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07 AUG 2022

Técnica
Processual e
Tutela dos
Direitos - Ed.
2019
REVISTA DOS TRIBUNAIS

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O TEMA DA TUTELA DOS DIREITOS , p.RB-7.1


07 AUG 2022 PAGE RB-7.1

Técnica Processual e Tutela dos Direitos - Ed. 2019


PARTE I - DO PROCESSO CIVIL CLÁSSICO À NOÇÃO DE DIREITO À TUTELA
JURISDICIONAL EFETIVA
O TEMA DA TUTELA DOS DIREITOS

6. O TEMA DA TUTELA DOS DIREITOS

6.1. Tutela dos direitos e técnica processual

O procedimento, além de conferir oportunidade à adequada participação das partes e


possibilidade de controle da atuação do juiz, deve viabilizar a proteção do direito material.
Em outros termos, deve abrir ensejo à efetiva tutela dos direitos.

As normas de direito material que respondem ao dever de proteção do Estado aos direitos
fundamentais – normas que protegem o consumidor e o meio ambiente, por exemplo –
evidentemente prestam tutela – ou proteção – a esses direitos. É correto dizer, assim, que a
mais básica forma de tutela dos direitos é constituída pela própria norma de direito material.
A atividade administrativa – nessa mesma linha – também pode contribuir para a prestação
de tutela aos direitos. A tutela jurisdicional, portanto, deve ser compreendida somente como
uma modalidade de tutela dos direitos. Ou melhor, a tutela jurisdicional e as tutelas prestadas
pela norma de direito material e pela Administração constituem espécies do gênero tutela
dos direitos.

Entretanto, a tutela jurisdicional pode, ou não, prestar a tutela do direito. Há tutela do


direito quando a sentença e a decisão interlocutória reconhecem o direito material. Isso
significa que a tutela jurisdicional engloba a sentença de procedência (que presta a tutela do
direito) e a sentença de improcedência (que não presta a tutela do direito, embora constitua
resposta ao dever do Estado de prestar tutela jurisdicional). Daí já se percebe que a decisão
interlocutória e a sentença constituem apenas técnicas para a prestação da tutela do direito.1
Ou seja, resposta ou tutela jurisdicional há sempre, mas tutela do direito apenas existe no
caso em que o processo reconhece o direito, isto é, quando a sentença é de procedência.

As sentenças (condenatória, mandamental etc.) são técnicas que permitem a prestação da


tutela jurisdicional dos direitos. Mas, quando se pensa em termos de “tutela dos direitos”, é
preciso verificar se o processo está conferindo a sua devida e adequada tutela, e para tanto
não basta saber se foi proferida uma sentença condenatória ou mandamental, uma vez que
estas não refletem o resultado que o processo proporciona no plano do direito material. Na
verdade, as sentenças refletem apenas o “modo” (a técnica) pelo qual o direito processual
tutela os diversos casos conflitivos concretos.

Ademais, para a prestação de uma determinada espécie de tutela jurisdicional do direito,


importam também os meios de execução que o ordenamento jurídico oferece para tanto, isso
para não se falar no procedimento e na cognição, os quais também são fundamentais para o
encontro da tutela jurisdicional efetiva. Os meios de execução, que evidentemente interferem
no resultado que o processo pode proporcionar no plano do direito material, também são
técnicas para a prestação da tutela jurisdicional. Perceba-se, por exemplo, que a tutela
inibitória, no direito italiano, ressente-se da ausência de meios de coerção indireta no CPC,
pelo que, de lado casos especificamente previstos em lei, a tutela que deveria ser inibitória –
diante da necessidade de impedir o ilícito – acaba assumindo a configuração de mera
declaração. Uma sentença que apenas declara que um ilícito não pode ser praticado ou
repetido, justamente porque não pode se valer do emprego da multa, não é capaz de inibir a
prática do ilícito.

Perceba-se, ademais, que a sentença definida como mandamental não é sinônimo de tutela
inibitória, já que essa modalidade de sentença também pode permitir, por exemplo, a tutela
do adimplemento (tutela específica da obrigação contratual inadimplida) e a tutela
ressarcitória na forma específica – quando o dano pode ser reparado, novamente, por
exemplo, mediante um fazer. A sentença e os meios de execução, portanto, são apenas
técnicas para uma adequada prestação da tutela jurisdicional.

A tutela jurisdicional, quando pensada na perspectiva do direito material, e dessa forma


como tutela jurisdicional dos direitos, exige a resposta a respeito do resultado que é
proporcionado pelo processo no plano do direito material. A tutela jurisdicional do direito
pode ser vista como a proteção da norma que o institui. Trata-se da atuação concreta da
norma por meio da efetivação da utilidade inerente ao direito material nela consagrado.
Como o direito à efetividade da tutela jurisdicional deve atender ao direito material, é natural
concluir que o direito à efetividade engloba o direito à preordenação de técnicas processuais
capazes de dar respostas adequadas às necessidades que dele decorrem.

Mas, se ninguém duvida que o processo deve responder ao direito material e à realidade
social, e a ação abstrata e as sentenças processuais (classificadas à luz do direito processual)
não podem identificar a necessidade do autor ou explicar o resultado do processo no plano do
direito material, é preciso procurar algo que identifique tudo isso, pois somente assim será
possível verificar se o direito processual possui técnicas processuais capazes de atender ao
direito material. Em outros termos, para analisar a efetividade do processo no plano do
direito material e, assim, sua concordância com o direito fundamental à tutela jurisdicional
efetiva, é imprescindível tomar consciência das necessidades que vêm do direito material, as
quais traduzem diferentes desejos de tutela.

É preciso compreender e identificar essas tutelas, para que então se possa pensar na
técnica processual idônea para atendê-las. É que o processo, diante de determinada
construção legal, pode não constituir técnica capaz de efetivamente responder ao direito
material. Nesse caso, como é óbvio, a técnica processual deve ser considerada inidônea à
tutela dos direitos. Acontece que a percepção dessa distorção somente é possível quando o
processo é olhado a partir do plano do direito material.

Se as tutelas dos direitos (necessidades no plano do direito material) são diversas, as


técnicas processuais devem a elas se adaptar. O procedimento, a sentença e os meios
executivos, justamente por isso, não são neutros às tutelas (ou ao direito material), e por esse
motivo não podem ser pensados a sua distância.

De modo que não há como adiar a identificação e, portanto, a classificação das tutelas.
Apenas assim se poderá pensar na técnica processual civil adequada. Na verdade, para que a
relação entre o processo civil e o direito material não fique somente no discurso (que então
seria meramente retórico), é urgente classificar as tutelas. É preciso perceber que, diante do
direito processual contemporâneo, a classificação das sentenças somente tem razão de ser
quando pensada a partir da classificação das tutelas.

Frise-se que a melhor doutrina italiana tem insistido na necessidade de pensar o processo
na perspectiva da tutela dos direitos. Vittorio Denti – talvez o mais profundo e original
processualista italiano das últimas décadas –, ao estudar o processo à luz das novas
necessidades de direito substancial, lembrou que a propensão de repensar a função
jurisdicional em termos de “tutela dos direitos”, deixando de lado a sua análise em uma
moldura exclusivamente procedimental, certamente poderia contribuir para a compreensão
das novas tutelas que emergem com o desenvolvimento da sociedade.2

Na realidade, a importância de estudar o processo à luz das tutelas é tão evidente quanto a
de saber o fim de um instrumento. Nesse sentido, o fim do processo deve ser detectado nas
necessidades do direito material. Ou melhor, nos resultados materiais que o processo deve
gerar para atendê-las. Esses resultados são exatamente as tutelas que devem ser prestadas
pelo processo. Resumindo: não há como deixar de pensar nas tutelas quando se deseja
analisar se o processo, como técnica, está respondendo à sua missão constitucional de dar
“tutela aos direitos”. E pouca coisa pode ser mais importante ao doutrinador do processo nos
dias de hoje.

FOOTNOTES

. Como o jurisdicionado pode obter o bem da vida que objetiva no curso ou ao final do
procedimento, pode-se dizer que a tutela pode ser prestada antecipadamente ou apenas ao final.
Assim, o contrário de tutela antecipada é, na realidade, tutela final, não sendo adequado colocar
em um mesmo plano a tutela antecipatória e a sentença (Ver MARINONI, Luiz Guilherme. A
antecipação da tutela, 9. ed., cit., p. 31).

. DENTI, Vittorio. Intervento. La tutela d’urgenza – Atti del XV Convegno Nazionale. Rimini:
Maggiole, 1985. A importância da análise das tutelas para a compreensão do processo também
está presente nos profundos e relevantes trabalhos de Adolfo di Majo (La tutela civile dei diritti.
Milano: Giuffrè, 1993), Cristina Rapisarda (Profili della tutela civile inibitoria. Padova: Cedam,
1987) e Luigi Paolo Comoglio (Note riepilogative su azione e forme di tutela, nell’otica della
domanda giudiziale. Rivista di Diritto Processuale, 1993).

© desta edição [2019]

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