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Técnica Processual e Tutela Dos Direitos - Marinoni - 2019
Técnica Processual e Tutela Dos Direitos - Marinoni - 2019
Técnica
Processual e
Tutela dos
Direitos - Ed.
2019
REVISTA DOS TRIBUNAIS
As normas de direito material que respondem ao dever de proteção do Estado aos direitos
fundamentais – normas que protegem o consumidor e o meio ambiente, por exemplo –
evidentemente prestam tutela – ou proteção – a esses direitos. É correto dizer, assim, que a
mais básica forma de tutela dos direitos é constituída pela própria norma de direito material.
A atividade administrativa – nessa mesma linha – também pode contribuir para a prestação
de tutela aos direitos. A tutela jurisdicional, portanto, deve ser compreendida somente como
uma modalidade de tutela dos direitos. Ou melhor, a tutela jurisdicional e as tutelas prestadas
pela norma de direito material e pela Administração constituem espécies do gênero tutela
dos direitos.
Perceba-se, ademais, que a sentença definida como mandamental não é sinônimo de tutela
inibitória, já que essa modalidade de sentença também pode permitir, por exemplo, a tutela
do adimplemento (tutela específica da obrigação contratual inadimplida) e a tutela
ressarcitória na forma específica – quando o dano pode ser reparado, novamente, por
exemplo, mediante um fazer. A sentença e os meios de execução, portanto, são apenas
técnicas para uma adequada prestação da tutela jurisdicional.
Mas, se ninguém duvida que o processo deve responder ao direito material e à realidade
social, e a ação abstrata e as sentenças processuais (classificadas à luz do direito processual)
não podem identificar a necessidade do autor ou explicar o resultado do processo no plano do
direito material, é preciso procurar algo que identifique tudo isso, pois somente assim será
possível verificar se o direito processual possui técnicas processuais capazes de atender ao
direito material. Em outros termos, para analisar a efetividade do processo no plano do
direito material e, assim, sua concordância com o direito fundamental à tutela jurisdicional
efetiva, é imprescindível tomar consciência das necessidades que vêm do direito material, as
quais traduzem diferentes desejos de tutela.
É preciso compreender e identificar essas tutelas, para que então se possa pensar na
técnica processual idônea para atendê-las. É que o processo, diante de determinada
construção legal, pode não constituir técnica capaz de efetivamente responder ao direito
material. Nesse caso, como é óbvio, a técnica processual deve ser considerada inidônea à
tutela dos direitos. Acontece que a percepção dessa distorção somente é possível quando o
processo é olhado a partir do plano do direito material.
De modo que não há como adiar a identificação e, portanto, a classificação das tutelas.
Apenas assim se poderá pensar na técnica processual civil adequada. Na verdade, para que a
relação entre o processo civil e o direito material não fique somente no discurso (que então
seria meramente retórico), é urgente classificar as tutelas. É preciso perceber que, diante do
direito processual contemporâneo, a classificação das sentenças somente tem razão de ser
quando pensada a partir da classificação das tutelas.
Frise-se que a melhor doutrina italiana tem insistido na necessidade de pensar o processo
na perspectiva da tutela dos direitos. Vittorio Denti – talvez o mais profundo e original
processualista italiano das últimas décadas –, ao estudar o processo à luz das novas
necessidades de direito substancial, lembrou que a propensão de repensar a função
jurisdicional em termos de “tutela dos direitos”, deixando de lado a sua análise em uma
moldura exclusivamente procedimental, certamente poderia contribuir para a compreensão
das novas tutelas que emergem com o desenvolvimento da sociedade.2
Na realidade, a importância de estudar o processo à luz das tutelas é tão evidente quanto a
de saber o fim de um instrumento. Nesse sentido, o fim do processo deve ser detectado nas
necessidades do direito material. Ou melhor, nos resultados materiais que o processo deve
gerar para atendê-las. Esses resultados são exatamente as tutelas que devem ser prestadas
pelo processo. Resumindo: não há como deixar de pensar nas tutelas quando se deseja
analisar se o processo, como técnica, está respondendo à sua missão constitucional de dar
“tutela aos direitos”. E pouca coisa pode ser mais importante ao doutrinador do processo nos
dias de hoje.
FOOTNOTES
. Como o jurisdicionado pode obter o bem da vida que objetiva no curso ou ao final do
procedimento, pode-se dizer que a tutela pode ser prestada antecipadamente ou apenas ao final.
Assim, o contrário de tutela antecipada é, na realidade, tutela final, não sendo adequado colocar
em um mesmo plano a tutela antecipatória e a sentença (Ver MARINONI, Luiz Guilherme. A
antecipação da tutela, 9. ed., cit., p. 31).
. DENTI, Vittorio. Intervento. La tutela d’urgenza – Atti del XV Convegno Nazionale. Rimini:
Maggiole, 1985. A importância da análise das tutelas para a compreensão do processo também
está presente nos profundos e relevantes trabalhos de Adolfo di Majo (La tutela civile dei diritti.
Milano: Giuffrè, 1993), Cristina Rapisarda (Profili della tutela civile inibitoria. Padova: Cedam,
1987) e Luigi Paolo Comoglio (Note riepilogative su azione e forme di tutela, nell’otica della
domanda giudiziale. Rivista di Diritto Processuale, 1993).