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O Limbo: uma doutrina incontestavel confundida pela “nova teologia” Abril, 2010 eserito por admin Depois do nosso artigo “Magistério desprezado — 0 Batismo das criancas e o limbo” (Sim sim No néo de abril de 1996 p.1), recebemos a seguinte correspondéncia do Rev. Pe. Sulmont — carta publicada no Boletim Paroquial de Domqueur de novembro de 1995 (suplemento do Boletim n°287, p.1) Domqueur, 25 de outubro de 1995 Senhores, Li seu artigo em SISINONO do més de outubro... Sem divida, estou inteiramente de acordo com sua posigS0 sobre a necessidade de batizar as criancas, como ensinam 0 Magistério infalivel da Igreja, todos os Concilios, toda a tradi¢éo, inclusive o Credo de Paulo VI, de 30 de junho de 1968. Entretanto, permitam-me ser menos categérico a respeito do limbo e da sorte das criancas mortas sem Batismo. 0 limbo das criancas é uma conclusdo teolégica que nao é de Fé divina mas somente de Fé eclesidstica, segundo a classificaco que me foi outrora ensinada no Seminério. Dito de outra forma, o limbo nao faz parte da Revelaco contida no Evangelho. Quando Cristo diz a Nicodemo ‘ninguém, se no renasce da dgua e do Espirito Santo, pode entrar no reino de Deu (Jo. III, 5), funda 0 Batismo, mas Ele fala a pessoas que ndo so ainda batizadas e os prdprios apéstolos no 0 estavam ainda, como se acredita. Necessita-se, assim, um certo tempo para que 0 sacramento do Batismo seja generalizado: 0 reino de Deus se instauraré aqui, pouco a pouco. © limbo, ou methor, as franjas do reino de Deus, existe na terra, para a lgreja, antes que a evangelizacdo se tenha realizado plenamente em seus fiéis. Guardei a lembranga da morte de parto de uma me hd alguns anos, e vejo ainda o pequeno caixo da sua filhinha, chamada Aurora, posto ao lado da mae, que era boa crist8. 0 senhor pensa que Deus possa abrir 0 céu 4 mae, dar-Ihe a bem-aventuranca, e fechar a porta ao seu bebé, enviando-o a algum outro lugar? Ainda que uma mae pudesse esquecer seu filhinho, Deus no esquece os seus. Parece-me que a solu¢o do limbo néo leva suficientemente em conta 0 dogma da Comunhao dos Santos que est no Credo. Em todos os tempos, e desde o Antigo Testamento, os fiéis admitem que a morte permite 0 reencontro com seus pais. Os lagos naturais da familia nao sao definitivamente rompidos. Os méritos dos santos n&o podem ser atribuidos, com prioridade, aos membros de sua familia natural e aqueles que eles amaram na terra? Sendo a caridade seria uma virtude descontinua Eis 0 que sugiro: talvez os senhores possam dar-me sua opiniao sobre esse assunto dificil do limbo. De qualquer maneira, estou de acordo com os senhores em combater, 0 mais energicamente possivel, © retorno da heresia de Peldgio e a inadmissivel teoria da escolha pessoal do Batismo unicamente para os adultos. 0 pelagianismo & hoje uma praga: a negag&o do pecado original, 0 culto do Homem, os sacramentos laicizados, 0 desprezo da graca de Deus em beneficio de truques; ignora-se 0 texto do Evangelho: "Néo foram vés que me escolheram, mas eu, diz Jesus, que vos escolhi” (Jo, XV, 16) Cordiaimente, Pe, Suimont Por seu lado, uma leitora nos escreve: Rev. Pe., [...] 0 artigo a respeito do Batismo das criangas e 0 limbo, no seu ultimo numero, fez-me refletir de novo. Minha cunhada, por ocasio de uma intervengéo cirdrgica, estando grdvida de quatro meses, pediu que 0 feto fosse batizado, no caso de... Tendo sido mudada a equipe cirtirgica (durante a noite), no se fez 0 que ela tinha pedido. A uma pergunta feita a [...] me responderam que nao havia, nesse caso, Batismo de desejo, porque nao se podia intervir da mesma maneira para um adulto, que deveria acusar seus pecados. Permita-me refazer a pergunta ao mesmo tempo em que formulo esta outra: Como encarar, nesse particular, a questo do Juizo Final? Espero que o senhor me esclareca sobre esse ponto delicado, sabendo que no fm do mundo haveré aqueles que terao (feito...) € os que néo terSo (feito...) em funcéo de sua vontade livre e esclarecida, € Ihe peco que aceite, com meus agradecimentos antecipados, a expresso do meu respeito. Carta assinada Respondemos aqui a essas duas cartas. UMA “DOUTRINA COMUM DA IGREJA” permitam-me ser menos categérico a respeito do limbo e da sorte das criancas mortas sem Batismo”. (Pe. Sulmont). Nao se trata aqui de ser mais ou menos “categérico”. Trata-se, ao contrério, de manter a doutrina ensinada durante séculos, até as vésperas do Concilio Vaticano II, pela maioria dos Pastores, doutrina adotada pela maioria dos tedlogos, acreditada por todo o povo cristo. Separar-se dela significa separar-se da doutrina comum para aderir a essas vozes discordantes ¢ isoladas, que néo faltaram em diversos perfodos, no curso dos séculos, mas que se mostraram inconcilidveis com a Revelaco divina ou que permaneceram como hipéteses, piedosas e caritativas, se quiserem, mas que ndo so fundadas sobre qualquer revelacao. Em 1935, padre J. Webert, 0.P. escrevia: “Se, no curso dos tempos, houve entre os tedlogos certas hesitagées ou obscuridades, a doutrina da Igreja esté doravante bem determinada sobre a existéncia do Limbo, como lugar onde repousarao eternamente as almas daqueles que morreram somente com 0 pecado original” (L’au dela, notas e apéndices a traducao francesa da Suma Teolégica de So Tomas de Aquino, ed. Desclée). O préprio Haring, que nega o limbo das criangas, reconhece que se trata de “uma doutrina comum da Igreja” (Famiglia Christiana 27 de maio de 1975) e todos os tedlogos a reconhecem como tal. Ora, um padre deve estimar no seu justo valor o peso — no dominio doutrindrio — de um consenso téo longamente mantido e to undnime na Igreja, consenso que, por sua aceitacao tranqilila e sua duragéo, compromete a prépria infalibilidade da Igreja tanto “in docendo” quanto “in credendo”. A isto, deve-se acrescentar 0 favor, tdcito ou expresso, do Magistério Pontificio que, pela boca de Pio VI, defendeu como ortodoxa a crenga no limbo contra 0 concilio herético de Pistéia: “O papa declara falsa, temeréria, injuriosa as escolas catélicas, a proposi¢o segundo a qual deve ser rejeitado como uma fébula pelagiana o lugar dos infernos, chamado vulgarmente limbo das criancas, no qual as almas daqueles que morrem somente com 0 pecado original so punidas com a pena de dano [privagao da viso de Deus] sem a pena do fogo” (DB 1526). Assim, em 1954, nas vésperas do Vaticano II, os padres jesuitas espanhéis na sua Sacrae Theologiae Summa (BAC, Madri) escreviam que “etsi de limbo plures sunt quaestiones, ejus existentia certo tenenda est [em itélico no texto] quamvis non sit doctrina de fide definita’. “Apesar de haver varias questées [a resolver] sobre os limbos, sua existéncia deve ser tida por certa, conquanto no haja uma 18 definida” (vol. II De sacramentis p. 150). E depois de ter examinado e refutado as diversas objecdes € hipéteses sobre o destino das criangas mortas sem Batismo, estes padres jesultas lembravam o gravissimo julgamento de Santo Agostinho: “Noli credere nec docere infantes antequam baptizantur morte praeventos pervenire posse ad originalium indulgentiam peccatorum, si vis esse catholicus [em itdlico no texto)". “Quem quer ser catélico, ndo creia, nem diga, nem ensine que as criancas colhidas pela morte antes de serem batizadas podem obter a remissao do pecado original” (Ibid.) UM ERRO "0 limbo das criangas é uma concluséo teolégica que n’o é de Fé divina mas somente de Fé eclesidstica, segundo a classificagdo que me foi outrora ensinada no Semindrio” (Pe. Sulmont). Sentimos muito ter que dizer que o Pe. Sulmont & aqui “categérico” e que esta em erro, e isso por varios motives. 0 limbo é, realmente, uma concluséo teolégica, mas nao uma conclusao teoldgica de Fé eclesidstica, sem que a Igreja tenha ainda se pronunciado sobre a questao (e veremos por que) de maneira solene e definitiva. Contudo, fosse a doutrina sobre o limbo de Fé eclesidstica, como cré nosso leitor, sua certeza seria “infalivel como nos casos dos verdadeiros dogmas” (L. Ott Compendio di teologia dogmatica, Marietti 1955 p.22) e, portanto, 0 argumento segundo o qual o Limbo “ndo seria de Fé divina mas somente de Fé eclesidstica” néo tem nenhum peso, em realidade. SENTENTIA AD FIDEM PERTINENS “Dito de outra forma, o limbo ndo faz parte da Revelac&o contida no Evangelho" (Pe. Sulmont). Infelizmente, no estamos de acordo com nosso reverendo leitor, O limbo é uma conclusao teolégica como, alids, ele mesmo o diz e, por conseguinte, justamente por ser uma conclusao teolégica, é uma verdade virtualmente ou implicitamente revelada, como o ensina qualquer manual de teologia “Chama-se conclusao teolégica uma verdade religiosa deduzida de duas premissas, das quais uma & formaimente revelada e a outra é conhecida unicamente pela razéo. Sendo tais verdades derivadas de uma raiz da Revelacao, séo ditas virtualmente reveladas (virtualiter _revelatae)” (Bartmann Manuale di teologia dogmética, vol. I, ed. Paoline 1949, p. 20). Por esta relacio teoldgica com a Revelacdo divina, a conclusdo teolégica, antes mesmo de ter sido pronunciada definitivamente pela Igreja, é chamada "sententia ad fidem pertinens", sentenga que pertence a Fé, Néo seremos, portanto, tao categéricos para concluir como nosso leitor que “o limbo néo faz parte da Revelagio, contida no Evangelho". UMA OPINIAO “MUITO SINGULAR” "O limbo, ou melhor, as franjas do reino de Deus, existe na terra, para a Igreja, antes que a evangelizacéo se tenha realizado plenamente em seus fiéis” (Pe. Sulmont). E assim que os limbos sdo completamente negados. Nao se trata aqui, de fato, do destino das criangas mortas sem Batismo e que seus pais tenham desejado batizé-las, trata-se sim da prépria existéncia do limbo. N3o vemos como essa opinigo totalmente pessoal, que situa o limbo “aqui em baixo”, sobre a terra, possa conciliar-se com 0 Evangelho: “Ninguém, se no renasce da agua e do Espirito Santo, pode entrar no Reino de Deus” (Jo. 3,5), € com dois mil anos de reflexéo teolégica “in eodem sensu et eadem sententia" sobre a sorte das criangas mortas sem Batismo e com os documentos do Magistério infalivel da Igreja. Se o limbo existe somente “aqui em baixo” e nao existe depois da morte, quer dizer que jamais haveré o caso de almas que morrem unicamente com 0 pecado original, mas somente almas dignas ou do Céu (com seu anexo, 0 Purgatério) ou do Inferno, por terem morrido no somente com o pecado original, mas também com pecados pessoais. As definigées infaliveis da Igreja, ao contrério — todas sem excegao — consideram certo que existem almas que morrem somente com o pecado original: na profissio de Fé de Michel Paledlogo e em todas as profissdes de Fé impostas aos orientais (Dz. 387, 588, 870, 875), no Concilio de Lyon e no de Florenga (DB 464) distingue-se sempre entre os que morrem em estado de pecado mortal e os que morrem “somente com 0 pecado original” (isto &, as criancas e os dementes nao batizados). Daf a concluso légica, tirada pelos tedlogos, da existéncia de um lugar especial que acolhe essas almas depois da morte. Além disso, uma vez negado o limbo depois da morte com a finalidade de salvar as criangas cujos pais desejaram ardentemente o batismo, faltaria estabelecer onde vao terminar as outras criancas, inclusive as dos infigis, cujos pais ndo desejaram batizar, nem mesmo vagamente. Nao chegariamos, por este caminho, a negar a prépria verdade revelada, da qual o limbo no é sendo uma conseqiléncia légica, a saber, a necessidade absoluta do Batismo para todos? Ficaremos por aqui. Acrescentemos somente que a Igreja, hoje, sofre com opinides “muito pessoais”, Evitemos, nés que queremos ser filhos fiéis da Igreja, dela sair. UMA PERGUNTA DESRESPEITOSA PARA COM O MAGISTERIO E A TEOLOGIA CATOLICA “Guardei a lembranga da morte de parto de uma mae hé alguns anos, [...] 0 senhor pensa que Deus possa abrir 0 céu 4 mée, [...] e fechar a porta ao seu bebé, enviando-o a algum outro lugar?” (Pe. ‘Sulmont) Essa pergunta nos parece, antes de tudo, e 6 0 menos que se pode dizer, desrespeitosa para com tantos grandes tedlogos catélicos (incluindo Santo Agostinho e So Tomés de Aquino), como para com @ Igreja que - como se exprime Pio XII em Humani Generis — “deu com sua autoridade, uma aprovacao to notavel a sua teologia”. De fato, esses grandes tedlogos — e a Igreja com eles — nao se teriam dado conta de que o limbo faz injustica & ... bondade de Deus! Na realidade, os grandes tedlogos bem sabiam que a visdo direta de Deus é um dom totalmente gratuito (ninguém tem “direito” a graca e & gléria), que ultrapassa infinitamente as exigéncias e as aspiragdes da natureza humana (coisa negada pela “nova teologia”) e que nao é permitido, portanto, pedir contas a Deus quando Ele nao concede a alguém as alegrias do Céu que, apesar de querer dar a todos, ndo deve a ninguém. Nossa geraco orgulhosa parece ter esquecido isso, mas a palavra de Deus esta ai para nos lembrar: “6 homem, quem és para altercar com Deus? Seré que 0 vaso de argila diz a quem the deu a forma: Por que me fizeste assim? O oleiro néo é dono da sua argila, para fazer da mesma massa um vaso de hhonra e um vaso de ignominia?” (Rm 9, 20-21). Ou ainda: “Nao fostes vés que me escolheram, mas eu que vos escolhi" (Jo 15, 16) recordado pelo Pe. Sulmont na conclusdo de sua carta e que é uma das varias passagens evangélicas que afirmam a soberana liberdade de Deus no plano da salvacdo. (Lembremo-nos também de: “Ngo sou livre de fazer dos meus bens 0 que quero?”, do dono da vinha, na parabola dos operdrios da ultima hora). E certo que Deus quer que todos os homens se salvem, mas o quer com uma vontade condicionada, no absoluta (como o quereria, contrariamente, a “nova teologia”), isto é, Ele o quer com a condicio que os homens e as causas segundas, em geral, concorram para a obra de salvagéo e, se esse concurso falta, Deus nao intervém distribuindo milagres, para enviar todos os homens ao Paraiso, a qualquer preco, violando a liberdade humana, mas deixa as causas segundas seguirem seu curso. Por isso muitas criangas morrem sem Batismo por negligéncia culpavel dos pais e de outras pessoas (no caso exposto pela leitora, por falta de equipe médica precedente que néo transmitiu & nova equipe a vontade da me). E mesmo se a negligencia n&o é evidente, como nesse caso, sempre se poderia procurar uma responsabilidade — segundo a hipétese plausivel de um tedlogo — na falta de utilizaggo de todas as gragas atuais que Deus distribui aos homens para que se cumpra perfeitamente seu plano de salvacao. Com isto, ndo pretendemos que a questo esteja completamente resolvida: ela permanece sempre misteriosa para 0 homem porque, no fundo, trata-se de uma desigual reparticlo de gracas, desigualdade da qual Deus se reserva o segredo. O que est dito, no entanto, basta para estabelecer que @ existéncia do limbo nao pée em questdo a justica, nem a bondade divina. Tanto é assim que, segundo 0 julgamento comum dos tedlogos, se as alegrias do Céu so recusadas as almas do limbo (elas no thes so devidas), as alegrias naturais, as mais elevadas, ndo se Ihe sao, no entanto, recusadas, alegrias que thes asseguram uma felicidade pelas quais ndo cessam de agradecer a Deus. UMA DOUTRINA CONSOLADORA Realmente, a reflex teoldgica sobre os limbos, se estes s8o bem conhecidos (0 que no parece o caso, segundo as cartas recebidas) oferece varios motivos de consolacao aos pais cristdos aflitos, E certo que as almas do limbo sofrem objetivamente a pena do pecado original, que é “a privagdo da visio de Deus" (Inocéncio IIT, Dz. Enchiridion n® 341), mas é de julgamento comum dos tedlogos que a justica divina no permite que elas a sofram subjetivamente. J4 havia dito Santo Agostinho que sua pena “é entre todas a mais doce” “omnium mitissima” (a dureza ulterior do doutor de Hipona é devida controvérsia pelagiana). Foi em seguida, aprofundando a natureza do pecado original, que nos descendentes de Addo tem um cardter ndo de falta, mas de privagdo da graca, que os tedlogos precisaram melhor a natureza da pena do limbo, puramente privativa também, e nao aflitiva, Seu julgamento é assim ilustrado e defendido por Séo Tomas: "a mesma razdo vale para a auséncia de sofrimento sensivel e para a auséncia de sofrimento espiritual (para as criangas mortas sem Batismo). E sempre o gozo ilegitimo que merece sofrer, e 0 pecado original néo 0 comporta: hd, portanto, isengo de todo sofrimento. A terceira opinio admite que as criancas possuem um perfeito conhecimento de tudo 0 que pode ser conhecido naturalmente, sabem que esto privadas da vida eterna e sabem a razéo, e, no entanto, néo experimentam nenhum sofrimento. E 0 que se precisa explicar. A auséncia de uma perfeic&o que o excede, néo aflige aquele cuja razéo é reta (é 0 caso das criancas mortas sem Batismo), por exemplo, no poder voar como os passaros, néo ser nem rei nem imperador, porque nao hd nenhum direito a isso; mas ele devia affigir-se por ser privado de um bem que Ihe é proporcionado e ao qual é apto. Digo, pois, que todos os homens no uso de seu livre arbitrio so capazes de obter a vida eterna, porque podem preparar-se 4 graca, que é 0 meio para isso. Desde entéo, se faltam a ela, conservaréo uma soberana dor por ter perdido 0 que eles poderiam possuir. Ora, essa capacidade sempre faltou as criancas: a vida eterna ndo Ihes era devida por natureza, da qual excede totalmente as exigéncias, e por outro lado, no poderiam praticar nenhum ato pessoal, que as fizesse merecer to grande bem. Portanto, elas ndo se afligem de nenhuma maneira por no ver a Deus, e de outra parte, gozam por participar em grande parte do bem do qual Deus é a fonte e possuir todos os dons naturais que recebem Dele. ‘Nao se pode atribuir-Ihes a capacidade de obter a vida eterna por uma ago pessoal e nem to pouco por uma ago externa; no se pode dizer que elas poderiam ter sido batizadas, como muitas outras 0 foram, e que assim viessem a gozar da viséo de Deus. Porque, ser recompensado por uma aco que nao é pessoal é 0 efeito de uma graca totalmente particular, que as criancas néo se entristecem de n&o ter recebido, assim como um homem sensato no se entristece por no ter recebido muitas gracas concedidas por Deus a outros homens". Sao Tomas App.q.2 a.2. Traducao francesa: Revue des Jeunes, suppl: q.70 bis art.2). Em suma, se 0 limbo no é o Paraiso, também no é 0 inferno dos danados e, se Id as almas néo gozam da visao beatifica, gozam, nao obstante, de uma felicidade acidental secundéria, possuindo sem dor bens naturais, de nenhum modo despreziveis, e em primeiro lugar 0 conhecimento e 0 amor natural de Deus, como o explica Séo Tomas. “Apesar de que as criancas néo batizadas estejam separadas de Deus, no que concerne a viséo beatifica, elas ndo estéo completamente separadas Dele. Ao contrario, estéo unidas a Deus pela participacao nos bens naturais e podem assim gozar Dele também pelo conhecimento natural e o amor natural” (In IV Sent. LIL, dist. XXX, q.II a.2 ad.5). Suarez, por seu lado, diz que as criancas mortas sem Batismo amam a Deus com um amor natural, acima de todas as coisas e gozam por estarem ao abrigo de todo pecado e de todo sofrimento (De peccatis et vitiis disp. 1X sect VI). Lessius diz que elas possuem um conhecimento natural perfeito das coisas materiais e espirituais que as leva a amar soberanamente a Deus, mesmo se se trata de um amor natural, a abengod-Lo e louva- Lo por toda eternidade (inclusive por té-las poupado do combate terrestre, cujo resultado é sempre incerto) (De perfect divin. 1 XII c. XXII n° 144 ss) © cardeal Sfondrati acrescenta que “Esse beneficio da inocéncia pessoal e da excecao do pecado é téo grande que essas criancas prefeririam ser privadas da gloria celeste a cometer um sé pecado; e todo cristo deve ser desta opinio [como 0 foram, de fato, os Santos]. Portanto, ndo hd lugar para queixas nem aflicgso a propésito dessas criancas, mas antes, convém louvar a Deus e agradecer-Lhe a esse respeito” (Nodus praedestinationis dissolutus, Roma 1687, p. 120) Como é evidente, para consolar os pais crist&os, aflitos com a morte de seus filhos sem Batismo, nao ¢, de modo nenhum, necessério negar a existéncia do limbo; basta simplesmente instrui-los sobre sua doutrina. Gostariamos também de lembrar aqui que o cénego Didiot, da Faculdade teolégica, se diz “inteiramente disposto a crer que as relagées entre 0 céu dos eleitos e 0 limbo das criancas séo possiveis e mesmos freqlientes; que o laco de sangue conservaré sua forca na eternidade, e que a familia cristé, reconstituidas no céu, no serd privada da alegria de reencontrar e amar seus queridos participantes de um dia” (Mortos sem Batismo, Lille 1896 p. 60). Essa 6 somente uma hipétese pessoal € 0 autor a tem por tal, mas é uma hipétese que se harmoniza com o dogma e a doutrina tradicional, PELOS MERITOS DE CRISTO E NAO DOS SANTOS “Parece-me que a solucéo do limbo néo leva suficientemente em conta 0 dogma da Comunhao dos Santos que esté no Credo. [...] Os méritos dos santos néo podem ser atribuidos, com prioridade, aos membros de sua familia natural e aqueles que eles amaram na terra?” (Pe. Sulmont) Esta observacao também é um agravo aos grandes tedlogos da Igreja e a Ela mesma que no se teriam dado conta, todos, que @ concluséo teolégica sobre o limbo nao esté bem de acordo com o “dogma da Comunhio dos Santos que esté no Credo”. Na realidade os grandes tedlogos no estavam esquecidos, como parece esquecer-se nosso leitor, que a primeira graca (conferida justamente pelo Batismo e restituida eventualmente pela Confissio) concedida pelos méritos de Cristo e ndo dos Santos e que a Revelacao divina associa absolutamente a primeira graca ao Batismo (Jo 3, 5). Esse Batismo de dgua pode ser substituido pelo de sangue, como no caso dos santos inocentes, assassinados pelo édio a Cristo, ou pelo de desejo que, consistindo em atos pessoais de Fé e de contricéo, nao pode, no entanto, ser dado aos recém nascidos (nem aos dementes). N3o nos foi dado a conhecer outros meios de salvagio, e € com justica que os tedlogos, unanimes, dizem que a uma lei tao geral ¢ tao universal, revelada por Deus, como a do Batismo, néo se pode admitir nenhuma excecao, se 0 préprio Deus nao revelar a existéncia desta excecao (Sacrae theologiae Summa cit. @ Diciondrio de teologia catélica, palavra batismo e limbo). Ai esté porque todas as hipéteses sobre a questo, inclusive as piedosas, acabam por basear-se somente em razées de sentimento e carecem de fundamento sélido: “solide quidem fundamento carere”, como declara a seu respeito 0 Santo Oficio no Monitum de 18 de fevereiro de 1958 (AAS 50/1958, 114) © JULGAMENTO UNIVERSAL Acreditamos ter assim respondido igualmente @ segunda carta, Falta-nos somente responder a Pergunta sobre o julgamento final. A questéo nao foi ignorada pela teologia catélica. £ verdade que o Evangelho sobre o julgamento final nada diz daqueles que nao tero tido a possibilidade de “fazer ou nao fazer”, mas néo € permitido, de modo nenhum, deduzir dai que eles no existem. Para prové-lo ha os documentos do Magistério infalivel da Igreja, Unica & qual é dado explicar o verdadeiro sentido das Escrituras. Esses documentos, j4 mencionamos, colocam sempre numa categoria & parte, distinta dos bem- aventurados e dos danados, as almas que morrem “somente com 0 pecado original", quer dizer, aqueles que, como as criancas ou os dementes, nao tiveram a possibilidade de agir ou no agir em fungdo da sua vontade livre e esclarecida, Se ndo se faz mengo dessas almas no julgamento geral ¢ simplesmente porque esse julgamento nao Ihes diz respeito: elas nao sero julgadas, porque néo ha nada para julgar, uma vez que estas almas nao tiveram a possibilidade nem de merecer nem de desmerecer. & por isso que, segundo alguns tedlogos, as almas do limbo nem mesmo assistiréo ao julgamento final e, ignorando a felicidade dos eleitos, ndo sentirdéo nenhum pesar. Segundo outros, a0 contratio, elas teréo conhecimento da felicidade dos eleitos, mas igualmente n&o sentiréo desgosto, estando sua vontade perfeltamente conforme & vontade divina, que eles sabem ser sensata, justa e boa; ao contrario, vendo a danagao dos reprovados, alegrar-se-ao por seu estado e agradecerdo & bondade divina de Ihes haver poupado misericordiosamente a prova terrestre, que pode terminar com 0 céu, mas também com o inferno (do qual os danados ficariam bem contentes se as portas do limbo se abrissem para eles). Segundo Santo Tomas e os tomistas, ao contrério, mesmo se as almas do limbo assistissem ao julgamento geral, a Providéncia continuaria misericordiosamente mantendo-os na ignorancia da felicidade dos eleitos. Todos os tedlogos, sejam quais forem, esto de acordo sobre 0 seguinte: que o texto do Evangelho acerca do julgamento final ndo pde obstaculo & conclusdo teolégica sobre 0 limbo. UMA FACIL CONCLUSAO A Iagreja, com razo, insiste no seu ensinamento sobre 0 dever de batizar as criancas o mais rapido possivel (D.B. 712). © limbo, de fato, mesmo se ndo é um lugar de sofrimento, mas de prazer estimavel, nao é, no entanto, o Paraiso, a0 qual Deus chama todos os homens. Nao é nem mesmo um paraiso natural, porque as almas suportam ai, ainda que sem sofrimento, um dano real, provocado pelo pecado original: a privagio da visio direta de Deus. Essa insistncia justa da Igreja [sobre o Batismo precoce das criancas] no deve, no entanto, levar a comparar a danacdo das almas do limbo danacio dos reprovados, por que isto seria contrério ao Magistério infalivel da Igreja, que os distingue bem. Tao pouco deve levar a considerar o limbo como um lugar de aflicio, apesar de diferente do inferno, porque a Igreja nao ensina e jamais deixou de ensinar assim, e doutrina de Belarmino, que queria ver nas almas das criangas uma leve tristeza pela bem-aventuranca perdida, ela claramente preferiu a doutrina que expusemos aqui. A “NOVA TEOLOGIA” CONTRA 0 LIMBO Se 0s neo-modernistas néo tivessem feito abortar, desde seu comeco, o Concilio Vaticano II, a doutrina consoladora sobre 0 estado das almas no limbo seria hoje realmente de Fé eclesidstica (como supée erradamente nosso leitor) e, portanto, sua certeza seria “infalivel como no caso dos verdadeiros dogmas” (L. Ott. cit.) No esquema preparado pela comissao teolégica, Ié-se: “O concilio declara vao e sem fundamento todos os julgamentos segundo os quais se admite para as criangas um meio (para atingir a visio de Deus] diferente do Batismo realmente recebido. Todavia, no faltam motivos para considerar que elas gozaréo eternamente de uma Felicidade conforme seu estado". Com isto 0 Concilio teria encorajado 0 aprofundamento teolégico sobre o estado de felicidade acidental e secundario das almas no limbo, ¢ teria fechado a porta 4 busca de outros meios de salvagéo diferentes do “Batismo realmente recebido", busca essa que na véspera do Concilio tornou-se ainda mais inquieta e inquietante sob o impulso da “nova teologia”. Esta conclusao esté, aliés, perfeitamente de acordo com diferentes textos do Magistério infalivel, tais como, por exemplo, 0 decreto Pro Jacobitis do Concilio de Florenga (retornado em seguida pelo Concilio de Trento), no qual se 18: “Cum ipisis (pueris) non possit alio remedio subveniri nisi per sacramentum baptismi... admonet... quamprimum commode fieri potest, debere conferri (DB 712). “Porque as criangas sé podem ser socorridas pelo Sacramento do Batismo... (a Igreja) adverte severamente... que ele deve ser administrado logo que for possivel fazé-lo sem problemas” (e Pio XII lembra também essa doutrina, no seu famoso discurso as mulheres parteiras). Infelizmente, esta concluséo definitiva no foi adotada pelo Concilio, por causa do desvio que Ihe impés a minoria modernista, e os neo-modernistas aproveitaram dessa falta de definigdo para definir a questo no pés-concilio, 8 sua maneira... ou seja, eliminando o limbo, somente pelas seguintes razées: 1) ele contraria a heresia de De Lubac ¢ de “sua turma” que, desenterrando 0 modernismo condenado Por So Pio X, queriam que o sobrenatural (portanto a viséo beatifica) ndo fosse um dom absolutamente gratuito, que Deus no deve a ninguém, mas ao contrério, que fosse qualquer coisa de devido, porque & um aperfeicoamento da natureza humana (v. SiSINONo de 15/2/1993 p.3) 2) a existéncia do limbo esta igualmente em desacordo com a outra heresia, prépria da nova teologia, que quer a salvaco incondicional de todos os homens, fiéis e infiéis, batizados ou no (V. SiSiNoNo de 15/4/1993, pp. 1 ss). Apesar disso, 0 texto preparado pela comissao teolégica permanece aqui para testemunhar, se for necessério, que na véspera do Concilio a doutrina sobre o limbo era comumente professada pelos Pastores, tedlogos e figis e que somente a revolucSo modernista perturbou (e encontramos o eco dessa perturbago nas cartas que recebemos) a possesséo trangillla dessa conclusdo teolégica, téo notavelmente resumida, justamente na véspera do Concilio, pela Enciclopédia Catélica: “II. O Limbo das Criangas — Existe ainda, segundo a teologia, o limbo das criancas, isto é, 0 estado e o lugar das criangas no batizadas, mortas sem 0 uso da razdo, sem a remissao do pecado original. No estando em condigées, por sua idade, de praticar atos de Fé e de contri¢o (Batismo de desejo), elas néo podem ser libertadas da falta original senéo por meio do Batismo, conferido in ‘fide Ecclesiae’, no 0 recebendo, ‘elas no renascem na dgua e no Espirito Santo’ (Jo. 3,5) e portanto ndo so admitidas no Reino de Deus: nao terdo entretanto, nenhuma pena, ao contrdrio, segundo a opinido comum dos tedlogos gozaréo de certa bem-aventuranca natural. Como diz Séo Tomas: ‘elas serao felizes, participando amplamente da bondade divina nas perfeigdes naturais’ (II Sent. d.33 q.11. 2.2; cf. d.45, g.1, #2: Suma Teolégica supl. Q. 79. 2.4). essa concepcao teoldgica, apesar de ndo ser explicita [mas implicita, sim], nas Sagradas Escrituras, esté fundada sobre a justica de Deus, a qual néo pode infligir castigos pessoais a quem no possui pecados pessoais. Logo, a sorte das criancas mortas sem Batismo, como observa So Gregério de Nissa (PG 46.177-80), deve-se distinguir da dos adultos que, por falta prépria, desdenharam o Batismo; contudo, elas nao seréo admitidas & felicidade sobrenatural, como pensavam os pelagianos contra os quais se pronunciaram, 0 Concilio de Cartago em 418 (Dez. U. 102 note4) e Santo Agostinho (De anima e eius origine, 12, 17: PL 44. 505). O limbo das criancas dura eternamente, pois, aqueles que morreram somente com o pecado original estao fixados neste estado para sempre. Esta doutrina foi explicitada [e no inventada como o desejaria a ‘nova teologia‘] pelos grandes tedlogos do século XIII” (palavra limbos col. 1358). Em conclus&o, queremos acrescentar que compreendemos perfeitamente a dor dos pais cristios que no puderam batizar seus filhinhos e 0 desejo que tém de saber alguma coisa mais sobre o seu destino. Mas como jé tivemos a ocasio de dizer, no hd necessidade de inventar fabulas nem, menos ainda, de Negar 0 limbo, para os consolar: 0 aprofundamento teolégico sobre a questo oferece abundantes motivos de consolago; trata-se somente de tornd-lo conhecido. Sentimo-nos, além disso, no dever de lembrar a gravidade da hora presente e a ameaga insistente do neo-modernismo, que hoje parece corromper mesmo os melhores na Igreja. Tudo isso exige, dos que querem ser e permanecer realmente filhos da Igreja, a mais rigorosa fidelidade ao seu Magistério e & teologia catélica autentica, para néo pér em perigo sua propria Fé e nao cooperar para essa demolicao da Igreja por seus inimigos internos, expressa impropriamente por Paulo VI como “a autodemolig&o da Igreja”, Gregorius (Revista SIM SIM NAO NAO n° 45 — Setembro de 1996)

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