propone formalmente el sistema, importa en una seria violación a la.
esfera íntima de la persona, que no se encuentra afectada por la pena
privativa de liberdad más que en la estricta medida de lo que, conforme a
la naturaleza de las cosas, se desprende dei mero heclio de la privación de
libertad (Zaííaroni, 1986:'209).
Conclui Zaffaroni que a pena privativa de liberdade não
tem, sob nen hu m a justifi cativa,' o efeito de c om prom eter a
personalidade c a intimidade do condenad o, de tal sorte que os
técnicos que atuam na execução não estão isentos do segredo
profissional inerente aos seus cargos, isto é, os funcionários não
estão autorizados a divulgar dados relativos à intimidade da
pessoa.
Posto isto, propõe ó relatório (Zaffaroni, 1986: 209-210):
(1) que a observação e a classificação d os condenado s o corra
em um período
tervenção de umade.tempo razoavelmente breve,
equipe-multidisciplinar com apelo
controlada in
juiz da execu ção penal, posibilitando a in te rvenção do
' apenado na estruturação do programa ao qual será subme
tido;
(2) que os informes das comissões de clasificação se.abstenham
de pen etr ar em ■aspectos conc ernen tes à esfera íntim a d a
. pessoa, baseando- se- em modelos , adeq uad os às carac terísti
cas culturais de cada comunidade;
15 2
(3) que os profissionais e.funcionários intervenientes fiquem
submetidos às regras do segredo profissional ou funcional e
que seus informes n ão sej am agrega dos, indiscrimin adam en
te aos autos do processo. -s
Para final iza r, urge lembrar Anãbela M irand a Rodrigues
quando sustenta que o f tratamento\ quer seja realizado em liberdade,
quer em caso de sua privação, é sempre um direito; do indivíduo e não um
dever que lhe possa ser imposto coativamente, caso em que sempre se abre
a via de uma qualquer manipulação da pessoa humana} redobrada quando
esse tratamento afeta a sua consciência ou a sua escala de valores. O
edireito de não ser raludof
t é parte integrante do ‘direito de ser diferente3que
deve ser assegurado em toda sociedade verdadeiramente pluralista e demo
crática (apudFr an co , 1986: 106).
Nota
* Os resultados ap resentados neste artig o são fr uto: dc pesq uisa financiada
pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, desenvolvida
j u n t o a o s e u P r o g r a m a d e P ó s - g r a d u a ç ã o c m C i ê n c ia s C r im in a is
(transdisciplinar) e é parte integrante da versão revista e atualizada do livro
Pena e Garan tias (Carvalho, Saio dc. (2003) Pena e Garantias. R io de Janei ro:
Lum en Juris , 21 edição - pre lo ).
Trata-se, em realidade, de reavaliação e atualização de investigação que se
iniciou no ano de 2000, cujos resultados preliminares foram publicados ao
longo de 2001
lho,- 2002a: e 2002 e(Neste
475-4-96; sentido,
Cangalho, conferir,
2002b: 3-45;fundamentalmente, Carva
145-174; e 487-500).
Imprescindível, destacar, portanto, o apoio dos integrantes (acadêmicos c
mestrandos) do grupo dc pesquisa em Criminologia- e Execução Penal que
realizaram inestimável trabalho de coleta de dados documentais, o qual,
aliado aos férteis debates, deu consistência a inúmeras das conclusões aqui
nominadas. Desta maneira, são sujeitos integrantes da pesquisa as mestrandas
Paula-Gil Larruscahin, Natália Gimencz e Lenora Azevedo de Oliveira, e os
acadêmicos dc direito Rainer Hillmarm, Mariana de Assis Brasil e Weigert,
Rafael R odrigues da S il va P inhei ro M achado , ^Robe rt a L ongo ni dc
Vascon cellos, R enata Jardim da Cunha, Raí Fae lla Pallamolla,1 Eduardo Rauber
Gon çalves, Rob erto R och a R odrigues, Fernanda Juliano Pasquali e Car oli ne
Eskenazi.
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 atua ção dos psicólogo s no; si sf em a penal
TaniaKolker
Durante muito tempo, os saberes e os fazeres dos profis
sionais de saúde nas prisões estavam quase que irremediavel
mente alinhados com as teorias mais conservadoras sobre o
crime, os criminosos e as prisões, cabendo-lhes apenas o papel
de operadores técnicos do poder disciplinar. Esse quadro só
começa a mudar nas últimas dccadas, quando aparecem os-
prim eiro s estudos fouca ultianos sobre a prisão e são dados os
prim eiros'passo s na constru ção das bases da escola que viria a'
ser conhecida como criminologia critica. Àlém disso, com as
contribuições do movimento da reforma penal internacional e
com o desenvolvimento da cultura de direitos humanos o le
que de contribuições teórico-políticas sobre o tema amplia-se
consideravelmente e começam a ser criadas as condições para
a formação de um novo tipo de profissional, quando não mais
engajado politicamente, pelo menos familiarizado com leituras
mais críticas c desnaturalizadoras.
Sendo, porém, a criminalidade um fenômeno tão com
plexo e sujeito a múltiplas determ inações, e o trata m ento pen al
do crime objeto de tantas controvérsias, é longo e multifaceta-
do 0 caminho dos que desejam construir um conhecimento
mais crítico e transformador sobre esse campo de intervenção.
Para tal é preciso estabelecer o diálogo entre saberes tão distin
tos com o hist ória, soc iologia , econ omia, direit o pena l, crim ino
logi a, psi colo gia jurídic a, e ntre outros, É fund am ental e nten der
o papel da criminalização da pobreza, da demonização das
drogas, da espetacularização da violência, da criação da figura
do inimigo interno e da funcionalidade do fracasso da prisão,
especialmente no contexto atual das sociedades neoliberais
globalizadas. Mas é também necessário conhecer os autores
cjue no passado construíram esse objeto que passou a ser visto
como a causa dos crimes e a razâcTdè~sin*~das“prisõesro-crirni--
noso.
M eu objet ivo nes se ar tigo é delinear um trajet o, pr op on
do um percurso para os leitores desejosos de conhecer os prin
cipais autores e as principais idéias que vêm sendo travadas no
conflagrado território dos discursos sobre as prisões e manicô
mios judiciários e, com isso, fornecer elementos para a
proble m atização da atu ação dos psicólogos nessas instituições.
A prisão, tal qual a conhecemos na atualidade, é uma
instituição que nasce com o capitalismo e desde então, vem
sendo utili zada para adm inistr ar, sej a pel a via da correção, seja
pela via da neutralização, as classes tidas como perigosas.
Embora hoje seja universalmente usada como forma de sanci
onar a maioria dos crimes, durante muitos séculos servia ape
nas pa ra g ua rda r os criminos os até o julgamento, ou par a torn ar
possível a aplicaç ão de ouitras penas, como a de trabalho força
do. Até a sua consagração, em fins do século XVIII, diversas
outras formas punitivas foram adotadas, sempre de maneira
relacionada ao modelo político-econômico vigente, em geral
respondendo à necessidade de formação, aproveitamento e/ou
controle da mão
mento para de obra
a gestão das pouco
classes;qualificada,
consideradasou perigosas
como instru
(por
sua pobreza e marginalidade e não apenas por sua criminali
da de).1Ass im, a escravidão com olpunição esteve par a p ar com
a economia escravista; as fiánças e indenizações nasceram com
1Para um a discussão do con ceito dc clas ses perigos as ver Guim arães, 198 2 e
Coimbra, 2001 e para um aprofundamento da. discussão sobre as novas -
formas de gestão *da pobrez a ver W acqüant, 2001. 1 '
158
a economia monetária; os suplícios e a pena capital foram as
penas preferenciais no período feudal, atingindo apenas aos
extratos mais pobres da população; o trabalho nas galés serviu
para satisfazer a necessidade de rem ad ores; o banim ento e a
deportação estiveram associados ao processo de exploração
colonial-e-a-prisão^eom-ou-sem-trabalho-forçado-esteve-intima-
mente ligada à emergência e ao desenvolvimento do modo de
pro dução capitalista.2
Para melhor entender a função histórica da prisão e o
papel histo ricamente atrib uíd o ao saber médico-psicológico
nessas instituições, convém voltarmos um pouco atrás no tem
po, a princípio em com panhia de Fouca ult e Castel. Com eles
é possível ver como as diferentes formas de assistir e/ou punir
dispensadas aos doentes, deficientes, pobres, desempregados,
marg inais e criminosos de nossa história est ão relacionadas entre
si, como estas estratégias estão intimamente relacionadas com
as sucessivas políticas voltadas para o controle das classes tra
balh adoras e como as nossas ações, enquanto técnicos, estão
atravessadas por essas determinações.
evolução
balho nãoposterior
produtivodoe trabalho nosà ausência
finalmente cárceres de
(dotrabalho)
trabalho esteve
produtivo, ao tra
vinculada
ao valor da mão de obra e do preço dos salários na sociedade livre. Assim,
nos períodos em que a mão de obra era escassa, os presos eram obrigados
ao trabalho; quando o exército de reserva se expandia e já não havia a
necessidade da mão de obra do preso, o trabalho nos cárceres tinha apenas
a função de contribuir para a formação de uma subjetividade operária e
mais recentemente, quando a tecnologia começou a tornar os homens pres
cindíveis, o trabalho penal começou a desaparecer. Ver em Melossi, e Pavarini,
1980; em Castro,, 1983; em Pavarini, 1996; e em Rusche e Kirchheimer,
1999.
159
M en digos, vaga bu nd os, del inq üen tes e t rabal hadores'
Na obra de Gastei vemos qúe a partir da dissolução da
ordem feudal tem início intenso processo migratório, que em
pouco tempo vai in char as cidades, criar extensos bolsões de
pobreza e engrossar ó exército de reserva urbano, aum enta ndo
enormemente o número de pessoas involuntariamente desocu
padas e sem residência fixa. Forçados a vagar em busca de
trabalho, aqueles que não se enquadram na nova ordem eco
nômica vão ficando pelas estradas e são empurrados para a
miséria, a mendicância, ou o crime. Sem outra alternativa, essas
pessoas passam a compor a clientela dos dois tipos de disposi
tivos que se firmarão ao longo de todo o século XIV e dos três
seguintes: a assistência, só acessível aos pobres válidos para o
trabalho e com residência conhecida, e a internação/reclusão,
nesse momento destinada ao enclausuramento dos doentes vené
reos, loucos, pob res sem domicíli o, m endigos e vagab undo s irredu
tíveis, menores abandonados e moças necessitadas de correção.
Na m edida em que vãó pio ra ndo as condições de trabalho,
vão sendo criadas novas leis para coagir o povo a aceitá-las e
para punir a recusa ao trabalho. É quando in te rnação3 e reclu
são se igualam e têm apenas uma função: absorver a massa de
desvi antes, neutralizando-o s pelo isolam ento e corrigindo-os a tra
vés da tríade trabalho fo rçad o/ora çõe s/disc iplina (Caste l, 1998).
pobresEssa
logo preocupação
fará em ergiradministrátiva comsociais
novos sujeitos as populações
e novos objetos
de intervenção. Nos.séculos seguintes, e especialmente no perí
odo que. ficou conhecido como mercantilista, todos os esforços
serão empenhados1pelos Estados, por um lado, para manter
sob controle a mão de obra disponível, e, por outro, punir os
160
nã o enq uadráv eis ness a nova configur ação. A pobreza, que nos
séculos anterjor.es era valorizada espiritualmente, torna-se mo
tivo de desonra e é*criminalizada. A mendicância, a vagabun
dagem ou a delinqüência, que até então sé constituíam em
estratégias eventuais de sobrevivência, niuitas vezes para fazer
frente a períodos sem trabalho, pouco k pouco vão sc to rn ando
161
Outro personagem que emergirá dessa nova classifica'
ção e que merecerá um tratamento rigoroso é o vagabundo,
que se assemelha aos mendigos por ser pobre e não estar tra
balh ando, mas que deles se diferencia por não ter pertencim en to
comunitário. Esta categoria tão ampla que, segundo Castel, até
o sécul o XVI a b a r c a r á f<pess oas que- mendiguem -sem-motivo;—
velhacos, mendigos que simulem enfermidades, ociosos,
luxuriqsos,' rufiões, tratantes, imprestáveis, indolentes, malaba
ristas, cantores, exibidores de curiosidades, arrancadores de
dentes, vendedores de teriaga, jpgadores de dados, prostitutas,
e até operários, ou rapazes barbeiro”, a partir dos séculos seguin
tes irá ganhando contornos mais precisos (Gastei, 1998: 120).
Assim, em 1566 um decreto real estabelecerá que:
vagabundos são pessoas ociosas, preguiçosas, pessoas que
não pertencem a nenhum senhor, pessoas abandonadas,
pessoas sem domicílio, oficio e.ocupação (Castel, 1998: 121).
162
ritor ial, os vagabund os sâo punidos tam bém com o banimento,
o trabalho forçado nas galeras, ou a deportação para as colônias.
Gastei nos explica o motivo deste tratamento especial:
A existência dessas populações instáveis, disponíveis para
todas as aventuras, representa uma ameaça para a ordem
——— pública.-(,..)-Não-SÓ_os_vagabundos_individualm ente,_co^_
-----
163
cjue cresce a população miserável,5desenvolve-se a produção e
multiplicam-se as riquezas e as propriedades, é preciso aperfei
çoar os instrumentos de controle social. Com o aparecimento
dos grandes armazéns - que est ocam m atéri as-primas e mer
cadorias pass íveis cie serem ro ub ad as - e das gran des ofici nas -
que reúnem centenas d e trabalhadores descont ent es, e onde há
máquinas que pod ém ser danif icada s - nasce um a nova nece s-
' sidadc de segurança e aparecem os primeiros rudimentos da
Polícia (Foucault, 1993). Os crimes contra a propriedade pas
sam a prevalecer sobre os crimes de sangue e os criminosos do
século anterior, geralmente ‘homens prostrados, mal alimenta
dos, levados pelos impulsos e pela cólera” (Castel, 1998: 71),
são agora substituídos por bandos profissionalizados e organi-
zados. Para fazer frente a esse novo quadro e ao aparecimento
de formas embrionárias de organização das massas trabalha
doras, novas
rante toda. le isIdade
a alta repressiv as são
Média, c riadasatravés
funcionara , e a Judestiçtribunais
a -- qu e du
arbit rais - vai sendo progressi vamente subst ituída por um con
junto de instituições controladas pelo Estado, que terá a fun
ção de administrar as massas revoltosas e assegurar a ordem
pública. C om eça,'entã o, a ser constituído o embrião daquilo
que se tornará o aparelho judiciário.
' A este respeito, Foucault dirá que:
A partir de uma certa época, o sistema penal, que tinha
essencial m ente um a função fi scal na I dade M éd ia, dcdi-
cou-se à luta anti-sediciosa. A repressão das revoltas popu
lares tinha sido até então sobretudo tarefa militar. Foi em
seguida assegurada ou melhor, prevenida, por um sistema
com plexo justi ça-polí cia- prisao (Fo ucaul t, 19 92 :50 )..
165
zadas e manipuláveis. Segundo Foucault, c quando as classes
dominantes descobrem que do ponto de vista da economia do
poder é “mais eficaz e mais rentável vigiar qu e punir ” (Foucault,
1992:130)/
Trata-se, segundo ele
de estabelecer uma nova economia do poder dc castigar,
assegurar um a me lhor dist ribui ção dele, [de fazer com que]
seja repartido em circuitos homogêneos que possam ser
exercidos em toda parte de maneira contínua e até o mais
fino grau do corpo social, [de torná-lo] mais regular, mais
efi caz, m ais constante c mais bem detalhad o em seus efei
tos. (Fo uca ult, 1993: 75). ■
7Até então, a prisão não era vista como uma punição em si, servindo apenas
ao propósito de manter sob guarda, evitando a fuga, alguém que se queria
punir por outros meios.
167
Os infratores, uma vez captados pelas malhas- da lei, se
rão submetidos a uma operação, que antes.de visar corrigi-los,
vai transformá-los em-delinqüentes. Não importa se o infrator
em questão foi premido pela necessidade,.ou foi flagrado no
seu único crime. A máquina penitenciária irá tragá-lo por uma
de. suas entradas- possíveis e quando o. devolver, se um dia o
fizer, já será
pre. pela na qualiafastados
infamia; dade de deli nqüente.
do seu meioMsocial,
arcadosemp ar a sem
geral por
muitos anos e irreversivelmente; segregados em meio a crimi
nosos de todos os tipos, com diferentes graus de habitualidade
criminosa; ocupados com um trabalho inútil, que de nada lhes
servirá quando voltarem à liberdade; submetidos a condições
que só estimularão a sua revolta; perseguidos por seu estigma e
por sua folha corrida* recusados no mercado de trabalho por
seus antecedentes penais e, doravante sob a, vigilância freqüen-
tc da polícia, os condenados à pe na de pri são- serão tam bém
condenados à reincidência.
Segundo Foucault:
(O) aparelho penitenciário, com todo o programa tecnoló
gico de que e acompanhado, efetu(a) uma curiosa substi
tui ção : das mã os da justiça e 3e recebe u m 'cond ena do ; m as
aquil o, sobre que ele d eve ser aplicad o, n ao é a infração, é
claro, nem mesmo exatamente o infrator, mas um objeto
• um po uco difer ente e defini do p or vari ávei s que pelo m e
nos no início não foram levadas cm conta na sentença,
8 Term o que no járgão poli cial s ignif ica at estado de antecedentes polici ais.
163
O delinqüente se distingue do infrator pelo fato de não ser
tanto seu a to 'quài it o. süa vida o qu e m ais o caracteri za.
(. . :) pó r 't rás. do infrator a qu em o inq uérito dos fatos po de
atribuir a responsabilidade de um delito, revela-se o cará
ter delinqüente cuja lenta formaçãojtransparece na inves
tigação biográfica. A intro du ção do ‘biogr áfico’ é imp ortante
na história da penalidade. Porque ela faz existir o ‘crimi
noso’ antes cio crime e, nUm raciocfnio-limite, fora deste”.
(...) “O delinqüente se distingue também do infrator pelo
fato ci e não som en te ser o au tor de s eu ato (autor respon-
- sável ém funçã o de certos crit érios da von tad e l ivre e co ns
ciente), mas também de estar amarrado a seu delito por
um feixe de fios complexos (instintos, pulsões, tendências,
temperamento). (Foucault, 1993: 223:224) ,
inspirada pelas
do .fCum co doutrinas
nh ec im en to positivistas.
po sitivo dosÉ dquando
elin qü será
en tesconstituí
e de suas es
pécies, m uito diferente da qualificação jurídic a dos delitos c de
suas circun stâncias” (Foucau lt , 1993: 225), qu e s erá co n he cido
como criminologia.
Estamos agora no séculoXIX, período caracterizado pelas
grandes revoltas e sublevações populares cuja disseminação deve
ser im pe did a a todo cust o. S egun do H ob sba wn, <<hu nc a n a his
tória da Europa e poucas vezes cm qualquer outro lugar, o
revoiuc ionarism o foi tão en dêm ico, tão .geral, tão ca paz de se
espalhar po r prop agan da deliberada como por contág io espon
tâneo”, como nesse momento (Hobsbawn, 1998: 127). Não por
acaso, aparecem no período, diversos estudos sobre as massas
e sua tendência a agir criminosamente, por contágio e irracional
mente, levada por impulsos de momento.9 Aumentam as ri-
168
.O delinq üen te se distingue d o infrator .pel o fat o de n ão ser
tanto seu ato quanto s.ua vida o que mais o caracteriza.
(...) po r trás do infrat or a quem o inquérito dos fa tos pode
atribuir a responsabilidade de um delito,.revela-sc o cará
ter delinqüente cuja lenta formação tránsparece na inves
tigação biográfica. A introdu ção do ‘biográfico’ é i m portan te
----------------—na-histór- i a-d a_p en alid ad e. F or qu e cia faz ex istir o ‘crim i
noso’ antes do crime e, num raciocínio-limite, fora deste”7"
(.fato
.. ) “O delinqüen
de não ' som enteteseserdiso au
tingue
tor tam
de seubématodo infr ator
(autor re spopelo
n>
sáveí em função de certos critérios da vontade livre e cons
ciente), mas também de estar amarrado a seu delito por
um -fe ixe de fios com plex os (insti ntos, pulsões, tendências,
temperamento). (Foucault, 1993: 223-224)
170
(.ivas a uma lei efetiva, mas das virtualidadcs de comporta
mento que elas representam (Foucault, 1996: 85).
Por, sua;vez, naturalizada a reincidência, esta servirá:
de justificativa para uma rápida: modernização das técni
cas de controle-e repressão utilizadas pelos aparelhos poli
ciais, dando lugar ao aparecimento de uma ‘polícia cientí
fica’. (...) Porém, os efeitos da modernização da polícia não
se
ramrestringiram apenas
sentir por todo ao 'muridó
o tecido social,doprincipalmente
crime’; logo sejunto
fize
às camadas da população que exigiam rhaiores cuidados
em termos de contenção, vigilância e disciplinarização. (...)
' No bojo desse processo, apresentando-se inicialmente como
panacéia p ara ò proble m a da re in cidência crimin al, cons
tituiu-se uma das mais importantes técnicas de controle
que hoje nos atinge a todos: a identificação pessoal através
das impressões digitais (Garrara, 1998: 64).
Para'Foucault, se anteriormente julgar era estabelecer a
verdadetam
julgar de um
bémcrime e apontar as
as paixões, o seu autor, agora
vontades e asodisposições.
objetivo é Isto
quer dizer que punem-se as agressões, mas por meio delas as
agressividades; os crimes sexuais, mas ào mesmo tempo, as
perversões; os assassinatos mas através deles os impulsos e de
sejos (Foucault, 1993: 21). Importa agora,.não apenas estabele
cer que lei sanciona esta infração, mas verificar, também, até
que ponto a vontade do réu determinou o crime, se o infrator
apresenta alguma periculosidade e de.que maneira ele será
melhor corrigido. Isso significa que a partir de agora, o juiz já
não julgará sozinho. De um lado, a medicina mental será cha
mada ao tribunal para decidir sobre a responsabilidade c a
periculosidade do crim inoso, avaliando se ele se encontrava em
estado de lou cu ra n a hora. do ato e se ele é ace ssível à sanção
penal e de outro, um a n ova mo dalidade rde técni cos avaliará o
efeito da pena sobre o condenado e se ele merece ou não ser
posto em liberdade. Para responder a esses novos man datos,
emergem diversas instituições, laterais à justiça, com as funções
171
de exame, vigilância e correção. E com elas, aparecera tam
bém os novos ato re s que doravante se encarregarão de produ
zir di agnóst icos e prognósticos acerca do preso e de a com pan har
as transformações que estão se operando em seu comporta
mento, tornando possíveis um conhecimento individualizado
do criminoso e uma individualização-dás penas (por^exemplo,
através da abreviação ou o prolongamento das mesmas) que
funcionarão como julgamentos adicionais. É quando, segundo
Foucault,
todo aquele ‘arbitrário5que, no antigo regime penal, per
mitia aos juizes modular a pena e aos príncipes eventual
mente dar fim a ela, todo aquele arbitrário que os códigos
modernos retiraram do poder judiciário, vemo-lo se
reconstituir, progressivamente, do lado do poder que gere
e controla a punição (Foucault, 1993: 219-220).
iNo -iiT»çicKdo '«cciilo^X I^ê stáj^ é^ ^^ m ^i^ ^V tíçâp lBn tre^ o £ *.
172
do castigo é decidida.c um certO' saber sobre o criminoso é
produzido, é tam bém o palc o onde se definirá, de acordo com
as normas disciplinares vigentes em cada estabelecimento, que
novas punições se acrescentarão às determinadas por lei. É
quando a tortura, muito usada no período feudal para fins de
-prova.-será.ressignificada e ganhará novos objetivos. Nesse lu
gar que funcionará
observados como
dia e npite, um microtribunal,
avaliados, os punidos
classificados, presos serão
ou re
compensados. Segundo Foucault, dessa observação se extrairá
um.saber cujo objetivo não é mais determinar se alguma cois?.
se passou, ou não, com o fazia o inquérito no perío do anterior,
mas sim avaliar se um indivíduo se comporta de acordo com a
no rm a, se e stá pro gred ind o o u nã o, se deve ser pun ido ou merece
ser recompensado. Trata-se, pois, de:
■ vig
um ilânc
novoia,;
saber, de ti e,po
de exam totalnizado
orga me nteem
diftoererno.d
nte , aum sabea pe
no rm r delo ..
. co ntro le dos ind ivíd uos ao. lo ng o. de sua existência. E sta é
a ba se do pod er, a forma.de saber-poder que vai dar lug ar .
não às grandes ciências de observação como no caso do
inquérito, mas ao que chamamos de ciências humanas:
Psiquiatria, Psicologia, Sociologia etc. (Foucault, 1996: 88).
0 di sposi ti vo da pe ri cu losi da de
O fim do século XIX é marcado por intensas discussões
sobre o crime, a. criminalidade, e as penas. Criticada por nã o
estar .conseguindo dar uma resposta .eficaz ao aumento da cri
minalidade e da reincidência, a E scola C l ás s i ca , que consa-
A Escola. GlXssiga,' baseada nos; ideais do iiuminismo, ;atravessou parte do século -XVIII ;e
.part e jdo sécu lO/X Dp Aso brap riricipais.d esse pénqdo.f órii m/)o j:i )í/ítoj . t das;Paias, dc Gesare ••
Bè cca ri ä\ ( 17,64)• e Programa'doCurso de Direito Penalde Fíancesco Garrara (1859). Para os'clâs-.:
sicos, 6.de'.entender.a:il
cidade criminoso é. aquicítudc
eleJqúe| nó^éxèrcíciò;do
de'um a to é de'agirlivrç arbítrpor
pautado io .“ esse
qúe entendimento
implica n a perfeita'c apa-c'■
- violá;livr
'é'Jcpnisçienteméiite’> norm a périál,-..Vendo'.portanto- inteiramente., responsável . por;scu sfàtos.
Nesée/momentoi os loucos são colocados forá:do Direito Comum. Para'a maior paite'das
legislações à época.'eles estâo isentos de pena-. , •.. . . u-..;:. -; :
173
grara a igualdade jurídica e a liberdade individual, còmeça' a
perder' espaço para as idéias positivistas. Diferentemente dos
liberais que'tinham como objeto os delitos, os adeptos da Esco-
]a Positiva de Direito Penal voltarh-se paira o homem delin
qüente e as características que os distinguem dos demais. Com
esse objetivo tentam individualizar os fatores que condicionam
o comportamento
deterministas criminoso
e na noção e,- apoiados em pressupostos
de hereditariedade,'passarri a criticar
a noção de livre arbítrio e a questionar a responsabilidade dos
criminosos. Segundo eles, a liberdade de escolha não podia ser
considerada relevante no julgam ento de um ato crim inoso, um a
vez que o comportamento humano estava predeterminado por
causas inatas. No entanto, se os criminosos não podiam ser
considerados, sob esse ponto de vista, moralmente responsá
veis, deviam ser tratados como socialmente responsáveis pelo
perigo que podiam representar. Assim, en tenden do que a soci
edade tinha direito de se defender desse perigo e que as leis
não tinham o mesmo efeito cie intimidação sobre os diferentes
homens, os“positivistas, propõem que é preciso criar alguma
sanção para . n e u tra liz a r os delinqüentes natos, reservando as
penas tradicionais aos criminosos ocasionais, susceptíveis de
serem disciplinados e incorporados ao mercado de trabalho.
Na verdade, de acordo com Sérgio Carrara,
(a)través do crime, juristas, criminalistas, criminólogos,
. antropólogos criminais, médico-legistas, psiquiatras, todos
fortemente influenciados pòr doutrinas positivistas ou
cientificistas,
mites ‘reais’ ediscutiam uma
necessários da questão
liberdadepolítica maior:queosex
individual, li
cessivamente protegida nas sociedades liberais, era apontada
como causa de agitações sociais ou, ao menos, como em
pecilho à sua resolução. (...) C umpria então reform ar có di
gos e leis para assentar as bases jurídico-políticas de uma
. . ampla reforma institucional que fornecesse ao Est ado e às
. suas organizações-os instrum entos necessários par a. um a
intervenção social mais incisiva e eficaz (Garrara, 1998: 65).
174
A oportunidade foi dada com o dispositivo cia periculo-
sidade e a inco rpo raçã o, das .med idas de segu ranç a ao rol da s
.sanções pen ais. D esde "o século ante rior, à m ed ida em que a
estrutura jurídico-política da sociedade contratual se génerali-
» « ^■ *■ ^ ■
zava, os mendigos, vagabundos e criminosos vinham sendo cada
vez mais reprimidos. Como vimos acima, estes eram indiscri
minadamente captados pelas teias de uma mesma rede que
cada vez mais se estendia pela sociedade. A partir do século
XIX, no entanto, essa malha começa-a se especializar. Pouco a
pouco, repressão e assistência se dissociam, inúmeras prisões
são construídas e.os loucos são internados em locais especiais.
Estes últimos, vistos como incapazes de trabalhar e dc respon
der por seus at os, ao mesmo tempo inocent es e potencialmen te
perigosos, que não transgride(m) a uma lei precisa, mas pode(m) violar
a todas passam a ser tratados como um foco especial de desor
dem. Segundo Castel, por sua singular imunidade às regras do
mundo do trabalho e da lei, era como se ameaçassem a pró
pria estrutu ra que presidia a organização da sociedade. Para
administrá-los, portanto, era preciso construir-lhes um estatuto
diferen te. Nã o pode ndo gerir s eus bens, devia m s e r tutelados ,
não sendo passíveis de sanção, deviam ser submetidos à
internação. Com o movimento alienista começam a ser consti
tuídas as base s teóricas que justificarão a seqtiestração dos lou
cos, com base em sua imprevisibilidade, amoralidade e suposta
tendência para o crime. Portadores de uma alienação, muitas
vezes só visível aos especialistas, os diagnosticados como
monomaníacos passam a ser objetos de suspeição e devem ser
internados para evitar que cometam crimes. A loucura é então
criminalizada e os alienistas passam a ser chamados aos tribu
nais para atuar nos crimcs sem causa racional aparente. Cabe-
lhes nesse momento distinguir o louco do criminoso, o respon
sável do irresponsável, os passíveis de punição ou necessitados
de tratamento (Castel, 1978).
175
Com a crise do liberalismo, cresce a contestação da no
ção de livre arbítrio c a criminalidade passa a ser considerada
como uma realidade ontológica. Os positivistas passam a tra
balh ar com a tese da predisposição here ditária p ara o delito e
os traços reveladores da personalidade criminosa passam a ser
pro curados na biografia, no meio social e /o u na constitu ição-
física do réu. O crime é visto, como .à manifestação de uma
degeneração, anormalidade ou atavismo ou como o sintoma
de uma personalidade perigosa. O homem criminoso torná-se
objeto de investigação científica e passa a ser visto como um
elemento negativo e disfuncional ao sistema social, portador de
lima especial tendência ao crime, de quem a sociedade deve
defender-se. Assim,, diferentemente da Escola Clássica que via
na pena um meio de defesa contra'o crime atuando como um
dissuasivo, um a con tramotivação à repeti ção da infração, a pena
para a Esc ola Positivista tem como fu nçã o a pro teção da soci
edade contra o criminoso. Isso significa que enquanto para a
doutrina anterior, o fim da pena seria a eliminação do perigo
social qiie adviria da impunidade do delito e a reeducação do
condenado seria um resultado acessório, para o Direito Penal
Positivo a pena como meio de defesa social, pretende intervir
diretam ente sobre o indiví duo crimi noso, re educand o-o, ou pelo
menos neutralizando-o (Bissoli Filho, 1998).
Em dec orrê ncia dessas convi cções , os posi tivistas pro pu
nham que para orientar a boa aplicação da pena as sanções
deveriam ser individualizadas e uma Inova jnodalidade de téc
nicos devia ser chamada ao tribunal para examinar o crimino
so e avaliá-lo segundo o tipo de criminalidade apresentada.
Dentre os autores que mais se destacaram nesse período, qua
tro merecem, menção especial:
O primeiro foi Morei, que apresenta sua tese sobre a
degeneração em 1857. Segundo o autor, esta condição engen
drava verdadeiros tipos antropológicos desviantes, hereditaria-
mente destinados a uma vida imoral, à alienação e ao crime.
Conseqüentemente, uma vez que os degenerados não podiam
escolher não delinqüir e via de regra apresentavam uma ten-'
dência precoce para o mal, só podiam ser considerados irres
ponsáveis. Além disso, como essa anorm alidade costumava se
manifestar em diversas formas sintomáticas e com diferentes
gfãusTde-g ra vid ader have ria"en tre~o~indivídut rno rm al~e“o-d egè-
ne rado um con tinuum de inúmera s pos sibi lidades. 10 To dos os
tipos, no entanto, deveriam ser considerados igualmente alie
nados.
Seguindo adiante no século, aparecem as teses de
Lombroso (1870), que propõe a existência dos criminosos na
tos" e o crime como um fenômeno atávico. De forma seme
lhante aos degenerados, este novo tipo também não podia es
colher ser honesto, pois o crime fazia parte da sua natureza e
era corimino
za resultado
sa, deesses.-
sua inferioridade biológica.
ho m ens tinha m comAlém da terística
o carac nature um a
série de sinais e atributos que os identificavam. Destacavam-se
pela ausência de pelos, os braços excessivamente compridos, os
max ilar es superdes envolvi dos, a va idade, a .imprevidência, a
instabil idade em ocional , a imprud ência, a.impuls ividade, a pre
guiça, o cará ter vinga tivo, a crueldade, a tendênci a pa ra a obsce
nidade, para o jogo, para a bebida e para o crime, a homosse
xualidade, a insensibilidade à dor, o gosto pelas gírias e tatuagens,
entre outros. Além disso, como eram incapazes de sentir re
morso ou culpa, entre eles a reincidência era a regra.
10M o rd incluía entre os deg ene rad os os g ên ios^ os imbecis , os excê ntricos 3 os
loucos, os santos, os suicidas, os imorais, os perversos sexuais, os criminosos,
entre outros (Carrara, 1998: 81-104).
11 H ou ve tam bém q uem propusesse a categoria do vagabu ndo nato e até de
• pobre nato, A primeira foi propo sta pelo Profe ssor Bened ikt , em 1891, quand o
. ele diz que txisletn indivíduos, e também raças inteiras, tios quais a vagabundagem i
congênita, e, a segunda foi proposta por Alfredo'Nicefcro, em 1907 (Darmon,
1991: 73).
Por sua vez , Ga rófaio segue os passos, de Lo mbros o, m as
orienta sua pesquisa par a os aspec tos da personalidade envol vidos
no comportamento criminal. Em sua obra de 1878 propõe que
as causas do delito devem ser procuradas .nò delinqüente, ou
em siias predisposições hereditárias, e atribui a tendência ão
delito á um tipo de anomalia moral, curável óu incurável, que
nos casos mais graves privaria o seu portador dos sentimentos
morais mais elementares. Manifeátando-se contrariamente ao
estabelecimento dé penas fixas, determinadas conforme o deli
to, Garófaio propõe uma diferenciação das penas que leve em
conta os caracteres psicológicos dos delinqüentes. Estabelecen
do uma distinção entre os delinqüentes típicos e inassimiláveis e os que
, propõe um sistema de penas em que
são susceptíveis de adaptação
a eliminação do delinqüente, absoluta (pena de morte) ou rela
tiva (prisão temporária, deportação ou relegação), cóbre a mai
or parte das sanções. Concordando com Lombroso, què atribui
à pena capital o mérito de melhoramento da raça}e afirmando
■que há indivíduos que são incompatíveis- com a civilização,
defende a pena de morté para os qué se revelarem destituídos
' do senti mento de pie da de 'e'refe re’q ue ;
' ' ' esses 'deli nquentes repre sentam verdadeiras m ons truos ida
des psiquicas'e não podem inspirar a ninguém a simpatia,
'• ' qu e é o pontó- de par tida e o fu nd ame nto da pi ed ad e. Es
ses indivíduos, colocam -se fo ra .da hum anidade-, (... ) que
p,or isso mes mó, tem- .o direito de. suprimi-los (G arófaio,
"1997: 163)'.
pode
contra foo rn ecer Segundo
crime. à sociedade
suasapróprias
arm a necessária
palavras: ao sucesso da luta
na justiça penal trata-se de ver não se o delinqüente ofen
deu ou não ‘um d ireito5ou antes 'um bem jur ídic o’ e trans
grediu ou não ‘a proibição’ ou antes ‘a norma penal’, mas
de procurar como e em virtude de que ele cometeu essa
ação criminosa e qual a peri culosidade que revelou ém tal
•ação c quais as probabilidades que apresenta de voltar,
depois da condenação, a uma vida regular e por isso qual
179
sançã o repressiva qu e lhe ó mais conforme, n ão ‘ao crime ’
po r ele levado a efeito, mas- à sua ‘personalid ad e de delin
qüente’ pelo crime praticado.
. . Ainda segundo o autor:
_ ________ Esta distinción de los delincucntes scgún su peligrosidad
deriva de que su conducta antisocial aparece determinada-
por te ndências co ngén itas o por atr oüa dei sentido moral,
o po r impulsos pa sional es, o /e n fm, por influjos preval entes
dei am bie nte familiar y so cial y po r las defic iencias y defec tos
de los mismos sistemas carçelarios que son como estufas
para el cultivo de los micro bios crim inales. Y sólo en virtud
de esta distinción y clasificación psico-antropológica de los
delincuentes le será posible ai legislador realizar en la
prá ctica, co n las sanciones rcpresivas, aq uel do ble objetivo
dê la defensa social y dé la corrección de ios condenados,
qué los sistemas penales hasta ahora en uso no han podido
conseguir, por estar orientados y aplicarse siguiendo'el
critério exterior de la gravedad de los delitos y no el de Ia
relación índma de las diferentes condiciones personales de
los culpables (Férri apxid Ribeiro, 1998: -16). ■
Foi grande o efeito que todás essas proposições produzi
ram nos meios jurídicos e científicos do mundo ocidental. Em
1880 é fundada a União Internacional de Direito Penal (UIDP),
que em pouco tempo se torna a maior difusora dos princípios
da defesa social. Nos congressos que se seguem, .o conceito de
periculo sid ade é desenvolvido, e em 1905 já se levanta a ques
tão d a periculosidade dos re incident es. E m 1907- 1908 i ncluem-
se os loucos e deíicientes mentais1entre os perigosos, em 1910
discute-se
rantias de oliberdade
problemaindividual,
da conciliação entre
mas no esta noção
mesmo ano, see decide
as ga
pela necessidad e de estabelec er m ed idas especiais de segurança
contra' os delinqüentes considerados perigosos. No Congresso
de 1913, é feita nova definição das categorias que devem ser
consideradas perigosas, incluindo agora os alcoólicos, os men
digos e os.vagabundos (Bruno apiid Bissoli Filho, 1996: 13?).
180
Pouc o a pouco, a idéia da peric ulosidade va i concernindo
a todos os criminosos e delinqüentes potenciais, de tal maneira
que já nao é necessário cometer um delito para ser considera
do perigoso. Já qúe agora o verdadeiro fim do direito penal é
a defesa social, é possível justificar a intervenção no seio das
■_clásses_per igosas“sem -e sp er ar_pelo_delito~('Bissoli~Fillio7~l'996':'
, 136-137).
Criminalizando a loucura e patologizando o crime, em
pouco tem po este sistema elimina to da a distinção entre penas
e medidas de segurança e propõe unificá-las por meio das san
ções por tempo indeterminado. Segundo Rauter, neste momento
de implantação da criminologia, não era tanto a recuperação
do criminoso que importava, mas a necessidade de defender a
sociedade desses degenerados morais. As sanções passam então
a atuar como uma espécie de seleção artificial, eliminando os
degen erados , os atávi cos, que a sèleção natur al de ixou escapar
(Rauter, 1982: 30).
Q ua nd o, enfi m, as idéi as po sitivistas com eçam a ser com
batidas, surge a concepção dualista do Direito Penal (ou siste
ma do duplo-binário), que, mais dura ainda que a anterior,
fará coexistir, durante algum tempo, os dois tipos de resposta
penal: a pena com o retribuiç ão ao crim e.e a m edid a de segu
rança a ser acrescentada à primeira nos casos considerados peri
gosos.13 Por fim, novas mu dan ças são introduzidas e o-sistema
conhecido com o duplo -binário é substit uído pe lo vicarian te. Co m
isso, penas e medidas de segurança passam a ser consideradas
sanções de natureza diversa, aplicadas para situações diversas:
as primeiras para os imputáveis e as; segundas reservadas ape
nas para òs inimputáveis.
l-J Este sistema foi adotado pelo Código Penal italiano de 1930 e inspirou
diversas outras legislações penais. No nosso país, foi adotado cm 1940, até a
reforma de 1984.
181
1 As idéias positi vist as vao entao peirdendo espaço, as pe
nas mantêm seu car áter de sanção retri butiva, com tem po pre
estabelecido e calculado de acordo com a gravidade do crime,
e o universo de pessoas passíveis de receberem sanções por tempo
indeterminado reduz-se até se limitar aos loucos infratores. Mas,
apesardeixará
Penal de ter caído
entre,em
nósdescrédito, a Escolacontinuarão
várias heranças: Positiva deaDireito
fazer
p>artc de nossas legislações o princíp io de individualização das
penas; os exames que visarão o estudo da personalidade e his-
, tória, de vida dos condenados c que avaliarão a probabilidade
de estes virem a reincidir rio delito (exame que será conhecido
como criminológico); o conceito de periculosidade e as medi
das de segurança por tempo indeterminado. Além disso, como
. legado des sa esco la se m an te rá a tradiç ão , inteira m en te
. maniqueíst a, de perceb
rigoso, pernicioso er os que
à sociedade, delinqüe
desumano, m comomonstro
verdadeiro um outro pe
e por isso incapaz de viver entre os homens de bem.. Dessa
maneira, será sempre possível justificar para' eles os tratamen
tos mais cruéis e ainda garantir a aprovação da opinião públi
ca. Afinal, como nos diz Chomsky, “quando você oprime alguém
precisa alegar alguma coisa. A justificativa acaba sendo o nível
de depravação e vicio moral do oprimido (...). Examine a con
quist a britânica da Irlanda, a prim eira das conquist as colo niai s
ocidentais. Ela foi descrita nos mesmos termos que a conquista
da África. Os irlandeses eram uma raça diferente, não eram
humanos, não eram como nós. Eles tinham que ser esmagados
e destru ídos5’ (Chomsky, a pud C oi m br a, 2001: 63 ). É o que
132
temos v isto, contempo raneam ente, nas dou tri nas de segu rança
nacional das ditaduras,.militares latino-americanas, nas políti
cas transnacionais de combate às drogas é na guerra ao ter-
.rorismo.
15A esse respeito ver Arquidiocese de São Paulo, Bras il: nunca mais. Petrópolis,
RJ: Vozes, 1985 e Clinica t Política: subjetividade e violação dos direitos humanos ,
organizado por Cristina Rauter, Eduardo1Passos e Regina Benevides, Rio
de Janeiro, T e Corá, 2002. i
184
engordando as estatísticas penitenciárias.'GAdaptando-se ao
receituário neoliberal, as políticas de segurança latino-amcrica-
.nas migram da ideologia de segurança nacional para a ideolo
gia da segu rança ur ba na e el egem um .novo inimi go comum ,
agora proveniente das camadas mais pauperizadas da socieda-
de7~Nessenovoc ontext o3 asdrogas- seeonverte m -na-maÍ5re--
cente justificativa para se criminalizar os pobres e jovens e
alim en tam as novas, cam pa nh as d e alarm ismo social (Batista,
1997; Baratta, 1998).
Par a esta nova ordem , se revela, mu ito mais funci onal
alimentar o medo e o conflito, quebrando todas as antigas for
mas de sociabilidade e solidariedade. Se como nos diz Bauman,
em breve 20% da força de trabalho será suficiente para mover
a economia, o que fazer com os outros 80% da faixa vulnerá
vel ou excluída, q ue já não têm m ais ut ilidade? É preciso gerar
novos mecanismos reguladores da insatisfação da sociedade,
novos in str um en to s; de controle social, sendo, ós pri ncipais o
encarceramento maciço, e a manipulação da insegurança e do
medo (Bauman, 2000). Não é à toa que em nossas sociedades
volta a crescer tanto o aparelho penal e buscam-se novas opor
tunid ade s pa ra a reedição de legislações penais v oltadas pa ra a
defe sa da segu rança na cion al.17 Co mo nos di z Zaífaroni, “o
importante é ter um pretexto para tornar mais repressivo o
controle social punitivo” (Zaífaroni, 1997: 33-34).
185
nú mero um a figura do subv ersivo. As polícias sã o m ilitarizadas
e aparelhadas para o combate a um inimigo interno e a tortu
ra, que nunca deixara de ser utilizada contra as parcelas
desfavorecidas da sociedade, é institucionalizada e passa a ser
ensinada nos quartéi s e a se r instrum entalizada p ara o controle
da subversão. As legislações são reformuladas à luz da nova
doutrinadose as
parte penas de
Códigos morte e de banimento voltam a fazer
Penais.15
Mais recentemente, já com as reformas neoliberais, o
capitalismo ganha novo impulso e passa a dispensar os ditado
res de plantão. As novas regras da economia aumentam as ta
xas dc desemprego e emprego precário, tornando sem efeito as
antigas estratégias de luta dos trabalhadores c lançando em
situação dc total vulnerabilidade um contingente antes inima
ginável de pessoas. Não tendo mais como reintegrá-los ao
mercado formal de trabalho os Estados neoliberais inventam
outra função para as prisões. Segundo Bauman,
. nessas condições, o con finam ento n ão é nem escola par a o
emprego riem um método alternativo compulsório de au
mentar as fileiras da mão-de-obra produtiva quando fa
lham os métodos ‘voluntários’ comuns e preferidos para
levar à órbita industri al aquelas categori as particular me nte
rebeldes e relutantes de ‘hom ens livres’ . Nas a tuais circuns
tâncias, o confinamento é antes uma alternativa ao empre
go, uma maneira de utilizar ou neutralizar uma parcela
considerável da população que não é necessária à produ
15A esse respeito ver Arqu idiocese de São Paulo, Brasil: nunca mais. Petrópolis,
RJ: VpzeSj 1985 e Clínica e Política: subjetividade, e violação dos direitos humanos.
organizado por Cristina Rauter, Eduardo Passos e Regina Benevides, Rio
de Janeiro, Te Corá, 2002.
184
engordando as estatísticas penitenciárias.Ib-Adaptando-se ao
receituário neoliberal, as políticas de segurança latino-america
nas migram da ideologia de segurança nacional para a ideolo
gia da segurança urbana e elegem um' novo inimigo comum,
agora proveniente das camadas mais páuperizadas da socieda
de. Nesse novo contexto, as drogas se'-convertem na mais re
cente justificativa piara se criminalizar os pobres e jovens e
alimentam as novas campanhas de alarmismo social (Batista,
1997; Baratta, 1998).
Par a esta. nova o rdem , se re vela muito mais fu ncional
alimentar o medo e o conflito, quebrando todas as antigas for
mas de sociabilidade e solidariedade. Se como nos diz Bauman,
em bre.ve 20% da força de trabalho será suficiente para mover
a economia, o que fazer com os outros 80% da faixa vulnerá
vel ou excluída,
novos mecanismosque reguladores
já não têm mais utilidade? E da
da insatisfação preciso gerar
sociedade,
novos instrumentos de controle social, sendo os principais o
encarceramento maciço, e a manipulação da insegurança e do
medo (Bauman, 2000). Não é à toa que em nossas sociedades
volt a a crescer tánto o apa relho penal e buscam- se novas op or
tunidades para a reedição de legislações penais voltadas para a
defesa da seg uranç a nacio na l.17 Com o nos diz Zaffaroni, “o
importante é ter um pretexto para tomar mais repressivo o
controle social punitivo” (Zaffaroni, 1997: 33-34).
16 D e acordo com os'dad os do PR OD Eiy ref ere nte s ao ;ano 2 000, 96% da
população prisional de nosso Estado c constituída por homens, 62,61% por
pardos e negros, 67,12% por analfabetos ou apenas alfabetizados, 37,93%
tem idade inferior a 25 anos c 59,43% está presa por porte (5,08%) ou
tráíico de drogas (54,35%).
17 Para Ch om sky as drogas e mais rec entem ente o terror ismo, seriam as n o
vas ocasiões para a reedição de legislações penais voltadas para a defesa da
segurança nacional e para a identificação dos novos inimigos comuns.
185
Movidas por esses novos desígnios, as políticas de segu
rança pública intensificam o controle, encarceramento e até
ex term ínio das classes vistas com o perigosas, ating indo ics pecial-
mente os pobres,'jovens e negros, moradores das áreas pobres.
PãraTsociedades-excludentes-e-elitistas.-onde^segurança públi-
ca não significa segurança e bem-estar do público mas, ao con
trário, expressa a ma nute nçã o de u m a ordem desigual e injus ta”,
uma polícia violenta e corrupta é absolutamente funcional
(Dornelles, 1997).lKAssim, favelas eibairros popularesjsão inva
didos a qualquer hora e sob qualquer pretexto por uma polícia
que extorque, forja flagrantes, tortura ou mata e é neste con
texto que vai sendo construído o imaginário social que permite
que grande parte de nossa população seja percebida como
perigosa e p or essa razão não sejaivista co mo benefitiária dos
direitos mais essenciais. Identificá-los, pois, como monstros in
desejáveis, faz parte desse grande empreendimento de reenge-
nharia social.
Tendo em vista as novas subjetividades que se querem
produzir, a gestão midiática do méd o e da indiferença cumpre
um papel fun dam ental. A viol ência é ofer ecida como espetácu
lo diário aos consumidores em busca de entretenimento e
ad rena lina e a exposi ção rep etida la cenas de viol ênci a pro m o
vem ao m esm o tem po o terr or :e a ban alizaçã o. iPara is so,
espetaculariza-se e cria-se um ambiente de pânico è comoção
social generalizados
violência por outro. por urri lado,
O objetivo ésaòuaprovação
banaliza-se
daeopinião
justifica-se
pú a
blica a um trata m ento m aniq ueísta da violência de acordo com
a classe social da vítima ou a posição social do perpetrador.
Segundo Dornelles, utilizando-se do medo e da insegurança
1(1N esse nov o qua dro, a pr ópr ia, violên cia pa ssa a ser estratégica, justificand o
a militarização dá segurança pública, a; tolerância com as práticas ilegais c
viol entas da políci a e com a ação d o s g r u p o s de extermínio, a legalização da
pena de morte, a redução da idade passível de responsabilização penal etc.
como operador acirra-se a divisão entre a ‘cidade legal’, bem
cuid ada , ord eira e: civil izada onde viyem as pessoa s de bem,
cumpridoras de seus deveres, e a ‘cidade ilegal’, da sujeira,
desordem -e da barb árie, onde se ‘esconde m5 os cri mino sos.
Jdentificam-se os bairros populares e as favelas com o quartel
general do crime e passa-se a temer- a rua e a ver em todo
desconhecido —especialmente se ele for jovem, pobre e negro
- um a ameaça. Desenha-se um a situação absol utamente con
flagrada, onde os habitantes da cidade ilegal ameaçam os di
reitos e a vida dos habitantes da cidade legal. Através da lógica
da gu erra , os exc essos sã o co nsiderados inevi távei s, e ficam ju s
tificados os cercos das favelas, as detehções a execução de pes
soas em atitude suspeita e a tortura para obtenção das
informações (Dornelles, 1997: 114-1T8).
É quando os discursos periculósistas nascidos no século
anterior tornam-se insuficientes. Pará'sustentar as políticas de
encarceramento em massa que se disseminarão pelo mundo
afora será preciso ;adaptar a noção de periculosidade às novas
estratégias de controle social, que agem mais difusamente. Será
então, formulado o conceito de risco social, que permitirá uma
significativa ampliação na escala da .intervenção das medidas
preventivistas. Segu ndo Peg oraro, a
gestión dei riesgo implica la ppsibilidad de multiplicar las
intervenciones, abarcando as.í ya no la ‘peligrosidad1
siempre en ca rna da en alg um individuo - sino factor es,
ambientes, situaciones, que se convierten eh blanco de tales
intervenciones ya sea preventivas o represivas (Pegoraro,
1999: 227).
Ou, como nos diz Sotomayor, . .
dado el viraje que se está desarrollando en las sociedades
tardo-capitalistas el control social no se dirige ahora sobre
el suje to-indiv idua lme nte considera do, sino sobre grupos
enteros, poblaciones y ambientes, y la peligrosidad va
dejando de ser, en general,; una noción referida a un
18 7
-.indivíduo en particular para serio rcspecto dc determina
das ‘situaciones o grupos de riesgo’ (Sotomayor, 1996: 145).
A infl uê ncia do po si ti vism o n as inst itui ções e leg isl aç ão pe n al bras ilei ra
volveramTodas
os essas
meiosdiscussões
jurídic os sobre periculosidade
e ..acadêmicos e risco pren
brasileiros, od u
zindo efeitos significativos em nossas legislações e instituições.
Com a proclamação da República, que permite uma
abertura ainda que virtual dos canais de poder à representan
tes da sociedade civil; a abolição da escravatura, que põe fim
ao impedimento legal à participação dos descendentes africa
nos na vida urbana; e a imigração estrangeira, que traz para o
Brasil trabalhadores com mais consciência de classe, novas es
tratégias tornam-se necessárias para deter os reclamos por ci
dadania dessa parcela da sociedade e justificar o tratamento
desigual a elas conferido. Não por acaso, a mais importante
delas foi a justificativa científica para o racismo, que vinha le
gitimar a crença na superioridade da raça branca e marcar as
dis cus sõe s sobr e o tem a da defes a so ci al cm nosso p aís (C orrê a,
2001 ).
Nos períodos de crises sociais que se seguiram, primeiro
as teorias positivistas italianas, e posteriormente as teorias
eugenistas alemãs ,19vão oferec er as ferram entas teóricas neces
sárias ao controle social das classes potencialmente perigosas.
Diversos trabalhos são escritos e vários congressos são realiza
dos demonstrando a periculosidade dos negros e das diversas
categorias marginais como as crianças abandonadas, os loucos,
os homossexuais, os alcoólatras, as prosdtutas e os criminosos.
Um bom exemplar dessa safra foi Nina Rodrigues que,
atribuindo à raça negra a debilidade física e mental de nosso
1:1Esta s teorias, que felizment e não chegaram a ser coío ca da s e m prá tica em
nosso pais,
’ deixou pregavam a eliminação dos infra-homens que a seleção natural
escapar.
povo e questionando a noção de livre-arbítrio, define os graus
de irresponsabilidade social de acordo com parâmetros de raça,
idade, sexo e cultura. Coerentemente cóm os ideais positivistas
verde-amarelos ele afirma que “a igualdade política não pode
compensar a desigualdade moral e física” e pergunta:
Pode-sc exigir que todas estas raças distintas respondam
por seus atos perante a lei com igual plenitude de re spon
sabilidade penal? (...) Porventura pode-se conceber que a
consciência do direito e do dever que têm essas raças infe
riores, seja a mesma que possui a raça branca civilizada?
(...) A escal a vai aqui d o pr od uto inteiram ente inaprovcitávcl
e degenerado, ao produto válido e capaz de superior ma
nifestação de atividade mental (Corrêa, 2001: 141).
Para cie, que condenava a “estúpida panacéia da prisão
celular” (Co rrêa, 2001: 145), a melhor, m an eira de resolver o
pro blem a dessas populações considerad as deletérias para o de
senvolvimento do país era o isolamento em asilos. Outro bom
exemplo desse movimento foi o acordo firmado entre os Go
vernos dos países do Cone Sul, estabelecendo a obrigação de
trocarem informações a respeito dos dados individuais das pes-;
soas consideradas perigosas.20 Mais do que identificar e classi
ficar os tipos perigosos a escola positivista brasileira propõe,
portanto , um a espécie de cadastro geral dos perigosos. Os anos'
passam e três décadas depois os positivistas brasileiros ainda
continuam em ação. Apresentando pesquisas que “comprovam”
a possibilidade de se prevenir o crime, Leonídio Ribeiro obser
va que
(i)sso seria possível desde que se lograsse classificar biotipo-
logicamente, desde a primeira infancia, todos os indivídu-
. os, especialmente aqueles que, pela sua constituição e
18 9
tendências, pudessem ser considerados como pré-delinqüen-
tes2' (Gorrêa, 2001: 1B7).j .
Estas idéias que se colocavam contra os ideais liberais
pressionavam 'a favor de legislações que incorporassem as me
didas preventivistas. Assim7~ So~mesm o_tern po~ em -que —ta rd ia —
mente, os nossos primeiros códigos penais introduziam os
21 C om o resultado dessas dis cussões f oi ins tituí do em nosso país o s ist ema
nacional de identificação (as carteiras de identidade) e o cadastramento
datiloscópico. ■■
-J Os lou cos, com o no Có digo anteri or, eram entregues às suas famíli as oa
recolhidos a hospitais de alienados, mas somente se assim o exigisse a segu
rança da ordem pública.
19 0
i ': 5. É notório que as m edid as'pu ram ente repress ivas c pro
% ■ pr i amént e penais se revelaram insuficientes na luta contra 5 ^
í a crimin alidade, em pa rticu lar con tra as suas formas habi-
tuais (rio sentido de reincidentes). Ao lado disto existe a
■vT’ criminalidade dos' doentes mentais perigosos. Estes, isentos
" de “pe na —nã o-e ram -sub m etido s-a-n enh um a-m cdid a-d c-se___ ___,
•i' ■ gurança ou de custódia, senão nos casos de im ediata peri* ; ®
culosidade.
lado das penPaas raquecorrig
têm irfinalidade
a anom alia, foram
repressi va einstit
intimuídas, ao
idante, ji
í|? as med idas de segura nça. Estas , em bo ra aplic áveis em re- j
gra post delictum,
são essencialmente preventivas, destinada s ^
à segregação, vigilância, reeducação e tratamento dos in-
divíduòs perigosos, ainda que moralmente irresponsáveis
(Oliveira, 1987: 7). ^
Este Código, que já inc orp ora rá o Princípio de Indivi- ^
dualizaçã o das Penas e o sistema do duplo binário, introd uzirá ^
tam bém o cri tério da pericul osidade pa ra a aplicaç ão da pena,
co nsa grará o dispositivo da m edid a de segurança a ser cum pri- ^
do em estabelecimento especi al e oferecerá aos Juizes a liber
dade de escolher en tre os divers os tipos de sanção 23 ou de ap licar
ÏI cumulativamente sanções de espécies diversas. Por outro lado,
I como o seu modelo europeu ^
(e)ntre o mínimo e o máximo, ele (o Juiz) graduará a ®
quantidade de pena de acordo com a personalidade e os
antecedentes do criminoso, os motivos determinantes, as ^
circunstâncias e as conseqüências do crime. Em suma, indi-
vidualizará a pena, adotando a quantidade que lhe pareça 0
mais adequada ao caso concreto (Oliveira, 1987: 7). £
Par a efeitos de individu alização , o Códig o de 1940 dis- ^
tingue os prim ário s e os reincid entes, as circunstânc ias agra- ^
___________________ _ •-
23 As sanções estabelecidas por esse novo Código são: reclusão, detenção,
multa, perda de função pública, interdições de dir eit os, pub licação de sen- ^
tença e medidas de segurança. !
i • '
rs;
2
vantes e atenuantes e introduz uma aplicação subjetivista da
pena. Assim,, é estabelecido que:
24. O Juiz, ao f ixa r a pena, nâo dev e ter cm co nta som en
te o fat o criminoso, nas suas circunstâncias objetivas e co n
seqüências, mas também o delinqüente, a sua personalidade,
seus antecedentes, a intensidade do dolo ou grau de culpa
e os motivos determinantes (art. 42). O réu terá dc ser
apreciado através de todos os fatores endógenos e exógenos,
de sua i ndividualidade m oral ( ...) c da s ua m aior ou m en or
desatenção à discipl ina so cial. Ao Juiz incu m birá invest i
gar,'tanto quanto-possível, os elementos que possam con
tribuir para o exato conhecimento do caráter ou índole do
réu - o que im porta dizer que serã o pesquisados o seu
curriculum vitae, as suas condições de vida individual, famili
ar e social, a sua conduta contemporânea ou subseqüente
ao cri me, a su a m aior ou m eno r pcriculosidade (probabilida
de de vir ou tornar o agente a praticar fato previsto como
crime). Esta, em certos casos, é presumida pela lei,24 para
o efeito da aplicação obrigatória da medida de segurança;
m as'fo ra des ses-cas os, f ica ao p ruden te arb ítrio do Ju iz o
• seu reconhecimento, (art. 77 ) '
Importante para a aplicação deste instrumento legal é a
avaliação da responsabilidade penal que deverá ser feita medi
ante pericia médica. Adotando o sistema biopsicológico de
avaliaçãoo Gódigo estabelecerá, que de acordo com o seu
artigo 22:
18. Ê isento de pena o agente que, por doença mental, ou
desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao
tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de
24 Para os efeitos dessa le i são consid erad os presum idam ente perigosos: os
inimputáveis e semi-imputáveis que nos termos do artigo 22 são isentos de
pena; os ébrios habituais condenados por crime cometido em estado dc
embriaguez; os reincidentes em crime doloso e os condenados por crime
cometido através dc associação, bando ou quadrilha de malfeitores.
19 2
entender o caráter criminoso do fato, ou de determinar-se
de'acordo com esse entendimento (Oliveira, 1987: 15).
Atribuindo á pena’a função de retribuir o dano e corri
gir o condenado, o Código de 1940 impõe como condição para
a conce ssão de livramen to condicional não ape nas que o preso j
apresente bom comportamento más, também, que fique de
monstrada
de. Po r suaatravés
v ez, pade exameo internado
ra que a cessaçãopodar medida
sua periculosida-
de segurança
seja desinternado, a mesma condição será exigida. As medidas
de segurança, definidas como medidas de prevenção e assistência so
cial e desti nadas p ara aqueles que, -sendo ou nã o p ena lm ente
responsáveis, forem considerados perigosos, serão impostas por
tempo indeterminado e deverão perdurar até que fique com
provada, através de exame pericial, a cessação do estado p e ri-.
goso (Oliveira, 1987: 24).
Com a revisão de 1984 e a entr ad a em vigor da Lei de • '
Execuções Penais, uma nova política criminal e penitenciária>
começa a ser desenhada. Segundo a Exposição de Motivos da
Nova Parte Geral, o objetivo é restri ng ir a p en á "pri vati va de
liberdade aos casos cle verdadeira necessidade. São reconheci- -
dos os altos custos dos estabelecimentos penais e os efeitos de-.
letérios da prisão para os infratores primários c ocasionais —
que perdem paulatinamente a aptidão para o trabalho e são
expostos a situações de violência c corrupção altamente dano
sas - e é propo sto de form a manifestam ente caut elosa, um novo
elenco de penas, alternativas à reclusão. O Princípio de Indivi
dualização das Penas é aperfeiçoado e são estabelecidos os ins
trumentos e os procedimentos que fornecerão as bases para
um tratamento individualizado do preso. E também aperfeiço
ado e ampliado o sistema de progressão/regressão das penas,
que agora poderão ser cumpridas em regime fechado, semi
aberto ou aberto, de acordo com as condições do preso. Desa
pare ce da legislação o sistema do duplo binário dispensando a
aplicação da medida de segurança aos imputáveis, e aos semi-
193
imputáveis passa a ser aplicada a pena ou a medida de segu
rança, de acordo com a necessidade de cada caso. Quanto às
medidas de segurança para os portadores de transtornos men
tais, pratica m ente não há n enh um a dif erença . A pesar de o Có-
di"go"ter excluído_a'periculosidade presumida-o-conceito-continua-
a ser aplicado aos inimputáveis. Isso significa que osexames de
verificação de cessação de pericujosidade deixam de ser aplica
dos aos imputáveis, mas são substituídos pelos exames crimino-
lógicos, qu e vão ser usados para instruir o s pedidos de livramento
condicional e progressão de regime, devendo informar se o
inte rn o e stá em cond ições de recebe r o benefic io pleiteado.2 5
Com a Lei de Execução Ifenal, são estabelecidas as no
vas condições que devem ser garantidas aos presçjs e interna
dos para o cumprimento de suas sanções. Estes passam a ter
direito à assistência m aterial, à| saúde, juríd ica, educacio nal,
social e religiosa. Curiosamente}não há menção à assistência
psicológica. P ara orie ntar a individualização da execução pe
nal dev em ser •clas sifi cados, segun do os seus antec ede ntes e
pers onalidade. Esta classificação! será feita por Comissão T éc
nica de Classificação (CTC), presidida pelo Diretor e compos
ta, no mínimo por dois chefes de serviço, um psiquiatra, um
psicólogo e um assistente social. Esta Comissão tem co mo atri
buições estu dar e propor med idas que aprim ore m a execução
penal, acom panh ar a ex ecução ;das penas, ela borar o progra
m a ind ividualizad or, ap ura r as inf raç ões disc ipl inar es e avalia r
as condiçõ
ou es de
progressão d osregime.
presos Os
co condenados
m direit o aà livramentoi condicional
pena iprivativa de
liberdade estão por sua vez obrijgados ao trabalho, com finali-
194
dade produtiva e educativa, e sob remuneração. Além disso,
tem o direito de descontar um dia de prisão para cada três dias
trabalhados. Devem também se submeter à disciplina estabele
cida e no caso de infringir as regras são sujeitos a sanções dis
ciplinares. Isto é o que determina a lei brasileira.
P ri sõe s e vi olência
Nossas prisões são muito diferentes do que estabelece a
lei. De acordo com o Departamento Penitenciário Nacional
(DEPEN), temos hoje cerca de 250 mil presos nas delegacias e
prisões brasileiras.26 Por falta de vagas nas unidades penais, di
versas pessoas literalmente amontoadas cumprem suas penas,
parcial ou totalmente, em delegacias ou casas de custódia. Muitas
nunca ouviram falar, em CTC e nunca foram assistidas por
psicólogo ou assistente social. Como bem o diz Cristina Rauter,
a realidade de nossas prisões é muito pouco panóptica. Nossas
prisões são na verdade depósitos, mais ou menos caóticos, cuja
finalidade parece ser apenas a exclusão e o castigo (Rauter,
1982: 23-24). Mais de 90% não têm acesso a advogado parti
cular e por falta de assistência jurídica, ou devido à lentidão da
Ju stiça bras ileira,; muitos con tinuam i presos mesmo após term i
nada a pena, ou cumprem-na em regime fechado, apesar de
terem direito a livramento condicional ou a cumpri-la em regi
me mais brando. Passam meses ou anos em cclas absolutamen
te desumanas e infestadas de baratas, ratos e fezes de pombos;
são expostos a todo tipo de violência (entre os próprios presos
ou por parte do próprio corpo funcional); geralmente recebem
alimen tação insuficiente e de m á qu alidade, sem falar nas muit as
,JRD e aco rdo c om o censo de 1995, tínham os 95 ,4 pr esos para cem mil ha
bitantes. H oje es sa !cif ra já subiu para 146^5 cm cem mil.
195
•vezes que esta 6 deixada intencionalmente ao sol para que es
trague. O fornecimento de água é precário, as caixas de água
nunca são lavadas c na falta de água corrente, os presos fre
qüentemente armazenam água para o banho e preparo de
pequenas refeições em latões enferrujados e im undos. Apesar
de viverem em condições absolutamente insalubres, a assistên
cia médica o ferecida aos pr es.os geralm en te é pre c ár ia ,27
obs truída ou até co brad a p or a travessa do res e com exceção do
Sist ema Penitenci ário do Rio de Jan eiro não con ta com a co
bertu ra do SUS. São poucas as unidades penais que oferecem
oportunidade de estudo ou trabalho para os presos, as punições
'por infração disciplinar são manejadas sádica e arbitrariamen
te e a tortura individual ou coletiva é cometida impunemente.
Em nome. da segurança da unidade, freqüentemente os presos
têm os seus objetos pessoais examinados e destruídos, e seus
familiares, que segundo a lei não po dem ser at ingidos pela pen a,
são met
sub freqüentemente
er-se a revisttratados com -1desrespeito
as corp orais e obrigados
5(K olker, 2002: 89-97).a
Aqui, como na maioria dos países, vêm aumentando
muito os índices de encarceramento, a maioria dos delitos en
volve o porte ou o tráfico de drogas e a idade dos presos dimi
nui cada vez mais. As campanhas pela lei e pela ordem exigem
cada vez mais rigor (sob suas formas legais ou ilegais) no trato
19 6
com os bandidos c estes respondem com cada vez mais ousa
dia e violência, inclusive, freqüentemente executando ou tortu
rando suas vítimas. A-criatura foge, enfim, ao controle do criador
e o pânico, tornado real, toma conta das cidades.29'
efissionais
com sortedaas área
equipes
de técnicas chegam
psicologia. Aléma contar
disso, com
há asdois pro
inúmeras
sessões da CTC para apurar as infrações disciplinares. Assober
bados dc tarefas disciplinadoras ou de juízos a emitir sobre os
presos, os psicólogos das unidades prisionais dificilmente po-
dem realizar algum trabalho mais transformador nessas comis
sões ou estabelecer outro tipo de relações institucionais com os
dem ais fun cionários, internos e /o u seus familiares.3 0 No e nta n
197
to, um a das a tribuições das GT Cs é est udar.e pr op or jmedidas
que aprimorem a execução penal.j Além disso, como vimos
acima, sequer está previsto na Lei de Execução Penal a assis
tên cia psic ológ ica 'aos reclusos. Por! outro lado, os psi cólogos,
assim^como_os_dernais técnicos que trabalham nessas institui-
çÕes, dificilmente têm contacto com o funcionamento interno
das prisões. Estes, geralmente por problemas de segurança, ou
por falta de tem po, mas muitas ;vezes por desinfo rm ação ou
desinteresse, nã o costum am , ter. aces so às galeri as - desco nhe
cendo e/ou silenciando acerca dos reais problemas dós estabe
lecimentos onde' trabalham, inclusive no que diz respeito às
cos tum eiras sessões de to rtu ra (Kolke r, 200 2). To da s ess as ques
tões, no entanto, estão ainda à espera de uma discussão mais
profunda, ta nto no próprio sistema jpenal, como nos sindicatos
e con selho s profissionais. ;
Falemos pois dos exames. Como bem o diz Rauter, em
artigo fundamental para os que trabalham no sistema penal, a
partir de 1984, cpm a consagra ção dó princípio de individua
lização das penas, “ampliam as oportunidades em que um con
denado será tornado alvo de uma avaliação técnica” e crescem
em importância “os procedimentos que visam diagnosticar,
ana lisar oü estud ar a person alidade e a histó ria d ei vida dos
condenados”, com “o objetivo de adequar o tratamento peni
tenciário às características e necessidades de cada preso” ou de
“prever futuros comportamentos delinqüenciais” (Rauter, 1989:
9). Assim, ainda que o propa lado tratame nto penitenciári o nunc a
tenha chegado a existir em nosso país e que pelo contrário, as
penas de reclusão te nham cada vez mais perdid o o caráte r de
correção ou tratàmentó, para se converter em meros instru
mentos de neutralização e eliminação das classes perigosas, cada
vez mais, desde que ingressar no sistema penitenciário, o des
tino dos presos estará subordinado aos pareceres técnicos que
sobre eles forem' emitidos. Isso significa que ao ingressar na
prisão os apenados deverão ser submetidos a um a longa avalia-
198
ção, quando serão colhidos seus antecedentes pessoais c fami- •
liarès, seu grau de escolarização e profissionalização, suas ha
bilidades e interesses, seus antecedentes penais e a história de
■seu delito, e a cada mudança de regime ou pedido de livra-
'mento“ cõndicional_ deverão_ ser-ap urad as“as_m udan ças-ope ra“
das em seu com po rtam ento e se as condições do apenado faze m
supor que ainda estão presentes as razões que o levaram a
delinqüir. Como nos aponta Rauter, a, qualquer momento um
laudo desfavoráv el do c ond enad o p od erá sign ificar o prol onga
mento da sua reclusão, a pretexto de.se continuar um trata
mento sabidamente inexistente, mas, ainda assim, como se
acreditassem na eficácia da prisão como instrumento de trata
mento do preso, os psicólogos devem;buscar na avaliação do
comportamento do interno a resposta para as suas clássicas
perguntas. .
Buscando
os antigos Examesidentificar os pressupostos
de Verificação emdeque
de Cessação se baseavam
Periculosida-
de (EVCP),31 Cristin a R au te r concluiu que um determinismo
cego, mecânico e simplista os caracterizavam. Assim, fatores
como a morte precoce da mãe, o abandono do pai, a separação
litigiosa dos dois, mães que trabalham fora e deixam os filhos
com os vizinhos, privações financeiras, casos de alcoolismo,
dependência de drogas, ou de antecedentes penais na família,
abandono precoce da escola, falta de profissionalização e pas
sagem na infancia por instituição correcional, vistos em con
junto ou isoladamente, sempre derivavam na conclusão de que
o resultado óbvio seria a prática de crime e, enfim, a reclusão.
Segundo as palavras da própria autora:
O proces so de reconsti tuição da história d o conde nado no s
EVCP, poderia ser descrito como uma mirada em direção
ao passado do indivíduo, buscando a-confirmação de que
31 Atu alm ente, só são subm etidos aos exam es de avaliação da péri culosi dade,
os internados por medida de segurança.
199
realmente existiram acontecimentos em sua vida que por
sua própria natureza são geradores de crime. Gircula-se
tautologicamente sobre este tipo de raciocínio: se tenho
diante de mim alguém que está preso e condenado, este
alguém só pode ser criminoso e como criminoso só pode
ter história de criminoso. Este passado, a ele se tem acesso
pela fala do pre so , mas esta n ão é, p o r certo , u m a via to
talmente confiável: acredita-se certamente que ele procu
rará enganar, falsear â ‘verdade’. Lança-se mão dos autos
do proce sso -cr ime. . da fic ha de com portam ento carcerário
etc. Com base nestes dados considerados inquestionáveis,32
chega-se ao què se desejava: vidas pontilhadas de indícios
. que s ó po de riam levar ao cri m e (Rauter, 1989: 13).
Não se leva em conta, portanto , os processos de crimi-
nalização e a seletividade das leis, das polícias e do sistema
ju diciário33que fazem com que determ inadas pessoas te nham
maiores chances
ta, tampouco, os efeitos ali e outras
de estardeletérios não.sobre
da prisão Não-se leva em
o preso, con
mesmo
quando o crime que moti vou a condenação sej a de m eno r pode r
ofensivo e despr oporcional ao dano que a perm anê ncia na prisão
causará. Tambcm, não são examinadas as razões externas ao
preso, que poclem, por exemplo, determ inar a sua rein cidên
cia. Seguindo-se, apenas, critérios técnicos, se buscará no preso
e somente nele as condições que façam presumir que não voltará a
delinqiiir.
200
Na im p ossibil id ad e d e concl ui r. .
Inspirando-me em Pavarini, que contratado para escre
ver um livro introduzindo os conceitos de criminologia, preo
cupou-se muito mais em colocar proolemas do que propor
definições, chego ao fim de minha exposição sem apontar ne
nhuma direção aos psicólogos que desejem experimentar prá
ticas mais transformadoras. Longe de mim tal pretensão. Até
porq ue não existem fórmulas. Com o o auto r italiano, que con
fessou que “no conseg uiria es crib ir un m an ua l de crim ino logi a po rq u e no
sa br ia de cir con .ce rte za, q ue és la crim ino logi a” , mas poderia “ ay u da r a
com pren der qu ê qf rec ey p r a quê situ e esta criminologia' ” (Pavarini, 1996:
22), penso que serei mais útil se ajudar o leitor a problematizar
sua prática e a indagar a serviço de que quer investir seus sa
beres e competências. N a impossibilidade de co ncluir, deixo,
então,
pro um mal-estar,
vocação ao pensamumaento,
inquietação ainda sem forma,
à problematização uma sabe...
ou quem
à invenção. Afinal, as prát icas verdad eiramente transformadoras
s ó s e fa zem naq uel es m om en
tos fugidios e ines
mo numa prisão. ■
JurancUr Freire
antigo mas ainda
texto, já nos alertava que é impossível prever o comportamen
to humano como quem prevê a dilatação do metal pelo calor.
É impossível controlar a imprevisibilidade dos homens. Para
ele, qualquer tentativa neste sentido só pode estar a serviço de
uma mascarada cumplicidade com as razões de estado. E ava
liar uma pessoa segundo seu grau de adaptação às normas so
ciais não pode ser considerado outra coisa (Freire, 1989). Isso
signi fica que o m and ato dos té cnic os da á re a p s i que.trabalham
em prisões,* e dentre eles o dos psicólogos, precisa ser urgente-
mente repensado. Se vimos acima que as prisões,produzem
efeitos de subjetivação, que o sistema penal ao configurar a
delinqüência contribui para a produção e reprodução dos de
linqüentes, o que podemos fazer para trabalhar pela descons-
trução-dessas-carreir-as—par-a-a4produção-de~desvios_nessa __
trajetória que se quer preconizar como irreversível? Gomo uti
lizar
para nossas'
aju dar.competências não pai-a
a desviar o desvio para reafirmar destinos,
outras direções maise criati
sim
vas e a favor da vida? 1
Para ajudar a esquentar essa.discussão, deixo também
algum as palavras de G ua ttari já tão repetidas por seu s le itores,
mas tão vivas ainda...
devemos interpelar todos laqueies que ocupam uma posi
ção de ensino nas ciências sociais e psicológicas, ou no
campo do trabalho social {- todos aqueles, enfim cuja pro
fissão consiste em sc interessar pelo discurso do outro. Eles
se encontram numa encruzilhada política e micropolítica
fundam ental. O u vão fazer o jogo dessa r eprodução de
modelos que não nos permitem criar saídas para os pro
cessos de singularização, ou, ao contrário, vão estar traba
lhando para o funcionamento desses processos na medida
de suas possibilidades e dps agenciamentos que consigam
p ô r p a ra fu n cio n ar (G u a tt a ri, 1986: 29).
202
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(Des)consfruindo a 'm en ori da de ': um a an ál ise
crí ti ca s ob re o p ap el da P si co lo gia na prod uçã o
da c at egori a " m e n o r" .
Éri ka P ied ad e d a Sil va Santos
lizamos, e assim
profundam ente neutralizamos,
atravessada porqueHistórias
cada história
mais pessoal
amplas está
que cons
tituem a sociedade a que pertencemos.
O presente artigo pretende refletir e problematizar a
inserção das práticas “psi” sobre determinada parte da infan
da e juventude brasileiras a partir do século XIX, sobretudo,
no que tange a conceitos forjados a partir de dispositivos socio-
ju ríd ic os que- v igoraram desde o Brasil Im pério. Convém ob
servar que tais dispositivos estão na gênese das diferenças entre
osento
m conceitos de “M
s exercem influência atée deos dí as de : hoje. cujos desdobra
EN O R55 “CRIANÇA”,
205
As primeiras menções à expressão “menor” articulam-se
às leis criminais do Brasil Império, e definem as penas a serem
aplicadas no caso de cometimento ide crimes “por menores de
idade”. Assimilada a partir do universo jurídico, a expressão
foi absorvida no discurso soaãl_ã^final_d'o~secuTo~XTX~para
designar as crianças nascidas das camadas mais baixas da pirâ
mide social. Nesse trajeto, do jurídico ao social, a .bxpressão
assume conotação de controle político, pois ao segmentar cer
tos setores sociais, criam-se categorias de crianças consideradas
“suspeitas” e potencialmente “perigosas”.' Durante todo o sé
culo XX, a expressão “menor” preencheu a necessidade de di
ferenciar entre os bem-nascidos e os potencialroente perigosos
pa ra a so ciedade, in troduzin do um traço diferencial que, num
trajeto qu e vai do socia l ao juríd ico, culmino u co m a: forma ção
de subjc.tividades. Em tais modelos, distinguiam-se as “crian
ças” dos “menores em situação irregular”, a estes creditando
riscos sociais de ruptura da ordem.
Para compreender melhor èsse panorama, convém co
nh ecer a intrinc ad a e complexa t ram a da tutela es tatal s obre a s
crianças e os jovens brasileiros que se formou a partir do sécu
lo XIX. ;
! '
A "desco be rt a da infância" e a "construção da m en ori dad e" no
Bra si l no séc ulo X IX , ,
‘ ! j
os seusAprimórdios,
história da vinculada
tutela estatal
ao sòbre as famílias
advento esteve, edesde
do capitalismo de
suas demandas correlatas: um mercado consumidor e;uma mão-
de-obra adestrada e dócil. No século XIX, as preocupações re
lativas à preservação e à reserva de mão-de-obra começam a
integrar o cenário social e político, e é neste contexto que a
infância com eça a ser de fini da como objet o de ação e interven
ção públicas em todo o Ocidente:
206
•Tais preocupações,'européias na srcem, são trazidas ao
Bras il em 1808, com a vinda da Fam ília Real. Da E uropa, são-
nos trazidos os conceitos de trabalho como valor positivo, como
atividade formadora e enobrecedora; e as noções contrastantes
de cidadania (atribuída àqueles que trabalham) e de vilania e '
ilegalid ade (como m arc a dõs vagal3ün"dos-e~ociosos)—No-Brasrl,
a sociedade coloni al e escr avagist a pautava-se quase no c on trá
rio daquilo que pregavam os europeus: o trabalho era percebi
do como traço demeritório, sendo associado aos escravos ou a
pessoas sem valor nem peso na escala social. Transform ar em
qualidade aquilo que era percebido icomo defeito exigiu redo
brados esforços do poder so berano no fim do século XIX.
A interferência nos paradigmas sociofamiliares foi o prin
cipal cam inho escol hido pa ra fazer v aler , aqui, valores trazi dos
da sociedade europ éia. Pa ra ta n to ,;foi neces sário aciona r um
conjunto de saberes-poderes, tal como definido por Foucault,1
capazes de transformar as formas de constituição das famílias
e, a partir daí, a identidade dos sujeitos. E neste contexto que
observamos a emergência de campos específicos do saber rela
cionados com a criança: a pediatria^ a pedagogia, a puericultu
ra (Azevedo, 1989), entre outros que, apropriados de acordo
com os pad rões .morais do p eríod o, foram as vias de cons tru
ção de modelos ideais de conduta.
Atuando especificamente sobre a família, as primeiras
referências às idéias psicológicas que começavam a influenciar
os meios acadêmicos europeus e norte-americanos, conceitos
oriundos da Medicina e da Pedagogia criaram ou redefiniram
as formas de funcionamento esperadas nos indivíduos e institu-
1Fo ucault problem atíza a concepção de neut rali dade dos s is te mas de conh e
cimento que para ele estão sempre relacionados com a história da modifica
ção do poder. Assim, as formas de identificação da loucura, sexualidade,
etc, não são homogêneas no decorrer da história, mas estão articuladas à
emergência de novas formas de funcionamento da sociedade.
207
iram parâmetros de “normalidade” e "anormalidade”, pautan
do as condutas tidas como boas e saudáveis na vida familiar.
Em conseqüência, elegeram-se como norma alguns modelos
de funcionamento familiar, em detrimento de outros que pas
saram, a ser vistos como "clesviantes”, “patológicos” ou “irre
gulares”.
As famílias provenientes da elite econômica e intelectual
foram cooptadas pelos discursos médico e pedagógico, que as
identificaram cpm o modelo que se propunha implementar.
Ós ^segmentos m ais pobre s da pop ulaçã o foram atingidos de
forma distinta, através da captura e controle pelos registros
policial e jurídico. É iqríportante que se frise que estas transfor
mações não aco ntecera m de m odo pas sivo; houve áreas de atri to
e choque entre os modos de conduta que prevaleciam à época
e os “novos” modelos propostos em sociedade, como a adesão
à imagem de que o trabalho deveria ser aceito e incorporado
em um quotidiano em que era percebido tradicionalmente como
um traço demeritório e identificador de classes mais pobres e a
condenação, e crítica que foram produzidas sobre a maior libe
ralidade sexual e afetiva que era comum entre os cx-escravos e
pessoas pertencentes aos grupos mais baixos do estrato social.
A própria estruturação posterior de uma psicologia dita
‘cientí fica’ estaria diretam ente vinculada às dem and as morais e
jurídicas (Brito, 1992). Com ambição científica de conhecer o
homem e a sociedade, a psicologia estaria a serviço de distin
guir o indivíduo “normal” e controlar o “desviante”.2
A maneira privilegiada para ingresso dos discursos cien
tíficos médico e pedagógico na esfera familiar foi a defesa da
20 8
infanda; sob o argumento de que seria necessário estabelecer
os padrões de “cuidado da in fan da ”, a c iência enf ati zou - no
Brasil da viradà do século XIX para o século X X - que e ra
dever das famílias “preparar seus filKos para ò futuro”, discipli
nar e domesticar as crianças através da criação de ‘bons’ hábi
tos e adequar seu comportamento. -
Essaoslógica
da em que atingiria
capturaria comoindiretamente os adultos,
atores do enredo da vidanafami
medi
liar nuclear, tornando-os pais e mães de fam ília. Enfim, toda a
lógica em construção circula sobre os marcos territoriais da
família (a parentalidade e a filiação), assim como sobre os pa
péis sexuais.
Os modelos, e m . constituição obedeciam em sum a aos
pressupostos dc saneamento e higienização social, conhecidos >
como movimento h igieni sta. No entanto, s e o perc urs o i n t e r
vencion ista do Estado s obre as famílias deve muito ao higienismo, •
nas suas vertentes médica e pedagó gica, a salvaguarda lega l foi J
um aspecto decisivo na consecução de um mecanismo eficaz
de tutela sobre as famílias. Para tanto, era necessária a promul
gação de um texto legal que firmasse os marcos jurídicos do
Higienismo.
E de fato, um dos principais propósitos das primeiras
legislações sobre a infancia no Ocidente moderno foi servir como .
um poderoso instrumento de penetração e controle das famíli
as (Coimbra, 2000: 85). Referimo-nos ao controle das wrhialiâades,
apontado por Foucault como exigência das sociedades discipli
nares, um controle'nâo apenas sobre o que se faz ou o que se
é, “mas sobre o que se po de vir a fazer ou vir a ser (Foucault,
1996). .
Nesse mom eríto é im portante que destaquemos que du
rante todo o século XIX, na constituição do Direito Penal Po
sitivo, emergiu como principal objeto desta ciência, a importância
de se defmir o que é CRIME, ou seja, alguma forma de trans
gressão efetiva a uma norma escrita e codificada. Em
209
contrapartida, durante o século XIX, outro objeto foi paulati
namente elaborado, qual seja, o valor do cpnhecirnento e da
tipificação da figura do CRIMINOSO, como passível da inter
venção diante do cometimento dejuma infração. A .análise de
que-um-indivíduó-viesse-a-ser-identificado-comojpotencialrnerv:
te capaz de vir á cometer um delito assume a forma de estra
tégia de controle e foi efetivamente sancionado através da
conhecida “apreensão por atitudè suspeita” no Brasil do início
do século XX. ,
Cita nd o o .profess or Alessandro Ba ratta ;
N a lin g u ag em policia l, a express ão ‘atitu de su sp eita’ n ão
foi nu nca usad a par a ind icar que o jovem estives se fazen
do algo suspeito, mas para indicar que ele era considerado
automaticamente suspeito pelos sinais de sua identificação
com um determinado grupo social (Baratta a/mí/Malagutti,
199 8: 12). '
210
do pai ou da jnãe que “por abuso -de autoridade, negligência,
incapacidade, impossibilidade de exercer o seu poder”, faltasse
“habitualmente” ao cumprimento dos deveres paternos (Rizzini,
1985: 131).
A^quiTTToWénTlalientar qu e a açãõ ldêstinãclã- á' meno ri”
dade era“menor”
atuação reconhecida,
pois, no próprioalguns
segundo círculojuristas,
jurídico,seus
como urna
parâme
tros não correspondiam aos princípios mais basilares do Direi
to. Ess a avaliação serve com o crivo analít ico d a prática prop osta
pelo modelo da Situação Irre gular: intervenção sobre o “me
nor”, enquanto categoria forjada à!parte da infanda, e sobre
sua família de srcem, sem qualquer referência aos direitos de
um ou de outro; em síntese, uma desqualificação da própria
ideologia do Estado Democrático de Direito.
Defensores da Doutrina da Situação Irregular argumen
tavam qu e a intervenção do P ode r ;TuteIar, po r ser em essê n
cia protetivo, garantiria por si mesmo a preservação dos
interesses de seus tutelados, não sendo necessário que as garan
tias elementares do Direito fossem anunciadas para essa parce
la da população. Dessa forma, o direito de representação, a
ampla defesa, os prazos de representação e/ou contestação não
eram identificados como fundamentais em processos que en
volvessem os menores. Nesses, o poder repousava solitário e
subjet ivo na figur a do Ju iz de M enòrcs, qu e por definiç ão de
cidiria em seu beneficio.
N ão por coincidência, as primeiras referências â utiliza
ção do discurso “psi” na sociedade brasileira datam das pri
meiras décadas do século XX, pouco após a promulgação do
211
Código dc M enores d e 19 27 , na corrent e de preocu paçõe s com
o destino que deveria ser dado à “infância desadaptada” e às
“crianças dif íc ei s” . À pa rtir de então, os instrum en tos d e av alia
ção c di agnósti co psi col ógi cos f oram sendo pau latinam en te in
corporados pelas instituições de abrigo e/ou correção de
m enores, a despei to da pró p ria pr ofi ssão de psi cólogo nã o ser
ainda reconhecida à época.
Dito de outro modo, o- discurso sobre a infância, e a
prá tica psicológica a ele co rrelata, caracterizaram-se no Brasil
como instrumentos de adaptação e controle da “menoridade”,
emergindo o “menor” como um dos primeiros objetos de estu
do que se conhecem na história da psicologia brasileira
(Coimbra, 1999: 81).
Durante o Império, a sociedade brasileira conheceu im
portante influência da Igreja sobre os assuntos do Estado. D a
esfera política ao âmbito jurídico, atravessando á implementa
ção das políti cas soc iais públicas, a Igreja fazia ver s ua in fluência
(Rizzini, 1985: 195). Datam desse mesmo período as primeiras
referênci as ao termo “men ór” nas determinaçõ es pre vistas pelo
Código Criminal de 1830, que definia quais sanções deveriam
ser aplicadas no cometimento de crimes por “menores de ida
de”. Essa primeira referência ao termo tem, como se vê, cará-
. ter essencialmente penalista e criminal.
A população de menor idade não envolvida com atos
criminosos estava, assim, alheia aos preceitos jurídicos do Im
pério. Sobre ela, predom inava a ação caritativa da Igreja, na
forma do paradigma dos “órfãos e expostos da Roda”,4 a idéia
4 A “roda” era um dispos iti vo que fun cionava desde o Br asi l C olônia com a
pretensão dc preservar a reputação das familias após o nascimento de filhos
bastardos e ilegítimos. Tratava-se dc uma abertura no muro de uma insti
tuição dc recolhimento que permitia, a quem estivesse na rua, colocar uma
criança sem ser identificada por ninguém. Pensava-se que assim se protege
ria a vida dos infantes que não seriam mortos por suas mães na tentativa de
ocultação da “desonra”. Na prática a maioria das crianças morria antes de
completar um ano cm decorrência de maus-tratos institucionais.
212
presente neste tipo cie atuação estava diretam ente relacionada
aos princípios religiosos, e fazia crer que era função do “bom
cristão” ajudar aos “ menores desprovidos da sorte”, objetivando-
se o reconhec imento divino po r esse auxilio e cons eqüe ntem ente
a “ida para o céu”. As alianças que destinavam os criminosos
à Ju stiça 'traçada
política e os pobres
no àBrasil
Igreja Império
era m a para
principal característicainfanto-
a população da
juvenil. Nessa associação conveniente, a Igreja - falando em
nome do pode r est atal - atuav a na ausência ou inexi stência da
autoridade parental, abstendo-se no entanto de intervir no
âmbito privado da família e preservando o poder do “pai de
família”, onde ele se fizesse presente e atuante.
Esse jogo permitia preservar o delicado equilíbrio entre
os interesses do Estado e os interesses patriarcais; não havia,
no Brasil Império, qualquer mecanismo de tutela estatal que
interferisse direta e claramente sobre os grupos familiares. •
Além da ação da Igreja, outros mecanismos assegura
vam a manutenção da ordem social sem afrontar o poder pa
t ri ar ca l ; com o exem plo, po de se r ci tada a legi sl ação d o Im pério
que obrigava todas as crianças, independente de sua srcem
social, à formação escolar. Tal determinação, reiterada em di
versos decretos-lei, torna a freqüência escolar obrigatória para
todas as crianças do sexo masculino, maiores de sete anos e
sem impedimento físico ou moral, sob pena de multa no caso
de não cumprimento do disposto legalmente. Sob muitos as
pectos, esses dispositivos legais ajudam a constru ir a im agem
do processo de “cultivo, cuidado e vigilância” que a escola se
encarregaria de assumir. Num contexto cm que discute o
surgimento, do sentimento de infancia no Ocidente moderno,
no qual podemos incluir o Brasil, Aries escreve:
A despeito de muitas reticências e retardamentos, a crian
ça foi separada dos adultos e mantida à distância numa
espécie de quarentena, antes de ser solta no mundo. Essa
quarentena foi a escola, o colégio: Começou então um longo
213
processo de enclausuramentp das crianças (como dos lou
cos, dos pobres e das prostitutas) que se estenderia ate os
dias de hoje, e ao qual sc dá ó nome de escolarização (Ariès,
1981: 11). I
A Lei do Ven tre Livr e, promu lgada em r87'l7un prim e_a_
necessidade de um novo redirccioriamento nas políticas da in
fância. Se antes' a iníancia podia ser tomada como objeto de
ação no âm bito íntimista das famíl ias, a libertação dos filhos de
escravos ain da cati vos de nu ncia m ia interfer ência de m edidas
fora do âmbito estrito da família. À iníancia passa assim a re
querer novas considerações do Estado, e a assumir conotação
de questão social. Além disso, a sociedade brasileira assistiu na
segunda metade do século XIX a uijn processo de grandes trans
formações: a urbanização e o início da industrialização, que
dem and ava m m ud anç a das m en talid ades oriundas da tra dição
agrário-rural.
Tais exigências exigiram do Estado novas estratégias
políticas, sendo a alian ça com o movim en to higienista feita sob
medida para o controle da população. É então que, nesse con
texto, o conceito de menor vai extrapolar a esfera \jurídic a e
p enetrar o cam po social.
214}
'especial para meno res de id ade. As tdiver sas lei s sancionadas
no início do período republicano refletem' de um lado a preo
cupação do país em torno do reordenamento político-social, e
de outro a preocupação com a infância, que emerge como foco
de pr eocup ações bastante dive rsas daquelas da época do Imp é
rio:
1. sobre
dos, oasEstado
crianças integradas
constrói a laresde considerados
estratégias apropria
intervenção que pas
sam pela incorporação e apropriação de saberes-poderes'
médicos, pedagógicos e a importação das primeiras referên
cias de “discursos psicológicos”; *
2. sobre as crianças sem família, oü com famílias tidas como
“ano rm ais, irregular es •ou patológicas” - ressalte-se, “nor
malm en te” as srcinárias dos baixos estr atos sociais - incidiam
uma série de ações calcadas no ideal higienista, de cunho
filantrópico
tado. e jurídico, através dã intervenção direta do Es-,
Assim, inicia-se a instituição da tutela sobre as famílias
p o b re s. P o d e m o s c o n sid e ra r que u m a das prin cip ais c ara cterís
ticas do século XX é o surgimento de um extraordinário apara
to jurí dico -i ns ti tucion al p ara a tutel a do s “m eno res” e ,
conseqüentemente, dá intervenção sobre suas famílias.
Assim, diversas instituições estatais são criadas, basica
mente na perseguição do objedvo de afastar os “menores” das
ruas abrigando-os, quando “carentes”, ou intemando-os em
reform atories, qu an do “i nfratores” . ■
Dessa maneira, podemos entrever que as srcens da his
tória d a organização d a Justiça de Menores se confundem com
a assistência à Infancia no Brasil através da filantropia.
A filantr opia representou u m desd obram ento que se pro
punha científico para as ações de cunho puram ente caritativo
e religioso, ou seja, os teóricos do hígienismo preocuparam-se
em repudiar as ações que eram praticadas pela Igreja, conside
rado-as pouco técnicas e não-científicas, mas preservando ain
215
da posicionamentos que eram basicamente' assistencialistas.
Assim, evoluiu-se da idéia religiosa de fa zer o bem aos pobres para
o conceito cientifico de saber o que deve serfeito com as populações
marginais para se alcançar o melhor possível com as mesmas.
O discurso filantrópico caracterizou-se sobretudo pela
pro fu nda correlação com o ideário positivista, através da ênfa
se dada à articulação entre as propostas filantrópicas c a cons
tituição de um projeto “civilizatório” específico: ó projeto da
“psicoprofilaxia social” advogado pelo higienismo.
Por conseguinte, os primeiros anos do século XX foram
atravessados e marcados pelos desdobramentos históricos das
décadas de 1880 e 1890, que revolucionaram as formas como
a sociedade brasileira se reconhecia e identificava: abolição da
escravatura; as simi lação de um gran de contingente de ex-escra
vos no mundo do trabalho livre; mudanças políticas substanciais
com o advento da República em 1889, urbanização do cenário
nacional e europeização dos costumes (Rizzini, 1987: 77).
216
“menores pivetes” pela insegurança e comprovar sua parcela
de cu lpa com dados- matem áticos - “cie ntíficos” portanto - a
respeito dos atos delinqüentes cometidos contra gs “cidadãos
de bem” (Santos, 2000: 213-215).
A Ciência não se restringia, no.entanto, ao registro esta
tístico da criminalidade juvenil. Em Congressos Internacionais,
estudiosos disc utiam a hum anizaçã o da Justiça assim como a
necessidade de “compreender a pretensa criminalidade infan
til”. As medidas propugnadas nos Congressos do início do sé
culo defendiam em essênc ia que o tratam ento da criminali dade
ju venil deveria dar-se à m argem da ju stiç a crim inai, abrindo
caminho para as políticas não-criminais intervencionistas
(Rizzini, 1987: 82). Em conseqüência, a temática da infância
passa a ser tratada nuni duplo registro:, de um lado, a defesa do
“me nor a ban don ado ” - defesa do abandono e da pobreza aos
quais f oi lançad o - e de outro a def esa da sociedade con tra o
“menor criminoso ou delinqüente”, portador de uma ameaça
potencial à coletividade.
N essa al tur a, já é possí vel dis ti nguir m ais cl aram ente q ue m
é o “menor”, em oposição à “criança”. O primeiro tem srcem
nas camadas sociais mais baixas, refratárias à interiorização dos
códigos normativos tidos como modelares no processo de mo
dernização e urbanização social. Estes exigem do Estado for
mas de captura ostensivas e intervenção do aparato judiciário
e policial. Em contrapartida, a "criançá” tem como srcem os
núcleos familiare s burgueses, cujos mem bros se identi ficam mais
facilmente ao ideário dominante. Assim, embora a história da
intervenção sobre as duas categorias tenha sido distinta, ambas
foram alvo de pol íticas que atravessaram seus m odos de funcio
namento e reconhecimento.
N a análise das discussões que atravessaram a época em
estudo, podemos considerar que uma das razões cruciais para
essa distinção era dada pela necessidade de formar mão-de-
obra para a economia; grande parte dos argumentos em_prol
21 7
da necessidade de intervenção juntp às famílias pobres invoca
va o valor moral do trabalho. A necessidade da preservação da
mão-de-obra juvenil é destacada em documentos políticos e
juríd ic os, que defendiam não só a ; intimidação da ociosidade
com o a puniçã cTda va gabu ndag em ídõVl'menore s~per ámbuTan^
tes” .nas ruas . O Chefe de Pol ícia do Estado de São Paulo,
218
ti atai das cidad es. Estas, destinad as 3. velo cida de , tornam*
sc espaços de circulaçao e nao mais lugares de encontros
(...) as reordenações urbanas têm se caracterizado pela se
gregaçã o, exclusão e isolam ento .d a pob reza c-or rob ora ndo
a crença de que com ela estão as doenças, os perigos, as
— — — am eaças j- a-vi ol ênci a-( G oi m bra— 2GG Gr86)r ~ -------———-
------
história
diversosdas políticas
projetos sociojurídicas
de lei sobreaoo Código
que conduziram “menor”.
de Assim,
Menoresos
de 1927, apresentados no início do século, debateram e refleti
ram a regularização do internamento de “menores”. Até en
tão, o recolhimento era feito nas !Casas de Detenção e de
Correção, misturando menores, loucos c criminosos; era de
interesse público e social manter a exclusão, mas era necessá
rio “hum an izá-la” e higi enizá- la. ,
de
cia ser consensual.
e da Especificamente
adolescência, críticas foramemdirigidas
relação àtanto
área,àsdadiretri
infan
zes estabelecidas pelo Código de Menores quanto às práticas
efetivadas pelas instituições que compunham a rede de assis
tência à infancia e à adolescência. Já no final dos anos 30,
Rob erto Lyra^ em visita à E scola Jo ão Luiz A lves (uma das
unidades da rede) após uma das primeiras revoltas de que se
tem registro, fez um discurso'veemente contra as condições de
vida dos jovens ali alojados, afirmando que a mera existência
da escola já seria um erro pois, dedicada exclusivamente a cri-
220
minosos, reforçaria a segregação e a exclusão (Rizzini, 1987:
95). . • •
■ Tai s críticas 'coincidem co m a criação do Labora tór io cle
Biologia Infantil, efetivada em 1936. O Laboratório propunha-
se a auxiliar o Juízo dc Menores na formulação'de critérios
para a institucionalização de menores, assim co mo a oferecer
subsídios para os programas desenvolvidos nos estabelecimen
tos correcionais. E m outras palavra s, o, La bo rató rio q ue ria es
tabelecer as bases científicas para a destinação asilar e para o
tratamento dos menores qualificados como “em situação irre
gular” e submetidos à tutela estatal. Numa época em que a
sociedade conferia grande crédito à ciência, supunha-se que o
La bora tório pudess e sofi sticar a leit ura m oral, apre sentan do os
fatores psíquicos, sociais, intelectuaise orgânicosque estariam na gênese
clo comportamento delinqüente (Oliveira, 2001: 239).
E digno
bo ratório de notaInfantil,
de Biologia que, na composição da equipe do
estivesse representada La mais
a nata
seleta c la intelectua lidade de então; po r seu interm édio, a socie-
; dade brasileira foi apresentada às teorias mais avançadas da
época, incorporadas do pensamento europeu com claros pro
pósitos de controle social. Entre outros saberes, “a psicanálise
(era)”, nas palavras de Nunes (1992: 72), "valorizada enquanto
um saber que poderia se tornar uni instrumento útil para os
pro gram as de eu gen ia (...), O que interessava era a possibilida
de que alguns de seus postulados abririam para o projeto dc
controle e transformação dos indivíduos.”
. Nesse, movimento de apropriação do discurso científico
cm prol do controle, os textos marcavam a apreensão do ter
mo “menor” a partir das categorias de desvio, patologia, irre
gularidade e anormalidade. Evidência gritante disso são as
referências de psiquiatras a estudos psicanalíticos sobre a sexu
alidade infantil, tomados como base para- afirmar que os me
nores não seriam ingênuos nem inocentes, pois descle a mais
22 1
tenra idade portariam impulsos de srcem sexual que deveri
am ser contidos, controlados e; se necessário, corrigidos:
Os psiquiatras vão tratar as formas de expressão da sexua
lidade infantil e seus equivalentes na vida adulta como
____________anom ali as . qu e devem se r com gida s, generali zando-as para
todos os indiví duos, que já nasceri am com um a constit ui
ção básica anormal, que deve ser paulatinamente regene
r a d a( N u n e s , 1 9 9 2 : 8 2 ) . ; !
Com a anexação do Laboratório de Biologia Infantil ao
Instituto Sete de Setembro em 1938torna-se ainda mais claro
seu modelo de ação: investigar e classificar social, médica, pe
dagógica e psiquicamente o “menor”, como meio dc promover
o “resgate do desviante, enquadrando-o à normatividade dos
registros de mão-de-obra-infanto-juvénil” (Oliveira, 20Ò1: 240).
Vê-se assim que a apropriação de discursos “psicológicos” foi
útil pa ra c ap turar, cooptar, objet ificár e adestrar os “m enores” .
As décadas que se seguiram assistiram à crise do com
plexo tutela r de assistência à infancia, nos moldes propostos
pelo Código de M enores de 1927. Essa crise tinha raízes tanto
na crítica contundente aos parâmetros de exclusão e repressão
que im perav am nas polí ticas para a ;infancia; quan to n a nec es-
; i
sidade de desonerar um sistema que se havia agigantado. Ou
tra critica r elacionava-se à extrapolaçã o da ação dos Juízo s de
Menores para além da esfera judicial, através da atuação no
que seria (ou deveria ser) de competência executiva.
N o plano das práticas, as instituições alteraram a form a
de tratamento destinado às famílias dos internos, passando a
reinvesti-las de autoridade. O discurso oficial passa a defender
a internação como último recurso e que os menores fossem
mantidos junto a seus familiares. Paralelamente, as primeiras
idéias de defesa da importância da “adoção” de crianças estra
nhas passam a ser apresentadas socialmente, pela primeira vez,
desvinculando o projeto de adoção! de um cunho patrimonial,
e dando-lhe caráter assistenciaL
222
N a realidade, a pro posta de que as famílias “abrissem
seus corações” a novos membros não era habitual entre os
brasileiros das primeiras décadas do século XX, que norm al
mente utilizavam o recurso jurídico da adoção para legitimar
filhos—b ast ard os^ -d i ante -d a-i-n e-xistên eia - de-filh os-legí t- iinos,
evitando-se que os bens familiares fossem herdados por outros
que não os membros do mesmo clã.
Em 1959 a QNU sanciona a Declaração de Direitos da
Criança, expondo de maneira inédita os direitos do cidadão
desde a infanda. Embora os efeitos desse texto não tenham
sido imediatos, sua influência marcaria as gerações futuras do
pensam ento sociojurídico brasileiro.
Pouco depois ida elaboração da Carta da Assembléia das
Nações Unidas, aconteceu o Golpe M ilitar no Brasil. A Políti
ca de Segurança Nacional pautava todas as ações federais, c
neste contexto
“problema também amáxima”.
de segurança menoridadeEmé nome
alçadadaà segurança,
condição deo
regime militar proclamava que os grupos de menores, circu
lando livremente pelas vias públicas, colocavam em risco a se
gurança coletiva, pois não apenas participavam ostensivamente
de crimes contra o patrimônio, como tâmbém eram autores de
homicídios (Bazílio, 1985) e por isso, deveriam ser controlados
e contidos. Em conseqüência, o Estado'passa a adotar um con
junto de medidas que têm por alvo a “conduta anti-social” do
menor, entre
posterior elas oinham
encam recolhimento de jovens pela
ento à Fundação polícia do
Nacional e seu
Bem -Es
tar do Menor (FUNABEM), criada em 1964.
O segundo Código de Menores (também conhecido como
Código Alyrio Cavallieri) data de 1979..Surge no período em
que se iniciava no Brasil a discussão da abertura política, e
constitui-se numa tentativa de intermediar o modelo em vigor
e as críticas que então já censuravam o modelo repressivo das
políticas sociais para a infância. Cedendo a várias linhas de
223
Situação Irregular, pois trata ain da o m enor co mo objeto de
medidas judiciais. O Código de 1979 abria m ão da classifica
ção da infância em “abandonada” ou “delinqüente”, mas dis
farçava a categoria "abandonado” na análise das condições
sociais e econômicas da fa míli a, defenden do o aba nd on o m ate
rial como argumento jurídico válido para a intervenção estatal
. na famíli a c par a a cassaç ão —tem po rária o u definit iva —do
pátrio poder. Com base em tais para dig m as, o Código de 1979
amplia em muito o poder dos magistrados, permitindo-lhes:
° ãtuar legislativamente, com poder de determinar medidas
através da instituição das Portarias;
• atuar ex-oficio, caracterizando o Ju iz como autoridad e qu e cen
tralizava ações de caráter pedagógico e administrativo;
• inves tigar, de nu nciar, acusa r, defend er e sen tenc iar os m en o
res infratores, constituindo-se ainda o Juiz como único fiscal
legalmente autorizado de suas próprias decisões;
• aplicar medidas a meros acusados de atos infracionais, sem a
necessidade de constituição de provas; na prática, só se ins
taurava o contraditório quando a família do acusado desig
nava advo'gado, o que terminava por retirar dos mais pobres
o direito à defesa.
O Direito do Contraditó-
^Â^u$ti^i?<!sanu:tenza7sc;b0rfíacuac-}‘eaizvamentc,.'i.'%
qual se ja, a Am pla Defe sa, não disponibili zando condições par a
22 4
que os acusados pudessem se defender de maneira tão conside
rável como acontecia com sua acusação.
Com o o Direito do Con traditório não era. consider ado
como Princípio Constitucional pela Constituição de 1969, apa
recendo apenas durante o decorrer do processo de investiga
ção criminal (ou seja no período da investigação policial), e
não na fase do processo judicial (quando o processo era efeti
vamente instaurado no Juizado de Menores) 3 a ausênci a do
Contraditório, à época do Código de 1979 não era ilegal, mas
expressava eloqüentemente o sistema em que estáva inserido.
As. críticas ao Código de 1979 nasceram descle a sua
prom ulg ação e acentuara m-se no decorrer dos anos 80 com o
processo de abertura democrática. Os movimentos sociais, muito
atuantes no período, articularam-se em' torno de uma grande
aliança que ficou'conhecida sob a denominação de Fórum dós
Direitos da Criança e do Adolescente (o Fórum DCA), cujo
prin cip al alvo político era a Reform a Constitucional. Esse
movimento conquistou uma vitória política ao inscrever no texto
con stit uc iona l, p ela pr im eira vez na h is tóri a brasil ei ra, a con
cepção da criança e do adolescente como cidadãos e sujeitos
de direitos sociais, políticos e jurídicos. O Estatuto da Criança
e do Adolescente (ECA, Lei 8069/90) é o instrumento legal
que consolida esses direitos constitucionais.
’ A D outrin a da Proteção Int egral é a principal inspi ração
do ECA. Dentre as inúmeras inovações introduzidas pelo ECA,
destaque-se a submissão do texto legal aos princípios, regras,
técnicas c conceit os d a ciência jurídica: o Ju iz emerge com a
função de prevenir e compor litígios; incumbe ao Ministério
Público a fiscalizaç ão da lei e a titularidade das ações prote tiva
e socioeducativa; o advogado ou o defensor público representa
a criança e o jovem no interior- do processo legalmente consti
tuído; e. as questões da Política Social passam à responsabilida
de das administrações locais.
í i > i 'K i ! * ; , * y * *:•i'*WT*<*cwe J r wfi . y ti' ir,* ,<f*t v,!'íh^viv/^ií pr j n w» x v .* c •% ., i • * *
;. e m j q u ^ q u é r ^ a r ç p n s t a n c ia s ^
'!^ISP^iÍflÍS|Ss^lÍIÉiiÍSs^ifesíS^,^ « i^ -
?lda'$Ítuá^ãô|^e^lár£;^üé;'discrÍLj^na^
!í? m íe $ e n ç a !ç f$ n â & á ó sí w ^
víii* r^ íí -í -- 1 ítvfi-,,''\ «^'"Y.W1^.'y ^ í /. T lV ^ ^ j ■ *v KV/- 1í•^ >1,1 ^ J L\ rr í J
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.ríM a^ rínn ctifiii ?n 3c n\ 'Trfffneral/^
çâ -^
| i-hí*la, .S-iftlS VD rasilC
Pc A^V/
iraS :Í O *^Que^
\ .
cidadania brasileira.
226
na letra da lei, a igualdade entre as crianças e os adolescentes
brasileiros. D ada a igualdade no plano ju rídico, cabe agora
questionar as práticas de tratamento que vêm sendo destinadas
aos “adolescentes em conflito com a lei”.
N a verdade acreditamos que a história das legislações
brasileiras dirigidas à “m enoridade” tradicionalm ente se encar
regou
de de média/alta
classe criar diferenças entre o "menor
que cometesse infrator”
delitos”, e o “jovem
dando-lhes identi
ficações e destinos singulares.
Assistíamos dessa maneira a criminalização dos compor
tamentos transgressores quando cometidos pelas classes mais
baixas do estrato social e a “crim inalização dos jovens pobre s”
em contrapartida à patologizaçao dos comportamentos delin
qüentes quando cometidos por adolescentes pertencentes aos
grupos mais altos da sociedade.
227
socioeducativas previstas no ECA, a partir da Doutrina da Pro
teção Integral.
- Dessa man eira, me smo na verificação do ato i nfracional
o adolescente apreendido, destinatário de medidas socioedu
cativas, também pode (e deve) ser alvo de medidas protetivas,
que pugnem pôr sua efetiva ressocialização e pela garantia de
todos os direitos e responsabilidades dispostos nas leis tutelar
(ECA) e constitucional (Constituição Federal de 1988).
O Estatuto da- Criança e do Adolescente compõe-se de
,duas partes fundamentais: a primeira, nomeada como Parte
Geral, apresenta os sujeitos da lei e os direitos referidos a eles;
na segunda parte, nomeada como Parte Especial, são apresen
tados os contornos da política de atendimento; as medidas
protetivas e socioeducativas aplicáveis à criança e ao adoles
cente; as medidas aplicáveis aos pais ou responsável; o papel e
defini ção dos Consel hos Tutelares; da Justiça da In íanc ia c
Juventude; dentre outros títulos.
Observamos dessa maneira, que o escopo da nova legis
lação apresenta como. traços marcantes:
1 . propor a descentr ali zação j urídica que m arcava os dois C ó
digos de Menores, pois estes culminavam por caracterizar os
Juizados de M enores como Juizado s Execut ivos , res pon den
do por ações que deveriam ser de competência do Executi
vo. Com isso, conclama-se a maior participação e interlocuçao
dc outros setores sociais diante da. temática, pois os Juizados
atuavam praticamente sem o protagonismo de outros seto
res nas ações dirigidas à menoridade;
2. responsabilizar outros atores diante da problemática, defi
nindo família, sociedade e Estado como participantes ativos
do enredo e ,não. apenas elegendo e culpab ilizando o “m e
nor” (e por extensão sua família) por possíveis dificuldades
na inserção' s ocial;
3. a extensão da população alvo srcinariamente atingida pelos
Códigos de Menores: de uma parcela da infância e juventu
de brasileiras, para a totalidade dos adolescentes c cnanças
do país; objetivando-se a não-criminalização e não-estigma-
tização da: pop ulação a qual a lei se. dirig e;.
4. pro por a criação de u m a Pol ítica' de Atendim ento que exige,
para seu efetivo funcionamento" e constituição, a participa
ção e mobilização político-sociais intensas, expressas nas elei
ções dos Conselhos Tutelares e narrepresentatividade dos
Conselhos Municipal e Estadual doé Direitos da Criança e
do Adolescente; ' ■ . ' . :
5. criar um nòvo paradigma social diante do cometimento.dc
infrações por crianças e adolescentes, ou seja, com base na
Doutrina da Proteção Integral, proteger e ressocializar, não
mais pu nir e sim educ ar através de atividade esp ecíficas com o
ada;Prestação de Serviços
a M atrícula a Comunidade;
e Freqüên a Liberdadeem
cia O brigatórias Assisti
Escola; rà
Requisição de Tratamento Médico, Psicológico ou Psiquiá
trico, em Regime Hospitalar ou Ambulatorial, etc. caracte
rizando a Internação como medida sujeita aos princípios da
brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar
da pessoa em desenvolvimento. (Artigos 101, 112 e 121 da
Lei 8.06 9/9 0 - Estatut o da C riança e d o Ad olescente )
Apesar do ineditismo e dos avanços teóricos c sociais
propostos pela nova lei, assistimos atu alm ente a um 'q uadro em
que a utopia preconizada ainda está muito longe de seu proje
to srcinal. Quais seriam as possíveis razões subjacentes a tal
dinâmica?
Segundo Bazílio (2003: 26-28), devemos problematizar
a atmosfera política que circunda a promulgação da nova lei
tutelar, pois podemos observar que, apesar do processo de re-
democratização em curso na década de 1980', o período inau
gurado pelos anos 90 foi caracterizado pelo “avanço dos setores
conservadores e (...) ataque direto [aos] defensores dos direitos
humanos”. Dessa forma, diante do aumento dos índices de vio
lência durante a década de 1990, sentimentos de interiorização
229
da in segu ranç a (notada me nte no convívio com a diferença) vêm
. sendo produzidos e manipulados por parte da mídia e da opi
nião pública, gerando a culpabilização e condenação dos mo
vimentos de promoção da cidadania e defesa da paz social e
dos-direitos- human osj-considerando_q.ue_tais_concepçoes_sãoj _
em essência, defensoras da impunidade daquelas personagens
que tradicionalmente sempre foram; vistas como “marginais” e
“perigosas”, como a “figura do menor-infrator”.
Além disso, também se evidencia nesse período que os
modelos neoliberais que passam a ocupar a cena política
redimensionam a política de financiamento público. A dimi
nuição e afastamento do Governo Federal como financiador e
princip al provedor dos recursos do setor gera um a grave crise
na área. Nas palavras do professor.Bazílio:
O s fun dos q ue, previs tos pelo Estat uto, ter iam por srcem
contribuições como doações ou recursos provenientes do
orçamento de estados e municípios, encontram-se de fato
.esvaziados. Não foi pensado em fontes fixas, alíquotas de
arrecadação ou taxas e i m postos para cobri r custos de sua
implantação. Assim, (...) os programas e projetos deixam
de ter continuidade. Vivemos a desprofissionalização e a
descontinuidade, a institucionalização do provisório. A si
tuação que hoje é vivida (...) é o aumento da pobreza e
diminuição do orçamento social (2003: 27).
I
Como decorrência desse quadro de crise de financiamento
c de liberação de recursos públicos, as ONGs, que tiveram
importante função no quadro de implementação do Estatuto,
passam a não ser mais solidárias diante de interesses comuns,
posicionando-se como rivais e concorrentes pelas verbas de finan
ciamento, conseqüentemente produzindo a fragilização da rede.
Como último argumento, o professor.Bazílio questiona
o amadorismo no gerenciamento da coisa pública, pois diante
de mudanças político-partidárias os postos-chave da gerência
da política de atendimento seriam submetidos a interesses de
230
poder difusos, não se dim ensionando a real im portância da
competência e conhecimento na área como critério de escolha
dos responsáveis pelas ações sociais relacionadas à .infância e à
adolescência (Bazilio, 2003: 28).
— ;——Ap esar "de-avaiiarm os _qu e “crproj eto'utópito"dò- Es tãtütõ
da Criança e do Adolescente ainda encontra-se distante da sua
efet ivação pragm ática e m ’dive rsos pontos , a parti cipação e
mobilização dos diversos sujeitos que compõem a rede social
poderia significar um im portante avanço na concretização de
mudanças no quadro.
Assim, acreditamos que a trajetória que vem sendo cons
truída por psicólogos dos diversos Tribunais de Justiça dos es
tados bra sileiros que atuam em Varas de Infânci a e Juv entud e
deve estar atenta aos atravessamentos institucionais que fazem
parte da criação do cargo de Psicólogo do Judiciário. .
Como conhecido, a atuação tradicionalmente solicitada
é de pro du ção de “laudos periciais” que auxi liem o Ju ízo em
sua tomada de decisão; entretanto, observamos que paralela
mente a tal pedido, subliminarmente é demandado pelo Apa
relho Ju dic iário que “solu ções mágicas” sej am produzidas pelo
psicólogo.
*- Com o exemplo aprese ntam os o texto que defi ne M is
são do Ju izad o da Infân cia, e Juv en tude do R io de Jan eiro, do.
sítio do Tribunal de Justiça do estado mencionado:
O Ju izad o da Infância e Juv entu de tem a m is são, perante a
socied ad e, de p restar a tutela jurisdicional, a pro teção in te
gral à criança e ao adolescente, a cada um e a todos, indis
tintamente, conforme garantidas na Constituição Federal e
no Estat uto da C riança e do Ad olescente, di st ribui ndo justi
ça e atendimento psicológico de modo út il e a tempo, (http://www.tj.ij .
go v.br /i nsn tuc /1 ins tanci a/i nfan-j uventude/missaoj ij .ht m )
231
te com a justiça, irá as segurar “ ju sta m en te” que as partes se
jam “atendidas” por um profissional “psi”.
A naturalização da prática psicológica emerge como
possível chave de leitura para en tendim ento dessa referência,
mas de igual forma, podemos considerar que a compreensão
do Tribunal vem sofisticando a idéia de que apenas a resposta
ju rídic a revela-se insuficiente diante das “subjetividades” hu
manas, que merecem ser problematizadas e “escutadas” na
consecução de real projeto de imp lementação da Jus tiça.
Significativamente, a escuta psicológica não é utilizada
como termo para definição do trabalho a ser empreendido,
rrias a atuação do profissional “psi” não pode deixar de revelar
a fala subjetiva das partes que compõem os processos jurídicos.
Dessa forma, a referência objetalizante às pessoas, que
culmina por caracterizar a maioria das ações realizadas pelo
232
no sentido de pro-vocar (de incitar à fala.; .ao posicionamento)
•tanto os adolescentes em Conflito com a'lei, na significação e
ressig nifica ção de.. sen tidos p ara os seus atos co mo os dem ais
atores.envolvidos nessa dinâmica: elenco judiciário (juiz, pro
motor, defensor, advogado, assistente social, comissário da in
fância e juventude, cartorário); tocla a rede de referência
institucional (escolas, hospitais, abrigos, Conselhos Tutelares,
Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, institui*
çõe s de semi-li berdade c /o u inter nação); bem com o a famíl ia e
o Poder Público.
De fato, consideramos que um dos mais interessantes
desdobramentos do Estatuto da Criança e do Adolescente em
suas propostas socioeducativas seja a idéia de responsabilização,
de fomentar pedagogicamente no adolescente a noção de que
todos os cidadãos são co-respons áveis - ativa ou passivamente '.’
—pela
bam a so suaciedade construída, social.
responsabilidade de fo rm a a que os jovens perce- ;•
Constrói-se a imagem, portanto, de que eles são partici
pantes ativos na sociedade, sendo diretam ente responsáveis por
ela, e que uma vez que cies desrespeitem as regras instituídas
legalmente, serão responsabilizados socialmente por isso. É fun
damental que se frise que a responsabilidade proposta pelo EGA
é de cunho social, ,e não penal ou criminal.
De igual maneira, o Estatuto apresenta muito claramen
te que o Estado e a sociedade têm responsabilidades com as
crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, e que no
descumprimento de seus deveres o próprio Estado pode vir a
ser acionado, a ser processado, por exemplo, na falta de' esco
las e creches para crianças, o que é importante que também
seja problematizado junto aos adolescentes atendidos.
Entretanto, se a medida socioedücativa não é referida
em sua função eminentemente pedagógica, ou seja de aprendi
zado e ressocialização, sendo alardeada corrio um recurso “puni
tivo” para os "adolescentes infratores”, a percepção que preva-
lece é a de que, quando o Estado ou a sociedade cometem um
crime, por ação ou por omissão, eles permanecem impunes,
mas ao contrário, se o transgressor for um indivíduo “menor”
de idade, ele será imputado com uma. “pcna-medida”, portan-
-t:O-com-uma-leitura-criminal_e_nã 0 socioeducativa. ______
Dessa forma,' avaliamos que as imagens construídas pelo
imaginário social ainda amparam e justificam a discriminação
dos “infratores”, ainda que adolescentes, de outros da mesma
faixa etária e das crianças. Na verdade, parece-nos que as falas
produzid as so cialm ente inclinam -se am big uam ente na refe rên
cia de que os jovens infratores não são como os outros, sendo
mais “maduros” do que a média, devendo por isso ser mais
responsabilizados, ao mesmo tempo çm que eles também são
percebidos como áin da adolescentes, e então não podem se
prevalecer das gara ntias do universo ad ulto. O que lhes resta é
uma identidade em que são referidos como adolescentes “maio-
rizados”, mas ao mesmo tempò são “adultos menorizados”, não
se beneficiando das positividades de. nenhum dos registros a
que são lançados.
Vejamos a seguir as formas de ingresso dos adolescentes
no Aparelho Judiciário.
v^S 'v .Form as , de ing resso do ado lescen te autor de at o infraci onal, no 4 '
]] 'Ju d iciário ‘
^ »»Segu ndo o-E statu to, o adolescen te que com etevato
£“ínfr aciodelito
gra nte na l sóoupod e ser
.pór. ordaem
pree nd ido eJfundam
.e scrita em duas, entada^do
hipó teses ^em
Ju iz fia--*
d ar*)
\Infanci a e Juve ntude .
Apreendido, o adolescente será conduzido para a oitiva
com o representante do Ministério Público (Promotor da In-
fància e Juv en tud e), cuja função é represen tar ao magistrado
os dados que lhe forem apresentados .6
É importante que destaquemos que todo este ritual é necessário, uma vez
234
Em seguida; o adolescent e pod e ser conduzido imed iata
m en te ao Ju iz, ou ser levado à aud iênc ia após en trevist as com
a equipe técnica (Psicólogo, Assistente Social e Comissário da
Infancia e Juventude).
______ E fato conhecido que cada juizado construirá sua rotina
de procedimentos, não existindo um procedimento único para
atuação da equipe técnica. Visando facilitar a compreensão didá
tica, podemos caracterizar as formas de intervenção técnica da
seguinte maneira:'
1 . No m om ento a nterior à reali zação da audiênci a judici al
objetivando a confecção de estudos e laudos que auxiliem o
Juiz em sua tomada de decisão;
2. No momento posterior à realização da audiência:
a) no acompanhamento técnico dos adolescentes a partir
da determinação de medidas protetivas e/ou socio-
educativas pelo Juiz;
b) no encam in ham ento às instituições da rede.
A audiência deve contar necessariamente com a presen
ça do Promotor e do Defensor Público; preferencialmente,
devem estar presentes os familiares do adolescente; podem ser
convocados representantes da equipe técnica.
que a Justiça só p ode atuar quando prov ocada , ou sej a a par ti r da demanda
de um terceiro (que pode ser o promotor público) que demande a interven
ção do Ju iz d iante ci a configuração de um a dinâm ica espec íf ica. Além disso ,
é igualm ente digno de destaque qu e - apesar da f igu ra do Promotor Públi co
ser associada tradicionalmente como responsável pela representação ao Es
tado dos atos prati cados contra o interes se público - no s proces sos qu e e n
volvam crianças e adolescentes, a Promotoria Pública deve atuar como
Curadoria Pública, ou seja defendendo e zelando pelos interesses e direitos
das crianças e adolescentes, Tal compreensão entretanto não é irrestrita, e
encontramos partidários convictos do entendimento de que o MP só deve
atuar como “Curadoria” nos processos envolvendo adolescentes “carentes’1
c não com aqueles que são infratores, ou seja na reedição e perpetuação do
antigos posicionamentos estigmatizantes.
235
r N a.audiência,o Ju iz pode deci dir p éla apli cação de quais
qu er das med idas socio educativas previstas iló artigo 1 1 2 cto
Estãtuto da Cr ianç a e do Adolescente; ~
I - ■ adver tênci a^
II - obrigaçã o de repa rar o dano;
III - prestação de ser vi ços à com un idade ;
Í.V - \ liberdade assistida;
V - inserção em regim e de semiliberda deT“!!'
VI - internação, eríí* estabelecimen to ed ucacional;
VII - qua lque r um a’das prev istas no artigo 101, I a VI,
Cum ulativamen te, o Ju iz po de decidir pela aplicação de
medidas protetivas, especificadas no artigo 10 1 do ECA.
Dessa forma, verificamos que o adolescente, mesmo que
responsável peia prática de ato infracional, pode scr alvo de
medidas de proteção.
Apesar das mudanças jurídicas propostas, a estigrniatiza-
çào e a criminalizaçao do adolescente que comete o ato
infraci onal ainda decorre freqüe ntemen te de se u perten cimento
a determinados perfis que o aproximariam dos papéis identifi
cados como “marginal e perigoso” à sociedade.
Exemplificaremos tal análise a partir do exemplo da ca
pital do Rio de janeiro no atendim ento a essa clientela.
23 8
contraste decorre o discurso recorrente,segundo o qual não se
instituiu a aplicação.pragmática e integral do texto legal.
A distância entre as assertivas legais e as práticas em curso
é preenchida pelos diversos atores segundo as formas como a
sociedade consegne assimilar as propostas de mudança. Essa
àssimilaçãorpor-s ua-vezTé-atr-avessada-pel o-impacto-da-mídia,-
que freqüentemente conclama à punição, à prisão ou à
internação dos jovens infratores, em particular se são pobres,
fomentando a cultura do medo e a projeção paranóica dos te
mores sobre os destituídos.
Assim, acreditamos que apesar de hoje. já ser fato suficien
temente conhecido que as penas privativas de liberdade fracas
sam de forma reiterada em suas proposições preventiva e
corretiva - o que n a anális e do pr ofessor Alessa ndro Bar atta
parece estar articulado a objetivos velados .do pró prio sistema
penal (B aratta, 1999:100) ~ o. propósito PUNITIVO ’permanece
como emblema-mor da rede penal,“ sendo amplamente divul
gado pela mídia formadora de opinião.
É preciso que profissionais de Psicologia façam de sua
atuação uma expressão eloqüente do compromisso com o me-
construídos
da PEN A comseletivamente;
o forma de encobrindo —na
cont rol e dos indiargumentação da importância
víduos que “rompem ” o “cont ra
to social” —estratégias estigmatizantes sobre as classes mais depauperadas
da sociedade. A pena atuaria então como recurso na identificação e forma
ção de “distâncias sociais entre os sujeitos, agindo como "sancionador ideoló
gico da própria seletividade penal. Além disso, a pena cumpre o papel de
m anter dispon ível um enorm e contingente dç. mã o-de-obra de re ser va p ara
o mercado de trabalho legal e, também, pará o mercado de trabalho ilegal.
(Assim, ex-apenados são recrutados e superexplorados economicamente nas
dinâmicas do mercado de trabalho oficial; como.também são empregados
nos mecanismos de circulação monetária ilegal: no tráfico,- no mundo do
crime, nos grupos de extermínio, etc.)
239
Ihor c pleno exercício do Direito no encontro real com o ‘'su
jeito de direitos” ,'preconizado pelo ECA, mesmo quando em
conflito com a lei. É preciso servir ao Judiciário mas sobretudo
à Justiça para os sujeitos por nós atendidos, e atuar em busca
da mais plena acepção da ética e do reconhecimento da auto
ria dos sujeitos,;no processo legal.
de exercício e reconhecimento
conceito-produção da subjetividade,
totalmente dependente de umaou realidade
seja, é um
histórico-social específica sem a qual nã o far ia s ent ido; não sendo
um dado da “natureza”, mas um processo cultural (Gerqueira
& Prado, 1999: 9).
En tretanto, relaci onamo-nos com. as concepções dc in
fanda e adolescência naturalizando-as e neutralizando as dife
renças econômicas, sociais, culturais, de classe, que compõem
•e atravessam estas categorias.
240
Podermos analisar o fenômeno dá “adolescência” artiv
culado à construção do projeto capitalista, talvez nos possibili
te recon hec er e torn ar mais próximos os traço s, singul ares da
multiplicidade de “adolescências” forjadas nas últimas décadas
do século XX, percebendo nesses “adolescentes” produzidos na
pós-m odern id ade grande influência midiática.
De igual forma; consideramos que coexistiram, e coexis
tem, categorias diferentes para um mesmo segmento etário,
deixando evidente que não é “apenas” a idade o elemento
identificador da “infância”, “adolescência” e “menoridade”.
N a delineação deste quadro , percebe-se co mo somos
“apropriados” por determinadas categorias que são naturalizadas
no processo de constituição da; “realidade” que vivemos cotidia-
namente, sem atentarmos que fazemos parte fundamental das^
“engrenagens” que compõem, mo ntam e desmon tam identida
des e subjetividades.
Dessa forma, destacamos a importância dos discursos “psi”
dentre as concepções “científicas” que legitimaram o “menor”
na- cultura jurídico-social brasileira.
Alem disso, reconhecem os o pap el da esfera juríd ica na
diferenciação entre as categorias “menor” e “criança”; elas se
srcinaram de fato no contexto jurídico, que definiu os indiví
duos “menores de idade” a partir de um viés criminal. Mas a
noção de “menor” extrapolou o espaço jurídico, ancorou-se na
gama de saberes médico, pedagógico e psicológico e daí fir
mou-se como estratégia de'controle de determinados grupos
sociais. Tendemos, no entanto, a neutralizar a força desses sa
beres na construção e na legitim ação da noção de “m enor” .
Ten dem os a d esconsider ar as for mas com o a Psicol ogi a contri
buiu para norm atizar, classificar, identificar e segregar o “me
nor” na rede de assistência tutelar.
Pois: enquanto à criança/infante foi determinado um
lócus social de “ausência de fala”, sendo representada no
interjogo comunitário pelos pais e/ou responsáveis que —ades-
241
trados e disciplinados por conceitos psico-médico-pedagógicos
- teriam a fun ção de protegê- los e salvaguardá- los em jseus in
teresses e bem-estar, “falando por elas”...
A categoria “menor *5 - que f oi sendo paulatinam ente
GOnstituída^a_par.úr_da leitura jurídica penálista dirigida aos
“infratores” menores de idade, mais .'especialmente evidente no
adve nto da R epú blica - foi de m and ada a sua expr essã o e a sua
apresentação no entrechoque com o universo jurídico, fazen
do-os “falar” de “si” e de sua rede de srcem, através da cap
tura pelos discursos jurídicos, com a jobjetalização dos discursos
e falas enunciadas por esses sujeitos.
Segundo Emílio Garcia Mendez a emergência, do con- •
ceito de “criança” na consciência coletiva a considera “inca
p az” e sem auto nom ia na sua apresentação social, tendo que
•ser protegida e representada juridicamente na sociedade por
9 Ta l separaçao pod eria ter se produzido íc om base cm out ras ale gações ,
com o divisão quantitat iva ou regional . ;
10 Verifica-se dessa m aneira a referênc ia imaginária a o. “men or” que os Có
digos de Menores de 1927 e 1979, embalados na Doutrina da Situação
Irregular, apresentam como objeto do sistema tutelar, sendo submetidos
ambiguamente à “proteção” e à “repressão” do Estado.
24 3
constituir) parte significativa das ações que são produzidas so
bre o ‘riienor in frato r5.
Refletir sobre tais procedimentos, clarificando a impor
tância dc enfatizarmos a aproximação entre o diploma legal
8.069/90 (ECA) e os discursos sobre direitos humanos em sua
vertente nacional (constitucional) e internacional, foi um dos
objetivos do texto que construímos, na defesa da cidadania como
laço unificador de uma sociedade mais justa, digna e igualitá
ria para as crianças e os jovens brasileiros.
Igualmente propusemos c apostamos na implicação das
práticas profissionais que produzimos, potencializando su a ca
pacid ade din am izadora e catalisadora de tran sform ações so
ciais, e não servindo apenas como mecanismos que servem à
engrenagem de manutenção do status quo.
Dessa maneira, consideramos que a constituição do com
plexo de ações sociojurídicas que originou a-T ute la em nosso
país já se caracterizou de form a bastante contraditória desde
os seus primórdios através do conjunto de ações que, no enten
dimento'do ‘'menor” como objeto do Direito, eram norteadas
a at end er aos ideais de: 1. Prot eção da ' m enori dade aban don a
da’; 2. Controle e disciplinamento dos ‘corpos desviantes’ e 3.
Repressão social aos ‘comportamentos delinqüentes’ (Pinheiro,
2001: 65),
A proposição de novos modelos para atenção e atuação
sobre a infancia e juventude encontra enormes dificuldades
diante do fantasma (muito real) das reiteradas práticas de des
respeito e repressão histórica dos direitos das crianças e adoles
centes, dos quais a história da psicologia faz parte.
Paradoxalmente, com a mudança de enfoque doutriná
rio pro po sta pe la no va lei (ECA),. a pró pri a po pu laçã o alvo dess as
políticas pro duz falas de estranham ento diante do novo lugar a
que é lançada: o lugar do “sujeito”, referindo-se ainda como
“objeto” de políticas públicas.que espera passivamente a deci
são sobre sua vida e destino.
244
Parte d a equipe do Jud iciário também aincla parecc não
se aperceber da. nova. dinâmica legal proposta no ECA e dos
desdobramentos sociais advindos desse texto, não se implican
do na formação e transformação dás políticas de atendimento
à população que chega aos Juizados da Infanciá e Juventude.
Ressaltamos que não se transforma um quadro secular
cm um único instante e sim através da implicação constante de
cada um dos atores do elenco judiciário, da sociedade e do
Estado no reconhecimento a essa questão.
Por ora, existe muito a ser feito, pois nos deparamos
ainda com o perfil típico de adolescentes infratores como per
tencente a um grupo social específico, oriundo de favelas e da
periferia, o que acarreta, em contrapartid a, em um reconheci
mento imaginário distinto das práticas que são produzidas so
bre esse grupo, que se configura como m erecedor de um olhar
preponderante m ente penal no topo das ações que serão em
pree ndidas. "
Consideramos que, na construção de um novo panora
m a jurídico, neces sitamos de um a nóva config-ur ação social que
possibilite novos encontros, agenciamentos e atritos na rede
coletiva, de forma a atuar como catalisadora nas discussões e
reflexões críticas sobre o que seja,Justiça, sociedade, crime,
criminoso, vítima, pena, etc.
Apenas na problematização das representações que pos
suímos socialmente (e que opostamente também nos atraves
sam) c que acreditamos ser viável a- efetivação cle alguns dos
dispositivos propostos pelo ECA: como o pacto político entre
Estado e Cidadãos, que se efetivamente exercido por ambas as
partes possibilitaria a conquista de im portantes espaços públi
cos na discussão e comprometimento de todos para defesa de
direitos e para constituição cle uma sociedade menos fragmen
tada, posto que mais igualitária.
Dessa maneira, realizamos uma análise das representa
ções imaginárias que atuam como matrizes no processo de
245
“criminalização” do “adolescente em conflito com a lei” e que
con tribuem na crista lização da rrie dida de int ernação como um
dos principais recursos socioeducativos (“punitivos’:) utilizados.
Partilhamos da pressuposição de que exista uma com-
plÉrxOrè‘d e_dè_ãtfavessamentos'ri,a_eleição-e-construção-do-que—
seja o'“comportamento desvianté” que merece o repúdio soci
a l assim como tamb ém aval iamos que a constr ução ’e a carac
terização do “menor infrator” (oú adolescente em conflito com
a lei, para utilizarmos a linguagem politicamente correta) se
jam processos que podem ser dem arcados historicamente.
-Além disso, acreditamos que os profundos impasses exis
tentes para efetivação do ECA na atualidade são um reflexo
importante do retraimento do Estado como responsável pelo
fom ento e imp lantaçã o de pol ític as públi cas bási cas em co n tra-
dição evidente com os principais pilares de sustentação do tex
247
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Silv a, Antônio Fernando do Am aral . (1995) O Judic iário e os novos paradigmas
conceitu ais c norma tivos da infancia e da juven tude. Palestra para a
1Associação dos Magistrados Brasileiros. RS: mimeo.
TJ /RJ . Juizad o da Infanci a e Juv entu de do Rio dc Janeiro, disponível em:
http:// www .t j.i J.gov. br/i nsti tuc/ 1 instancia/infan-juvcntud e/missaojij.htm
24 8
M arl en e Gu irado
Escrever num livro sobr e Psicologia Ju rídic a é um a t are
fa delicada, quando não se trabalha em Fóruns, cm Comarcas
ou Varas de qualquer espécie. Ou seja, quando não se trata do
cotidiano
lho das inst ituiç
que, diretamente, ões concreta
os psicólogos têms desenvolvido
da Justiça, nemnessa do tr ab a
área.
De certo modo, é o caso deste texto. Pelo título, no en
tanto, podemos perceber uma relação interessante, que me
caberá demonstrar nas páginas que se seguem : d i scut i r o que
se pode fazer/pensar, quando a população com que se trabalha é
nomeada, exatamente pelos discursos e recursos no âmbito do
Direito e suas práticas institucionais judiciárias. Trataremos das
práticas, de atenção e custódia para jovens, qualificados por
sua condição de conflito com a lei; mais-especificamente, da
FEBEM-SP. Trataremos dc alcances e limites de nossa prática
profissional, a Psicologia, quando ela é.feita nesse contexto.
Trataremos, ainda,- de certas coordenadas que podem organi
zar o modo de pensar do psicólogo, cm sua ação direta ou, até,
na pesquisa.
Estará sendo proposto, de frente e de fundo, um modo
de fazer psicologia que independe, em muitos pontos, dc ela
ser adjetivada como judiciária, ou educacional ou clínica. Pois,
esses adjetivos
exercida, do quefalam mais metodológico
do recorte do tipo de instituição
com que emse aque ela é
exerce.
Como se pode notar, estou afirmando que se pode dizer
que se faz psicologia jurídica quando, por algum motivo, se faz
psico logia nò âmbito da Justiça. Não há qualq uer m arc a de
pro cedim ento s específicos que .em seu nome se exerça. O que
há sim, e é isso que defend o, (é um a possibilidade de leitura,
tanto de o que é psicologia, como de o que é uma instituição
(e, nesse sentido,
instituição) e seuadiscurso.
p róp ria psico logi a pode ser considerada uma
Essas idéias, eu as desenvolvi extensamente em outros
escritos a que remeterei o leitor à medida que for necessário,
no decorrer do texto. Isto porque, por um lado, temos limites
de espaço agora e, por outro; pretendo, em ato, demonstrar
corno pode ser essa leitura, no desenvolvimento do conteúdo
deste noss o capítulo. !
Em última instância, é ésse o alvo: discutir uma estraté
gia de pens am ento que norteia o fazer d o psi cólogo, já bastan
te distante dos procedimentos eitécnicas que se costumam ensinar,
nas universidades e que insistimos em repetir, quando traba
lhamos em instituições outras', com outros profissionais, com
outros objetos e objetivos, diferentes daqueles que tradicional
m ente atribuímos à psicol ogi a. !
Mais ainda, o'alvo é demonstrar que esselmodo de pen
sar implica uma postura éticaina relação com a!clientela, bem
t, i „
como um a .pos sibilida de de abrir novos caminhos para situa
ções de impasse com que nos defrontamos, no trabalho fora de
nossas formas protegidas de proceder. Aqueles psicólogos que
trabalh am , po r exemplo, jun tò a Va ras da jus tiç‘a sabe m muito
bem do que estou falando... Exerc er a psicologia, no in te rior
dos discursos e dos procedimentos jurídicos, e um constante
desafio ao que se costuma chamar de “identidade profissio
nal”. Tudo o que sé faz é atravessado pelas exigências do Di
reito, de tal forma que o direito da clientela de receber um
atendimento à altura de sua condição afetiva e humana parece
absolutamente negado; o próprio profissional, às vezes, agarra-
250
se a um a r epetiç ão b ur oc rát ica de; entrevis tas e t estes, onde,
como preposto imaginário do juiz (na sua cabeça e na cabeça
das pessoas que atende), julga encontrar algumas certezas de
uma atuação psicológica, conforme seu contrato de trabalho e
su a-fo rm açã o. -A fin al—não -se -diferenei.a-do j-ô u -n ão -s e -b riga
com, o discurso do Direito impunemente.
Pois bem. Dizia, no início, que o que permite incluir
este escrito num: livro de Psicol ogia Ju ríd ica é a clientela- alvo
do trabalho em psicologia, adolescentes em conflito com a lei.
O caminho para a apresentação das idéias, no presente
capítulo, seguirá colado a duas experiências concretas, desen
volvidas em momentos e com finalidades diferentes: uma pes
quisa acadêmica (1985) (Guirado, 1986) e uma supervisão
institucional ao Projeto Fique Vivjo (desde 1999). O que as
aproxima é um certo modo de conduzir a análise do que se
ouve, se avêinstituição,
também e se vive,sónessas
que napráticas,
qualidade na posição de quem faz
de um interessado
pesquisador ou de um não menos interessado agente de projèto
especialmente contratado.
Talvez repouse néssa vontade de análise permanente e nos limi
tes de suas possibilidadesas discussões que pretendemos aqui produ
zir. P rocu rarem os ser fiéis ao modo como i se foram con struindo
as descobertas analíticas, num terreno ;onde se miscigenam obser
vações, pré-concepções e interpretações.
Demos, então, início à tarefa...
1Nesse momento o termo lei está sendo usado não mais no sentido de lega-
251
vínculos afetivos que poderiam (e puderam) constituir em suas
vidas. Como, por hipótese fundamental, supunha que a rede
de relações institucionais concretas do contexto FEBEM fazia
parte das relações possíveis e, por isso, teriam papel significati
vo no s vínculos imaginados , procure i tamb ém enten der o mo do
como os funcionários se viam na lida cotidiana de seu trabalho
com aqueles meninos e meninas, menores, conforme o discurso
da época, apoiado no então Código de Menores.
Naquele momento, já havia, de m inha parte, a preocu
pação de fazer um estudo em psicologia que acreditasse na
possibilidade de tomar como objeto, não os comportamentos
observáveis ou uma realidade psíquica inferida por meio de
interpretações psicanalíticas estrito senso. No caso, a situação
era uma instituição social, o que, por um )ado, facilitava que
não se repetissem os estudos tradicionais, mas, de outro, pode
ria 'conduzir para métodos e recursos da sociologia, também
estrito senso. Como já vinha, há algum tempo, buscando defi
nir um objeto à psicologia, na fronteira entre a análise de insti
tuições concretas (um ramo da sociologia) e a .psicanálise,
colocando no centro das atenções um certo conceito de insti
tuição e a própria psicologia como instituição, conduzi o estudo
no fio da navalha da te nta tiva de artic ulaç ão entre um e outro campo
na prod uçã o de conhecimento . E, isto, como uma estraté gia de pen sam ent o
intencional, como m ét od o}
m a tr iz e s in st it u c io n a is d o s u je it o p s íq u ic o (2000).
252
imediatamente voltada para situações e questões sociais que,
em muito, extrapolavam os muros da academia .3
Fiz entrevistas com internos e com funcionários, desde
os que mantinham contato direto com'a clientela até os de
direção de U nidade s de Triag em e de. Educação. Anal isei os
discursos, ali e assim, produzidos c, com isso, configurei o que
se poderia chamar de subjetividade-efeitodas relações constitutivas
das práticas institucionais da FEB EM . .
Desse modo, pode-se dizer que o estudo não faz, ou não
fez, uma anáíise psicológica das pessoas entrevistadas, mas sim , uma
análise do discursoque é, por suposição teórica, tecido nas malhas
das relações concretasdessa instituição. Portanto, deu-se ênfase às
relações, no e pelo discurso; e qualquer afirmação que se fizesse
sobre os meninos (e mesmo sobre os funcionários) exigiu que se
compreendesse sua estrita fundação no contexto, em questão:'
Tanto que, do estudo da subjetividade, derivou a configuração .
de um objeto institucional dessas práticas . 4
253
O que se apresentava, então, como uma pesquisa feita
em psicologia e por uma psicóloga já se mostrava um curioso
tra nç ad o das no ções de sujeito e j subjetividade às de grupos e
instituições. E, aquilo que meninos e meninas meidiziam nas
entrevistas eu considerava, sempre, como um ponto, como um
nó daqueles bem cegos, na rede;discursiva, em rejação a ou
tros, como o do agente-funcionário e, até, o da. agente-pesqui-
sadora. Considerava
indissociável o que me diziam,
de reconhecimentos como uma trama
e desconhecimentos que a
dimensão discursiva das relações; instituídas permite entrever,
ou reco nstru ir, no discur so anal ítico. ,
Tudo o que se afirmou, a partir da análise, sobre o uni-
verso dos vínculos afetivos imaginados comó possíveis pelos
interno s não se pens ou como um a caract erísti ca; indi vidual
daqueles jovens, mas como umajmarca característica da rela
ção institucional. Em outras palavras: como a subjetividade que
na qu ela relação se constit uía. ,
Essas considerações teórico-metodológicas que estou fa
zendo são importantes para que ío leitor se esclareça sobre os
ponto s de partida, ou melhor, solpre o que pensa esta auto ra a
respeito da psicologia como fornia de conhecimento, uma vez
que isto tem relação intrínseca com os resultados a que chegou
e com o que julgo u conh ecer nessas condi ções. '
A apresentar esses conhecimentos, nos dedicaremos a
partir de ag ora. C om o o leitor poderá notar, na escritura deste
texto, os tempos dos verbos se alternarão entre pasàado e pre
sente, n um a c alculad a disposi ção ’das id éias na lem branç a e na
teoria.
254 I
essas máximas não sobreviveram :à análise que fizemos dos
discur sos insti tucionai s. M uitas vezes, o que se. pod eria co nsidera r
como prática apenas acentuava um a das marc as do discurso. O u
então, n a am bigüidade, era exat am. ent e o que s e pro pu nh a nos
textos -e-falas-m ais-elaborad as_de alguns agente s. _____________
Isto s e demonstrou quan do tomamos pa ra estudo os tex
tos oficiais que definem os objetivqs da Fundação: atendimento e
conservação das crianças e jovens em situação de abandono e infração. A
prim eira vista, algo irrepreensível em se tratan do de um a insti
tuição de promoção social. No entanto, a análise dos textos
escritos bem como das falas em entrevistas (não só de atendentes
como de atendidos) permitiu configurar cenas que levaram a
pensa r que o que a Febemfaz é a conservação das crianças ejovens, no
abandono e na infração.O que parece, apenas u m jogo de palavras
25 5
ves, cm carros sem qualquer proteção ou segurança. Os inter
nos, por sua vez, referiam-se aos riscos de ataques por parte de
outros internos e de funcionários, ao mesmo tempo em que
sinalizavam um certo domínio sobre como conseguir relatórios
de liberação por parte de técnicos e monitores,
A relação
é, portanto, mais cotidiana numa de casa
uma ocasião
de reeducação e de contenção
transgressãoe essa é a ordem das
coisas...
Daí se poder pensar que, por todos os poros, naquela
situação, respira-se violência, transgressão e infração. E que, se
a FEBEM. não cria a violência, cia parece ser um nicho privile
giado para sua reprodução.
256
parecia, o tempo todo,, estar nas mãos do mais forte, sendo esse
mais forte o interno que dizia conhecer o mandão lá fora e o
mundinho lá dentro>como a palma de sua mão. O.dizer era, às vezes,
indireto, pelo gingado corporal, pelos meios sorrisos, pelo tom
teatral das falas. As vezes, era direto,'como na resposta dada a
uma pergunta minha, sobre o significado de alguns códigos
civis que um menino enunciara por números: “A senhora nun
ca vai entender o que a gente diz”...',.
Esse domínio do personagem-infrator tecia outras histó
rias que co ntav am os interno s, sobre isuas vidas, a pa rtir do
momento em que caíram na marginalidade (expressão usada
por eles quando se lhes pedia que falassem sobre suas vidas;
todo s, sem exceção, diziam que a vida começava quando caíam
na marginalidade); histórias a respeito deles com os policiais, com
vítimas, com outros parceiros de transgressões. Os entrevista
dos eram sempre os que punham os contra-encenadores de qua
tro, atiravam neles, roubavam-nos e saíam ilesos para a próxima.
De um modo que o discurso psicanalítico costuma no
mear d en eg ad o, um dos m eni nos m e disse, em meio a uma des
sas heróicas proezas: “Por exemplo, se eu encontrar a senhora
fora daqui, no mundão, eu não vou estuprar a senhora!”
Se essas falas, ainda para o discurso psicanalítico, são
exemplares da transferência, das defesas e da auto-idealização,
p ara quem é concre tam ente o interlocutor, têm o efeito de re-
instaurar um gênero
receios, anseios, discursivo,
esquivas com tudo
e avanços, o que ele implica
absolutamente inscritosdena
pele .5
Além disso, nas histórias que contavam de si, sempre
que se configurava uma situação de proximidade ou de víncu
lo, seguia-se algum tipo de violência que interrompia o clima e
5 Aqui, um a o casião que e xem plifica a diferença entre análi se psicológica (e/
ou psicanálise estrito senso) e a análise de discurso que propomos.
a seqüência. Assim, quando o pai yoltava para casa ou quando
se recostava no colo da mãe, indicando carinho, morria repen
tinamente ou era atingido por algum tipo de infortúnio; o com
panheiro de assaltos, com quem dividia espaço para viver (e
até o cobertor, roubado à loja ao ládo do estacionamento para
carros cm que dormiam), quis transar com ele, e para que isso
não acontecesse, ele armou uma espécie de emboscada, atean
do-lhe fogo enq uan to dormia. / 1
Ainda: o pai, no discurso desses rapazes, é moeda forte
nas trocas afetivas. De algum jeito \p sempre importante. Quer
dizer, significativo: ou porque dele! se espera mais do que ele é
ou foi, ou porque é um ser execrável, abominável, uma
teratologia da condição humana. Assim o indicou'aipesquisa.
A mãe, pelo contrário,' é alvó de cuidado e também cui
da. É referida como quem tem força c se esforça para ver o
filho em liberdade; Mãe é referência e cumplicidade! Na estei
ra dela, vem a mulher-prostituta, com quem gozam! o sexo li
vre e “caprichoso”, como premiação final de um extraordinário
desem penh o de sua onipotência. '
Outra marca significativa desse discurso é què os opostos
não se opõem\apenas justapõem-se .1 Assim, vida e mòrte, viver
ou morrer não se discriminam na! radicalidade de suas oposi-
ções. Em suas falas, reconstitui-se ium “tanto faz” estar de um
lado ou do outro, nessa polarização . AJém dis so, a juste za ou a
justiça do ato de in fração ou dè punição (quer seja lo ator em
questão o próprio menino ou seué contentores) se deixa reger
pela lei do mais forte? Dessa maneira, se ele fosse pego “rouban
do a cerc a do viz inho pa ra fazer f oguei ra, ‘tá s no direit o dele
6Uma contraposição ao título do filme Pixoie - a lei do mais fraco . A idéia c essa
mesmo; demonstrar, pela análise, o quanto esses meninos se pautam imagi
nariamente pelos regramentos sociais que transgridem; reconhecem parado
xalm ente, para si , a legalidade que os subm ete. |
25 8
me dar um tiro” (comentário de um menino que teria atirado
em alguém que levou a cerca da casa dé sua mãe para fogueira
de festa junin a.). Reconh ece-se a lei da- prop riedad e privada
bem como a punição à sua transgressão; não im porta por que
mãos .a justiça se faça com legitimidade, o 'direito de proprie-
dade é legítimo.
Co mo se pode notar, as oposições entre o reconhecim ento
desse direito e da legitimidade da transgressão não existem.
Daí até o reconhecimento da transgressão como a lei, o passo
é automático. Por uma daquelas mágicas do discurso em que
um dos interlocutores faz um deslocamento absolutamente
involuntário e, portanto está longe de atinar com o que diz, e
o outro ouve sem defato ouvir, a transgressão vira a lei. Acompa
nhem-se os trechos das entrevistas que se seguem:
Se eu entr ar num am biente qu e tenh a.. . s ó gente
trabalhadeira, honesta, direita, sei conversar também. Sem
ser na gíria, sem ser gingando. No meio da malandragem
a gente tem que conversar na gíria, conversar de malan
dragem . A gora.. . num am biente, famil ia r, vou convers ar
diferente, como gente.
Se invadi r m eu te rre no e .eu ti ver com um a arma de fogo ,
m ato. Eu f aço ! N ão tenh o dó não ! Te m po de foguei ra de
S. Jo ão , aí . na vil a, não pod e m arcar com cerc a. A tur ma
- não arruma l enh a no m eio do m ato e vão roubar a cerca
dos outros.e pôr fogo... certo?
259
E: Quer dizer, roubar é uma coisa torta, mesmo!
B: E coisa errada, mas...
E: Mas...?
B: A gente continua fazendo, né... quer dizer, tenho fé em
Deus de não... mexer mais... na casa dos outros.
(...) Agora, tem uma coisa: partiu do meu po rtào para den
tro, ta invadindo minha propriedade, eu mato e não tenho
dó.
tá... Ele ta desrespeitando
querendo eu epropriedade.
invadir minha minha mãe, certo!? E ainda
R etom and o o fi o. ..
Nas situações ap resen tadas como exem plares, creio ter
sido possível oferecer ao leitor, uma idéia do trabalho de aná
lise de discurso que configura uma subjetividade, ao mesmo
tempo singular c partilhada, no jogo de forças de relações con
cretas tal como imaginadas e simbolizadas por aqueles que a
fazem. Apesar de em alguns momentos nos assentarmos no
estreito fio que distingue o singular do partilhado, foram feitas
afirmações sobre--o discurso em qúe sé tecem as relações imagi
nadas como possíveis para um si e para uma vida na margino.lid.ú.de.
Vida na marginalidade de que faz parte a FEBEM. Uma aná
lise de discurso que configurou, portanto, uma subjetividade
constituída na rede das. práticas de-atendimento de custódia a
joven s em conflito com a lei.
Assim, com base nesse modo de pensar e fazer psicolo
gia, que supõe (a) a articulação entre uma determinada con
cepção de discurso, (b) uma concepção de instituição e (c) uma
concepção de análise (ou psicanálise), produziu-se o estudo de
vínculos afetivos nas relações instituídas como de atenção a esse
segmento da população (Guirado, 1995). A psicologia, portan
to, na fronteira com outras áreas do conhecimento, alcança
uma temática reconhecida como da sociologia, as instituições
sociais.
260
Prosseguindo, então: essas conclusões se sustentariam com o
passar do tempo e dos estudos?
O. teste de sua força pôde ser feito,
com a:mesma estratégia
por meio
de pensamento e para a mesma situação concreta (FEBEM),
de supervisões feitas a profissionais psicólogos. Claro que a cada
situação conc reta, surgiam desafios que. exigia m respos tas ou
encaminhamentos específicos, mas a base do que o estudo de
do uto rad o apontou parec ia e pa rece se "confirmar .
Uma dessas supervisões, que acontece já há algum tem
po, é exemplar, em vários sentidos, de um precioso traçado (ou
trançado) da prática e da produção do conhecimento em psi
cologia. É finalidade da escritura do item que se segue demons
trar como as coisas podem acontecer nesse outro contexto.
Não se esqueça o leitor de nossos propósitos de escritura,
de um texto nu m livro sobre Ps icol ogia Juríd ica: o que pod e á,
nossa vã psicolog ia, pa ra além daquilo que ha bitua lm en te se ^
coloca como seu objeto; mais cspecificamentc, o que pode ela,
quando feita nos campos afeitos a questões e populações ou
grupos, no âmbito da Justiça, do Direit o. .
Fi que V ivo em m ei o a i ss o
Uma dezena de anos depois da pesquisa, fui convidada
a dar supervisão institucional para um grupo de psicólogos que
desenvolvia um Projeto com o sugestivo nome de. Fique Vivo.
Assim o definem seus criadores: um conjunto integrado
de ações educativas, culturais e de promoção''de saúde que vi
sam, basica mente, estimular a expressi vidade, ■a ap ropria ção
de bens culturais e o exercício de uma gestão democrática do
convívio grupai.
Suas atividades concretas têm sido desenvolvidas em
Unidades da Febem, na qualidade de serviço contratado. A
base dessas atividades são Oficinas de Grafite, pro dução de
261
Instrum entos de Percussão, D J., Leitur a, Cartas, Jorn al, Pa
ternidade e Prevenção de AIDS. São oficinas de trabalho e
algumas delas têm sido conduzidas como autogestão,.desde a
produção m ate rial até a utilização da re nda obtida pela venda
-dos _pr od uto s._São.coordena das po r prof issiona is especi alizados
em cada área (nomeados educadoresno quadro de trabalhadores
do Projeto) e acompanhadas por psicólogos que se atribuem
função diferenciada daquela do -énsino técnico específico de
cada tipo de atividade. Tais psicólogos, em cada Unidade, são
os mesmos que se ocupam do acompanhamento geral do Pro
jeto naquela casa, m ante ndo contato com os outros grupos
institucionais, sobretudo com os internos, em situação de roti
na, como pátio e^dormitórios. i ;
Há, ainda, um plantão psicológico oferecido aos rapazes
internos, de procura livre, conduzido por estagiários 'de psico
logia, com superv isão feita em co njun to, pelo Serviço ;de A con
selhamento do Instituto de Psicologia da USP e um pijofissional
destac ado do Projeto. , ;
■ ] !
U m a his tór ia, ..
Dizer o que acima dissemos ê pouco, diante cie tudo o
que este Pro jeto faz e fez. O Fique Vivo já tem u m a história de
cinco ou seis anos; uma história de|trabalhos idealizados e con
cretizados, sempre movidos a grandes esforços e reflexões, por
parte de to da a equipe, hoje composta de psicólogos e educa
dores, em funções de coordenação 1e atividades diretas (oficinas
e contatos com os grupos institucionais, desde internos e
monitores das Unidades da Febem até diretores da Fundação).
Neste m omento, correndo 10 risco de ser parcial, mas
garantindo o tema a que nos propusemos, darei destaque a
alguns aspectos^do conjunto das [ações. Creio, porém, que o
262
leitor, poderá ter uma idéia de' suas principáis características
bem como de sua im portância social. ;
Quando as supervisões se iniciaram, foi-me possível reco
nhecer, naquilo que estes profissionais relatavam, marcas daquelas condu-
soes a que chegara com o estudo de 1985.Algo parecia profundamente
enraizado nessas práticas, de tal modo .que, infelizmente, ape
sar de tantas mudanças anunciadas nas instâncias oficiais, a
situação não se alterava.
Talvez caibam aqui algumas considerações sobre mu
danças. Entre 1985 e hoje, houve a mudança do Código de
Menores para o Estatuto da Criança e do Adolescente. Claro
que isto é importante na garantia dos direitos da criança a
atendimento digno. (Claro que foram criadas instâncias concre
tas mais coerentes com as necessidades de tratamento desse
segmento da população, no plano jurídico, social e assistencial.
Há, particularmente, uma alteração no discurso, que busca
corrigir uma discriminação, que por essa via se fazia das crian
ças em condição de pobreza, abandono e infrâção, que eram
invariavelmente referidas como menores, sob .vigência do Códi
go. Pelo Estatuto, força-se a nomeação por sua condição de
crianças e jovens. Os relatórios psicológico e social bem como
os processos jurídicos parecem constantemente policiados a
pro ceder a essa alteração discursiva.' E isso c, em princípio;
correto e bom. No entanto, o que se pode notar é que há algo
de absurdamente
concretas, resistente,
que insiste no plano dos
em permanecer. discursos e porque
Provavelmente práticas
as alterações nesse plano têm ritmo lento e exigem que outras
mudanças ainda se processem. As práticas institucionais têm
relação corri um contexto de outras expectativas e instituições
sociais, que continuam demandandò da FEBEM uma função
específica no trato com a marginalidade. O fato é que, no pla
no em que nossos.trabalhos e estudos se dão, pudemos'atestar,
não sem um quê de tristeza, a permanência, em linhas gerais,
do mesmo quadro.
263
Ate ccrto p o n to , tal inércia tende a colocar limites em
nossas prete nsões de transformações radicais: sonho de que o
bom senso não nos livra, e que está na base e no horizo nte de
nossas preocupações políticas; sonho bom que nos empurra a
tentar sempre:.. Mas o fato é que lá estava eu acompanhando,
agora com as mãos na massa do trabalho direto, as cenas que
a pesquisa configurara.
Bem. N ão preciso d izer ..-que um pr ojeto de in terv enç ão
como o do Fique Vivo coloca-se na contracorrente desse moto
contínuo da instituição. Daí, com freqüência, sua fluência é
atravessada pelos reveses de um trabalho institucional. São várias
as frentes em que se coloca, são várias as atividades que’desen-
vôlve e sao vários os grupos institucionais que envolve. Muito
embora' a proposta primeira seja a de trabalhar diretamente
com os internos, constantemente, isso implica interferir na ro
tina da casa para que os meninos possam participar das ofici
nas, o que, por sua vez, implica ter a anuência de um monitor
(funcionário da Unidade, responsável pelo contato com os
me ninos , par a seu cuidad o e con trole 7).
N o início das atividades, era esse o en trave m ais vi sí vel
ao desenvolvimento do trabalho. Como que para confirmar
uma interpretação já desgastada pelo uso, havia uma espécie
de afastamento deliberado de influências estranhas ao cotidia
no e ao ‘habitual. Freqüentemente, dificultava-se a ida de me
ninos às atividades programadas e as razoes para tanto iam
desde a simples afmtiação de que isso atrapalharia a ordem
das coisas, até que teria acontecido algum tipo de equívoco.
•7 Com tudo o que está ai fund ido: cuida do/co ntrole, disciplina/ed ucaç ão,
•reeducação/contenção. Esses pares de oposios não se distinguem no imagi
nário dos que fazem a FEBEM. E, diga-se, isto não ocorre só na fala dc
agentes e clientela em relação direta, como também no discurso escrito ofi-,
ciai.
264
Muitos desses entraves nos inipediám dc. avaliar até onde
os próprios internos pod eriam estar ou não interess ados na qui
lo que o Projeto propunha. Era como sé; na base da ação, lhe
fosse ceifada a possibilidade de acontecer. Talvez sç possa apon
tar aí uma das formas sutis da dimensão perversa da relação,
que normalmente se costuma atribuir às práticas de atendi
mento tecidas na violência. Há um “ataque ao contrato”, con
forme o discurso e o entendimento psicanalítiço. Com isto, tudo
estaria comprometido.
Notávamos, ainda, que além dos tempos, os espaçosda casa
eram tomados com reféns de uma espécie dc estratégia de co
locação de limites ao Projeto. Como assim? O pátio da Unida
de, por exemplo, parecia ser espaço sagrado da instituição; os
coordenadores do Fique Vivo, sobretudo se mulheres, não de
veriam circular nele e determinadas atividades foram proibidaá
lá. Justificavam as proibições pelo risco de agressão e, até, re
belião. No ar, ficava a sugestão dc que as questões sexuais e de
segurança eram explosivas. Em nome de um pressuposto, a
violência se anunciava novam ent e com o a m arca daquel a rel a
ção. Pelo avesso e pelo direito.
Falamos, aqui, de um jogo dc forças que se trava no e
pelo discurso e que está indissociavelmente enlaçado aos pro
cedimentos institucionais. Como se pode notar, o contraponto
i v-'
da tensão, assim gerada, eram os procedimentos das oficinas,
carro-chefe do Projeto que, na luta por sobrevida e por
efetivação, tentou descobrir suas formas de resistência, sem se
deixar paralisar, absorver ou perverter nessa ordem discursiva.
U m a supervi são, ..
Nesse ponto, ressalta o lugar da supervisão que eu fazia
com o grupo de coordenadores (diretores do Fique Vivo e seus
coordenadores para as atividades de cada Unidade em que ele
265
se desenvolvia). Ela era (e continua sendo) um lugar destinado
especialm ente a pe nsa r o conjunto das correl ações dei força na
intervenção. Lugar preferente de análise e de execuçãp do tra
balh o que supõe á ne cessidade, em situações como essa, de um
corte-no-eontact 0 -imediato-e-de-eqrpo-a-GOrpo,-no-cotidiano
das relações instituídas. ;
E, como o Fique Vivo é, nas srcens, um projeto em
psicologia, idealizado e coordenado, por psicólogos, cabem al
gumas palavras, sobre o modo. como encaramos nossa área do
conhecimento, sobretudo quando ela também se exerce fora
de seu berço histórico, com perspectivas e fundamentos dife
renciados. i
J\ra supervisão semanal, temos ium momento privilegiado
para exerc er essa m ág ica recipro cidade entre o fazer, e o pen
sar. C ostu m am os ter como p au ta, questões e dif icul dades , que
surgem no trabalho. Mas nosso foco (ou, ponto de partida, o que '
na maioria das vezes dá no mesmo); ê} sempre, a atenção]às relações
concretas, tomadas na mais absoluta relatividade às condições insti
tucionais .de sua.produção; ê a atenção ao discurso , tomado como
ocasião de análise,o que nos remete, inélutavelmente às imbri cações
entre os efeitos imaginários e o coritexto e/ou os procedimen
tos institu cion ais.“ ■
Só pa ra exemplif icar : no q ue diz respei to ao iaco m pa
nhamento que os psicólogos fazem às oficinas, temos discutido,
constantemente, a necessidade de jse reverem os modelos de
pensar a subjetividade, alvo e objeto do fazer psicológico. Com
cuida do, temos insi stido em não tom á-la (a subjet ivida de) como
sinônimo imed iato de um a história pe ssoa l, de um a afpti vida de,
de um indivíduo, acima/ao lado/antes/depois dos espaços/tem
pos/pro cedim ento s daquela ordem institucional concreta. T e
mos insistido erri considerar que a^ possibilidade de o menino
266
falar de um si, muitas vezes soterrado pelo discurso corrente,
obviamente é de inestimável valor; no'entanto, esta é apenas '
• um a das di mensõ es da subje tividade q ue se const rói naquele
contexto. Não se pode negligenciar que quando um menino
nos-fala._ele traz para a oficina, ou para a conversa, o pátio e
-----
267
substância física qualquer., Esclarecer o equívoco, nem pensar,..
Foi prècisò um jogo de “deixa-disso”, por parte de outros rapa
zes pàfa que .tudo ficasse como se nada tivesse acontecido.
O que chama a atenção no episódio é a prontidão pára
a animosidade e a ameaça .de aniquilação do outro; é, tam
bém , a desm on tagem da cena, sem vestígio de sua ocorrência;
e, ainda, o medo e o estranhamento que tomou conta do su
posto provo cado r, in cá paz/ím póte nte que se sentiu para en
tender o que se passava e sair do cerco. No ar, portanto, está o
risco de sobrevivência, pelo desconhecimento fundamental das
regras seguras de conduta, naquele contexto; pela força de um
código que pode eventualmente ser tolerante, mas que, num
golpe-, pode também ser fator de’sumária exclusão do
interlocutor. ■
Os meninos é que são maus? Os monitores teriam razão
de dificultar, no início, o trânsito do pessoal do Fique Vivo?
Nunca foi esse o nosso foco, Nosso ângulo de visão abrange a
relaçãoVejamos
que o discurso encena. agora com os funcionários.
outra situação,
Certa vez, um out ro coord enad or do Proj et o conv ersa
va, no pátio, com um monitor e este o provocou, afirmando
que várias tentativas haviam sido feitas por grupos que vinham
cle fora da instituição, com novas e interessantes propostas de
mudança, mas que nada havia de fato mudado. Instado a res
ponder porque, (será que) isso acontecia, disse qué as pessoas
sempre chegavam lá com ideais de educação democrática e
que aqueles meninos só entendiam a disciplina na base da for
ça.- Novamente invertendo a ordem argüidor/argüido e pros
seguindo com seu desafio, o monitor perguntou o que o psicólogo
faria se estivesse em uma Unidade “desandada”, com jovens
agressivos atacando os mais fracos e os funcionários. Teve como
resposta que, em algumas situações, de fato, é necessária a for
ça; mas , apenas, pa ra conten ção de emergência. E, com o se
mudasse de assunto, o coordenador-psicólogo lhe pergunta sobre
o tratamento que a FEBEM dispensa aos funcionários. De ime
diato, ouviu que eram muito maltratados, que havia muita
arbitrariedade; por exemplo, cost umavam acontecer promoções
de recém-admitidos, em detrimento de .pessoas qüe estão há
mais tempo no serviço. E, por aí foi a conversa, até que se
falasse sobre os boicotes ás .regras que, muitas vezes, os funcio
nários fazem, como um modo de enfraquecer quem deu ás
ordens, como uma represália. Pois bem. Pelos mesmos moti
vos, com freqüência, o jovem reage a imposições que não lhe
fazem sentido; pelo menos, fica mais fácil respeitar uma regra
qu an do se pode re con hece r sua procedênci a. Ass im se o jovem
entendesse que, em algumas situações, o funcionário é enérgi
co para protegê-lo, talvez entendesse melhor o funcionário...
Gomo se pode notar, os personagens são diferentes, mas
há um certo'jogo de domínio que se repete, nessas cenas.
Em outro setiing, a experiência concreta destaca que,
dentre as oficinas, urna das que mais despertam interesse é a
de paternidade, o que nos remete novamente ao estudo de 1985;
lá, já se anunciava a delicadeza do tema para os meninos. E
capaz de revirar a conversa, fazer eclodir, ao vivo, sentimentos
fortes, hostis ou de desprezo. E mais: o psicólogo que coordena
a ofici na tem que ser hábil par a que os funcio nári os, que acom
panham os participantes envolvam-se, como natu ralm ente o
fazem, sem contudo abafar a voz dos rapazes. E comum que
todos participem efetivamente, num incrível enlaçamento de
presente, passa do•e futuro, apresentando suas histórias e ex
pectativas, mazelas e potências, no que diz respeito às suas
condições de filhos e de pais.
Mais ainda: numa das Unidades, produziu-se um jornal,
na oficina de leitura. Havia nele notícias do mundão e de dentro
da casa, como por exemplo entrevistas com o diretor daquela
Unidade. Curiosamente, houve reação, ameaças mais ou me
nos veladas de abortar a cria e não se poder chegar até a fase
de impressão. Ao mesmo tempo, um mural foi diretamente
269
pro ibido. N a supervisão, pro cura m os pensar porq ue esse re
curso teria provocado tanto mal-estar. Com um certo, toque de
surpresa, chegamos a uma interpretação, que até agora iparece
convincente: a com unicaç ão e o conhecimento de fatos;sociais
c políticos a que estamos todos de algum modo submetidos ou
que fãmbém produzimos nãcTdeve ser acessível aos que estão
com sentença de privação de liberdaqle. Nesses casos, a infor
mação é temida como um explosivo. Daqueles tantos que pa
recem espalhados por todos os postosj da relação. Privação de
liberdade, privação de informação...
: ■ i
An da nd o sobre os í ios t ensos de um có digo d iscursi vo f ectí ado
* \
Assim procedendo, por desafiosl e tentativas de entendi
mento, na corda tensa dos códigos fechados e das exciusões, o
Fique Vivo tem pr od uzido seus efeitos1. Parte desses efeitos são
da
expec tativa defácil.
ordem desestabilizar as imagens
E isto, redirec de senso
iona se mpre comüm,
a ação. U riadedes
sas imagens reviradas (e não, revisadas) é a da força da cliente
la de instituições como esta. : !'
A idéia que se faz desses rapazes, clientela da FÉBEM,
não é única. Há os que neles vêem uma natureza torta e'má (a
população em geral e grande parte dos funcionários que se
encarregam de sua contenção no inferior das práticas asilares).
Há os que defendem sua condição de vítimas da estrutura socio-
economica, romantizando umá especie: de bondade congênita,
constantemente abalroada pelo ambiente hostil '{alguns iteóri-
cos e educadores), 1
Uma coisa, entretanto, que salta aos olhos de quem se
ocupa desse trabalho, numa perspectiva reflexivo-analitica, é a
complexidade do jogo de forças e afetos daquiló que nomea
mos antes como uma relação e/ou discurso perverso. Torna-se
impossível prosseguir com visões maniq üeístas na linha vítim a/
agressor ou maldade/bondade. Desse modo, é iriegável que os
internos, como grupo institucional, exercem pressão ativa na
violência das relações: ora entre eles, ora com outros grupos da
instituição, conforme ilustramos acima.
Destacamos aí, a violência entre os próprios internos.
São freqüentes, por exemplo, as práticas, jarinstitüídas, dê“ segu-
271
Quem tem m edo da Psi col ogia?
Está mais do que na hora de voltarmos à pergunta-título
deste texto: (nisso tudo) o que pode a nossa vã psicologia?
A resposta foi-se construindo em dois níveis; ê, nisso, de
certa fórma, foi-se demonstrando que, para além da brincadei
ra sugerida pela palavra vã, nossa psicologia podei
Um dos níveis é mais sutil: . tudo o que aqui se escreveu
e afirmou sobré a instituição e a população-alvo do estudo de
1985 e sobre a intervenção do Fique-Vivo (os resultados, por
tanto) guardam íntima relação com a estratégia de pensamen
to que atribui à psicologia umobjeto e um alcance determinados
(a que já nos referimos no decorrer do próprio texto). O outro
nível são as diferentes inserções do psicólogo, no contexto do
Projeto , tal com o exercido na FEBEM.
A experiência concreta, no entanto, reservou surpresas e
apontou para outras formas de identificar a potência de nossa
área de atuação e conhecimento. E é com ela, a experiência
concreta, que pretendemos finalizar o capítulo.
Podemos notar que o lugar que a Psicologia ocupa no
imaginário social potencializa-a de alguma maneira. E isto se
configurou num dado momento na FEBEM, quando o Projeto
iniciou uma de' suas atividades.
Trata-se da ocasião em que começamos o Plantão de
Aconselhamento Psicológico. Estagiários de psicologia fariam
atendimento individualizado aos rapazes que o solicitassem.
Como todas as novas formas de intervenção, esta foi apresen
tada aos funcionários. E sua reação foi absolutamente inespe
rada. Afinal, depois das difi culda des ini ciais de im pla nta çã o dos
trabalhos, os profissionais do Fique-Vivo pareciam gozar da
confiança da casa-. O trânsito de educadores, psicólogos e ativi
dades parecia despertar menos ânimos hostis, por parte daque
les que tinham cómo tarefa a disciplina dos internos. Talvez,
tivessem se acostumado com o trabalho e nao mais o sentissem
272
como uma ameaça à sua ordem. Talvez tivessem reconhecido
nele uma possibilidade de convivência pacífica, mesmo na di
ferença de aíyos. .
O fato, no entanto, é que houve reação de oposição ao
Plantão, por meio de várias formas de resistência: as resistênci
as abertas, com discussões que visavam, outra vez, demonstrar
que isso pod eria ind iretam ente cau sãr rebe liões; r esistênc ias não
abertas, com perguntas sobre os procedimentos dos estagiários,
nessas "conversas particulares” com os meninos, sobretudo no
caso de eles falarem sobre violências e agressões feitas pelos
funcionários (o que o estagiário faria nesses casos?; denunciaria
o funcionário?); resistências em ato, com retardamentos de ações
e ameaças (não explícitas, mas caracterizáveis como) de boicote.
É impossível reproduzir, agora, o clima de' tensão que
sc viveu então. Não cabia uma interpretação fácil do tipo eles:;
estão se sentindo perseguidos: ela não resultaria em nada'que fosse
pro dutivo para o jogo de forças. As vezes, nas supervisões, fica
va claro, por certas colocações feitas, que todos se sentiam
ameaçados, inclusive os coordenadores do Fique-Vivo. Amea
çados cm sua conduta ctica de intolerância diante de atos dc
violência. »
Curiosamente, inclusive, a pergunta sobre o que o esta
giário faria não era apenas uma pergunta do funcionário. Era
de todos os trabalhadores do Projeto, que não se sentiriam à
vontade e sequer coerentes com seus propósitos se, em nome
do sigilo dos atendimentos, calassem sobre os desmandos de
um grupo institucional.
Parecia, então, ter-se chegado a uma encruzilhada
intransponível, em qualquer direção. Seriam (estagiários, tra
balh adores do Fique-Vivo e esta supervisora, inclusive) coni
ventes com a violência, respeitando o sigilo profissional e
evitando que os meninos que procurassem o atendimento indi
vidual corressem ainda mais risco de vida? Como o leitor pode
notar, a pergunta é um paradoxo; um paradoxo que assim se
273
desdobrava: seriam esses trabalhadores coerentes com seus prin relações, fazer do exercício da psicologia uma ocasião cie circu
cípios de não-tolerância para com certos atos qué põem em lação de um outro discurso, esse da intimidade como segredo do
risco a vida da clientela da instituição, e por isso, abririam ao um, que põe em risco o segredo da instituição.Vira-a do avesso.
discurso geral o que alguém lhes confidenciasse?; no entanto, Mostra suas costuras básicas; aquilo que lhe dá consistência e
não seria exatamente aí que se jporiam em risco ;aquele cuja formas visíveis, pelo lado direito.
vida pretendiam garanti r? , | : A psicologia, tal co mo rec onh eci da na qu elas relãçõcs 7
Tínhamos apenas certezaide uma coisa: essas encruzi v • trou xe, pelos pro cedimen to s em qu e s eu discurso se prod uz ,
lhadas só se configuram quandojse leva até o limite o alcance 1 ' todo o jogo de tensão e poder na produção de subjet ividad e,
de um trabalho institucional, cujp objeto e alvo vão na contra nessas práticas de cuidado/contenção da delinqüência/violên-
mão do objeto e alvo da instituição dominante/contratante. cia dos (e com os) jovens infratores na FEBEM. A psicologia
Naq ue le m om en to , com o sói ac on te ce r qu an do nos de pô s em ev idê nci a os imp ass es de um a éti ca da int im ida de; de
pa ra m os co m a dim en sã o pa ra do xa l de nossas int en çõ es e g es uma ética na produção da subjetividade.
tos, parecia estar havendo engessamento ético do trabalho.Como Se não pudesse mais, já teria podido muito, nossa psico-
sair disso? Ou melhor, como gaiiantir a vida, como ficar vivo? | logia , não?
A resposta parecia ser uma, apeijas: não paralisando. Exercen | Com certeza, o leitor está interes sado também em saber
do o básico: o m ovimento. ; ■ ; I como as coisas caminharam, em meio a tantos impasses. Pois
Um esclarecimento maior aconteceu quando, nas super | bem . As discussõe s que pudem os fazer sobre esses aspectos
visões , pôderse fa lar tanto desse engessamento ético> como, tam conduziram-no s a definir um primeiro passo: pro sseguir com o
bé m , de um a esp écie de ameaça 'da intimidade.O que isto quer jí trab al ho de ac on sel ha me nt o psic oló gico e, coin bas e na corn-
dizer? Que os trabalhos do Fique-Vivo poderiam fluir enquan pr ee ns ão qu e dele est áva mo s ten do, naq uel e m om en to, cont i-
to não chegassem muito perto daquilo que eles (osi grupos que {| nu ar todo o temp o pensan do. Afinal, essa era (e tem sido) um a
definem, por sua ação, o objeto da instit uiçã o) entendiam como ï possibilidade (talvez a única) de Ficarmos, todos, Vivos...
o mais ín timo das vivênci as instit ucionai s. En quanto não levas .■t
sem cada um a dizer do que mais o incomodava,; atingia e o Ê
fizesse sofrer. • R e f e r ê n c ia s b ib lio g r á f ic a s ■
Assim, tudo indicava, o segredo do umremetia, sem fron
teiras, a um segredo institucional. E |a Psico logia seria :o passa por 1j ’ Aries, P. (1978) Hislóna social da criança e da.famílRioia. cle Janeiro: Zahar
te. É interessante que exatamente a psicologia e seus recursos ! E d ito r es.
de atendimento individual, tão criticada como sendo alienadora, Donzelot, J. (1980) A políc ia das famíl ias.
Rio de Janeiro: Graal.
pouC o crí tic a, po r ce rto s disc urs os ma is à es qu erda de noss as Foucault, M (1980 [1970]) El orden dei Discurso.
Barcelona: Tusqucts Editores.
vanguardas, viesse a provocar esse ato disparador de tantas I ■ ( 1.9 7 7 ) Vigiar e punir.Petrópolis, RJ: Vozes. .
tensões, crises, mo men tos e discursos crític os. ; ; ! _ ____________. (1985) Hislóna da sexualidade I: a vontade de saber
R io . de Janeiro:
i Graal.
E que se pôde, por uma de suas práticas, por sua inser
V. [ Guirado, M. (2000) A clínica psicanalítica na sombra do discuSão
rso. Paulo: Casa
ção dessa forma no contexto imaginário e político daquelas ; d oP sic ó l o g o . ■•
27 4 27 5
Guirado M. (1995) Psicanálise e Análise do Discurso: matrizes ínslituáonais do sujeito
psiçuico. Sao Pyuio! Summus.
_______ . (1987) Psicologia Institucional. São Paulo: EPU.
_________ , (1986) Inslüuição e relações afetivas: o vínculo com o abandono. Sã o
Paulo: Summus.
_____ . (1981) A Criança e a FE BE M . São Paulo: Perspectiva.
Hebe S igno ri ni G onçal ves
Violência, essa íntima desconhecida
N a sociedade contem porâ nea, a vivência da violência é
tão usual e cotidiana, anunciada c discutida com tanta freqüên
cia, que somos levados a crer que sabemos muito sobre ela. É
tão comum que a experimentemos, na condição de vítimas
diretas ou de ouvintes de um outro mais ou menos íntimo, que
um impulso de sobrevivência ou autopreservação nos leva a
buscar algum mínim o de in fo rm ação que nos perm ita enten
der sua lógi ca, aq uilatar sua extensão e avaliar o perigo que ela
representa, reunind o recur sos para dela n os protegermos. Nes
sa tarefa, temos sido auxiliados pela imprensa, que a discute à
exaustão, e aind a pela litera tura especializada , q ue diss eca su as
várias formas de expressão, traz dados de incidência c levanta
hipót eses acerca das c aus as que a produze m ou das conseqüên
cias que a ela se sucedem,
Essa proximidade
estranhamento forçadadominava
que até há pouco tende a anular a sensação
a consciência colede
tiva. A indagação que ainda persiste ê aquela que visa a encon
trar a forma de minimizar os efeitos perniciosos da violência,
ou os meios de reduzir sua escalada, que parece incontrolávcl.
Em outras palavras, tomamos o evento violento como um mal
necessário e uma condição quase indissociável da vida moder
na. Dito de outro modo, banalizamos a violência. Faço alusão
277
aqui à expre ssão consagrad a por H an na h Are ndí;,.e a tomo em
seu sentido srcinal. Para Arendt,i a banalização podè ser en
tend ida com o a co rrupção da consc iên cia que s e sedimenta em
pequenos hábitos do cotidiano e condiciona a fo rm a pela qual
QS-mdivíduos.-suprimindo-a_capacidade de pensar criticamen-
[ j
te, se acostumam e se acomodam ao arbítrio, à barbárie, à
covardia e ao cinismo.
A essa constatação crítica de Arendt, associo uma afir
mação mais recente que nos é trazida por Pierre Bourdieu
(Bourdieu et al., 1999). Nas ciências, e especialmente nas ciên
cias humanas, ensina o autor, é preciso suportar a tensão do
desconhecido e .do estranhamento, pois são eles os motores do
conhecim ento. A banalização, ao anu lar o estranhamento, refor
ça a percepção imediata, coloca jmaior relevo na experiência
vivida, e restringe nossa capacidáde de exercitar ajeompreen-
são para além do que nos é dado a perceber da realidade ob
je tiva. Com o nos ensina Pierre Bourdieu, osfatos nãofalam\ eles
são uma evidência da realidade objetiva que o conhecimento
precisa decifrar.
Essa é a primeira razão pela qual quero tratar aqui não
ape nas daquilo que já se s abe acerca do tem a da viol ência contra
a criança, mas também das muitas lacunas e indagações ainda
presentes nesse campo. A violência contra a criança tem sido
exaustivamente estudada nos últimos 40 anos, mas uma leitura
ate nta das pesquisas recentes mo stra int erpretaçõesj divergentes
entre osque
gações muitos estudiosos
requerem e, mais que
investigação responder,
futura. lévanta
Em suma, inda
dispomos
de fato de mais perguntas que jde respostas, o que deve ser
tomado como um convite à manutenção das sensações de
estranhamento que Bourdieu tanto valoriza.
Além disso, a produção dissses últimos 40 anos na área
da violência contra a criança está ainda limitada;a um saber
que é taxonômico, Com isso, quero dizer que o saber acumu
lado até aqui nos permite classificar os eventos observáveis, e
278
estabelecer correlações e ntre eles. No. en tan to, os conceit os aind a
não fo ram ade qu adam ente est abel eci dos nem as relações ent re
os diversos fenômenos suficientemente compreendidas (Calhoun
m e Clark-Jones, 1998). Em conseqüência' 'dispomos de poucos
elementos que nos perm itam com preend er a natureza dos ev en-
f | tos violentos, tanto em term os dos motivos que os desencadei -
;| |j . am quan
fazer to dos efeitos
referência que eles
a causas ou prconseqüên
od uz em : cias
O u seja: não ênc
da viol é possível
ia, mas .
£ som ente das relações verif icáve is en tre certos event os.
V! Sj!íi^eb!l!;.j.vGlasbMficatpno;!rcbrísi5tema.rçbnstniçãG;{léi.catceonasi;de,',rnodo,'a.;brE;anizar.-e1suma- •
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i.■ ■ Avioíç nÉia íri al ‘'forniai.feaciçclita «fortemente”'^jácrçijiià ”, f não sabe’' l ''“duvidà" ou “duv\da ■
'X- ' *" ff^1' xf i*v * ij^*iisrTf 1]i i 3^A<V'j -31 s 1i ik **■|i *i j. ^ ^i^ *i i1% +^ jy *
í J,Nj.vel '2 '- ^ ^ õ /i ó ^ iC p jíum 'esqu^rna que .permite ttyssificar e descrever fenômenos; especiü-
| ^cogtf^sfçâÊcço^asiílpísistcrijattz^^^
■' j Y'àve^^nçiT.cia^.oiqupj}pl e m ‘j!itU'tdescrcver|l^^ éÍaç ão !jçntrej:elas.>/V‘(^onorma.aiãOíOÍcrece;çxpli^/;l
'■ { H'eaçõtésL:-jmaR»pei^téfdeíin ir^''.des creVçr.'çlâiramèntei:OSíevpntos';:' as.:'íituações''çy0s:'ç0mpòrta-;
| .d:;rnento^'mscWndQp^
i léan^isâyaíConformeoícpniuntGídcxatèéonasiioantenor.dO'qual'cadavurudadeje,classificada:..
' I ' - 1 <>' nrj,j I.,' i 1j ' ,rrS"s,ifK-*' *- * *Ví ' ■' • <
^lvel^3'f!C>onÇçitual:;mço^p|t'a'fiQnçeipsjdescnüv^s'quc'sãi<?!Sisternatieameme:insendos:nüma i
; >’y s t r u t u r a í a n g ç n t e ,de ,ouü os^çonccjtòs^^},;qúal^dçnvajn prcjjposiçõ e s ina js‘qú m enos
■■ ' ‘l’èVpy1 Cfías\íA o içò nt ó^ oi rJdaí(Itaxononiia,S,'o3! co nc ei to s rs3<^definidoslje as 'relações' çrilreycks
279
Grande parte dos trabalhos produzidos na área da vio
lência contra a criança são estudos de perfil epidemiológico.
Quando a comunidade científica reconheceu que certos
ferimentos infligidos aos corpos das crianças tinham como ori
gem a agressão paterna ou materna, rompeu-se o grande ciclo
da civilização que fez da família o centro e o núcleo da prote
ção à criança (Gonçalves, 1999). A ruptura com essa visão idí
lica da vida em família gerou grande esforço acadêmico,
empreendido de início pela comunidade médica, para compre
ender quem eram as crianças submetidas ao sofrimento no in
terior da.família, e quem eram os pais autores das agressões
que a investigação médica constatava. Estabelecer o perfil da
vítima preferencial , e o per fil do agressor mais com um , foi crucial
para traçar estratégias de intervenção que levassem ao diag
nóstico precoce da violência em família, e às ações de caráter
preventivo que permitissem evitar a ocorrência de novos even
tos violentos.
O conjunto dessa produção foi sem dúvida valioso para
dar a conhecer, a extensão do fenômeno, contribuindo ainda
p a ra elu cid ar aspccto s até en tã o desconhecid os; fo ram esses
trabalhos que, ao detalhar as varáveis correlatas ao evento violen
to, permitiram estabelecer que certos eventos próprios da dinâ
mica familiar - po r exemplo, o des gast e ocasion ado pelas
dificuldades cotidianas tais como a separação do casal parental
ou as dificuldades
correlacionados financeiras
à prática ~ estavam
de violência contra positivamente
a prole. Foram os
mesmos estudos de perfil epidemiológico, acompanhando as
vítimas de violência durante algum tempo após a constatação
do abuso, que identificaram, certos efeitos adversos de longo
prazo, que se sucediam ao evento violento e tin ham nele sua
causa provável. No entanto, quando esses mesmos estudos fo
ram reproduzidos em outras culturas, verificou-se que as ca
racterísticas da dinâmica familiar que precipitavam a violência
280
tos decorrentes da violência eram variados, podendo mesmo
não haver qualquer conseqüência adversa verificável (Levett,
1994).
Ate hoje, tais diferenças não encontraram uma explica
ção consensual. De fato, os estudos comparativos representam
hoje u m a área. im portante de inves tigação, poi s tudo indi ca
que a descoberta
pode la nçar luzdessas
sobrediferenças,
aspectos eain
suadaposterior elucidação,da vida
desconhecidos
em família, e dos fatores que precipitam ou impedem a ocor
rência de eventos violentos contra a criança.
Essa variabilidade é singular e em si mesma elucidativa.
Ela nos ensina que a questão da violência contra a criança
encerra ainda muitas surpresas, e se não estivermos atentos a
elas corremos o risco de analisar e agir pautados nas crenças
advindas do senso comum, que tende a reforçar escalas de
valores auto-referentes e a desconhecer a diversidade.
Em resumo, dispomos de um saber provisório, que está
sendo construído, e isso recomenda postura cuidadosa e aban
dono das certezas. Se essa é uma dificuldade inegável, pode
p o r o u tro lad o re p re se n ta r um instigante e profícuo desafio para
aqueles que hoje se propõem a investigar, o tema da violência
con tra a criança — poi s há m uit o ainda a descobr ir - e para
todos os que se propõ em a atua r em p rogram as de . proteção à
criança vítima de violência —uma vez que cada caso singular
encerra surpresas e requer que tudo aquilo que sabemos seja
posto
criançasob
não otem
crivo crítico
causas nemdoconseqüências
exam e j á que a violência contra a
necessárias (Belsky,
1993).
281
D efi nições, indíci os, co nse qü ên ci as e j ip ologia
Definições
Érim põssívê relieger'ii m a_ún iç a-deí i niçâo-p ara- o -tem a-d o
qual tratamos. A razão dessa dificuldade é que, a rigor, o con
ceito
tema, não está (2002)
Minayo ainda estabelecido.
afirma que aEm trabalho
violência recente sobre
doméstica contrao
a criança e o adolescente podê ser considerada como uma das
formas de manifestação da violência, caracterizada como aquela
que é exercida contra a criança na esfera privada. Essa forma
estaria, segundo a autora, associada a outras modalidades de
violênci a, como a violênci a estr utural - entend ida còmo aquela
que incide sobre a condição de vida das crianças e adolescentes e—a
delinqüência, caracteriza da com o a forma de viol ênci a que tem
com o autore s crianças e jovens transgr essor es. 1
fenômenoN opolissêmico
ente nder de M aria Cecília
e complexo M inay
que pode o, a violência
manifestar-se de é um
formas as mais variadas; mas erri vários textos a aútora subli
nha que essas formas são conexas; entre si e que na rnedida em
que se realimentam mutuamente cada uma delas contribui para
uma escalada global da violênciá, com prejuízos pára a saúde
do indivíd uo e pa ra a saúde coletiva. !
Outros autores, embora reconheçam a conexão entre as
várias modalidades de violência,j defendem que a ívitimização
da criança é um tipo específico; e singular de violência. Por
exem plo, A zevedo ( 2002) afir ma que a vio lênc ia estrutural pode
ser compreendida como uma forma de violência entre classes
soc iais, en qu anto a vi olênci a dom ésti ca con tra a criança é um a
violência intraclasses. Tomando: esse recorte como pressupos
to, a autora propõe que o combate a um e outro tipo deve
sustentar-se em diretrizes políticas distintas, assim como em
enquadres metodológicos diversos entre si. Na mesma linha,
Guerra (1998).sustenta que a violência doméstica;tem relação
com a.yiolência estrutural, mas agrega outros determinantes
além dos sociais; a favor dessa argumentação, a autora lembra
que a violência doméstica permeia todas as classes sociais e é,
em sua natu reza , interpess oal. ;
A discussão retratada acima, ainda que de forma breve
e resumidã7Terve_para~ilustrar-algumas-das-gr-andes-dific-ulda—
des em d efinir o: fenô m eno do qual tratamo s. Co mo o leit or
pode perceber fa.cilmente, há um a enorm e diferença entre as
posições sum ariadas acim a. Se não se excluem, elas ao menos
privilegiam estratégias diversas de enfrentamento. Da prim ei
ra, deriva uma linha de estudos que coloca ênfase na análise
dos determinantes socioculturais da violência, e destaca a im
portâ ncia da prevenção à violência ancorada no combate às
desigualdades sociais e aos valores çulturais que endossam ou
sustentam práticas violentas no interior da família. Da segun
da, depreende-se uma ênfase nos aspectos culturais, interpessoais
e subjetivos, e uma estratégia de intervenção que se apóia so
bretu do no sujeito.
As divergências de conceituação não se esgotam aí. Dialo
gando com autores de fora do país, Azevedo (1989) levantou
um a po lêmica q ue aind a p er co rre :a dis cussão teóri ca: o tema
da intencionalidade como diferencial para considerar ou não
um a to como violento. Vejamos como essa questão se coloca
nos casos de abuso íisico contra a çriança. Ainda nos anos 60,
Kempe e Helfer propunham definir o abuso como um dano não
acidental, resultante de atos de ação ou omissão dos pais ou res
ponsáveis. N a d é c ad a cle 70, D avid Gil assum e que a
intencionalidade é central na definição do abuso, mas argu
m en ta que ela .ne m sem pre é clara, e por vezes a violênci a é
deter minada p or elementos intencionais que permanecem inconscientes.
Nos anos 80, G arbarin o discute esse argumento, e levanta os
problem as que aquelas “razões'insconscientes” podem trazer
tanto em termos de amplitude quanto de operacionalidade: para
este último autor, a definição de Gil leva a que todo dano seja
283
tratado como produto de uma ação abusiva, inclusive os aci
dentais, o que pode colocar a necessidade potencial de intervir
em todo e qualquer caso em que seja identificado ferimento na
criança. A definição adotada oficialmente no Brasil, como ve
remos a seguir, adota a intencionalidade como critério para
qualificar o ato como violento.
Outro aspecto controverso das definições diz respeito ao
grau de comprometimento, físico ou psíquico, que decorre do
ato. Aqui, a polêmica mais importante pode ser traduzida na
célebre pergunta sobre se um tapa pode ou não ser considera
do como um ato de violência. Enquanto alguns autores consi
deram que qualquer agressão ao corpo da criança deve ser
definida e abordada como um ato abusivo, outros acreditam
que um tapa e um espancamento são fenômenos diversos na
sua natureza, e por isso cada um deles induz ações também
diversas entre si. Por exemplo, Emery e Laumann-Billings (1998)
propõem distinguir entre duas formas de violência em família:
(1) a leve, ou moderada, que designam como “maus-tratos em
família”, e (2) a grave, para a qual reservam, a classificação de
“violência familiar”. O primeiro tipo engloba risco ou dano
físico ou sexual mínimo, enquanto que o segundo abarca injú
rias físicas graves, traumas psicológicos profundos ou violação
sexual. Os próprios autores argumentam que essa distinção
envolve certo grau de arbitrariedade, mas tem alto valor ope
racional; com base nela, os profissionais teriam mais segurança
para optar por apoiar a família e trabalh ar em prol da melhoria
das relações entre pais e filhos, ou por afastar temporária ou
definitivamente da casa pais excessivamente violentos ou
abusivos. Símons et ai (1991) também já apresentaram a pro
posta de criar subcategorias de violência, conforme sua gravi
dade, cada uma das quais abrindo um elenco de alternativas
de ação.
Há ainda uma dificuldade adicional que merece ser no
meada. Como veremos logo a seguir, as definições incorporam
a referência direta ao dano que a violência produz na criança.
Ocorre que esse dano só pode ser verificado a posteriori, fre
qüentemente transcorrido algum prazo após o evento violento;
além disso os efeitos, da violência sobre o corpo ou a psique da
criança variam em larga escala, tanto em natureza quanto em
intensidade. Caímos portanto numa circularidade. Como re
sultado, terminamos por definir o ato como "violento” antes e
independente de qualquer efeito verificável, o que termina ge
rando problemas tanto para a pesquisa da violência quanto
para a pro teção da criança.
Em outro texto (Gonçalves, 1999), já citei um trabalho
que con sidero bastante elu cidativo. T rata-se de u m estudo con
duzido numa pequena aldeia africana, cm que a iniciação se
xual de meninas de cinco ou seis anos de idade é feita por seus
irmãos, pais ou parentes próximos. Como faz parte de ritos de
iniciação seculares, essa prática não é vista como violenta nem
pro duz qualq uer dano às meninas a ela submetid as. Ao con-
trário, é parte importante de sua identidade e inserção na es
trutura tribal, e portanto seus efeitos não são danosos, mas
benéficos.- Cham aríam os a isso de violência contra a criança?
Essas dificuldades são próprias do estágio do conheci
mento produzido, como já vimos fortemente impregnado da
constatação empírica. Quero convidar o leitor a manter em
mente tais dificuldades e limites na leitura dos tópicos a seguir,
em que passo a tratar daquilo que já se sabe no campo da
violência contra a criança.
Indícios
A importância de reconhecer a violência a partir de si
nais e indícios deriva de uma situação singular: todo o profissi
onal que se disponha a traba lhar na área deve est ar preparad o
p ara lidar com um pro blema que não só não é anunciado como
285
eventualmente pode ser negado, ou escamoteado, pela criança
e pela família. A condenação mora) da violência, e em particu
lar a condenação moral da violência de pais contrai filhos, faz
com que o ato cotidiano que implica risco de ser submetido ao
crivo moral seja sonegado à consciência de seu autor e mais
ainda ao conhecimento do profissional que o interroga.
Ambroise Tardieu, em 1860, e Henry Kempe,1em 1961,1
relata ram que após exam inarem l os corpos m ortos iou feri dos
de crianças dirigiam-se aos pais para buscar entender como o
ferimento havia sido produzido; as respostas que recebiam dos
pais era m contraditórias en tre si, íincoerentes com o dano ob
servado, e às vezes claramente fantasiosas. Isso levou-os a reco
mendar aos médicos que privilegiassem a evidênpia física e
desconfiassem do discurso, dos pais, que podem ocultar dados,
esconder motivações e com isso comprometer a recuperação e
a proteção da criança. Desde então, firmou-se a.preocupação,
em identificar sinais e sintomas de modo a que o diagnóstico
da violê ncia possa ser estabelecido ind epen den te da .exp licação
dos' pais ou resp ons áve is. i i
A literatura disponível lista uma série de efeitos que fo
ram observados em crianças vítimas de violência; esses mesmo
efeitos têm sido to mado s com o jindícios, e forami elevados à
categoria de sintomas, que podem auxiliar o diagnóstico retro
ativo da violência. Ou seja: como se sabe que várias crianças
reagiram à violência com os sintomas listados abaixo, o profis
sional deve suspeitar que ao sintoma corresponda a mesma cau
sa, e deve
de vida por isso
passada da investigar
criança. se a violência ocorreu na história
Os textos que abordam sináis e indícios de violência contra
a criança faz em dois aler tas: emj primeiro lugar, reco me ndam
ao profissiona.1 que se detenha no exame cuidadoso e circuns
tanciado do caso, sempre que identificar os sinaià e sintomas
2 86
listados abaixo; em segun do lug ar, q ue o profissional est eja atento
para o fato de que nenhum desses sinais é indício seguro de
que a violência ocorreu.
, Sinai s'quçirccofnen daml.iny estigáíão i' yH
' w *-
.;Di sc repâficia ,
• .versos Tclatós;
.^/'Dçmorâ^e^'^^c^r
7 p c là ;; v io lê n p a ;^ ', r ! atchd^çnto/^A'e^eriênÜa^mdica-'qüe,guando
M j ^ i^ y c is Ír<e|]AC^xn.. .‘j,. ..3 p',dánõ'é;|prbdCizi<ioi,
1 iV j/i vi.iV; :'
■ 3 ■;Mistória|-.-rppc tiHã ..ciéïaçi(iéntcs>io iiv cy id en aa s .■d e i t r à i ï m ^ f r e ^
iVde^cnÿoiyij.Tiiwtô'iïis^
é.i-FraturaS'cm'cri^n^s'mcnorcs'de/iSânqsi.mercccmhnvestieaçao'j.naOi'CiCÇmumouc'cnanT;;
;>ças inovas, ijasuaimente J50UC0 ^xpo stjW/ ^aqae ntcsÿm pprt^n ^es^o iram i r a ^ i ^ jim^çrcantesjíi;'
secoxndoló cônïtecimèntô'méyico.^àl^ns'tiposkHe-ÎrâtûraT^àciéntifK^
^SQ ^aos ^ro ^e^knaa^
'.■:7:
;U' D oe nc as -- cromca s,ysem
-■::i-- >trat
^ i .\.>y amen
í/, tOi-p odem 'jseE «inqi çio':iqdcÿvi
.-s-t olenc iiiJ?e :-':os;:pais^tcmi:Cornoà .•
■■'íDrover iO-tratamento' :eíse;f oram ®eviaamente.iQnentaaos ua iu oí a <sua^mportanciaíj>:ÍHfiKí ••;.
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■ ?au sen ciar dé; rcr ò^s ta" áõíc Sõr a:òurao5ofnmentO; :da:Críaiiça-sâó "''sih^s7déricoinó rúín èúm entQ '^
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__ _ JS i4 r ~
.■ Fonte:
^tçí:nppSj|qüê5jjap{ce^a|^
^cMMããvfeõm(âé”^atóqü^3íim&.^üs^^
ivErcme^ppstenòres^çmunarMpç^i^rpvan^^
:." de;û u) :r Q s^ p r Q t^ ': à tu s Q /' A îf a V ri il ia /nuiica'm^sï fçfc'p^
28 7
Conseqüências
A violência em família pode ac arretar um a en orme ga ma
dc conseqüências para a criança, e esses efeitos variam do físi
co - ferimentos externos ou internos —ao psíquico ~ distúrbios
mais ou menos graves que podemenvolver agressividade, ansi
edade ou depressão.
hesitamos cm chamar Como já vimos,
violentos podem cenos eventosqualquer
não produzir que não
conseqüência para a criança,'
Muitos dos efeitos da violência nos são dados a conhecer
com base cm estudos longitudinais; as vítimas de um dado ato
de violência são identificadas e acompanhadas durante largo
tempo, ao longo do qual são observadas suas reações, tentando
ao mesmo tempo discriminar quais d elas podem scr a tribuíd as
ao evento srcinal. Comparativamente, são acompanhadas
outrascrianças que não sofreram a mesma violê ncia, p ara que
possam ser estudadas diferenças e semelhanças en tre os- dois
grupos. Como o leitor pode deduzir, os efeitos da violência são
identificadosa posteriori,e é comum que um tempo longo (anoss
às vezes) transcorra entre a violência srcinal c o aparecimento
de um efeito observável. Pode ser difícil estabelecer a relação
entre dois fatos distantes entre si na cadeia temporal, até por
que durante esse intervalo de tempo á criança seguiu o curso
cie seu desenvolvimento, com mudanças importantes ná dinâ
mica de vida, e pode haver presenciado transformações signifi
cativas na família ou em seu entorno social mais próximo.
A dificuldade em correlacionar causa e efeito existe até
mesmo quando se trata de eventos fatais. Estudos nacionais c
internacionais (por exemplo, Mello Jorge, Gawryszewski e
Latorre, 1997) são unânimes em afirmar que o número de mortes
qüe têm comò causa a violência são provavelmente subestima
dos, pois nem sempre é possível estabelecer com segurança a
circunstância precisa do evento que produziu um desfecho fa-
2 38
tal. O leitor já deve ter obs erva do que as est atísticas disponí
veis mostram o crescimento em todo ó mundo dos índices cle
mortalidade pórcausas externas; deve observar, contudo, que
a denominação "causas externas” engloba não só os eventos
int encionalmente produzidos - comu mente rel aci onados à vi o
lência
A —comoem
dificuldade também os eventos
distinguir acidentais,
entre ambos é um não intencionais.
empecilho para
determinar o grau em que os índices de mortalidade por cau
sas externas pode ser atribuído à violência. Essa discussão se
apli ca a os í ndi ces de mortalidad e e é ainda mais im po rtante na
determinação dos índices de morbidade (casos nao fatais).
E m b ora sejá dlflCll ^;G^u^^ÊOTteN^-'é;.um
t aidenornináçâ{)vádotada*;pcláv
determinar o impacto pre-
. ]<v . . .fzàa.áÇ.^tu^!za^4'el™^ritc^í€ntàJJda^Or§^nlzação•■
CISO q u e â v io lê n c ia v a i p r o - : tuídiáLl dà:Saúde./A' e^ressão dc?ignaamv conjunto.
duzir
. sobre umai criança,
T i i ^ci d«u;écau
^pÒsas/d
dcrh pre od
srcuzem
irjdextern
oençaVa ou
aó.^m
coip o,d
drtC o jà
yise indi\i
lpordua,
/áção' '
sabe-se que ele depende de .4njfeífàòn&^)qr.èx^
um conjunto de circunstân-
T, t
cias. Um levantamento pu- ;'viGID:".ç^feferên’cià' internacional' ria; classificação.'dé/áo-'.'
blicado por Em ery e Lau- 'Údaíde)oiiVriaò^CMÍ1«iic«_^dè;^ò r b id a l ^ ;'v1
mann-Billings (1998) mostra que esses efeitos dependem
(a) da própria natureza da violência: uma agressão fisica pro
duz efeit os espec íficos qu e difere m da que les gerado s pe la '■
agressão sexual; essa especificidade será tratada adiante;
(b) de características individuais da criança, que pré-existem à
violência; po r exemplo, um elev ado grau de auto-estima tend e
a minimizar ou mesmo a neutralizar os efeitos adversos da
violência;
(c) da natureza da relação entre agressor e vítima; como regra,
sabe-se que á violência praticada por um desconhecido, ou
por um parente distante, produz menos dano para a crian
ça que aquela cu jo au tor é um p arente próxi mo; a proximi
dade do vínculo deve ser levada em conta;
(d) da resposta social à violência sofrida: o auxílio de profissio
nais especializados ou a intervenção dos operadores do di-
28 9
reit o são f atores que contribuem p ara reduzir o dan o oriun
dodaviolência; ; ;
(e) do apoio que a criança recebe ;por parte dos outros signifi
cativos, em especial no núcleo jfamiliar; a reaçãoí do núcleo
f?Tfhiliar~aos-eventos-violentosJimpacta_tambémia criança^
minimizando ou exacerbando o efeito do ato violento, con
forme a família mantenha a capacidade de suportar a cri
ança ou se desorganize em raízão dos eventos dos quais.toma
cons/ciência.
j
Em suma, a reação da criança depende nâq só da vio
lência per si m as tam bém , e em jgrande medida, do proce sso
que tem curso após o evento violento.
Tipologia
i
V iolên cia ií sica
A violência física pode serjdefmida como aios violentos com
uso da força jísic a defor ma intencio nalnã o acidental , praticada por pais,
responsáveis, familiares ou pessoas próximas da criança ou dó adolescente,
com o objetivo de ferir, lesar ou destruir d vítima, deixandoiou não marcas
evidentes em seu-corpo Brasil,
{ 2002). ;
A definição integra documento publicado pelo Governo
federal. Com base nela, somente serão considerados abusivos
os atos intencionais com propósito lesivo para a criança. Des
cartam-se portanto os danos ocasionados por acidentes, assim
como aqueles cuja finalidade pjode ser considerada educativa.
Esse último aspecto levanta uma polêmica que não pode ser
ignorada. s
A punição com finalidade educativa institucionalizou-se
na Suméria primitiva, foi durante muito tempo aceita nas es
colas americanas, admitida àtéjrecentemente nas: escolas ingle
sas (Guerra, 1985) e ainda é adotada por força de cultura em
290
muitas famílias em todo o mundo. Historiadores admitem os
castigos severos da Antigüidade foram sendo progressivamente
abandonados, e hoje a punição física, quando admitida, é mais
brand a ou sofre co ntrole mais estrito (Ariès, 1978; DeM ause,
1982). No Brasil, a punição corporal cóm propósitos educati
vos é amplãmentê~diss'eminada-e-tem-s6u-uso~iustificadg pela
cultura.
Já vimos que o dano que a violência causa à criança
depende da reação social e familiar que se segue ao ato dito
violento; já vimos também que a violência se defme, inclusive,
pelo dano que a ela se sucede. Lazerle (1996) fez um am plo
levantamento da literatura acerca dos'efeitos da punição cor
poral com finalidad e educativa; segundo ele, 40% das pesqui
sas mostram que a punição corpora l não produz qualquer dano
à criança; mais que isso, 26% dos trabalhos indicam efeitos
benéficos dessa modalidad e punitiva, en tre os quais a introjeção
de valores da cultura. Day et al (1998) mostraram ainda que a
qualidade do vínculo entre pais e filhos, e a extensão em que o
casal adota outras técnicas autoritárias de disciplinamento, tem
grande relação com os efeitos que a violência provoca. Esses
dados mostram que é o contexto social e cultural em que a
puniç ão ocorre, e não a punição per si , que determina o dano.
Para Baumrid (1996), isso indica qué há muito ainda a pensar
nesse campo.
Levar em conta determinantes culturais parece essencial
no Brasil,
ticada. onde a punição
A paternidade, e ascorporal
formas édeaceita e largamente
seu exercício, não pra
nas
cem nem se esgotam na família nuclear. Antes de sermos filhos
de .nossos pais, somos filhos da construção cultural que os an
tecedeu, que informa os modos pelos quais somos educados e
que delimita opções concretas sobre métodos educativos que
são postos em prática. Nenhuma família inventa o sistema de
pare nte sco e nenhum indivíduo é so berano para fundar regras
ou operá-las (Rébori, 1995). É por isso que o trato desse tema
29 1
tangencia a questão da identidade cultural, aspecto que não
deve ser relev ado.. . -
No Brasil, a autoridade e a hierarq uia são fortem ente
pautadas na violência, o que contribui para que o uso da puni
ção corporal com finalidade educativa seja disseminado e co
mum. É uma ilusão, no entanto, achar que a própria cultura,
não controle seus excessos. Já .foi verificado (Gonçalves, 2001)'
que a punição corporal é aceita apenas dentro de rígidos limi
tes. Quando praticada segundo essas regras, cia é endossada
pelo social e por isso seus efeitos são diferentes (e menos dano
sos) daqueles provocados pela violência severa, que a cultura
condena.
O peso do contexto cultural será tanto menor quanto
maior for o dano físico que a v iolênci a .provoca. N as formas
mais severas o contexto tem menor influencia, e isso parece
óbvio quando pensamos nas formas extremas em que a violên
cia física leva à morte. Levar em conta esse continuum parece no
entanto sumamente importante, pois é ele que recomenda evi-
tár que u ma mesma no rm a oriente indiscriminadam ente a s ações
de proteção à criança.
V iolência sexual
A conceituação de violência sexual tem estreita relação
com o feminismo. Nos movimentos feministas, o abuso sexual
de mulheres
valores e crianças
dominantes é concebidodocomo
e possessivos homemum sobre
crescimento dosao
a mulher
longo da história (Bottoms, 1993). De fato, embora o abuso
sexual atinja crianças de ambos os sexos, as meninas e as jo
vens adolescentes são sem dúvida suas vítimas preferenciais,
enquanto seus autores são quase sempre do sexo masculino
(Berkowitz ei a l , 1994; Silva ,e Dachelet, 1994). Há aí portanto
um. forte viés sexista. No'entanto, apesar do empenho do femi
nismo na denúncia da violência sexual contra mulheres e mç-
292
ninas, o abuso sexual contra crianças só foi considerado um
proble m a de grande m ag nitude nos anos 80 (Bottoms, 1993).
A violência sexual
consis te em todo ato ou jog o sexual, relação heterossexual
ou homossexual cujo agressor está em estágio de desenvol
vimento psicossexual mais adiantado que a criança ou o
293
de sedução gradual, principalmente quando acontece dentro
da família (Berkowitz et al, 1994). Nesses casos, as marcas são
menos visíveis e, do ponto de vista da produção de provas da
ocorrência do abuso, exigência comum nos aparelhos judiciá
rios, entre esse é um aspecto que deve ser levado em conta.
Outra questão que merece destaque é a referência à di-
ierença de estágios de desenvolvimentp entre a criança eío autor
da violência sexual. Esse aspecto parece ter grande importân
cia pois é ele que permite distinguir a violência dos jogos sexu
ais entre crianças ou entre adolescentes.
Sabe-se que os jogos sexuais fazem parte do desenvolvi-
. m ento da criança , e é tam bé m com base nel es que a sexualida
de busca sua expressão mais sadi a. Por outro lado,'a consciência
contemporânea condena com veemência toda e qualquer for-
. ma de violência sexual contra a criança. O senso comum con
sidera essaregistra
literatura a formaquemais gravesexual
o abuso de abuso (Gonçalves,
produz 2001);
uma sensação de a
incômodo na maioria das pessoas, e >há autores que defendem
ser esta a forma extrema da violência contra a criança (Ama-
zarray e Koller, 1998). Essa convergência entre o senso co
mum e a academia, fortalecida além do mais pelas inúmeras
campanhas que têm sido veiculadas na mídia em todo o mun
do, contribuem para consolidar a percepção de que a violência
sexual contra a criança deve ser alvo de forte condenação moral.
294
13 e 16 anos). O critério de idade, contudo,-não deve ignorar
o uso da força física ou a exploração de autoridade. Friedman
(1990) tende a desprezar a idade para conceder maior relevo à
habilidade da vítima em consentir no ato; para ele, isso permi
tiria uma análise mais completa da situação por parte tanto
das autoridades jurídicas quantõ^õs'té'cnicos'envolvidos-nocaso.
Hiperatividade ou retraimento; baixa auto estima; difi
culdades de relacionamento com outras crianças ou com adul
tos, aco mpa nh ad a de reações de m edo, fobia ;ou vergonha; culp a,
depressão, ansiedad e e outros tran storno s afe tivos; distorção da
imagem corporal; enurese e/ou encoprese; amadurecimento
sexual precoce, ou masturbação compulsiva; gravidez e tenta
tivas de suicídio têm sido associados à violência sexual (Berkowitz
et al, 1994; Banyard e Williams, 1996; Bottoms, 1993).
De novo, essas reações estão sujeitas a certas condições
de contexto. Se o abuso é acompanhado de violência física, as
conseqüências
com ansiedade,dedepressão
curto prazo tendem a ser
e distúrbios do mais
sono traumáticas,
(Banyard e
Williams, 1996). Há estudos que indicam que, nestes casos, a
■vivência traumática da violência tem mais impacto que o cará
ter sexual da agressão (Vieira, 1990).
A reação da criança vai depender ainda da duração do
abuso (um episódio único é menos traumático que o abuso
continuado), da presença ou ausência de figuras de apoio para
a criança (familiares., profissionais oú amigos) e da proximida
de do vínculo entre a criança e aquele que a agrediu (agravan
do a vivência de traição de confiança) (Amazarray e Koller,
1998; Banyard e Williams, 1996).
Duração, apoio e vínculo sãò temas que colocam em
xeque o papel dos adultos significativos, em particular dos
membros da família, Não é raro que o abuso sexual intrafamiliar
perd ure por certo tempo, e seja pratica do por adultos com os
quais a criança mantém importante relação afetiva. A isso, soma-
se a dificuldade da família em manter íntegras suas funções,
295
inclusive sua capacidade de apoiar e proteger a criança. Para
que se tenha- uma idéia dessa dificuldade, basta constatar que
pouquíssimas denúncias chegam aos tribunais, e a principal razão
para isso é a pressão contrária exercida peia própria família
(Silva e Dachelet, 1994). A ação policial-repressiva ao abuso
sexual intrafamiliar conta com forte oposição do núcleo fami
liar, o que é em geral atribuído ao. receio de perder o esteio
econômico (se o agressor é o provedor da casa) ou mesmo à
dificuldade em realizar as rupturas afetivas que a revelação do
abuso impõe. Por todas essas razões, Furniss (1993) recomenda
que tanto a criança quanto a família sejam alvo de ação profis
sional especializada, como forma de minimizar os sentimentos
de desamparo, perda de controle, autocensura e culpa que
acometem á todos os membros quando se revela o abuso se
xual familiar.
Finalmente, investigações recentes têm mostrado que a
idade da criança à época do abuso é outro fator que influencia
suas reações. Para uma criança muito nova, o contato sexual
pode ser desagradável ou mesmo, assustador; por outro lado,
cia não alcança o pleno significado sexual do ato (Banyard e
Williams, 1996), e desconhece por completo sua condenação
moral; es sa conden ação - que ac entua o valor transgressor da
violência s exual e' contribui p ar a ace ntu ar a .culpa e a verg o
nh a - só pode ser atribuído pela sociedade c pela fa míli a.
Negligência
O termo negligência
designa as om iss ões dos pais ou de outros responsáv eis (i n
clus ive i nsti tucionai s) pela criança e pelo ad olescen te, qu an do
deixam de prover as necessidades básicas para seu desen
vo lvim en to fí si co , em ocional c soc ia l. O aband ono é con
siderado uma forma extrema de negligência. A negligência
• si gnif ic a a om iss ão de cuida dos básic os com o a privação
de med ic am entos ; a fa lt a de atendimen to aos cuidado s ne-
296
cessários com a saúde; a ausência dc proteção contra as
inclemcncias do meio como o frio e o calor; o não provi
m ento de es tí m ulos e condições para a freqüência à c scola
(Brasil, 2002).
buiçãoBarreto
de renda, e ae distribuição
Phebo Suarez Ojeda dc recursos
(1996) na áre
sugerem um are-social.
• ;
corte para essa diferenciação: é preciso observar, dizem os au
tores, o grau de privação em todos os membros da família. Se
a. privação —afetiva ou m ate rial - acomete toda a prole, assim
como os pais ou responsáveis, não se trata de violência e sim „
de um comprometimento estrutural da dinâmica da família; se
ao contrário ela atinge apenas a um dos filhos ou unicamente
a prole, então sim podemos falar em negligência.
O investimento na inserção social da família, e no forta
lecimento dos vínculos comunitários, tem sido defendido como
uma estratégia básica de combate à violência doméstica contra
a criança. No caso da negligência, essa parece ser uma ação
fundamental. Coohey (1996) comparou os vínculos sociais de
famílias negligentes e não negligentes; ela verificou que essas
famíl ias não dif erem nem em ter mos de mob ilidade social nem
em termos de acesso a recursos sociais. No entanto, as famílias
negligentes percebem seu entorno social como mais pobre em
termos de vínculos afetivos, e referem-se constantemente à so-
29 7
lidão a que são' relegadas pela comunidade. A autora supõe
qu e esse sen tim en to de exclusão jsocial, que parec e subje tivo
mais que objetivo, possa resultar 'em apatia, imobilismo e fra
casso no provim ento das nece ssidade s da criança, desencadeando
Qu-agravando-a-negligência-em_família._P.or_isso, recomenda
que a inserção em redes sociais 'de apoio vise nãó apenas o
fortalecimento do auxílio efetivo e concreto ~ com ia oferta de
recursos materiais —mas também le sobretudo o fortalecimento
dos vínculos afetivos entre a família e a comunidade.
E m bor a o Brasil não dispo’nha de dad os est atísticos em
escala nacional, levantamentos pontuais indicam que a negli
gência é um dos tipos de violência mais detectados nos diversos
serviç os estruturado s p ara lida r com a viol ência con tra a crian
ça. Há poucos estudos que avaliem as razões pará tal. Uma
hipótese a ser levantada é que a desigualdade social, que vem
crescendo ao longo da última défcada, possa efetivamente ha
ver colaborado para que o provimento das necessidades das
crianças tenha se tornado mais difícil, acentuando 'suas neces
sidades insatisfeitas; nessa hipótese, os índices elevados de ne
gligê ncia poderiam estar acobertand o a difi cul dade da dis tinção
conceituai e prática entre violência e pobreza. Outra hipótese
é que a vida nas comunidades, tradicionalmente pautadas pela
solidariedade social e fortemente ancoradas nas relações de
vizin han ça (Aragão, 1983), esteja! sofrendo em razã o d a ru pt u
ra do tecido social que decorre inclusive da escalada da crimi
nalidade e da delinqüência. As jhipóteses não se lexcluem, e
merecem verificação.
I
V iolên cia psicológ ica ;I
A violên cia psicológica j |
con stitui tod a form a de rejeição, dep re ciaç ão 1, discrim ina
ção, desrespeito, cobranças exageradas, punições humilhan
tes e udlizaçâo da criança ou do adolescente para atender
às necessida des p síquicas dos adult os. T od as :ess as formas
29 8!
de maus-tratos psicológicos causam dano ao desenvolvi
mento è ao crescimento biopsicossocial da criança e do
adolescente, podendo provocar efeitos muito deletérios na
formação de sua personalidade e na sua forma de encarar
a vida. Pela falta de materialidade do ato que atinge, so-
— -----------bretudo,-o-cam po_em ocional e espiritual da vítim a e pela
falta de evidências imediatas de maus-tratos, este tipo de
violência é dos mais difíceis de serem identificados (Brasil,
2002 ). :
299
violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei
qualquer atentado por ação ou omissão, aos seus direitos
• funda mentai s.
... Art. 13 - Os cas os de suspeit a ou confir mação de maus-
trat os co ntra crianças e adolescent es serão obrigato riam ente
comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localida
de, sem prejuízo de outras providências legais.
americanos
fossem a adotaram
notificados como normaoslegal,
às autoridades casosrecomendando
constatados deque
vio
lência con tra a criança. N os anos 70, o núm ero de noti ficações
cresceu significativamente (Bcsharov, 1993). Contudo, muitos
pais e responsáveis considera ram que a notificação contra eles
equivalia a uma acusação formal; como não foi possível confir
mar a ocorrência de violência, esses pais processaram os profis
sionais, que foram então obrigados a responder em juízo pelos
seus atos; a partir daí, houve uma queda consistente no núme
ro de um
ficar notificações. A decisão
a “suspeita” f oi tomdeada
incluir
coma opossibilidade
propósito dedesolucionar
noti
esse impasse: o registro de uma suspeita não equivale à acusa
ção, e protege o profissional dos processos jurídicos por difa
mação.
A notificação da suspeita de maus-tratos tem sido ques
tionada por muitos autores. Argumenta-se que, ao permitir a
notificação da suspeita, o sistema legal não exige que o profis
sional a fundamente, transferindo essa tarefa às agências de
pro teção (cuja tarefa de investigar é em certa m edid a similar
aos nossos Conselhos Tutelares). Argumenta-se além disso que
a transferência dessa responsabilidade sobrecarrega as agênci
as de proteção, dificultando em larga medida seu trabalho. Por
último , levanta-se .um a questão ética: a suspeit a, inde pe nd en te
da confirmação po ster ior, carrega a cond enação moral dos pais,
dos responsáveis ou daqueles contra os quais ela pesa, e impli
ca um jul gam ento m oral que nem mesmo a abs olviç ão jurídica
tem o poder de neutralizar. De fato, o processo por violência
con tra a criança imprim e um est igma que submete i gualmente
301
inocentes e culpados, e causa um dano irreparável às famílias
investigadas por falsas denúncias (Besharov, 1993). Não nos ilu
damos: as denúncias não comprovadas chegam a 60% nos
Estados Unidos (Besharov, 1993) e 90% no Brasil (Gonçalves et
a l , 1999). i
Alguns autores argum entam : mesmo que, ao est imular a
notificação da suspeita de maus-tratos, a legislação termina
pecando
op erad orecontra a prote
s do direito comçãoumdaa sobrecarga
criança. Por sobre carregar
de casos1 os
a invest i
gar, torna impossível estabelecer prioridades, investigar os ca
sos de forma meticulosa ou decidir com mais propriedade o
melhor encaminhamento de cada caso. Como resultado disso,
40% dos casos notificados não são objeto de qualquer averi
guação ou assistência (Emery e Laumann-Billings, 1998), e uma
porcenta gem im porta nte de mortes por mau s-tratos vitim a cri-
anças cujas situações já haviam sido encaminhadas às agências
de pr ote çã o (Besharov, 1993). ’ •
No que se refere à decisão de notificar, o profissional vê-
se quase elevado à condição de perito, já que sua decisão as
senta num caráter “técnico” cuja racionalidade condiciona o
destino dos envolvidos. Quero lembrar aqui que, na definição
de Castel (1978), perito é aquele que define se um problema
existe ou não, qual é a sua ‘verdadeira1natureza, e como deve
ser tratado. Pela autoridade que a sociedade confere ao perito
em razão de sua competência técnica, seu parecer é .como re
gra levado em conta e, assim, a p_erícia opera no sentido de
transformar o julgamento técnico do especialista em realidade
social. ' ;
Aqui, começamos a nos defrontar com os efeitos sociais
e éticos da conceituação de violência e de seu valor social como
instrumento de intervenção na vida das famílias, e por exten
são nos modos de construção do social.
Vale determo-nos nas implicações e nos desdobramen
tos do trabalho assim chamado “técnico”. A decisão de notifí-
302
car sucede, ou conclui, um conjuntç de tomadas de posição do
profissional que tem início com a escolha de um ou outro con
ceito operacional de violência; com base nessa primeira esco
lha, vamos verificar se a situação em exame preenche os
requisitos da definição, e se a situação pode ser qualificada de
vio len ta; em segu ida, o p rofis sion al7pas saTa xolher um a~série_de
informações que visam desenhar o contexto da situação que
examina, trabalhando por vezes sob a difícil recomendação de
suspeitar dos depoimentos que.colhe; finalmente, vai debruçar-
se sobre todos os elementos disponíveis para decidir o que deve
ser privilegiado, de modo a encerrar sua avaliação.
■ É impossível imag inar qu e esse percurso possa ser abso
lutamente isento dos valores de quem procede à avaliação. Vou
trazer aqui, como ilustração, um estudo feito no Canadá, por
Tourigny e Bouchard (1994). Eles verificaram que enquanto
ção de O Conselho
zelar Tutelar da
pelos direitos é ocriança‘e
órgão encarregado pela legisla
do adolescente sempre
que eles forem ameaçados ou violados. Os casos de violência
em família estão incluídos nessa atribuição. Ao Conselho Tute
lar compete receber a notificação e proceder a uma primeira
avaliação dos- fatos relatados, verificar sua procedência e deci
dir pelo encaminhamento ao Ministério Público de seu relato.
Observe-se que o Conselho Tutelar não determina se a violên
cia ocorreu, nem tampouco requer perícia. Nessa investida
prelim inar, o Conselho T ute la r tem a atribuição de apurar os
303
fatos e decidir.pelo seu encaminhamento, com autoridade para
aplicar medidas de proteção à criança pre vist as no art. 101 ( Ia
VII) ou de atendimento aos pais ou responsáveis previstas no
art. 129 (I a VII) da Lei 8069/90.
. . A sobrecarga que com prom ete o trabalho dás agênci as
de proteção americanas atinge também os Conselhos Tutela
res instalados no Brasil. Os Conselhos têm funcionado em con
dições adversas, enfrentando graves problemas de infra-estrutura;
a aplicação de medidas enfrenta além disso uma enorme escas
sez de serviços de retaguarda, o que amplia sua capacidade de
responder à demanda. Esses motivos aconselham a que a noti
ficação de violência seja encaminhada com os subsídios que só
um a inves tigação cuidadosa pode oferecer (Gonçal ves e Ferreira,
2002 ).
Mas sobretudo, em nome da proteção à criança, cabe
lembrar que o art. 100 da Lei 8069/90 estipula que, sempre
que possível,
que deve-se dar preferência
visem aofortalecimento dos vínculosàfamiliares
aplicaçãoe das medidas . Não
comunitários
.'bastassem os imperativos teóricos, morais e éticos- que reco
mendam uma avaliação criteri osa d a possibili dade de ocorrên
cia da violência contra a criança em família, que se afaste do
ju lg amento moral, é preciso ter em conta que o enquadre legal
recomenda que se privilegie o convívio familiar.
O respeito aos valores familiares não deve ser interpre
tado como permissividade ou autorização à prática da violên
cia, mas antes como regra que recomenda a negociação com
as regras da cultura, e o respeito à autoridade parental, ainda
que seja imperioso transformar as formas de seu exercício.
, Pa ra isso, e antes de apa rta r pais e filhos, ca be su prir as
necessidades mais prementes da família, inclusive aquelas que
dizem respeito a recursos pessoais e sociais que instrumentalizam
sua tarefa de construir, na próxima geração, um ambiente menos
. contaminado pela violência.
304
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ï'
V•
• níí**' .
M ul he res em si tua ção de v iol ên ci a dom ést ica:
lim ites e po ssi b ilid ad e s de e nf rent am ento
Rosa na M org ado
309
Por esta razão, é importante enfatizar que a violência
doméstica contra a mulher é um fenômeno social grave, que
traz inúmeras conseqüências físicas e psicológicas para as víti
mas e também para as crianças e adolescentes que a presen-
ciam“ É-roti neir a-e-de- longa-dur ação,- freqúent emente_m uit o
tempo se passa até que a mulher denuncie. Desenvolve-se um
pro cesso que alguns autores qualificam de “escalada da violên-
cia”, onde se mesclam atos de violência emocional, física e se
\
xual.
No Brasil, so mente a partir da década de 70 foi possível
a publicização deste fenômeno. Os movimentos feministas, ar
ticul ados a outros m ovimentos soci ais, puderam de forma m ais
enfática denunciar as atrocidades cometidas nos lares de mi
lhares de mulheres.
Considera-se que a perspectiva de análise das relações
de gênero, associada a os demais campos de conhecimento, tro u
xe subsídios da
frentamento de violência
extrema relevância,
doméstica.para a compreensão e en-
Parte-se, assim, da premissa de que o lugar historica
mente ocupado pela mulher confere-lhe algumas possibilida
des, mas lhe impõe fortes limites de atuação contra seus
agressores diretos, assim como contra os agressores e abusadores
sexuais de crianças e adolescentes, sob sua responsabilidade.
A sociedade brasileira, herdeira de uma sistema patriar
ca], continua conferindo ao homem um lugar de privilégios,
seja como m arid o/c om pa nh eiro j seja como pai . Assi m, a a tri
buiç ão de funções em nossa sociedade, determ in ada pelas con
dições de inserção de classe, gênero e etnia, configura uma
inserção subordinada da mulher.
Os sujeitos sociais, portad ores de relati va a utono mia frente
aos processos soeializadores, incorporam e reproduzem, com
maior ou menor autonomia, as funções que lhes são atribuídas
socialmente.
310
Sobre as mulheres brasileiras recaem imensas responsa
bilidades: a de dona-de-casa, de trabalh adora, amante, com pa
nheira e mãe. Exige-se, para todas as funções, esmero, dedicação
e competência. E ntretanto, a expect ati va do bom desempenho,
quase que exclusivo, destas funções pelas mulheres constitui-se
em uma atribuição social, nem sempre visível ou explicitada,
que se modifica de acordo com os embates travados no interi
or da sociedade, imprimindo-lhe um movimento constante em
direção da manutenção da ordem vigente e/ou de transforma
ções sociais.
N a m edid a em que a inserção social mais ampla da
mulher se dá de forma subordinada, sua inserção na família
não poderia fugir a este modelo. Embora a mãe figure como a
"rainha do lar”, a magnitude de seu reinado tem, por limite, o
poder exercido pelo hom em (m arido e pai).
Da perspectiva aqui adotada, sobre o conceito de gêne
ro, concorda-se com Saífioti, quando afirma que:
Este conceito (gênero) não se resume a uma categoria de
análise, não obstante apresentar muita utilidade enquanto
tal. Gênero também diz respeito a uma categoria históri
ca, cuja investigação tem demandado muito investimento.
(...) havendo um campo (...) de acordo.: o gênero é a cons
trução social do masculino e do feminino. O conceito dc
gênero não explicita necessariamente, desigualdades entre'
homens e mulheres.
ral, é posta (...) Acultural,
pela tradição desigualdade
pelas longe de serdenatu
estruturas po
der, pelos agentes envolvidos na trama de relações sociais
(Saífioti, 1999: 83).
Ao enfatizar-se a dimensão relacional da categoria de
gênero, compreende-se que também os homens em seu proces
so de socialização para assumir sua condição masculina nas
sociedade s co ntem porâ neas sofr em enorm es prej uízos, po is tam
bém a eles é im posto um modelo do que devem sersocialmente.
Este artigo, contudo, analisa alguns aspectos das condições de
socialização feminina, aspectos relativos ao campo jurídico e
311
estratégias de enfrentamento do fenômeno, privilegiando o ponto
de análise das condições subordinadas da inserção da mulher,
posto que a violência doméstica, historicam en te, atinge majori-
tariamente: mulheres.
lado, diríamos
dos com que todos os
desconhecidos, sujeitos
este sociais
não tem sidodevem tomar
o maior cuida
problema
enfrentado pelas mulheres (ou crianças e adolescentes) quando
analisamos a violência doméstica.
Por esta razão, SaíBoti e Almeida (1995) enfatizam que
“emb ora na social ização feminina estejam sempre presentes as
suspeitas contra os desconhecidos” de fato os agresores são ge
ralmente parentes, especialmente cônjuges, que se aproveitam
da relação de confiança com as vítimas para perpetrarem a
violência.
Os profissionais da Casa Viva Maria, um abrigo para
mulheres vítimas de violência doméstica localizado em Porto
Alegre, identif icaram, den tre os pron tuários das mulheres aten
didas, que em 69 deles (62,7%), “estava registrado que a vio
lênci a .é comp ortam ento usua l, freqüente e rotineiro n a vida
do casal” (Meneghel et al., 2000:751).
. Dive rsos depoimentos e o dado acim a co rrob oram estu
dos nacionais é internacionais que evidenciara^ através de dife
312
rentes índices, o quanto o lar tem sido um.local extremamente
perigoso para as mulheres. ■-,
Giffin, utilizando-se de índices de violência doméstica
çontra a mulher debatidos por Heise (1994), analisa dados de
diferentes sociedades, que permitem subsidiar esta perspectiva
cle análise. A autora nostraz para o debate:
Embora baseados cm definições variadas do fenômeno es
tudado, 35 estudos.de 24 países revelam que entre 20%
(Colômbia, dados de uma amostra nacional) e 75% (índia,
218 homens e mulheres num estudo local) das mulheres já
foram vítimas de violência física ou sexual dos parceiros.
Em estudos com amostras nacionais dos Estados Unidos e
Canadá, 28% e 25% das mulheres, respectivamente, re
portam que foram vítimas deste tipo de violência. Em ci
dades dos Estados Unidos, uma entre cada seis mulheres
grávidas já foi vítima da violência dos parceiros durante
gestação. De 10% a 14% de todas as mulheres norte-ame
ricanas declararam que os maridos as forçam a fazer sexo
contra a sua vontade (...) (apud.GifFin, 1994: 146).
No que tange à violência física no Brasil, os dados extra
ídos do suplemento da Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (PNAD) de 1988, intitulado Participação Político-
Social —Ju stiç a e Vitimização , ap on tam que: “Q ua se doi s ter
ços (65,8 por cento) das vítimas de violência fisica de parentes
são mulheres, sendo homens apenas 34,2 por cento” (apucl
Saííioti, 1997a: 48).
Qua nt o ao. estupro cm geral , baseando-se aind a em Heise,
Giffin destaca que a partir de dados obtidos de centros de aten
dimento a vítimas de estupro em sete países mostram que “ de
36% a 58% das vítimas de estupro ou tentativa de estupro têm
menos de 16 anos; 18% a 32% têm menos de 11 anos; e em
60% a 78% dos casos, o agressor é uma pessoa conhecida”.
No que se refere aos Estados Unidos, “de 27% a 62% das
mulheres sofrem pelo menos um evento de abuso sexual (não
necessariamente estupro) antes dos 18 anos”. Quanto ao Ca-
31 3
nadá “estima-se que 25% das meninas sofrem algum tipo de
abuso sexual antes dos 17 anos” (GifHn, 1994: 147).
N o Brasil, no que se refere à violência sexual, o relatório
da Comissão Parlamentar de Inquérito destinado a investigar
_a_violência contr a a m ulh er (CPI, 1992), co brindo crimes co-
metidos contra a mulher no período janeiro/91- agosto/92,
afirma existirem “dados comprovando que mais de 50% dos
casos de estupro ocorrem dentiro da própria família” (apud
Saffioti, 1997a: 169). \
O imp acto d a viol ência domést ica contra a mulher e su a
relação, com os dif erentes aspectos no cam po d a saúde vem,
progre ssivam ente, sendo objeto dé análise de pesquisas e publi
cações. A título de exemplificar ajgravidade do assunto, mere
ce destaque um dos índices comparativos analisados por
Deslandes et al.. Dizem os autores: “AI violência doméstica e o
estupro seriam a sexta causa de anos de v ida perdidos por m orte
ou inca pac idad e fis ica em mu lheres de 15 a 44 anos - mais d o
que todos os tipos de câncer, acidentes de trânsito e guerras”
. (D esl andes et ál., 2000: 130).
A perspectiva de análise das relações de gênero, ancora
da dentre outros aspectos nas estatísticas citadas, conduz dife
rentes autores a estabelecerem;conexões entre a violência
doméstica e a dominação masculina.
Autores ingleses, como Dobash and Dobash, propõem
que a violência entre maridos e iesposas, seja analisada como
extensão da dominação e do controle dos maridos sobre as
esposas (ap ud Pa hl, 198 5: 12), .
Os dados mundiais disponíveis suscitam a necessidade
de retomar-se a idéia de que a violência doméstica (seja contra
crianças e adolescentes ou contra a mulher) expressa um con
junto de “relações de violência”, que se desenvolvem a partir
de uma “escalada da violência”. Tal como observam Saflioti e
Almeida; .
314
As relações de violência são extremamente tensas e quase
invariavelmente caminham para o pòlo negativo: a violên
cia tende a descrever uma escalada, começando por agres
sões verbais, passando para as físicas e/ou sexuais e podendo
atingir a ameaça de morte e até mesmo o homicídio (Saffioti
________ e Almeida, 1995: 35)._______ _____
____
O cotidiano
na In glaterra de relações
, é também violentas
discuti do po rvividas
Pahl (1entre
985),cônjuges
realçando o
fato de não serem episódios isolados, mas parte freqüente da
relação do casal.
N esta direção, considera-se fecunda a idéia reto m ada por
Almeida, a pa rtir de autoras femini stas angl o-saxãs (Mackinnon,
1994-; Copelon, 1994), ao problematizar a violência doméstica,
como um processo de “terror doméstico”. Segundo a autora:
“passa a se configurar um quadro de terror doméstico, com
preendid o por um a série de pequenos assassinatos diários da.
mulher, formado por cenas de violência cotidianas” (Almeida,
1999:12).-
Estas relações, contudo, são permeadas por sentimentos
e comportamentos contraditórios. As relações de violência com
portam , ao mesmo tempo, momentos de violência, sedução,
afeto, presentes, arrependimentos, dentre outros. Ou, como
observa Almeida: “a mistura deste clima de afeto e arrependi
mento favorece a criação de uma situação propícia à tentativa
de resolução do conflito no interior da relação violenta”
(Almeida, 1999: 11).
O depoimento abaixo mostra-se exemplar para tal dis
cussão. De acordo com a Sra. Laura:1
Após a separação, ‘ele (o marido) a cercava tentando o
retorno’; ela diz que embora ele .tenha ‘mudado da água
315
para o vinho’, não confia mais nele, ‘nem penso em rea
tar’. ‘Nao consigo aceitar o que ele fez com nossa filha’,
(Ele havia perpetrado abuso sexual incestuoso) Ele a ame
açava muito, ‘mandava- bilhetes amorosos, presentes e fa
lava baixo’. (...) Comportamentos que se alternavam ‘com
muitas ameaças’
O comportamento, que alterna afeto e violências, nutre-
se, dentre outros fatores, dos sentirrumtos de ambivalência vivi
dos por estas mulheres. Apesar de referirem-se às inúmeras e
freqüentes violências que marcam suas relações, muitas delas
afirmam amar seus companheiros/agressores.
São exemplos desta ambivalência: “eu gostava e não
gostava dele, quando cie me tratava bem eu esquecia o que ele
fazia de mal pra mim”; “eu era apaixonada por ele, mas não
gostava dele na cama, pois as relações eram forçadas”; “eu
estava cega porque gostava dele”.
A perspectiva aqui adotada situa-se na compreensão de
que os processos sociais comportam e engendram, simultanea
mente* limites e possibilidades de transformação.
Neste sentido, compreender as histórias de violência destas
mulheres como decorrentes exclusivamente de sua inserção
subordinada, nó atual ordenamento das relações de gênero, se
por um lado as re tira da condição de culpadas, pode, por ou
tro, situá-las na posição de “vítimas das circunstâncias”. Julga-
se que esta postura é também preocupante, pois revela uma
visão de determinação da estrutura sobre os sujeitos, que aca
ba
des por não percebê-los
de enfrentamento como de
e ruptura capazes de construir possibilida
tal ordenamento.
A formulação de Heise (1994) nos parece adequada. Ao
analisar mulheres adultas, qut na infancia foram vítimas de
abusos (não só o sexual), considera qué elas: “[têm] menos
possibilidade de se proteger, [são] menos seguras do seu valor
e dos seus limites pessoais, e mais propensas a aceitar a
vitimÍ 2 ação como sendo parte da sua condição de mu lher” (apud
Giffin, 1994: 148).
316
Pa ra su bsidiar sua análise, Heise identi fica que “sess enta
e oito por cento das mulheres que foram vítimas de [abuso
sexual] incestuoso quando crianças relatam que posteriormen
te foram vítimas cle.estupro ou tentativa de estupro, em con
traste com 17% verificados cm um grupo de.controle (dados
dos Estados Unidos)” (apud Giffin, 1994: 148).
A convivência prolongada com relações de violência, a
legitimação social para sua perpetuação c a formação de uma
identidade de gênero.subordinada conformam um campo pro
pício para a internalização da banalização da violência sofrida,
direta e indiretamente. Identifica-se, neste campo, um dos es
paços desencadêad orcs da minim izaçao do seu pró prio sofri
mento ou do de sua prole.
A situação descrita a seguir parece nos oferecer estes
subsídios: A Sra. Letícia, separada há dois anos do Sr, Jorge
(pai relata
te), biológico
que,daquando
filha em comum,
estáva da “gostava
casada: qual abusou sexualmen
e não gostava
dele, quando ele me tratava bem eu esquecia o que ele fazia de
mal para mim”. “Ele sempre foi um ótimo pai durante o tempo
em qu e conv ivem os ju nto s5’ (grifo nosso).
A Sra. L etíci a ref ere- se ao Sr. Jo rge como um ótimo pai,
mesmo constando do processo as informações, por ela trazidas,
de que o Sr. Jorge perpetrava violência física contra os filhos
em sua presença (seu filho uma vez ficou com um olho roxo e
não foi à esco la po r 15 dias e em o utra ocasião, o pai deu um a
cotovelada no filho que lhe quebrou um dente), que ela já ti
nha “sofrido ameaça de morte” e que “não podia nem varrer
a varanda, pois ele era muito ciumento”. Por estas razões, ela
abandonou o companheiro, indo para outra cidade, deixando
seus filhos com uma irmã, “pois não agüentava mais”.
A just ifica tiva da d epend ência econôm ica para a pe rm a
nência na relação, evocada freqüentemente pela literatura e
presente no senso comum, mostra-se a nosso ver insuficiente e
falaciosa.
317
Pahl (1985:11), ao realizar entrevistas com 4-2 mulheres
inglesas vítimas de violência doméstica que haviam procurado
um abrigo, também identifica que, em alguns casos, eram elas
que .supriam materialmente a família. Em um dos depoimen-
tosr Suz-v-descreve- que-seu-marido- ficou-a proximadam ente dois
ou três anos sem trabalhar, não olhava 'as crianças, jogava a
cinza
de caféno, pa
chão
ra da casaa ee exigia
servir que bra
le. R elem ela fizesse xícaras
airídá que um edia,
xícaras
gr ávida
de seis meses, pediu a ele que esperasse para receber uma xíca
ra de chá e que disto resultou que batesse nela, sendo necessá
rio ser levada ao hospital por uma ambiilância.
O depoimento acima, tomado como exemplo, oferece
os subsídios necessários à posição de Duque-Anazola (1997).
Segundo a autora, devem servir de exemplo os depoimentos
dc mulheres que mesmo exercendo atividades remuneradas, e
sendo ao menos cm parte responsáveis pela renda familiar, “sub
metem-se à autoridade masculina, mesmo quando falta a esta
o argumento da provisão do sustento” (Duque-Anazola, 1997:
397).
Ao aceitarmos a imediaticidade dó argumento econômi
co como justificativa da manutenção da relação, trazido por
vezes pelas próprias mulheres envolvidas, desprezamos as pos
sibil idades de an alisar a. com plexid ade de seu s sentime ntos e
atitudes, bem como suas possibilidades je limites de enfrenta-
mento.
N esta direção percebe-se que ro tineiram ente, no trans
correr dos anos, um dos sentimentos mais dilapidados ao longo
da vida destas mulheres foi sua auto-estima.
A pesquisa realizada por Deslandcs no CRAMI/Campi-
nas destaca que “nos seus relatos, termos como trapos, caco e
lixo foram empregados para se autodesignarem nos momentos
dé crise pessoal e familiar” (Deslandes, 1993: 7.3).
A mulher passa, assim, a auto-representar-se como víti
ma. Encena, naquele momento, como observa Safíioti, o papel
318
de atriz. Escreve a autora:
No momento da queixa, a atriz desempenha um papel,
4 que- a vitimiza. Vitimizar-se significa perceber-se exclusi
vamente enquanto objeto da ação, no caso violência, do
outro. Isto não quer dizer que a mulher, enquanto sujeito,
seja~Dassiva-ou-nào-suieito-f...).__Os homens dispensam a
mulheres um tratamento
as representações de não-sujeitos
que as mulheres têm dee,simuitas
mesmasvezes,
cami
nham nesta direção (...) (Saffioti, 1997b: 70).
Esta “atuação” parece se desenvolver visando obter maior
solidariedade social e amparo jurídico para a sua denúncia.
A perspectiva
terlocução com outrosdecampos
análisedodasconhecimento,
relações de gênero, em in-
tem contri
buíd o para desv endar os diferentes mecanismos de legitimação
.social que respaldam e promovem a-violência doméstica con
tra a mulher, bem como contra crianças e adolescentes.
A longa trajetória histórica de,legitimação social da vio
lência doméstica con tra mulheres , face a um perí odo m enor
de repúdio a esta violência, é identificada por Pahl (1985) tam
bém na sociedade inglesa. Para a auto ra , a lei inglesa, que até
o século XIX permitia ao marido bater em sua mulher, reflete
o quanto as estruturas hierárquicas e patriarcais na família são
sustentadas pelas leis.
Considera-se o caso abaixo como ilustrativo do ainda
atual ord ena m ento das rel ações d e, gênero que, com portando
um processo de “permanências e mudanças”, reatualiza o va
lor da função de mãe, sobrepondo-o aos direitos da cidadã
mulher. .
Em Belo Horizonte, em 1980, houve o julgamento de
um marido pelo assassinato de sua ex-esposa alegando, como
319
O acusado (nas situações cle violência doméstica) é convo
cado para comparecer a um JECRIM - Juizado Especial
Criminal, onde poderá efetuar uma composição civil (re
paração de darios com o consentimento da vitima) ou uma
transação penal (caso seja frustrada a composição civil).
De um modo gerál a transação penal resulta em pagamen
to de muita, ou de uma ou mais cestas básicas a uma ins
tituição assistência!) conforme o delito e o poder aquisitivo
do acusado. Em nenhum dos dois- casos o agressor perde a
primarièdadè.‘Ileso, ele recebe, indiretamente, a informa
ção de que o preço da violência é baixo. Não custa caro
espancar a mulher. A sociedade, por sua vez, recebe a
mensagem de que a violência pode ser negociada. Como
um bem danificado, ela è conversível em valor monetário
ou em espécie. Ao fim desse percurso, a vítima compreen
de, então de forma oblíqua e dolorosa, que não vale a pena
pedir ajuda (Musumeci, 2000: 2).
O ento dilema
um instrum inov ador,po como
de ser osassim
Juizadresumido: “comveonhevitar
os Especiais, a a que
contribuir para a banálização da violência doméstica, endos
sando, subrepticiamente a desqualificação das mulheres
agredidas?” (Musumeci, 200: 3).
>i; ímportante vitória foi obtida em 2002. A aprovação da
Lei 10.455/02, que modifica o parágrafo único da Lei 9.099/ .
95, prevê que o juiz possa determin ar o afastam ento do agressor'
do lar ou local de convivência com a vítima.
Sabemos, contudo, que as leis oferecem respaldo se fo
rem acionadas para a intervenção qualificada dc profissionais,
como forma efetiva de oferecer suporte e desenvolverem
institucionalmente estratégias que enfrentem o fenômeno.
32 2
a ruptura imediata da relação, seja diante da violência domés
tica co ntra a pró pria mulher, seja diant e do abuso sex ual inces
tuo so. O não-rompimento imediato da re laç ão tem atuado.como
um dos principais alicerces para que estas mulheres sèjam con
sideradas/denominadas de passivas ou cúmplices da(s)
relação(ões) de violência(s).
Saííioti e Almeida (1995), ao analisarem diversos proces
sos de denúncias realizadas por mulheres que sofreram violên
cia doméstica, identificaram a existência de uma postura de
enfrentamento das violências sofridas, e não de passividade.
Em um dos casos analisados pelas autoras, diante da “in
terrupção do fluxo do numerário para suprir as necessidades
alimentares da família”, Luísa inventou “uma nova forma de
enfrentar o marido na questão da falta absoluta de dinheiro”.
Diz Luísa: “Primeiro, eu deixei acabar tudo. Acabou tudo, não'
tinha mais nada. Ai, ele veio para corner, botei o prato, as''
travessas todas na mesa, vazias”. Gom base nos depoimentos
de Luísa, SafFiori e Almeida reafirmam sua perspectiva de que
"embora Luísa se submetesse ao p o d e r d is c ric io n a ria m e n te
exercido por seu marido, sua vontade não deixava de tentar-se
afirmar, vez por outra.”' (Saffiod e Almeida, 1995: 91).
Em uma outra entrevista concedida às autoras, Tânia
rememorou suas dificuldades em concluir a dissertação de
Mestrado, pois seu marido não a “ajudava, com as tarefas do
més ticas35. Po r esta r azã o, qu an do foi a vez de' ele re aliz ar sua
dissertação, ela também não o ajudou, ficando “o dia inteiro
em casa, de perna para cima, lendo Agatha Christie” (Safíioti
e Almeida, 1998: 134).
Neste sentido, Saffioti e Alm eid a afirm am que “esta
mulher não combaria a gramática sexual hegemônica apenas
do ponto de vista da oratória. Instituía práticas feministas em
sua relação amorosa, atualizando uma nova gramática de gê
nero ”. (Saffiod e Alm eid a, 1‘995: 134).
323
A discussão sobre as possibilidades e limites que têm as
mulheres para enfrentarem e/ou romperem relações de vio
lência constitui-se em um campo prenhe de debates.
.HáfoêsípnjVcipàisitcndêiVtiãs-de^áááljsir-sòbrç^
len cia ^A ^pn jnp ira •asçenta'íe:na jpcrçcp çap .vdc íquç ;ps>hpj^ ens ;jaoientos ■;5jaq\aIgQ^çs/.e;'as:j[TLu-v
:p ór t^ ^i^ iy^ c.i ^è 'd i^ té -,d a8 !:,wõ Iên ci^ ^fr ida ^/^ ^‘^dcm;.cbnslnHrj::iriividual'c-colctí-
^varnérite
^içpj^té
jpásíde
Tupturà/d
^^ J’ . f
Identificam-se, na literatura, três principais tendências
de análise sobre a participação da mulher nas relações de vio
lência. A primeira assenta-se na percepção de que os homens
violentos são algozes e as mulheres, subordinadas pelas rela
ções de dominação de gênero, as vítimas. Esta perspectiva an
coro u-s e, principalm ente, na formulação de C hau í (1985) sobre
a violência. Escreve a autora:
Entenderemos por violência íuma realização determinada
das relações de força, tanto em termos de classes sociais
quanto em termos
meiro lugar, de relaç5,es
como conversão de interpessoais.
uma diferença(..-.)
e deEmumapri
assimetria numa' relação hierárquica de desigualdade com
fins de dominação. Isto é, a'.conversão dos diferentes em
desiguais e a desigualdade em relação entre superior e in
ferior. Em segundo lugar, como a ação de um ser humano
não como sujeito, mas como uma coisa. Esta se caracteri
za pela inércia, pela passividade e pelo silêncio, de modo
que, quando a atividade e a fala de outrem são impedidas
ou anuladas, há violência (Chauí, 1985: 35).
A perspect iva aci ma, e laborada em um mom ento de for -
. tes confrontos e de denúncia da opressão e violência masculi-
•;na, por um lado ofereceu inequívoca contribuição para
•romper-se com o,muro de conivências que cercava o segredo
da violência doméstica. Possibilitou ainda desnudar o processo
de transformação das diferenças em desigualdades e seu uso
para efeitos de dominação. Contu do,íacabou por favorecer um a
análi se “vit imista” em relação à mulher, c ontribuindo par a que
324
inú m era s m ulheres ■víti m as de violência dom ésti ca a
internalizassem.
Considera-se que esta concepção teve, como principal
base de suste ntação, o fato de terem sido as Dele gacia s
Especial izadas de Atend imen to a M ulhe r - DEA MS (assim
chamãdãs^íõ~Rio“de Janeiro)~o-primeiro_cspaco institucional
público de acolhim ento das denúncias de violência domcstica.
A denúncia da opressão e violência masculinas expressa
na violência doméstica, por exemplo, ao ser encaminhada à
instância jurídica, propiciou de fato a polarização entre culpa
dos e vítimas.
Uma segunda tendência do .debate é representada por
Gregori (1989; 1993). Na análise da autora, as mulheres não
são vistas como vítimas passivas na relação de violência. No
entanto, ao enfatizar tal compreensão, Gregori acaba por situ
ar em um mesmo pa tam ar de igualdade as violências perp etra
das pelos homens e as formas de reação encontradas pelas
mulheres, estabelecendo uma dimensão de cumplicidade entre
ambos.
Considerando os argumentos trazidos por Saffioti e
Almeida, ao se posicionarem contrariamente às duas concep
ções acima, julgamos a posição adotada pelas autoras como a
mais pertinente para a análise deste processo.
As autoras adotam, parcialmente, a formulação de Chauí,
mas refutam a idéia de que na relação de violência a mulher
possa ser considerada como não-sujeito, ou como “coisa”, como
quer Chauí. .
Nas palavras de Saffioti e Alm eida:
As vítimas, em bora possam sc sentir paralisadas pelo medo
e/ou tratadas como objetos inanimados, não deixam pelo
menos de esboçar reações‘de defesa. (...) A posição vitimista,
na qual a vítima figura como passiva, sem vontade e intei
ramente heterônoma, alé.m de não dar conta da realidade
histórica, revela um pensamento extraordinariamente au
toritário (Saffioti e Almeida, 1995: 35).
325
Saffioti, em um artigo posterior, reafirma sua postura.
Escreve a.autora:
- Mesmo quando permanecem na relação por décadas, as
mulheres reagem à violência, variando muito as estratégi
as. A compreensão desse fenômeno é importante, porquanto
há quem as considere não-sujeitos e, por via de conseqüên
cia, vítimas
são passivas.de(...) Mulheres
violência, em geral,
recebem e especialmente
tratamento quando
de não-sujei-
tos. Isto, todavia, é diferente de ser não-suieito (Saffioti.
1999: 85).'
No que tange à concepção pro posta por Gregori, que
implica em cumplicidade entre homens e mulheres, SaíHoti
contesta-a veementemente. Segundo a autora, afirmar que não
há objetos, apenas sujeitos, "não significa dizer que as mulhe
res sejam cúmplices de seus agressores (...) Para que pudessem
ser cúmplices, dar seu consentimento às agressões masculinas,
precisariam desfrutar de igual poder que os homens (...)” (Saffioti,
1999: 86).
Saffioti ao refletir sobre a possível cumplicidade da mu
lher na violência doméstica afirma que:
Esta discussão, entretanto, não autoriza ninguém a con
cluir pela cumplicidade da mulher com a violência de gê
nero. Dada a organização social de gênero, de acordo com
a qual o homem tem poder praticamente de vida ou morte
sobre a mulher (a impunidade de espancadores e homici
das
cabo,revela isto)nanomedida
é vítima, plano dem
cfado, a mulher,deaoparcelas
que desfruta fim e de
ao
poder muito menores para mudar a situação. (...) Para po
der ser cúmplice do homem, a mulher teria de se situar no
mesmo patamar que seu parceiro na estrutura dè poder
(Saffioti, 1997b: 71, grifo no srcinal).
Nesta direção considera-se que a distinção entre ceder e
•consentir oferece potencial heurístico de compreensão dos sen
timentos, limites e possibilidades das mulheres em situação de
violência doméstica.
326
Com base na análise da história do estupro, Vigarello
(1998) propõe que se discuta, nos dias atuais, sobre o consenti
mento dado ou não pela mulher no momento do estupro. Em
sua perspectiva, uo julgamento do estupro mobiliza a interro
gação sobre o possível consentimento da vítima, a análise de
suas decisões, de sua vontade c de sua autonomia”. Enfatiza
ain da que "os juize s ^clássicos só acreditam na q ueix a cle um a •
m u lh e r se todos os sina is fí sicos, os objetos que bra do s, os
ferimentos visíveis, os testemunhos concordantes confirmam suas
declarações” (Vigarello, 1998: 9).
A relevância desta discussão para o caso brasileiro pode
ser exemplificada através do depoimento de um policial, regis
trado em 1991 pelo Centro de Defesa dos Direitos da Mulher
de Minas Gerais, que foi incorporado ao relatório do Américas
Watch (1992: 56), Diz o policial:
Ninguém consegue abrir as pernas bem fechadas de uma
mulher, a não ser que ela seja ameaçada com uma arma
ou tema pela própria vida. A maioria dos casos acontece
porque a mulher deixa, porque ela quer. Depois se arre
p e n d e e vem dar uma cle vít im a, vem regi st rar queixa.
327
a inferioridade-social da mulher frente ao homem. Assim,
' a m ulhe r adúlta é capaz de consentir. A ri gor, con tud o, o
con sentim ento lhe escapa, só l he restando a ces são. Ela
cede aos desejos do marido, mas não consente na relação
sexual, pois ,' nest e ca so, o co nsen tim ento só po de est ar
_____ _______ alicerçadono desejo (Saffioti e Almeida, 1995: 31).
328
te o marido c os filhós, a um comportamento desejado, a mu
lher, neste caso, usa uma característica intimamente associada
a ela —ser frágil, indefesa e incapaz —(...) para obter o que '
almeja (como em, “Não consigo fazer isto, faz.para mim, faz”.
Á autora, contudo, destaca o quanto o uso desta estratégia ge-
'ra'lmente“situa-seu-usuári 0 -ern -um a-posiç ão _de _mais_baixo_po^_
329
oferece subsídios para depreender-se sobre que bases sê consti
tuirão as propostas da autora, ela própria vitima de violência
doméstica. >■
Em noss a perspect iva, quali fica r um h om em p erp etra do r
de violência como um homem difícil, revela um modo de
relativizar as violências por ele cometidas, contribuindo para a
banalização, do fenômeno.
A entrevista de Cláudia, concedida à revista Maria} M a
ria (1999: 7) pode ser tomada como exemplar, para a discus
são:
Minha história é complicada e simples ao mesmo tempo,
pois eu fui tentando agüentar, por achar que isso era só
uma fase dele. É .um grande erro da mulher achar que vai
modificar um homem violento; quanto mais ela fica, mais
ela dá forças para a brutalidade dele. Eu me lembro dele
esmurrando a minha cabeça. (...) Eu estava totalmente sob
o controle
va em pânico.dele, Eu
eu não
não podia
fazia absolutamente nada,tinha
trabalhar direito, eu esta
que
voltar cedo para casa. (...) Ele fazendo o que fazia e eu
pedindo: por favor, tenha calma. (...),Ele quebrava as mi
nhas coisas, cortava minhas calcinhas, os meus vestidos.
Eu só consegui sair dessa reiaçao quando, de fato, não
agüentava mais, quando não conseguia me mexer mais,
quando não conseguia sarar de uma violência, porque sem
pre vinha outra. Eu acho que as mulheres ficam muito
tempo acreditando que a violência do companheiro é ape
nas uma fase ruim que vai passar.
Rocha-Coutinho, sinalizando para contradições ainda
presentes na form ação da identidade da mulher, enfatiza que
“a necessidade da mulher de agradar, de ser perfeita, de se
voltar ppxa os'outros, bem como sua delicadeza e docilidade
continuam presentes (...) no discurso social e, mais que isso,
parecem estar ainda atuando, mesmo que de form a contradi
tória, no interior de stas mulhere s” (Rocha -Co utinh o, 1994: 150).
Partilha-se pois do pressuposto de que as mulheres não
são vítimas passivas, e que também não se comportam passiva-
330
mente diante das violências sofridas. Considera-se, que mesmo
enfrentando condições ainda extremamente desfavoráveis, elas
podem construir,, individual e coletivam ente, estratégias de rup
tura, face às condições de dominação ora vigentes.
Neste sentido, merecem análise dois graves e específicos
limi tes, que interferem dra sticame nte nas poss ibilidades de ru p
tura da violência doméstica: o “perigo real de morte” e a au
sência de políticas públicas.
Diferentes autores e alguns índices estatísticos têm de
monstrado que o momento em que a mulher busca romper ã
relação de violência configura-se como um dos momentos de
m aior perigo pa ra a sua integridade física,' bem como pa ra sua
própria vida. ■
O assassinato da jornalista Sandra Gomide, em 2001,
na cidade de São Paulo, ocorrido no momento de ruptura da'
relação,
bate. oferece indícios sobre a atualidade e urgência do de
Também na sociedade inglesa este “perigo real de mor
te” é assinalado por Hague e Maios (1999).. Segundo estes au
tores, sã o inúm eras as evidênci as dem onstrand o que o m om ento
mais perigoso para mulheres vítimas da violência doméstica é,
ju sta m ente, o m omento da ruptu ra. Ressaltam que, tal como
foi documentado por um dos abrigos ingleses, em vários casos
mulheres foram mortas, na frente de seus filhos, dentro ou próxi
mo aos abrigos.
Neste sentido, impõe-se como urgente ao debate nacio
nal a construção de propostas que enfrentem o “perigo real de
morte”, presente no momento de ruptura da relação. Conside
ra-se que a construção de estatísticas, com a abrangência naci
onal de homicídios, discriminadas por sexo e relacionadas ao
grau de parentesco, pode oferec er um dos subsídios fund am en
tais para a estruturação de políticas públicas de enfrentamentò
do fenômeno.
331
Esta dimensão da violência doméstica possibilita a dis
cussão de outro aspecto a ela diretamente associado: o senti
mento de posse do homem/marido que^ ao ser atingido pela
ruptura, busca a recomposição da relação, a qualquer custo.
:----------D_o rmindo_c orh o inim igo” , u m a;pro du ção no rte-ame-
ricana de. 1991, retrata o longo e incansável percurso do.ho
mem/marido em busca de sua mulher, que, para escapar à
violência doméstica, havia forjado a própria morte, mudado
de cidade e assumido uma nova identidade. Embora se trate
de uma ficção, o filme retrata inúmeros' aspectos da trajetória
de mulheres e homens reais.
Este comportamento dos homens/maridos é também
perc ebid o po r H ague e M aios (1999), na sociedade inglesa. De
acordo com estes autores, os perpetradores de violência do
méstica não medem esforços na procura de suas parceiras.
Realçam ainda a possibilidade de graves conseqüências, quan
do elesNesta
as encontram.
direção, vále a pena le m brar o assassinato de Eliane
de Garmmont. Eliané, no fmal do ano de 1979, concedeu uma
entrevista para a Revista Nova, na quàl relatou os inúmeros
episódios de violência que, ao longo dós treze anos de convi
vênci a, m arca ram seu relacionam ento | com L indom ar. Re la
tou, tam bém , como vinha b us can do ; reconstruir sua vid a,
vislumbrando a possibilidade de.gravar (na época um disco),
no ano seguinte. Na entrevista, ainda chegou a afirmar: “[Ele]
Tá percebendo que está me perdendo... é disso que cie está
com medo...novo papo, faz quatro dia;s, quero ver que bicho
dá: Tá bem mais amável...Eu acho qüe ele tá sendo sincero.
N ão te nho mais m edo dele. Dele me matar? Não. Hoje sou
m uito mais esperta do que antes...” Em 30 de abr il de 1980 ,
Lindomar Cabral, mais conhecido pelo nome artístico de
Lindomar Castilho, separado de Eliane há três meses, assassi
nou-a em um Bar-Café, com um revólver com balas para tiros
33 2
de precisão, comprado por ele fazia pouco tempo (Ardaillon e
Debert, 1987: 65-68).
O debate acima corrobora a análise de Saffioti quando
observa que, em se tratando do chamado espaço privado do
lar, estabelecem-se "um território físico e um território simbó
lico, nos quais~õ~ homem ~detéirrpr aticani ente-domímo-t:otal—
(Saffioti, 1997b: 46).
O sentimento de propriedade, a impunidade e a ausên
cia de políticas públicas atuam, dentre outros, como alicerces
de manutenção desta violência.
N o que se refere às condições concretas de apoio às
m ulheres/m ães bras ileir as que buscam auxílio pa ra rom perem
com o ciclo de violência, uma pergunta pode ser feita: a quem
recorrer?
De fato, a violência doméstica, seja; contra a mulher, seja
contra crianças e adolescentesj ainda não atingiu um “ status '’
capaz de desencadear a estruturação de políticas públicas que
a enfrentem. Isto se deve não só às particularidades que mar
cam o fenômeno, mas também à forma como o Estado brasi
leiro vem enfrentando toda a problemática social. Percebe-se,
de forma mais contundente, os reflexos da política econômica
implementada especialmente nos últimos oito anos. O desman
telamento de direitos socialmente adquiridos, a dilapidação do
patrim ônio público e a progressiva retirada, por parte do Esta
do, do finan ciam ento d e prog ram as públi cos, -exempl ificam este
processo.
No que se refere especificam ente à violência doméstica,
ressalta Saífioti (1,999: 90), “atualmente, há menos de uma
dezena de abrigos para vítimas de violência em todo o país, o
que é, no mínimo, ridículo”.
Em nossa perspectiva, corroborando a análise desenvol
vida por Almeida (1998), a ausência do, Estado na formulação
e im plem entação de polí tic as pública s ;pa ra o enfrentam ento
de fenômenos sociais, dentre eles a violência doméstica, consti
333
tui-se na escolha de uma modalidade de gestão, pois “as estra
tégias de intervenção implementadas neste âmbito favorecerão
a (ou destruirão a possibilidade) construção de espaços especí
ficos de sociabilidades e de subjetividades” (Almeida, 1998: 7).
A impunidade para os crimes cometidos contra mulhe
res revela uma outra dimensão da forma de gestão do Estado
sobre o(1992:
Watch fenômeno. Dados contidos
60) oferecem no ao
subsídios relatório
debate do Americas
“(...) .
dós mais
de 2.000 crimes de violência contra'a mulher, incluindo o estu
pro, registrados na delegacia do Rio de Janeir o em 1990, ne
nhum resultou na punição do acusado”. E ainda “Mais de 70%
de todos os casos registrados de violência contra mulheres no
Brasil acontecem dentro de casa. Desses casos, um número
estatisticamente insignificante resulta na punição do acusado”.
Na perspectiva de SafFioti c Almeida, a im punidade pode
scr assim analisada “(...) a organização social de gênero torna a
sociedade extremamente complacente no julgamento moral dos
crimes cometidos por homens contra mulheres” (Saffioti e
Almeida, 1995: 100).
As dificuldades concretas, enfrentadas pelas mulheres ao
buscarem, aju da para romperem a relação de violência são tam
bém percebidas nas relações de consangüinidade tornando, para
elas, extremamente dificultoso conseguir algum tipo de ajuda
na própria família.
O depoimento
ria, de Porto de uma das
Alegre, reafirma mulheresdificuldades
as imensas cla Casa Viva Ma
enfrenta
das nesta busca de ajuda. Di 2 ela:
Toda vez-que eu procurava ajuda todo mundo me virava
as costas. Por isso que eu deixei chegar ao ponto que che
gou, que ele fizesse o que ele fez comigo. O mundo tinha
acabado, eu não ia viver mais, minha vida não tinha mais
valor, eu não tinha mais força. Eu não sabia se valia a
.., pena continuar ou me matar. Eu não consegui me encon
trar ainda, mas tenho um objetivo: voltar para minha casa,
criar minha filha (Meneghel et al., 2000: 752).
334
Este processo é também identificado por Pahl (1985), na
sociedade inglesa. A autora chama atenção para o fato de que
as mulheres buscam, em um primeiro momento, apoió na fa
mília (especialmente mães e irmãs) e em relações próximas e só
quando esta ajuda informal se mostra inadequada é que os
serviços de apoio são procurados.
N este sentido, a discussão sobre o cm poderam ento
(“ empowerment”) parece constituir-se em um caminho também
fecundo pa ra subsidiar a f ormulação de propostas polít ico-pr o-
fissionais, deslocando do campo individual a exclusividade cla
construção de estratégias de enfrentamento e ruptura das rela
ções de violência.
Arilha ressalta que, embora não se tenha acerca deste
conceito uma compreensão uniforme, ele tem hoje como prin
cipais objetivos:
o desafio à dominação masculina e subordinação femini
na, a transformação das estruturas e instituições que refor
çam e perp etuam as discri m inações de gênero e a
desigualdades sociais, e possibilitar que as mulheres pobres
[não só] tenham acesso e controle a seus recursos materi
ais e de informações. É sempre motivado ou acelerado,
pelas press ões exte rnas que ocorrem atr avé s de m ovim en
tos de pessoas, gr upos, ou insti tuições que tentam p ro m o
ver mudanças de percepção e de consciência. No caso das
muiheres isto implica necessariamente adquirir consciên
cia de gênero (Arilha, 1995: 11),
335
O investimento continuado, realizado através de servi
ços. cie apoio de qualidade, por exemplo, pode fortalecer nas
mulheres um sentimento que julgamos fundamental para
alicerçar o enfrentamento, com vistas à ruptura, das relações
de violência: a auto-estima. ______ 1______ _ _ _ _____
Este sentimento, se tratado como um processo que se
articula
ce comoaosumademais aspectos relacionados
“aquisição'lenta, ao fenômeno,
paciente, disciplinada apare
e cotidi
ana. Uma construção deliberada e trabalhosa” (Meneghel et
al., 200 0: 752). ' ■
A importância da reconstrução deste sentimento nos é
trazida pelo depoimento de uma das mulheres abrigadas na
Casa Viva M.aria, em Porto Alegre:
A a uto-estima com eça com um ^ em prego. Da í tu t e ani
ma... Faz a gente enxergar outras coisas, novos valores,
uma potencialidade muito grande. A gente vai descobrin
d o e. co loc an d o em prática. Esse lexercí cio é diário. D e iní
ci o é difí cil , é m uito dif íc il . A gen te descob re u m a
potencialidade grande na gente (Meneghel et al., 2000: 752).
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339
Sob re os autor es
Eduardo-Ponte Brandão
Psicólogo, mestre em Psicologia pela PUC-Rio, psicólogo do
Po de r Ju dic iário /R J, professor d o curs o de pós-graduação lat o
sen su de Psic olog ia Ju rídic a d a Universi dade C ândido M en
des, psi canal ist a M em bro Convidado da Formação Freudiana,
autor de artigos publicados ná Revista Brasileira de Direito 'de F a
mília e na Revista de Psicanálise PulsionaL
Cid adan
textos ia e Dire
na área itos H um
da infancia anos da UERJ.
e juventude, dentre A utora d e inúRostos
os quais meros de
crianças no Brasil ; Sobre arrastão e grupos deperfena\ Qual é o problema
da Assistência; Estatuto da Criança e do Adolescente: Doutrina da Prote
ção Integral é Direito Penal Juvenil?] Direitos Humanos e a atuação pro
fissiona l na avaliação psicológica. Organizou, junto com Maria
Euchares de Senna Motta, o livro A ciiança e seus direitos: Estatuto
da Ciiança e do Adolescente e Código de Menores em Debate.
340
H ebe Si gn ori n i G onçal ves
D ou tora em Psi cologia pela PU C-Rio. Vinculada ao N ú
cleo de Atenção à Criança Vítima de Violência do IPPMG/
ÜFRJ entre 1996 e 2003. Membro do Núcleo Interdisciplinar
~de~Pesquisa-e-lnte-reâmbio-para-a_Iníancia e Adolescência
Contemporâneas, do Instituto de Psicologia da UFRJ. Autora
de artigos e do livro Infância e violência no Brasil
M arl en e G ui ra do
Marlene Guirado é psicóloga, psicanalista, docente no
Instituto de Psicologia da USP e analista institucional; Autora
dos livros A criança e a F E B E M , Instituição e relações afetivas: o vín
culo com o abandonoe Psicologia Institucional, frutos das pesquisas
realizadas na dissertação de mestrado e na tese de doutorado.
Mais recentemente publicou Pskanálísa e armííw do discurso c A
, oncle mostra uma tensão
clinica psicanalílica na sombya do discurso
mais especif icamente voltada p ara a p rática clinica da Psican á
lise.
Rosana Morgado
Assistente Social, doutora cm Sociologia pela PUC/SP,
professora da Escola de Serviço Social da UFRJ e pesq uisado
ra do GEG EM ~ Gênero, Etni a t Ciasse: Estudos Muitidisci-
plinares. Atuando como do cente na Universidade desde 1985,
tem-se dedieado a análise de programas dirigidos a área da
infanda e juventude, desenvolvidos em instituições públicas e
em organizações não governamentais. A temática da violência
doméstica contra crianças e adolescentes, bem. como contra
mulheres ganhou, ao longo doa anos, centralíd&de nas propos
tas de investigação, sendo realiz ada co m o apo rte ás> relações
de gênero. "Famílias e Relações de Gênero’', in: Praia Vemwlka:
estudos de politica e tmna social,vol. 5. UF.RJ, Escola de Serviço
Social. Coordenação de Pós-Graduação. Rio de Janeiro, 2001.
Saio de Ca rval ho
Advogado. Mestre (ÜFSG) e Doutor (UFPR) em Direi
to. Mestrando em Filosofia (FUCRS). Professor do Mestrado
em Ciências Criminais da PUCRS e do Programa de Douto-
rado em 'Dercchos H um anos y Desarrollo ' da Universidad Pablo
Oiavi.de (Sevilha/ES).. Autor do livro Pma c Garantias',
lania Kolker
Psicanalista, médiea da Superintendência de Saúde da
Secre taria de. Estado de Adm inistração Pe nitenciária, o nde
coordena program a de desin te m ação progr essi va e reim erção
social dos pacientes internados p or med ida de segurança. M ern-
34 2
bro da equip e dín ic a do G ru po ‘Tortu ra .N unca M ais do Rio
de Ja ne iro , vice-p reside nte c io Conselho d a C om unidad e da
Co m arca do Rio de Jan eiro, organizadora do Manu al Saúde e
Direitos Humanos nas Prisões, c autora do artigo ‘‘Tortura nas
prisões e pro dução de subjetividade” , publicado no livro Clinica
t política: subjetividade e. violações dos direitos humanos, organizado
por Cristina Rauter, Eduard o Passos e Regina Bencvides.
343
CRONOGRAMA PSICOLOGI A - JUKIDICA/2720I 1
* * '
^j03 DEj AGOSTO ~ Apresentação da Ementa e do conteúdo programático de Psicologia
\ J X-Jurídica
Leitura Básica - LAGO, Vívian de Medeiros et al, Um breve histórico da Psicologia ~ JX
10 DE AGOSTO - Introdução ao campo da psicologia jurídica
Leitura básica: SHINE, Sidney. Avaliação Psicológica e Lei: Adoção, Vitimizaçâo,
Separação Conjugal, dano Psíquico e outros temas. SP: Casa do Psicólogo, 2005
(Prefácio e pg 1-34).
Leitura complementar;
P. Psicologia Jurídica no Processo Civil Brasileiro. São Paulo.Casa^ãoJ
i jS I L v k , D. M .
Psicójogo, 2006 (pg.30- 5I) /
17 DE AGOSTO - O Estatuto da Criança e do Adolescente : os seis artigos do Título 1
(premissas iniciais que compreendem o alcance e as prioridades desta lei).
A Vara da Infancia e Juventude (equipe interprofissional - juiz, promotor, escreventes e
serviços técnicos: art 150 e 151 do ECA relativo ás atribuições da equipe técnica e à
livre manifestação destes profissionais
Leitura básica: Estatuto da Criança e do Adolescente (Título í)
Leitura complementar:
Leitura complementar:
VECTORE, Célia; CARVALHO, Cíntia. Um olhar sobre o abngamento:..a.importançia v
dos víaculos cm contexto déabrigo. PsicoL Esc. Educ. Campinas, v!2, n2, Déz-20J3j|J^' -
26 DE OUTUBRO- A importância dos laudos psicológicos em consonância com os
parâmetros do CRP ‘
Leitura básica: SHINE, Sidney, Avaliação Psicológica e Lei: Adoção, Vitimizaçâo.
Separação Conjugal, dano Psíquico e outros temas. SP: Casa do Psicólogo, 2005 (pg
191 -245).
02 DE NOVEMBRO - FERIADO
09 DE NOVEMBRO- O Trabalho do psicólogo como perito nas Varas de Família -
regulamentação de guarda e de visita em casos de litígio conjugal A questão do litígio e
seus efeitos nos filhos do casal.
Leitura básic^BRAJSÍDÂO^EduardQ P. Psicologia Jurídica no Brasil. RJ: Ed Nau, 2005
(pg 51- 80). '
SHINE, Sidney. Avaliação Psicológica e Lei: Adoção, Vitimizaçâo, Separação
Conjugal, dano Psíquico e outros temas. SP: Casa do Psicólogo, 2005 (pg 19 49).
Leitura Complementar-
Referências Técnicas para Atuação do Psicólogo em Vara de família -■ CREPOP -
2009.
09 DE NOVEMBRO- O trabalho do psicólogo nas Varas Especiais cora os adolescentes
em conflito com a lei e as medidas sócio-educativas.
Leitura básica(BR Ã^DÃQ) Eduardo P. Psicologia Jurídica no Brasil. RJ: Ed Nau, 2005
{pág. 205 - 276). •
Referências técnicas para atuação do psicólogo no âmbito das medidas socioeducativas
em unidades de internação - CREPOP.
16 DE NOVEMBRO - A atuação dos psicólogos no sistema penal
Leitura básica(BRANDÃo) Eduardo P. Psicologia Jurídica no BrasiL RJ: Ed Nau,
2005 (pág. 157-202).
36 DE NOVEMBRO - As técnicas e intervenções da conciliação, da arbitragem e da
mediação como novos modos de respaldar casais em litígio e a guarda compartilhada.
Leitura básica^BRANDÃO^Eduardo P. Psicologia Jurídica no Brasil. RJ: Ed Nau, 2005
(pág. 80 - 97).
23 DE NOVEMBRO -Np2
30 DE NOVEMBRO - FERIADO
14 DE DEZEMBRO- EXAMES
31 Dt| AGOSTO - V-itimização de crianças e adolescentes - Maus-tratos perpetuados
por familiares ou conhecidos contra a integridade física, psicológica de crianças e
adolescentes,
) Leitura básica: SHINE, Sidney. Avaliação Psicológica e Lei: Adoção, Vitimização,
/■ I ■ , *
íSeparação Conjugal, dano Psíquico e outros temas. SP: Casa do Psicólogo, 2005 (pg 51
I- 69).
Eduardo P. Psicologia Jurídica no Brasil. RJ: Ed Nau, 2005 (pág. 277 -
(f 305/.
Serviço de Proteção a crianças e adolescentes vítimas de violência, abuso e suas
famí lias; referências para a atuação do psicólogo - CREPOP.
07 DE SETEMBRO - FERIADO
14 E>H SETEMBRO- Violência contra <t mulher ~ Atuação dos Psicólogos nas
Delegacias de Defesa da Mulher - Lei Maria da Pen ha ..
Leitura Básica: JONG, LinChaw; SADALA, Maria Lncia Araújo; TANAKA, Ana
Cristina D’Aridretta. Desistindo da denúncia ao agressor: relato de mulheres vítimas de
violêjaciadoméstica. Rev. Esc. Enfermagem USP. São Paulo, v 42, no. 4}Dez 2008.
MOREIRA, Myrella Maria Normando e PRÍETO, .Daniela. t;Da sexta vez não passa”:
violência cíclica na relação conjugai.. Psicologia ÍESB, vol2, no. 1, 58-69, 2010.
21 DE SETEMBRO - Adoção. Avaliação de pretendentes em âmbito nacional, preparo
de crianças para a adoção, adoção internacional.
Leitura básica: SHINE, Sidney. Avaliação Psicológica e Lei: Adoção, Vitimização,
Separação Conjugal, dano Psíquico e outros temas. SP: Casa do Psicólogo, 2005 (pg 73
a 108).
BRANDÃO, Editarão P. Psicologia Jurídica no Brasil. RJ: Ed Nau, 2005 (pg 99- 139).
28 DE SETEMBRO - O trabalho do psicólogo em casos da não aceitação da criança ho
grupo familiar substituto - “devolução” de crianças- e as intervenções necessárias.
Leitura-básica:-SHINE, Sidney. Avaliação Psicológica e Lei: Adoção, Vitimização,
Sepíração Conjugal, dano Psíquico e outros temas. SP: Casa do Psicólogo, 2005 (pg 73
a 108).
BRANDÃO, Eduardo P. Psicologia Jurídica no Brasil. RJ: Ed Nau, 2005 (pg 99-139).
NF1- 05 DE OUTUBRO
12 DE OUTUBRO -FERIADO
19 DE OUTUBRO- VISTA da NP1