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Exortação Apostólica Ite Ad Seminarium
Exortação Apostólica Ite Ad Seminarium
O meu testemunho vale o que vale, mas posso afirmar com toda a certeza que tenho
confiança na formação, na prudência e na piedade dos Padres do Seminário para nos
acompanharem e ajudarem a perceber se, de facto, Cristo nos chama ao sacerdócio.
Na verdade a vocação é uma conjugação de um apelo interior e exterior. É um apelo
interior pela graça de Deus que suscita em nós uma atracção forte, constante e bonita
pelo sacerdócio de Cristo, sobretudo através da Santa Missa, da Cruz carregada com
amor e pelo entusiasmo na vida apostólica (salvação das almas). É um apelo exterior
pelo facto de que o apelo interior deve ser confirmado pela Igreja, senão corremos o
risco de confundir a vontade de Deus com o subjectivismo das paixões passageiras.
A obediência ao Papa, está estritamente ligada à obediência a Jesus, pois foi o próprio
Deus que quis fundar a Sua Igreja sobre a pedra, sobre Pedro. Um dos pilares da FSSP é
precisamente esta romanidade, esta fidelidade a Deus que se manifesta na fidelidade à
sua Igreja, ao Vigário de Cristo na Terra. Em tudo aquilo que forem ordens legítimas de
um superior legítimo quero obedecer. Este carácter de obediência da FSSP à hierarquia
da Igreja é para mim uma das razões essenciais na escolha da FSSP. Pois não se pode
ser santo na desobediência. A unidade ao corpo místico de Cristo é a única maneira de
nos salvarmos. Tenho a convicção profunda de que sou eu que preciso da Igreja e não a
Igreja que precisa de mim.
A vida integral do seminário, da qual posso dar testemunho já que aqui vivo há já mais
de um ano. Eu pude testemunhar essa vida nas duas visitas que fiz a Wigratzbad antes
de entrar no Seminário, este foi mais um factor determinante da minha escolha. O
testemunho que posso dar é que a vida do seminário é integral: é lógica, é una e é
equilibrada. Posso testemunhar claros exemplos de virtude e graça. Tudo me parece
fazer sentido, a oração, o estudo e a vida de comunidade. Todos os horários, o uso da
batina e todas as outras características próprias da vida do seminário me pareceram:
sãs, tradicionais e sóbrias. Parece-me ser o sítio certo para adquirir progressivamente
uma maturidade humana, uma disciplina pessoal e uma grande união com Cristo.
Tenho a certeza que a centralidade dos anos de seminário em torno do Santo Sacrifício
da Missa é a maneira certa de me formar para ser padre. Tudo isto me parecem ser os
meios concretos, eficazes e eficientes para ser santo.
Tendo dito isto, devo dizer que não encontrei estas condições em mais sítio nenhum
que tenha tido a oportunidade de conhecer. Sobretudo em Portugal, minha Pátria
amada, e mesmo no mundo, atrevo-me a dizer: não conheço seminários que tenham
as características dos seminários da FSSP, quase não há bons seminários. Alguns
amigos meus estão no seminário de Lisboa. O testemunho que oiço de alguns, que até
já estão nos últimos anos de formação, são desoladores, vejo-os infelizes e
desgastados, vivem a dissimular o que são e acabam a ser o que dissimulam. O único
ânimo que têm é o de ser ordenados e enfim saírem do Seminário, como se o
Seminário fosse um tempo de prisão e não de santificação, sentem falta de vida de
piedade e sabem que a formação que recebem na Universidade não é boa. Não me
sentiria capaz de entrar num seminário nestas condições. Um seminarista que viva na
desobediência aos superiores sob a forma de dissimulação, fingindo ser o que não é ou
fazendo cedências escandalosas por respeitos humanos compromete a sua santidade e
formação. Não posso entregar a minha alma na mão de padres e professores nos quais
não confio e que sei à partida que não vão empregar os melhores meios ao seu dispor
para me formarem e santificarem.
O facto de a FSSP ser uma fraternidade sacerdotal tem um peso enorme na minha
escolha. Não consigo ser santo sozinho. Preciso que a Santa Madre Igreja me indique o
caminho, preciso de obedecer aos meus superiores e preciso de irmãos na fé que
lutem comigo, lada a lado, pelo Reino dos Céus. Na vida sacerdotal acaba por se viver
uma certa solidão, que é saudável na medida em que nos permite a união com Jesus
(Mt 6, 6). Viver essa solidão é viver na companhia de Cristo, no entanto, pela
experiência de vários padres que tenho vindo a conhecer, cheguei à conclusão de que
existe um outro tipo de solidão que está relacionada com o isolamento. Esse tipo de
solidão, que está relacionada com o isolamento, não é saudável para o padre, porque
tem a sua origem em várias questões complexas que se podem resumir no facto de não
haver unidade na verdade, unidade em Cristo, por não haver uma mesma fé não pode
haver irmãos na fé. Deus deu-nos a graça de termos irmãos na fé e na vocação
sacerdotal, com os quais podemos crescer como filhos amados de Deus. Cultivar as
virtudes é mais fácil com ajuda. É precisamente neste modelo de família eclesial que o
padre se deve inserir, porque em grupo a presença de Deus se torna mais forte e com
ela a santidade é possível (Mt 18, 19-20). O facto de a FSSP ser uma fraternidade
sacerdotal permite aos seus padres viverem em pequenas comunidades, numa vida de
ajuda mútua e correcção fraterna que só pode ser uma escada para o Céu.
A crise actual da Igreja tem a sua raiz na rebeldia, não só na desobediência dos nossos
primeiros pais, mas na rebeldia do modernismo. A desobediência à tradição da Igreja
levou aos erros do modernismo que têm causado grandes tribulações à barca de
Pedro. Ora se o problema está na desobediência a solução só poderá estar na
obediência. Eu tento sujeitar-me com diligência e alegria aos meus superiores,
entregando a minha alma nas suas mãos. Por terem uma fé católica autêntica sei que
me posso abandonar ao seu juízo. Quando se quebra o vínculo da obediência, aparece
a desordem. Se quero aprender a virtude da perfeita obediência, tenho de me dispor a
estudá-la na escola de Cristo, e começar pelo exercício da verdadeira humildade. Tem
sido no Seminário que tenho travado as maiores batalhas contra o pecada em toda a
minha vida.
Estou muito entusiasmado com o Seminário, mas este caminho do sacerdócio tem de
ser o caminho da cruz. Isto é um factor determinante porque este é o critério cristão
por excelência, a cruz. O facto de ter de aprender uma língua nova, sair do meu país,
deixar família, amigos e casa, largar os meus bens materiais e dispor-me a corrigir os
meus defeitos e acabar com os meus inúmeros vícios, perseverar na emenda dos meus
pecados e formar-me com exigência não é senão o responder ao apelo de Cristo que
me diz: “Vem e segue-me!” (Mc 10, 21) A união a Jesus faz-se na Cruz, ela é a condição
fundamental para a fecundidade apostólica do padre. É este o testemunho dos santos,
para os quais o sofrimento era a marca do amor de Deus por eles, pois o sofrimento na
união com Jesus é uma fonte de graça e mesmo de alegria. “Não há nada melhor do
que sofrer qualquer coisa pela glória de Deus e pela salvação das almas!” Pretendo
sofrer com Cristo crucificado para com Ele um dia viver na glória do Céu. Tudo isto é
impossível sem a graça de Deus, por isso, entrego-me nas mãos de Nossa Senhora de
Fátima (estátua que está na Igreja do Seminário) na certeza que a Mãe do Céu olha por
mim e me mantém no caminho da santidade.
Olhando para a minha vida com uma visão sobrenatural não consigo deixar de
perceber como Deus me foi conduzindo até à verdadeira fé, à tradição da Igreja. “A
quem muito foi dado, muito será exigido; e a quem muito foi confiado, muito será
pedido.” (Luc 12, 48). Nesta lógica não consigo deixar de responder à misericórdia de
Deus, ao seu amor por mim com algo menos do que tudo o que tenho e o pouco que
sou, ou seja, com a minha vida. A oblação total de mim a Deus pelo sacerdócio
parece-me ser a única maneira de responder ao amor de Deus. Somos tão poucos em
Portugal e no mundo a conhecer a tradição da Igreja, que não consigo deixar de pensar
que Deus me escolheu, não sinto orgulho por isto, mas responsabilidade e profunda
comoção filial. Na verdade até acho que é possível que Deus me tenha escolhido pela
minha miséria, porque se Deus fizer de mim um santo (algo que não deverá ser muito
difícil para quem é omnipotente, gosto de tratar Jesus por: Mestre do Impossível) será
claro que todo o mérito é do Senhor e não meu, pois mais hábil e digno de honra é o
artista quanto mais difícil de trabalhar é a matéria da sua obra, possa eu um dia dizer
com Nossa Senhora que o “Todo-poderoso fez em mim maravilhas.” (Lc 1, 49)
Como conclusão deste pequeno testemunho (não é assim tão pequeno) queria deixar
aqui uma citação da minha carta de pedido de admissão ao Seminário, para se rirem e
se sentirem provocados pelo apelo de Cristo ao sacerdócio e à conquista do Reino dos
Céus:
“Desde pequeno que cultivo um espírito bélico, terá a ver certamente com a educação
que recebi dos meus pais, cresci a querer ser um soldado vestido com armadura e de
espada na mão ou um cowboy a cavalgar com uma espingarda às costas. Quando
comecei a ler e a conhecer a vida dos santos ganhei a consciência clara de que a
santidade e especificamente o sacerdote santo é uma espécie de militar, que luta por
um reino que vale mais do que todos os outros. Desde então associo a natureza
sacrificial da vida sacerdotal e a virilidade do guerreiro disposto a dar a vida pela pátria.
Bem sei que esta ideia é um pouco infantil mas ainda hoje a tenho bem presente: é
precisamente a vida sacrificada para Deus aquilo que mais me atrai no sacerdócio. Ser
um soldado de Cristo, lutar pelo Reino dos Céus e marchar Sub Vexillum Christi (Sob o
estandarte de Cristo).”
30-10-2019