Professional Documents
Culture Documents
Artigo Colóquio Definitivo
Artigo Colóquio Definitivo
Resumo
Até 2018, a Bacia de Campos foi a principal produtora de petróleo e gás natural do país
e um importante vetor de crescimento para a economia fluminense nas últimas décadas.
Desde 2011, entretanto, a Bacia de Campos vem perdendo capacidade de produção,
enquanto que a Bacia de Santos, recém descoberta, iniciou sua rápida trajetória de
crescimento. Essa transição tem gerado rebatimentos territoriais importantes no litoral
fluminense, em que a região de influência da Bacia de Campos vem se deparando com a
fase declinante do ciclo do petróleo, enquanto uma nova região de influência da Bacia de
Santos emerge como novo eldorado. Tais rebatimentos, porém, têm apresentado
tendências diferentes entre os municípios dependentes dos royalties e os municípios que
de fato hospedam as estruturas da economia do petróleo. Nesse sentido, o artigo apresenta
um ensaio exploratório sobre esse processo, considerando em especial as implicações nos
processos de clusterização da economia do petróleo, que é o principal vetor da dinâmica
regional.
Palavras-chave: Bacia da Campos; Bacia de Santos; clusters do petróleo
Abstract
Until 2018, the Campos Basin was the leading producer of oil and natural gas in the
country and an important growth vector for the Fluminense economy in recent decades.
Since 2011, however, the Campos Basin has been losing production capacity, while the
recently discovered Santos Basin began its rapid growth trajectory. This transition has
generated important territorial repercussions on the Rio de Janeiro coast, in which the
Campos Basin's region of influence has been facing the declining phase of the oil cycle,
while a new region of influence of the Santos Basin emerges as a new Eldorado. Such
rebound, however, has presented different tendencies between the municipalities
dependent on royalties and the municipalities that actually host the structures of the oil
economy. In this sense, the article presents an exploratory essay on this process,
considering in particular the implications in the clustering processes of the oil economy,
which is the main vector of the regional dynamics.
Keywords: Campos Basin; Santos Basin; oil clusters
2
Résumé
Jusqu'en 2018, le bassin de Campos était le premier producteur de pétrole et de gaz naturel
du pays et un important vecteur de croissance pour l'économie de Fluminense au cours
des dernières décennies. Depuis 2011, cependant, le bassin de Campos perd de sa capacité
de production, tandis que le bassin de Santos, récemment découvert, a entamé sa
trajectoire de croissance rapide. Cette transition a généré d'importantes répercussions
territoriales sur la côte de Fluminense, où la région d'influence du bassin de Campos a
fait face à la phase de déclin du cycle pétrolier, tandis qu'une nouvelle région d'influence
du bassin de Santos émerge comme un nouvel Eldorado. Ce rebond a toutefois présenté
des tendances différentes entre les municipalités dépendant des redevances et celles qui
accueillent effectivement les structures de l'économie pétrolière. Dans ce sens, l'article
présente un essai exploratoire sur ce processus, en considérant en particulier les
implications dans les processus de regroupement de l'économie pétrolière, qui est le
principal vecteur de la dynamique régionale.
Mots clés: Bassin de Campos ; Bassin de Santos ; clusters pétroliers
Introdução
A Bacia de Campos foi nos últimos 40 anos o mais importante vetor de crescimento
econômico e transformações territoriais no Estado do Rio de Janeiro (ERJ). Sem a
produção de petróleo e gás natural na Bacia de Campos, é difícil imaginar qual teria sido
a evolução da economia fluminense nas últimas décadas, dados os problemas estruturais
que faziam definhar a economia metropolitana na década de 1980 e o profundo grau de
estagnação e esvaziamento que caracterizava a maior parte do interior fluminense ao
longo do século XX.
Nos últimos anos, porém, se iniciou e vem se acelerando uma mudança estrutural na
geografia da produção de petróleo e gás natural na plataforma continental. Após a
descoberta de hidrocarbonetos na camada pré-sal na Bacia de Santos, que se inicia ainda
defronte ao litoral fluminense a partir do esporão de Búzios, começou uma nova trajetória
de sucesso tecnológico que permitiu a produção a um custo relativamente baixo das
gigantescas reservas de petróleo leve. A nova província apresentou em poucos anos uma
produtividade com características exponenciais, de modo que em 2018 superou a
produção da Bacia de Campos, que desde 2011 iniciou uma trajetória de queda na
produção. É evidente que isso terá implicações territoriais no litoral fluminense, já que
uma nova “região petrolífera” começa a despontar ao redor do norte da região
1
Neste ensaio, ir-se-á referir a essa área como região de influência da Bacia de Campos, que se confunde
com os municípios da chamada Zona de Produção Principal, ou os municípios mais beneficiados pelo rateio
das rendas petrolíferas.
2
Sendo menos rigoroso, pode-se talvez incluir o município de Rio das Ostras que ao longo do tempo se
tornou uma extensão do cluster de petróleo e gás natural de Macaé. O leitor atento vai observar que se
ignorou aqui o impacto do Porto do Açu no município de São João da Barra. Isso deve-se a dois fatores: o
primeiro que o porto já é um caso emblemático da nova etapa que se iniciou no final dos anos de 2010; o
segundo é que ainda não está claro até que ponto o Porto do Açu vai realmente modificar a estrutura
econômica local ou se vai funcionar como mero enclave com pouca capacidade de alavancagem da
economia municipal.
3
Como se verá adiante, todos os municípios fluminenses receberam, em algum momento desde 1999,
alguma participação na renda petrolífera.
4
O ensaio está estruturado em três partes, além da introdução e das considerações finais.
A primeira parte é dedicada a um balanço resumido do impacto da produção de petróleo
e gás natural na Bacia de Campos na economia e no território fluminense, a partir de
algumas das principais publicações sobre o tema ao longo dos últimos 30 anos. A segunda
parte contém a análise da evolução da produção de petróleo nas bacias de Campos e
Santos e seus rebatimentos nas “regiões produtoras” no litoral fluminense. Por fim, na
terceira parte faz-se uma análise inicial das implicações desse processo de mudança no
cluster de petróleo e gás natural de Macaé, tendo como indicador de referência do
mercado de trabalho formal. Nas considerações finais são apresentadas algumas hipóteses
de trabalho para o aprofundamento das questões que apenas se esboçam neste ensaio.
Para se ter ideia do que representou o sucesso comercial da Bacia de Campos para o ERJ,
é necessário se levar em conta o teor das discussões sobre a economia fluminense no final
da década de 1980. Consideremos o que dizia Sulamis Dain (1990), no seminário para
5
tratar do “Rio de Todas as Crises”4, que a crise era longeva e profunda. Anos mais tarde,
fazendo um balanço dessa discussão, Natal (2005) diz que havia naquele momento uma
superposição de muitas crises, no caso, econômica, social, política (federativa) e, em
especial, de autoestima.
Além disso, o ERJ ainda não havia se recuperado de uma sequência de fraturas
institucionais derivadas da transferência da capital em 1960 seguida do esvaziamento da
maior parte das funções da capitalidade5, e de um atabalhoado processo de fusão imposta
pelo governo Geisel em 1974. Essas fraturas institucionais colocaram o ERJ em uma
complicada situação governativa e institucional, pois por quase 200 anos os cariocas e
fluminenses se acostumaram com as vantagens de estar geograficamente próximos ao
poder político central do país e, também, de estarem por 140 anos institucionalmente
separados6. Com isso, a crise econômica da década de 1980 foi enfrentada em um quadro
de imaturidade institucional somada a um processo estrutural de perda de participação
econômica e estranhamentos políticos e culturais dass identidades distintas entre o carioca
e o fluminense.
4
Que a bem da verdade, se tratava tão somente do município do Rio de Janeiro, sintomático de certa visão
ensimesmada que persiste em contaminar o pensamento de certa intelligentsia carioca.
5
Isso se acelerou a partir dos governos militares, que passaram a cada vez mais centralizar o poder político
em Brasília. Até então, havia um jargão para a caracterizar a situação: Brasília seria a Novacap, oficial; o
Rio de Janeiro (então Estado da Guanabara) seria a Belacap, capital de fato.
6
Em 1834 o Governo Provisório separou o atual município do Rio de Janeiro da então Província
Fluminense, por meio da criação do Município Neutro. Com a primeira constituição da República, o
Município Neutro foi transformado em Distrito Federal. Em 1960, perdendo a condição de capital, o Rio
de Janeiro virou o Estado da Guanabara, até que em 15 de março de 1975 foi oficialmente incorporado ao
Estado do Rio de Janeiro como capital.
6
pouco alvissareiro para a maior parte dos municípios do interior. Com exceção da área
industrializada do Médio Paraíba (Volta Redonda e Barra Mansa), dos municípios
serranos de Petrópolis e Nova Friburgo, e Campos dos Goytacazes no Norte Fluminense,
restava ao interior fluminense pequenas cidades estagnadas e sem perspectivas de
crescimento econômico, em grande parte órfãs de uma cafeicultura que colapsou no início
do século. A irrelevância do interior era tamanha, que foi quase totalmente ignorada pela
produção científica universitária concentrada no Rio de Janeiro até recentemente.7
De fato, na década seguinte, a economia fluminense foi beneficiada pela boa conjuntura
econômica verificada no país, em parte, em razão do chamado boom das comodities no
mercado internacional, que teve rebatimentos, naturalmente, nos preços internacionais do
petróleo. Verificava-se no ERJ uma conjuntura extremamente positiva alavancada pela
Bacia de Campos, tanto pela economia do petróleo que vinha revitalizando setores antes
deprimidos da indústria de transformação, como a naval e química, quanto pela injeção
de recursos da renda petrolífera nos orçamentos municipais e do próprio estado. O papel
do município do Rio de Janeiro como centro de gestão empresarial e financeira foi
também fortalecido pela instalação das sedes das principais operadoras na cidade. Para
celebrar o novo momento de prosperidade, que incluiria o aparo das arestas junto ao
governo federal, foi lançado no Rio de Janeiro o projeto de preparação da cidade para os
megaeventos esportivos, que logrou êxito com o Pan Americano em 2007, a Copa do
Mundo em 2014 e a Olimpíada em 2016.
7
Com algumas exceções, em especial Alberto Ribeiro Lamego e Lysia Bernardes, que apresentaram uma
consistente obra de investigação que considerava o território fluminense como um todo. Somente na década
de 1990 começou a ocorrer um interesse mais significativo em estudar o ERJ e o interior fluminense.
7
Na verdade, esse processo fortaleceu laços entre a capital e o interior. Oliveira (2003)
avaliou que estava então em curso uma nova regionalização do desenvolvimento no
território fluminense, que passava necessariamente pelo “caminho da roça”, no caso, no
novo ciclo de investimentos industriais no Médio Paraíba e, principalmente, no rápido
crescimento que então se verificava no Norte Fluminense. Um pouco antes, Fany
Davidovich (2001) apontava que estava se estruturando uma integração da capital com o
interior por meio de quatro eixos seguindo as principais rotas de saída da metrópole: o
eixo da BR 116 (Rodovia Presidente Dutra), integrando com o Médio Paraíba; o eixo da
BR 040, integrando com Petrópolis e o entorno de Três Rios; o eixo da BR 101 sul
(Rodovia Rio-Santos), integrando com Angra dos Reis; e o eixo da BR 101 norte,
integrando com a Baixada Litorânea (por meio das rodovias estaduais que costeiam o
litoral), Macaé e Campos dos Goytacazes. Mais recentemente, Lencioni (2015)
delimitava a maior parte desses eixos na parcela fluminense da megarregião São Paulo-
Rio de Janeiro8.
Se for se levar em conta a dinâmica do mercado de trabalho formal, que tem um impacto
direto na renda da população, é possível verificar as teses apresentadas por essas análises.
Na Figura 1, abaixo, está mapeada a síntese da evolução do emprego formal nos
municípios fluminenses durante a fase expansiva da economia fluminense9. Os
municípios em azul foram aqueles que no ínterim considerado cresceram mais do que a
média nacional. Pode-se verificar que a maior parte desses municípios se concentrou nos
dois eixos litorâneos, ao norte e ao sul, assim como nos municípios da faixa oeste e leste
da região metropolitana. Com isso, confirma-se, no indicador de emprego formal, a tese
apresentada por Davidovich (2001). Por outro lado, é possível verificar que os eixos da
BR 040 e da BR 116 não apresentaram o mesmo dinamismo10. No entanto, se for
8
Sandra Lencioni exclui o Norte Fluminense do seu mapa, mas não seria exagero levar esse recorte até
Campos e São João da Barra, passando por Macaé.
9
Segundo Dias (2021), no que tange ao mercado de trabalho formal, desde 1985 o ERJ apresentou o
seguinte padrão de evolução: durante as conjunturas de crise econômica nacional, o mercado de trabalho
formal fluminense figura entre os mais impactados, de modo que as taxas de suas perdas são superiores à
média das perdas nacionais. Por outro lado, durante as fases expansivas, o ERJ se posiciona entre os estados
de menor dinamismo relativo.
10
Considerando, por exemplo, que os municípios do Médio Paraíba, que recebeu importantes investimentos
no período, a expansão de seus estoques de emprego foi mais modesta que a média nacional. Algumas
hipóteses podem ser feitas a respeito disso, como o fato de que as novas plantas industriais são mais enxutas,
8
considerar uma outra variável, que são os principais estoques municipais de trabalho
formal, destacado pelo pontilhado, os quatro eixos estão presentes, absorvendo a maior
parte dos empregos gerados durante o período.
De qualquer maneira, se verifica que tanto numa faceta quanto na outra, o eixo interiorano
mais dinâmico e de maior importância numérica de produção de empregos formais entre
2000 e 2014 foi a da área de influência da Bacia de Campos, em especial em Macaé e
Campos dos Goytacazes, o primeiro e segundo maiores estoques de emprego formal do
interior fluminense no período.
ou mesmo que tais investimentos geraram encadeamentos econômicos modestos no território, funcionando
como enclaves.
9
Não é o caso aqui de se fazer um balanço sobre a literatura que emergiu dessas pesquisas,
mas é possível se identificar pelo menos cinco temas chave nos estudos sobre a produção
de petróleo na Bacia de Campos e a região confrontante: (1) a transição econômica de
uma decadente economia agroindustrial para uma economia petrodependente (PIQUET,
2003; SILVA e CARVALHO, 2004; CRUZ, 2003; CRESPO, 2003); (2) a questão do
rateio das rendas petrolíferas e os impactos nos orçamentos municipais (LEAL e SERRA,
2003; SERRA e PATRÃO, 2003; SERRA, 2004; SERRA, 2007); (3) os impactos
territoriais da economia do petróleo no espaço regional (MONIÉ, 2003; CARVALHO e
TOTTI, 2004; SILVA NETO, 2006; CARVALHO et al, 2006); (4) a formação e
desenvolvimento do cluster de petróleo e gás natural em Macaé (TERRA, 2003; FAURÉ,
2004; SILVA, 2004; SILVESTRE, 2006; DIAS, 2013); (5) os impactos da construção do
Porto do Açu na economia regional (PESSANHA et al, 2014; CRUZ e TERRA, 2020;
MONIÉ, 2021; RANGEL, 2021), nesse caso, já na transição para a nova etapa do ciclo
do petróleo, que será discutido adiante.
Tais estudos, representativos de uma fase que já se esgota, possuirão no futuro um enorme
valor histórico e analítico, pois a Bacia de Campos iniciou sua trajetória de redução na
produção de petróleo. Com efeito, será possível se verificar alguns alertas e previsões
sobre os riscos da era pós petróleo numa região que historicamente se caracterizou por
depender de ciclos econômicos baseados em um único produto. O petróleo da Bacia de
Campos provavelmente será comercial por alguns anos, porém certamente em condições
muito distantes dos vividos até 2014.
Para o ERJ o quadro seria ainda mais gravoso, pois a maturidade da Bacia de Campos
significaria a necessidade da preparação para o ciclo pós petróleo. Não se precisou chegar
a tanto. O início da produção da Bacia de Santos praticamente coincidiu com o auge na
produção na Bacia de Campos, o que na perspectiva da economia fluminense significa
que o petróleo continuará sendo, provavelmente, o principal vetor de crescimento11. O
mesmo, entretanto, não pode ser dito com relação às “regiões produtoras de petróleo” no
território fluminense, como se indicará à frente.
11
Parte da literatura do desenvolvimento vem apontando que o petróleo e gás natural podem ser, ao fim,
um problema para a economia fluminense em razão do fenômeno da “doença holandesa” ou “maldição dos
recursos naturais”, que é a supressão de setores industriais pelo setor extrativo. Há porém outras
interpretações que consideram que o petróleo e gás natural pode servir de indutor do processo de
industrialização. Um fato passível de ser verificado é que ao longo do boom da produção na Bacia de
Campos que o ERJ vem se tornando cada vez mais especializado nos setores da indústria extrativa de
petróleo e gás natural, conforme pode ser verificado nos índices de especialização do emprego. Por outro
lado, a indústria de transformação fluminense vem perdendo densidade, principalmente após a crise de
2014/2015 (DIAS, 2021). Nesse sentido, é importante sempre levar em conta a tese central de Sobral
(2013), que identificou na economia fluminense uma estrutura “oca”, resultado da falta de
complementariedade entre os setores das cadeias produtivas que atuam no estado.
12
Optou-se por demonstrar apenas a produção de petróleo e não incluir a de gás natural. Isso deveu-se a
dois motivos. O primeiro é para simplificar a exposição dos dados. A segunda é o fato de que o petróleo é
a commodity efetivamente utilizada no país, enquanto que o uso do gás natural se deu apenas
marginalmente. Durante a maior parte do período de produção na Bacia de Campos, o gás natural foi sendo
ou reinjetado nos poços ou simplesmente queimado. Somente recentemente começou-se a falar na formação
de uma economia do gás natural no país. Ainda assim, a maior parte do gás natural produzido ainda
descartado pela falta de estrutura produtiva suficientemente robusta para seu aproveitamento.
11
1988
1990
1992
1994
1996
1998
2000
2002
2004
2006
2008
2010
2012
2014
2016
2018
2020
2022
Bacia de Campos Bacia de Santos Outras Bacias Total
Fonte: ANP
Na Figura 3 está demonstrada a participação das bacias sedimentares no total da produção
brasileira de petróleo. A Bacia de Campos representou, por mais de uma década, mais de
80% da produção de petróleo do país, sendo que em 2009 a área correspondeu a quase
88% do total. A sincronia entre a queda da produtividade da Bacia de Campos e o aumento
exponencial da Bacia de Santos rapidamente reconfigurou esse quadro, de modo que em
2022 a Bacia de Santos representou 75% da produção brasileira, enquanto que a Bacia de
Campos abocanhou minguantes 22% de participação.
12
Participação relativa
100,0%
90,0%
80,0%
70,0%
60,0%
50,0%
40,0%
30,0%
20,0%
10,0%
0,0%
1984
2010
1980
1982
1986
1988
1990
1992
1994
1996
1998
2000
2002
2004
2006
2008
2012
2014
2016
2018
2020
2022
Bacia de Santos Bacia de Campos Outras Bacias
Fonte: ANP
A Figura 4 compõe duas descrições diferentes, o índice de evolução e a taxa percentual
de crescimento da produção na Bacia de Campos desde 1980. O índice de evolução pode-
se observar com maior sutileza a curva de produção de petróleo na fase expansiva até
2011 e sua curva de decrescimento posterior. Vê-se que a queda na produção até 2017 foi
bastante discreta, se acentuando desde então. Em 2018, a redução foi superior de 22% e
em 2020 outra queda acentuada ocorreu de 14% sob uma produção já bastante reduzida.
É pouco provável que a queda acentuada que vem ocorrendo desde 2018 se deva a fatores
da comercialidade ou técnicos dos poços da Bacia de Campos, mas se deva a mudanças
de estratégia das operadoras frente ao conjunto de crises que vem ocorrendo desde o
contrachoque de 2014 (AZEVEDO e SILVA NETO, 2021). A política de venda de ativos
da Petrobras atingiu em cheio a Bacia de Campos, que deixou de ser prioridade para a
estatal. Nos últimos anos, porém, novas operadoras de menor porte, especializadas em
recuperação de campos maduros têm adquirido ativos na área, o que pode melhorar a
produção no futuro.
13
6000 200%
5000
150%
4000
100%
3000
50%
2000
1000 0%
0 -50%
2020
1980
1982
1984
1986
1988
1990
1992
1994
1996
1998
2000
2002
2004
2006
2008
2010
2012
2014
2016
2018
2022
Fonte: ANP Índice: 1980 = 100
Como afirmado anteriormente, para o Brasil e mesmo para o ERJ, a transição entre a
Bacia de Campos e a Bacia de Santos aponta para uma extensão por mais algumas décadas
do ritmo expansivo da produção de petróleo e gás natural. Por outro lado, o mesmo não
pode ser dito a respeito das “regiões produtoras” no litoral fluminense. Ao contrário, ela
significa a mudança para uma etapa de redução dos efeitos positivos na região de
influência da Bacia de Campos e a formação de uma nova região impactada pela formação
de uma região de influência da Bacia de Santos. Esse processo pode ser verificado por
meio do mapeamento da distribuição da renda petrolífera, que apresenta um impacto
quase imediato da transição em curso.
Nos mapas abaixo, apresenta-se o retrato de dois momentos diferentes do rateio da renda
petrolífera entre os municípios fluminenses: em 2011, que foi o ano de maior produção
alcançada pela Bacia de Campos; em 2021, que é o último ano completo na base de dados
da ANP. Como recorte metodológico para balisar o mapeamento, utilizou-se uma
adaptação do princípio de Pareto13 para identificar o grupo de municípios que mais
receberam a renda petrolífera nos anos selecionados. No caso, em ambos os anos 12
municípios (13% dos 92 municípios fluminenses) concentraram 80% da renda petrolífera
paga pelas operadoras, o seja, uma taxa de concentração superior ao princípio de Pareto.
Além desse primeiro recorte, realizou-se um segundo, separando dentre os 12 principais
aqueles que concentram 60% do rateio, que nos dois anos selecionados se limitaram a 4
municípios (5% do total do ERJ). Desse modo, identificou-se 3 categorias de municípios:
13
O princípio de Pareto ou princípio da escassez do fator, também conhecida como regra 80/20, se refere a
hipótese que prevê que 80% dos efeitos devem-se a 20% das causas.
14
o primeiro grupo que concentra 60% da renda petrolífera, o segundo grupo que concentra
os 20% restantes para alcançar a regra de 80%, e o terceiro grupo dos demais municípios
que dividem os 20% restantes.
Em 2011 se observa que 8 dos 12 municípios que concentram 80% do rateio estão
localizados no litoral do Norte Fluminense e das Baixadas Litorâneas. Esses municípios
concentram 73% do total da renda petrolífera distribuída naquele ano, enquanto que os 4
restantes acumularam um pouco mais que 7%, todos no segundo grupo. Campos dos
Goytacazes, Macaé, Rio das Ostras e São João da Barra formaram o primeiro grupo,
concentrando cerca de 59% do total. Assim, verifica-se que no auge da produção da Bacia
de Campos, o litoral do Norte Fluminense e das Baixadas Litorâneas (na sua parte
setentrional) era efetivamente a principal área beneficiada pela renda do petróleo. Caso
se recue para alguns anos antes, essa concentração seria ainda maior, pois a presença de
Maricá, Niterói e Rio de Janeiro no segundo grupo no rateio de 2011 já é resultado da
produção na Bacia de Santos.
Em 2021, por sua vez, o quadro já é bastante diferente. Três dos municípios do primeiro
grupo estão localizados na região metropolitana (Maricá e Niterói) ou nas suas margens
(Saquarema), enquanto que no Norte Fluminense somente Macaé se manteve nesse
15
grupo, porém com uma participação bem menor (7% em 2021, enquanto que em 2011 foi
12%). Somente Maricá e Niterói concentraram 46% da renda petrolífera distribuída, que
se somada com o Rio de Janeiro, do segundo grupo, a participação se eleva para quase
51% do total. Os municípios da região de influência da Bacia de Campos que pertencem
ao primeiro e segundo grupo, por outro lado, viram reduzidas sua participação reduzida
a 21%. É um cenário que tende a se acentuar no futuro.
É, portanto, um cenário que irá se acentuar no futuro e dado o novo padrão espacial que
está redefinindo o fluxo da renda petrolífera, é possível se inferir que a nova etapa do
ciclo do petróleo no ERJ irá impulsionar uma nova atratividade econômica e populacional
para a região metropolitana, enquanto que o eixo norte tende a perder poder de atração
pela perda de capacidade financeira de seus municípios. Essa é uma hipótese que deverá
ser verificada nos próximos anos.
Não obstante, por mais importante que a economia dos royalties seja enquanto
rebatimento territorial, ela é apenas uma parte do fenômeno, e talvez não seja o mais
importante. Foi a economia do petróleo enclavada no cluster em Macaé, que impulsionou
os mais importantes impactos do ciclo do petróleo na região de influência da Bacia de
Campos, em um processo que antecedia o novo rateio da renda petrolífera para os
16
municípios. Nesse caso, esse processo de mudança que se apontou acima não está ainda
muito clara, apesar de alguns indícios apontarem para um processo análogo ao caminho
da renda petrolífera, mas que envolve questões mais complexas. Nesse caso, o busílis é
analisar a evolução do cluster do petróleo em Macaé e se as novas estruturas e
investimentos derivados da produção na Bacia de Santos criarão novos clusters na sua
região de influência.
O circuito espacial que apoiava a produção na Bacia de Campos era relativamente simples
de descrever: o parque fornecedor de serviços e produtos industriais era concentrado em
Macaé, enquanto que a gestão das principais empresas era compartilhada com o Rio de
Janeiro14. A partir do cluster se organizavam outras atividades no entorno regional. O
parque universitário de Campos dos Goytacazes, por exemplo, foi impulsionado pela
demanda de formação profissional de trabalhadores nas plataformas e no cluster, o que
gerou um movimento pendular de milhares de estudantes entre os dois municípios. Além
disso, ocorreu também o fenômeno da dinamização das economias locais a partir do
salário dos trabalhadores que optaram por morar nos municípios vizinhos de Macaé. Com
a inauguração do Porto do Açu, essa relação de complementariedade se tornou ainda mais
fortalecida, pois passou a compartilhar com o Porto de Imbetiba o suporte logístico às
plataformas offshore.
No final da década de 1970 a Petrobras instalou sua base de apoio operacional em razão
da maior proximidade em relação do Rio de Janeiro e da disponibilidade de um pequeno
porto que poderia ser aproveitado pela estatal. A repentina chegada ao município de uma
população de engenheiros e técnicos especializados foi um choque para uma população
acostumada com a vida pacata de um balneário economicamente estagnado há décadas.
A partir daí o processo de urbanização foi intenso. O município que em 1980 possuía
pouco mais de 59 mil habitantes alcançou em 1991 mais de 91 mil habitantes15. A
14
Para evitar confusões aqui. O Rio de Janeiro sempre exerceu o papel principal como centro gestor da
economia do petróleo, onde ficam as sedes das operadoras, da ANP, do Instituto Brasileiro de Óleo e Gás
(IBP), da Organização Nacional da Indústria do Petróleo (ONIP), das parapetroleiras e do sistema de
inovação, principalmente o CENPES da Petrobrás. Ainda assim, parte da função de gestão é realizada
também em Macaé, inclusive uma parte da inovação (ver Silvestre, 2006), por meio dos escritórios
descentralizados de várias dessas organizações.
15
Oficialmente, em 1980 o município Macaé possuía 75.863 habitantes. Porém, nesse ano Quissamã e
Carapebús também faziam parte do município. A população de 59.403 seria a equivalente ao território atual
de Macaé.
17
população de empresas também teve um salto, de modo que entre 1985 e 1991, o número
de estabelecimentos cresceu de 924 para 1401.
Apesar de ainda não ser possível responder a essas duas questões, alguns indícios
apontam para algumas hipóteses.
A crise setorial que se iniciou em 2014 tanto por razões da geopolítica internacional do
petróleo, quanto por razões políticas internas (ver AZEVEDO e SILVA NETO, 2021)
teve um impacto severo em todo o setor de petróleo e gás natural, que evidentemente teve
rebatimentos profundos em Macaé. Entre 2014 e 2017 o município perdeu 33.844
19
empregos formais, atrás apenas das perdas do Rio de Janeiro e correspondendo 26% do
total das perdas de todos os municípios do interior que tiveram saldo negativo no estoque
no período. Em 2018, entretanto, o município iniciou um tímido processo de recuperação
do estoque até 2020, que em razão da pandemia voltou a apresentar perdas, mas seguindo
um fenômeno que foi geral no país.
Mas o que interessa aos propósitos desse ensaio é saber se esse movimento foi apenas
conjuntural ou por trás disso há uma mudança estrutural na distribuição geográfica de
empregos das atividades da cadeia produtiva. Para isso, verificar-se-á a série histórica das
duas atividades mais importantes da cadeia produtiva mencionadas acima.
Estoque 2002-2020
18.000
16.000
14.000
12.000
10.000
8.000
6.000
4.000
2.000
-
Fonte: RAIS
20
Fonte: RAIS
Nas atividades de serviços de apoio houve também uma redução do QL, porém muito
mais discreta, já que o maior índice foi em 2002, quando atingiu 253 pontos, enquanto
que em 2020 o índice foi de 199 pontos. Houve inclusive um aumento do QL em relação
a 2014, quando o índice foi de 166 pontos. No tocante à participação relativa, o pico foi
em 2013, quando Macaé possuiu 55% do estoque total. Nessa variável, entretanto, a
variação vem se mantendo sempre em torno dos 50%. Com efeito, nessa atividade não há
evidências consistentes de desconcentração nos últimos anos.
21
2017
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016
2018
2019
2020
QL ATIVIDADES DE SERVIÇOS RELACIONADOS À EXPLORAÇÃO DE PETRÓLEO E GÁS
NATURAL
PR ATIVIDADE BRASIL
Fonte: RAIS
60,0%
50,0%
40,0%
30,0%
20,0%
10,0%
0,0%
Fonte: RAIS
22
50,0%
40,0%
30,0%
20,0%
10,0%
0,0%
Fonte: RAIS
Nota-se, portanto, que se na economia dos royalties a transição entre a Bacia de Campos
e a Bacia de Santos tem gerado rebatimentos quase instantâneos nas suas respectivas
regiões de influência, na economia do petróleo esse processo tem sido mais incerto e
difícil de prever. Considerando o caso do processo de clusterização, é possível afirmar,
com base nos dados do emprego formal, a existência de dois processos divergentes. Por
um lado, há evidências consistentes de que esteja ocorrendo uma desconcentração da
atividade indutora do setor, que é a atividade de extração de petróleo e gás, realizada pelas
operadoras. A partir dessa informação, o cenário que se abre para o futuro é que
consolidando esse processo, novos clusters podem se formar no Rio de Janeiro e mesmo
em Santos.
23
Por outro lado, as atividades de serviços de apoio à extração de petróleo e gás indicam
inclusive um reforço do cluster de Macaé, se considerarmos o crescimento recente de Rio
das Ostras e a importância que o Porto do Açu já tem como porto de apoio. Nesse caso,
não há evidência de desconcentração, o que indica que o cluster é também o principal
parque de serviços para o pré-sal na Bacia de Santos16.
Considerações finais
16
Essa é uma informação que pode ser corroborada por pessoas que trabalham nas empresas parapetroleiras.
24
Como esse artigo é apenas um ensaio exploratório, ir-se-á nestas considerações finais
apontar algumas questões e hipóteses de pesquisa para a melhor compreensão fenômeno,
considerados os limites de que se trata de um processo ainda em curso.
A principal questão que se coloca é que com o deslocamento das áreas mais produtivas
para o sul do estado, quais serão os rebatimentos territoriais que ocorrerão com a
consolidação da Bacia de Santos, que ainda está no começo de sua trajetória. Se com o
desenvolvimento da Bacia de Campos e a formação do cluster em Macaé criou-se um
poderoso vetor de reestruturação urbana e regional do eixo norte do ERJ, que
transformações ocorrerão com o declínio da produção na bacia e quais serão as novas
configurações que o circuito espacial do petróleo e os impactos na regionalização dos
fluxos econômicos?
Nossa hipótese é que, em razão da Bacia de Campos ainda se manter produtiva nos
próximos anos, com a entrada de novas operadoras especializadas na recuperação de
poços maduros, a emergência da economia do gás natural, e os custos logísticos da
transferência de infraestrutura e mão de obra, o cluster de Macaé somado ao Porto do Açu
manterá importante papel de fornecedor de serviços especializados tanto à Bacia de
Campos quanto à Bacia de Santos. Por outro lado, haverá uma gradual transferência de
funções operacionais para o Rio de Janeiro e, talvez, Santos, de modo que se criem
condições para o surgimento de clusters emergentes. Com efeito, a tendência é que a
logística de apoio à nova etapa do ciclo petrolífero se torne mais descentralizada e
integrada territorialmente.
Por outro lado, essas decisões não se dão isoladas das trajetórias políticas e institucionais
do setor de petróleo no Brasil e no mundo, que são os fatores externos a orientar as
decisões das empresas. No caso da Petrobras as influências políticas são ainda mais
decisivas na definição do planejamento estratégico da empresa e, consequentemente, seu
papel no desenvolvimento da indústria do petróleo e gás natural no país. Desde 2016, a
empresa vem adotando uma estratégia de redução de tamanho, focalização na exploração
e produção e de concessão de maiores retornos financeiros a seus acionistas. É uma
orientação que pode mudar a partir de 2023 com o provável início de um governo de
oposição ao atual grupamento político. Outras influências políticas fundamentais estão
no campo da regulação, em especial na exigência maior ou menor de conteúdo local nos
contratos de fornecimento da cadeia produtiva.
Referências
CRESPO, Nelson. E Campos dos Goytacazes perde a corrida do petróleo. In: PIQUET,
Rosélia. (Org.) Petróleo, royalties e região. Rio de Janeiro: Garamond, 2003, p. 239-256.
26
CRUZ, José Luis Vianna; TERRA, Denise. Petróleo e porto no norte do estado do Rio de
Janeiro, Brasil. EURE (Santiago), v. 46, n. 139, p. 189–208, 2020.
DAIN, Sulamis. Rio de todas as crises: crise econômica. Série estudos e pesquisas, no 80,
IUPERJ, dezembro 1990, p. 1-8.
DIAS, Robson Santos. Expansão e crise no mercado de trabalho formal fluminense entre
1985 e 2019. Cadernos do Desenvolvimento Fluminense, n. 19, p. 92–126, 30 jun. 2021.
LEAL, José Agostinho; SERRA, Rodrigo Valente. Uma investigação sobre os critérios
de repartição dos royalties petrolífero. In: PIQUET, Rosélia. (Org.). Petróleo, royalties e
região. Rio de Janeiro: Garamond Universitária, 2003, p. 163–184.
PESSANHA, Roberto Moraes; FILHO, Hélio Gomes; JÚNIOR, Luiz Pinedo Quinto; et
al. A Gênese do Complexo Logístico Industrial Porto do Açu: oportunidades e desafios
para o desenvolvimento da Região Norte Fluminense. v. 10, n. 2, p. 29, .
PESSÔA, João Monteiro. Ascensão e queda da Bacia de Campos: uma análise histórica
dos fatores determinantes. Dissertação de mestrado em planejamento regional e gestão de
cidades, Campos dos Goytacazes: Universidade Cândido Mendes, 2017.
PIQUET, Rosélia. Da cana ao petróleo: uma região em mudança. In: PIQUET, Rosélia.
(Org.). Petróleo, royalties e região. Rio de Janeiro: Garamond Universitária, 2003, p. 219-
238.
SANTOS, Angela Moulin Penalva. Economia, espaço e sociedade no Rio de Janeiro. Rio
de Janeiro: FGV Editora, 2003.
SERRA, Rodrigo Valente. Sobre o advento dos municípios “novos ricos” nas regiões
petrolíferas nacionais. In: PESSANHA, Roberto Moraes; SILVA NETO, Romeu (Orgs.).
Economia e desenvolvimento no Norte Fluminense: da cana-de-açucar aos royalties do
petróleo. Campos dos Goytacazes: WTC Editora, 2004, p. 173–192.
28
SILVA, Robson Dias. Rio de Janeiro: crescimento, transformações e sua importância para
a economia nacional. Campinas, dissertação de mestrado em desenvolvimento
econômico, Instituto de Economia da UNICAMP, 2004.
SOBRAL, Bruno Leonardo Barth. Metrópole do Rio e projeto nacional: uma estratégia
de desenvolvimento a partir de complexos e centralidades no território. Rio de Janeiro,
RJ: Garamond, 2013.