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Philippe Steiner

A Sociologia
Econômica
Tradução
Maria Helena C. V. Trylinski

SÃO PAULO
EDITORA ATLAS S.A. - 2006
© 2005 by EDITORA ATLAS S.A.

Traduzido para o português de La sociologie économique

Copyright © Editions LA DÉCOUVERTE, Paris, France, 1999, 2005-10-08


Todos os direitos reservados. Tradução autorizada da edição no idioma francês,
publicada por Editions La Découverte

Capa: Leo Hermano


Composição: Lino-Jato Editoração Gráfica

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do liv ro , S P , Brasil)

Steiner, Philippe
A sociologia econômica / Philippe Steiner; tradução Maria Helena C. V.
Trylinski. - São Paulo: Atlas, 2006.

Título original: La sociologie économique


Bibliografia.
ISBN 85-224-4403-X

1. Economia - Aspectos sociológicos I. Título.

06-2344 CDD-306.3

índice para catálogo sistem ático:


1. Sociologia econômica 306.3

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS - É proibida a reprodução total ou


parcial, de qualquer forma ou por qualquer meio. A violação dos direitos de autor
(Lei ns 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.

Depósito legal na Biblioteca Nacional conforme Decreto ns 1.825,


de 20 de dezembro de 1907.

Impresso no Brasil/Pririted in Brazil


Sumário

Apresentação à Edição Brasileira, ix


Introdução, 1

1 Da antiga à nova sociologia econômica, 7


Origem da sociologia econômica, 7
Pareto: a imprescindível necessidade de tomar mais complexa a eco­
nomia, 8
Durkheim: a substituição da economia pela sociologia econômica, 9
Weber: a complementaridade da economia e da sociologia econômica, 13
Instituições e comportamentos econômicos, 14
Divisão do trabalho e troca, 14
Consumo e comportamentos de compra, 17
Teorias da ação econômica, 20
As ações econômicas racionais e seus fantasmas, 20
O caso do empreendedor, 25
A nova sociologia econômica, 27
Definição da nova sociologia econômica, 27

2 A sociologia econômica do mercado, 31


Comportamento racional e sistema de mercados, 31
Abstrações úteis..., 32
... porém não suficientes, 35
A contribuição da sociologia econômica, 36
v i A Sociologia Econômica • Steiner

A inserção social das relações mercantis, 39


A inserção histórica das relações mercantis, 39
A inserção estrutural das relações mercantis, 41
As diversas formas de inserção, 42
A démarche da sociologia econômica, 43
Origens das relações mercantis, 43
O funcionamento das relações mercantis, 44
A significação cultural das relações mercantis, 45

3 A construção social das relações mercantis, 47


A construção social dos mercados, 47
O mercado de morango em Sologne, 48
O setor da indústria de energia elétrica nos EUA, 50
O comércio varejista: o contraste França/Japão, 52
Construção social das relações mercantis e neo-institucionalismo, 55
A construção de megamercados de seguros, 58
A moeda e a finança enquanto instituições sociais, 59
Os usos sociais da moeda, 60
Os mercados financeiros, 63
Mercado de trabalho e relações sociais, 65
Como se encontra um emprego?, 65
O mercado de trabalho enquanto instituição social, 69
A construção social da concorrência, 71
A concorrência enquanto sistema de relações sociais, 72
Conclusão, 75

4 Redes sociais e funcionamento dos mercados, 76


Rede social e inserção estrutural, 77
O que é uma rede social?, 77
Inserção social e capital social, 80
Rede social, emprego e carreira, 84
Os amigos, a confiança e o emprego, 84
Os colegas e a carreira, 89
Força dos vínculos frágeis ou buraco estrutural?, 90
Confiança, oportunismo e relações entre indústrias, 94
Sumário vii

Redes e funcionamento social dos mercados, 98


Tamanho dos mercados e volatilidade dos preços, 98
Equivalência estrutural e reprodução da estrutura do mercado, 102
Conclusão, 106

5 A inserção cognitiva e o mercado, 108


Que conhecimentos de economia são relevantes?, 109
Crenças coletivas e mercados financeiros, 113
Sociologia econômica e conhecimento de economia, 116
Conclusão, 117

Conclusão, 119

Referências, 123
Apresentação à
Edição Brasileira

Este é um dos poucos livros disponíveis em português que apresentam,


de forma sintética e ao mesmo tempo aprofundada, os principais te­
mas e abordagens da Sociologia Econômica. Seu autor, Philippe Steiner,
é economista e sociólogo, professor de uma importante universidade
francesa, a Paris IX - Dauphine. Originalmente publicado na França
pela editora La Découverte no final dos anos 90, este é um trabalho
importante não apenas para estudantes de Ciências Sociais, mas, so­
bretudo, para os de Economia, porque lhes permite entrar em contato
com outra maneira de analisar a atividade econômica, enriquecendo
assim sua capacidade de entender o comportamento dos indivíduos e
a dinâmica dos mercados. O livro mostra, desde as primeiras páginas,
as dificuldades e os limites das abordagens econômicas convencionais
para explicar de modo satisfatório os fenômenos de que tratam. Desta
perspectiva crítica não escapa sequer a “nova economia institucional”,
também presa aos paradigmas neodássicos que supõem um Homo oeco-
nomicus em abstrato, que orienta sua ação - em toda parte e em toda
época - pelo cálculo racional, maximizador de sua utilidade.
Depois de várias décadas em que a Sociologia Econômica ficou pra­
ticamente marginal, ela é retomada nos últimos anos de forma muito
forte tanto na Europa como nos Estados Unidos. Como já se observou,

“o fenômeno mais importante das Ciências Sociais contemporâ­


neas reside na aproximação de suas duas disciplinas básicas (a
X A Sociologia Econômica • Steiner

Economia e a Sociologia), que passaram a maior parte do século


XX - desde a morte de Max Weber, até o início dos anos 1980 -
de costas tuna para a outra. As diferenças de estilo discursivo, de
métodos de trabalho, de formas de organização comunitária e
de fundamentos teóricos não devem obscurecer uma convergên­
cia temática que vem levando ao surgimento de problemas de
pesquisa comuns. Assimetria de informações, confiança, ins­
tituições, organizações formais e informais, capacidade de exigir
o cumprimento de contratos, representações mentais dos atores
como base de sua interação social, são temas que pertencem
hoje às duas disciplinas e em cuja abordagem cada tuna usa, de
maneira crescente, os recursos da outra” (Abramovay, 2005:1).

A Sociologia Econômica, como se sabe, é um campo do conheci­


mento que pretende investigar os fenômenos econômicos utilizando-se
de instrumentos e abordagens da Sociologia. De acordo com Steiner, o
objetivo mais específico da Sociologia Econômica é analisar a constru­
ção social das relações de mercado (concebido de maneira ampla) e a
origem (histórica) social dos fenômenos econômicos. Portanto, embora
ambas tomem os fenômenos econômicos por objeto, a Sociologia Eco­
nômica se diferencia da Economia em vários aspectos, mas espedal-
mente na abordagem e na metodologia. Enquanto na Economia domina
a análise abstrata formal, na Sociologia a abordagem histórica, empíri­
ca e o método indutivo são aplicados de maneira generalizada.
O Prof. Steiner inicia seu livro apresentando - com concisão e rigor
analítico - as origens da Sociologia Econômica, especialmente identifi­
cadas nas obras dos autores clássicos da Sociologia, Durkheim, Weber e
Pareto, para em seguida abordar os temas de interesse mais recente dos
pesquisadores: construção social do mercado, o papel das instituições
e das redes sociais no funcionamento da vida econômica. Estes temas,
emergentes a partir dos anos 70, irão revigorar o debate entre as duas
áreas do conhecimento e ajudar a configurar a chamada Nova Sociolo­
gia Econômica, que, de acordo com Mark Granovetter, tem duas idéias
básicas como ponto de partida: (a) a ação econômica é socialmente
situada e não pode ser explicada apenas por motivos individuais; (b)
Apresentação à edição brasileira xi

as instituições econômicas são socialmente construídas. Nesta mesma


perspectiva, Steiner dedica especial atenção aos mercados, analisando-
os como construções sociais e contrastando suas conclusões com pres­
supostos básicos da teoria da escolha racional e da teoria do equilíbrio
geral. A análise dos mercados traz, ainda, um rico diálogo com a teoria
do próprio Granovetter sobre a imersão (embeddedness) dos agentes
econômicos, conformando as relações de mercado.
De fato, a análise sobre os mercados pode ser tomada como exem­
plar para identificar, com clareza, as diferenças entre a perspectiva so­
ciológica e a perspectiva da Economia frente a este fenômeno. De que
maneira estas duas disciplinas lidam com este mesmo objeto? O merca­
do da teoria econômica é, antes de tudo, um ponto de equilíbrio entre
oferta e procura ao qual se chega pela ação independente, soberana e
atomizada de indivíduos que não guardam qualquer tipo de relação
permanente uns com os outros. Em outras palavras, a Economia fala, no
singular, do mercado supondo uma situação em que ele funciona sem
nenhum entrave ou constrangimento, moral, religioso ou legal.
De forma distinta, a Sociologia mostra, desde o início, as relações
sociais que estruturam a troca entre os agentes presentes nos mercados.
Mercados são, para a Sociologia, estruturas sociais, formas mais ou me­
nos permanentes de interação em que os indivíduos estabilizam seus
laços sociais e submetem-se, por aí, a recompensas e sanções. Mostrar
que os mercados são produtos históricos significa que nem toda eco­
nomia se organiza através das relações mercantis. Portanto, do ponto
de vista histórico, economia e mercados não são uma única e mesma
coisa: a mentalidade mercantil ou a “propensão à barganha” não é um
traço natural do homem e válido em toda época. Em outras palavras,
a Sociologia Econômica tem como tarefa examinar como as relações
econômicas são inseparáveis do contexto social, observando o conjunto
de regras sociais (e não apenas “econômicas”, como a maximização do
lucro) que organizam os mercados, sejam eles financeiros, agrícolas, de
trabalho etc.
É exatamente por isso que, ao inserir os mercados em seus contextos
sociais, a Sociologia Econômica procura abrir a “caixa-preta” em que se
escondem as estruturas e os mecanismos de seu funcionamento. Se os
XÜ A Sociologia Econômica • Steiner

mercados são estruturas sociais, então eles devem ser estudados com
base nas particularidades históricas e sociais que regem seu funciona­
mento. Não existe uma categoria abstrata, mágica, opressiva ou eman-
cipadora chamada “o mercado”: o que existe são mercados, construídos
com base na tentativa permanente de seus protagonistas de estabilizar
suas relações uns com os outros. E é exatamente pelo fato de os mer­
cados serem tributários das relações sociais e das regulações públicas
que eles não estão acima da vida da sociedade e de seus preceitos e
exigências éticas. Esta abordagem abre um caminho muito promissor
para a compreensão crítica de temas contemporâneos como a respon­
sabilidade social, os mercados solidários e o comportamento ambiental
das empresas.
Uma última observação, mas não menos importante. Além da Eco­
nomia, a Sociologia Econômica oferece um aparato crítico, teórico e
conceituai que permite subsidiar outras áreas das Ciências Sociais. Re-
ferimo-nos especialmente à Sociologia do Trabalho e Sindicalismo, So­
ciologia das Organizações e Estudos Organizacionais e, em particular,
à teoria institucional. Autores como Paul DiMaggio, Walter Powell, Ni-
tin Nohria, dentre outros, que trabalham com temas tais como firmas,
cultura e organizações etc., vêm construindo um frutífero campo de
intersecção entre a área de organizações e Sociologia Econômica. Por
isso, este livro pode ser de grande interesse também para o aluno de
Administração de Empresas.
Assim, esperamos que os alunos dos cursos de Ciências Sociais,
Economia e Administração de Empresas, tanto da graduação quanto
da pós-graduação, possam tomar este livro como referência básica e
fundamental para a compreensão de questões “de ponta” nas Ciências
Sociais hoje.

São Paulo, março de 2006.


Ana Cristina Baga Martes
Maria Rita Loureiro Durand
Ricardo Abramovay
Introdução

A sociologia econômica estuda os fatos econômicos, considerando-os


como fatos sociais. Ela se dirige aos economistas e sociólogos, aconse­
lhando-os a estudar estes fatos levando em conta sua dimensão de rela­
ção social sem esquecer, no entanto, a dimensão comportamento egoísta,
questão central nessa problemática (SWEDBERG, 2003).1Ao contrário
do movimento que leva as ciências sociais a decompor o trabalho inte­
lectual, a particularizar as pesquisas, a sociologia econômica sugere que
é preciso e vantajoso fazer com que as teorias econômicas e sociológicas
se aproximem de modo a fornecer melhores explicações para os fatos
econômicos, o que não faz o saber de uma ou da outra quando empre­
gado de maneira isolada, ou, pior ainda, de maneira contraditória.
Tal idéia não pertence ao fim do século XX. O primeiro movimen­
to de envergadura que levou diversos teóricos em direção à sociologia
econômica aconteceu nas décadas 1890-1920. Este período, aliás, pos­
sui certas particularidades interessantes, que ajudam a compreender
o presente. Com efeito, só a partir dos anos 1870 a teoria econômica
marginalista logrou impor-se sem encontrar resistência, para acabar de-
saguando na teoria econômica mainstream contemporânea. O margina-
lismo deparou-se com grandes dificuldades porque precisava enfrentar
o que restava da escola clássica inglesa e os diversos economistas que
reivindicavam uma abordagem mais histórica e mais institucional da

1 As referências entre parênteses remetem à bibliografia apresentada no fim do volume.


2 A Sociologia Econômica • Steiner

economia (a Escola Histórica alemã) e precisava, também, encarar os


limites de seu programa de pesquisas. Naquele momento, a sociologia
econômica, na opinião de um grande teórico marginalista como William
Stanley Jevons, apresenta-se como uma necessidade; posteriormente,
economistas (Vilfredo Pareto, Joseph Schumpeter, Thorstein Veblen,
Max Weber) e sociólogos (Émile Durkheim) engrossaram essa idéia.
Então, uma questão se coloca: não seria o caso de considerar que
o retomo da sociologia econômica, perceptível a partir dos anos 1980,
fosse motivado pela incerteza que assalta novamente a teoria econô­
mica no que toca a sua capacidade de explicar a situação econômica?
Sem querer levar muito longe um paralelo cuja explicação demandaria
extensa pesquisa, vale a pena colocar a referida questão para insinuar
que a criação da sociologia econômica, de um lado, e seu ressurgimento
em meados dos anos 1970, de outro, coadunava com a insatisfação ex­
perimentada face à teoria econômica quando ela se aparta das demais
ciências sociais.
Quando a primeira sociologia econômica começou progressivamen­
te a se esvair, a partir dos anos 1930, ocorreu tuna cisão que atribuiu à
teoria econômica o estudo dos comportamentos racionais do indivíduo,
notadamente as escolhas forçadas, e à sociologia os comportamentos
não racionais, em especial a investigação dos motivos que fazem com
que os comportamentos racionais não sejam tão difundidos como crê a
teoria econômica. A volta à cena da sociologia econômica não pode se
dar sem que tal cisão seja questionada: nem todos os comportamentos
econômicos são racionais e, freqüentemente, os motivos sociais desses
comportamentos o são. Com efeito, a vantagem da sociologia econômi­
ca contemporânea está na sua capacidade de cercar o terreno dos fatos
econômicos para explicá-los de maneira satisfatória, talvez mesmo de
maneira mais satisfatória do que a explicação a que chegaria a teoria
econômica sozinha.
Sem levar em conta as inúmeras ocasiões em que se procura aproxi­
mar economia e sociologia, ou desenvolver uma sociologia da vida eco­
nômica, os termos sociologia econômica, socioeconomia, economia social
se tornaram de uso corrente. O que constitui, então, a especificidade da
sociologia econômica?
Introdução 3

As abordagens da economia social ou da socioeconomia, como bem


ilustra a Revue du Mauss, lançada por Alain Caillé, se caracterizam pela
atenção que dispensam aos vínculos existentes entre o político e o eco­
nômico. São analisadas e sugeridas propostas, como, por exemplo, as
que concernem à cidadania econômica, ao papel das associações na
luta contra o desemprego, as medidas sociais a serem tomadas para
acompanhar as mudanças econômicas que emergem nas sociedades
contemporâneas. A sociologia econômica assume plenamente a dimen­
são política da maior parte das coisas concretas que investiga, embora
isto não implique engajamento político. A clareza que a ciência social
pode trazer para os fenômenos estudados constitui seu objetivo mais
importante. Pode-se lamentar que a contribuição da sociologia econô­
mica ainda seja limitada em matéria de política social (SWEDBERG,
2003), mas convém se ater ao imperativo de neutralidade axiológica
weberiana. A sociologia econômica, que assume uma postura crítica em
relação à teoria econômica fundada no comportamento de um agente
econômico não socializado, onisciente e movido unicamente pela bus­
ca do ganho máximo (o famoso homo oeconomicus), se desenvolve em
torno de três dimensões, interligadas, mas que podemos enfocar sepa­
radamente para clareza da apresentação. Em primeiro lugar, estudos
sociológicos adentram de novo o campo econômico, abandonado du­
rante o período 1930-1970, aplicando tais ou variados instrumentos da
análise sociológica para mostrar como as relações sociais influenciam
as ocorrências econômicas, fenômeno atualmente chamado de constru­
ção social das relações econômicas. Eles mostram, por exemplo, como as
relações sociais (domésticas, principalmente) redefinem sensivelmente
o uso da moeda conforme a origem da renda. Em segundo lugar, a
dimensão analítica caracteriza os trabalhos consagrados à explicação
sociológica da formação das variáveis mercantis (preço, renda, volume
do emprego etc.). Estes estudos mostram, por exemplo, como o poder
das relações sociais (da família, dos amigos e profissionais) explica a
maneira como os indivíduos encontram um emprego, ou por que cer­
tas redes étnicas são mais bem-sucedidas que outras quando se trata
de criar empresas. Em terceiro lugar, a sociologia econômica comporta
tuna dimensão cultural e cognitiva. Os fatos econômicos não podem
4 A Sociologia Econômica • Steiner

ser compreendidos independentemente de um conjunto de maneiras


de classificar os fatos sociais, que resultam de percepções específicas,
sendo que uma das mais enraizadas nos dias de hoje é a tendência de
isolar o fato econômico dos demais fatos sociais. A sociologia econômi­
ca assume também o fato de que a economia não é apenas uma prática,
pois ela é uma representação cultural largamente difundida sob a forma
de práticas de gestão e é objeto de uma elaboração científica que se
desenrola sob a forma de teoria econômica.
Nos capítulos que se seguem, o esforço estará centrado na apre­
sentação da produção de conhecimentos novos trazidos pela sociologia
econômica contemporânea a respeito do mercado, principalmente. O
termo mercado designa, habitualmente, os fenômenos econômicos que
resultam da ação de atores que agiríam em função dos sinais e das in­
formações veiculados por preços formados sem interferência política,
religiosa ou outra. O mercado tomou-se uma instituição situada no cen­
tro da vida econômica das sociedades modernas e da teoria econômica;
por essa razão, foi tomado como fio condutor desta obra. Além disso, a
sociologia econômica do mercado oferece a vantagem de reunir alguns
dos trabalhos mais marcantes e mais inovadores feitos sobre ele. Por
fim, esta opção permite mostrar que certos desenvolvimentos da teoria
econômica (as teorias ditas “heterodoxas”, como a teoria da regulação
ou a economia das convenções, mas não apenas essas) vão ao encontro
de alguns desenvolvimentos da sociologia econômica das sociologias.
Esta escolha (a do mercado como fio condutor da obra) tem como
inconveniente maior não permitir uma exposição completa da área co­
berta pela sociologia econômica. As análises sociológicas recentes sobre
consumo e transferências no interior da família (herança, prestação de
serviços mútuos, presentes, apoio econômico em caso de desemprego
etc.), por exemplo, trazem esclarecimento excitante sobre fenômenos
que a teoria econômica deixa num plano secundário nos estudos do
mercado. O mesmo se pode dizer da sociologia das organizações e das
empresas, da sociologia do trabalho e das relações profissionais, muito
ativas nos domínios intimamente vinculados ao mercado. Sem esquecer
contribuições desses trabalhos, concentramos o foco desta obra no mer­
Introdução 5

cado para não deixar de lado o que é central na organização econômica


moderna e para afirmar claramente que a sociologia econômica não
é um agrupamento heteróclito de pesquisas antigas. Com a linha es­
colhida para o desenvolvimento deste trabalho, é possível estabelecer
com precisão o que há de inovador na sociologia econômica contem­
porânea.
A fim de se proceder metodicamente, o Capítulo 1 apresenta as con­
tribuições analíticas e empíricas da sociologia econômica do início do
século XX. Não se trata tanto de uma volta ao passado, mas de recu­
perar elementos que constituem, hoje ainda, parte importante da base
teórica da sociologia econômica, como mostra a definição operacional
de sociologia econômica proposta no fim do capítulo. O Capítulo 2 jus­
tifica o lugar central concedido ao mercado nesta obra e mostra como a
sociologia econômica se enraiza nessa área. Apoiando-se em inúmeros
trabalhos empíricos sobre mercados de natureza diversa, o Capítulo 3
explicita a noção de construção social das relações mercantis, ou seja,
explica como as relações sociais contribuem de maneira decisiva para
a criação e a evolução das instituições e das relações mercantis. O Ca­
pítulo 4 prolonga a reflexão ao mostrar como os recursos fornecidos
por um instrumento novo da análise sociológica (a análise das redes
sociais) permitem explicar o funcionamento de certos mercados (do
mercado financeiro, do mercado de trabalho). O Capítulo 5 mostra,
por fim, que a dimensão cognitiva da sociologia econômica desemboca
numa sociologia do conhecimento econômico cujas contribuições são
necessárias para o estudo do impacto da economia, enquanto forma de
conhecimento, na maneira como representamos, para nós mesmos, o
mundo moderno, sua evolução e as maneiras com que nele agimos.
Da antiga à nova
sociologia econômica

A aparição da sociologia econômica data do período situado na virada


do século XIX para o século XX (SWEDBERG, 1987; GISLAIN; STEINER,
1995). Alguns dos autores que se situam na origem da sociologia eco­
nômica (Durkheim, Pareto, Weber) são também os fundadores da so­
ciologia clássica e suas contribuições seguem influenciando a sociologia
econômica contemporânea (SWEDBER, 1998; STEINER, 2004b). Que
elementos compõem essas contribuições e que conexões os ligam à so­
ciologia econômica contemporânea?

Origem da sociologia econômica

No fim do século XIX, a economia política se encontrava em uma


situação desconfortável. Os últimos defensores da economia política
clássica se opõem às diversas variações da escola histórica, e estes dois
grupos são contrários a uma pequena minoria de economistas que de­
senvolvia a teoria da utilidade marginal (Jevons, Menger, Walras), qua­
se sempre se apoiando em um matematismo da economia política. O
futuro reserva a estes últimos uma posição predominante, mas, naquele
momento, sua situação era difícil, visto seu reduzido número e as difi­
culdades que encontravam para justificar o comportamento do agente
econômico e o caráter estático da análise desse comportamento. Destas
dificuldades e da avaliação que delas é feita decorrem três maneiras de
conceber a sociologia econômica frente à economia política. Com Pareto,
8 A Sociologia Econômica • Steiner

foi possível tomar mais complexa a abordagem econômica, acresceritan-


do-se a ela as dimensões características do social; com Durkheim, a
sociologia econômica passou a ser vista como o modo de substituir a
economia política, considerada cientificamente inadequada; com Weber e
Schumpeter, a sociologia econômica passou a ter como vocação comple­
tar a economia política, já que ela oferece condições para que a história
seja levada em consideração.

Pareto: a imprescindível necessidade de tom ar mais complexa a


economia

' Pareto, de um lado, percebe as vantagens associadas ao estudo do


comportamento humano expresso na procura do ganho máximo: isto
permite um rigor maior do raciocínio econômico graças à formalização
matemática associada à teoria da escolha e ao estudo dos sistemas de
interdependência, que, seguindo a linha de Walras, ele desenvolve e am­
plia. Por outro lado, Pareto se revela extremamente sensível aos limites
e às dificuldades de tal procedimento. A teoria econômica matemática
é desesperadamente estática: “Nós não sabemos nada em matéria de
dinâmica”, escreve ele, em 1909, em seu Manual de economia política,
embora os fatos que procuramos explicar estejam marcados por trans­
formações, lineares ou cíclicas. O comportamento do agente econômi­
co, tal como a teoria o vê, é excessivamente simples e repousa sobre
hipóteses muito pesadas, em especial quando se supõe que o agente age
conscientemente e de acordo com um conhecimento quase infinito das
conseqüências de suas ações.
Como resolver estas dificuldades? Como justificar tais hipóteses e
tais limites? Pareto propõe uma hierarquia entre os diversos domínios
da economia política: a economia pura, muito abstrata, é completada
pela economia aplicada e, depois, pela sociologia, de tal maneira que,
à medida que se aumenta progressivamente a complexidade da aproxi­
mação, se logra uma explicação satisfatória do fenômeno concreto.
Ao agir dessa maneira, Pareto introduz a idéia de que a associação
da teoria econômica e da teoria sociológica é um ingrediente indispen­
Da antiga à nova sociologia econômica 9

sável para que se consiga conferir à nova teoria econômica o lugar que
lhe cabe e se consiga garantir o reconhecimento integral de seu saber.
Foi pequena a influência de Pareto: a sociologia econômica, enquanto
combinação abrangente da economia e da sociologia, não teve segui­
mento no século XX.

As aproximações sucessivas em Pareto


O método das aproximações sucessivas foi firmemente defendido por Pa­
reto, provavelmente em razão de sua formação em engenharia. É impossível,
diz ele, estudar o fenômeno concreto em todas as suas dimensões, pois elas
são infinitas; conseqüentemente, o método científico exige que uma ou algu­
mas dessas dimensões sejam selecionadas para permitir uma análise precisa
do fenômeno abstrato. É o que ocorre, em mecânica, quando se admite hi­
poteticamente corpos perfeitamente lisos e movimentos sem fricção; é tam­
bém o que ocorre quando se abstraem do indivíduo concreto os múltiplos
motivos de sua ação, de suas paixões etc., para não falar senão do homo
oeconomicus. A economia pura estuda, então, as propriedades de sistemas
de interdependência criados pela presença de um grande número de agentes
econômicos nos mercados, competitivos ou não.
É preciso, em seguida, aumentar progressivamente a complexidade desta
primeira aproximação (economia pura), admitindo-se que, embora siga mo­
vido por considerações econômicas, o homo oeconomicus tem paixões: esta
segunda aproximação corresponde à economia aplicada. Esta se apóia sobre
os resultados da economia pura, mas produz resultados que podem ser sen­
sivelmente diferentes porque aceita a existência de outras formas de ação no
seio do sistema de interdependência (por exemplo: o lobby, a corrupção). Por
fim, Pareto faz intervir uma terceira aproximação, a sociológica. Esta última
tem por função sintetizar as contribuições dos diversos saberes especiais (as
várias primeiras aproximações) para chegar o mais perto possível do fenôme­
no concreto, o que logra levando em conta as várias dimensões da vida social
(suas dimensões religiosa, política, militar, sexual etc.).

Durkheim: a substituição da economia pela sociologia econômica

Para Durkheim (1858-1917) e para membros de sua escola, em que


François Simiand (1873-1935), Marcei Mauss (1872-1950) e Maurice
10 A Sociologia Econômica * Steiner

(V
Halbwachs (1873-1945) ocupam posição de primeiro plano, a forte in­
satisfação que experimentavam frente ao método seguido pela econo­
mia política funcionou como ponto de partida para suas reflexões sobre
ele; sua crítica a esse método era proporcional à sua insatisfação. Se
não sugeriam, como Augusto Comte acabara de propugnar, uma elimi­
nação pura e simples da teoria econômica, eles trabalhavam para refa­
zer este saber: a sociologia econômica ou economia positivista deveria,
nesse caso, substituir a economia.
Simiand fustiga os economistas porque eles rompem a démarche
positivista do conhecimento ao colocar o comportamento racional do
homo oeconomicus no ponto de partida de suas reflexões. A teoria eco­
nômica, afirma ele, estuda os “possíveis” e não os próprios fatos, isto é,
ela estuda o que os homens deveríam fazer se fossem racionais, como
se supõe que eles sejam, para, em seguida, elaborar teorias capazes de
dar conta dos fatos observáveis. O aspecto metodológico da crítica não
nos interessa aqui, o que nos interessa é salientar que Simiand vê com
grande clareza um ponto essencial nesse caso: a economia pura escolhe
como objeto o estudo das conséqüências do comportamento egoísta ra­
cional, ela se encarrega da descrição das diversas formas e conseqüên-
cias desse comportamento sem se preocupar com o meio social, históri­
co, no qual esse comportamento se desenrola. A sociologia econômica
não age dessa forma: ela realiza pesquisas históricas e sociológicas pre­
cisas para demonstrar que o comportamento egoísta, associado a outras
formas de comportamento, varia conforme o contexto histórico e social
para produzir tal ou tal resultado.
Em seguida a Durkheim, que define os fatos sociais como “maneiras
de agir, de pensar e de sentir externas aos indivíduos, mas possuidoras
de um poder de coerção sobre ele” (DURKHEIN, 1895, p. 5), Simiand
considera que a sociologia econômica parte das instituições e das repre­
sentações sociais dos agentes para estudar os comportamentos econô­
micos. Assim, ele estabelece quatro modalidades de ação egoísta, ações
que visam, por ordem de importância, manter o ganho nominal, manter
o esforço, aumentar o ganho, diminuir o esforço. Quando os preços so­
bem , os agentes vêem seus rendimentos nominais subirem (em primei­
Da antiga à nova sociologia econômica 11

ro lugar, os patrões, em seguida, os operários e os detentores de capital)


e diminuem seu esforço (de organização do trabalho, de rendimento
do trabalho, de investimento). Na fase seguinte do ciclo, marcada pela
baixa dos preços, a manutenção das rendas nominais exige um esforço
maior na produção (automação e aumento do rendimento do trabalho)
e no setor financeiro: se os emprestadores de fundos prevêem uma cria­
ção maior de riqueza, então eles investirão os ganhos do período ante­
rior. Esta confiança, cujo suporte é a moeda, lança de novo a atividade
e os preços em uma alta.
No enfoque durkheimiano, a existência e o funcionamento do mer­
cado não podem ser explicados sem que se recorra às instituições e
representações sociais. Isto leva os durkheimianos a interessar-se pela
imbricação estreita existente entre os comportamentos egoístas e os
comportamentos baseados em normas sociais (por exemplo: a justiça
nos contratos ou a fixação dos salários) ou em estruturas cognitivas
(por exemplo, a representação do comerciante ou dos proprietários de
imóveis na classe operária), já que ambas ditam elementos que são in­
dispensáveis na análise das ocorrências sociais observadas (a multipli­
cidade crescente das trocas, o rendimento do trabalho, a estrutura dos
orçamentos operários e sua evolução).

A instituição e a sociologia econômica durkheimiana


A sociologia, diz Mauss (1901, p. 150), é a ciência das instituições, ou'
seja, é a ciência dos atos e das idéias que os indivíduos encontram instituídos
e que, em maior ou menor medida, se impõem a eles. Instituição é um ou­
tro nome dado ao fato social durkheimiano para designar tanto os arranjos
sociais fundamentais (uma constituição política) quanto fenômenos como a
moda ou os preconceitos, Mauss apressa-se a acrescentar que colocar a insti­
tuição no centro da sociologia não significa interessar-se apenas pelo passado:
as instituições evoluem, se transformam porque os fenômenos instituídos não
são compreendidos ou empregados por todos da mesma forma. A sociologia
econômica americana, mais conhecida sob o nome de "institucionalismo",
repousa sobre uma concepção de instituição muito próxima desta (GISLAIN;
STEINER, 1995), já que, segundo Thorstein Veblen (1857-1929), instituições
são "hábitos mentais predominantes, são modos muito difundidos de pensar
12 A Sociologia Econômica • Steiner

as relações particulares e as funções particulares do indivíduo e da sociedade"


(VEBLEN, 1899, p. 125).
Simiand elaborou uma classificação dos fatos socioeconômicos a partir
das instituições: os tipos de economia foram classificados segundo um critério
de tamanho (economia familial, urbana, regional, nacional etc.) ou das for­
mas da troca em vigor (com ou sem moeda); os regimes econômicos foram
classificados segundo um critério jurídico (servidão, artesanal, cooperativas,
salário etc.) e as modalidades econômicas segundo um critério tecnológico.
Por outro lado, sob o nome de representações sociais, o que há de mais im-
palpável nas instituições serve para definir a dimensão cognitiva dos compor­
tamentos quando estes estão alicerçados em noções de valor, preço, moeda.
Dessa forma, Simiand penetra na perspectiva de Mauss para dar conta da
interação de instituição e comportamento dos agentes (o instituído): estes
últimos são constrangidos pela instituição, mas fazem com que ela evolua.

Com Simiand, a sociologia econômica durkheimiana confronta dire­


tamente os fatos sociais econômicos da sociedade moderna, enquanto
com Mauss ela se preocupa fundamentalmente com as sociedades ar­
caicas e com as dimensões simbólicas e religiosas da economia. Não
obstante isso, essa divagem não é rígida.
Em Essai sur le don, Mauss (1925, p. 269-273) admite que nas so­
ciedades arcaicas o comportamento egoísta convivia com o sistema de
dote/contradote; reciprocamente, as relações altruístas coexistem com
os comportamentos interesseiros na sociedade moderna, como outros
autores demonstraram desde então ao estudar o fato exemplar que é
a doação de sangue (TITMUSS, 1970). Por sua vez, Simiand (1934)
desenvolve uma teoria da moeda que faz desta última uma instituição
na qual se cristalizam as expectativas, as previsões dos agentes econô­
micos, mas, segundo ele, esta instituição é tributária de um enfoque
derivado da sociologia da religião.

A concepção weberiana do social


Por questões de método, Weber (1921, p. 4) considera que o que há de
específico no estudo do social reside na existência de ações individuais às
quais o ator confere um sentido e também leva em conta ações de outros
Da antiga à nova sociologia econômica 13

indivíduos. Dessa forma, a sociologia weberiana põe em primeiro plano os


motivos dos atores colocados em situação de interação, e o sociólogo deve se
esforçar para compreender estes motivos (recorrendo a pesquisas estatísticas,
a experiências psicológicas de laboratório, ou a reconstruções racionais) para
explicar as ocorrências sociais observadas.
No caso do fato econômico (ibidem, p. 62), o motivo da ação é a satisfa­
ção das necessidades em situação de escassez. O desenrolar da ação é mar­
cado pelo caráter pacífico da interação, o que exclui o emprego de violência,
legal ou não, que caracteriza as relações políticas ou militares que, ademais,
também podem ter uma dimensão econômica.
Em geral, levar em conta o comportamento de outrem não acarreta pro­
blema algum, porque a ação econômica pacífica pressupõe, de um lado, que
os atores respeitam mutuamente os direitos de propriedade e, de outro lado,
que em razão da situação de interdependência na qual se encontram os pro­
dutores e os indivíduos que fazem as trocas uns e outros esperam que sejam
levados em consideração os desejos solváveis expressos.

Weber: a complementaridade da economia e da sociologia


econômica

Weber (1864-1920) não tem a prevenção dos durkheimianos contra


a teoria econômica abstrata. É necessário lembrar que ele foi professor
de economia política durante o período mais importante de sua carreira
profissional e foi, no seio da escola histórica alemã, um defensor das
contribuições do marginalismo (SWEDBERG, 1998). Weber considera
o fato econômico como um fato social na medida em que a procura de
bens escassos obriga o agente a levar em conta os comportamentos dos
outros agentes econômicos e o sentido que eles dão à sua ação.
Essa concepção da ação coloca a sociologia econômica de Weber em
condição de completar a teoria marginalista. Por exemplo, comentando
a teoria do juro do economista austríaco Eugen von Bõhm-Bawerk, ele
explica que o sociólogo-economista deverá levar em conta a explicação
econômica da existência de uma taxa de juro positiva, que faz com
que os bens futuros tenham uma utilidade marginal menor que os bens
presentes e que, em virtude dessas avaliações subjetivas, alguns agen­
tes mostrem-se dispostos a pagar para dispor agora de bens de que
14 A Sociologia Econômica • Steiner

somente mais tarde usufruirão. Posto isto, diz Weber (1921, p. 97):
“O sociólogo gostaria então de saber em que ato humano se traduz
essa pretensa relação e como os agentes econômicos podem computar
as conseqüências desta avaliação diferencial na forma de ‘juros’. Neste
caso, a sociologia econômica procura as relações sociais nas quais se
encontra concretamente expresso tudo o que as análises abstratas do
comportamento egoísta desenvolvidas pelos economistas pressupõem.
Esta concepção foi retomada por Joseph Schumpeter (1883-1950),
para quem a sociologia econômica dedica-se ao estudo do quadro insti­
tucional no interior do qual se desenrolam as ações econômicas. Assim,
uma história estilizada ou ideal típica pode tomar-se o suporte da teoria
econômica por meio da sociologia econômica. Weber (1904, p. 153)
propõe três vertentes de trabalho: (1) análise da estrutura das relações
socioeconômicas presentes nos fenômenos; (2) análise da formação his­
tórica dessas relações; (3) análise de sua significação cultural. Aí encon­
tramos a origem das três dimensões (analítica, histórica e cognitiva) da
sociologia econômica contemporânea. Esta tripartição heurística será,
algumas vezes, utilizada para apresentar a sociologia econômica con­
temporânea (ver Gap. 2, Quadro 2). Não obstante isso, a análise própria
à sociologia econômica, ontem como hoje, exige que se enfatizem as
instituições e as ações econômicas.

Instituições e comportamentos econômicos


Muito cedo, as instituições, no sentido weberiano do termo, foram
utilizadas no âmbito da sociologia econômica. Dois exemplos podem
mostrar a fecundidade de tal abordagem: o primeiro concerne ao emba­
samento sodojurídico do mercado, o segundo trata das representações
que atuam no consumo comercial; nos dois casos, se está diante de
teorias sempre vivas na sociologia econômica contemporânea.

Divisão do trabalho e troca

) Em De la division du travaü social, Durkheim argumenta que os eco­


nomistas aproximaram-se de maneira muito restritiva do fenômeno da
troca, fenômeno cuja importância foi salientada por Adam Smith em
Da antiga à nova sociologia econômica 15

; Richesse des nations (1776). Este último não tinha uma idéia acanhada
da divisão do trabalho, pois, embora valorizasse os aspectos produtivis-
tas e utilitários das trocas, Smith a eles associava considerações morais
(por mais desigual que seja a sociedade mercantil, ela deve melhorar a
situação de todos, mesmo dos mais pobres), geo-históricas (a sociedade
mercantil ou o mercado como um todo aproxima o conjunto das re­
giões acessíveis por meio de transporte marítimo ou fluvial, em con­
traste com as regiões interiores) e políticas (a troca generalizada, que
os indivíduos com alguma especialidade devem considerar inevitável,
liberta estes últimos dos constrangimentos políticos feudais). Smith
também levava em consideração aspectos sociais da divisão do trabalho
quando ensina que, como a multiplicação dos bens produzidos por in­
divíduos especializados não lograva mais satisfazer ao conjunto de suas
necessidades, não era mais possível fazer circular os bens por meio de
relações políticas (redistribuição das riquezas coletadas pelo poder polí­
tico) ou afetivas (alocação dos bens no seio da família). Uma vez que a
divisão do trabalho tornou-se maior, os indivíduos não conseguem tra­
var relações políticas ou afetivas suficientes para se munir de todos os
bens de que querem dispor, pois tais relações demandam muito tempo
para ser estabelecidas. Conseqüentemente, a troca comercial, afetiva e
politicamente neutra revela-se fundonalmente adequada à circulação
de riquezas produzidas em maior quantidade em decorrência da divisão
do trabalho.
A seguir, afirma Durkheim, autores como Herbert Spencer propu­
seram uma visão da sociedade fundada no modelo da troca. A troca
seria um contrato livremente negociado entre as partes e as obrigações
sociais não seriam mais do que conseqüência desses acordos livremente
estabelecidos entre os agentes. Durkheim rejeita esta explicação, recor­
rendo a um argumento socioeconômico similar ao de Smith. Levando
a tese de Spencer ao limite, Durkheim demonstra facilmente sua na­
tureza defeituosa. Suponhamos que o vínculo social seja semelhante à
relação econômica livremente entabulada entre as partes contratantes:
a multiplicação das trocas exige que cada indivíduo negocie sem parar
tanto as transações cujo resultado é imediato como as transações cujos
resultados se estendem por um longo período de tempo (empréstimo
16 A Sociologia Econômica • Steiner

a juros, por exemplo). Conseqüentemente, o tempo social empregado


para negociar as relações contratuais, notadamente aquelas que são
complexas e duradouras, toma-se considerável; tão considerável, afir­
ma Durkheim, que os indivíduos ficariam literalmente impedidos de
fazer qualquer outra coisa caso devessem negociar livremente, o tempo
todo, as condições de suas relações contratuais. Numa palavra, a van­
tagem socioeconômica que Smith julgava encontrar na troca comercial,
em comparação com a que existe na circulação política ou afetiva dos
bens, desaparece.
Conhece-se a conclusão que Durkheim extrai dessas considerações:
o livre contrato só é possível em razão de elementos não contratuais,
isto é, quando ele se apóia sobre instituições sociais, sobre tipos pre-
estabelecidos de contrato que se impõem aos agentes. Essa conclusão,
convém notar, está muito próxima da idéia sobre a qual repousa a teoria
econômica dos custos de transação desenvolvida por Ronald Coase e,
posteriormente, por Oliver Williamson. Com efeito, segundo esses auto­
res, as transações têm um custo (em termos de tempo, de informações
que precisam ser obtidas etc.) e a minimização de tais custos encon­
tra-se na base da explicação dos arranjos institucionais que surgem na
economia de troca, especialmente a existência de empresas (COASE,
1937), ou de contratos que estabelecem direitos diferentes conforme o
tipo de bem trocado (WILLIAMSON, 1981). Se existe semelhança entre
os dois enfoques, quando a questão é levar em conta o custo das transa­
ções comerciais, há no entanto diferença marcante quanto à solução a
que chegam. Na teoria econômica dos custos de transação, os arranjos
institucionais são “selecionados” segundo um critério de maximização
idêntico ao que se encontra no motivo para o comportamento do homo
oeconomicus; em outras palavras, é porque a firma e sua organização
interna minimizam os custos de transação que elas levam vantagem no
mercado local. Este tipo de explicação não tem curso no quadro da so­
ciologia econômica durkheimiana: a instituição social que é o contrato
não é o fruto de um cálculo que persegue a otimização, mas o resultado
difuso da evolução social. Durkheim salienta, a respeito disso, a que
ponto as representações sociais de justiça precisam ser consideradas
quando se trata de explicar a emergência do contrato. Esta justiça não
Da antiga à nova sociologia econômica 17

é a justiça do mercado no sentido de que basta respeitar as regras co­


merciais para que a troca seja declarada justa; a representação social da
justiça sobre a qual Durkheim se apóia é a que assegura a cada grupo
social uma remuneração adequada à sua contribuição e à sua posição
social. Na linguagem do autor, essas representações são instituições;
elas são, da mesma forma, consideradas instituições na terminologia
da teoria econômica moderna, como se percebe quando John K. Arrow
(1974, p. 28) assinala que ele dá grande importância às “instituições
invisíveis”, como a confiança, ou os princípios éticos e morais, quando
se trata de analisar as organizações que acompanham ou atenuam o
funcionamento do mercado.
Logo, quando se trata do contrato de troca em geral, as representa­
ções sociais têm um papel na sociologia econômica durkheimiana; elas
também têm um papel no que toca ao comportamento dos consumido­
res (MILLER, 1998).

Consumo e comportamentos de compra

A partir de pesquisas estatísticas sobre orçamentos operários,


Halbwachs faz a seguinte indagação: como explicar que as famílias ope­
rárias tenham uma estrutura de despesa diferente da das famílias que
possuem um poder de compra igual por unidade de consumo? Como
explicar que os orçamentos operários não sigam as leis que foram de­
duzidas pelo estatístico Emst Engel quanto à estabilidade relativa da
parcela da renda destinada a vestuário e moradia? A resposta está no
conceito de representação: representação é o mecanismo cognitivo por
meio do qual os agentes concebem o mundo econômico, e agem em
conseqüência dessa percepção. Enquanto instituição, as representações
conferem uma constância a certos comportamentos, mesmo quando
eles não correspondem mais à situação dos agentes, como pode ser
o caso em uma situação de mobilidade econômica para cima. Em ou­
tras palavras, tuna família operária pode conservar uma estrutura de
despesas que não corresponde mais a seu novo status econômico ou
a uma nova relação entre poder de compra da família e o número de
unidades de consumo. Halbwachs amplia de maneira pertinente o uso
18 A Sociologia Econômica • Steiner

da noção de representação ao sugerir a existência de diferenças nas


representações no seio do mesmo grupo social conforme o tipo de des­
pesa realizada.
Halbwachs caracteriza as despesas conforme seu montante (fraco/
forte) e sua freqüência (baixa/alta), e associa a elas representações dis­
tintas. Quando se trata de alimentação, despesa cotidiana pouco eleva­
da, o preço parece ser uma característica material do próprio produto,
aceito como evidente na medida em que ele permanecer dentro de limi­
tes de variação considerados, eles mesmos, naturais. Em contrapartida,
o preço fora do comum levanta suspeita, mesmo que seja mais baixo.
Como relata Michelle de La Pradelle (1996, p. 166-168), o comerciante
que atua no mercado de Carpentras não consegue escoar o produto
que obteve de seu fornecedor por um preço excepcionalmente baixo, e
que ele gostaria de repassar a seus clientes, mesmo quando o produto
tem a mesma qualidade de sempre. De acordo com a explicação dada
por Halbwachs, a representação que o comprador faz dessa situação é
a seguinte: se o preço é baixo (em relação ao “preço natural”), é por­
que falta alguma característica material do produto; assim, não convém
comprá-lo. Tem-se aí um mecanismo do gênero daquilo que os econo­
mistas chamam de “seleção adversa”: a baixa do preço é interpretada
em termos de baixa da qualidade, e o comprador racional se recusa a se
deixar guiar unicamente pelo sinal emitido pelo baixo preço (AKERLOy
1970). Assim que o comerciante restabelece o preço habitual (que ele
aumenta), o produto é escoado como de costume. No caso do vestuá­
rio, como a freqüência da compra é mais baixa, falta informação sobre
a relação qualidade/preço: nesse caso trata-se de ser menos enganado
pelo comerciante; assim, a compra será guiada pela preocupação de
comprar barato. No entanto, Halbwachs introduz em suas considera­
ções um motivo de visibilidade social, extraído do estudo que Veblen
(1899) dedicou ao consumo ostentatório, isto é, ao consumo que tem
por objetivo satisfazer à necessidade que se tem de sinalizar para os vi­
zinhos que se possui “os meios”. Diferentemente da alimentação toma­
da no recesso do lar, a despesa com vestuário depende desse motivo de
visibilidade social, o que leva a um gasto mais alto nesse item (compra
de roupa de “boa qualidade”) do que o gasto que dependería da descon­
Da antiga à nova sociologia econômica 19

fiança do comprador em relação ao comerciante. Por fim, a despesa com


moradia, elevada e de freqüência baixa (Halbwachs, habilmente, consi­
dera a despesa com moradia não em sua ocorrência semanal ou mensal,
mas no momento da mudança de moradia, momento em que devem ser
tomadas as decisões “psicologicamente” pesadas), é sempre considerada
uma despesa fora de proporção em comparação com sua serventia.
Insiste-se sobre estes aspectos da sociologia econômica durkheimia-
na e, em especial, sobre a abordagem que parte das representações
sociais para explicar os comportamentos dos agentes e determinar as
razões das ocorrências empíricas observadas, com o intuito de chamar
a atenção para o risco que existe em contrapor sumariamente o enca­
minhamento do raciocínio durkheimiano e o raciocínio weberiano. Para
Halbwachs, o sociólogo-economista durkheimiano se encontra muito
próximo do raciocínio weberiano, raciocínio que Weber (1904, p. 170)
expõe ao afirmar:

“No que nos concerne, chamamos “fim” (motivo) a represen­


tação de um resultado que se toma causa de uma ação. E a leva­
mos em consideração do mesmo modo que levaríamos qualquer
outra causa que contribua ou possa contribuir para um resultado
significativo.”

Quadro 1 Tipos de despesa e representações segundo Halbwachs.

Freqüência 0 .
baixa Alta
Montante
Vestuário Alimentação
Fraco "Incerteza quanto à qualidade: "Naturalidade do
não ser muito enganado" preço corrente"
Moradia
Forte "Pagamento sempre muito alto, *
mas não ilegítimo"

* Essa tipologia das despesas da classe operária não contempla despesas altas
freqüentes.
2 0 A Sociologia Econômica • Steiner

Teorias da ação econômica

A teoria da ação recebeu atenção contínua por parte da sociologia


econômica. Como melhorar a compreensão que se pode ter do compor­
tamento econômico? A resposta a esta questão foi dada por teorias da
ação mais ricas, que abriram a porta para outras formas de racionalida­
de e para outros motivos para o comportamento econômico que não os
da racionalidade instrumental. Curiosamente, com o passar do, tempo,
acabou-se por esquecer a origem dessa questão, situada no cruzamento
da economia e da sociologia, por se acreditar que se tratava de reflexões
próprias à sociologia e externas ao campo da economia.

As ações econômicas racionais e seus fantasmas

Com o século XX, surgiu a idéia segundo a qual a teoria econômica


ocupa-se dos comportamentos egoístas racionais: como as preferências
eram consideradas dados estáveis, a teoria econômica modelava os
comportamentos dos agentes, estabelecendo que eles procuram obter o
melhor bem-estar possível, cedendo uma parte dos bens que possuem
para adquirir outros bens até o momento em que nenhuma transação li­
vremente consentida consiga melhorar mais a situação de um par qual­
quer de agentes. Esta ação racional instrumental, cujo caráter é mais
normativo (“o que faria o agente caso fosse inteiramente racional”) que
descritivo (“o que faz realmente o agente”), toma-se a pedra de to­
que da teoria econômica. Sua força deriva do fato de que ela repousa
sobre uma única forma de ação, que oferece a vantagem decisiva de
ser facilmente compreensível (bastaria aplicar as regras da lógica para
compreender o sentido da ação para o ator) e passível de formalização
matemática (otimização forçada). Diante desse esquema explicativo,
sociólogos e economistas esforçam-se para demonstrar que é necessário
incluir outras formas de ação nesse esquema.
Pareto tem um papel de primeiro plano nessa problemática na me­
dida em que sua contribuição pessoal se situa, simultaneamente, no
registro da teoria econômica e no da sociologia econômica. De um lado,
ao rejeitar a referência à utilidade e à filosofia militarista, ele modela
Da antiga à nova sociologia econômica 21

o comportamento econômico em termos de teoria da escolha racional.


A porção social ou não racional do indivíduo está concentrada em suas
preferências, representadas por meio de curvas de indiferença (o con­
junto das “cestas” de bens às quais o indivíduo se mostra indiferente)
hierarquizadas segundo números-índices. A teoria do equilíbrio geral
produz seus resultados em termos de equilíbrio e do alcance do óti­
mo com base nas escolhas racionais de indivíduos considerados como
seres independentes uns dos outros. De outro lado, Pareto se recusa a
estender esta teoria da escolha racional para além de um círculo bas­
tante limitado de fenômenos - econômicos basicamente - e rejeita a
opção que será contemplada pelo imperialismo econômico, segundo o
qual qualquer ato que implique meios escassos (nem que seja apenas
o tempo) pode ser estudado segundo os procedimentos da análise eco­
nômica. Com efeito, segundo Pareto, as ações racionais (lógicas, para
ficar com sua terminologia) constituem apenas um tipo de ação, ao
lado de ações não racionais (não lógicas). Além disso, ele pensa que as
ações não lógicas são as mais importantes quando se trata de explicar
os fenômenos sociais, isto é, quando se passa da primeira aproximação,
dada pela economia pura, à sociologia.

Ações lógicas e não lógicas, segundo Pareto


Pareto (1917, p. 67-76) exige três condições para que uma ação seja ló­
gica: (1) o ator deve conferir um objetivo subjetivo à sua ação (tratar-se-ia
de uma ação significativamente orientada no sentido de Weber) e organi­
zar conscientemente seu desenrolar; (2) o observador externo, possuidor do
conjunto dos conhecimentos científicos do momento, determina o propósito
objetivo da ação (o alvo a ser efetivamente atingido com ela); (3) os dois
objetivos são idênticos. A ação econômica, com a qual o homo oecono-
micus procura extrair (objetivo subjetivo) de cada franco à sua disposição
a maior utilidade possível em comparação com a utilidade marginal dos
diversos bens ao seu alcance, é considerada, pelo observador (o teórico do
equilíbrio geral), uma ação que permite alcançar esse objetivo. A ação é, por
conseguinte, lógica.
Assim que uma destas três condições deixa de ser respeitada, a ação cai
no vasto domínio das ações não lógicas. Aliás, não lógico, em Pareto, não
2 2 A Sociologia Econômica " Steiner

quer dizer ilógico: uma ação não lógica pode ser o que de melhor se pode
fazer em uma época específica com os conhecimentos que então se tem. As
ações sem objetivo subjetivo são extremamente raras; Pareto, nesse ponto,
vai ao encontro da opinião de Weber, para quem as ações sem propósitos
objetivos são mais numerosas do que as outras (a magia é um exemplo disso:
os encantamentos não farão chover). 0 caso mais interessante a respeito des­
se assunto é o de uma ação na qual os dois propósitos, subjetivo e objetivo,
existem, mas não tendem ao mesmo fim. Mais abaixo veremos um exemplo
muito importante disso quando enfocarmos a ação do empreendedor em
situação de concorrência perfeita.

Tomemos o exemplo do protecionismo, freqüentemente aborda­


do pelo autor. A teoria pura do comércio internacional ensina que as
nações (e os indivíduos que as compõem) podem esperar vantagens
mútuas do livre comércio; não obstante isso, constata-se que há mui­
tas políticas econômicas protecionistas e que alguns países vêem sua
riqueza aumentar ao aplicar tpí política. Deve-se concluir que a teo­
ria pura da escolha racional/á falsa, que os fatos a desmentem? Isso
seria uma facilidade que Báreto descarta. A teoria não é falsa, mas é
incompleta porque não logra explicar, sozinha, o fenômeno concreto;
é preciso acrescentar outras explicações a essa explicação dada pela
teoria pura da escolha racional para dar conta do fenômeno concreto.
Então, o entendimento que Pareto tem sobre o assunto é o seguinte: o
protecionismo é o resultado dos pedidos de proteção endereçados aos
governantes por empreendedores que procuram evitar a concorrência e
assim enriquecer mais facilmente. As barreiras alfandegárias redundam
em uma produção de riquezas menor do que a possibilitada pelo livre
comércio (efeito econômico de primeira ordem); em contrapartida, o
processo de criação de rendas protecionistas favorece os empreendedo­
res astuciosos e difunde os valores do sucesso econômico. O protecio­
nismo tem, por conseguinte, efeitos sociais de segunda ordem, porém
a reflexão de Pareto não pára aí. Os tipos de indivíduos favorecidos e
as mudanças da mentalidade econômica induzidas pelo protecionismo
podem, com o tempo, aumentar a produção de riquezas (efeito econô­
mico de terceira ordem) a ponto de contrabalançar o impacto negativo
Da antiga à nova sociologia econômica 23

do efeito econômico de primeira ordem do protecionismo. Apoiada em


um entrelaçamento das ações lógicas e não lógicas, a sociologia econô­
mica de Pareto não é um invólucro vazio, e ela produz conhecimentos
específicos; o mesmo acontece com a teoria da ação de Weber.
A tipologia da ação de Weber é, indubitavelmente, a mais conheci­
da e mais utilizada nos dias de hoje. O autor distingue quatro tipos de
ações: tradicionais, afetivas, raciônais em relação a um valor e racionais
em relação a um fim. Se deixarmos de lado as ações rotineiras (baseadas
na tradição, no “foi sempre assim”) e as ações afetivas (baseadas nas
impulsões e nos afetos do momento ou, ainda, como propõe Jon Elster
[1998], nas emoções), as ações são racionais seja em termos de valor,
dos valores que estão na origem da ação, seja em termos de adaptação
dos meios aos fins almejados.
A questão da origem do comportamento econômico racional vai per­
mitir demonstrar a imbricação existente entre as duas formas de ação
racional. Em UÉthique protestante et Vesprit du capitalisme, Weber (1905)
mostra como o comportamento econômico racional, suporte fundamen­
tal de toda a civilização moderna, é uma construção social específica.
Segundo Weber, antes da época moderna (século XVI) a dominação da
religião era tal que nenhuma mudança dos comportamentos legítimos
podería ter lugar sem seu consentimento. A ação econômica é, então,
tradicional em dois sentidos: ela é ou uma ação na qual não há a procu­
ra sistemática do ganho (o camponês procura satisfazer a suas necessi­
dades e, isto alcançado, pára de trabalhar) ou tuna ação em que o amor
pelo ganho se exerce de forma pura, sem escrúpulos, sem consideração
de rentabilidade de longo prazo. A Reforma Protestante, na sua acepção
calvinista, difundiu na comunidade dos fiéis um comportamento ascé­
tico e uma visão do trabalho como dever. Como conseqüência de uma
determinação divina - que faz com que cada indivíduo, não importando
o que ele faça, seja condenado ou salvo -, os crentes procuram meto­
dicamente sinais de sua predestinação à salvação, fazendo frutificar o
mundo que Deus criou para sua glória. Este comportamento religioso (a
procura da salvação, a confirmação diante do outro de seu status de elei­
to) provoca ações racionais em relação a um valor cujas conseqüências
2 4 A Sociologia Econômica • Steiner

econômicas são evidentes (disciplinamento do comportamento, busca


da criação da maior riqueza possível, não para dela usufruir, mas para
reinvestir etc.), mas não poderíam ser socialmente aceitas se não esti­
vessem estribadas no referido comportamento religioso.

As racionalidades da ação segundo Weber


A ação racional se apresenta, antes de tudo, como racionalidade instru­
mental ou adaptação racional dos meios aos fins perseguidos. Weber asso­
ciou esta definição, extremamente forte, fundamentalmente ao comporta­
mento econômico tal como descrito pela teoria marginalista:

"Age de maneira racional em relação a um fim quem orienta sua


atividade tendo em vista os fins almejados, os meios a serem emprega­
dos e as conseqüências subseqüentes de seu ato, e, ao mesmo tempo,
confronta racionalmente os meios e o fim, o fim e as conseqüências sub­
seqüentes, e, finalmente, compara os diferentes fins possíveis entre si"
(WEBER, 1921, p. 23).

A definição ideal-tipo da ação instrumental tem um nível de abstração


que não fica aquém da ação egoísta do homo oeconomicus.
Entretanto, Weber leva em conta uma segunda forma de ação racional, a
ação racional que prioriza um valor:

"Age de uma maneira puramente racional em relação a valores quem


age sem levar em conta conseqüências previsíveis de seus atos, tão domi­
nado está este indivíduo por sua crença em algo que lhe parece ordenado
pelo dever, pela dignidade, pela beleza, por diretivas religiosas, pela pie­
dade ou pela grandeza de uma 'causa' de qualquer natureza" (ibidem).

Esta segunda forma de racionalidade, a racionalidade axiológica, confor­


me a terminologia de Raymond Boudon (1998a, 1998b), considera que a
ação não busca uma adaptação dos meios aos fins de maneira a produzir as
conseqüências preferidas pelo ator, mas procura fazer prevalecer um princípio
axiológico, um valor ao qual o indivíduo adere, qualquer que seja a conse-
qüência jnaterial dessa ação para o ator (por exemplo, no "jogo do ultimato",
quapdo se trata de dividir uma soma de dinheiro entre dois agentes, em
,nóme do princípio da eqüidade da justiça um ganho pode ser recusado por
um jogador se a oferta que lhe é feita parece-lhe injusta, mesmo se o preço a
pagar possa ser não auferir ganho algum).
Da antiga à nova sociologia econômica 2 5

A oposição entre a racionalidade instrumental econômica e a raciona­


lidade axiológica pode tornar-se profunda como se deduz da reflexão que
Amartya Sen (1987) consagra ao "idiota racional" (o homo oeconomicus): a
teoria econômica pode integrar os comportamentos altruístas com bastante
facilidade, mas o mesmo não acontece com os comportamentos axiológicos
em que, em nome de seus valores, o agente age racionalmente contra seu
interesse econômico.

Este comportamento racional em termos de valor (religioso, visto


que o ator trata de garantir sua salvação eterna) tem como conseqüên-
cia não desejada a aparição de um sistema econômico no qual o móbil
religioso da ação não é mais necessário: daí em diante, passa a ser obri­
gatório agir de acordo com a racionalidade econômica; de outra forma,
o indivíduo expõe-se a conseqüências danosas na luta (na concorrên­
cia) pelo acesso à riqueza.
Mais uma vez, é decisivo constatar que, na sociologia econômica
de Weber, como na de Pareto ou de Simiand, a teoria da ação mobiliza
várias modalidades de ação. Ontem como hoje, a sociologia econômica
combina o comportamento guiado pelo interesse e o comportamento
que depende das relações existentes entre os atores (valores e normas,
afetos, objetivos etc.).

O caso do empreendedor

O comportamento do empreendedor constitui um problema na teo­


ria econômica baseada na ação racional instrumental, como se pode
demonstrar facilmente, retomando uma análise desse comportamento
feita por Pareto. O empreendedor procura obter o maior lucro possível
por meio de uma combinação de fatores de produção, fatores que ele
compra a preço de mercado para produzir mercadorias a serem ven­
didas, também elas, a preço de mercado. Em uma situação de concor­
rência pura, o empreendedor não tem influência sobre os preços; estes
são, então, dados para ele, dados em função dos quais são decididas as
técnicas de produção e as quantidades compradas e ofertadas. Mas o
comportamento desse empreendedor, somado ao dos outros empreen­
26 A Sociologia Econômica • Steiner

dedores, modifica os dados da economia, e o cálculo que visa à otimi­


zação deve ser retomado a partir de novos dados (preço-quantidade).
Este procedimento teórico de determinação do equilíbrio (o “tatear”
walrasiano), em situação de concorrência pura, deságua no resultado
bem conhecido no qual, em situação de equilíbrio, o empreendedor nem
ganha nem perde. Consequentemente, no coração da teoria econômica
pura, estão presentes ações não lógicas do empreendedor: o intuito sub­
jetivo é obter um ganho, o intuito objetivo é a anulação dos ganhos no
equilíbrio; os dois intuitos divergem, e a ação é do tipo não lógica.
Pode-se perguntar, aliás, como tal comportamento, sistematicamen­
te divergente, logra se manter e como pode dar lugar a motivos racio­
nais para a ação. Para divertir-se com tais questões, Pareto introduz na
argumentação um comportamento mais complexo. Como o especula­
dor, o empreendedor parte de previsões sobre os valores de equilíbrio
futuros: se estas previsões estiverem corretas, ele terá um lucro antes
que o processo de convergência para o equilíbrio venha a eliminar esta
fonte de ganho. Convém notar que estas previsões são de natureza não
lógica, visto que, como as preferências, não podem ser explicadas ra­
cionalmente. Em suma, com o empreendedor, a teoria econômica de
Pareto coloca no centro do estudo do mercado um comportamento que
não pode ser explicitado em termos de pura racionalidade econômica.
Ele não é o único a pensar dessa forma.
Bom conhecedor da teoria do equilíbrio geral, aluno de Weber,
Schumpeter propõe que se conceba a racionalidade do empreendedor
como uma racionalidade completamente diferente da do agente econô­
mico racional que está na base da teoria do equilíbrio. Segundo Schum­
peter (1911), o empreendedor não é movido pelos princípios do cálculo
custo-beneficio (racionalidade instrumental), mas por outros motivos,
como a criação de um império industrial, por sede de poder, por gosto
pelo sucesso etc. Alguns anos mais tarde, Frank H. Knight (1921) ex­
plica o lucro do empreendedor pela situação de incerteza mercantil:
diante da incerteza inerente ao futuro, quando não se consegue listar
os estados possíveis do mundo, o empreendedor não tem condições de
otimizar sua ação, como reclama a teoria da utilidade esperada; ele
Da antiga à nova sociologia econômica 2 7

recorre, então, à sua intuição e a sua avaliação. Assim, precisamente por­


que decisões são não imputáveis (não se consegue definir um preço do
serviço “intuição” que iguale sua rentabilidade marginal), o empreende­
dor, quando sua avaliação o fez prever corretamente a evolução futura
do mercado, obtém um lucro puro.
Por trás de todos estes termos (ações não lógicas, auto-realização,
avaliações), aos quais se podería acrescentar os de John M. Keynes
(1936) sobre o “espírito animal” dos empreendedores, termos cuja co­
notação extra-racional é evidente, percebe-se que no coração da racio­
nalidade mercantil figura um comportamento que não depende apenas
da racionalidade instrumental. Isto prova que princípios de uma outra
natureza devem ser utilizados para que se possa dar conta dos fenôme­
nos econômicos, inclusive dos que, como é o caso do empreendedor,
encontram-se no centro do mercado.

A nova sociologia econômica

0 ressurgimento incontestável da sociologia econômica contempo­


rânea está associado aos trabalhos que Mark Granovetter publicou des­
de fins dos anos 1970. O que ele, posteriormente, denominou a “nova
sociologia econômica” é um saber que recorre copiosamente ao patri­
mônio gerado pela sociologia econômica do começo do século XX, e é
importante registrar tal continuidade. A definição da sociologia eco­
nômica, que emana das proposições de Granovetter, vai permitir com­
preender este aspecto das coisas antes que sejam avançadas as caracte­
rísticas que justificam o nome “nova” com que se enfeitou a sociologia
econômica contemporânea.

Definição d a nova sociologia econôm ica

Granovetter caracteriza sua sociologia econômica por meio dos se­


guintes traços: “Minha abordagem da sociologia econômica apóia-se em
duas proposições sociológicas fundamentais: em primeiro lugar, a ação
é sempre socialmente localizada e não pode ser explicada, fazendo-se
28 A Sociologia Econômica • Steiner

referência, apenas, aos motivos individuais que possam tê-la ensejado;


em segundo lugar, as instituições sociais não brotam automaticamente,
tomando uma forma incontomável; elas são construídas socialmente
(GRANOVETTER, 1990, p. 95-96). Por mais elementares que sejam, es­
tas duas idéias são decisivas: elas insistem sobre o fato de que os temas
caros à teoria econômica (a ação individual egoísta em dado quadro
institucional) são passíveis de análise, e não são considerados fenôme­
nos evidentes por si só, únicos suportes da explicação cientificamente
admissível. A sociologia econômica não pretende, obviamente, recusar
categoricamente a teoria econômica; nem pretende, menos ainda, con-
siderá-la como uma ciência definitiva que não deixa dúvidas, dado que
seus princípios explicativos são muito parciais para isso. A sociologia
econômica busca seu caminho unindo análises sociológicas e econômi­
cas de maneira a obter uma explicação melhor para os fatos socioeconô-
micos do que a explicação fornecida pela teoria econômica.
Granovetter explicita, em seguida, três níveis nos fenômenos de que
se ocupa a sociologia econômica:

“Eu distingo três níveis de fenômenos econômicos. O primei­


ro é a ‘ação econômica individual’. Reservo para esse nível a
definição weberiana: (a ação econômica individual) é a ação
orientada para a satisfação das necessidades, estabelecidas pelos
indivíduos, em situação de escassez [...] Desejo também explicar
fenômenos que se situam além da ação individual - fenômenos
que chamo de “resultados econômicos” e “instituições econômi­
cas” [...] As instituições são diferentes dos resultados (formação
de preços estáveis para mercadorias específicas, formação de di­
ferenciais de salário entre algumas categorias de trabalhadores
etc.), pois elas designam conjuntos maiores de ações e compor­
tam uma dimensão normativa (como as coisas devem ser feitas)”
(ibidem, p. 98).

A sociologia econômica revela, desse modo, vocação para encarre­


gar-se dos diversos domínios do mecanismo mercantil, áreas em que a
teoria econômica centra a parte mais importante de seu discurso.
Da antiga à nova sociologia econômica 29

0 imperialismo econômico
Por este termo, designa-se a estratégia de investigação que considera a
teoria econômica como a "gramática gerai" da ação humana, como o modelo
imprescindível a qualquer teorização em ciências sociais (LAZEAR, 2000). A
razão invocada para isso, simples e poderosa, é que a ação é sempre uma
alocação de meios escassos (o tempo é sempre limitado) a possibilidades di­
versas; em resumo, a ação é olhada de acordo com o modelo da ação racional
instrumental, que está na base da teoria econômica. Os estudiosos mais ex­
tremados, como Ludwig von Mises (1929, p. 23-35), chegam mesmo a negar
a existência da ação irracional já que bastaria conhecer as representações do
agente "irracional" para constatar que o que nos parece loucura a ele parece
uma ação racional.
Valendo-se desse princípio, a partir dos anos 70 a análise econômica es­
tendeu-se a um grande número de fenômenos não econômicos e ocupou um
lugar, agora bem consolidado, tanto em ciências políticas, em demografia,
quanto em sociologia (a Rational Choice Sociology desenvolvida em torno de
James S. Coleman).
Esse termo possui ainda um outro sentido quando com ele se designa não
mais uma prática científica, mas uma representação social na qual os pro­
blemas humanos, sociais, políticos são encarados em termos essencialmente
econômicos. É o que usualmente é chamado de "economicismo". Não se
trata mais da prática e das representações de um mundo acadêmico, mas de
representações, se não comuns, pelo menos amplamente difundidas, de uma
forma central do imaginário moderno, escolhido como problema e como ob­
jeto de reflexão (LEBARON, 2000), que exige, como veremos adiante, uma
sociologia do conhecimento econômico.

Ela se apresenta, então, como lima resposta bem articulada às pre­


tensões dos que se aferraram à montagem do “imperialismo econômi­
co”: a sociologia econômica não rechaça o princípio do comportamento
egoísta; não obstante isso, não crê que ele seja a pedra filosofal da
explicação da ação em ciências sociais, e se propõe a examinar o pro­
blema sob outro aspecto, isto é, mostrando que a análise sociológica,
apoiando-se em concepções alternativas da ação, de sua racionalidade
e da origem das instituições, é capaz de fornecer explicações melhores
dos fenômenos mercantis do que a teoria econômica. Numa palavra, a
3 0 A Sociologia Econômica • Steiner

melhor maneira de pregar uma peça no imperialismo econômico não é


discutir seu princípio e suas bases metodológicas ou criticar suas (más)
aplicações (coisas que interessam e que, sem dúvida, a sociologia e a teo­
ria econômica concordam que é necessário fazer), mas encarar o desafio,
passar a um contra-ataque particularmente enérgico, já que o imperialis­
mo econômico volta seu ataque contra fenômenos mercantis centrais,
como a procura do emprego, o funcionamento dos mercados financei­
ros, as práticas monetárias etc. Dessa perspectiva, e contrariamente à
opinião de Granovetter, fica evidente que a nova e a antiga sociologia
econômica têm a mesma ambição e utilizam a mesma abordagem ao
insistir na capacidade que tem a análise sociológica de contribuir para
a compreensão desses fenômenos econômicos centrais. Isto fica patente
em Durkheim (a troca generalizada), Simiand (o salário), Halbwachs
(o consumidor), Pareto (o protecionismo, o empreendedor) e Weber (a
origem do comportamento racional).
A definição proposta por Granovetter e as reflexões provindas da so­
ciologia econômica do começo do século XX mostram que os conceitos
de ação e instituição continuam, ontem como hoje, essenciais para o
desenvolvimento da sociologia econômica. Reconhecer este estado das
coisas significa que neste fim de século não estamos mais adiantados do
que em 1920? Convenhamos que não se pode chegar a essa conclusão.
Desde então, a sociologia econômica enriqueceu-se de maneira notável
ao se desenvolver conceitualmente (teoria da inserção social da econo­
mia), tecnicamente (análise de redes ou análise estrutural) e empirica-
mente, e de tal modo que, de ora em diante, uma situação nova surgiu
na medida em que a sociologia econômica se debruça sobre o terreno
predileto do economista: o mercado.
A sociologia econômica
do mercado

Pode a sociologia econômica estabelecer-se no mercado quando a teo­


ria econômica ocupa firmemente e sozinha esse terreno? Se, na pesqui­
sa aplicada, as diferenças entre as duas disciplinas não são pronuncia­
das, o mesmo não se dá na teoria, nesse nível abstrato que constitui a
referência dos economistas. De que modo pode a sociologia impor seus
métodos em um domínio que ela negligenciou durante meio século?
Que novidade lhe permite, a partir do fim dos anos 1970, tentar esta­
belecer-se nesse terreno? Por fim, que démarche específica da sociologia
econômica a distingue da teoria econômica quando uma e outra tratam
do mesmo objeto?

Comportamento racional e sistema de mercados

Para o economista contemporâneo, o mercado resume-se ao nome


dado ao encontro de uma curva de oferta e de uma curva de demanda,
resultante do comportamento de agentes cujas relações estão esvazia­
das de qualquer conteúdo social. Estudando as relações entre a deman­
da, a oferta e o valor, em um capítulo intitulado “On Markets”, Alfred
Marshall declara:

“Esta parte não é descritiva, ela não trata os problemas reais


de maneira construtiva. Mas elabora a estrutura teórica de nosso
conhecimento sobre os motivos que influenciam o valor, e prepa­
3 2 A Sociologia Econômica • Steiner

ra, assim, as reflexões que se seguem (a distribuição da renda)”


(MARSHALL, 1961, p. 324).

Na verdade, o autor ensina que um mercado é bem organizado na


medida em que há unicidade do preço de um bem em um determinado
período.
O mercado da teoria econômica é um conceito muito abstrato, re­
sultado de um processo de racionalização do conhecimento econômico,
em construção há pelo menos dois séculos. Esta observação deve ter o
mérito de impedir que se creia que estamos nos desembaraçando de
problemas levantados pela teoria econômica ao denunciar o que parece
como que um ectoplasma de realidade social. Ocorre com o mercado o
mesmo que ocorre com o agente econômico - o famoso homo oecono-
micus - que se avia nesse terreno. John Stuart Mill (1843, II, p. 497)
explicava, ao apresentar esse personagem, que não havia um único eco­
nomista que acreditasse que os indivíduos agissem realmente da manei­
ra como agiría o homo oeconomicus; da mesma forma, os economistas
contemporâneos dizem que sua representação teórica do mercado não
se confunde, de modo algum, com a representação do mercado que eles
têm enquanto indivíduos.

Abstrações úteis...

Contrariamente a certas afirmações (BARBER, 1977), não seria di­


fícil demonstrar que a economia política, do século XVIII aos nossos
dias, abriga abordagens muito mais ricas em conteúdos sociais do que
comumente nos recordamos. Entretanto, não se trata de negar a di­
ferença das abordagens, mas de lamentar que a que mais agrada aos
sociólogos-economistas seja relegada em favor da abordagem formal e
abstrata. É preciso partir do que há de profundo e de importante nessa
representação abstrata de modo a tornar clara a contribuição da teoria
econômica e, assim, registrar essa interface à qual a sociologia econô­
mica resiste.
Antes de tudo, o mercado abstrato é o lugar adequado ao livre cur­
so do comportamento, igualmente abstrato, do homo oeconomicus, que
A sociologia econômica do mercado 33

age movido pelo único objetivo do ganho econômico e de acordo com


uma regra “econômica” de maximização do resultado de sua ação, pro­
porcionalmente aos meios empregados (ou por meio da minimização
dos meios para um resultado dado). Afirmar isto equivale a dizer que
a teoria econômica utiliza o mercado como meio para definir as carac­
terísticas do comportamento economicamente racional; para tanto ad­
mite hipoteticamente uma situação em que esse comportamento possa
se desenvolver sem entraves. Cabe, aqui, retomar uma afirmação de
Simiand: o economista define mundos possíveis, quer dizer, resultados
teóricos logicamente possíveis a partir de um mercado em que se encon­
tra um grande número de agentes semelhantes. Por essa razão, alguns
teóricos modernos da teoria da escolha racional consideram, com razão,
que esta teoria tem dimensão normativa importante (ELSTER, 1989a,
Cap. 3-4; 1989b, Cap. 1; SEM, 1987), talvez essencial.

A teoria da escolha racional


A teoria da escolha racional tornou-se, depois de Pareto, John R. Hicks e
Lionel Robbins, o ponto de partida da teoria econômica moderna. O com­
portamento do agente econômico é, então, abordado em termos de escolha,
real ou virtual, entre opções alternativas. A partir dessas escolhas, que supos­
tamente respeitam o axioma de transitividade, em especial, podem-se deduzir
curvas de indiferença das quais decorre a teoria microeconômica do consu­
midor. A vantagem esperada dessa abordagem está, fundamentalmente, em
um nível metateórico: graças a ela pode-se prescindir de uma referência à
utilidade e à doutrina utilitarista.
Como afirma Elster (1989a, Cap. 3), a teoria limita-se a afirmar que, dian­
te de alternativas, os indivíduos fazem habitualmente o que eles pensam que
deverá produzir o melhor resultado. Por conseguinte, o comportamento é,
supostamente, um comportamento instrumental, ou seja, ele é norteado pelo
resultado esperado da ação. Bastante simples em seu enunciado inicial, esta
teoria torna-se bem menos simples quando se leva em conta a interação entre
vários indivíduos (SHUBIK, 1982), ou quando se consideram escolhas em um
cenário incerto (MACHINA, 1987).
Com Robbins, a teoria da escolha racional tornou-se uma peça decisiva
para a expansão da teoria econômica em direção a outras áreas das ciências
3 4 A Sociologia Econômica • Steiner

sociais. Realmente, já que os seres humanos estão sujeitos à "escassez do


tempo", há um custo-oportunidade em toda ação (enquanto dou a mama-
deira para meu bebê, não posso fazer outra coisa); logo, toda ação cai, em
vista disto, na área potencial de aplicação da teoria econômica.

O principal interesse da teoria econômica do mercado está em que


ela procura definir que resultados logicamente possíveis, ou seja, logi­
camente coerentes, podem ser esperados da ação dos agentes econô­
micos, dada a existência de um grande número deles agindo racional­
mente com o objetivo de obter a maior utilidade possível de sua ação.
Que o resultado obtido mantenha uma relação delicada e controversa
com a explicação dos comportamentos empíricos oferecida por outras
abordagens é uma outra coisa, que não autoriza que se rejeite ou trate
com indiferença a teoria econômica, desde que ela não cometa o erro
de tomar seus modelos pela realidade.
Por outro lado, a concepção abstrata do mercado utilizada pela teo­
ria econômica permite estudar os fenômenos de interdependência que
existem entre os diversos mercados, vinculados entre si para formar
um sistema de mercados. Não é, então, tanto o mercado que constitui
o objeto da teoria econômica, mas o sistema de mercados, sistema in­
terdependente e independente de qualquer regulação externa, seja ela
religiosa, moral ou política. É por isso que, para Schumpeter, a teoria do
equilíbrio geral constitui a grande referência teórica do economista e,
por conta disso, toma-se um jogo apaixonante para os economistas ou
para aqueles que se interessam pela teoria econômica.
Daí decorre a forte atração que os economistas têm por estas pesqui­
sas lógicas, atração delatada pela inclinação por um formalismo despo­
jado de significação explicativa. Para escapar de algo que acaba dando
em incompreensão mútua, é preciso insistir no fato de que, nas ciências
sociais, a teoria tem como tarefa, precisamente, estudar os fenômenos
de interdependência, pois estes últimos escapam aos atores, invadidos
tanto pela influência direta dessa interdependência, quanto por solici­
tações no âmbito regulador, político ou outro, o que toma complicado
estudá-los teoricamente e dominá-los na prática.
A sociologia econômica do mercado 35

No entanto, a importância destas relações de interdependência é tal


que elas podem, por si só, constituir a razão de ser da ciência social.
Aliás, não se deve esquecer que, nos primórdios da sociologia, Comte
havia colocado o fenômeno do consensus, ou seja, exatamente a idéia da
mútua dependência entre as funções sociais. A interdependência tem
a ver com a sociologia em muitas de suas dimensões e seria cegueira,
uma curiosa cegueira, reconhecer sua importância em uma área das
ciências sociais e deixar de reconhecê-la em uma outra.

... porém não suficientes

Reconhecer a validade da teoria econômica não significa aceitar to­


das as suas elaborações e, menos ainda, aceitar todas as suas conclu­
sões. Ao estudar as conseqüências lógicas do comportamento egoísta e
as interdependências existentes no interior de um sistema de mercados,
a teoria econômica produz conhecimentos úteis à ciência social, po­
rém eles não são suficientes. Razões teóricas e empíricas sérias levam
a esta reserva. A teoria do equilíbrio geral, com seu corpo completo de
mercados em que os indivíduos agem segundo sinais emitidos por um
repertório de preços e, logo, sem se preocupar nem com o comporta­
mento dos outros indivíduos nem com outras formas de relação social,
apóia-se em hipóteses muito específicas no tocante à sociedade. Dando
prosseguimento aos argumentos de André Orléan (2004, 2005), pode-
se dizer que, na teoria do equilíbrio geral, o social encontra-se concen­
trado em duas hipóteses: a primeira supõe que os indivíduos conhecem
o repertório de bens disponíveis e não há qualquer incerteza quanto a
suas propriedades e qualidades, enquanto que a segunda hipótese su­
põe que os indivíduos estão a par do cenário futuro do mundo e da pro­
babilidade de sua efetivação. Nessa perspectiva, as relações sociais que
os indivíduos mantêm são consideradas sem importância e desneces­
sárias: o social é completamente transparente e o indivíduo pode agir
da melhor maneira possível no que toca a seus interesses, baseando-se
unicamente nas informações dadas pelos preços relativos.
A ação empírica dos indivíduos não tem grande coisa a ver com o
comportamento (suposto) do homo oeconomicus. Por exemplo, os ex­
3 6 A Sociologia Econômica • Steiner

perimentos de psicologia econômica revelam de maneira recorrente a


existência de diferenças marcantes entre os resultados esperados e os
resultados observados nesses estudos, resultados que identificam toda
uma série de anomalias embaraçosas para a teoria econômica ortodoxa
(THALER, 1992).

A contribuição da sociologia econômica

Em conformidade com a démarche da sociologia econômica clássica,


a nova sociologia econômica se interessa pelas condições de funciona­
mento do mercado quando as duas hipóteses, sobre a qualidade dos
bens e o cenário futuro, são afastadas. A partir desse momento, fica
claro que apenas a gerência mercantil (pelos preços) é insuficiente para
explicar o funcionamento do mercado, e é preciso reintroduzir as ins­
tituições e as formas diversas de comportamento social na análise para
dar conta da articulação entre os atores no mercado.
O esforço da sociologia econômica visa ao desvendamento e ao es­
tudo das formas de arranjos que atuam quando o problema a resolver
é a questão da avaliação da qualidade dos produtos. Essa avaliação pode
se dar por procedimentos de certificação (COCHOY, 2003), por decisões
quanto aos investimentos em modelos, quando as empresas definem pa­
drões de produção (THÉVENOT, 1987; KARPIK, 2000; COCHOY, 2003),
pode se tratar de redes de relações pessoais que possibilitam a difusão e a
verificação de informações relevantes a respeito da qualidade do produto
(GRANOVETTER, 1974; DIMAGGIO; LOUCH, 1998), pode ser a combi­
nação entre organizações em tomo de objetos e espaços (COCHOY, 2004;
DUBUISSON-QUELLIER; NEUVILLE, 2004; TROMPETTE, 2005). Estas
diferentes modalidades de combinação significam injetar de novo o so­
cial no mercado ou, mais exatamente, significam considerar o fato eco­
nômico como um fato social, visão que se deve ao procedimento no qual
as contribuições sociológicas e econômicas - por exemplo, as forneci­
das pelos economistas que se interessam pela assimetria de informação
(AKERLOy 1984) e pelo mercado financeiro (ORLÉAN, 1992,2002), ou
ainda pelas contribuições fornecidas pelo estudo da concorrência im­
perfeita (CHAMBERLIN, 1927) ou pelas redes industriais (COHENDET;
A sociologia econômica do mercado 37

KIRMAN; ZIMMERMAN, 2003) - podem se auxiliar para produzir uma


melhor compreensão dos fenômenos.
A contribuição da sociologia econômica é, conseqüentemente, du­
pla. Em primeiro lugar, com ela trata-se de descrever de maneira empi-
ricamente sólida os dispositivos e os comportamentos sociais que atuam
nessas formas de articulação que cercam a transação mercantil. Em to­
das as situações, a aproximação do fenômeno se assenta no estudo da
transação mercantil, quer dizer, na caracterização fina das interações
entre as diversas partes do mercado relativas ao fato em observação.
Pode-se crer, então, que se encontra de novo a oposição, um pouco sim­
plista, mas não desprovida de sentido, entre o economista, que elabora
modelos teóricos formalizados e testes a partir de dados fornecidos pela
administração das organizações, e o sociólogo, que se defronta com
a realidade cambiante do empírico e volta com as “mãos sujas” por
ter revolvido fatos sociais e, um pouco mais, para construir os dados
com os quais trabalha. Esta oposição não deve esconder o essencial.
A partir do momento em que se aceita colocar as ciências da gestão
no interior da reflexão econômica, a sociologia econômica se encontra
muito próxima desta “ciência da ação” organizacional; logo, da reflexão
sobre a ação coletiva (HATCHUEL, 2000), ao enfatizar a importância
do trabalho concreto de configuração do mercado. Graças às ciências
da gestão, este vínculo entre a sociologia e a economia, entre a socio­
logia das organizações e a sociologia das ciências, permite mostrar a
importância das técnicas de comercialização nas transações comerciais,
ou seja, permite mostrar a relevância do trabalho dos profissionais do
mercado (COCHOY, 1999, 2003; COCHOY; DUBUISSON-QUELLIER,
2000; DUBUISSON-QUELLIER, 1999). Assim como os produtos do
trabalho humano não são, por natureza, mercadorias, o “comércio”
entre os seres humanos não faz destes últimos trocadores no mercado.
É preciso um “ajustamento” das relações entre os indivíduos para se
chegar a um acordo sobre o que pode ser deixado de lado e o que é
considerado pertinente no estabelecimento de uma relação de troca,
ou seja, de equivalência. O mercado é, então, um mercado de encontro,
no sentido de que as interações concretas entre os indivíduos estão no
centro dessa iniciativa.
3 8 A Sociologia Econômica • Steiner

Em segundo lugar, com a sociologia econômica procura-se elabo­


rar proposições teóricas a respeito destas formas de articulação que
permitem as transações no mercado. Neste estágio, não se trata mais,
simplesmente, de fazer uma descrição diferente dos fatos econômicos,
mas de elaborar uma abordagem teórica original que leva em conta as
relações sociais e os dispositivos sociais nos quais estas relações podem
se travar. Estes dispositivos, de natureza variada, intervém, juntamente
com comportamentos egoístas, para explicar o que se desenrola no mer­
cado concebido como um fato social.

A teoria do equilíbrio geral


Esta concepção da teoria econômica, associada ao nome de seu funda­
dor, Walras (1834-1910), parte da idéia de que a representação de conjunto
de um sistema econômico deve levar em conta as inter-relações dos diversos
componentes do sistema. A idéia é de que uma variação do preço do bem A
no mercado se reflete em todos os outros mercados porque uma mudança
da estrutura dos preços relativos se traduz em alteração das ofertas e das de­
mandas de todos os agentes no mercado do bem A, mas também em todos
os outros mercados. Desta alteração nos comportamentos seguem-se novas
alterações dos preços até o momento em que, simultaneamente, em todos
os mercados, um novo equilíbrio é encontrado, ou seja, a preços correntes,
nenhuma transação é mutuamente vantajosa para os dois agentes.
A formulação de um sistema como esse é, sem dúvida, uma empreitada
complicada, e ela recebeu aperfeiçoamentos importantes ao longo do século
X X (MCKENZIE, 1985) para chegar ao que chamamos de modelo do equilíbrio
geral de Arrow-Debreu. Ficou então demonstrado que, partindo dos planos
de agentes autônomos que agem com um objetivo egoísta, chega-se a uma
alocação ótima dos bens: há uma harmonia de preços e de quantidades
tal que a situação de um agente não pode ser melhorada sem deteriorar a
situação de outro agente.
Esta prova da existência de um equilíbrio é um resultado formal impor­
tante que vai no sentido da intuição smithiana, segundo a qual uma ordem
econômica coerente e desejável pode resultar do comportamento egoísta de
agentes autônomos. Mas nada permite pensar que esse resultado seja eviden­
te por si mesmo. Os limites da teoria do equilíbrio geral não são menos impor­
tantes, sobretudo quando se trata de demonstrar como se efetua a passagem
A sociologia econômica do mercado 3 9

entre os comportamentos individuais e os dados agregados (KIRMAN, 1989),


quando se trata de introduzir a moeda (CARTELIER, 1996), ou ainda quando
se trata de estudar o processo pelo qual se chega ao equilíbrio.

Os experimentos sobre o "cavaleiro solitário"


A teoria econômica chegou à seguinte ilação: um ator individual racio­
nal tem interesse em não participar de uma ação coletiva ou no financia­
mento de um bem público. Realmente, a participação representa um custo
(em tempo, em dinheiro etc.) que é preciso deduzir do ganho que propicia
a ação coletiva ou o bem público. Conseqüentemente, se se pode obter a
vantagem coletiva graças à contribuição dos outros agentes, sem contribuir,
é individualmente racional abster-se de contribuir mesmo se, em decorrên­
cia disso, o bem público não se torne disponível. Ora, os experimentos de
psicologia econômica mostram que os indivíduos, colocados diante de tais
escolhas, contribuem muito mais do que o previsto para a ação coletiva, em
detrimento de seu próprio interesse individual.
Um experimento teve como conseqüência um resultado inesperado, mas
sugestivo (MARWELL; AMES, 1981). Uma população composta de estudantes
de economia teve um comportamento significativamente diferente do com­
portamento de outras populações; seu comportamento se caracterizou por
uma contribuição menor para um bem coletivo. Este primeiro resultado do
ensaio foi expandido por outros autores para demonstrar que o estudo de
economia política tem um efeito negativo no comportamento cooperativo
(FRANK; GILOVICH; REGAN, 1993).

A inserção social das relações mercantis


Desde meados do século XX, examinando a evolução histórica das
relações entre o sistema de mercado e a sociedade, Karl Polanyi (1886-
1964) desenvolveu uma tese original com a noção de inserção social do
mercado (POLANYI, 1944, 1977).

A inserção histórica das relações mercantis

Polanyi denuncia uma falsa evidência: considerados de um ângulo


histórico, a “economia” e o “mercado” não são uma única e mesma
4 0 A Sociologia Econômica • Steiner

coisa e é engano pensar que a “mentalidade de mercado” tenha sempre


existido. Ele retoma assim argumentos já expressos por Weber ou Si-
miand no tocante às diversas formas de ação econômica: sua contribui­
ção mais original é sua crítica ao “erro econômico” (economic fallacy).
Com efeito, de suas pesquisas históricas ele extrai uma tipologia da cir­
culação dos bens que satisfazem às necessidades dos seres humanos. Se­
gundo essa tipologia, os bens circulam por reciprocidade (cujo modelo
é o ciclo kula do dote/contradote descrito por Bronislaw Malinowsky
[1922] e por Mauss [1925]), por redistribuição (cujo modelo é o cas­
telo e o vínculo senhoril, o mesmo utilizado por Smith em La ríchesse
des nation) e, por fim, por meio da troca mercantil. Ao confundir aT
circulação dos bens com a troca mercantil, somos levados a confundir a
teoria formal da escolha com o problema da satisfação de necessidades:
ora, afirma Polanyi (1977, cap. 2), trata-se de duas coisas diferentes.
A circulação de bens que satisfazem às necessidades pressupõe uma
estrutura institucional, qualquer que seja a sociedade considerada. No
caso da reciprocidade e da redistribuição, a atividade econômica, na
medida em que se possa isolá-la, está inserida (.embedded) nas relações
sociais, isto é, estas últimas compõem um conjunto de instituições que
permite o funcionamento do aspecto econômico das relações sociais.
Em contrapartida, quando a troca mercantil toma a forma de um siste­
ma auto-regulador de mercados, o historiador conclui pela emergência
de uma grande transformação marcada pelo descolamento das relações
econômicas das relações sociais. Um indício de tal desarranjo é dado
pelo status de mercadoria que é atribuído ao indivíduo, à moeda e à
terra: a existência dos mercados do trabalho, da moeda e da terra e a
existência de remunerações aferentes (salário, juro, renda) mostram
que as relações sociais (ligadas ao indivíduo), políticas (a moeda) e
ecológicas (a terra) são englobadas pelo sistema de mercados como
mercadorias fictícias e passam a ser, daí em diante, tratadas segundo os
cânones do mundo mercantil.
Historicamente, afirma Polanyi (1944), o período no qual se deu tal
descolamento tem limites demarcados: ele o situa, aproximadamente,
entre 1830 (abolição do Speenhamland Act, conjunto de leis coerciti­
vas, mas protetoras dos pobres na Inglaterra) e 1930 (com a ressocia-
A sociologia econômica do mercado 41

lização da economia que Polanyi, com inquietação, via acontecendo no


nacional-socialismo alemão).
Por mais sugestiva que seja essa abordagem, ela não permitiu que
a sociologia econômica experimentasse um segundo alento após a Se­
gunda Guerra Mundial. Como as pesquisas do autor e de seus alunos
se voltaram para as sociedades primitivas, o conceito de inserção social
do mercado foi subutilizado por muito tempo, já que ele se reportava a
uma dimensão histórica.

A inserção estrutural das relações mercantis

A contribuição de Granovetter (2000) se revela, quanto a esse as­


pecto, decisiva. Tomando a defesa do restabelecimento da sociologia
econômica, ele considera que o defeito do enfoque de Polanyi está em
que ele introduz uma divagem indevida entre as sociedades primitivas,
nas quais a economia estaria plenamente inserida nas relações sodais,
e a sociedade moderna, em que a economia estaria inteiramente desco­
lada dessas relações. Granovetter concebe as coisas de maneira menos
radical ao dar importância à idéia de inserção social relativa, inclusive
nas sociedades contemporâneas mais submetidas à ordem mercantil.
Trata-se então de procurar saber, da forma mais predsa possível, se o
mercado está realmente, e até que ponto, inserido nas relações sociais.
À base de pesquisas empíricas consagradas ao mercado de trabalho e
de reflexões mais teóricas sobre as redes sociais, Granovetter demons­
tra que as relações de amizade e de família intervém de maneira deci­
siva no processo, na aparência, puramente econômico da procura de
emprego (GRANOVETTER, 1974). Tais relações revelam a influência
decisiva dos quadros relacionai e institucional nos quais tem lugar
a ação econômica; sem levar em conta essa influência, não se pode
compreender ou avaliar o funcionamento do mercado. Tomada dessa
forma, a noção de inserção social, desvencilhada de uma interpreta­
ção puramente histórica, propõe uma descrição original do alicerce
social das relações mercantis; da mesma forma, desponta como uma
configuração irrepreensível das relações sociais que garantem a arti­
culação entre os agentes no mercado.
4 2 A Sociologia Econômica * Steiner

A s diversas formas de inserção

Desde sua aparição, o conceito de inserção estrutural do mercado


foi submetido a uma crítica acirrada (CHANTELAT, 2002). Sempre se
acreditou encontrar nesse conceito uma solução para a compreensão
do funcionamento do mercado de alcance mais geral do que sua condi­
ção lhe faculta. Convém lembrar que existem várias formas de inserção
social (ZUKIN; DIMAGGIO, 1990) paralelamente à inserção estrutural,
como a inserção cultural, a inserção política e a inserção cognitiva.
Todas estas perspectivas compartilham a mesma idéia de base, isto é,
frisam a importância das considerações sociais nas trocas mercantis;
a diferença entre elas está na natureza da mediação ou na forma de
articulação utilizada para levar a cabo a transação mercantil. Os críti­
cos da inserção estrutural do mercado têm razão quando salientam que
esta forma de inserção não leva em consideração dimensões políticas,
cognitivas ou culturais. Este não é seu objetivo.
Cada uma das diversas formas de inserção revela-se mais adequada
a certas questões do mercado do que a outras. O Quadro 2 organiza
estas diferentes formas, cruzando-as com a tripartição weberiana, ana­
lisada no capítulo precedente, com o fito de classificar alguns estudos
típicos da sociologia econômica contemporânea (STEINER, 2002).

Q u ad ro 2 Formas de inserção do mercado e a sociologia econômica.

Formas de inserção/
Tipos de questão Origem Significação
Funcionamento
que concernem às Histórica Cultural
relações mercantis
Estrutural Setor de eletri­ Mercado de trabalho -
cidade Mercado financeiro
Cultural Seguro de vida, - Seguro de
filhos, heranças vida
Política Estratégias Terceiro setor Doação de
industriais órgãos
Cognitivo Formas de Dispositivos de
racionalização enquadramento e de
cálculo
A sociologia econômica do mercado 4 3

A d é m a rc h e da sociologia econômica

Com o auxílio da Figura 1, pode-se apresentar a maneira de proce­


der da sociologia econômica, comparando-a com a maneira utilizada
pelos economistas.

SOCIOLOGIA ECONÔMICA

Figura 1 Sociologia econôm ica e teoria econômica.

Origens das relações mercantis

As relações mercantis não são “naturais”, nem muito menos são


dadas, como nenhuma relação entre os membros de uma sociedade é
dada. Como afirma Weber a respeito do trabalho realizado como “voca­
ção”: “Um dado estado de espírito não é um produto da natureza. Ele não
pode ser suscitado unicamente por altos ou por baixos salários. Ele é o
resultado de um longo processo de educação” (WEBER, 1905, p. 63).
Quando a sociologia econômica se interessa pela origem dos fenô­
menos mercantis, ela dirige sua atenção para as instituições (no sentido
amplo do termo) nas quais está mergulhada a relação mercantil, insti­
tuições que a tomam possível. A sociologia econômica está, portanto,
perto do “institucionalismo”, no sentido como economistas americanos,
4 4 A Sociologia Econômica • Steiner

posteriores a Veblen e John R. Commons (1862-1945), consideram


que a economia deveria levar em conta as instituições e os hábitos
mentais que cercam os comportamentos econômicos, favorecendo-os
ou impedindo-os.
Em todas as situações, a inserção política ou cultural é particular­
mente importante. A primeira é central nos estudos sobre legados e
doações na França, como mostrou o estudo de Jean-Luc Marais (1999)
sobre as transferências de patrimônio, em que fica evidente o zelo do
legislador para evitar que as leis de sucessão permitam o retomo das
estruturas do Antigo Regime (direito de primogenitura) e a reconstitui­
ção do patrimônio da Igreja. Ela é também central no caso do trabalho
de Neil Fligstein (1990) sobre as leis que disciplinaram a concorrência
no decurso do século XX nos EUA. A segunda, a inserção cultural dos
assuntos mercantis, foi utilizada por Viviana Zelizer (1979, 1985) em
seu estudo acerca da enorme dificuldade encontrada, até fins do século
XIX, nos EUA, para que se aceitasse o seguro de vida como mercadoria;
a mesma perspectiva também foi utilizada em seu estudo sobre as di­
ficuldades encontradas no começo do século seguinte, no mesmo país,
para se dar um caráter mercantil aos cuidados com os recém-nascidos.
Nos dois casos, a autora mostra que as representações culturais são de­
cisivas quer para se rejeitar, quer para se aceitar que relações mercantis
estejam presentes no seio de relações íntimas (a morte, a primeira
infância); ela mostra também como os domínios axiológicos e econô­
micos interagem. O enfoque da inserção estrutural pode também ser
útil neste momento, quando chama a atenção para as redes sociais
construídas para que se alcance um objetivo preciso, como demons­
trou Granovetter em seu estudo sobre Thomas Edison e a construção
social do setor de distribuição de eletricidade nos EUA (GRANOVETTER;
MCGUIRE, 1996).

O funcionamento das relações mercantis

A sociologia econômica pode, entretanto, trazer alguma coisa a mais


do que uma caracterização, por mais inovadora e pertinente que ela
seja, da origem das relações mercantis. O status emblemático que ad­
A sociologia econômica do mercado 4 5

quiriu o estudo pioneiro de Granovetter sobre o mercado de trabalho


deve-se ao fato de que ele demonstra que a explicação sustentada pelos
economistas é insuficiente por não levar em consideração mediações so­
ciais pelas quais passa a inserção estrutural. Da mesma forma, o estudo
de Wayne Baker (1984) sobre a inserção estrutural dos operadores do
mercado financeiro na Bolsa de Chicago mostra como é importante que
se considere esta forma de articulação para explicar o funcionamento
do mercado e a natureza do conjunto de resultados obtidos que passam
por essa rede de interações. A inserção política tem, ela também, um
papel a desempenhar neste estágio em que se encontra o conhecimen­
to sobre o funcionamento das relações mercantis, como se observa no
estudo dirigido por Jean-Louis Laville e Marthe Nyssens (2001) sobre
a ajuda a pessoas idosas na Europa. A maneira como as associações
desempenham um papel neste segmento do setor de serviços depende
de decisões políticas que variam conforme elas favoreçam, ou não, a
existência de uma “economia plural” que articule o mercado, o Estado
e as associações.

A significação cultural das relações mercantis

A sociologia econômica se interessa pelas conseqüências culturais da


massificação e da ampliação das relações mercantis. A inserção cogniti­
va do mercado difere da inserção cultural, como veremos no Capítulo 5.
A inserção cognitiva possibilita delinear as condições para a realização
de transações quando faltam totalmente as hipóteses convencionais que
permitem fazer cálculos que permitem o conhecimento da qualidade
dos produtos, e quando também não há informações sobre aconteci­
mentos futuros. Na ausência de tais hipóteses, é preciso examinar como
age o mercado para fazer cálculos (CALLON; MUNIÉSA, 2003), para
diferenciar os produtos e assegurar-se de sua qualidade, a fim de definir
o quadro da troca e determinar que outros produtos são equivalentes a
determinado produto.
A inserção cultural das relações mercantis dá resposta a outro pro­
blema: como reage o mundo dos valores últimos (religiosos, políticos,
antropológicos) no contato com o mercado quando este último torna-
4 6 A Sociologia Econômica • Steiner

se uma forma generalizada de relação social? Os estudos de Zelizer


evocados podem servir de ilustração dessa problemática. Com efeito,
estudar a dificuldade de comercialização do seguro de vida leva a colo­
car a questão das mudanças axiológicas que ocorrem quando uma nova
mercadoria faz com que as relações monetárias e as relações íntimas
entrem em contato. Há um enfraquecimento dos valores morais com
essa situação? Acaso se observa um aviltamento dos indivíduos, colhi­
dos em relações mercantis novas? Tal não ocorre, segundo a autora, que
demonstra que estas novas relações monetárias são submetidas a um
tratamento simbólico, de tal maneira que, no século XX, a “boa morte”
é a morte do indivíduo que deixa recursos para seus próximos por meio
de seu seguro. O mesmo tipo de questão pode se colocar, nos dias que
correm, a propósito da doação de sangue (TITMUSS, 1970) e da doação
de órgãos (STEINER, 2004a): quais seriam as conseqüências dessas prá­
ticas sobre o tipo de humanidade que emergiría a partir do momento em
que se atribuem direitos de propriedade do indivíduo sobre seu corpo e
se criem mercados de órgãos (rim, medula óssea) para transplante?
A construção social
das relações mercantis

Antropólogos e historiadores reiteraram obstinadamente: a relação


mercantil é inseparável de uma organização social, que a toma possí­
vel. Exemplos que provavam isto se multiplicaram após os trabalhos de
Polanyi (1944) e de sua escola (POLANYI; ARENSBERG, 1957). Pode-se
afirmar que o mesmo acontece nas sociedades contemporâneas?

A construção social dos mercados


Como se pode explicar a emergência dos mercados? A esta questão
a sociologia econômica dá uma resposta comumente aceita: segundo
ela, fatores relacionais, políticos, culturais etc. intervém largamente na
formação dos mercados, paralelamente a fatores propriamente econô­
micos. Pode-se ter uma medida desse fenômeno analisando vários es­
tudos sobre a construção social dos mercados, contemplada em níveis
crescentes de generalidade: a construção social de um mercado isolado,
de um setor do mercado em um dado país, na comparação de um setor
do mercado em dois países diferentes.
No entanto, a construção social dos mercados não se prende somen­
te ao passado. O exame da proposição de Robert Shiller, economista
americano especialista em mercados financeiros, mostra que esta abor­
dagem (a da construção social do mercado) pode ser útil quando se tra­
ta de estudar a construção de novas formas de mercado, e pode acabar
por dar no que se podería chamar de sociologia econômica aplicada.
4 8 A Sociologia Econômica • Steiner

O mercado de morango em Sologne

Até o começo dos anos 1980, a comercialização de morangos em


Sologne passava pela intermediação de comerciantes locais (correto­
res) ou de representantes de atacadistas de Rungis (GARCIA-PAKPET,
1986). Eles compravam dos agricultores com quem mantinham rela­
ções toda a sua produção antes da colheita. O preço de venda não era
fixado no momento da cessão da produção porque ele dependia dos
preços pelos quais o produto seria vendido no mercado atacadista; em
contrapartida, os corretores concediam adiantamento de fundos para os
produtores; a relação mercantil se encontrava, assim, fortemente mar­
cada por relações pessoais. As cooperativas não ofereciam uma alterna­
tiva em termos de comercialização, pois também elas dependiam dos
corretores e dos representantes dos atacadistas para o escoamento da
produção. A comercialização de morangos colocava, então, face a face,
intermediários economicamente poderosos (número restrito de indiví­
duos, controle do circuito de comercialização de um produto perecível,
capacidade de adiantar fundos) e produtores em posição de vulnerabi­
lidade (grande número de produtores, heterogeneidade das situações
em termos de envolvimento na produção de morangos e de quaüdade
da produção). Conseqüentemente, a formação dos preços não parecia
muito favorável a estes últimos.
Como evoluíram as coisas nesse mercado? Segundo o autor mencio­
nado, o fenômeno que desencadeou uma mudança na situação delinea­
da (e redundou na criação de um novo mercado para a comercialização
do morango) deveu-se à ação de um conselheiro da câmara regional
de agricultura e de um pequeno número de agricultores “modernistas”
que tinham no morango sua produção principal. O primeiro, é preciso
salientar que ele possuía formação universitária em economia, desem­
penhou papel importante no âmbito institucional, quando foi preciso
entrar em contato com organizações profissionais ou administrativas
para organizar o novo mercado, quando foi preciso definir o quadro
jurídico no qual ele podería ser estabelecido e, por fim, quando se tra­
tou de apresentar as vantagens (renovação do poder de negociação,
transparência nas transações) que os produtores podiam esperar de sua
A construção social das relações mercantis 4 9

criação. Os agricultores interessados no novo mercado já eram especia­


listas no produto e no planejamento dos morangais. Esta última espe­
cialidade fazia com que eles entrassem em contato com produtores de
outras regiões e, desse modo, tomassem consciência das potenciali­
dades no que diz respeito à melhoria da cultura e da comercialização
dos morangos.
Todavia, para que um mercado existisse, era preciso convencer os
distribuidores a se apresentar como demandantes no novo mercado, e
convencer os produtores a vir oferecer sua produção. Muitos distribui­
dores rejeitaram esse sistema, que ameaçava privá-los de sua suprema­
cia; no entanto, as negociações levadas a efeito para a constituição des­
se novo mercado revelaram diferenças entre os distribuidores. Alguns
corretores locais viram nisso a oportunidade de ampliar sua atuação,
passando a trabalhar com uma produção que lhes escapava, porque era
vendida diretamente aos representantes de Rungis; outros distribuido­
res vislumbraram a oportunidade de acrescentar um novo produto a
sua oferta, até então centrada em um outro produto (aspargos). Para os
produtores, as coisas não eram simples porque eles precisavam vencer
a apreensão ligada à falta de informações e também levar em conside­
ração o fato de que a opção por este modo de comercialização signifi­
cava comprometer relações pessoais ou políticas (por exemplo, certo
produtor, prefeito da aldeia, era o criador de uma cooperativa). Viagens
foram organizadas pelo sindicato dos produtores de morango para que
estes pudessem observar o comportamento de mercados semelhantes
ao que se projetava (apelidados “mercados com quadro informativo”)
e foram lançadas campanhas de informação dirigidas aos agricultores.
Numa palavra, a criação de um mercado, isto é, de uma oferta e de uma
demanda que se encontram em um local específico, para falar como
Marshall, não é um negócio de pouca monta: ela resulta de um impor­
tante trabalho da sociedade sobre si mesma e não pode ser considerado
como um resultado espontâneo, evidente, proveniente unicamente do
comportamento egoísta dos agentes.
Em 1982, o mercado começou a funcionar em uma escola que teve
sua destinação alterada; um ano mais tarde, foi construído um novo
50 A Sociologia Econômica • Steiner

local para seu funcionamento: o mercado com painel informativo (mar­


che au cadran) de Sologne havia conquistado sua autonomia adminis­
trativa e financeira face ao Sindicato dos produtores de morango. A
situação dos produtores melhorou em termos de preço porque os preços
de Sologne passaram a ser, a partir daí, iguais ou superiores aos preços
médios nacionais; a melhoria também foi sensível em termos de qua­
lidade e de homogeneização da produção. Como o funcionamento do
mercado exige a exibição de lotes do produto para que os compradores
possam decidir, tal prática faz com que os próprios produtores estejam
em condição de comparar o resultado de sua cultura e de se informar
quanto às melhorias possíveis.
Uma vez dado o empurrão inicial, a construção social do mercado
não pára por aí. Marie-France Garcia-Parpet frisa que é preciso garantir
que os distribuidores, colocados em situação de concorrência, não for­
mem grupos destinados a dominar o mercado. É preciso assegurar-se
de que os produtores não se comportem de maneira oportunista, para
tirar vantagem das diversas formas de comercialização (vendendo, em
um dia, no mercado e, no outro, negociando com um representante
comercial), o que enfraquecería o conjunto dos produtores face aos dis­
tribuidores. É preciso também se esforçar para que, após a realização
das vendas (que ocorrem em silêncio, os vendedores em uma sala, os
compradores em outra, com as transações sendo seguidàs por painel
eletrônico), os produtores não se entreguem a ameaças, rompendo o
clima de bom entendimento necessário ao funcionamento do mercado.

O setor da indústria de energia elétrica nos EUA

Essa mesma problemática está presente quando se passa do mercado


isolado para um ramo da indústria, como mostra uma série de estudos
sobre a origem da indústria de energia elétrica nos EUA, no fim do sécu­
lo XIX (McGUIRE; GRANOVETTER; SCHWARZ, 1993; GRANOVETTER;
McGUIRE, 1998). A pergunta colocada pelos autores dos estudos é a
seguinte: por que este setor industrial desenvolveu-se em torno de cen­
trais elétricas que distribuem energia para os consumidores e empre­
sas ao invés de desenvolver-se em tomo de geradores locais, a partir
A construção social das relações mercantis 51

dos quais os usuários produziríam, eles próprios, sua eletricidade? A


primeira solução para o problema da energia elétrica (a das centrais
elétricas) foi proposta por Thomas Edison, o inventor americano da
lâmpada incandescente, enquanto a segunda (a dos geradores locais)
era apoiada pelos que haviam financiado as pesquisas de Edison, mas,
por outro lado, tinham interesse nas indústrias que produziam os gera­
dores locais.
Para um economista, a resposta seria que, no final, a tecnologia mais
eficiente impôs-se porque era mais eficaz de um ponto de vista econô­
mico (a eletricidade progressivamente suplantou as outras formas de
iluminação, a gás, notadamente) e, pela mesma razão, a central suplan­
tou os geradores locais. Mesmo reconhecendo a importância da idéia de
eficiência, esta resposta não dá a devida atenção ao sistema de relações
sociais que interfere no momento em que uma sucessão de decisões
deve ser tomada (no caso em apreço, decisões das quais resultou o setor
elétrico americano). Em outras palavras, a resposta do economista não
leva em consideração as mediações históricas e sociais concretas pelas
quais os resultados econômicos são obtidos.
Quando se considera o caso da perspectiva da sociologia econômica,
o resultado não depende de maneira decisiva da eficiência da tecnolo­
gia privilegiada: teria sido bem difícil para os atores naquele momento
julgar racionalmente qual das três soluções se revelaria a melhor a lon­
go prazo. A iluminação a gás funcionava bem; de outro lado, os pode­
rosos financistas americanos que sustentavam as pesquisas de Edison
não concordavam com ele quanto à estratégia para a distribuição de
eletricidade, afora que a tecnologia que tinha o seu beneplácito exigia
pesados investimentos.
A análise histórica coloca em evidência a importância das relações
pessoais e da rede de relações sociais existentes em torno do perso­
nagem central desse caso, Edison. Este não era um inventor isolado;
ele empregava várias centenas de pesquisadores e inventores em seus
laboratórios; além disso, possuía uma fortuna pessoal considerável
(graças a suas inovações nas telecomunicações - telefone e telégrafo) e
mantinha importantes relações com os meios financeiros, notadamente
5 2 A Sociologia Econômica • Steiner

alemães, por intermédio de seu secretário Samuel Insull. Assim, com­


preende-se que Edison tenha podido enfrentar financistas do talhe de
J. E Morgan antes que este se apossasse financeiramente das empresas
criadas pelo cientista. Mesmo um financista de importância internacio­
nal é constrangido por opções técnicas (existência de centrais elétricas
distribuindo energia para uma população numerosa), organizacionais
(criação de um setor industrial que fabricasse os geradores das centrais
e a gama de produtos que acompanham esse processo) e interorgani-
zacionais (particularmente financeiros), constrangimentos que consti­
tuem outros tantos elementos concretos para a explicação da formação
do setor de eletricidade nos EUA. Nenhuma dessas dimensões era eco­
nomicamente inescapável, mas, uma vez presentes, elas se impuseram
aos mais poderosos atores.
As relações pessoais e o sistema de relações sociais em torno do ator
central desta história desempenharam papel importante na criação do
setor de eletricidade sem que a questão da eficácia econômica tenha
tido influência preponderante neste assunto. Isto se passou dessa ma­
neira porque, em primeiro lugar, um número expressivo dos membros
dessa rede de relações sociais era composto por dirigentes de empre­
sas elétricas do grupo; em segundo lugar, eles se revelaram muito ati­
vos nas instâncias nacionais do setor e o maior número de pareceres
apresentados nas reuniões anuais das firmeis do setor elétrico eram de
sua autoria; por fim, graças a sua capacidade de avaliação técnica, esta
rede influenciava a maneira como os problemas eram encarados quan­
do uma cidade pretendia instalar iluminação elétrica.

O comércio varejista: o contraste França/Japão

Um último exemplo vai permitir ilustrar o que se chama de efeito


societal na construção social das relações mercantis. Para comparar o
setor de serviços no comércio varejista na França e no Japão, os auto­
res de um estudo sobre esse setor (GADREY; JANY-CATRICE; RIBAULT,
1998) partiram da seguinte constatação: enquanto a estrutura nacional
do emprego é muito parecida em países como a França, o Japão e os
EUA, há diferença sensível no setor do comércio. No começo dos anos
A construção social das relações mercantis 5 3

1990, esse setor representava 13% do emprego total na França e 19 a


20% nos outros dois países. A diferença se reduzia quando as desigual­
dades entre esses países, em termos de população, de nível de vida ou
de jornada de trabalho, eram levadas em conta, mas não desaparecia
(9% do emprego na França contra 12 a 13% no Japão e nos EUA); por
conta disso, economistas sugeriram que uma baixa dos custos salariais
(mais altos na França do que nos outros dois países, no caso de empre­
gos de baixa qualificação) permitiría uma multiplicação dos “pequenos
empregos” (precários e mal remunerados), como acontece no Japão e
nos EUA, pois, aplicada à população francesa, a redução da diferença
constatada na estrutura do emprego levaria à criação de 1,6 milhão de
empregos. A habilidade na resposta dos pesquisadores citados está no
fato de que eles demonstraram que este raciocínio era defeituoso por­
que esquecia a interdependência dos fatos sociais envolvidos no fenô­
meno, bem como as relações sociais concretas sem as quais o volume do
emprego no setor comercial varejista não pode ser compreendido.
O volume do emprego no comércio varejista depende de quatro fa­
tores socioeconômicos interdependentes: a família, a relação comércio-
consumidor, as relações profissionais e a organização industrial do setor
(Figura 2). O comércio varejista está acomodado, no Japão como na
França, nos supermercados, mas no Japão há também uma rede densa
de lojas de vizinhança cuja organização demanda mais mão-de-obra
para o mesmo volume de vendas. É importante considerar também as
expectativas dos consumidores em matéria de atendimento à clientela,
bem como o que eles aceitam pagar, direta ou indiretamente, por isso.
Dessa perspectiva, é significativo que a concorrência esteja baseada, no
Japão, na qualidade dos serviços prestados, mais do que no preço, ao
contrário do que ocorre no caso francês. É preciso também levar em
conta a organização da esfera doméstica, que difere consideravelmente
no Japão e na França: no Japão, a esposa não tem acesso a um trabalho
assalariado em tempo integral, e então uma atividade de meio período
nas lojas próximas à residência a atrai mais facilmente. Além disso, a
qualidade do serviço, especialmente no tocante à preparação de pro­
dutos alimentícios frescos, toma funcional esta mão-de-obra saída da
esfera doméstica. Por último, é preciso levar em consideração as rela-
5 4 A Sociologia Econômica • Steiner

ções profissionais: os empregados registrados, bem pagos, são os úni­


cos que podem esperar fazer carreira, pois são eles que arcam com as
longas jornadas e estão sujeitos a horários flexíveis; os empregados de
meio-período (majoritariamente mulheres) ganham menos bem, mas
têm horários fixos e, quando mulheres, não colocam em risco seu papel
doméstico tradicional.

Esfera Relações
econômica profissionais

Oferta de trabalho Custos salariais

í Volume do \
l emprego comercial J

Qualidade do s e rv iç o ^ n. Produtividade

Forma da Organização
concorrência industrial

Fonte: J. Gadrey, F. Jany-Catrice, T. Ribault (1998, Cap. 4),


Figu ra 2 Socioeconom ia do volum e do em prego no com ércio va­
rejista.

Em suma, o estudo de Jean Gadrey e de seus colaboradores desven­


da um sistema de interações sociais entre variáveis societais que impede
que se pense que apenas a mudança do parâmetro “custo da hora do
trabalho pouco qualificado” bastaria para modificar consideravelmente
o volume do emprego no setor do comércio varejista. Com efeito, na
medida em que os outros elementos deste sistema de funções sociais
seguirem inalterados, uma diminuição dos encargos patronais pode ter
efeito pífio para os empregadores, sem alterar de modo decisivo o vo­
lume do emprego.
A construção social das relações mercantis 55

Construção social das relações mercantis e neo-institucionalismo

Os exemplos que acabam de ser citados ressaltam a importância


das relações e das instituições sociais no estabelecimento das relações
mercantis. Elas desempenharam papel significativo na emergência de
um mercado isolado (caso do mercado com quadro informativo em
Sologne), na organização de um setor industrial (caso do setor elétrico
nos EUA) ou no funcionamento do comércio varejista (caso da determi­
nação do volume do emprego no Japão). São exemplos de “construção
social da economia”: deles se deduz que uma descrição cientificamente
satisfatória da emergência de relações mercantis não pode dispensar a
contribuição da sociologia econômica. Desde já, esta última afasta-se da
teoria econômica moderna na medida em que esta pretende explicar as
formas institucionais em termos puramente econômicos, como é o caso
da economia neo-institucionalista.
O que o estudo sobre a origem do setor de energia elétrica ame­
ricano mostra não condiz com as hipóteses do neo-institucionalismo:
pode-se afirmar que a escolha entre as duas modalidades de produção
e de distribuição de eletricidade para as famílias americanas no começo
do século está em conformidade com um cálculo racional em termos
de eficácia econômica? Isto parece pouco provável dado que a realiza­
ção de tais cálculos pressuporia um conhecimento fora do comum do
conjunto do sistema social, das diversas opções existentes e domínio de
cálculo, domínio do qual Herbert Simon (1976,1978), há muito tempo,
apontou os limites em matéria de teoria da decisão.
No entanto, os exemplos dos quais acabamos de delinear os traços
principais para marcar os limites da teoria econômica moderna não re­
futam necessariamente todos os aportes desta última. Quando Garcia-
Parpet explica a formação do mercado de morangos em Sologne, ela
mostra que a aparição desse mercado libera os agricultores das relações
sociais coercitivas que mantinham anteriormente com os negociantes.
Desse ponto de vista, a construção social das relações mercantis confir­
ma a concepção de Smith e de Marx (MARX; ENGELS, 1848) segundo
a qual o mercado libera os indivíduos do jugo das relações pessoais que
sobre eles pesa: o mercado, em muitos casos, é libertador ao permitir
que os agentes conquistem sua independência social.
56 A Sociologia Econômica • Steiner

A teoria econômica neo-institucionalista dos custos de transação

0 trabalho de Ronald Coase (1937) foi o criador da abordagem dos custos


de transação ao explicar o surgimento de firmas no mercado pelo fato de as
transações no interior desse espaço não mercantil serem menos custosas do
que as transações mercantis. A eficiência econômica embasa, assim, a decisão
a ser tomada entre dois modos de combinar as relações: um deles é o mer­
cado, o outro a organização (a firma). Levando mais adiante este raciocínio,
e tendo como apoio os comportamentos econômicos traduzidos em termos
de racionalidade limitada e de oportunismo, Williamson (1985) aplicou este
princípio à escolha a diferentes modalidades organizacionais possíveis. Na
verdade, de acordo com ele, a forma da estrutura mercantil depende da na­
tureza das transações: o cálculo dos agentes incorpora os custos da própria
transação, ou seja, em última instância, os custos associados ás relações so­
ciais que acompanham as transações mercantis nos casos em que o bem é
muito específico (como é o caso de uma fábrica vendida "chaves na mão") e
no caso em que a troca se encontra fortemente afetada pela incerteza (por
exemplo, a incerteza quanto à qualidade real do produto). A eficiência econô­
mica é, então, o ponto central sobre o qual repousa a explicação das formas
de organização econômica das firmas,
A sociologia econômica mantém relações ambíguas com a economia dos
custos de transação. Esta ambigüidade tem sua origem, sem dúvida, no fato
de que a sociologia econômica tem, historicamente, uma relação de solidarie­
dade com a teoria econômica institucionalista de Veblen (GISLAIN; STEINER,
1995), o que faz com que as instituições estejam, sempre, presentes na teoria
institucionalista contemporânea. Por outro lado, as hipóteses de racionalidade
limitada, de oportunismo e de redução das incertezas no tocante à qualidade
são a miúdo usadas pela sociologia econômica. Além disso, alguns sociólo­
gos consideram que esta abordagem tem um espaço garantido na renovação
desse domínio (SMELSER; SWEDBERG, 1994). Outros, sensíveis aos problemas
que contêm o raciocínio em termos de eficácia (a desconsideração das rela­
ções de poder, as ambigüidades no que toca aos objetivos perseguidos pelos
atores), enfatizam seus limites e valorizam uma aproximação sociológica ba­
seada na reprodução das estruturas sociais (OBERSHALL; LEIFER, 1986). Nessa
tendência se insere o estudo de Robert G. Eccles e Harrison C. White (1988)
sobre as transações entre centros de lucro no interior de uma mesma empresa
(como pode ser o caso de uma empresa que realizou uma integração vertical),
estudo que aponta algumas das dificuldades com as quais se choca a teoria
A construção social das relações mercantis 5 7

dos custos de transação. Duas conseqüências problemáticas desse enfoque


são visíveis: em primeiro lugar, é mais difícil gerenciar as transações internas
do que as relações mercantis (o que contradiz a própria idéia de uma escolha
entre formas de organização ditadas pelo princípio de minimízação dos cus­
tos de transação); em segundo lugar, como os autores sublinham, qualquer
que seja a modalidade preferida de fixação dos preços nestas transações, ela
gera conflitos concretos para a alta hierarquia, já que estes conflitos colocam
à disposição desta última informações sobre a gestão dos diversos centros de
lucro que ela teria dificuldade de obter de outro modo.

Se acrescentarmos a isso o fato de que, para alguns produtores pelo


menos, as cotações acabaram sendo mais altas graças ao mercado com
quadro informativo (marché au cadrari), pode-se aceitar facilmente
que a construção social das relações mercantis leva em conta os com­
portamentos egoístas dos agentes, como pretende a teoria econômica.
O mesmo pode ser dito quando Patrick McGuire, Michael Schwarz e
Granovetter explicam a formação do setor de energia elétrica nos EUA,
utilizando a noção de “dependência de caminho”, noção bem consoli­
dada na teoria econômica contemporânea. Segundo ela, existem pro­
cessos cujo ponto de chegada depende do caminho que se segue para
chegar ao objetivo almejado. Realmente, às vezes é preferível continuar
em uma via, mesmo que ela não seja a melhor, apenas porque o fato
de se adotar uma via nova, por racional que ela seja, teria um custo
muito elevado dado os hábitos sedimentados na tecnologia, nos costu­
mes sociais etc. O exemplo clássico disso é proporcionado pelo teclado
das máquinas de escrever cuja primeira linha começa por QWERTY
(AZERTY no teclado francês): no fim do século XIX esse teclado-padrão
foi implantado, de um lado, para diminuir os riscos de sobreposição das
hastes que sustentavam as diversas letras e, de outro lado, para que a
primeira linha do teclado permitisse fazer uma demonstração cômoda
diante do cliente batendo type writer. Desde então, apesar da inven­
ção de tecnologias que eliminavam o problema inicial de sobreposição,
apesar da maior eficiência, muitas vezes comprovada, de teclados maip'
bem projetados (em 1940, uma experiência conduzida pelo exército
americano mostrou que os datilógrafos que trabalhavam com teclados
mais modernos obtinham ganhos de 40% em termos de rapidez e que
5 8 A Sociologia Econômica • Steiner

o custo de sua reciclagem era amortecido já na primeira semana), o


teclado original sobrevive (DAVID, 1985).

A construção de megamercados de seguros

Shiller (1993) propôs a criação de megamercados de seguros (Macro


Markets) que teriam como objetivo oferecer garantia contra os riscos que
ameaçam aspectos essenciais da existência dos indivíduos, como o em­
prego e as oscilações de renda ao longo da vida ou o valor da moradia.
Esta proposta apóia-se na teoria moderna da finança e na construção
de índices estatísticos complexos. Ela tem como base também o fato de
os agentes terem interesse em garantir-se contra mudanças que possam
vitimá-los. Shiller está totalmente consciente da dimensão institucional
de sua proposta e da discussão sobre si mesma a que a sociedade pre­
cisaria entregar-se para o surgimento de tais mercados, discussão que
precisaria considerar: (1) um envolvimento do Estado. Como nos outros
setores do seguro (ESPING-ANDERSEN, 1990, Cap. 4), o Estado inter-
viria para encorajar ou obrigar as organizações a fazerem seguro contra
os novos riscos e financiaria os pesquisadores capazes de desenvolver
as séries e os índices estatísticos necessários para o funcionamento de
tais mercados. Dado o marcado cunho político desse projeto, o envol­
vimento do Estado passa por ampla discussão pública, pois a criação
desses megamercados modifica a relação entre a “vida garantida” (ou
seja, precaver-se contra os riscos novos) e a riqueza; (2) a form ação de
um consenso entre os especialistas e a ação acordada das instituições. É
crucial levar em conta os “formadores de opinião”, como são os comen­
taristas nas mídias, os conselheiros financeiros e fiscais, os advogados e
os juristas. Mas, além desse trabalho de obtenção de acordo no tocante
aos princípios que devem reger esse megamercado, Shiller lembra o
papel de mediadores que organizações, como as companhias de seguro,
os gestores de fundos de pensão, os sindicatos profissionais, as organi­
zações capazes de lançar o mercado, deveríam assumir antes que par­
ticulares aí comecem a operar diretamente; (3) a educação do público.
Este é, sem dúvida, o ponto mais complexo do problema, pois se trata
de foijar indivíduos cujas expectativas e aspirações serão sensivelmente
A construção social das relações mercantis 59

diferentes após tal trabalho. É neste ponto que se pode analisar melhor
a opinião de que o interesse econômico não é nem um fato natural, nem
um fato definitivo, nem um recurso que pode ser utilizado com facili­
dade. 0 que se espera dos indivíduos é que eles raciocinem em termos
de índices novos (índices que Schiller propõe criar), como, nos dias
de hoje, são muitos os indivíduos capazes de raciocinar e considerar
evidentes índices, como o índice de preços ou os índices dos valores na
Bolsa, ou seja, capazes de considerar aceitáveis formas novas de medi­
das abstratas e de ajustar a elas aspectos essenciais de sua vida.
O trabalho que a sociedade realiza em si mesma para construir mer­
cados faz deles instituições, no sentido de Durkheim e de Veblen. Insti­
tuições são maneiras de fazer, de pensar e de sentir que os indivíduos já
encontram presentes na sociedade; elas determinam a maneira como o
indivíduo apreende o mundo social e suas práticas que, em contrapar­
tida, alteram as instituições mercantis. Vamos tentar demonstrar isso
examinando alguns mercados “especiais”, os mercados em que circulam
as “pseudomercadorias”, no sentido de Polanyi: a moeda e o trabalho.

A moeda e a finança enquanto instituições sociais

A moeda está profundamente ligada à organização política das so­


ciedades contemporâneas (CARTELIER, 1996; AGLIETTA; ORLÉAN,
1998), nem que seja porque os diversos Estados, progressivamente, tra­
taram de garantir para si o monopólio de sua emissão no seu espaço
político. Os problemas políticos e sociais provocados pela criação da
moeda única na Europa constituem um indicador muito claro do víncu­
lo entre moeda e organização política (SERVET, 1998). Esta dimensão
sociológica fundamental da moeda é reencontrada quando se exami­
nam domínios em que ela é aparentemente menos evidente, como é
o caso dos sistemas de trocas locais (STL) nos quais serviços e bens
circulam no meio de uma comunidade - em geral muito pequena - de
indivíduos ligados pelo desejo de viver de outra maneira que não por
intermediação de relações mercantis. Para isso, eles criam e Utilizam
meios de cálculo de nome pitoresco (“pinhão”, “vidrilho”, “paralelepí-
pedo” etc.) cuja característica monetária está ligada, em boa parte, ao
6 0 A Sociologia Econômica • Steiner

fato de que o grupo social é definido pelo uso desse meio em suas tran­
sações (SERVET, 1999).
Há muito tempo a moeda é objeto de uma atenção contínua por par­
te de sociólogos economistas, como Simmel (1900) ou Simiand (1934),
que enfatizaram o papel da confiança, ou da fé no futuro, quando das
transações monetárias. O uso social da moeda é uma dimensão impor­
tante da sociologia econômica.

Os usos sociais da moeda

Vivianna Zelizer (1994) coloca, de imediato, um problema decisivo


no uso da moeda: com a monetarização das atividades econômicas, as
relações sociais foram profundamente submetidas aos imperativos de
cálculo e de controle veiculados pela moeda, que desponta como sím­
bolo da despersonalização da vida moderna. A despeito disso, pode-se
acreditar, pergunta essa autora, que a moeda seja um vetor tão podero­
so que aniquile sem piedade as relações sociais? Não estará ela mesma
presa nas redes de relações sociais que ela, supostamente, transforma
de modo irremediável?
Apoiando-se em uma pesquisa histórica dos usos sociais da moe­
da nos EUA, Zelizer mostra que há um grande número de operações
de marcação social da moeda que modificam seus usos possíveis. Este
fenômeno não está ligado a uma particularidade histórica ou nacional,
já que a mesma conclusão aparece nas pesquisas de Michèle Salmona
(1998) sobre os hábitos monetários das famílias francesas dos anos
1970. A conclusão principal dessas pesquisas pode ser formulada assim:
a moeda perde sua liquidez, pois a marca social aposta a determinada
quantia de moeda a torna imprópria para certos usos, a ponto de se
poder falar, no seio de uma família, de moedas para fins específicos,
como acontecia com os mercadores do século XVII, que faziam uso
de diferentes moedas metálicas (ouro/prata), conforme os mercados
longínquos com que trabalhavam.
Tomemos o exemplo do que se passava no seio das famílias ameri­
canas no começo do século XX. Nas classes médias e alta, a esposa não
trabalhava e, logo, não tinha renda própria. Ela dependia do marido,
A construção social das relações mercantis 61

embora tivesse como função administrar cuidadosamente as despesas


ligadas a esse papel. Em razão disso, no seio da família, a moeda tor­
nava-se o tento de uma relação social delicada. Nessa relação, existia
indubitavelmente toda uma dimensão de relação de poder: como as
relações conjugais no interior de uma família pertencente a uma socie­
dade democrática e igualitária podiam articular-se com uma relação tão
desigual e decisiva? Ao lado de estratégias interpessoais de persuasão
ou de retiradas furtivas de dinheiro do fundo de bolsos masculinos,
Zeliler relata certas soluções socialmente previstas. Em vez de entre­
gas irregulares de dinheiro feitas pelo marido, a pedido da esposa, um
sistema de renda semanal ou mensal, depositada pelo marido, foi esta­
belecido. A “boa moeda doméstica” é o dinheiro recebido sem que seja
necessário pedi-lo, o que é socialmente humilhante. Isto deixa intocada
a delicada questão do montante dessa renda: que orçamento deveria
determinar esse montante? As despesas “supérfluas” das esposas “gas-
tadoras” deveríam ser levadas em consideração? Que “desempenhos”
domésticos deveríam servir de base para a determinação do montante a
ser gasto com a família? A conta bancária conjunta do casal parece uma
solução mais adequada; ela escapa à dificuldade que existe no cálculo
da despesa doméstica e define uma nova modalidade de moeda domés­
tica à disposição (relativa) das esposas.
Falta ainda considerar a especificidade que as relações domésticas
impõem à moeda. Em outras palavras, teria a difusão das relações mo­
netárias no âmbito da família feito com que, daí em diante, tudo se
reporte a uma grandeza monetária, “aos olhos gelados do frio paga­
mento a vista”, como Marx e Engels escreveram em meados do século
XIX? Zelizer mostra que esta tese não pode ser aceita sem consideráveis
reservas. Com efeito, a fixação de diferentes tipos de moedas domésti­
cas, conforme a pessoa que regula seu uso e as despesas a que elas se
destinam, faz com que a moeda receba uma marca social: doravante,
um franco não é mais, forçosamente, igual a um franco, ou, para falar
de outro modo, não há mais uma liquidez perfeita das unidades mone­
tárias presentes no seio de uma mesma família. A moeda doméstica à
disposição da mãe de família não poderá tornar-se uma moeda à dis­
posição de um outro membro da família; sua “origem social” (com esse
6 2 A Sociologia Econômica • Steiner

termo se quer significar a maneira como a esposa adquire a disponibili­


dade dessa moeda) faz dela tuna moeda especial.
O processo de marcação social da moeda pode concernir ao mesmo
indivíduo. Encontram-se pessoas que preferem abster-se de uma des­
pesa porque os recursos monetários de que dispõem foram marcados
socialmente, por sua origem ou por uma operação mental de destinação
prévia para determinado fim. Em razão deste fenômeno de discrimina­
ção das despesas (THALER, 1992, cap. 2), a utilidade marginal extraída
de cada unidade monetária não é mais sempre a mesma. As famílias
inglesas pobres, possuidoras de várias contas bancárias, realizam uma
marcação social da moeda ao destinar uma conta para as despesas
correntes (alimentação, contas de luz etc.) e uma outra para as des­
pesas extraordinárias (lazer, poupança) (CHATTOE; GILBERT, 1999);
estas famílias constituem um exemplo de discriminação da moeda.
A mesma noção brota de estudos sobre a transmissão hereditária de
bens (GOTMAN, 1988; LEONINI, 1995): como era de se esperar, certos
bens (“de família”) são fortemente marcados por sua origem, mas é
altamente significativo constatar que isto também é verdade no tocante
à moeda herdada. O uso desta última se distingue do uso da moeda
recebida a título de salário. A utilização da moeda herdada inscreve-se
em uma dimensão simbólica importante: quando se trata de gastá-la,
procura-se como que um acordo com o que teria pensado o falecido,
fazendo uma despesa extra com o fito de homenageá-lo ou agradar, ou
gastando a moeda herdada em um bem durável, a não ser que se pre­
fira transmiti-la diretamente à geração seguinte, que, a despeito de seu
maior afastamento, não está, ela também não, ao abrigo das relações
sociais que marcam o uso dessa moeda.
Certamente, ainda é preciso aprofundar mais o tema em foco para
conhecer as circunstâncias nas quais uma dada marcação social é aban­
donada em prol de uma outra forma de usar a moeda, e assim des­
cobrir como a moeda atualiza sua potencialidade corrosiva nas trocas
simbólicas (BOURDIEU, 1994), impondo-se como um meio neutro a
ponto de escapar momentaneamente a seus usos sociais prescritos. De
qualquer forma, a abordagem de Zelizer mostra que a moeda é, ela
também, construída socialmente através das relações que estruturam
a vida doméstica.
A construção social das relações mercantis 63

Os mercados financeiros

Situados na antípoda dos comportamentos domésticos, freqüente-


mente considerados como o exemplo por excelência do mercado puro,
os mercados financeiros permitem mostrar que também neles ocorre
um processo intenso de construção social das relações mercantis. Duas
importantes conclusões destacam-se na sociologia econômica recente.
Um estudo de Wayne E. Baker (1987) mostra que, segundo as caracte­
rísticas sociais dos participantes dos mercados financeiro e monetário,
e dependendo da natureza das operações (especulação ou cobertura
de risco nas operações a prazo), o mesmo produto (divisas ou títulos)
muda de significação: para os atores poderosos, ele é um substituto da
moeda, ao passo que isto não se dá com os atores periféricos. Como na
abordagem de Zeliler, o trabalho de Baker indica que as posições sociais
definem usos diferenciais das moedas e dos produtos financeiros. Por
sua vez, Mitchell Abolafia (1996, 1998) mostra detalhadamente como
os comportamentos dos corretores nos mercados financeiros america­
nos (New York e Chicago) são o resultado de uma construção social.
Seu estudo é uma demonstração documentada e precisa, que justifica a
afirmação clássica de Weber (1905, p. 14-15):

“A ‘sede de adquirir’, a ‘busca do lucro’, de dinheiro, da maior


quantidade de dinheiro possível, não tem, por si mesmo, nada
a ver com o capitalismo [...]. O capitalismo se identificaria, de
preferência, com a dominação, ou pelo menos com a moderação
racional desse impulso irracional.”

O comportamento dos corretores está conforme com a idéia que se


faz do homo oeconomicus: seu comportamento se caracteriza pelo se­
guimento e análise atentos de um fluxo contínuo de informações, pela
gestão racional das incertezas mercantis, bem como pelas implicações
econômicas cruciais de que depende inseparavelmente o destino pes­
soal do corretor e, antes de tudo, dos salários e prêmios que foram tão
importantes nos anos 1990 (GODECHOT, 2001). Trata-se então de sa­
ber como isto se traduz na prática cotidiana e, sobretudo, de saber que
limites foram estabelecidos para um comportamento desse tipo, isto é,
quais são os limites além dos quais convém moderar “racionalmente o
6 4 A Sociologia Econômica • Steiner

impulso irracional” da busca do ganho monetário maximal. Na verdade,


graças a sua situação de intermediários, a miúdo os corretores dispõem
de informações que tomam vantajoso um comportamento oportunista
contrário ao interesse de seus clientes ou parceiros, e mesmo ao inte­
resse do conjunto da categoria profissional (manutenção do mercado).
Mais concretamente, oportunismo quer dizer que um corretor que ope­
ra em um mercado derivado (futuros), em que as transações se dão
entre profissionais, sem intermediários, tenta renegociar tal ou tal tran­
sação, efetuada com um de seus colegas, no momento de saldar o que
comprou. Em outros casos, sabendo que seu cliente vai se colocar como
comprador de uma quantidade grande de um título, o corretor compra
de antemão esse título (já que é ele que deve fazer a transação por seu
cliente) e a revende a seu cliente por um preço mais alto, na seqüência
da alta dos cursos desencadeada pelo aumento da demanda por esse
título. Este oportunismo, explica Abolafia, é tanto mais tentador na me­
dida em que o limite que o separa de um comportamento interesseiro
agressivo é impreciso que as vantagens a curto prazo são enormes, que
as informações que passam pelas mãos dos corretores lhes permitem
agir desse modo e que as restrições e os controles são limitados.
A pesquisa, de tipo etnográfico, de Abolafia mostra que o “merca­
do”, ou seja, os outros corretores e os intervenientes externos, tolera o
oportunismo, mas tenta limitar os excessos. Nos mercados em que as
transações se dão entre profissionais (os market makers nos mercados
derivados, por exemplo), o oportunismo é controlado pelo efeito das
avaliações negativas que ele acarreta e pelas pressões do grupo sobre
o comportamento desviante. Quando as transações não criam relações
face a face, o controle é mais formal, e diversas instâncias estão encar­
regadas de regular o funcionamento do mercado, de pautar os conflitos
que opõem os profissionais, e mesmo de definir as posições (especulati­
vas) autorizadas no caso de crises importantes. Acontece mesmo de as
autoridades monetárias (o FED) intervirem quando uma especulação
excepcional - como a do dinheiro-metal em 1987 - coloca em risco a
existência do mercado (os profissionais, sem liquidez, precisavam em­
prestar a taxas muito altas), pedindo aos bancos que forneçam liquidez
ao mercado, e às autoridades financeiras que bloqueiem as posições
especulativas.
A construção social das relações mercantis 65

Tais processos sociais de controle não configuram uma estrutura ins­


titucional que se possa considerar como um limite “friccional” ao des­
dobramento do comportamento econômico racional. Abofalia insiste,
pelo contrário, no fato de que eles contribuem para caracterizar o que é
o comportamento econômico racional através da definição da diferença
entre o que é oportunismo e o que é considerado como um comporta­
mento egoísta agressivo aceitável. De resto, o desmascaramento de um
delo de oportunismo é um bom indício disso: após uma crise grave, que
reforça a pressão exercida pelos controles informais e formais, o oportu­
nismo diminui, mas em seguida o controle também diminui, em conse-
qüência do que o oportunismo que os mercados engendram reaparece
até que uma crise venha a recolocar os controles em primeiro plano.

Mercado de trabalho e relações sociais

Maix (1867) fundamentou sua crítica à economia política, explican­


do como as relações sodais de produção estavam na origem da criação
do excedente econômico (a mais-valia). Se os sociólogos-economistas
não o seguiram nessa via e, ao invés disso, enfatizaram os conflitos
por conta dos salários e rendimentos (SIMIAND, 1932), a sociologia do
trabalho, em todo o caso, sempre foi o campo favorito para uma forma
de sociologia econômica. Deslocando o foco da pesquisa, Granovetter
(1974) inova ao colocar uma questão singela: de que maneira os indi­
víduos encontram seu emprego?

Como se encontra um emprego?

Sem falar dos economistas insatisfeitos com uma representação teó­


rica que deixa, em grande parte, sem explicação a persistência de um
desemprego em massa durante várias décadas, a sociologia econômica
estuda a procura de emprego, colocando a pergunta seguinte: como os
empregos a prover são ocupados por aqueles que os procuram? Esta
pergunta, aparentemente simplista, é o ponto de partida de toda uma
série de pesquisas que acabaram por identificar as instituições e as re­
lações sociais graças às quais funciona o mercado de trabalho. Partamos
66 A S ociologia Econômica • Steiner

de um estudo realizado com uma amostra representativa (9.732 pessoas)


da população francesa que tinha por objetivo o modo de obtenção do
emprego ocupado (FORSÉ, 1997).
Michel Forsé, na seqüência dos estudos de Granovetter, avalia em
35,6% a parcela dos empregos encontrados por meio de redes sociais
(linhas 6 a 9 do Quadro 3), sendo indiferente que elas estejam centradas
na família, nos amigos ou em relações de trabalho (evidentemente, po­
dem existir interseções entre estas três redes). Esta porcentagem coloca
em evidência o peso decisivo das redes de relações sociais nas quais os
indivíduos se encontram colocados, em comparação com procedimen­
tos mais próximos de uma organização mercantil, como as iniciativas
pessoais, a resposta aos anúncios etc. (linhas 1 a 3), que permitiram
encontrar 41,2% dos empregos. Nota-se, além disso, a presença de ou­
tras mediações sociais específicas, como os concursos e as organizações
de colocação de mão-de-obra, entre elas a ANPE, à qual voltaremos um
pouco adiante, que contribuíram para 16,3% do emprego. Em suma, o
mercado de trabalho, no sentido habitual da teoria econômica, expbca
apenas uma parte limitada do processo pelo qual os indivíduos encon­
traram o emprego que ocupam, ao passo que uma forte proporção deles
utüiza relações sociais para isso.

Q u ad ro 3 M odo de obtenção do em prego (em %).

1. Iniciativa pessoal junto a uma empresa 30,3


2. Por intermédio de anúncio 6,2
3. Trabalhando por conta própria 4,7
4. Por meio de concurso ou exame 3,0
5. Por intermédio de uma organização de colocação (como a ANPE) 13,3
6. Por intermédio da família 6,3
7. Por intermédio de relações pessoais 19,5
8. Por intermédio da escola ou de uma organização de formação 4,1
9. Contatado por um empregador 5,7
10. Outros modos 6,9

Fonte: M. Forsé (1994, Tabela 1).


A construção social das relações mercantis 6 7

A pesquisa pioneira de Granovetter (1974) desvenda o fenômeno em


foco de maneira modelar. Granovetter faz uma descrição detalhada das
respostas dadas por uma amostra de 256 quadros da região de Boston.
Cerca de 30% dos entrevistados responderam negativamente à ques­
tão: “O senhor procurou ativamente um novo emprego antes de obter
a posição que ocupa agora?” Além disso, a porcentagem de respostas
negativas aumenta segundo o nível do salário anual (24% para um sa­
lário inferior a 10.000 dólares; 43% para um salário superior a 25.000
dólares). O autor menciona também a situação simétrica de posições
que não demandavam preenchimento, mas que foram criadas porque
uma pessoa apta a ocupá-las se apresentara - 35% dos entrevistados
da pesquisa estavam nesse caso. Por conseguinte, a abordagem econô­
mica do mercado de trabalho comete um erro porque, de um lado, um
número significativo de empregos é atribuído a indivíduos que não os
procuraram, enquanto, de outro lado, um número igualmente significa­
tivo de empregos não é oferecido no mercado, mas resulta da criação de
posições quando uma pessoa qualificada para ocupá-las se apresenta.
Que outro mecanismo, além do mercado, permite a adequação entre os
empregos a serem preenchidos e as pessoas que os procuram?
Granovetter sugere que se observem os meios utilizados pelos indi­
víduos para encontrar um emprego. Ele divisa três: a iniciativa direta
ou candidatura espontânea junto a empresas com as quais o indiví­
duo não tem nenhum contato pessoal; as mediações formais, como os
anúncios, os organismos privados ou públicos de colocação de mão-
de-obra; os contatos pessoais, contatos nos quais há um intermediário,
entre o emprego e a pessoa que vai preencher essa posição. Das pessoas
da amostra de Granovetter 56% foram admitidas por contato pessoal,
contra 19% por iniciativa direta do interessado e por mediações formais
(6% foram ad m itid as por meio de outras modalidades). Os resultados da
pesquisa de Granovetter e os de Forsé, na França, são semelhantes: uma
considerável proporção de indivíduos encontra seu emprego por meio
de contatos pessoais. Além disso, mesmo se nem todos os resultados são
comprobatórios, as pessoas da amostra estudada têm empregos mais bem
remunerados e um índice de satisfação no trabalho mais elevado quando
o emprego foi obtido graças a um contato pessoal - principalmente quan­
do comparadas aos empregos obtidos graças a mediações formais.
68 A Sociologia Econômica • Steiner

Nesse ponto, não se pode deixar de perguntar por que todos os in­
divíduos não adotam tal método de obtenção de emprego. É aqui que
a estrutura social, na qual a ação dos indivíduos está imersa, assume
toda a sua importância. Não se pode afirmar taxativamente que existe
de fato uma situação na qual o indivíduo tomaria uma decisão frente a
um conjunto de escolhas possíveis. Na realidade, o que acontece é que
alguns têm os bons contatos, e outros não os têm:

“Em geral, o determinante mais importante (do que as carac­


terísticas culturais ou religiosas) do comportamento observado
reside na posição social ocupada pelo indivíduo na rede social.
Com isto se quer dizer que é preciso levar em consideração a
identidade, não apenas das pessoas que o indivíduo conhece e
das relações que ele tem com elas, mas também do conjunto
das pessoas que suas relações conhecem, e assim por diante. A
estrutura e a dinâmica de tal rede, por difícil que seja sua análise,
determina largamente que informação estará à disposição de um
indivíduo que procura emprego e em que medida tal ou tal opor­
tunidade se oferece a ele” (GRANOVETTER, 1974, p. 14-18).

A noção de rede de relações (rede relacionai) pode, por conseguin­


te, ser considerada como um exemplo típico das mediações sociais
(Figura 1), mediações que a sociologia econômica isola para poder des­
crevê-las de forma diferente da maneira como os economistas o fazem,
pois estes últimos estão centrados na hipótese da racionalidade de com­
portamentos guiados pelos sinais que fixam os preços.
A rede social, na qual a ação econômica individual está inserida, é
uma mediação social importante cujo funcionamento será explicitado
no capítulo seguinte; ela, porém, não constitui a única mediação social
a colaborar para construir soeialmente o mercado de trabalho. Recen­
temente, os organismos públicos de colocação de mão-de-obra, ou os
escritórios de recrutamento, passaram a cooperar com iniciativas que
procuram promover o encontro da oferta e da demanda de trabalho.
Jean-Louis Meyer (1998) caracteriza o acolhimento de jovens no qua­
dro dos serviços permanentes de informação e de orientação da ANPE
A construção social das relações mercantis 69

como um projeto de inserção profissional e social; apenas no final do


programa esses jovens entram em contato direto com o mercado de
trabalho propriamente dito. Por sua vez, François Eymard-Duvemay e
Emmanuelle Marchai (1997) mostram que os escritórios de recruta­
mento não são intermediários neutros que se contentam com difundir
informação para os empregadores e os demandantes de emprego. As
práticas desses escritórios marcam profundamente o mercado de tra­
balho na medida em que intervém na seleção dos candidatos propostos
ao empregador, mas também quando traçam, às vezes de modo muito
preciso, o perfil do posto de trabalho a ser preenchido em função do
que sabem a respeito das disponibilidades locais do mercado de tra­
balho. Nesses casos, uma faceta importante do mercado de trabalho
deve a Armand Hatchuel (1995) o nome encontrado por ele - “merca­
do do aconselhamento” - para designar as relações mercantis entre o
vendedor e o comprador que não se efetivam sem a intervenção de uma
expertise - do médico, do crítico de cinema, da revista especializada, do
“caçador de cabeças” etc. - cujo julgamento é uma mediação que parti­
cipa da construção social das relações mercantis.

O mercado de trabalho enquanto instituição social

Os elementos de que acabamos de tratar não são os únicos a entrar


em linha de conta quando o caso é a construção social do mercado de
trabalho. Existe todo um conjunto de instituições formais - as regras de
negociação coletiva são um exemplo bem conhecido disso (LALLEMENT,
1996,1999) - que contribuem fortemente para dar a esse mercado uma
dinâmica específica.

A relação salarial enquanto instituição

A escola da regulação (BOYER; SAILLARD, 1995) considera que a relação


salarial não depende da teoria econômica dos mercados. Definido como "o
conjunto das condições jurídicas e institucionais que regem o uso do trabalho
como meio de vida dos trabalhadores" (ibidem, p. 107), a relação salarial é
uma instituição cuja explicação se encontra na junção da teoria (econômica
7 0 A Sociologia Econômica • Steiner

da regulação) e da história. O exemplo canônico é a relação salarial fordista


(em referência a Henri Ford, introdutor da linha de montagem e dos altos
salários), caracterizada pela acentuação da fragmentação das tarefas, pelo
aumento da automação, pela partilha dos ganhos de produtividade entre
operários e patrões através do estabelecimento de negociações coletivas. A
este primeiro conjunto de fatores juntam-se as formas institucionais que con­
cernem ao crédito (notadamente para sustentar os níveis de consumo com
vistas a absorver uma produção crescente) e à concorrência (oligopolista entre
grandes grupos industriais).
Nessa aproximação, a relação salarial não está mais diretamente apoiada
em uma teoria econômica, e o salário, se ele é sempre um preço, não é mais
o resultado das forças do mercado (oferta e demanda). Por outro lado, a re­
lação salarial não depende destes fenômenos friccionais que entravam o livre
funcionamento do mercado; ela é uma peça constitutiva do conjunto institu­
cional graças ao qual se dá a reprodução da economia e da sociedade.

No entanto, como se apontou mais acima, e como mostra a refle­


xão sobre os problemas de interpretação das convenções coletivas (B.
REYNAUD, 1992, 2004), as instituições sociais que participam da cons­
trução das relações mercantis tomam também a forma de representa­
ções sociais. As “maneiras de fazer, de pensar e de sentir” permitem que
os indivíduos se posicionem na complexidade do mundo social e ajam
segundo o sentido que eles dão a suas ações econômicas. No mercado
do trabalho, a transação leva em conta a capacidade de trabalho do
indivíduo vivo, mas as representações deste último desempenham um
papel importante na definição de seu comportamento.
Há, efetivamente, um problema clássico nessa colocação, como
Marx já havia apontado em meados do século XIX, e como foi reiterado
a seguir por Marhall ou Simiand (1928-1931): o problema da quali­
dade da mercadoria comprada. É preciso extrair do trabalhador o que
se espera dele e que, de um modo ou de outro, ele se compromete a
fornecer. Realmente, pode-se presumir que este último está motivado
para fornecer uma jornada “normal” de trabalho na medida em que ele
considera que as condições nas quais esta jornada se desenrola também
são “normais”. Economistas, como Solow (1990) ou Akerlof (1984),
A construção social das relações mercantis 71

foram levados, desta maneira, a incorporar a seus modelos teóricos ás


representações dos agentes (dos trabalhadores) em termos de eqüidade
ou justiça, ou seja, eles acabaram por ver o mercado de trabalho como
tuna estrutura social. No caso da teoria do salário de eficiência, propos­
ta por Akerlof, a hipótese central é que a empresa oferece um salário
superior à média do mercado a seus empregados, esperando que eles
forneçam um esforço suplementar ao correspondente à jornada de tra­
balho normal. A média do salário fica, portanto, acima de seu nível de
equilíbrio, o que explicaria a existência de um desemprego persistente,
já que para a teoria corrente um salário menos resistente à baixa e,
portanto, menor, permitiría eliminar a oferta excedente de trabalho.
A idéia de empresas pagando um preço superior ao preço de mercado
é, para um economista, pouco natural; assim o autor apresenta esse
contrato de trabalho como uma troca parcial de vantagens. E preciso in­
terpretar esta última proposição de uma dupla perspectiva: de um lado,
há um comportamento interesseiro dos dois agentes que fazem a troca
(salário mais alto contra mais esforço); de outro lado, se está diante de
um comportamento guiado por normas sociais, isto é, um comporta­
mento que se segue porque ele é considerado “justo”, e não porque ele
é útil para os indivíduos que dele tiram proveito.

A construção social da concorrência

Há muito tempo, os trabalhos sobre a formação e a evolução das


regras jurídicas no tocante às relações mercantis (COMMONS, 1924)
avançaram a idéia da construção social da concorrência:

“Diferentemente da ‘luta pela sobrevivência’ que rege a natu­


reza, a concorrência é uma construção social que repousa sobre
a ação coletiva que a sanciona moral, econômica e fisicamente.
A teoria da livre concorrência desenvolvida pelos economistas
não é uma tendência natural em direção a um equilíbrio, mas
um ideal para a ação pública no sentido de que o termo é utili­
zado nos tribunais, ideal atingido quando se impõem limites na
luta natural pela sobrevivência” (COMMONS, 1954, p. 713).
7 2 A Sociologia Econômica • Steiner

A concorrência enquanto sistema de relações sociais

Neil Fligstein (1990) parte da constatação de que as formas da con­


corrência, nos EUA, passaram por mudanças substanciais ao longo do
século XX. Ele coloca a hipótese de que as firmas procuram evitar a
concorrência porque ela é uma fonte de perigos. Todavia, a maneira de
se evitar a concorrência muda concomitantemente às mudanças que
acontecem no direito econômico e nas decisões políticas que lhe dão
origem. Fligstein registra quatro formas do que ele chama uma “con­
cepção de controle”, isto é, uma visão do mundo econômico que se
traduz em estratégias, em estruturas organizacionais e estruturas de
mercado, ou ainda em uma concepção do que é a eficácia. A passagem
de uma forma de controle a outra é marcada por crises, que se detecta
pela emergência de uma onda de fusões.
Num primeiro momento, na virada do século XIX para o século XX,
as firmas procuravam subtrair-se à concorrência pelo controle direto
das firmas rivais. No entanto, essa concepção do controle tomou-se ina­
dequada depois do Sherman Act (1890), que se opõe aos cartéis que
“conspiram para reduzir o comércio”. A concepção manufatureira do
controle surgiu em seguida: a firma transforma-se numa organização
integrada verticalmente (integração dos fornecedores ou das firmas
clientes); para reduzir as incertezas mercantis, ela dá ênfase à orga­
nização da produção para diminuir os custos e procura expandir sua
parcela de mercado. Esta concepção prevalece durante os anos 1920,
mas, com os preços definidos pela produção, as firmas enfrentavam
dificuldades para manter sua parcela do mercado. Surge então uma
concepção do controle em termos de vendas e de marketing. Os mer­
cados são segmentados e os produtos são diferenciados, o que permite
evitar a concorrência direta por meio dos preços e fidelizar os clientes
por meio da marca. O objetivo não é tanto produzir, mas vender, e a
estrutura interna das firmas muda, os serviços de marketing são fa­
vorecidos em detrimento dos ligados à produção. Esta concepção do
controle funciona até os anos 1950, ou seja, até o Celler-Kefauver Act
(1950), que modifica as regras da concorrência, impedindo esse gênero
de concentração, comparada a uma forma de estatismo. Chega-se então
a uma concepção financeira do controle pela qual cada “divisão-pro-
A construção social das relações mercantis 73

duto” é avaliada em termos de sua capacidade de gerar renda a curto


prazo. O crescimento se dá em cima dos produtos de margem elevada
e é mais cômodo comprar firmas ativas em dada gama de produtos.
Ferramentas financeiras tomam-se essenciais para a avaliação do de­
sempenho da firma multidimensional e os serviços financeiros tomam a
dianteira dos serviços de marketing na firma. Depois da onda de fusões
dos anos 1980, Flingstein vê se desenhar uma última forma de controle
em razão da importância adquirida pelo acionista e pelo valor na Bolsa
(a Shareholder value).
Nos trabalhos posteriores de Fligstein (2001), a concorrência é con­
siderada como um modo específico de coesão entre as empresas; esta
coesão deve permitir a reprodução do mercado e das firmas em luta
para manter suas posições. As empresas presentes em um mercado,
assim como as empresas que atuam em mercados diferentes, se ob­
servam mutuamente, se copiam e procuram se diferenciar umas das
outras para evitar a concorrência direta. Em tal situação, os mercados
podem ser entendidos como culturas locais, que explicam como funcio­
na a concorrência e prescrevem os comportamentos adequados. Estas
culturas constituem os instrumentos que permitem interpretar as con­
cepções do controle. A indústria da assessoria em management, cujo
desenvolvimento é muito grande a partir dos anos 1970, concorre para
esta difusão dos quadros cognitivos subjacentes ao funcionamento da
concorrência.
A concorrência se encontra, dessa forma, embutida nos conflitos
internos da empresa devido às formas de organização e de gestão de
seus recursos, e depois passa a integrar os conflitos entre as empresas
que atuam no mesmo mercado; ela é, por fim, anexada às decisões em
matéria política (por exemplo, a criação do mercado comum pela Co­
munidade Européia), social e jurídica, nas quais o papel do Estado e de
diversos atores coletivos (grupos de pressão, sindicatos etc.) é impor­
tante. Estas diversas ingerências definem as regras e as interpretações
necessárias ao funcionamento do mercado. Fligstein (2001, p. 31) des­
taca quatro destas formas de ingerência: (1) os direitos de propriedade;
(2) as formas de governança; (3) as regras que regem a troca e (4) a
concepção do controle. Os direitos de propriedade são direitos que in­
7 4 A Sociologia Econômica • Steiner

cidem sobre uma parte do lucro das empresas. Eles definem as relações
entre os proprietários (detentores dos direitos) e os outros membros da
sociedade (os assalariados, os consumidores etc.). As formas de gover­
nança definem a concorrência e a cooperação, bem como a organiza­
ção da firma. O direito econômico desempenha nesta última um papel
crucial, tanto na sua formulação quanto nas maneiras que regulam seu
funcionamento; nestas últimas contam-se as estratégias de luta entre
os atores que atuam no mercado, no nível nacional ou internacional.
As regras que regem a permuta definem quem pode realizar uma tran­
sação com quem; é preciso, além disso, que sejam estabelecidas regras
que concernem às medidas, aos transportes, aos seguros, à execução
de contratos. Em suma, é preciso todo um conjunto de dispositivos
materiais (metrologia) ou virtuais (as “tecnologias invisíveis”, como as
regras contábeis ou o direito) para que a troca possa ter lugar, como
mostram os estudos sobre as transações mencionados no Capítulo 2. As
concepções a respeito do controle são uma forma local de cultura; elas
definem as maneiras de agir nessa forma de coesão particular que é a
concorrência; pode-se dar como exemplo disso, no nível microssocial, o
estudo do mercado financeiro feito por Abolafia, que traz as definições
do que é um comportamento aceitável (agressividade mercantil) e do
que não é aceitável (o oportunismo que coloca em risco a confiança no
mercado ou sobre o mercado).
Fligstein salienta duas causas de instabilidade no mercado: a pri­
meira vem de uma concorrência entre empresas baseada nos preços;
a segunda tem origem nos conflitos internos da empresa a propósito
das formas de organização e de controle. Para pregar uma peça no
primeiro risco, a empresa pode recorrer à cooperação com outras em­
presas; assim, a cooperação tem um papel a desempenhar desde que
nessa tentativa as empresas não infrinjam regras legais que coibem es­
ses acordos; da mesma forma, as integrações, horizontal (a aquisição de
empresas concorrentes) ou vertical (compra dos fornecedores), são es­
tratégias bastante comuns. A empresa procura, mas nem sempre conse­
gue, se estabelecer em um “nicho” de mercado, isto é, procura realizar
uma diferenciação qualitativa de seu produto de maneira a segmentar o
mercado e reduzir a concorrência por meio dos preços. No que concer­
ne à segunda causa de instabilidade, Fligstein enfatiza a complexidade
A construção social das relações mercantis 75

do mundo com o qual os atores se deparam. Ele retoma os trabalhos de


economia das organizações que consideram que o objetivo da organi­
zação é assegurar a sobrevivência da empresa. Nesse quadro, as lutas
internas pelo poder no que toca à definição das normas de organização
e de tomada de decisão também são relações sociais; é por meio delas
que os agentes constroem uma representação do mercado que lhes per­
mite se orientar e atuar nesse mercado. Uma vez estabelecidas, estas
normas constituem uma “cultura de empresa”, e permitem definir estra­
tégias de enffentamento dos concorrentes em termos de evitar os efeitos
destruidores da concorrência; elas retratam também um saber comum
aos dirigentes das organizações que, formados nas mesmas escolas, se
reencontram nos mesmos conselhos de administração (USEEM, 1979)
e se espreitam mutuamente. Evidentemente, quando a vida da empresa
está em perigo, isto provoca uma crise organizacional importante, que
questiona o equilíbrio “político” interno da firma e leva a uma redefini­
ção das normas e das estratégias.

Conclusão

A problemática da construção social das relações mercantis forne­


ce um conjunto de resultados que mostram a natureza e a pertinência
dos esclarecimentos trazidos pela sociologia econômica. Os mercados
não são o resultado de um arranjo espontâneo de agentes econômicos
que procuram otimizar as formas de suas transações mercantis: estas
últimas são o resultado de um conjunto não coordenado de decisões
institucionais (políticas, jurídicas, econômicas), de relações pessoais e
culturais que sofrem e veiculam as contingências da história.
O contexto social no qual estão inseridas as relações mercantis é,
então, crucial: isto justifica a importância que a sociologia econômica
concede à identificação das mediações sociais e das formas de articu­
lação que permitem a atuação dessas mediações; sem elas, a descrição
do mercado é cientificamente inadequada. É preciso agora que nós nos
voltemos para o funcionamento do mercado. E o que o próximo capítulo
se propõe a fazer.
Redes sociais e funcionamento
íw l
dos mercados

P a ra passar de uma descrição refletida das ocorrências mercantis, das


representações e das instituições que as tornam possíveis ao estudo do
funcionamento dos próprios mercados, a sociologia econômica contem­
porânea aproveita-se do desenvolvimento da análise das redes sociais.
Esta oferece a vantagem de permitir tratar uma massa importante de
dados de modo a superar os estudos quantitativos feitos com pequenos
grupos (a sociometria) e, além disso, permite dar um sentido rigoroso
à idéia de inserção social dos comportamentos econômicos. Convém
enfatizar que a abordagem em termos de rede social é uma ocasião para
um encontro fecundo entre economistas e sociólogos, notadamente
quando se trata de relações industriais e organizacionais (COHENDET;
KIRMAN; ZIMMERMAN, 2003). De fato, quando a atividade econômica
não é concebida nem como atividade independente das relações sociais
(quando não se pensa que os preços bastam para organizar os indiví­
duos), nem como algo que se desenrola entre agentes que estão em
uma situação de entendimento perfeito, o conceito de rede passa a de­
signar algo mais do que apenas um objeto, um dispositivo técnico (por
exemplo, a rede de água); ele passa a ser um instrumento que permite
descrever e formalizar as interações entre os indivíduos. Este instru­
mento pode ser usado de múltiplas maneiras para estudar fenômenos
como a criação de vínculos entre organizações (GROSSETI; BES, 2001),
para estudar os distritos industriais (SAXENIAN, 1994; CASTILLA et al.,
2000), a inovação (CALLON, 1999), as relações no interior de grupos
Redes sociais e funcionamento dos mercados 77

(GRANOVETTER, 1994; DELARRE, 2005) ou entre os membros de uma


firma (LAZEGA, 2001). Em todas estas situações, a idéia forte é de que
a situação, e mesmo a identidade do ator, dependem de suas interações
com outros atores, e das interações que estes últimos mantêm com ou­
tros membros da rede.

Rede social e inserção estrutural

Como o capítulo precedente deixou claro, a noção de rede social é,


a miúdo, usada pela sociologia econômica. O que significa esse termo
carregado de imagens? Que programa de pesquisa se materializa atrás
dessa metáfora, e como ele se aplica à sociologia econômica?

O que é uma rede social?

De maneira geral, uma rede é um conjunto de atores ligados por


uma relação (WASSERMAN; FAUST, 1994, p. 20); uma rede caracteri­
za, assim, o sistema formado pelos vínculos diretos e indiretos (os con­
tatos de meus contatos etc.) entre os atores. Por analogia, é uma forma
de interação social que põe atores em contato; essas interações podem
ser transações realizadas em um mercado, podem ser trocas de serviços
entre indivíduos de um mesmo bairro, ou podem ser devidas à presença
dos atores nos conselhos de administração de um conjunto de empresas.
A rede pode estar baseada em uma única relação (rede uniplex de fir­
mas que mantêm relações comerciais) ou em várias (rede multiplex de
firmas que mantêm relações comerciais, mas também levam em conta
a participação alternada de certos atores nos conselhos de administra­
ção). A análise estrutural modela os sistemas de vínculos que existem
entre os atores e delineia as características da rede por meio de um
conjunto de medidas. Graças ao desenvolvimento da matemática (teo­
ria dos gráficos), da estatística e da informática, é, de agora em diante,
possível trabalhar com redes maiores: assim, a via para uma quantifica­
ção e formalização originais da vida econômica está aberta.
A noção de ator envolve figuras diversas: no âmbito da sociologia
econômica, podem-se considerar atores os indivíduos que estão em um
78 A Sociologia Econômica • Steiner

mercado, ou firmas que estão em um ramo da economia, ou nações


no comércio mundial (SMITH; WHITE, 1992). Diferentemente do in­
dividualismo metodológico no sentido estrito, a análise de rede realça
deliberadamente as relações existentes entre os atores, mais do que os
próprios atores. Alguns estudiosos descortinam aí um novo programa
de pesquisa em sociologia, e evocam uma sociologia relacionai (uma
sociologia das relações) que retomaria as idéias avançadas por Simmel
e Norbert Elias no começo do século XX, enriquecendo-as com as contri­
buições da análise estrutural (EMIRBAYER, 1997). De qualquer modo,
a análise estrutural faz com que as duas principais grades de leitura
comumente empregadas em sociologia se encontrem.

Densidade, centralidade e prestígio

Com os termos acima, a análise de rede identifica e mede características


fundamentais de uma rede social. A densidade (8) de uma rede não orientada
(em que o vínculo entre os atores é bi-unívoco) relaciona o número de víncu­
los observados (L) ao número de relações possíveis, que é uma função simples
do número (g) de membros da rede:

8 = 2L/g (g - 1 )

A medida centralidade é uma medida que caracteriza a posição relativa


dos atores em uma rede: esta é mais elevada na medida em que o ator está
conectado a um número maior de outros atores. Existem várias medições
possíveis da centralidade: a centralidade de grau (CD) é obtida somando-se os
vínculos (X.) entre um ator / e os outros membros do grupo j; a centralidade
de proximidade (Cc) é dada pelo inverso da soma das distâncias {d~, o número
de vínculos sucessivos que o ator / deve acessar para chegar ao ator j), vín­
culos que ligam um ator a todos os outros atores da rede; a centralidade de
intermediação (Ce) é obtida relacionando-se o número de vínculos indiretos
entre um ator j e um ator k que passam pelo ator i (gjk(n)) ao número total
dos vínculos entre j e k igjk). Diferentemente da centralidade de grau, as cen-
tralidades de proximidade e de intermediação fazem com que os vínculos in­
diretos existentes entre os membros da rede possam intervir. Desconsiderando
o tamanho da rede para poder fazer comparações entre redes de tamanho
diferente, as três medidas normalizadas de centralidade são dadas pelas fór­
mulas seguintes:
Redes sociais e funcionamento dos mercados 79

c /B = ( g - i ) - , .Sf,
C'a = ( g - M G x } r '
C m = 2-^gik(n)ígjk.[(g - 1).(g - D ]-1

Tomemos três redes típicas para mostrar como estas medidas exprimem a
posição dos agentes em uma rede.

1 2 3 4 5 6 7
C H IH =}-C H >D -a
Linha

Na rede do tipo estrela, a centralidade de grau é igual a 1 para o ator 7 e


é igual a 1/6 para os outros seis atores; no círculo, os sete atores têm a mes­
ma importância de (1/3); na linha, os atores 2 a 6 têm importância de 1/3,
enquanto que os extremos (atores 1 e 7) têm importância de 1/6. No caso da
centralidade de intermediação, as importâncias são diferentes: na estrela, o
ator 7 tem importância igual a 1, enquanto que ela é nula no caso dos outros
seis atores; na rede do tipo círculo, todas as importâncias são iguais (1/5); na
linha, o ator 4 tem o score máximo (0,6), o score dos atores decresce e torna-
se nulo no caso dos atores (1 e 7) em posição mais afastada.
No caso de redes orientadas, isto é, de relações unívocas, quando se pede
a um ator que identifique o ator da rede que lhe parece mais importante,
pode-se estabelecer uma medida de prestígio. Estas diferentes medidas, de
centralidade ou de prestígio, permitem avaliar empiricamente a noção de po­
der social e, no caso da sociologia econômica, elas facilitam, dessa forma, o
estabelecimento desta noção no quadro das relações mercantis.

Como salientam Alain Degenne e Michel Forsé (1994), ao colocarem


a relação social no centro de suas considerações, a análise estrutural
desenvolve uma abordagem na qual a ação individual e o quadro insti­
tucional são duas dimensões inseparáveis. A ação individual aproveita
8 0 A Sociologia Econômica • Steiner

os recursos que a rede oferece, mas é constrangida por ela; de outro


lado, a rede existe porque ações individuais significativas colocam em
relação os indivíduos que compõem essa rede. A ação econômica não se
desenrola em um vazio social; ela não é, também, a tradução automáti­
ca da estrutura social nas decisões individuais.
No domínio da sociologia econômica, a ancoragem teórica da noção
de rede deve-se ao fato de que ela constitui uma forma de articulação
dos atores paralela ao mercado (em que a ação é descentralizada, não
hierárquica, e em que os atores se encontram, por suposição, mutua­
mente interligados) e à empresa (em que essa articulação é garantida
por relações hierárquicas). Além disso, o interesse da análise estrutural
vem do fato de que ela quantifica algumas das características da estru­
tura social e toma explicáveis os objetivos atingidos pelos indivíduos.
Neste ponto, convém distinguir duas formas de abordagens, freqüen-
temente empregadas na análise de rede em sociologia econômica. De
um lado, a análise de rede apóia-se na idéia de integração do grupo
ou de coesão social para estudar, empírica e quantitativamente, suas
características em termos de densidade, de centralidade, de facções etc.
(ver os quadros “Densidade, centralidade e prestígio” e ‘As ‘panelinhas’
segundo a análise de redes”). De outro lado, ela se desenvolve em torno
da idéia de que atores podem ser agrupados mesmo quando eles não
se encontram diretamente conectados entre si. Com efeito, a técnica
de blockmodeling permite colocar em evidência atores estruturalmente
semelhantes, porque suas relações com os outros atores da rede são
semelhantes (ver o quadro “Equivalência estrutural, buracos estrutu­
rais e empreendedores”). As duas vias foram exploradas a propósito da
formalização do mercado.

Inserção social e capital social

Tal como definido por Pierre Bourdieu (1980) ou por Coleman


(1990), o capital social remete à idéia segundo a qual uma rede du­
radoura mais, ou menos, institucionalizada de relações mútuas e de
Redes sociais e funcionamento dos mercados 81

amizade entre indivíduos constitui um recurso real ou potencial que


os indivíduos podem mobilizar para atingir seus objetivos. Deste ponto
de vista, o capital social difere do capital humano, diretamente ligado
à própria pessoa. Por conta de sua natureza intangível, não material,
e seu caráter relacionai, a rede pode ser considerada como o exemplo
típico do capital social - fala-se então do “capital reticular” (WONG;
SALAFF, 1998). A proximidade entre esses conceitos não é apenas me­
tafórica, já que a rede é um elemento da vida social que, como na teoria
austríaca do capital, constitui um “desvio de produção”, isto é, uma pro­
dução social que, por sua vez, permite gerar resultados difíceis de ser
atingidos sem ela; mas ela é uma produção que demanda investimento,
nem que seja em termos de tempo despendido para atar e manter os
relacionamentos (LIN, 2001). No entanto, para escapar de uma visão
excessivamente instrumental das coisas, é preciso reiterar que o capital
social depende, indubitavelmente, mais das ações dos membros da rede
que estas do ator, mesmo se estas últimas não são inteiramente despro­
vidas de eficácia. Como enfatiza categoricamente Gary S. Becker (1996)
quando procura ampliar as bases da teoria neodássica, a rede de rela­
ções é um recurso que depende não só de contatos diretos, mas também
de contatos indiretos (os contatos de nossos contatos) sobre os quais a
influência do agente é muito pequena, talvez mesmo inexistente.
Prosseguindo com uma idéia desenvolvida por Coleman, pode-se
dizer que, em um grupo social no qual a honestidade é uma norma se­
guida pelos indivíduos desse grupo, ela constitui uma forma de capital
social. Realmente, pode-se confiar nos indivíduos de um grupo desse
tipo em razão de sua honestidade intrínseca e em razão da pressão
social que o grupo social exercería sobre um de seus membros que não
cultivasse a norma esperada. Pertencer a um grupo é possuir um capital,
ou seja, é possuir um recurso que facilita as transações entre os agen­
tes no interior do grupo, tornando desnecessárias todas as precauções
a serem tomadas nos casos em que a honestidade e a confiança estão
ausentes. Trata-se de um capital social, visto que os recursos são os
vínculos intangíveis, não pertencentes aos indivíduos, como pode ser
8 2 A Sociologia Econômica ♦ Steiner

observado, notadamente, quando se considera a pressão que o grupo


pode exercer, pressão que assegura que o indivíduo seguirá a norma
esperada de honestidade. Este é o mecanismo que está na base da refle­
xão de Weber (1905), quando ele apontava que o pertencimento a uma
comunidade (no sentido de grupo que seleciona os indivíduos) religiosa
constituía uma vantagem nas carreiras comerciais nos EUA no começo
do século XX. Mais próximo de nós, esse fenômeno está na base das
trocas não contratuais, às vezes de alto valor, entre os empreendedores
americanos: o estudo clássico de Stewart Macaulay (1963) estabelece
que, em um número muito grande de casos, as transações entre firmas
são realizadas sem contrato, ou em um quadro jurídico deficiente; além
disso, o não-cumprimento de contratos passados raramente termina em
medidas jurídicas de contestação. O autor explica esta situação pela
reticência dos empreendedores diante de formalidades que prejudicam
a confiança (exigir um contrato detalhado é demonstrar que não se tem
confiança) e a realização da transação (não se obtém nada além do
que está explicitamente especificado). Esta confiança é essencial tam­
bém nas associações de crédito rotativo (as tontinas), nas quais, no
interior de um grupo ou conforme uma periodicidade combinada, cada
participante deposita uma soma de dinheiro e o total é atribuído (por
sorteio ou por outras formas) a um dos membros do grupo. Quando da
reunião seguinte, a mesma operação é repetida para que cada partici­
pante do grupo seja, por seu turno, beneficiado. Este sistema simples,
amplamente disseminado na Ásia, permite conseguir, a baixo custo, um
pequeno capital difícil de se obter de outra maneira no caso das popu­
lações pobres, que não têm nenhuma garantia a oferecer por créditos
bancários. Este sistema pressupõe, de novo, a existência de uma relação
de confiança para não se ter de suprir defecções por parte de participan­
tes do grupo que se tenham beneficiado nos períodos imediatamente
anteriores. A esta concepção coesiva do capital social, tanto mais im­
portante para os membros do grupo quanto mais denso e maior este
for, opõe-se uma concepção na qual o capital social reticular proviría do
lugar ocupado pelo indivíduo na rede pessoal ou organizacional (BURT,
1992; LIN, 2001). Neste último caso, interessa conhecer a composição
Redes sociais e funcionamento dos mercados 83

do capital social: que estrutura relacionai permite definir o ta m a n h o


e a quantidade de capital a que o indivíduo do grupo tem acesso? O
conceito de capital (e isto não pertence exclusivamente à abordagem
de Marx) veicula a idéia de que há uma distribuição desigual de capital
entre os membros de um grupo; dessa forma, alguns indivíduos terão
um capital social maior do que outros no interior de uma mesma rede.
Por exemplo, quando se examinam os índices de centralidade apresen­
tados acima, observa-se facilmente que o indivíduo colocado no centro
da rede em forma de estrela tem um índice de centralidade de inter­
mediação alto em comparação com todos os demais membros da rede;
estes últimos devem, necessariamente, passar por ele para contatar um
outro membro da rede; o indivíduo na posição central pode controlar as
relações dos outros, ele pode tirar proveito do que ele sabe e os outros
ignoram, ele pode mobilizar sem intermediações os outros atores; por
essa razão, ele possui um capital social maior que o dos outros mem­
bros do grupo (BURT, 1992).
Nan Lin (2001) desenvolveu esta idéia em um quadro organizacio­
nal, medindo a quantidade de capital detido por um ator em termos de
extensão da rede (as posições organizacionais mais altas e mais baixas
que o indivíduo pode atingir) e de heterogeneidade dos recursos passí­
veis de ser alcançados graças às relações.
Para finalizar, convém salientar que o capital social relevante não de­
pende somente da posição social. Um estudo sobre as classes menos fa­
vorecidas em um Estado do Sul dos EUA (HURLBERT; BEGGS; HAINES,
2001) mostra que, quando se trata de encontrar um emprego, o capital
social à disposição dessas pessoas é pouco eficiente, em comparação
com o capital social de pessoas pertencentes às classes mais abastadas.
Não obstante isso, após a passagem de um furacão, quando é preciso
obter ajuda e socorro para enfrentar as conseqüências de um ambiente
extremado, o capital social das classes mais baixas revela-se superior ao
das classes abastadas.
É preciso, contudo, salientar uma dificuldade quando se interpreta a
rede social enquanto capital. Pode a rede ser objeto de uma estratégia
8 4 A Sociologia Econômica • Steiner

explícita de investimento, de uma démarche baseada fundamentalmen­


te em um comportamento instrumental? Ou será a rede um capital que
não produz resultados economicamente interessantes senão quando
estes são subprodutos mais ou menos casuais das relações sociais? Se
certas redes (por exemplo, as associações de antigos alunos) podem
ser interpretadas de maneira instrumental, esta interpretação não pode
ser generalizada. Uma rede de amigos ou familial pode produzir resul­
tados econômicos, mas até que ponto esses amigos continuarão a agir
como amigos - e não como fornecedores de serviços - diante de um
conhecido que deixasse perceber claramente que ele só cultiva relações
de amizade para delas tirar proveito econômico?

Rede social, emprego e carreira

Para determinar como as redes sociais intervêem na qualidade de


mediação social, convém voltar à pesquisa realizada por Granovetter
sobre a procura de emprego. Como funcionam as redes sociais no mer­
cado de trabalho? Que efeitos econômicos elas produzem? Pode-se tam­
bém perguntar o que acontece com as redes quando situadas no quadro
da empresa: o capital social tem, indubitavelmente, uma influência so­
bre a carreira, mas como colocar em evidência esta influência e como
se pode explicá-la?

Os am igos, a confiança e o emprego

O emprego que se tem resulta, ffeqüentemente, de informações obti­


das por intermédio de relações pessoais. Em razão disso, Granovetter
acabou por separar, em sua pesquisa, a rede familial e de amizade da
rede profissional, já que elas não atuam nas mesmas circunstâncias:
pertenciam à primeira rede, preferencialmente, indivíduos jovens (38%
dos casos contra 26% de indivíduos mais velhos), que tinham vivido na
região pesquisada (47% dos casos contra 17% provenientes de um outro
Estado e 11% estrangeiros) e dispunham de pouco tempo de exposição
ao mercado. A ingerência de membros da família e de amigos próximos
Redes sociais e funcionamento dos mercados 85

no quadro da procura de emprego não surpreendeu; em compensação,


colocou-se o problema de descobrir como contatos profissionais e vín­
culos, quase sempre frágeis (em termos de tempo de relacionamento e
de intensidade emocional), haviam fornecido informações que tomaram
possível encontrar um emprego que remunerava melhor e trazia maior
satisfação. O que havia motivado o comportamento de pessoas que não
mantinham um contato estreito com os indivíduos da pesquisa - num
caso extremo relatado por Granovetter, havia indivíduos que não se
encontravam há mais de 20 anos - a fornecer uma informação suficien­
temente relevante para resultar na obtenção de um emprego?
Na realidade, a informação sobre os empregos vagos não é distri­
buída de maneira uniforme e não alcança o conjunto da população inte­
ressada; é preciso, então, analisar esse fenômeno. A informação circula
por intermédio de indivíduos através de tuna rede de relações, como
mostra o exemplo abaixo:

Empregador * I , -------------► l2 -------------► l3 ------------ ► Empregado

G ráfico Com primento da rede e procura do emprego.

O comprimento da cadeia (I) é igual ao número de indivíduos pelos


quais passa a informação: a qualidade da informação será tanto menor
quanto maior for o comprimento da cadeia, por conta das deformações
que cada etapa pode acarretar; a relevância da informação, isto é, o
valor dela para alguém suscetível de usá-la é tanto menor quanto
maior tiver sido sua distribuição. Por exemplo, se cada intermediário
dá uma informação a três pessoas (IV), o número de indivíduos de
posse dessa mesma informação que chegou a Ego na cadeia (L = 4)
será igual a (1 - M + 2 ) /( l - JV) = 364, o que tira muito da relevância
da informação em comparação com tuna informação que tivesse transi­
tado por uma rede mais curta. Os resultados da pesquisa mostram, de
resto, que os indivíduos que receberam informações que passaram por
cadeias longas encontraram mais dificuldade: eles estiveram desempre­
gados, procuraram seu emprego, e estão menos satisfeitos com ele.
8 6 A Sociologia Econômica • Steiner

Q u ad ro 4 Com prim ento da rede e características dos em pregados.

Comprimento da rede
0 1 Mais de 2
Características dos indivíduos
Têm menos de 34 anos 28,0 48,3 60,0
Estão muito satisfeitos 76,0 53,6 40,0
Procuraram seu emprego 48,0 72,4 77,8
Pensaram recentemente em mudar de emprego 20,0 34,5 70,0
Ficaram desempregados 0,0 8,7 20,0

Fonte: M. Granovetter (1974, Quadro 15).

Nesta altura, cabe perguntar: Que motivos levaram as pessoas a for­


necer a informação sobre os empregos disponíveis? Esta parte da pes­
quisa foi menos desenvolvida; no entanto, as idéias seguintes podem
ser deduzidas das informações obtidas: no caso das cadeias curtas (Z,
= 1), pode estar presente uma ação afetiva dirigida para uma pessoa
(ela pode ser considerada simpática) e, embora os laços com ela sejam
incontestavelmente frágeis, eles estão marcados de maneira positiva.
Este motivo pode estar associado a uma motivação ditada pelo inte­
resse: quem dá a informação pode ter vontade de trabalhar com essa
pessoa, pode ter encontrado uma resposta a um problema de pessoal.
Aí, como em outros casos, existe uma variedade de motivos, egoístas
ou não, capazes de dar sentido à ação de quem informa. Agora, cabe
perguntar: que interesse tem o empregador nessa forma de difusão da
informação? Pode-se, de um lado, avaliar esse interesse em termos eco­
nômicos, visto que essa forma de preenchimento de cargos dá uma so­
lução pouco custosa a um problema de pessoal; mas pode-se também
considerar que essa solução oferece vantagem em termos de qualidade
e de confiabilidade. Como se viu no capítulo precedente, há uma incer­
teza qualitativa forte no mercado de trabalho no tocante à qualidade da
mão-de-obra, e um problema importante com que o empregador se de­
fronta é o da incerteza quanto à qualidade dos empregados que recruta
(KNIGHT, 1921). Ora, no caso em que existe apenas um intermediário
entre o empregador e o empregado, o empregador, conhecendo esse in­
Redes sociais e funcionamento dos mercados 87

termediário (que é um de seus empregados), aceita confiar, de maneira


bastante segura, nas indicações deste último; o empregado potencial se
encontra na mesma situação. As duas partes podem, portanto, agir em
uma situação de relativa confiança no tocante às informações trocadas,
ainda mais porque irão conviver e ter ocasião de checá-las. Esta vanta­
gem diminui muito com a chegada em cena de um novo intermediário,
visto que é preciso confiar na confiança que um desconhecido tem em
uma terceira pessoa.
Granovetter dá um alcance teórico geral a esta hipótese ao enunciar
uma tese que se tomou clássica sobre a “força dos vínculos frágeis”.
Com efeito, os dados empíricos e a reflexão mostram que os vínculos
frágeis têm condições de fornecer informações importantes, visto que
os vínculos fortes veiculam informações que já podem ser conhecidas
de todos em uma rede de relações fortes.
É preciso frisar que o uso de redes sociais não é um feito exclusivo
dos empregados; esta mediação social é, às vezes, intrumentalizada pe­
las empresas. Esta não é uma prática incomum, como mostrou Nicole
W. Biggart (1989). Organizações de venda direta de cosméticos ou de
pequenas utilidades domésticas instituíram, há muito tempo, uma téc­
nica de vendas na qual pessoas com poucos vínculos com a empresa
vendem os produtos desta última por meio de sua rede de relações (elas
somavam mais de 5 milhões nos EUA em 1985, ou seja, 5% da popula­
ção ativa empregada).
Voltando à questão da procura de emprego, uma análise da polí­
tica de recrutamento de um grande banco americano (FERNANDEZ;
WEINBERG, 1997) demonstrou o impacto da mobilização das redes
pessoais de empregados pela empresa. A pesquisa apóia-se em 5.568
pedidos de emprego, analisados pela empresa entre 1993 e 1995: eles
provocaram 1.754 entrevistas, 362 pessoas receberam uma proposta de
emprego, 326 aceitaram. Havería um diferencial entre as pessoas que ti­
nham, ou não, uma carta de referência vinda de um membro do pessoal
do banco? O impacto positivo das referências, consideradas como indi­
cador da utilização de uma rede social, é claramente visível: 27% dos
que não tinham referência obtiveram uma entrevista, enquanto 79%
]
A
88 A Sociologia Econômica • Steiner

dos que tinham referência passaram por essa fase; uma porcentagem
próxima dessa (83%) concernia a empregados que queriam mudar de
função dentro do banco. A vantagem não se esgota nesta primeira fase,
já que a diferença entre as duas categorias de candidatos é nítida no
nível das propostas de emprego: 30% dos candidatos com referências e
55% dos empregados que procuravam uma mudança dentro do banco
receberam uma proposta contra 3% dos que não possuíam referências;
a diferença é, contra estes últimos, de 1 para 10 e de 1 para 18.

Tríade interdita e força dos vínculos frágeis

No interior de uma rede, um constrangimento pesa nos relacionamentos


fortes (relacionamentos em que há contato freqüente, longos e emocional­
mente intensos): se os vínculos entre A - B e A - C são fortes (traço cheio), não
pode deixar de existir ao menos um vínculo frágil (traço pontilhado) entre C
e B, pois é pouco provável que A e B, de um lado, e A e C, de outro, tenham
relações fortes sem que B e C se encontrem.

Tríade interdita

A partir disso, segue-se que o vínculo ("ponte") ou os vínculos ("pontes


locais") que ligam dois grupos fortemente conectados (A, F, G, H) e (B, C, D, E)
são vínculos frágeis (no caso entre A e B).

Il
Redes sociais e funcionamento dos mercados 8 9

Daí se origina a assertiva sobre a "força dos vínculos frágeis": são os vín­
culos frágeis (relações amigáveis distantes ou relações profissionais) que têm
maior capacidade de trazer informações novas e pertinentes no interior de
uma rede de relações fortes (de família ou de amizade).

Os colegas e a carreira

O papel das redes de relações fica também visível no funcionamento


interno da empresa. Esta idéia, bastante comum, foi objeto de estudo
por parte de Ronald Burt (1992, Cap. 4, 1995), que, graças a séries de
dados sobre as promoções internas de quadros em uma grande firma
de alta tecnologia, colocou em evidência o papel das redes de relações
na progressão da carreira. Ele conseguiu demonstrar que uma estrutura
particular (um “buraco estrutural”) dá uma nova significação empírica
ao conceito de capital social.
Os quadros estudados se encontravam em uma organização cujo
funcionamento não é do tipo burocrático, visto que eles estavam encar­
regados da coordenação entre os departamentos. Por conta disto, Burt
testa uma hipótese segundo a qual, quanto mais tuna rede social for
rica em buracos estruturais, mais capaz ela será de trazer benefícios em
termos de informação, de meios de controle, e tanto mais rápido pro­
gredirá a carreira dos diretores ligados a essas redes, em comparação
com a carreira de diretores cuja rede tem menos buracos estruturais, ou
seja, cujo capital social é menor.
Burt parte de uma explicação das promoções em termos de capital
humano, quer dizer, das competências e das características particulares
do indivíduo, e em termos de contexto organizacional. Este enfoque
explica corretamente a idade no momento da promoção em função de
características como sexo, grupo étnico, nível de instrução, antigüidade
na firma, da posição ocupada e de sua localização na firma. O autor se
interessa, em seguida, pelas discrepâncias entre o que é observado em
termos de tempo passado em uma função e da idade no momento da
promoção e os resultados obtidos com essa matriz. Ele constatou que
estas discrepâncias não estavam distribuídas aleatoriamente; há uma
relação significativa entre a estrutura da rede de relações e a rapidez da
9 0 A Sociologia Econômica • Steiner

promoção: os diretores cuja rede era pequena, densa e hierarquizada


(organizada em tomo de um contato específico) têm uma carreira que
avança menos rápido que a dos diretores cuja rede é maior e rica em bu­
racos estruturais. O efeito das relações nesse fenômeno, que a noção de
capital social inclui, é, desse modo, evidenciado e comparado ao efeito
devido ao capital humano, o único que os economistas têm o hábito de
levar em consideração.

Força dos vínculos frágeis ou buraco estrutural?

Há semelhanças entre a tese da força dos vínculos frágeis e a baseada


na noção de buraco estrutural. Nos dois casos, a rede social compreende
vínculos que têm como característica o fato de eles unirem subgrupos
fortemente coesos que estão separados por zonas de fraca densidade
relacionai. Burt (1992, p. 25-30), assim como Degenne e Forsé (1994,
p. 144-145), estima que a tese da força dos vínculos frágeis é um caso
particular da abordagem em termos de buraco estrutural. No raciocínio
de Granovetter, por causa da restrição introduzida pela noção de “tría­
de interdita”, o vínculo que fornece informações relevantes só pode ser
um vínculo frágil; quando se suprime esta restrição, a natureza do vín­
culo não é mais levada em conta e apenas se continua considerando
a posição estrutural do vínculo, a saber, sua localização na rede e sua
qualidade em termos de buraco estrutural. Burt dá força a essa argu­
mentação ao dar importância ao fato de as relações entre dois grupos
coesivos diferentes e as relações internas em um subgrupo coesivo não
estarem submetidas aos mesmos constrangimentos. Com efeito, pode-
se muito bem admitir a restrição da “tríade interdita” no interior de um
mesmo subgrupo coesivo sem que esta restrição se aplique à relação de
um ator em situação de “ponte” entre dois grupos: neste último caso,
é lícito pensar que um indivíduo, em razão de uma especificidade de
suas competências ou de seus interesses, mantenha relações fortes com
indivíduos pertencentes a dois subgrupos coesivos diferentes sem que,
por isso, os indivíduos que pertencem a esses dois subgrupos estejam,
eles próprios, em contato. Por exemplo, no caso do setor elétrico ame-
Redes sociais e funcionamento dos mercados 91

I ricano analisado no capítulo precedente, Edison estava profundamente


| conectado ao mundo científico e ao mundo das finanças; apesar disso,
existência de vínculos fortes entre Edison e estes dois grupos sociais
distintos não implicava que cientistas e financistas desses grupos fossem
ligados entre si. Do ponto de vista de Burt, Edison ocupava uma posição
de empreendedor no sentido habitual do termo, e também no sentido
estrutural, independentemente da natureza dos vínculos (fortes ou frá­
geis) que uniam os atores desses dois mundos. De um ponto de vista téc­
nico, o argumento de Burt está correto: resta avaliar sua significação.
A questão central é a seguinte: ao anular o conteúdo dos vínculos
que constituem a relação que compõe a rede social e ocupar-se apenas
da posição estrutural de tal vínculo ou do conjunto de vínculos em uma
rede, Burt propõe uma análise que se pode considerar uma análise for­
mal, como a análise feita pelos economistas que permitiu estabelecer
a teoria da escolha racional do consumidor. Segundo Pareto (1909, p.
1 170), “o indivíduo pode desaparecer, desde que ele nos deixe esta foto­
grafia (as curvas de indiferença) de suas preferências”.

Equivalência estrutural, buracos estruturais e empreendedores

Ao caracterizar, de maneira precisa, subgrupos de atores, a noção de equi­


valência estrutural ocupa um lugar central na análise de redes. Dois atores são
estruturalmente equivalentes quando eles têm os mesmos vínculos com outro
ator e este mantém os mesmos vínculos com eles. Para falar de maneira mais
técnica, na matriz que representa a rede social, as linhas e as colunas dos
atores equivalentes são idênticas. É o caso dos atores 1 e 2, de um lado, e 3
e 4, do outro, na rede abaixo:

+ -4

2 3 4 5
1 0 0 0
2 1 — 0 0 0
3 1 1 — 0 0
4 1 1 0 —
5 0 0 1 1 —

2
92 A Sociologia Econômica • Steiner

Burt mede a equivalência estrutural pela distância euclidiana (d.) entre os


atores i e j:

i^tjjtk

Esta medida é a distância entre as linhas /e e j e e as colunas ie e j e da matriz.


Se os atores / e j têm os mesmos vínculos com os outros atores (k), então xik
é igual a xJk, os xki aos xkjl e a distância entre os atores i e j ê nula: eles são es­
truturalmente equivalentes. Quando se considera a rede em termos da infor­
mação que nela circula, dois atores estruturalmente equivalentes recebem e
difundem a mesma informação: eles são substituíveis. Logo, pode-se colocar
a questão da importância do estabelecimento de um vínculo com um novo
ator em uma dada estrutura de relações. Se o ator é redundante em termos
dos outros contatos que se tem na rede, ele não traz nenhuma informação
nova (na medida em que os atores são confiáveis e que a idéia de confiabili­
dade por redundância é desprezada). É o caso do vínculo entre Ego e A ; na
situação de redundância por coesão, é o caso do vínculo entre Ego e A; no
caso, mais sutil, da redundância estrutural: a distância euclidiana entre A ,, A 2
e A 3 é muito fraca porque eles têm vínculos muito parecidos com os atores
que formam a "panelinha" Bt 4.

A3
Redundância por coesão Redundância estrutural

Para terminar, define-se como buraco estrutural a conexão entre atores


não redundantes; é o caso de Ego na rede acima.
Por meio de apenas quatro vínculos. Ego está em relação com os três
grupos coesivos (densidade relacionai forte) da rede e, principalmente, ele é o
único a conectar o subgrupo dos Bs, dos A s e seu próprio subgrupo; ele está
em condição de explorar o que ele fica sabendo por meio dos outros (o que
eles sabem) e o que estes últimos ignoram - o que está próximo da definição
de empreendedor enquanto agente que liga diversos mercados entre si.
Redes sociais e funcionamento dos mercados 9 3

Evidentemente, a existência de buracos estruturais presume redes não for­


temente conectadas, redes cuja densidade relacionai não é uniforme. Deste
ponto de vista, quando se interpreta um buraco estrutural como uma fonte
de capital social, é preciso pressupor, diferentemente de Coleman e de Bour-
dieu, uma rede que não seja muito densa.

A natureza e a história das preferências do indivíduo não interessam


ao teórico em economia pura, como a natureza e a história das relações
sociais parecem não importar na abordagem formal de Burt. Esse desca­
so com a cultura e a historicidade, nas quais toma forma a rede social,
está na origem da crítica que sociólogos (DIMAGGIO; ZUKIN, 1990)
fizeram ao desenvolvimento da análise estrutural em geral. Será esta
crítica também pertinente no quadro da sociologia econômica?
Nesse quadro, ela também vem a propósito. A posição de Burt acaba
por enfatizar fortemente, talvez mesmo unilateralmente, a ação racio­
nal instrumental dos atores que pertencem à rede social estudada; as
relações parecem instrumentalizadas a ponto de se poder elaborar uma
hipótese segundo a qual um ator podería desenvolver um comporta­
94 A Sociologia Econômica • Steiner

mento visando otimizar sua rede: em termos de rendimento (estabele­


cendo vínculos diretos não-redundantes para aumentar o acesso aos re­
cursos propiciados pela rede, ao mesmo tempo limitando o número de
vínculos e cada contato seria explicitamente considerado um custo em
termos de tempo, de energia relacionai) e de eficácia (uma vez consti­
tuída a rede de laços diretos não redundantes, deixaria a esses contatos
o cuidado de gerenciar os vínculos indiretos e trataria de criar novos
vínculos diretos não redundantes) (BURT, 1992, p. 20-23). Pode-se, evi­
dentemente, admitir esse enfoque em ambientes profissionais em que a
instrumentalização das relações é admitida enquanto comportamento
relacionai normal. Em contrapartida, é difícil aceitar que um raciocínio
desse tipo possa ser generalizado e aplicado às relações de amizade, de
família ou às relações que são o sustentáculo da confiança.

Confiança, oportunismo e relações entre indústrias

Uma pesquisa sobre as relações entre indústrias do setor de confec­


ção em New York pode ilustrar as considerações que se seguem. Brian
Uzzi (1996) distingue duas formas de transação, conforme estejam em
jogo relações mercantis puras ou relações socialmente enraizadas, com
a confiança que engendra o pertencimento a uma mesma rede profis­
sional. A rede profissional se desenvolve em conformidade com duas
modalidades de relacionamento: as relações pessoais anteriores à rede
(relações de amizade, de família, escolares) ou graças à intervenção de
um intermediário, ele próprio membro da rede. Estes são os dois meios
com que conta uma empresa para fazer parte de uma rede de empresas.
O autor citado salienta, portanto, a importância das relações sociais ini­
ciais para a constituição da rede profissional: à base dessa concepção,
uma relação de confiança pode se estabelecer e passa a garantir vanta­
gens às empresas (compartilhamento dos riscos, capacidade de reação
frente à inovação, aprendizagem organizacional) que as relações pura­
mente mercantis não oferecem. A confiança que deriva da rede modifi­
ca as formas da transação, dando lugar à busca de relações duradouras
e ao repúdio a qualquer coisa que possa colocar em risco essa rede,
Redes sociais e funcionamento dos mercados 95

mesmo em detrimento de vantagens imediatas. Mais uma vez, pode-se


relacionar este modo de proceder às considerações de Weber sobre o
espírito do capitalismo.
Uzzi se interessa, a seguir, pelas conseqüências observáveis destas
duas formas de transação em termos de probabilidade de fracasso das
empresas. É interessante notar, nesse caso, que não existe relação linear
entre formas de transação e probabilidade de fracasso. A relação é uma
relação em U: em comparação com empresas que fazem apenas tran­
sações mercantis puras, as que fazem trocas por intermédio de redes
vêem sua situação melhorar até um patamar além do qual suas transa­
ções passam a ser tolhidas por essas relações, que a fazem perder sua
capacidade de reação.
As redes constituem condição suficiente para o sucesso econômico?
Não, elas não são condição suficiente: pode se dar, pelo contrário, que
elas entravem as ações econômicas individuais. Um estudo de Granovetter
(1995) sobre a criação de empresas prova isto por meio de uma compa­
ração, feita da perspectiva da sociologia econômica, entre redes étnicas
em Java, nas Filipinas e em Bali.
Em Java, um grupo de comerciantes muçulmanos inclui indivíduos
empreendedores, possuidores de capital, cuja aptidão para a atividade
econômica é muito acentuada. No entanto, estes indivíduos não conse­
guem criar empresas duradouras: as associações entre os comerciantes
não duram além de uma transação em razão do individualismo exa­
cerbado de que eles dão prova. Não há empresas neste grupo étnico;
nele as redes sociais não têm impacto econômico. Nas Filipinas, a si­
tuação encontrada revelou um oportunismo exacerbado e, portanto,
um problema agudo de falta de confiança entre os indivíduos quando
se trata de relações mercantis horizontais, isto é, entre iguais. É uma
situação parecida com a anterior, embora se trate de uma população
católica cuja rede social é muito densa. Esta rede abriga uma norma
de solidariedade que prevê que os membros da rede se ajudem mu­
tuamente através de relações verticais, ou seja, hierárquicas, relações
entre “proprietários de estabelecimentos” e “clientes”. À base destes
96 A Sociologia Econômica • Steiner

dois exemplos, parece que a solidariedade horizontal, mais do que a so­


lidariedade hierárquica, é uma condição para o sucesso, na medida em
que permite a formação de confiança. No entanto, as coisas não são tão
simples assim, como mostra o exemplo de Bali. Na cultura balinesa, o
altruísmo, no sentido sociológico durkheimiano de supremacia do inte­
resse do grupo sobre o interesse do indivíduo, é de praxe. Contudo, esta
solidariedade horizontal muito forte impede que a empresa funcione e
se desenvolva precisamente por causa do imperativo de solidariedade
entre os membros do grupo: a empresa torna-se mais um sistema de
prestação social de auxílio do que um negócio.
Não se deve pensar, a partir destes três exemplos, que diante de um
mosaico de fatos é sempre possível apresentar um contra-exemplo a qual­
quer proposição teórica de alcance geral. O trabalho de Granovetter per­
mite, pelo contrário, colocar em evidência certas condições de eficácia
das redes sociais étnicas no caso da ação econômica que visa à criação
de empresas. Entre as situações de solidariedade acentuada (“econo­
mia moral”) e de solidariedade frouxa (“oportunismo”), uma situação
de solidariedade limitada permite uma junção eficaz entre a atividade
econômica e a rede de solidariedade social que faz desta última um
recurso disponível para os membros do grupo étnico. A situação so­
cial dos comerciantes chineses expatriados na ilha de Java fornece um
exemplo disso. A estrutura social dessa comunidade é caracterizada por
uma solidariedade familial muito forte, que permite aproveitar relações
de confiança em uma situação de individualismo exacerbado. Como
se dá que esta solidariedade horizontal não é um empecilho para os
comerciantes chineses, como acontece com os comerciantes balineses?
A estrutura social dos chineses expatriados em Java favorece a eclosão
de empresas na medida em que a solidariedade entre os membros do
grupo é limitada por dois fenômenos: em primeiro lugar, a comunidade
chinesa expatriada é pequena; em segundo lugar, esta minoria está di­
vidida em bangsa, subgrupos que ligam diferentes famílias, no interior
dos quais a solidariedade é efetiva.
Redes sociãis e funcionamento dos mercados $ 7

Q u ad ro 5 Redes étnicas e criação de empresas.

Contexto social Fenômeno econômico


Java: - individualismo exacerbado - não há criação de empresa (pro­
comerciantes - n ã o há solidariedade de blema de falta de confiança)
muçulmanos grupo
Filipinas: - oportunismo generalizado - não há criação de empresa (pro­
blema de falta de confiança)
Bali: - altruísmo - não há criação de empresa (a
-fo rte solidariedade ("eco­ empresa transforma-se em algo
nomia moral") que não é um "negócio")
Java: - forte solidariedade, mas - criação de empresas (junção das
comerciantes limitada a um círculo fa- vantagens ligadas à solidarieda­
chineses milial restrito de às vantagens ligadas às rela­
expatriados ções comerciais)

Em resumo, estas quatro situações mostram que a existência de re­


des sociais não é uma condição suficiente para que a estrutura social
favoreça a atividade econômica, mesmo quando existe um problema de
confiança em razão do oportunismo dos comportamentos: uma rede
social regida por uma norma de economia moral se revela um handicap
para a criação de empresas. Uma situação de “solidariedade limitada”
(PORTES, 1995) mostra-se mais favorável: ela abre uma vantagem so­
bre os concorrentes ao permitir aproveitar relações de confiança exis­
tentes no interior do grupo, e a limitação das obrigações de solidarie­
dade em razão do pequeno tamanho da rede permite que a empresa
funcione como um negócio.
Este estudo atesta, novamente, a diferença sensível existente entre
a sociologia econômica e a economia neo-institucionalista. Esta última
sugere que a eficácia das redes funciona plenamente quando falta con­
fiança e a incerteza é forte: então, é economicamente vantajoso fazer
transações que passam por relações sociais porque, graças à confiança
existente no interior do grupo, seu custo é menor do que o das outras
transações. Por simetria, ela sugere que, com o desenvolvimento das
formas modernas da atividade econômica, nas quais os problemas de
incerteza e de confiança não são mais tão agudos, estas modalidades
9 8 A Sociologia Econômica • Steiner

de transação acabarão por perder suas vantagens econômicas e serão


descartadas. O trabalho de Granovetter mostra, pelo contrário, que as
transações inseridas nas redes sociais podem não oferecer as vantagens
esperadas porque a estrutura das relações sociais não administra os cus­
tos de transação, em razão de relações de solidariedade do tipo “eco­
nomia moral”. A rede social na qual o indivíduo se encontra inserido
não constitui um capital social, a menos que ela forneça uma vantagem
comparativa sobre os demais grupos étnicos ao evitar uma solidarieda­
de demasiadamente forte.

Redes e funcionamento social dos mercados


O interesse dos procedimentos desenvolvidos em termos de rede so­
cial liga-se ao fato de que eles permitem fazer com que economistas e
sociólogos se cruzem quando os primeiros abandonam as hipóteses da
teoria econômica walrasiana nas quais os agentes estão, por suposição,
perfeitamente conectados uns aos outros. O primeiro estudo, a seguir
analisado, vai mostrar como a coesão no mercado explica certas carac­
terísticas dos preços aí formados; o segundo, mais geral e mais ambicio­
so, utiliza uma abordagem em termos de equivalência estrutural para
analisar as condições de reprodução de um mercado de produtores.

Tamanho dos mercados e volatilidade dos preços

O estudo de Abolafia mostrou que o mercado financeiro, habitual­


mente considerado como símbolo do mercado competitivo, pressupõe
uma estrutura organizacional que toma possível seu funcionamento e
lhe permite se transformar ao sabor das mudanças que afetam as trocas
e a sociedade. É possível ir mais longe ainda, e mostrar que a sociologia
econômica pode lançar luz sobre o mecanismo de formação dos preços
nesse mercado?
À base de uma pesquisa levada a efeito na Bolsa de Chicago, Baker
formula a hipótese de que as redes formadas pelos contatos entre os
corretores influenciam a fixação dos cursos: ele terminou por propor
um modelo de comportamento socioeconômico que difere do modelo
de comportamento padronizado utilizado em economia.
Redes sociais e funcionamento dos mercados 9 9

Explicitemos os diversos elementos, que não deixam de ser etapas


pelas quais avança a demonstração de Baker. Diferentemente do eco­
nomista, que pressupõe uma capacidade infinita de assimilação e de
tratamento das informações, Baker presume que os corretores são capa­
zes, unicamente, de fazer uso de uma racionalidade limitada e não são,
absolutamente, confiáveis, visto que podem deixar de respeitar seus
compromissos caso uma oportunidade favorável se apresente (oportu­
nismo). Estas hipóteses coincidem com o que Abofalia relatou a respei­
to dos mercados de Chicago e de New York: uma massa considerável
de informações transita nesses mercados e os corretores não podem
assimilá-las por completo; o oportunismo, notadamente o dos agentes
(os m arket makers) encarregados de facilitar os acordos entre os de­
mandantes e os compradores, é um dos problemas com que se deparam
as instâncias de regulação destes mercados.

Q uadro 6 Modelos de com portam ento no mercado da Bolsa.

Hipóteses
Minir- Consequências
sobre compor­ Mega-rede
rede sobre os preços
tamento
Economia Hiper-racionali- Expansivo Indiferenciado Volatilidade
dade e confiabi­ decrescente de
lidade acordo com o
tamanho do
mercado
Sociologia Racionalidade Restritivo Diferenciado Volatilidade cres­
econômica limitada e opor­ nos grandes cente de acordo
tunismo mercados com o tamanho
do mercado

As "panelinhas" segundo a análise de redes

Em uma rede, dá-se o nome de "panelinha" a um subgrupo que se carac­


teriza por um grau elevado de coesão. Uma "panelinha" é um subgrupo de
mais de dois atores que são ligados entre si. Esta definição é muito restritiva:
ninguém pode integrar uma "panelinha" sem estar conectado a todos os
membros desse grupo e basta a ausência de um vínculo para que um gru-
10 0 A Sociologia Econômica • Steiner

po fortemente coeso não seja uma "panelinha". No gráfico a seguir, há três


"panelinhas" (A, B, C), (A, C, D, E) e (C, D, E, F), mas o grupo (A, C, D, E, F),
muito coeso (sua densidade é igual a 0,9), não é uma "panelinha", pois lhe
falta o vínculo A-F.

Pode-se caracterizar subgrupos de modo menos restritivo desde que não


se exija que mais de um ator esteja ligado a todos os membros do grupo, mas
apenas a um número importante deles (ver LAZEGA [1998] para uma apre­
sentação simplificada deste assunto e WASSERMAN; FAUST [1994] para uma
apresentação mais completa). Baker caminha no sentido do abrandamento
da definição já apresentada: por "panelinha" ele entende um grupo de pelo
menos três corretores, grupo no qual cada um deles realiza pelo menos 50%
do total de suas transações. Não há um agente crítico, no sentido de que a
saída de um agente da "panelinha" não faz que o subgrupo perca sua carac­
terística de "panelinha".

O comportamento dos corretores tem inegavelmente um impacto


direto sobre a estrutura das redes de corretores. Em vez de julgar que
a rede de cada agente (ou minirrede) é expansível, isto é, que o núme­
ro dos vínculos aumenta tão rápido quanto o número dos agentes no
mercado, o autor do estudo considera que, em razão de sua racionali­
dade limitada, e do risco que o oportunismo representa, os corretores
vão reduzir o número de agentes com os quais realizam transações.
Isto permite estabelecer relações de confiança e limitar o risco de erros
na algazarra que cerca as transações. Do ponto de vista sociológico, é
preciso, então, considerar como prováveis essas minirredes restritas,
Redes sociais e funcionamento dos mercados 101

não importando se o grupo de corretores que trabalha no mercado é


pequeno ou grande.
E como fica a forma da rede em sua totalidade (a mega-rede)? Se
as minirredes fossem expansíveis, como julga o economista, dever-se-ia
esperar que elas formassem uma mega-rede unificada no interior da
qual havería pouca diferenciação entre os diversos atores. Em compen­
sação, como decorrência dos comportamentos que ele julga existirem e
da existência de minirredes restritivas, que derivam desses comporta­
mentos, o autor do estudo espera uma diferenciação (presença simultâ­
nea de várias “panelinhas”) das mega-redes à medida que aumentar o
número de agentes que trabalham no mercado.
Por fim, a existência de agentes racionais e confiáveis, de minir­
redes expansíveis e de mega-redes indiferenciadas permite ao econo­
mista pressupor que a informação circule corretamente, que ofertas e
demandas convirjam rapidamente, umas em direção às outras, e, logo,
que uma menor volatilidade dos preços das opções corra parelha com
o tamanho dos mercados (já que a atomização e o anonimato são mais
acentuados). Para o sociólogo-economista as coisas se passam de outra
forma: deve-se esperar uma volatilidade dos preços das opções elevada
quando a probabilidade de aparição simultânea de várias “panelinhas”
aumenta com o tamanho do mercado.
O mercado estudado por Baker é um mercado de futuros, isto é, um
mercado em que se trocam opções de compra, que deverá ser efetivada
posteríormente. Como decorrência disso, dois preços diferentes devem
ser considerados: o preço mesmo do bem (stock-price) e o preço de uma
opção de compra desse bem no futuro (option-price). O stock-price varia
em graus diferentes e conforme os casos, e esta variabilidade determina
o tamanho do mercado: quanto mais acentuada ela for, mais o mercado
é especulativo e mais corretores, basicamente à procura de tais ganhos,
estarão nesse mercado. O segundo preço, que é a variável explicitada
do modelo, é a option-price: esta possui uma variabilidade própria para
uma variabilidade dada do stock-price; este é chamado de volatilidade
da option-price. Não levando em consideração a rede de relações so­
ciais, o economista considera provável que a volatilidade diminua com
102 A Sociologia Econômica • Steiner

o tamanho do mercado; em contrapartida, Baker considera provável


uma relação inversa.
Que conclusões podem ser extraídas dessa pesquisa empírica? Em
primeiro lugar, é preciso notar que as minirredes são muito pouco sen­
síveis ao tamanho do mercado (2,34 por corretor nos grandes mercados
contra 2,12 nos pequenos), o que corrobora a hipótese de minirredes
restritivas. Depois, a diferenciação das mega-redes é significativa, pois
a probabilidade de aparição, ao mesmo tempo, de várias “panelinhas”
nos grandes mercados é duas vezes maior do que nos pequenos mer­
cados. Finalmente, a relação entre tamanho do grupo e volatilidade da
option-price é a esperada por W. Baker: nos grandes mercados há uma
relação positiva e forte entre o tamanho e a volatilidade da option-price.
Existe, portanto, uma relação “tamanho-desempenho” do mercado (em
termos de convergência em direção a um preço estável), mas ela não é
a habitualmente imaginada pelo economista.

Equivalência estrutural e reprodução da estrutura do mercado

Harrison White (1981, 2002) propôs um direcionamento diferente


da análise de rede aplicada ao mercado. Em vez de partir das formas
de coesão, como é o caso nos trabalhos de Granovetter e de Baker, ele
aplica a noção de equivalência estrutural às trocas entre firmas (forne­
cedores, produtores e o grupo agregado de consumidores formam três
classes equivalentes na matriz das relações mercantis).
O mercado em pauta, ou mercado de produtores, é formado por um
pequeno número de firmas que se entranham no mercado, no sentido
de que elas o criam ao assumir aí uma posição duradoura. Os produtores
se observam mutuamente para definir a posição (os “nichos”) que vão
ocupar no mercado em termos de qualidade e de volume produzido.
White faz, assim, referência às teorias de Edward H. Chamberlin (con­
corrência monopolística por diferenciação dos produtos), de Frank H.
Knight (incerteza mercantil) e de Michael Spence (teoria do sinal). Os
produtores não utilizam senão uma informação obtida com facilidade,
através de publicações profissionais (informações a respeito de preço.
Redes sociais e funcionamento dos mercados 103

volumes e qualidade), e eles conhecem sua função custo. A partir daí, sua
decisão se resume em fixar um preço para uma dada qualidade e quan­
tidade do produto de tal maneira que a diferença entre seu rendimento
e seu custo seja a maior possível. O problema principal de que trata o
modelo de White é o de saber se a estrutura global que resulta das deci­
sões individuais de produtores realmente interdependentes no mercado
é viável, ou seja, trata-se de saber se ela própria pode se reproduzir.
Nesse modelo, os produtores não sabem nada a respeito do que fa­
zem e querem os consumidores, vistos unicamente como um agregado
de compradores cujas preferências e escolhas não contam, já que são
dimensões não pertinentes numa sociologia puramente relacionai que
não leva em consideração o indivíduo isolado e autônomo nas suas
volições (WHITE, 1992). Esse aglomerado de compradores intervém no
modelo, validando, ou não, as escolhas do pequeno número de produ­
tores que tomou as decisões referentes às quantidades a serem oferta­
das dos produtos, sua qualidade e seu preço.
A condição para a existência de uma estrutura de mercado estável é
a presença de uma mesma relação qualidade/preço em toda a gama de
qualidade do produto. Em qualquer hipótese, há, então, uma acomoda­
ção entre os produtores e o conjunto de compradores para que os pro­
dutos sejam classificados segundo uma mesma ordenação de qualidade.
Os “nichos” procurados pelos produtores, as decisões destes últimos, le­
vam a fluxos que descem em direção ao conjunto de consumidores, que
valida essas decisões, pois a avaliação feita pelos dois lados do mercado
é a mesma. Por conseguinte, os produtores podem, no período subse-
qüente, reproduzir sua escolha anterior, e assim perpetuar o mercado
no qual estão envolvidos em termos da produção de uma quantidade e
de uma qualidade determinadas de um produto. A estrutura relacionai
é estável, já que os comportamentos dos atores levam à reprodução das
condições estruturais do mercado.
A partir dos parâmetros das funções de custo dos produtores e de
satisfação dos consumidores, White extrai uma tipologia dos merca­
dos que leva em conta três formas viáveis de mercado; elas possuem
características nitidamente diferentes, conforme as relações existentes
1 0 4 A Sociologia Econômica • Steiner

entre a sensibilidade ao volume produzido e a qualidade do que foi


produzido.
O mercado de produtores é ordinário quando os rendimentos são
decrescentes em escala, quando o custo aumenta com a qualidade e
quando a sensibilidade ao volume é mais forte do que a sensibilidade
à qualidade. O mercado é avançado quando os rendimentos são cres­
centes em escala; finalmente, o mercado é paradoxal quando o custo
não aumenta mais com a qualidade, como acontece no quadro clás­
sico de rendimentos decrescentes. Esta tipologia foi interpretada de
maneira sugestiva pela teoria das convenções (FAVERAU; BIENCOURT;
EYMARD-DUVERNAY, 2002; EYMARD-DUVERNAY, 2004). O mercado
ordinário remete à convenção mercantil, que supõe que a ordenação das
qualidades é definida de acordo com os gostos do consumidor: quando
uma qualidade é apreciada por determinado grupo de consumidores,
como consequência de uma moda ligada à pressão desenvolvida por
esse grupo social, os concorrentes precisam abaixar seus preços para
respeitar o constrangimento exercido sobre a unicidade da relação qua-
lidade/preço e o preço toma-se, assim, um indicador da qualidade. O
mercado avançado está assentado em uma convenção de qualidade in­
dustrial, isto é, em um padrão técnico, que depende de uma autorida­
de externa ao mercado (de uma administração ou de prescrições, no
sentido de HATCHUEL [1995]). Por fim, o mercado paradoxal remete
à convenção de qualidade doméstica, na qual a qualidade depende do
próprio produto (seu modo de fabricação) e de seu ponto de partida
(“fabricação à moda antiga”, à base de produtos “naturais”).
Para terminar esta apresentação sumária da sociologia relacionai
utilizada no modelo de White, convém indicar a presença, nesta, de um
elemento comportamental específico. White explica que o ator em um
mercado de produtores age observando o comportamento dos outros,
que contribuem assim para “fazer o mercado” enquanto sistema está­
vel (e, por conseguinte, reprodutível) de nichos definidos pela relação
qualidade/preço. White observa o mercado de produtores de um ângu­
lo cultural, de sua fenomenologia. O procedimento de White junta-se,
nesse aspecto, ao de Fligstein, embora este encare o problema da repro­
Redes sociais e funcionamento dos mercados 105

dução do mercado de uma forma que destaca os dispositivos jurídicos e


políticos, que não têm lugar na abordagem mais abstrata de White.

A importância da questão da qualidade

A partir de um artigo célebre de Akerlof (1970) sobre o mercado de car­


ros usados, a teoria econômica passou a levar em consideração a questão
levantada pela qualidade dos produtos quando os agentes não têm as infor­
mações adequadas para julgar o produto que compram. Quando as empresas
têm uma política ativa de fixação dos preços (elas não estão em um quadro
walrasiano em que os preços se impõem aos agentes), a incerteza sobre a
qualidade faz que o preço não desempenhe mais seu papel de informação
(um preço muito alto sendo sinal de uma melhor qualidade), mas provoque
um fenômeno de seleção adversa. Por exemplo, uma alta da taxa de juro não
atrai apenas tomadores de empréstimos cujos investimentos são rentáveis
a ponto de torná-los capazes de assumir um tal custo, mas também aque­
les que Smith chamava de "fazedores de projetos", que se caracterizam por
aceitar riscos muito altos: em conseqüência, uma alta da taxa de juro pode
trazer uma rentabilidade decrescente para o emprestador em razão de uma
qualidade menor dos empréstimos concedidos (ou do risco crescente de ter
devedores incapazes de honrar seus compromissos). Nesse caso, é a qualida­
de que depende do preço e não o inverso. Isso tem consequências teóricas
consideráveis (STIGUTZ, 1987) sobre o funcionamento da lei da oferta e da
procura (pois uma alta dos preços aumenta a procura ao invés de reduzi-la e
aproxima as quantidades demandadas das quantidades ofertadas) ou ainda
sobre a eficiência do mercado.
Os sociólogos e os sociólogos-economistas se apoderaram desse proble­
ma (que não deixa de trazer à lembrança o que Halbwachs afirmava a res­
peito das compras de roupa dos operários no começo do século XX) ao dar
importância às relações sociais por meio das quais os agentes se esforçam por
reduzir a incerteza sobre a qualidade. É o que foi apontado por Lucien Karpik
(1989) a propósito do mercado dos advogados, em que não há informações
estatutárias sobre a qualidade de seus integrantes e sobre o valor de seus
honorários. Então, as redes de informação pelas quais transitam informações
constituem uma mediação, um "mercado-julgamento", como diz o autor, gra­
ças ao qual, quando há necessidade, se escolhe um advogado. Esse é tam­
bém o caso de Hachtuel (1995) quando ele estuda os "mercados em que há
106 A Sociologia Econômica • Steiner

aconselhamento", em que as dificuldades ligadas ao objeto (uma máquina


de lavar etc.) levam o consumidor a sujeitar-se a uma apreciação feita por um
especialista para limitar os riscos que sua escolha comporta.
Um estudo recente (DIMAGGIO; LOUGH, 1998) mostra o quanto as rela­
ções pessoais influem para reduzir a incerteza mercantil. 0 estudo desvenda
uma relação entre a incerteza quanto à qualidade do produto e as formas so­
ciais da transação: enquanto 16,4% das famílias compram um carro novo de
um vendedor ao qual estão socialmente ligadas, quando se trata da compra
de um carro usado, 32,8% compram de um profissional e 52,4 compram de
um particular. 0 recurso às relações pessoais aumenta, então, com a incerte­
za: com efeito, esta última é menor no caso de um veículo novo (garantia do
fabricante) e no caso de um vendedor profissional (que está interessado em
conservar uma boa reputação), mas a incerteza é maior no caso de um veículo
usado comprado de um particular.

Condusão

Este capítulo enfatizou as abordagens mais inovadoras da sociolo­


gia econômica contemporânea no tocante ao mercado enquanto lugar
abstrato de articulações entre agentes. A idéia que deu origem à argu­
mentação desenvolvida, idéia que considera que o fato econômico é um
fato social, frisada na introdução desta obra, se traduz aqui pelo fato
de levarem-se em conta relações nas quais os indivíduos estão colhidos.
Estas relações oferecem acesso a recursos, e nisso elas facilitam a ação
econômica; no entanto, quando as relações sociais impedem o desen­
rolar da atividade orientada para o lucro, ou quando elas diminuem a
reatividade das firmas diante de alterações nos constrangimentos mer­
cantis, o contrário pode acontecer. Dessa perspectiva, a inserção social
do econômico não é uma coisa boa em si, e convém, prática e teorica­
mente, considerá-la uma forma de exclusão na medida em que as rela­
ções sociais impedem a atuação de comportamentos egoístas.
Em outro plano, a abordagem em termos de rede mostra como a
coesão social ou a equivalência das posições ocupadas no mercado,
concebido como uma rede de relações, são elementos pertinentes na
explicação dos resultados econômicos.
Redes sociais e funcionamento dos mercados 107

Finalizando, pode ser útil insistir no fato de que a análise de redes


toca também em um ponto muito atual do estudo do mercado ao consi­
derar a importância da dimensão cognitiva. Com efeito, o êxito do estu­
do de Granovetter sobre o mercado de trabalho repousa na idéia de que
a informação sobre o estado do mercado não passa, obrigatoriamente,
pelos preços, e de que ela não se encontra distribuída de maneira eqüi-
tativa entre os participantes do mercado. Os que possuem mais vínculos
frágeis (vínculos de amizade) que vínculos fortes (vínculos de família)
têm acesso a informações mais relevantes e mais eficientes do que os
outros. Por sua vez, o estudo de White frisa o fato de que a vigilância
mútua dos produtores é um elemento constitutivo da estabilidade do
mercado. 0 último capítulo pretende, então, examinar a inserção cog­
nitiva da ótica da sociologia econômica.
A inserção cognitiva
e o mercado

A o longo dos capítulos precedentes, tratou-se muitas vezes dos conhe­


cimentos econômicos à disposição dos agentes: alguma coisa a respeito
disso foi vista quando se tratou da criação do mercado de morango em
Sologne; o assunto foi mais enfocado quando se tratou da evolução das
concepções a respeito da gestão eficiente nos EUA ou da criação de um
megamercado de seguro. Destes diferentes exemplos se deduz que o
fato econômico possui a natureza de um fato social, pois ele intervém
enquanto modo de apreensão do mundo. Para retomar a fórmula empre­
gada por Michel Callon (1998), pode-se falar de uma inserção econômi­
ca dos fatos econômicos no sentido de que os conhecimentos econômi­
cos não constituem apenas um saber sobre elementos que existem fora
do discurso que deles se apodera, mas fazem parte dos meios pelos quais
estas realidades surgem e tomam forma. Na terminologia de Callon, a
economia (conhecimento) “performa” a economia (atividade).
Como tal “performação” é feita? Para compreendê-la, vários ele­
mentos são considerados pela sociologia econômica contemporânea.
Em primeiro lugar, a economia (saber) tem uma influência sobre a
economia (prática) na medida em que ela fornece discursos que legi­
timam a atividade econômica (“a procura do lucro é legítima, pois ela
permite atender melhor ao consumidor”) e na medida em que ela se
impõe, cada vez mais, como uma dimensão essencial do político, o que
Frédéric Lebaron (2000) chama de “crença econômica”. Esta inscrição
da economia (saber) na sociedade moderna passa pelo fato de que o
A inserção cognitiva e o mercado 109

saber é ensinado: a escola tornou-se um dos lugares de difusão maciça


do conhecimento econômico, que, para muitos, é uma das exigências
elementares da educação moderna. Que esta difusão se centre na for­
mação de especialistas, como é o caso dos alunos do ENSAE estudados
por Lebaron, ou que ela ocorra por meio da escalada virtual do jorna­
lismo econômico (DUVAL, 2004), ela faz parte da inserção econômica
da atividade econômica. Em segundo lugar, a economia (saber) fornece
também os parâmetros que importam para que os indivíduos se orien­
tem na atividade prática (a taxa de inflação, os índices de valores da
Bolsa etc.) e participa, como se viu acima, na abordagem de Fligstein,
da criação das concepções do controle. Nesse sentido, a economia (sa­
ber) é uma das “tecnologias invisíveis” do funcionamento do mercado.
Por fim, a economia (saber) se materializa em mecanismos concretos de
cálculo e define ou redefine o mercado, como se pode constatar no caso
das fórmulas de determinação dos preços dos futuros que, alguns anos
depois de terem sido descobertas, se introduziram sorrateiramente no
mercado sob a forma de programas de informática à disposição dos
traders (GODECHOT, 2001, CALLON; MUNIÉSA, 2003).
A sociologia econômica se apóia, então, na sociologia do conheci­
mento e na sociologia das ciências e das técnicas para estudar uma
dimensão que, no entanto, foi desenvolvida pelos economistas, a ponto
de se falar de “inflexão cognitiva” em economia (ORLÉAN, 2002).

Que conhecimentos de economia são relevantes?


Levando-se ao extremo a hipótese do comportamento racional, eco­
nomistas avançaram a suposição da existência de atores dotados de
capacidade de previsão racional, isto é, de atores que agem tendo co­
nhecimento do modelo formal com o qual o economista conceitualiza o
funcionamento do sistema de mercados. Isto não apenas pressupõe uma
grande capacidade por parte de tais agentes, como também pressupõe
que a distância entre o indivíduo e a sociedade finalmente desapareceu,
e que uma socialização extremada atua por intermédio apenas dos pre­
ços e da racionalidade instrumental. O fato de se levar em conta apenas
uma única forma de conhecimento econômico (a dos teóricos) coloca
um problema de fundo. Se se pode admitir - com alguma reserva, exi­
1 1 0 A Sociologia Econômica • Steiner

gida pela preocupação com sua aplicação prática - que os experts dos
ministérios, das empresas, ou os analistas financeiros dominam as ferra­
mentas da teoria econômica, é difícil admitir que os outros atores pos­
suam tal competência. De uma perspectiva sociológica (STEINER, 1998,
Cap. 1), não há como deixar de reconhecer que os conhecimentos de
economia dos agentes vêm de outras fontes; eles são extraídos de valores
diversos ou de exigências axiológicas de ordem política, ética, religiosa
que conformam o modo como os indivíduos pensam sua existência.
Um economista como Solow (1990, p. 2) insiste, aliás, no fato de
que são os conhecimentos do senso comum e as representações usuais
dos agentes que importam quando se trata de compreender seu com­
portamento e suas reações. A partir do momento em que se aceita que
os conhecimentos e as representações dos agentes desempenham um
papel importante em suas ações, sua adequação às regras da teoria eco­
nômica deixa de ter importância. Para uma sociologia econômica que se
ancora em uma sociologia do conhecimento econômico, o ponto digno
de atenção está no descobrimento dos conhecimentos efetivamente mo­
bilizados, ou mobilizáveis, pelos agentes, na compreensão do sentido
das ações desses agentes, a que podem conduzir esses conhecimentos
e, finalmente, na explicação que se pode dar das ocorrências mercantis
que decorrem desses comportamentos. Esta idéia não deixa de ter in­
teresse, como ficou patente graças ao questionário que Shiller (1989,
Cap. 23) aplicou nos traders americanos quando do craque financeiro
de 1987. Embora estes operadores façam uma avaliação prudente dos
problemas com os quais a economia se defronta, a queda do Dow Jo-
nes foi espetacular (- 22,6% em um dia). É bom saber que os traders
tinham na memória a crise econômica de 1929, referência que explica
parte de seu comportamento naquele dia.
Qual é a natureza desses conhecimentos? Comparados aos conheci­
mentos dos virtuosi da teoria econômica, esses conhecimentos, segura­
mente, carecem de rigor, de amplitude, e serão, na melhor das hipóteses,
considerados como versões muito aviltadas do saber da teoria atual.
Façamos uma apreciação do conhecimento (imperfeito) que os cida­
dãos têm dos dados econômicos e do funcionamento da economia. Uma
pesquisa realizada nos EUA (WALSTAD, 1996,1997) realça o estado de
A inserção cognitiva e o mercado 111

desconhecimento das pessoas no tocante à economia, visto que, em uma


amostra representativa da população adulta, um número relativamente
pequeno de indivíduos soube responder a perguntas sobre os valores
dos principais indicadores da atividade econômica e soube compará-los
aos valores que tinham em um passado recente. O Quadro 7 apresenta
algumas das informações coletadas nessa ocasião: a discrepância en­
tre o que sabiam as pessoas pesquisadas e o que seria necessário que
elas soubessem para fazer avaliações racionais (em termos de teoria
econômica) era muito grande, embora o que estivesse em jogo fossem
conhecimentos factuais e não mecanismos, muito mais complexos, de
explicação do encadeamento entre as variáveis.
O estudo revela que os conhecimentos factuais são muito desiguais:
há pouco conhecimento a respeito da taxa de inflação, do montante do
déficit do orçamento federal, da taxa de rendimento dos investimentos,
e há um conhecimento nitidamente mais elevado no caso da definição
do déficit orçamentário, da medida da inflação ou do papel da oferta e
da demanda. O estudo revela também diferenças entre os indivíduos se­
gundo seu nível de escolaridade (as respostas dadas por pessoas que ti­
nham seguido um curso superior eram melhores do que as das outras).

Q uadro 7 Respostas corretas dadas a um questionário sobre conhe­


cimento de economia (em %).

Total dos Adultos com


Resposta
respondentes curso superior
Taxa de desemprego 22 26
Taxa de inflação 11 12
Definição do déficit orçamentário 51 66
Montante do déficit orçamentário 19 24
Responsabilidade da política fiscal 50 55
Responsabilidade da política monetária 33 47
Medida do poder de compra 60 81
Taxa de rendimento 13 22
Papel da oferta e da demanda 64 79

Fonte: W. Walstad (1995, 169).


1 12 A Sociologia Econômica • Steiner

Além dessa primeira constatação, que não causa surpresa, é interes­


sante frisar, na linha das reflexões de Veblen ou de Simiand, a impor­
tância que as grandezas nominais assumem aos olhos dos indivíduos.
Os economistas definem a ilusão monetária como um comportamento
econômico no qual o comportamento do agente depende das grandezas
expressas em tal ou tal unidade monetária e não das grandezas reais
(grandezas nominais divididas por um índice de preço). O problema
é particularmente agudo quando existem variações do nível geral dos
preços (inflação ou deflação). Entre as situações experimentais escolhi­
das para caracterizar essa ilusão (SHAFIR; DIAMOND; TVERSKY, 1997)
destaquemos a seguinte: Alain, Bernard e Charles ganham, cada um,
um milhão de francos que gastam imediatamente na compra de uma
casa. Cada um deles a vende um ano mais tarde, mas as condições
econômicas em que se dá essa venda não são iguais: Alain vende sua
casa por 770.000 francos (23% a menos do que o preço de compra),
sendo que ele vive numa região com uma deflação de 25%; os preços
variaram pouco (- 1%) onde morava Bernard, que vende sua casa por
990.000 francos; com uma inflação de 25%; Charles vende sua casa por
1.230.000 francos (23% a mais do que o preço de compra). Pergunta-
se, no experimento, quem realizou a melhor operação econômica. As
respostas obtidas revelam claramente a importância do fenômeno da
ilusão monetária:

Q u ad ro 8 A ilusão monetária.

Alain Bernard Charles


Resultado nominal - 23% -1 % + 23%
Resultado real + 2% 0% -2 %
Respostas/dasse 1 37% 17% 48%
2 10% 73% 16%
3 53% 10% 36%

Fonte: E. Shafir, P. Diamond e A. Tversky (1997, p. 353-354).

Embora Alain tenha feito a melhor operação e Charles a pior, dois


terços dos respondentes não vêem isso dessa forma. Além disso, a res­
A inserção cognitiva e o mercado 113

posta modal era Charles, em seguida Bernard, depois Alain, o que quer
dizer que a inversão das situações, real e nominal, foi escolhida com
mais freqüência. Os autores do estudo se mostram, aliás, cautelosos
quanto à possibilidade de mudar o comportamento dos agentes por
meio da teoria econômica, tanto o raciocínio em termos nominais pare­
ce mais natural, mais fácil de utilizar e capaz de funcionar corretamente
em muitas situações (em situações em que não há variação dos preços).
Este fenômeno não havia escapado a Simmel quando ele estudava as
conseqüências sociais da introdução da moeda nas trocas. A referência
a Simmel não tem apenas um interesse histórico: como Boudon (1990,
Cap. 3, p. 10) demonstrou, Simmel foi também o ponto de partida de
uma proposição importante para a sociologia do conhecimento, propo­
sição segundo a qual os erros resultam dos a priori que os indivíduos
utilizam, inclusive quando fazem raciocínios corretos. No caso, a moeda
é um padrão de valor, mas ela não desempenha mais esse papel no caso
de variações complexas nas taxas de inflação.

Crenças coletivas e mercados financeiros

André Orléan (1992) debruçou-se sobre o funcionamento dos mer­


cados financeiros para mostrar o papel decisivo das interações entre os
agentes que estão nesse mercado. Contrariamente à opinião que preten­
de que os especuladores racionais prevaleçam sobre os especuladores
mal informados ou não racionais, contribuindo para estabilizar os cur­
sos, Orléan volta à profunda intuição de Keynes (1936, Cap. 12), quan­
do ele afirmava que os especuladores não estão tão interessados em fa­
zer estimativas precisas dos rendimentos futuros dos ativos financeiros,
mas mais interessados em prever, um pouco antes dos demais agentes,
as evoluções do mercado. Nessa configuração, os preços podem não
mais dar uma informação sobre o estado da economia “real”; eles po­
dem estar refletindo, apenas, as crenças dos especuladores. Com efeito,
quando um deles tem dúvidas sobre a qualidade de suas informações,
é racional, para ele, imitar o comportamento de seus colegas (pois eles
podem estar de posse de uma informação melhor) com os quais está em
interação. Estamos, assim, em uma situação de “profecia que se auto-
1 1 4 A Sociologia Econômica • Steiner

realiza”, segundo a expressão foijada por Robert K. Merton (1957): a


evolução dos preços transforma-se numa auto-referência no sentido de
que a crença (mesmo sem fundamento) em dada evolução basta para
fazê-la advir, e a observação subseqüente dos preços, que constata essa
evolução, a confirma e dá origem a uma bolha especulativa cujo destino
é desaguar em uma crise assim que as crenças se invertem.
Em um trabalho mais recente, o mesmo autor (ORLÉAN, 2002) de­
fine com precisão a noção de “crença social” como a crença que passa a
atuar no mercado financeiro quando um cambista atribui determinada
convicção a outros cambistas, mesmo que ela não esteja apoiada em
um fato (“tal moeda está supervalorizada pelo mercado”), mas nessa
crença criada pelo grupo (“o mercado acredita que tal moeda está su­
pervalorizada”). Nessa hipótese, o cambista pode muito bem acreditar
na proposição inversa (“esta moeda não está supervalorizada”), mas
agir segundo a crença que ele imputa ao grupo, a qual orienta as trocas
e, assim, se auto-realiza.
Esta demonstração é, seguramente, muito importante em um período
em que, em razão da liberalização dos mercados financeiros, estes se
tomaram um constrangimento considerável para as políticas dos Es­
tados. Frédéric Lordon (1997) desenvolve uma tese de acordo com a
qual a política econômica, antes de poder influenciar a economia “real”,
precisa convencer o mercado, isto é, ela precisa ser “crível”. Na falta
disso, se os operadores do mercado financeiro pensam de modo contrá­
rio, eles terão uma postura especulativa contra os efeitos dessa política
econômica, que será aniquilada antes de ter podido produzir o menor
resultado. Por exemplo, a teoria econômica pressupõe comumente que
uma alta da taxa de juros toma mais atrativa uma divisa ao elevar a
remuneração dos ativos financeiros expedidos nessa moeda; como esta
divisa passa a ser mais procurada, sua taxa de câmbio sobe. Porém, os
operadores do mercado financeiro podem interpretar tal medida dife­
rentemente ao pensar que a alta da taxa de juro vai frear o investimento
e o crescimento vai gerar conflitos entre o governo e o Banco Central,
dois fenômenos que tomam menos atrativa a moeda desse país e sua
taxa de câmbio, que vai se depreciar.
A inserção cognitiva e o mercado 115

A economia das convenções

Esta corrente bastante específica da teoria econômica francesa tem inú­


meras conexões com a sociologia econômica. O projeto geral que a anima
gira em torno do estudo das diversas modalidades de combinação que atuam
no campo econômico, como é o caso da empresa, do Banco Central, dos
padrões técnicos, da equidade ou das normas que regulam comportamentos
(ORLÉAN, 1994, p. 15). Trata-se então de identificar os conhecimentos co­
muns, as regras, que os indivíduos seguem nos processos mercantis em que a
busca do ganho é um dado incontornável.
Como mostrou Olivier Favereau (1988), a Théorie générale de Keynes con­
tém, na parte consagrada ao especulador, notável exposição de uma situação
na qual o mecanismo mercantil se estriba em uma articulação profundamente
diferente da articulação defendida pela análise econômica padronizada do
especulador: trata-se de uma relação de contato entre agentes que se pode
classificar como um comportamento "de especular". Não se trata de desco­
brir o que é verdadeiro (o curso dos ativos financeiros em função dos "fun­
damentos" reais), mas de descobrir, antes dos demais agentes, o que eles,
em média, pensam e pretendem fazer. Para retomar um exemplo clássico,
trata-se de uma situação similar à situação na qual pede-se a um jogador que
diga qual será a escolha da maioria dos jogadores quando colocados diante
da tarefa de selecionar uma determinada fotografia como a mais percuciente,
a mais bela etc. Com isso procura-se chegar à opinião que prevalece entre
os outros jogadores. O que está em jogo, então, não é dar uma opinião, por
mais bem fundamentada que ela seja, mas adivinhar a opinião do outro, visto
que é isto que garante o ganho.
Na situação descrita, existe uma grande similitude com o projeto de pes­
quisa da sociologia econômica tal como nós o definimos, ou seja, um projeto
que se desenvolve em torno das articulações que acontecem no mercado e
da análise das mediações sociais concretas que permitem o funcionamento
efetivo das relações mercantis; a título disto, o conceito de rede social pode
ser considerado como uma forma de articulação específica. Aliás, esse con­
ceito não deixa de atrair a atenção de economistas (KIRMAN; VIGNES, 1989;
KIRMAN, 1999) sensíveis às incertezas do mercado walrasiano e à noção de
agente representativo, duas formas de raciocínio que descuidam do problema
da articulação. A familiaridade dos laços entre os agentes também é vista com
atenção nos dois casos, já que em ambos se considera necessário levar em
conta situações nas quais intervém diferentes modalidades da ação.
116 A Sociologia Econômica • Steiner

Não obstante isso, considerada nas três dimensões lembradas aqui, a so­
ciologia econômica tem um programa próprio na medida em que se dedica
ao exame do que Weber chamava de estudo das conseqüências sociais da
generalização de tal, ou tal, forma de troca; ela também tem um programa
próprio, visto que parte de um esforço mais empírico no qual a racionalidade
é mais uma variável do que um dado (SWEDBERG, 1994).

Sociologia econômica e conhecimento de economia

É preciso extrair uma conseqüência importante da existência de tais


fenômenos. Com efeito, a Figura 1 (Cap. 2), que mostra que a teo­
ria econômica e a sociologia econômica partiam de dados econômicos
para explicar, cada uma à sua maneira, os fenômenos econômicos, li­
mitava-se a uma abordagem positivista na qual os fenômenos econômi­
cos estão isentos de influências ligadas aos conhecimentos de economia
que possuem os agentes. Para superar esse patamar, pode-se introduzir
nas cogitações uma forma de reflexibilidade na sociologia econômica;
com ela se faz com que a interação entre as representações e os conheci­
mentos de economia dos agentes passe a interferir enquanto mediação
entre os dados econômicos e os resultados econômicos.
Numa sociologia econômica que leva em conta a faceta reflexiva de
seu objeto de estudo, a teoria econômica não é apenas uma explicação
alternativa, pois ela interfere também a título de mediação social, me­
diação pela qual os dados econômicos (especialmente tudo o que con­
cerne à formação das representações) são assimilados e interpretados
pelos agentes. É importante enfatizar, igualmente, que não apenas a
teoria econômica, com sua preocupação com o rigor lógico, contribui
para a formação das representações econômicas; mas também outras
fontes interferem no surgimento do senso econômico comum existen­
te na sociedade: os interesses de cada um, ditados pela posição que
cada indivíduo ocupa na atividade econômica, e os valores (éticos,
religiosos, políticos), que estão na origem de conhecimentos econômi­
cos contextualizados.
Ao considerar a inserção cognitiva dos comportamentos econômi­
cos, isto é, dos “efeitos de teoria” (Bourdieu) do conhecimento econô­
A inserção cognitiva e o mercado 117

mico sobre os comportamentos concretos, a sociologia do conhecimen­


to econômico proporciona um alicerce à dimensão crítica da sociologia
econômica quando esta denuncia a teoria econômica que se apresenta
como um discurso de expert, descolado de qualquer contexto social em
nome de uma objetividade técnica discutível. Como já afirmava catego­
ricamente Weber (1917, p. 462):

“[...] As racionalizações econômicas, por mais ‘justas’ que


pareçam de um ponto de vista técnico, de forma alguma se jus­
tificam em razão apenas dessa qualidade no fórum da avaliação
a que se entregam os indivíduos. Isto vale, sem exceção, para
todas as racionalizações, inclusive para as que se passam nos
domínios aparentemente tão exclusivamente técnicos como o
sistema bancário.”

As pessoas que se erguem contra estes discursos técnicos não são ne­
cessariamente insensatas, diz esse autor. Elas contribuem para colocar
questões cruciais quando se trata de examinar as conseqüências sociais
do desdobramento de tal ou tal configuração econômica. Em virtude
disso, a sociologia econômica adquire uma dimensão mais diretamente
política no contexto atual, em que a argumentação econômica é um
componente forte do debate público em todos os níveis.

Conclusão

A dimensão cognitiva não está ausente da teoria econômica, pelo


contrário: é porque ela não está ausente que a sociologia econômica e a
teoria econômica podem, no que concerne a princípios, mais se articu­
lar que se confrontar. Desde sua origem, a sociologia econômica frisou
o papel das representações (DURKHEIM; VEBLEN) e do sentido da ação
(Weber) de modo a alargar a participação fundamental que a ação deve
ter no estudo dos fenômenos econômicos. Por sua vez, por seus pró­
prios caminhos (teoria das previsões), a teoria econômica reconhece a
importância desta dimensão: isso não se deve ao acaso. Os economistas
foram pegos por um aspecto do comportamento humano, válido no
mercado como alhures, que eles haviam, a maior parte deles, deixado
11 8 A Sociologia E conôm ica • Steiner

à margem de seu caminho. Ora, essa dimensão cognitiva não se refere


apenas às informações à disposição dos agentes (no sentido de que só
importariam os conhecimentos à sua disposição, com as inescapáveis
assimetrias de informação que a eles estão associadas) ou às competên­
cias cognitivas (os conhecimentos mais elaborados - os modelos -, por
meio dos quais os agentes pensam o mundo), mas também aos valores
por meio dos quais os indivíduos concebem o mundo, e agem em con­
sonância com isso.
Nestes diferentes níveis, podem-se combinar diferentes formas de
racionalidade, como propôs Boudon (1998), e, no caso da sociologia
econômica, as articulações entre racionalidade instrumental, racionali­
dade axiológica e racionalidade cognitiva são, sem dúvida, as mais im­
portantes a se considerar. Afinal de contas, como mostrou Sen (1991),
não é o altruísmo que se opõe realmente ao comportamento racional
egoísta, mas o comportamento de um agente que, com conhecimento
de causa, opta por não procurar seu interesse em nome de um valor que
se impõe a ele.
Conclusão

A contribuição da sociologia econômica está, em primeiro lugar, ligada


ao estudo da construção social das relações mercantis e, mais generica­
mente ainda, ao estudo da origem social dos fenômenos econômicos.
Não se trata apenas de revelar a existência de um conjunto de repre­
sentações, de instituições e de normas, mais ou menos coercitivas, que
impedem o desenvolvimento sem entraves do comportamento egoísta
e do sistema mercantil, que acabariam, mais cedo ou mais tarde, por
transgredir ou contornar. Trata-se de relações sociais cuja lógica de fun­
cionamento não é econômica, mesmo se elas facultam aos mercados
funcionar; elas são, igualmente, modos de intervir na luta pelo domínio
das oportunidades de obtenção de lucro. Elas não servem, então, ape­
nas para proteger as sociedades humanas da sanha da economia. Esta
dimensão histórica, ou, mais exatamente, institucional da sociologia
econômica, a faz aproximar-se da escola alemã que floresceu no fim do
século XIX (da qual Weber e Schumpeter são herdeiros) no sentido de
que esta última esforçou-se por produzir uma história racional dos fatos
econômicos, levando em conta o contexto sociopolítico e os elementos
culturais e éticos que mobilizam a atuação dos indivíduos.
Por meio de sua dimensão analítica, a sociologia econômica se apos­
sa desses resultados para propor uma explicação dos fenômenos mer­
cantis, já que estes nem sempre podem ser explicados unicamente pelo
ajuste dos preços. Tendo identificado todo um conjunto de mediações
120 A Sociologia E conôm ica • Steiner

sociais (redes sociais, relações domésticas, políticas e jurídicas, conhe­


cimentos de economia) que operam nos mercados, a sociologia econô­
mica propõe explicações para as ocorrências que se observam nesses
mercados. Desse ponto de vista, a ênfase dada às redes sociais liga-se ao
fato de que se trata de uma área de pesquisa na qual os resultados mais
inovadores, tanto de uma perspectiva teórica quanto de uma perspecti­
va empírica, foram muitas vezes obtidos nestes últimos anos.
Na verdade, as conquistas da sociologia econômica contemporânea
são ainda parciais, mas não deixam de ser convincentes e instigantes.
Uma boa razão para pensar assim vem da acolhida que lhe reservam os
economistas.
Como se teve oportunidade de frisar nos capítulos precedentes, as
abordagens heterodoxas da teoria econômica, como a economia das
convenções e a teoria da regulação, possuem pontos de contato com
a sociologia econômica, já que aproveitam, também elas, os recursos
que a sociologia e a história oferecem para superar o que lhes parece
insatisfatório na teoria econômica padrão. De qualquer modo, é preciso
destacar que uma apreciação positiva não está ausente nos economistas
ortodoxos. Arrow (1998) apontou que, no que diz respeito aos proble­
mas de discriminação econômica, a teoria econômica nada tem a dizer
e que é melhor se voltar para a sociologia das redes tal como ela foi
aplicada ao mercado de trabalho. De modo mais geral, Kirman (1999)
insistiu sobre o fato de que a teoria econômica, não podendo mais se
ater à visão, que durante tanto tempo foi a sua, de relações mercantis
esvaziadas de qualquer conteúdo social, deveria voltar-se para as no­
ções de organização e de rede de relações para tratar da articulação dos
agentes no mercado.
Tudo isso deixa surgir o que se pode chamar de “programa forte” da
sociologia econômica, que a leva a enfrentar sem rodeios questões da
teoria econômica para fornecer respostas cientificamente pertinentes,
impossíveis de formular no quadro da teoria econômica padrão, que
imagina poder prescindir da idéia, aqui considerada fundamental, do
fato econômico como fato social. Por conta disso, a sociologia econômi­
ca comporta uma dimensão crítica da teoria econômica. A crítica apa­
C onclusão 121

rece com maior relevância na esfera científica, na qual se confrontam


explicações alternativas das ocorrências econômicas. O mesmo acontece
quando a teoria econômica perde suas próprias referências e se transfor­
ma em imperialismo econômico, um pseudo-saber que, por deslocamen­
tos contínuos, reduz todo comportamento humano à escolha racional
com o fito de fazer com que se acredite que a análise econômica teria em
seu poder o alpha e o ômega da excelência humana e social (LAZEAR,
2000). Este desvio, do qual um economista como Knight (1933) se quei­
xava desde os anos 30, transforma a argumentação erudita em tagareli­
ce de experts que não admitem réplica. Amparada em uma sociologia do
conhecimento econômico, a dimensão cultural e cognitiva da sociologia
econômica mostra como se formam e se opõem diferentes formas de
conhecimento no campo econômico; ela desvenda assim, de maneira
original, o funcionamento deste último na medida em que os compor­
tamentos econômicos são, em parte, talhados pelos conhecimentos à
disposição dos agentes.
A sociologia econômica não alimenta, no entanto, nenhuma oposi­
ção de princípio à economia econômica. No nível da economia aplicada,
há relações estreitas entre as duas abordagens porque nesse nível nin­
guém pode desprezar os fatos sociais decisivos para a compreensão dos
fatos econômicos concretos. No nível teórico, que, de alguma forma,
fixa a referência central do economista, as relações são mais difíceis
(SWEDBERG, 1990), mas, como provam os exemplos citados, vínculos
sólidos foram estabelecidos entre as duas abordagens.
Por sua natureza, a sociologia econômica se encontra colocada na
confluência da sociologia com a economia. Ao rejeitar as dicotomias
habituais (inserção ou não-inserção social da economia, mercado ou
sociedade, ação racional orientada por finalidade ou por valor etc.), ela
se coloca em uma posição intermediária em que se vê às voltas com as
dificuldades contidas nas situações híbridas de que a teoria econômi­
ca padrão não cuida. Este procedimento é, indubitavelmente, uma das
razões da força de suas proposições. Ela é, assim, o alicerce a partir do
qual a sociologia econômica define progressivamente uma dinâmica de
pesquisa específica, capaz de melhorar e equilibrar as relações entre
economia e sociologia.
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