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C

organizadores
Hebe Signorini Gonçalves
Eduardo ponte Brandão
Organização
Hebe Signorini Gonçalves
Eduardo Ponte Brandão

22 Edição
23 Reimpressão

Rio de Janeiro
EDITORA
2009
Apresentação 7
Pensando a Psicologia aplica da à Justiça 15
Es ther M ari a de M agalhãe s Âranl es
A ínterlocução com o Direito à luz das práticas
psicológicas em Varas de Família 51
Edu ardo Pont e Brandã o
O psicólogo e as prátic as de adoção 99
Lidia Nafalia Dobriarukyj Weber
O papel da perícia psicológica na execução penal 141
Saio de Carvalho
A atu ação dos psicólogos no sistema penal 157
Tania Kolker
(Des)construindo a ‘menoridade’: uma análise crítica
sobre o papel da Psicologia na produção da categoria
“menor” 205
Éri ka P ied ad e d a Si lva San tos
Em instituições para adolescentes em conflito com a lei,
o que pode a nossa vã psicologia? 249
M arl en e Gu ira do
Vio lência contra a criança e o adolesce nte 277
H ebe Signo ri n i Go nçal ves
Mulheres em situação de violência doméstica: limites e
possibilidades de enfrentamento 309
Rosana M orgado
Sobre os auto res 340
Esse livro é resultado de vários desafios.
O primeiro deles, sem dúvida central, consistiu em apre-
sentar didaticamente um ramo da psicologia que está em fran
ca expan são e de senvol vimento : a P sicologiajurídi ca. Levan do
em conta os objetivos de um público.alvo formado basicamen
te por estudantes e interessados erri conhecer esse domínio,
propusem o-nos a com por um livro-texto que se mostrasse ca
paz de apre senta r a áre a, em to da sua amplitude. O livro que
chega agora ao leitor foge portanto do formato clássico de uma
coletânea, visto que a proposta didática exige mais que a apre
sentação dos trabalhos de cada um dos autores; ela torna im
perativa a necessidade de desenvolver um a linha de raciocínio
capa z de a prese ntar a á rea aos i nter essados de modo escl arece
dor, sem no entanto deixar de lado' os inúmeros problemas e
dificuldades que coloca, seja do ponto de vista teórico seja no
campo de uma prática que já nasce intèrdisciplinar.
Com efeito, a Psicologiajurídica surgiu de um chama
mento ao ingresso do Psicólogo em áreas srcinariamente des
tinadas às práticas jurídicas. Essa demanda coloca exigências
específicas, ditadas pelo Direito, mas é mister admidr que o
ingr ess o da Psicol ogia no m un do jurídico precisa encon trar seu
m otor próprio, já que sua impuls ão advém de um compromis 
so com o sujeito que é, por excelência, de outra ordem. Não
há conflitos insuperáveis aqui, mas há sem dúvida interseções
de peso que merecem exame.
A tarefa didática exige ainda que sejam abordados os
muitos e diversos setores e questões de que tra ta o m un do J u 
rídico, mesmo porque essas especificidades constroem a demanda
que o Direito remete à Psicologia. Parece haver um den om ina
dor comum entre os vários setores aos quais a Psicologia se
aplica, visão que o leitor certamente deverá compartilhar após
a leitura dos diversos textos que compõem este livro. No en
tanto, sobre esse denominador comum ressaltam questões par
ticulares, afeitas a cada área aqui abordada.
Dividimos então os capítulos de acordo com as práticas
que env olvem as in stituições jurídicas - Varas de Jus tiça, Con 
selhos Tutelares, prisões, abrigos, unidades de internação, en
tre outras - nas quai s os psicó logos são cham ados a atu ar. Ta is
práticas se inscrevem nas tutelas jurídicas sobre o adolescente
no cometimento, do ato infracional, nas disputas judiciais entre
famílias, nas adoções, na violência sexual, na violência contra a
mulher, nas instituições de internamento e, por fim, nas pri
sões.
' Cadá autor'foi solicitado á traçar lim panorama históri
co da área, a lançar luz sobre as diversas tendências, a apontar
os pontos de interlocução entre Direito e Psicologia e, acima
de tudo, a oferecer uina visão crítica capaz de problematizar a
atuação do psicólogo, discutindo as implicações de sua prática
e as alternativas que se colocam ém termos técnicos, éticos e
políticos. Eles enfrentaram, finalm ente, o desafio de pro duzir
um texto em que o didaüsmo não sacrifica o rigor crítico, ne
cessário para retirar 0 leitor de qualquer pretensão de neutra
lidade científica da Psico logia Ju rídi ca. O êxito dessa em preit ad a
é agora submetido ao crivo do leitor.
É com o texto de Esther Maria de Magalhães Arantes
que inauguramos essa discussão. E la busca a respo sta na inves
tigação do objeto, d os. instr um ento s e, sobretu do, dos de sd o
bramentos ético-políticos das ciências humanas e sociais e, mais
especialmente, da Psic ologia Jurí dic a. A par tir da in dag açã o de

8
Canguilhem acerca cia unidade da Psicologia, a autora traça
um caminho genealógico, debruçando-se sobre as perícias, os
laudos, as questões da loucura e da sanidade, a criminalidade,
as relações famili ares, a ch am ad a justiç a tera pêu tica e o dif ícil
tema da infanda e da adolescência. Ela demonstra como esses
perc ursos podem ser lidos com o técnicas de subjetivação. Em

outras
tégico palavras, Esther jurídicas,
das instituições Arantes vem
jogonos
quemostrar o jogodilemas
impõe sérios estra
à prática do psicólogo.
. Existe neutralidade nas práticas do psicólogo relaciona
das à s Varas de Famí lia? C om essa indagaçã o de fundo, Edua rdo
Ponte Brandão aponta inicialmente para a colonização recí
proca entre as leis e as práticas de disciplina e normalização
que teria havido no Brasil desde o Código Civil de 1916 até as
legislações atuais que regulam as famílias. Corri objetivo de
analisar essas complexas relações, o autor adota como eixo de
investigação os critérios definidores da guarda e suas modali
dades nos processos de separação e divórcio. Feito esse pano
rama, o autor põe em xeque a prática pericial relacionada aos
litígios familiares. Os argumentos são suficientes para estimu
lar o psicólogo a atuar de forma a não causar mais prejuízos
do q ue os proc esso s judiciai s po r si só já acarre tam , devendo o
profissional la nçar m ão de im portantes contribuições da psica
nálise, da abordagem sistêmica e das práticas de mediação.
Erika Piedade enfoca as diferenças valorativas entre os

conceitos
longo de "menor”
de nossa história,e sobretudo
de “criança” que de
a partir foram forjadas ori
dispositivos ao
entados para o controle das parcelas mais desfavorecidas da
população. O hiato entre os bem-nascidos e os potencialm ente
perigosos p ara a so ciedade é perp etu am ente estim ulado desde
o Brasil colonial até os últimos anos, apesar dos avanços teóri
cos e sociais propostos pelo Estatuto da Criança e do Adoles
cente. Investigar a complexa teia de determinações que assevera
a desigualdade entre as infâncias no Brasil, e com isso proble-

9
matizar o lugaV que o psicólogo ocupa frente às demandas so7
ciojurídicas, é a.tarefa a que a autora se'lança corajosamente.
A contribuição de Marlene Guirado, psicanalista e ana
lista institucional, vem mostrar uma nova forma de pensar a
-Psicologia-Jurídica-para-além-dos-campos-e-leituras-nas-quais-
ela já firmou sua produção. A autora quest ion a um 'saber p ura

mente
como umaacadêmico,
concepçãorestrito a
de sujeito form as protegidas de proceder, assim
apartada das trocas sociais.
G uirad o dem on stra que a Ps icologia n ão s ó se tra nsforma como
ganha potcncia quando se dispõe a enfrentar os desafios do
campo, expor sua prática e enfrentar efetivamente os dilemas
éti cos dos suje ito s. A auto ra ap resenta cer tos pr eceitos meto do
lógicos e se propõe a avaliar sua aplicabilidade em instituições
destinadas a jov en s em confl ito com a lei e submetidos a m edi
das de privação de liberdade. No! difícil contexto da FEBEM de
São P aulo, o Projeto Fique Vivo —por ela s upervisi onado - é
alvo de uma análise fecuncla e srcinal, que permite depreender
que o exercício daPsicologia deve definir-se no campo das ci
ências humanas, assessorar-se delas e buscar a conexão entre o
sujeito e as relações sociais que o cercam e fundam.
A violência contra a criança e o adolescente é discutida
em capítulo de au toria de Heb e Signor ini Gonçal ves . C om base
cm literatura nacional e internacional, a autora faz um apa
nhado dos tipos de violência, dos sinais e indícios a serem ob
servados e das conseqüências que o ato violento produz na
criança ou no adolescente, assim como na dinâmica familiar.
Sobre ess e pan ora m a, a au tora fa z uma anál ise crít ica d o cam 
po, av alia os alcances dos instrumen tos legais e ale rta para os
limites da aplicação desses dados aos casos, levando em conta
que eles tendem a ocultar certas singularidades do sujeito. Seus
argumentos invocam os questionamentos mais recentes, sobre
tudo aqueles derivados de pesquisas desenvolvidas no Brasil, e
conclamam os profissionais a uma ação onde a ética de prote
ção à criança leve em conta também as necessidades dos de

10
mais membros da família, assim como o contexto social em
que'se inserem.
Ro san a M orgad o fala sobr e a violência contra a mulher.
A autora mostra que a larga incidência dessa forma de violên-
-cia,_na_sociedade. contemporânea, contribui para sua naturali
zação. A leitura crít ica de Ros ana alèHi7^ :íõ ~ ^ tã n tõ ^ p a ra '“o~
fato de que certos modelos de análise do problema terminam
acatando a naturalização da violência. Em contrapartida, ela
busca tratar o gênero como constru ção social, e mostra como a
partir daí a m ulh er pode ser vista de modo muito mais com
plexo que o estrito lugar de vítim a que lhe é atribuído. Sem
ne gar o l uga r de ví tima, e sem negar a dependência econômica
tão com um nas ■relações de. casal pe rm ead as pela viol ência , a
au tor a vem nos m ostra r q ue essas .concepções sã o insuficientes,
quando não falaciosas , para dar conta de uma temática que
implica o sujeito em dimensões mais profundas e complexas.
Escapando do imediatismo que permeia certos modelos sociais
e jurídicos, a autora propõe um novo olhar sobre a mulher que
sofre a violência, olhar que permite desvendar suas ambivalências
e conflitos, emprestando nova dimensão às relações de casal.
Dessa análise, a autora retira implicações importantes para as
políticas públicas e as form as jurídicas que tratam das relações
de gênero permeadas pela violência.
A quem; serve a adoç ão: aos pais o u à criança adotada?
A resposta a essa questão é buscada na história do instituto da
ado ção, história, que an tece de os modelos jurídicos tal como
hoje os ^conh ecemos . D a A ntigüid ade ao Brasil co nte m po râ
neo, Lidia Weber indica que a Lei e as práticas sociais se inter
penetram , e que nem sempre a proposta ju rídica encontra eco;
no tecido social. Essa análise histórica das formas de adoção é
ricamente ilustrada pela mais extensa pesquisa já desenvolvida
no Brasil sobre o tema, cujos resultados permitem examinar
não só as motivações pa ra ' ad ota r como tam bém os cri térios
das equipes enca rregada s de avaliar - e avali zar —os propo-

11
nentes à adoção. A autora sustenta que, para efetivar a propos
ta legal de privilegiar o interesse da criança, será necessário
que o trabalho do psicólogo busque afastar-se de um modelo
pericial, que visa apenas classificar e descobrir atrib utos desejá
veis. em candidatos a pais adotivos, para levar também em conta
o desejo, a motivação, o medo e a ansiedade, entre os candida
tos,
de eeosprivilegiar
vínculos sua preparação
de filiação dos para
quaisaso funções de paternida
instrumento jurídico é
apenas um recurso.
Para entender o fenômeno da criminalidade, é funda
mental entender o papel da criminalização da pobreza, da
demonização das drogas, da espetacularização da violência, da
criação da figura do inimigo interno e da funcionalidade do
fracasso da prisão, especialmente no contexto atual das socie
dades neoliberais globalizadas. A expressão de Tania Kolker

anuncia a complexidade
Ela no entanto do tema ae essas
não se restringe a amplitude de sua análise.
determinações sociais;
demonstra ao mesmo tempo como se consolidou a prática de
individualizar as penas, o cálculo de reincidência no delito e, a
mais grave herança positivista, a percepção maniqueísta da
delinqüência e do delinqüente. Como mostra a autora, essa
história de exclusão está até hoje presente na cena prisional, a
despeito de instrumentos de proteção internacional dos direitos
humanos. Em sua análise, Kolker se vale de uma literatura
ampla que contempla Foucault, Castel, Zafaroni, Wacquant,
assim como autores naci onais - Correa, Rau ter, Batist a - o
que lhe permite olhar para nossas prisões e analisar critica-
mente a função do psicólogo nesse espaço.
Alinhado também à criminologia crítica, escola inspira
da em Foucault, Saio de Carvalho enfoca a avaliação crimino-
lógica que permeia, a Lei de Execução Penal (LEP). Numa
exposição rigorosa que articula os aspectos jurídicos às práticas
de poder, o autor opõe-se à perspectiva de colocar-na cena
penal a personalidade do apenado, invocando para tanto as

12
garantias constitucionais. Seguindo esse raciocínio, Carvalho
desvenda a prática autoritária presente no exame criminológi-
co. Ele interroga a função dos técnicos do sistema penitenciá
rio, entre os quais o psicólogo, para além da tarefa' de realizar
avaliações e perícias criminológicas. Carvalho' faz assim algu
mas indicações preciosas, mas que só serão possíveis de se rea
lizarem mediante uma perspectiva dita “humanista”.

Hebe Signorini Gonçalves


Eduardo Ponte Brandão

13
Pensandoafsicologia aplicada à-JusIiça

Est her M ari a de M agalhãe s Ara nt es


Talvez a crítica mais contundente dirigida à Psicologia
tenha sido a formulada por G eorges C angui l hem , em confe

rência reali zada no Collège Pkilosophique, em dezembro de 1956.'


À pergunta inicial “O que é Psi- _
coloria?” segue-se “Quem desig-
° , . ^do rrâasjdé ^
na os psicólogoscomo ínstru-
mentos do mstrumentalismo? ,
,. fttoritémporâricÒkv.S^
numa apreciação cntica tanto da fyyyamós^enc^
_________ ? _ J_ _! _i-_!-Cl _J J _ J . J^

Psicologia como do próprio


zer do psicólogo.
r O Este buscaria,
i cia tVI 1ÍT)■i£'-/i“'
saber io r":'
rflchJan
WÍIi’eir
nT'-
o: Gra*
n u ma .eíicacia discutível, a sua i - í'^1 ..

importância de especialista. No entanto, e aí está o que de fato


deve nos preocupar na argumentação de Canguilhem, esta efi
cácia, ainda que mal fundada, não é ilusória.
Ao dizer da eficácia do psicólogo que ela é discutível, não
se querdizer que ela é ilusória; quer-se simplesmente ob
servar que esta efi cácia está 'sem dúv ida mal fun dad a, e n
quanto não se fizer prova de que ela é devida à aplicação
de uma ciência, isto é, enquanto o estatuto da psicologia
não estiver fixado de tal maneira que se deve considerá-la

1Uma tradução de Qu’est-ce que la psychologie?, de Georges Canguilhem, foi


publicada no Brasil com o título “O que é a psicologia?”. In Epistemologia, 2.
R io de Janei ro: Tem po Bras il eir o, n . 3 0 /3 1 , jú l./de z., 197 2.

15
BIB UO TE CA UNIVERSIT ÁRIA j
! P R O F ROGER PATT1 j
como mais e melhor do que um empirismo composto, lite
rariamente codificado para fins de ensinamento. De fato,
de muitos trabalhos de psicologia, se tem a impressão de
que misturam a uma filosofia sem rigor uma ética sem exi
gência e uma medicina sem controle (Canguilhem, 1972:
104-105). ■
O objetivo de Canguilhem nesta conferência foi o de
criticar o programa universitário de seu colega de Ecole Norma l
Supérieure,Daniel Lagache, que postulava a unificação dos dife
rentes ramos da Psicologia, afirmando haver convergência en
tre a Psicologia experimental, dita “naturalista” e a Psicologia
clínica, dita “humanista”.2
A questão “Que é psicologia?”, pode-se'responder fazendo
aparecer a unidade de seu domínio, apesar da multiplici
dade dos projetos metodológicos. É a este tipo que perten
ce a resposta brilhantemente dada pelo Professor Daniel
Lagache, em 1947, a uma questão colocada, em 1936, por
Edouard Claparède. A unidade da psicologia é aqui pro
curad a n a sua defi nição po ssível como teoria g eral da con 
du ta“ sínt ese da ps icologia expe rim ental, da psicolog ia
clínica, da psicanálise, da psicologia social e da etnologia.
Observando bem, no entanto, se diz que talvez esta unida
de se parece mais a um pacto de coexistência pacífica con
cluído entre profissionais do que a uma essência lógica,
obtida pela revelação de'uma 'constância núma variedade
de casos (Canguilhem, 1972: 105-106).
Continuando suas crídcas à Psicologia, Canguilhem, que
aceitara ser o relator de Historie de la folie , tese de doutorado
defendida por Michel Fouc ault em 196T, não poup ou Laga che,
mostrando que a pesquisa desenvolvida por Foucault fazia des
moro na r o grande projeto de unidade da Psic ologia (Roudinesco,

2 V U n ilê de la Psychologie, Aula Inaugural ministrada por Daniel Lagache na


Sorbonne em 1947 e publicada pela PUF, Paris.

16
1994: 15-16). Apesar das críticas de Canguilhem e de outros
àutóres, entre os quai s Jacq ue s Lacan , a prop osta de Lagache
teve ampla repercussão ria França do pós-guerra.
Em dezembro de 1980, numa conferência intitulada Le
ceroeau et la pensêe,Ca ngu ilhem volt ou a c riticar a. Psic ologi a,
desta vez por reduzir o pensamento ao funcionamento cere

bral.
ços daAfirm ando conclamou
Psicologia, que a Filosofia nada das
os filósofos tem novas
a esperar dosa servi
gerações
resistirem à “calamidade” psicológica. Diante de críticas tão
duras, Roudinesco observou que, nesta conferência, Cangui
lhem não havia se preocupado em distinguir as querelas e discor-
dâncias internas à própria Psicologia, fazendo uma crítica em
bloco a saberes muito diferenciados (Roudinesco, 1993). Como
o próprio Canguilhem havia dito na conferência de 1956, não
há unidade na Psicologia.3 U.
Mesmo assim, e ainda se perguntando se não haveria-:
um a ce rta obstinaç ão po r parte de C ang uilhem em dem olir o s c:
alicerces nos quais se fundamentam a Psicologia, Roudinesco-^
presta um a hom enagem “a um dos maiores filósofos do nosso
tempo”, reconhecendo a pertinência e a atualidade de suas crí
ticas, principalmente porque, segundo a autora, uma aliança'
vitoriosa entre o organicismo biológico e genético, a ciência da
mente e a tecnologia estaria ganhando terreno, em tódos os
campos do saber.
(...) até o ponto de fazer emergir uma nova ilusão cientifi-
cista segundo
ciência a qualhumano
no cérebro a intervenção cada
permitirá vez mais
conduzir ativa da
o homem
à imortalidade, ou seja, à cura da condição humana
(Roudinesco, 1993: 144).
N ão advindo, desta form a, a cientificidade da Psicologia
de sua mera rotulação como ciência, seja natural, social ou

3 Mais adequado seria falar de Psicologias?


humana, ou ciência pura ou aplicada; nem de sua adjetivação
com o Psicologi a Ju rídica , Social ou Escol ar; ou ain da de sua
definição como estudo da alma, do psiquismo, da conduta ou
da subjetividade; sequer do uso de medidas, restaria à Psicolo
gia, e m geral, e à Psi cologia Ju rídic a, çm _pafticular,-sèrem —
pensadas apénas como técn icas ou ideologias?
Em pre fác io ao livro de, Lei Ia M aria T. de Brito, que
versa sobre a atuação do psicólogo em Varas de Família, escre
vera o que ainda considero central em se tratando de pensar a
Psicologi a Ju rídic a, e que aq ui relem bro em p arte (Ara ntes ,
1993).
A indagação formulada pela autora: “Varas de família:
uma questão para psicólogos?”,, questão que deve ser entendi
da tanto como lugar de prática, como prática a ser pensada,
ponderei que se podia responder de diversos modos: sim, se
considerarmos um mercado de trabalho potencial ou em ex

pansão
um Direitop ara o qual existe,
autoritário inclusive,
e burguês justificativa
contrapomos legal; não, se a
uma Psicologia
libertária, exterior ao próprio Direito; outra possibilidade é
considerar a Psicologia como parte do problema e, deste modo,
redesenhar a questão.
N a realidade, a pergunta form ulada p or Brito, como no
texto de Canguilhem, desdobra-se em várias outras, sendo que
um primeiro grupo diz respeito a uma problematização que
podem os cham ar de epistemológica: o que é a Psicologia apli
cad a à ju s d ç a ou Psi cologia Juríd ica, quai s são o s seus concei
tos, em que se fundamenta sua pretensão de prádca científica?
Em artigo dedicado a pensar as Ciências Sociais e a Psi
cologia Socialj Thomas Herbert ;(1972) pondera que colocar a
uma ciência as questões “quem és tu”?, “por que estás aqui?”
e “quais suas intenções?” pode parecer impertinência à qual
ela tenderia a responder que “está aqui porque existe” e quan
to às suas intenções “ela não as tem” mas apenas “problemas a
resolver”. No entanto, considera importante a distinção feita

18
por Louis Althusser entre ciência desenvolvida e ciência em
constituição. Na ciência desenvolvida o objeto e o método são
homogêneos e se engendram reciprocamente, o que não acon
tece com as ciências em desenvolvimento, como a Psicologia.
-Um a-coisa-é-a-tr-a- nsformaçâ© -pr-odutor-a-do-obj eto -cienti fico,
outra, a reprodução metódica deste objeto, que só pode acon
tecer , rigoro samen te falando, se uma. transf ormação pro du tora
deste objeto já foi realizada. Quanto, à função dos instrumen
tos, ela não é a mesma em cada um destes tempos da ciência.
Exemplificando esta diferença, lembra-nos Herbert a transfor
m ação que a b alança sofreu após o advento da Fís ica moderna.
Fora de seu papel técnico-comercial, ela servia para inter
rogar toda a superfície do real empírico', pesava-se o san
gue, a urina, a lã, o ar atmosférico etc... e os resultados
forneciam a “realização do real” sob diversas formas bio
lógicas, metereológicas etc...

Esta vagabundagem
mento galileano, quedolheinstrumento foi interior
designou, no detida pelo mo
da ciência
nascente, uma função nova, definida pela teoria científica
me sma. ' ,
Isto nos designa o duplo desprezo que não deve ser come
tido: declarar científico todo uso dos instrumentos, esque
cer o papel dos inst rumen tos na prática científica (Herbert,
1972: 31).

Postas estas colocações iniciais, resta dizer que este é um


prim eiro conju nto de questões e que se apresen ta como perti
nente apenas a partir da reivindicação de cientificidade da Psi
cologia, e à qual Canguilhem e Herbert, nos textos acima
mencionados, se.dedicam. Na realidade; mais do que copiar o
modelo de cientificidade da Física, da Química ou da Biologia,
espera-se que as Ciências Humanas desenvolvam algum tipo
de rigor próprio, adequado ao seu campo de investigação.
Um segundo conjunto diz respeito a uma Arqueologia e
a uma Genealogia dos saberes sobre o homem, seguindo as
indicações de Michel Foucault. Isto porque, mesmo do ponto

19
de vista de uma certa leitura epistemológicaj no caso aqui as
de Canguilhem e Thomas Herbert, não se trata de negar à
Psicologia, Juríd ica ou não, um a existên cia de fat o c u m a q ua l
quer eficácia. Trata-se, então, de. saber como e porque este
campo se constituiu, quais os seus procedimentos e de que
natureza é a sua eficácia. Não devemos nos esquecer que as
análises Genealógicas permitiram a Foucault identificar as prá
ticas jurídicas, ou judiciárias/como das mais importantes na
emergên cia da s formas mod ernas de subj etividade , e que a par tir
do século XIX, mais do que punir, buscar-se-á a reforma psi
cológica e a correção moral dos indivíduos (Foucault, 1979).
Este segundo conjunto de questões diz respeito, então, a tudo
aquil o que faz c om que a Psic ologia Juríd ica exista como prá 
tica em uma sociedade como a nossa, independentemente de
seu estatuto epistemológico. Corno nos ensinou Roberto Ma
chado, as análises arqueológicas e genealógicas não se norteiam
pelos mesmos princípios que a história epistemológica (M acha
do, 1982). -
No cáso específico da atuação dos psicólogos em V aras
de Família, de acordo com a pesquisa de Brito já mencionada,
e para continuar utilizando o mesmo fio condutor, constatou-
se o predomínio das atividades de perícia nos casos de separa
ções litigiosas, onde havia disputa .pela .guarda dos filhos.
Sabemos que a perícia tem sido um dos procedimentos
mais ut ilizado s na área jurídic a, tendo p or objetivo fornecer
subsídios para a tomada de uma decisão, dentro do que impõe
a'lei. Em.algumas áreas da justiça a perícia pode ser solicitada
para averiguação de periculosidade, das condições de discerni
me nto ou sanida.de m ental das partes em lit ígio ou em julgam ento.
Embora não possamos rigorosamente dizer de que se
trata quando nos referimos, como psicólogos, a categorias como
estas, pelo rrienos do ponto de vista de uma. ideologia jurídica,
algo da ordem do objeto está apontado. No caso de Varas de
Família, não se trata, pelo menos em princípio, de examinar

20
alguma periculosidadc, alguma ausência ou prejuízo da capa
cidade cie discernimento ou sanidade mental. Como pano de
fundo temos o casal em dissolução e em disputa pela guarda
dos filhos, cada um instruído no processo por seus respectivos
advogados. Sabemos que muitas das alegações para a guarda
dos filhos tem sido imputações de infidelidade, desvios de con

duta, usomenor
cônjuge dc drogas,
renda, doenças
trabalhar ou
foramesmo
de casaa ou
denão
possuir o outro
trabalhar,
ou ainda possuir menor escolaridade.
É sobre tais alegações, motivo da disputa, que trabalha«
rá o juiz, form ulando quesi tos a serem investi gados pelo perito,
q ue de certa forma comprovará ou não as alegações, formu
lando uma verdade sobre os sujeitos.
Como resultado da perícia uma das partes tenderá a ser
apontada como aquela que reúne as melhores condições para-^
a gu ard a dos f ilhos, já que tanto o pedido do j uiz como a lógi-
ca do processo se dirige e mesmo impõe esta direção. Enganamo-
nos todos ao acreditar que a verdade vem à luz e que se faz .
justiça nesse processo. O resultado pare ce ser, inevitavelm ente,
a fabricação dc um dos cônjuges como não-idôneo, moralmente
condenável ou, pelo menos, tem porariam ente menos habi litado. -
N ão se trata , evidentemente, de la nçar aqui um a dúvida'
generalizada sobre os diversos tipos de perícia e seus usos pela'
Justiça; também não se trata de negar o sofrimento ou levantar
suspeitas sobre a sinceridade com que os genitores formulam
suas
ção equeixas, embora,das
a formulação aquialegações,
e aü, os advogados orientem
conhecedores que asão
dire
dos
juizes e das regra s, e em bora, vez ou outra, as partes estejam
igualmente preocupadas com os filhos e o patrimônio.
Podemos não saber como resolver problemas tão difícil
como es te,4 podem os mesm o adm iti r que em certos c asos e e m

4 “C om o os pais se coloc am frente aos f il hos? e Co m o os filhos de coloca m


ccrtas circunstâncias um dos progenitores encontra-se em me
lhores condições para o exercício responsável da guarda dos
filhos, mas que não se reduza uma questão tão delicada como
esta aos seus meros aspectos gerenciais. Pelo menos, não em
nome das crian ça s. 5 ~ : ' ~
Seria sábio, neste momento, dar mais ouvidos ao filósofo,
que ao ad m inistrador: "O nd e, querem chegar os psicólogos,
fazendo o que fazem?” (Cangúilhem, 1972: 122).

A prá ti ca d os l au do s, parece res e relat óri os técnicos


Constata-se, no exercício profissional dos psicólogos no
âmbito judiciário, a predominância das atividades de confec
ções cle laudos, pareceres e relatórios, no pressuposto de que
cabe à Psicologia, neste contexto, uma atividade predominan
temente avaliativa e de subsídio aos magistrados.
Este pi'essuposto, embora defendido em textos clássicos
de Psicologia (Jacó-Vilela, 2000) e 1'egulamentado pela legisla
ção brasileira, tem causado mal-estar entre a nova geração de
psicólogos, que pre fe riria ter de si um a im agem menos com
prom etid a com a m anute nção da ord em social vigente, consi
derada injusta e excludente. Este mal-estar tem sido crescente,
possibilitado, dentre outras razões, pelo advento1de um a litera 
tura crítica, demonstrando que a questão da interseção da Psi

frente aos pais?” é a questão mais difícil e central, segundo Pierre Legendre
(1992), que todos os sistemas institucionais do planeta devem resolver histó
rica, política e juridicamente, pois é ai que o princípio da vida está ancora
do. O u sej a: com o o rdenar o poder genealógico? Q ua l a relaç ão entre o
Direito e a vida?
5 A C onv enção inter nacional dos Direitos da Criança, dc 1989, di spõe so bre
o direito da criança ser educada por pai e mãe. A este respeito ver: Brito,
1999.

22
cologia com o Direito não diz respeito apenas ao bo.m ou mau
uso da técnica, à habilidade ou não do perito.
(...) deve-se reconhecer que o psicólogo contemporâneo é,
na maioria das vezes, um prático profissional cuja “ciên-
-------;-------eia—é-totalmente-inspirada nas “leis” da adaptação a um
meio s oci oté cni co - e não a um m eio natural - o que con
fere sempre a estas operações de "medida” uma significa
ção de apreciação e um alcance de perícia. (Canguilhem,
1972 : 121) ■
Para Canguilhem, ao buscar objetividade, a Psicologia
transformou-se em instrum entalista, esquecendo-s e d e se sit uar
em relação às circunstâncias nas quais se constituiu.
Embora esta observação de Canguilhem se refira apenas
à Psicologia, ela pode ser estendida a outras áreas. Ao discor
rer sobre a modernidade, José Américo Pessanha afirma ser
uma de suas características a opção por um certo tipo de ra
zão, ou conhecimento científico, de natureza operante ou ins
trumental, capaz de dominar e modificar o meio físico. Menos
mal, talvez, se este tipo de racionalidade tivesse se limitado
apenas a certos usos e a certos propósitos, e não tivesse a pre
tensão de se constituir como único modo legítimo e verdadeiro
de leitura do mundo.
(...) quando o Ocidente, através de Descartes e de Bacon,
fez a escolha por uma forma de cientificidade e deixou de
lado tudo que fosse dotado de alguma ambivalência, dei
xou de lado também as chamadas idéias obscuras. Com
isso também deixou de lado tudo o que na condição hu
mana é ligada ao corpo, ao tempo, à história e à concretude
(Pe ssanha, 1993: 26). ■ ‘
N ão se trata de negar validade ao modelo das Ciências
da Natureza ou à Matemática, mas apenas de reconhecer que
as Ciências Humanas e Sociais não podem se reduzir ao dis
curso coagente da razão abstrata, pretendendo a produção de
verdades a-históricas e universais. O fechamento da razão a

23
dem aos vários setores da vida pessoal e social, levando Gastei
a fazer à Psiquiatria perg un ta similar à feita po r Ca nguilhe m à .
Psicologia: “Sem dúvida nâo é possível estabelecer limite para
essé progresso. Mas seria o mínimo ousar perguntar ‘quem te
fez rei? a quem te faz sujeito-submisso” (Gastei, 1978: 20).
Assim com o pa ra o louco ie pa ra o prisi oneiro, será n e
cessário encontrar uma nova forma de administrar os conflitos
familiares e támbém uma nova forma de assistência. No Anti
go Regime, em troca de seu grande poder, o chefe de família
devia zelar para que nenhum de seus membros perturbasse a
ordem pública. Este mecanismo de controle se tornará insufici
ente e inadequado em função do aumento crescente do núme
ro de pessoas “desgarradas” ou que “escapavam” ao controle
das famílias como os pobres, os vagabundos, os viciosos e a
infancia abandonada, levando os novos filantropos a uma crí
tica feroz do arbítrio familiar e dos procedimentos da antiga
caridade. Estes filantropos lutavam por uma nova racionalidade
na assistência e principalmente para que a ajuda dada à famí
lia favorecesse sua promoção e não sua dependência. Neste
contexto, multiplicaram-se as leis sobre o abandono, maus tra
tos, trabalho e mortalidade infantil, surgindo novos profissio
nais dedicadas ao campo social: os chamados “técnicos” ou
“trabalhadores sociais”. A partir;de então, para compreender
mos o que Jacques Donzelot chama de “complexo tutelar”,
torna-se necessário entender as formas de agenciamento entre
as suas principais instâncias: o judiciário, o psiquiátrico e o
educacional (Don 2 elot, 1980).
Mas todas estas práticas riao incidem, como nos ensina
Michel Foucault, sobre universal como “doente mental”, “de
linqüente”, “carente” que lhes seriam exteriores, senão que esses
“universais” ou “essências”, são iaquilo mesmo que se produz

vida social, ao postular as degenerescências como desvios em relação ao tipo


normal da humanidade, transmitidos por hereditariedade.

26
nestas práticas. Recusar estas categorias como sendo “natureza
humana” significa, ao mesmo tempo, reconhecer, nas práticas
sociais concretas, a formação de um campo de experiência onde
processos de subjetivação/objetivação têm lugar. Significa tam 
bém reconhecer o papel que trabalhadores sociais, técnicos e
peritos desem penham neste campo de poder-saber.

D os c on fl itos e do
Até aqui a discussão serviu apenas para estabelecer que
as questões de definição, de sentido e de eficácia de uma ciên
cia não são questões menores, como também não dizem res
peito apenas à Psicologia. No entanto, mencionam os também
um certo mal-estar entre os psicólogos brasileiros, insatisfeitos
com certas demandas e constrangimentos a que, muitas vezes,
são submetidos. Neste sentido, o campo denominado de Psico-
logia Jurídica é particularmente tenso e contraditório.
Deveria fazer parte do ensino levar os alunos, a compreen
derem a qualidáde do po der que a ‘especi aliz ação5 lhes
confere: encerrar no inferno da Febem um jovem, negar
uma adoção ou facilitar a guarda de crianças, afastar filhos
de pais, lançar uma criança na carreira, sem esperança,
das cla sses esp eciai s, co ntribu ir pa ra a morte civil da crian

ça ou jovem contraventor (Leser de Mello, 1999: 149).


Recentemente no Brasil, na transição da ditadura mili
tar para o regime democrático, grupos organizados da socieda
de, descontentes com situações como as descritas acima, se
organizaram para introduzir na Constituição de 1988 disposi
tivos que assegurassem o respeito aos direitos humanos e de
cida dan ia dos grupos que tradicionalmente se encon travam sob
tutela, como as crianças e os loucos, por exemplo (Arantes e
Motta, 1990). Em que pesem modificações pontuais aqui e ali,
ou mesmo experiências mais ousadas em alguns estados ou
um modelo pretensamente único e absoluto não traz, como
conseqüência, o enriquecimento do pensamento mas o
irracionalismo e a intolerância à diferença. Nas palavras dc
Pessanha (1993: 31):
Trata-se é de negar a matematização daquilo que ríao é
matematizável, de negar a desumanização daquilo que
precisa
mensão se manterdaquilo
temporal humanizado, negarsera compreendido
que só pode extração da di
temporalmente. Tra.ta-se, portanto, de preservar a tempo
ralidade do tempo, a humanidade do homem, a concretude
do concreto.
Como se vê, não é apenas da Psicologia que se trata,
mas dc uma problemática que envolve as chamadas Ciências
Humanas e Sociais. Robert Castcl, ao analisar a questão mo
derna da loucura, mostra que o sucesso da Medicina Mental
na França se deu por prover um novo tipo de gestão técnica
dos antagonismos sociais, podendo a Psiquiatria, neste sentido,
ser considerada uma Ciência Política, porque respondeu a um
problem a de governo. Ao fazê-lo, no entanto , reduziu a loucu
ra às condições de sua administração.
E portanto essa constituição de um administrável (poderí
amos dizer com mais ousadia de um ‘administrativável’)
que se trata de revelar: administrar a loucura no sentido
de reduzir ativamente toda a sua realidade às condições de
sua gestão em um quadro técnico (Castel, 1978: 19).
No Antigo Regim e, a responsabilidade pela in ternação
dos indivíduos considerados insanos era compartilhada pelo
poder judiciário e executivo. As portas da Revolução Francesa,
qualificado o poder real como arbitrário e abolidas as lettres
d e c a c h e t ; ou ordenações do rei, como justificar o grande nú

mero de pessoas seqüestradas que, apesar de tudo, não se que


ria libertar? Era importante para a nova ordem solucionar este
impasse, já que não se podia ignorar o ordenamento jurídico
que disci plinava a m ed id ade priva çãp_dc_liberdade. -Ao-p ostu--

24
larem a minoridade do louco e A Le t t u e -d e -Cac h e t “não era uma lei ou um de
creto, mas uma ordem do rei que concernia a
o seu isolamento corno medida uma pessoa, individualmente, obrigaudo-a a fa
terapêutica necessária ao con zer alguma coisa. Podia-se até mesmo obrigar
alguém a sc casar peia leltre-de-cacheí.Na maioria
trole de sua pcriculosidade, os das vezes, porém, cia era um instrumento de pu
alienistas ofereceram uma jus nição. Podia-se exilar alguém pela lellre-de-cachet,
privá-lo de alguma função, prendê-lo etc. Ela cra
tificativa médica à sua repres um dos grandes instrumentos dc poder da mo
narquia absoluta” francesa (Foucault, 1979: 76).
são. Mas não eram os loucos Por outro lado, ainda segundo Fouçault , as Uures-
de-cacheteram solicitações diversas dos próprios
os únicos que colocavam pro súditos: maridos ultrajados, pais de família des
blem as de governo, após a abo contentes com o comportamento de um de seus
membros, seja por vadiagem, bebedeira, prosti-'
lição das lettres de cachetyuma ve 2
que estas serviam tarito para sancionar as condutas considera
das imorais como as consideradas perigosas. No entanto, antes
de se colocar como fator indispensável ao funcionamento do
aparelho judiciário e de estender-se em direção a outros gru
pos, a M ed icina necessitou primeiro legitimar-se como um poder
face
ação àmédica
Justiça.se dará
Em inicialmente
relação ao prisi oneiro,
visando p or exemp
à execução lo, a atu
da pena,
e só mais tarde se dedicará à avaliação da responsabilidade do
criminoso (Castel, 1978: 38).
Neste m om ento posterior, ao desfazer-se a rígid a sepa
ração entre o normal e o patológico sobre a qual repousavam
as internações dos alienados, desfazimento iniciado pelas
teorizações dè Esquirol sobre as monomanias6 e as de Morei
sobre as dege nere scên cias,7 as atividades de perícia s e esten-

ü De acordo com a máxima dos primeiros alienistas d e que “não existe lou
cura sem delírio”, surge a dificuldade de se caracterizar a alienação mental,
para efeitos de dcsresponsabílização jurídica,, nos casos em que nao se ob
serv am a presença de delí rio s nos indivíduos que com eteram crimc o u infra
ção penal. Em contraposição às manias, Esquirol postulou ás monomanias,
ou loucura sem delírio, ampliando a noção de alienação mental. A mono
mania é como um delírio parcial, que não subverte inteiramente a faculda
de da razão o.u do entendimento (Ver Gastei, 1978:_164^165).. _____________-

7 Com M orei ampli am-se as possi bili dades de i ntervenção d a med icina na

25
municípios, a promessa de uma vida melhor para todos ainda
não se concretizou. Continua a prática de atribuir a determi
nados grupos, particularmente os jovens pobres das periferias
urbanas, características negativas como perigoso, marginal, in
frator, deficiente, preguiçoso, como se tais atributos constituís
sem a sua própria natureza. A Reform a Psiquiát rica, p or ou tro
lado, embora avance, se vê, às voltas com a difícil questão da
inclusão social dos ex-pacientes, álém de divergências internas
ao próprio movimento.
Como profissionais que atuam no campo social, os psi
cólogos têm sido chamados, cada vez mais, a refletirem sobre o
papel estraté gico que desem penham neste s processos de
objetivação/subjetivação, a próblematizarem as demandas que
lhes são feitas e a colocarem em análise a sua condição de
especialista.

Do tr at am ento que é pena


. Es tuda ndo as;internaç ões psiquiátricas de crianças e ado
lescentes do sexo masculino, realizadas atrayés de Mandado
Judicial, no período 1994-1997 e comparando-as com os de
mais pacientes do mesmo sexo, encaminhados por familiares
oü pélòpróprio serviço de saúde, Ana L. S. Bentes constatou
estarem aquelas internações em crescimento, passando de 7%
em 1994 para 33% em 1997 na unidade hospitalar na qual
traba lha, n o Rio de Jan eiro . U m a vez verif icado que o s diag
nósticos das crianças e adolescentes internados por Mandado
Judicial não correspondiam aos critérios psiquiátricos adotados
pela unidad e, pergunta porque, mesmo após a vigência do
Estatuto da Criança e do Adolescente e do Movimento Nacio
nal da Luta Antimanicomial e da Reforma Psiquiátrica, conti
nuam acontecendo as internações compulsórias de crianças e
adolescentes?

28
Algumas das características destas internações tem sido:
1) a com pulsoriedade;' não se pod end o recusar a internação
sob pena de desacato à autoridade; 2) o predomínio dc qua
dros não psicóticos; 3) a estipulação de prazos para a internação,
a despeito do que pensa a equipe médica que recebeu a crian
ça ou o adolescente; 4) a caracterização do tratamento como

pena,
anças eno caso de adolescentes
adolescentes emfortemente
apresentando-se conflito com a lei; com
medicados 5) as cri
psicofárm acos, no ato da in tern ação; .6) pre se nça de escolta
du ran te o períod o da internação ; 7) temp o méd io- de internaçã o
superior aos dos demai s internos adm itidos po r outros proced i
mentos; 8) desconhecimento, pela equipe técnica, dos proces
sos judiciais referentes aos adolescentes em conflito com a lei.
Dadas estas especificidades, o adolescente internado por
esta via judicial tende a não ser considerado paciente “legíti
mo” pela equipe médica, pois esta não pode opinar sobre a
indicação de internação
entre o Código de Ética nem sobre
Médica e oaPenal.
alta, sentindo-se acuada
Estabelece-se então
uma distinção entre “nossos” adolescentes (da equipe) e adoles
centes do “juiz”, sendo estes considerados desobedientes, sem
limites e agressivos. Além do mais, éxiste o medo de que as
crianças e adolescentes do “juiz” possam trazer “riscos” para
as outras. A alternativa de sep arar essas duas client elas em pátios
ou alas distintas do hospital equivaleria a instituir, na prática,
uma espécie dc manicômio judiciário para crianças e adoles
centes.
Procedend o a um detalhamen to ma ior da cl ientela, Bent es
constatou que do total de crianças e adolescentes encaminha
dos judicialmente, 60% não foram diagnosticados como
“psicóticos”; 42, 9% dos que receberam diagnóstico de “dis
túrbi os do com portam ento” eram adol esc ent es em conf lito com
a lei, encam inhado s por juizes da C om arca da Cap ital ; e que a
maior média de tempo de internação (55, 6 dias) foi em decor
rência dc encaminhamentos feitos por juizes do interior do
Estado. Outros diagnósticos neste grupo foram dependência
de drogas, epilepsia, distúrbios de emoções na infancia e ado
lescência, transtorno da personalidade.-
Da entrevista realizada por Bentes com um dos juizes,
— onde-buscou-esola reeim ento ssobre-osencam in ham ento s-ju di---------
ciais, destaco alguns trechos, indicativos do conflito aqui anali-

. , sado: As Medidas Socioeducativas são impositivas não só para o


.menino com o tamb ém p ar a o local cm que el e va i cumpri-
la. (...) Esta é um a questão essencial (.. ,) se a M edid a médica
for uma Pena, que nós chamamos de Medida Socioeduca-
tiva, ela s e torn a imposiriva pa ra todo m undo: p ar a o Juiz,
p ara a família, para o M inistério Pú blico, para a Defesa,
' p ar a o m édico, pa ra o próprio garoto, pa ra a equipe técni
ca do H ospital, en fim ... A gente sabe, po r exemplo,
que para tratar de drogas a OMS, o Conselho'(...) dizem
que tem de ter a adesão voluntária da parte, mas no caso
de adolescente em conflito, com a Lei, é uma Medida, é
con tra a von tade de todo ,m undo , con tra esta- P o rta ria ,"
contra a Convenção, contra a recomendação, contra a fa
mília, contra o técnico. A medida não é, vamos dizer as
sim, um a coisa voltada pa ra 'a Proteção; é um a P en a (Bentes,
1999: 128-138).

Não se trata aqui apenas de conflito entre Judic iá rio e


Medicina mas também de interpretações conflitantes da pró
pria legislação, um a vez que outros operadores do Direito, como
veremos mais adiante, não concordam em considerar o trata
mento como pena; nem creio estariam dispostos a ignorar re
comendações da O M S, ou considerar qu e no Br asil a idade da
responsabilidade penal foi reduzida para 12 anos a partir da
vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente, como no
exemplo abaixo. De qualquer modo, se estas interpretações
puderam ser apre senta das à pesquisadora é porque repre sen
tam uma das correntes de pensamento existentes no mundo
ju ríd ic o.

30
De 1990 pa ra cá, a imp utabilidade está em 12 anos. Qu and o
as pessoas dizem assim: - “Eu sou a favor de redu zir (a
impu tabil idade) pa ra 16 anos” - na verdade, não est ão
reduzindo e sim aumentando de. 12 para 16 (Bentes, 1999:
136-137).
Assim como encontramos interpretação de que a impu

tabilidade
consideramestá
queem 12 anos, socioeducativa”
a “medida encontramos também aqueles
é apenas que
um eufe
mismo para “pena” e a “medida de internação” um eufemis-'
mo para “prisão”, sendo a diferença entre o adulto e o
adolescente apenas-o local onde cumprirá a “pena”: prisão de
“maior” para adultos e prisão de “menor” para adolescentes.
Co m o agravan te que, m uitas vezes, a “med ida sócio -educa tiva ”
aplicada ao adolescente é uma “pena” maior do que a que
receberia se fosse adulto. Devemos nos lembrar que esta foi
um a das críticas mai s con tundentes fei tas ao Código de M en o
res: a de que infligia à criança e ao adolescente “carente”, pela
imposição de sua internação, em instituição total, uma “pena”
de privação de liberdade freqüentemente maior do que rece
beria um adulto que com etesse um crime. Contradiç ão do
Direito, portanto, e ao que parece, insiste em se perpetuar.
Acredito que alguns destes conflitos e divergências pode
riam ser res olvidos, ou pelo m enos m inimizados, caso fosse dada
maior atenção à política de atendimento. Freqüentemente o
executivo municipal e o estadual são objetos de críticas por
não assegurarem condi ções pa ra o :cum prime nto de dire itos
constitucionais básicos. Muitas vezes, feito um diagnóstico ou
detectado um problema, não há como dar encaminhamento
ao caso. Alguns juizes reclamam que enviam os adolescentes
para a in ternação apenas por falta de alternativas para a exe
cução das medidas sócio-educativas. Esta insuficiências das
políticas tem sido um dos motivos para constantes desentendi
mentos entre escolas, serviços de saúde, famílias, Conselhos
Tutelares e Justiça da Infância e Juventude. Detectado que a

31
criança encón tra-se fora da escola, po r exemplo, o C T a enca
minha a uma das escolas da região què, muitas vezes, alega
não poder receber a criança por falta de vaga, o mesmo po
dendo acontecer com o sistema de saúde ou com os abrigos.
Mas nem sempre os conflitos se devem à precariedade
das condições do atendimento. A escola pode não querer ma
tricular a criança, não por falta áe vaga, mas porque ela é vista
como “da rua”, “infratora” ou :‘deficiente”, fugindo do padrão
de normalidade desejado. Neste caso, a escola alega que não é
sua função óu que não tem os meios para lidar com aquela
criança. Ou seja, não crê que o “problema’5da criança pode
ou deve ser enfrentado pedagogicamente, preferindo encaminhá-
la ao juiz, ao Conselho Tutelar ou ao sistema de saúde, resul
tando muitas vezes no que Maria Aparecida Affonso Moysés
chamou de “medicalização da aprendizagem”, ao estudar cri
anças que só não aprendiam na escola. (Moysés, 2001)
Configura-se assim, no campo social, uma situação mui
tas. vezes complexa e confusa, onde pobreza, abandono e vio
lência’se misturam à ausência ou precariedade dás políticas
públicas, às desconfianças, medos, omissões e acusações m útu
as. Não é, certamente, o melhor dos mundos.

Da justi ça q ue é t erapê uti ca


Segundo estatísticas oficiais, o número de atos infracionais
praticados por adolescentes.no Rio de Janeiro cresceu de 2.675
em 1991 para 6.0Ò4 em 1998. Grande parte desses adolescen
tes foram acusados de infrações análogas aos crimes previstos
na Lei de Entorpecen tes (6.36 8//7 6): de 204 infrações em 1991
. para 3.211 em 1998 (Arantes, 2000).
Os adolescentes apreendidos pela polícia e levados à
presença do J uiz da Infância e Ju ventu de têm recebido m edi
das judiciais, de n atu rez a socioeducativa, con sideradas severas:

32
no ano de 1999, do total dc 11.256 adolescentes que cumpri
ram medidas no Departamento de Açõés Socioeducativas da
Secretaria de Estado e Justiça do Rio de Janeiro (DEGASE),
■40, 6% eram internações provisórias; 26, 07% medidas de semi-
liberdad e; 14, 8% internáçõe s com sen tenç a judicia l e 9, 71%
liberdade assistida, totalizando 91, 18% dos casos —o que sig

nifica
tambémqueprevistas
menos na
dc Legislação
10% receberam medidas mais
e consideradas mais brandas,
adequa
das ao adolesc ente, com o a medid a1:de pr esta ção dc serviço à
comunidade, por exemplo. Além do DEGASE, muitos adoles
centes cumprem medidas em Programas oferecidos pela pró
pria Justiça da Infância e Ju ventu de.
Em bo ra o Rio dc Jan eiro respo ndesse po r 12, 98% do
total de adolescentes privados de liberdade cm todo o país em
30/06/1997, vindo logo abaixo de São Paulo com 44, 87%£*
respondia, no ehtanto, pelo maior percentual de adolescentes
internados por infrações relacionadas à Lei de Entorpecentes:-
42, 07% (Volpi, 1998: 68-83). Para termos uma idéia do que*
estes núm eros significam, o R elatório do Ju iz de M enores Saul
de Gusmão, de 1941, mostra um crescimento de 127 atos
infracionais em 1924 pa ra 248 em 1941 no Rio de Jan eiro'/
sendo que nenhuma criança ou adolescente foi acusado dc
envolvimento com drogas. As infrações apontadas são delitos
de sangue, de furto, roubo e sexuais (Cruz Neto et al., 2001:
58).

No livro
est atísticas Delinqüência
d o Juiz ado de Mjuvenil
en or esna/RGuanabara são apresentadas
J do período 1960 a 1971
(Cavalieri et al., 1973). Nestes registros, verifica-se o início das
apreensões por drogas, embora os números sejam de magnitu
de múito. inferior aos atuais: 14 em 1960, do total de 666 atos
infracionais e 192 em 1971, do total de 1.253 atos infracionais.
Esclarece o Juiz de Menores Alyrio Cavallieri, em seu livro
Direito do Menor, que estes números se referem ao uso e não
à venda de drogas, pois, em suas palavras “raramente o menor

33
é traficante” (Cavallieri, 1976: 137). Neste período até o ano
de 1995, o s ma iores pe rcen tuais de atos infr acionais s ão relat i
vos ao patrimônio: 2.016 casos em 2.624 no ano de 1991, sen
do drogas apenas 204 deste total.
_______ Esta_situação_difer enciada-par a-o-Rio- de Jan eiro-foi-o b—
jeto de estudos e de intensos, debates realizados nas univ ersida
des, na Comissão de Direitos Humanos da Assembléia
Legislativa e no Conselho Estadual de Defesa da Criança e do
Adolescente, ocasiões em que se indagavam sobre os motivos
que estariam propiciando esta situação:
Mudou a realidade e aumentou a criminalidade ou a mu
da nç a é apen as o resultado de u m a filosofia mais repr essora
e policialesca? Ou seria fruto de aumento de operosidade
da Ju stiça , do M inistério Público e da Polí cia? ( Relatór io:
s/d).
Muitos destes adolescentes, quando apreendidos pela
prim eir a vez, dem onstram espera nça de que a passagem pelo
sist ema socioed ucativo possa ajudá-lo s, constit uindo-se em o po r
tunidade pa ra o rei ngre sso na escola e preparo pa ra o trabalho
- esperança q ue ac aba quase sempr e em fr ust raçã o, tomando-
se por base o percentual significativo de reincidências. Muitas
vezes sem possibilidade de voltar para casa ou para a comuni
dade de srcem, após a apreensão, evadido ou expulso da esco
la, sem trabalho e sem perspectivas de um fúturo melhor, este
adolesce nte pe ram bu la pei as ruas , fur tando p ara viv er ou per
manecendo com a venda da droga, até ser novamente apreen
dido ou morto em algum cgnfronto com a polícia ou grupo
rival. São estes jovens as maiores vítimas da chamada violência
urbana. ,
Segu ndo a Síntes e de Indicadores Soci ais do IBGE /2000,
relativa aos anos de 1992 e 1999, observa-se, a partir dos anos
80, o peso crescente das causas externas sobre a estrutura da
m ortali dade p or idade, afetando principal mente os a doles cen
tes e jovens brasileiros do sexo masculino na faixa etária entre
15 c 19 anos. Estes índices chegam a quase 70% em muitos
dos Estados brasileiros.
• Em v ários fórun s d e defesa dos direitos das crianças e
dos adolescentes, onde estas questões são debatidas, pergunta-
-gp-ppln. “acerto” e pela “justiça” destas apreensões e encami-
nh am ento s. Qu estiona-se se não estaria havendo rigor ex cessivo
ná aplicação das medidas socioeducativas e a própria adequa
ção do rótulo de traficante dado a alguns destes adolescentes,
que muitas vezes vendem pequenas quantidades de drogas
apenas para sustentar seu próprio consumo ou como forma de
subsistência. Questiona-se também a adesão do Brasil a um
política antidro gas norte-am ericana, favorável à cham ada “to
lerância zero”, e o papel que os .psicólogos são chamados a
exercerem nesta nova modalidade de “pena-tratamento”, pro
cedimento polêmico d enom inado Justiça Terapêu tica e impo r
tado das Dmg Courts dos Esta dos U nidos da A mcrica.’ 1O próprio
Conselho Federal de Psicologia tem se manifestado neste sen
tido, conclamando os psicólogos a discutirem melhor o assun
to, preocup ados em que não exerçam atividade s que contrari em
o Código de Ética dos Psicólogos.
Em art igo ded icado a pensar a Justiça Terapê utica,
Damiana de Oliveira faz importantes considerações a respeito
do papel q ue o psicól ogo é cham ado a desempenhar nesta m o
dalidade de Justiça, a partir de um dos programas existentes
para adolescentes no Rio de Janeiro (Oliveira, s/d ). Como foi
dito, a J T se baseia no modelo norte-am ericano dos Tribunais
para D ependente s Quím icos (Cortes de Drogas), e oferece ao
adolescente que for apreendido portando drogas para uso pes
soal, depois de avaliado e considerado elegível, a opção de tra
tamento, ao invés de receber uma Medida Socioeducativa e/
ou Medida Protetiva prevista no Estatuto da Criança e do Ado-

BPara um a ap resenta ção favorável à Justiça T erapêu tica, v er: Fernandes, s/d .
lescentc. A inclusão neste Programa deve ser voluntária e im
plica, dentre outras coisas, o adolescente concord ar em ser sub
metido a testagem de urina periódicas e aleatórias, uma vez
que o Programa prega abstinência total de drogas ilícitas e de
bebidas- alcoólicas. Oliveira aponta aí um primeiro conjunto
de dificuldades para o psicólogo: a de concordar com o caráter
compulsório do tratamento e com a testagem de urina, além
de que "usar ou não drogas” passa a ser o centro do acompa
nhamento psicológico, podendo o adolescente receber sanções
por descum prir. as regras do Programa. Este tipo de questão
leva freqüentemente os psicólogos a terem dilemas éticos e a se
perg unta rem “Quem são os clientes da Psicologia?” e “Quais
são os limites da atuação do psicólogo?”.
Falando a futuros juizes e defensores em “A Psicanálise
c a determinação dos fatos nos processos jurídicos”, Freud aponta
uma diferença
pessoa fundamental
acusada entre'esta,
pela Ju stiça: o paciente
no casoda do
Psicanálise ea
cometimento de
um delito, tem a intenção de o cultar o segr edo d a Jus tiça; já o
neurótico não conhece o segredo; que está oculto para ele
mesmo . No caso do neurótico, el e ajuda a com bater a sua pró 
pria resistência, porq ue espera curar-se com o trata m ento en
quanto que o r éu não tem porque co operar com a justiça
revelando o seu, delito; se o fizer, estará.trabalhando contra ele
mesmo. Al ém do mais, pa ra os procedimentos da Ju stiça, basta
que os seus operadores obtenham uma convicção objetiva dos
fatos, independentemente do que pensa o acusado; o mesmo
não se dá com o tratam ento psicanal ítico, onde o pac iente ta m 
bém necessita adquirir esta mesm a convicção. Lembra-os, fi
nalmente, da existência de normas que impedem que o réu se
submeta a intervenções psicológicas sem ter sido alertado de
que poderá denunciar-se através desta intervenção.
Além, destas, outras perguntas têm sido feitas em rela
ção aos Programas da J T para adol esce ntes, en tre as qu ais:
uma vez que os tratamentos médico e psicológico já são previs

36
•V:. :vT

tos no Estatuto da Criança e do Adolescente como Medidas


Prot eti vas, po rq u ê 'à existênc ia da Justiça Te rapêutica no âm
bito da Justiça da Infância e Juventu de? No caso de um adoles
cente que nunca praticou qualquer outro ato infradonal a não
ser o usó eventual de drogas, por quanto tempo será mantido
em tratamento? E o critério “tolerância;zero” condição de alta
m édica ou psicológica? Neste cas o, a Jus tiça T era pê ud ca teri a
como um de seus pressupostos a “criminalização” do atendi
mento médico e psicológico? (Batista, mimeo, s/d)
Dentre os pontos polêmicos de um dos Programas exis
tentes9 destaco os artigos 6 e 7, que trazem dificuldades especí
ficas para a atuaç ão do psicólogo, como, por exemplo, o aumen to
na freqüência de sessões de tratamento individual ou familiar c
as entrevistas compulsórias, definidas como medidas punitivas
por ter o adolescente descumprido alguma re gra do Programa.

Artigo 6o - Dos pa rticipantes do Pr ogr am a, exige-se:


I- Não usar ou possu ir drogas ilícitas e beb idas alcoólicas e, se
for exigido pela unidade de tratamento conveniada, não fu
mar tabaco nas sessões ou conforme a orientação desta uni
dade.
II — Com par ece r a t od as a s sessões dc tra ta mento d eter mina das
II I - Ser pontual.
IV ,- ' .Nã o faze r ameaças aos participantes , à equipe do program a
ou da unidade de tratamento, bem como não comportar-se
de modo violento.
V- Vest ir- se aprop riadam ente par a as sessões dc tratamento e
audiências no Juizado.
VI — Cooperar com a. realização do s te stes d e dr og as.

® Pel a Ordem de Ser vi ço N° 0 2 /0 1 , datada de 27 de junh o de 2001 , f oi


criado o Programa Especial para Usuários de Drogas (PROUD), no âmbito
de comp etcncia da 2a VI J, Comarca da Cap ital /RJ, de acordo com as nor
mas gerais previstas no Provimento N° 20/2001, da Corregedoria-Geral de
Justiça.

37
VII — Co operar pára a obt enção d e informaçõe s nece ssárias à ava
liação inicial e seqüencial de seu caso.
V III — Os pais ou res pons ávei s deverã o com parecer à s aud iên cia s
no Juizado e às sessões de tratamento recomendadas.
IX - Co m parece r e dem onstrar desempenho sat isfatór io na esco
la, estágios profissionalizantes e laborativos. '
X - Agir de acord o com as normas esp ecíficas da unidad e de
tratamento para a qual foi feito o encaminhamento”.
Artigo 7° — As sanções previstas para a falha injustificada no cum
prim ento das norm as ;do Program a são as segu in
tes:
I - . A dvertência verbal.
II — Retirada de privilégios ( válida para os casos d e al gu m ado
lescente que esteja, por exemplo, em programa de recebi
mento de cesta básica, lazer, etc.)
III - A um ento na freqüência de sessões de tratam ento indivi dual
ou familiar.
IV — Regr es sã o na fa se de t rat amento e co ns eqü en te maio r tempo
de permanência no Programa.
V — : Co m parecim ento a pal est ras e . sessões edu cat ivas sobr e uso
indevido de drogas ou outros temas considerados úteis pela
equipe de acompanhamento.
VI — M aior fre qüência na r eal izaçã o de testes de d rogas.
VII — In te rn açã o te mpor ár ia.
V III - Entrevist as comp ulsórias com 'médic os, ps icólo gos ou inte
grantes de grupos de auto-ajuda.
IX — Restr içõe s às at ivi dades de íazer, ’inclusive nos finai s de s e
m ana. ’
X— Pres ta ção de serviços na comuni dade o u na sua própr ia casa,
de acordo com o entendim ento do Juiz.
XI — Limit ação de horár io de s aída cia residência.
X II — Excl usã o do Program a e retom ad ad o pr oce sso inicial.

Diante de tais regras podemos nos perguntar o que fez o


adolescente para merecer tamanha penalidade? E esta uma
resposta adequada à experimentação do adolescente? Por que
o envolvimento com drogas está se tornando, atualmente, o

38
responsável por grande parte do contingente dos hospitais psi
quiátricos, manicômios judiciários, internatos^e prisões? Nao se
trata aqui de negar o sofrimento de pessoas e de famílias
destruídas pela dependência química -e pelo uso abusivo de
droga s. No entanto, trata-s e de perg untar, com o faz Lu iz Edu ar
do Soares: Por.que circunscrever o uso,de drogas ao campo da
ilegalidade? Baseado em quais critérios certas drogas são con
sideradas lícitas e outras ilícitas? Por que difundir a idéia de
que ingerir substâncias psicoativas significa consumí-las em
excesso? (Soares, 1993).
Perguntado se achava possível ou mesmo desejável a
existência de um a .-cultura sem limites e repressões, F ouc ault
respondeu que o importante não era a existência de restrições
e sim a possibilidade oferecida, às pessoas a quem afeta, de
modificá-las (Foucault, 2000b: 26).
A juiza M aria Lúcia K aram , contrári a aos pr ocedimen
tos d a Ju stiça Te rapê utica , advoga a s.ua inconsti tucionali dade.
Dada a importância da argumentação para o tema tratado,
perm ita o leito r um a longa citação.
Embora reconhecendo a ausência de culpabilidade e, as
sim, a inexistência de crime nas condutas daqueles que sc
revelam inimputáveis, o ordenamento jurídico-penal bra
sileiro, paradoxalmente, insiste em alcançá-los, ao impor,
como conseqüência da realização da conduta penalmente
ilícita, as chamadas medidas de segurança, com base em
- um a aleg ada “periculos idade” atri buída a se us inc ulpáv eis
autores.
Aqui, indevidamente, se abre: o espaço para manifestação
da aliança en tre o d ireit o pe nal e a psiquiatria, respons ável
' ■ por trágicas pá gina s da história do sistem a pena l.(...)
N a re alidad e, as med idas de se gura nça para inim putáveis,
consistindo, como prevêem as mencionadas regras dos ar
tigos 96 a 99 do Código Penal e do artigo 29 da Lei 6.368/
76, na sujeição obrigatória e por tempo indeterminado a
tratamento médico (ambulatorial oú mediante internação),
não passam de formas mal disfarçadas de pena, sua in

39
compatibilidade com a Constituição Federal, por manifes
ta vulncraçâo do princípio da culpabilidade é,. conseqüen
temente, por manifesta vulneração da própria norma
constitucional, que aponta a dignidade da pessoa humana
como um dos fundamentos da República Federativa do
Brasil, decerto, havendo de ser afirmada.
Mas, este inconstitucional tratamento obrigatório já vem
sendo aplicado até mesmò para aqueles que têm íntegra
sua capacidade psíquica, nas tentativas,' diretamente veicu
ladas pelos Estados Unidos da América,- de transportar,
para o Brasil, as ch am ad as drug court, que, aqui, se preten
de sejam adotadas, com a tradução literal de “tribunais de
drogas”, ou sob a denominação de “justiça terapêutica”,
esta última explicitando a retomada daquela' nefasta alian
ça entre o direito penal e a psiquiatria. (...)
Assim, estende-sc o tratamento médico a imputáveis, o que
já contraria as pró prias leis pen ais ordinárias vigentes. As
sim, amplia-se o alcance do sistema penal, com a imposi
ção de verdadeiras penas, negociadas ao preço da quebra
de diversas garantias do réu, derivadas da cláusula funda
mental do devido processo legal, constitucionalmente con
sagrado. (...)
Esta importação das drug court chega, ainda, ao âmbito dos
juizad os da infancia e juventu de. Ali tam bém, pretende-se
violar a liberdade individual, a intimidade e a vida privada
de adolescentes, através da imposição de um tratamento
médico obrigatório, sem que sequer seja externado trans
torno mental que, teoricamente, o pudesse aconselhar. (...).
(Karam, 2002: 210-224).
Não foram por outros motivos que o Grupo de T raba
lho “Justiça Te rapê utica”, coorden ado pelo Conselho Reg io
nal de Psicologia 03 e que contou com a participação de
representantes de diversos outros CRPs, recomendou uma dis-
•cussão nacional sobre o problema das drogas. Embora ajusti-
ça Terapêutica não aconteça em todo o país, diversos outros

. serviços, mesmo sem utilizar esta. denominação, estão operan-

40
do sob a m esm a lógi ca, o que justifi ca a disc ussã o n acional,
segundo o Relatório-deste GT.
A JT faz parte de um a política nacional de com bate às
drogas, ado tada pela SEN AD - Secret aria Nacional Anti-
drogas, cm parceria com a Embaixada Americana, país
que exporta este modelo. A SENAD, ao mesmo tempo que
apóia iniciàtivas de redução de danos (ao premiar a
REDUC), incentiva iniciativas do .tipo daJT (Relatório, CRP:
s/d).
O GT indi ca um a pos iç ão “con tr ária ao m odelo da JT e
a inserção do psicólogo baseado nos seguintes elementos inici
ais”, en tre os quais: a qu eb ra do sigilo profi ssional, já qu e dev e
o psi cól ogo p rodu zir prova q ue depõe con tra o pró prio suje it o;
quebra dos direitos individuais mínimos, posto que o sujeito
que op ta pela JT tem d e abrir m ão do dir eit o dè defe sa, t endo
de se confessar culpado, mesmo que usuário eventual; por en
tender que há uma diferença entre usuário eventual e depen
dente e por reafirmar o caráter voluntário do tratamento,
condição fundamental para sua eficácia; também por enten
der, co m o já fo i di to, ser necessária um a am pla dis cussã o sobre
a questão das drogas no Brasil.
Em 2002, pelas Portarias 336 e 189 do Ministério da
Saúde, foram criados, dentro dos parâmetros da Reforma Psi
quiátrica, os Centros de Atenção Psicossocial para atendimen
to de crianças e adolescentes (CAPSi) e para portadores de
transtornos em decorrência do uso e dependência de substân
cias psicoativas (CAPSad), trazendo esperança de que novas
mo dalidades de assi stênci a em saúde mental possam ter luga r.

Crit ican do a práti ca d os p si có logo s


Segundo Michel Foucault, em Vigiar e punir, conhecemos
já todos os inconvenientes e perigos que a prisão oferece e tam -

41
bém a sua in utilidade em relação a um a suposta re genera ção
dos prisioneiros, e, no entanto, as nossas sociedades não que
rem dela abrir mão. Sabemos também, pelo menos enquanto
a prisão não se propunha a regenerar ou tratar, que a prisão
nào-deveria-sérnadaalém-do^que"a'simples'privação_deiiber-
dade, mas não é o que acontece. É a este excesso, ao que ex
cede a pena, que Fo ucault chamo u o peni tenc iár io. O aparelho
penitenciá rio, local de cum prim ento da pena, é tam bém lugar
de uma “curiosa substituição”:
(...) das mãos da justiça ele recebe um c ondenado; m as
aquilo sobre que ele deve ser aplicado, não é a infração, é
claro, nem mesmo exatamente o infrator, mas um objeto
um pouco diferente e definido por variáveis que pelo me
nos n o início não foram ■levadas em co nta na sentença,
po is só eram pertin ente s ’para um a tecn olog ia co rretiva.
Esse outro personagem que o aparelho penitenciário colo-
« ca no l ug ar do infrator condenado, é o delinqüente.
O delinq üen te se disti ngue do infrator pel o fat o de não ser
tantocastigo
O seu ato
legalquan
se to sua vida
refere a umo que
ato; mais o caracteriza
a técnica punitiva a(...)
uma vida (..,) Por trás do.infrator a quem o inquérito dos
fatos pode atribuir a responsabilidade de um delito, reve
la-se o car áte r delinqüente cuja lent a formação transparece
na investigação biográfica: A introdução do “biográfico” é
importante na história da penàlidade (Foucault, 1977.: 223-
224).
A partir de sua atuação como psicólogo no sistema só-
cio-educa tivo do R io de Ja ne iro , Adil son Dias Ba stos dedicou-
se a pe nsa r com o se dá a construção deste “biográf ico” na p rática
técnica dos psi cólogos. Na reconstrução da histór ia de vida do s
sentenciados, incluindo adolescentes, este biográfico visa mos
trar como o indivíduo “já se parecia com seu delito antes mes
m o de o ter pr atica do ”: o pai é ause nte ... d iz que a mãe m orreu
no parto... estudou apenas até a 2a série... acha que como está
nesta vida não tem mais jeito... foi expulso da escola.'., pouco
sociável... disperso... impaciente... baixo grau de tolerância à
frustração... vive nas ruas e diz que é mendigo... diz que nas
ceu para ser ladrão... disse que conhece mais gente que está
presa do que gente em liberd ade...'tem um irmão- mais velho
que- j á-fo i-preso...-(B asto s,_2 0.02 115-119 ). ______ _______ ____
Segundo Bastos, esta produção técnica, que além de ser
um discurso de “verdade” e um discurso que no limite “faz
viver e deixa morrer”, é também ,um discurso que “faz rir”.
Exemplificando, cita laudos periciais colhidos por Isabelle No
gueira nos arqu ivos do M anicôm io Judiciário H eit or Carri lho,
situado no m unicípio do R io de Ja ne iro . No gueira s e dedi cou
a pesquisar os laudos de pessoas que haviam sido apreendidas
por motivos banais como brigas, xingameritos, vadiagem, pe
quenos furtos e desacato a autoridade (Nogueira, 2002). Veja
mos um pe qu en o trecho, de um dos exempl os, d o ano de 1924.
É elle portador de estygmas phisicos de degeneração bem
pronuncia dos (...) Nem mesm o lhe faltam as tatuagens,
estygma phys ico adq uirido . que, com freqüência aparecem
nos degenerados e nos delinqüentes. Vê-se, assim, no seu
. an te-b raç o direito, um pá ssaro com um a carta no bi co;
um vaso de planta e o nome de Idalina; no braço direito
várias estrellas, um cometa e algumas lettras; no braço es
querdo as iniciais AP; no peito, iniciais, um pássaro e a
expressão ‘Amo-te1(Bastos, 2002: 120; Nogueira, 2002: 99).
Dentre os discursos que “faz chorar” destaco o de um
grupo de médicos, membros da Escola Nina Rodrigues, estu
dado por Marisa Corrêa. Este grupo foi importante na consti
tuição da M edicina L egal no Bra sil, sendo um dos mai s atuantes
Leonídio Ribeiro, fundador do Instituto de Idendficação do
Rio de Ja ne iro e ganha dor do Prêm io Lombros o de 1933. É
dele a citação abaixo:
N a criança de um ano é, às vezes, possível já reconhecer o
futuro criminoso. É na primeira infanda, ou na puberda
de, qu e se revelam as primeira s tendências par a as at itud es

43
an ti-sociais, que se concretizam e agrav am progressivamente,
sob a influência geral do ambiente. Existem, na criança, os
cham ado s ‘sinais de ala rm e’ de tais predisposições e te n
dências ao crime, sina is que po dem ser .de n atu rez a
morfológica, funcional ou psíquica. Especialmente sobre
estes últimos é que devem estar vigilantes todas as mães,
sabiclo que as crianças perversas, rebeldes, violentas, im

pulsivas,
precisam indiferentes e desatentas
re cebcr cu idad são para
os especiais principalmen
nã o se. toternas
areque
m,
afin al, el ementos perigosos pa ra a sociedade (C orrêa , 1982:
60-61).
Em pesquisa sobre juventude e drogas, Vera Malaguti
Batista estudou a evolução, do problema no Rio de Janeiro, no
período 1968-1988, a'p artir de processos encontrados no ar
quivo do en tão Ju iza do de Me nore s (Bati sta, 1998). Além de
análise quantitativa, Batista analisou os conteúdos dos laudos e
pareceres das equipes técnicas form adas por assistentes sociais,
psiquiatras e médicos das Delegacias de Menores, da FUNABEM
e do Juizado de Menores, encontrados nos processos.
Pela análise de Batista é flagrante a construção de este
reótipos, a partir de olhares cientificistas e preconceituosos,
erigidos na virada do século XIX, e que ainda persistem na
prática de muitas equipes técnicas: o preconceito em relação às
favelas e bairros pobres (“o .local onde reside propicia seu en
volvimento com pessoas perniciosas à sua formação”); a atitu
de suspeita (“estava desempregado, perambulando em estado
de vadiagem pela Zona Sul quando sua residência se encontra
va na Zona Nòrte”); a criminalização do uso de drogas (“foi
detido cheirand o ben zina ”); a desquali fica ção familiar ( “pro ce
de de família desagregada”); serviços que não são considerados
trabalho (“está trabalhando em biscates, pois diz não ter paci
ência para aturar patrão; não está estudando nem trabalhan
do”); a hereditariedade (“o pai já fez tratamento nervoso”); os
dist úrbi os de con duta (“autuad o po r práticas anti -soci ais”). Ta l
caracterização leva sempre às.mesmas recomendações: resso-
cializar, reeducar,’recuperar, tratar, profissionalizar, remeten
do as faltas e as dificuldades dos adolescentes a eles mesmos ou
às suas famílias. No entanto, conclui Batista, mais do que “doen
ça mental”, os processos revelam histórias de miséria c exclu
são social. . ;;r
Aline Pereira Diniz, estudando uma amostra de 46 pa
receres psicológicos, no período de 1995 a. 1998, encontrados
nos proc essos de adolesc entes evadidos do sistema socioeducadvo
do Rio de Jan eiro enqu anto cum priam M edida Socioe ducat i-
va de Internação, e com M and ato de Busc a e Apreensão, c ons
tatou que a grande maioria pertencia ao sexo masculino, com
idades entre 15 e 17 anos e poucos anos de escolaridade. Em
sua maioria estes adolescentes foram acusados dc infrações
análogas aos crimes contra o patrimônio e análogas à Lei de
Entorpecentes. Dentre os motivos alegados pelos adolescentes
p ara as fugas, destaco a existência, na mesma unidade dc ate n
dimento, de adolescentes pertencentes a grupos ou facções ri
vais: “fugiu por lá ter encontrado o gerente da boca, que disse
que ele deveria pegar a carga”; “porque lá encontrou mem
bros do comando rival, que estão em guerra, então teve que
fugir de novo ” . Ou tros moti vos foram am eaças de est upro, por
sofrer agressões, por ter a roupa furtada; por medo de ser pu
nido ou encaminhado à Delegacia de Polícia por ter sido pego
fumandoDiniz
maconha
identi(Diniz,
fica doi2001: 50).de adolescentes, a pa rtir dos
s “tipos”
pareceres psicológicos: aquele que foi “levado” ao ato infracional
pelas circunstâncias ou pelas amizades e aquele que te ria o
“perfil” de infrator, facilitado pela ausência paterna, desestru-
turação familiar e por determinados traços ou caracterísdcas
de personalidade como agressividade, impulsividade, malícia,
dificuldades em lidar com limites, sentimentos de inferioridade
etc. Como conclusão dos pareceres, a adequação à rotina ins

titucional e a participação nas atividades propostas aparecem

45
quase sempre como critério de que o adolescente está recupe
rado ou ressocializado.
Para concluir, gostaria de dizer que um fator comum
que une os estudos acima é a busca de alternativas para a atu-
açâo_ profission al3_na -esper anç a~d e-qu c-a-P sieoio gia-p ossa- ser—
exercida de uma outra forma, além de trazer à luz o enorme
sofrimento causado pelo encarceramento de adolescentes. ^
Retomemos então, de um Outro modo, a pergunta “Que
é a Psicologia?”, possibilitada aqui pelas lembranças de Bastos
(2002): : : í
N um a de su as belíssimas aü las ele se dirigiu a algun s alu 
nos do curso de psicol ogia e perguntou: O que vem a
ser a psicologia?” “Para que ela serve?” Ante a nossa con
fusão, perplexidade e demora, Cláudio Ulpiano nos disse:
D epe nde das for ças que se apo deram ' dela!; Coloquem- ■
suas forças em batalha para produzirem uma psicologia
afirm ativa .” 10

Re ferênc ias bibli og ráfi ca s


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10 No ta de esclarecimen to feit a por Bastos ( 2002: 5 8): “Cláudio U lpiano,


fil ósofo, ex-professor da Univer sidade do Estado do Rio de Jan eiro (UERJ)
e da Universidade Federal Fluminense (UFF), já falecido. Responsável por
introduzir nestes estabelecimentos o pensamento de Deleuze, Bergson,
Guattari, Nietzsche etc., através de suas aulas e gvupos de estudo que,
inclusive, atraiam pessoas de fora do mundo acadêmico.”

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49
Eduardo Pont e B randão
A prática do psicólogo em Varas de Família exige o co
nhecimento básico dos códigos jurídicos que regulam as famí
lias no Brasil.
As razões de tamanha, obrigação não são poucas.
Em primeiro lugar,'há necessidade de um código com
partilhado entre o psicólogo e os demais membros da equipe
interprofissional, incluídos os operadores de Direito.
E de conhecimento comum que. os arranjos amorosos e
familiares com que esses operadores se. surpreendem hoje em
dia levam a uma interlocução do Direito com outros saberes.
Sem o respaldo da equipe interproíissional, a ação do Juiz é
insuficiente para regular as relações entre os sexos e de paren
tesco.
Em contrapartida, sem a compreensão exata do contex
to onde se inscreve sua prática, o psicólogo não faz mais do
que se esfalfar com os remos do barco na areia. De nada adi
anta se restringir à especificidade de seu campo, se o psicólogo
desconhece, por exemplo, os critériòs jurídicos que norteiam a
decisão de uma guarda ou os deveres e direitos parentais. As
referências usadas pelo psicólogo devem comunicar-se com as
do Juiz, sejam as opiniões convergentes ou não, caso contrário,
ele não poderá contribuir para o desenlace, das dificuldades e
dos conflitos com os quais o Judiciário se embaraça.
Em segunclo lugar, no atendimento à população o psicó
logo se depara com argumentos cujos valores já foram revistos
é substituídos em lei. Assim, não é raro escutar país que que
rem a guarda dos filhos porque o ex-cônjuge não cumpriu os
deveres matrimoniais. Ou- que caberia à mulher os cuidados
infantis e ao homem tão somente visitar e sustentar os filhos.
Conhecer o que diz a lei torna-se imperativo, mesmo que seja
para in form ar que tais concepções não encontram respaldo
sequer em nossa legislação.
Por sua vez, o conhecimento da legislação não deve ser
abstraído das condições de possibilidade de seu surgimento.
Interessa ao psicólogo, sobretudo, lançar luz sobre como a
doutrina jurídica se inscreve historicamente e se articula aos
dispositivos modernos de poder.
Como será observado ao longo do texto, as leis e as es

truturas
mem, mas encarregadas dc aplicá-las não
põem cm funcionamento só normatizam
diversas práticas dce repri
poder
cujo objetivo é menos julgar e punir do que curar, corrigir e
edu car c ada sujeito a adm inistrar a prÓpri á vida (Fòucaul t, 1997).
Lançando mão dessa perspectiva, o psicólogo adquire
certo domínio sobre o lugar que lhe é reservado nas institui
ções judiciár ias. N ão lhe torn a indiferente interroga r se, a cada
‘ vez que fala ou ' escre ve a respeito de c erta situaç ão fam iliar , ele
está atendendo a mecanismos sutis de poder que, com o apoio
das le is jurídicas, são mas carados pela p retens a isençã o polít ica
de sua ciência.

Do C ód igo Civi l de 19 16 ao Esf at uí o da m ul her Casada : a


dem arcaç ão d os pa pé is f am iliares e a que st ão da guarda
No Brasil do Im pério, a legislação sobre a família era
regulada pelo Código Civil Português, que, por sua vez, era

inspirado no Código das Ordenações Filipinas (1603).


A transposição do Direito português para a Colônia ti
nha o inconveniente de não corresponder à realidade social
brasileira, na m edida em que se aplicava apenas ao casamento
dos que eram católicos. Tanto as Ordenações Filipinas como
pra ticam ente to da a legislação civil portuguesa perm aneceu em
vigor até 1916, ou seja, quase cem anos após a independência.
Durante esse tempo, protestantes e judeus, por exemplo, não
poderiam ter seus casam ento s reconhecid os pelo Esta do,
tampouco as uniões extramatrimoniais.
A proclamação da República define um momento crucial
de desvinculação da Igreja com o Estado. O decreto 181 de
1890 é a principal manifestação legislativa concernente ao Di
reito de Família nas primeiras décadas da República, até a
publicação do Código Civil. De autoria dc Ruy Barbosa, tal
decreto abole a jurisdição eclesiástica, julgand o-se com o único

casamento
Comválido o realizado
o Código perante asdeautoridades
Civil Brasileiro civis.
1916, consolida-se a
definição de família como sendo a união legalmente constituí
da pela via do casamento civil.
Ora, a conformidade ao modelo jurídico de família é o
que torna as relações entre os sexos legítimas ou não. Desse,
modo, convém observar nessa definição de família a defesa do
casamento e o repúdio do legislador ao concubinato.1
No Código de 1916, o modelo ju rídico dc família está
fundamentado numa concepção de srcem romano-cristã.
A família é vista como núcleo fundamental da socieda
de, legalizada através da ação do Estado, composta por pai,
mãe e filhos (família nuclear) e, secundariamente, por outros

1 Com o veremos adiant e, o concu binato vai adq uir ir proteção estat al, ou
seja, vai ser reconhecido definitivamente como entidade familiar, na condi
ção de união estável entre homem c mulher, somente na Constituição Fede
ra l de 1988, não sem antes se r protegido por jurisprudên cia e outras lei s a
partir da década de 60.

53
m em bros ligados , por la ços consangüíneos ou de depend ência
(f amíli a ext ensa ).. Ao m esm o tem po, ela organiza-se num m o
delo hierárquico que tem o homem como o seu chefe (família
p a tria rc al).
-----------ôho m em -é o~chefé~da sociedade con jugal“ ê“da ãdminis ^-
tração dos bens comuns do casal e particulares da mulher, bem
como detentor da autoridade sobre os filhos è representante
legal da família.
Por sua vez, a mulh er casada é considerada relat ivamente
incapaz , e m oposição à sit uação jurídic a d a mu lher sol teira maior
de idade. Essa incapacidade retira da mulher o poder de deci
dir sobre a prole^e o patrimônio, cuja competência pertence ao
homem. A mulher casada precisa de autorização do seu mari
do p ara exercer prof issão, par a co merciar, além de est ar f ixad a
ao domicílio decidido por ele. Os compromissos que assumir
sem a utorizaç ão marital não te m ‘eficác ia jurídi ca.
vSomente na falta ou impedimento do pai que caberia à

mãe a estariam
filhos função desubmetidos
exercer o pátrio
até a poder (artigo(artigo
maioridade 380), ao qual os
379).
Segundo Barros (2001), o fato de o homem ter o poder
dividido, no caso de sua falta ou iseu impedimento, com a es
posa e lim itado à m enorid ade do filho torna-se expressão de
um golpe no pátrio poder, embora discreto em face da autori
dade que ele ainda detinha na família.
Por sua vez, cabe frisar que o pátrio poder, oriundo do
Direito Romano, alude a uma figura de autoridade que não
represen tava o ti po d om inante em terri tório nacional ( Alme ida,
1987). Seguindo esse raciocínio, â idéia de declínio da autori
dade paterna não parece a mais adequada para a compreen
são dos regimes de aliança e sexo surgidos historicamente no
Brasil, quiçá no Ocidente moderno (Foucault, 1997), pois está
limitada à tradição romano-cristã.
No que ta nge à separa ção do casal, o Código de 1916
prevê apenas a separação de corpos por justa causa, conhecido
p o r .desquite* p re se rv a n d o assim a indisso lu b ilid ad e d o m a tri
mônio. Em outras palavras, a separação não desfaz o vínculo
matrimonial.2
Com o desquite, delega-se ao inocente no processo de
separação o direito de ter os filhos consigo. Ao cônjuge culpa
do, é-lhe assegurado o direito de visita, salvo impedimento.
Conforme podemos observar, há uma restrição da guarda à
monoparentalidade, decidida a partir do critério de falta con
ju g al.
C aso am bos seja m considerados cul pados, a mãe fi ca com
as filhas menores e com os filhos até os seis anos. Depois dessa
idade, os f ilhos vão p ara a co m pa nh ia do pai . A l ei prevê regu
lar, em caso de motivos graves, de outra maneira a situação
dos pais com os filhos. Observa-se que o detentor da guarda
exer ce o p átrio p od er em tod a sua extensão (Gomes, 19 81 ).

2 Aos opositores desse s ist ema, Clóvis Beviláqua, redato r do anteproje to do


Códígo Civil, respondia: “O argumento que se levanta contra o desquite é
que o celibato forçado produz uniões ilícitas. Mas essas uniões ilícitas não
são conseqüência do desquite e sim da educação falsa dos homens. Não é
com o divórcio que as combateremos, e sim com a moral; não é o divórcio
que as evita, e sim a dignidade de cada um. E é curioso que se lembrem de
evitar a s uniõ es ilí citas com o divórcio •quand o este é, princip alm ente, o
resultado das uniões ilícitas dos adúlteros. Não é o celibato forçado um es
tado contrário à natureza, porqu e, nas famíl ias honestas, nel e se conservam,
indefinidamente, as mulheres. É, contrário, apenas, à incontinência.” (Gama,
2003)

55
N a definição dos direitos e deveres do m arido e da m u
lher, pode-se confirmar a v alor ação diferenciada dos papéis
sociais. Ao marido, de acordo com a lei, cabe suprir a manu
tenção da família, enquanto à mulher cabe .velar pela. direção
moral desta. Há uma tipificação das diferenças que justifica o
código moral assimétrico e complementar como regra de con
vivência entre os sexos.
Os perfis sociais atribuídos ao homem, à mulher e aos
filhos já haviam sido desenhados pela política higienista que,
desde 1830, se inscreveu cpmo micropolítica no tecido social
brasileiro. Com objetivo de salvar as famílias do “caos” higiê
nico em que elas se encontravam, o saber médico aliou-se às
políticas do Estado e fez surgir o modelo familiar pequeno-
burguês, expulsando do lar doméstico os.antigos hábitos colo
niais (Costa, 1999). Assim, as tipificações clas diferenças entre
os sexos, vinculadas pela medicina à natureza biológica, não
deixaram de ser absorvidas paulatinamente pela legislação.
Se o Código Civil de 1916 já normatizava em capítulo
especial as relações familiares, é, por, sua vez, na década de 30,
no momento dé criação .de um projeto político nacionalista e
autoritário, que' se desenha uma proposta clara sobre a função
social da família. Trata-se de um projeto familiar articulado ao
nível legal, abrangendo outros aspectos da legislação além das
normas de direito civil. Tal projeto caracteriza-se por uma for
ma de pensar-a família como elemento de uma política
demográfica, tendo como objetivo último a construção da uni
dade política nacionalista:
Nesse período foram pro mulgad as : a legislação sobre o
trabalho feminino (srcem da CLT); sobre casamento en
tre colaterais do 3o grau; sobre os efeitos civis do casamen
to religioso; sobre os incentivos financeiros ao casamento e
à procriação; sobre o reconhecimento de filhos naturais e
legislação penal, em especial no tocante aos' crimes contra
a família (Código penal de 1940) (Alves e Barsted, 1987:
169). ■
- Pode-se vislum brar ness as regulame ntações a pr eo cu pa 
ção do legisl ador en f reforçar os padrões de moralidade já pr e
vistos implícito e explicitamente no Código Civil, tais como: a
valorização do casamento legal e monogâmico, o incentivo ao
trabalho masculino e à dedicação da mulher ao lar, o temor
higienista dos cruzamentos
dade feminina e, em suma, consanguíneos e do usoedàdossexuali
a defesa da harmonia costu
mes na família (Alves e Barsted, 1987)-:
No período seguinte, de 1946 a -1964, cara cterizado po
liti cam ente com o dem ocrático , destacam -se1a lei de reco nh eci
mento de filhos ilegítimos (lei 883/49) e o "Estatuto da mulher
casada ” de 1962, que outorga capacidade juríd ica plena à
mulher.
Com a vigê ncia desse “Estatu to”, a deci são sobre a prole ^
e o pa trim ôn io deixa de se r exclusi vidade do hom em . Ele revo- U
ga a incapacidade da mulher casada. Para citar por exemplo
um dos efeitos jurídicos da lei, se a mulher viúva, casada em
segundas núpcias, perdia o pátrio poder sobre os filhos cio leito
anterior, conforme redação srcinal do Código Civil, com a
vigência do “Estatuto” ela passa a exercer tais direitos sem
qualquer interferência do marido.
N a hipótese de desquite judicial, em que ambos os côn-
juges são julgados culpados, os filhos menores ficam corri a mãe,
diversamente do que ocorria no regime anterior, cm que os
filhos varões, acima de seis anos, ficavam com o pai.
Alves e Barsted (1987) afirmam .que, a despeito de uma
certa liberalização em relação ao casamento e' regime de bens,
o “Estatuto” não rompe algumas premissas básicas. O legisla
dor mantém a assimetria entre os sexos, pendendo a balança
p ara o poder patriarcal. E reafirm ado no “Estatuto ” o papel
do homem como sendo o chefe da família e o da mulher, co
laboradora do marido. Seguindo esse raciocínio, foi criado o
instituto dos bens reservados da mulher, definidos como aque
les oriundos de sua profissão lucrativa e dos quais pode dispor

57
livremente. Ora, pressupõe-se então que sua economia própria
é vista como paralela e dispensável ao sustento do lar, ao passo
que, ao homem, cabe mantê-lo.
Se o modelo jurídico de família,nuclear, com laços ex-
te n so sj-p atr ia rea l—fu n dad a~n a-assim etria~s exu al^e_geracio nal
perm anece in alte rado do período autoritário ao democrático ,

as práticas
família sociais jurídica
da doutrina se afastam cada vez mais do tipo ideal de
O final dos anos 60 e a década de 70 foram fecundos
nesse sentido. ■

N ovo s arr an jos e a dif u são d as práti cas p si co lóg ica s


O movimento feminista, a introdução da mulher no

mercado de trabalho,
sexual* aliados a pílula
aos efeitos anticoncepcional,
do chamado “milagre aeconômico”,
liberação
marcado pela mobilidade social ascendente dos setores médios
da po pulação, o desenvol viment o indust ria l urbano e a abertu
ra para o consumo, são alguns dos fatores que colocam em
xeque o modelo familiar preconizado ;pelas legislações, o que
irá se reflet ir nas decisões juris pru de nc iais e nas propo stas de
reform ulação do Código Civil. ;
Em determinad os estr atos da soci edade , com eçam a sur
gir novos arranjos conjugais e familiares que, sobretudo, sao
caracterizados pelo individualismo (Figueira, 1987).
Se até então amulher estava comprometida com a ima
gem de mãe amorosa e responsável, na família individualizada
ela descola-se em parte do destino "natural” de maternidade.
“Nesta nova família”, escreve Russo; “cabe à dona-de-casa
buscar um a certa independência do m arido, ter sua renda pró
pria, seu pró prio carro, além de procurar abandonar o ar de
matrona ao qual os filhos e o casamento a condenavam” (Rus
so, 1987: 195). !

58
Por sua vez, o hom em desvi ncula- se, ao .men os ideal
mente, do pa pel tradicional de “mac hista’ V cuja relação privi
legiada com o trabalho fora de casa e com os próprios interesses
sexuais deixa de ser exclusividade de seu gênero.'
---------Gom ^a-mudança-dos-arranjosi nterpess oais^di ssolve^s fa-
hierarquia que dividia as esferas pertencentes a cada sexo e
geração. As individualidades passam a subordinar as relações
entre os membros da família, seja entre marido c mulher, seja
entre pais e filhos. As roupas, os discursos, òs comportamentos,
os sentimentos, etc. não são mais sinais exclusivos de cada sexo,
posição e id ade, de modo que os marcadore s visíveis da dife
rença passam a ser única e exclusivamente as expressões do
go sto pessoal (Figueira, 1987). !
Os m em bros da famíli a pássam a se perceb er como igua is
em suas diferenças pessoais. A ênfase no indivíduo faz-se acom
p anhar do ideal de igualdade de relacionamento, apontando
p ara um a nova m ora i no campo das relações interpessoais. A.
tradição e a rede familiar cedem lugar às individualidades e
seus prazeres correlatos; de tal modo que se torna necessário o
exame de si mesmo para que as relações entre homens e mu
lheres, maridos e esposas, pais e filhos possam ser negociadas a
todo e qualquer momento (Figueira, 1987).
Não sendo por coincidência, é nos anòs 70 que se inicia
um alto consumo da psicanálise (Birman, 1995; Figueira, 1987;
Katz, 1979; Russo, 1987).
N um m om ento em que os papéis tradicionais da m u
lher, do homem e das gerações são postos’em xeque, os sabe
res psi surgem como coordena das p ar a as relaç ões int erpe ssoais,
mesmo através de conceitos os mais virulentos, tais como, por
exemplo, o de sex ual idade . ! .
Donde explode o sucesso das práticas terapêuticas, das
colunas de aconselhamento psicológico em revistas femininas,
do uso quotidiano do vocabulário psicanalítico; em suma, da
necessidade crescente de se pedir a “palavra” de psicólogos e

59
psicanalistas sobre questões que -dizem respeito à família em
geral. Cabe notar que. o imenso consumo da psicanálise e da
psicologia não implica pura e ’sim plesmente a subversão de
formas instituídas pela tradição, mas também a multiplicação
de micropoderes que são mais persuasivos do' que impositivos
(Fou cault, 1997). ,
E evidente que todo esse panorama de mudança nos anos
70 torna extremamente frágil não ápenas os deveres correlatos
entre os sexos, mas também o.-ideal de indissolubilidade do'
matrimônio.
•Vale acre scenta r que nessa época o Bras il estava em ple
no regime militar, sob a presidência do General Ernesto Geisel,
cuja srcem protestante luterana admite o divórcio. Ademais,
havia uma certa insatisfação entre os militares na medida em
que se obstruía a prom oção dos desquita dos, c hegando ao gene -
ralato e até mesmo à Presidência da República, apenas os ca
sados. Desse modo, ele s influenciara m - ao lado de um a gama
imensa de desqui tados com famí lias recompostas - o Pod er Exe-
cutivo com objetivo de. legitimar e regular o fim do casamento.

D a l e i do D ivóri co à Co nsti tui ção: o p ri vil ég io da m aternidade na


atri bu ição da gu arda, a abert ura para as no vas f orm as de fam ília e
os direi tos da cri an ça
Em 26 de dezembro de 1977, é promulgada a Lei 6515,
conhecida como Lei do Divórcio, que regulamenta a dissolu
ção da sociedade conjugal e do casamento.
A Lei do Divórcio abole o termo “desquite” já tãò cultu
ralmente identificado no país e estabelece a possibilidade de
somente um divórcio pòr cidadão.
• A restrição a u m di vórcio teve com o intuito apl acar a
oposição da Igreja'Católica, cujo receio de que o divórcio ani-
quüaria a família bras ileira ev identem ente jamais se confirm ou .3
En tre os .principais aspectos d a lei, convém assinalar o
artigo 15 que re gula a gu ar da dos filhos na dissolução do casal .
Nele, a guarda é conferida a apenas um dos genitores, sendo
que, o outro poderá visitar e ter os filhos em sua companhia,
segundo fixar o Juiz, bem como fiscalizar sua man uten ção e
educação. Observ a-se. que tal perspec tiva pode ser eq uivocada-
mente interpretada como não cabendo preocupações com o
dia-a-dia do filho ao genitor que não'detém a guarda, cujo
ponto reto rnarem os adiante.
No caso da separação ju dicial em que se atribui a um
dos cônjuges a responsabilidade pela dissolução do casamento,
a guarda dos filhos menores fica com o cônjuge a que não
houver dado causa (art.10), ou seja, com o cônjuge “inocente”
da separação. Mantém-se assim o sistema vigente de definição
da gua rda, em que o crit ério de fal ta conj ugal perman ece incó
lume.
No tocante aos “alimentos”, a lei estipula a obrigação
comum dos cônjuges (não só do pai) para a manutenção dos
filhos, além de não discriminar o sexo responsável pela pensão,
inferindo-se a obrigação conforme a necessidade e a possibilidade.

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'sráe^tbie^scy&pêçsiõá^imçnü^
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‘.■ nw fr n ^n rn rrpr^ flrn^ rp ieg iran n fi a>r nv ^g vH/ » n nh hrag 'gn rta>t^r;^m ?nh < />h vn HA gfr ia li via r. n£ S. Ví *'

■ frtíciós^àteríàúí-páraísóbrewerrè.írctorçaíòíp^cípid^dá^soHd^fcdadcíqÜèfdêyéVrcffcr^òs'-';

3 A li m itação a um d ivó rcio .faz surgi r novbs prob lemas, tai s com o o
concubinato dos que vieram a se separar após nova união constituída após
o divórcio, e a situação dos que se casavam com pessoas divorciadas c, por t
tal motivo, estavam igualmente impedidas da obtenção do divórcio. Tais
situações serão reconhecidas como união estável e protegidas pelo Estado
com a Con stituição de 1988. ..

61
Contudo, a força da definição dos papéis sexuais perma
nece e revela-se, sobretudo, no tocante aos cuidados e educa
ção dos filhos. Diz a lei, no artigo 10, Io, que “se pela separação
forem responsáveis ambos os cônjuges; os filhos menores fica
rão cm p od er da m ãe, sal vo se o Ju iz verificar que tal soluç ão
possa advir prejuízo de ordem moral para eles” .
Em outras palavras, o cuidado' em relação aos filhos é
visto naturalmente como sendo responsabilidade da mulher,
independente de qualquer outra condição, exceto a de ordem
moral. A mulher portanto só perde a guarda dos íilhos caso se
conduzir contra os padrões morais, critério bastante nebuloso,
vale dizer, de constatação subjetiva e, ainda mais, deixada à
aferição do juiz.
Pa ra ag ravar á si tuação, o privilégio da matern idad e acab a
gerando certas dificuldades para o exercício da paternidade ou,
simplesmente, afastando o homem da esfera de influencia so
bre os filhos. No Brasil, há até os dias de hoje um a inclinação
em nossos tribunais de atribuir a guarda à mãe, cabendo ao
pai a visitação quin zenal, o que limita, um relaci onamen to mais
estreito com os filhos. E quando o pai pleiteia visitas menos
espa ças , o Jud iciário costuma alegar que tal pedido pode au
mentar as desavenças entre os ex-cônjuges (Brito, 1999).
Co ntudo , obser va-s e nos úl timos anos uma tendência de
crescimento das solicitações dos homens pela custódia dos fi
lhos ( Ridenti, 1998). A reivindicação no judiciário dos homen s
—em situação de ig uald ade com a m ulh er - pela guard a dos
filhos coloca em pauta eis distinções donstruídas sócio-historica-
mente, que por sua vez, como vimos, são naturalizadas pelo
Direito de família.4

4Segundo o IBGE, cm 2002, 93,89% dos filhos ficam com as mães depois da
separação e antes do divórcio, e, depois do divórcio, ca i para 92,37%. C on
tudo, o índice de pais que entram na justiça com pedido de guarda aumen
tou de 5 para 25% em cinco anos.
O utros asp ect os impo rtantes da Lei do Divórc io em que, |fl
no entanto, não convém nos deter, é a valorização da separa-
ção de fato, a permissão para o reconhecimento dos filhos ile
gítimos na vigência do casamento e a consagração do direito
ao homem casado, separado de fato, de requerer autorização
judicial p ara registro de filho nascido de relação extraco njugal.

legislação
significativas mudanças no
concerne aos direitos e deveres fami- 1
liares e a C on sti tuição Fed eral d e - p ^ A n t c ’- ! ^
1988.
Co m a Consti tui ção, o concu binato passa a adqu iri r pro- ||
teção do Estado, na condição de união estável (art.226 §3°).
Com efeito, o casamento deixa de ser a única forma le
gítima de constituição da família, tal como era definida no
Código Civil. O conceito de família amplia-se na medida em
que passa a legitimar a diversidade de uniões existentes no
contexto brasileiro. Como afirmam Oliveira e Muniz (1990),
não se pode mais falar numa forma exclusiva de família, e sim
tratar da matéria no plural, passando-se a considerar também
como entid ade familiar a relação ex tram atrimo nial est ável, entre
um homem e uma mulher, além daquela formada por qual
quer dos genitores e s eus descendentes, a famíli a m on op aren tal
(art.226 §3° e §4°).
É evidente que a admissão de novos arranjos amorosos e
familiares fazem surgir novos problemas, de modo que se tor
na cad a vez mais necess ário o a tend im ento de equipes i nterdi s;
ciplinares junto às Varas de Família.
A Constituição elimina também a chefia familiar, deter
minando a igualdade de direitos e deveres para ambos os cônju

ges,
está homens
prescritoeque
mulheres
homens(art.226, §5°). são
e mulheres No iguais
artigo perante
5, parágrafo
a lei.I’

63
É nela que se encontram pela primeira vez no Brasil os
direitos da criança, expostos no artigo 227, a partir do concei
to de proteção integral e do entendimento da criança como
sujeito de direitos. Assim, diz a lei que “é dever da família, da
sociedade e do Estado assegurar à criança c ao adolescente,
com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimenta
ção, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dig
nidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los k salvo de toda forma de ne
gligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão”. No mesmo artigo, §6°, ficam proibidas discrimina
ções en tre filhos havidos de ntro e fora do casamento ,e na adoção.
Ao entendim ento da criança e adol esce nte como sujeitos
de ,direito, deve-se relacionar a questão da guarda com o texto
da Convenção Internacional dos Direitos da Criança.

Da conve nção internaci onal ao est atut o da cri ança e do


ado lescen te: a prim azia do interess e da cri ança , a divisão entr e
parental idade e conjugal idad e, os pa drões de no rm al idad e e a
inse rção d as eq uipe s i nterd isci pli na res
Aprovada no Brasil pelo Congresso Nacional e promul
gada em 1990, a Convenção Internacional é um instrumento
jurídico, pois obriga os países que a assinam .a adapta r suas
legislações às suas normas e apresentar periodicamente um
relatório sobre suas aplicações. Com efeito, no mesmo ano, a
legislação nacional é alterada com a publicação do Estatuto da
Criança e do Adolescente que, baseado na doutrina da prote
ção integral, estabelece que crianças e adolescentes devem ser
considerados como sujeitos de direitos, consagrando os direitos
fund ame ntais da pessoa na legisl ação referente à infância (Bri to,
1996).

64
- A Co nv enç ão Intern acion al situa no. artigo 9 o direito
da criança de ser eduçada^por seus dois pais, exceto quando o
seu melhor interesse torne necessária a separação. Contudo,
mesmo na situação em que a criança é separada da famílià, ela
tem-o direito de manter o contato direto-.com os pais.
Reafirmando tal perspectiva, o Estatuto da Criança e do
Adolescente dispõe o direito de a criança e o adolescente se
rem c riad os e ed ucado s no seio da famíli a; (art. 19) e estabelec e
os deveres dos pais em relação aos fi lhos ..menores, “ cab end o-
lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer
cu m pri r as de term inaçõ es jud iciais ” (a rt.‘í22).
Compreende-se que a separação matrimonial de um casal
não deve conduzir à dissolução dos vínculos entre pais e filhos.
Brito (1996) adverte que os direitos representados na Conven
ção Internacional e no Estatuto da Criança e Adolescente con
trapõem-se à idéia que o artigo 15 da Lei do Divórcio pode
conduzir, como vimos acima, de que não cabem preocupações
com o quotidiano infantil ao genitor que naó detém a guarda.
N um a pesquisa juiito às Varas de Família do T rib unal
de Justiça do Rio de Janeiro, a autora constata que habitual
mente a guarda atribuída a um dos pais contribui para o afas
tamento do genit or descont ínuo - termo usa do por François e
Dolto —das decisões que visam à educação c ao cuidado dos
filhos (Brito, 1993, 1996).
Em vez do papel de pai de fim de semana ao qual é
relegado amiúde o genitor descontínuo, Brito ressalta que a
separação do casal não deve corresponder ao fim ou à dimi
nuição das funções parentais:
Nestes casos, presencia-se o desa parecimento do casal con
ju gal, mas deve-se conse rv ar o casal pare ntal, gara ntindo-
se a continuidade das relações pessoais da criança, com
seu pai e sua mãe (Brito, 1996: 141).
O dir eit o de a criança m anter um- relaci onam ento pes
soal com seu pai e sua mãe não resulta da autoridade e sim da

65
•responsabilidade parental em preservar o vínculo de filiação.
Cabe então notar, através da representação dos direitos infan
tis, um nítido deslocamento do eixo da autoridade para o de
responsabilidade parental (Brito, 1999).
' " ~Ma medida em que os códigos jündiços~passam a priorizar o me-
Ihor interesse da criança, tal critério deve se sobrepor ao de fa lta conjugal

em toda decisão judicial a respeito da guarda defilhos de pais separados e


divorciados. As falhas no cumprimento do contrato matrimonial
não devem ser deslocadas às funções parentais.
Nem por isso deixa de existir' em nossa legislação, até a
entrada em vigor da lei 10.406, conhecida por “Novo Código
Civil”, como veremos mais adiante,!uma superposição dos cri
térios de falta conjugal, interesse e direito da criança, contribu
indo para o apoio da autoridade judiciária nos elementos de
convicção própria (Brito, 1999).
Pode-se dizer que o interesse da criança é um critério .
usado j uridicam ente sempre que a situaçã o da mesma requer a
intervenção do magistrado, visando a lhe assegui'ar um desen
volvimen to adeq uado . . :
Todavia, não deixa de ser ao mesmo tempo um opera
dor relacionado a uma predição, seguindo certos padrões do
que deva ser uma família ou infância saudável. Para respaldar
suas ava liações, o ju iz solicita subsí dios d a psicolo gia, en tre ou tras
áreas, cujos estudos correm amiúde o risco de estarem atrela
dos a uma certa noção standard de normalidade (Brito, 1999).
Sem desconsiderar a importância para a proteção da
criança, o critério de interesse da criança é de avaliação subje
tiva, sujeita às máis diversas interpretações, cuja aferição apóia-
se freqüentemente numa situação de fato e não de direito.5

5Donde surge a necessidade de elencar c^direitos da criança a pardr, como


vimos acima, da noção de direitos do homem. Com efeito, os interesses da
criança universalizam-se e se transformam em direitos, ao mesmo tempo em
que a criança passa de objeto a sujeito de direitos (Brito, 1999).

66
O critério de interesse da criança junto ao Direito de
Família aponta, inicialmente, para a verificação individual de
necessidades infantis perante a separação dos pais, o que exige
por sua vez a intervenção de um aparato interdisciplinar. Seja
-com-a-tarefa-de-r.ealizarJaudosjo_u_p.are.ceres_psicosso.ciais,_seja_
com a de ser “porta-voz” do infante, tal aparato indica o me
lhor interesse da criança diante da exclusiva possibilidade da
guarda monoparental. Nessa perspectiva, o objetivo é, em últi
ma instância, descobrir se é mais adequado atribuir a guarda'
ao pai ou à mãe.6
Entretanto, tal objetivo revela-sc inadequado em face das
circunstâncias que envolvem a maioria das disputas de guarda
e regulamentação de visitas, marcadas muitas vezes por acusa
ções mútuas entre as partes litigantes.
N ão basta definir critérios norteaclores para a. indicação
do gen itor que reún e m elhores condições, de guarda.

A lóg ica adv ersar ial , o en volvi m ento das cri an ças no co níl iio e os
m al efí ci os d a pe rí ci a
A disputa de guarda num divórcio litigioso está baseada
numa lógica adversarial em que um genitor tenta não somente
mostrar que é mais apto para cuidar e educar os filhos, como
também expor as falhas do outro para tal função.
Tal lógica est á em bu tida no conflito de inter esses, den o
mina-se lide, em que duas pessoas pretendem desfrutar ao

6 Mais do que o interesse da criança, é a doutrina da proteção integral e,


conseqüentemente, a efetivação dos direitos fundamentais de crianças c
adolescentes que está na base da exposição de motivos para a abertura do I
concurso público para o cargo de psicólogo no Tribunal de Justiça do R io
de Jan eiro, não deixan do este dc ser citado com o fazendo part e de equipes
intcrdisciplinares.
mesmo tempo daquilo que os processualistas chamam “bem
da vida” (tudo que corresponde à aspiração dc uma pessoa,
seja material, afetiva, etc.). Ora, no litigio a prevalência dos
interesses de um implica em não atendimento aos interesses do
outro. A medida, que os intere sses se contrapõem , o Ju iz tem
que decidir qual pretensão das partes (como são chamadas as
pessoas nos processos) está mais am parada na lei (Suannes, 2000),
• . Abre -se um lequ e infindá vel de acusações de uma parte
contra a outra, cujas faltas morais teriam sido, como ambos
argumentam, responsáveis pelo conflito atual. O que antes fa
zia parte do quotidiano do casal são agora práticas “bizarras”
de um estranho que, por razões “desconhecidas”, foi outrora
objeto de investimento amoroso (não sem uma certa dose de
alienação sobre o fato de que, se o litígio persevera, é porque
há ainda um vínculo entre um e outro, como verernos adiante).
Em face desse panorama, é comum o psicólogo ser re
quisitado a responder à difícil demanda de apontar o genitor
mais qualificado ou analisar o impedimento de visitas de um
ou de outro.
A demanda formulada pelo juiz tem como fim encon
trar o genitor “certo” a quem dar a posse e guarda da criança,
baseando-se repetidam ente num a linha divisória entre o b om e
mau pai e mãe ou, em último caso, o menos ruim (Ramos e
Shine, 1999). Mesmo nas situações cuja complexidade impede
uma visão maniqueísta, não restam muitas alternativas ao juiz
senão sentenciar a favor de uma das partes e negar o pedido
da outra. O que faz recair na. dificuldade acima, a saber, de
que o psicólogo, na condição de perito, é chamado a fornecer
subsídios para a decisão judicial, apo ntan do o genit or que a ten de
melhor aos interesses da criança.
Tal- tarefa não deixa de acarretar algumas dificuldades
dignas de uma análise mais cuidadosa.
Em prim eiro ' lugar, cabe interro gar se e xistem in stru
mentos de avaliação que objetivamente possam medir a capa
cidade de um genitor ser melhor do que outro. A arbitrarieda
de do entendimento sobre b que é ser bom ou mau genitor,
isolado do contexto em que o conflito se apresenta, pode resul
tar em definições estereotipadas que dificilmente recobrem a
plu ra lidade das relações intrafa miliares.7;'
Em segundo lugar, nem por isso menos importante, con
vém notar que a definição de um guardião tem como efeito
simbólico a demissão do outro genitor cômo incapaz de exer
cer tal função. Em inúmeras situações,\é comum o. pai ou a
mãe se sentir ultrajado na condição de visitante, visto imagina
riamente como sendo não-idôneo, moralmente condenável ou,
na melhor das hipóteses, temporariamente menos habilitado, o
que muitas vezes colabora para o afastamento de suas respon
sabilidades.
Muitos pais terminam por acreditar que, por serem visi
tantes, devem se manter à distância dos filhos, pois consideram
que a Jus tiça dá plenos podere s ao deten tor da guarda. Sentin
do-se impotentes com o papel de coadjuvantes, há pais que
esba rram nas dec isões, unilaterai s das ex-m ulheres a resp eito
da vida dos filhos, assim como há mães que se sentem sobre
carregadas física, financeira e psicologicamente com o ex-ma
rido que mal visita as crianças.
Não. é p or m enos que o laudo ou parecer psicológico
acaba servindo de combustível para o fogo da desavença fami
liar, reacendido a cada decisão judicial. Se o psicólogo auxilia
o magistrado a decidir o “melhor” guardião, por um lado, por
um outro, ele fornece um poderoso instrumento —com argu
mentos téc nicos sobre def eitos e virt udes de um e de outro -
para as famílias darem pro sse guim ento aos processos judiciais.

7 Sobre as tentat ivas dc aferição psicol ógica para defi nição da guard a e a s
críticas que lhes são relacionadas, cf. Brito, 1999a.

69
Ora, nota-se freqüentemente que a perpetuação do em
bate familiar, via poder ju diciário, 6 um modo de dar continui
dade ao trabalho de luto da separação, às vezes até mesmo da
perda do objeto amado, ou é simplesm ente u m meio de man-
te r o vin cu 1o_com^ o_ex-compa n heir.o. ______ ' ___________
__

Vainer afirma que, nesse último caso, “o litígio está a


serviço de uma busca de reencontro ou aproximação daquele
ou daqueles que não se conformam;em estar separados” (Vainer,
1999: 15). Embora o casal já,tenha resolvido legalmente o tér
mino da união, continua atado à relação por meio de ações
pendente s no ju diciário. A cada ,vez que se inicia um a ação
ju dic ia l, a parte in terp elada é auto m aticam ente obrigad a a se
envolver com o ex-parceiro, dificultando a efetivação da rup
tura consagrada de direito.
Para agravar a situação, os filhos são usados como ins
trumento de vingança e constrangimento, não havendo bom-
senso que faça apelo ao fim do conflito.
É certamente impróprio indagar à criança com quem
ela deseja ficar, cuja decisão póde acarretar, num outro mo
mento, graves senti mentos de culpa por rejei tar um dos geni tores
(Brito, 1996).
Os direitos de opinião (art. j12) e de expressão e informa
ção (art. 13) da criança, estabelecidos na Convenção Internaci
onal dos D irei tos da Criança, nãoiim plic am que e la:deva depor
contra ou a favor dos pais, e sim que ela tem liberdade de
obter informações, emitir opiniões e de se expressar sobre os
assuntos qu e lhe digam respe ito, sobretudo o pr oces so de sepa
ração de seus pais. Ora, isso estái a quilômetros de distância de
lhe incumbir uma decisão judicial. Trata-se de um erro de in
terpretação da lei deslocar à criança responsabilidades que são
contraditórias-a sua condição de sujeito em desenvolvimento
(Brito, 1996).
Além do mais, é comum a fantasia infantil de que os
pais voltarão a co nviver harm onio sam ente no mesmo espaço

70
doméstico. Embora vivendo num lar cujos pais estão infelizes
com o casamento, as crianças não experimentam o divórcio
como solução ou alívio para tal situação. Muitas preferem o
casamento infeliz ao divórcio. (Wallerstein e Kelly, 1998). Des-
se modo, pedir para que a criança se posicione em relação ao
divórcio soa inábil e, de certa forma, contrário a seus interesses.
Seguindo esse raciocínio, Brito afir-
ma. cjue ’âcârc& çocs c cons idcr aç ocs so- ünjías& ? 4 , ^ cs;‘v^anHóv-
bre o com porta m ento dos pais ta m bém
, „ m . h~~~ 1 -~tn\ !íè1p6&iste;êrn1çòlò^
deve m ser evitad as (B nto , 1999a: 178). .
Franço ise D oito (1989) a firma que
a criança deve ser ouvida pelo juiz, o que não pressupõe lhe
impor a escolha dos genitores e seguir o que ela sugere. Escu
tar a criança tem como significado o fato de ela ser membro da
família e ter vontade de falar sobre o que se passa com ela,
assim como tirar dúvidas sobre tal situação. Ao final, é impor
tante a criança saber “que”, diz Dolto, “o divórcio dos pais foi
reconhecido como válido pela jusdça e que, dali por diante, os
pais terão outros direitos, m as que (...) eles não são liberáveis
de seus deveres de ‘parentalidade’” (Dolto, 1989: 26).
Em contrapartida, segundo ainda Dolto, as crianças de
vem ouvir do Juiz algumas palavras a respeito de seus deveres
filiais, a saber, a preservação das relações pessoais com as famí
lias de ambas as linhagens. Tal conversa deve acontecer desde
que o Juiz saiba conversar com crianças, caso contrário por
uma pessoa encarregada disso por ele, não havendo idade mí
nima que não se, possa explicar a situação (Dolto, 1989).
Não é difícil a cria nça se sentir culpada pelo divórcio,
cuja existência é imaginada como um peso para os pais (Dolto,
1989). É de fun dam ental im po rtância o psicólogo atentar pa ra
esse aspecto, sem deixar de acolher, ao mesmo tempo, o silên
cio que certas crianças apres entam , du rante as ent revi stas. Tal
silêncio não deve ser percebido necessariamente como negati
vo, podendo ser afirmado como um meio de a criança não

71
querer compartilhar das querelas parentais e nem das exigên
cias judiciais.
•E mesmo que a criança ou o adolescente insista verbalizar
com quem deseja ficar, não se pode perder de vista que há
uma tendência nas situações de litígio de os filhos fazerem ali
ança com um dos genitores e perceberem o outro como ‘Vi
lão” da separação. ■
Segundo algumas pesquisas psicológicas, a criança faz
aliança com o genitor que dispõe de sua guarda e que, portan-
> to, está mais próxim a dela , indep en de nte clo sexo (Wall erstei n
c Kelly, 1998; Brito, 1999a). O tempo de convivência prolon
gado aproxima a percepção do filho com a do guardião. Desse
modo, na medida em que costuma ser demorado o intervalo
entre a separação de fato do casal e a formalização jurídica do
divórcio, o tempo transcorrido junto ao genitor que permane
ce com a criança ou o adolescente é o bastante para a conso
lidação das alianças.
perm anecer, ou com“Avaliar
qual doscom quem ac criança
genitores quer a, pode
mais apegad
ser”, conclui Brito, “interpretado como a pesquisa do óbvio”
(Brito, 1999a: 176).
Para complicar o quadro, pedir à criança ou ao adoles
cente para expor com qual genitor deseja ficar acaba acirran
do ainda mais as: posições polarizadas c visões maniqueístas a
respeito do litígio.
O fato de o psicólogo restringir-se à tarefa pericial de
definir o “melhor” genitor revela aí suas limitações, pois não
contribuí p ara um a melhor qualidade das rela ções entre as partes
litigantes, tampouco coloca em xeque a lógica adversarial pre
sente nos encaminhamentos jurídicos.
Em função do enfrentamento que se impõe, a lógica
adversarial favorece o aumento de tensão entre os ex-cônjuges,
sem desfazer o entendimento habitual de que ao final do pro
cesso há sempre vencidos e vencedores (Brito, 1999a).

72
A sugestão do psicólogo ao juiz deve contar, o máximo
possível, com a- participação da. família, retirando-as do papel
passivo a que são freqüentemente relegadas no processo de pe
rícia. Para tanto, deve-se privilegiar os recursos subjetivos, seja
a partir da temática do sujeito,-seja a partir do sistema relacional
da famíl ia, p ara a orientação e o encam inham ento dos impasses.
Tais observações fazem perc eber a necessidade de o psicó
logo ampliar seu raio de ação para além -da perícia tccnica.
Vejamos então outras linhas de atuação.

P ossib ilid a d e s e l im ites da interven ção psi can al íti ca:


a i m po rt ân ci a d a fal a, o laço conjugal, a que st ão do de sejo

Pereira (2001), advogado especialista em Direito de Fa


mília, reconhece as contribuições que a psicanálise oferece a
essa matéria.
N um a pesquisa sobre a ju risprudência na m aio ria dos
Estados brasileiros, o autor aponta para os elementos de uma
“moral sexual” que permeia os julgamentos em Direito de
Família, comprovando o envolvimento dos valores de cada
julgador na objetividade dos atos e fatos jurídicos:
O julgador, quando sentencia, coloca ali, para a solução
do conflito, não só os elementos da ciência jurídica e da
técnica processual, mas também toda uma carga de valo
res, que é variável de juiz para juiz (Pereira, 2001: 250).
Sendo o Direito de Família uma tentativa de organizar
ju rid ic am e n te as relações de afeto e 'suas conseqüências
patrim oniais, Pereira contrapõe à moral-sexual a necessidade
de repensar os paradigmas do Direito a-partir da psicanálise.
Com efeito, considera importante lançar mão dos conceitos de

sujeito, sexualidade e desejo:

73
1. O sujeito do Direito é aqueíe que age consciente de seus
direitos e.deveres e segue leis estabelecidas em um dado
ordenamento jurídico; para a Psicanálise, o sujeito está
assujeitado às leis regidas pelo inconsciente. Afinal as mani
festações e atos conscientes que tanto interessam ao Direi-
to nãcTsão predeterminadas pelcTinconsciênte?~2rPara o
Direito Penal, os crimes de natureza sexual são tipificados
e investigados buscando-se sua materialidade. Por isso, a
sexualidade para o Direito tem sido sempre genitalizada,
como expresso no Código Penal (...), que se utiliza sempre
da expressão ‘conjunção carnal’; para a Psicanálise, a se
xualidade' é da ordem do desejo. Pode o Direito legislar so
bre o desejo, ou será o desejo que legisla sobre o Direito?
(Pereira, 2001: 22).
Para que tais conceitos se articulem ao campo da prática
analítica, é necessário que as pessoas se ponham a falar. A psi
canálise é uma experiência discursiva. Seguindo esse raciocí
nio, Suannes (2000) propõe que se devolva a fala à pessoa e
aos processos inconscientes que subjazem ao processo judicial.
Para tanto, convém elucidar as relações entre as deter
minações inconscientes e a formalização da ação judicial.
Senão vejamos. Num litígio, os oponentes são incapazes
de resolver o conflito por conta própria, de tal modo que re
corre m a um terceiro, no cas o, a autorida de judicial, com ob 
je tivo de satisfazer as suas exigências.
A formalização dessa demanda ao juiz exige que a fala
de cada sujeito envolvido no conflito seja representada pelo
advogado que, por sua vez, fala de acordo com a lógica do
discurs o jurídico. R em on tan do o dis curs o de aco rdo com a lógica
ju rídic a, o advogado dem onstra que:os interesses de seu cliente
estão amparados na lei, ao mesmo tempo èm que responsabi
liza o o utro pela ação ou om issão; ge rado ra do confl ito. H á
nessa passagem, da vivência de insatisfação do sujeito à enun
ciação do seu problema numa lógica jurídica, uma mudança

74
•na configuração do conflito, em que o discurso de insatisfação
cede lugar ao discurso de merecimento.
A re-configuração do conflito nos moldes jurídicos não
deixa de gerar certos impasses, especialmente nas Varas de
~Fãmília“ onde_a~natureza-do-víncuio-ent-r-é-as-pessoas-é-sufici-
ente para resistir a qualquer resolução judicial:
Nas ações de V ara de Fa mília, (...) o ato ju rídic o não terá
como conseqüência o rompimento dos laços psicológicos
das pessoas envolvidas e, no caso de haver filhos em co
mum, não levará ao afastamento,concreto e não impedirá
a parti cipação de um na vida do outro. Devido à natureza
do vínculo existente entre as ‘partes’, (...) os problemas
explicitados nos autos são, freqüentemente, deslocamento
de quest ões que não e ncon traram outra vi a de representa
ção. A medida que o aparente problema é resolvido, o
conflito se coloca eni outra questão, reacend endo o impas se.
Este constante deslizamento de conflitos leva à cronificação
do litígio, (Suann es, 2000: 94) •
Seguindo esse raciocínio, a autora sugere que o objetivo
prim eiro seja “realizar um movim en to de direção contrária na
estru turaç ão do prob lem a jur ídic o” (Suannes, 2000: 9 6), ou se ja,
fazer falar o sujeito e não seus porta-vozes,
O simples encaminhamento das partes para o estudo
psicológico por si só já tem pap el im portante, à' med ida que
nomeia a natureza do problema em pauta. Isto é, atribui o
“estatuto de psicoló gico a algo q ue é vivi do pelas famí lias com o
um problema
(Suannes, jurídico,
2000: concreto
95). Uma e externo a cada
vez encaminhado um psicoló
o estudo deles”
gico, a “questão não se coloca como oposição entre dois pólos,
ou seja”, afirma Suannes, “não se trata de um conflito de inte
resses no qual o vínculo com o pai exclua a mãe de seu lugar,
ou vice-versa” (Suannes, 2000: 96).8

u Con vém obser var que o en cam inham ento psicológico não é por s i s ó su fi-

75
Orientado por urna escuta analítica; não cabe ao psicó
logo avaliar qual genitor é> m ere ced or da gu ard a ou da visit a
aos filhos, ou, tampouco, detectar qual deles estaria mais apto
para ex ercer as funções parentais, e sim com preender que “a
questão que faz aquela famíl ia sofr er e pedir aju da no Ju dic iá
rio não é, muitas vezes, aquela que está configurada nos autos”
(Suannés, 2000: 96).
Evide ntem ente, a relação entre o méto do a nalítico e. as
circunstâncias de uma ação judicial não é sem dificuldades.
Barros (1999) adverte que num processo litigioso, ao
contrário do que pressupõe a regra técnica fundamental da
psicanálise, o sujeito não fala o que lhe vem à m en te e sim o
que pode favorecer a sua causa. Ao mesmo tempo, preocupa-
se em não dizer o que pode ser usado contra ele mesmo pela
outra parte e seus advogados. Com efeito, tal depoimento tor
na-se prejudicado, '‘pois”, escreve Barros, “o sujeito não está
ali numa posição de quem fala de si” (Barros, 1999: 37). E
mesmo no caso cm que o sujeito libera sua fala, o psicólogo
não pode manejar os efeitos de sua intervenção após a conclu
são de seu laudo.’
Nem por isso Barros co nsidera inco mpatível a práxis
analítica no âmbito jurídico. Ao contrário, é possível promover
a retificação subjetiva em que o sujeito deixa de se queixar do
‘outro pára reconhecer sua participação no conflito, tendo como
efeito “separar-se desse outro, perder esse casamento, sem ficar
perdido de verd ade” (Barros, 1999: 39).
Por sua vez, nos casos em que as pessoas não querem ou
se sentem impedidas de falar, resta somente apontar as dificul
dades das partes de se reconhecerem ativamente no conflito.

cientc para reconfigurar o conflito. Como observa Brandão, se “fosse assim,


a primeira reação frente ao psicólogo não seria semelhante à manifestada
em face do juiz, quando testemunhas e documentos são mencionados a tor
to e a direito” (Brandão, 2002: 50).

76
Sâo limites de uma práxis em que o sujeito deve passar do
estado de v ítima pá ra. o. de responsáve l po r seus atos e p ala
vras, cujas determinações inconscientes se impõem à sua reve
lia. Se tais pessoas retornam ao Judiciário, envolyidas com. novas
querelas familiares, permite-se então "avançar um pouco e
co nstru ir os efeit os d a i nte rve nçã o na vhistória des se sujeito,
obtendo mais elementos para refletir c construir esse campo de
intervenção” (Barros, 1999:40).
Não há previsibilidade sobre o desfecho da interv enção
analítica, na medida em que não cabe ao analista impor os
seus próprios ideais. Querer simplesmente fazer o bem e desfa
zer os conflitos em que as pessoas se embaraçam, supondo com
isso resolver a relação do sujeito com seu desejo, é por defini
ção impossível. Não há nada que ensine o sujeito a empregar
seu desejo, de modo que na experiência analítica se obtêm
destinos pardeulares para cada demanda que é formulada.
Seguindo esse raciocínio, a inscrição da psicanálise no
cam po juríd ico pro duz um a diversidade de e feitos, que vão desde
a re-significação do conflito, a resolução dos aspectos processu
ais, a dissolução de queixas com um simples gesto de oferecer
os ouvidos ou, na pior das hipóteses, nada acontece e continu
am-se as disputas familiares (Brandão, 2002).
A orientação teórica no interior da psicanálise é que vai

definir
tem como se a conseqüência
intervenção põeleituras
em jogo o casal aourespeito
distintas o sujeito,doo que
laço
conjugal.
Puget e Berenstein (1994) tem como objeto teórico a
‘'estrutu ra vincular” que se forma no laç o conjugal, cujo dom í
nio é marcado por pactos inconscientes, tipologias diferencia
das, en tre outros aspe ctos . E m vez de c om preen der ess e espaço
vincular como sendo uma relação entre desejo e objeto, os
autores definem-no como uma relação: entre eu e outro, cujo
objeto não é assimilável a nenhuma interioridade e sim ao ter
ritório do vínculo estabelecido pelo casal.
O casal então é (...) uma estrutura vincular entre duas pes
soas de sexo diferentes, isto é, uma relação intersubjetiva
estável enlre um ego e um outro ego , onde tem cabimen to
o mundo intra-subjetivo de cada um, e onde o vínculo,
por sua vez, oc up a um a áre a diferen ciad a da estr utu ra ,
objetai (Puget e Berenstein, 1994: 18).
Observam os autores que o casal não é somente a ori
gem virtual de uma nova família* mas o desprendimento da
família de srcem, donde provêm as identificações e a trans
missão dos desejos parentais. A formação de um novo casal
pre ss upõe a reso lução trabalh osa, .nem se mpre acabada, de
desenlace dos vínculos familiares. A idéia de pertencimento
contínuo à cadeia de gerações pode ser no casal fonte de pra
zer ou angústia, gerando uma série de conflitos que podem
resultar na separação. E dado seu caráter de contrato inconsci
ente, pode ocorrer de, na separação, os sujeitos saberem o que
desejam fazer, mas não de quê ou de quem se separar (Puget e
Berenstein, 1994).
Por sua vez, no ponto de vista lacaniano o que está em
jo go na escuta an alítica não é o casal, o laço conjugal aí esta
belecido, e sim o sujeito (Pereira, 1999).
Nessa perspectiva, o laço conjugal configura-se tal como
uma formação sintomática na medida em que pretende fixar o
objeto cau sa d o desejo, cu ja tare fa é1impos sível. A prom essa de
realizar o impossível insinua-se toda vez que no casal o parcei
ro se faz objeto de desejo do outro (Brasil, 1999). Não:há obje
to capaz de satisfazer integralmente o desejo. Desejo é por
definição desejo de outra coisa, tornando-se quase inevitável
que ele se alimente do que está fora da conjugaliclade (Melman,
1999). O que evidentemente não significa que o laço conjugal
seja imposs ível , desde q ue se leve em conta a dimensão da falta
que está na base do desejo.
A dimensão do desejo também é fundamental para a
criança ter um acesso normativo à sua posição sexual.
Ora, sabe-se que o nascimento de uma criança gera
mudanças na trama familiar. Ao mesmo tempo em que ela
une o pai e a mãe, ela os separa, introd uzindo um a div isão não
somente entre o casal, mas no próprio campo do desejo (Miller,
■— 1998)—-------------------:------------------— -------------------------=— -—
Com o nascimento da criança, o pai angustia-se em face
do desejo da mãe: “Que quer ela então?” “Quem sou eu, pois,
p ara ela?” (Miller, 1998: 10), cujas interrogações não devem
obstruir o .consentimento de que o desejo feminino é sempre
enigmático.
Do lado da mãe, se a criança é requerida a preencher a
falta em que se apóia o desejo feminino, ela fica, como diz
Lacan, numa relação dual “aberta a todas as capturas fantas-
máticas” e “torna-se ‘objeto5da mãe” (Lacan, 1998: 1). Ao con
trário, aalém
coisas criança deve
dela: “òsdividir a mãe,
cuidados quedeela”,
modoa que
mãe,deseje outras à
“dispensa
criança não a desviam de desejar enquanto mulher” (Miller,
1998: 7).
Dependendo de como se inscreve o desejo na relação
entre a mãe e a criança, a ação do analista se torna mais ou
menos facilitada.
Tais conceitos devem nortear o psicólogo cuja prática
seja inspirada na psicanálise.
N ão obstante, deve o mesmo perm anecer alerta para os
riscos de tal aparato conceituai estar a serviço de mecanismos
disciplinares que, articulados à instituição judiciária, visam a
“normalizar o quotidiano, fixar papéis sociais e regular relaci
onamentos” (Brandão, 2002: 38). Mais do que acreditar que o
desejo, a sexualidade e o sujeito estão na srcem dos conflitos
judiciais, cabe ao psicólogo in terrogar, ao lançar mão de tais
conceitos, se ele não atende às estratégias persuasivas de po
der. Para
flitos entretanto, basta incitar
sexualidade cada sem
e aliança, “sujeito”
se dara conta
decifrar
de os
quecon
está
reforçando a tutela sobre as famílias (Brandão, 2001).

79
Isso é um problema que não concerne somente à psica
nálise, mas às .práticas psicológicas em geral, de m od o que
retornaremos a esse ponto ao final do texto.

M e d iaç ão fam iliar: a diversi da de de práti cas, a dif eren ça em


rel ação à arbi tr agem e à concil iação , o paradigm a de
en tendim en to m útuo, as ex pe ri ên ci as do s t ri bu na is brasi leiros
N um outro enfoque, a prática de mediação, im pla nta da
em diversos países e recentemente no Brasil, é informada por
diversas teorias e técnicas, tendo em comum o objetivo de de
volver ao ca sal a comp etência para gerar a p rópria solução do
conflito.
Algun s juristas a dm item que, em cert as áreas judicativas,
o tradicional processo litigioso não é o melhor meio para a
reivindicação efetiva dos direitos. Entende-se então que o mo
vimento de ace sso à justiça encon tra razõ es para cam inh ar em
direção a formas alternativas de resolução de conflitos, entre
elas, a mediação. Preservando a relação, na medida em que
trata o l itígio como perturbação temp orária e não como ru ptu 
ra definitiva, tal procedimento é mais acessível, rápido, infor
mal c menos dispendioso (Krüger, 1998).
O entendimento sobre a resolução de conflitos em Va
ras de Família comparece na exposição de motivos que o Ilus
tre Correge dor-G eral de Justiça do Rio de Jan eiro escreve, no
Diário Oficial datado em 11 de novembro de 1997, para a
abertura do I concurso para o cargo de psicólogo no Tribunal
de Justiça;
Perante as Varas de Família, também se faz necessária a
presen ça dos psicólogos porq ue existem causas onde o co n
flito entre' o casal litigante, devido a sua profundidade, atinge
■ os filhos. (...) Através de entre vistas com as pa rtes e com os

SO
filhos destas, o serviço de psicologia poderá auxiliar ate c
uma composição amigável do litígio, restabelecendo a har
monia entre as partes e, talvez, promovendo uma mudan
ça de mentalidade dos pais em relação aos filhos,
Nos Estados Unidos, a partir de 1974, tem -se registro
dos primei ros tra balhos de m ediação còm o sendo uma alterna
tiva para lidar com as seqüelas do divórcio e de suas disputas
basea das no antagonismo, como vimos acim a, entre vencedor
e vencido. No Canadá, existem serviços de mediação desde os
anos 70, cuja prática entra na legislação relativa ao divórcio
em 1985. Por sua vez, a China aplicada mediação desde 1949,
tanto em nível patrimonial como familiar, reduzindo conside
ravelmente o número de casos que chegam aos tribunais como
litígio. O recurso da m ediaçã o é tamb ém desenvolvi do em país es
com o F rança, Israel, Austr ália, Ja pão , entre outros (Vain er, 1999;
Curso, 2000).
N a Am
antecederam o érica
Brasildo
no Sul, a Colômbia,
emprego a Bolívia
das resoluções e â Arg en tina
alternativas
de disputa. Somente no início dos anos 90, a mediação ingres
sa no Sul do país, tendo sido fundada em 1994 a matriz da.
instituição brasileira mais antiga de que se tem notícia - o Ins
tituto de M ediaçã o e Arb itragem do Bra sil (IMAB) - cuja sed e
é em Curitiba, no Paraná. Desde então, tal recurso passou a
ser empregado em instituições privadas, chegando às públicas,
em particular, a partir das Defensorias Públicas. Há hoje em
dia um Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Ar
bitra gem —CONIMA, fu ndado em 1997 (Curso, 2000).
De mo do geral, a mediação pod e envol ver t odos os po n
tos do divórcio ou se limitar somente às questões da guarda da
criança e de sua visitação. A mediaçãopode ser também públi
ca, privada ou ambos. Alguns programas de mediação exclu
em os advogados das partes, enquanto outros estimulam essa
particip açã o. Algum as prática s são liberais e não diretivas, en
quanto outras são mais restritivas e condutoras (Vainer, 1999).
Costuma-se a po ntar que m ediação não é i gua l à arbitra
gem ou concili ação. ;
N a arbitra gem , a solução é decidid a por um terc eiro, ao
qual as partes se submetem. Na conciliação, um terceiro auxi-
Tlia-a-man ter-ou-restabeleeer-a-negoc i ação-en tre-os -oponentes
reduzindo as animosidades, opinando e sugerindo novas alter

nativas.
ao acordoOentre
conciliador
as partes.atua
Pordiretamente no conflito,
sua vez, na mediação visando
o terceiro
tam bém ajuda a com por a negoci ação, c om a di fer ença de que
as partes devam ser autoras das decisões. O mediador atua
mais com o facil itador do que in terven tor at ivo, restabel ecendo
o diálogo para que surjam das partes as possibilidades de en
ten dim en to e desfecho do confl ito, iAo co ntrário das outras
práticas, a m edia ção deve in cid ir m enos sobre o acord o do que
o resgate de um canal de comunicação entre os oponentes
(Curso, 2000).

Negociação

‘. ’-'Q ua nd o ,a ls ^ m “im pà- vVk


sséWÇ.difiçúltá
’'r; Hl"
a'fíçgbciáçad.su 1-
/ e,,um terce iro ^ipolia; a^mante-Ja.oU' a-restabelece-:^
i-\ía,r' âesd-Ç''que-âslíváfiès .sejáifí fau tores ^das*:déci^

ví^co annrativn p -na nesronstriic.ao nos:•ímnasses:‘,


’■■' ^.‘'i v'^ - ' Jv -1 ':i\ ■!'■' / '1^ -'"' ’’*■.■■,f.'^ ^,'rCl',',"f. >' ''. •-' 'lltv • I,--1|>J..I; | f| ''CJ.^V'1>h/''"i /
•:!£.©üaBdò::?uM--;têrfe&iro^

Evidentemente, os propósitos da mediação diferem de


acordo com o país onde ela é praticada. Se o método norte-
americano reduz a mediação unicamente à resolução de con
flitos, a ponto de ser colocada lado a lado com a conciliação e
a arbitragem como uma das formas alternativas de julgamen
to, a linha francesa não busca o desfecho imediato do conflito.
Ao contrário do que recomenda o pragmatismo norte-ameri
cano, a perspectiva francesa supõe que o mediador deva criar
condições para que os antagonistas se questionem e se
reposicionem no conflito, visto este muitas vezes como sendo
positivo e não como algo a ser e xtirpado^S ix e Mussaud, 1998).9

9 Dos Estados Unidos da América provém um grande número de estudos


relativos à psicoterapia de casal e de sua necessidade no decorrer do proces
so judiciário, send o um a obrigação soci al o atendimento a s itua ções trau má
ticas relacionadas à separação. Mas de uma maneira geral o foco prende-se
aos problemas adversariais ou à necessidade dd' entendimento mútuo sem
que sejam verificadas tentativas de sistematização clínica das determinações
psíquicas do problema, e desse modo, a atenção acaba se concentrando nas
conseqüências e nas técnicas para remediá-las (Vainer, 1999).
Pode-se dizer que a diversidade de concepções e práticas
rcúne- se à l uz de um a m uda nça de paradigma , em que .o en
tendimento mútuo deve prevalecer sobre o antagonismo entre
as partes. A figura do mediador busca a resolução das contro
vérsias de forma pacífica, evitando o litígio e indo ao encontro
de acordos que as partes possam compor entre si. Nessa pers
pectiva, o med iador evita faze r imposições e traz à discussão
apenas o que o casal quer negotiiar, orientando e buscando
idéias que facilitem a construção de um compromisso favorá
vel aos antagonistas.
Ao mesmo tempo, o mediador deve ter o cuidado de
não se deter na análise das determinações psíquicas do conflito
do casa!.. Se não se esquivar dessa tarefa, ele corre o risco dc
pro longar o aten dim en to para além do tempo disponível no
judiciário, além de dar um cará ter terapêutico sem gara ntir a
resolução dos acordos necessários para o fim do litígio.
Na medida em que o med iador está aten to aos proble
mas de ordem afetiva, assinalando a importância das decisões,
do casal e prevenindo-os sobre as conseqüências que elas acar
retam, ele deixa os advogados livres para concretizar os acor
dos em termos jurídicos. Em outras palavras, a mediação
encoraja os oponentes a sé envolverem diretamente nas nego
ciações enqu anto libera o. advo gado p ara o supo rte lega l neces
sário, que muitas vezes não consegue fazer com que o cliente o
ouça qu anto áos prejuí zos de su a postur a (Vainer, 1999).
Semelhante preocupação em devolver às famílias a res
ponsabilidade pelo desfecho do litígio faz parte também da rotina
do Serviço Psicossocial Forense (SERPP), vinculado ao Tribu
nal de Justiça do Distrito Federal.
Compreendendo que o divórcio não é o fim da família e
. sim o início de um a organ izaçã o bi-n uclear, em qu e os pais são
co-dependentes, mesmo separados, na tarefa de criar os filhos,
a equipe interprofissional do SERPP tem como imperativo a
distinção entre parentalidade e conjugalidade. Assim, ela evita
que um membro da família avalie a competência parental do
outro pela competência, conjugal. Somente com o “divórcio
• psíquico”, tor na-se pos sível “ajud ar os fi lhos a ac eitar o divór -
çio dos pais e estimulá-los a manter um contínuo relaciona
mento com ambos os cônjuges’’ (Ribeiro, 1999: 165).
^ ^ .N u m a abordag em'sis têmica, " büsca -sè ^ent ão^co mpreen-
^ der . a/din âm ica rclac ionaLque deu srcem' ao lit ígio e o papel
de-c ada m em bro .do grupo fàmiliarT na ,perp etua ção _da cris e. È
' ’■'W
im po rtante,que cada mem bro^ compreen da- seu^ pape bem; tal
^.dinâmica e experimente situações-que sugiram-mudanças.
A equipe do SERPP realiza também entrevistas com os
advogados das partes, sendo considerados peças chave para a
reorganização do sistema familiar. Ao final, faz-se um relatório
que, em vez de apresentar sugestões formuladas unilateralmente
pelo profissional, expõe as que fo ram construídas pela família
(Ribeiro, 1999).
O Judiciário gaúcho tem feito também importantes in
vest imentos n a m odernizaç ão do sistema de aces so à Justiça,
através de estruturas com o os Juizad os de P equena s C ausas, os
Projetos de Conciliação e, por fim, o Projeto de Mediação
Fam iliar, im plantad o em 1997, através do Serv iço Soc ial Ju d i
ciário (SSJ) do Foro Central de Porto Alegre.
Esse último projeto trabalha com'processos encaminha
dos pelo Projeto Conciliação em Família, tratando-se dc ações
que estão ingr essando no Judiciário e, portanto , a inda não
inseridas totalmente no modelo adversarial. As famílias partici
pam in ic ialm ente dc um a audiência de conciliação e não ha
vendo consenso são informad as pelo Ju iz sobre a possibil idade
«»*
de optarem pelo processo de mediação, dividido em etapas que
se iniciam com encontros multifamiliaresj passam por encon
tros individuais e terminàm com a construção do entendimen
to (Kr üger, 1998). ■ ^
Mesmo acenando-se a mediação como uma prática de
profundo interesse do Judiciário, vêem-se pouco pro blem atizadas

85
as relações de poder entrevistas numa certa pedagogia que ela
pare ce im plicar, a saber, de que a pre valência do entendim en
to m útu o e do “sentir-se be m ” cm opo sição' às paixões e ao
sofrimento permite ensinar pais e filhos a controlar suas ações,
aperfeiçoar suas capacidades e diminuir a capacidade de revolta.

O s im pac tos do d ivórci o, os aco rdos em rel ação aos f ilhos, a nio -
bu rocrati zaçã o d as vi si tas, os po ntos de reencont ro
Faz-se necessário notar que é muito comum a desorien
tação do casal e da família após a separação, impondo-se a
cada um a busca de parâmetros para se situar diante da nova
situação.
O desnorteamento após a separação foi constatado na
pesquisa do Califórnia Children o f Divorce Project, o que motivou os
profission
e os filhosais a prom overem
(Wallerstein e Kelly,encontros
1998). sistemáticos com .os pais
O divórcio é o ápice de um processo que se inicia com
uma crescente perturbação do casamento e, após sua concreti
zação, demoram-se anos até que os ex-cônjuges consigam con
quistar uma estabilidade emocional, O problema é que um
perío do de tem po que pode p arecer razoáv el para os adultos
corresponde a uma parte significativa da experiência de vida
da criança.
Os filhos vêem-se com pouco .controle sobre as mudan

ças impostas
de para pelo divórcio.
se ajustar Muitosde,residência
a novos locais não têm somente
ou à dificulda
queda da
situação econômica, mas também ao colapso do apoio e da
prote ção que até entã o espera vam encontr ar na família. Com
o divórcio, há uma diminuição da capacidade parental. Os pais
pass am a fo car mais ate nção em seus próprios pro blem as, to r
nando-se menos sensíveis às necessidades dos filhos. Ao mesmo

86
temp o, relu tam ou .revelam u m a inabilidade pa ra expli car a
eles a situação que estão vivenciando.'
Os filhos sentem-se vulneráveis, rejeitados, culpados, so
litários, sendo muitas vezes usados, para agravar a situação,
-como-suportc-emocionahde^uiTrou-ambos os genitor es, respon-
sabilidade para a qual não se sentem prontos para assumir.
Não é por m enos que a criança concentra amiúde seus esfor
ços para reverter a decisão do divórcio o restaurar a harm onia
famil iar, sem con tu do log ra r êxito. ■ '
Em face desse panorama, os pesquisadores decidiram
incl uir um prog ram a de int ervenção breve dest inad o a propor
cionar atend im en to psico lóg ico e recomen dações sociais e edu
cacionai s p ara as famílias com dificuldades de elabor ar a situaçã o
de divórcio (Wallerstein e Kelly, 1998).
H á ou tro projeto i nsti tuci onal no s EUA - Famílias em
Divórcio - desenv olvi do po r terap eutas de famíl ia e d e cas al des
de 1978, que visa a dar atendimento e suporte-as famílias em
que o divórcio já ocorreu ou está em vias de ocorrer. Atende-
se inicialmente os ex-cônjuges em separado, até o momento de
se sentirem seguros o suficiente para a sessão conjunta. Uma
vez ocorrida tal sessão, há uma avaliação em encontros nova
mente individuais, reforçando os êxitos conseguidos e estimu-
.lando novas tentativas de diálogo. A discussão a respeito dos
filhos é um ponto fundamental para a elaboração do divórcio
e a organização da família.
O trabalho com os filhos é um dos pontos mais impor
tantes desenvolvido no projeto, por meio dos quais se diiui a
postu ra destrutiva dos pais, lida-se m elh or com as dificuldades
da separação e são fortalecidos os vínculos fraternos, tornando
no fim das contas.o proc esso de m ud anç a familia r menos dolo
roso.
De inspiração sistêmica, os autores de tal projeto obser
vam que as querelas entre as partes não provêm do processo
de divórcio em si e sim dos antecedentes matrimoniais, não
sendo a separação mais do que a continuação dos conflitos
enraizados na união do casal. De diferentes tipos de casamento
resultam diferentes tipos de divórcio (Isaacs apudV ainer, 1999).
Deve-se atentar igualmente para a regulamentação de
visitas, evitando-se modelos rígidos e preconcebidos de relacio
nam ento que, ao fma l, possam criar dific uldad es pa ra o genitor
descontínuo acompanhar e participar do desenvolvimento dos
filhos. A burocratização das visitas tem o risco de criar uma
rotina às vezes inteiramente diferente do tempo subjetivo da
criança. Françoisc Dolto (.1989) adverte que a percepção infan
til do tempo cronológico é diferente da percepção do adulto.
Com efeito, convém ao psicólogo promover, junto aos
demais profissionais, acordos de visitas quepossam manter, como
é de direit o, o estrei to relaciona me nto da c riança com seus pa is.
Para tanto, é recomendável que o tribunal informe também
nas audiências sobre a necessidade de visitas do genitor, escla
recendo e ajudando na definição e execução dos acordos refe
rentes aos filhos (Brito, 1999a).
Alguns genitores acabam desaparecendo da vida de seus
filhos por não suportarem os const antes desentendim entos cóm
o ex-cônjuge e não concordarem com o papel de visitantes a
que são relegados. Muitos também não suportam pegar os fi
lhos na casa que um. dia já foi sua, o que indica a .importância
de um outro local para a visitação dos filhos.
N a França, a preocupação em pro porcio nar à criança o
encontro constante com os dois genitores levou à criação de
estabelecimentos cha mado s dc “ pontos de re en co ntro 53. La nça-
se mão desse recurso somente quando não é possível a atribui
ção da autoridade parental conjunta, cuja concepção veremos
adiante, ou quando um dos genitores é impedido judicialmente
de permanecer sozinho com a criança. Os “pontos de reencon
tro” são então lugares onde podem ocorrer visitas supervisio
nadas por especialistas, ou ainda um local “neutro”, onde a
criança é deixada por um dos pais e pega pelo outro que lhe
visita (Bastard-et'Cárdia apud Brito, 1999a).
A necessidade de garantir à criança o direito de convi
vência com ambos os pais é também obj eto de preocupação na
Suécia, onde há um projeto de "conversas cooperativas”. De
senvolvido com ex-cônjuges e profissionais qualificados, o pro
jeto consiste em esclarecer e pro mover a prá tica de custódia
conjunta, obtendo êxito na maioria dos casos atendidos (Saldèen,
apud Brito, 1999a).

G uarda com pa rti lha da e novo có digo ci vi l; as ex pe ri ên ci as em


outros pa íses, o r ef or ço da re spo nsab ilida de p are n tal o f im da
fal ta con juga l e do pátri o p ode r
A custódia conjunta é um dispositivo jurídico que está
rel acionado, ao d ireito inal iená vel da criança de m ante r o co n
vívio familiar, consagrado, como vimos acima, na Convenção
Internacional. A criança tem o direito de ser educada por seus
dois pais, salvo quando o interesse torna necessária a separa
ção, Em outras palavras, o direito prevalece sobre a noção de
interesse, mas não o exclui.
Seguindo esse raciocínio, a legislação de alguns países
estabelece que o exercício da autoridade parental seja conjun
to após a se paraçã o conjugal, não sendo indicada nos cas os cm
que o interesse da criança aponta para a necessidade de guar
da mono-parental (Brito, 1999).
N a França, por exem plo, a legislação estabelece que o
Juiz deve priorizar o exercício em cbmum da autoridade
parenta l, m esm o nos casos em que a separação não é am ig á
vel. Por sua vez, a autoridade unilateral'só deve ocorrer nos
casos que atendam aos interesses da criança. Observa-se tam
bém que, em 1993, o term o “guard a”, jun to ao Direito de
Família Francês, é substituído pelo de “exercício da autoridade
pare nta l conju nta” , n a m edid a em que aquele causava muitos
conflitos. O genitor que possuía a “guarda” era considerado
detentor__de_todos. os direitos sobre a criança, de modo que,
com a troca do vocábulo, é esperada uma nova atitude dos
genitores (Brito, 1996).
N a Suécia, desde 1973, o cqnceito de guard a conjunta
abrange todas as questões relativas a pessoa da criança. Desse
modo, atribuir ao pai, que não possui a guarda oficialmente,
um direito ou dever de visita é considerado como limitação ao
direito de tomar decisões no que diz respeito à criança (Brito,
1996).
O dispositivo de guarda conjunta, ou compartilhada, tem
o objetivo de reforçar os sentimentos de responsabilidade dos
pais separa dos que não habitam com os filhos. Privilegia-se a
continuidade da relação da criança com os dois genitores que,
simultaneamente, devem se manter implicados nos cuidados,
relativos aos filhos, evitando-se, como conseqüência da separa
ção conjugal, a exclusão de um dos pais do processo educativo
de sua prole e a conseqüente sobrecarga do outro.
Convém notar que tal dispositivo é. inteiramente distinto
do de guarda alternada, em que a criança passa períodos alter
nados na companhia dos ex-cônjuges.
D olto (19 89) afirma q ue a gua rda alterna da é prej udici al
até os doze ou treze anos de idade, uma vez que a quebra de
um continuum espacial-social-afetivo leva a criança à dissociação,
à passividade e a estados de devaneio. Não por menos, a guar
da alternada foi proibida na França em 1984.
Por sua vez, não se trata na guarda conjunta do desloca
mento por parte da criança entre as casas de seus pais ou qual
quer outro esquema rígido de divisão igualitária de tempo de
convivência. Ao contrário, as decisões sobre problemas médi
cos, escola, viagem, religião, etc. são tomadas por ambos os
genitores, enquanto a criança habita com um deles.

90
Observa-se que a guarda compartilhada, como os outros
modelos, não é panacéia para todos os conflitos-familiares. Como
observa Filho (2003), ao mesmo tempo em que ela é benéfica
para pais cooperativos, ela pode não funcionar para outras fa
míli as —Contru do - a-gu arda-c om p ar-til hada-tem-a-vantagem -d e—
ser bem-sucedida mesmo quando o diálogo entre os pais não é
bom, m as que são capazes de discriminar seus conflitos conju
gais do exercício da parentalidade.
Enquanto nesses e noutros países,'como os Estados Uni
dos, a H ola nd a e a Alem anha, po r exemplo, a v isão da cri ança
como sujeito de direitos-promoveu alterações na própria legis
lação referen te ao Direito de Fam ília, ' no Brasi l não houve
modificação significativa na referência ià guarda de filhos de
pais separados.
Com a vigência do "Novo Código Civil”, em janeiro de - '
2003, que substitui o Código Civil de 1916, o critério de falta

conjugal
sem que, na
pordefinição
sua vez, da guarda
tenha sidoécontemplado
definitivamente revogado,
o instituto de
guarda conjunta. Em outras palavras, cai por terra a falta conjugal
mas permanece a guarda mono-parental.
Se antes com a Lei do Divórcio, como vimos acima, no
artigo 10, a mãe ficava com os filhos em não havendo acordo
e sendo ambos os genitores responsáveis.pelo fim do casamen
to, com o Novo Código a guarda é atribuída a quem revelar
melhores condições para exercê-la (art. 1.584). Desse modo, as
regras de cessão dai gu ard a estão diretam ente vinculadas aos
interesses da criança e do adolescente.
Objeto de críticas desde sua vigência, o Novo Código
não formula nada sobre assuntos como união entre homosse
xuais, clonagem, inseminação artificial, proteção do sêmen,
barriga de aluguel, transexu alismo, ex àme de DNA para inves
tigação de paternidade, entre outros.
Por sua vez, a legislação inova ao reduzir o grau de pa
rentesco até quarto grau, legitimar a falta de amor como mo-

91
tivo para pedir a separação sem perda do' direito de pensão3
conceder efeito civil ao casamento religioso em qualquer culto,
estabelecer a igualdade absoluta de todos os filhos, incluídos os
adotados, abreviar a maioridade civil de 21 para 18 anos, ne
gar o adult ério como caus a prepo nderan te na separação, entre
outros aspectos. •
O Novo Código põe fim ao pátrio poder, cujo conceito
cede luga r ao de po de r familiar (art. 1.631). Co m efeito, o po de r
é estendido à mãe, pressupondo â divisão da responsabilidade
na' guarda, educação c sustento dos filhos. Ê se houver diver
gência entre marido e mulher, não prevaleee a vontade do pai,
sendo o Judic iário que concede a soluçã o.
Estabe lece1aind a no artigo 1.632 que a sepa raçã o jud ici 
al, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as
relações .entre pais e fi lhos, senão qu an to ao direito que aos
primeiros cabe de terem em sua com panhia os segundos.
Atualmente, encontram-se três projetos de lei em trami
tação no Congresso que prevêem a guarda compartilhada, re
pre se ntando um a"nová modalidade na posse dos filhos1•com
divisão m útu a de tarefas e responsab ilidade s.10

10 A proposta do proje to dc I ci do De pu tad o Federal Tildcn San tiago, do


P T /M G , que alt era os arti gos 1583 e 1584 do novo Có digo C ivil e in st itu i
a guarda comparti lhada, foi protocolada no d ia 24 de janeiro de 200 2 junto
ao Senador Rainez Tebct, Presidente da Comissão Representativa do Con
gresso Nacional. No dia 18-de março dc 2002, o Deputado Feu Rosa apre
sentou outro Projeto de Lei para instituir a guarda compartilhada, e no dia
07.11.2002 o Deputado Ricardo Fiúza apresentou nova proposta para ser
discutida nò Congresso. Todos os projetos encontram-se em tramitação no
Congresso Nacional.

92
O modelo.de família na legislação brasileira não é.refle
xo das relações vivenciadas em toda a extensão da sociedade,
muito mais heterogênea do que a lei pode pretender, e sim a
codificação nascida da preocupação do Estado em reconhecer,
nos termos legais,' os laços familia res, a definição do p od er marita l
e paterno, a regulamentação do regime de bens. Ao regular as
relações .entre pais e filhos, marido e mulher e'dependentes de
vários matizes, e ao organizar a estrutura do casamento e do
regime dc bens, o legislador cumpre uma função não só
normativa, mas, principalmente, valorativa, que codifica ao nível
do Direito o lugar que cada m em bro da famíli a e do casa l dev e
ocupar (Alves e Barsted, 1987).
Por sua vez, no plano das práticas, isto é, ao serem apli
cadas, as leis apóiam e são apoiadas por micropoderes, perifé
ricos ao sistema estatal, que penetram no lar doméstico, invadem
o quotidiano e se multiplicam sob a forma de práticas médicas,
terapêutic as, sociai s e educadv as (Foucault, 1997; Fonseca, 2002).
Há uma colonização recíproca entre o Direito e as prá
ticas de disciplina e normalização. Ao mesmo tempo em que a
legislação absorve valores imanentes às práticas de normaliza
ção médica ou psicológica, entre outros saberes, ela serve de
vetor e suporte para procedimentos de vigilância, controle e
exame irredutíveis às regras de Direito e suas respectivas san
ções (Foucault, 1997; Fonseca, 2002).
A doutrina da proteção integral e a prevalência do inte
resse da criança na definição da guarda fazem surgir a neces
sidade de subsídios psicológicos, entre outros saberes, para a
deci são judicia l.
Contudo, a restrição do psicólogo ao papel de perito não
fa 2 mais do que perpetuar o conflito que permeia a maioria
das ações judiciais, impondo prejuízos emocionais sobretudo
para os filhos envolvidos.

93
Observam-se outras possibilidades-de atuação que pos
sam pro m ov er arran jos mais bené ficos entre os fami liares, alé m
de atender aos interesses objetivos, da instância judiciária.
São inegáveis as contribuições que a prática psicológica
põdêTõferecer a essa"m atéria^d 0~Direit 07"haja_vi.sta_a_dificulda--
de de se abordar hoje em dia as relações humanas como se
fossem determinadas pela objetividade jurídica (Pereira, 2001).
Todavia, não se deve perder de vista que o saber psico
lógico aplicado às Varas de Família não é isento das relações
de poder, cabendo interrogar se ás práticas que visa m a resol
ver os impasses do quotidiano fazem proliferar mecanismos de
tutela cada vez mais sofisticados e menos visíveis.

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LEI n .° 8069, dc 13 de julh o de 1990.

96
LEI n.° 10.406, d e '10 dc janeiro de 2002.
Organização das Nações-Unidas. Convenção Internacional dos Direitos da Criança.
Publicação da exposição dc m otivas para a Propos ta de Abertura dc Concurso
Público para o Cargo de Psicólogo Encaminhado ao Conselho de
Magistratura, de 11 dc novembro de- 1997.-
§■

Lidi a N atal ia O obri anskyj W eber


Fontes históricas, assim como mitos e lendas, mostram
que a adoção é uma instituição com séculos de existência. Desde
as primeiras civilizações, costumava-se adotar uma criança como
um a form a de m anuten ção da famí lia ou pa ra perpe tuar o culto
ancestral domésti co. O obje tivo principal dest a med ida não e ra
necessariamente “proteger a criança”, pois a filosofia do "me
lhor interesse para a criança” tem srcens recentes em todo o
mundo. No passado, a adoção tinha somente o objetivo de ser
Aim instrumento para suprir as necessidades de casais inférteis
c não como úm meio que pudes se da r um a famí lia para crian
ças abando nada s; Est á modalidade de adoção é conheci da co mo
“a do çã o clássica ”,T* e aind a h oje, no ’Brasi l, est e .tipo de adoç ão
'"** ff .
predom in a em detrim ento da cham ada “adoção m oderna” cujo
objetivo é garantir o direito a toda criança de crescer e ser
educada em uma família.
O conceito de adoção tem variado ao longo da história,
tanto de maneira legal quanto de maneira informal. Do con
ceito juríd ico de “ob ten çã o de um filho! através "da Le i’^ até a
■^“adoção com reais vantagens.para a .criança” do nosso Estatu
to da Criança e do Adolescente (EÇA, 1990), um longo cami
nho foi percorrido em todo o mundo/Transformar as concepçõe_s
jbessoais embasa das em noções ju rídicas, sociais e históricas Jé
um árdu o traba lho d e ' conscienti zação social,' e nem sempre
leis e legisladores são suficientes para a mudança de comporta
mento.
Existem diferentes definições de adoção e, entre elas, está
a de Robert (1989: 25), para quem a adoção é "a-criação jurí
dica de u m laço de filiação-entre du as. pess oas”, sendo que
todas as palavras desta definição são importantes: é a criação,
através da esfera jurídica, e filiação. No Brasil, é bastante conhe
cido o sistema de ‘'adoção” que foge do processo legal, a cha
m ad a / ‘adoç
registra comoão
seuàfilho
brasileira”,
legítimo8' que
uma oco rre qnascida.de
criança uan do um a pessoa
outra
mulher. A adoção está embasada em uma realidade biológica,
social, psicológica e afetiva, e essa sua multideterminação tor
na-a mais complexa, apesar de que, para os pais, a adoção
significa simplesmente ter um filho (Weber, 2001).
Além de fontes históricas tradicionais, mitos, lendas, his
tórias em quadrinhos, filmes e novelas tratam do tema adoção.
A cultura através de histórias fictícias permite às pessoas elabo
rarem situações afetivas que são desconhecidas e temidas ao
longo dos tempos, instituindo-se pontes conceituais que lhe fa
vorecem a compreensão. Não é possível esquecer que antes da
adoção, sempre existe uma história que remete ào abandono
(mesmo que tenh a sido um a ^‘entreg a” para adoção) ou a mo r-
te de seus pais, e isso jamais pode ser esquecido quando se
deseja entender a perfilhação (Weber, 2001). Muitos mitos gre
gos e romanos tratam deste tema: Hércules, um semideus, foi
adotado por Anfitrião que o preparou para a vida como seu
filho de sangue; a deusa Atenea adotou Erictônio, uma criança
nascida da semente que Hefesto, o guerreiro divino, havia der
ramad o na terra enqu anto tentava unir -se a el a atr avés da for
ça; o épico “Ilíada” de Homero também traz uma história de
adoção; Páris era o filho do Rei de Tróia, Priarno, foi rejeitado
ao nascer devido ao medo dos pais de umá maldição dos deu
ses, e foi criado por um fiel colaborador de seu pai em um
local afastado. Na vida adulta, Páris conhece sua história e
procura seus pais genéticos, que acabam por acolhê-lo; a fun
dação de Roma também envolve uma história de adoção dos

10 0
gêmeos, Rômulo e Remo, que foram abandonados e “adotados”
por um a lo ba e, posteriorm ente, educados p o r pastores; a his
tória de Edipo é um referencial bastante conhecido para a Psi
cologia; existem ainda muitas figuras místicas que pàssaram
por fugas, adoções e heroísmo, como Perseu, Herm es e Pan ,
entre outros.

vida deNMoisés,
a Bíblia encontram
“filho os retirado
das águas”, a história de pela
do rio nascim
filhaento
do e da
Faraó, que decidiu criá-lo; a literatura em geral apresenta in
contáveis exemplos cle adoções, tais como Tom Jones de Henry
Fielding, G rand es esperanças de Di ckens,-' M on te Cristo de
Alexandre Dumas, Cosette dos Miseráveis, Hucklebeiiy Finn de
Mark Twain, Les Natchez de Chauteaubriand, entre outros.
Também existem inúmeros personagens infantis contem
porâneos que explo ram o tem a: Mogli, o “m enino-lo bo”;
Bambam é filho adotivo de Beth e Barney no desenho “Os
Flinstones”; “O Rei Leão” trata de questões sobre a srcem
biológica e so bre o co mpromisso assumido pela família adotiva
que estão simbolizadas no filme; Super-homem é um símbolo
sobre a necessidade dos adotivos de conhecerem suas raízes;
“Ta rz an ” é um a bela história de adoções esp eciais, e “Pinóq uio”
também representa uma bonita simbologia da transformação
de uma criança em filho (para uma revisão mais detalhada de
mitos, lendas e histórias, ver Weber, 2001).

A ado ção : hi st óri a e legis laçã o


A questão de como lidar com crianças órfas e abando
nadas existe há muitos séculos, e desde a Antigüidade, todos os
povos co nviveram com o p ro blem a do abandono e, conseqüen
temente, com atos jurídicos para a criação de laços de paren
tesco. O mais antigo conjunto de leis sobre adoção foi escrito
no Código de Hammurabi, que reflete a sociedade mesopotâ-

101
m ica d o j l m ilênio a.C. O mais ant igo regi stro de uma adoção
foi o de Sargon I, o rei-fundador da Babylônia, no século 28
a.Ç. Bárbaros, os hebreus e os egípcios recolhiam as crianças
sem pais e as assimilavam aos filhos legítimos e, por outro lado,
•TnHos-os-out-ros-pQvos.-par-ticularrnentc os persas, os assírios, os
gregos e os romanos controlavam a demografia com severida
de. O pai ou o Estado decidiam se deixavam o recém-nascido
viver, ou jogá-lo às ruas, ou matá-ló.
É sabido que na vida romana o, direito à vida era conce
dido, geralmente pelo pai, em um ritual. Para os gregos a ado
ção cra resultad o de necessidades jurídic as e reli giosas, poi s
pensavam que um a família e seus costum es do mésticos não
deviam extinguir-se, e como a herança somente poderia ser
deixada para um descendente direto, era possível adotar um
estranho que se converteria em filho legítimo. Em Roma, o
direito de um pai sobre seus filhos era ilimitado, assim como
re lata m as leis de Jus tinia no : <cO po de r legal que temos sob re
nossos filhos é um atributo especial dos cidadãos romanos,
porque nenhum outro hom em tem o poder sobre seus filhos
como nós” (Roig e Ochotorena, 1993: 13). Neste ritual, o re
cém-nascido era colocado aos pés de seus pais. Se o pai dese
j a v a reconhecê-lo, tomava-o nos braços, se não, a criança era
levada para fora e colocada na rua. Se a criança não morresse
de frio ou de fome, pertencia a qualquer pessoa que desejasse
cuidar dela para fazê-la sua escrava (Weber, 1999a).
N a Idade M édia o papel da Ig reja no que diz respeito a
questõe s deentre
as relações parentesco formulava
duas pessoas. Em um princípi
virtude deste oprincípio
de não superp
que or
estabelecia o carnal depois do espiritual na criação do vínculo
de parentesco, Leão VI estendeu a capacidade de adotar às
mulheres e aos eunucos. Porém, a adoção teve um repentino
„eclipse em toda a Idade Média para reaparecer somente com a
Revolução Francesa, pois o direito feudal considerava impró
pria a conv ivência de senhores com rústicos e plebeus em um a

102
mesma família (Áries e Chartier, 1991). Borgui (1990) relata
que a Igreja, durante a Idade Média, não via com muito agra-
• do tal inst itut o p or el e ser o opost o do casamento, po is se pes
soas po diam ge rar f ilhos não na turais para imitação da na tureza
,e amparo delas na velhice, podiam por conseguinte dispensar
o matrimônio. Havia "tutores” que se encarregavam dos 6r^"~

faos, criança,
uma mas a prática
órfa ou de
não,confiar
a outraospessoa,
cuidados e a educação
continuou. de
No .caso
desses “pais adotivos” ou “de criação”, os laços de afeto e gra-
ddão prescindiam a con sagração legal de um a. nova sit uação
(Ariès e Chartier, 1991: 474).
N a Idade M odern a, a referência primeira à adoção é
encontrada na Dinamarca no ano de 1683, sendo que houve
influência dessa legislação no Código Napoleônico. Houve o
retorno da adoção com a Revolução Francesa, dessa vez com
interesse um pouco maior do adotado, e por ocasião da morte
dos pais. Do ponto de vista estritamente jurídico, a adoção não
existia na Inglaterra entre os séculos XVIII e XIX, mas so
mente acontecia através da instituição do “aprendizado”: ór
fãos abandonados ou crianças cedidas pelos pais genéticos
integravam-se como aprendizes superiores. Durante séculos o
nascimento de um filho “ilegítimo” era ostensivamente repro-
" vado, ocasionando inúmeros abortos, infanticídios ou nascimen
tos clandestinos, e o posterior abandono da criança. Tentou-se
criar um mecanismo social, embora hipócrita, que solucionas
se estes escândalos —a Roda dos Enjeitados ou dos Expostos
(Perrot, 1991).
Dessa história inicial sobre a adoção é possível tirar pelo
menos duas conclusões: a primeira é que a adoção nos moldes
legais foi uma exceção, e a segunda é que a adoção servia es
pecialm ente aos interesses dos adultos e não aos^da criança
(W eber, 2001). '
A maioria dos países europeus, com exceção da Ingla
terra, construíram sua lei baseada no Código Romano e, pos-

103
tenormente, no Napoleônico. À lei americana não foi derivada
do d ireito rom an o o u nap oleôn ico. -Suas raízes estão nas leis
_ . _ ■ j • ; — .. /
inglesas' qüe naõ previam a* ad oç ão . A m aior ba rreir a par a a
introdução da adoção na lei comum estava em conflito com o
princípio de herança. A te rra somente poderia ser transm itida
dejuma pessoa a outra se estivessem-ligadas pqrlaçòs de sán-
gué, e não poderia ser dada em vida e nem após a morte por
simples vontade do proprietário. A ádoçãò começou realmente
a ad qu irir u m sentido mais social, voltando-se ao interesse ,dá
criança/após a Primeira Guerra Mundial, por causa do gran
de número de crianças órfas e abandonadas, e a adoção come
çou a se r entendida como um a sol uçã o pa ra a ausênáa de pais e
o ,bem-estar da criança.No entanto, depois da Segunda Guerra
Mundial, este renovado interesse público pela adoção foi in->
centivado liòmen te a’recém-nascidos.
Pilotti (1988) descreve que, na América Latina, existem
indícios de que algumas formas de adoção eram praticadas na
época colonial em muitos países, mas ela foi ignorada e omiti
da nas legislações latino-americanas até princípios do século
atual. Com o passar cío tempo houve a mudança dessa limita
ção legi slativa, que segui a o exem plo das legi slações sobre a do 
ção dos países europeus que não criavam estado civil entre
adotantes e adotados, mantendo o vínculo de sangue, entre es
tes últimos e seus pais genéticos. Atualmente, os norte-ameri
canos .sao, em . todo o mund o, os mai s nu mero sos a r eco rrer, à
adoção,»e “estima-se que o número de crianças adotadas nos
Estados Unidos esteja em torno de 5 a 9 milhões, e este aspec
to mostra como é importante para a sociedade americana en
ten der e enf ren tar as dificul dades nesse tipo de fili ação’5(Samuels,
1990: 6).
No Brasil, o abandono de crianças não é um a situação
■ recente. Marcílio (1998 : 12) relata que “o ato de ex po r os fi
lhos foi introduzido no Brasil pelos brancos europeus, pois o
índio não aba nd on ava os próprios filhos. Nos períodos colonial

104
e imperial, crianças legítimas e ilegítimas eram abandonadas
cm diversos lo cais "úrbános, na tenta tiva dos pais de livrarem -sc
do filho indesejado, não amado ou ilegítimo”. Para estas crian
ças denominadas dè enjeitadas, desvalidas ou expostas, foi copiado
o “m ode lo” europeu: a “R od a dos* Expostos”, que pe rm itia o
abandono anônimo de bebês. As Rodas dos Expostos existiram
ern nosso país até a-década de-1950,e fomos o último país do
m un do a ac ab ar com elas. ^ **
As teses da Faculdade de Medicina do Rio dc Janeiro
mostraram-se, inicialmente, favoráveis à utilização da Roda
como medida moralizãdora e de proteção à mulher. Consisti
am, algumas delas, em argumentar sobre, a fragilidade da na
tureza feminina, facilmente levada pelos sentidos e vítimas dos
libertinos e celibatários —homens inescrupulosos que não se
continham ante à tentação de seduzirem as mulheres, tornan
do-as sem honra e obrigando-as a abandonarem os filhos à
caridade pública (Arantes, 1995: 192).
Costa (1988) fez uma completa reconstrução histórica
da legislação brasileira sobre adoção (até anteriormente ao
Estatuto da Criança c do Adolescente), mostrando que o insti
tuto introduziu-se no Brasil a partir das Ordenações Filipinas,
e a Lei d e 22 d e se tem bro de 1828 fo i o primeiro^ disposi tivo
legal a respeito da adoção. A época, os textos jurídicos eram
recheados de citações romanas, “ironicamente menosprezando
à herança através da tradição judaica e sua influência na ideo
logia cristã, como nos exemplos de Moisés e Ester, e o caso da
sabedoria de Salomão na solução de disputa de duas mães por
um filho” (Costa, 1988: 28). No entanto, a referência à adoção
nos textos jurídicos era bastante rara anteriormente à elabora
ção do C ódigo Civi l de 1916. C osta argum enta que a inc lus ão
da adoção neste código foi motivo de acirrada polêmica, e a
mesm a obteve l ugar graças à a utoridade c pertinác ia de Cló vis
Beviláqua que alegou que “a adoção estava muito em uso em
vários Estados brasileiros”.
As possibilidades de adoção constantes no Código Civil
brasileiro de 1916 asse m elhavam -se àquelas ditadas pelo C ódi
go Napoleônico. Eram excessivamente rígidas e, conseqüente
mente, isto dificultava o seu uso social: somente podiam adotar
f^-maiores-deJiCLanos, sem filhos legítimos ou legitimados.
Em 1927 foi criado o primeiro Código de Menores brasilei
ro (e o primeiro da América Latina),- que apresenta definições
^de abandono e suspensão de pátrio poder (atualmente chama
do de poder familiar), diferença- entre menor abandonado e
delinq üen te, e um a du pla defini ção de aba nd on o - físico e moral,
mas não trouxe nenhuma contribuição à questão da adoção e
nem contribuiu para diminuir o número de crianças abando
nadas no país, apenas enfatizou a institucionalização de crian-^
ças como uma forma de “proteção” à infanda.
N o Brasil, no ano de 194-1 foi oficializada a prim eira
Agência de Colocação Familiar, na Bahia, que serviu de mo
delo pa ra outras agência s estad uais que s e criaram d uran te est a
década (Costa, 1988). Porém, ao longo do tempo, desvirtua-se
o conceito de “proteção” à criança órfa e abandonada para a
colocação legal de crianças em famílias com o objetivo de se
rem utilizadas como serviçais.
■A Lei 3.13 3/5 7 trouxe a lgumas modi ficaçõ es im po rtan
tes para a adoção, mas ainda estava jlonge de ser um recurso
simples: a idade mínima do adotante foi reduzida para 30 anos,
e a diferença de idade entre adotante e adotado também foi
diminuída para 16 anos, permitindo-se a adoção mesmo se o
adotante tivesse filhos legítimos, legitimados ou reconhecidos.
Como na Lei anterior, o vínculo de parentesco restringiu-se ao
adotante e ao adotado, mantendo-se o conceito de filiação
aditiva; os casados somente poderiam adotar depois de trans
corridos 5 anos do casamento.
U m passo mais amplo fo i dad o através da Lei 4.655 /65 , .
que criou a Legitimação Adotiva, pela qual o adotado ficava quase
com os mesmos direitos e deveres dó filho legítimo, salvo no

106
caso de sucessão, se concorresse com filho legítimo superveniente
à adoção. De acordo com Bulhões de Carvalho (1977), com
esta lei, passaram a coexistir duas modalidades de adoção,
regidas diferentem ente: suma pelo Código Civil _e outr a p ela
nova lei: O que distinguia a Legitimação Adotiva era a preocu
p ação com o dêstin atari o— a- enança-ab an don ada_o.u_que._j

estivesse
de 7 anoshde á três anos
idade, ,e sob
coma ag equiparação
ua rd a dos legit imantesdee cdireitos
em termos om menos
e deveres com os outros filhos do casal e o desligamento com a
famíli a d e srcem (excetuando-se os imped imentos matri monias),
"v Fo i so ment e'co m a Lei 6. 697/ 79, c om a instituição d o
^ novo C ódigo de Meno res, que houve m aior p rogresso na ques
tão da adoção de crianças: passou-se a admitir uma forma de
adoção simples, que era autorizada pelo juiz e aplicável aos me
nores em situação irregular e houve substi tuição da legit imação
adotiva pela adoção plena. Com a instituição deste Código pas
sou a haver três procedimentos básicos para a adoção: a ado
ção simples e a adoção plena regidas pelo Código de Menores,
e a adoção do Código Civil, feita através de escritura em car-
4

tório, através de um contrato entre as partes, e denominada


também de “adoção tradicional ou adoção civil”.
Com o cená rio polít ico e soci a^do pais ocorrido nos a nos
80 embasado pela Declaração Universal de Direitos da Crian
ça de 1959 e, posteriormente,'com Convenção das Nações
Unidas sobre os Direitos das Crianças de 1989, que previa a
observação dos direitos humanos das crianças, ocorreu um
movimento significativo em relação à proteção da infancia.
Rizzini (1995: 103) ressalta que, "assim como no início do sé
culo, a ruptura se deu por intermédio da esfera jurídica com o
advento da revogação do Código de Menores. Desta vez, con
tudo, através de um mov imento social sem precedent es na his
tória da assistência à infancia, no Brasil, que contou com a
particip ação de diversos segm entos da sociedade civil. Deste
processo re sultara m a elaboração e a aprovação de uma nova

107
lei, o Estatuto da-Criança e.do Adolescente (ECA) (Lei 8.069',
d e ,.13.0 7.90 ),, co nsid erad a um à dás lei s m ais av an çad as do
"mundo?. À questão da adoção do Estatuto da Criança e do
. A dolesc ente derivou do art. .227 d a C onstituição Fe deral, co
nhecida como a nossa “Constituição Cidadã”:... § 6° “Os fi
lhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção,
terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer
design ações di scri minatórias rela tivas à filiação”/ A im po rtân 
cia do EC A pa ra-o recon hecim ento dos dir ei tos. d a crian ça no ^‘
Brasil é fundamental é, em especial, no que diz respeito à ado- ^
ção, pois passa a estabelecer como Lei a igualdade de trata-^
ménto entre filhos-genéticos e adotivos.
Ocorreu nxaior facilitação para realizar uma adoção com
a promulgação do ECA: a idade m ínima exi gida para o adotante
que, antes era
a diferença de de1630anos
anos,entre
passou a ser de
a pessoa que20adota
anos,e respeitada
a que é
adotada; aútorizou a adoção por pessoas solteiras, viúvas," con
viventes e divorciadas; possibilitou a'adoção unilateral, que é
aquela em que o marido, ou companheiro, pode adotar o filho
de sua esposa (ou companheira) sem que haja ò rompimento
dos laços de família da criança com a sua mãe genética; admi
tiu a adoção póstuma, na hipótese de o candidato à adoção
^ f'
falecer - .
+4* no- curso- do• processo*,
>\ —
T-
e ga ran tiu o plen o dire ito à suces-
. são do filho adotado. N o EC A houve o avanço pa ra a teoria
- da proteção integral èm lugar da mera proteção ao menor em situação
irregular.Também houve unificação das duas formas de adoção
previstas no Código de Menores: a adoção plena e a adoção sim
ples, que passam a não existir mais; existe a adoção que é plena
e irrevogável e-será; “deferida quando apresentar reais vahta-//
gens pa ra o a dota ndo e funda r:se ’em ,m otivos legí timos”. O
ECA passa a promover a adoção como primordialmente um
,atò de amorne não simplesmente uma questão dc interesse do
adotante. É importante ressaltar que, com a implantação do
Estatuto da Criança.e do Adolescente, o termo “menor” caiu ,

108
cm desuso, a partir de movimentos de pesquisadores e de defe
s a dos direitos (Weber, 2001: 61).
No entanto,- apesar dos avanços legislativos, todo o pro
cesso jurídico pa ra a adoção é co nsid èrad o^le nto ér burocr áti-^
co” pela maioria dos adotantes, tanto aqueles que passaram
pelo processo quanto por aqueles que nunca entr aram num
Ju izad o d a'Infân cia e da Juv entu de (Weber e Cornélio, 1995;
Weber 2001). A percepção destas dificuldades e “burocracias”,
no linguajar dos adotantes, passa a ser, de certa forma, um
incentivo para que ocorram ilegalidades na esfera da adoção,
acrescidas do fato de que os brasileiros, em geral, querem ado
tar bebês da cor branca, cujo número é reduzido para a ado
ção (de certa forma porque a maioria tende a ser acolhido por
uma adoção informal). No Brasil, é bastante difundida a práti
ca dc registrar uma criança como filho legítimo, através de um
registro falso em cartório mas que apresenta sanções civis para
este tipo de adoção:

■ o1. filho
^Anulaçãode registro —na “adoção à' brasileira”, registra-se
como próprio, ou seja, nascido daqueles pais. (...)
Trata-se de uma simulação e a conseqüência é, desde logo
a anulação do Registro Civil que cancela todo ato simula-
do.
2 ., Perda da criança - mesmo tendo em vista o fim nobre,
b ' ' ‘-“
r*
como o ato impugnado se revestiu dc iiicitude, pode ocor-
^ rer, também, desde logo, a tomad a da criança dos pais
v ’"*V “falsos” ou “pos tiço s” .
%
’V 'Ò 'a rt . 242 do Código Penal estatui: “dar parto alheio
como próprio; registrar, como seu, filho de outrem; ocultar
recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito
inere nte ao estado c ivil. Pen a - recl usão de 2 a 6 ano s” . Em
1981 foi incl uído parágrafo único, que tem a segu inte red aç ão :.
“Se o crime é praticado po r motivo de. recon hecida nobreza:
Pen a —detenção de um a doi s anos, podendo o juiz d eixar de
aplicar a pena”. Mesmo dentro desse espírito de “reconhecida

109
nobreza”, o juiz condena c impõe a pena e, em um segundo
m om ento, concede o perdão judi cial . O réu não c um pre pena
nem se torna reincidente, mas há inscrição do seu norrie no rol
dos culpados. Importante se faz a contemplação de campanhas
de-es elar edmento-à -popul ação_e_uma: adequ ad a equipe técni ca
p a ra lidar com a questã o nos Ju iz ados da In fa n d a e da Ju v en 
tude.
N a verd ade, o que é pre ciso é um pro ce sso m aio r de
esclarecimento e conscientização acerca da importância da le
galidade do processo de adoção, assim como a facilitação e
desentrave burocrático que ainda reveste a questão do aban
dono de crianças nas instituições, que passam a ser crianças
abandonadas de fato embora nem sempre de direito. Além do
mais inexiste uma definição de “abandono” no-ECA, o que
perm ite que crianças perm aneçam longos anos em instituições,
coriíígurando-se em “filhos de ninguém”, sem condições de
reintegração com sua família de srcem e sem possibilidade
legal dé serem adotados, pois o poder familiar ainda pertence
a seus pais genéticos. Além do mais, parece evidente que o
termo “adoção à brasi lei ra” pertence a um tipo de jargã o pejo
rativo, uma maneira de ironizar o nosso próprio “jeitinho bra
sileiro” : Talvez seja hora de mu darm os essa deno m inação ; est e
processo pode ain da.s er cham ado de “adoção dir eta ” ou m e
lhor, “adoção informal” (Weber e Kossobudzki, 1996; Weber,
2001 ).
En i 15 de ab ril.de 2002 foi de cr eta da a Lei No . 1.0.42 K
que' estende'à mãe adotiva o direito à licença-maternidade,

alt erando a C
Deereto-Lei onsol
No. idaçdeãoIo.
5.452, das-Leis do de
de maio T rab alh eo, aaprovad
1943, Lei No. a pe lo ,
8.213, de 24 de julho de 1991, designando a dev ida imp ortân
cia da constituição da família por adoção. Um resumo dessa
Lei assegura que:
“Art. 392-A., A empregada que adotar ou obtiver guar
da judicial para fms de adoção de criança será concedida íicen-
ça-maternidade nos termos do art. 392, observado o disposto
no seu § 5U.
§ Io No caso de adoção ou guarda judicial de criança até 1
(um) ano de idade, o período de licença será de 120 (cento
e vinte) dias.
'$~2'°~No~caso-de-adoção-Oii,gfuarda judicial de criança a pardr
de 1 (um) ano até 4 (quatr o) anos de idade, o período dè--
licença será de 60 (sessenta) dias.
§ 3o No caso de adoção ou guarda judicial de criança a partir
de 4- (quatro) anos até 8 (oito) anos de idade, o período de
licença será de '30 (trinta) dias.
§ 4o A licença-maternidade só será concedida mediante apre
sentação do termo judici al de gu arda à ado tante ou gua rdiã”
A Lei, emb ora extrem am ente o portun a, dife ren cia e traz
maiores privilégios para adoção de bebês até um ano de idade,
fazendo com que crianças institucionalizadas continuem en
contrando poucas oportunidades de;adoção pelos brasileiros,
que preferem adotar bebês recém-nascidos, brancos e saudá
veis (Weber e Kossobudzki, 1996; Weber e Cornélio, 1995;
Weber e Vargas, 1996).
N o dizer de M arcílio (1998: 227), o Estatuto da Criança
e do Adolescente foi tão euforicamente recebido, que se che
gou a afirmar que “ele promove, literalmente, uma revolução
copernicana neste campo”, mas apesar de todo otimismo pre
visto, a realidade mostra que ainda há muito chão pela frente
p ara que os direitos cheguem à vida real.

Perfi l da s fam ílias por ad oç ão no Brasi l


As estatísticas oficiais em relação ao abandono e à ado
ção no Brasil não estão agrupadasi em um único cadastro que
possa ser acessado pelos interessados. Para saber as caracterís-

111
ticas e o perfil de adotantes e adotados no Brasil seria necessá
rio reportar-se aos mais de 2000 Juiza dos da Infân cia e da
Juventude do país. O trabalho mais completo desta natureza
até o momento (Weber, 2001) foi uma tese de doutorado que
investigou diversos aspectos da adoção com 400 pessoas em 17
Estados e 105 cidades brasileiras. Desta maneira, um breve
resumo dos principais dados encontrados por Weber será
apresentado a seguir:

Sobre os adotantes
9 Estado civil dos adotantes:casados (89%); solteiros (8%); separa
dos e viúvos (3%)
0 Idade dos adotantes: a idade média da mãe adotiva no momento
da adoção era de 32 anos e do pai adotivo, 37 anos;
° Cor da pele dos adotantes: 96% das mães e 86% dos pais são
brancos;
° Religião: predomina a religião católica (65%); no entanto, os
adotantes protestantes (18%) e os espíritas (15%) estão repre
sentados nas fa mílias adotiva s pesquis adas em m aio r nú m ero
do que na população em geral;
®Escolaridade dos pais adotivos'.50% das mães adotivas c 48% dos
pais adotivos está cursando ou possui curso superior;
6 Renda salarial familiar, variada, encontrando-se famílias cuja
renda deé de
mais 100três salários
salários mínimos
mínimos mensais
mensais. até famílias
A maioria com
das famíli
as adotantes (73%) possui renda familiar variando entre 3 e
30 salários mínimos mensais;
0 Profissão dos adotantes: as mães adotivas têm profissões que exi
gem nível superior (34%), em outras profissões de nível primá
rio ou secundário (31 %), não exercem atividade remunerada
fora do lar (27%) ou estão aposentadas (5%). Os pais adoti
vos exercem advidades profissionais que exigem nível supc-
. rior (3 1%); 58% têm um a profi ssão què exi ge nivel prim ário
ou secundário- e-9% estão aposentados; observa-se que 87%
das m ães "adotivas solteiras têm curso sup erio r e profissão
compatível com a escolaridade;
• Existência defilhos genéticos'. 49% das famílias adotivas têm filhos
genéticos, sendo que 84% dos filhos genéticos foram gerados
antes da adoção;
o Motivo para não ter filhos genéticos: 80% afirmaram que não ge
raram filhos por questões de infertilidade ou esterilidade; 9%
são solteiros; 7% afirmaram que optaram por não ter filhos
genéticos e 5% relataram “outros motivos”;
• Número defilhos adotados'. 54% adotaram somente uma criança
e 46% adotaram duas ou mais crianças:
• Idade da criança adotada: 71% adotaram um bebe com até três -
mese s de idade; 14% ado taram crianças at é do is an os de ida- y
de. Houve, portanto, somente 15% de adoções de crianças
com mais de dois anos de idade (consideradas adoções tardi
as);
71% ado taram uma cri ança d e cor branca;
• Cor da criança adotada'.
24% adotaram uma criança de cor parda; 4,5% adotaram
um a criança de cor negra e 0, 5% adoto u um a cri ança de cor
amarela. Como a adoção de uma criança mestiça por
adotan tes bran cos é considerada, no Brasil, como a doçã o inter-
racial, houve 28% de adoções inter-raciais se for considerada
a cor da pele da mãe, e 26%, se for considerada a cor da
pele do pai; desse total de adoções inter-raciais, somente 4%
foram de adotantes brancos e crianças negras;
0 Saúde da criança adotada: a maioria absoluta de crianças era
perfeitam ente saudável (75%); as outras possuíam algum pro
ble m a de saúde no m omento da adoção, mas geralm ente,
sem gravidade;
0 Gênero da criança adotada.a preferência por meninas (57%) em
relação a meninos (43%) não é estatisticamente significativa;

11 3
A do ção legal ou i nf orm al
• Tipo da adoção : as adoções dividem-se em “legais” (52%), rea
lizadas atr avés dos Juizad os da Inían cia e da Juv en tude do
pãis f as “inf ormais— f4 8 % ^ As-i nfo rmai s ocorr em quando
' um b eb ê é registrado em ca rtório como f ilho genét ico (42%)
e quando uma criança passa a fazer parte da família adotiva
mas sua certidão de nascimento contínua em nome dos seus
pais genéticos (6%) - ta m bém as conhecidas como “filho de
criação”; ;
’* Tipo das adoções versus avaliação dos Juizados da Infanda e da Juven
tude: a maioria absoluta dos adotantes que realizaram uma
ado ção legal ou info rm al av alio u, negativamente o trabalho
reali zado pel os Juizad os da Infancia e da Juve ntud e em rel a
ção à adoção (76% e 89%, respectivamente);
e Tipo : adotantes
das adoções versus nível de escolaridade dos adotantes
com nível de escolaridade superior apresentaram maior ten
dência em realizar adoções legais. Dos adotantes com nível
superior, 70% dos pais e 80% das mães fizeram adoções le
gais, en qu an to so m ente 30% dos .pais e 20% das mães reali 
zaram adoções informais; 51% dos adotantes com .escolaridade
até .1° Grau realizaram adoções informais e somente 26%
dos adotantes com escolaridade de 2“ e 3" Graus fizeram esta
escolha;
c Tipo das adoções versus renda familiar, adotantes com merior ren
da familiar apresentaram tendência para realizar adoções
informais. Os dados mostram que 56% dos adotantes que
têm renda familiar até 15 salários mínimos fizeram adoções
informais, enquanto 24% dos adotantes com renda superior
a 15 salários mínimos fizeram este tipo de adoção;
* Tipo das adoções versus período de tempo passado desde a primeira
adoção: maior freqüência de adoções informais ocorreu antes
de 1991, ou seja, antes da promulgação do Estatuto da Cri
an ça e do Ad olescente (199 0), qu e veio pa ra faci litar o trâmi-

114
' • te dos processos l egais; 64% das ádoções informais o corre
ram antes de 1991 è 36%, depois de 1991; por outro lado,
2,1% das adoções legais ocorreram antes de 1991 e 79% das
adoções legais ocorreram depois de 1.991; ■
* Tipo das adoções versus maneira como a criança chegou alè os adotantes:
cri anças ad otadas lega lmente geral mente vêm ^elnstiíuições,
e crianças adotadas informalmente vêm através de mediado
res. A maioria absoluta das crianças adotadas legalmente (83%)
veio de instituições e 10% de hospitais, enquanto §2% das
crianças adotadas informalmente chegaram àos adotantes por
meio de mediadores, e 20% foram entregues pela própria
m ae biológica ou foram deixadas na porta dos adotantes; 12%
das adoções informais vieram diretamente de hospitais e/ou
i matemidades, pressupondo a intermediação da equipe médica;

M oti vação par a a adoção


6 Motivação para adoção: a maioria dos adotantes"(63%) adotou
uma criança para resolver uma necessidade em sua vida: hão
pôde gera r filhos genéticos, ain da era solteiro ou um filho
seu havia falecido; 35% *dos adotantes alegaram motivações
. altruístas (encontrar uma criança abandonada, compromisso
social etc.) quando decidiram adotar, uma criança;
* Motivação para adoção versus rendafamiliar, .a adoção cuja m otiva
ção é altruísta ocorreu com maior freqüência em famílias com
menor renda familiar. Enquanto 47% dos adotantes que têm
uma renda salarial'até 30 salários mínimos'realizaram uma
adoção por motivos altruístas, 26% dos adotantes com renda
superior a 30 salários mínimos realizaram uma adoção altru
ísta;
* Motivação para adoção versus escolha das características da criança', os
'adotantes cuja motivação foi a infertilidade fizeram maiores
exigências em relação aos atributos físicos da criança a ser

115
adotadà. Adotantcs que adotaram porque não tinham filhos
genéticos mostraram maior preferência por determinados
atributos físicos da criança (35%) do que aqueles que adota
ram por motivos altruístas (7%)'.

O pini õe s sobr e si tuação atual da ado ção no p aí s


0 Pessoa apta para adotar urna criança segundo os filhos adotivos: os
filhos adotivos pensam que uma pessoa apta para adotar uma
criança é aquela que “possui condições financeiras” (28%),
“deve ter muito amor” (19%) e “ser responsável” (15%);
° Fatores para o êxito de uma adoção:a m aioria d os pais adotivos
(39%), dos filhos adotivos (4-8%) e dos filhos, genéticos (48%)
afirmaram que o “amor” é o fator essencial para c sucesso
de uma adoção. No entanto, somente os filhos adotivos fala
ram da necessidade de “diálogo”, e os filhos genéticos ressal
taram a necessidade de algum tipo de "ação concreta” para
a construção da relação;
• Importância da preparação, para à adoção: apesar de pais adotivos
(58%). filhos adotivos (52%) e filhos genéticos (72%) concor
darem em maioria que a preparação é importante, os pais
adotivos discordaram mais freqüentemente (32%) e filhos
adotivos e genéticos são os que mais têm dúvidas (21% e
17%, respecti vamente);

0 Existência
a maioria"7deabsoluta
algum tipo depreparação
(79%) dos pais para a adoção
adotivos*
não para
teve osquai
adotantes: ^*
sq u er tipo dè preparaçã o prévia a adoç ão; 4 2 % os filhos ge 
néticos foram preparados por seus pais e para 42% deles a
adoção foi uma surpresa;
Preparação prévia para a adoção, versus atributos dos filhos adotivos
segundo os adotantes:pais que tiveram algum tipo de prepara
ção para a adoção citaram, com maior freqüência, atributos
positivos em relação ao seu filho, adotivo: 89% dos ad otantes x

116
que tiveram preparação falaram características positivas so-
^bre seus.ülhos,..-.eis,7;0®/p--dos adotantes que não pas sa ram por
pre paração,' falaram positivam ente.

De senvo lvi m en to, edu cação e r el aci onam ento d os f ilho s adoti vos
° Principais características atribuídas aos filhos adotivos por seus pais: a
maioria absoluta dos pais adótivos (74%) falou, em primeiro
lugar, de características positivas de seu filhò adotivo. Entre
todas as características atribuídas ao filho adotivo, as princi
pais fo ram "‘ser, afetivo” (2.1). e “ser alegre” (14%);
* Dificuldades na educação dojitíio adotivo segundo seus pais: a maioria
absoluta dos pais adotivos (69%) afirmou não-ter encontrado
dificuldades na educação do filho adotivo, ou mencionou que
as dificuldades foram naturais como em qualquer família;
* Dificuldades na educação do filho adotivo versus idade da criança no
momenlo da adoção: pais adotivos que adotaram crianças com
idade acima de dois anos, relataram maiores dificuldades na
sua educação: 25% dos adotantes que adotaram uma crian
ça até dois anos, relataram dificuldades na educação, enquanto
38% dos adotantes que adotaram uma criança com mais de
dois anos afirmaram terem experimentado dificuldades;
° Dificuldades na educação dofilh o adotivo e dofilho genético: a maioria
absoluta dos adotantes que têm filhos genéticos afirmou que
as dificuldades encontradas na educação dos seus filhos fo
ram semelhantes (61%);-
i. ■"-
jJ v■ t
a Dificuldades no relacionamento afetivo com ofilho adotivo: a maioria
absoluta dos pais adotivos (76%) afirma que não encontrou
dificuldades no relacionamento afetivo com o filho adotívo;
6 Dificuldades no relacionamento afetivo com o filho adotivo versus idade
da criança no momento da adoção: a adoção dc crianças com mais
de dois anos de idade trouxe aos pais maiores dificuldades no
relacionamento afetivo; 13% dos adotantes que adotaram

117
crianças com menos de dois anos tiveram dificuldades en
quanto 72% dos adotantes que adotaram crianças com mais
de dois anos relataram dificuldades, com o relacionamento
afetivo de seu filho adotivo. No entanto, essas dificuldades
~fn ram -supe radas-c-n enh um filho que d emonstro u estar insa
tisfeito com a relação atual foi adotado tardiamente; .
* Dificuldades no relacionamento efetivo com ofd ho adotivo versus moti
vação para adoção: ter adotado umá criança por infertilidade
. ou p o r altruísmo não tem relação com en con trar dificu lda 
des no r elac ion am en to afet ivo com i o filho adotivo; 84% de
adotantes cuja motivação foi infertilidade não encontraram
dificuldade no relacionamento afetivo e 78% dos adotantes
cuja motivação foi altruísmo não encontraram dificuldades
neste tipo de relacionamento com seu filho adotivo;
• Os adotantes aconselham outras pessoas a adotar uma aiahça?A m aiori a
absoluta dos pais adotivos (69%) afirmou que aconselha ou
tras pessoas a realizarem uma adoção porque se sente feliz
com a sua própria decisão,

i
Precon ceit o e discri m ina ção social pe la fam ília ad oti va
* Filhos adotivos pensam que as pessoas tratam de maneira diferente as
pessoas adotadas? Aproximadamente metade dos filhos adoti
vos (51%) afirmou que, de maneira geral, os outros tratam
de maneira diferente e discriminam as crianças que foram
adotadas;
• Sentimentos dosfilhos adotivos em relação à sua possível parecença com
os pais adotivos: a m aio ria dos filho s adotivos está sati sfeita com
a sua situação, sejam parecidos ou. não com os pais adotivos:
32% acham -se parecidos e gost am da sit uação, e 25% acham -
se diferentes mas também gostam da situação. Somente 13%
afirmaram que se acham diferentes e gostariam de ser pare
cidos com seus pais adotivos;

1 18
• Filhos adotivos indicam as pessoas que os discriminaram:a maioria
das autudes discriminatórias em relação aos filhos adotivos
•veio de.amigos (37%), da família (33%).ou tanto de amigos
quanto da família (17%);
• Sentimento de vergonha sobre a adoção de membros da família adotiva:
—ést€Tdã"do- re vela- difere nças-entre-os-trêsTgFupos-pesquisados:
a maioria absoluta dos pais adotivos (63%) afirmou que nun
ca sentiram vergonha da sua situação ou, ao contrário, sen
tem orgulho (19%). A maioria absoluta dos filhos adotivos
respondeu que não sentem vergonh a (71%), mas n enhu m falou
que tem orgulho desse fato e 26% sentem-se envergonhados
ou procuram não falar.do fato;
8 Sentimento de veigonha dosfilhos adotivos versas idade em que ocorreu a
revelação:filhos adotivos que souberam de sua adoção depois
dos seis anos e/ou por terceiros, sentem mais vergonha da
sua condição;
° Dificuldades na educação do filho adotivo versus discriminações sofridas
pelo filho adotivo: o filho adotivo ter passado por discrimina
ções está ligado ao fato de os pais adodvos relatarem dificul
dades em sua educação; enquanto 21% dos pais que relataram
que o filho adotivo nunca sofreu discriminação encontraram
dificuldades na educação de seu filho,! 53% dos pais cujos
filhos adotivos já sofreram discriminação, tiveram dificulda-.
des com a sua educação;

A lgu n s f ator es pri ncipais da d inâ m ica da fam ília por ado ção
• Pais adotivos revelaram a adoção ao seu filho adotivo? A- maio ria -
absoluta dos pais adotivos contou a srcem ao seu filho, e
somente 4% não fizeram e nem pretendem fazer esta revela-
' ção;
“ Filhos adotivos indicam,a pessoa quefe z a revelação, sobre adoção: foi a
mãe quem filou com o filho.sobre a adoção, na maioria das'

119
vezes (43%) t , em segundo lugar (23%), aparecem .ambos os
pais; .. . .
° Como ocorreu a revelação sobre a adoção aoJilho: Em primeiro lu
gar, os filhos qu e resp on de ram a essà questão, falam ,que a
revelação foi feita de forma/natural (26%); em segundo lugar
(24%) eles disseram que a revelação ocorreu de maneira'for-
mal, mas em terceiro liTgar (15%). os filhos adotivós afirma
ram que souberam da sua adoção em um momento de conflito,
em meio a brigas familiares;
0 Idade em que oJilho adotivo soube de sua adoção: a maioria absoluta
dós filhos que foram adotados precocemente (79%) afirmou
que soube de sua adoção pela mãe e/ou pai, antes dos seis
anos cíe.idade; 22% souberam sobre sua história de maneira
pouco adequada: tardiamente pelos paisj ou por terceiros;
* Idade em que o filho adotivo soube de sua adoção versus. sentimento de
: aqueles que souberam depois dos^seis
vergonha por ser adotivo
anos sentem mais vergo nha d a sua condição de adotivos (46 %)
do que aqueles que souberam antes dos seis anos (28%);
0 Tipo de informação que os filhos adotivos têm sobre sua família de
• ongem: a maioria absoluta dos filhos adotivos (84%) não tem
nenhuma informação sobre sua srcem, somente, sabe que
era uma família pobre;
a Os'filhos adotivos desejam ter mais informações sobre sua família de
srcem? A maioria absoluta dos filhos adotivos (62%) pénsa'
que ter informações sobre sua família de srcem não é im-
- • porta nte; 32% dos filhos pen sam que é bom. co nh ece r sua
* história;
° Filhos adotivos têm interesse de. conhecer pessoalmente sua família de
. srcem? A rhaiò ria absolu ta dos fi lKos adotivos (5 8%) nã o qü er
conh ecer sua f amíli a de srcem ou não g ostou. de conh ecê-la;
13% foram fruto de adoção tardia e afirmaram que gosta
ram de ter conhecido sua família e 18% gostariam realmente
de conhecê-la pessoalmente; para os, outros isso é indiferente
ou deixaram a questão se m respost a; :

12 0
• Sentimentos dosfilhos adoduos por seus pa is genéticos: 45% dos filhos
adotivos afirmaram-que não tem nenhum tipo de sentimen
tos por sua fámüia de srcem; 28% referiram-se a sentimen
tos negativos e 22% falaram de sentimentos positivos;
° Primeira palavra associada com adoção para pais adotivos, filhos ado
tivos ef il h ó sgenéticos: para os três grupos de sujeitos, a palavra

que sé assòcia
? Tratamento à adoadotivos
dos pais çã o' éaosfilhos
“ám ór ”;V
genéticos e adotivos: a maioria
‘-.absoluta.dos filhos adotivos (63%) e genéticos (75%)'acham
que òs^pais trataram todos os filhos da mesma maneira, e 9%
dos adot ados, pensam que receber am tratame nto m elhor do
que seus irmãos; 1
• Como o filho adotivo estaria mais feliz? A maioria absoluta dos
filhos adotivos;(83%) .afirmou que1seu*lugar de felicidadevé
com . os-.pais, adoti vos; *16% nã o resp on dera m ou deu ou tra
resposta se m relação com famíl ia e somente um filho respon
deu que estaria melhor com sua família de srcem;
o Sentimento dosfilh os adotivos em relação a seus pais adotivos: a mai
oria absoluta (93%) afirmou que sente amor e percebe-os como '
. "pais; 5% afirm aram qu e ele s são como estranho s, e 3% d ei
xaram a questão sem resposta.

O s pap éis do p si cológo nas eq uipes t écnicas do s Juizados da


Infância e da Ju vent ude: algum as consi de rações s obre sel eç ão e
acompanhamento

A participação do psicólogo em processos de decisão


jurídica está m arcada pe lo seu cará te r multidisciplinàr^.e é um a
prática cada vez mais. reconhecida. Os critérios para a adoção
não têm sido constantes através dos anos, pois recebem influ
ênc ia de variáveis legai s, psicológicas, so ciais, jur ídic as etc., que
contribuem para a construção de sua imagem e seu valor atu-
^ al. A im po rtân cia da i ntervenção pro fissi onal do psi cól ogo vem
v deteiTnm ada po r um a dupla nec essi dade d e progn osticar o]êxito
e prevenir possíveis disfunções. À adoção é sempre uma situa-
---------
-----ção complexa, pois sua essência consiste em criar.um processo
seg un do ’o, quãl se real iza a transição de um a criança dãXa mí-
lia biológica à famíli a ad o tiy ar Neste proce sso est ão presentes
outras tantas variáveis importantes para o desenvolvimento
psicológico e social d a criança, especialm en te como foram vivi
das e refle tida s, tai s com o a ba nd on o, rup tura , insti tucionali zação
etc.

A m oti vação dos cand idatos à adoção .


Dados de pesquisas (Weber, 1999a, 1999b, 2001) reve
lam que a maioria dos adotante.s pensou em adotar muito an
tes de ir a um Ju izad o e, no Bra sil, quase metade dos ad otantes“
V "realiz a ad oç õe s: inform ais. Assim, 1é preciso ana lisar que exis
tem alguns sinalizadores importantes para que os adotantes
pensem antes em adoção: artigos de jorn ais , progra m as de TV ,
encontros, congressos etc. O,principal motivo ainda é a
infertilidade, mas a motivação pelo altruísmo ou a combinação
de ^infertilidade e altruísmo te m ; sido u m a característica que
está fi guran do mais freqüe ntem ente nos dados de pe squi sas. Se
as pesquisas não têm necessariamente encontrado maiores difi
culdades nas fa míli as adotivas qu e ado taram por. motiv os al
truístas, então é preciso pensar no recrutamento de pessoas,
sendo que as cam pan has pa ra i sso devi am entend er quem co n
sideraria uma adoção e como converter a disposição’em uma
► ação. É preci so com pre en de r que, apesar de a infer tilidade se r
a principal razão para o desejo de adotar, não necessariamente
qu em realmen te ad ota é infértil. H á qu em já tenha fi lhos gené
ticos e não possa mais ter outros filhos, ou pode ter decidido

122
pela adoção de um segundo ou terceiro filho. Existem pessoas
soltei ras que não são infért eis mas q uere m filhos e há verda dei
ros atos dc generosidade motivados social ou religiosamente,
definidos pelos adotantes como compaixão, empatia, desejo de
contribuir e convicção de que tem algo a dar.
----------Parker-(-l 999.).áfimia_q.ue. os dados de pesquisas america-
nas revelam que a melhor combinação para que os adotantes
tenham uma avaliação positiva da adoção tem sido a combina-'
ção de infertilidade e altruísmo, pois a maioria dos adotantes
nessas condições tem consciência de que há uma mistura de
suas próprias necessidades e as dà criança.JCJm importante grupo
de ado tan tes nos Estadós Unidos~(cerca de 34%) tem si do os *
fosterparentS) o caso de nossos “paisjoçiais” das Casas-Lares ou
program as co mo “pais de pja ntã o”, e há que se definir e re
pensar m elh or este tipo de situação. Geralm ente eles são pou
co cons iderado s em ripssa rea lidade po rqu e ^são “con tratado s v
vpara cuidar”-e não estão necessariamente na “fila” do cadas-
tro, mas o nascimento dc um vínculo de afeto que certamente
pode beneficiar a criança não deve ser desprezado. O tema
. ainda é carregado de polêmica. Há argumentos que mostram
que a institucionalização da figura dos pais sociais carrega o
risco de perpetuar à situação de abrigo das crianças submetidas
a essa forma de cuidado, e nesse sentido ps “pais sociais” en-
<trariam em con flito com ò que prega o ECA, cuja prioridade é , .
colocar as crianças em condições o mais próximas possível da^
vida familiar. Outro s argum entos enfatizam que a s Casas-l ares
e, conseqüentemente, os pais sociais, parecem ser uma boa al
ternativa para uma fase de transição que tenta minimizar os
efeitos maléficos da institucionalização. Na impossibilidade de
se acabar rapidamente com as grandes instituições, as casas-
lares, que geralm ente ab rigam 10 crianças a o máximo, poderi
am. ser um a alternativa vi áve l pa ra que a criança outrora
abrig ada em grandes ins tituições pos sa ter um a vida mais pr ó
xima de um ambiente familiar. A polêmica revela que muito
ainda há para se discutir sobre o tema e planejar pesquisas que
possibilitem a compreensão mais acurada das variáveis im por
tantes em todo esse processo.
A motivação sempre deve ser um fator de investigação
dos candidatos, embora ninguém tenha muito claro quais são
os sinalizadores realmente .negativos, a não. ser aqueles que
indiquem casos patológicos. A importância da motivação está
ligada ao fat o de q ue ela e stá fort emente, relacio nad a às expec
tativas que os adotantes têm da ádoção, ou seja, reflete no com
promisso e satisfação da adoção, mas se falamos em um a
preparação para adoção e não apenas um a seleção de candi
datos “naturalmente mais aptos”, a situação.muda de figura.
Técnico s e pesquisad ores {t ais çomo Jp fré, 1996) ind icam casos
em que a adoção não seria indicada pela motivação 3os candi
datos. tais como a perda recente de um bebê ou famílias que
possam ter filhos genéticos mas optam por uma adoção. Ques
tionamos todos os pareceres negativos antecipados, ou seja,
. ninguém deveria ser excluído a priori, antes de ter passado pelo
processo de preparação para a adoção, pelo qual se poderiam
conhecer mais completamente os motivos é expectativas dos
postulantes. Algumas equipes técnicás têm políticas que exclu
em os candidatos .em fases muito precoces, e isso pode fazer
com que muitos candidatos desistam e procurem outra manei
ra inf ormal de ado tar, ou ap arecem nos Juizados com as famo-
,sas “adoções.prontas'*. De fato, parece existir uma velada
hierarquia para se escolher um candidato como aprovado em
alguns casos; por exemplo, os solteiros parecem somente con
seguir se um casal não for encontrado. Os serviços de adoção
precisam rever seus critérios de tempos em tempos pois há
mudanças sociais pertinentes que devem ser incorporadas.
Ao se falar de candidatos à acloção, não é possível deixar
de lado um outro importante tema sempre presente nos deba
tes:.a adoç ão po r homossexuai s; Em bo ra a legi slação brasileira
nao contemple a adoção por casais homossexuais, uma vez que

124
não exista juridicamente o casamento entre parceiros homos
sexuais, já existem alguns casos nacionais em que pessoas
declaradamente homossexuais realizaram uma adoção como
solteiros. O tema da orientação sexual de uma pessoa e do
dire ito ou não de adotar u m a criança é ess encia lmente polêmi
co e a discussão está presente até mesmo em outros países.
Lasnik (1979) destaca que uma pessoa homossexual procurar
uma criança para adoção não é sinônimo de consegui-la, mes
mo nos Estados Unidos c não é sequer possível saber quantos
homossexuais já adotaram uma criança. No entanto, em todo
o mundo, maior número de homossexuais têm-se se submetido
ao processo de habilitação para adoção, ao contrário do que
ocorria no passado, quando recorriam mais freqüentemente à
inseminação artificial (Sàmuels, 1990). O número de pesquisas
sobre o assunto ainda é pequeno, mas alguns autores, como
Mclntyre (1994), afirmam que a pesquisa sobre crianças serem
criadas por pais homossexuais documenta que pais do mesmo

sexo são as
analisou tãoevidências
efetivos quanto casais tradicionais.
da influência Patterson
na identidade sexual, (1997)
de
senvolvimento pessoal e relacionamento social em crianças
adotadas. Examinou o ajustamento de crianças criadas por mães
homossexuais (mães biológicas e adotivas) e os resultados mos
traram que, tanto os níveis de ajustamento maternal quanto a
auto-estima e o desenvolvimento social e pessoal das crianças
são compatíveis com crianças criadas por um casal tradicional
O tema não pode maís ser negado e são necessárias mais pes
quisas que possam esclarecer a dinâmica dos relacionamentos,
mas também é preciso refletir que, mais importante do que a
orientação sexual dos pais adotivos, o aspecto principal ê a
habilidade dos pais em proporcionar para a criança um ambi
ente afetivo, educativo e estável.

125
0 perí odo de es pera
O período de espera é uma fase de transição para a
parenta lidade, na qual os indivíduos não são nem pais mas
’— também -não-são-llpais em ^espcra” como ocorre na grav idez.
Assim, nesse período de espera os candidatos não têm muitcT
ainda a comemorar e nem' têm sinais positivos de que eles re
almente serão pais de uma criança. Nem os candidatos à ado
ção nem as outras pessoas têm definidos papéis para acompanhar
e apoiar essa fase de transição para a parentalidade. Além do
mais, essa transição típica ocorre em um contexto de perdas e
privações associadas com a infertilidade e com o desejo de um a
crian ça (Brodz ins ky e Schechter, 1990). Diferentem ente da g ra
videz, os adotantes esperam uma criança na sua ausência, ou
seja, sem a segurança que ela realmente venha e sem ter sinais
de sua presença física (Sandelowski, Harris e Holditch-Davis,
1993). Pesquisas mostram que os candidatos ficam cada vez
mais inseguros quanto maior o tempo de espera. Gassin e
Jacquemin (2001) afirmam que os pretendentes apresentam tais
ansiedades em função de seu histórico de perdas e suas expec
tativas sobre a adoção, pois ter filhos é uma determinação
macrossocial e, ao mesmo tempo, um dispositivo de poder
microssocial. ;
Neste perío do os candidatos ficam usualm ente rum in an
do sobre como foi a concepção dessa criança sem a sua real
presença física; pensam sobre o critério de seleção da cria nça e
em sua história de vida; geralmente listam uma série de carac
terísticas da criança, tais como isexo, idade, estado de saúde e
outros, por ocasião de sua candidatura. Nesse caso eles simu
lam uma ação de escolha e assim eles podem imaginar com
mais facilidade essa criança que ainda não existe. Assim como
os pais genéticos sabem o sexo do seu bebê; os pais adotivos às
vezes podem saber o sexo da criança que poderão ter
(Sandelowski, Harris e Holditch-Davis, 1993). Não é possível

126
exigir que todos os candidatos esperem a todo momento uma
criança virtual sem sequer imaginar algumas de suas caracte
rísticas, mãs o que a equipe deve fazer é encontrar maneiras de
refletir sobre os desejos de cada um e como eles se coadunam
com as características das crianças que esperam uma família.
— •Q-perÍQdo-de-espera-tem_sido_reIatado por muitos como
difícil e frustrante, e os psicólogos da equipe técnica podem
criar formas de manter os candidatos como verdadeiros parti
cipantes do processo; Esse tempo pode ser muito longo, mas
algumas vezes pode ocorrer ser muito curto, dependendo de
muitas variáveis, como a exigência dos candidatos e as crian
ças disponíveis. E~importante que os adotantes sejam informa
dos do andamento do seu processo, pois o relato é que os
candidatos sentem-se esquecidos e isolados. Sandelowski, Harris
e Holditch-Davis (1993) concluem em' sua pesquisa que este
período de espera pode ser tão rico quanto o período de espera
de um filho genético, não necessariamente um estado depressivo
e ansioso. Se os candidatos ficam isolados, muitos podem desis
tir e p arti r pa ra ou tro tipo de adoç ãó como mostram os relatos
de Weber (1999a, 1999b, 2001). Pode ocorrer uma espécie de
bargan ha quando um a criança é proposta. Na dificuldade de
se obter um bebê do sexo feminino, por exemplo, é oferecida
uma outra criança, e os adotantes sentem-se pressionados em
concordar, especialmente se estão esperando há muito tempo.
Não basta pressionar, mas pre parar. O longo tempo de espera
pode fazer co m que aceitem um a criança somente para acabar
com a ansiedade da espera, e isso pode trazer frustração e de
sapontamento.
N a m aio ria dos casos de crianças mais velhas co nsidera
das para adoção é preciso lembrar que suas vidas geralmente
estiveram rodeadas de circunstâncias difíceis, com inúmeras
decepções e privações importantes. Assim, a equipe profissio
nal precisa estudar cuidadosamente o passado da çriança para
determinar suas necessidades específicas e áreas mais vulnerá-

127
veis para procurar um' làr adotivo especialmente adequado às:
necessidades da criança, no qual as pessoas estejam preparadas
para recebê-la.

A sel eçã o de can di datos -


A orientação atual sobrç a adoção indica necessidade de
, que o processo adotivo se realize sob a supervisão dé profissio
nais como a única forma de garantir a pais genéticos e adoti
vos, e especialmente à criança, que os procedimentos utilizados
correspondem ao mais alto nível técnico e ético. Isso é de vital
imp ortânc ia po is toda deci são relacio nada com o futuro de vima
criança não pode, e nem deve, estar sujeita à improvisação
nem à participação de principiantes nestas áreas. A apreciação
que a equipe profissional faz do caso deveria constituir o ante
cedente fundamental para o juiz, que é quem deve resolver a
respeito da conveniência da adoção para uma criança determi
nada (Sandelowski, Harris e Holditch-Davis, 1993).
Não é possível esquecer, como relatam Cassin e Jacque-
min (2001), que co-existem atualmente uma legislação pós-
moderna e costumes clássicos* ou seja; a maioria absoluta das
pessoas no Brasil ainda adota crianças por infertilidade oü di
ficuldade em gerar filhos genéticos. A equipe, técnica deve ter
consciência de que os adotantes afirmam que é muito doloroso
falar de sua infertilidade/dificuldade nas entrevistas-. Eles en
tendem que devem ser questionados a respeito disso, mas sem
pre com sensibilidade e de uma vez só e uma só pessoa e não
a assistente social, depois a psicóloga, depois o juiz etc. Há
aqueles que qu erem uma seg unda ado ção e têm de falar tudo .
. de novo sobre sua infertilidade e com pessoas diferentes (Parker,
. 1999).';
A equipe técnica não deve atuar, apenas nas situações
prontas, mas entender o seu papel profilático, co mo afirm a

128
Vargas (2000: 59): “Uma das questões técnicas mais relevantes
no trabalho do psicólogcTcom a adoção é a possibilidade de
atuação preventiva. A obrigatoriedade de um contato inicial
mediante avaliação para o cadastro de candidatos e a observa
ção dos vínculos familiares em formação, durante o estágio de
convivência, facilitam que a intervenção do psicólogo venha a
ter um ca ráte r mais orien tado r e de suporte do q ue p erícia’ 5.
A atuação de uma equipe técnica na qual um psicólogo
faça parte deve levar em conta a reflexão sobre as práticas da
equipe e a constante avaliação dos resultados e satisfação dos
candidatos, para fugir do aspecto essencialmente burocrático
do processo, como assegura Pilotti (1988: 37):
Se bem que são inegáveis as vantagens que apresenta a
cooperação de instituições especializadas no desenvolvimen
to de um processo de adoção, não c demais indicar que
não são
vez alheias ao arisco
de incentivar de cair
adoção, em burocradsmos
trazem obstáculos. O que, em
desafio
de uma instituição que se dedica à adoção consiste em
cumprir rigorosamente com as normas técnicas que defi
nem seu funcionamento, mas tratando de evitar processo:?
excessivamente longos e difíceis.
Anteriormente, a avaliação de candidatos consistia ape
nas em critérios de seleção de moradia, ingresso e composição
familiar. Agora a tendência mârca a necessidade de estabele
cer um processo de assessoria constante para as famílias adoti
vas, tanto antes quanto depois da colocação da criança. Em
vez de ter o objetivo de encontrar pais ideais, a equipe técnica
dos Juizad os da Infancia e d a Juv entud e dev e saber rec rutar
candida tos pa ra o grande nú mero de cr iança s que precisam de
um a famíl ia e ajuda r os postulantes a se t orn arem pais capaz es
de satisfazer as necessidades de um filho adotiva “Os profissi
onai s da adoção tornam-se, ass im, agente s transformad ores em
potencial, através de um a práxis com os futuros pais adotivos a
partir de grupos operativos, cuja vivência, aliada ao acesso a

129
informações, transcende a avaliação judiciária e propicia no
vos referenciais, atitudes e conceitos em torno da Família e
ad oç ão ” (Cassin e Ja cq ue m in, 2001 : 249).
Assi m, a prim eira tarefa de um a e qu ipe ;de adoção é
-garantir,que_os candidatos estejam dentro dos limites das dis
posições legais em vigor no país e, a su a segunda e im portante
fase, seri a iniciar um prog ram a de trabalho com os postul antes
aceitos, elaborado especialmente para assessorar, informar e
avaliar os interessados e não apenas “selecionar” os mais aptos
(Weber, 1997), Diversos modelos de seleção de candidatos e
aspectos norteadores deste processo têm sido discutidos e apre
sentados po r pesquisadore s contem porâneos, e algu ns serão
mostrados a seguir.
Pilotti (1988) apresenta sugestões para nortear o proces
so de seleção: 1
1. Os pais adotivos devem ser selecionados de acordo com a
sua capacidade para exercer os;papéis inerentes à paternida
de e maternidade, como também se baseando no potencial
que demonstrarem para se tornar pais capazes de satisfazer
as necessidades de uma criança durante as diferentes etapas
do seu desenvolvimento;
2. Nessa seleção, são sempre prioritários os interesses da crian-
Ça,
3. A equipe técnica das Varas de Adoção deve definir e infor
mar claramente aos interessados os requisitos e procedimen
tos que regem o processo de seleção, a fim de evitar possíveis
interpretações errôneas;
4. A posição soci o econôm ica dos postulant es ou sua capacida 
de para exercer influências de diversa índole não deve cons
tituir um elemento de importância no processo de adoção.
Em seguida, Piíòtti (1988) mostra quais aspectos de ava
liação da idoneidade dos candidatos devem ser investigados,
embora não indique de que maneira isso pode ser feito:

130
.1. Investigar a personalidade e maturidade dos candidatos; o
modelo de.se relacionar com a própria família; qualidade da
união matrimonial; adaptação no lugar de trabalho; ativida
des comunitárias e atitudes perante a tolerância e a disciplina.
Maturidade: capacidade para-dar e receber afeto; habilidade
~“pa ra'as sum ir"a "rc spo nsã bili d ad <Tde cuida r, gu iar e pr oteg er ãT
outra pessoa; flexibilidade para mudanças segundo as neces
sidades dos outros; habilidade para enfrentar problemas, de
silusões e frustrações;
2. Ve rifi car a qua lidade d a un ião co njugal e atitudes para com
as crianças. Os futuros pais adotivos devem ser simplesmente
pessoas comuns caracterizadas ta nto pelas debilidadcs e ca
rências quanto pelos aspectos positivos, mas devem ter habi
lidade e afeto pára com as crianças. Devem ter a capacidade
de aceitar a criança que adotarão como ela é, sem noções
preconceituosas de como
mente. Tolerantes para aceitarseadesenvolverá física e emocional
realidade dos antecedentes
do filho;
3. Verificar a capacidade de lidar com a infertilidade e reações
quanto a isso;
4. Determinar.se as motivações estão baseadas.em necessida
des emotivamente sãs: desejo de levar uma existência mais
completa c realizada; assumir responsabilidades inerentes à
paternid ade e matern id ade; ajudar um a criança; contribuir
para o desenvolvimento de outro ser hum ano e principal
mente o desejo de dar e receber afeto.

Em relação às motivações, pesquisas recentes (Weber e


Gp rnélio , 1995; W eb er, ■1999a; We.ber, 20 01) têm dem on stra 
do que não parecç existir uma correlação significativa çntre a
rnotiváção dos candidatos e a satisfação com a a.doção, seja do
ponto de vista dos pais adotivos seja dos filhos adotivos. Assim,
é necessária u m a relação menos d og mática .em relação a ess a
questão.

131
Alguns autores'apresentam as características' que os can
didat os a pais adot ivos deveriam ter valorizando a capac itação
pela equipe técnica. Segundo Sanz (1997) os serviços de ado
ção deveriam valorizar os candidatos e contribuírem para sua
capacitação mediante um programa quê contenha tanto as
pectos genéricos como específicos de cada càso, com o objetivo
de desenvolver posições preventivas da intervenção. Nesta
capacitação,, os pais' adotivos devem estar dispostos a:
1. Ser os primeiros a revelar a adoção a seu filho e estar dispos
tos a responder a suas perguntas;
2. Expressar empatia, compreensão e respeito às necessidades
do adotado em conhecer seus antecedentes e as razões pela
quais foi.adotado; ■
3. .Contatar com a instituição ou serviço de adoção para solici
tar mais dados sobre os antecedentes da criança se as infor
mações de que dispõem são insuficientes;
4. criar
Comunicar-se abertamente
uma atmosfera em que coma seu filhosesobre
criança sintaa livre
adoção e
para
perg untar o que desejar;
5. Continuar falando da adoção depois de fazer a revelação
inicial;
6. Adaptar o nível de conversação ao nível de maturidade
cognitiva e emocional da criança;
7. Entender os sentimentos da criança e as causas dos mesmos,
• tanto aq ueles que t êm sua base na adoção, co mo aquel es que
não têm.

Outros autores entendem que a equipe técnica tem mais


a oferecer e. enfatizam a necessidade de não apenas selecionar
mas fornecer, por meio' de técnicas aprofundadas, um “curso
de preparação” (Amorós, 1987), com òs objetivos de:
l. Ajudar os candidatos a tomarem consciência de sentimentos
e atitudes que surgem durante a adoção;

132
2. A po iar os pais adotivos a ace itarem as diferenças do filho •
adotivo; ,r. . T-
.3. Potencializar a capacidade dos pais para enfrentarem de
maneira adequada a educação da criança adotada;
4. Apoiar-os pais na elaboração e aceitação das srcens da cri
ança adotada;
5. Auxiliar os pais a assumirem a importância da revelação e
trabalharem os elementos para facilitar a influência positiva
deste momento: quando, o que e como informar.

Segundo Sánz (1997), a finalidade da intervenção com


candidatos e com pais adotivos deve ser a de apoiar o processo
de adoção e não simplesmente atender situações familiares
disfuncionais que, apesar de serem um risco, têm de ser aten
didas com outros recursos dentro dos circuitos de saúde, edu
cação etc.
Concordamos com Biniés (1997) que relata a sinaliza
ção de m uitas m ud an ças nos últi mos anos no: qu e se refere à
seleção de candidatos à adoção, e a primeira delas é que deve
prevalecer o interesse da criança. Neste sentido, pelo menos
nos países desenvolvidos, foi ultrapassada a quase exclusivida
de das adoções de bebês saudáveis para o desenvolvimento de
um trabalho que possibilitasse a adoção de crianças com certas
particula ridades (crianças mais velhas, de raças diferentes, com
problem as de saúde entre outras).
A segunda mudança importante refere-se ao modelo do
processo de seleção. In icialm ente eram utilizados modelos de
seleção que tinham somente o objetivo de classificar e desco
brir atrib uto s desejáveis em candidatos a pais adotivos, realiza
dos por meio de diversas entrevistas e baterias de perguntas e
testes. Este m odelo - que ainda é mu ito uti lizado n o Bras il —
marca um claro distanciamento e uma posição somente
interrogadora que pouco facilita a troca de atitudes, desejos,
motivações, medos e ansiedades entre os candidatos e os pro
fissionais.
Atualmente dève ser privilegiado o modelo de prepara
ção/educação que tem por base atividades pedagógicas e trei-
----------namento para o novo papel de pais adotivos. Neste modelo,
-

todos os candidatos’aptos idônea e legalmente passam por uma


série de atividades educativas preparatórias. Tem a caracterís
tica de ser um modelo aberto e flexível, e as atividades realiza
das em grupos de vivências auxiliam os candidatos a compre
ender melhor a criança adotada, responder adequadamente às
suas necessidades e sentimentos e, ao. mesmo tempo, verificar
se é i sso mesm o que p ensa ram sob re úm a adoção, confrontan
do as suas próprias motivações e habilidades com as demandas
da realidade que se lhes apresenta.
De acordo.com Biniés (1997) os objetivos deste modelo
são:
a) Ajudar, os candidatos’a'explorarem a n atureza da parentali -
dade p or adoção e com preende em seus própri os sen timentos
. e as dificuldades que pod em apres entar-se nas relações ado 
tivas;. ■.
b) P reparar os candid ato s a reconhecere m se são capazes de
aceitar a ad oção e me smo_a renunc iaFa ela volunt ariamente
se pe rceb erem que não é exatam ente o que bu scam ;31,.,
c) Facilitar aos candidatos a realização de uma avaliação de
sua própria motivação, de suas habilidades e necessidades;
d)!Proporcionar orientações para as habilidades necessárias para

a.^educação da oriança
As pesquisas adotiva.
mostram que, pára a compreensão de um
papel novo em nòssa vid a ou para mudanças de atitudes e
com portam entos impo rtantes, não basta f reqüen tar e as sistir a
palestras: Neste m odelo de preparação/e ducação são utiliza
dos gru pos de discussão com atividades e vi vênci as part icipativas
(treinamento de papéis, brainstormirig, trabalhos em. pequenos
■ grupo s, víde os, fo tografias^ desenhos, treina m en to de habilida-

134

&
........ .
cies sociais, treinamento de práticas educativas) que têm o ob
jetivo de atender a"três aspectos dos participantes: •
1. Refletir atitude? e comportamentos emocionais, como a dis-
•posição pa ra aceitar o passado da cria nça, seu s sent imentos e
recordações sobre a sua família; disposição para mostrar res
peito pelaTamília genética as“circunstâncias-que levaram -à-
. separação definitiva; ajudar a criança a conservar e valorizar
a sua própria história; aceitar os sentimentos de ambivalência
e insegurança da criança e seus desejos de conhecer mais
sobre o seu passado etc.;
2. Desenvolver habilidades que permitam enfrentar de manei
ra competente a tarefa de educar uma criança adotada com
todas as suas características;
3. Discutir idéias e sentimentos sobre o processo de adoção e
suas implicações, os problemas mais comuns, os recursos
existentes na comunidade para apoiar as famílias etc.

. É preci so entend er que se mpre exi ste um a porcentagem


de risco em um processo de.seleção e, portanto, não^é possível
depositar todas as garantias de succsso; neste processo. A equi
pe técnica te nta im agin ar que, fazendo um a seleção ótima,
estaria garantido o sucesso da relação familiar. Isso é impossí
vel de saber. No entanto, a passagem de um tipo de seleção
basicam ente de valoração dos atributos dos candidatos para
um processo de seleção no qual se oferece, primeiramente, uma
preparação, gara nte um m arco de reflexão teórica im portante.
Além do mais, outro fator deve ser repensado pelas equipes
técnicas: o acompanhamento e assessoramento posterior das
famíli as por ado ção, um a. vez que se sab e que a inco rpo ração
de um a crian ça em u m a famíl ia sempre, desencadei a um a es 
pécie de crise familiar, O pensam ento preventivo em um .p ro -
cesso de a co m pa nh am en to é impresci ndível. Jofré (1996) sinaliza
que as equipes técnicas que interv êm no process o de sel eção de
candidatos deveriam ser as mesmas que intervenham na sele-

135
ção de um a famí lia para um a criançá concret a,' assim co m o no
período de adaptação criariça-fam ília e no, acom panham ento
posterior.
Além do mais, não é possível esquecer o trabalho da
equipe técnica que trabalh a com adoção dos Juizad os, da In-
■fânci a e d a Juv en tud e, que devem estar sistcm aticam cnte
conectados com os Conselhos Municipais de Direitos da Cri
ança, os Conselhos Tutelares e as ONGs que tràbalhám com a
inserção da criança na família, como salienta Vargas (2000, p.
139), essa aliança traz diversas vantagens:
a) A prevenção das “adoções prontas” (adoções intuitiipersonae),
ha identificação/orientação pelos Conselhos Tutelares e
ONGs, das redes de informantes/intermediários não legais
•qué atüam nas mesmas;"
b) A prevenção do abandono, através da identificação das mães
na própria rede que estimula as entregas diretas, trabalhan
do sua decisão de entrega e prevenindo assim reincidência
ou, avaliando com as mesmas os recursos que possuem ou
que possam obter para criar seu filho.
c) A "preparação de cand idaturas com potencial para" realizar
as'adoções necessárias —que já vem sendo realizada de for
ma in depen dente pelas Ass ociações' de Pais e Gru po s d e A poio
à Adoção, poderia ter o respáldo rháiòr da Rede de Atendi
mento, recebendo estrutura para um atendimento mais téc
nico pa üta do riá ’orientação p reven tiva e m elhor instru m en 
talizado para atender a demandas ináis complexas.
d)fcÓ ac om pa nh am en to'du ran te o está gio de convivência po de
ria ser mais sistemático^e, efetivamente preventivo caso fosse
reali zado po r prof issionai s desvinculados da avaliação d o J u 
diciário em lo cal ade qua do às nece ssidades dò grup o em for-
• mação, còmo o pró prio ambi ent e domiciliar.
Weber (2001: 247) apresenta uma sugestão de prepara-
'■ çã o/e du ca çã o dividida em dois grupos disti ntos: o p rim eiro
grupo seria composto por aqueles que já têm filhos adotivos e/

136
ou genéticos,,e outro por aqueles que não os têm, pois as habi
lidades refletidas.nesta preparação podem ser diferentes. No
entanto, é p ossível pe nsa r que um grupo mais het erogêneo tam 
bém possa trazer vantagens. Esta preparação deve nec essaria
mente incluir a criança, inclusive sob condições que serão apenas
utili zadas no fu turo p róxim o. Á seguirã o esquem a de W eber
(2001 ):
•' -Gr up o ini ciant e -, , - .-'/G r uposê nior •
: Não temfilhos ád
ofivosoubiológicos-: : i- Temfilhos adolívos e/ou biológicos

Aspfaos ESPECÍ FI COS DA AO OÇ ÍO ,


■ aspectos legaisdo^processo* ^ v _)]
V' outra criança na famíliè quáiidb se leni.
.V preajncei ^ :' .(ilhós biológicos oii ádòiivos :.
- heréd ifariedáb'd ; ; ciúmes;.,'.,",
divisão de tarefas
arriorpelosfilhos -

^déiróímênjoítà^

■■■.■■■. S tíÂBIllttDÓs^^r:^.
Í - G rupos ' d e " m i s ^ d o t ív o s ^ :> FeeóbackPAR
ÂHÃOhabiutaoòs.••
DÍsfuti moyer^hsci èntiraçSp sob% '• Prevençãodé‘
a tf dções informais'.-'j: r ; [
\ ã dinâmica daifamfiiàs ádòlivás '-‘.'r •: Proposição de continuar'a participação

P reparação d a criança ;> ;


CfílANCA IND
ICADA 'Quem é a faiiiflla que pretende adolá-lá
Fotos e video; V •. . ; '
. ^Se teráírmSo ou hSo ....
;.í Preparaçãopairâ rafleiSo econscientização -:,
-.

/.v;;6da lamíii
'príi a idealizadae atraz
nêirD'encòVifro família
sêm rea
l £•. à v
préaruledade
: deveser preparado ram cuidado ; v •’ v
A criança deve ser esclarecida se siia mudírtça.
Preparaçãoparaá crIaíiçapísighaoa'.' para unia familiaédefinitivaouéuma ftentativá!’
Dossiê da história pessoal a ínsfitcioiíaí; Crianças tém irni passado na Inst liuiçaij é devem
Perfil psicológicodas criançasma
toras; : . poder íevarseu s-pertéricésfavoritos1 eobjetos de
Contatol nterpessoál. . ; apego ■ h:-iY -/w ’ ':Sr;-'
Prepa rar outroslhas
(I àdotiyos ou biológicas ' Cuidado,especial quando a criança freqü enfae
• trocaráde escola; ' ''

Figura 1: ep
Rresen
taçãográfica de umpossível procedi
mento parapreparação
de adotanles eotado
ad s
(Weber, 2001:247).

137
A conclusão é a necessidade de uma mudança de
paradigm a, ou seja, de a equipe técnica te r um a conduta peda
gógica e nao simplesmente avaliativa, “retirando-se o foco de
suas atri buições d a perícia para rec olocá -las num p atam ar mais
amplo que inclua o preparo e a reflexão dos pretendentes”
(Cassin e Ja cq uem in , 2001: 249)7É preci so aindãTref leti rrso bre
as famosas “adoções prontas” e se “há pouco a fazer” nestes
casos, por que não estabelecer condicionalmente a participa
ção de tais adotantes em grupos de preparação? Granato (1996:
107) ressalta que “o tema da adoção! intuitu personae não tem
sido focalizado pelos estudiosos da adoção, mas é dos mais
angustiantes e perturbadores para aqueles que efetivamente
trabalham nesse campo e ocorre com umà freqüência muito
superior à que sc imagina”. Na realidade brasileira que.se apre
senta, não é possível apenas aguardar candidatos que procu
ram por um bebê recé m-nasci do, mas também traçar est ratégias
de recrutamento de pretendentes que ;possam desenvolver ha
bilid ades p a ra a adoção de crianças com outras características,
qu e lo tam as ^instituições d e ábrig am en to. N ão é possí vel ter
respostas para tudo, mas é possível refletir sistematicamente
sóbre nossas práticas sociais, profissionais e pessoais, como
poeticam ente rela ta M areei Proust: “À verd adeira viagem da
descoberta consiste não em buscar novas paisagens, mas em
ter olhos novos”.

R eferên ci as b ib liog ráfi cas


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140
Saio de C arval ho

O s Laud os e Perí ci as C ri m in ológicas na Le i de Ex ecução Pe nal


A Lei de Execução Penal (LEP) institui a avaliação cri-
minológica como elemento daquilo que a doutrina penal de

nomina
aplicação'individualização administrativa
da sanção pelo juiz da pena’.
(individualização Apóscabe
judicial), a
ria aos agentes do sistema carcerário classificar os condenados
com intuito de dete rm inar o pro gram a ‘ressocializador’ — -os
condenados serão classificados, segundo os seus antecedentes e personalida-
-de} para orientar a individualização da execução penal(art. 5o, LEP).
Assim, os condenados ao cumprimento de pena privati
va de liberdade, principalmente aqueles que cumprirão em
regime fechado, serão submetidos a diagnósticos para obten
ção de elementos necessários à adequada classificação,
objeti vando est abel ecer o s parâm etros d o ‘tratam ento p enal’ .
A Comissão Técnica de Classificação (CTC), para ob
tenção dos dados reveladores da personalidade, poderá requi
sitar informações, entrevistar pessoas e realizar as diligências
que considerar necessárias (art. 9°, LEP). O, trabalho da CTC é
presidido pelo D ir etor da instituição carc erá ria e sua estrutu ra
é composta, no mínimo, por dois chefes de serviço, um psiqui
atra, um psicólogo e um assistente social (art. 7o, LEP).

141
D eterm inação legal aditi va à CTC é a d e acom panh ar a
execução das penas privativas de liberdade (art. 6-, .LEP), de
vendo propor, à autoridade competente, as progressões (art.
112, LEP) e regressões (art. 118, LEP) dos regimes, bem como
as conversões de penas (art. 180, LEP).
Diferem da CTC , cujo labo r'tem como esc opo ; avaliar o
cotidiano do condenado, os afazeres dos técnicos do Centro de
Observação Criminológica (COC). Este local autônomo da
instituição carcerária realiza exames periciais e pesquisas
criminológicas que retratarão o ‘perfil do preso’, fornecendo
instrumentos de auxilio nas decisões judiciais dos incidentes da
execução , notadamente livramento condicional e progressão
de regime. Logo, enquanto a CTC atua no local da execução,
\ como observat ório do cotidiano
Vé^ínoÍdada\j^o*^jn^pro^ej^yo^4rt^^ d(? aPenado, o C O C tem por fun-
Çã° realizar exames criminológicos
^toVdemm■■determinado;‘períòdfc • r .• j . . ,
mais sofisticados, com intuito de
-v„"p
er soifali dadéVO£udos;•e''.parecères ) a u x i l i a r OS Órgãos da execução. .
Não obstante, o Código ..... Penal
,fechádo“aoc serrn-;abe rtoj e;deste;a^o,aberto)'.;# p r e v e q u e O c o r p o C nm inolO glC O
^ tá S ? ÍÍ ÍÍ S É É ÍI Í.(G O G ) deverá realizar .prognósticos
de não-dehnqümcia, requisito subje-
concessão .do livramen-
•^ •^ ^ o r-pi^vêrí^p^i^íú^ã^è5H^'^^cfc,Jd (^ to co iidicio naL —para o condenado
po r crime doloso, cometido com violm-
^;5ííõ;:eiktót^da;njcsma;^^"a5qüc^ ípistem^jfc cia ou grave ameaça à pessoa^ û conces-
são dó livramento ficará também subor-
í^^jàcxiy^po^cípaçâü dttuidçL a constataçao de condxçoes
pessoais quefaça m presumir que o libe-
rímc'{àit.’. í.^ô/da LeipqdcVegrea^/se^
Wcúçf.Q)Sot‘co ná éh ído - re-*
,ld| e7Exccuçãò)í*'>:r/ú :,',i-fado, nao voltara, -a delinqinr
'-'tv ’ . ... (art.
. 83,
luk * i , r , . ot>v A . ,
para grafo unico, C r). Assim, o le-
. gislad or estabeleceu condições espe cialí ssimas p ar a concess ão
do direito nos casos da denominada ‘criminalidade violenta’: o
: ’ dispositivo se inspira na reclamada defesa social e tem por objetivo a pre-
venção gerai Se após o exame criminológico (ou resultar da convicção do
juiz) ainda revelar o condenado sinais de desajustamento aos valoresjurí-
dico-criminaiSj deverá continuar a sofrer imposição daquela pena até o seu
limitefin a l se a tantofor necessária em nome da prevenção especial (Fran
c o etalli, 1993: 535).
— ——O-Cxame fpericial)_entendido còrrió idôneo para a prog-
nose seria o de cessação de periculosida de/^õu sêjã^l nstrumen-
to análogo àquele aplicado ao inimputável (art. 175, LEP); caso
contrário, na.ausência do exame, o juízo será hipotético2(Cos-
' ta jr .j 1999: '206): '
Conclui Alvino Augusto de Sá, ao discutir a natureza
dos exames crimiriológicos é as formás de prognose, que o pa-
' recer da CTC deveria voltar-se eminentemente para a execução, para a
terapêutica penal e seu aproveitamento por parte do sentenciado. Já o exa
me criminológico épeça pericial, analisa o binômio deUto-delinqüente e o
foco central para o qual devem convergir todas-as avaliações é a motivação
criminal, a dinâmica criminal , isto é, o conjunto dosfatores que nos aju
dam a compreender a srcem e desenvolvimento•da conduta criminal do
examinado. Ao se estabelecerem as relações compreensivas entre essa condu-
' ta e essesfatores, se estaráfazendo um diagnóstico criminológico, N a dis
cussão> devem ser sopesados todos os elementos desse diagnóstico e
contrabalanceados como os dados referentes à evolução terapêutico-penal,
de form a a se convergir o trabalho para um prognóstico criminológico, do

qual resultará a conclusão fin a l (Sá, 1993: 43).

1À guisa de ilustração: a verificação dos requisitos inseridos no art. 8 3 e seus incisos,


impondo-se também a realização da perícia, para verificar a superação das condições e
circunstâncias que levaram o condenado a delinqüir, consoante o conteúdo do parágrafo
único do mesmo dispositivo, e ressalva, ainda, que a norma, destinada ao sentenciado por
crime violento, caracteriz a exigência necessária diante da extinção d a medida de segurança
pa ra os .imp utávei s (TA/RS, HC no 285039624, Rei. Talai Selistrc).
2 Ne sse sentido , a verificação da s condições pes soa is e subjetivas do sentenciado não se
f a z só e necessariamente po r exame s imil ar ao antigo exame de verificação de cessação de
pericutosidade.' Por outros meios, inclusive sem qualquer tipo de verificação peiicial, pode
concluir-se de ta l ausência de perigo sidad e na devolução do. sentenciada à comunidade (TJ-
RS, RA , Rcl. Gilbe rt o Nicde rauer Corr êá — RTJE 36 /364).

143
A atuaç ão, pe ri ci al c om o control e d a ide nti da de do preso

A hipótese central do trabalho, de .investigação.-realizado


é a de que os exames e prognósticosvcriminológicos previstos
na LEP rede finem um a matriz --inquisitiva q ue .viola os mais
sagrados direitos do cidadão, notadamente aqueles relativos à
livre manifestação do,pensamento e. à formação de sua perso
nalidade, reforçando o estigma de delinqüente.
A afirmativa gan ha consist ência na análi se m etodológica
. empregada pelos técnicos, do sistema penitenciário (psicólogos,
assistentes sociais .e. psiquiatras). . ■. , : ,
\ Percebe Hoen isch que . o.„trabalho do perito , princ ipal-
. mente do .psicólogo, é fundado, na técn ica de ‘reco nstitu ição de
vid a pregres sa5, que via de regra y.em a confirmar o rótulo de criminoso
.
Desta forma, a. .elaboração dos exames, psiquiátricos obedece a um
detenninismo causai\ onde o 'nosólogo’.nãosó descreve a doença/delito do
paciente/preso, mas também prescreve a sua conduta futura. (Ibrahim,
1995: 52-53) . -, •
.. JEm realidade, não apenas o sistema penalógico adotado
• . ‘psiq uia triza’ a dpçi são.- do-.mag is trado, d eleg an d o a m otiv aç ão
■ do ato deci sório ao.peritoj que o reali za a pa rtir ,de julga m en-
.tos morais sobre as opções e condições de vida do condenado,
como estabelece .um mecanismo de (auto)reprodução da vio
lência pelo reforço da identidade criminosa {selffidlfilling profecy).

Lembra
‘operadores Vera Malaguti
secundários’ do Batista,
sistema,aoque
estudarestes
a atuação dostécnicos
quadros
que entraram no sistema para ‘humanizá-lo3, revelam em seus pareceres
(que instruem e tem. enorme poder sobre as sentenças a serem prof endos)
conteúdos' moralistas, segregadores e racistas, carregados daquele olhar
lombrosiano e danuinista social erigido na virada do século XIX e tão
presente até hoje nos sistemas de controle social (Batista, 1997: 77).
Sabe-se que um. dos mais-perversos modelos de controle
. social é. aquele que funde o discurso do dire ito com o discurso
da psiquiatria, ou seja, que regride aos modelos positivistas de
coali zão conceituai do juríd ico com a criminolog ia naturalist a.
É que o sonho da. medição da periculqsidade, foijado no inte
rior do paradigma criminológico positivista, encontra guarida
nesse sistema.
Retomando conceitos como propensão ao delito, causas da
delinqüência e personalidade voltada para o crime, o discurso oficial se

reprodúz, condicionando irrefutavelmente


exame clínico-criminológico ~ o ato judicial ao
psicólogos, psiquiatras, pedagogos,
médicos e assistentes sociais trabalham em seus pareceres, estudos de caso
e diagnósticosy da maneira mais acrítica, com as, mesmas categorias utili
zadas na introdução das idéias de Lombroso no Brasil (Batista, 1997:
86).
Eugenio Ra úl Zaffaroni sustent a qu e est e ideal de m edir
a periculosidade é uma das pretensões mais ambiciosas desta
criminologia etiologico-mdividualista equivocada. O ‘periculo-X*
. . ■■'*•
sômetro , como ir oniza o mestre porten ho , cientifi cam ente cha-
mádo de prognósticos estatísticos, consiste em estudar uma->
quantidade mais ou m enos nu me rosa de reinc ident es, quanti ficar
suas causas e projetar seu futuro (Zaffaroni, 1988: 244).
Se a despatologização do delito ocorreu com a teoria .....
estrutural -funcionalist a de D urk heim no iní cio do séc ulo pa ssa- 'í
do, incrementando um giro copernicano na criminologia que
culminou com a consolidação acadêmica do pa r a d ig m a d a r e a - ‘i.
ÇÃO social , o reducionismo sociobiológico desse modelo em
voga no Brasil revela-se obsoleto. -No entanto, mesmo desqua
lificado epistemològicamente, acab a po r ditar as regr as da exe
cução da pena eni decorrência de sua adesão pelos técnicos da
criminologia.
Apesar de a instrução probatória (cognição) no processo
penal ser suste nta da sob premissas ac usa tórias vin cula das'a 'u m _
direito penal do fato, todo processo: de execução das penas e os
procedim
p or ju ízosento
m eds icalizados
que requerem
sobre avgdiação pericial são
a personalidade, balizados
conform an do
um mo delo de direito penal do au tor e um modelo cri minol ógico
etiológíco refutado pelo sistema constitucional de garantias
estruturado na inviolabilidade da intimidade, no respeito à vida
priv ada e à liberdade de consciên cia e de opçãó.3
Vale lembrar, neste momento, a sempre autorizada fala
de Ro berto Lyr a: virão laudos que são piores do que devassas a pretexto
de anamnesescóm diagnósticos arbitrários e prognósticosfatalistas. A vida
do réu e, também a da vítima são vasculhadas. 0 anátema atinge a fa m í

lia por uma conjectura atávica. 0 labéu ultrapassa gerações. Remotos e

3 Foucault, n*Oí Anormais , lembra que o exame pa m it e p ass ar do ato à conduta, do


delito à maneira de ser, e de fa ze r a maneira de ser se mostrar como não sendo outra coisa
que o próprio delito, mas, de certo modo, no estado de generalidade na conduta de um
indi víduo. Em segundo lugar, essa sêiie de noções tem po r função deslocar o nivel de
realidade da infração, po is o que essas condutas infringem não é a lei mas, porque nenhu
ma lei impede ninguém de ser desequilibrado afetivamente, nenhuma l ei impede ninguém de
ler distúrbios emocionais, nenhuma lei impede ninguém de ter um orgulha pervertido, e não
há medid as legais contra o erostratismo. M a s se não é a lei que essas condutas ínjringem,
é o que? Aquilo contra o que elas aparecem, aquilo em relação ao que elas aparecem, ê um
nível de desenvolvimento átimo: 'imaturidade p s ic o ló g ic a [personalidade pouco estruturada1,
''profundo desequilíbrio’. É igualmente um critério de realidade: rmá apreciação do real’.
São qualificações morais, isto é, a modéstia, a fid eli da de , São também regrar éticas. Em
suma, o exame psiq uiátrico pe rmite constituir um duplo psicolôgico-êlico do delito. Isto é,
desleg alizar a. infração ta l camo for mu lad a pelo código, pa ra fa ze r aparecer po r trás dela
seu duplo, que com ela se parece como um irmão, ou uma irmã, nao sei, e quef a z dela não
mais , ju stam ente, uma infração no sentido legal do termo, mas uma irregularidade em
relação a certo número de regras que po dem ser fisiológica s, psicológicas, morais, etc.
(Foucault, 2002: 20-21).
ridículos preconceitos distribuem estigmas. 0 processo penal, além de todas
as ocupações e preocupações , será atado ao’torvelinho dos habituais e ten
denciososfalsários bem pagos, com humilhações'e vexamespara o acusado
e sua família, para a vítima e sua família, com base em. ‘quadrinhos3e
formulários (Lyra, 1977: 132).
Este papel de legitimação das decisões judiciais assumi
do pela criminologia oficial foi percebido magistralmente por
Michel Foucault Ao responder indagação sobre o porquê de
sua crítica à criminologia ser tão rude, Foucault afirma que os
textos criminológicos não têm pé nem cabeça... Tem-se a impressão —
prossegue —de que o discurso 'da criminologia possui uma tal utilidade,
de que é tão fortzmente exigido e tomado necessário pelo funcionamento do
sistema, que não tem nem mesmo necessidade de sejustificar teoricamente,
ou mesmo simplesmente ter uma coerência ou uma estrutura. Ele é inteira
mente utilitário (Foucault, 1986: 138).

men tos.A ao
utilidade
julgam ressaltada
en to, p.erpor Foucault
rhitindo aos seria fornecer.argu
magistra dos um a ‘b o a -:
co ns ciê nc ia’.4 '’
O juiz da execução penal, desde à reforma operada pela
criminologia clínico-administrativa, deixou de decidir, passan
do apenas a homologar laudos técnicos. Seu julgamento passa;,
a ser informado por um conjunto de micro-decisões (micro-
poderes) que sustentarã o ‘cientificamente’ o ato decisório. As-

4 Afirma Foucault: a pa rti r do momento em que{se suprime a idéia de vingança, que


outrora era atributo do soberano, lesado em sua soberania pelo crime, a punição só pode ter
. significação numa tecnologia de reforma. E osju ize s, eles mésmos, sem saber e sem se der
conta, p ass ara m, pouco a pouco, de Um veredito que tinha ainda_conotações punitivas, a
um veredito que não podem justificar em seu próprio vocabulário, a não ser na condição áe
: que seja transformador do indivíduo. M a s os instrumentos que lhesfo ra m dados,, a pena
. de morte, outrora o campo de trabalhas forç ados , atualmente a reclusão -ou a detenção,
. sabe-se v iu i0 bem que não transfonnam. D a i a necessidade de pa ss ar a tarefa para
pes soas que vão for mu lar, sobre o crime e sobre os criminosos, um discurso que poderá
jus tif ica r as medidas em questão (Foucault: 2002, 139).

147
sim, perdida.no emaranhado burocrático,: a decisão torna-se
impessoal, se ndo, ino min áve l-o sujeito prol atòr.-. .
Lem bra Foucau lt ,qüe o juiz de nossos dias ~. magistrado ou
jurado ~ fa z outra, coisa, bem diferente. de julgar*: Ele não julga mais
sozinho. Ao longo do processo penal,- e da execução da pena, prolifera toda
uma série de instâncias anexas. Pequenas justiças e juizes paralelos se
multiplicam em tomo do julgamento principal: peritos psiquiátricos e psi
cólogos, magistrados da aplicação dapena, educadores, funcionários da
administração penitenciária f acionam o poder legal de punir; dir-se-á que
nenhum deles partilha realmente do direito dejulgar; que uns, depois das
sentenças, só têm o direito defa zer executar a pena fixada pelo tribunal, e
principalmente que o u t r o s o s peritos - não intervêm antes da sentença
para fa zer um jidgamento, mas para. esclarecer a decisão dos juizes
(Foucault, 1991: 24).
Ferrajoli afirma, que estes .modelos correciona listas de
‘reedu caçã o’ - qualquer coisa que se entenda com esta palavra
(Ferrajoli,
s/d: 46) ” acabam se tornando, uma aflição aditiva à pena pri
vativa de liberdade c, sobretudo, uma prática profundamente
autoritária. Esta comporta - prosse gue o autor - uma diminuição da
Liberdade interior do detento, que viola o.primeiro princípio do liberalismo:
o direito de. cada um ser epermanecer ele_ mesmo;- e, portanto, a negação ao
Estado de indagar sobre a personalidade psíquica do cidadão e de transformá-
lo moralmente através de medidas de premiação ou de punição por aquilo
que ele é e não por aquilo que ele fe z (Ferrajoli. s/d: 46).
Converge, nesta perspectiva, Fabrizio Ramacci, ao ava
liar as teorias da emenda desde o processo de filtragem d.a Lei
Penitenciária a partir da Constituição italiana. Leciona que a
, ê bloque-
exasperação da idéià de correção, ínsita na doutrina de emenda
’ada pela proibição constitucional de tratamento contrário ao senso de hu
manidade, tanto nas.formas de violênciaà pessoa, quanto nas de violência
. à.personalidade (v.g. lavagem cerebral) porque contrastante com a dignida
de humana '(art 3 [dá Constituição) e com. a liberdade de desenvolver e
(Ramaci,
inclusive manter.a.prõpria personalidade (art. 2 da Constituição)
1991: 133). ... . ’ •• 1

14 3
A fun ção do s t écnicos do si st em a pe nit en ci ári o ( C ri m inó log os)
de sde um a- perspect iva hum ani st a
N ão obstan te a legitim ação de um modelo m oralista fu n
dado na recuperação, o discurso clínico-disciplinar, ao atuar

como suporte
■decisõe ao jurídico
s em sede e, cria
executiva, assimumsendo, fundir-se
terceiro a elen nas
discurso, ãó-jurí-
dico e não-psiquiâtrico, autopro.clamado criminológico, que,
apesar da absoluta carência epistemológica/é altamente funcio
nal.5
Foucault entende este processo como uma técnica de
normalização do poder que não é apenas"resultado do encon
tro entre o saber médico e o po der judiciário, mas d a com po
sição de um cèrt o tipo dc pode r - nem médico, nem judiciário,
mas ou tro que colonizou e repeliu tanto o sab er médico
com o o pod er jud iciário (Foucault, 2002: 31 -32).
A técnica criminológica, ao se colocar como o discurso
da ‘verdade1no processo de execução, acaba por reeditar um
sistema de prova tarifada, típico cios sistemas inquisitivos pré-
modernos, que incapacita as normas de garantia, visto obstruir
contraprova (irrefutabilidade das hipóteses).
. Nã o ap enas no p lano processual, ma s igualmente no plan o
material, o discurso clínico altera a face do direito penal. En
quanto o objeto de discussão do direito é (deveria ser) o fato
concreto, impossibilitando avaliações sobre.a história de vida
do sujeito, no discurso criminológico é nítida a valorização da
interioridade da pess oa — os diagnósticos são repletos de conteúdo moral
e com duvidosas doses de àentificidade (Bátista, 1997: 84).

■' Sustenta Cristina' Rauter que a 'colonização’ dojudic iári o pel as ciências humanas,
pel a via da Criminologia, corresponde a um processo de hnplanlaçào de uma tecnologia
disciplinar\ com efeitos ao nível do discurso e também- das prá ticas sociais (Rauter,
1982: 80).

149
if-:' •'

Este ‘nó’ teórico acarretado pela sobreposição dos dis


cursos parece ser um dos principais problemas cia execução
penal. As garantias do cid adão; pre so são abandonadas em
detrimento dos juízos técnicos que, segundo Vera Maiaguti
Batista, apesar de aparentemente ‘científicos’, não são nada
neu tros , pois se .destaca m no processo pela construção^e~conso-
lidação de estereótipos (Batista, 1997: 17).
Assim, tendo como máxiína a inadmissibilidade da ne
gativa de qualquer direito com base em avaliações e/ou julga
mentos da personalidade do condenado, restaria indagar: qual
seria a função dos técnicos (criminólogos) para além da de
m and a de avaliações/ perícias?5 j .
Segundo a LEP, as Comissões e Centros de Observação
têm por função realizar anamneses e prognósticos visando à
reinserção social do apenado. Parece, pois, que a atividade do
técnico não é direcionada à confecção de laudos. O trabalho a
ser realizado seria o de propor (não impor) ao condenado um
program a de gra dual ‘tr atam ento penal’,7 objetivan do a red u
ção dos danos causados pelo cárcere (prisionalização). O labor

5 Lembra Miriam Guindani, ao avaliar p papel dos técnicos no sistema peni


tenciário, que os profissionais do Serviço Social [psicologia e psiquiatria, i nclui-se]
for am relegados à fun ção de tarefeiros pa ra simplesmente atender às demandas de ava lia
ção pe rícia pa ra fin s de individ ualizaç ão, progressão de regime ou livramento.cond icio nai :
Assim, perdeu sua identidade como categoria ,ficando relegado; muitas vezes, a um papel
de 1executor de lau do s\ A s ações pass ara m a ocorrer através das equipes de C TC , enquan
to o tratamento pen al previsto em lei tomou-se, com algumas exceções, secundário (Guindani,
2002: 35) . N o m esmo sentido enunci am Hoenisch e Pacheco ao af ir mar que
a despeito das diversas possibilidades de trabalho do psicólogo, observa-se
uma restrita atuação à confecção de laudos técnicos (Hoenisch & Pacheco,
2002: 191-204). !
7 Apesar de entender a categoria ‘t ratamento penal’ absolut amente inade
quada, pois uma contradição em termos, utiliza-se entendendo-o não como uma
fin al id ad e em si do cumprimento da p ena, mas como um conjunto de práticas educativas
e terapêuticas que podem ter significados efunçõe s diferenciadas no processo de cumprimen
to da pena, dependendo dos diferentes fato res teóricos, políticos e institucionais, que o
envolvem (WolfT, 2003: 96)..

150
dev eria ser outro qu e o de ‘tarefeiro’ - fornecedor de dados
sobre ‘conduta futura e incerta’, com o escopo de justificar a
dec isão ju dic ia l.8 . ,
Uma atividade pautada em programas humanistas de
redução de danos.possibilitaria construir com o apenado técni-
___cas_que_possibilitass.enua_minimização;_do„efeito_deletério_do

cárcere (clínica da vulnerabilidade). Constatados problemas de


ord em pessoal ou familia r, deve ria o . téc nico, ju n to .co m o
ap ena do , e tendo como. imprescindível sua anuência, colocar
em prática um processo de resolução do problema, ou seja,
' fornecer elementos para superação da crise e não estigmatizá-
lo, potencializando-a.
Elementar, no entanto,, que qualquer tipo de ‘tratamen
to ’ pressu põe a volu ntariedad e do sujei to, so b pen a de vi olaç ão
do princípio da dignidade humana.
A imp osição de pro gram as .de ressoci ali zação, .n ã o .
ob stante feri r a m ai s e lem entar premiss a, do trat am ento
(voluntariedade), somente é admissível em sistemas nos quais o
enc arce rad o é perceb ido com o o bjet o entregue, ao laboratório
criminológico do cárcere — objeto de uma tecnologia e de um saber de
reparação, de readaptação, de reinserção, de correção (Foucault, 2002:
26-27).
Desde a perspectiva humanista, é inconcebível obrigar o
sujeito a qualquer tipo de medicina,;pois este preserva seu di
reito de ser e continuar sendo quem deseja, tudo em decorrên
cia do princíp io co nstitucional da inviolabi lidade da consci ência
(art. 5o, incisos IV, VI e VIII).

8 Maria Palma WolíT lembra qu e. esta disaicionaridade dos profissionais embasada


em critérios, que não são tão neutros e científicos como pretendem ser, f a z com que, muitas
vezes, o parecer técnico afigure-se quase como um .exercício de suposições,. de futurologia.
Isto, a p ar tir de um discurso quej á está dado como única verdade, bastando ajustâ-lo a
cada caso avaliado (VVolíT, 2003: 93).

151
Importantes, pois, as recomendações do Documento Fi
nal do Programa de Investigação desenvolvido pelo Instituto
Interamericano de Direitos Humanos (IÍDH).
Diagnostica o relatório que inexiste nos ordenamentos
jurídic os latino-am ericanos qualquer tipo dé inte rvenção
participativa d'o apenado na eleição do pro gra m a de reinser-
ção aonado
conde qual estará
tendemsubordinado. Em izregra,
a ser es tigmat ante s,osagregand
informes osobre
expeodien
tes com- sentido infamante altamente negativo que al par de re
sultar una agresión a la personálidad, totalmenle contrariaa losfines que
se propone formalmente el sistema, importa en una seria violación a la.
esfera íntima de la persona, que no se encuentra afectada por la pena
privativa de liberdad más que en la estricta medida de lo que, conforme a
la naturaleza de las cosas, se desprende dei mero heclio de la privación de
libertad (Zaííaroni, 1986:'209).
Conclui Zaffaroni que a pena privativa de liberdade não
tem, sob nen hu m a justifi cativa,' o efeito de c om prom eter a
personalidade c a intimidade do condenad o, de tal sorte que os
técnicos que atuam na execução não estão isentos do segredo
profissional inerente aos seus cargos, isto é, os funcionários não
estão autorizados a divulgar dados relativos à intimidade da
pessoa.
Posto isto, propõe ó relatório (Zaffaroni, 1986: 209-210):
(1) que a observação e a classificação d os condenado s o corra

em um período
tervenção de umade.tempo razoavelmente breve,
equipe-multidisciplinar com apelo
controlada in
juiz da execu ção penal, posibilitando a in te rvenção do
' apenado na estruturação do programa ao qual será subme
tido;
(2) que os informes das comissões de clasificação se.abstenham
de pen etr ar em ■aspectos conc ernen tes à esfera íntim a d a
. pessoa, baseando- se- em modelos , adeq uad os às carac terísti
cas culturais de cada comunidade;

15 2
(3) que os profissionais e.funcionários intervenientes fiquem
submetidos às regras do segredo profissional ou funcional e
que seus informes n ão sej am agrega dos, indiscrimin adam en
te aos autos do processo. -s
Para final iza r, urge lembrar Anãbela M irand a Rodrigues
quando sustenta que o f tratamento\ quer seja realizado em liberdade,
quer em caso de sua privação, é sempre um direito; do indivíduo e não um
dever que lhe possa ser imposto coativamente, caso em que sempre se abre
a via de uma qualquer manipulação da pessoa humana} redobrada quando
esse tratamento afeta a sua consciência ou a sua escala de valores. O
edireito de não ser raludof
t é parte integrante do ‘direito de ser diferente3que
deve ser assegurado em toda sociedade verdadeiramente pluralista e demo
crática (apudFr an co , 1986: 106).

Nota
* Os resultados ap resentados neste artig o são fr uto: dc pesq uisa financiada
pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, desenvolvida
j u n t o a o s e u P r o g r a m a d e P ó s - g r a d u a ç ã o c m C i ê n c ia s C r im in a is
(transdisciplinar) e é parte integrante da versão revista e atualizada do livro
Pena e Garan tias (Carvalho, Saio dc. (2003) Pena e Garantias. R io de Janei ro:
Lum en Juris , 21 edição - pre lo ).
Trata-se, em realidade, de reavaliação e atualização de investigação que se
iniciou no ano de 2000, cujos resultados preliminares foram publicados ao

longo de 2001
lho,- 2002a: e 2002 e(Neste
475-4-96; sentido,
Cangalho, conferir,
2002b: 3-45;fundamentalmente, Carva
145-174; e 487-500).
Imprescindível, destacar, portanto, o apoio dos integrantes (acadêmicos c
mestrandos) do grupo dc pesquisa em Criminologia- e Execução Penal que
realizaram inestimável trabalho de coleta de dados documentais, o qual,
aliado aos férteis debates, deu consistência a inúmeras das conclusões aqui
nominadas. Desta maneira, são sujeitos integrantes da pesquisa as mestrandas
Paula-Gil Larruscahin, Natália Gimencz e Lenora Azevedo de Oliveira, e os
acadêmicos dc direito Rainer Hillmarm, Mariana de Assis Brasil e Weigert,
Rafael R odrigues da S il va P inhei ro M achado , ^Robe rt a L ongo ni dc
Vascon cellos, R enata Jardim da Cunha, Raí Fae lla Pallamolla,1 Eduardo Rauber
Gon çalves, Rob erto R och a R odrigues, Fernanda Juliano Pasquali e Car oli ne

Eskenazi.

153
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 atua ção dos psicólogo s no; si sf em a penal
TaniaKolker
Durante muito tempo, os saberes e os fazeres dos profis
sionais de saúde nas prisões estavam quase que irremediavel
mente alinhados com as teorias mais conservadoras sobre o
crime, os criminosos e as prisões, cabendo-lhes apenas o papel
de operadores técnicos do poder disciplinar. Esse quadro só
começa a mudar nas últimas dccadas, quando aparecem os-
prim eiro s estudos fouca ultianos sobre a prisão e são dados os
prim eiros'passo s na constru ção das bases da escola que viria a'
ser conhecida como criminologia critica. Àlém disso, com as
contribuições do movimento da reforma penal internacional e
com o desenvolvimento da cultura de direitos humanos o le
que de contribuições teórico-políticas sobre o tema amplia-se
consideravelmente e começam a ser criadas as condições para
a formação de um novo tipo de profissional, quando não mais
engajado politicamente, pelo menos familiarizado com leituras
mais críticas c desnaturalizadoras.
Sendo, porém, a criminalidade um fenômeno tão com
plexo e sujeito a múltiplas determ inações, e o trata m ento pen al
do crime objeto de tantas controvérsias, é longo e multifaceta-
do 0 caminho dos que desejam construir um conhecimento
mais crítico e transformador sobre esse campo de intervenção.
Para tal é preciso estabelecer o diálogo entre saberes tão distin
tos com o hist ória, soc iologia , econ omia, direit o pena l, crim ino
logi a, psi colo gia jurídic a, e ntre outros, É fund am ental e nten der
o papel da criminalização da pobreza, da demonização das
drogas, da espetacularização da violência, da criação da figura
do inimigo interno e da funcionalidade do fracasso da prisão,
especialmente no contexto atual das sociedades neoliberais
globalizadas. Mas é também necessário conhecer os autores
cjue no passado construíram esse objeto que passou a ser visto
como a causa dos crimes e a razâcTdè~sin*~das“prisõesro-crirni--
noso.
M eu objet ivo nes se ar tigo é delinear um trajet o, pr op on 
do um percurso para os leitores desejosos de conhecer os prin
cipais autores e as principais idéias que vêm sendo travadas no
conflagrado território dos discursos sobre as prisões e manicô
mios judiciários e, com isso, fornecer elementos para a
proble m atização da atu ação dos psicólogos nessas instituições.
A prisão, tal qual a conhecemos na atualidade, é uma
instituição que nasce com o capitalismo e desde então, vem
sendo utili zada para adm inistr ar, sej a pel a via da correção, seja
pela via da neutralização, as classes tidas como perigosas.
Embora hoje seja universalmente usada como forma de sanci
onar a maioria dos crimes, durante muitos séculos servia ape
nas pa ra g ua rda r os criminos os até o julgamento, ou par a torn ar
possível a aplicaç ão de ouitras penas, como a de trabalho força
do. Até a sua consagração, em fins do século XVIII, diversas
outras formas punitivas foram adotadas, sempre de maneira
relacionada ao modelo político-econômico vigente, em geral
respondendo à necessidade de formação, aproveitamento e/ou

controle da mão
mento para de obra
a gestão das pouco
classes;qualificada,
consideradasou perigosas
como instru
(por
sua pobreza e marginalidade e não apenas por sua criminali
da de).1Ass im, a escravidão com olpunição esteve par a p ar com
a economia escravista; as fiánças e indenizações nasceram com

1Para um a discussão do con ceito dc clas ses perigos as ver Guim arães, 198 2 e
Coimbra, 2001 e para um aprofundamento da. discussão sobre as novas -
formas de gestão *da pobrez a ver W acqüant, 2001. 1 '

158
a economia monetária; os suplícios e a pena capital foram as
penas preferenciais no período feudal, atingindo apenas aos
extratos mais pobres da população; o trabalho nas galés serviu
para satisfazer a necessidade de rem ad ores; o banim ento e a
deportação estiveram associados ao processo de exploração
colonial-e-a-prisão^eom-ou-sem-trabalho-forçado-esteve-intima-
mente ligada à emergência e ao desenvolvimento do modo de
pro dução capitalista.2
Para melhor entender a função histórica da prisão e o
papel histo ricamente atrib uíd o ao saber médico-psicológico
nessas instituições, convém voltarmos um pouco atrás no tem
po, a princípio em com panhia de Fouca ult e Castel. Com eles
é possível ver como as diferentes formas de assistir e/ou punir
dispensadas aos doentes, deficientes, pobres, desempregados,
marg inais e criminosos de nossa história est ão relacionadas entre
si, como estas estratégias estão intimamente relacionadas com
as sucessivas políticas voltadas para o controle das classes tra
balh adoras e como as nossas ações, enquanto técnicos, estão
atravessadas por essas determinações.

- A pen a privat iva de liberdade veio responder à necessidade de formação de


mão de obra para alimentar a máquina capitalística. Desde então, toda a

evolução
balho nãoposterior
produtivodoe trabalho nosà ausência
finalmente cárceres de
(dotrabalho)
trabalho esteve
produtivo, ao tra
vinculada
ao valor da mão de obra e do preço dos salários na sociedade livre. Assim,
nos períodos em que a mão de obra era escassa, os presos eram obrigados
ao trabalho; quando o exército de reserva se expandia e já não havia a
necessidade da mão de obra do preso, o trabalho nos cárceres tinha apenas
a função de contribuir para a formação de uma subjetividade operária e
mais recentemente, quando a tecnologia começou a tornar os homens pres
cindíveis, o trabalho penal começou a desaparecer. Ver em Melossi, e Pavarini,
1980; em Castro,, 1983; em Pavarini, 1996; e em Rusche e Kirchheimer,
1999.

159
M en digos, vaga bu nd os, del inq üen tes e t rabal hadores'
Na obra de Gastei vemos qúe a partir da dissolução da
ordem feudal tem início intenso processo migratório, que em
pouco tempo vai in char as cidades, criar extensos bolsões de
pobreza e engrossar ó exército de reserva urbano, aum enta ndo
enormemente o número de pessoas involuntariamente desocu
padas e sem residência fixa. Forçados a vagar em busca de
trabalho, aqueles que não se enquadram na nova ordem eco
nômica vão ficando pelas estradas e são empurrados para a
miséria, a mendicância, ou o crime. Sem outra alternativa, essas
pessoas passam a compor a clientela dos dois tipos de disposi
tivos que se firmarão ao longo de todo o século XIV e dos três
seguintes: a assistência, só acessível aos pobres válidos para o
trabalho e com residência conhecida, e a internação/reclusão,
nesse momento destinada ao enclausuramento dos doentes vené
reos, loucos, pob res sem domicíli o, m endigos e vagab undo s irredu
tíveis, menores abandonados e moças necessitadas de correção.
Na m edida em que vãó pio ra ndo as condições de trabalho,
vão sendo criadas novas leis para coagir o povo a aceitá-las e
para punir a recusa ao trabalho. É quando in te rnação3 e reclu
são se igualam e têm apenas uma função: absorver a massa de
desvi antes, neutralizando-o s pelo isolam ento e corrigindo-os a tra 
vés da tríade trabalho fo rçad o/ora çõe s/disc iplina (Caste l, 1998).

pobresEssa
logo preocupação
fará em ergiradministrátiva comsociais
novos sujeitos as populações
e novos objetos
de intervenção. Nos.séculos seguintes, e especialmente no perí
odo que. ficou conhecido como mercantilista, todos os esforços
serão empenhados1pelos Estados, por um lado, para manter
sob controle a mão de obra disponível, e, por outro, punir os

3 O hospi tal só s e tor nar á um dispos it ivo médico a pa rt ir do ft na l do sccul o


1 XV III. Nesse momento, a in ter naçã o se já êm hospi tal , em casa de t rabal ho
ou em prisão exercerá função meramente administrativa.

160
nã o enq uadráv eis ness a nova configur ação. A pobreza, que nos
séculos anterjor.es era valorizada espiritualmente, torna-se mo
tivo de desonra e é*criminalizada. A mendicância, a vagabun
dagem ou a delinqüência, que até então sé constituíam em
estratégias eventuais de sobrevivência, niuitas vezes para fazer
frente a períodos sem trabalho, pouco k pouco vão sc to rn ando

destinos irreversíveis. Mesmo as massas ocupadas são agora


severamente punidas, ao menor sinal de associação, desobediên
cia, ou insurreição. Nesse leqiic de- situações facilmente inter-
cambiáveis, onde segundo Castel, a “criminalidade representa
ria ) a franja exter na,, alimentada pela área fluida da vagabun
dagem , ela pró pria alimentada po r um a zona de vul nerabi lida de
mais ampla, feita da instabilidade das relações cie trabalho e da
fragilidade dos vínculos sociais” (Gastei, 1998: 135), o que, na
verdade, concorrerá para a constituição daqueles que serão os
futuros mendigos, vagabundos ou delinqüentes, serão as pró
prias instituições criadas p ara geri-los.
Nesse processo, a figura do men digo é recorta da entre
esses novos objetos e passa a scr percebida “como uma espécie
de povo (que corre o risco de se tornar) independente”, que
não conhece “nem lei, nem religião, nem autoridade, nem
polícia”, tal co mo “um a nação libertina e indolente que nunca
tivesse tido regras” (Castel, 1998: 75). A mendicância é, então,
perseguida em to da a Europa pré-c apitalista e para conju rar
tal ameaça, é criado o' dispositivo da internação, constituído
por um a vasta rede de casas de trabalh o, casas de detenção e
hospitais cuja função principal será a transformação, dessas for
ças inúteis ou potencialmente perigosas em força de trabalho.4

4 Para as casas dc trabalho eram enviados os mendigos aptos para o trabalho,


os necessitados, os pequenos ladrões, as crianças e jovens, rebeldes, as viúvas,
os órfeos, etc. Segundo Melossi e Pavarini, essas casas não eram um lugar
de produção e sim, um lugar onde se aprendia a disciplina de produção.
Além disso, essas instituições serviam como ameaça aos demais pobres, que
eram obrigados a aceitar qualquer trabalho, sob pena de serem internados.

161
Outro personagem que emergirá dessa nova classifica'
ção e que merecerá um tratamento rigoroso é o vagabundo,
que se assemelha aos mendigos por ser pobre e não estar tra
balh ando, mas que deles se diferencia por não ter pertencim en to
comunitário. Esta categoria tão ampla que, segundo Castel, até
o sécul o XVI a b a r c a r á f<pess oas que- mendiguem -sem-motivo;—
velhacos, mendigos que simulem enfermidades, ociosos,
luxuriqsos,' rufiões, tratantes, imprestáveis, indolentes, malaba
ristas, cantores, exibidores de curiosidades, arrancadores de
dentes, vendedores de teriaga, jpgadores de dados, prostitutas,
e até operários, ou rapazes barbeiro”, a partir dos séculos seguin
tes irá ganhando contornos mais precisos (Gastei, 1998: 120).
Assim, em 1566 um decreto real estabelecerá que:
vagabundos são pessoas ociosas, preguiçosas, pessoas que
não pertencem a nenhum senhor, pessoas abandonadas,
pessoas sem domicílio, oficio e.ocupação (Castel, 1998: 121).

E outro de 1701 declarará que:


vagabundos e pessoas sem fé nem lei (são) aqueles que não
têm profi ssão, ne m ofíc io, nem dom icí li o certo, nem lug ar
para subsistir e que não são reconhecidos e não podem
valer- se da r ecom end ação de pes soas di gnas de fé qu e ates
tem sob re a s ua boa cond uta e bon s cos tum es (Cast el , 1998:
121 ).
N a m esm a época apare cerá farta legislação que deter
m inará com o os vagabundos deve m ser tr atad os: na Ing later ra
de 1547 os que se recusam a trabalhar são entregues a senho
res como escravos por dois anos, se reincidem uma vez são
sentenciados à escravidão pelojresto da vida e se voltam a rein
cidir são condenados à morté (Castel, 1998). Na França de
meados do século XVI, os vagabundos são obrigados a traba
lhar na construção de fortalezas e estradas. Em Bruxelas, um
decreto estabelece punição paira os trabalhadores que deixem
seus senhores para tornarem-se mendigos ou vagabundos
(Rusche e Kirchheimer, 1999): Devido a sua situação extrater

162
ritor ial, os vagabund os sâo punidos tam bém com o banimento,
o trabalho forçado nas galeras, ou a deportação para as colônias.
Gastei nos explica o motivo deste tratamento especial:
A existência dessas populações instáveis, disponíveis para
todas as aventuras, representa uma ameaça para a ordem
——— pública.-(,..)-Não-SÓ_os_vagabundos_individualm ente,_co^_
-----

metem delitos, mas também a insegurança que represen

tam pode assumir uma dimensão coletiva. Pela formação


de grupos que expoliam o campo e desembocam às vezes
no roubo a mao armada organizado, por sua participação
nas emoções e nos motins populares, os vagabundos, sepa
rados de tudo e vinculados a nada, representam um peri
go, real ou fantasmático, de desestabilização social...
Afinal,
qu em na da tem e n ão es tá ' ligado a nada é levad o a faz er
com que a s c oi sa s não permaneçam com o s ão. Q uem nada
tem para preservar corre o risco de querer apropriar-se de
tudo. A função da classe perigosa, que em geral é atribuí
da ao proletari ado do século X IX , já é ass um ida pel os
vagabundos. (...) Realmente, saber que a maioria dos indi
víduos rotulados de mendigos ou vagabundos era, de fato,
formada por pobres coitados levados a tal situação pela
m isér ia e pe lo isolam ento is ocial , pela fal ta de trabal ho e
pela ausência de suportes sociais, não podia desembocar
em nenhuma política concreta no quadro das sociedades
pré-industri ais. E m co ntrapartida, esti gm atizando ao m á
ximo os vagabundos, criavam-se os meios regulamentares
e policiais para enfrentar os tumultos pontuais provocados
pela reduzida proporção de vagabundos verdadeiramente
perigosos. Podia-se tantbém, sèm dúvida, pesar um pouco
sobre o que, en tão, funciona va com o. m ercado de tr aba
lho ,tentan do obri gar i nati vos. a se ém pregarem por qual
quer va lor a fim de fazer os sa lár ios ^ caírem (Castel, 1998:
138-139). .

Mas, precisaremos chegar ao século XVIII para assistir


ao processo de especialização das instituições encarregadas do
seqüestro das populações marginalizadas. Nesse momento em

163
cjue cresce a população miserável,5desenvolve-se a produção e
multiplicam-se as riquezas e as propriedades, é preciso aperfei
çoar os instrumentos de controle social. Com o aparecimento
dos grandes armazéns - que est ocam m atéri as-primas e mer
cadorias pass íveis cie serem ro ub ad as - e das gran des ofici nas -
que reúnem centenas d e trabalhadores descont ent es, e onde há
máquinas que pod ém ser danif icada s - nasce um a nova nece s-
' sidadc de segurança e aparecem os primeiros rudimentos da
Polícia (Foucault, 1993). Os crimes contra a propriedade pas
sam a prevalecer sobre os crimes de sangue e os criminosos do
século anterior, geralmente ‘homens prostrados, mal alimenta
dos, levados pelos impulsos e pela cólera” (Castel, 1998: 71),
são agora substituídos por bandos profissionalizados e organi-
zados. Para fazer frente a esse novo quadro e ao aparecimento
de formas embrionárias de organização das massas trabalha
doras, novas
rante toda. le isIdade
a alta repressiv as são
Média, c riadasatravés
funcionara , e a Judestiçtribunais
a -- qu e du 
arbit rais - vai sendo progressi vamente subst ituída por um con
junto de instituições controladas pelo Estado, que terá a fun
ção de administrar as massas revoltosas e assegurar a ordem
pública. C om eça,'entã o, a ser constituído o embrião daquilo
que se tornará o aparelho judiciário.
' A este respeito, Foucault dirá que:
A partir de uma certa época, o sistema penal, que tinha
essencial m ente um a função fi scal na I dade M éd ia, dcdi-
cou-se à luta anti-sediciosa. A repressão das revoltas popu
lares tinha sido até então sobretudo tarefa militar. Foi em
seguida assegurada ou melhor, prevenida, por um sistema
com plexo justi ça-polí cia- prisao (Fo ucaul t, 19 92 :50 )..

Pa ra ele, a Justiça, a ser viço d a burguesi a, assumirá como


um de seus papéis: * ■ '

5 Segu ndo Castel, no período revolucionário havia na França dez m ilhões de


indigentes, trezentos mil mendigos, cem mil vagabundos, cento e trinta mil
menores abandonados e alguns milhares de loucos.
fazer com. que ei plebe nao proletanzada aparecesse aos

olhos do proletariado como marginal, perigosa, imoral,


am eaç ad orá 'pá’ ra a socieda de int ei ra, a escória do po vo , o
rebo talho, a ‘ ga tun ag em 5; trat a-se para a bu rgu esia de impor
ao proletariado, pela via da legislação penal, cla prisão,
m as tam bé m do s jorn ais, da ‘ li teratura’, certas categorias
da m oral dita ‘ un iversal’ qu e servi rão de b arreira i de ológ i

ca-en trè ela e a plebe n ão pr oletan zad a (F oucault, 199 2:


50-51).

Ou ainda nas palavras do áutor:


Já que á sociedade industriar exige'que a riqueza esteja
diretamente nas mãos não daqueles que a possuem mas
daq ueles que per m it em a ext ração, do lucro fazend o-os tra
balhar , com o pro teger es ta r i quez a? Ev identemente p or um a
moral rigorosa: daí es ta formidável ofensi va de m orali zação
qu e incidiu s obre a pop ulação do século X IX . (. .. ) Fo i abso
lutamen te necessári o consti tui r o povo c om o um suj ei to

moral, portanto separando-o da delinqüência, portanto


separando nitidamente o grupo dc delinqüentes, mostran
do-os com o perigosos não apena s para os ri cos, mas tam
bém para os pobres, mostrando-os carregados dc todos os
vícios c responsáveis pelos m aiores perigos (Fou cault, 199 2:
132-133).

Ao mesmo tempo, na passagem da sociedade feudal-


m onárq uica p ar a a nova socie dad e capit alista li beral na sce um a
nova forma de punir. Nesse momento, que corresponde à for
mação de um novo modo de exercer o poder, o que está em
jo go é a emerg ên cia de um a outra form a de gerir os ho mens
que implica uma vigilância individual, perpétua e ininterrupta,
ou seja na adoção de uma nova tecnologia, denominada por
Foucault de disciplina. Esta tecnologia, que será colocada em
prática nas escolas, nos conventos, nas fábricas, no s hospitais e
nos quartéis, atravessará a sociedade de-ponta a ponta consti
tuindo quadros admini stráveis que permitir ão a transformação
das multidões confusas e perigosas em mulüplicidades organi

165
zadas e manipuláveis. Segundo Foucault, c quando as classes
dominantes descobrem que do ponto de vista da economia do
poder é “mais eficaz e mais rentável vigiar qu e punir ” (Foucault,
1992:130)/
Trata-se, segundo ele
de estabelecer uma nova economia do poder dc castigar,
assegurar um a me lhor dist ribui ção dele, [de fazer com que]
seja repartido em circuitos homogêneos que possam ser
exercidos em toda parte de maneira contínua e até o mais
fino grau do corpo social, [de torná-lo] mais regular, mais
efi caz, m ais constante c mais bem detalhad o em seus efei
tos. (Fo uca ult, 1993: 75). ■

Para á nova ordem jurídico-administrativa, fundada no


contrato,, ond e a puniç ão dos criminosos deixa de ser um a prer-
. rogativa do rei para tornar-se um direito da sociedade e em
que cidadão é sujeito e ao mesmç tempo assujeitado,
o prejuízo qu e um crime tra z ao corpo soci al é a desordem
que introduz nele: o escândalo que suscita, o exemplo que

dá, a incitação a recomeçar se não é punido, a possibilida


de de generalização que traz consigo. Para ser útil, o cas
ti go deve te r com o objeti vo as conseq üên cias do cri m e,
entendidas como a série de desordens que este é capaz de
abrir.... (Deve) calcular uma pena em função não do cri
me, mas de sua possível repetição. Visar não à ofensa pas
sada mas a desordem futura (Foucault, 1993: 85).

Com o fim dos suplícios que dominaram o sistema de


punições no período feud al, nasce um a nova m aneira de con
ceb er a s ;pena s que já não v isa rála nto ao corpo e sim á alma.
A partir de então, de acordo com o princípio de igualdade
ju rídic a, to dos dev em ser tratados de fo rm a igual pera nte a lei
e não há crim e se nã o ho uve r um a lei que o tipifi que.6 .Aparece

6 No período feudal, os castigos nâo estavam definidos em lei, ficando por


conta da vontade do senhor.
a noçao de infra ção, que - difere ntemente do dano ou ofe nsa
que diziam respeito apenas ao acusado, à vitima e ao soberano
les ado em sua autoridade - implica o ataque ao próprio est a
do, à sua lei, e à sociedade. E o: criminoso passa a ser visto
como alguém que voluntariamente rompeu o pacto social de-
vendo,por-tanto,-serconsideradocomo_inimigo_dasoçiedade_
(Foucault, 1996). Além disso, a pena passa a ser quantificada e
o tempo se torna a sua medida principal. Para essa sociedade
onde a liberdade é um dos maiores bens, a punição predomi
nante será'a suspensão temporária da liberdade. A prisão tor
na-se a punição por excelência,7mas diferente da velha prisao-
masmorra do período anterior, a prísão-observatório de agora
perm itirá punir e ao mesmo tempo isolar, vigiar, controlar,
conhecer e corrigir. Neste momento a obra de enquadrar e
individualizar a população marginal se verá completa: se para
o se nso comu m a pri são nasce pa ra d ar conta da delinqü ênci a,
para esta leitura, que podemos cham ar de genealógica, a delin
qüência será um efeito-instrumento da prisão. Dito pelo pró
prio Foucault:
A técnica penitenciária e o homem delinqüente são de al
gum m odo i rmãos gêm eos. Ninguém cre i a que f oi a desco
berta do delinqüente por uma racionalidade cientifica que
trouxe para as velhas prisões o aperfeiçoamento das técni

cas penitenci árias. N em tam pouco que a el aboração int er


na dos métodos penitenciários terminou trazendo à luz a
existên cia ‘ ob jetiva’ de unia delinqü ência qu e a abstr ação
e a inflexibil idade j udiciárias não pod iam perceber. Elas
apareceram as duas junt as e n o prol ongam ento um a da
outra co m o um conjunto ít ecnol ógi co que forma e reco rt a
o o bjeto a qu e aplica seus i nstrumen tos ( Foucault , 1993: 226 ).

7Até então, a prisão não era vista como uma punição em si, servindo apenas
ao propósito de manter sob guarda, evitando a fuga, alguém que se queria
punir por outros meios.

167
Os infratores, uma vez captados pelas malhas- da lei, se
rão submetidos a uma operação, que antes.de visar corrigi-los,
vai transformá-los em-delinqüentes. Não importa se o infrator
em questão foi premido pela necessidade,.ou foi flagrado no
seu único crime. A máquina penitenciária irá tragá-lo por uma
de. suas entradas- possíveis e quando o. devolver, se um dia o

fizer, já será
pre. pela na qualiafastados
infamia; dade de deli nqüente.
do seu meioMsocial,
arcadosemp ar a sem
geral por
muitos anos e irreversivelmente; segregados em meio a crimi
nosos de todos os tipos, com diferentes graus de habitualidade
criminosa; ocupados com um trabalho inútil, que de nada lhes
servirá quando voltarem à liberdade; submetidos a condições
que só estimularão a sua revolta; perseguidos por seu estigma e
por sua folha corrida* recusados no mercado de trabalho por
seus antecedentes penais e, doravante sob a, vigilância freqüen-
tc da polícia, os condenados à pe na de pri são- serão tam bém
condenados à reincidência.
Segundo Foucault:
(O) aparelho penitenciário, com todo o programa tecnoló
gico de que e acompanhado, efetu(a) uma curiosa substi
tui ção : das mã os da justiça e 3e recebe u m 'cond ena do ; m as
aquil o, sobre que ele d eve ser aplicad o, n ao é a infração, é
claro, nem mesmo exatamente o infrator, mas um objeto
• um po uco difer ente e defini do p or vari ávei s que pelo m e
nos no início não foram levadas cm conta na sentença,

pois só eram pertinentes para umá tecnologia corretiva.


Esse outro personagem, que o aparelho penitenciário colo
ca no lugar do infr ator con den ad o, é o deli nq üen te.
(Foucault, 1993: 223)

Foucault nos fala da operação de transformação do in


frator em delinqüente em sua obra Vigiar e Punir. Destaca-se
neste empreendimento o papel da investigação biográfica:

8 Term o que no járgão poli cial s ignif ica at estado de antecedentes polici ais.

163
O delinqüente se distingue do infrator pelo fato de não ser
tanto seu a to 'quài it o. süa vida o qu e m ais o caracteri za.
(. . :) pó r 't rás. do infrator a qu em o inq uérito dos fatos po de
atribuir a responsabilidade de um delito, revela-se o cará
ter delinqüente cuja lenta formaçãojtransparece na inves
tigação biográfica. A intro du ção do ‘biogr áfico’ é imp ortante
na história da penalidade. Porque ela faz existir o ‘crimi
noso’ antes cio crime e, nUm raciocfnio-limite, fora deste”.
(...) “O delinqüente se distingue também do infrator pelo
fato ci e não som en te ser o au tor de s eu ato (autor respon-
- sável ém funçã o de certos crit érios da von tad e l ivre e co ns
ciente), mas também de estar amarrado a seu delito por
um feixe de fios complexos (instintos, pulsões, tendências,
temperamento). (Foucault, 1993: 223:224) ,

' Para captar, essa nova objetividade, novos sujeitos serão


investidos de poder e novas técnicas de exame serão desenvol
vidas, mas antes será.preciso esperar pela nova reforma penal,

inspirada pelas
do .fCum co doutrinas
nh ec im en to positivistas.
po sitivo dosÉ dquando
elin qü será
en tesconstituí
e de suas es
pécies, m uito diferente da qualificação jurídic a dos delitos c de
suas circun stâncias” (Foucau lt , 1993: 225), qu e s erá co n he cido
como criminologia.
Estamos agora no séculoXIX, período caracterizado pelas
grandes revoltas e sublevações populares cuja disseminação deve
ser im pe did a a todo cust o. S egun do H ob sba wn, <<hu nc a n a his
tória da Europa e poucas vezes cm qualquer outro lugar, o
revoiuc ionarism o foi tão en dêm ico, tão .geral, tão ca paz de se
espalhar po r prop agan da deliberada como por contág io espon
tâneo”, como nesse momento (Hobsbawn, 1998: 127). Não por
acaso, aparecem no período, diversos estudos sobre as massas
e sua tendência a agir criminosamente, por contágio e irracional
mente, levada por impulsos de momento.9 Aumentam as ri-

3 Os autores que se de stacaram a esse respeito for am G abriel Tar de c Lc


Bon. V er em Barr os, R.D .B., 1994, uma apresentação de ssa di scuss ão e sobr e
a constituição do modo-indivíduo, para a qual concorreram diversas institui
ções nascidas com a modernidade, como a escola, o hospital, a prisão etc.
Os infratores, uma vez captados pelas malhas da lei, se
rão submetidos a uma operação que antes de visar corrigi-los,
vai transformá-los ém delinqüentes. Não importa se o infrator
em questão foi prémido pela necessidade, ou foi flagrado no
seu único crime. A m áqu ina penitenciária i rá tr agá- lo por um a
de sua s e ntra das possíveis e qu an do ' o dêvõlvêf 7"se_üm—dia~o_
fizer , já será n a q ualidade de deli nqüente. Marcad os pa ra sem -
, pre pe la infam ia; afast ados do seu m eio soc ial, em geral por
muitos anos e irreversivelmente; segregados em meio a crimi
nosos de todos os tipos, com diferentes graus de habitualidade
; criminosa;, ocu pad os com um traba lho inútil , que de nad a lhes
- servirá qu an d o voltarem à liberdade; submetidos a condi ções
qu e só e stimu larão a sua revolta; perseguidos por seu est igma e
:por sua folha corrida ,8 recusados no m ercad o de trabalho po r
seus antecedentes penais e, doravante sob a vigilância freqüen
te da polícia, os condenados à pena de prisão serão também
condenados à reincidência.
Segundo Foucault:
( O) aparelho penitenci ário, , com todo o programa tecnoló
gico de que é acompanhado; efetu(a) uma curiosa substi
tuiç ão: das m ãos da justiça el e recebe um conden ado; m as
aqu il o sobre qu e ele deve ser aplicado, não é a infração, é
claro, nem mesmo exatamente o infrator, mas um objeto
um pou co dif erent e e defi nido por vari ávei s que pel o m e
nos no início não foram levadas em conta na sentença,
pois só eram pertinentes para uma tecnologia corretiva.
Esse outro personagem, que o aparelho penitenciário colo
ca no lugar do infrator condenado, é o delinqüente.
(Foucault, 1993: 223)

Foucault nos fala da operação de transformação do in


frato r em delinqüente em sua ob rai Vigia r e Punir . Desta ca- se
neste empreendimento o papel da investigação biográfica:

“ Termo que no jargão policial significa atestado de antecedentes policiais.

168
.O delinq üen te se distingue d o infrator .pel o fat o de n ão ser
tanto seu ato quanto s.ua vida o que mais o caracteriza.
(...) po r trás do infrat or a quem o inquérito dos fa tos pode
atribuir a responsabilidade de um delito,.revela-sc o cará
ter delinqüente cuja lenta formação tránsparece na inves
tigação biográfica. A introdu ção do ‘biográfico’ é i m portan te
----------------—na-histór- i a-d a_p en alid ad e. F or qu e cia faz ex istir o ‘crim i
noso’ antes do crime e, num raciocínio-limite, fora deste”7"

(.fato
.. ) “O delinqüen
de não ' som enteteseserdiso au
tingue
tor tam
de seubématodo infr ator
(autor re spopelo
n>
sáveí em função de certos critérios da vontade livre e cons
ciente), mas também de estar amarrado a seu delito por
um -fe ixe de fios com plex os (insti ntos, pulsões, tendências,
temperamento). (Foucault, 1993: 223-224)

Para captar essa nová objetividade, novos sujeitos serão


investidos de poder e novas técnicas de exame serão desenvol
vidas, mas antes será preciso esperar pela nova reforma penal,
inspirada pelas doutrinas positivistas. É quando será constituí
do "um conhecimento positivo dos delinqüentes e de suas es
pécie s,'m uito diferente da qualificação juríd ic a dos delitos e de
suas circunstâncias” (Foucault, 1993: 225), que será conhecido
como criminologia.
Estamo s ag ora no século XXX, períodó caracterizado pela s
gran des revoltas e sublevações populares cuja dissemi nação deve
ser im pe dida a todo cus to. Segundo Hobsbaw n, “nunca na his 
tória da Europa e póucas vezes em qualquer outro lugar, o
revolucionarismo foi tão endêmico, tão geral, tão capaz de se
espalhar p or p rop ag an da deliberada ; Como por contág io espon
tâneo”, como nesse momento (Hobsbawn, 1998: 127). Não por
acaso, aparecem no período, diversos estudos sobre as massas
■e ;sua tendência a agir criminosamente ,' po r contági o e irrac ional
men te, levada po r impul sos de mo me nto.9 Au men tam as ri-

9 .Os autores que se destacaram a esse respeito foram Gabriel Tarde c Le


Bon. Ver cm Barros, R.D.B., 1994, umá apresentação dessa discussão e sobre
a constituição do modo-indivíduo, para a qual concorreram diversas institui
ções nascidas com a modernidade, como a. escola, o hospital, a prisão etc.
^ produtividade, cresccm as cidades.’mas como sem-
ciuC?aS rinqueciment0 Poucos' se ^az com a espoliação e a
fC, 0 ^ - Q dos demais. A mecà niz áçã o dás fábricas vai dei-
cgrcg‘ v trabalho inúmeros artesãos que an tes fig ura va m entr e
jjiaCi0res.mais qualificados, engrossando ain da mais o
0 5 t r gnte de indigentes. Arm azéns, celeiros e fábricas são s a-

c0iitinê rrláquinas são des truída s, as multidõ es to m am as rua s


^ d0S,a trabalhadora começa a mostrar ca da v ez maior ca -
e 3 ,Tl< , c|e organização. Crescem a indigência e a cr iminali-
p*1 ^ ílarnsin^0 as discussões ;sobres,o crime e o trata mento
d ^ c’ .in,jnosos» é a penalidade, antes -vista como uma reação
d°s infração; passa a funcionar como um meio de agir so-
Pe^ aomportan:ient0 CaS disposições infra tor . Por su a vez,
bfC ° ’ciência pa:ssa à ser ca da v ez .m ais de ba tid a n os me ios
6 c afins: se em um primeiro momento o fenômeno da
jLir^ . ^ nCja perm itia ver o fracasso, d a p risã o e m se us obje ti-
^ corri^ír o cr imi no so e preve nir n ovos cri mes, lo go e ss a
.„qs , atribuí da ao p rópr io, de linq üe nte , vi sto co m o um tipo
fíiÜlílS|.r « 0 efe it° ‘de linq üê nc ia’ pr o d u zid o pe la pris ão to rn a 
i s 1" - i ma d o de linqüent e, ao. q u al-a prisão deve d ar u m a
se Pr°D&ad eq ua da ” (Fo uc au lt, 199 7: 31).
í&?°SÍQ0tf\ a justificativa cie que a punição deve visar a pre-
Hp novos crimes e evitar a reincidência, a pena agora
,-rãO , .
: vel v jeVaI*“em conta o que e o criminoso em sua natureza
^cve . 0 grau.pr esumível de sua m ald ad e, a qu alid ad e in-
Pf°^Un de sua vontade” (Foucault, 199.3: 90). Dessa forma,
• trfr15: cW' fou ca ult. em suas conferências
' brasileiras,
fàda a penalidade do século XIX passa a scr um controle,
■ nã o ta nt o sob re se o q u e :fizeram os ind ivídu os está em
conf or mi .d ade ,o u não co m a lei , m as .ao nível do que p o
dem fazer, do que são capazes de fazer, do que estão sujei-
tos a fazer, do que estão na iminência de fazer. [Nasce] a
noç ão d e pcric ulosi dade (que) s ignifica qu e o ind ivídu o de ve
. se r co ns id er ad o pela socied ad e ao nível d e suas vírtualidad es
• ■ e não ao n ív el de seus atos; não. ao nível das infrações efe-

170
(.ivas a uma lei efetiva, mas das virtualidadcs de comporta
mento que elas representam (Foucault, 1996: 85).
Por, sua;vez, naturalizada a reincidência, esta servirá:
de justificativa para uma rápida: modernização das técni
cas de controle-e repressão utilizadas pelos aparelhos poli
ciais, dando lugar ao aparecimento de uma ‘polícia cientí
fica’. (...) Porém, os efeitos da modernização da polícia não
se
ramrestringiram apenas
sentir por todo ao 'muridó
o tecido social,doprincipalmente
crime’; logo sejunto
fize
às camadas da população que exigiam rhaiores cuidados
em termos de contenção, vigilância e disciplinarização. (...)
' No bojo desse processo, apresentando-se inicialmente como
panacéia p ara ò proble m a da re in cidência crimin al, cons
tituiu-se uma das mais importantes técnicas de controle
que hoje nos atinge a todos: a identificação pessoal através
das impressões digitais (Garrara, 1998: 64).
Para'Foucault, se anteriormente julgar era estabelecer a
verdadetam
julgar de um
bémcrime e apontar as
as paixões, o seu autor, agora
vontades e asodisposições.
objetivo é Isto
quer dizer que punem-se as agressões, mas por meio delas as
agressividades; os crimes sexuais, mas ào mesmo tempo, as
perversões; os assassinatos mas através deles os impulsos e de
sejos (Foucault, 1993: 21). Importa agora,.não apenas estabele
cer que lei sanciona esta infração, mas verificar, também, até
que ponto a vontade do réu determinou o crime, se o infrator
apresenta alguma periculosidade e de.que maneira ele será
melhor corrigido. Isso significa que a partir de agora, o juiz já
não julgará sozinho. De um lado, a medicina mental será cha
mada ao tribunal para decidir sobre a responsabilidade c a
periculosidade do crim inoso, avaliando se ele se encontrava em
estado de lou cu ra n a hora. do ato e se ele é ace ssível à sanção
penal e de outro, um a n ova mo dalidade rde técni cos avaliará o
efeito da pena sobre o condenado e se ele merece ou não ser
posto em liberdade. Para responder a esses novos man datos,
emergem diversas instituições, laterais à justiça, com as funções

171
de exame, vigilância e correção. E com elas, aparecera tam
bém os novos ato re s que doravante se encarregarão de produ
zir di agnóst icos e prognósticos acerca do preso e de a com pan har
as transformações que estão se operando em seu comporta
mento, tornando possíveis um conhecimento individualizado
do criminoso e uma individualização-dás penas (por^exemplo,
através da abreviação ou o prolongamento das mesmas) que
funcionarão como julgamentos adicionais. É quando, segundo
Foucault,
todo aquele ‘arbitrário5que, no antigo regime penal, per
mitia aos juizes modular a pena e aos príncipes eventual
mente dar fim a ela, todo aquele arbitrário que os códigos
modernos retiraram do poder judiciário, vemo-lo se
reconstituir, progressivamente, do lado do poder que gere
e controla a punição (Foucault, 1993: 219-220).
iNo -iiT»çicKdo '«cciilo^X I^ê stáj^ é^ ^^ m ^i^ ^V tíçâp lBn tre^ o £ *.

dessas-duas•initituiçÔés r ” ------ r u ’ 1 - - - = - - -1 '


r ~ U U ,u f \
sab er á a. med icina ^

Para Foucault, essa será a chave de muitos dos excessos que a


auton om ia da instância c arcerá ria v iabi lizará . Segundo sua s pró
pria s palavras:
*■;
esse excesso é desde muito cedo constatado, desde o nasci
mento da prisão, seja sob a forma de práticas reais, seja
sob a forma de projetos. Ele não veio, em seguida, como
um efeito sec undário. A grande maqu inaria c arcerária está
ligada ao próprio funcionamento da prisão. Podemos ver
o sinal dessa autonomia nas violências ‘inúteis5dos guar
das ou no despotismo de íuma administração que tem o
privilégio das quatro paredes. (Foucault, 1993: 220)
A pri são, enq uanto instrumento de modulação da pena,
adquire um poder tal, que além de ser o lugar onde a duração

172
do castigo é decidida.c um certO' saber sobre o criminoso é
produzido, é tam bém o palc o onde se definirá, de acordo com
as normas disciplinares vigentes em cada estabelecimento, que
novas punições se acrescentarão às determinadas por lei. É
quando a tortura, muito usada no período feudal para fins de
-prova.-será.ressignificada e ganhará novos objetivos. Nesse lu
gar que funcionará
observados como
dia e npite, um microtribunal,
avaliados, os punidos
classificados, presos serão
ou re
compensados. Segundo Foucault, dessa observação se extrairá
um.saber cujo objetivo não é mais determinar se alguma cois?.
se passou, ou não, com o fazia o inquérito no perío do anterior,
mas sim avaliar se um indivíduo se comporta de acordo com a
no rm a, se e stá pro gred ind o o u nã o, se deve ser pun ido ou merece
ser recompensado. Trata-se, pois, de:

■ vig
um ilânc
novoia,;
saber, de ti e,po
de exam totalnizado
orga me nteem
diftoererno.d
nte , aum sabea pe
no rm r delo ..
. co ntro le dos ind ivíd uos ao. lo ng o. de sua existência. E sta é
a ba se do pod er, a forma.de saber-poder que vai dar lug ar .
não às grandes ciências de observação como no caso do
inquérito, mas ao que chamamos de ciências humanas:
Psiquiatria, Psicologia, Sociologia etc. (Foucault, 1996: 88).

0 di sposi ti vo da pe ri cu losi da de
O fim do século XIX é marcado por intensas discussões
sobre o crime, a. criminalidade, e as penas. Criticada por nã o
estar .conseguindo dar uma resposta .eficaz ao aumento da cri
minalidade e da reincidência, a E scola C l ás s i ca , que consa-
A Escola. GlXssiga,' baseada nos; ideais do iiuminismo, ;atravessou parte do século -XVIII ;e
.part e jdo sécu lO/X Dp Aso brap riricipais.d esse pénqdo.f órii m/)o j:i )í/ítoj . t das;Paias, dc Gesare ••
Bè cca ri ä\ ( 17,64)• e Programa'doCurso de Direito Penalde Fíancesco Garrara (1859). Para os'clâs-.:

sicos, 6.de'.entender.a:il
cidade criminoso é. aquicítudc
eleJqúe| nó^éxèrcíciò;do
de'um a to é de'agirlivrç arbítrpor
pautado io .“ esse
qúe entendimento
implica n a perfeita'c apa-c'■
- violá;livr
'é'Jcpnisçienteméiite’> norm a périál,-..Vendo'.portanto- inteiramente., responsável . por;scu sfàtos.
Nesée/momentoi os loucos são colocados forá:do Direito Comum. Para'a maior paite'das
legislações à época.'eles estâo isentos de pena-. , •.. . . u-..;:. -; :

173
grara a igualdade jurídica e a liberdade individual, còmeça' a
perder' espaço para as idéias positivistas. Diferentemente dos
liberais que'tinham como objeto os delitos, os adeptos da Esco-
]a Positiva de Direito Penal voltarh-se paira o homem delin
qüente e as características que os distinguem dos demais. Com
esse objetivo tentam individualizar os fatores que condicionam

o comportamento
deterministas criminoso
e na noção e,- apoiados em pressupostos
de hereditariedade,'passarri a criticar
a noção de livre arbítrio e a questionar a responsabilidade dos
criminosos. Segundo eles, a liberdade de escolha não podia ser
considerada relevante no julgam ento de um ato crim inoso, um a
vez que o comportamento humano estava predeterminado por
causas inatas. No entanto, se os criminosos não podiam ser
considerados, sob esse ponto de vista, moralmente responsá
veis, deviam ser tratados como socialmente responsáveis pelo
perigo que podiam representar. Assim, en tenden do que a soci
edade tinha direito de se defender desse perigo e que as leis
não tinham o mesmo efeito cie intimidação sobre os diferentes
homens, os“positivistas, propõem que é preciso criar alguma
sanção para . n e u tra liz a r os delinqüentes natos, reservando as
penas tradicionais aos criminosos ocasionais, susceptíveis de
serem disciplinados e incorporados ao mercado de trabalho.
Na verdade, de acordo com Sérgio Carrara,
(a)través do crime, juristas, criminalistas, criminólogos,
. antropólogos criminais, médico-legistas, psiquiatras, todos
fortemente influenciados pòr doutrinas positivistas ou

cientificistas,
mites ‘reais’ ediscutiam uma
necessários da questão
liberdadepolítica maior:queosex
individual, li
cessivamente protegida nas sociedades liberais, era apontada
como causa de agitações sociais ou, ao menos, como em
pecilho à sua resolução. (...) C umpria então reform ar có di
gos e leis para assentar as bases jurídico-políticas de uma
. . ampla reforma institucional que fornecesse ao Est ado e às
. suas organizações-os instrum entos necessários par a. um a
intervenção social mais incisiva e eficaz (Garrara, 1998: 65).

174
A oportunidade foi dada com o dispositivo cia periculo-
sidade e a inco rpo raçã o, das .med idas de segu ranç a ao rol da s
.sanções pen ais. D esde "o século ante rior, à m ed ida em que a
estrutura jurídico-política da sociedade contratual se génerali-
» « ^■ *■ ^ ■
zava, os mendigos, vagabundos e criminosos vinham sendo cada
vez mais reprimidos. Como vimos acima, estes eram indiscri
minadamente captados pelas teias de uma mesma rede que
cada vez mais se estendia pela sociedade. A partir do século
XIX, no entanto, essa malha começa-a se especializar. Pouco a
pouco, repressão e assistência se dissociam, inúmeras prisões
são construídas e.os loucos são internados em locais especiais.
Estes últimos, vistos como incapazes de trabalhar e dc respon
der por seus at os, ao mesmo tempo inocent es e potencialmen te
perigosos, que não transgride(m) a uma lei precisa, mas pode(m) violar
a todas passam a ser tratados como um foco especial de desor
dem. Segundo Castel, por sua singular imunidade às regras do
mundo do trabalho e da lei, era como se ameaçassem a pró
pria estrutu ra que presidia a organização da sociedade. Para
administrá-los, portanto, era preciso construir-lhes um estatuto
diferen te. Nã o pode ndo gerir s eus bens, devia m s e r tutelados ,
não sendo passíveis de sanção, deviam ser submetidos à
internação. Com o movimento alienista começam a ser consti
tuídas as base s teóricas que justificarão a seqtiestração dos lou
cos, com base em sua imprevisibilidade, amoralidade e suposta
tendência para o crime. Portadores de uma alienação, muitas
vezes só visível aos especialistas, os diagnosticados como
monomaníacos passam a ser objetos de suspeição e devem ser
internados para evitar que cometam crimes. A loucura é então
criminalizada e os alienistas passam a ser chamados aos tribu
nais para atuar nos crimcs sem causa racional aparente. Cabe-
lhes nesse momento distinguir o louco do criminoso, o respon
sável do irresponsável, os passíveis de punição ou necessitados
de tratamento (Castel, 1978).

175
Com a crise do liberalismo, cresce a contestação da no
ção de livre arbítrio c a criminalidade passa a ser considerada
como uma realidade ontológica. Os positivistas passam a tra
balh ar com a tese da predisposição here ditária p ara o delito e
os traços reveladores da personalidade criminosa passam a ser
pro curados na biografia, no meio social e /o u na constitu ição-
física do réu. O crime é visto, como .à manifestação de uma
degeneração, anormalidade ou atavismo ou como o sintoma
de uma personalidade perigosa. O homem criminoso torná-se
objeto de investigação científica e passa a ser visto como um
elemento negativo e disfuncional ao sistema social, portador de
lima especial tendência ao crime, de quem a sociedade deve
defender-se. Assim,, diferentemente da Escola Clássica que via
na pena um meio de defesa contra'o crime atuando como um
dissuasivo, um a con tramotivação à repeti ção da infração, a pena
para a Esc ola Positivista tem como fu nçã o a pro teção da soci
edade contra o criminoso. Isso significa que enquanto para a
doutrina anterior, o fim da pena seria a eliminação do perigo
social qiie adviria da impunidade do delito e a reeducação do
condenado seria um resultado acessório, para o Direito Penal
Positivo a pena como meio de defesa social, pretende intervir
diretam ente sobre o indiví duo crimi noso, re educand o-o, ou pelo
menos neutralizando-o (Bissoli Filho, 1998).
Em dec orrê ncia dessas convi cções , os posi tivistas pro pu 
nham que para orientar a boa aplicação da pena as sanções
deveriam ser individualizadas e uma Inova jnodalidade de téc
nicos devia ser chamada ao tribunal para examinar o crimino
so e avaliá-lo segundo o tipo de criminalidade apresentada.
Dentre os autores que mais se destacaram nesse período, qua
tro merecem, menção especial:
O primeiro foi Morei, que apresenta sua tese sobre a
degeneração em 1857. Segundo o autor, esta condição engen
drava verdadeiros tipos antropológicos desviantes, hereditaria-
mente destinados a uma vida imoral, à alienação e ao crime.
Conseqüentemente, uma vez que os degenerados não podiam
escolher não delinqüir e via de regra apresentavam uma ten-'
dência precoce para o mal, só podiam ser considerados irres
ponsáveis. Além disso, como essa anorm alidade costumava se
manifestar em diversas formas sintomáticas e com diferentes
gfãusTde-g ra vid ader have ria"en tre~o~indivídut rno rm al~e“o-d egè-
ne rado um con tinuum de inúmera s pos sibi lidades. 10 To dos os
tipos, no entanto, deveriam ser considerados igualmente alie
nados.
Seguindo adiante no século, aparecem as teses de
Lombroso (1870), que propõe a existência dos criminosos na
tos" e o crime como um fenômeno atávico. De forma seme
lhante aos degenerados, este novo tipo também não podia es
colher ser honesto, pois o crime fazia parte da sua natureza e

era corimino
za resultado
sa, deesses.-
sua inferioridade biológica.
ho m ens tinha m comAlém da terística
o carac nature um a
série de sinais e atributos que os identificavam. Destacavam-se
pela ausência de pelos, os braços excessivamente compridos, os
max ilar es superdes envolvi dos, a va idade, a .imprevidência, a
instabil idade em ocional , a imprud ência, a.impuls ividade, a pre 
guiça, o cará ter vinga tivo, a crueldade, a tendênci a pa ra a obsce
nidade, para o jogo, para a bebida e para o crime, a homosse
xualidade, a insensibilidade à dor, o gosto pelas gírias e tatuagens,
entre outros. Além disso, como eram incapazes de sentir re
morso ou culpa, entre eles a reincidência era a regra.

10M o rd incluía entre os deg ene rad os os g ên ios^ os imbecis , os excê ntricos 3 os
loucos, os santos, os suicidas, os imorais, os perversos sexuais, os criminosos,
entre outros (Carrara, 1998: 81-104).
11 H ou ve tam bém q uem propusesse a categoria do vagabu ndo nato e até de
• pobre nato, A primeira foi propo sta pelo Profe ssor Bened ikt , em 1891, quand o
. ele diz que txisletn indivíduos, e também raças inteiras, tios quais a vagabundagem i
congênita, e, a segunda foi proposta por Alfredo'Nicefcro, em 1907 (Darmon,
1991: 73).
Por sua vez , Ga rófaio segue os passos, de Lo mbros o, m as
orienta sua pesquisa par a os aspec tos da personalidade envol vidos
no comportamento criminal. Em sua obra de 1878 propõe que
as causas do delito devem ser procuradas .nò delinqüente, ou
em siias predisposições hereditárias, e atribui a tendência ão
delito á um tipo de anomalia moral, curável óu incurável, que
nos casos mais graves privaria o seu portador dos sentimentos
morais mais elementares. Manifeátando-se contrariamente ao
estabelecimento dé penas fixas, determinadas conforme o deli
to, Garófaio propõe uma diferenciação das penas que leve em
conta os caracteres psicológicos dos delinqüentes. Estabelecen
do uma distinção entre os delinqüentes típicos e inassimiláveis e os que
, propõe um sistema de penas em que
são susceptíveis de adaptação
a eliminação do delinqüente, absoluta (pena de morte) ou rela
tiva (prisão temporária, deportação ou relegação), cóbre a mai
or parte das sanções. Concordando com Lombroso, què atribui
à pena capital o mérito de melhoramento da raça}e afirmando
■que há indivíduos que são incompatíveis- com a civilização,
defende a pena de morté para os qué se revelarem destituídos
' do senti mento de pie da de 'e'refe re’q ue ;
' ' ' esses 'deli nquentes repre sentam verdadeiras m ons truos ida
des psiquicas'e não podem inspirar a ninguém a simpatia,
'• ' qu e é o pontó- de par tida e o fu nd ame nto da pi ed ad e. Es
ses indivíduos, colocam -se fo ra .da hum anidade-, (... ) que
p,or isso mes mó, tem- .o direito de. suprimi-los (G arófaio,
"1997: 163)'.

Para distingui-los e determinar a medida punitiva mais ade


quada a cada caso recomenda a avaliação do grau de temibi-
lida de 1' d o crimino so qúe ele defi ne como:

'’ Segundo Delgado esse còiVceito aparece peia primeira ve 2 em Feuerbach,


.no ano dc 1799/referindo-sè a “quáíidadc de uma pessoa que faz presumir
fundadamente que violará o Direito” (Delgado, 1992: 94).
a pçrvçrsidadc constante e ativa do delinqüente c a quan
tidade de mal previsto que se deve temer por parte do
me sm o' (Gáróf aio apud Mecler, 1996:26).
Chegamos então em Ferri, o mais importante represen
tante da Escola Positiva, que atribuindo às diferentes classes
sociais uma natureza específica e tratando as desigualdades
sociais sociais
madas de formaemespantosamente
três categorias: preconceituosa divide as ca
a classe moralmente mais elevada que não comete delitos
porque é honesta p o r su a constitu ição org ânica, pelo efeito
do senso moral (...) (pelo) hábito adquirido e hereditaria-
mente transmitido (...) mantido pelás condições favoráveis
de existência social (...) Outra classe mais baixa (que) é
composta de indivíduos refratários á todo sentimento de
honestidade, porque privados de toda educação c impreg
nados (...) da miséria material c moral.(...) (que) herdam dc
seus antepassados (...) A terceira classe (dos que) não nas
ceram para o delito, mas não são completamente honestos
(Ferri íí/>«í/ R auter, 1982: 29)..
. .. Seg uind o os passos dos seus antecessores, Fe rri tam bé m
procu ra as razões do crime nos homens, afirm a a anorm alida
de dos delinqüentes e abraçando a causa da defesa social avan
ça n a pro pos ta de individual izaç ão e indeterm inação das sanç ões
e insiste no estudo da personalidade do criminoso para a ava
liação de sua periculosidade. Para o autor, somente a adapta
ção das sanções à natureza e à periculosidade do delinqüente

pode
contra foo rn ecer Segundo
crime. à sociedade
suasapróprias
arm a necessária
palavras: ao sucesso da luta
na justiça penal trata-se de ver não se o delinqüente ofen
deu ou não ‘um d ireito5ou antes 'um bem jur ídic o’ e trans
grediu ou não ‘a proibição’ ou antes ‘a norma penal’, mas
de procurar como e em virtude de que ele cometeu essa
ação criminosa e qual a peri culosidade que revelou ém tal
•ação c quais as probabilidades que apresenta de voltar,
depois da condenação, a uma vida regular e por isso qual

179
sançã o repressiva qu e lhe ó mais conforme, n ão ‘ao crime ’
po r ele levado a efeito, mas- à sua ‘personalid ad e de delin
qüente’ pelo crime praticado.
. . Ainda segundo o autor:
_ ________ Esta distinción de los delincucntes scgún su peligrosidad
deriva de que su conducta antisocial aparece determinada-
por te ndências co ngén itas o por atr oüa dei sentido moral,
o po r impulsos pa sional es, o /e n fm, por influjos preval entes
dei am bie nte familiar y so cial y po r las defic iencias y defec tos
de los mismos sistemas carçelarios que son como estufas
para el cultivo de los micro bios crim inales. Y sólo en virtud
de esta distinción y clasificación psico-antropológica de los
delincuentes le será posible ai legislador realizar en la
prá ctica, co n las sanciones rcpresivas, aq uel do ble objetivo
dê la defensa social y dé la corrección de ios condenados,
qué los sistemas penales hasta ahora en uso no han podido
conseguir, por estar orientados y aplicarse siguiendo'el
critério exterior de la gravedad de los delitos y no el de Ia
relación índma de las diferentes condiciones personales de
los culpables (Férri apxid Ribeiro, 1998: -16). ■
Foi grande o efeito que todás essas proposições produzi
ram nos meios jurídicos e científicos do mundo ocidental. Em
1880 é fundada a União Internacional de Direito Penal (UIDP),
que em pouco tempo se torna a maior difusora dos princípios
da defesa social. Nos congressos que se seguem, .o conceito de
periculo sid ade é desenvolvido, e em 1905 já se levanta a ques
tão d a periculosidade dos re incident es. E m 1907- 1908 i ncluem-
se os loucos e deíicientes mentais1entre os perigosos, em 1910

discute-se
rantias de oliberdade
problemaindividual,
da conciliação entre
mas no esta noção
mesmo ano, see decide
as ga
pela necessidad e de estabelec er m ed idas especiais de segurança
contra' os delinqüentes considerados perigosos. No Congresso
de 1913, é feita nova definição das categorias que devem ser
consideradas perigosas, incluindo agora os alcoólicos, os men
digos e os.vagabundos (Bruno apiid Bissoli Filho, 1996: 13?).

180
Pouc o a pouco, a idéia da peric ulosidade va i concernindo
a todos os criminosos e delinqüentes potenciais, de tal maneira
que já nao é necessário cometer um delito para ser considera
do perigoso. Já qúe agora o verdadeiro fim do direito penal é
a defesa social, é possível justificar a intervenção no seio das
■_clásses_per igosas“sem -e sp er ar_pelo_delito~('Bissoli~Fillio7~l'996':'
, 136-137).
Criminalizando a loucura e patologizando o crime, em
pouco tem po este sistema elimina to da a distinção entre penas
e medidas de segurança e propõe unificá-las por meio das san
ções por tempo indeterminado. Segundo Rauter, neste momento
de implantação da criminologia, não era tanto a recuperação
do criminoso que importava, mas a necessidade de defender a
sociedade desses degenerados morais. As sanções passam então
a atuar como uma espécie de seleção artificial, eliminando os
degen erados , os atávi cos, que a sèleção natur al de ixou escapar
(Rauter, 1982: 30).
Q ua nd o, enfi m, as idéi as po sitivistas com eçam a ser com
batidas, surge a concepção dualista do Direito Penal (ou siste
ma do duplo-binário), que, mais dura ainda que a anterior,
fará coexistir, durante algum tempo, os dois tipos de resposta
penal: a pena com o retribuiç ão ao crim e.e a m edid a de segu
rança a ser acrescentada à primeira nos casos considerados peri
gosos.13 Por fim, novas mu dan ças são introduzidas e o-sistema
conhecido com o duplo -binário é substit uído pe lo vicarian te. Co m
isso, penas e medidas de segurança passam a ser consideradas
sanções de natureza diversa, aplicadas para situações diversas:
as primeiras para os imputáveis e as; segundas reservadas ape
nas para òs inimputáveis.

l-J Este sistema foi adotado pelo Código Penal italiano de 1930 e inspirou
diversas outras legislações penais. No nosso país, foi adotado cm 1940, até a
reforma de 1984.

181
1 As idéias positi vist as vao entao peirdendo espaço, as pe
nas mantêm seu car áter de sanção retri butiva, com tem po pre 
estabelecido e calculado de acordo com a gravidade do crime,
e o universo de pessoas passíveis de receberem sanções por tempo
indeterminado reduz-se até se limitar aos loucos infratores. Mas,
apesardeixará
Penal de ter caído
entre,em
nósdescrédito, a Escolacontinuarão
várias heranças: Positiva deaDireito
fazer
p>artc de nossas legislações o princíp io de individualização das
penas; os exames que visarão o estudo da personalidade e his-
, tória, de vida dos condenados c que avaliarão a probabilidade
de estes virem a reincidir rio delito (exame que será conhecido
como criminológico); o conceito de periculosidade e as medi
das de segurança por tempo indeterminado. Além disso, como
. legado des sa esco la se m an te rá a tradiç ão , inteira m en te

. maniqueíst a, de perceb
rigoso, pernicioso er os que
à sociedade, delinqüe
desumano, m comomonstro
verdadeiro um outro pe
e por isso incapaz de viver entre os homens de bem.. Dessa
maneira, será sempre possível justificar para' eles os tratamen
tos mais cruéis e ainda garantir a aprovação da opinião públi
ca. Afinal, como nos diz Chomsky, “quando você oprime alguém
precisa alegar alguma coisa. A justificativa acaba sendo o nível
de depravação e vicio moral do oprimido (...). Examine a con
quist a britânica da Irlanda, a prim eira das conquist as colo niai s
ocidentais. Ela foi descrita nos mesmos termos que a conquista
da África. Os irlandeses eram uma raça diferente, não eram
humanos, não eram como nós. Eles tinham que ser esmagados
e destru ídos5’ (Chomsky, a pud C oi m br a, 2001: 63 ). É o que

vAs r<ÚTRJ 2ESDESTC .vão se're£rodú:zár. nbs’çíiscurç^


.ysoao}!Íçcò;'p^a.,òs;qua^;'.',máscararvdo.o^^^^
. dü ^O ;ér.pafàn
dò':JseX <3á^râ^^^^
.!p?m.aeíinir o;^ue‘sena à.;dcsbrdçm ou/da e:dstênçia-'dç-;úmá;patQÍo$^
■ c om pòr tam cnt òs. e-'..sihíações Rociais’ídesv ian tes’,, (c om o' ^o n vr ;'émi;árpas"imguÍarcsVíexércery
atividades informais:ou. praticar atos.xons tderados deHtuosos),"-o crimc:séria:'então'o!residtadò--'.
s ‘‘dc:úm nrnb ien'tt '^sfun apna lpato logico j.com o-'um :;^ contágio1; ^
(que1'sc^aiMtiavpàra^asÿ
ÿimimqlô^ca'falharem na sua

132
temos v isto, contempo raneam ente, nas dou tri nas de segu rança
nacional das ditaduras,.militares latino-americanas, nas políti
cas transnacionais de combate às drogas é na guerra ao ter-
.rorismo.

A subve rs ão e a.droga na A m éri ca Lat ina


Chegamos então ao século XX quando, sob o impacto
das duas grandes guerras mundiais, é criada a Organização
das Nações Unidas (ONU). Pouco a pouco, são desenvolvidos
diversos instrumentos legais para a proteção internacional dos
direitos humanos, entre os quais viriam a se destacar a Decla
ração Universal de Direitos Humanos, os Pactos Internacio
nais de Direitos Civis e Políticos e de Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais, a Convenção contra a Tortura e outros
Tra tam ento s, Crué is, Desum anos e Degradantes, entre outros .14
Paralelamente, na contramão desse movimento, a partir dos
anos sessenta, são implantadas ditaduras militares em diversos
países das Américas. Sob a alegação da necessidade de fortale
cer o Estado contra o comunismo, mas em verdade para ga
rantir o ambiente necessário ao desenvolvimento do capitalismo,
assiste-se à emergência de uma nova doutrina de segurança
(Doutrina de Segurança Nacional), que elegerá como inimigo

l+ Progressivamente são também estabelecidos diversos dispositivos internacio


nais para garantir um tratamento lega! e humano para'os presos. Ver as
Regras Mínimas da O N U para o Tratamento dos Pres os; de 1955, o Código
de Conduta para os Funcionários Responsáveis peía Aplicação da Lei de
1979 e os Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas Sujeitas a Qual
quer Forma de Detenção ou Prisão de 1988, em Saúde e Direitos Humanos nas
Prisões, manual publicado pela Secretaria de Direitos Humanos-e Sistema
Penitenciário do Estado do Rio de Janeiro em parceria-com o C onselh o da
Comunidade da Comarca do Rj o de Janeiro.
número um a figura do subversivo. As polícias são militarizadas
,e aparelhadas para o combate a um inimigo interno e a tortu
ra, que nunca deixara de ser utilizada contra as parcelas
desfavorecidas da 'sociedade, é institucionalizada e passa a ser
ensinada nos quartéis e a ser inst rumen tali zada pa ra o controle
da subversão. As legi slações s ão reform uladas à- luz dà~nova
doutrina e as penas de morte e de banimento voltam a fazer
parte dos Códigos Penais.’5
Mais recentemente, já com as reformas neoliberais, o
capitalismo ganha novo impulso e passa a dispensar os ditado
res de plantão. As novas regras da economia aumentam as ta
xas de desemprego e emprego precário, tornando sem efeito as
antigas estratégias de luta dos trabalhadores e lançando em
situação de total vulnerabilidade um contingente antes inima
ginável de pessoas. Não tendo mais como reintegrá-los ao
mercado formal de trabalho os Estados neoliberais inventam
outra função para as prisões. Segundo Bauman,
nessas condições, o confmamènto não é nem escola para o
emprego nem um método alternativo compulsório de au
mentar as fileiras da mão-de-obra produtiva quando fa
lham os métodos ‘voluntários’ comuns e preferidos para
levar à ó rbita industrial aquelas cat egori as particularmen te
rebeldes e relutantes de ‘homens livres’. Nas atuais circuns
tâncias , o confinam ento é antes um a alternativa a o em pre
go, uma maneira de utilizar ou neutralizar uma parcela
considerável da população que não é necessária à produ
ção e para a qual não há trabalho ‘ao qual se reintegrar’
(Bauman, 1998,119-120).
Sem perspectivas de vida, legiões de jovens passam a ser
empurradas para o tráfico, morrendo antes dos 25 anos ou

15A esse respeito ver Arquidiocese de São Paulo, Bras il: nunca mais. Petrópolis,
RJ: Vozes, 1985 e Clinica t Política: subjetividade e violação dos direitos humanos ,
organizado por Cristina Rauter, Eduardo1Passos e Regina Benevides, Rio
de Janeiro, T e Corá, 2002. i

184
engordando as estatísticas penitenciárias.'GAdaptando-se ao
receituário neoliberal, as políticas de segurança latino-amcrica-
.nas migram da ideologia de segurança nacional para a ideolo
gia da segu rança ur ba na e el egem um .novo inimi go comum ,
agora proveniente das camadas mais pauperizadas da socieda-
de7~Nessenovoc ontext o3 asdrogas- seeonverte m -na-maÍ5re--
cente justificativa para se criminalizar os pobres e jovens e
alim en tam as novas, cam pa nh as d e alarm ismo social (Batista,
1997; Baratta, 1998).
Par a esta nova ordem , se revela, mu ito mais funci onal
alimentar o medo e o conflito, quebrando todas as antigas for
mas de sociabilidade e solidariedade. Se como nos diz Bauman,
em breve 20% da força de trabalho será suficiente para mover
a economia, o que fazer com os outros 80% da faixa vulnerá
vel ou excluída, q ue já não têm m ais ut ilidade? É preciso gerar
novos mecanismos reguladores da insatisfação da sociedade,
novos in str um en to s; de controle social, sendo, ós pri ncipais o
encarceramento maciço, e a manipulação da insegurança e do
medo (Bauman, 2000). Não é à toa que em nossas sociedades
volta a crescer tanto o aparelho penal e buscam-se novas opor
tunid ade s pa ra a reedição de legislações penais v oltadas pa ra a
defe sa da segu rança na cion al.17 Co mo nos di z Zaífaroni, “o
importante é ter um pretexto para tornar mais repressivo o
controle social punitivo” (Zaífaroni, 1997: 33-34).

IC D e acordo c om os dados do PRO DER J refe rent es ao ano 200 0, 96% da


população prisional de nosso Estado c constituída por homens, 62,61% por
pardos e negros, 67,12% por analfabetos ou apenas alfabetizados, 37,93%
tem idade inferior a 25 anos e 59, 4-3 % e stá ;presa por -porte (5,08%) ou
tr áft eo de drog as (54,35%). ;
17 Para Ch om sky as drogas e mais rec entem ente o ter rorismo seriam as no
vas ocasiões para a reedição de legislações penais voltadas para a defesa da
segurança nacional e para a identificação dos novos inimigos comuns.

185
nú mero um a figura do subv ersivo. As polícias sã o m ilitarizadas
e aparelhadas para o combate a um inimigo interno e a tortu
ra, que nunca deixara de ser utilizada contra as parcelas
desfavorecidas da sociedade, é institucionalizada e passa a ser
ensinada nos quartéi s e a se r instrum entalizada p ara o controle
da subversão. As legislações são reformuladas à luz da nova
doutrinadose as
parte penas de
Códigos morte e de banimento voltam a fazer
Penais.15
Mais recentemente, já com as reformas neoliberais, o
capitalismo ganha novo impulso e passa a dispensar os ditado
res de plantão. As novas regras da economia aumentam as ta
xas dc desemprego e emprego precário, tornando sem efeito as
antigas estratégias de luta dos trabalhadores c lançando em
situação dc total vulnerabilidade um contingente antes inima
ginável de pessoas. Não tendo mais como reintegrá-los ao
mercado formal de trabalho os Estados neoliberais inventam
outra função para as prisões. Segundo Bauman,
. nessas condições, o con finam ento n ão é nem escola par a o
emprego riem um método alternativo compulsório de au
mentar as fileiras da mão-de-obra produtiva quando fa
lham os métodos ‘voluntários’ comuns e preferidos para
levar à órbita industri al aquelas categori as particular me nte
rebeldes e relutantes de ‘hom ens livres’ . Nas a tuais circuns
tâncias, o confinamento é antes uma alternativa ao empre
go, uma maneira de utilizar ou neutralizar uma parcela
considerável da população que não é necessária à produ

ção e para 1998,119-120).


(Bauman, a qual não há trabalho 'ao quai se reintegrar’

Sem perspectivas de vida, legiões de jovens passam a ser


empurradas para o tráfico, morrendo antes dos 25 anos ou

15A esse respeito ver Arqu idiocese de São Paulo, Brasil: nunca mais. Petrópolis,
RJ: VpzeSj 1985 e Clínica e Política: subjetividade, e violação dos direitos humanos.
organizado por Cristina Rauter, Eduardo Passos e Regina Benevides, Rio
de Janeiro, Te Corá, 2002.

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engordando as estatísticas penitenciárias.Ib-Adaptando-se ao
receituário neoliberal, as políticas de segurança latino-america
nas migram da ideologia de segurança nacional para a ideolo
gia da segurança urbana e elegem um' novo inimigo comum,
agora proveniente das camadas mais páuperizadas da socieda
de. Nesse novo contexto, as drogas se'-convertem na mais re
cente justificativa piara se criminalizar os pobres e jovens e
alimentam as novas campanhas de alarmismo social (Batista,
1997; Baratta, 1998).
Par a esta. nova o rdem , se re vela muito mais fu ncional
alimentar o medo e o conflito, quebrando todas as antigas for
mas de sociabilidade e solidariedade. Se como nos diz Bauman,
em bre.ve 20% da força de trabalho será suficiente para mover
a economia, o que fazer com os outros 80% da faixa vulnerá

vel ou excluída,
novos mecanismosque reguladores
já não têm mais utilidade? E da
da insatisfação preciso gerar
sociedade,
novos instrumentos de controle social, sendo os principais o
encarceramento maciço, e a manipulação da insegurança e do
medo (Bauman, 2000). Não é à toa que em nossas sociedades
volt a a crescer tánto o apa relho penal e buscam- se novas op or
tunidades para a reedição de legislações penais voltadas para a
defesa da seg uranç a nacio na l.17 Com o nos diz Zaffaroni, “o
importante é ter um pretexto para tomar mais repressivo o
controle social punitivo” (Zaffaroni, 1997: 33-34).

16 D e acordo com os'dad os do PR OD Eiy ref ere nte s ao ;ano 2 000, 96% da
população prisional de nosso Estado c constituída por homens, 62,61% por
pardos e negros, 67,12% por analfabetos ou apenas alfabetizados, 37,93%
tem idade inferior a 25 anos c 59,43% está presa por porte (5,08%) ou
tráíico de drogas (54,35%).
17 Para Ch om sky as drogas e mais rec entem ente o terror ismo, seriam as n o
vas ocasiões para a reedição de legislações penais voltadas para a defesa da
segurança nacional e para a identificação dos novos inimigos comuns.

185
Movidas por esses novos desígnios, as políticas de segu
rança pública intensificam o controle, encarceramento e até
ex term ínio das classes vistas com o perigosas, ating indo ics pecial-
mente os pobres,'jovens e negros, moradores das áreas pobres.
PãraTsociedades-excludentes-e-elitistas.-onde^segurança públi-
ca não significa segurança e bem-estar do público mas, ao con
trário, expressa a ma nute nçã o de u m a ordem desigual e injus ta”,
uma polícia violenta e corrupta é absolutamente funcional
(Dornelles, 1997).lKAssim, favelas eibairros popularesjsão inva
didos a qualquer hora e sob qualquer pretexto por uma polícia
que extorque, forja flagrantes, tortura ou mata e é neste con
texto que vai sendo construído o imaginário social que permite
que grande parte de nossa população seja percebida como
perigosa e p or essa razão não sejaivista co mo benefitiária dos
direitos mais essenciais. Identificá-los, pois, como monstros in
desejáveis, faz parte desse grande empreendimento de reenge-
nharia social.
Tendo em vista as novas subjetividades que se querem
produzir, a gestão midiática do méd o e da indiferença cumpre
um papel fun dam ental. A viol ência é ofer ecida como espetácu
lo diário aos consumidores em busca de entretenimento e
ad rena lina e a exposi ção rep etida la cenas de viol ênci a pro m o
vem ao m esm o tem po o terr or :e a ban alizaçã o. iPara is so,
espetaculariza-se e cria-se um ambiente de pânico è comoção

social generalizados
violência por outro. por urri lado,
O objetivo ésaòuaprovação
banaliza-se
daeopinião
justifica-se
pú a
blica a um trata m ento m aniq ueísta da violência de acordo com
a classe social da vítima ou a posição social do perpetrador.
Segundo Dornelles, utilizando-se do medo e da insegurança

1(1N esse nov o qua dro, a pr ópr ia, violên cia pa ssa a ser estratégica, justificand o
a militarização dá segurança pública, a; tolerância com as práticas ilegais c
viol entas da políci a e com a ação d o s g r u p o s de extermínio, a legalização da
pena de morte, a redução da idade passível de responsabilização penal etc.
como operador acirra-se a divisão entre a ‘cidade legal’, bem
cuid ada , ord eira e: civil izada onde viyem as pessoa s de bem,
cumpridoras de seus deveres, e a ‘cidade ilegal’, da sujeira,
desordem -e da barb árie, onde se ‘esconde m5 os cri mino sos.
Jdentificam-se os bairros populares e as favelas com o quartel
general do crime e passa-se a temer- a rua e a ver em todo
desconhecido —especialmente se ele for jovem, pobre e negro
- um a ameaça. Desenha-se um a situação absol utamente con
flagrada, onde os habitantes da cidade ilegal ameaçam os di
reitos e a vida dos habitantes da cidade legal. Através da lógica
da gu erra , os exc essos sã o co nsiderados inevi távei s, e ficam ju s
tificados os cercos das favelas, as detehções a execução de pes
soas em atitude suspeita e a tortura para obtenção das
informações (Dornelles, 1997: 114-1T8).
É quando os discursos periculósistas nascidos no século
anterior tornam-se insuficientes. Pará'sustentar as políticas de
encarceramento em massa que se disseminarão pelo mundo
afora será preciso ;adaptar a noção de periculosidade às novas
estratégias de controle social, que agem mais difusamente. Será
então, formulado o conceito de risco social, que permitirá uma
significativa ampliação na escala da .intervenção das medidas
preventivistas. Segu ndo Peg oraro, a
gestión dei riesgo implica la ppsibilidad de multiplicar las
intervenciones, abarcando as.í ya no la ‘peligrosidad1
siempre en ca rna da en alg um individuo - sino factor es,
ambientes, situaciones, que se convierten eh blanco de tales
intervenciones ya sea preventivas o represivas (Pegoraro,
1999: 227).
Ou, como nos diz Sotomayor, . .
dado el viraje que se está desarrollando en las sociedades
tardo-capitalistas el control social no se dirige ahora sobre
el suje to-indiv idua lme nte considera do, sino sobre grupos
enteros, poblaciones y ambientes, y la peligrosidad va
dejando de ser, en general,; una noción referida a un

18 7
-.indivíduo en particular para serio rcspecto dc determina
das ‘situaciones o grupos de riesgo’ (Sotomayor, 1996: 145).

A infl uê ncia do po si ti vism o n as inst itui ções e leg isl aç ão pe n al bras ilei ra

volveramTodas
os essas
meiosdiscussões
jurídic os sobre periculosidade
e ..acadêmicos e risco pren
brasileiros, od u
zindo efeitos significativos em nossas legislações e instituições.
Com a proclamação da República, que permite uma
abertura ainda que virtual dos canais de poder à representan
tes da sociedade civil; a abolição da escravatura, que põe fim
ao impedimento legal à participação dos descendentes africa
nos na vida urbana; e a imigração estrangeira, que traz para o
Brasil trabalhadores com mais consciência de classe, novas es
tratégias tornam-se necessárias para deter os reclamos por ci
dadania dessa parcela da sociedade e justificar o tratamento
desigual a elas conferido. Não por acaso, a mais importante
delas foi a justificativa científica para o racismo, que vinha le
gitimar a crença na superioridade da raça branca e marcar as
dis cus sõe s sobr e o tem a da defes a so ci al cm nosso p aís (C orrê a,
2001 ).
Nos períodos de crises sociais que se seguiram, primeiro
as teorias positivistas italianas, e posteriormente as teorias
eugenistas alemãs ,19vão oferec er as ferram entas teóricas neces
sárias ao controle social das classes potencialmente perigosas.
Diversos trabalhos são escritos e vários congressos são realiza
dos demonstrando a periculosidade dos negros e das diversas
categorias marginais como as crianças abandonadas, os loucos,
os homossexuais, os alcoólatras, as prosdtutas e os criminosos.
Um bom exemplar dessa safra foi Nina Rodrigues que,
atribuindo à raça negra a debilidade física e mental de nosso

1:1Esta s teorias, que felizment e não chegaram a ser coío ca da s e m prá tica em

nosso pais,
’ deixou pregavam a eliminação dos infra-homens que a seleção natural
escapar.
povo e questionando a noção de livre-arbítrio, define os graus
de irresponsabilidade social de acordo com parâmetros de raça,
idade, sexo e cultura. Coerentemente cóm os ideais positivistas
verde-amarelos ele afirma que “a igualdade política não pode
compensar a desigualdade moral e física” e pergunta:
Pode-sc exigir que todas estas raças distintas respondam
por seus atos perante a lei com igual plenitude de re spon
sabilidade penal? (...) Porventura pode-se conceber que a
consciência do direito e do dever que têm essas raças infe
riores, seja a mesma que possui a raça branca civilizada?
(...) A escal a vai aqui d o pr od uto inteiram ente inaprovcitávcl
e degenerado, ao produto válido e capaz de superior ma
nifestação de atividade mental (Corrêa, 2001: 141).
Para cie, que condenava a “estúpida panacéia da prisão
celular” (Co rrêa, 2001: 145), a melhor, m an eira de resolver o
pro blem a dessas populações considerad as deletérias para o de
senvolvimento do país era o isolamento em asilos. Outro bom
exemplo desse movimento foi o acordo firmado entre os Go
vernos dos países do Cone Sul, estabelecendo a obrigação de
trocarem informações a respeito dos dados individuais das pes-;
soas consideradas perigosas.20 Mais do que identificar e classi
ficar os tipos perigosos a escola positivista brasileira propõe,
portanto , um a espécie de cadastro geral dos perigosos. Os anos'
passam e três décadas depois os positivistas brasileiros ainda
continuam em ação. Apresentando pesquisas que “comprovam”
a possibilidade de se prevenir o crime, Leonídio Ribeiro obser
va que
(i)sso seria possível desde que se lograsse classificar biotipo-
logicamente, desde a primeira infancia, todos os indivídu-
. os, especialmente aqueles que, pela sua constituição e

20 Ao que Corrêa indica, o esforço dc transnacionalizaç3Lo das políticas de


segurança pública imposto pelos EUA à América Latina começou bem an
tes da terrível Operação Condor, que nos anos 70 reuniu os governos mili
tares do Brasil, Paraguai, Uruguai, Argentina c Chile.

18 9
tendências, pudessem ser considerados como pré-delinqüen-
tes2' (Gorrêa, 2001: 1B7).j .
Estas idéias que se colocavam contra os ideais liberais
pressionavam 'a favor de legislações que incorporassem as me
didas preventivistas. Assim7~ So~mesm o_tern po~ em -que —ta rd ia —
mente, os nossos primeiros códigos penais introduziam os

princípios liberais, eram


dos.ideais positivistas. introduzidos
Para também os primeiros
o Código Republicano de 1890, traços
que antecedeu, a maior parte dessas discussões, não eram con
siderados criminosos os indivíduos isentos de culpabilidade em
virtude de qffecção mental, como também estavam livres de pena
os menores de 9 anos, os maiores de 9 e menores de 14 que
não tinham discerni mento, os portadores de imbeci lid ade nata,
en fra qu ec im en to senil e os surdo -m udo s.22 Em com pensa ção,
para os maiores de 9 e menores de 14 que houvessem obrado
com discernimento,a legislação previa o recolhimento em estabe
lecimentos disciplinares industriais; para os vadios e capoeiras
reincidentes, a internação em colônias penais; para os toxicô
manos, a internação curativa e' para os ébrios habituais que
fossem nocivos ou perigosos a si, próprios, a outrem ou à ordem pú
blica, a internação em estabelecimento correcional (Ribeiro, 1998:
12-13). ;
Mas é no Código Penal ide 194-0, inspirado no Código
Italiano de 1930, que verdadeiramente se pode ver a força da
influênc ia pos itivista. N a ex posição de M oti vo s1do Ministro
Cam po s, lê-se o seguinte: '

21 C om o resultado dessas dis cussões f oi ins tituí do em nosso país o s ist ema
nacional de identificação (as carteiras de identidade) e o cadastramento
datiloscópico. ■■
-J Os lou cos, com o no Có digo anteri or, eram entregues às suas famíli as oa
recolhidos a hospitais de alienados, mas somente se assim o exigisse a segu
rança da ordem pública.

19 0
i ': 5. É notório que as m edid as'pu ram ente repress ivas c pro
% ■ pr i amént e penais se revelaram insuficientes na luta contra 5 ^
í a crimin alidade, em pa rticu lar con tra as suas formas habi-
tuais (rio sentido de reincidentes). Ao lado disto existe a
■vT’ criminalidade dos' doentes mentais perigosos. Estes, isentos
" de “pe na —nã o-e ram -sub m etido s-a-n enh um a-m cdid a-d c-se___ ___,
•i' ■ gurança ou de custódia, senão nos casos de im ediata peri* ; ®
culosidade.
lado das penPaas raquecorrig
têm irfinalidade
a anom alia, foram
repressi va einstit
intimuídas, ao
idante, ji
í|? as med idas de segura nça. Estas , em bo ra aplic áveis em re- j
gra post delictum,
são essencialmente preventivas, destinada s ^
à segregação, vigilância, reeducação e tratamento dos in-
divíduòs perigosos, ainda que moralmente irresponsáveis
(Oliveira, 1987: 7). ^
Este Código, que já inc orp ora rá o Princípio de Indivi- ^
dualizaçã o das Penas e o sistema do duplo binário, introd uzirá ^
tam bém o cri tério da pericul osidade pa ra a aplicaç ão da pena,
co nsa grará o dispositivo da m edid a de segurança a ser cum pri- ^
do em estabelecimento especi al e oferecerá aos Juizes a liber
dade de escolher en tre os divers os tipos de sanção 23 ou de ap licar
ÏI cumulativamente sanções de espécies diversas. Por outro lado,
I como o seu modelo europeu ^
(e)ntre o mínimo e o máximo, ele (o Juiz) graduará a ®
quantidade de pena de acordo com a personalidade e os
antecedentes do criminoso, os motivos determinantes, as ^
circunstâncias e as conseqüências do crime. Em suma, indi-
vidualizará a pena, adotando a quantidade que lhe pareça 0
mais adequada ao caso concreto (Oliveira, 1987: 7). £
Par a efeitos de individu alização , o Códig o de 1940 dis- ^
tingue os prim ário s e os reincid entes, as circunstânc ias agra- ^

___________________ _ •-
23 As sanções estabelecidas por esse novo Código são: reclusão, detenção,
multa, perda de função pública, interdições de dir eit os, pub licação de sen- ^
tença e medidas de segurança. !
i • '
rs;
2
vantes e atenuantes e introduz uma aplicação subjetivista da
pena. Assim,, é estabelecido que:
24. O Juiz, ao f ixa r a pena, nâo dev e ter cm co nta som en
te o fat o criminoso, nas suas circunstâncias objetivas e co n
seqüências, mas também o delinqüente, a sua personalidade,
seus antecedentes, a intensidade do dolo ou grau de culpa
e os motivos determinantes (art. 42). O réu terá dc ser
apreciado através de todos os fatores endógenos e exógenos,
de sua i ndividualidade m oral ( ...) c da s ua m aior ou m en or
desatenção à discipl ina so cial. Ao Juiz incu m birá invest i
gar,'tanto quanto-possível, os elementos que possam con
tribuir para o exato conhecimento do caráter ou índole do
réu - o que im porta dizer que serã o pesquisados o seu
curriculum vitae, as suas condições de vida individual, famili
ar e social, a sua conduta contemporânea ou subseqüente
ao cri me, a su a m aior ou m eno r pcriculosidade (probabilida
de de vir ou tornar o agente a praticar fato previsto como
crime). Esta, em certos casos, é presumida pela lei,24 para
o efeito da aplicação obrigatória da medida de segurança;
m as'fo ra des ses-cas os, f ica ao p ruden te arb ítrio do Ju iz o
• seu reconhecimento, (art. 77 ) '
Importante para a aplicação deste instrumento legal é a
avaliação da responsabilidade penal que deverá ser feita medi
ante pericia médica. Adotando o sistema biopsicológico de
avaliaçãoo Gódigo estabelecerá, que de acordo com o seu
artigo 22:
18. Ê isento de pena o agente que, por doença mental, ou
desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao
tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de

24 Para os efeitos dessa le i são consid erad os presum idam ente perigosos: os
inimputáveis e semi-imputáveis que nos termos do artigo 22 são isentos de
pena; os ébrios habituais condenados por crime cometido em estado dc
embriaguez; os reincidentes em crime doloso e os condenados por crime
cometido através dc associação, bando ou quadrilha de malfeitores.

19 2
entender o caráter criminoso do fato, ou de determinar-se
de'acordo com esse entendimento (Oliveira, 1987: 15).
Atribuindo á pena’a função de retribuir o dano e corri
gir o condenado, o Código de 1940 impõe como condição para
a conce ssão de livramen to condicional não ape nas que o preso j
apresente bom comportamento más, também, que fique de
monstrada
de. Po r suaatravés
v ez, pade exameo internado
ra que a cessaçãopodar medida
sua periculosida-
de segurança
seja desinternado, a mesma condição será exigida. As medidas
de segurança, definidas como medidas de prevenção e assistência so
cial e desti nadas p ara aqueles que, -sendo ou nã o p ena lm ente
responsáveis, forem considerados perigosos, serão impostas por
tempo indeterminado e deverão perdurar até que fique com
provada, através de exame pericial, a cessação do estado p e ri-.
goso (Oliveira, 1987: 24).
Com a revisão de 1984 e a entr ad a em vigor da Lei de • '
Execuções Penais, uma nova política criminal e penitenciária>
começa a ser desenhada. Segundo a Exposição de Motivos da
Nova Parte Geral, o objetivo é restri ng ir a p en á "pri vati va de
liberdade aos casos cle verdadeira necessidade. São reconheci- -
dos os altos custos dos estabelecimentos penais e os efeitos de-.
letérios da prisão para os infratores primários c ocasionais —
que perdem paulatinamente a aptidão para o trabalho e são
expostos a situações de violência c corrupção altamente dano
sas - e é propo sto de form a manifestam ente caut elosa, um novo
elenco de penas, alternativas à reclusão. O Princípio de Indivi
dualização das Penas é aperfeiçoado e são estabelecidos os ins
trumentos e os procedimentos que fornecerão as bases para
um tratamento individualizado do preso. E também aperfeiço
ado e ampliado o sistema de progressão/regressão das penas,
que agora poderão ser cumpridas em regime fechado, semi
aberto ou aberto, de acordo com as condições do preso. Desa
pare ce da legislação o sistema do duplo binário dispensando a
aplicação da medida de segurança aos imputáveis, e aos semi-

193
imputáveis passa a ser aplicada a pena ou a medida de segu
rança, de acordo com a necessidade de cada caso. Quanto às
medidas de segurança para os portadores de transtornos men
tais, pratica m ente não há n enh um a dif erença . A pesar de o Có-
di"go"ter excluído_a'periculosidade presumida-o-conceito-continua-
a ser aplicado aos inimputáveis. Isso significa que osexames de
verificação de cessação de pericujosidade deixam de ser aplica
dos aos imputáveis, mas são substituídos pelos exames crimino-
lógicos, qu e vão ser usados para instruir o s pedidos de livramento
condicional e progressão de regime, devendo informar se o
inte rn o e stá em cond ições de recebe r o benefic io pleiteado.2 5
Com a Lei de Execução Ifenal, são estabelecidas as no
vas condições que devem ser garantidas aos presçjs e interna
dos para o cumprimento de suas sanções. Estes passam a ter
direito à assistência m aterial, à| saúde, juríd ica, educacio nal,
social e religiosa. Curiosamente}não há menção à assistência
psicológica. P ara orie ntar a individualização da execução pe
nal dev em ser •clas sifi cados, segun do os seus antec ede ntes e
pers onalidade. Esta classificação! será feita por Comissão T éc
nica de Classificação (CTC), presidida pelo Diretor e compos
ta, no mínimo por dois chefes de serviço, um psiquiatra, um
psicólogo e um assistente social. Esta Comissão tem co mo atri
buições estu dar e propor med idas que aprim ore m a execução
penal, acom panh ar a ex ecução ;das penas, ela borar o progra 
m a ind ividualizad or, ap ura r as inf raç ões disc ipl inar es e avalia r

as condiçõ
ou es de
progressão d osregime.
presos Os
co condenados
m direit o aà livramentoi condicional
pena iprivativa de
liberdade estão por sua vez obrijgados ao trabalho, com finali-

25 De acordo com o parágrafo único ido artigo 83 deste Código, “para o


condenado por crime doloso, cometido com violência ou grave ameaça à
pessoa, a concessão do livramento ficará também subordinada à constatação
de condições pessoais que façam presumir que o liberado não voltará a
delinqüir”. ]

194
dade produtiva e educativa, e sob remuneração. Além disso,
tem o direito de descontar um dia de prisão para cada três dias
trabalhados. Devem também se submeter à disciplina estabele
cida e no caso de infringir as regras são sujeitos a sanções dis
ciplinares. Isto é o que determina a lei brasileira.

P ri sõe s e vi olência
Nossas prisões são muito diferentes do que estabelece a
lei. De acordo com o Departamento Penitenciário Nacional
(DEPEN), temos hoje cerca de 250 mil presos nas delegacias e
prisões brasileiras.26 Por falta de vagas nas unidades penais, di
versas pessoas literalmente amontoadas cumprem suas penas,
parcial ou totalmente, em delegacias ou casas de custódia. Muitas
nunca ouviram falar, em CTC e nunca foram assistidas por
psicólogo ou assistente social. Como bem o diz Cristina Rauter,
a realidade de nossas prisões é muito pouco panóptica. Nossas
prisões são na verdade depósitos, mais ou menos caóticos, cuja
finalidade parece ser apenas a exclusão e o castigo (Rauter,
1982: 23-24). Mais de 90% não têm acesso a advogado parti
cular e por falta de assistência jurídica, ou devido à lentidão da
Ju stiça bras ileira,; muitos con tinuam i presos mesmo após term i
nada a pena, ou cumprem-na em regime fechado, apesar de
terem direito a livramento condicional ou a cumpri-la em regi
me mais brando. Passam meses ou anos em cclas absolutamen
te desumanas e infestadas de baratas, ratos e fezes de pombos;
são expostos a todo tipo de violência (entre os próprios presos
ou por parte do próprio corpo funcional); geralmente recebem
alimen tação insuficiente e de m á qu alidade, sem falar nas muit as

,JRD e aco rdo c om o censo de 1995, tínham os 95 ,4 pr esos para cem mil ha
bitantes. H oje es sa !cif ra já subiu para 146^5 cm cem mil.

195
•vezes que esta 6 deixada intencionalmente ao sol para que es
trague. O fornecimento de água é precário, as caixas de água
nunca são lavadas c na falta de água corrente, os presos fre
qüentemente armazenam água para o banho e preparo de
pequenas refeições em latões enferrujados e im undos. Apesar
de viverem em condições absolutamente insalubres, a assistên
cia médica o ferecida aos pr es.os geralm en te é pre c ár ia ,27
obs truída ou até co brad a p or a travessa do res e com exceção do
Sist ema Penitenci ário do Rio de Jan eiro não con ta com a co
bertu ra do SUS. São poucas as unidades penais que oferecem
oportunidade de estudo ou trabalho para os presos, as punições
'por infração disciplinar são manejadas sádica e arbitrariamen
te e a tortura individual ou coletiva é cometida impunemente.
Em nome. da segurança da unidade, freqüentemente os presos
têm os seus objetos pessoais examinados e destruídos, e seus
familiares, que segundo a lei não po dem ser at ingidos pela pen a,

são met
sub freqüentemente
er-se a revisttratados com -1desrespeito
as corp orais e obrigados
5(K olker, 2002: 89-97).a
Aqui, como na maioria dos países, vêm aumentando
muito os índices de encarceramento, a maioria dos delitos en
volve o porte ou o tráfico de drogas e a idade dos presos dimi
nui cada vez mais. As campanhas pela lei e pela ordem exigem
cada vez mais rigor (sob suas formas legais ou ilegais) no trato

77 A assistência médica oferccida aos presos do sistema penitenciário do Rio


de Jane iro é a que oferece a m elhor estrutura (ambulatori al e hospitalar),
tem maior número de programas (DST-Aicls, tuberculose, prevenção ao
câncer ginecológico, etc.) e a que tem mais recursos, que são cobertos pelo
SUS. Ainda assim, fazer chegar esses serviços aos presos é um desafio nem
sempre bem sucedido.
2B Por outro l ado, os alojam entos dos guardas - igualm ente de sassistidos pe lo
Estado - freqüentemente são pouco melhores do que os dos pre sos ; a rela
ção entre o número de guardas e presos é sempre muitíssimo abaixo da
recomendável, agravando o stress dos funcionários, e é alto o número de
agentes com história de alcoolismo e abuso de drogas, ou que respondem a
processos.

19 6
com os bandidos c estes respondem com cada vez mais ousa
dia e violência, inclusive, freqüentemente executando ou tortu
rando suas vítimas. A-criatura foge, enfim, ao controle do criador
e o pânico, tornado real, toma conta das cidades.29'

A atuaçã o d os p si cólogos n as un idad es pri si on ai s


O dia a dia dos psicólogos nas prisões transcorre em meio
a centenas dc papéis. São infindáveis laudos, relatórios ou pa
receres, feitos ou por fazer, e mesmo assim, a qualquer hora
que entremos nas galerias ouviremos dos presos as eternas
queixas de que ainda não foram chamados para fazer seus
exames. Pudera, as unidades penais de nosso país costumam
alojar cerca de 500 presos, algumas atingem a marca dos 1.000

efissionais
com sortedaas área
equipes
de técnicas chegam
psicologia. Aléma contar
disso, com
há asdois pro
inúmeras
sessões da CTC para apurar as infrações disciplinares. Assober
bados dc tarefas disciplinadoras ou de juízos a emitir sobre os
presos, os psicólogos das unidades prisionais dificilmente po-
dem realizar algum trabalho mais transformador nessas comis
sões ou estabelecer outro tipo de relações institucionais com os
dem ais fun cionários, internos e /o u seus familiares.3 0 No e nta n

Segundo ZafTaroni, a capacidade reprodutora de violência dos meios de


comunicação c enorme: na necessidade de uma criminalidade mais cruel
para melhor excitar a indignação moral, basta que a televisão dê exagerada
publicidade a vári os casos dc violência o u crueldade gratu ita par a que, im e
diatamente, as demandas dc papeis vinculados ao estereótipo assumam con
teúdos de maior crueldade e, por conseguinte, os que assumem o papel
correspondente ao estereótipo ajustem a sua conduta a esses papeis (ZafTaroni
apud
Ba ti s ta , 19 98 ) . ' " .■
Exceções são feitas aos casos dos psicólogos que trabalham em unidades
hospitalares, atuam em programas de prevenção a doenças sexualmente
transmissíveis, ou prestam assistência a presos com dependência química.

197
to, um a das a tribuições das GT Cs é est udar.e pr op or jmedidas
que aprimorem a execução penal.j Além disso, como vimos
acima, sequer está previsto na Lei de Execução Penal a assis
tên cia psic ológ ica 'aos reclusos. Por! outro lado, os psi cólogos,
assim^como_os_dernais técnicos que trabalham nessas institui-
çÕes, dificilmente têm contacto com o funcionamento interno
das prisões. Estes, geralmente por problemas de segurança, ou
por falta de tem po, mas muitas ;vezes por desinfo rm ação ou
desinteresse, nã o costum am , ter. aces so às galeri as - desco nhe 
cendo e/ou silenciando acerca dos reais problemas dós estabe
lecimentos onde' trabalham, inclusive no que diz respeito às
cos tum eiras sessões de to rtu ra (Kolke r, 200 2). To da s ess as ques
tões, no entanto, estão ainda à espera de uma discussão mais
profunda, ta nto no próprio sistema jpenal, como nos sindicatos
e con selho s profissionais. ;
Falemos pois dos exames. Como bem o diz Rauter, em
artigo fundamental para os que trabalham no sistema penal, a
partir de 1984, cpm a consagra ção dó princípio de individua
lização das penas, “ampliam as oportunidades em que um con
denado será tornado alvo de uma avaliação técnica” e crescem
em importância “os procedimentos que visam diagnosticar,
ana lisar oü estud ar a person alidade e a histó ria d ei vida dos
condenados”, com “o objetivo de adequar o tratamento peni
tenciário às características e necessidades de cada preso” ou de
“prever futuros comportamentos delinqüenciais” (Rauter, 1989:
9). Assim, ainda que o propa lado tratame nto penitenciári o nunc a
tenha chegado a existir em nosso país e que pelo contrário, as
penas de reclusão te nham cada vez mais perdid o o caráte r de
correção ou tratàmentó, para se converter em meros instru
mentos de neutralização e eliminação das classes perigosas, cada
vez mais, desde que ingressar no sistema penitenciário, o des
tino dos presos estará subordinado aos pareceres técnicos que
sobre eles forem' emitidos. Isso significa que ao ingressar na
prisão os apenados deverão ser submetidos a um a longa avalia-

198
ção, quando serão colhidos seus antecedentes pessoais c fami- •
liarès, seu grau de escolarização e profissionalização, suas ha
bilidades e interesses, seus antecedentes penais e a história de
■seu delito, e a cada mudança de regime ou pedido de livra-
'mento“ cõndicional_ deverão_ ser-ap urad as“as_m udan ças-ope ra“
das em seu com po rtam ento e se as condições do apenado faze m
supor que ainda estão presentes as razões que o levaram a
delinqüir. Como nos aponta Rauter, a, qualquer momento um
laudo desfavoráv el do c ond enad o p od erá sign ificar o prol onga
mento da sua reclusão, a pretexto de.se continuar um trata
mento sabidamente inexistente, mas, ainda assim, como se
acreditassem na eficácia da prisão como instrumento de trata
mento do preso, os psicólogos devem;buscar na avaliação do
comportamento do interno a resposta para as suas clássicas
perguntas. .

Buscando
os antigos Examesidentificar os pressupostos
de Verificação emdeque
de Cessação se baseavam
Periculosida-
de (EVCP),31 Cristin a R au te r concluiu que um determinismo
cego, mecânico e simplista os caracterizavam. Assim, fatores
como a morte precoce da mãe, o abandono do pai, a separação
litigiosa dos dois, mães que trabalham fora e deixam os filhos
com os vizinhos, privações financeiras, casos de alcoolismo,
dependência de drogas, ou de antecedentes penais na família,
abandono precoce da escola, falta de profissionalização e pas
sagem na infancia por instituição correcional, vistos em con
junto ou isoladamente, sempre derivavam na conclusão de que
o resultado óbvio seria a prática de crime e, enfim, a reclusão.
Segundo as palavras da própria autora:
O proces so de reconsti tuição da história d o conde nado no s
EVCP, poderia ser descrito como uma mirada em direção
ao passado do indivíduo, buscando a-confirmação de que

31 Atu alm ente, só são subm etidos aos exam es de avaliação da péri culosi dade,
os internados por medida de segurança.

199
realmente existiram acontecimentos em sua vida que por
sua própria natureza são geradores de crime. Gircula-se
tautologicamente sobre este tipo de raciocínio: se tenho
diante de mim alguém que está preso e condenado, este
alguém só pode ser criminoso e como criminoso só pode
ter história de criminoso. Este passado, a ele se tem acesso
pela fala do pre so , mas esta n ão é, p o r certo , u m a via to 
talmente confiável: acredita-se certamente que ele procu
rará enganar, falsear â ‘verdade’. Lança-se mão dos autos
do proce sso -cr ime. . da fic ha de com portam ento carcerário
etc. Com base nestes dados considerados inquestionáveis,32
chega-se ao què se desejava: vidas pontilhadas de indícios
. que s ó po de riam levar ao cri m e (Rauter, 1989: 13).
Não se leva em conta, portanto , os processos de crimi-
nalização e a seletividade das leis, das polícias e do sistema
ju diciário33que fazem com que determ inadas pessoas te nham

maiores chances
ta, tampouco, os efeitos ali e outras
de estardeletérios não.sobre
da prisão Não-se leva em
o preso, con
mesmo
quando o crime que moti vou a condenação sej a de m eno r pode r
ofensivo e despr oporcional ao dano que a perm anê ncia na prisão
causará. Tambcm, não são examinadas as razões externas ao
preso, que poclem, por exemplo, determ inar a sua rein cidên
cia. Seguindo-se, apenas, critérios técnicos, se buscará no preso
e somente nele as condições que façam presumir que não voltará a
delinqiiir.

J"Como se pode depreender das análises de Rauter, é necessária muita inge


nuidade, ou em alguns casos má-fé, para acreditar que o que consta nos
processos é necessariamente a expressão da verdade, E certo que a maioria
dos presos alegam inocência, mas tampouco costumam ser muito confiáveis
as informações constantes nos processos.
33 Um bom exemplo desta ação seletiva c do papel dos diferentes níveis do
• com plexo poU cial-judici ário-psiqjiátrico nest a seleção é o dif erente trata
mento dado aos jovens que são flagrados portando drogas: para os jovens
das ciasses favorecidas c geralmente lançado mão do paradigma médico e
aos demais, o paradigma criminal. Ver em Badsta, 1998.

200
Na im p ossibil id ad e d e concl ui r. .
Inspirando-me em Pavarini, que contratado para escre
ver um livro introduzindo os conceitos de criminologia, preo
cupou-se muito mais em colocar proolemas do que propor
definições, chego ao fim de minha exposição sem apontar ne
nhuma direção aos psicólogos que desejem experimentar prá
ticas mais transformadoras. Longe de mim tal pretensão. Até
porq ue não existem fórmulas. Com o o auto r italiano, que con
fessou que “no conseg uiria es crib ir un m an ua l de crim ino logi a po rq u e no
sa br ia de cir con .ce rte za, q ue és la crim ino logi a” , mas poderia “ ay u da r a
com pren der qu ê qf rec ey p r a quê situ e esta criminologia' ” (Pavarini, 1996:
22), penso que serei mais útil se ajudar o leitor a problematizar
sua prática e a indagar a serviço de que quer investir seus sa
beres e competências. N a impossibilidade de co ncluir, deixo,
então,
pro um mal-estar,
vocação ao pensamumaento,
inquietação ainda sem forma,
à problematização uma sabe...
ou quem
à invenção. Afinal, as prát icas verdad eiramente transformadoras
s ó s e fa zem naq uel es m om en
tos fugidios e ines

mo numa prisão. ■
JurancUr Freire
antigo mas ainda
texto, já nos alertava que é impossível prever o comportamen
to humano como quem prevê a dilatação do metal pelo calor.
É impossível controlar a imprevisibilidade dos homens. Para
ele, qualquer tentativa neste sentido só pode estar a serviço de
uma mascarada cumplicidade com as razões de estado. E ava
liar uma pessoa segundo seu grau de adaptação às normas so
ciais não pode ser considerado outra coisa (Freire, 1989). Isso
signi fica que o m and ato dos té cnic os da á re a p s i que.trabalham
em prisões,* e dentre eles o dos psicólogos, precisa ser urgente-
mente repensado. Se vimos acima que as prisões,produzem
efeitos de subjetivação, que o sistema penal ao configurar a
delinqüência contribui para a produção e reprodução dos de
linqüentes, o que podemos fazer para trabalhar pela descons-
trução-dessas-carreir-as—par-a-a4produção-de~desvios_nessa __
trajetória que se quer preconizar como irreversível? Gomo uti

lizar
para nossas'
aju dar.competências não pai-a
a desviar o desvio para reafirmar destinos,
outras direções maise criati
sim
vas e a favor da vida? 1
Para ajudar a esquentar essa.discussão, deixo também
algum as palavras de G ua ttari já tão repetidas por seu s le itores,
mas tão vivas ainda...
devemos interpelar todos laqueies que ocupam uma posi
ção de ensino nas ciências sociais e psicológicas, ou no
campo do trabalho social {- todos aqueles, enfim cuja pro
fissão consiste em sc interessar pelo discurso do outro. Eles
se encontram numa encruzilhada política e micropolítica
fundam ental. O u vão fazer o jogo dessa r eprodução de
modelos que não nos permitem criar saídas para os pro
cessos de singularização, ou, ao contrário, vão estar traba
lhando para o funcionamento desses processos na medida
de suas possibilidades e dps agenciamentos que consigam
p ô r p a ra fu n cio n ar (G u a tt a ri, 1986: 29).

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204
(Des)consfruindo a 'm en ori da de ': um a an ál ise
crí ti ca s ob re o p ap el da P si co lo gia na prod uçã o
da c at egori a " m e n o r" .
Éri ka P ied ad e d a Sil va Santos

Crianças e loucos dizem a verdade. Por isso.as primeiras


são educadas e os segundos, encarcerados.
Sofocleto. ;v

A atuação do p si có logo face ao " ado lescen te em co nfl it o com a


lei": his tóri a, im p asse s e perspe cti vas. .
Como profissionais em Psicologia, cedo nos habituamos-
a pen sar q ue o p rinc ipa l. instrum ento de nosso trabalho é a
escuta subjetiva, a atenção ao ‘sujeito’. Esquecemos ou natura

lizamos, e assim
profundam ente neutralizamos,
atravessada porqueHistórias
cada história
mais pessoal
amplas está
que cons
tituem a sociedade a que pertencemos.
O presente artigo pretende refletir e problematizar a
inserção das práticas “psi” sobre determinada parte da infan
da e juventude brasileiras a partir do século XIX, sobretudo,
no que tange a conceitos forjados a partir de dispositivos socio-
ju ríd ic os que- v igoraram desde o Brasil Im pério. Convém ob
servar que tais dispositivos estão na gênese das diferenças entre
osento
m conceitos de “M
s exercem influência atée deos dí as de : hoje. cujos desdobra
EN O R55 “CRIANÇA”,

205
As primeiras menções à expressão “menor” articulam-se
às leis criminais do Brasil Império, e definem as penas a serem
aplicadas no caso de cometimento ide crimes “por menores de
idade”. Assimilada a partir do universo jurídico, a expressão
foi absorvida no discurso soaãl_ã^final_d'o~secuTo~XTX~para
designar as crianças nascidas das camadas mais baixas da pirâ
mide social. Nesse trajeto, do jurídico ao social, a .bxpressão
assume conotação de controle político, pois ao segmentar cer
tos setores sociais, criam-se categorias de crianças consideradas
“suspeitas” e potencialmente “perigosas”.' Durante todo o sé
culo XX, a expressão “menor” preencheu a necessidade de di
ferenciar entre os bem-nascidos e os potencialroente perigosos
pa ra a so ciedade, in troduzin do um traço diferencial que, num
trajeto qu e vai do socia l ao juríd ico, culmino u co m a: forma ção
de subjc.tividades. Em tais modelos, distinguiam-se as “crian
ças” dos “menores em situação irregular”, a estes creditando
riscos sociais de ruptura da ordem.
Para compreender melhor èsse panorama, convém co
nh ecer a intrinc ad a e complexa t ram a da tutela es tatal s obre a s
crianças e os jovens brasileiros que se formou a partir do sécu
lo XIX. ;
! '
A "desco be rt a da infância" e a "construção da m en ori dad e" no
Bra si l no séc ulo X IX , ,
‘ ! j

os seusAprimórdios,
história da vinculada
tutela estatal
ao sòbre as famílias
advento esteve, edesde
do capitalismo de
suas demandas correlatas: um mercado consumidor e;uma mão-
de-obra adestrada e dócil. No século XIX, as preocupações re
lativas à preservação e à reserva de mão-de-obra começam a
integrar o cenário social e político, e é neste contexto que a
infância com eça a ser de fini da como objet o de ação e interven
ção públicas em todo o Ocidente:

206
•Tais preocupações,'européias na srcem, são trazidas ao
Bras il em 1808, com a vinda da Fam ília Real. Da E uropa, são-
nos trazidos os conceitos de trabalho como valor positivo, como
atividade formadora e enobrecedora; e as noções contrastantes
de cidadania (atribuída àqueles que trabalham) e de vilania e '
ilegalid ade (como m arc a dõs vagal3ün"dos-e~ociosos)—No-Brasrl,
a sociedade coloni al e escr avagist a pautava-se quase no c on trá
rio daquilo que pregavam os europeus: o trabalho era percebi
do como traço demeritório, sendo associado aos escravos ou a
pessoas sem valor nem peso na escala social. Transform ar em
qualidade aquilo que era percebido icomo defeito exigiu redo
brados esforços do poder so berano no fim do século XIX.
A interferência nos paradigmas sociofamiliares foi o prin
cipal cam inho escol hido pa ra fazer v aler , aqui, valores trazi dos
da sociedade europ éia. Pa ra ta n to ,;foi neces sário aciona r um
conjunto de saberes-poderes, tal como definido por Foucault,1
capazes de transformar as formas de constituição das famílias
e, a partir daí, a identidade dos sujeitos. E neste contexto que
observamos a emergência de campos específicos do saber rela
cionados com a criança: a pediatria^ a pedagogia, a puericultu
ra (Azevedo, 1989), entre outros que, apropriados de acordo
com os pad rões .morais do p eríod o, foram as vias de cons tru
ção de modelos ideais de conduta.
Atuando especificamente sobre a família, as primeiras
referências às idéias psicológicas que começavam a influenciar
os meios acadêmicos europeus e norte-americanos, conceitos
oriundos da Medicina e da Pedagogia criaram ou redefiniram
as formas de funcionamento esperadas nos indivíduos e institu-

1Fo ucault problem atíza a concepção de neut rali dade dos s is te mas de conh e
cimento que para ele estão sempre relacionados com a história da modifica
ção do poder. Assim, as formas de identificação da loucura, sexualidade,
etc, não são homogêneas no decorrer da história, mas estão articuladas à
emergência de novas formas de funcionamento da sociedade.

207
iram parâmetros de “normalidade” e "anormalidade”, pautan
do as condutas tidas como boas e saudáveis na vida familiar.
Em conseqüência, elegeram-se como norma alguns modelos
de funcionamento familiar, em detrimento de outros que pas
saram, a ser vistos como "clesviantes”, “patológicos” ou “irre
gulares”.
As famílias provenientes da elite econômica e intelectual
foram cooptadas pelos discursos médico e pedagógico, que as
identificaram cpm o modelo que se propunha implementar.
Ós ^segmentos m ais pobre s da pop ulaçã o foram atingidos de
forma distinta, através da captura e controle pelos registros
policial e jurídico. É iqríportante que se frise que estas transfor
mações não aco ntecera m de m odo pas sivo; houve áreas de atri to
e choque entre os modos de conduta que prevaleciam à época
e os “novos” modelos propostos em sociedade, como a adesão
à imagem de que o trabalho deveria ser aceito e incorporado
em um quotidiano em que era percebido tradicionalmente como
um traço demeritório e identificador de classes mais pobres e a
condenação, e crítica que foram produzidas sobre a maior libe
ralidade sexual e afetiva que era comum entre os cx-escravos e
pessoas pertencentes aos grupos mais baixos do estrato social.
A própria estruturação posterior de uma psicologia dita
‘cientí fica’ estaria diretam ente vinculada às dem and as morais e
jurídicas (Brito, 1992). Com ambição científica de conhecer o
homem e a sociedade, a psicologia estaria a serviço de distin
guir o indivíduo “normal” e controlar o “desviante”.2
A maneira privilegiada para ingresso dos discursos cien
tíficos médico e pedagógico na esfera familiar foi a defesa da

2 A própria profis são de psicólogo só fo i regulamentada c recon hecida nos


anos de 1960, enquanto a função de psicologista — reconhecida já nas p ri
meir as décadas do século X X - “pòderi a ser ocupad a por prof is sio nais dc
qualquer especialidade —educador, psiquiatra, enfermeiro'’ em instituições
como o Laboratório de Biologia Infantil, criado em julho dc 1936 (Jacó-
Vilela, 2001: 239). '

20 8
infanda; sob o argumento de que seria necessário estabelecer
os padrões de “cuidado da in fan da ”, a c iência enf ati zou - no
Brasil da viradà do século XIX para o século X X - que e ra
dever das famílias “preparar seus filKos para ò futuro”, discipli
nar e domesticar as crianças através da criação de ‘bons’ hábi
tos e adequar seu comportamento. -
Essaoslógica
da em que atingiria
capturaria comoindiretamente os adultos,
atores do enredo da vidanafami
medi
liar nuclear, tornando-os pais e mães de fam ília. Enfim, toda a
lógica em construção circula sobre os marcos territoriais da
família (a parentalidade e a filiação), assim como sobre os pa
péis sexuais.
Os modelos, e m . constituição obedeciam em sum a aos
pressupostos dc saneamento e higienização social, conhecidos >
como movimento h igieni sta. No entanto, s e o perc urs o i n t e r 
vencion ista do Estado s obre as famílias deve muito ao higienismo, •
nas suas vertentes médica e pedagó gica, a salvaguarda lega l foi J
um aspecto decisivo na consecução de um mecanismo eficaz
de tutela sobre as famílias. Para tanto, era necessária a promul
gação de um texto legal que firmasse os marcos jurídicos do
Higienismo.
E de fato, um dos principais propósitos das primeiras
legislações sobre a infancia no Ocidente moderno foi servir como .
um poderoso instrumento de penetração e controle das famíli
as (Coimbra, 2000: 85). Referimo-nos ao controle das wrhialiâades,
apontado por Foucault como exigência das sociedades discipli
nares, um controle'nâo apenas sobre o que se faz ou o que se
é, “mas sobre o que se po de vir a fazer ou vir a ser (Foucault,
1996). .
Nesse mom eríto é im portante que destaquemos que du
rante todo o século XIX, na constituição do Direito Penal Po
sitivo, emergiu como principal objeto desta ciência, a importância
de se defmir o que é CRIME, ou seja, alguma forma de trans
gressão efetiva a uma norma escrita e codificada. Em

209
contrapartida, durante o século XIX, outro objeto foi paulati
namente elaborado, qual seja, o valor do cpnhecirnento e da
tipificação da figura do CRIMINOSO, como passível da inter
venção diante do cometimento dejuma infração. A .análise de
que-um-indivíduó-viesse-a-ser-identificado-comojpotencialrnerv:
te capaz de vir á cometer um delito assume a forma de estra
tégia de controle e foi efetivamente sancionado através da
conhecida “apreensão por atitudè suspeita” no Brasil do início
do século XX. ,
Cita nd o o .profess or Alessandro Ba ratta ;
N a lin g u ag em policia l, a express ão ‘atitu de su sp eita’ n ão
foi nu nca usad a par a ind icar que o jovem estives se fazen
do algo suspeito, mas para indicar que ele era considerado
automaticamente suspeito pelos sinais de sua identificação
com um determinado grupo social (Baratta a/mí/Malagutti,
199 8: 12). '

A assimilação juríd ica dos preceitos higieni stas realizou-


se, no Brasil, através da construção da Doutrina da Situação
Irregular. Essa Doutrina foi a prerrogativa legal utilizada para
embasar os dois Códigos de Menores que existiram ;no Estado
Brasileiro, o primeiro promulgado em 1927 e o segundo em
1979. Amb os caracterizavam -se p;br par tilhar o entendim ento
de que apenas os “menores” em situação irregular —o que na
prática elegia os m enores “abandonados, delinqüentes, perv er
tidos ou em perigo de ser” —seriam alvo da tutela do Estado. Esta
concepção doutrinária identificava os “menores” como objeto
do Direito3e criou mecanismos que permitiram ao Estado atuar
diretamente nos núcleos familiares; a suspensão do pátrio poder

3 A referência à exp ressão “objeto de D ireito” expli cit a a prevalência da lei


sobre aqueles a quem ela se aplica, objetaUzando-os na relação que se insti
tui. A referência às crianças e adolescentes como “sujeitos de direitos”, pre
sente no Estatuto’da Criança e do Adolescente, expressa, em contrapartida,
a valorização da autoria dos direitos e dèveres dos sujeitos aos quais a lei se
destina, e sobre os quais a lei não é apenas imposta. A expressão “sujeito de

210
do pai ou da jnãe que “por abuso -de autoridade, negligência,
incapacidade, impossibilidade de exercer o seu poder”, faltasse
“habitualmente” ao cumprimento dos deveres paternos (Rizzini,
1985: 131).
A^quiTTToWénTlalientar qu e a açãõ ldêstinãclã- á' meno ri”

dade era“menor”
atuação reconhecida,
pois, no próprioalguns
segundo círculojuristas,
jurídico,seus
como urna
parâme
tros não correspondiam aos princípios mais basilares do Direi
to. Ess a avaliação serve com o crivo analít ico d a prática prop osta
pelo modelo da Situação Irre gular: intervenção sobre o “me
nor”, enquanto categoria forjada à!parte da infanda, e sobre
sua família de srcem, sem qualquer referência aos direitos de
um ou de outro; em síntese, uma desqualificação da própria
ideologia do Estado Democrático de Direito.
Defensores da Doutrina da Situação Irregular argumen
tavam qu e a intervenção do P ode r ;TuteIar, po r ser em essê n
cia protetivo, garantiria por si mesmo a preservação dos
interesses de seus tutelados, não sendo necessário que as garan
tias elementares do Direito fossem anunciadas para essa parce
la da população. Dessa forma, o direito de representação, a
ampla defesa, os prazos de representação e/ou contestação não
eram identificados como fundamentais em processos que en
volvessem os menores. Nesses, o poder repousava solitário e
subjet ivo na figur a do Ju iz de M enòrcs, qu e por definiç ão de
cidiria em seu beneficio.
N ão por coincidência, as primeiras referências â utiliza
ção do discurso “psi” na sociedade brasileira datam das pri
meiras décadas do século XX, pouco após a promulgação do

direitos” está diretamente articulada ao movimento de conquista dos Direi


tos Humanos, que se tornou eloqüente na;modernidade. Assim, a idéia de
direitos humanos toma por base o pressuposto de que os indivíduos, por sua
própria condição humana, são portadores de direitos universais e inalienáveis
que de vem ser protegidos de quaisquer violações e arbi trar ieda des por p ar te
da sociedade ou do Estado.

211
Código dc M enores d e 19 27 , na corrent e de preocu paçõe s com
o destino que deveria ser dado à “infância desadaptada” e às
“crianças dif íc ei s” . À pa rtir de então, os instrum en tos d e av alia
ção c di agnósti co psi col ógi cos f oram sendo pau latinam en te in
corporados pelas instituições de abrigo e/ou correção de
m enores, a despei to da pró p ria pr ofi ssão de psi cólogo nã o ser
ainda reconhecida à época.
Dito de outro modo, o- discurso sobre a infância, e a
prá tica psicológica a ele co rrelata, caracterizaram-se no Brasil
como instrumentos de adaptação e controle da “menoridade”,
emergindo o “menor” como um dos primeiros objetos de estu
do que se conhecem na história da psicologia brasileira
(Coimbra, 1999: 81).
Durante o Império, a sociedade brasileira conheceu im
portante influência da Igreja sobre os assuntos do Estado. D a
esfera política ao âmbito jurídico, atravessando á implementa
ção das políti cas soc iais públicas, a Igreja fazia ver s ua in fluência
(Rizzini, 1985: 195). Datam desse mesmo período as primeiras
referênci as ao termo “men ór” nas determinaçõ es pre vistas pelo
Código Criminal de 1830, que definia quais sanções deveriam
ser aplicadas no cometimento de crimes por “menores de ida
de”. Essa primeira referência ao termo tem, como se vê, cará-
. ter essencialmente penalista e criminal.
A população de menor idade não envolvida com atos
criminosos estava, assim, alheia aos preceitos jurídicos do Im
pério. Sobre ela, predom inava a ação caritativa da Igreja, na
forma do paradigma dos “órfãos e expostos da Roda”,4 a idéia

4 A “roda” era um dispos iti vo que fun cionava desde o Br asi l C olônia com a
pretensão dc preservar a reputação das familias após o nascimento de filhos
bastardos e ilegítimos. Tratava-se dc uma abertura no muro de uma insti
tuição dc recolhimento que permitia, a quem estivesse na rua, colocar uma
criança sem ser identificada por ninguém. Pensava-se que assim se protege
ria a vida dos infantes que não seriam mortos por suas mães na tentativa de
ocultação da “desonra”. Na prática a maioria das crianças morria antes de
completar um ano cm decorrência de maus-tratos institucionais.

212
presente neste tipo cie atuação estava diretam ente relacionada
aos princípios religiosos, e fazia crer que era função do “bom
cristão” ajudar aos “ menores desprovidos da sorte”, objetivando-
se o reconhec imento divino po r esse auxilio e cons eqüe ntem ente
a “ida para o céu”. As alianças que destinavam os criminosos
à Ju stiça 'traçada
política e os pobres
no àBrasil
Igreja Império
era m a para
principal característicainfanto-
a população da
juvenil. Nessa associação conveniente, a Igreja - falando em
nome do pode r est atal - atuav a na ausência ou inexi stência da
autoridade parental, abstendo-se no entanto de intervir no
âmbito privado da família e preservando o poder do “pai de
família”, onde ele se fizesse presente e atuante.
Esse jogo permitia preservar o delicado equilíbrio entre
os interesses do Estado e os interesses patriarcais; não havia,
no Brasil Império, qualquer mecanismo de tutela estatal que
interferisse direta e claramente sobre os grupos familiares. •
Além da ação da Igreja, outros mecanismos assegura
vam a manutenção da ordem social sem afrontar o poder pa
t ri ar ca l ; com o exem plo, po de se r ci tada a legi sl ação d o Im pério
que obrigava todas as crianças, independente de sua srcem
social, à formação escolar. Tal determinação, reiterada em di
versos decretos-lei, torna a freqüência escolar obrigatória para
todas as crianças do sexo masculino, maiores de sete anos e
sem impedimento físico ou moral, sob pena de multa no caso
de não cumprimento do disposto legalmente. Sob muitos as
pectos, esses dispositivos legais ajudam a constru ir a im agem
do processo de “cultivo, cuidado e vigilância” que a escola se
encarregaria de assumir. Num contexto cm que discute o
surgimento, do sentimento de infancia no Ocidente moderno,
no qual podemos incluir o Brasil, Aries escreve:
A despeito de muitas reticências e retardamentos, a crian
ça foi separada dos adultos e mantida à distância numa
espécie de quarentena, antes de ser solta no mundo. Essa
quarentena foi a escola, o colégio: Começou então um longo

213
processo de enclausuramentp das crianças (como dos lou
cos, dos pobres e das prostitutas) que se estenderia ate os
dias de hoje, e ao qual sc dá ó nome de escolarização (Ariès,
1981: 11). I
A Lei do Ven tre Livr e, promu lgada em r87'l7un prim e_a_
necessidade de um novo redirccioriamento nas políticas da in
fância. Se antes' a iníancia podia ser tomada como objeto de
ação no âm bito íntimista das famíl ias, a libertação dos filhos de
escravos ain da cati vos de nu ncia m ia interfer ência de m edidas
fora do âmbito estrito da família. À iníancia passa assim a re
querer novas considerações do Estado, e a assumir conotação
de questão social. Além disso, a sociedade brasileira assistiu na
segunda metade do século XIX a uijn processo de grandes trans
formações: a urbanização e o início da industrialização, que
dem and ava m m ud anç a das m en talid ades oriundas da tra dição

agrário-rural.
Tais exigências exigiram do Estado novas estratégias
políticas, sendo a alian ça com o movim en to higienista feita sob
medida para o controle da população. É então que, nesse con
texto, o conceito de menor vai extrapolar a esfera \jurídic a e
p enetrar o cam po social.

D os có d igo s de m enores ao est atut o t ia cri ança e do adolescente


N o horizonte do pro jeto higienista, colocava-se a neces
sidade do controle de uma enorme gama de condutas sociais.
Para implementar tal projeto, era (premente construir estratégi
as de acesso aos núcleos familiares, compreendidos!como “cé
lulas básicas do tecido social” e a criança foi, sem dúvida, o elo
de acesso mais, im ed iato às famílias (Freire, 1989).
Com o advento da República, da qual decorreu a neces
sidade de ampla reformulação dé todo o ordenamento jurídi
co, os juristas salientaram a n ecessidade de criar um a legi slação

214}
'especial para meno res de id ade. As tdiver sas lei s sancionadas
no início do período republicano refletem' de um lado a preo
cupação do país em torno do reordenamento político-social, e
de outro a preocupação com a infância, que emerge como foco
de pr eocup ações bastante dive rsas daquelas da época do Imp é
rio:
1. sobre
dos, oasEstado
crianças integradas
constrói a laresde considerados
estratégias apropria
intervenção que pas
sam pela incorporação e apropriação de saberes-poderes'
médicos, pedagógicos e a importação das primeiras referên
cias de “discursos psicológicos”; *
2. sobre as crianças sem família, oü com famílias tidas como
“ano rm ais, irregular es •ou patológicas” - ressalte-se, “nor
malm en te” as srcinárias dos baixos estr atos sociais - incidiam
uma série de ações calcadas no ideal higienista, de cunho

filantrópico
tado. e jurídico, através dã intervenção direta do Es-,
Assim, inicia-se a instituição da tutela sobre as famílias
p o b re s. P o d e m o s c o n sid e ra r que u m a das prin cip ais c ara cterís
ticas do século XX é o surgimento de um extraordinário apara
to jurí dico -i ns ti tucion al p ara a tutel a do s “m eno res” e ,
conseqüentemente, dá intervenção sobre suas famílias.
Assim, diversas instituições estatais são criadas, basica
mente na perseguição do objedvo de afastar os “menores” das
ruas abrigando-os, quando “carentes”, ou intemando-os em
reform atories, qu an do “i nfratores” . ■
Dessa maneira, podemos entrever que as srcens da his
tória d a organização d a Justiça de Menores se confundem com
a assistência à Infancia no Brasil através da filantropia.
A filantr opia representou u m desd obram ento que se pro
punha científico para as ações de cunho puram ente caritativo
e religioso, ou seja, os teóricos do hígienismo preocuparam-se
em repudiar as ações que eram praticadas pela Igreja, conside
rado-as pouco técnicas e não-científicas, mas preservando ain

215
da posicionamentos que eram basicamente' assistencialistas.
Assim, evoluiu-se da idéia religiosa de fa zer o bem aos pobres para
o conceito cientifico de saber o que deve serfeito com as populações
marginais para se alcançar o melhor possível com as mesmas.
O discurso filantrópico caracterizou-se sobretudo pela
pro fu nda correlação com o ideário positivista, através da ênfa
se dada à articulação entre as propostas filantrópicas c a cons
tituição de um projeto “civilizatório” específico: ó projeto da
“psicoprofilaxia social” advogado pelo higienismo.
Por conseguinte, os primeiros anos do século XX foram
atravessados e marcados pelos desdobramentos históricos das
décadas de 1880 e 1890, que revolucionaram as formas como
a sociedade brasileira se reconhecia e identificava: abolição da
escravatura; as simi lação de um gran de contingente de ex-escra
vos no mundo do trabalho livre; mudanças políticas substanciais
com o advento da República em 1889, urbanização do cenário
nacional e europeização dos costumes (Rizzini, 1987: 77).

 fei tur a dos espe ci ali stas na con st rução da m áxim a


de linq üê ncia: o " m e n o r" e a práti ca de de litos .
No início do período republicano, de ebulição'coledva e
efervescência política, a criminalidade infantil começa a ser
delineada como uma problemática vital, merecendo atenção
cada vez maior da imprensa, que era consumida apenas pelos
círculos letrados e burgueses, fomentando os questionamentos
sobre o que se deveria fazer com o “menor delinqüente”.
Como sinal de que essas preocupações não eram neu
tras, articulando-se à produção de. subjetividades específicas, e
interessante registrar que as primeiras estatísticas sobre a
cri minalidade juven il já anunc iavam seu aum ento. Curiosa
constatação, sobretudo porque se tratavam de dados iniciais.
Ta is estatí sticás não faziam mais do . que resp on sab ilizar os

216
“menores pivetes” pela insegurança e comprovar sua parcela
de cu lpa com dados- matem áticos - “cie ntíficos” portanto - a
respeito dos atos delinqüentes cometidos contra gs “cidadãos
de bem” (Santos, 2000: 213-215).
A Ciência não se restringia, no.entanto, ao registro esta
tístico da criminalidade juvenil. Em Congressos Internacionais,
estudiosos disc utiam a hum anizaçã o da Justiça assim como a
necessidade de “compreender a pretensa criminalidade infan
til”. As medidas propugnadas nos Congressos do início do sé
culo defendiam em essênc ia que o tratam ento da criminali dade
ju venil deveria dar-se à m argem da ju stiç a crim inai, abrindo
caminho para as políticas não-criminais intervencionistas
(Rizzini, 1987: 82). Em conseqüência, a temática da infância
passa a ser tratada nuni duplo registro:, de um lado, a defesa do
“me nor a ban don ado ” - defesa do abandono e da pobreza aos
quais f oi lançad o - e de outro a def esa da sociedade con tra o
“menor criminoso ou delinqüente”, portador de uma ameaça
potencial à coletividade.
N essa al tur a, já é possí vel dis ti nguir m ais cl aram ente q ue m
é o “menor”, em oposição à “criança”. O primeiro tem srcem
nas camadas sociais mais baixas, refratárias à interiorização dos
códigos normativos tidos como modelares no processo de mo
dernização e urbanização social. Estes exigem do Estado for
mas de captura ostensivas e intervenção do aparato judiciário
e policial. Em contrapartida, a "criançá” tem como srcem os
núcleos familiare s burgueses, cujos mem bros se identi ficam mais
facilmente ao ideário dominante. Assim, embora a história da
intervenção sobre as duas categorias tenha sido distinta, ambas
foram alvo de pol íticas que atravessaram seus m odos de funcio
namento e reconhecimento.
N a análise das discussões que atravessaram a época em
estudo, podemos considerar que uma das razões cruciais para
essa distinção era dada pela necessidade de formar mão-de-
obra para a economia; grande parte dos argumentos em_prol

21 7
da necessidade de intervenção juntp às famílias pobres invoca
va o valor moral do trabalho. A necessidade da preservação da
mão-de-obra juvenil é destacada em documentos políticos e
juríd ic os, que defendiam não só a ; intimidação da ociosidade
com o a puniçã cTda va gabu ndag em ídõVl'menore s~per ámbuTan^
tes” .nas ruas . O Chefe de Pol ícia do Estado de São Paulo,

Antônio Godoy, defendia em 1904 que


a pena específica da vagabundagem é incontestavelmente
o trabalho coato. E é a péna específica, porque realiza
completamente as funções que lhe incumbem: tem eficácia
intimidaliva, porq ue o vagabu ndo pref ere o trabal ho à f ome;
tem poder reg ene rativ o, porqu e, s u b m etid o. ao ij egi me das
colôn ias agrícolas ou das ofi cinas, os vagabund os; corrigí veis
aprend em a conh ecer e a prezar as vantagens do traba lho
voluntariamente aceito (Santos, 2000: 216).

O valor do trabalho era um dos mais importantes


deflag rado res d a corre nte de aç õess voltadas par a os men ores e
suas famílias, com o intuito de adestrá-los e transformá-los em
trabalhadores produtivos. Os muitps ex-escravos e seus descen
dentes que resistiam ao ingresso nas linhas de produção indus
triais e fabris, e preferiam viver às cústas do trabalho temporário
e informal ou da prática de pequenos delitos (Santos, 2000:
219), tornavam aquelas ações aincja mais prementes uma vez
que elas pe rm itiriam e qu acion ar o t jema do trabalho como valor
positivo e da perm anência nas ruas como conduta censurável.
Impedir a circülaçao
to do higienismo, na livre
esteiradedos
grandes massas
conflitos era que
de rua outroatravessa
precei
ram a Europa do século XIX. No Brasil a permanência nos
espaços públicos foram paulatinamente sendo associados à
pobreza, à desqualificação e à vadiagem : ,
O s espaços púb li cos, por tòdo século X X , pas sam a se r
desq ualifi cados, p erceb idos jcomo am eaçadores: e, portan
to, precisariam ser e vit ados. ] D aí, a s reor den ações urbanas,
ocorridas em nosso país que, desde o início déste século,
nos moldes do higienismo, implantam uma terapêutica para

218
ti atai das cidad es. Estas, destinad as 3. velo cida de , tornam*
sc espaços de circulaçao e nao mais lugares de encontros
(...) as reordenações urbanas têm se caracterizado pela se
gregaçã o, exclusão e isolam ento .d a pob reza c-or rob ora ndo
a crença de que com ela estão as doenças, os perigos, as
— — — am eaças j- a-vi ol ênci a-( G oi m bra— 2GG Gr86)r ~ -------———-
------

Em síntese, os argum entos clcncados como sol uções para


o grav e prob lema da “amea ça à ordem pública” - repre sent ado
pela presença dos “m enores” nas ruas - eram cie.que 0 recolhi
mento em depósit os especi alizados (ab rigos e/o u reformatóri os)
solucionaria o impasse social da criminalidade infantil, bem como
a questão da proteção contra a pobreza, o abandono e a falta
de assistência familiar. ;
Percebido :como solução de configurações tão díspares
como a delinqüência e o abandono, o asilamento de menores
foi (e ainda é) uma das questões mais discutidas em toda a

história
diversosdas políticas
projetos sociojurídicas
de lei sobreaoo Código
que conduziram “menor”.
de Assim,
Menoresos
de 1927, apresentados no início do século, debateram e refleti
ram a regularização do internamento de “menores”. Até en
tão, o recolhimento era feito nas !Casas de Detenção e de
Correção, misturando menores, loucos c criminosos; era de
interesse público e social manter a exclusão, mas era necessá
rio “hum an izá-la” e higi enizá- la. ,

De "m e n o r" a "cri an ça e ado lesce nte": a l onga dis tânci a


ideológica presente nas referências terminológicas
A pximeira lei brasileira sobre a temática do “menor”,
con hecida como Código dc M enores, fo i prom ulgada em 1927;
uma nova versão foi sancionada em 1979, e ambos elegiam os
“menores” como objeto de sua ação, 'qualificando-os como
abandonados, delinqüentes ou carentes.
Esses dois dispositivos legais são frutos de épocas distin
tas e po ssuem caracte rí st ic as dos períodos cm que foram con
cebidos. A seguir, vamos nos cletcr na história desses períodos
para compreender melhor os Códigos de 1927 e de 1979, ele
mentos importantes da trajetória jurídica brasileira acerca da
infancia dos séculos XIX e XX; essa análise vai-nos permitir
compreender a trajetória pela qual a esfera jurídica transita do
con ceito de “m en or55 até as n.Oções de c rian ça e adolesc ente,
na transformação conceituai proposta em 1990 pelo Estatuto
da Criança e do Adolescente (Lei 8069/90), como veremos
adiante.
• Pouco d epois da pr om ulga ção d o C ódigo d e Me nore
de 1927 (também conhecido como Código Mello Mattos), o
país assistiu ao início do processo de transformações sociais que
culminou com a emergência, do Estado Novo. A política gover
namental de Vargas priorizou, desde sua implantação nos anos
30, a infancia e adolescência como part e, fundam ental n a estra
tégia de reformulação do Estado. A política social de Vargas,
fortemente marcada pelo paternalismo e pelo assistenciaüsmo,
levou à'criação do Serviço de A ss is tênci a ao M en or (SAM ) e
da Legião Brasileira de Assistência (LBA), eixos em torno do
qual se organizava a rede de proteção à maternidade, à infan
cia e à adolescência.
A política patern alista e assistencial de Vargas estava l onge

de
cia ser consensual.
e da Especificamente
adolescência, críticas foramemdirigidas
relação àtanto
área,àsdadiretri
infan
zes estabelecidas pelo Código de Menores quanto às práticas
efetivadas pelas instituições que compunham a rede de assis
tência à infancia e à adolescência. Já no final dos anos 30,
Rob erto Lyra^ em visita à E scola Jo ão Luiz A lves (uma das
unidades da rede) após uma das primeiras revoltas de que se
tem registro, fez um discurso'veemente contra as condições de
vida dos jovens ali alojados, afirmando que a mera existência
da escola já seria um erro pois, dedicada exclusivamente a cri-

220
minosos, reforçaria a segregação e a exclusão (Rizzini, 1987:
95). . • •
■ Tai s críticas 'coincidem co m a criação do Labora tór io cle
Biologia Infantil, efetivada em 1936. O Laboratório propunha-
se a auxiliar o Juízo dc Menores na formulação'de critérios
para a institucionalização de menores, assim co mo a oferecer
subsídios para os programas desenvolvidos nos estabelecimen
tos correcionais. E m outras palavra s, o, La bo rató rio q ue ria es
tabelecer as bases científicas para a destinação asilar e para o
tratamento dos menores qualificados como “em situação irre
gular” e submetidos à tutela estatal. Numa época em que a
sociedade conferia grande crédito à ciência, supunha-se que o
La bora tório pudess e sofi sticar a leit ura m oral, apre sentan do os
fatores psíquicos, sociais, intelectuaise orgânicosque estariam na gênese
clo comportamento delinqüente (Oliveira, 2001: 239).

E digno
bo ratório de notaInfantil,
de Biologia que, na composição da equipe do
estivesse representada La mais
a nata
seleta c la intelectua lidade de então; po r seu interm édio, a socie-
; dade brasileira foi apresentada às teorias mais avançadas da
época, incorporadas do pensamento europeu com claros pro
pósitos de controle social. Entre outros saberes, “a psicanálise
(era)”, nas palavras de Nunes (1992: 72), "valorizada enquanto
um saber que poderia se tornar uni instrumento útil para os
pro gram as de eu gen ia (...), O que interessava era a possibilida
de que alguns de seus postulados abririam para o projeto dc
controle e transformação dos indivíduos.”
. Nesse, movimento de apropriação do discurso científico
cm prol do controle, os textos marcavam a apreensão do ter
mo “menor” a partir das categorias de desvio, patologia, irre
gularidade e anormalidade. Evidência gritante disso são as
referências de psiquiatras a estudos psicanalíticos sobre a sexu
alidade infantil, tomados como base para- afirmar que os me
nores não seriam ingênuos nem inocentes, pois descle a mais

22 1
tenra idade portariam impulsos de srcem sexual que deveri
am ser contidos, controlados e; se necessário, corrigidos:
Os psiquiatras vão tratar as formas de expressão da sexua
lidade infantil e seus equivalentes na vida adulta como
____________anom ali as . qu e devem se r com gida s, generali zando-as para
todos os indiví duos, que já nasceri am com um a constit ui
ção básica anormal, que deve ser paulatinamente regene

r a d a( N u n e s , 1 9 9 2 : 8 2 ) . ; !
Com a anexação do Laboratório de Biologia Infantil ao
Instituto Sete de Setembro em 1938torna-se ainda mais claro
seu modelo de ação: investigar e classificar social, médica, pe
dagógica e psiquicamente o “menor”, como meio dc promover
o “resgate do desviante, enquadrando-o à normatividade dos
registros de mão-de-obra-infanto-juvénil” (Oliveira, 20Ò1: 240).
Vê-se assim que a apropriação de discursos “psicológicos” foi
útil pa ra c ap turar, cooptar, objet ificár e adestrar os “m enores” .
As décadas que se seguiram assistiram à crise do com
plexo tutela r de assistência à infancia, nos moldes propostos
pelo Código de M enores de 1927. Essa crise tinha raízes tanto
na crítica contundente aos parâmetros de exclusão e repressão
que im perav am nas polí ticas para a ;infancia; quan to n a nec es-
; i
sidade de desonerar um sistema que se havia agigantado. Ou
tra critica r elacionava-se à extrapolaçã o da ação dos Juízo s de
Menores para além da esfera judicial, através da atuação no
que seria (ou deveria ser) de competência executiva.
N o plano das práticas, as instituições alteraram a form a
de tratamento destinado às famílias dos internos, passando a
reinvesti-las de autoridade. O discurso oficial passa a defender
a internação como último recurso e que os menores fossem
mantidos junto a seus familiares. Paralelamente, as primeiras
idéias de defesa da importância da “adoção” de crianças estra
nhas passam a ser apresentadas socialmente, pela primeira vez,
desvinculando o projeto de adoção! de um cunho patrimonial,
e dando-lhe caráter assistenciaL

222
N a realidade, a pro posta de que as famílias “abrissem
seus corações” a novos membros não era habitual entre os
brasileiros das primeiras décadas do século XX, que norm al
mente utilizavam o recurso jurídico da adoção para legitimar
filhos—b ast ard os^ -d i ante -d a-i-n e-xistên eia - de-filh os-legí t- iinos,
evitando-se que os bens familiares fossem herdados por outros
que não os membros do mesmo clã.
Em 1959 a QNU sanciona a Declaração de Direitos da
Criança, expondo de maneira inédita os direitos do cidadão
desde a infanda. Embora os efeitos desse texto não tenham
sido imediatos, sua influência marcaria as gerações futuras do
pensam ento sociojurídico brasileiro.
Pouco depois ida elaboração da Carta da Assembléia das
Nações Unidas, aconteceu o Golpe M ilitar no Brasil. A Políti
ca de Segurança Nacional pautava todas as ações federais, c
neste contexto
“problema também amáxima”.
de segurança menoridadeEmé nome
alçadadaà segurança,
condição deo
regime militar proclamava que os grupos de menores, circu
lando livremente pelas vias públicas, colocavam em risco a se
gurança coletiva, pois não apenas participavam ostensivamente
de crimes contra o patrimônio, como tâmbém eram autores de
homicídios (Bazílio, 1985) e por isso, deveriam ser controlados
e contidos. Em conseqüência, o Estado'passa a adotar um con
junto de medidas que têm por alvo a “conduta anti-social” do

menor, entre
posterior elas oinham
encam recolhimento de jovens pela
ento à Fundação polícia do
Nacional e seu
Bem -Es
tar do Menor (FUNABEM), criada em 1964.
O segundo Código de Menores (também conhecido como
Código Alyrio Cavallieri) data de 1979..Surge no período em
que se iniciava no Brasil a discussão da abertura política, e
constitui-se numa tentativa de intermediar o modelo em vigor
e as críticas que então já censuravam o modelo repressivo das
políticas sociais para a infância. Cedendo a várias linhas de

debate, o Código de 1979 continuou adotando a Doutrina da

223
Situação Irregular, pois trata ain da o m enor co mo objeto de
medidas judiciais. O Código de 1979 abria m ão da classifica
ção da infância em “abandonada” ou “delinqüente”, mas dis
farçava a categoria "abandonado” na análise das condições
sociais e econômicas da fa míli a, defenden do o aba nd on o m ate
rial como argumento jurídico válido para a intervenção estatal
. na famíli a c par a a cassaç ão —tem po rária o u definit iva —do
pátrio poder. Com base em tais para dig m as, o Código de 1979
amplia em muito o poder dos magistrados, permitindo-lhes:
° ãtuar legislativamente, com poder de determinar medidas
através da instituição das Portarias;
• atuar ex-oficio, caracterizando o Ju iz como autoridad e qu e cen
tralizava ações de caráter pedagógico e administrativo;
• inves tigar, de nu nciar, acusa r, defend er e sen tenc iar os m en o
res infratores, constituindo-se ainda o Juiz como único fiscal
legalmente autorizado de suas próprias decisões;
• aplicar medidas a meros acusados de atos infracionais, sem a
necessidade de constituição de provas; na prática, só se ins
taurava o contraditório quando a família do acusado desig
nava advo'gado, o que terminava por retirar dos mais pobres
o direito à defesa.
O Direito do Contraditó-
^Â^u$ti^i?<!sanu:tenza7sc;b0rfíacuac-}‘eaizvamentc,.'i.'%

1988, expressando a garantia


que as informações serão
no
tanto no
ni^^úa^ó^d^l^inà^ií^çãb^bD^jâikdèfsic^^i que diz respeito à acusaçao,
qu anto à poss ibilidade da p arte
acusada se defender das imputações que lhè foram lançadas. A
ausênci a do Co ntraditório nos pr oces sos de “m enores” coloca
va em risco outro Princípio Constitucional pela lei em vigor,

qual se ja, a Am pla Defe sa, não disponibili zando condições par a

22 4
que os acusados pudessem se defender de maneira tão conside
rável como acontecia com sua acusação.
Com o o Direito do Con traditório não era. consider ado
como Princípio Constitucional pela Constituição de 1969, apa
recendo apenas durante o decorrer do processo de investiga
ção criminal (ou seja no período da investigação policial), e
não na fase do processo judicial (quando o processo era efeti
vamente instaurado no Juizado de Menores) 3 a ausênci a do
Contraditório, à época do Código de 1979 não era ilegal, mas
expressava eloqüentemente o sistema em que estáva inserido.
As. críticas ao Código de 1979 nasceram descle a sua
prom ulg ação e acentuara m-se no decorrer dos anos 80 com o
processo de abertura democrática. Os movimentos sociais, muito
atuantes no período, articularam-se em' torno de uma grande
aliança que ficou'conhecida sob a denominação de Fórum dós
Direitos da Criança e do Adolescente (o Fórum DCA), cujo
prin cip al alvo político era a Reform a Constitucional. Esse
movimento conquistou uma vitória política ao inscrever no texto
con stit uc iona l, p ela pr im eira vez na h is tóri a brasil ei ra, a con
cepção da criança e do adolescente como cidadãos e sujeitos
de direitos sociais, políticos e jurídicos. O Estatuto da Criança
e do Adolescente (ECA, Lei 8069/90) é o instrumento legal
que consolida esses direitos constitucionais.
’ A D outrin a da Proteção Int egral é a principal inspi ração
do ECA. Dentre as inúmeras inovações introduzidas pelo ECA,
destaque-se a submissão do texto legal aos princípios, regras,
técnicas c conceit os d a ciência jurídica: o Ju iz emerge com a
função de prevenir e compor litígios; incumbe ao Ministério
Público a fiscalizaç ão da lei e a titularidade das ações prote tiva
e socioeducativa; o advogado ou o defensor público representa
a criança e o jovem no interior- do processo legalmente consti
tuído; e. as questões da Política Social passam à responsabilida
de das administrações locais.
í i > i 'K i ! * ; , * y * *:•i'*WT*<*cwe J r wfi . y ti' ir,* ,<f*t v,!'íh^viv/^ií pr j n w» x v .* c •% ., i • * *
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iraS :Í O *^Que^
\ .

0 Est at ut o da C ri an ça e do A dol escente e as m ud anças ( propost as


e im pl em en tadas) face ao ad ol escente em confl ito com a le i
Gomo vimos, a construção da noção de “menor” como
categoria distinta de “criança”, e sua exclusão do ^universo dos
direitos de cidadania, foi eficazmente modelada durante quase
um séc ulo d a história so cial brasi lei ra. A prom ulgação do Esta
tuto da Criança e do Adolescente em 1990 só foi possível como
resultado de uma série de lutas populares na década de 80, em
meio a um cenário favorável de abertura política e de.reformas
constitucionais .5 Os novos textos legais instituíram, ao menos

J O nível de mobilização identificado durante os anos de redemocratização


da sociedade brasileira (nos anos de 1980) foi fundamental na formulação e
implementação do texto do Estatuto ida Criança e do Adolescente, que na
realidade recebeu contribuições de vários movimentos atuantes com a po
pulação infanto-juvenil naquela época, como o Movimento Nacional de
Meninos e Meninas de Rua, a Pastoral da Criança, entre outros. Dessa
forma, se pod em os apresen tar a Constituição Feder al de 1988 co m o a “Co ns
tituição Cidadã”, de igual forma podemos reiterar que o Estatuto da Crian
ça e do Adolescente expressa uma j histórica conquista do exercício da

cidadania brasileira.

226
na letra da lei, a igualdade entre as crianças e os adolescentes
brasileiros. D ada a igualdade no plano ju rídico, cabe agora
questionar as práticas de tratamento que vêm sendo destinadas
aos “adolescentes em conflito com a lei”.
N a verdade acreditamos que a história das legislações
brasileiras dirigidas à “m enoridade” tradicionalm ente se encar

regou
de de média/alta
classe criar diferenças entre o "menor
que cometesse infrator”
delitos”, e o “jovem
dando-lhes identi
ficações e destinos singulares.
Assistíamos dessa maneira a criminalização dos compor
tamentos transgressores quando cometidos pelas classes mais
baixas do estrato social e a “crim inalização dos jovens pobre s”
em contrapartida à patologizaçao dos comportamentos delin
qüentes quando cometidos por adolescentes pertencentes aos
grupos mais altos da sociedade.

análisesAe eleição dos termos


interp retaçõ es que. demarca a escolha
serão produ dos olhares, dessa
zidas. Verificamos
forma que a referência ao "adolescente que usa drogas”, por
exemplo, é muito distinta da idéia que é construída com a ex
pressão “m enor m aconheiro’5.
Dessa form a, após o adv ento, do EGA, alguns teóri cos
pro põem a substituição term inológica da expressão estigmati-
zante “menor 55 pelas expressões consideradas mais positivas
“cr ianç a5’ e “a dolescen te55. Reco nhe ce-s e logic amente q ue a sim
ples m udança na nom enclatu ra por term os polidcamente mais
corretos não é suficiente para transformar a realidade instituí
da, mas se revela um primeiro passo |na conscientização crítica
dos preconceitos que subjazem às formas que escolhemos para
nomear e significar o universo social, de que participamos.
Embora a mídia e o senso comum continuem ratifican
do dois universos 1 díspares para o “menor infrator” e para o
“adolescente que cometeu delitos”, a lei instituída e vigente
atualmente definirá de forma genérica o "adolescente autor de
ato infracional” como alvo de medidas protetivas e/ou

227
socioeducativas previstas no ECA, a partir da Doutrina da Pro
teção Integral.
- Dessa man eira, me smo na verificação do ato i nfracional
o adolescente apreendido, destinatário de medidas socioedu
cativas, também pode (e deve) ser alvo de medidas protetivas,
que pugnem pôr sua efetiva ressocialização e pela garantia de
todos os direitos e responsabilidades dispostos nas leis tutelar
(ECA) e constitucional (Constituição Federal de 1988).
O Estatuto da- Criança e do Adolescente compõe-se de
,duas partes fundamentais: a primeira, nomeada como Parte
Geral, apresenta os sujeitos da lei e os direitos referidos a eles;
na segunda parte, nomeada como Parte Especial, são apresen
tados os contornos da política de atendimento; as medidas
protetivas e socioeducativas aplicáveis à criança e ao adoles
cente; as medidas aplicáveis aos pais ou responsável; o papel e
defini ção dos Consel hos Tutelares; da Justiça da In íanc ia c
Juventude; dentre outros títulos.
Observamos dessa maneira, que o escopo da nova legis
lação apresenta como. traços marcantes:
1 . propor a descentr ali zação j urídica que m arcava os dois C ó
digos de Menores, pois estes culminavam por caracterizar os
Juizados de M enores como Juizado s Execut ivos , res pon den 
do por ações que deveriam ser de competência do Executi
vo. Com isso, conclama-se a maior participação e interlocuçao
dc outros setores sociais diante da. temática, pois os Juizados
atuavam praticamente sem o protagonismo de outros seto
res nas ações dirigidas à menoridade;
2. responsabilizar outros atores diante da problemática, defi
nindo família, sociedade e Estado como participantes ativos
do enredo e ,não. apenas elegendo e culpab ilizando o “m e
nor” (e por extensão sua família) por possíveis dificuldades
na inserção' s ocial;
3. a extensão da população alvo srcinariamente atingida pelos
Códigos de Menores: de uma parcela da infância e juventu
de brasileiras, para a totalidade dos adolescentes c cnanças
do país; objetivando-se a não-criminalização e não-estigma-
tização da: pop ulação a qual a lei se. dirig e;.
4. pro por a criação de u m a Pol ítica' de Atendim ento que exige,
para seu efetivo funcionamento" e constituição, a participa
ção e mobilização político-sociais intensas, expressas nas elei
ções dos Conselhos Tutelares e narrepresentatividade dos
Conselhos Municipal e Estadual doé Direitos da Criança e
do Adolescente; ' ■ . ' . :
5. criar um nòvo paradigma social diante do cometimento.dc
infrações por crianças e adolescentes, ou seja, com base na
Doutrina da Proteção Integral, proteger e ressocializar, não
mais pu nir e sim educ ar através de atividade esp ecíficas com o

ada;Prestação de Serviços
a M atrícula a Comunidade;
e Freqüên a Liberdadeem
cia O brigatórias Assisti
Escola; rà
Requisição de Tratamento Médico, Psicológico ou Psiquiá
trico, em Regime Hospitalar ou Ambulatorial, etc. caracte
rizando a Internação como medida sujeita aos princípios da
brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar
da pessoa em desenvolvimento. (Artigos 101, 112 e 121 da
Lei 8.06 9/9 0 - Estatut o da C riança e d o Ad olescente )
Apesar do ineditismo e dos avanços teóricos c sociais
propostos pela nova lei, assistimos atu alm ente a um 'q uadro em
que a utopia preconizada ainda está muito longe de seu proje
to srcinal. Quais seriam as possíveis razões subjacentes a tal
dinâmica?
Segundo Bazílio (2003: 26-28), devemos problematizar
a atmosfera política que circunda a promulgação da nova lei
tutelar, pois podemos observar que, apesar do processo de re-
democratização em curso na década de 1980', o período inau
gurado pelos anos 90 foi caracterizado pelo “avanço dos setores
conservadores e (...) ataque direto [aos] defensores dos direitos
humanos”. Dessa forma, diante do aumento dos índices de vio
lência durante a década de 1990, sentimentos de interiorização

229
da in segu ranç a (notada me nte no convívio com a diferença) vêm
. sendo produzidos e manipulados por parte da mídia e da opi
nião pública, gerando a culpabilização e condenação dos mo
vimentos de promoção da cidadania e defesa da paz social e
dos-direitos- human osj-considerando_q.ue_tais_concepçoes_sãoj _
em essência, defensoras da impunidade daquelas personagens
que tradicionalmente sempre foram; vistas como “marginais” e
“perigosas”, como a “figura do menor-infrator”.
Além disso, também se evidencia nesse período que os
modelos neoliberais que passam a ocupar a cena política
redimensionam a política de financiamento público. A dimi
nuição e afastamento do Governo Federal como financiador e
princip al provedor dos recursos do setor gera um a grave crise
na área. Nas palavras do professor.Bazílio:
O s fun dos q ue, previs tos pelo Estat uto, ter iam por srcem
contribuições como doações ou recursos provenientes do
orçamento de estados e municípios, encontram-se de fato
.esvaziados. Não foi pensado em fontes fixas, alíquotas de
arrecadação ou taxas e i m postos para cobri r custos de sua
implantação. Assim, (...) os programas e projetos deixam
de ter continuidade. Vivemos a desprofissionalização e a
descontinuidade, a institucionalização do provisório. A si
tuação que hoje é vivida (...) é o aumento da pobreza e
diminuição do orçamento social (2003: 27).
I
Como decorrência desse quadro de crise de financiamento
c de liberação de recursos públicos, as ONGs, que tiveram
importante função no quadro de implementação do Estatuto,
passam a não ser mais solidárias diante de interesses comuns,
posicionando-se como rivais e concorrentes pelas verbas de finan
ciamento, conseqüentemente produzindo a fragilização da rede.
Como último argumento, o professor.Bazílio questiona
o amadorismo no gerenciamento da coisa pública, pois diante
de mudanças político-partidárias os postos-chave da gerência
da política de atendimento seriam submetidos a interesses de

230
poder difusos, não se dim ensionando a real im portância da
competência e conhecimento na área como critério de escolha
dos responsáveis pelas ações sociais relacionadas à .infância e à
adolescência (Bazilio, 2003: 28).
— ;——Ap esar "de-avaiiarm os _qu e “crproj eto'utópito"dò- Es tãtütõ
da Criança e do Adolescente ainda encontra-se distante da sua
efet ivação pragm ática e m ’dive rsos pontos , a parti cipação e
mobilização dos diversos sujeitos que compõem a rede social
poderia significar um im portante avanço na concretização de
mudanças no quadro.
Assim, acreditamos que a trajetória que vem sendo cons
truída por psicólogos dos diversos Tribunais de Justiça dos es
tados bra sileiros que atuam em Varas de Infânci a e Juv entud e
deve estar atenta aos atravessamentos institucionais que fazem
parte da criação do cargo de Psicólogo do Judiciário. .
Como conhecido, a atuação tradicionalmente solicitada
é de pro du ção de “laudos periciais” que auxi liem o Ju ízo em
sua tomada de decisão; entretanto, observamos que paralela
mente a tal pedido, subliminarmente é demandado pelo Apa
relho Ju dic iário que “solu ções mágicas” sej am produzidas pelo
psicólogo.
*- Com o exemplo aprese ntam os o texto que defi ne M is
são do Ju izad o da Infân cia, e Juv en tude do R io de Jan eiro, do.
sítio do Tribunal de Justiça do estado mencionado:
O Ju izad o da Infância e Juv entu de tem a m is são, perante a
socied ad e, de p restar a tutela jurisdicional, a pro teção in te
gral à criança e ao adolescente, a cada um e a todos, indis
tintamente, conforme garantidas na Constituição Federal e
no Estat uto da C riança e do Ad olescente, di st ribui ndo justi
ça e atendimento psicológico de modo út il e a tempo, (http://www.tj.ij .
go v.br /i nsn tuc /1 ins tanci a/i nfan-j uventude/missaoj ij .ht m )

A referência à “urgência” e “utilidade” do atendimento


psicológico em erge significativam ente com o objetivo do T J /
RJ, com o pro po sta “missionári a” dá instituição, que juntam en-

231
te com a justiça, irá as segurar “ ju sta m en te” que as partes se
jam “atendidas” por um profissional “psi”.
A naturalização da prática psicológica emerge como
possível chave de leitura para en tendim ento dessa referência,
mas de igual forma, podemos considerar que a compreensão
do Tribunal vem sofisticando a idéia de que apenas a resposta
ju rídic a revela-se insuficiente diante das “subjetividades” hu
manas, que merecem ser problematizadas e “escutadas” na
consecução de real projeto de imp lementação da Jus tiça.
Significativamente, a escuta psicológica não é utilizada
como termo para definição do trabalho a ser empreendido,
rrias a atuação do profissional “psi” não pode deixar de revelar
a fala subjetiva das partes que compõem os processos jurídicos.
Dessa forma, a referência objetalizante às pessoas, que
culmina por caracterizar a maioria das ações realizadas pelo

Judiciário, pode ser transformada


ção do profissional “psi” que, se micro-politicamente pela atua
referindo às partes como sujei
tos (e não como objetos) que compõem e ativam o processo
judicial, pode vir a catalisar novos agenciam entos dos sujeitos
diante da problem áti ca vi vida, perm i ti nd o que se produzam
novas leituras sobre os enredos narrados pelos próprios sujei-
tos-partes que podem se perceber mais “inteiros”, e portanto
menos fragmentados, diante do poder decisório judicial.
' De igual maneira, a “escuta psi” aos adolescentes auto
res de ato infracional, deve procurar potencializar a vivência e
a história subjetiva desses jovens, desenvolvendo a possibilida
de de problematização das formas como se' reconhecem
identitariamente e como são referidos socialmente a partir da
apreensão.
Além disso, o labor “psi” pode revelar e problematizar
igualmente a sujeição e os atravessamentos sociopoiítico-eco-
nômicos que são impostos aos adolescentes que cometem atos
infracionais e que são apreendidos pelo sistema (que obviamente
não são todos os que entram em conflito com a lei); atuando

232
no sentido de pro-vocar (de incitar à fala.; .ao posicionamento)
•tanto os adolescentes em Conflito com a'lei, na significação e
ressig nifica ção de.. sen tidos p ara os seus atos co mo os dem ais
atores.envolvidos nessa dinâmica: elenco judiciário (juiz, pro
motor, defensor, advogado, assistente social, comissário da in
fância e juventude, cartorário); tocla a rede de referência
institucional (escolas, hospitais, abrigos, Conselhos Tutelares,
Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, institui*
çõe s de semi-li berdade c /o u inter nação); bem com o a famíl ia e
o Poder Público.
De fato, consideramos que um dos mais interessantes
desdobramentos do Estatuto da Criança e do Adolescente em
suas propostas socioeducativas seja a idéia de responsabilização,
de fomentar pedagogicamente no adolescente a noção de que
todos os cidadãos são co-respons áveis - ativa ou passivamente '.’

—pela
bam a so suaciedade construída, social.
responsabilidade de fo rm a a que os jovens perce- ;•
Constrói-se a imagem, portanto, de que eles são partici
pantes ativos na sociedade, sendo diretam ente responsáveis por
ela, e que uma vez que cies desrespeitem as regras instituídas
legalmente, serão responsabilizados socialmente por isso. É fun
damental que se frise que a responsabilidade proposta pelo EGA
é de cunho social, ,e não penal ou criminal.
De igual maneira, o Estatuto apresenta muito claramen
te que o Estado e a sociedade têm responsabilidades com as
crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, e que no
descumprimento de seus deveres o próprio Estado pode vir a
ser acionado, a ser processado, por exemplo, na falta de' esco
las e creches para crianças, o que é importante que também
seja problematizado junto aos adolescentes atendidos.
Entretanto, se a medida socioedücativa não é referida
em sua função eminentemente pedagógica, ou seja de aprendi
zado e ressocialização, sendo alardeada corrio um recurso “puni
tivo” para os "adolescentes infratores”, a percepção que preva-
lece é a de que, quando o Estado ou a sociedade cometem um
crime, por ação ou por omissão, eles permanecem impunes,
mas ao contrário, se o transgressor for um indivíduo “menor”
de idade, ele será imputado com uma. “pcna-medida”, portan-
-t:O-com-uma-leitura-criminal_e_nã 0 socioeducativa. ______
Dessa forma,' avaliamos que as imagens construídas pelo
imaginário social ainda amparam e justificam a discriminação
dos “infratores”, ainda que adolescentes, de outros da mesma
faixa etária e das crianças. Na verdade, parece-nos que as falas
produzid as so cialm ente inclinam -se am big uam ente na refe rên
cia de que os jovens infratores não são como os outros, sendo
mais “maduros” do que a média, devendo por isso ser mais
responsabilizados, ao mesmo tempo çm que eles também são
percebidos como áin da adolescentes, e então não podem se
prevalecer das gara ntias do universo ad ulto. O que lhes resta é
uma identidade em que são referidos como adolescentes “maio-
rizados”, mas ao mesmo tempò são “adultos menorizados”, não
se beneficiando das positividades de. nenhum dos registros a
que são lançados.
Vejamos a seguir as formas de ingresso dos adolescentes
no Aparelho Judiciário.

v^S 'v .Form as , de ing resso do ado lescen te autor de at o infraci onal, no 4 '
]] 'Ju d iciário ‘
^ »»Segu ndo o-E statu to, o adolescen te que com etevato

£“ínfr aciodelito
gra nte na l sóoupod e ser
.pór. ordaem
pree nd ido eJfundam
.e scrita em duas, entada^do
hipó teses ^em
Ju iz fia--*
d ar*)
\Infanci a e Juve ntude .
Apreendido, o adolescente será conduzido para a oitiva
com o representante do Ministério Público (Promotor da In-
fància e Juv en tud e), cuja função é represen tar ao magistrado
os dados que lhe forem apresentados .6

É importante que destaquemos que todo este ritual é necessário, uma vez

234
Em seguida; o adolescent e pod e ser conduzido imed iata
m en te ao Ju iz, ou ser levado à aud iênc ia após en trevist as com
a equipe técnica (Psicólogo, Assistente Social e Comissário da
Infancia e Juventude).
______ E fato conhecido que cada juizado construirá sua rotina
de procedimentos, não existindo um procedimento único para
atuação da equipe técnica. Visando facilitar a compreensão didá
tica, podemos caracterizar as formas de intervenção técnica da
seguinte maneira:'
1 . No m om ento a nterior à reali zação da audiênci a judici al
objetivando a confecção de estudos e laudos que auxiliem o
Juiz em sua tomada de decisão;
2. No momento posterior à realização da audiência:
a) no acompanhamento técnico dos adolescentes a partir
da determinação de medidas protetivas e/ou socio-
educativas pelo Juiz;
b) no encam in ham ento às instituições da rede.
A audiência deve contar necessariamente com a presen
ça do Promotor e do Defensor Público; preferencialmente,
devem estar presentes os familiares do adolescente; podem ser
convocados representantes da equipe técnica.

que a Justiça só p ode atuar quando prov ocada , ou sej a a par ti r da demanda
de um terceiro (que pode ser o promotor público) que demande a interven
ção do Ju iz d iante ci a configuração de um a dinâm ica espec íf ica. Além disso ,
é igualm ente digno de destaque qu e - apesar da f igu ra do Promotor Públi co
ser associada tradicionalmente como responsável pela representação ao Es
tado dos atos prati cados contra o interes se público - no s proces sos qu e e n
volvam crianças e adolescentes, a Promotoria Pública deve atuar como
Curadoria Pública, ou seja defendendo e zelando pelos interesses e direitos
das crianças e adolescentes, Tal compreensão entretanto não é irrestrita, e
encontramos partidários convictos do entendimento de que o MP só deve
atuar como “Curadoria” nos processos envolvendo adolescentes “carentes’1
c não com aqueles que são infratores, ou seja na reedição e perpetuação do
antigos posicionamentos estigmatizantes.

235
r N a.audiência,o Ju iz pode deci dir p éla apli cação de quais
qu er das med idas socio educativas previstas iló artigo 1 1 2 cto
Estãtuto da Cr ianç a e do Adolescente; ~
I - ■ adver tênci a^
II - obrigaçã o de repa rar o dano;
III - prestação de ser vi ços à com un idade ;
Í.V - \ liberdade assistida;
V - inserção em regim e de semiliberda deT“!!'
VI - internação, eríí* estabelecimen to ed ucacional;
VII - qua lque r um a’das prev istas no artigo 101, I a VI,
Cum ulativamen te, o Ju iz po de decidir pela aplicação de
medidas protetivas, especificadas no artigo 10 1 do ECA.
Dessa forma, verificamos que o adolescente, mesmo que
responsável peia prática de ato infracional, pode scr alvo de
medidas de proteção.
Apesar das mudanças jurídicas propostas, a estigrniatiza-
çào e a criminalizaçao do adolescente que comete o ato
infraci onal ainda decorre freqüe ntemen te de se u perten cimento
a determinados perfis que o aproximariam dos papéis identifi
cados como “marginal e perigoso” à sociedade.
Exemplificaremos tal análise a partir do exemplo da ca
pital do Rio de janeiro no atendim ento a essa clientela.

0 advento do Est at ut o da C ri ança e d o A do lescen te e a sepa ração


do Juiza do de M eno res do Ri o de Janeir o
Até 1989, o Rio de Jan eiro contava com u m a única Va ra
de Menores/ Em consonância com o espírito do Código de
Menores, todas as crianças e todos os jovens submetidos à tu
tela jurídica .tinham sua situação examinada pelo Juiz de Me

1 A V ara de M enores da Com arca da Capital do Rio de Janeiro foi a primei


ra Vara de Menores do Brasil, tendo sido criada cm 1924 (CODJERJ, 1990).
nores. Às vcs peras ci a prom ulga ção do Estatu to - j á conhcciclo
nos círculos jurídicos e sociais como um texto revolucionário
no tocante à discussão, reflexão e proposição de políticas con
cernent es à inf ancia e juventude - acont ece u o desmem bramento
da única V ara de Menores em dois Juizados com competência
para analisar, pro cessa r e decidir os feitos referentes a essa
m atéria. A separaç ão de competências do Juizad os Cariocas
efetivou-se em 24 de. agosto de 1989.
Esse ato tem sido alvo de vári.os questionamentos. Le-:
vand o em con ta que' um dos princ ipais pr essupos tos do E statu
to é eliminar a distinção histórica entre as categorias “menor”
e “criança”, alguns autores consideram que a criação de um
Juizado com competência exclusiva de examinar os feitos rela
cionados à infração e ao delito termina por ratificar espaços de
segregação, èstigmatização e exclusão social, remetendo o jo
vem autor de infração penal para um atendimento jurídico
diferenciado.
Dessa forma, tal desmembramento poderia ser entendi
do com o u m evento que s e choca c om a concepção dou tri ná 
ria cia Proteção Integral advogada pela lei, construindo (ou
mantendo) estruturas que se pautam no discurso penalista e
criminalista (Cury, 1996),
O pró prio ato d e cri ação da, ent ão, 2U V ara de M enores
torna clara a persistência do enfoque penal sobre o jovem que
ingressa no sistema jurídico:
A 2UV ara dc Execu ções Penais ( .. . ) pass ou a den om inar-se
2i l V ara de M enores da Com arca da Ca pit al , com com pe
tên cia pa ra fçi tos relat ivo s a f ato s dcfm idos com o infrações
penais de autoria ou co-autoria atribuída a menores não
sujeitos às leis pe n ai s (CODJERJ, 1990:68; grifo nosso).

A definição das atribuições da Ia Vara de Menores da


Cornarca da Capital, de acordo com o artigo 5Üda Lei 1509/
89, é colocada como segue:
A atual Vara de Menores da Comarca da Capital passa a
denominar-se 1:' Vara de Menores da Comarca da Capi
tal, com com pet ênc ia p a r a os fe it o s rel ati vo s a meno res não comp reen
di do s na com pet ênc ia pr ev al en ts do ju í z o da 2 n Vara de. M en or es da
Comarca àa Capital. (CODJERJ; 1990:68; grifos nossos)

Fica evidente portanto que as competências da Ia Vara


de Menores são definidas negativamente: constituem-se objeto
de sua intervenção os processos excluídos da alçada da 2a Vara,
ou seja, aqueles não correlatos dos processos criminais.
A definição negativa das competências da Ia Vára con
trapõ e-se a afirm ação positi va das com petênc ias da 2[* Vara . O
fato dessa definição positiva pautar-se nas leis penais só vem
reforçar o receio de. que possa prevalecer nessa Vara ò enfoque
criminal, m an ten do na p rática u m a d iscr iminação Ique a lei
quis abolir: a opção pela defesa dai criança vilipendiada social
mente ou pela defesa da sociedade contra a criança que é apre

sen tadaA com o um ainterna


dis cussão ‘-‘am eaça
cion àalord
conem ” . orânea -tem ressal
temp j tado
a importância da descriminalização dos jovens, em particular
no cometimento de “delitos de bagatela”. Entende-se que deli
tos m enores, qua ndo praticados po r jovens, in screvem-s e em
um processo amplo de descoberta de limites e testagem da
autoridade. Além disso, estudos recentes mostram que a re
pre ssão do Estado não redu 2 sua incidência, ao contrário faz
com que ela aumente (Santos, 2000:171).
O Estatuto da Criança e do Adolescente contempla as
mais modernas reflexões na área: seus princípios pautam-se na
ad oç ão ple na de instit utos jurídicos de defesa de dir eitos; ofere
cem as diretrizes e os meios para a formulação e a implemen
tação de polídcas públicas em prol' da dignidade, da iigualdade
e da.liberdade das crianças e jovens brasileiros; tratam a crimi
nalidade segundo os mais modern os parâm etros inter nacionai s.
Contudo, sua implementação efetiva requer condições para o
exercício pleno da cidadania. Essas, jainda não estão dadas. Desse

23 8
contraste decorre o discurso recorrente,segundo o qual não se
instituiu a aplicação.pragmática e integral do texto legal.
A distância entre as assertivas legais e as práticas em curso
é preenchida pelos diversos atores segundo as formas como a
sociedade consegne assimilar as propostas de mudança. Essa
àssimilaçãorpor-s ua-vezTé-atr-avessada-pel o-impacto-da-mídia,-
que freqüentemente conclama à punição, à prisão ou à
internação dos jovens infratores, em particular se são pobres,
fomentando a cultura do medo e a projeção paranóica dos te
mores sobre os destituídos.
Assim, acreditamos que apesar de hoje. já ser fato suficien
temente conhecido que as penas privativas de liberdade fracas
sam de forma reiterada em suas proposições preventiva e
corretiva - o que n a anális e do pr ofessor Alessa ndro Bar atta
parece estar articulado a objetivos velados .do pró prio sistema
penal (B aratta, 1999:100) ~ o. propósito PUNITIVO ’permanece
como emblema-mor da rede penal,“ sendo amplamente divul
gado pela mídia formadora de opinião.
É preciso que profissionais de Psicologia façam de sua
atuação uma expressão eloqüente do compromisso com o me-

8Articulados aos objetivos manifestos pelo sistema social, considera-se atual


mente, no escopo da criminologia critica, que a criminalização de determi
nad os com por tam entos e s ua captura na rede judiciária são processos

construídos
da PEN A comseletivamente;
o forma de encobrindo —na
cont rol e dos indiargumentação da importância
víduos que “rompem ” o “cont ra
to social” —estratégias estigmatizantes sobre as classes mais depauperadas
da sociedade. A pena atuaria então como recurso na identificação e forma
ção de “distâncias sociais entre os sujeitos, agindo como "sancionador ideoló
gico da própria seletividade penal. Além disso, a pena cumpre o papel de
m anter dispon ível um enorm e contingente dç. mã o-de-obra de re ser va p ara
o mercado de trabalho legal e, também, pará o mercado de trabalho ilegal.
(Assim, ex-apenados são recrutados e superexplorados economicamente nas
dinâmicas do mercado de trabalho oficial; como.também são empregados
nos mecanismos de circulação monetária ilegal: no tráfico,- no mundo do
crime, nos grupos de extermínio, etc.)

239
Ihor c pleno exercício do Direito no encontro real com o ‘'su
jeito de direitos” ,'preconizado pelo ECA, mesmo quando em
conflito com a lei. É preciso servir ao Judiciário mas sobretudo
à Justiça para os sujeitos por nós atendidos, e atuar em busca
da mais plena acepção da ética e do reconhecimento da auto
ria dos sujeitos,;no processo legal.

A lgu m ascon si derações finai s


Á produção desse texto se relacionou com a interroga
ção que lançamos diariamente sobre nossas práticas na elabo
ração de estudos, laudos e pareceres psicológicos em Varas de
In fan da e Juv entud e no Estado do Rio de Jane iro. Ele se fun da
menta nà problematização acerca da importância do trabalho
do profissional “psi” na manutenção, reatualizaçao ou efetiva
transf ormação do pa noram a de legi timação de abordagen s dife 
renciadas para “infandas desiguais”, que estão na base dos
conceitos CRI ANÇA X M ENOR.
E fet ivam ente, não são recentes as leituras que enfatizam
que o pro cesso de constr ução do surgim ento d a “infância 53, com o
terreno específico dc saber c dizer, está relacionado ao advento
da modernidade do século XVIII, na constituição de um novo
modelo familiar e social diante de uma determinada proposta

de exercício e reconhecimento
conceito-produção da subjetividade,
totalmente dependente de umaou realidade
seja, é um
histórico-social específica sem a qual nã o far ia s ent ido; não sendo
um dado da “natureza”, mas um processo cultural (Gerqueira
& Prado, 1999: 9).
En tretanto, relaci onamo-nos com. as concepções dc in
fanda e adolescência naturalizando-as e neutralizando as dife
renças econômicas, sociais, culturais, de classe, que compõem
•e atravessam estas categorias.

240
Podermos analisar o fenômeno dá “adolescência” artiv
culado à construção do projeto capitalista, talvez nos possibili
te recon hec er e torn ar mais próximos os traço s, singul ares da
multiplicidade de “adolescências” forjadas nas últimas décadas
do século XX, percebendo nesses “adolescentes” produzidos na
pós-m odern id ade grande influência midiática.
De igual forma; consideramos que coexistiram, e coexis
tem, categorias diferentes para um mesmo segmento etário,
deixando evidente que não é “apenas” a idade o elemento
identificador da “infância”, “adolescência” e “menoridade”.
N a delineação deste quadro , percebe-se co mo somos
“apropriados” por determinadas categorias que são naturalizadas
no processo de constituição da; “realidade” que vivemos cotidia-
namente, sem atentarmos que fazemos parte fundamental das^
“engrenagens” que compõem, mo ntam e desmon tam identida

des e subjetividades.
Dessa forma, destacamos a importância dos discursos “psi”
dentre as concepções “científicas” que legitimaram o “menor”
na- cultura jurídico-social brasileira.
Alem disso, reconhecem os o pap el da esfera juríd ica na
diferenciação entre as categorias “menor” e “criança”; elas se
srcinaram de fato no contexto jurídico, que definiu os indiví
duos “menores de idade” a partir de um viés criminal. Mas a
noção de “menor” extrapolou o espaço jurídico, ancorou-se na
gama de saberes médico, pedagógico e psicológico e daí fir
mou-se como estratégia de'controle de determinados grupos
sociais. Tendemos, no entanto, a neutralizar a força desses sa
beres na construção e na legitim ação da noção de “m enor” .
Ten dem os a d esconsider ar as for mas com o a Psicol ogi a contri
buiu para norm atizar, classificar, identificar e segregar o “me
nor” na rede de assistência tutelar.
Pois: enquanto à criança/infante foi determinado um
lócus social de “ausência de fala”, sendo representada no
interjogo comunitário pelos pais e/ou responsáveis que —ades-

241
trados e disciplinados por conceitos psico-médico-pedagógicos
- teriam a fun ção de protegê- los e salvaguardá- los em jseus in
teresses e bem-estar, “falando por elas”...
A categoria “menor *5 - que f oi sendo paulatinam ente
GOnstituída^a_par.úr_da leitura jurídica penálista dirigida aos
“infratores” menores de idade, mais .'especialmente evidente no
adve nto da R epú blica - foi de m and ada a sua expr essã o e a sua
apresentação no entrechoque com o universo jurídico, fazen
do-os “falar” de “si” e de sua rede de srcem, através da cap
tura pelos discursos jurídicos, com a jobjetalização dos discursos
e falas enunciadas por esses sujeitos.
Segundo Emílio Garcia Mendez a emergência, do con- •
ceito de “criança” na consciência coletiva a considera “inca
p az” e sem auto nom ia na sua apresentação social, tendo que
•ser protegida e representada juridicamente na sociedade por

suas famílias (Mendez,


Ainda de 1990:Mendez
acordo com 179). a Escola teria uma fun
ção prim ordia l n a distinção entre jás “crianças ” e os “m eno 
res”, já que como Aparelho Ideológico do Estado atuaria num
processo de criminalização prim ária de “m enore s”, alijando-os
do processo educacional. '
As crianças seriam aquelas pessoas que tiveram apoio fa
m il iar e escolar para sua p ro teçã o c . socialização; os m eno -.
res seriam aqueles que foram abandonados pela família e
p ela escola e q ue exigiri am , por ..e sta cond ição, p ara sua
pr oteçã o, um a outra instância especi al de control e soci al
pena l: os tr ibunais de m enores (Cerqu eira e Prado, 1999: 9 ).

Em outros termos, a própria concepção de menoridade


configurou-se como um a produç ão! teórica si ngular nas últ imas
décadas do século XIX, aba rcan do apena s, um segmento da
totalidade d a infância e juven tude, considerada em: “sit uação
irregular” e os discursos psicológicos fizeram parte dessa cons
trução, servindo como instrumentos diagnósticos em relatórios
enviados ao Ju ízo de M enores,, na avaliação do nível intel ec-
tual do “menor” e na investigação da existência, ou não, de
deso rden s psíqui cas. r
Tal análise,evidencia-se particularmente interessante se
considerarmos que a profissão de “psicólogo” só foi regulamen-
t-ad a-e -re conhecida -leg alm ente_ na_ décadarde_l .9.6.0,_e_a_função
de “psi cologi sta - nas primeiras décadas do sécu lo X X - po de 
ria ser oc upa da po r prof issionai s de qualquer espe cialidade -
educador, psiquiatra, enfermeiro” em instituições como o La
borató rio de Biologia Infantil, criado em julh o de 1936 (Jacó-
Vilela, 2001: 239).
A pa rtir da refle xão da pró pria “naturalização” da le itu
ra penal que incide sobre esses jovens, pudemos olhar retros
pectivam ente sobre a história das nossas práticas enquanto
agentes desse processo, uma vez que, de acordo com a aborda
gem da criminologia crítica, a própria eleição do que seja 'des
vio’ só é possível a partir da construção de uma norma que
será em princípio atravessada e constituída pelos paradigmas
socioeconômico vigentes, na representação eloqüente dos inte
resses dominantes (Baratta, 1999: 60).
Não é, dessa m aneira, casual, a escolha peia tipificação
infracional como m otivo de separaçãp da com petência d as dua s
Varas de.Infand a e Juven tude ,9 existentes na cidade do Rio de
Janeiro, mantendo à parte aqueles que tradicionalmente sem
pre fo ram percebidos segregadam ente.
Dessa forma, a oposição imaginária do adolescente como
sujeito de direitos versus o declínio desses mesmos direitos 10 em
função do cometimento do ato infracional atravessa (e parece

9 Ta l separaçao pod eria ter se produzido íc om base cm out ras ale gações ,
com o divisão quantitat iva ou regional . ;
10 Verifica-se dessa m aneira a referênc ia imaginária a o. “men or” que os Có
digos de Menores de 1927 e 1979, embalados na Doutrina da Situação
Irregular, apresentam como objeto do sistema tutelar, sendo submetidos
ambiguamente à “proteção” e à “repressão” do Estado.

24 3
constituir) parte significativa das ações que são produzidas so
bre o ‘riienor in frato r5.
Refletir sobre tais procedimentos, clarificando a impor
tância dc enfatizarmos a aproximação entre o diploma legal
8.069/90 (ECA) e os discursos sobre direitos humanos em sua
vertente nacional (constitucional) e internacional, foi um dos
objetivos do texto que construímos, na defesa da cidadania como
laço unificador de uma sociedade mais justa, digna e igualitá
ria para as crianças e os jovens brasileiros.
Igualmente propusemos c apostamos na implicação das
práticas profissionais que produzimos, potencializando su a ca
pacid ade din am izadora e catalisadora de tran sform ações so
ciais, e não servindo apenas como mecanismos que servem à
engrenagem de manutenção do status quo.
Dessa maneira, consideramos que a constituição do com
plexo de ações sociojurídicas que originou a-T ute la em nosso
país já se caracterizou de form a bastante contraditória desde
os seus primórdios através do conjunto de ações que, no enten
dimento'do ‘'menor” como objeto do Direito, eram norteadas
a at end er aos ideais de: 1. Prot eção da ' m enori dade aban don a
da’; 2. Controle e disciplinamento dos ‘corpos desviantes’ e 3.
Repressão social aos ‘comportamentos delinqüentes’ (Pinheiro,
2001: 65),
A proposição de novos modelos para atenção e atuação
sobre a infancia e juventude encontra enormes dificuldades
diante do fantasma (muito real) das reiteradas práticas de des
respeito e repressão histórica dos direitos das crianças e adoles
centes, dos quais a história da psicologia faz parte.
Paradoxalmente, com a mudança de enfoque doutriná
rio pro po sta pe la no va lei (ECA),. a pró pri a po pu laçã o alvo dess as
políticas pro duz falas de estranham ento diante do novo lugar a
que é lançada: o lugar do “sujeito”, referindo-se ainda como
“objeto” de políticas públicas.que espera passivamente a deci
são sobre sua vida e destino.

244
Parte d a equipe do Jud iciário também aincla parecc não
se aperceber da. nova. dinâmica legal proposta no ECA e dos
desdobramentos sociais advindos desse texto, não se implican
do na formação e transformação dás políticas de atendimento
à população que chega aos Juizados da Infanciá e Juventude.
Ressaltamos que não se transforma um quadro secular
cm um único instante e sim através da implicação constante de
cada um dos atores do elenco judiciário, da sociedade e do
Estado no reconhecimento a essa questão.
Por ora, existe muito a ser feito, pois nos deparamos
ainda com o perfil típico de adolescentes infratores como per
tencente a um grupo social específico, oriundo de favelas e da
periferia, o que acarreta, em contrapartid a, em um reconheci
mento imaginário distinto das práticas que são produzidas so
bre esse grupo, que se configura como m erecedor de um olhar
preponderante m ente penal no topo das ações que serão em 
pree ndidas. "
Consideramos que, na construção de um novo panora
m a jurídico, neces sitamos de um a nóva config-ur ação social que
possibilite novos encontros, agenciamentos e atritos na rede
coletiva, de forma a atuar como catalisadora nas discussões e
reflexões críticas sobre o que seja,Justiça, sociedade, crime,
criminoso, vítima, pena, etc.
Apenas na problematização das representações que pos
suímos socialmente (e que opostamente também nos atraves
sam) c que acreditamos ser viável a- efetivação cle alguns dos
dispositivos propostos pelo ECA: como o pacto político entre
Estado e Cidadãos, que se efetivamente exercido por ambas as
partes possibilitaria a conquista de im portantes espaços públi
cos na discussão e comprometimento de todos para defesa de
direitos e para constituição cle uma sociedade menos fragmen
tada, posto que mais igualitária.
Dessa maneira, realizamos uma análise das representa
ções imaginárias que atuam como matrizes no processo de

245
“criminalização” do “adolescente em conflito com a lei” e que
con tribuem na crista lização da rrie dida de int ernação como um
dos principais recursos socioeducativos (“punitivos’:) utilizados.
Partilhamos da pressuposição de que exista uma com-
plÉrxOrè‘d e_dè_ãtfavessamentos'ri,a_eleição-e-construção-do-que—
seja o'“comportamento desvianté” que merece o repúdio soci
a l assim como tamb ém aval iamos que a constr ução ’e a carac
terização do “menor infrator” (oú adolescente em conflito com
a lei, para utilizarmos a linguagem politicamente correta) se
jam processos que podem ser dem arcados historicamente.
-Além disso, acreditamos que os profundos impasses exis
tentes para efetivação do ECA na atualidade são um reflexo
importante do retraimento do Estado como responsável pelo
fom ento e imp lantaçã o de pol ític as públi cas bási cas em co n tra-
dição evidente com os principais pilares de sustentação do tex

to legal.N a m edid a em que não cu mpre sua parc ela de respon


sabilidade na garantia e defesa dos direitos elencádos pelo Es
tatuto (direito à vida, à saúde, ià alimentação à educação, ao
espo rte, ao lazer, ‘profissi onaliza ção, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária), o
Estado cria um vácuo referencial impossível de ser contornado.
Finalizando, gostaríamos; de evocar-que oi Estatuto da
Criança e do Adolecente se insere em uma rede de atravessa
mento s psico-soci opolít icos dirigi dos à infancia e juv en tud e, m as
enquanto não considerarmos efetivamente as falas produzidas
por esses atores (crianças e jovens) na real concepção de que
sejam eles os SUJEITOS dessas! prátic as e pa ra os quais essas
.práticas se destinam, continuaremos a nos remeter a uma lei
com o “letra m orta ’1’e não com o texto vivo cap az ide nos m ob i
lizar a empreender ações todos, os dias em favor da cidadania,
da liberdade e da dignidade humanas.
R eferên ci as bibl io gráfi ca s
Artigo 5 o da le i 1.509 de 24 /0 8 /1 9 8 9 , que alte ra a est rut ura do Juízo das
Ex ecu ções Penais, cri a outros órgãos na Justiça do Estado e dá outr as
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http:// www .t j.i J.gov. br/i nsti tuc/ 1 instancia/infan-juvcntud e/missaojij.htm

24 8
M arl en e Gu irado
Escrever num livro sobr e Psicologia Ju rídic a é um a t are 
fa delicada, quando não se trabalha em Fóruns, cm Comarcas
ou Varas de qualquer espécie. Ou seja, quando não se trata do

cotidiano
lho das inst ituiç
que, diretamente, ões concreta
os psicólogos têms desenvolvido
da Justiça, nemnessa do tr ab a
área.
De certo modo, é o caso deste texto. Pelo título, no en
tanto, podemos perceber uma relação interessante, que me
caberá demonstrar nas páginas que se seguem : d i scut i r o que
se pode fazer/pensar, quando a população com que se trabalha é
nomeada, exatamente pelos discursos e recursos no âmbito do
Direito e suas práticas institucionais judiciárias. Trataremos das
práticas, de atenção e custódia para jovens, qualificados por
sua condição de conflito com a lei; mais-especificamente, da
FEBEM-SP. Trataremos dc alcances e limites de nossa prática
profissional, a Psicologia, quando ela é.feita nesse contexto.
Trataremos, ainda,- de certas coordenadas que podem organi
zar o modo de pensar do psicólogo, cm sua ação direta ou, até,
na pesquisa.
Estará sendo proposto, de frente e de fundo, um modo
de fazer psicologia que independe, em muitos pontos, dc ela
ser adjetivada como judiciária, ou educacional ou clínica. Pois,

esses adjetivos
exercida, do quefalam mais metodológico
do recorte do tipo de instituição
com que emse aque ela é
exerce.
Como se pode notar, estou afirmando que se pode dizer
que se faz psicologia jurídica quando, por algum motivo, se faz
psico logia nò âmbito da Justiça. Não há qualq uer m arc a de
pro cedim ento s específicos que .em seu nome se exerça. O que
há sim, e é isso que defend o, (é um a possibilidade de leitura,
tanto de o que é psicologia, como de o que é uma instituição
(e, nesse sentido,
instituição) e seuadiscurso.
p róp ria psico logi a pode ser considerada uma
Essas idéias, eu as desenvolvi extensamente em outros
escritos a que remeterei o leitor à medida que for necessário,
no decorrer do texto. Isto porque, por um lado, temos limites
de espaço agora e, por outro; pretendo, em ato, demonstrar
corno pode ser essa leitura, no desenvolvimento do conteúdo
deste noss o capítulo. !
Em última instância, é ésse o alvo: discutir uma estraté
gia de pens am ento que norteia o fazer d o psi cólogo, já bastan 
te distante dos procedimentos eitécnicas que se costumam ensinar,
nas universidades e que insistimos em repetir, quando traba
lhamos em instituições outras', com outros profissionais, com
outros objetos e objetivos, diferentes daqueles que tradicional
m ente atribuímos à psicol ogi a. !
Mais ainda, o'alvo é demonstrar que esselmodo de pen
sar implica uma postura éticaina relação com a!clientela, bem
t, i „
como um a .pos sibilida de de abrir novos caminhos para situa
ções de impasse com que nos defrontamos, no trabalho fora de
nossas formas protegidas de proceder. Aqueles psicólogos que
trabalh am , po r exemplo, jun tò a Va ras da jus tiç‘a sabe m muito
bem do que estou falando... Exerc er a psicologia, no in te rior
dos discursos e dos procedimentos jurídicos, e um constante
desafio ao que se costuma chamar de “identidade profissio
nal”. Tudo o que sé faz é atravessado pelas exigências do Di
reito, de tal forma que o direito da clientela de receber um
atendimento à altura de sua condição afetiva e humana parece
absolutamente negado; o próprio profissional, às vezes, agarra-

250
se a um a r epetiç ão b ur oc rát ica de; entrevis tas e t estes, onde,
como preposto imaginário do juiz (na sua cabeça e na cabeça
das pessoas que atende), julga encontrar algumas certezas de
uma atuação psicológica, conforme seu contrato de trabalho e
su a-fo rm açã o. -A fin al—não -se -diferenei.a-do j-ô u -n ão -s e -b riga
com, o discurso do Direito impunemente.
Pois bem. Dizia, no início, que o que permite incluir
este escrito num: livro de Psicol ogia Ju ríd ica é a clientela- alvo
do trabalho em psicologia, adolescentes em conflito com a lei.
O caminho para a apresentação das idéias, no presente
capítulo, seguirá colado a duas experiências concretas, desen
volvidas em momentos e com finalidades diferentes: uma pes
quisa acadêmica (1985) (Guirado, 1986) e uma supervisão
institucional ao Projeto Fique Vivjo (desde 1999). O que as
aproxima é um certo modo de conduzir a análise do que se
ouve, se avêinstituição,
também e se vive,sónessas
que napráticas,
qualidade na posição de quem faz
de um interessado
pesquisador ou de um não menos interessado agente de projèto
especialmente contratado.
Talvez repouse néssa vontade de análise permanente e nos limi
tes de suas possibilidadesas discussões que pretendemos aqui produ
zir. P rocu rarem os ser fiéis ao modo como i se foram con struindo
as descobertas analíticas, num terreno ;onde se miscigenam obser
vações, pré-concepções e interpretações.
Demos, então, início à tarefa...

0 ví ncu lo com a i nfr ação. •


Q ua n do a tr ansgress ão e a vi ol ên ci a sp t ornam a l ei 1
Em 1985, procurei entender: como internos da FEBEM-
SP, na cond ição d e a ba nd on ad os ie inf rat ores, concebiam os

1Nesse momento o termo lei está sendo usado não mais no sentido de lega-

251
vínculos afetivos que poderiam (e puderam) constituir em suas
vidas. Como, por hipótese fundamental, supunha que a rede
de relações institucionais concretas do contexto FEBEM fazia
parte das relações possíveis e, por isso, teriam papel significati
vo no s vínculos imaginados , procure i tamb ém enten der o mo do
como os funcionários se viam na lida cotidiana de seu trabalho
com aqueles meninos e meninas, menores, conforme o discurso
da época, apoiado no então Código de Menores.
Naquele momento, já havia, de m inha parte, a preocu
pação de fazer um estudo em psicologia que acreditasse na
possibilidade de tomar como objeto, não os comportamentos
observáveis ou uma realidade psíquica inferida por meio de
interpretações psicanalíticas estrito senso. No caso, a situação
era uma instituição social, o que, por um )ado, facilitava que
não se repetissem os estudos tradicionais, mas, de outro, pode
ria 'conduzir para métodos e recursos da sociologia, também
estrito senso. Como já vinha, há algum tempo, buscando defi
nir um objeto à psicologia, na fronteira entre a análise de insti
tuições concretas (um ramo da sociologia) e a .psicanálise,
colocando no centro das atenções um certo conceito de insti
tuição e a própria psicologia como instituição, conduzi o estudo
no fio da navalha da te nta tiva de artic ulaç ão entre um e outro campo
na prod uçã o de conhecimento . E, isto, como uma estraté gia de pen sam ent o
intencional, como m ét od o}

tratégiaInstrumentada por essas


básica de pensar, idéiasuma
conduzi e intenções,
pesquisa por essa es
acadêmica

iidade jurídica, e sim, no sentido de regramento das condutas, do pensa


mento e da subjetividade, que marca um certo reconhecimento inconscien
te, até, do que'é considerado, tacitamente, como natural e legitimo. Esse
será o uso mais corrente que Faremos do termo. O leitor saberá distinguir,
por certo,.quando for o caso dc outro uso.
* Leiam-s e, pará; maior escla recimento In st it u iç ã o e R e la ç õ e s A fe ti v a s (n o
prelo); P s ic o lo g ia In s ti tu c io n a l (1987); P s ic a n á li s e e A n á li s e do D is c u r so -

m a tr iz e s in st it u c io n a is d o s u je it o p s íq u ic o (2000).

252
imediatamente voltada para situações e questões sociais que,
em muito, extrapolavam os muros da academia .3
Fiz entrevistas com internos e com funcionários, desde
os que mantinham contato direto com'a clientela até os de
direção de U nidade s de Triag em e de. Educação. Anal isei os
discursos, ali e assim, produzidos c, com isso, configurei o que
se poderia chamar de subjetividade-efeitodas relações constitutivas
das práticas institucionais da FEB EM . .
Desse modo, pode-se dizer que o estudo não faz, ou não
fez, uma anáíise psicológica das pessoas entrevistadas, mas sim , uma
análise do discursoque é, por suposição teórica, tecido nas malhas
das relações concretasdessa instituição. Portanto, deu-se ênfase às
relações, no e pelo discurso; e qualquer afirmação que se fizesse
sobre os meninos (e mesmo sobre os funcionários) exigiu que se
compreendesse sua estrita fundação no contexto, em questão:'
Tanto que, do estudo da subjetividade, derivou a configuração .
de um objeto institucional dessas práticas . 4

3 No livro Psicologia Institucion al (Guirado, 1987), dedico um capitulo, cm espe-


cialj para pensar a Psicologia como produção de conhecimento e como prática
profissional, buscando apontar para as relações intrínsecas c inevitáveis entre
essas duas dimensões. Para tanto, proponho uma definição dc objelo da p sico
logia que não é mais o comportamento c/ou a mente de um indivíduo, mas
as relações concretas, tal como imaginadas e simb oliza das bo r aqueles que as faz em . ,
Assim, o sujeito psíquico não se definiria pelas qualidades e afetos de um
indivíduo que está nas instituições, mas pela subjelividade-efeilo das relações institucio
nais] daí, a afirmação que faço a respeito da dimensão institucional de toda
realidade psíquica, Não se trata, pois, de considerar a subjetividade como “a
interioridade de um indivíduo", mas .como efeito de relações concretas.
4 Estou chamando de análise psicológica aquele tipo de interpretação de senti
dos e afetos como relativos ao “indivíduo e sua realidade psíquica”, que
desconsidera o contexto .das relações concretas (a dimensão institucional) de '
toda produção de sentidos e subjetividades. Por sua vez, a análise de discurso,
apoiada na definição de objeto da psicologia (que acima propus), correspon
de a uma definição de instituição que só se faz na ação concreta dos atores
insdtucionais, bem como numa definição de discurso como instituição. Com
efeito, ela permitiria deslocar o foco de análise da pessoa para a relação e
para os discursos que nessa relação se produzem.

253
O que se apresentava, então, como uma pesquisa feita
em psicologia e por uma psicóloga já se mostrava um curioso
tra nç ad o das no ções de sujeito e j subjetividade às de grupos e
instituições. E, aquilo que meninos e meninas meidiziam nas
entrevistas eu considerava, sempre, como um ponto, como um
nó daqueles bem cegos, na rede;discursiva, em rejação a ou
tros, como o do agente-funcionário e, até, o da. agente-pesqui-
sadora. Considerava
indissociável o que me diziam,
de reconhecimentos como uma trama
e desconhecimentos que a
dimensão discursiva das relações; instituídas permite entrever,
ou reco nstru ir, no discur so anal ítico. ,
Tudo o que se afirmou, a partir da análise, sobre o uni-
verso dos vínculos afetivos imaginados comó possíveis pelos
interno s não se pens ou como um a caract erísti ca; indi vidual
daqueles jovens, mas como umajmarca característica da rela
ção institucional. Em outras palavras: como a subjetividade que
na qu ela relação se constit uía. ,
Essas considerações teórico-metodológicas que estou fa
zendo são importantes para que ío leitor se esclareça sobre os
ponto s de partida, ou melhor, solpre o que pensa esta auto ra a
respeito da psicologia como fornia de conhecimento, uma vez
que isto tem relação intrínseca com os resultados a que chegou
e com o que julgo u conh ecer nessas condi ções. '
A apresentar esses conhecimentos, nos dedicaremos a
partir de ag ora. C om o o leitor poderá notar, na escritura deste
texto, os tempos dos verbos se alternarão entre pasàado e pre
sente, n um a c alculad a disposi ção ’das id éias na lem branç a e na
teoria.

Sob re o objeto insti tuci on al da FEÊE M: r

Costuma-se dizer que “na prática a teoria éjoutra”, ou


que o discurso é liberal ou politicamente correto, mas as ações
são repressivas e co ndenáveis. Foi Icurioso, poré m, o bserv ar que

254 I
essas máximas não sobreviveram :à análise que fizemos dos
discur sos insti tucionai s. M uitas vezes, o que se. pod eria co nsidera r
como prática apenas acentuava um a das marc as do discurso. O u
então, n a am bigüidade, era exat am. ent e o que s e pro pu nh a nos
textos -e-falas-m ais-elaborad as_de alguns agente s. _____________
Isto s e demonstrou quan do tomamos pa ra estudo os tex
tos oficiais que definem os objetivqs da Fundação: atendimento e
conservação das crianças e jovens em situação de abandono e infração. A
prim eira vista, algo irrepreensível em se tratan do de um a insti
tuição de promoção social. No entanto, a análise dos textos
escritos bem como das falas em entrevistas (não só de atendentes
como de atendidos) permitiu configurar cenas que levaram a
pensa r que o que a Febemfaz é a conservação das crianças ejovens, no
abandono e na infração.O que parece, apenas u m jogo de palavras

é, na verdade, um intrincado jogo de forças;e de equívocos que


o discurso arma, denotando, na sua construção, os dois lados
da moeda do objeto institucional. 'Não se pode negar que esse
dito está no miolo do objetivo, tal como o discurso formal da
instituição o apresenta. Mas também não se pode negar que o
que aqui se aponta resultou da articulação das análises dos
discursos de diversos segmentos ou grupos que faziam aquela
prática.

Como foi possível deduzir tudo isso? Consideremos, como


exemplo, as entrevistas. Os funcionários, com freqüência, rela
tavam situações em que se mostravam personagens fortes e
capazes de dominar um menino na delegacia e na Unidade
com base em sua astúcia e agressão física; no entanto, em ou
tros momentos da mesma entrevista, diziam se sentir acuados
ao conduzir jovens com boletim de ocorrência por delitos gra-

25 5
ves, cm carros sem qualquer proteção ou segurança. Os inter
nos, por sua vez, referiam-se aos riscos de ataques por parte de
outros internos e de funcionários, ao mesmo tempo em que
sinalizavam um certo domínio sobre como conseguir relatórios
de liberação por parte de técnicos e monitores,
A relação
é, portanto, mais cotidiana numa de casa
uma ocasião
de reeducação e de contenção
transgressãoe essa é a ordem das
coisas...
Daí se poder pensar que, por todos os poros, naquela
situação, respira-se violência, transgressão e infração. E que, se
a FEBEM. não cria a violência, cia parece ser um nicho privile
giado para sua reprodução.

Sobre os ví ncu los


Quanto à questão dos vínculos imaginados como possí
veis por esses meninos, outras surpresas nos foram reservadas,
pela análise dos discursos.
A qualidade mais destacadá de suas falas c uma espécie
de habilidade cênica imediata, que envolve o interlocutor, ou
melhor, que o supõe. Tudo, no entanto, só se denuncia, em
repentes, quando então, ele (o interlocutor) já está enunciado
e... domina do. M inha sensação, ne sses mom entos, e ra a de estar
na mira, à revelia de minha vontade.
■ Cabe le mbra r que, no caso das entrevistas da pesquisa,
conta a expectativa que o entrevistador/pesquisador, também
à revelia de sua vontade, tem em relação ao entrevistado. O
fato. de, naquele momento, uma jovem mulher estar frente a
um interno da FEBEM considerado infrator, inevitavelmente se
traduz ia nu m jogo de imagens múlti plas que se enlaçavam às
expectativas sociais comuns para essas ocasiões. Configurava-
se concretamente, ali, uma cena com dois personagens e dois
lugares em constante tensão. O domínio sobre o que acontecia

256
parecia, o tempo todo,, estar nas mãos do mais forte, sendo esse
mais forte o interno que dizia conhecer o mandão lá fora e o
mundinho lá dentro>como a palma de sua mão. O.dizer era, às vezes,
indireto, pelo gingado corporal, pelos meios sorrisos, pelo tom
teatral das falas. As vezes, era direto,'como na resposta dada a
uma pergunta minha, sobre o significado de alguns códigos
civis que um menino enunciara por números: “A senhora nun
ca vai entender o que a gente diz”...',.
Esse domínio do personagem-infrator tecia outras histó
rias que co ntav am os interno s, sobre isuas vidas, a pa rtir do
momento em que caíram na marginalidade (expressão usada
por eles quando se lhes pedia que falassem sobre suas vidas;
todo s, sem exceção, diziam que a vida começava quando caíam
na marginalidade); histórias a respeito deles com os policiais, com
vítimas, com outros parceiros de transgressões. Os entrevista
dos eram sempre os que punham os contra-encenadores de qua
tro, atiravam neles, roubavam-nos e saíam ilesos para a próxima.
De um modo que o discurso psicanalítico costuma no
mear d en eg ad o, um dos m eni nos m e disse, em meio a uma des
sas heróicas proezas: “Por exemplo, se eu encontrar a senhora
fora daqui, no mundão, eu não vou estuprar a senhora!”
Se essas falas, ainda para o discurso psicanalítico, são
exemplares da transferência, das defesas e da auto-idealização,
p ara quem é concre tam ente o interlocutor, têm o efeito de re-

instaurar um gênero
receios, anseios, discursivo,
esquivas com tudo
e avanços, o que ele implica
absolutamente inscritosdena
pele .5
Além disso, nas histórias que contavam de si, sempre
que se configurava uma situação de proximidade ou de víncu
lo, seguia-se algum tipo de violência que interrompia o clima e

5 Aqui, um a o casião que e xem plifica a diferença entre análi se psicológica (e/
ou psicanálise estrito senso) e a análise de discurso que propomos.
a seqüência. Assim, quando o pai yoltava para casa ou quando
se recostava no colo da mãe, indicando carinho, morria repen
tinamente ou era atingido por algum tipo de infortúnio; o com
panheiro de assaltos, com quem dividia espaço para viver (e
até o cobertor, roubado à loja ao ládo do estacionamento para
carros cm que dormiam), quis transar com ele, e para que isso
não acontecesse, ele armou uma espécie de emboscada, atean
do-lhe fogo enq uan to dormia. / 1
Ainda: o pai, no discurso desses rapazes, é moeda forte
nas trocas afetivas. De algum jeito \p sempre importante. Quer
dizer, significativo: ou porque dele! se espera mais do que ele é
ou foi, ou porque é um ser execrável, abominável, uma
teratologia da condição humana. Assim o indicou'aipesquisa.
A mãe, pelo contrário,' é alvó de cuidado e também cui
da. É referida como quem tem força c se esforça para ver o
filho em liberdade; Mãe é referência e cumplicidade! Na estei
ra dela, vem a mulher-prostituta, com quem gozam! o sexo li
vre e “caprichoso”, como premiação final de um extraordinário
desem penh o de sua onipotência. '
Outra marca significativa desse discurso é què os opostos
não se opõem\apenas justapõem-se .1 Assim, vida e mòrte, viver
ou morrer não se discriminam na! radicalidade de suas oposi-
ções. Em suas falas, reconstitui-se ium “tanto faz” estar de um
lado ou do outro, nessa polarização . AJém dis so, a juste za ou a
justiça do ato de in fração ou dè punição (quer seja lo ator em
questão o próprio menino ou seué contentores) se deixa reger
pela lei do mais forte? Dessa maneira, se ele fosse pego “rouban
do a cerc a do viz inho pa ra fazer f oguei ra, ‘tá s no direit o dele

6Uma contraposição ao título do filme Pixoie - a lei do mais fraco . A idéia c essa
mesmo; demonstrar, pela análise, o quanto esses meninos se pautam imagi
nariamente pelos regramentos sociais que transgridem; reconhecem parado
xalm ente, para si , a legalidade que os subm ete. |

25 8
me dar um tiro” (comentário de um menino que teria atirado
em alguém que levou a cerca da casa dé sua mãe para fogueira
de festa junin a.). Reconh ece-se a lei da- prop riedad e privada
bem como a punição à sua transgressão; não im porta por que
mãos .a justiça se faça com legitimidade, o 'direito de proprie-
dade é legítimo.
Co mo se pode notar, as oposições entre o reconhecim ento
desse direito e da legitimidade da transgressão não existem.
Daí até o reconhecimento da transgressão como a lei, o passo
é automático. Por uma daquelas mágicas do discurso em que
um dos interlocutores faz um deslocamento absolutamente
involuntário e, portanto está longe de atinar com o que diz, e
o outro ouve sem defato ouvir, a transgressão vira a lei. Acompa
nhem-se os trechos das entrevistas que se seguem:
Se eu entr ar num am biente qu e tenh a.. . s ó gente
trabalhadeira, honesta, direita, sei conversar também. Sem
ser na gíria, sem ser gingando. No meio da malandragem
a gente tem que conversar na gíria, conversar de malan
dragem . A gora.. . num am biente, famil ia r, vou convers ar
diferente, como gente.
Se invadi r m eu te rre no e .eu ti ver com um a arma de fogo ,
m ato. Eu f aço ! N ão tenh o dó não ! Te m po de foguei ra de
S. Jo ão , aí . na vil a, não pod e m arcar com cerc a. A tur ma
- não arruma l enh a no m eio do m ato e vão roubar a cerca
dos outros.e pôr fogo... certo?

A entrevistadora prossegue no assunto cerca e, perceba-


se, os critérios para pontificações um tanto quanto categóricas
sobre o que é certo ou errado vão deslizando, de um pólo ao
seu oposto, sem mais...
E: Se roubarem a sua você mata?
B: A h, se eu catar.. . :
E: Quer dizer que se alguém matar você ou der um tiro
nas suas costas, você também acha que ele está certo?
B: T á certo ! C atou roub and o idei e, tá certo. N ãò ti ro a
razão dele, não.

259
E: Quer dizer, roubar é uma coisa torta, mesmo!
B: E coisa errada, mas...
E: Mas...?
B: A gente continua fazendo, né... quer dizer, tenho fé em
Deus de não... mexer mais... na casa dos outros.
(...) Agora, tem uma coisa: partiu do meu po rtào para den
tro, ta invadindo minha propriedade, eu mato e não tenho
dó.
tá... Ele ta desrespeitando
querendo eu epropriedade.
invadir minha minha mãe, certo!? E ainda

R etom and o o fi o. ..
Nas situações ap resen tadas como exem plares, creio ter
sido possível oferecer ao leitor, uma idéia do trabalho de aná
lise de discurso que configura uma subjetividade, ao mesmo
tempo singular c partilhada, no jogo de forças de relações con
cretas tal como imaginadas e simbolizadas por aqueles que a
fazem. Apesar de em alguns momentos nos assentarmos no
estreito fio que distingue o singular do partilhado, foram feitas
afirmações sobre--o discurso em qúe sé tecem as relações imagi
nadas como possíveis para um si e para uma vida na margino.lid.ú.de.
Vida na marginalidade de que faz parte a FEBEM. Uma aná
lise de discurso que configurou, portanto, uma subjetividade
constituída na rede das. práticas de-atendimento de custódia a
joven s em conflito com a lei.
Assim, com base nesse modo de pensar e fazer psicolo
gia, que supõe (a) a articulação entre uma determinada con
cepção de discurso, (b) uma concepção de instituição e (c) uma
concepção de análise (ou psicanálise), produziu-se o estudo de
vínculos afetivos nas relações instituídas como de atenção a esse
segmento da população (Guirado, 1995). A psicologia, portan
to, na fronteira com outras áreas do conhecimento, alcança
uma temática reconhecida como da sociologia, as instituições
sociais.

260
Prosseguindo, então: essas conclusões se sustentariam com o
passar do tempo e dos estudos?
O. teste de sua força pôde ser feito,
com a:mesma estratégia
por meio
de pensamento e para a mesma situação concreta (FEBEM),
de supervisões feitas a profissionais psicólogos. Claro que a cada
situação conc reta, surgiam desafios que. exigia m respos tas ou
encaminhamentos específicos, mas a base do que o estudo de
do uto rad o apontou parec ia e pa rece se "confirmar .
Uma dessas supervisões, que acontece já há algum tem
po, é exemplar, em vários sentidos, de um precioso traçado (ou
trançado) da prática e da produção do conhecimento em psi
cologia. É finalidade da escritura do item que se segue demons
trar como as coisas podem acontecer nesse outro contexto.
Não se esqueça o leitor de nossos propósitos de escritura,
de um texto nu m livro sobre Ps icol ogia Juríd ica: o que pod e á,
nossa vã psicolog ia, pa ra além daquilo que ha bitua lm en te se ^
coloca como seu objeto; mais cspecificamentc, o que pode ela,
quando feita nos campos afeitos a questões e populações ou
grupos, no âmbito da Justiça, do Direit o. .

Fi que V ivo em m ei o a i ss o
Uma dezena de anos depois da pesquisa, fui convidada
a dar supervisão institucional para um grupo de psicólogos que
desenvolvia um Projeto com o sugestivo nome de. Fique Vivo.
Assim o definem seus criadores: um conjunto integrado
de ações educativas, culturais e de promoção''de saúde que vi
sam, basica mente, estimular a expressi vidade, ■a ap ropria ção
de bens culturais e o exercício de uma gestão democrática do
convívio grupai.
Suas atividades concretas têm sido desenvolvidas em
Unidades da Febem, na qualidade de serviço contratado. A
base dessas atividades são Oficinas de Grafite, pro dução de

261
Instrum entos de Percussão, D J., Leitur a, Cartas, Jorn al, Pa
ternidade e Prevenção de AIDS. São oficinas de trabalho e
algumas delas têm sido conduzidas como autogestão,.desde a
produção m ate rial até a utilização da re nda obtida pela venda
-dos _pr od uto s._São.coordena das po r prof issiona is especi alizados
em cada área (nomeados educadoresno quadro de trabalhadores
do Projeto) e acompanhadas por psicólogos que se atribuem
função diferenciada daquela do -énsino técnico específico de
cada tipo de atividade. Tais psicólogos, em cada Unidade, são
os mesmos que se ocupam do acompanhamento geral do Pro
jeto naquela casa, m ante ndo contato com os outros grupos
institucionais, sobretudo com os internos, em situação de roti
na, como pátio e^dormitórios. i ;
Há, ainda, um plantão psicológico oferecido aos rapazes
internos, de procura livre, conduzido por estagiários 'de psico
logia, com superv isão feita em co njun to, pelo Serviço ;de A con 
selhamento do Instituto de Psicologia da USP e um pijofissional
destac ado do Projeto. , ;
■ ] !
U m a his tór ia, ..
Dizer o que acima dissemos ê pouco, diante cie tudo o
que este Pro jeto faz e fez. O Fique Vivo já tem u m a história de
cinco ou seis anos; uma história de|trabalhos idealizados e con
cretizados, sempre movidos a grandes esforços e reflexões, por
parte de to da a equipe, hoje composta de psicólogos e educa
dores, em funções de coordenação 1e atividades diretas (oficinas
e contatos com os grupos institucionais, desde internos e
monitores das Unidades da Febem até diretores da Fundação).
Neste m omento, correndo 10 risco de ser parcial, mas
garantindo o tema a que nos propusemos, darei destaque a
alguns aspectos^do conjunto das [ações. Creio, porém, que o

262
leitor, poderá ter uma idéia de' suas principáis características
bem como de sua im portância social. ;
Quando as supervisões se iniciaram, foi-me possível reco
nhecer, naquilo que estes profissionais relatavam, marcas daquelas condu-
soes a que chegara com o estudo de 1985.Algo parecia profundamente
enraizado nessas práticas, de tal modo .que, infelizmente, ape
sar de tantas mudanças anunciadas nas instâncias oficiais, a
situação não se alterava.
Talvez caibam aqui algumas considerações sobre mu
danças. Entre 1985 e hoje, houve a mudança do Código de
Menores para o Estatuto da Criança e do Adolescente. Claro
que isto é importante na garantia dos direitos da criança a
atendimento digno. (Claro que foram criadas instâncias concre
tas mais coerentes com as necessidades de tratamento desse
segmento da população, no plano jurídico, social e assistencial.
Há, particularmente, uma alteração no discurso, que busca
corrigir uma discriminação, que por essa via se fazia das crian
ças em condição de pobreza, abandono e infrâção, que eram
invariavelmente referidas como menores, sob .vigência do Códi
go. Pelo Estatuto, força-se a nomeação por sua condição de
crianças e jovens. Os relatórios psicológico e social bem como
os processos jurídicos parecem constantemente policiados a
pro ceder a essa alteração discursiva.' E isso c, em princípio;
correto e bom. No entanto, o que se pode notar é que há algo
de absurdamente
concretas, resistente,
que insiste no plano dos
em permanecer. discursos e porque
Provavelmente práticas
as alterações nesse plano têm ritmo lento e exigem que outras
mudanças ainda se processem. As práticas institucionais têm
relação corri um contexto de outras expectativas e instituições
sociais, que continuam demandandò da FEBEM uma função
específica no trato com a marginalidade. O fato é que, no pla
no em que nossos.trabalhos e estudos se dão, pudemos'atestar,
não sem um quê de tristeza, a permanência, em linhas gerais,

do mesmo quadro.

263
Ate ccrto p o n to , tal inércia tende a colocar limites em
nossas prete nsões de transformações radicais: sonho de que o
bom senso não nos livra, e que está na base e no horizo nte de
nossas preocupações políticas; sonho bom que nos empurra a
tentar sempre:.. Mas o fato é que lá estava eu acompanhando,
agora com as mãos na massa do trabalho direto, as cenas que
a pesquisa configurara.
Bem. N ão preciso d izer ..-que um pr ojeto de in terv enç ão
como o do Fique Vivo coloca-se na contracorrente desse moto
contínuo da instituição. Daí, com freqüência, sua fluência é
atravessada pelos reveses de um trabalho institucional. São várias
as frentes em que se coloca, são várias as atividades que’desen-
vôlve e sao vários os grupos institucionais que envolve. Muito
embora' a proposta primeira seja a de trabalhar diretamente
com os internos, constantemente, isso implica interferir na ro
tina da casa para que os meninos possam participar das ofici
nas, o que, por sua vez, implica ter a anuência de um monitor
(funcionário da Unidade, responsável pelo contato com os
me ninos , par a seu cuidad o e con trole 7).
N o início das atividades, era esse o en trave m ais vi sí vel
ao desenvolvimento do trabalho. Como que para confirmar
uma interpretação já desgastada pelo uso, havia uma espécie
de afastamento deliberado de influências estranhas ao cotidia
no e ao ‘habitual. Freqüentemente, dificultava-se a ida de me
ninos às atividades programadas e as razoes para tanto iam
desde a simples afmtiação de que isso atrapalharia a ordem
das coisas, até que teria acontecido algum tipo de equívoco.

•7 Com tudo o que está ai fund ido: cuida do/co ntrole, disciplina/ed ucaç ão,
•reeducação/contenção. Esses pares de oposios não se distinguem no imagi
nário dos que fazem a FEBEM. E, diga-se, isto não ocorre só na fala dc
agentes e clientela em relação direta, como também no discurso escrito ofi-,
ciai.

264
Muitos desses entraves nos inipediám dc. avaliar até onde
os próprios internos pod eriam estar ou não interess ados na qui
lo que o Projeto propunha. Era como sé; na base da ação, lhe
fosse ceifada a possibilidade de acontecer. Talvez sç possa apon
tar aí uma das formas sutis da dimensão perversa da relação,
que normalmente se costuma atribuir às práticas de atendi
mento tecidas na violência. Há um “ataque ao contrato”, con
forme o discurso e o entendimento psicanalítiço. Com isto, tudo
estaria comprometido.
Notávamos, ainda, que além dos tempos, os espaçosda casa
eram tomados com reféns de uma espécie dc estratégia de co
locação de limites ao Projeto. Como assim? O pátio da Unida
de, por exemplo, parecia ser espaço sagrado da instituição; os
coordenadores do Fique Vivo, sobretudo se mulheres, não de
veriam circular nele e determinadas atividades foram proibidaá
lá. Justificavam as proibições pelo risco de agressão e, até, re
belião. No ar, ficava a sugestão dc que as questões sexuais e de
segurança eram explosivas. Em nome de um pressuposto, a
violência se anunciava novam ent e com o a m arca daquel a rel a
ção. Pelo avesso e pelo direito.
Falamos, aqui, de um jogo dc forças que se trava no e
pelo discurso e que está indissociavelmente enlaçado aos pro
cedimentos institucionais. Como se pode notar, o contraponto
i v-'
da tensão, assim gerada, eram os procedimentos das oficinas,
carro-chefe do Projeto que, na luta por sobrevida e por
efetivação, tentou descobrir suas formas de resistência, sem se
deixar paralisar, absorver ou perverter nessa ordem discursiva.

U m a supervi são, ..
Nesse ponto, ressalta o lugar da supervisão que eu fazia
com o grupo de coordenadores (diretores do Fique Vivo e seus
coordenadores para as atividades de cada Unidade em que ele

265
se desenvolvia). Ela era (e continua sendo) um lugar destinado
especialm ente a pe nsa r o conjunto das correl ações dei força na
intervenção. Lugar preferente de análise e de execuçãp do tra
balh o que supõe á ne cessidade, em situações como essa, de um
corte-no-eontact 0 -imediato-e-de-eqrpo-a-GOrpo,-no-cotidiano
das relações instituídas. ;
E, como o Fique Vivo é, nas srcens, um projeto em
psicologia, idealizado e coordenado, por psicólogos, cabem al
gumas palavras, sobre o modo. como encaramos nossa área do
conhecimento, sobretudo quando ela também se exerce fora
de seu berço histórico, com perspectivas e fundamentos dife
renciados. i
J\ra supervisão semanal, temos ium momento privilegiado
para exerc er essa m ág ica recipro cidade entre o fazer, e o pen
sar. C ostu m am os ter como p au ta, questões e dif icul dades , que
surgem no trabalho. Mas nosso foco (ou, ponto de partida, o que '
na maioria das vezes dá no mesmo); ê} sempre, a atenção]às relações
concretas, tomadas na mais absoluta relatividade às condições insti
tucionais .de sua.produção; ê a atenção ao discurso , tomado como
ocasião de análise,o que nos remete, inélutavelmente às imbri cações
entre os efeitos imaginários e o coritexto e/ou os procedimen
tos institu cion ais.“ ■
Só pa ra exemplif icar : no q ue diz respei to ao iaco m pa
nhamento que os psicólogos fazem às oficinas, temos discutido,
constantemente, a necessidade de jse reverem os modelos de
pensar a subjetividade, alvo e objeto do fazer psicológico. Com
cuida do, temos insi stido em não tom á-la (a subjet ivida de) como
sinônimo imed iato de um a história pe ssoa l, de um a afpti vida de,
de um indivíduo, acima/ao lado/antes/depois dos espaços/tem
pos/pro cedim ento s daquela ordem institucional concreta. T e
mos insistido erri considerar que a^ possibilidade de o menino

c Vide nota de rodapé 3 sobre o objeto da psicologia

266
falar de um si, muitas vezes soterrado pelo discurso corrente,
obviamente é de inestimável valor; no'entanto, esta é apenas '
• um a das di mensõ es da subje tividade q ue se const rói naquele
contexto. Não se pode negligenciar que quando um menino
nos-fala._ele traz para a oficina, ou para a conversa, o pátio e
-----

suas densas relações; traz o dormitório .e o lugar que ele (inter


no) tem entre os outros colegas de destino social. As regras do
fora da oficina atravessam as posturas e falas no dentro. Este é
o si do e no grupo de que se trata...9.
Exatam ente po r assim supo r serem' aquelas práticas concretas
e por assim conceber nossa psicologia, podemos prosseguir
destacando aspectos que marcariam ^s relações institucionais,
a subjetividade e a psicologia desta tão conhecida instituição
de custódia a jovens em conflito com a lei.

C en as e m etáf oras de um coti di ano


A memória resgata, agora, cenas que podem elucidar o
•trânsito, ora mais ora menos agitado, das ações do Fique Vivo
e que podem esclarecer o que acima se delineou genericamente.
N um a certa ocasião, um dos coordenadores, relativamente
■ co nh ec ido e bem 1aceito pelos meninos, estava no pátio (onde
já se tornara possível “circular”, depois de idas e vindas de
interiocução) e, de modo espontâneo, comentou com um deles
que no tara que sua barba estava por fa zer. Surpreendentemente,
o rapaz reagiu, dizendo que o senhor estava fazendo ironia e
que não deveria fazer aquilo. O “clima” denunciou, num repen
te, uma tensão altíssima: a ameaça sugeridapor alguns termos da
fala (e não se sabe quais) tornara-se tão palpável quanto uma

0 Vide notas de rodapé 3 e 4 sobre sujeito psíquico, análise psicológica e


análise de discurso.

267
substância física qualquer., Esclarecer o equívoco, nem pensar,..
Foi prècisò um jogo de “deixa-disso”, por parte de outros rapa
zes pàfa que .tudo ficasse como se nada tivesse acontecido.
O que chama a atenção no episódio é a prontidão pára
a animosidade e a ameaça .de aniquilação do outro; é, tam
bém , a desm on tagem da cena, sem vestígio de sua ocorrência;
e, ainda, o medo e o estranhamento que tomou conta do su
posto provo cado r, in cá paz/ím póte nte que se sentiu para en 
tender o que se passava e sair do cerco. No ar, portanto, está o
risco de sobrevivência, pelo desconhecimento fundamental das
regras seguras de conduta, naquele contexto; pela força de um
código que pode eventualmente ser tolerante, mas que, num
golpe-, pode também ser fator de’sumária exclusão do
interlocutor. ■
Os meninos é que são maus? Os monitores teriam razão
de dificultar, no início, o trânsito do pessoal do Fique Vivo?
Nunca foi esse o nosso foco, Nosso ângulo de visão abrange a
relaçãoVejamos
que o discurso encena. agora com os funcionários.
outra situação,
Certa vez, um out ro coord enad or do Proj et o conv ersa
va, no pátio, com um monitor e este o provocou, afirmando
que várias tentativas haviam sido feitas por grupos que vinham
cle fora da instituição, com novas e interessantes propostas de
mudança, mas que nada havia de fato mudado. Instado a res
ponder porque, (será que) isso acontecia, disse qué as pessoas
sempre chegavam lá com ideais de educação democrática e
que aqueles meninos só entendiam a disciplina na base da for
ça.- Novamente invertendo a ordem argüidor/argüido e pros
seguindo com seu desafio, o monitor perguntou o que o psicólogo
faria se estivesse em uma Unidade “desandada”, com jovens
agressivos atacando os mais fracos e os funcionários. Teve como
resposta que, em algumas situações, de fato, é necessária a for
ça; mas , apenas, pa ra conten ção de emergência. E, com o se
mudasse de assunto, o coordenador-psicólogo lhe pergunta sobre
o tratamento que a FEBEM dispensa aos funcionários. De ime
diato, ouviu que eram muito maltratados, que havia muita
arbitrariedade; por exemplo, cost umavam acontecer promoções
de recém-admitidos, em detrimento de .pessoas qüe estão há
mais tempo no serviço. E, por aí foi a conversa, até que se
falasse sobre os boicotes ás .regras que, muitas vezes, os funcio
nários fazem, como um modo de enfraquecer quem deu ás
ordens, como uma represália. Pois bem. Pelos mesmos moti
vos, com freqüência, o jovem reage a imposições que não lhe
fazem sentido; pelo menos, fica mais fácil respeitar uma regra
qu an do se pode re con hece r sua procedênci a. Ass im se o jovem
entendesse que, em algumas situações, o funcionário é enérgi
co para protegê-lo, talvez entendesse melhor o funcionário...
Gomo se pode notar, os personagens são diferentes, mas
há um certo'jogo de domínio que se repete, nessas cenas.
Em outro setiing, a experiência concreta destaca que,
dentre as oficinas, urna das que mais despertam interesse é a
de paternidade, o que nos remete novamente ao estudo de 1985;
lá, já se anunciava a delicadeza do tema para os meninos. E
capaz de revirar a conversa, fazer eclodir, ao vivo, sentimentos
fortes, hostis ou de desprezo. E mais: o psicólogo que coordena
a ofici na tem que ser hábil par a que os funcio nári os, que acom 
panham os participantes envolvam-se, como natu ralm ente o
fazem, sem contudo abafar a voz dos rapazes. E comum que
todos participem efetivamente, num incrível enlaçamento de
presente, passa do•e futuro, apresentando suas histórias e ex
pectativas, mazelas e potências, no que diz respeito às suas
condições de filhos e de pais.
Mais ainda: numa das Unidades, produziu-se um jornal,
na oficina de leitura. Havia nele notícias do mundão e de dentro
da casa, como por exemplo entrevistas com o diretor daquela
Unidade. Curiosamente, houve reação, ameaças mais ou me
nos veladas de abortar a cria e não se poder chegar até a fase
de impressão. Ao mesmo tempo, um mural foi diretamente

269
pro ibido. N a supervisão, pro cura m os pensar porq ue esse re 
curso teria provocado tanto mal-estar. Com um certo, toque de
surpresa, chegamos a uma interpretação, que até agora iparece
convincente: a com unicaç ão e o conhecimento de fatos;sociais
c políticos a que estamos todos de algum modo submetidos ou
que fãmbém produzimos nãcTdeve ser acessível aos que estão
com sentença de privação de liberdaqle. Nesses casos, a infor
mação é temida como um explosivo. Daqueles tantos que pa
recem espalhados por todos os postosj da relação. Privação de
liberdade, privação de informação...
: ■ i
An da nd o sobre os í ios t ensos de um có digo d iscursi vo f ectí ado
* \
Assim procedendo, por desafiosl e tentativas de entendi
mento, na corda tensa dos códigos fechados e das exciusões, o
Fique Vivo tem pr od uzido seus efeitos1. Parte desses efeitos são
da
expec tativa defácil.
ordem desestabilizar as imagens
E isto, redirec de senso
iona se mpre comüm,
a ação. U riadedes
sas imagens reviradas (e não, revisadas) é a da força da cliente
la de instituições como esta. : !'
A idéia que se faz desses rapazes, clientela da FÉBEM,
não é única. Há os que neles vêem uma natureza torta e'má (a
população em geral e grande parte dos funcionários que se
encarregam de sua contenção no inferior das práticas asilares).
Há os que defendem sua condição de vítimas da estrutura socio-
economica, romantizando umá especie: de bondade congênita,
constantemente abalroada pelo ambiente hostil '{alguns iteóri-
cos e educadores), 1
Uma coisa, entretanto, que salta aos olhos de quem se
ocupa desse trabalho, numa perspectiva reflexivo-analitica, é a
complexidade do jogo de forças e afetos daquiló que nomea
mos antes como uma relação e/ou discurso perverso. Torna-se
impossível prosseguir com visões maniq üeístas na linha vítim a/
agressor ou maldade/bondade. Desse modo, é iriegável que os
internos, como grupo institucional, exercem pressão ativa na
violência das relações: ora entre eles, ora com outros grupos da
instituição, conforme ilustramos acima.
Destacamos aí, a violência entre os próprios internos.
São freqüentes, por exemplo, as práticas, jarinstitüídas, dê“ segu-

ro que retiram alguns deles do convívio com os outros, para


garantir-lhes a sobrevivência física, uma vez que teriam trans
gredido algum dos códigos que regem sua vida em comum,
dentro da Unidade. São códigos particulares, que fazem, para
eles, o mais absoluto sentido e que, sob pena de eliminação,
devem ser cumpridos por todos. Ou quase todos. Exceção feita
a alguém que tenha posição de reconhecido destaque na lide
rança dos demais.
Por esses mesmos códigos e suas exceções, regem-se con
dutas e discursos autorizados ou excluídos, havendo previsões
bastante ciaras de punição em caso de desobediência. Por exem 
plo: em dia de visita, é proibido circular sém camisa pela casa,
uma vez que'ninguém pode ousar insinuar-se a familiares ou
namoradas dos outros internos. Também os espelhos são proi
bidos nesses dias porq ue alguém poderia ficar olhan do, através
deles, as visitas dos colegas.
Gomo se pode observar e como se afirmou anteriormen
te, nada que lembre uma alma sem lei... Os critérios, as finali
dades e as contingências seguem o mais coerente modo de
funcionamento de um discurso: o aleatório a serviço dos inte
resses de determinada comunidade discursiva.
Lá tudo é forte e definitivo. Venha idc onde (de que gru
po institucional) vier a ord em, seu destino é o cumprimento.
Em caso d e conflito de interes se, ve nce !o (grupo) mais forte.
Não é de se espanta r, porta nto, que a m arca da relação seja a
violência e que ela se reproduza numa indiscutível legitimidade.

271
Quem tem m edo da Psi col ogia?
Está mais do que na hora de voltarmos à pergunta-título
deste texto: (nisso tudo) o que pode a nossa vã psicologia?
A resposta foi-se construindo em dois níveis; ê, nisso, de
certa fórma, foi-se demonstrando que, para além da brincadei
ra sugerida pela palavra vã, nossa psicologia podei
Um dos níveis é mais sutil: . tudo o que aqui se escreveu
e afirmou sobré a instituição e a população-alvo do estudo de
1985 e sobre a intervenção do Fique-Vivo (os resultados, por
tanto) guardam íntima relação com a estratégia de pensamen
to que atribui à psicologia umobjeto e um alcance determinados
(a que já nos referimos no decorrer do próprio texto). O outro
nível são as diferentes inserções do psicólogo, no contexto do
Projeto , tal com o exercido na FEBEM.
A experiência concreta, no entanto, reservou surpresas e
apontou para outras formas de identificar a potência de nossa
área de atuação e conhecimento. E é com ela, a experiência
concreta, que pretendemos finalizar o capítulo.
Podemos notar que o lugar que a Psicologia ocupa no
imaginário social potencializa-a de alguma maneira. E isto se
configurou num dado momento na FEBEM, quando o Projeto
iniciou uma de' suas atividades.
Trata-se da ocasião em que começamos o Plantão de
Aconselhamento Psicológico. Estagiários de psicologia fariam
atendimento individualizado aos rapazes que o solicitassem.
Como todas as novas formas de intervenção, esta foi apresen
tada aos funcionários. E sua reação foi absolutamente inespe
rada. Afinal, depois das difi culda des ini ciais de im pla nta çã o dos
trabalhos, os profissionais do Fique-Vivo pareciam gozar da
confiança da casa-. O trânsito de educadores, psicólogos e ativi
dades parecia despertar menos ânimos hostis, por parte daque
les que tinham cómo tarefa a disciplina dos internos. Talvez,
tivessem se acostumado com o trabalho e nao mais o sentissem

272
como uma ameaça à sua ordem. Talvez tivessem reconhecido
nele uma possibilidade de convivência pacífica, mesmo na di
ferença de aíyos. .
O fato, no entanto, é que houve reação de oposição ao
Plantão, por meio de várias formas de resistência: as resistênci
as abertas, com discussões que visavam, outra vez, demonstrar
que isso pod eria ind iretam ente cau sãr rebe liões; r esistênc ias não
abertas, com perguntas sobre os procedimentos dos estagiários,
nessas "conversas particulares” com os meninos, sobretudo no
caso de eles falarem sobre violências e agressões feitas pelos
funcionários (o que o estagiário faria nesses casos?; denunciaria
o funcionário?); resistências em ato, com retardamentos de ações
e ameaças (não explícitas, mas caracterizáveis como) de boicote.
É impossível reproduzir, agora, o clima de' tensão que
sc viveu então. Não cabia uma interpretação fácil do tipo eles:;
estão se sentindo perseguidos: ela não resultaria em nada'que fosse
pro dutivo para o jogo de forças. As vezes, nas supervisões, fica
va claro, por certas colocações feitas, que todos se sentiam
ameaçados, inclusive os coordenadores do Fique-Vivo. Amea
çados cm sua conduta ctica de intolerância diante de atos dc
violência. »
Curiosamente, inclusive, a pergunta sobre o que o esta
giário faria não era apenas uma pergunta do funcionário. Era
de todos os trabalhadores do Projeto, que não se sentiriam à
vontade e sequer coerentes com seus propósitos se, em nome
do sigilo dos atendimentos, calassem sobre os desmandos de
um grupo institucional.
Parecia, então, ter-se chegado a uma encruzilhada
intransponível, em qualquer direção. Seriam (estagiários, tra
balh adores do Fique-Vivo e esta supervisora, inclusive) coni
ventes com a violência, respeitando o sigilo profissional e
evitando que os meninos que procurassem o atendimento indi
vidual corressem ainda mais risco de vida? Como o leitor pode
notar, a pergunta é um paradoxo; um paradoxo que assim se

273
desdobrava: seriam esses trabalhadores coerentes com seus prin relações, fazer do exercício da psicologia uma ocasião cie circu
cípios de não-tolerância para com certos atos qué põem em lação de um outro discurso, esse da intimidade como segredo do
risco a vida da clientela da instituição, e por isso, abririam ao um, que põe em risco o segredo da instituição.Vira-a do avesso.
discurso geral o que alguém lhes confidenciasse?; no entanto, Mostra suas costuras básicas; aquilo que lhe dá consistência e
não seria exatamente aí que se jporiam em risco ;aquele cuja formas visíveis, pelo lado direito.
vida pretendiam garanti r? , | : A psicologia, tal co mo rec onh eci da na qu elas relãçõcs 7
Tínhamos apenas certezaide uma coisa: essas encruzi v • trou xe, pelos pro cedimen to s em qu e s eu discurso se prod uz ,
lhadas só se configuram quandojse leva até o limite o alcance 1 ' todo o jogo de tensão e poder na produção de subjet ividad e,
de um trabalho institucional, cujp objeto e alvo vão na contra nessas práticas de cuidado/contenção da delinqüência/violên-
mão do objeto e alvo da instituição dominante/contratante. cia dos (e com os) jovens infratores na FEBEM. A psicologia
Naq ue le m om en to , com o sói ac on te ce r qu an do nos de pô s em ev idê nci a os imp ass es de um a éti ca da int im ida de; de
pa ra m os co m a dim en sã o pa ra do xa l de nossas int en çõ es e g es uma ética na produção da subjetividade.
tos, parecia estar havendo engessamento ético do trabalho.Como Se não pudesse mais, já teria podido muito, nossa psico-
sair disso? Ou melhor, como gaiiantir a vida, como ficar vivo? | logia , não?
A resposta parecia ser uma, apeijas: não paralisando. Exercen | Com certeza, o leitor está interes sado também em saber
do o básico: o m ovimento. ; ■ ; I como as coisas caminharam, em meio a tantos impasses. Pois
Um esclarecimento maior aconteceu quando, nas super | bem . As discussõe s que pudem os fazer sobre esses aspectos
visões , pôderse fa lar tanto desse engessamento ético> como, tam  conduziram-no s a definir um primeiro passo: pro sseguir com o
bé m , de um a esp écie de ameaça 'da intimidade.O que isto quer jí trab al ho de ac on sel ha me nt o psic oló gico e, coin bas e na corn-
dizer? Que os trabalhos do Fique-Vivo poderiam fluir enquan pr ee ns ão qu e dele est áva mo s ten do, naq uel e m om en to, cont i-
to não chegassem muito perto daquilo que eles (osi grupos que {| nu ar todo o temp o pensan do. Afinal, essa era (e tem sido) um a
definem, por sua ação, o objeto da instit uiçã o) entendiam como ï possibilidade (talvez a única) de Ficarmos, todos, Vivos...
o mais ín timo das vivênci as instit ucionai s. En quanto não levas .■t
sem cada um a dizer do que mais o incomodava,; atingia e o Ê
fizesse sofrer. • R e f e r ê n c ia s b ib lio g r á f ic a s ■
Assim, tudo indicava, o segredo do umremetia, sem fron
teiras, a um segredo institucional. E |a Psico logia seria :o passa por 1j ’ Aries, P. (1978) Hislóna social da criança e da.famílRioia. cle Janeiro: Zahar
te. É interessante que exatamente a psicologia e seus recursos ! E d ito r es.
de atendimento individual, tão criticada como sendo alienadora, Donzelot, J. (1980) A políc ia das famíl ias.
Rio de Janeiro: Graal.
pouC o crí tic a, po r ce rto s disc urs os ma is à es qu erda de noss as Foucault, M (1980 [1970]) El orden dei Discurso.
Barcelona: Tusqucts Editores.
vanguardas, viesse a provocar esse ato disparador de tantas I ■ ( 1.9 7 7 ) Vigiar e punir.Petrópolis, RJ: Vozes. .
tensões, crises, mo men tos e discursos crític os. ; ; ! _ ____________. (1985) Hislóna da sexualidade I: a vontade de saber
R io . de Janeiro:
i Graal.
E que se pôde, por uma de suas práticas, por sua inser
V. [ Guirado, M. (2000) A clínica psicanalítica na sombra do discuSão
rso. Paulo: Casa
ção dessa forma no contexto imaginário e político daquelas ; d oP sic ó l o g o . ■•

27 4 27 5
Guirado M. (1995) Psicanálise e Análise do Discurso: matrizes ínslituáonais do sujeito
psiçuico. Sao Pyuio! Summus.
_______ . (1987) Psicologia Institucional. São Paulo: EPU.
_________ , (1986) Inslüuição e relações afetivas: o vínculo com o abandono. Sã o
Paulo: Summus.
_____ . (1981) A Criança e a FE BE M . São Paulo: Perspectiva.
Hebe S igno ri ni G onçal ves
Violência, essa íntima desconhecida
N a sociedade contem porâ nea, a vivência da violência é
tão usual e cotidiana, anunciada c discutida com tanta freqüên
cia, que somos levados a crer que sabemos muito sobre ela. É
tão comum que a experimentemos, na condição de vítimas
diretas ou de ouvintes de um outro mais ou menos íntimo, que
um impulso de sobrevivência ou autopreservação nos leva a
buscar algum mínim o de in fo rm ação que nos perm ita enten
der sua lógi ca, aq uilatar sua extensão e avaliar o perigo que ela
representa, reunind o recur sos para dela n os protegermos. Nes
sa tarefa, temos sido auxiliados pela imprensa, que a discute à
exaustão, e aind a pela litera tura especializada , q ue diss eca su as
várias formas de expressão, traz dados de incidência c levanta
hipót eses acerca das c aus as que a produze m ou das conseqüên
cias que a ela se sucedem,
Essa proximidade
estranhamento forçadadominava
que até há pouco tende a anular a sensação
a consciência colede
tiva. A indagação que ainda persiste ê aquela que visa a encon
trar a forma de minimizar os efeitos perniciosos da violência,
ou os meios de reduzir sua escalada, que parece incontrolávcl.
Em outras palavras, tomamos o evento violento como um mal
necessário e uma condição quase indissociável da vida moder
na. Dito de outro modo, banalizamos a violência. Faço alusão

277
aqui à expre ssão consagrad a por H an na h Are ndí;,.e a tomo em
seu sentido srcinal. Para Arendt,i a banalização podè ser en
tend ida com o a co rrupção da consc iên cia que s e sedimenta em
pequenos hábitos do cotidiano e condiciona a fo rm a pela qual
QS-mdivíduos.-suprimindo-a_capacidade de pensar criticamen-
[ j
te, se acostumam e se acomodam ao arbítrio, à barbárie, à
covardia e ao cinismo.
A essa constatação crítica de Arendt, associo uma afir
mação mais recente que nos é trazida por Pierre Bourdieu
(Bourdieu et al., 1999). Nas ciências, e especialmente nas ciên
cias humanas, ensina o autor, é preciso suportar a tensão do
desconhecido e .do estranhamento, pois são eles os motores do
conhecim ento. A banalização, ao anu lar o estranhamento, refor
ça a percepção imediata, coloca jmaior relevo na experiência
vivida, e restringe nossa capacidáde de exercitar ajeompreen-
são para além do que nos é dado a perceber da realidade ob
je tiva. Com o nos ensina Pierre Bourdieu, osfatos nãofalam\ eles
são uma evidência da realidade objetiva que o conhecimento
precisa decifrar.
Essa é a primeira razão pela qual quero tratar aqui não
ape nas daquilo que já se s abe acerca do tem a da viol ência contra
a criança, mas também das muitas lacunas e indagações ainda
presentes nesse campo. A violência contra a criança tem sido
exaustivamente estudada nos últimos 40 anos, mas uma leitura
ate nta das pesquisas recentes mo stra int erpretaçõesj divergentes

entre osque
gações muitos estudiosos
requerem e, mais que
investigação responder,
futura. lévanta
Em suma, inda
dispomos
de fato de mais perguntas que jde respostas, o que deve ser
tomado como um convite à manutenção das sensações de
estranhamento que Bourdieu tanto valoriza.
Além disso, a produção dissses últimos 40 anos na área
da violência contra a criança está ainda limitada;a um saber
que é taxonômico, Com isso, quero dizer que o saber acumu
lado até aqui nos permite classificar os eventos observáveis, e

278
estabelecer correlações e ntre eles. No. en tan to, os conceit os aind a
não fo ram ade qu adam ente est abel eci dos nem as relações ent re
os diversos fenômenos suficientemente compreendidas (Calhoun
m e Clark-Jones, 1998). Em conseqüência' 'dispomos de poucos
elementos que nos perm itam com preend er a natureza dos ev en-
f | tos violentos, tanto em term os dos motivos que os desencadei -
;| |j . am quan
fazer to dos efeitos
referência que eles
a causas ou prconseqüên
od uz em : cias
O u seja: não ênc
da viol é possível
ia, mas .
£ som ente das relações verif icáve is en tre certos event os.
V! Sj!íi^eb!l!;.j.vGlasbMficatpno;!rcbrísi5tema.rçbnstniçãG;{léi.catceonasi;de,',rnodo,'a.;brE;anizar.-e1suma- •
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| ^cogtf^sfçâÊcço^asiílpísistcrijattz^^^
■' j Y'àve^^nçiT.cia^.oiqupj}pl e m ‘j!itU'tdescrcver|l^^ éÍaç ão !jçntrej:elas.>/V‘(^onorma.aiãOíOÍcrece;çxpli^/;l
'■ { H'eaçõtésL:-jmaR»pei^téfdeíin ir^''.des creVçr.'çlâiramèntei:OSíevpntos';:' as.:'íituações''çy0s:'ç0mpòrta-;
| .d:;rnento^'mscWndQp^
i léan^isâyaíConformeoícpniuntGídcxatèéonasiioantenor.dO'qual'cadavurudadeje,classificada:..
' I ' - 1 <>' nrj,j I.,' i 1j ' ,rrS"s,ifK-*' *- * *Ví ' ■' • <
^lvel^3'f!C>onÇçitual:;mço^p|t'a'fiQnçeipsjdescnüv^s'quc'sãi<?!Sisternatieameme:insendos:nüma i
; >’y s t r u t u r a í a n g ç n t e ,de ,ouü os^çonccjtòs^^},;qúal^dçnvajn prcjjposiçõ e s ina js‘qú m enos
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^Niy^lffi^.iiíreoqbor^reprcsentâ-.ícombinaçõçs âentre.Maxonomias ^eí^uadros
:Ã:;combíancl uv/de3cnçãq^i e^pl1ÇâÇãose;:.pr ed4çSoicôm binadas‘ ..de :jriqd b:sistcm ^acp-:d c,íniodo‘ a ,
[ [K >V 'Jí ^5- ^ >r I J »i/4 iVj itj I i4lrJfii y/r 1 111^ ^ ’ 1 \ny“ 1 l‘‘<, * "J/ t ^ ' 4 1•* IL11 c A j'i ‘ , 1
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l^cpmpr ecnde r.p'compo rtaitioiUo. va perc epçã o ouia expen enc i^ ^ ^ r,l'> **
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^' .;Ci íu 1'-
IJ* L , k 'i1<M
u t r 1„ 1.

Essas relações ainda estão serido estudadas; cada nova


pesq uisa constata correlaçõ es novas, que por um lado esclare
cem e por outro problematizam o que já se sabe. As pesquisas
provêm de cam pos diversos ~ m edic ina, psicologia, assistência
social, ciência jurídica, antropologia... —o que coloca além
disso a questão da integração das diversas áreas do conheci
mento cuja contribuição é necessária à compreensão dos fenô
menos da violência.

279
Grande parte dos trabalhos produzidos na área da vio
lência contra a criança são estudos de perfil epidemiológico.
Quando a comunidade científica reconheceu que certos
ferimentos infligidos aos corpos das crianças tinham como ori
gem a agressão paterna ou materna, rompeu-se o grande ciclo
da civilização que fez da família o centro e o núcleo da prote
ção à criança (Gonçalves, 1999). A ruptura com essa visão idí
lica da vida em família gerou grande esforço acadêmico,
empreendido de início pela comunidade médica, para compre
ender quem eram as crianças submetidas ao sofrimento no in
terior da.família, e quem eram os pais autores das agressões
que a investigação médica constatava. Estabelecer o perfil da
vítima preferencial , e o per fil do agressor mais com um , foi crucial
para traçar estratégias de intervenção que levassem ao diag
nóstico precoce da violência em família, e às ações de caráter
preventivo que permitissem evitar a ocorrência de novos even
tos violentos.
O conjunto dessa produção foi sem dúvida valioso para
dar a conhecer, a extensão do fenômeno, contribuindo ainda
p a ra elu cid ar aspccto s até en tã o desconhecid os; fo ram esses
trabalhos que, ao detalhar as varáveis correlatas ao evento violen
to, permitiram estabelecer que certos eventos próprios da dinâ
mica familiar - po r exemplo, o des gast e ocasion ado pelas
dificuldades cotidianas tais como a separação do casal parental

ou as dificuldades
correlacionados financeiras
à prática ~ estavam
de violência contra positivamente
a prole. Foram os
mesmos estudos de perfil epidemiológico, acompanhando as
vítimas de violência durante algum tempo após a constatação
do abuso, que identificaram, certos efeitos adversos de longo
prazo, que se sucediam ao evento violento e tin ham nele sua
causa provável. No entanto, quando esses mesmos estudos fo
ram reproduzidos em outras culturas, verificou-se que as ca
racterísticas da dinâmica familiar que precipitavam a violência

eram outros (Korbin, 1988). Constatou-se também que os efei-

280
tos decorrentes da violência eram variados, podendo mesmo
não haver qualquer conseqüência adversa verificável (Levett,
1994).
Ate hoje, tais diferenças não encontraram uma explica
ção consensual. De fato, os estudos comparativos representam
hoje u m a área. im portante de inves tigação, poi s tudo indi ca

que a descoberta
pode la nçar luzdessas
sobrediferenças,
aspectos eain
suadaposterior elucidação,da vida
desconhecidos
em família, e dos fatores que precipitam ou impedem a ocor
rência de eventos violentos contra a criança.
Essa variabilidade é singular e em si mesma elucidativa.
Ela nos ensina que a questão da violência contra a criança
encerra ainda muitas surpresas, e se não estivermos atentos a
elas corremos o risco de analisar e agir pautados nas crenças
advindas do senso comum, que tende a reforçar escalas de
valores auto-referentes e a desconhecer a diversidade.
Em resumo, dispomos de um saber provisório, que está
sendo construído, e isso recomenda postura cuidadosa e aban
dono das certezas. Se essa é uma dificuldade inegável, pode
p o r o u tro lad o re p re se n ta r um instigante e profícuo desafio para
aqueles que hoje se propõem a investigar, o tema da violência
con tra a criança — poi s há m uit o ainda a descobr ir - e para
todos os que se propõ em a atua r em p rogram as de . proteção à
criança vítima de violência —uma vez que cada caso singular
encerra surpresas e requer que tudo aquilo que sabemos seja
posto
criançasob
não otem
crivo crítico
causas nemdoconseqüências
exam e j á que a violência contra a
necessárias (Belsky,
1993).

281
D efi nições, indíci os, co nse qü ên ci as e j ip ologia

Definições
Érim põssívê relieger'ii m a_ún iç a-deí i niçâo-p ara- o -tem a-d o
qual tratamos. A razão dessa dificuldade é que, a rigor, o con

ceito
tema, não está (2002)
Minayo ainda estabelecido.
afirma que aEm trabalho
violência recente sobre
doméstica contrao
a criança e o adolescente podê ser considerada como uma das
formas de manifestação da violência, caracterizada como aquela
que é exercida contra a criança na esfera privada. Essa forma
estaria, segundo a autora, associada a outras modalidades de
violênci a, como a violênci a estr utural - entend ida còmo aquela
que incide sobre a condição de vida das crianças e adolescentes e—a
delinqüência, caracteriza da com o a forma de viol ênci a que tem
com o autore s crianças e jovens transgr essor es. 1

fenômenoN opolissêmico
ente nder de M aria Cecília
e complexo M inay
que pode o, a violência
manifestar-se de é um
formas as mais variadas; mas erri vários textos a aútora subli
nha que essas formas são conexas; entre si e que na rnedida em
que se realimentam mutuamente cada uma delas contribui para
uma escalada global da violênciá, com prejuízos pára a saúde
do indivíd uo e pa ra a saúde coletiva. !
Outros autores, embora reconheçam a conexão entre as
várias modalidades de violência,j defendem que a ívitimização
da criança é um tipo específico; e singular de violência. Por
exem plo, A zevedo ( 2002) afir ma que a vio lênc ia estrutural pode
ser compreendida como uma forma de violência entre classes
soc iais, en qu anto a vi olênci a dom ésti ca con tra a criança é um a
violência intraclasses. Tomando: esse recorte como pressupos
to, a autora propõe que o combate a um e outro tipo deve
sustentar-se em diretrizes políticas distintas, assim como em
enquadres metodológicos diversos entre si. Na mesma linha,
Guerra (1998).sustenta que a violência doméstica;tem relação
com a.yiolência estrutural, mas agrega outros determinantes
além dos sociais; a favor dessa argumentação, a autora lembra
que a violência doméstica permeia todas as classes sociais e é,
em sua natu reza , interpess oal. ;
A discussão retratada acima, ainda que de forma breve
e resumidã7Terve_para~ilustrar-algumas-das-gr-andes-dific-ulda—
des em d efinir o: fenô m eno do qual tratamo s. Co mo o leit or
pode perceber fa.cilmente, há um a enorm e diferença entre as
posições sum ariadas acim a. Se não se excluem, elas ao menos
privilegiam estratégias diversas de enfrentamento. Da prim ei
ra, deriva uma linha de estudos que coloca ênfase na análise
dos determinantes socioculturais da violência, e destaca a im
portâ ncia da prevenção à violência ancorada no combate às
desigualdades sociais e aos valores çulturais que endossam ou
sustentam práticas violentas no interior da família. Da segun
da, depreende-se uma ênfase nos aspectos culturais, interpessoais
e subjetivos, e uma estratégia de intervenção que se apóia so
bretu do no sujeito.
As divergências de conceituação não se esgotam aí. Dialo
gando com autores de fora do país, Azevedo (1989) levantou
um a po lêmica q ue aind a p er co rre :a dis cussão teóri ca: o tema
da intencionalidade como diferencial para considerar ou não
um a to como violento. Vejamos como essa questão se coloca
nos casos de abuso íisico contra a çriança. Ainda nos anos 60,
Kempe e Helfer propunham definir o abuso como um dano não
acidental, resultante de atos de ação ou omissão dos pais ou res
ponsáveis. N a d é c ad a cle 70, D avid Gil assum e que a
intencionalidade é central na definição do abuso, mas argu
m en ta que ela .ne m sem pre é clara, e por vezes a violênci a é
deter minada p or elementos intencionais que permanecem inconscientes.
Nos anos 80, G arbarin o discute esse argumento, e levanta os
problem as que aquelas “razões'insconscientes” podem trazer
tanto em termos de amplitude quanto de operacionalidade: para
este último autor, a definição de Gil leva a que todo dano seja

283
tratado como produto de uma ação abusiva, inclusive os aci
dentais, o que pode colocar a necessidade potencial de intervir
em todo e qualquer caso em que seja identificado ferimento na
criança. A definição adotada oficialmente no Brasil, como ve
remos a seguir, adota a intencionalidade como critério para
qualificar o ato como violento.
Outro aspecto controverso das definições diz respeito ao
grau de comprometimento, físico ou psíquico, que decorre do
ato. Aqui, a polêmica mais importante pode ser traduzida na
célebre pergunta sobre se um tapa pode ou não ser considera
do como um ato de violência. Enquanto alguns autores consi
deram que qualquer agressão ao corpo da criança deve ser
definida e abordada como um ato abusivo, outros acreditam
que um tapa e um espancamento são fenômenos diversos na
sua natureza, e por isso cada um deles induz ações também
diversas entre si. Por exemplo, Emery e Laumann-Billings (1998)
propõem distinguir entre duas formas de violência em família:
(1) a leve, ou moderada, que designam como “maus-tratos em
família”, e (2) a grave, para a qual reservam, a classificação de
“violência familiar”. O primeiro tipo engloba risco ou dano
físico ou sexual mínimo, enquanto que o segundo abarca injú
rias físicas graves, traumas psicológicos profundos ou violação
sexual. Os próprios autores argumentam que essa distinção
envolve certo grau de arbitrariedade, mas tem alto valor ope
racional; com base nela, os profissionais teriam mais segurança
para optar por apoiar a família e trabalh ar em prol da melhoria
das relações entre pais e filhos, ou por afastar temporária ou
definitivamente da casa pais excessivamente violentos ou
abusivos. Símons et ai (1991) também já apresentaram a pro
posta de criar subcategorias de violência, conforme sua gravi
dade, cada uma das quais abrindo um elenco de alternativas
de ação.
Há ainda uma dificuldade adicional que merece ser no
meada. Como veremos logo a seguir, as definições incorporam
a referência direta ao dano que a violência produz na criança.
Ocorre que esse dano só pode ser verificado a posteriori, fre
qüentemente transcorrido algum prazo após o evento violento;
além disso os efeitos, da violência sobre o corpo ou a psique da
criança variam em larga escala, tanto em natureza quanto em
intensidade. Caímos portanto numa circularidade. Como re
sultado, terminamos por definir o ato como "violento” antes e
independente de qualquer efeito verificável, o que termina ge
rando problemas tanto para a pesquisa da violência quanto
para a pro teção da criança.
Em outro texto (Gonçalves, 1999), já citei um trabalho
que con sidero bastante elu cidativo. T rata-se de u m estudo con 
duzido numa pequena aldeia africana, cm que a iniciação se
xual de meninas de cinco ou seis anos de idade é feita por seus
irmãos, pais ou parentes próximos. Como faz parte de ritos de
iniciação seculares, essa prática não é vista como violenta nem
pro duz qualq uer dano às meninas a ela submetid as. Ao con-
trário, é parte importante de sua identidade e inserção na es
trutura tribal, e portanto seus efeitos não são danosos, mas
benéficos.- Cham aríam os a isso de violência contra a criança?
Essas dificuldades são próprias do estágio do conheci
mento produzido, como já vimos fortemente impregnado da
constatação empírica. Quero convidar o leitor a manter em
mente tais dificuldades e limites na leitura dos tópicos a seguir,
em que passo a tratar daquilo que já se sabe no campo da
violência contra a criança.

Indícios
A importância de reconhecer a violência a partir de si
nais e indícios deriva de uma situação singular: todo o profissi
onal que se disponha a traba lhar na área deve est ar preparad o
p ara lidar com um pro blema que não só não é anunciado como

285
eventualmente pode ser negado, ou escamoteado, pela criança
e pela família. A condenação mora) da violência, e em particu
lar a condenação moral da violência de pais contrai filhos, faz
com que o ato cotidiano que implica risco de ser submetido ao
crivo moral seja sonegado à consciência de seu autor e mais
ainda ao conhecimento do profissional que o interroga.
Ambroise Tardieu, em 1860, e Henry Kempe,1em 1961,1
relata ram que após exam inarem l os corpos m ortos iou feri dos
de crianças dirigiam-se aos pais para buscar entender como o
ferimento havia sido produzido; as respostas que recebiam dos
pais era m contraditórias en tre si, íincoerentes com o dano ob
servado, e às vezes claramente fantasiosas. Isso levou-os a reco
mendar aos médicos que privilegiassem a evidênpia física e
desconfiassem do discurso, dos pais, que podem ocultar dados,
esconder motivações e com isso comprometer a recuperação e
a proteção da criança. Desde então, firmou-se a.preocupação,
em identificar sinais e sintomas de modo a que o diagnóstico
da violê ncia possa ser estabelecido ind epen den te da .exp licação
dos' pais ou resp ons áve is. i i
A literatura disponível lista uma série de efeitos que fo
ram observados em crianças vítimas de violência; esses mesmo
efeitos têm sido to mado s com o jindícios, e forami elevados à
categoria de sintomas, que podem auxiliar o diagnóstico retro
ativo da violência. Ou seja: como se sabe que várias crianças
reagiram à violência com os sintomas listados abaixo, o profis
sional deve suspeitar que ao sintoma corresponda a mesma cau
sa, e deve
de vida por isso
passada da investigar
criança. se a violência ocorreu na história
Os textos que abordam sináis e indícios de violência contra
a criança faz em dois aler tas: emj primeiro lugar, reco me ndam
ao profissiona.1 que se detenha no exame cuidadoso e circuns
tanciado do caso, sempre que identificar os sinaià e sintomas

1Para essa hisLÓria, consultar Gonçalves, 1999.

2 86
listados abaixo; em segun do lug ar, q ue o profissional est eja atento
para o fato de que nenhum desses sinais é indício seguro de
que a violência ocorreu.
, Sinai s'quçirccofnen daml.iny estigáíão i' yH
' w *-
.;Di sc repâficia ,
• .versos Tclatós;

.^/'Dçmorâ^e^'^^c^r
7 p c là ;; v io lê n p a ;^ ', r ! atchd^çnto/^A'e^eriênÜa^mdica-'qüe,guando
M j ^ i^ y c is Ír<e|]AC^xn.. .‘j,. ..3 p',dánõ'é;|prbdCizi<ioi,
1 iV j/i vi.iV; :'
■ 3 ■;Mistória|-.-rppc tiHã ..ciéïaçi(iéntcs>io iiv cy id en aa s .■d e i t r à i ï m ^ f r e ^
iVde^cnÿoiyij.Tiiwtô'iïis^

é.i-FraturaS'cm'cri^n^s'mcnorcs'de/iSânqsi.mercccmhnvestieaçao'j.naOi'CiCÇmumouc'cnanT;;
;>ças inovas, ijasuaimente J50UC0 ^xpo stjW/ ^aqae ntcsÿm pprt^n ^es^o iram i r a ^ i ^ jim^çrcantesjíi;'
secoxndoló cônïtecimèntô'méyico.^àl^ns'tiposkHe-ÎrâtûraT^àciéntifK^
^SQ ^aos ^ro ^e^knaa^
'.■:7:
;U' D oe nc as -- cromca s,ysem
-■::i-- >trat
^ i .\.>y amen
í/, tOi-p odem 'jseE «inqi çio':iqdcÿvi
.-s-t olenc iiiJ?e :-':os;:pais^tcmi:Cornoà .•
■■'íDrover iO-tratamento' :eíse;f oram ®eviaamente.iQnentaaos ua iu oí a <sua^mportanciaíj>:ÍHfiKí ••;.

HO A u se n ci|^ ^ n ta^ ^ icd ^ m a j ç n a n ^ a , a u tu d ç di m te^ ó ^ p |^.o g rè ^ | g ra s;^ g

_
■ ?au sen ciar dé; rcr ò^s ta" áõíc Sõr a:òurao5ofnmentO; :da:Críaiiça-sâó "''sih^s7déricoinó rúín èúm entQ '^
^ v..
__ _ JS i4 r ~
.■ Fonte:

É por essa razão que a suspeita de violência deve ser


tratada com parcimônia, e a investigação de sua ocorrência
deve prescindir de qualquer postura prévia condenatória.

^tçí:nppSj|qüê5jjap{ce^a|^

■: tempo; eidetlara^scivconsqraníido.- .• Exp lic a que,:sabp.\quevxes$&9 '■ coi$as;acont_,ecem


#a^nlh a.í? n.aa
* y í ï
;k
;icpnyive| ^omv;outo
: - v *' f í í £ £ i - ’ -. li i !' 'ir a ; * v
T< •í Í í:j íT í1 k íif*
v;m^pjr es^w
; ' • ? .Æ t à i t ^ i r í . f f r s V jí v? í -m m , •/ - v

^cMMããvfeõm(âé”^atóqü^3íim&.^üs^^
ivErcme^ppstenòres^çmunarMpç^i^rpvan^^
:." de;û u) :r Q s^ p r Q t^ ': à tu s Q /' A îf a V ri il ia /nuiica'm^sï fçfc'p^

28 7
Conseqüências
A violência em família pode ac arretar um a en orme ga ma
dc conseqüências para a criança, e esses efeitos variam do físi
co - ferimentos externos ou internos —ao psíquico ~ distúrbios
mais ou menos graves que podemenvolver agressividade, ansi

edade ou depressão.
hesitamos cm chamar Como já vimos,
violentos podem cenos eventosqualquer
não produzir que não
conseqüência para a criança,'
Muitos dos efeitos da violência nos são dados a conhecer
com base cm estudos longitudinais; as vítimas de um dado ato
de violência são identificadas e acompanhadas durante largo
tempo, ao longo do qual são observadas suas reações, tentando
ao mesmo tempo discriminar quais d elas podem scr a tribuíd as
ao evento srcinal. Comparativamente, são acompanhadas
outrascrianças que não sofreram a mesma violê ncia, p ara que
possam ser estudadas diferenças e semelhanças en tre os- dois
grupos. Como o leitor pode deduzir, os efeitos da violência são
identificadosa posteriori,e é comum que um tempo longo (anoss
às vezes) transcorra entre a violência srcinal c o aparecimento
de um efeito observável. Pode ser difícil estabelecer a relação
entre dois fatos distantes entre si na cadeia temporal, até por
que durante esse intervalo de tempo á criança seguiu o curso
cie seu desenvolvimento, com mudanças importantes ná dinâ
mica de vida, e pode haver presenciado transformações signifi
cativas na família ou em seu entorno social mais próximo.
A dificuldade em correlacionar causa e efeito existe até
mesmo quando se trata de eventos fatais. Estudos nacionais c
internacionais (por exemplo, Mello Jorge, Gawryszewski e
Latorre, 1997) são unânimes em afirmar que o número de mortes
qüe têm comò causa a violência são provavelmente subestima
dos, pois nem sempre é possível estabelecer com segurança a
circunstância precisa do evento que produziu um desfecho fa-

2 38
tal. O leitor já deve ter obs erva do que as est atísticas disponí
veis mostram o crescimento em todo ó mundo dos índices cle
mortalidade pórcausas externas; deve observar, contudo, que
a denominação "causas externas” engloba não só os eventos
int encionalmente produzidos - comu mente rel aci onados à vi o

lência
A —comoem
dificuldade também os eventos
distinguir acidentais,
entre ambos é um não intencionais.
empecilho para
determinar o grau em que os índices de mortalidade por cau
sas externas pode ser atribuído à violência. Essa discussão se
apli ca a os í ndi ces de mortalidad e e é ainda mais im po rtante na
determinação dos índices de morbidade (casos nao fatais).
E m b ora sejá dlflCll ^;G^u^^ÊOTteN^-'é;.um
t aidenornináçâ{)vádotada*;pcláv
determinar o impacto pre-
. ]<v . . .fzàa.áÇ.^tu^!za^4'el™^ritc^í€ntàJJda^Or§^nlzação•■
CISO q u e â v io lê n c ia v a i p r o - : tuídiáLl dà:Saúde./A' e^ressão dc?ignaamv conjunto.

duzir
. sobre umai criança,
T i i ^ci d«u;écau
^pÒsas/d
dcrh pre od
srcuzem
irjdextern
oençaVa ou
aó.^m
coip o,d
drtC o jà
yise indi\i
lpordua,
/áção' '
sabe-se que ele depende de .4njfeífàòn&^)qr.èx^
um conjunto de circunstân-
T, t
cias. Um levantamento pu- ;'viGID:".ç^feferên’cià' internacional' ria; classificação.'dé/áo-'.'
blicado por Em ery e Lau- 'Údaíde)oiiVriaò^CMÍ1«iic«_^dè;^ò r b id a l ^ ;'v1
mann-Billings (1998) mostra que esses efeitos dependem
(a) da própria natureza da violência: uma agressão fisica pro
duz efeit os espec íficos qu e difere m da que les gerado s pe la '■
agressão sexual; essa especificidade será tratada adiante;
(b) de características individuais da criança, que pré-existem à
violência; po r exemplo, um elev ado grau de auto-estima tend e
a minimizar ou mesmo a neutralizar os efeitos adversos da
violência;
(c) da natureza da relação entre agressor e vítima; como regra,
sabe-se que á violência praticada por um desconhecido, ou
por um parente distante, produz menos dano para a crian
ça que aquela cu jo au tor é um p arente próxi mo; a proximi
dade do vínculo deve ser levada em conta;
(d) da resposta social à violência sofrida: o auxílio de profissio
nais especializados ou a intervenção dos operadores do di-

28 9
reit o são f atores que contribuem p ara reduzir o dan o oriun 
dodaviolência; ; ;
(e) do apoio que a criança recebe ;por parte dos outros signifi
cativos, em especial no núcleo jfamiliar; a reaçãoí do núcleo
f?Tfhiliar~aos-eventos-violentosJimpacta_tambémia criança^
minimizando ou exacerbando o efeito do ato violento, con
forme a família mantenha a capacidade de suportar a cri
ança ou se desorganize em raízão dos eventos dos quais.toma
cons/ciência.
j
Em suma, a reação da criança depende nâq só da vio
lência per si m as tam bém , e em jgrande medida, do proce sso
que tem curso após o evento violento.

Tipologia
i
V iolên cia ií sica
A violência física pode serjdefmida como aios violentos com
uso da força jísic a defor ma intencio nalnã o acidental , praticada por pais,
responsáveis, familiares ou pessoas próximas da criança ou dó adolescente,
com o objetivo de ferir, lesar ou destruir d vítima, deixandoiou não marcas
evidentes em seu-corpo Brasil,
{ 2002). ;
A definição integra documento publicado pelo Governo
federal. Com base nela, somente serão considerados abusivos
os atos intencionais com propósito lesivo para a criança. Des
cartam-se portanto os danos ocasionados por acidentes, assim
como aqueles cuja finalidade pjode ser considerada educativa.
Esse último aspecto levanta uma polêmica que não pode ser
ignorada. s
A punição com finalidade educativa institucionalizou-se
na Suméria primitiva, foi durante muito tempo aceita nas es
colas americanas, admitida àtéjrecentemente nas: escolas ingle
sas (Guerra, 1985) e ainda é adotada por força de cultura em

290
muitas famílias em todo o mundo. Historiadores admitem os
castigos severos da Antigüidade foram sendo progressivamente
abandonados, e hoje a punição física, quando admitida, é mais
brand a ou sofre co ntrole mais estrito (Ariès, 1978; DeM ause,
1982). No Brasil, a punição corporal cóm propósitos educati
vos é amplãmentê~diss'eminada-e-tem-s6u-uso~iustificadg pela
cultura.
Já vimos que o dano que a violência causa à criança
depende da reação social e familiar que se segue ao ato dito
violento; já vimos também que a violência se defme, inclusive,
pelo dano que a ela se sucede. Lazerle (1996) fez um am plo
levantamento da literatura acerca dos'efeitos da punição cor
poral com finalidad e educativa; segundo ele, 40% das pesqui
sas mostram que a punição corpora l não produz qualquer dano
à criança; mais que isso, 26% dos trabalhos indicam efeitos
benéficos dessa modalidad e punitiva, en tre os quais a introjeção
de valores da cultura. Day et al (1998) mostraram ainda que a
qualidade do vínculo entre pais e filhos, e a extensão em que o
casal adota outras técnicas autoritárias de disciplinamento, tem
grande relação com os efeitos que a violência provoca. Esses
dados mostram que é o contexto social e cultural em que a
puniç ão ocorre, e não a punição per si , que determina o dano.
Para Baumrid (1996), isso indica qué há muito ainda a pensar
nesse campo.
Levar em conta determinantes culturais parece essencial

no Brasil,
ticada. onde a punição
A paternidade, e ascorporal
formas édeaceita e largamente
seu exercício, não pra
nas
cem nem se esgotam na família nuclear. Antes de sermos filhos
de .nossos pais, somos filhos da construção cultural que os an
tecedeu, que informa os modos pelos quais somos educados e
que delimita opções concretas sobre métodos educativos que
são postos em prática. Nenhuma família inventa o sistema de
pare nte sco e nenhum indivíduo é so berano para fundar regras
ou operá-las (Rébori, 1995). É por isso que o trato desse tema

29 1
tangencia a questão da identidade cultural, aspecto que não
deve ser relev ado.. . -
No Brasil, a autoridade e a hierarq uia são fortem ente
pautadas na violência, o que contribui para que o uso da puni
ção corporal com finalidade educativa seja disseminado e co
mum. É uma ilusão, no entanto, achar que a própria cultura,
não controle seus excessos. Já .foi verificado (Gonçalves, 2001)'
que a punição corporal é aceita apenas dentro de rígidos limi
tes. Quando praticada segundo essas regras, cia é endossada
pelo social e por isso seus efeitos são diferentes (e menos dano
sos) daqueles provocados pela violência severa, que a cultura
condena.
O peso do contexto cultural será tanto menor quanto
maior for o dano físico que a v iolênci a .provoca. N as formas
mais severas o contexto tem menor influencia, e isso parece
óbvio quando pensamos nas formas extremas em que a violên
cia física leva à morte. Levar em conta esse continuum parece no
entanto sumamente importante, pois é ele que recomenda evi-
tár que u ma mesma no rm a oriente indiscriminadam ente a s ações
de proteção à criança.

V iolência sexual
A conceituação de violência sexual tem estreita relação
com o feminismo. Nos movimentos feministas, o abuso sexual
de mulheres
valores e crianças
dominantes é concebidodocomo
e possessivos homemum sobre
crescimento dosao
a mulher
longo da história (Bottoms, 1993). De fato, embora o abuso
sexual atinja crianças de ambos os sexos, as meninas e as jo
vens adolescentes são sem dúvida suas vítimas preferenciais,
enquanto seus autores são quase sempre do sexo masculino
(Berkowitz ei a l , 1994; Silva ,e Dachelet, 1994). Há aí portanto
um. forte viés sexista. No'entanto, apesar do empenho do femi
nismo na denúncia da violência sexual contra mulheres e mç-

292
ninas, o abuso sexual contra crianças só foi considerado um
proble m a de grande m ag nitude nos anos 80 (Bottoms, 1993).
A violência sexual
consis te em todo ato ou jog o sexual, relação heterossexual
ou homossexual cujo agressor está em estágio de desenvol
vimento psicossexual mais adiantado que a criança ou o

adolesc ente. Te m por intenção esti m ulá- la sexualm ente ou


' utili zá-la para obter satisfação sexual. A pre senta-se sob a
forma de práticas eróticas e sexuais impostas à criança ou
ao adolescente pela violência física, ameaças ou indução
de sua vontade. Esse fenômeno violento pode variar desde
atos cm que não se produz o contato sexual (voyerismo,
exibicionismo, produção de fotos), até diferentes tipos de
ações que incluem contato sexual sem ou com penetração.
Engloba ainda a situação dè exploração sexual visando
lucros como c o caso da prostituição e da pornografia (Brasil,
2002 ). . *

A definição acima permite circunscrever algumas ques


tões que merecem discussão. Em primeiro lugar, convém ob
servar que os atos designados como abuso ou violência sexual
podem ou não envolver contato físico com a criança; por isso,
não se deve esperar que essa modalidade de violência apresen
te, necessariamente, um sinal corporal visível. Esse alerta pare
ce importante porque a concepção de violência sexual firmou-se
historicamente com base em indícios físicos: a rutura himenal,
ou mesmo as marcas corporais de defesa, foram os primeiros
indícios que a sociedade aceitou como prova inconteste da vi
olência sexual (Vigarello, 1998). Permanece ainda, na consci
ência contemporânea, uma mentalidade de buscar na evidência
corporal a prova do abuso. No entanto, essas só serão encon
tradas quando houve penetração ou se a violência sexual foi
praticada com o uso da força física (mais freqüente em' casos
dc abuso -extrafamilí ar). M ais com um e que o abuso sexual
contra a criança tome a forma de manipulação ou sexo oral
(Craissati e McClurg,. 1996), ou ocorra no interior de um jogo

293
de sedução gradual, principalmente quando acontece dentro
da família (Berkowitz et al, 1994). Nesses casos, as marcas são
menos visíveis e, do ponto de vista da produção de provas da
ocorrência do abuso, exigência comum nos aparelhos judiciá
rios, entre esse é um aspecto que deve ser levado em conta.
Outra questão que merece destaque é a referência à di-
ierença de estágios de desenvolvimentp entre a criança eío autor
da violência sexual. Esse aspecto parece ter grande importân
cia pois é ele que permite distinguir a violência dos jogos sexu
ais entre crianças ou entre adolescentes.
Sabe-se que os jogos sexuais fazem parte do desenvolvi-
. m ento da criança , e é tam bé m com base nel es que a sexualida
de busca sua expressão mais sadi a. Por outro lado,'a consciência
contemporânea condena com veemência toda e qualquer for-
. ma de violência sexual contra a criança. O senso comum con
sidera essaregistra
literatura a formaquemais gravesexual
o abuso de abuso (Gonçalves,
produz 2001);
uma sensação de a
incômodo na maioria das pessoas, e >há autores que defendem
ser esta a forma extrema da violência contra a criança (Ama-
zarray e Koller, 1998). Essa convergência entre o senso co
mum e a academia, fortalecida além do mais pelas inúmeras
campanhas que têm sido veiculadas na mídia em todo o mun
do, contribuem para consolidar a percepção de que a violência
sexual contra a criança deve ser alvo de forte condenação moral.

excessosNoquera stro dessa


term ina perc epção,
m coloca ndo emjfpodem-se produzir
oco os jogos certos
sexuais en tre
iguais. Não falo aqui em tese: de fato, já testemunhei .“suspei
tas de violência sexual” levantadas por pais assustados por des
co brire m suas fi lhas pa rticip an do de íjogos se xuais com colegas
do sexo oposto, e da mesma idade, i
Levando esses limites em conta, Finkelhor (1994) reco
m en da que só sej a nom ead o-co m oj abuso sex ual o ato cuj os
protagonistas têm entre si um a diferença de 5 anos (quando a
’vítima é menor que 12), ou de 10 anos (se a vítima tiver entre

294
13 e 16 anos). O critério de idade, contudo,-não deve ignorar
o uso da força física ou a exploração de autoridade. Friedman
(1990) tende a desprezar a idade para conceder maior relevo à
habilidade da vítima em consentir no ato; para ele, isso permi
tiria uma análise mais completa da situação por parte tanto
das autoridades jurídicas quantõ^õs'té'cnicos'envolvidos-nocaso.
Hiperatividade ou retraimento; baixa auto estima; difi
culdades de relacionamento com outras crianças ou com adul
tos, aco mpa nh ad a de reações de m edo, fobia ;ou vergonha; culp a,
depressão, ansiedad e e outros tran storno s afe tivos; distorção da
imagem corporal; enurese e/ou encoprese; amadurecimento
sexual precoce, ou masturbação compulsiva; gravidez e tenta
tivas de suicídio têm sido associados à violência sexual (Berkowitz
et al, 1994; Banyard e Williams, 1996; Bottoms, 1993).
De novo, essas reações estão sujeitas a certas condições
de contexto. Se o abuso é acompanhado de violência física, as

conseqüências
com ansiedade,dedepressão
curto prazo tendem a ser
e distúrbios do mais
sono traumáticas,
(Banyard e
Williams, 1996). Há estudos que indicam que, nestes casos, a
■vivência traumática da violência tem mais impacto que o cará
ter sexual da agressão (Vieira, 1990).
A reação da criança vai depender ainda da duração do
abuso (um episódio único é menos traumático que o abuso
continuado), da presença ou ausência de figuras de apoio para
a criança (familiares., profissionais oú amigos) e da proximida
de do vínculo entre a criança e aquele que a agrediu (agravan
do a vivência de traição de confiança) (Amazarray e Koller,
1998; Banyard e Williams, 1996).
Duração, apoio e vínculo sãò temas que colocam em
xeque o papel dos adultos significativos, em particular dos
membros da família, Não é raro que o abuso sexual intrafamiliar
perd ure por certo tempo, e seja pratica do por adultos com os
quais a criança mantém importante relação afetiva. A isso, soma-
se a dificuldade da família em manter íntegras suas funções,

295
inclusive sua capacidade de apoiar e proteger a criança. Para
que se tenha- uma idéia dessa dificuldade, basta constatar que
pouquíssimas denúncias chegam aos tribunais, e a principal razão
para isso é a pressão contrária exercida peia própria família
(Silva e Dachelet, 1994). A ação policial-repressiva ao abuso
sexual intrafamiliar conta com forte oposição do núcleo fami
liar, o que é em geral atribuído ao. receio de perder o esteio
econômico (se o agressor é o provedor da casa) ou mesmo à
dificuldade em realizar as rupturas afetivas que a revelação do
abuso impõe. Por todas essas razões, Furniss (1993) recomenda
que tanto a criança quanto a família sejam alvo de ação profis
sional especializada, como forma de minimizar os sentimentos
de desamparo, perda de controle, autocensura e culpa que
acometem á todos os membros quando se revela o abuso se
xual familiar.
Finalmente, investigações recentes têm mostrado que a
idade da criança à época do abuso é outro fator que influencia
suas reações. Para uma criança muito nova, o contato sexual
pode ser desagradável ou mesmo, assustador; por outro lado,
cia não alcança o pleno significado sexual do ato (Banyard e
Williams, 1996), e desconhece por completo sua condenação
moral; es sa conden ação - que ac entua o valor transgressor da
violência s exual e' contribui p ar a ace ntu ar a .culpa e a verg o
nh a - só pode ser atribuído pela sociedade c pela fa míli a.

Negligência
O termo negligência
designa as om iss ões dos pais ou de outros responsáv eis (i n
clus ive i nsti tucionai s) pela criança e pelo ad olescen te, qu an do
deixam de prover as necessidades básicas para seu desen
vo lvim en to fí si co , em ocional c soc ia l. O aband ono é con
siderado uma forma extrema de negligência. A negligência
• si gnif ic a a om iss ão de cuida dos básic os com o a privação
de med ic am entos ; a fa lt a de atendimen to aos cuidado s ne-

296
cessários com a saúde; a ausência dc proteção contra as
inclemcncias do meio como o frio e o calor; o não provi
m ento de es tí m ulos e condições para a freqüência à c scola
(Brasil, 2002).

A definição acima faz ressaltar uma dúvida essencial;


como diferenciar entre negligência e pobreza? A negligência se

apro xim a dpara


contribuído a pobque
reza e datempo
muito desigualdade s ocial, eaté
haja transcorrido issoque
podsee ha ver
iniciassem os estudos sobre ela. Em 1984, Wolock e Horowitz
reclamavam da ausência de estudos sobre negligência em terri
tório americano. Em 1994, Dubowitz afirmava que a negligên
cia recebia menos atenção que qualquer outro tipo de violência,
embora pudesse ser tão ou mais danosa para a criança. Guerra
c Leme (s/d) sustentam que o fenômeno da negligência impli
ca que se po nha na mesa a polêm ica discuss ão ac erca da distri- ?■

buiçãoBarreto
de renda, e ae distribuição
Phebo Suarez Ojeda dc recursos
(1996) na áre
sugerem um are-social.
• ;
corte para essa diferenciação: é preciso observar, dizem os au
tores, o grau de privação em todos os membros da família. Se
a. privação —afetiva ou m ate rial - acomete toda a prole, assim
como os pais ou responsáveis, não se trata de violência e sim „
de um comprometimento estrutural da dinâmica da família; se
ao contrário ela atinge apenas a um dos filhos ou unicamente
a prole, então sim podemos falar em negligência.
O investimento na inserção social da família, e no forta
lecimento dos vínculos comunitários, tem sido defendido como
uma estratégia básica de combate à violência doméstica contra
a criança. No caso da negligência, essa parece ser uma ação
fundamental. Coohey (1996) comparou os vínculos sociais de
famílias negligentes e não negligentes; ela verificou que essas
famíl ias não dif erem nem em ter mos de mob ilidade social nem
em termos de acesso a recursos sociais. No entanto, as famílias
negligentes percebem seu entorno social como mais pobre em
termos de vínculos afetivos, e referem-se constantemente à so-

29 7
lidão a que são' relegadas pela comunidade. A autora supõe
qu e esse sen tim en to de exclusão jsocial, que parec e subje tivo
mais que objetivo, possa resultar 'em apatia, imobilismo e fra
casso no provim ento das nece ssidade s da criança, desencadeando
Qu-agravando-a-negligência-em_família._P.or_isso, recomenda
que a inserção em redes sociais 'de apoio vise nãó apenas o
fortalecimento do auxílio efetivo e concreto ~ com ia oferta de
recursos materiais —mas também le sobretudo o fortalecimento
dos vínculos afetivos entre a família e a comunidade.
E m bor a o Brasil não dispo’nha de dad os est atísticos em
escala nacional, levantamentos pontuais indicam que a negli
gência é um dos tipos de violência mais detectados nos diversos
serviç os estruturado s p ara lida r com a viol ência con tra a crian
ça. Há poucos estudos que avaliem as razões pará tal. Uma
hipótese a ser levantada é que a desigualdade social, que vem
crescendo ao longo da última défcada, possa efetivamente ha
ver colaborado para que o provimento das necessidades das
crianças tenha se tornado mais difícil, acentuando 'suas neces
sidades insatisfeitas; nessa hipótese, os índices elevados de ne
gligê ncia poderiam estar acobertand o a difi cul dade da dis tinção
conceituai e prática entre violência e pobreza. Outra hipótese
é que a vida nas comunidades, tradicionalmente pautadas pela
solidariedade social e fortemente ancoradas nas relações de
vizin han ça (Aragão, 1983), esteja! sofrendo em razã o d a ru pt u
ra do tecido social que decorre inclusive da escalada da crimi
nalidade e da delinqüência. As jhipóteses não se lexcluem, e
merecem verificação.
I
V iolên cia psicológ ica ;I
A violên cia psicológica j |
con stitui tod a form a de rejeição, dep re ciaç ão 1, discrim ina
ção, desrespeito, cobranças exageradas, punições humilhan
tes e udlizaçâo da criança ou do adolescente para atender
às necessida des p síquicas dos adult os. T od as :ess as formas

29 8!
de maus-tratos psicológicos causam dano ao desenvolvi
mento è ao crescimento biopsicossocial da criança e do
adolescente, podendo provocar efeitos muito deletérios na
formação de sua personalidade e na sua forma de encarar
a vida. Pela falta de materialidade do ato que atinge, so-
— -----------bretudo,-o-cam po_em ocional e espiritual da vítim a e pela
falta de evidências imediatas de maus-tratos, este tipo de
violência é dos mais difíceis de serem identificados (Brasil,
2002 ). :

O National Clearing House Center, agência americana que


normatiza todo procedimento na área da violência contra a
criança, chama a atenção para o fato de que alguns casos de
violência psicológica são facilmente identificáveis, como por
exemplo os castigos bizarros; outros, menos graves, são extre
mamente difíceis de serem identificados, mesmo porque não é
o ato em si que provoca o dano à criança, mas sua repetição e
persistência. Por isso, o N IC H C acredita que as agências de
prote ção à criança podem não ser capazes de intervir em mui
tos ca sos. De. fato, e m bor a alguns au tores acred item que a vi 
olência psicológica subjaz a toda e qualquer forma de abuso
(Guerra, 199.8), ela é quase sempre a modalidade de menor
incidência tanto em outros países como nos diversos serviços
brasileiros que apresenta m essas estatísticas, no Brasil.
Mais comumente, a referência à violência psicológica
sofrida na infância é identificada po r indi víduos adultos , o que
Bottoms (1993) atribu i a u m a in terpretaç ão mais sof isticada de
fatos ocorridos na infância, só possível com a maturidade.

N oti fi caç ão e as d ifi cu ld ad e s da int ervenção na fam ília


O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/90)

estabelece: Art. 5 —Nenhuma criança ou adolescente será objeto de


qu alq ue r form a de negli gênci a, discr iminação, explor ação,

299
violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei
qualquer atentado por ação ou omissão, aos seus direitos
• funda mentai s.
... Art. 13 - Os cas os de suspeit a ou confir mação de maus-
trat os co ntra crianças e adolescent es serão obrigato riam ente
comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localida
de, sem prejuízo de outras providências legais.

A lei determina portanto que, ao tomar ciência ou sus


peitar de que um a criança esteja sofrendo maus-tratos, o pro
fissional deve^ notificar a auto rida de com peten te (o Co nselh o
Tutelar da localidade ou, na sua ausência, a autoridade judiciá
ria). O artigo 245 da Lei 8069/90 estabelece penalidades apli
cáveis aos profissionais de saúde e educação que dcscumprirem
essa determinação legal.
Embora à primeira vista esse pareça um procedimento
simples, ele envolve dois aspcctos vitais no trato da violência
contra a criança: o primeiro diz respeito à decisão do profissi
onal q ua nt o ao ato de notificar;2 o segun do, às ações qu e se
seguem à notificação.
J á vi mos que o noção de vi olê ncia contra a criança abarc a
grande dificuldade técnica e teórica: os conceitos nem sempre
são precisos, a intencionalidade é de difícil determinação, o ato
é às vezes de difícil detecção, e a diferenciação entre o que
deve ou não ser considerado violência nem sempre é imediata.
Essas questões sem dúvida acodem o profissional quando, à
frente de uma criança e na presença de sua família, deve deci
dir se aquela é, ou
A postura não,
mais uma recomenda
radical situação a ser
quenotificada.
o profissional siga
à risca a letra da lei, e notifique o caso tão logo a suspeita o
assalte. Para discutir essa questão, quero agora retomar um

2 Não me refiro aqui à questão do sigilo profissional; a segurança individual


da criança está acima e li mita a confidencial idade d a.rel ação com o pa cien
te. Os diversos conselhos profissionais já se pronunciaram sobre isso.
pouco dc história, o que espero possa nos auxiliar a pensar as
implicações colocad as no tão delicado ato de noti ficar. A his tó- -
ria da notificação 'nos remete ainda uma vez aos postulados
americanos.
A notificação foi proposta pela primeira vez nos Estados
Unidos, em 1963. Ao longo daquela década, todos os Estados

americanos
fossem a adotaram
notificados como normaoslegal,
às autoridades casosrecomendando
constatados deque
vio
lência con tra a criança. N os anos 70, o núm ero de noti ficações
cresceu significativamente (Bcsharov, 1993). Contudo, muitos
pais e responsáveis considera ram que a notificação contra eles
equivalia a uma acusação formal; como não foi possível confir
mar a ocorrência de violência, esses pais processaram os profis
sionais, que foram então obrigados a responder em juízo pelos
seus atos; a partir daí, houve uma queda consistente no núme

ro de um
ficar notificações. A decisão
a “suspeita” f oi tomdeada
incluir
coma opossibilidade
propósito dedesolucionar
noti
esse impasse: o registro de uma suspeita não equivale à acusa
ção, e protege o profissional dos processos jurídicos por difa
mação.
A notificação da suspeita de maus-tratos tem sido ques
tionada por muitos autores. Argumenta-se que, ao permitir a
notificação da suspeita, o sistema legal não exige que o profis
sional a fundamente, transferindo essa tarefa às agências de
pro teção (cuja tarefa de investigar é em certa m edid a similar
aos nossos Conselhos Tutelares). Argumenta-se além disso que
a transferência dessa responsabilidade sobrecarrega as agênci
as de proteção, dificultando em larga medida seu trabalho. Por
último , levanta-se .um a questão ética: a suspeit a, inde pe nd en te
da confirmação po ster ior, carrega a cond enação moral dos pais,
dos responsáveis ou daqueles contra os quais ela pesa, e impli
ca um jul gam ento m oral que nem mesmo a abs olviç ão jurídica
tem o poder de neutralizar. De fato, o processo por violência
con tra a criança imprim e um est igma que submete i gualmente

301
inocentes e culpados, e causa um dano irreparável às famílias
investigadas por falsas denúncias (Besharov, 1993). Não nos ilu
damos: as denúncias não comprovadas chegam a 60% nos
Estados Unidos (Besharov, 1993) e 90% no Brasil (Gonçalves et
a l , 1999). i
Alguns autores argum entam : mesmo que, ao est imular a
notificação da suspeita de maus-tratos, a legislação termina

pecando
op erad orecontra a prote
s do direito comçãoumdaa sobrecarga
criança. Por sobre carregar
de casos1 os
a invest i
gar, torna impossível estabelecer prioridades, investigar os ca
sos de forma meticulosa ou decidir com mais propriedade o
melhor encaminhamento de cada caso. Como resultado disso,
40% dos casos notificados não são objeto de qualquer averi
guação ou assistência (Emery e Laumann-Billings, 1998), e uma
porcenta gem im porta nte de mortes por mau s-tratos vitim a cri-
anças cujas situações já haviam sido encaminhadas às agências
de pr ote çã o (Besharov, 1993). ’ •
No que se refere à decisão de notificar, o profissional vê-
se quase elevado à condição de perito, já que sua decisão as
senta num caráter “técnico” cuja racionalidade condiciona o
destino dos envolvidos. Quero lembrar aqui que, na definição
de Castel (1978), perito é aquele que define se um problema
existe ou não, qual é a sua ‘verdadeira1natureza, e como deve
ser tratado. Pela autoridade que a sociedade confere ao perito
em razão de sua competência técnica, seu parecer é .como re
gra levado em conta e, assim, a p_erícia opera no sentido de
transformar o julgamento técnico do especialista em realidade
social. ' ;
Aqui, começamos a nos defrontar com os efeitos sociais
e éticos da conceituação de violência e de seu valor social como
instrumento de intervenção na vida das famílias, e por exten
são nos modos de construção do social.
Vale determo-nos nas implicações e nos desdobramen
tos do trabalho assim chamado “técnico”. A decisão de notifí-

302
car sucede, ou conclui, um conjuntç de tomadas de posição do
profissional que tem início com a escolha de um ou outro con
ceito operacional de violência; com base nessa primeira esco
lha, vamos verificar se a situação em exame preenche os
requisitos da definição, e se a situação pode ser qualificada de
vio len ta; em segu ida, o p rofis sion al7pas saTa xolher um a~série_de
informações que visam desenhar o contexto da situação que
examina, trabalhando por vezes sob a difícil recomendação de
suspeitar dos depoimentos que.colhe; finalmente, vai debruçar-
se sobre todos os elementos disponíveis para decidir o que deve
ser privilegiado, de modo a encerrar sua avaliação.
■ É impossível imag inar qu e esse percurso possa ser abso
lutamente isento dos valores de quem procede à avaliação. Vou
trazer aqui, como ilustração, um estudo feito no Canadá, por
Tourigny e Bouchard (1994). Eles verificaram que enquanto

14% das famílias


camente canadenses
dos filhos, 44% dassãofamílias
notificadas por abusarem
haitianas fisi
residentes no
Canadá o são pelò mesmo motivo. Uma análise acurada des-,
ses índices mostrou que eles se deviam menos a diferenças
objetivas' de métodos educativos e mais ao confronto cultural
entre a comunidade canadense e os imigrantes haitianos,
desencadeada por fatores externos-ao tema da violência contra
a criança. Assim, uma aparente política de proteção à criança
pode estar conta m in ada por um iconfronto que a excede.

ção de O Conselho
zelar Tutelar da
pelos direitos é ocriança‘e
órgão encarregado pela legisla
do adolescente sempre
que eles forem ameaçados ou violados. Os casos de violência
em família estão incluídos nessa atribuição. Ao Conselho Tute
lar compete receber a notificação e proceder a uma primeira
avaliação dos- fatos relatados, verificar sua procedência e deci
dir pelo encaminhamento ao Ministério Público de seu relato.
Observe-se que o Conselho Tutelar não determina se a violên
cia ocorreu, nem tampouco requer perícia. Nessa investida
prelim inar, o Conselho T ute la r tem a atribuição de apurar os

303
fatos e decidir.pelo seu encaminhamento, com autoridade para
aplicar medidas de proteção à criança pre vist as no art. 101 ( Ia
VII) ou de atendimento aos pais ou responsáveis previstas no
art. 129 (I a VII) da Lei 8069/90.
. . A sobrecarga que com prom ete o trabalho dás agênci as
de proteção americanas atinge também os Conselhos Tutela
res instalados no Brasil. Os Conselhos têm funcionado em con
dições adversas, enfrentando graves problemas de infra-estrutura;
a aplicação de medidas enfrenta além disso uma enorme escas
sez de serviços de retaguarda, o que amplia sua capacidade de
responder à demanda. Esses motivos aconselham a que a noti
ficação de violência seja encaminhada com os subsídios que só
um a inves tigação cuidadosa pode oferecer (Gonçal ves e Ferreira,
2002 ).
Mas sobretudo, em nome da proteção à criança, cabe
lembrar que o art. 100 da Lei 8069/90 estipula que, sempre

que possível,
que deve-se dar preferência
visem aofortalecimento dos vínculosàfamiliares
aplicaçãoe das medidas . Não
comunitários
.'bastassem os imperativos teóricos, morais e éticos- que reco
mendam uma avaliação criteri osa d a possibili dade de ocorrên
cia da violência contra a criança em família, que se afaste do
ju lg amento moral, é preciso ter em conta que o enquadre legal
recomenda que se privilegie o convívio familiar.
O respeito aos valores familiares não deve ser interpre
tado como permissividade ou autorização à prática da violên
cia, mas antes como regra que recomenda a negociação com
as regras da cultura, e o respeito à autoridade parental, ainda
que seja imperioso transformar as formas de seu exercício.
, Pa ra isso, e antes de apa rta r pais e filhos, ca be su prir as
necessidades mais prementes da família, inclusive aquelas que
dizem respeito a recursos pessoais e sociais que instrumentalizam
sua tarefa de construir, na próxima geração, um ambiente menos
. contaminado pela violência.

304
Referências bibliográficas
Amazarray, M. R. e Koller, S. H. (1998) Alguns aspectos observados no
desenvolvimento dc crianças vítimas de abuso sexual, Psicologia, Reflexão e
Crítica, 11 (3).
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t

ï'
V•

• níí**' .
M ul he res em si tua ção de v iol ên ci a dom ést ica:
lim ites e po ssi b ilid ad e s de e nf rent am ento
Rosa na M org ado

V iolênc ia dom ést ica: o que é?


A p ergun ta, à p rimeira vis ta}pode p arecer simpl es, mas
apresenta-se como necessária para que possamos estabelecer
um campo comum de diálogo. Diferentes segmentos da socie
dade, aqui tomada em sua representação por instituições de
saúde, educação, assistênciá e do campo jurídico, veiculam
compreensões diversificadas sobre este fenômeno social.
O presente artigo tem por objedvo oferecer subsídios que
contribuam para um maior conhecimento do fenômeno c ao
mesmo tempo propiciem um amadurecimento conceituai so
bre a tem ática (M orgado, 2001). Elementos estes fu ndam entais
p ara o exercício profissional competente. '
A violência doméstica contra a mulher não é reccnte.
Trata-se de um fenômeno antigo, presente em todas as classes
sociais e em todas as sociedades, das mais desenvolvidas às mais
vulneráveis economicamente, compreendendo um conjunto de
relações sociais que complexificam sua natureza.
Existe uma forte tendência, especialmente em nossa so
ciedade, de tr atá-l o como um fenômeno de m enor im portância
e restri to ao âmb ito das re laçõe s int erpess oais. Um famoso pro 
vérbio popular nos serve de exemplo: “Em' briga de marido e
mulher, não se mete a colher”.

309
Por esta razão, é importante enfatizar que a violência
doméstica contra a mulher é um fenômeno social grave, que
traz inúmeras conseqüências físicas e psicológicas para as víti
mas e também para as crianças e adolescentes que a presen-
ciam“ É-roti neir a-e-de- longa-dur ação,- freqúent emente_m uit o
tempo se passa até que a mulher denuncie. Desenvolve-se um
pro cesso que alguns autores qualificam de “escalada da violên-
cia”, onde se mesclam atos de violência emocional, física e se
\

xual.
No Brasil, so mente a partir da década de 70 foi possível
a publicização deste fenômeno. Os movimentos feministas, ar
ticul ados a outros m ovimentos soci ais, puderam de forma m ais
enfática denunciar as atrocidades cometidas nos lares de mi
lhares de mulheres.
Considera-se que a perspectiva de análise das relações
de gênero, associada a os demais campos de conhecimento, tro u

xe subsídios da
frentamento de violência
extrema relevância,
doméstica.para a compreensão e en-
Parte-se, assim, da premissa de que o lugar historica
mente ocupado pela mulher confere-lhe algumas possibilida
des, mas lhe impõe fortes limites de atuação contra seus
agressores diretos, assim como contra os agressores e abusadores
sexuais de crianças e adolescentes, sob sua responsabilidade.
A sociedade brasileira, herdeira de uma sistema patriar
ca], continua conferindo ao homem um lugar de privilégios,
seja como m arid o/c om pa nh eiro j seja como pai . Assi m, a a tri
buiç ão de funções em nossa sociedade, determ in ada pelas con
dições de inserção de classe, gênero e etnia, configura uma
inserção subordinada da mulher.
Os sujeitos sociais, portad ores de relati va a utono mia frente
aos processos soeializadores, incorporam e reproduzem, com
maior ou menor autonomia, as funções que lhes são atribuídas
socialmente.

310
Sobre as mulheres brasileiras recaem imensas responsa
bilidades: a de dona-de-casa, de trabalh adora, amante, com pa
nheira e mãe. Exige-se, para todas as funções, esmero, dedicação
e competência. E ntretanto, a expect ati va do bom desempenho,
quase que exclusivo, destas funções pelas mulheres constitui-se
em uma atribuição social, nem sempre visível ou explicitada,
que se modifica de acordo com os embates travados no interi
or da sociedade, imprimindo-lhe um movimento constante em
direção da manutenção da ordem vigente e/ou de transforma
ções sociais.
N a m edid a em que a inserção social mais ampla da
mulher se dá de forma subordinada, sua inserção na família
não poderia fugir a este modelo. Embora a mãe figure como a
"rainha do lar”, a magnitude de seu reinado tem, por limite, o
poder exercido pelo hom em (m arido e pai).
Da perspectiva aqui adotada, sobre o conceito de gêne
ro, concorda-se com Saífioti, quando afirma que:
Este conceito (gênero) não se resume a uma categoria de
análise, não obstante apresentar muita utilidade enquanto
tal. Gênero também diz respeito a uma categoria históri
ca, cuja investigação tem demandado muito investimento.
(...) havendo um campo (...) de acordo.: o gênero é a cons
trução social do masculino e do feminino. O conceito dc
gênero não explicita necessariamente, desigualdades entre'
homens e mulheres.
ral, é posta (...) Acultural,
pela tradição desigualdade
pelas longe de serdenatu
estruturas po
der, pelos agentes envolvidos na trama de relações sociais
(Saífioti, 1999: 83).
Ao enfatizar-se a dimensão relacional da categoria de
gênero, compreende-se que também os homens em seu proces
so de socialização para assumir sua condição masculina nas
sociedade s co ntem porâ neas sofr em enorm es prej uízos, po is tam
bém a eles é im posto um modelo do que devem sersocialmente.
Este artigo, contudo, analisa alguns aspectos das condições de
socialização feminina, aspectos relativos ao campo jurídico e

311
estratégias de enfrentamento do fenômeno, privilegiando o ponto
de análise das condições subordinadas da inserção da mulher,
posto que a violência doméstica, historicam en te, atinge majori-
tariamente: mulheres.

A soc iali zaç ão fem inina


Inúmeros são os casos ém que as mulheres vitimas de
violência doméstica relatafri a convivência por anos em rela
ções violen tas’ seja com ex-com panh eiros, ou nas famíl ias de
srcem.
Este aspecto merece ser problematizado, pois se difunde
a idéia, tal qual no que tange à infanda, de que as mulheres
devem tomar cuidados especiais com estranhos.. Se, por um

lado, diríamos
dos com que todos os
desconhecidos, sujeitos
este sociais
não tem sidodevem tomar
o maior cuida
problema
enfrentado pelas mulheres (ou crianças e adolescentes) quando
analisamos a violência doméstica.
Por esta razão, SaíBoti e Almeida (1995) enfatizam que
“emb ora na social ização feminina estejam sempre presentes as
suspeitas contra os desconhecidos” de fato os agresores são ge
ralmente parentes, especialmente cônjuges, que se aproveitam
da relação de confiança com as vítimas para perpetrarem a
violência.
Os profissionais da Casa Viva Maria, um abrigo para
mulheres vítimas de violência doméstica localizado em Porto
Alegre, identif icaram, den tre os pron tuários das mulheres aten 
didas, que em 69 deles (62,7%), “estava registrado que a vio
lênci a .é comp ortam ento usua l, freqüente e rotineiro n a vida
do casal” (Meneghel et al., 2000:751).
. Dive rsos depoimentos e o dado acim a co rrob oram estu
dos nacionais é internacionais que evidenciara^ através de dife

312
rentes índices, o quanto o lar tem sido um.local extremamente
perigoso para as mulheres. ■-,
Giffin, utilizando-se de índices de violência doméstica
çontra a mulher debatidos por Heise (1994), analisa dados de
diferentes sociedades, que permitem subsidiar esta perspectiva
cle análise. A autora nostraz para o debate:
Embora baseados cm definições variadas do fenômeno es
tudado, 35 estudos.de 24 países revelam que entre 20%
(Colômbia, dados de uma amostra nacional) e 75% (índia,
218 homens e mulheres num estudo local) das mulheres já
foram vítimas de violência física ou sexual dos parceiros.
Em estudos com amostras nacionais dos Estados Unidos e
Canadá, 28% e 25% das mulheres, respectivamente, re
portam que foram vítimas deste tipo de violência. Em ci
dades dos Estados Unidos, uma entre cada seis mulheres
grávidas já foi vítima da violência dos parceiros durante
gestação. De 10% a 14% de todas as mulheres norte-ame
ricanas declararam que os maridos as forçam a fazer sexo
contra a sua vontade (...) (apud.GifFin, 1994: 146).
No que tange à violência física no Brasil, os dados extra
ídos do suplemento da Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (PNAD) de 1988, intitulado Participação Político-
Social —Ju stiç a e Vitimização , ap on tam que: “Q ua se doi s ter
ços (65,8 por cento) das vítimas de violência fisica de parentes
são mulheres, sendo homens apenas 34,2 por cento” (apucl
Saííioti, 1997a: 48).
Qua nt o ao. estupro cm geral , baseando-se aind a em Heise,
Giffin destaca que a partir de dados obtidos de centros de aten
dimento a vítimas de estupro em sete países mostram que “ de
36% a 58% das vítimas de estupro ou tentativa de estupro têm
menos de 16 anos; 18% a 32% têm menos de 11 anos; e em
60% a 78% dos casos, o agressor é uma pessoa conhecida”.
No que se refere aos Estados Unidos, “de 27% a 62% das
mulheres sofrem pelo menos um evento de abuso sexual (não
necessariamente estupro) antes dos 18 anos”. Quanto ao Ca-

31 3
nadá “estima-se que 25% das meninas sofrem algum tipo de
abuso sexual antes dos 17 anos” (GifHn, 1994: 147).
N o Brasil, no que se refere à violência sexual, o relatório
da Comissão Parlamentar de Inquérito destinado a investigar
_a_violência contr a a m ulh er (CPI, 1992), co brindo crimes co-
metidos contra a mulher no período janeiro/91- agosto/92,
afirma existirem “dados comprovando que mais de 50% dos
casos de estupro ocorrem dentiro da própria família” (apud
Saffioti, 1997a: 169). \
O imp acto d a viol ência domést ica contra a mulher e su a
relação, com os dif erentes aspectos no cam po d a saúde vem,
progre ssivam ente, sendo objeto dé análise de pesquisas e publi
cações. A título de exemplificar ajgravidade do assunto, mere
ce destaque um dos índices comparativos analisados por
Deslandes et al.. Dizem os autores: “AI violência doméstica e o
estupro seriam a sexta causa de anos de v ida perdidos por m orte
ou inca pac idad e fis ica em mu lheres de 15 a 44 anos - mais d o
que todos os tipos de câncer, acidentes de trânsito e guerras”
. (D esl andes et ál., 2000: 130).
A perspectiva de análise das relações de gênero, ancora
da dentre outros aspectos nas estatísticas citadas, conduz dife
rentes autores a estabelecerem;conexões entre a violência
doméstica e a dominação masculina.
Autores ingleses, como Dobash and Dobash, propõem
que a violência entre maridos e iesposas, seja analisada como
extensão da dominação e do controle dos maridos sobre as
esposas (ap ud Pa hl, 198 5: 12), .
Os dados mundiais disponíveis suscitam a necessidade
de retomar-se a idéia de que a violência doméstica (seja contra
crianças e adolescentes ou contra a mulher) expressa um con
junto de “relações de violência”, que se desenvolvem a partir
de uma “escalada da violência”. Tal como observam Saflioti e
Almeida; .

314
As relações de violência são extremamente tensas e quase
invariavelmente caminham para o pòlo negativo: a violên
cia tende a descrever uma escalada, começando por agres
sões verbais, passando para as físicas e/ou sexuais e podendo
atingir a ameaça de morte e até mesmo o homicídio (Saffioti
________ e Almeida, 1995: 35)._______ _____
____

O cotidiano
na In glaterra de relações
, é também violentas
discuti do po rvividas
Pahl (1entre
985),cônjuges
realçando o
fato de não serem episódios isolados, mas parte freqüente da
relação do casal.
N esta direção, considera-se fecunda a idéia reto m ada por
Almeida, a pa rtir de autoras femini stas angl o-saxãs (Mackinnon,
1994-; Copelon, 1994), ao problematizar a violência doméstica,
como um processo de “terror doméstico”. Segundo a autora:
“passa a se configurar um quadro de terror doméstico, com
preendid o por um a série de pequenos assassinatos diários da.
mulher, formado por cenas de violência cotidianas” (Almeida,
1999:12).-
Estas relações, contudo, são permeadas por sentimentos
e comportamentos contraditórios. As relações de violência com
portam , ao mesmo tempo, momentos de violência, sedução,
afeto, presentes, arrependimentos, dentre outros. Ou, como
observa Almeida: “a mistura deste clima de afeto e arrependi
mento favorece a criação de uma situação propícia à tentativa
de resolução do conflito no interior da relação violenta”
(Almeida, 1999: 11).
O depoimento abaixo mostra-se exemplar para tal dis
cussão. De acordo com a Sra. Laura:1
Após a separação, ‘ele (o marido) a cercava tentando o
retorno’; ela diz que embora ele .tenha ‘mudado da água

1Os depoimentos foram extraídos de casos acompanhados pela ABRAPIA —


“Associação Brasi lei ra Multiprofi ssional de Proteção à Infânci a e A dolescên
cia” utili zados com o fonte para a realização da pesquisa de doutoramento.
Todos os nomes sâo fictícios.

315
para o vinho’, não confia mais nele, ‘nem penso em rea
tar’. ‘Nao consigo aceitar o que ele fez com nossa filha’,
(Ele havia perpetrado abuso sexual incestuoso) Ele a ame
açava muito, ‘mandava- bilhetes amorosos, presentes e fa
lava baixo’. (...) Comportamentos que se alternavam ‘com
muitas ameaças’
O comportamento, que alterna afeto e violências, nutre-
se, dentre outros fatores, dos sentirrumtos de ambivalência vivi
dos por estas mulheres. Apesar de referirem-se às inúmeras e
freqüentes violências que marcam suas relações, muitas delas
afirmam amar seus companheiros/agressores.
São exemplos desta ambivalência: “eu gostava e não
gostava dele, quando cie me tratava bem eu esquecia o que ele
fazia de mal pra mim”; “eu era apaixonada por ele, mas não
gostava dele na cama, pois as relações eram forçadas”; “eu
estava cega porque gostava dele”.
A perspectiva aqui adotada situa-se na compreensão de
que os processos sociais comportam e engendram, simultanea
mente* limites e possibilidades de transformação.
Neste sentido, compreender as histórias de violência destas
mulheres como decorrentes exclusivamente de sua inserção
subordinada, nó atual ordenamento das relações de gênero, se
por um lado as re tira da condição de culpadas, pode, por ou
tro, situá-las na posição de “vítimas das circunstâncias”. Julga-
se que esta postura é também preocupante, pois revela uma
visão de determinação da estrutura sobre os sujeitos, que aca

ba
des por não percebê-los
de enfrentamento como de
e ruptura capazes de construir possibilida
tal ordenamento.
A formulação de Heise (1994) nos parece adequada. Ao
analisar mulheres adultas, qut na infancia foram vítimas de
abusos (não só o sexual), considera qué elas: “[têm] menos
possibilidade de se proteger, [são] menos seguras do seu valor
e dos seus limites pessoais, e mais propensas a aceitar a
vitimÍ 2 ação como sendo parte da sua condição de mu lher” (apud
Giffin, 1994: 148).

316
Pa ra su bsidiar sua análise, Heise identi fica que “sess enta
e oito por cento das mulheres que foram vítimas de [abuso
sexual] incestuoso quando crianças relatam que posteriormen
te foram vítimas cle.estupro ou tentativa de estupro, em con
traste com 17% verificados cm um grupo de.controle (dados
dos Estados Unidos)” (apud Giffin, 1994: 148).
A convivência prolongada com relações de violência, a
legitimação social para sua perpetuação c a formação de uma
identidade de gênero.subordinada conformam um campo pro
pício para a internalização da banalização da violência sofrida,
direta e indiretamente. Identifica-se, neste campo, um dos es
paços desencadêad orcs da minim izaçao do seu pró prio sofri
mento ou do de sua prole.
A situação descrita a seguir parece nos oferecer estes
subsídios: A Sra. Letícia, separada há dois anos do Sr, Jorge

(pai relata
te), biológico
que,daquando
filha em comum,
estáva da “gostava
casada: qual abusou sexualmen
e não gostava
dele, quando ele me tratava bem eu esquecia o que ele fazia de
mal para mim”. “Ele sempre foi um ótimo pai durante o tempo
em qu e conv ivem os ju nto s5’ (grifo nosso).
A Sra. L etíci a ref ere- se ao Sr. Jo rge como um ótimo pai,
mesmo constando do processo as informações, por ela trazidas,
de que o Sr. Jorge perpetrava violência física contra os filhos
em sua presença (seu filho uma vez ficou com um olho roxo e
não foi à esco la po r 15 dias e em o utra ocasião, o pai deu um a
cotovelada no filho que lhe quebrou um dente), que ela já ti
nha “sofrido ameaça de morte” e que “não podia nem varrer
a varanda, pois ele era muito ciumento”. Por estas razões, ela
abandonou o companheiro, indo para outra cidade, deixando
seus filhos com uma irmã, “pois não agüentava mais”.
A just ifica tiva da d epend ência econôm ica para a pe rm a
nência na relação, evocada freqüentemente pela literatura e
presente no senso comum, mostra-se a nosso ver insuficiente e
falaciosa.

317
Pahl (1985:11), ao realizar entrevistas com 4-2 mulheres
inglesas vítimas de violência doméstica que haviam procurado
um abrigo, também identifica que, em alguns casos, eram elas
que .supriam materialmente a família. Em um dos depoimen-
tosr Suz-v-descreve- que-seu-marido- ficou-a proximadam ente dois
ou três anos sem trabalhar, não olhava 'as crianças, jogava a
cinza
de caféno, pa
chão
ra da casaa ee exigia
servir que bra
le. R elem ela fizesse xícaras
airídá que um edia,
xícaras
gr ávida
de seis meses, pediu a ele que esperasse para receber uma xíca
ra de chá e que disto resultou que batesse nela, sendo necessá
rio ser levada ao hospital por uma ambiilância.
O depoimento acima, tomado como exemplo, oferece
os subsídios necessários à posição de Duque-Anazola (1997).
Segundo a autora, devem servir de exemplo os depoimentos
dc mulheres que mesmo exercendo atividades remuneradas, e
sendo ao menos cm parte responsáveis pela renda familiar, “sub
metem-se à autoridade masculina, mesmo quando falta a esta
o argumento da provisão do sustento” (Duque-Anazola, 1997:
397).
Ao aceitarmos a imediaticidade dó argumento econômi
co como justificativa da manutenção da relação, trazido por
vezes pelas próprias mulheres envolvidas, desprezamos as pos
sibil idades de an alisar a. com plexid ade de seu s sentime ntos e
atitudes, bem como suas possibilidades je limites de enfrenta-
mento.
N esta direção percebe-se que ro tineiram ente, no trans
correr dos anos, um dos sentimentos mais dilapidados ao longo
da vida destas mulheres foi sua auto-estima.
A pesquisa realizada por Deslandcs no CRAMI/Campi-
nas destaca que “nos seus relatos, termos como trapos, caco e
lixo foram empregados para se autodesignarem nos momentos
dé crise pessoal e familiar” (Deslandes, 1993: 7.3).
A mulher passa, assim, a auto-representar-se como víti
ma. Encena, naquele momento, como observa Safíioti, o papel

318
de atriz. Escreve a autora:
No momento da queixa, a atriz desempenha um papel,
4 que- a vitimiza. Vitimizar-se significa perceber-se exclusi
vamente enquanto objeto da ação, no caso violência, do
outro. Isto não quer dizer que a mulher, enquanto sujeito,
seja~Dassiva-ou-nào-suieito-f...).__Os homens dispensam a
mulheres um tratamento
as representações de não-sujeitos
que as mulheres têm dee,simuitas
mesmasvezes,
cami
nham nesta direção (...) (Saffioti, 1997b: 70).
Esta “atuação” parece se desenvolver visando obter maior
solidariedade social e amparo jurídico para a sua denúncia.

Le gi ti m açã o so ci al e respal do jurí dico

A perspectiva
terlocução com outrosdecampos
análisedodasconhecimento,
relações de gênero, em in-
tem contri
buíd o para desv endar os diferentes mecanismos de legitimação
.social que respaldam e promovem a-violência doméstica con
tra a mulher, bem como contra crianças e adolescentes.
A longa trajetória histórica de,legitimação social da vio
lência doméstica con tra mulheres , face a um perí odo m enor
de repúdio a esta violência, é identificada por Pahl (1985) tam
bém na sociedade inglesa. Para a auto ra , a lei inglesa, que até
o século XIX permitia ao marido bater em sua mulher, reflete
o quanto as estruturas hierárquicas e patriarcais na família são
sustentadas pelas leis.
Considera-se o caso abaixo como ilustrativo do ainda
atual ord ena m ento das rel ações d e, gênero que, com portando
um processo de “permanências e mudanças”, reatualiza o va
lor da função de mãe, sobrepondo-o aos direitos da cidadã
mulher. .
Em Belo Horizonte, em 1980, houve o julgamento de
um marido pelo assassinato de sua ex-esposa alegando, como

319
O acusado (nas situações cle violência doméstica) é convo
cado para comparecer a um JECRIM - Juizado Especial
Criminal, onde poderá efetuar uma composição civil (re
paração de darios com o consentimento da vitima) ou uma
transação penal (caso seja frustrada a composição civil).
De um modo gerál a transação penal resulta em pagamen
to de muita, ou de uma ou mais cestas básicas a uma ins
tituição assistência!) conforme o delito e o poder aquisitivo
do acusado. Em nenhum dos dois- casos o agressor perde a
primarièdadè.‘Ileso, ele recebe, indiretamente, a informa
ção de que o preço da violência é baixo. Não custa caro
espancar a mulher. A sociedade, por sua vez, recebe a
mensagem de que a violência pode ser negociada. Como
um bem danificado, ela è conversível em valor monetário
ou em espécie. Ao fim desse percurso, a vítima compreen
de, então de forma oblíqua e dolorosa, que não vale a pena
pedir ajuda (Musumeci, 2000: 2).

O ento dilema
um instrum inov ador,po como
de ser osassim
Juizadresumido: “comveonhevitar
os Especiais, a a que
contribuir para a banálização da violência doméstica, endos
sando, subrepticiamente a desqualificação das mulheres
agredidas?” (Musumeci, 200: 3).
>i; ímportante vitória foi obtida em 2002. A aprovação da
Lei 10.455/02, que modifica o parágrafo único da Lei 9.099/ .
95, prevê que o juiz possa determin ar o afastam ento do agressor'
do lar ou local de convivência com a vítima.
Sabemos, contudo, que as leis oferecem respaldo se fo
rem acionadas para a intervenção qualificada dc profissionais,
como forma efetiva de oferecer suporte e desenvolverem
institucionalmente estratégias que enfrentem o fenômeno.

Estr atégias de én írentam ento: l im ites e po ssibil ida d e s


Ao desconsiderar a complexidade do fenômeno , diferen
tes segmentos da sociedade têm, como expectativa/exigência,

32 2
a ruptura imediata da relação, seja diante da violência domés
tica co ntra a pró pria mulher, seja diant e do abuso sex ual inces
tuo so. O não-rompimento imediato da re laç ão tem atuado.como
um dos principais alicerces para que estas mulheres sèjam con
sideradas/denominadas de passivas ou cúmplices da(s)
relação(ões) de violência(s).
Saííioti e Almeida (1995), ao analisarem diversos proces
sos de denúncias realizadas por mulheres que sofreram violên
cia doméstica, identificaram a existência de uma postura de
enfrentamento das violências sofridas, e não de passividade.
Em um dos casos analisados pelas autoras, diante da “in
terrupção do fluxo do numerário para suprir as necessidades
alimentares da família”, Luísa inventou “uma nova forma de
enfrentar o marido na questão da falta absoluta de dinheiro”.
Diz Luísa: “Primeiro, eu deixei acabar tudo. Acabou tudo, não'
tinha mais nada. Ai, ele veio para corner, botei o prato, as''
travessas todas na mesa, vazias”. Gom base nos depoimentos
de Luísa, SafFiori e Almeida reafirmam sua perspectiva de que
"embora Luísa se submetesse ao p o d e r d is c ric io n a ria m e n te
exercido por seu marido, sua vontade não deixava de tentar-se
afirmar, vez por outra.”' (Saffiod e Almeida, 1995: 91).
Em uma outra entrevista concedida às autoras, Tânia
rememorou suas dificuldades em concluir a dissertação de
Mestrado, pois seu marido não a “ajudava, com as tarefas do
més ticas35. Po r esta r azã o, qu an do foi a vez de' ele re aliz ar sua
dissertação, ela também não o ajudou, ficando “o dia inteiro
em casa, de perna para cima, lendo Agatha Christie” (Safíioti
e Almeida, 1998: 134).
Neste sentido, Saffioti e Alm eid a afirm am que “esta
mulher não combaria a gramática sexual hegemônica apenas
do ponto de vista da oratória. Instituía práticas feministas em
sua relação amorosa, atualizando uma nova gramática de gê
nero ”. (Saffiod e Alm eid a, 1‘995: 134).

323
A discussão sobre as possibilidades e limites que têm as
mulheres para enfrentarem e/ou romperem relações de vio
lência constitui-se em um campo prenhe de debates.
.HáfoêsípnjVcipàisitcndêiVtiãs-de^áááljsir-sòbrç^
len cia ^A ^pn jnp ira •asçenta'íe:na jpcrçcp çap .vdc íquç ;ps>hpj^ ens ;jaoientos ■;5jaq\aIgQ^çs/.e;'as:j[TLu-v

:p ór t^ ^i^ iy^ c.i ^è 'd i^ té -,d a8 !:,wõ Iên ci^ ^fr ida ^/^ ^‘^dcm;.cbnslnHrj::iriividual'c-colctí-
^varnérite
^içpj^té
jpásíde
Tupturà/d
^^ J’ . f
Identificam-se, na literatura, três principais tendências
de análise sobre a participação da mulher nas relações de vio
lência. A primeira assenta-se na percepção de que os homens
violentos são algozes e as mulheres, subordinadas pelas rela
ções de dominação de gênero, as vítimas. Esta perspectiva an
coro u-s e, principalm ente, na formulação de C hau í (1985) sobre
a violência. Escreve a autora:
Entenderemos por violência íuma realização determinada
das relações de força, tanto em termos de classes sociais
quanto em termos
meiro lugar, de relaç5,es
como conversão de interpessoais.
uma diferença(..-.)
e deEmumapri
assimetria numa' relação hierárquica de desigualdade com
fins de dominação. Isto é, a'.conversão dos diferentes em
desiguais e a desigualdade em relação entre superior e in
ferior. Em segundo lugar, como a ação de um ser humano
não como sujeito, mas como uma coisa. Esta se caracteri
za pela inércia, pela passividade e pelo silêncio, de modo
que, quando a atividade e a fala de outrem são impedidas
ou anuladas, há violência (Chauí, 1985: 35).
A perspect iva aci ma, e laborada em um mom ento de for -
. tes confrontos e de denúncia da opressão e violência masculi-
•;na, por um lado ofereceu inequívoca contribuição para
•romper-se com o,muro de conivências que cercava o segredo
da violência doméstica. Possibilitou ainda desnudar o processo
de transformação das diferenças em desigualdades e seu uso
para efeitos de dominação. Contu do,íacabou por favorecer um a
análi se “vit imista” em relação à mulher, c ontribuindo par a que

324
inú m era s m ulheres ■víti m as de violência dom ésti ca a
internalizassem.
Considera-se que esta concepção teve, como principal
base de suste ntação, o fato de terem sido as Dele gacia s
Especial izadas de Atend imen to a M ulhe r - DEA MS (assim
chamãdãs^íõ~Rio“de Janeiro)~o-primeiro_cspaco institucional
público de acolhim ento das denúncias de violência domcstica.
A denúncia da opressão e violência masculinas expressa
na violência doméstica, por exemplo, ao ser encaminhada à
instância jurídica, propiciou de fato a polarização entre culpa
dos e vítimas.
Uma segunda tendência do .debate é representada por
Gregori (1989; 1993). Na análise da autora, as mulheres não
são vistas como vítimas passivas na relação de violência. No
entanto, ao enfatizar tal compreensão, Gregori acaba por situ
ar em um mesmo pa tam ar de igualdade as violências perp etra
das pelos homens e as formas de reação encontradas pelas
mulheres, estabelecendo uma dimensão de cumplicidade entre
ambos.
Considerando os argumentos trazidos por Saffioti e
Almeida, ao se posicionarem contrariamente às duas concep
ções acima, julgamos a posição adotada pelas autoras como a
mais pertinente para a análise deste processo.
As autoras adotam, parcialmente, a formulação de Chauí,
mas refutam a idéia de que na relação de violência a mulher
possa ser considerada como não-sujeito, ou como “coisa”, como
quer Chauí. .
Nas palavras de Saffioti e Alm eida:
As vítimas, em bora possam sc sentir paralisadas pelo medo
e/ou tratadas como objetos inanimados, não deixam pelo
menos de esboçar reações‘de defesa. (...) A posição vitimista,
na qual a vítima figura como passiva, sem vontade e intei
ramente heterônoma, alé.m de não dar conta da realidade
histórica, revela um pensamento extraordinariamente au
toritário (Saffioti e Almeida, 1995: 35).

325
Saffioti, em um artigo posterior, reafirma sua postura.
Escreve a.autora:
- Mesmo quando permanecem na relação por décadas, as
mulheres reagem à violência, variando muito as estratégi
as. A compreensão desse fenômeno é importante, porquanto
há quem as considere não-sujeitos e, por via de conseqüên
cia, vítimas
são passivas.de(...) Mulheres
violência, em geral,
recebem e especialmente
tratamento quando
de não-sujei-
tos. Isto, todavia, é diferente de ser não-suieito (Saffioti.
1999: 85).'
No que tange à concepção pro posta por Gregori, que
implica em cumplicidade entre homens e mulheres, SaíHoti
contesta-a veementemente. Segundo a autora, afirmar que não
há objetos, apenas sujeitos, "não significa dizer que as mulhe
res sejam cúmplices de seus agressores (...) Para que pudessem
ser cúmplices, dar seu consentimento às agressões masculinas,
precisariam desfrutar de igual poder que os homens (...)” (Saffioti,
1999: 86).
Saffioti ao refletir sobre a possível cumplicidade da mu
lher na violência doméstica afirma que:
Esta discussão, entretanto, não autoriza ninguém a con
cluir pela cumplicidade da mulher com a violência de gê
nero. Dada a organização social de gênero, de acordo com
a qual o homem tem poder praticamente de vida ou morte
sobre a mulher (a impunidade de espancadores e homici

das
cabo,revela isto)nanomedida
é vítima, plano dem
cfado, a mulher,deaoparcelas
que desfruta fim e de
ao
poder muito menores para mudar a situação. (...) Para po
der ser cúmplice do homem, a mulher teria de se situar no
mesmo patamar que seu parceiro na estrutura dè poder
(Saffioti, 1997b: 71, grifo no srcinal).
Nesta direção considera-se que a distinção entre ceder e
•consentir oferece potencial heurístico de compreensão dos sen
timentos, limites e possibilidades das mulheres em situação de
violência doméstica.

326
Com base na análise da história do estupro, Vigarello
(1998) propõe que se discuta, nos dias atuais, sobre o consenti
mento dado ou não pela mulher no momento do estupro. Em
sua perspectiva, uo julgamento do estupro mobiliza a interro
gação sobre o possível consentimento da vítima, a análise de
suas decisões, de sua vontade c de sua autonomia”. Enfatiza
ain da que "os juize s ^clássicos só acreditam na q ueix a cle um a •
m u lh e r se todos os sina is fí sicos, os objetos que bra do s, os
ferimentos visíveis, os testemunhos concordantes confirmam suas
declarações” (Vigarello, 1998: 9).
A relevância desta discussão para o caso brasileiro pode
ser exemplificada através do depoimento de um policial, regis
trado em 1991 pelo Centro de Defesa dos Direitos da Mulher
de Minas Gerais, que foi incorporado ao relatório do Américas
Watch (1992: 56), Diz o policial:
Ninguém consegue abrir as pernas bem fechadas de uma
mulher, a não ser que ela seja ameaçada com uma arma
ou tema pela própria vida. A maioria dos casos acontece
porque a mulher deixa, porque ela quer. Depois se arre
p e n d e e vem dar uma cle vít im a, vem regi st rar queixa.

Muitas mulheres criam condições favoráveis ao crime.

Saffioti e Almeida, baseando-se em M áthieu (1985), an a


lisam a diferença existente entre consentir c ccder. Dizem as
autoras:
Efeti vam ente, há u m a dif erença quali tat iva e ntre o co n
sentimento e a cessão. O primeiro conceito está vinculado
à idéia de contrato e presume que ambas as partes se situ
em no mesmo patamar de poder. Oú seja, só podem con-
- senti r em algo o u estabelecer um con trat o p essoas
socialmente iguais. (...) A falocracia admite a imaturidade
da criança. O problema reside na mulher adulta. Esta é
considerad a cap az de dis cer nir entre o que l he convém eo
que lhe desagrada/prejudica. Mas a consideração c feita
apenas em termos de idade e em termos de igualdade for
mal entre homens e mulheres. Nunca se põe com clareza

327
a inferioridade-social da mulher frente ao homem. Assim,
' a m ulhe r adúlta é capaz de consentir. A ri gor, con tud o, o
con sentim ento lhe escapa, só l he restando a ces são. Ela
cede aos desejos do marido, mas não consente na relação
sexual, pois ,' nest e ca so, o co nsen tim ento só po de est ar
_____ _______ alicerçadono desejo (Saffioti e Almeida, 1995: 31).

Co.nsidera-se que o centro desta polêmica reside no fato


de a violência doméstica ter como uma de suas características
constituir-sc em um fenômeno, na maioria das vezes, de longa
duração, demandando assim a necessidade de problematizar
ace rca das respon sabilidades qu e têm ;cada u m dos suj eitos
envolvidos.
Identifica-se que o amadurecimento da discussão tem
possibilita do a ruptu ra com a co ncepção de oposição bin ária
entre algozes e vítimas passivas, realçando que o atual ordena
mento das relações de gênero comporta e engendra, simulta
neamente, os limites e possibilidades de' sua transformação.
Nesta lin ha de argu men tação, Roch a-Couíinho descortina
diferentes estratégias utilizadas pelas mulheres brasileiras sem,
contudo, deixar de enfatizar, que tais.estratégias estão circuns
critas a relações de poder desiguais, nas quais o homem tem
tido primazia. Observa a autora: “de seu lugar de subordina
ção na sociedade, [as mulheres] sempre articularam formas de
subsistir e resistir ao poder reconhecido, dos homens na socie
dade” (Rocha-Coutinho, 1994-: 19). Ou ainda: “(...) embora
tenha sido negado às mulheres acesso legítimo a muitas ativi
dades e recursos importantes, elas sem dúvida também fazem
uso de certas formas estruturadas para;controlar eventos que
as -afe tam e que afetam as pessoas pró xim as a elas” (Rocha-
Coutinho, 1994: 22).
N o sentido de ilustrar as co ntrad ições e limites expressos
nessas estratégias, concorda-se com os comentários de Rocha-
Có utinh o sobre, por exemplo, a m u lh er “mostrar- se indef esa”.
Observa a autora: “a fim de levar o outro, mais especificamen-

328
te o marido c os filhós, a um comportamento desejado, a mu
lher, neste caso, usa uma característica intimamente associada
a ela —ser frágil, indefesa e incapaz —(...) para obter o que '
almeja (como em, “Não consigo fazer isto, faz.para mim, faz”.
Á autora, contudo, destaca o quanto o uso desta estratégia ge-
'ra'lmente“situa-seu-usuári 0 -ern -um a-posiç ão _de _mais_baixo_po^_

der e auto-estima.a Isto


“freqüentemente porque,
mulher ao usara, esta
está dando formaaodeoutro
entender controle,
que
ela não pode fazer uso de outra estratégia porque ela, de fato,
admite ser fraca, indefesa ou não saber nada” (Rocha-Coutinho,
1994: 146).
Re alçan do as tensõe s que ta is estrat égias/com portam entos
engendram, Rocha-Coutinho afirma que a situação é delicada
pois a m ulh er, ao agir de acordo com o com portam ento que
tradicio nalm ente se espera del a, é julg ad a fraca, incom petente,
ineficaz. Ao mesmo tempo se ela, não age da forma esperada
“está sujeita a ser criticada por agir como um homem” (Ro~
cha-Coutinho, 1994: 150).
As afirmações, com as quais concordamos, de que a
mulher não é vitima passiva e de que dispõe de parcelas de
poder, têm conduzido diferentes segmentos sociais a im puta
rem unicamente à mulher a responsabilidade de superação das
relações de violênci a. Estas rel açõe s passam a ser tratad as com o
relações conflituosas, localizando na mulher a capacidade de,
através do manejo do conflito, transformar seus maridos vio
lentos em companheiros ideais.
De pronto, recusam-se as idéias de que homens perpe
tradores de violência não têm “jeito” e de que para eles cabe a
“pena máxima”. No entanto, ao mesmo tempo, julga-se exces
sivo alocar na mulher, vítima, deste homem violento, a res
ponsabilid ade por sua transform ação:
Esta perspectiva foi recentemente defendida pela autora
inglesa Arabella Melville (1998) em seu livro intitulado Difficult
men: strategies fo r women who choose not to leave. O título em si já

329
oferece subsídios para depreender-se sobre que bases sê consti
tuirão as propostas da autora, ela própria vitima de violência
doméstica. >■
Em noss a perspect iva, quali fica r um h om em p erp etra do r
de violência como um homem difícil, revela um modo de
relativizar as violências por ele cometidas, contribuindo para a
banalização, do fenômeno.
A entrevista de Cláudia, concedida à revista Maria} M a 
ria (1999: 7) pode ser tomada como exemplar, para a discus
são:
Minha história é complicada e simples ao mesmo tempo,
pois eu fui tentando agüentar, por achar que isso era só
uma fase dele. É .um grande erro da mulher achar que vai
modificar um homem violento; quanto mais ela fica, mais
ela dá forças para a brutalidade dele. Eu me lembro dele
esmurrando a minha cabeça. (...) Eu estava totalmente sob
o controle
va em pânico.dele, Eu
eu não
não podia
fazia absolutamente nada,tinha
trabalhar direito, eu esta
que
voltar cedo para casa. (...) Ele fazendo o que fazia e eu
pedindo: por favor, tenha calma. (...),Ele quebrava as mi
nhas coisas, cortava minhas calcinhas, os meus vestidos.
Eu só consegui sair dessa reiaçao quando, de fato, não
agüentava mais, quando não conseguia me mexer mais,
quando não conseguia sarar de uma violência, porque sem
pre vinha outra. Eu acho que as mulheres ficam muito
tempo acreditando que a violência do companheiro é ape
nas uma fase ruim que vai passar.
Rocha-Coutinho, sinalizando para contradições ainda
presentes na form ação da identidade da mulher, enfatiza que
“a necessidade da mulher de agradar, de ser perfeita, de se
voltar ppxa os'outros, bem como sua delicadeza e docilidade
continuam presentes (...) no discurso social e, mais que isso,
parecem estar ainda atuando, mesmo que de form a contradi
tória, no interior de stas mulhere s” (Rocha -Co utinh o, 1994: 150).
Partilha-se pois do pressuposto de que as mulheres não
são vítimas passivas, e que também não se comportam passiva-

330
mente diante das violências sofridas. Considera-se, que mesmo
enfrentando condições ainda extremamente desfavoráveis, elas
podem construir,, individual e coletivam ente, estratégias de rup
tura, face às condições de dominação ora vigentes.
Neste sentido, merecem análise dois graves e específicos
limi tes, que interferem dra sticame nte nas poss ibilidades de ru p
tura da violência doméstica: o “perigo real de morte” e a au
sência de políticas públicas.
Diferentes autores e alguns índices estatísticos têm de
monstrado que o momento em que a mulher busca romper ã
relação de violência configura-se como um dos momentos de
m aior perigo pa ra a sua integridade física,' bem como pa ra sua
própria vida. ■
O assassinato da jornalista Sandra Gomide, em 2001,
na cidade de São Paulo, ocorrido no momento de ruptura da'
relação,
bate. oferece indícios sobre a atualidade e urgência do de
Também na sociedade inglesa este “perigo real de mor
te” é assinalado por Hague e Maios (1999).. Segundo estes au
tores, sã o inúm eras as evidênci as dem onstrand o que o m om ento
mais perigoso para mulheres vítimas da violência doméstica é,
ju sta m ente, o m omento da ruptu ra. Ressaltam que, tal como
foi documentado por um dos abrigos ingleses, em vários casos
mulheres foram mortas, na frente de seus filhos, dentro ou próxi
mo aos abrigos.
Neste sentido, impõe-se como urgente ao debate nacio
nal a construção de propostas que enfrentem o “perigo real de
morte”, presente no momento de ruptura da relação. Conside
ra-se que a construção de estatísticas, com a abrangência naci
onal de homicídios, discriminadas por sexo e relacionadas ao
grau de parentesco, pode oferec er um dos subsídios fund am en
tais para a estruturação de políticas públicas de enfrentamentò
do fenômeno.

331
Esta dimensão da violência doméstica possibilita a dis
cussão de outro aspecto a ela diretamente associado: o senti
mento de posse do homem/marido que^ ao ser atingido pela
ruptura, busca a recomposição da relação, a qualquer custo.
:----------D_o rmindo_c orh o inim igo” , u m a;pro du ção no rte-ame-
ricana de. 1991, retrata o longo e incansável percurso do.ho
mem/marido em busca de sua mulher, que, para escapar à
violência doméstica, havia forjado a própria morte, mudado
de cidade e assumido uma nova identidade. Embora se trate
de uma ficção, o filme retrata inúmeros' aspectos da trajetória
de mulheres e homens reais.
Este comportamento dos homens/maridos é também
perc ebid o po r H ague e M aios (1999), na sociedade inglesa. De
acordo com estes autores, os perpetradores de violência do
méstica não medem esforços na procura de suas parceiras.
Realçam ainda a possibilidade de graves conseqüências, quan
do elesNesta
as encontram.
direção, vále a pena le m brar o assassinato de Eliane
de Garmmont. Eliané, no fmal do ano de 1979, concedeu uma
entrevista para a Revista Nova, na quàl relatou os inúmeros
episódios de violência que, ao longo dós treze anos de convi
vênci a, m arca ram seu relacionam ento | com L indom ar. Re la
tou, tam bém , como vinha b us can do ; reconstruir sua vid a,
vislumbrando a possibilidade de.gravar (na época um disco),
no ano seguinte. Na entrevista, ainda chegou a afirmar: “[Ele]
Tá percebendo que está me perdendo... é disso que cie está
com medo...novo papo, faz quatro dia;s, quero ver que bicho
dá: Tá bem mais amável...Eu acho qüe ele tá sendo sincero.
N ão te nho mais m edo dele. Dele me matar? Não. Hoje sou
m uito mais esperta do que antes...” Em 30 de abr il de 1980 ,
Lindomar Cabral, mais conhecido pelo nome artístico de
Lindomar Castilho, separado de Eliane há três meses, assassi
nou-a em um Bar-Café, com um revólver com balas para tiros

33 2
de precisão, comprado por ele fazia pouco tempo (Ardaillon e
Debert, 1987: 65-68).
O debate acima corrobora a análise de Saffioti quando
observa que, em se tratando do chamado espaço privado do
lar, estabelecem-se "um território físico e um território simbó
lico, nos quais~õ~ homem ~detéirrpr aticani ente-domímo-t:otal—
(Saffioti, 1997b: 46).
O sentimento de propriedade, a impunidade e a ausên
cia de políticas públicas atuam, dentre outros, como alicerces
de manutenção desta violência.
N o que se refere às condições concretas de apoio às
m ulheres/m ães bras ileir as que buscam auxílio pa ra rom perem
com o ciclo de violência, uma pergunta pode ser feita: a quem
recorrer?
De fato, a violência doméstica, seja; contra a mulher, seja
contra crianças e adolescentesj ainda não atingiu um “ status '’
capaz de desencadear a estruturação de políticas públicas que
a enfrentem. Isto se deve não só às particularidades que mar
cam o fenômeno, mas também à forma como o Estado brasi
leiro vem enfrentando toda a problemática social. Percebe-se,
de forma mais contundente, os reflexos da política econômica
implementada especialmente nos últimos oito anos. O desman
telamento de direitos socialmente adquiridos, a dilapidação do
patrim ônio público e a progressiva retirada, por parte do Esta
do, do finan ciam ento d e prog ram as públi cos, -exempl ificam este
processo.
No que se refere especificam ente à violência doméstica,
ressalta Saífioti (1,999: 90), “atualmente, há menos de uma
dezena de abrigos para vítimas de violência em todo o país, o
que é, no mínimo, ridículo”.
Em nossa perspectiva, corroborando a análise desenvol
vida por Almeida (1998), a ausência do, Estado na formulação
e im plem entação de polí tic as pública s ;pa ra o enfrentam ento
de fenômenos sociais, dentre eles a violência doméstica, consti

333
tui-se na escolha de uma modalidade de gestão, pois “as estra
tégias de intervenção implementadas neste âmbito favorecerão
a (ou destruirão a possibilidade) construção de espaços especí
ficos de sociabilidades e de subjetividades” (Almeida, 1998: 7).
A impunidade para os crimes cometidos contra mulhe
res revela uma outra dimensão da forma de gestão do Estado
sobre o(1992:
Watch fenômeno. Dados contidos
60) oferecem no ao
subsídios relatório
debate do Americas
“(...) .
dós mais
de 2.000 crimes de violência contra'a mulher, incluindo o estu
pro, registrados na delegacia do Rio de Janeir o em 1990, ne
nhum resultou na punição do acusado”. E ainda “Mais de 70%
de todos os casos registrados de violência contra mulheres no
Brasil acontecem dentro de casa. Desses casos, um número
estatisticamente insignificante resulta na punição do acusado”.
Na perspectiva de SafFioti c Almeida, a im punidade pode
scr assim analisada “(...) a organização social de gênero torna a
sociedade extremamente complacente no julgamento moral dos
crimes cometidos por homens contra mulheres” (Saffioti e
Almeida, 1995: 100).
As dificuldades concretas, enfrentadas pelas mulheres ao
buscarem, aju da para romperem a relação de violência são tam 
bém percebidas nas relações de consangüinidade tornando, para
elas, extremamente dificultoso conseguir algum tipo de ajuda
na própria família.
O depoimento
ria, de Porto de uma das
Alegre, reafirma mulheresdificuldades
as imensas cla Casa Viva Ma
enfrenta
das nesta busca de ajuda. Di 2 ela:
Toda vez-que eu procurava ajuda todo mundo me virava
as costas. Por isso que eu deixei chegar ao ponto que che
gou, que ele fizesse o que ele fez comigo. O mundo tinha
acabado, eu não ia viver mais, minha vida não tinha mais
valor, eu não tinha mais força. Eu não sabia se valia a
.., pena continuar ou me matar. Eu não consegui me encon
trar ainda, mas tenho um objetivo: voltar para minha casa,
criar minha filha (Meneghel et al., 2000: 752).

334
Este processo é também identificado por Pahl (1985), na
sociedade inglesa. A autora chama atenção para o fato de que
as mulheres buscam, em um primeiro momento, apoió na fa
mília (especialmente mães e irmãs) e em relações próximas e só
quando esta ajuda informal se mostra inadequada é que os
serviços de apoio são procurados.
N este sentido, a discussão sobre o cm poderam ento
(“ empowerment”) parece constituir-se em um caminho também
fecundo pa ra subsidiar a f ormulação de propostas polít ico-pr o-
fissionais, deslocando do campo individual a exclusividade cla
construção de estratégias de enfrentamento e ruptura das rela
ções de violência.
Arilha ressalta que, embora não se tenha acerca deste
conceito uma compreensão uniforme, ele tem hoje como prin
cipais objetivos:
o desafio à dominação masculina e subordinação femini
na, a transformação das estruturas e instituições que refor
çam e perp etuam as discri m inações de gênero e a
desigualdades sociais, e possibilitar que as mulheres pobres
[não só] tenham acesso e controle a seus recursos materi
ais e de informações. É sempre motivado ou acelerado,
pelas press ões exte rnas que ocorrem atr avé s de m ovim en
tos de pessoas, gr upos, ou insti tuições que tentam p ro m o
ver mudanças de percepção e de consciência. No caso das
muiheres isto implica necessariamente adquirir consciên
cia de gênero (Arilha, 1995: 11),

Ao realçar as contradições que envolvem este processo,


a autora enfatiza ainda que:
o processo de empowerment não é linear, não acontece por
etapas, mas ' ao con trário, é um processo q ue se constrói de
forma espiral, resultante de uma interação crítica e cons-
. tant e das m ulheres .com sua s cond ições soc iai s, econ ôm i
cas, suas concepções religiosas, as condições legais e
estruturais de suas sociedades (Arilha, 1995: 11).

335
O investimento continuado, realizado através de servi
ços. cie apoio de qualidade, por exemplo, pode fortalecer nas
mulheres um sentimento que julgamos fundamental para
alicerçar o enfrentamento, com vistas à ruptura, das relações
de violência: a auto-estima. ______ 1______ _ _ _ _____
Este sentimento, se tratado como um processo que se

articula
ce comoaosumademais aspectos relacionados
“aquisição'lenta, ao fenômeno,
paciente, disciplinada apare
e cotidi
ana. Uma construção deliberada e trabalhosa” (Meneghel et
al., 200 0: 752). ' ■
A importância da reconstrução deste sentimento nos é
trazida pelo depoimento de uma das mulheres abrigadas na
Casa Viva M.aria, em Porto Alegre:
A a uto-estima com eça com um ^ em prego. Da í tu t e ani
ma... Faz a gente enxergar outras coisas, novos valores,
uma potencialidade muito grande. A gente vai descobrin
d o e. co loc an d o em prática. Esse lexercí cio é diário. D e iní
ci o é difí cil , é m uito dif íc il . A gen te descob re u m a
potencialidade grande na gente (Meneghel et al., 2000: 752).

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339
Sob re os autor es

Eduardo-Ponte Brandão
Psicólogo, mestre em Psicologia pela PUC-Rio, psicólogo do
Po de r Ju dic iário /R J, professor d o curs o de pós-graduação lat o
sen su de Psic olog ia Ju rídic a d a Universi dade C ândido M en
des, psi canal ist a M em bro Convidado da Formação Freudiana,
autor de artigos publicados ná Revista Brasileira de Direito 'de F a
mília e na Revista de Psicanálise PulsionaL

Éri ka P ie da de da Si lva San tos


Psic óloga do Tr ibu na l de Justiça do Rio de Jan eiro, p ro 
fessora do curso de p ós-gra du ação lato sen su de Psi colo gia J u 
rídica da Universidade Cândido Mendes, mestre em Direito
da C idade pela U ER J, espe cialista em Psicologia Juríd ica pela
UE RJ e em Psic olog ia Ju ng uia na pel o IBMR , au tora de arti 
gos publicados na Revista CON-ciência Psi do CR P/05.

Es ther M ari a de M aga lhã es Arant es


Psicóloga, doutora em Educação pela Universidade de
Boston, professora da PUC-Rio e coordenadora do Programa

Cid adan
textos ia e Dire
na área itos H um
da infancia anos da UERJ.
e juventude, dentre A utora d e inúRostos
os quais meros de
crianças no Brasil ; Sobre arrastão e grupos deperfena\ Qual é o problema
da Assistência; Estatuto da Criança e do Adolescente: Doutrina da Prote
ção Integral é Direito Penal Juvenil?] Direitos Humanos e a atuação pro
fissiona l na avaliação psicológica. Organizou, junto com Maria
Euchares de Senna Motta, o livro A ciiança e seus direitos: Estatuto
da Ciiança e do Adolescente e Código de Menores em Debate.

340
H ebe Si gn ori n i G onçal ves
D ou tora em Psi cologia pela PU C-Rio. Vinculada ao N ú
cleo de Atenção à Criança Vítima de Violência do IPPMG/
ÜFRJ entre 1996 e 2003. Membro do Núcleo Interdisciplinar
~de~Pesquisa-e-lnte-reâmbio-para-a_Iníancia e Adolescência
Contemporâneas, do Instituto de Psicologia da UFRJ. Autora
de artigos e do livro Infância e violência no Brasil

Lí di a N atal ia D ob ri anskyj W eber


Psicóloga, especialista em Antropologia Filosófica pela
UFPR, mestre e doutora em psicologia experimental pela USP,
professora da grad uação e do M estrado em Psicologia da In
fância e da Adolescência da UFPR. Atualmente coordena o
Laboratório do Comportamento Humano e o Projeto Crian
ça: Desenvolvimento, Educação e Cidadania que realiza pes
quisas e trabalhos de intervenção comunitária nos temas
abandono, institucionalização e adoção, habilidades sociais e
desenvolvimento interpessoal, práticas e estilos parentais e gru
pos de ca pacitação para pais. M inistra diversos cursos sobre
desenvolvimento infantil e práticas educativas- familiares e é
membro da Comissão da Criança e do Adolescente da Ordem1
dos Advogados do Brasil seção Paraná. É autora de dezenas de
artigos científicos e dos livros Filhos da solidão: institucionalização,
abandono
Adoção adoção;características,
no eBrasil: Aspectos Psicológicos da Adoção
expectativas e Pais e Filhos por
e sentimentos.

M arl en e G ui ra do
Marlene Guirado é psicóloga, psicanalista, docente no
Instituto de Psicologia da USP e analista institucional; Autora
dos livros A criança e a F E B E M , Instituição e relações afetivas: o vín
culo com o abandonoe Psicologia Institucional, frutos das pesquisas
realizadas na dissertação de mestrado e na tese de doutorado.
Mais recentemente publicou Pskanálísa e armííw do discurso c A
, oncle mostra uma tensão
clinica psicanalílica na sombya do discurso
mais especif icamente voltada p ara a p rática clinica da Psican á
lise.

Rosana Morgado
Assistente Social, doutora cm Sociologia pela PUC/SP,
professora da Escola de Serviço Social da UFRJ e pesq uisado
ra do GEG EM ~ Gênero, Etni a t Ciasse: Estudos Muitidisci-
plinares. Atuando como do cente na Universidade desde 1985,
tem-se dedieado a análise de programas dirigidos a área da
infanda e juventude, desenvolvidos em instituições públicas e
em organizações não governamentais. A temática da violência
doméstica contra crianças e adolescentes, bem. como contra
mulheres ganhou, ao longo doa anos, centralíd&de nas propos
tas de investigação, sendo realiz ada co m o apo rte ás> relações
de gênero. "Famílias e Relações de Gênero’', in: Praia Vemwlka:
estudos de politica e tmna social,vol. 5. UF.RJ, Escola de Serviço
Social. Coordenação de Pós-Graduação. Rio de Janeiro, 2001.

Saio de Ca rval ho
Advogado. Mestre (ÜFSG) e Doutor (UFPR) em Direi
to. Mestrando em Filosofia (FUCRS). Professor do Mestrado
em Ciências Criminais da PUCRS e do Programa de Douto-
rado em 'Dercchos H um anos y Desarrollo ' da Universidad Pablo
Oiavi.de (Sevilha/ES).. Autor do livro Pma c Garantias',

lania Kolker
Psicanalista, médiea da Superintendência de Saúde da
Secre taria de. Estado de Adm inistração Pe nitenciária, o nde
coordena program a de desin te m ação progr essi va e reim erção
social dos pacientes internados p or med ida de segurança. M ern-

34 2
bro da equip e dín ic a do G ru po ‘Tortu ra .N unca M ais do Rio
de Ja ne iro , vice-p reside nte c io Conselho d a C om unidad e da
Co m arca do Rio de Jan eiro, organizadora do Manu al Saúde e
Direitos Humanos nas Prisões, c autora do artigo ‘‘Tortura nas
prisões e pro dução de subjetividade” , publicado no livro Clinica
t política: subjetividade e. violações dos direitos humanos, organizado
por Cristina Rauter, Eduard o Passos e Regina Bencvides.

343
CRONOGRAMA PSICOLOGI A - JUKIDICA/2720I 1
* * '
^j03 DEj AGOSTO ~ Apresentação da Ementa e do conteúdo programático de Psicologia
\ J X-Jurídica
Leitura Básica - LAGO, Vívian de Medeiros et al, Um breve histórico da Psicologia ~ JX
10 DE AGOSTO - Introdução ao campo da psicologia jurídica
Leitura básica: SHINE, Sidney. Avaliação Psicológica e Lei: Adoção, Vitimizaçâo,
Separação Conjugal, dano Psíquico e outros temas. SP: Casa do Psicólogo, 2005
(Prefácio e pg 1-34).
Leitura complementar;
P. Psicologia Jurídica no Processo Civil Brasileiro. São Paulo.Casa^ãoJ
i jS I L v k , D. M .
Psicójogo, 2006 (pg.30- 5I) /
17 DE AGOSTO - O Estatuto da Criança e do Adolescente : os seis artigos do Título 1
(premissas iniciais que compreendem o alcance e as prioridades desta lei).
A Vara da Infancia e Juventude (equipe interprofissional - juiz, promotor, escreventes e
serviços técnicos: art 150 e 151 do ECA relativo ás atribuições da equipe técnica e à
livre manifestação destes profissionais
Leitura básica: Estatuto da Criança e do Adolescente (Título í)
Leitura complementar:

SEQjUEÍRA, Vânia Conselheiro; MONTÍ, Manuela; BRACONNOT, Fernando


Marques Oliveira. Conselhos Tutelares e Psicologia: políticas públicas e promoção de
■saúdje. Psicol. EstueL Maringá. VI5. no, 14, Dez 2010.
24 IDE AGOSTO - Medidas protetivas contempladas no trabalho do psicólogo nas
Varas da Infância e Juventude - guarda, tutela, acolhimento.
Leitura básica: SHINE, Sidney. Avaliação Psicológica e Lei: Adoção, Vitimizaçâo,
Separação Conjugal, dano Psíquico e outros temas. SP: Casa do Psicólogo, 2005 (i 13 a
122).

Leitura complementar:
VECTORE, Célia; CARVALHO, Cíntia. Um olhar sobre o abngamento:..a.importançia v
dos víaculos cm contexto déabrigo. PsicoL Esc. Educ. Campinas, v!2, n2, Déz-20J3j|J^' -
26 DE OUTUBRO- A importância dos laudos psicológicos em consonância com os
parâmetros do CRP ‘
Leitura básica: SHINE, Sidney, Avaliação Psicológica e Lei: Adoção, Vitimizaçâo.
Separação Conjugal, dano Psíquico e outros temas. SP: Casa do Psicólogo, 2005 (pg
191 -245).
02 DE NOVEMBRO - FERIADO
09 DE NOVEMBRO- O Trabalho do psicólogo como perito nas Varas de Família -
regulamentação de guarda e de visita em casos de litígio conjugal A questão do litígio e
seus efeitos nos filhos do casal.
Leitura básic^BRAJSÍDÂO^EduardQ P. Psicologia Jurídica no Brasil. RJ: Ed Nau, 2005
(pg 51- 80). '
SHINE, Sidney. Avaliação Psicológica e Lei: Adoção, Vitimizaçâo, Separação
Conjugal, dano Psíquico e outros temas. SP: Casa do Psicólogo, 2005 (pg 19 49).
Leitura Complementar-
Referências Técnicas para Atuação do Psicólogo em Vara de família -■ CREPOP -
2009.
09 DE NOVEMBRO- O trabalho do psicólogo nas Varas Especiais cora os adolescentes
em conflito com a lei e as medidas sócio-educativas.
Leitura básica(BR Ã^DÃQ) Eduardo P. Psicologia Jurídica no Brasil. RJ: Ed Nau, 2005
{pág. 205 - 276). •
Referências técnicas para atuação do psicólogo no âmbito das medidas socioeducativas
em unidades de internação - CREPOP.
16 DE NOVEMBRO - A atuação dos psicólogos no sistema penal
Leitura básica(BRANDÃo) Eduardo P. Psicologia Jurídica no BrasiL RJ: Ed Nau,
2005 (pág. 157-202).
36 DE NOVEMBRO - As técnicas e intervenções da conciliação, da arbitragem e da
mediação como novos modos de respaldar casais em litígio e a guarda compartilhada.
Leitura básica^BRANDÃO^Eduardo P. Psicologia Jurídica no Brasil. RJ: Ed Nau, 2005
(pág. 80 - 97).
23 DE NOVEMBRO -Np2

30 DE NOVEMBRO - FERIADO

07 DE DEZE MB RO -PRO VA SUBSTI TUTÍVA

14 DE DEZEMBRO- EXAMES
31 Dt| AGOSTO - V-itimização de crianças e adolescentes - Maus-tratos perpetuados
por familiares ou conhecidos contra a integridade física, psicológica de crianças e
adolescentes,
) Leitura básica: SHINE, Sidney. Avaliação Psicológica e Lei: Adoção, Vitimização,
/■ I ■ , *
íSeparação Conjugal, dano Psíquico e outros temas. SP: Casa do Psicólogo, 2005 (pg 51
I- 69).
Eduardo P. Psicologia Jurídica no Brasil. RJ: Ed Nau, 2005 (pág. 277 -
(f 305/.
Serviço de Proteção a crianças e adolescentes vítimas de violência, abuso e suas
famí lias; referências para a atuação do psicólogo - CREPOP.
07 DE SETEMBRO - FERIADO
14 E>H SETEMBRO- Violência contra <t mulher ~ Atuação dos Psicólogos nas
Delegacias de Defesa da Mulher - Lei Maria da Pen ha ..
Leitura Básica: JONG, LinChaw; SADALA, Maria Lncia Araújo; TANAKA, Ana
Cristina D’Aridretta. Desistindo da denúncia ao agressor: relato de mulheres vítimas de
violêjaciadoméstica. Rev. Esc. Enfermagem USP. São Paulo, v 42, no. 4}Dez 2008.
MOREIRA, Myrella Maria Normando e PRÍETO, .Daniela. t;Da sexta vez não passa”:
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21 DE SETEMBRO - Adoção. Avaliação de pretendentes em âmbito nacional, preparo
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Leitura-básica:-SHINE, Sidney. Avaliação Psicológica e Lei: Adoção, Vitimização,
Sepíração Conjugal, dano Psíquico e outros temas. SP: Casa do Psicólogo, 2005 (pg 73
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NF1- 05 DE OUTUBRO

12 DE OUTUBRO -FERIADO
19 DE OUTUBRO- VISTA da NP1

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