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RESENHA DO TEXTO “NECROPÓLÍTICA” DE ACHILLE MBEMBE E DO FILME

“5 CÂMERAS QUEBRADAS”

1. Resenha do Texto “Necropolítica” de Achille Mbembe

Fazendo uma breve introdução sobre o conceito de biopolítica, tendo por base o vídeo
do professor Silvio de Almeida do Youtube de 20/06/2021, Michel Foucault faz uma
abordagem do racismo por parte do Estado, mostrando diversas formas de dominação na
contemporaneidade.
Na sociedade moderna existem vários modos de dominação e sujeição. A sociedade
capitalista também vai estabelecendo distintas formas de dominação no exercício do poder.
Foucault nos apresenta uma visão de que não se pode ver o poder se manifestar sem antes
olharmos para a história, ou seja, temos que olhar o poder a partir de sua existência. Este
poder se revela sobre o corpo do indivíduo, o poder é exercido na forma de dominação e
sujeição do corpo.
Falar de poder a partir do século XIX, é falar do exercício da vida e da morte. O deixar
viver e o fazer morrer ganham um novo sentido por conta da mudança da sociedade,
principalmente nas questões das relações econômicas. Michel Foucault abordando o racismo
do Estado dizendo que quase não há funcionamento moderno do Estado que, em certo
momento, em certo limite, em certas condições, não passe pelo racismo.
Achille Mbembe nos apresenta a Necropolítica interagindo com outros autores,
mostrando um conceito que inova em relação à biopolítica de Foucault. Mbembe apresenta
mudanças sobre as maneiras em que o mundo capitalista faz uso do exercício do poder.
Assim, não se pode apenas falar em biopolítica. É preciso entender o exercício da dominação
como uma expansão da lógica colonial para todas as partes do mundo e não apenas no
eurocentrismo. Estamos falando da morte como forma de gestão política.
A análise de como as mudanças econômicas afetam a forma de como o Estado vai
exercer seu poder e de como a sociedade vai produzir os sentidos sociais está na análise que
possui relação com outro diálogo de Mbembe com o Marxismo.
O conceito de necropolítica também está ligado ao conceito de Estado de exceção de
Carl Schimitt e Estado permanente de exceção de Giorgio Agamben. No contexto em que a
necropolítica se torna um modelo de gestão da vida a partir da produção sistemática da morte,
temos a fixação do Estado de exceção com o exercício de seu poder sem quaisquer limites.

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O Direito como forma de produção do exercício do poder político parece que acaba se
tornando acessório. Dessa forma, o Direito fica em suspeição, pois garante o exercício da
dominação a partir da produção sistemática da morte. Isso nos mostra que todas as formas de
limitação do poder trazidas pelo Direito são subvertidas em prol do exercício do poder Estatal.
O texto de Achille Mbembe “Necropolítica - Biopoder, Soberania, Estado de Exceção,
Política da Morte” nos mostra de que forma se manifesta a máxima da soberania, abordando
dessa perspectiva quem pode viver e quem deve morrer.
O que é o poder viver? É a legitimação do Estado, ou seja, do poder soberano, sobre
um povo em relação aos indivíduos. O poder soberano vai dizer que o indivíduo pode viver e
este mesmo poder vai fazer com que um certo grupo de indivíduos morra.
Mbembe pega o conceito de Biopoder e Biopolítica de Foucault e os amplia. O
Biopoder é uma medida do Estado soberano e de instituições com poder hierárquico sobre o
indivíduo, que define políticas públicas que promovem a vivência de determinadas pessoas.
Por outro lado, indivíduos marginalizados, marcados por elementos relacionados às suas
gerações como raça, cor, etnia ou religião acabam sendo deixados para a morte.
O entendimento de Mbembe é o oposto de Foucault, onde a política de soberania faz
com que se permitam que alguns indivíduos de um certo grupo social possa viver e, por outro
lado, há uma política ou uma organização estatal, para que outros indivíduos sejam
eliminados ou mortos.
Mbembe traz o sentido de que objetivo desse “Estado Soberano” é fazer guerras contra
alguns indivíduos ou algum estilo de vida que discorde. A política seria, em certa medida, um
caminho para assassinar., legitimando o extermínio de certos grupos de indivíduos.
Segundo o autor, Necropolítica é o poder de dizer quem vive e quem morre. O
biopoder é utilizado no controle das populações e o “deixar morrer” acaba se tornando
aceitável.
Mbembe deixa claro as várias formas pelos quais existem estruturas com o objetivo de
provocar a eliminação de alguns grupos sociais. Existem formas de existência de algumas
populações capazes de submeterem-na a condições de vida que as conferem um status de
mortos-vivos.
O autor diz que cabe ao Estado estabelecer o limite entre os direitos, a violência e a
morte, entretanto, o Estado faz uso de seu poder soberano para criar zonas de morte. Mbembe
até nos mostra alguns exemplos como os ocorridos na Palestina, algumas regiões da África e
Kosovo. Nestes locais, a morte se tornou um exercício de dominação. Fica entendido que

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quem morre em zonas como estas são grupos de indivíduos biologicamente escolhidos com
base no racismo. Estes grupos são apresentados como inimigos e, assim, suas mortes seriam
justificadas. Matar pessoas de certos grupos sociais seria justificado como mecanismo de
segurança.
Mbembe também fala do conceito de “estado de exceção” para demonstrar como as
relações de inimizade tornam-se a base de uma licença para matar e como o poder se utiliza
disso para justificar o extermínio.
O autor faz críticas a Foucault, a partir do momento que as ideias deste último
permaneciam focadas na sociedade europeia, ignorando os fatos ocorridos fora dessa visão,
desde o imperialismo colonial. Segundo Mbembe, a ideia de “eliminação de inimigos do
Estado” sempre esteve relacionada ao período escravocrata.
A necropolítica está inserida numa visão a partir de segmentos sociais. No Brasil, por
exemplo, a violência fatal mostra evidentes aspectos da desigualdade social e racial. O uso
indiscriminado de forças de repressão vai de acordo com interesses neoliberais.
Os governantes brasileiros, a exemplo de Wilson Witzel, ex-governador do Rio de
Janeiro, bem como Jair Bolsonaro, ex-presidente do Brasil, legitimaram e incentivaram,
abertamente, as ações de extermínio pelo poder estatal. O Estado acaba se tornando uma
máquina de guerra contra certos grupos de indivíduos, capaz de decidir quem vive e quem
morre.
Neste cenário, são as políticas públicas desses “Estados Soberanos” que podem
diminuir ou eternizar a exclusão social de negros ou pobres, e demais grupos de indivíduos
que vivem à margem da sociedade. Esta exclusão acaba por decidir quem pode ser eliminado
de forma silenciosa ou não.

2. Resenha do filme “5 Câmeras Quebradas”

O documentário abre para o conhecimento de diversas partes do mundo o cotidiano


das resistências e lutas dos palestinos, diante do processo de ocupação de suas terras pelo
Estado de Israel no início do século XXI.
O filme uniu a visão do palestino Emad Burnat e do israelense Guy David, revelando a
disputa de fronteiras geográficas, políticas e religiosas na região que abrange o conflito entre
árabes e israelenses.

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O documentário aborda consequências do processo de ocupação e da construção de
um muro por Israel, que toma grande parte da Cisjordânia. Este muro foi construído com o
argumento de ser um meio de proteção ataques terroristas. Porém, é um muro de segregação,
atuando como uma estratégia para a ocupação do território palestino.
O filme acontece após o nascimento de seu filho Gibreel, Emad Burnat começa o
processo de registro com uma câmera. Burnat filma o cotidiano de sua família, os olhares de
seu filho, as ocupações de seus outros filhos e os afazeres de sua esposa.
Com o passar dos fatos, Burnat acaba por registrar com sua câmera o dia a dia dos
conflitos pela terra, as ações do exército de Israel na sua aldeia e a reação de seu povo à forte
imposição de um imponente muro sobre suas origens, suas culturas de sobrevivência por
intermédio da agricultura.
A filmagem ocorre por cinco anos, registrando o processo de resistência e
manifestação pacífica dos aldeões. As imagens registradas por Burnat testemunham o
conflito, deixando evidente suas características e a destruição de comunidades palestinas pelo
Estado de Israel. Ele precisou usar cinco câmeras para registar todos os eventos. Não agia de
forma profissional, mas somente com a intenção de enfrentamento, proteção e atitude de
reação. Suas câmeras eram quebradas pelas ações do exército de Israel contra os protestos
pacíficos de seu povo. Era o registro da resistência contra o processo gradual de perda da sua
terra.
Ao mostrar o cotidiano da resistência, a câmera amadora de Emad captava todo um
material espontâneo, e era possível notar a gradativa inserção nos protestos de crianças. Há
também uma grande parceria entre Emad e seus irmãos, sendo Iyad Burnat um importante
líder deste movimento; os primos Adeeb e Bassem, que estavam sempre na linha de frente dos
protestos como articuladores centrais, sempre de forma pacífica. Com essa parceria, com o
apoio de ativistas israelenses e demais apoiadores internacionais, foram organizados protestos
semanais, sempre às sextas-feiras, após as orações, diante do muro que atravessava as terras
da aldeia. Num momento do filme, Adeeb abraça uma oliveira: “nascemos nesta terra e
morreremos aqui, viveremos nesta terra o resto de nossas vidas”. A imagem dos aldeões que
vive naquela terra é retratada em vários momentos de ligação com o local, como o cultivo das
oliveiras e a vontade de carregar suas heranças ancestrais e espirituais.
O roteiro das filmagens mostra as perdas, as lesões físicas e psicológicas sofridas por
todos que passavam por aquela situação. Um fato interessante acabou ficando claro com o que
mostrou o documentário, que eram as estratégias encontradas pela população na luta pela

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defesa de sua terra, e a sensibilidade das pessoas que vivenciaram esse período de cinco anos
de duração, como os homens, mulheres e crianças, numa solidariedade e união, numa
tentativa de mostrar a covardia da ação bélica em uma pequena aldeia.
O povo da aldeia utiliza como estratégia de protestos faixas com palavras de ordem
bandeiras da Palestina. Todos participavam, adultos e crianças. São estratégias de ação não
violentas, feitas por pessoas comuns, todas em prol da permanência na terra e manutenção de
suas práticas religiosas, culturais e econômicas. São protestos de libertação e formas de
combate ao poder estatal da imposição autoritária contra aquele povo.
Os fatos narrados pelo filme acabaram mostrando a vida e o sofrimento daquele povo,
além de suas características na relação da vida com a terra para além das fronteiras, e as
imposições do Estado e seus aparatos de poder.
O documentário revela ao mundo as situações de sofrimento e os ataques do exército
de Israel sobre a população da aldeia de Emad Burnat, que eram indiscriminados, alcançando
como vítimas homens, mulheres e crianças que se manifestavam pacificamente em
descontentamento e defesa daquelas ações.
Com a contribuição do documentário e as análises provenientes dos eventos, foi
possível ver o recuo do aparato militar, do muro e a expropriação da terra daqueles palestinos.
A cooperação mútua entre os moradores daquela aldeia, ativistas israelenses e de outras partes
do mundo mostrou-se uma estratégia de defesa da terra que ultrapassa os limites de território e
nação. Em certo momento do filme, mostra-se um grupo de ativistas israelenses analisando o
mapa da região que abrangia a extensão do muro e acabam se dispondo a ceder as
informações úteis para a organização dos protestos. Emad narra que “gente de todo o mundo
trouxe ideias criativas para o projeto”.
O documentário não mostra de forma explícita quais foram os meios e como se
criaram as alternativas para a luta do povo de Burnat. O que se pode notar pelas imagens
foram a presença de pessoas com aspectos diversos, somando e registrando os protestos.
Vimos no documentário a luta diária, os protestos organizados semanalmente com a
participação do povo daquele vilarejo, contra as ações impostas por aquele Estado.

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